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OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES

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OBSERVATÓRIODAS METRÓPOLES

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SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO ISBN 978-85-7173-077-9FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICASiegfried Emanuel Heuser

GESTÃO METROPOLITANA

NO CANADÁ

Ricardo Brinco

Porto Alegre, 2008

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G O V E R N O D O E S T A D ODO RIO GRANDE DO SUL

SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO

Secretário: Mateus Affonso Bandeira

DIRETORIAPresidente: Adelar FochezattoDiretor Técnico: Octavio Augusto Camargo ConceiçãoDiretor Administrativo: Nóra Angela Gundlach Kraemer

CENTROSEstudos Econômicos e Sociais: Sônia Unikowski TeruchkinPesquisa de Emprego e Desemprego: Roberto da Silva WiltgenInformações Estatísticas: Adalberto Alves Maia NetoInformática: Luciano ZanuzEditoração: Valesca Casa Nova NonnigRecursos: Alfredo Crestani

B858

Brinco, Ricardo, 1947- Gestão metropolitna no Canadá / Ricardo Brinco. Porto Alegre: FEE, 2008.

185p. : il.

ISBN: 978-85-7173-077-9

1. Planejamento urbano – Canadá 2. Planejamento metropolitano – Canadá II. Título III.Fundação de Economia e Estatística Siegfried Samuel Heuser

CDU 711.5(71)

CIP Naila Touguinha LomandoCRB-10/711

Desenho da capa: Ricardo Brinco

Tiragem: 500 exemplaresToda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à:FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE)Rua Duque de Caxias, 1691 — Porto Alegre, RS — CEP 90010-283Fone: (51)3216-9049 — Fax: (51)3255-0006E-mail: [email protected] parte desta obra poderá ser reproduzida, desde que citada a fonte.

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Este livro é um desdobramentro da sublinhaSistematização das Experiências dos ModelosInstitucionais de Gestão Metropolitana, do projetoObservatório das Metrópoles: Território, CoesãoSocial e Governança Democrática, que conta com oapoio do Programa do Milênio, 2005-2008 – Edital MCT/CNPq 01/2005. O projeto é coordenado pelo Doutor LuizCesar de Queiroz Ribeiro (IPPUR-UFRJ).O autor agradece aos colegas do Núcleo de EstudosRegionais e Urbanos (NERU-FEE) e, em especial, a JoséAntonio Fialho Alonso, a leitura do texto e seuscomentários.

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Ring the bells that still can ringForget your perfect offering

There is a crack in everythingThat’s how the light gets in.

Leonard Cohen

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ..................................................................................

LISTA DE TABELAS E FIGURAS ..........................................................

APRESENTAÇÃO ..................................................................................

INTRODUÇÃO ........................................................................................

1 FATOS BÁSICOS QUE AFETAM A VIDA DOS GOVERNOS LO-CAIS NO CANADÁ ....................................................................

1.1 Tendências demográficas no Canadá ........................................1.2 O sistema político vigente no Canadá ........................................1.3 As estruturas político-territoriais .................................................1.4 A organização municipal canadense ..........................................1.5 A autonomia fiscal das municipalidades .....................................1.6 Como funcionam as municipalidades canadenses .....................1.7 O mecanismo das fusões de municipalidades como uma

especificidade canadense ..........................................................

2 A CIDADE DE TORONTO E A ÁREA DA GRANDE TORONTO(GREATER TORONTO AREA – GTA) .......................................

2.1 A Província de Ontário ................................................................2.2 Toronto e suas relações de dependência com o Governo Pro-

vincial .........................................................................................2.3 A Cidade de Toronto e sua dinâmica econômica ........................2.4 Toronto e sua dinâmica populacional ..........................................2.4.1 A relevância dos fluxos migratórios ............................................2.5 O processo de ocupação da área metropolitana ........................2.6 A formação da Toronto Metropolitana (Metro Toronto) ................2.7 A formação da megacidade de Toronto ......................................2.7.1 Os preliminares e as razões da fusão ........................................2.7.2 Resistências opostas à fusão .....................................................2.7.3 Vantagens e custos adicionais associados à fusão ....................2.7.4 Transferência de atividades e de encargos quando da fusão .....2.7.5 Um novo plano para a Cidade de Toronto ..................................2.8 A área da Grande Toronto ..........................................................2.8.1 O planejamento regional na GTA ...............................................

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2.8.2 A situação dos transportes na GTA ............................................2.8.3 Sistemas públicos de transporte na GTA....................................2.8.3.1 O sistema GO Transit .................................................................2.8.3.2 O sistema de metrô ....................................................................2.8.3.3 Outros sistemas de transporte público .......................................2.8.4 O papel da agência metropolitana de transportes ......................2.9 A Cidade de Toronto e o futuro da GTA ......................................

3 A CIDADE DE MONTREAL E A COMUNIDADE METROPOLI-TANA DE MONTREAL (COMMUNAUTÉ MÉTROPOLITAINE DEMONTRÉAL – CMM) .................................................................

3.1 A Província de Quebec ...............................................................3.1.1 O movimento separatista de Quebec .........................................3.2 A Cidade de Montreal .................................................................3.3 A população de Montreal e a da Grande Montreal .....................3.3.1 O papel dos fluxos migratórios ...................................................3.3.2 Montreal, uma cidade bilíngüe....................................................3.4 Estrutura e dinâmica socioeconômica de Montreal ....................3.5 Os trabalhos das comissões e a questão da governança metro-

politana em Montreal ..................................................................3.6 A Comunidade Urbana de Montreal (Communauté Urbaine de

Montréal - CUM) .........................................................................3.7 A reforma municipal de 2001 ......................................................3.7.1 A fusão e a nova Cidade de Montreal .........................................3.7.2 O episódio da “desfusão” de municipalidades ............................3.8 O Conselho da Aglomeração de Montreal ..................................3.9 A Comunidade Metropolitana de Montreal (Communauté Métro-

politaine de Montréal) .................................................................3.10 A situação dos transportes .........................................................3.10.1 O metrô ......................................................................................3.10.2 Transportes e governança ..........................................................3.10.3 O plano de transportes da Cidade de Montreal ..........................3.11 O planejamento territorial em Montreal .......................................

4 A CIDADE DE VANCOUVER E O DISTRITO REGIONAL GRAN-DE VANCOUVER (GREATER VANCOUVER REGIONALDISTRICT – GVRD) ...................................................................

4.1 A Província da Colúmbia Britânica .............................................4.2 A Cidade de Vancouver e o Distrito Regional da Grande Vancouver4.3 O formato institucional do Distrito Regional da Grande Vancouver

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4.3.1 Os antecedentes do Distrito Regional da Grande Vancouver .....4.3.2 As funções institucionais do Distrito Regional da Grande Vancou-

ver ..............................................................................................4.4 O sistema de transportes e o Distrito Regional da Grande Vancou-

ver ..............................................................................................4.5 O Conselho de Diretores do Distrito Regional da Grande Vancou-

ver ..............................................................................................4.6 O planejamento regional na Grande Vancouver .........................4.7 Suburbanização versus crescimento concentrado na Grande

Vancouver ..................................................................................4.8 O desempenho econômico da Grande Vancouver .....................4.9 O desempenho institucional do Distrito Regional da Grande

Vancouver ..................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................

REFERÊNCIAS.......................................................................................

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LISTA DE SIGLAS

ALR Agricultural Land ReserveAMT Agence Métropolitaine de TransportCMA Census Metropolitan AreaCMM Communauté Métropolitaine de MontréalCUM Communauté Urbaine de MontréalFCM Federation of Canadian MunicipalitiesGTA Greater Toronto AreaGTSB Greater Toronto Service BoardGTTA Greater Toronto Transit AuthorityGVRD Greater Vancouver Regional DistrictLRV Light Rail VehicleNAFTA North American Free Trade AgreementPQ Partido QuébecoisTranslink Greater Vancouver Transportation AuthorityTTC Toronto Transit CommissionVLT Veículo Leve sobre Trilhos

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LISTA DE TABELAS E FIGURAS

Tabela 1 População da Cidade de Toronto, da Toronto Metropolitana eda Área da Grande Toronto e participação percentual da po-pulação da Cidade de Toronto na da Toronto Metropolitana eda Toronto Metropolitana na da Área da Grande Toronto – 1941-2006 .........................................................................................

Tabela 2 População da Cidade de Montreal, da Aglomeração de Montre-al e da Grande Montreal e participação percentual da populaçãoda Aglomeração de Montreal na da Grande Montreal – 1941-2006 .........................................................................................

Tabela 3 População da Cidade de Vancouver e do GVRD e partici-pação percentual da população de Vancouver na do GVRD –1941-2006 ................................................................................

