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    Ocupar com k

    Os squatters invadem espaços abandonados para contestar o capitalismo e acultura de massa

    Cleber Rudy

    1/8/2013

    A foto acima mostra a pintura na fachada de uma casaokupada em Curitiba, que durou mais de uma décadagraças às atividades de rua.

    O termo“gentrificação” éusado para explicarum importantemecanismo demanutenção deespaços ociosos,

    sobretudo nas regiões centrais das

    grandes cidades. Sãotransformações que tem como fimrecuperar o valor de áreasespecíficas, almejando enobrecê‐las. Em resposta a esse jogo deinteresses, o movimento squatter desafia as políticas excludentesligadas à especulação imobiliária.Seu método são as ocupações.

    A prática não é recente. Omovimentonasceu na Europa dosanos 1960, propondo, comoalternativa à falta de moradia, a ocupação de casas, apartamentos e prédios desocupados ouabandonados em razão da especulação. A partir da década de 1980, essa modalidade de lutaurbana estreitou vínculos com a cultura punk e o anarquismo. Essa aliança político‐cultural fezgerminar diversos centros de atividades sociais.

    Tipicamente urbanos, os squatters ou okupas (como são chamados na Espanha e na AméricaLatina) atraem uma diversidade de adeptos: desempregados, estudantes, punks, anarquistas,ecologistas, feministas, artistas... Ao grafar okupaçãocom a letra k, o objetivo é diferenciar‐se

    de outras categorias de ocupações urbanas, focadas unicamente no direito à moradia, a exemplodo Brasil de coletivos que reivindicam reformas urbanas, como a União dos Movimentos deMoradia, o Movimento dos Trabalhadores Sem‐Teto e a Frente de Luta pela Moradia. No caso dasokupações, a questão do direito à moradia também está em voga, mas acompanhada demotivações políticas que almejam a criação de espaços culturais, como ateneus libertários,bibliotecas e oficinas.

    Em 1987, a banda punk paulista Cólera, em turnê pela Europa, conheceu de perto a atmosferasquatter  ao realizar a maioria dos shows em squats. O encarte de seu LP European Tour`87 trouxe relatos de cada show: “o local era uma faculdade abandonada, um enorme edifício

    ocupado pelos punks alemães”. Isto possibilitou, no mínimo, um exercício de reflexão de algunspunks brasileiros sobre a existência de tal prática urbana e seus possíveis vínculos com a culturapunk.

    O squat ouokupa, propriedade ocupada ilegalmente,visa revitalizar o espaço por meio do

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    comprometimento coletivo: providenciar água, luz (por vezes de forma clandestina), limpeza ereforma em regime de mutirão. A administração do lugar se dá através do compartilhamento deresponsabilidades.Também há solidariedade entre as okupaçõesexistentes no Brasil e uma redede intercâmbio internacional.

    No Brasil, a prática deu seus primeiros passos no final da década de 1980, mas a primeiraexperiência a ganhar destaque na mídia ocorreu em julho de 1993: em Florianópolis, um prédiode 15 cômodos da prefeitura foi ocupado por cerca de dez anarco‐punks. “Anarco‐punks invadem

    prédio buscando um espaço alternativo”, estampou em manchete o jornal local O Estado, queassim descreveu o grupo: “Eles são anarquistas, mas frisam que não são desordeiros. Prova dissoé a tentativa de recuperar o local abandonado desde o incêndio que aconteceu no ano passado.Sonham com um mundo onde não existam governantes, apenas respeito entre as pessoas”.

    O movimento anarco‐punk originou‐se das clivagens do punk, surgido nos anos 1970 nos subúrbiostanto dos Estados Unidos como da Inglaterra, em grupos de jovens que tinham suas perspectivasde vida frustradas diante de um cenário de crise econômica refletida em crescente desemprego.Com atitudes provocadoras e desordeiras, os punks revelaram ao mundo uma nova expressãoestética e comportamental. Ainda no final da década, o movimento ecoava no Brasil por meio daimprensa e da venda de discos importados.

    Nos anos 1980, com a abertura política, alguns punks travaram contato com militantesanarquistas e passaram a participar de discussões promovidas por coletivos libertários de SãoPaulo. Assumiam uma identidade de luta comprometida com as questões sociais e marcada porreflexões oriundas do anarquismo. Na década de 1990, o Movimento Anarco‐Punk (MAP) jáagregava uma rede de núcleos em diversas cidades do Brasil.

    Numa época de descaracterização do ideal anarquista, comumente tachado como desordempelos meios de comunicação, os anarco‐punks faziam questão de afirmar a força e a criatividadedo pensamento libertário como intervenção política. Para o grupo que ocupou o prédio público

    de Florianópolis, a criação de um espaço alternativo era vista como um exercício de autogestão,apoio mútuo e afronta aos valores do mundo capitalista – entre os quais a propriedade privada ea massificação cultural. Aquele squat destinava‐se a eventos e trabalhos que se colocavam nacontramão do sistema social excludente.

    Em julho de 1995, outra okupaçãolevada a cabo por anarco‐punks ganhou alento na periferia deCuritiba. Conhecida como Squat Kaäza, durou mais de uma década graças a atividades de rua,como a venda de fanzines (jornais artesanais) e adesivos (feitos em serigrafia própria) para gerarrenda. No fanzine Inf. Punk, os membros da Kaäza informavam: “decidimos trocar os vidros dasjanelas, (...) começamos a vender o fanzine ‘Sentidos do Ser’ nº 5 que teve sua renda convertidaaos novos vidros. Todo o lado exterior da casa estava exposto a toda movimentação queacontecia na quadra por estar totalmente desprotegido, porque o muro que existia estava tododestruído. Organizamos então um pedágio em prol da construção do muro”.