Mapa 1 Mapa do Canadá .....................................................................Mapa 2 A Província de Ontário ............................................................Mapa 3 A nova Cidade de Toronto .......................................................Mapa 4 A Área da Grande Toronto ......................................................Mapa 5 A província de Quebec ............................................................Mapa 6 A Cidade de Montreal ..............................................................Mapa 7 A Comunidade Urbana de Montreal ........................................Mapa 8 A Comunidade Metropolitana de Montreal ..............................Mapa 9 A Província da Colúmbia Britânica ..........................................Mapa 10 O Distrito Regional da Grande Vancouver ..............................Figura 1 A paisagem da região central de Toronto................................Figura 2 Vista do centro de negócios de Montreal ................................Figura 3 Montreal em um dia de inverno...............................................Figura 4 A Montreal subterrânea ...........................................................Figura 5 A linha do horizonte da Cidade de Vancouver ........................

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APRESENTAÇÃO

O leitor tem em suas mãos um livro de grande atualidade, que coloca aquestão da governança nas cidades, mais especificamente nas cidades glo-bais, em tempos de crescente integração internacional. São nele analisadasas transformações por que passam os modelos de organização das Cidadesde Toronto, Montreal e Vancouver, sendo também avaliado o funcionamentodos novos mecanismos e instrumentos de gestão urbana.

A originalidade deste livro reside, sem dúvida, na problemática escolhida,centrada no estudo da organização e da gestão das cidades e das regiõesurbanas (ou das cidades-região, como gosta de afirmar Alan Scott (Scott, 2001),na atual etapa do processo de globalização, quando — em função das novastecnologias da informação e das comunicações e da crescente integraçãoeconômica, social e política — se está produzindo o ressurgimento das cida-des. Todavia o trabalho adquire uma relevância particular, pelo fato de estudaras mudanças organizacionais e de gestão em três cidades canadenses cujasinstituições se vêm transformando à medida que se integram ao grupo dascidades globais (Toronto, como uma major world city; Montreal, como umaminor world city; e Vancouver, com algumas evidências de formação de umaworld city1). O exame de formas tão diferentes de governança proporciona, defato, uma informação em primeira mão sobre as mudanças organizacionais einstitucionais em curso, o que torna o livro, em minha opinião, particularmenteatraente.

Nesses termos, representa um esforço singular para identificar os novosfatos e as novas realidades da organização e da gestão metropolitanas. Aformação das cidades globais está associada a mudanças do modelo de pro-dução (Vazquez Barquero, 2005), que envolvem atividades industriais de altatecnologia e intensivas em conhecimento, serviços avançados (como os demarketing, de assistência técnica ou financeira), bem como atividades produ-toras de bens e serviços culturais e de ciência e tecnologia, além das novasatividades ligadas ao lazer e ao turismo urbanos. O surgimento e o desenvol-vimento da economia do conhecimento, da cultura e do lazer vêm acompa-nhados da ocupação do espaço periférico e regional (Hall, 1997). Decorre daíum amplo leque de situações, como a construção de moradias nas áreas deinfluência das cidades para satisfazer demandas tão heterogêneas como asdos profissionais de altos salários e as dos trabalhadores mal pagos, queconvivem com a globalização, bem como a “deslocalização” das atividadesindustriais, dos serviços de consumo e dos serviços públicos e a dos própriosescritórios centrais das grandes empresas. O crescente processo de urbani-zação articula-se tendo como base um poderoso sistema de transportes e decomunicações, o qual facilita as relações entre as empresas, favorece a

1 Conforme a classificação realizada, em 1999, pelo GaWC Study Group, do Departamento deGeografia da Universidade de Loughborough.

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estruturação física do território e estimula a concentração da população e dasatividades produtivas.

É argumentado no livro que esse processo de transformações econômi-ca, social e urbana — que surge em decorrência de decisões tomadas pelosatores econômicos, sociais e políticos — coloca novas demandas para osserviços públicos, bem como introduz a necessidade de coordenação dasdecisões públicas e privadas de investimento, em especial aquelas tomadasno quadro das políticas urbanas. Trata-se de uma tarefa que pressupõe novasformas de governança, capazes de favorecer a cooperação entre os atores ea coordenação horizontal e vertical entre as agências executivas e as admi-nistrações, as quais, conforme demonstram os casos analisados nesse livro,tendem a reproduzir-se de forma diferenciada de cidade para cidade.

Ricardo Brinco está certo ao centrar a discussão sobre a nova realidadeinstitucional tomando como base o estudo do que está sucedendo nas cida-des globais do Canadá, porquanto as mesmas representam um laboratórioprivilegiado das transformações organizacionais em curso. Por um lado, im-põe-se conhecer a nova realidade e os novos fatos, sempre que se queiraentender, em todas as suas dimensões, a evolução e as transformações dasorganizações e das instituições. E é o Canadá que oferece, com efeito, asmelhores condições para.tanto, já que se trata de um País crescentementeurbanizado, cujas cidades-região formam verdadeiros motores do desenvolvi-mento e estão integradas no sistema internacional, o que explica as grandestransformações e mudanças por que passam seus modelos de organização egestão. Além disso, suas políticas urbanas e suas formas de organização e degestão estiveram marcadas, nos últimos 50 anos, por um caráter francamenteinovador.

Como assinalou John Friedmann, na conferência que realizou em Van-couver, em 2006 (Friedmann, 2006), existem, na atualidade, duas estratégiasdistintas no campo das políticas urbanas. A visão dominante entende que ascidades interessadas em atrair o capital internacional, no intuito de se torna-rem mais competitivas em escala global, não têm outra alternativa senão a deoferecer uma estrutura tributária favorável às empresas, assim como investirem uma arquitetura atrativa, implantar grandes infra-estruturas, realizar gran-des eventos esportivos — de que as olimpíadas são um exemplo maior — eorganizar feiras comerciais de grande porte. Segundo a visão competitiva,portanto, a política urbana das cidades globais estaria condicionada pelo ob-jetivo de estimular a atração dos investimentos estrangeiros.

Existe, no entanto, uma outra estratégia, a qual aposta na idéia de que —sem deixar de lado a questão do posicionamento competitivo — os escassosrecursos existentes deveriam ser aplicados na criação das condições para odesenvolvimento de longo prazo. Tal estratégia teria como objetivos: privilegi-ar as iniciativas que redundem no desenvolvimento dos recursos humanos ena qualidade de vida, impulsionar a criatividade e o talento próprios a cadacidade-região, estimular as atividades e a participação da sociedade civil; con-servar o patrimônio histórico e cultural, proteger o meio ambiente, e potenci-alizar a qualidade das infra-estruturas urbanas.

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A argumentação desenvolvida no livro sustenta que o modelo de organi-zação e de gestão acompanha a estratégia de política urbana escolhida. Quan-do as cidades — como ocorre no caso de Toronto — adotam uma estratégiacompetitiva em nível global, tendem a desenvolver formas de organizaçãomais concentradas, limitando a autonomia das municipalidades integrantesda cidade-região. Ao contrário, quando as cidades-região optam por uma es-tratégia que prioriza o desenvolvimento de suas capacidades endógenas —como demonstra o caso de Vancouver —, resulta mais eficiente utilizar ummodelo descentralizado, que tira bom proveito da organização flexível propor-cionada por diferentes níveis de governo e de gestão.

O autor introduz uma importante nuança ao assinalar que, se bem ascidades-região se orientem no sentido de manter sua posição competitivano contexto dos desafios colocados pela globalização, suas estratégias esuas formas de organização e de gestão estão condicionadas por circuns-tâncias próprias a cada uma delas. Assim, a geografia e os modos anterio-res de ocupação do espaço fazem com que as alterações no território e nadensidade demográfica se produzam necessariamente no interior das estru-turas urbanas já existentes. Além disso, o modelo de organização e de ges-tão não depende só da forma específica adotada para conciliar os interes-ses locais como também do conjunto de normas e de regras — a exemploda Constituição e das leis do País — que regulam as competências e asresponsabilidades de cada um dos níveis de governo. A transformação dasorganizações e as mudanças institucionais observadas respondem, assim,a demandas geradas no interior da própria sociedade, ainda que seja preci-so ter presente que se trata de um processo social complexo e de longamaturação, que é sobredeterminado pela cultura e pelas normas de cadapaís e, inclusive, de cada cidade (North, 1990).

Quais são os fatores que condicionam o funcionamento do modelo deorganização e de gestão urbana nas cidades globais do Canadá? No livro, éassinalado que um papel importante reverte à identidade e aos fatores cultu-rais, bem como às normas e regras que regulam as relações econômicas,sociais e políticas. De tal forma, a estabilidade do modelo de Vancouver estáassociada à existência de uma forte identidade regional e ao fato de os ato-res locais e a população compartilharem uma mesma visão e cultura políti-cas, ao passo que a instabilidade do modelo de Montreal teria suas raízesnos conflitos, de natureza cultural e lingüística, existentes no seio das dife-rentes comunidades locais e, portanto, na falta de entendimento acerca dosobjetivos e dos destinos da cidade-região. Por seu turno, as dificuldadesenfrentadas pelo modelo organizacional de Toronto seriam explicadas pelofato de as normas e regras existentes dificultarem a criação de uma agênciaestratégica de planejamento de coordenação que conte com o necessáriograu de autonomia política para levar a cabo as ações capazes de sustentarsua posição competitiva.

O autor realiza sua análise, que busca compreender as novas instituiçõesque governam as cidades, mantendo um olhar latino-americano, ciente que édos grandes desafios institucionais com que se defrontam as cidades globaisda América Latina, como a Cidade do México, São Paulo, Santiago ou Buenos

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Aires, mas também conhecedor da criatividade e da capacidade inovadoraque marcam cidades como Porto Alegre ou Curitiba. Além dos seus conheci-mentos sobre a realidade urbana internacional, fruto dos trabalhos que de-senvolve na Fundação de Economia e Estatística, incorpora, no estudo sobreas novas instituições e formas de organização das cidades globais, os aportesproporcionados por especialistas e estudiosos canadenses.

Trata-se, em suma, de um livro que discute a problemática da gestãourbana e metropolitana nas cidades-região, com base em uma pesquisaabrangente sobre a nova realidade institucional associada às cidades globaiscanadenses. Está redigido em uma linguagem direta e acessível, facilitando aleitura e a compreensão do texto por parte de um público amplo, mas é tam-bém capaz de estimular o interesse dos especialistas, dos políticos e de todosaqueles que se ocupam das questões ligadas às políticas de desenvolvimentourbano nos espaços globalizados.

Antonio Vázquez Barquero*Madri, 31 de maio de 2008.

* Professor Catedrático de Desenvolvimento Regional e Local da Universidade Autônoma deMadri. Tem inúmeros artigos e livros escritos sobre o tema, entre os quais DesenvolvimentoEndógeno em Tempos de Globalização, Porto Alegre: co-edição FEE/UFRGS, 2001.

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INTRODUÇÃO

A existência de instituições de caráter metropolitano com atribuições degestão nas grandes aglomerações não constitui, propriamente, um fenômenoinusitado ou inovador. De fato, foram numerosas e das mais diversas ordensas experiências surgidas no decurso do século XX em âmbito internacionalque, como resposta a um ambiente de crescimento urbano acelerado, tiveramalguma relação com o tema da gestão na escala metropolitana. Ainda assim,desde os anos 90, a temática parece ter recobrado um novo fôlego, apresen-tando-se como uma ampla pauta de discussões em torno das reformasinstitucionais vistas como convenientes, senão indispensáveis, para dar con-dições de sustentabilidade às grandes metrópoles.

É variado o leque de propostas possíveis de serem consideradas parafins de organização político-administrativa das áreas metropolitanas. Essa éuma questão bastante controvertida, capaz de despertar o debate apaixonadoentre os representantes de várias correntes e que se configura como um temaespecialmente rico na literatura acadêmica. As diversas concepções e abor-dagens encontradas pressupõem, como não poderia deixar de ser, visõesdistintas de sociedade e posturas ideológicas não necessariamente conciliáveis,o que explica a ausência de consenso constatada.

Analistas e políticos da América do Norte (com destaque para o Cana-dá) e da Europa Ocidental têm grande relevância nesse debate. Eles respon-dem pela incorporação de um elemento novo ao mesmo, qual seja, o da liga-ção entre reforma institucional em âmbito metropolitano e poder de competi-ção das cidades em um cenário de ampla globalização. Em especial, a frag-mentação institucional determinada pela existência de várias municipalidadesautônomas em uma mesma aglomeração passou a ser vista, por muitos, comoum ônus — senão um elemento estrutural altamente restritivo — no ambientede competitividade global.

Este é, dentre outros, um dos fatores que têm figurado com destaque nagênese de muitos dos processos de reestruturação institucional que se pro-põem a criar as condições para o estabelecimento de regiões metropolitanascompetitivas. Em última análise, o que está em jogo são temas associados aobinômio território e governança, envolvendo coordenação e planejamento naescala metropolitana, cooperação intermunicipal ou inter-regional, governometropolitano e, até mesmo, simples exercícios de marketing visando conso-lidar e vender a imagem das modernas metrópoles. Todos esses são elemen-tos que, em muitos casos, passaram a estar diretamente associados ao cres-cimento econômico, à busca de uma carreira de sucesso para cidades e regi-ões e à afirmação das suas condições gerais de competitividade, sobretudono caso daquelas com maior representatividade no cenário internacional. Tan-to isso é verdade que o discurso embasando muitas das políticas recentesque objetivam lhes dar sustentação fala em “Criar cidades competitivas”, “Cres-cer mantendo o foco nas economias do conhecimento” ou, ainda, “Formarregiões urbanas empresariais”.

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Nos dias de hoje, efetivamente, o elemento que estaria diferenciando asmetrópoles seria a capacidade de as mesmas se posicionarem de forma com-petitiva e de, assim, ascenderem na hierarquia do sistema urbano global. Comisso, as preocupações que animam a governança metropolitana passaram aestar menos centradas em aspectos muito valorizados até há pouco tempoatrás, tais como a redução das desigualdades regionais e uma eficiente pres-tação de serviços públicos. Em contrapartida, ganharam força muitos dos ele-mentos da agenda econômica, entendidos como aqueles capazes de promo-ver as condições de competitividade e de valorizar, por essa via, os ativossocioeconômicos territorialmente localizados.

O fato é que a contínua expansão urbana tem levado à ocupação deregiões cada vez mais amplas, determinando uma crescente dificuldade deos espaços urbanos funcionais coincidirem com os espaços institucionais. Naprática, a marcante descentralização das populações e de muitas atividadesprodutivas para áreas externas ao núcleo central das aglomerações, a ascen-são política dessas áreas, o fenômeno dos movimentos pendulares e a qua-se-banalização do fenômeno dos territórios polinucleados trouxeram para oprimeiro plano o problema da adequação das fronteiras político-administrati-vas existentes. Face a um padrão de ocupação territorial extremamente am-pliado e muito fragmentado do ponto de vista político-administrativo, as exi-gências básicas que se colocam estão muito relacionadas à capacidade decoordenação do desenvolvimento metropolitano, ou seja, passam pela exis-tência de instâncias regulatórias nos níveis local e regional, constituam elasgovernos formais, ou não.

O contexto de fragmentação político-administrativa, característico demuitos territórios por força dos numerosos governos locais ali atuantes, difi-culta o encaminhamento de soluções de conjunto para vários problemas queos afligem, das quais é um exemplo marcante a degradação do meio ambien-te. No caso dos impactos ambientais, com efeito, são notórios os benefíciosassociados a um padrão mais rígido de cooperação intermunicipal, bastandoter presente que os efeitos nocivos que acompanham a expansão metropoli-tana não estão, evidentemente, circunscritos às fronteiras legais, sendo corri-queiro, ao contrário, seu extravasamento para o espaço geográfico imediato epara mais além.

O que se coloca, na verdade, é a inadequação dos tradicionais mecanis-mos institucionais de gestão face às profundas mudanças afetando o espaçogeográfico, econômico e social. Ou ainda, trata-se de como proceder paraajustar fronteiras administrativas que não mais conseguem refletir os atributosterritoriais e funcionais de áreas metropolitanas tão complexas. São traçosfundamentais desse processo de metropolização, portanto, o grande númerode instâncias locais de governo e o fraco — ou até mesmo inexistente —envolvimento de instituições de regulação que tenham jurisdição sobre territó-rios assim vastos e marcados por uma tão rápida expansão e mutação.

As dificuldades encontradas nesse domínio não causam propriamenteespécie, uma vez que as estruturas de governança e de gestão — e o conjun-to de instituições que lhe dão apoio — evoluem, sabidamente, de forma muitolenta no tocante à sua capacidade de adaptação. É a rigidez das atuais fron-

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teiras políticas que coloca entraves difíceis de serem superados, ainda maisse se considerar que, com freqüência, os intentos nesse domínio contrariammuitos interesses locais. O problema é de como alcançar alguma coerêncianas intervenções propostas, dado o vasto elenco de situações conflitantesque podem surgir. É por isso que qualquer arranjo que se pretenda viávelprecisa, inevitavelmente, considerar a articulação entre os diversos níveis degoverno atuantes em uma aglomeração, bem como ser capaz de mobilizartodos os atores envolvidos na questão metropolitana.

O fato é que, para além das situações mais contrastantes no teor daspropostas — a do modelo metropolitano ou consolidado e a do modelo localou descentralizado —, são variadas as alternativas possíveis. No caso domodelo consolidado, há governos e agências relativamente fortes agindo emâmbito metropolitano. Já na hipótese do modelo descentralizado, os governoslocais seguem tendo autonomia e jurisdição sobre seus territórios e coman-dam seus próprios negócios, podendo haver, ou não, alguma forma de gover-no ou de autoridade de escopo regional.