    Além dessas atividades que lhes permitiam viver à margem do trabalho formal, os squatterstambém encontraram no desperdício da sociedade de consumo uma rica fonte de suprimentos.Do excedente tornado lixo e abandonado pelas calçadas garimpam‐se materiais que serão usadosna restauração de construções degradadas ou como mobiliário nos espaços ocupados, onde acriatividade torna‐se o diferencial nessa arte de reciclar.

    Ainda em Curitiba, alguns punks anarquistas – que haviam passado pela experiência da Kaäza –

    ocuparam, em 1997, outra casa abandonada próxima ao Centro, com dois andares e 17 cômodos,constituindo o Squat Payoll. No ano seguinte, na busca por atuar como uma célula culturalalternativa, eles organizaram sua primeira Jornada Cultural, com palestras sobre os movimentospunk e squatter , exposição de vídeos, recitais de poesias, teatro e show beneficente para osquat, com apresentação de bandas punks.

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    Mas o Squat Payoll não sobreviveria para ver o novo milênio. Ações policiais para apreendermateriais – incluindo registros documentais que comprovariam a melhoria do espaço – foramseguidas da prisão de vários okupas. A situação se complicou em 1999 em função de uma açãomovida pelo proprietário do imóvel contra os ocupantes do espaço, que responderiam porinvasão de domicílio. Mesmo contando com a assistência jurídica de um advogado ligado amovimentos sociais, os squatters já previam o desfecho do processo: uma ação de despejo.

    Na virada para o século XXI, o movimento squatter ganhou fôlego no Brasil, com crescentes

    ocupações. Entre elas, o Squat Teimosia, criado em Porto Alegre em 2004. Em uma casa de 30cômodos no Bairro Bom Fim, área nobre no centro da cidade, o Teimosia abrigava biblioteca evideoteca, patrocinava oficinas de confecção de velas e trabalhos com graffiti e percussão.Acabou por enfrentar os problemas da maioria das okupações: ataques neonazistas e investidaspoliciais. Logo no início desta ocupação, alguns skinheads tentaram intimidar os ocupas,depreciando o espaço, rasgando e surrupiando faixas com mensagens de protesto do squat.Também havia confrontos envolvendo punks e skinheads nas imediações da ocupação.

    Quanto à polícia, uma de suas ações culminou no confisco de livros e vídeos e na detenção de 25pessoas. Em 2005 foi cumprida uma ação de reintegração de posse. Vida que segue ou, comoeles dizem, “Um desalojo, outra ocupação”: os anseios de manutenção de um espaço culturalalternativo resultaram no Squat N4, posteriormente chamado de Bosque Ibirapijuca, ainda hojeexistente.

    Dos 43 mais importantes squats realizados no país até 2012 – a maioria na região Sul e em SãoPaulo – quase todos foram extintos por ações de despejo. Entre as okupaçõesque sobrevivem àespeculação imobiliária, destacam‐se o J13 e o Alvorada Libertária, no Paraná; o Korr‐Cell e oGuamirim de Maio, em Santa Catarina; o BosqueIbirapijuca e o 171, no Rio Grande do Sul.

      Por meio da desobediência civil, esses punks‐anarquistas escrevem uma história paralelade alternativas criativas para o problema habitacional.

     

    Cleber Rudy é autor da dissertação “Os Silêncios da Escrita: a historiografia em Santa Catarina eas experiências libertárias (1960‐2000)”, (Udesc, 2009).

     

    Saiba mais

    BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad, 2001.

     

    SCHECTER, Stephen. Política da Libertação Urbana. Lisboa: Sementeira, 1978.

     

    TAVARES, Carlos A.P. O que são Comunidades Alternativas. São Paulo: Nova Cultural/Brasiliense, 1985.

     Internet:

    www.squat.net

    http://www.squat.net/

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    www.okupayresiste.blogspot.com

     

    Filme:

    O que fazer em caso de incêndio? (Greogor Schnitzler, 2003).

     

    Na Holanda, os krakers

     

    No fervor da contracultura dos anos de 1960, casas vazias em Amsterdã, capital da Holanda,apareciam com suas portas e fachadas pintadas de branco. Era um sinal de que estavamocupadas. Dessas primeiras reações à especulação imobiliária de grandes áreas urbanas, nasceriaum movimento de grande notoriedade internacional: Kraker (do inglês crack, quebrar). No augede suas ações, na década de 1980, o grupo chegou a realizar mais de 15 mil ocupações, e deu

    forma a um importante arsenal de propaganda, constituído pela revista Bluf!, rádiosclandestinas, livrarias, oficinas gráficas, assessoria jurídica, bares e cafés. Para se prevenir dasviolentas ações policiais no cumprimento de ações de despejo, os krakers criaram recursos deresistência que iam de um elaborado sistema de comunicação (rede de ajuda), que mobilizavadezenas de militantes, até o uso de barricadas, pedras e coquetéis molotov. Eles foram um dosembriões do movimento squatter  de verve anarquista. Recentemente, mudanças na legislaçãoda Holanda criaram, em 2010, a lei “antikraak”, criminalizando as ações de ocupação ecolocando em xeque inúmeros espaços mantidos pelos krakers, situação que tem gerado fortesprotestos.

     

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