O modelo descentralizado, segundo seus proponentes, favoreceria,assim, os princípios da democracia local, ao assegurar maior representatividadepolítica, legitimidade e autonomia às comunidades locais. Possibilitaria tam-bém manter níveis diferenciados de prestação de serviços no conjunto daárea metropolitana, bem como distintos regimes de tributação. Isso materiali-za-se no conhecido paradigma da “escolha pública”, pelo qual as pessoasteriam a possibilidade de votar “com seus pés”, ao terem a alternativa de mu-dar-se para outra jurisdição político-administrativa que lhes ofereça uma cestade bens e serviços mais de seu agrado e a preços mais convenientes.

Já seus críticos argumentam que as estruturas político-administrativasfragmentadas levam a uma série de ineficiências. Os governos locais nãoteriam condições de aproveitar-se das economias de escala, e haveria o pro-blema das externalidades negativas geradas por decisões assumidas local-mente e que seriam repassadas aos territórios do entorno. Outro traço nega-tivo procederia da convivência, em uma mesma região, de municipalidadesricas, com elevada capacidade de arrecadação, bem equipadas e com bonsníveis de atendimento de serviços, e de municipalidades pobres, dispondo depoucos recursos e funcionando com um padrão insatisfatório de serviços.

Outro elemento problemático associado à presença de muitos governoslocais residiria na convivência das várias e diferentes disposições regulamen-tando o uso do solo, materializando-se em distintos códigos de construção ede zoneamento e levando a um padrão construtivo muito desigual no conjuntodo território metropolitano. O modelo consolidado, por seu turno, permitiriaminimizar esse problema, pelo menos em tese, posto que seria mais eficienteao possibilitar uma melhor repartição dos recursos e uma mais igualitária dis-tribuição dos serviços públicos, das infra-estruturas e dos equipamentos pú-blicos, para não se falar da padronização viabilizada em termos das normasregulatórias do desenvolvimento urbano. Ou seja, nesse aspecto, o “modelometropolitano” seria mais justo do ponto de vista social, ao proporcionar umaalocação mais eqüitativa das receitas públicas.

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Os críticos do modelo centralizado e favoráveis ao descentralizado, porseu turno, argumentam que as estruturas de abrangência metropolitana têmtendência a se tornarem altamente burocratizadas e pouco flexíveis, além dese revelarem mais onerosas em seu funcionamento. A competição — vistacomo saudável — entre distintas unidades administrativas também resultariaprejudicada. Argumentam ainda que, mesmo prescindindo da atuação de go-vernos metropolitanos formalmente constituídos, existe sempre a alternativade beneficiar-se dos aportes proporcionados por alguma formainstitucionalizada de coordenação regional e de prestação de serviços bási-cos. Isso poderia ser viabilizado através de acordos voluntários intermunicipaise também recorrendo a agências capacitadas a operarem no conjunto da aglo-meração. Haveria, dessa forma, a possibilidade de fornecer serviços a distin-tas municipalidades, sem alteração das fronteiras municipais existentes, tiran-do também proveito das economias de escala e aumentando a eficiência dosistema municipal em seu todo.

Ainda outras formas de intervenção no âmbito dos territórios metropolita-nos podem consistir na simples anexação das áreas suburbanizadas por par-te da cidade central ou mesmo na total fusão das municipalidades envolvidas.Podem também passar pela instalação de autoridades ou agênciasmultifuncionais, exercendo funções de planejamento e de coordenação, ouprestando serviços variados e que, sob certas circunstâncias, podem ter suaatuação confundida com a de governos “de fato”. Em outras situações, a op-ção favorecida pode privilegiar o funcionamento de agências com funçõesespecíficas, capazes de, por exemplo, tratar do abastecimento de água ou degerenciar os serviços de transporte de natureza metropolitana. Outras pro-postas remetem a arranjos que fogem ao estabelecimento de instâncias for-mais de governo, adotando formas de cooperação e de gestão voluntárias, viaformação de consórcios, por exemplo, o que pressupõe o envolvimento dosgovernos locais e/ou de outros agentes públicos e privados.

Todas essas questões formam um grande pano de fundo para o estudoaqui empreendido, que se propõe a examinar os traços principais da gestãometropolitana no Canadá, procedendo-se, para tanto, à análise de algumassituações específicas ali encontradas. Mais precisamente, o foco estádirecionado para as principais áreas metropolitanas do País, quais sejam, To-ronto, Montreal e Vancouver, que constituem experiências muito marcantes econtrastantes de exemplos de governo regional de cunho metropolitano (aquitomados no sentido amplo da expressão) e refletem, acuradamente, a riquezae as múltiplas facetas do que seria o “modelo canadense” nesse domínio. Naverdade, o Canadá tem uma longa trajetória de convivência com arranjosinstitucionais de várias ordens na esfera metropolitana, ainda que, deve serdito, se constate o predomínio de um padrão de estruturas consolidadas degestão. Estas são resultantes, via de regra, da aplicação de reformasinstitucionais baseadas na fusão de municipalidades, uma decorrência da cla-ra preferência demonstrada pelos governos provinciais quanto a esse tipo deprática agressiva de reorganização territorial.

A diversidade e a riqueza dessas experiências é, nesse sentido, o reflexo

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do domínio político que as províncias exercem sobre a instância local, porconta das especificidades do sistema federativo canadense. Em tal contexto,praticamente todas as grandes áreas metropolitanas do País contam com al-guma forma de arranjo institucional de âmbito regional, via de regra estabele-cido de cima para baixo.

Nos três situações aqui consideradas, os governos provinciais foram,precisamente, os gestores da montagem de instâncias de governo ou de agên-cias prestadoras de serviços com atuação na área metropolitana. Na seqüên-cia, foram também responsáveis por muitos dos empecilhos colocados emseu caminho ou, até mesmo, por ações desestruturadoras que afetaram ospoderes ou a autonomia das organizações precedentemente implantadas. Dequalquer forma, o certo é que suas ações contribuíram, com maior ou menorêxito, para a montagem de mecanismos em condições de disciplinar e influen-ciar o crescimento das regiões sob sua jurisdição e, assim, beneficiar a quali-dade de vida de seus residentes.

Os três casos remetem a formações metropolitanas extremamente dinâ-micas e complexas em seus aspectos socioeconômicos e institucionais e re-fletem circunstâncias específicas de cada cidade-região. Cada uma delas éefetivamente marcada por sua própria geografia, sua identidade, sua trajetó-ria histórica e sua lógica interna de funcionamento. Todas enfrentaram, e con-tinuam enfrentando, grandes transformações socioeconômicas, em meio aprocessos, muitas vezes, traumáticos que abalaram suas interdependênciasinternas e seus relacionamentos externos. Foram confrontadas, da mesmaforma, a enormes desafios para controlar seu crescimento, e duas delas (To-ronto e Montreal) viram-se recentemente afetadas por reformas político-admi-nistrativas que desfizeram arranjos institucionais de governança que, mesmose desatualizados em função da rapidez e da amplitude das mudançasintervenientes, representavam experiências relativamente bem-sucedidas.

As análises realizadas sobre as principais metrópoles canadenses nãoseguem um esquema rigidamente uniforme, ainda que mantenham tópicosem comum. Entre esses, incluem-se a apresentação da província onde selocaliza a área metropolitana, a dinâmica populacional que anima a cidadeprincipal e a aglomeração em seu conjunto, a sua formação socioeconômica,as características do processo de ocupação do território, do planejamentoterritorial adotado e do seu sistema de transportes. No tocante aos tópicosmais especificamente ligados aos aspectos institucionais da gestão, a abor-dagem adotada privilegia particularidades e detalhes de cada um dos casosexaminados, os quais configuram, com certeza, contextos muito diferencia-dos e contrastantes. Essa é a temática desenvolvida nos Capítulos 2, 3, e 4. OCapítulo 1, por sua vez, propõe-se a apresentar alguns elementos básicospara ajudar a entender o contexto em que, no Canadá, se movimentam osgovernos locais.

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1 FATOS BÁSICOS QUE AFETAM A VIDADOS GOVERNOS LOCAIS NO CANADÁ

1.1 Tendências demográficas no Canadá

O Canadá, com seus 9.984.870km2 de território, desponta como o segun-do país do mundo em extensão, seguindo a Rússia e precedendo a China eos Estados Unidos. É, de fato, uma nação marcada por vastidões continentaise relativamente pouco povoada, a ponto de, com uma população de 31.612.897habitantes em 20062, ocupar apenas a 36a. posição, em termos demográficos,no cenário internacional. Sua dinâmica populacional não é, efetivamente, dasmais fortes, bastando dizer que o País cresceu a uma taxa geométrica médiade 0,98% a.a. entre 1991 e 2006,3 uma evolução condicionada pelas reduzi-das taxas de natalidade e pela contribuição de importantes fluxos imigratórios.

O crescimento vegetativo da população canadense — uma condição deter-minada pelo número de nascimentos menos o de mortes — mostra-se, de fato,em franco recuo: de um acréscimo de 210.500 habitantes em 1990-91 passoupara 108.500 em 2005-06. Por um lado, isso se explica por uma taxa de natalida-de relativamente estável nos últimos anos, mas que se situa em um patamarbaixo, da ordem de 1,53 filho por mulher em 2004. A explicação para isso estáem que a mulher canadense vem sistematicamente postergando a idade deconcepção do primeiro filho (na média, 29,7 anos em 2004), o que acaba deter-minando a formação de famílias com um número menor de crianças.4 Com isso,o grupo dos mais jovens (19 anos e menos) está perdendo terreno, representan-do 24% dos canadenses em 2006, quando formavam 37% em 1946.

Vem aumentando, por outro lado, o peso relativo do grupo dos idosos (65anos e mais), que já constituíam 13% da população em 2006 (contra 7% em1946). Ou seja, a população canadense está envelhecendo rapidamente, be-neficiada que é por uma das mais altas expectativas de vida encontrada entreos países industrializados (Statistics Canada, 2007a).

Nesse contexto, é decisiva a contribuição dos estrangeiros que se radicamno Canadá para garantir o aumento de sua população. Observa-se, por exem-plo, que nada menos do que dois terços da variação populacional registrada noperíodo 2001-06 se deve à migração internacional líquida (Statistics Canada,

2 Todos os dados populacionais, exceto quando referida outra fonte, procedem de Statistics Canada(http://www.statcan.ca), o órgão oficial que responde pelas estatísticas nacionais do Canadá.Deve ser observado que os Censos são ali realizados de cinco em cinco anos, correspondendoa 2006, 2001, 1996, etc.

3 É verdade que a dinâmica populacional canadense está conforme aos padrões das economiasindustrializadas, tendo sido, inclusive, a que melhor desempenho teve entre os países do cha-mado G8 (Canadá, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Japão, Estados Unidos e Rússia)quanto à taxa de crescimento no período 2001-06.

4 Veja-se, a propósito, que é muito maior a taxa de fertilidade das mulheres imigrantes, a qual foida ordem de 3,1 filhos entre 1996 e 2001 (Statistics Canada, 2007a).

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2007b), com a maior parte (mais de 70%) dos imigrantes tendo-se domiciliadoem uma das três grandes áreas metropolitanas: Toronto, Montreal e Vancouver.

Uma característica básica da população canadense é a sua distribuiçãomuito concentrada nas grandes cidades e áreas metropolitanas, definindo, as-sim, um padrão de ocupação fortemente urbanizado, com mais de 80% dosresidentes encontrando-se, em 2006, em zonas classificadas como urbanas.Além disso, a maior parte dos habitantes vive em um espaço relativamente cir-cunscrito do território meridional, a ponto de as duas maiores províncias — Ontárioe Quebec — responderem por 62,34% do total da população em 2006. Ao mes-mo tempo, sua porção setentrional é quase deserta, com os três territórios alisituados formando 39,34% das terras e reunindo tão-somente 101.310 morado-res, ou seja, contribuem com meros 0,32% para a formação da população total.

O sistema urbano canadense está evoluindo, na verdade, para uma for-mação marcadamente metropolitana. A dinâmica mais forte do crescimentopopulacional ocorre, efetivamente, nas suas maiores regiões urbanas. Assim,de 2001 a 2006, 86,64% do aumento do número de residentes deu-se naschamadas Áreas Metropolitanas Censitárias (Census Metropolitan Areas(CMAs5)), 64,54% verificou-se nas seis maiores CMAs e 46,36% ocorreu,apenas, nas três maiores. Veja-se também como o próprio número de CMAscresceu no período, passando de 27 para 33.

Já em termos do contingente total de residentes, constata-se que, em2006, 68,04% dos canadenses viviam nas 33 CMAs do País, 44,63% estavamnas seis maiores e 34,37% residiam nas três principais. São as seguintes, porordem de grandeza, as seis maiores CMAs, todas reunindo mais de um mi-lhão de pessoas: Toronto, Montreal, Vancouver, Ottawa-Gatineau, Calgary eHamilton.

1.2 O sistema político vigente no Canadá

O moderno Canadá foi criado pelo Ato Constitucional de 1867, que ointegrou ao império britânico como um Estado dotado de autodeterminação.Nesse arranjo institucional, o Parlamento do Reino Unido continuou manten-do seus poderes legislativos no Canadá. Note-se que o processo deautonomização em relação ao Parlamento da antiga potência colonizadora foimuito gradual, sendo que o poder de legislar deste último só foi eliminado em1931. Foi preciso esperar, todavia, o ano de 1949 para que o Parlamento doReino Unido aprovasse um novo ato constitucional, estendendo ao Parlamen-to canadense o poder de realizar emendas constitucionais, Ainda assim, paraa validação de determinados tipos de emendas, continuou sendo imprescindí-vel a intervenção do Parlamento britânico, situação que só veio a ser alterada

5 Uma CMA é conceituada pela Statistics Canada como sendo formada por uma área reunindouma ou mais municipalidades adjacentes, que conta com um núcleo central de, pelo menos,50.000 habitantes e cuja população total é de, no mínimo, 100.000 residentes. Para seremincluídas em uma CMA, as municipalidades adjacentes precisam demonstrar ter um certo graude integração com o núcleo central.

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pelo Ato Constitucional de 1982, que terminou com toda dependência legal doCanadá em relação ao Parlamento do Reino Unido.

O modelo seguido na montagem do sistema político canadense foi o doReino Unido, com o estabelecimento de um parlamento bicameral (Senado eHouse of Commons) e a figura de um governador-geral, que perfaz as fun-ções constitucionais da Coroa britânica em solo canadense. Ou seja, o Cana-dá é uma democracia parlamentar e uma monarquia constitucional, sendodotado de um sistema federal de governo parlamentar.

A rainha Elisabete II é a chefe de Estado e a soberana do Canadá e édela que emana todo poder Executivo, Judiciário e Legislativo, conforme ex-presso na Constituição emendada de 1982. Foram, portanto, mantidos seuspoderes constitucionais enquanto monarca do Canadá, uma função que étotalmente separada, todavia, daquela que lhe compete como monarca doReino Unido. A rainha tem um representante legal em cada província, o Go-vernador-Geral (Lieutenant-Governor). Existe também um cargo equivalentenos territórios, ainda que seja preenchido por indicação do Governo Federal.

O monarca é representado por um vice-rei, o Governador Geral,que tem os poderes para exercer quase todos os deveres cons-titucionais da soberana. Na prática, o gabinete é o único a ter ospoderes executivos. O gabinete é chefiado pelo Primeiro Minis-tro, que atua, por convenção, como chefe de Estado. De formaa garantir a estabilidade do governo, o Governador-Geral pro-cede normalmente à indicação do líder do partido com maioriana House of Commons. É o Primeiro Ministro que define a com-posição do gabinete, e o Governador-Geral, também por con-venção, respeita a escolha assim feita. (Wikipedia, 2008).

O chefe de governo de cada província ou território é chamado de Premiere é, normalmente, um cargo ocupado pelo presidente do partido que reúne omaior número de representantes e/ou de aliados na Assembléia. Apesar deser possível estabelecer, grosso modo, uma correspondência com o posto degovernador em uma federação de estados como a brasileira, a função é alidesempenhada por um membro do Legislativo, que não é eleito diretamentepara o exercício do cargo administrativo. A nomeação do Premier passa, demodo formal, pelo Governador Geral, que atua como representante da Coroae do Governo Federal em cada província, sendo praxe que este referendesimplesmente o nome indicado pelo Legislativo. É o Premier que forma o ga-binete provincial, ao qual compete a administração dos negócios da província.

1.3 As estruturas político-territoriais

O Canadá constitui uma federação com três níveis de governo, a saber,o Federal, o das províncias e territórios e os governos locais, sendo os gover-nos municipais a forma mais representativa destes últimos. Os governos mu-

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nicipais são governos locais criados pela província, para cuidar das questõesque podem ser tratadas em âmbito local, com os diversos tipos urbanos po-dendo ser, nessa ordem de grandeza, cidades, towns e villages. Outras for-mas de arranjos têm um caráter rural, podendo constituir municipalidades ru-rais, distritos, parishes e townships, enquanto outras formam governos regio-nais e metropolitanos, que servem às maiores áreas urbanas.

Os governos regionais constituem entidades criadas pelasprovíncias, reunindo várias municipalidades sob uma únicaestrutura política e administrativa. O propósito de tais gover-nos regionais é, via de regra, o de prover mais eficientementeas funções municipais de alcance ampliado e assim, ao agre-gar diversas municipalidades, o de criar uma base suficiente-mente ampla para assegurar a prestação de serviços ou arealização de obras de infra-estrutura. Em alguns casos, osgovernos regionais gozam de uma certa autonomia com rela-ção às municipalidades sob sua jurisdição, enquanto, em ou-tros, há dirigentes municipais que assumem a gestão diretado órgão regional. (Mapleleafweb.com, 2007).

Há 10 províncias, três territórios e cerca de 3.700 governos municipais noCanadá.6 Existe ainda um certo número de governos aborígenes, que, sobdeterminados aspectos. desfrutam de um status parecido ao dos governosprovinciais. É preciso observar que a cobertura do território canadense pelasmunicipalidades não é completa, estando as mesmas especialmente repre-sentadas nas áreas populosas, ao mesmo tempo em que vastas extensõesterritoriais permanecem não municipalizadas.7 Algumas dessas áreas formamdistritos e podem ter um status de quase-municipalidades.

A divisão de poderes no Canadá é definida pelo já referido Ato Constitu-cional de 1867, também conhecido como o British-North American Act e pelasemendas incorporadas no Ato Constitucional de 1982. A seção 91 especificaos poderes e a legislação acordados à esfera federal; e a seção 92, aquelesoutorgados para o nível provincial. Isso significa que há duas jurisdições deautoridade, uma delas materializada no Parlamento canadense, e a outra,nas 10 Assembléias Legislativas provinciais, cada uma das quais tendo sobe-rania sobre áreas específicas de atuação.

As atribuições do Governo Federal, centralizadas na instituição do Parla-

6 Mais especificamente, havia 3.731 municipalidades no Canadá, em março de 2003 (Collin;Lévaillée, 2003, p. 8).

7 “A jurisdição das municipalidade estende-se apenas sobre uma parte do território canadense.Há, com efeito, vastos territórios que não estão organizados na forma de municipalidades. Nes-ses casos, usualmente, é o governo provincial que administra, de forma direta, os serviçospúblicos locais. (Isso sem considerar os territórios das reservas indígenas, que estão sob ajurisdição direta e exclusiva do Governo Federal). Assim, por exemplo, havia 154 municipalida-des na Colúmbia Britânica, em março de 2003, as quais cobriam apenas uma pequena porçãodo seu território, ou seja, cerca de 2%. A maior parte do espaço é dito não municipalizado.”(Collin; Léveillée, 2003, p. 8).

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mento e na figura do Primeiro Ministro, referem-se à manutenção da “paz, daordem e do bom governo” no conjunto do País, sendo sua a responsabilidadepelas leis que regem a imigração, o seguro-desemprego, o comércio, a defesanacional, a política externa, as questões aborígenes e a legislação sobre acriminalidade, dentre outras. Já as províncias contam com poderes para tratardos assuntos regionais e locais, como a educação, a saúde, os serviços sociais,a justiça e os próprios governos municipais. Algumas responsabilidades sãocompartilhadas entre o Governo Federal e as províncias, sendo esse o casodas questões relativas à imigração, ao transporte, a rodovias, à agricultura eaos fundos de pensão. As municipalidades, ainda que constando da Carta Consti-tucional apenas como uma das responsabilidades das províncias, respondempor uma gama extensa dos serviços prestados, como os de polícia, bombeiros,vias públicas, trânsito, água, esgoto, cultura, recreação e planejamento.

FONTE: Disponível em: <http://www.arikah.net>. Acesso em: 05 mar. 2008.

Mapa 1Mapa do Canadá

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A diferença entre a administração de uma província e a de um territórioreside em que a primeira dispõe de maior poder e autoridade, os quais foramrecebidos diretamente da Coroa, ao passo que os territórios têm seu mandatooutorgado pelo Governo Federal. As províncias canadenses são em númerode 10: Alberta, Colúmbia Britânica, Manitoba, New Brunswick, Newfounland eLabrador, Nova Scotia, Ontário, Prince Edward Island, Quebec e Saskatchewn.Por sua vez, os três territórios têm a designação de Northwest Territories,Nunavui e Yukon.

1.4 A organização municipal canadense

A montagem da organização municipal, tal como existe hoje no Canadá,remonta à primeira metade do século XIX, com o primeiro arranjo municipaltendo sido constituído no que então se chamava de Canadá Oeste (corres-pondente à atual Província de Ontário). As demais províncias seguiram o exem-plo, de tal forma que o sistema foi sendo criado ao mesmo tempo em que seformava a própria Federação canadense. As divisões de poderes e de respon-sabilidades entre os níveis de governo foram formalizadas nos termos defini-dos pelo já citado Ato Constitucional de 1867 — época em que a Federaçãotinha apenas quatro províncias —, que foi “modernizado” pelo Ato Constitu-cional de 1982.

Segundo os termos da Constituição do País, as municipalidades nãogozam de um estatuto legal próprio, ou seja, não têm assegurados direitosconstitucionais.8 Assim, enquanto as províncias derivam seus poderes direta-mente da Constituição, o que lhes garante sua autonomia, as municipalidadestêm seus poderes decorrentes da lei provincial. Todo seu ordenamentoinstitucional é, portanto, obra da legislação própria às províncias, que as cria,extingue, estabelece as regras de seu funcionamento, define seu elenco depoderes e responsabilidades, bem como estabelece suas fontes de receita ea maneira como devem realizar seus gastos. Na verdade, são poucos os po-deres exercidos pelas municipalidades que não podem ser reescritos ou mes-mo prescritos ao bel prazer das províncias. Ou seja, suas funções e poderessão apenas aqueles explicitamente definidos e delegados pelos governos pro-vinciais, estando basicamente atrelados a seu funcionamento como provedo-ras de serviços públicos.

Alguns desses poderes são de natureza mandatória; e outros, de nature-za permissiva. Não há, assim, nenhuma legislação regendo a vida local quetenha sido elaborada pelos poderes políticos locais, sendo que todo o arcabouço

8 “O Ato Constitucional de 1867 estabelece os parâmetros que definem as atuais relações entre osgovernos provinciais e as municipalidades. A seção 92 do referido ato define os poderes exclu-sivos das legislaturas provinciais em 16 áreas, sendo que a seção 92(8) concede ao Legislativode cada província a responsabilidade única de fazer as leis que se aplicam às instituições muni-cipais. Na medida que os governos locais são legalmente subordinados aos governos das pro-víncias, toda a autoridade e as receitas financeiras a que podem aspirar são as explicitamenteconferidas pela legislação provincial.” (Dewing; Young, 2006).

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jurídico correspondente procede da atividade legislativa da província. Essalimitada autonomia de que gozam as municipalidades coloca, naturalmente,algumas incertezas em termos da sua legitimidade democrática, já que preci-sam prestar contas tanto à esfera provincial como ao seu próprio eleitorado.Essa observação tem sua pertinência, posto que, em algumas situações, asmunicipalidades acabam praticamente funcionando como agências adminis-trativas da Província.

É por tudo isso que, nos termos da fórmula largamente consagrada, asmunicipalidades são definidas como sendo “criaturas da província”. Isso tam-bém resulta em um “sistema municipal” que não é uniforme em todo País —ainda que mantenha muitos traços em comum —, sendo sua diversidade oresultado dos regimes diferenciados implantados em cada uma das provín-cias. Ou seja, cada uma trabalha com um determinado conjunto de institui-ções municipais, o qual diverge levemente do adotado pelas demais.9

Qualquer poder municipal pode ser alterado pelos votosdo Legislativo da província. Ainda que algumas cidadesdisponham de uma legislação separada definindo suasjurisdições, a maior parte das municipalidades recebe seuspoderes através de um ato municipal da província, aplicá-vel a todas elas. As províncias podem modificar suas fron-teiras ou os seus poderes, assim como seus recursos fi-nanceiros e têm, até mesmo, a capacidade de extinguirmunicipalidades. Da mesma forma, o ato de solicitar em-préstimos pressupõe, via de regra, a aprovação prévia deum comitê nomeado pela província. Inclusive, as própriasatividades municipais corriqueiras decorrem de uma dele-gação de responsabilidades feita pelas províncias.(Dewing;Young, 2006).

Todo debate constitucional no Canadá, dá-se entre o Governo Federale os das províncias, com algum envolvimento ocasional por parte das comuni-dades aborígenes, que têm demonstrado interesse em obter seu reconheci-mento constitucional. A ausência das cidades nesse campo de discussões étanto mais notável se se considerar que o Canadá é, fundamentalmente, umpaís urbano. Com efeito, a grande maioria dos canadenses vive, na atualida-de, em zonas urbanas, e os principais problemas encontrados nessas áreas

9 “As municipalidades canadenses são criadas por leis provinciais. Estas são leis gerais, quedefinem o que as mesmas podem fazer, como são administradas e quais as fontes de receita deque se podem beneficiar. Elas determinam igualmente o regime eleitoral municipal e enquadramaspectos específicos da organização municipal, como a fiscalidade, a organização territorial ouo planejamento urbano e regional. Em Québec, por exemplo, há mais de 40 leis desse tipo [...]Está-se diante de um emaranhado complexo de legislações, não sendo fácil traçar o perfil dosdireitos e obrigações próprios às municipalidades. Ainda a título de exemplo, vale observar que,no caso da Província de Ontário, as estimativas são de que haja 150 leis regulando o regimemunicipal.” (Collin; Léveillée, 2003, p. 4).

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deixaram há muito de se constituírem em assuntos de abrangência meramen-te local ou municipal. E o que está em jogo não é apenas o fato de as cidadesabrigarem grandes contingentes populacionais, mas também o de que elas setornaram uma fonte imprescindível de empregos e de riquezas para a naçãocomo um todo, respondendo, assim, por uma parte altamente relevante dodesempenho econômico nacional.

Há um grande número de assuntos constitucionais cujodebate e encaminhamento se dá entre o Governo Federale os das províncias, deixando de fora as cidades. Os go-vernos provinciais, por seu turno, pouco conhecem dascidades e demonstram pequeno interesse pelas mesmas.Não é ali que reside sua base eleitoral. As eleições pro-vinciais raramente se desenvolvem focando questões es-senciais para as cidades. As negociações que os dirigen-tes das províncias estabelecem com o Governo Federalquase nunca envolvem temas específicos às mesmas.(The Maytree Foundation, 1999).

O fato é que os governos das províncias têm se aferrado tenazmente àmanutenção dos dispositivos constitucionais que lhes asseguram controleabsoluto sobre a vida das municipalidades e, dessa forma, opõem resistênciaa qualquer intento de alteração do status quo. As próprias municipalidades,por sua vez, têm demonstrado pouco empenho na busca por seu reconheci-mento constitucional. Seus interesses efetivos parecem estar focados muitomais em encontrar soluções para seus graves problemas financeiros, além deprocurar limitar o controle exercido pelas províncias, através de uma maiorvalorização do poder municipal e de uma autonomia que se traduza em maiorflexibilidade no exercício de suas competências.10

Nesse contexto, tudo indica que estão mesmo dispostas a buscar alter-nativas fora do campo constitucional.11 Ainda assim, têm havido intentos oca-sionais visando promover o reconhecimento constitucional das municipa-

10 “Essa é, obviamente, uma situação que decorre do fato de as legislaturas provinciais se mostra-rem ciosas de suas prerrogativas. É também, no entanto, resultante da visão que asmunicipalidades têm de si próprias. Assim, nos últimos anos, tomou força um movimento visan-do promover uma descentralização em favor das municipalidades e, inclusive, favorecer a ado-ção de uma carta de autonomia local. No que se refere a suas reivindicações concretas, todavia,é preciso constatar que as municipalidades insistem muito mais em aspectos ligados a tecnicidadesfiscais e regulamentares, em medidas capazes de simplificar a gestão administrativa ou, ainda,na questão dos repasses financeiros setoriais oriundos dos governos de nível superior. Em sín-tese, elas se mostram muito mais preocupadas em afirmar-se no seu papel de administradoreslocais do que em lutar por sua autodeterminação.” (Collin; Léveillée, 2003, p. 5).

11 “Desde a promulgação do Ato Constitucional de 1982, parece ter desaparecido das discussõesa demanda por um status constitucional para os governos locais. As municipalidades nãochegaram a colocar essa questão, para surpresa de muitos observadores, em nenhuma dassessões promovidas pelos vários comitês parlamentares que atuaram no acordo de MeechLake de 1987.” (Dewing; Young, 2006).

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lidades,12 de que é exemplo a atuação da própria Federação Canadense deMunicipalidades (FCM) — Federation of Canadian Municipalities —, que for-ma uma associação voluntária de municipalidades, reunindo mais de 1.600associados, e que se intitula “A voz nacional dos governos municipais desde1901”. A FCM propôs uma emenda constitucional, em 1991, redefinindo opapel das municipalidades. Tal proposição não encontrou, na época, acolhidanem junto aos governos provinciais, nem ao Governo Federal. As perspecti-vas nesse sentido permanecem pouco favoráveis e configuram, na melhordas hipóteses, uma agenda de longo prazo (Dewing; Young, 2006).

Ainda que o reconhecimento constitucional continue sendoum objetivo, as municipalidades parecem ter adotado, nasatuais condições definidas pela Constituição, uma aborda-gem mais flexível e diversificada. É possível que, de umacerta forma, isso esteja relacionado à relutância demonstra-da pelo Governo Federal e pelos provinciais em reabriremas negociações constitucionais. As municipalidades optaram,em vez disso, por fazer lobby junto ao Governo Federal,buscando um maior apoio fiscal, e junto aos governos pro-vinciais, procurando introduzir mudanças no relacionamen-to províncias-municipalidades (Dewing; Young, 2006).13

Outro aspecto importante a destacar relaciona-se ao fato de a legisla-ção de cada província tratar indiferentemente todos as municipalidades a quese aplica, não importando seu tamanho ou particularidades. Isto é, são exata-mente as mesmas leis que regem a vida de uma pequena ou de uma grandecidade. São legislações generalistas, que estabelecem o arcabouço institucionalem que se movimentam todos os tipos de municipalidades e, destarte, semostram pouco adaptadas às necessidades daquelas de maior porte.

É por razões como essas que muitas cidades têm preferido lutar pelaobtenção da chamada City Charter, um estatuto individualizado concedido pelosgovernos provinciais, capaz de proporcionar maior flexibilidade às administra-ções municipais. O estatuto especifica determinados aspectos da lei geral querege as municipalidades de uma dada província e concede algum tratamentodiferenciado. Note-se que a obtenção de tal estatuto não dá nenhuma garan-

12 “É tempo de mudança. É chegada a hora de as cidades promoverem a alteração dos arranjosconstitucionais no Canadá. É tempo de acabar com o diálogo exclusivo entre o Governo Fede-ral e os das províncias acerca de quem vai gastar os dólares arrecadados via impostos. E éhora de conversar sobre qual é o nível de governo mais apto para definir as políticas e paraassegurar a prestação dos serviços.” (The Maytree Foundation, 1999).

13 “Essa tomada de posição pressupõe uma intervenção federal mais significativa nos assuntosurbanos e, por tal via, nas questões municipais. É assim, de uma certa forma, que está sendoposto em xeque o estado das relações intergovernamentais e começa a ser questionada aordem constitucional canadense. Mas é também uma chamada a uma revisão fundamental danatureza e do papel das municipalidades, um questionamento da ordem municipal herdada dametade do século XIX.” (Collin; Lévaillée, 2003, p. 40).

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tia do ponto de vista de uma maior autonomia financeira, uma vez que, aomesmo tempo em que a legislação concede o poder de impor novos impostose taxas incidindo sobre muitas atividades, costuma vir acompanhada de umalistagem de exclusões, que retira muito do poder arrecadador dos tributosassim regulamentados.

As relações diretas entre as municipalidades e o Governo Federal, porsua vez, quase não se fazem presentes e, em existindo, envolvem obrigato-riamente a figura dos governos provinciais, ocorrendo dentro de acordos decooperação tripartites. Em boa medida, isso é uma decorrência do fato de aConstituição canadense impedir, praticamente, a transferência direta de re-cursos do Governo Federal para as municipalidades.

As Províncias têm, sistematicamente, oferecido resistên-cia a qualquer forma de envolvimento direto e formal doGoverno Federal com seu nível de governo subordinado,ainda que este venha canalizando — através de acordosGoverno Federal/governos provinciais — muitos recursosfinanceiros para assegurar os serviços prestados pelasmunicipalidades. As províncias, em especial, têm se opostoao estabelecimento de qualquer agência ou departamen-to federal que tenha jurisdição para tratar específica e di-retamente com os governos municipais. Exceto pelos pa-gamentos efetuados pelo Governo Federal a título de Im-posto Sobre a Propriedade (Property Tax), os fundos fe-derais são praticamente todos direcionados através deacordos mantidos entre o nível federal e o das províncias(Dewing; Young, 2006).

Deve ser observado que, tradicionalmente, era muito pequeno o inte-resse manifestado pelo Governo Federal em relação aos assuntos de nature-za urbana. Foi só mais recentemente, com as mudanças intervenientes naordem econômica e social que repercutiram nas grandes cidades — por exem-plo, a assinatura do North American Free Trade Agreement (NAFTA), a cadavez maior importância das imigrações, a crise dos transportes urbanos e oproblema habitacional, dentre outros —, que tal posição começou a serreformulada.14

14 “A segunda razão pela qual o Governo Federal deveria interessar-se pelas cidades canaden-ses decorre do fato de as mesmas estarem enfrentando sérios obstáculos para manter suacompetitividade econômica no continente norte-americano, para não dizer no contexto inter-nacional [...] Os investimentos em infra-estrutura — sistema viário, transporte público, água eesgoto — estão muito aquém do que seria indispensável para manter o crescimento econômi-co. Há necessidade de canalizar recursos para o mundo das artes e para os equipamentosculturais, de forma a atrair as ‘classes criativas’. O número de pobres e dos sem-teto mostra-se em expansão, não obstante o crescimento econômico registrado nos últimos tempos. Ocontínuo processo de ocupação da periferia das grandes cidades, por outro lado, tem-se tra-duzido não apenas em maiores níveis de congestionamento nas estradas, como também empiores índices de poluição e em custos mais elevados no fornecimento dos serviços munici-pais.” (Slack; Bird, 2006).

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1.5 A autonomia fiscal das municipalidades

As municipalidades canadenses gozam de uma relativa autonomia fiscale financeira. Note-se, todavia, que essa autonomia é controlada de forma bas-tante rígida pelos governos provinciais, que são também os que definem oelenco dos poderes de taxação aplicáveis em nível local. Na prática, isso re-sulta em um conjunto bem delimitado de fontes fiscais, basicamente aquelasrepresentadas pela arrecadação de taxas diversas e do Imposto Sobre a Pro-priedade. Este último incide sobre imóveis e terrenos, sendo sua cobrançaproporcional ao valor de mercado estimado das propriedades, ficando a ava-liação desse valor normalmente a cargo das próprias municipalidades. Aindaoutras formas de arrecadação incluem a emissão de licenças variadas, abran-gendo os licenciamentos para edificação de imóveis e os alvarás para funcio-namento dos negócios. Em alguns casos, é também permitida a cobrança detaxas incidindo sobre as vendas de produtos ou sobre o consumo de determi-nados tipos de serviços. Há ainda a considerar os recursos financeiros prove-nientes da cobrança por serviços prestados, como, por exemplo, as tarifas dotransporte público.

No geral, cerca de 85% dos recursos financeiros com que podem contar asmunicipalidades canadenses têm origem local, ao mesmo tempo em que sãolargamente predominantes aqueles associados ao Imposto Sobre a Proprieda-de, representando usualmente mais de 50% das receitas. Essa é uma circuns-tância que acaba onerando sobremaneira as finanças locais, posto que, comose sabe, se trata de um tributo cujo comportamento não mantém correspondên-cia com o crescimento da economia ou com a evolução da taxa de inflação.

Outra fonte de receitas das municipalidades é constituída pelas transfe-rências de recursos realizadas pelas províncias, um item que sempre pesoude forma favorável na formação das finanças municipais, mas que, nos últi-mos tempos, decresceu significativamente em termos do volume de recursosaportados. Além disso, seu grande inconveniente é o de serem repassadas deforma “casada” quanto à maneira como devem ser despendidas pelasmunicipalidades, estando, por exemplo, comprometidas com a manutençãode escolas ou com a realização de determinados serviços sociais. É bem limi-tada, portanto, a autonomia das municipalidades para aplicar os recursos re-cebidos via transferências, já que os gastos realizados devem se enquadrarnos termos definidos pela esfera provincial.

Observe-se, além disso, que a crise fiscal dos anos 90 fez o GovernoFederal e especialmente os provinciais se retirarem de muitas áreas dos ser-viços públicos que os mesmos assumiam tradicionalmente, com a responsa-bilidade por tais atividades sendo repassada aos governos locais. Issocorrespondeu, na prática, a uma forma de penalização das municipalidades,um verdadeiro download de encargos, que se traduziu em custos adicionaisassumidos localmente e que atingiram um conjunto diversificado de setores, aexemplo dos serviços de manutenção de estradas, construção de moradias,operação de portos, serviços de polícia e de justiça, dentre outros. Deve serobservado que a transferência de responsabilidades assim realizada não foi

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necessariamente acompanhada do repasse de recursos financeiros adequa-dos para assumir os encargos adicionais gerados. Com suas receitas limita-das, em grande medida, à cobrança do Imposto Sobre a Propriedade, os go-vernos locais passaram a conviver com um quadro financeiro deveras proble-mático.15

As dificuldades financeiras com que se depara uma boa parte das munici-palidades canadenses são ainda agravadas pela circunstância de que elasprecisam trabalhar em condições de equilíbrio orçamentário, estando proibi-das de operar em situação de déficit, salvo dentro de margens muitos estrei-tas. Além disso, conforme já referido, precisam obter a autorização prévia dasautoridades provinciais para contraírem empréstimos. A título de compensa-ção, se assim pode ser dito, as municipalidades desfrutam da certeza de quenão irão à falência, na medida em que todos os compromissos assumidostêm, em última hipótese, a cobertura do Tesouro da província. De qualquerforma, são generalizadas as queixas a respeito da insuficiência dos meiosfinanceiros necessários para fazer face aos numerosos problemas que as afli-gem, sendo esse um discurso que é comum a praticamente todas asmunicipalidades, não importando seu tamanho ou sua localização no territóriocanadense. É claro que, no caso das grandes cidades, as reclamações têmconotações adicionais, uma vez que as mesmas se sentem especialmenteinjustiçadas pelo tratamento que lhes é impingido.

[Argumentam] ser muito pequena sua participação nosbenefícios econômicos gerados em seus próprios terri-tórios e que são forçadas a operarem em um meio políti-co que enfraquece suas capacidades competitivas, Osprefeitos dos maiores centros urbanos afirmam que ascidades nos Estados Unidos e na Europa são bem maiscompetitivas do que as congêneres canadenses, já querecebem maior apoio de seus governos centrais. Aperformance sofrível das cidades canadenses seria, emboa medida, uma decorrência da camisa-de-forçainstitucional em que se encontram colocadas. Elas nãotêm suficientes fontes locais de receita ou carecem doapoio financeiro indispensável para realizarem os inves-

15 “Infelizmente para as municipalidades, o ‘milagre canadense’ [refere-se ao sucesso do sanea-mento financeiro dos anos 90] foi realizado, em grande medida, com a transferência dos déficitsdos Governos Federal e provinciais para os que estão no final da cadeia fiscal: os governoslocais. Isso foi alcançado de várias maneiras, consistindo uma delas no puro e simples repas-se de determinados serviços às municipalidades. Em outros casos, os governos provinciaisreduziram o montante das transferências financeiras e, ainda em outros, cortaram suas própri-as despesas diretas em áreas que impactavam fortemente as localidades. São exemplos des-sa práticas a diminuição dos auxílios concedidos pelo Governo Federal para a acomodaçãodos imigrantes e a redução dos gastos com educação promovida por vários governos provin-ciais. Nessas situações, muitos governos locais não tiveram outra opção senão a de assumi-rem novos encargos para fazer face ao ‘vazio’ deixado pela retirada de cena dos demais níveisde governo.” (Slack; Bird, 2006).

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timentos exigidos. Não dispõem, igualmente, da neces-sária flexibilidade para experimentarem suas própriassoluções criativas. Em síntese, seriam excessivamentecontroladas. (Collin; Tomàs, 2004, p. 33).

1.6 Como funcionam as municipalidades canadenses

As municipalidades são dirigidas, via de regra, por um conselho munici-pal constituído através de eleições, sendo o mesmo integrado pelo Prefeito epor conselheiros. O Prefeito é eleito por todos os eleitores de umamunicipalidade, ao passo que a eleição dos conselheiros municipais se dácom base no distrito eleitoral. Tal disposição eleitoral, todavia, pode variarconforme a legislação específica de cada província ou de acordo com a di-mensão do núcleo urbano, havendo alguns casos, por exemplo, em que osconselheiros são igualmente designados pelo conjunto dos eleitores. Quantoao tamanho dos conselhos municipais, sua composição é variável, tendo rela-ção com o número total de habitantes da municipalidade. Em geral, os conse-lhos não são muito grandes, tendo entre 5 e 15 integrantes, além da participa-ção do próprio Prefeito, existindo uma representação numérica mais significa-tiva apenas no caso das grandes cidades.

Os conselhos municipais são formados por representan-tes políticos, normalmente chamados de conselheiros, quedetêm tanto funções legislativas (o poder de criar leis) comoexecutivas (a capacidade de implementá-las). No seu pa-pel legislativo, respondem pelas preparação e promulga-ção dos dispositivos legais que vão reger a vida dos resi-dentes locais. No seu papel executivo, os conselhos de-vem zelar pelo cumprimento dos dispositivos legais, bemcomo supervisionar o dia-a-dia do funcionamento do go-verno local. Diferem, nesse aspecto, dos níveis superio-res de governo (federal e provinciais), em que as respon-sabilidades legislativas e executivas estão mais nitidamen-te demarcadas conforme uma ou outra estrutura política.(Mapleleafweb.com, 2007).

Os conselhos municipais atuam, basicamente, como agências de de-senvolvimento local, ocupando-se de questões relativas à infra-estrutura físi-ca local, redes de água e esgoto, estradas locais e serviços básicos, comopolícia e bombeiros. Tem havido um esforço permanente no sentido de pro-fissionalizar os governos locais e de centralizar os controles administrativos.Em certas municipalidades, são dadas plenas responsabilidades administrati-vas a um único comitê gestor, que atua sob a supervisão política do conselhomunicipal. Em outras situações, particularmente no das maiores comunida-des, a função do controle executivo é delegada a um comitê formado por

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membros do próprio conselho. Em qualquer hipótese, o objetivo perseguido éo de “aliviar” os conselheiros de seu envolvimento com as tarefas do dia-a-dia, ao mesmo tempo em que se busca o estabelecimento de controles admi-nistrativos mais rígidos.

É também importante chamar atenção para o fato de a vida políticacanadense em âmbito municipal ter um caráter francamente não partidário.De fato, usualmente, inexistem partidos políticos que funcionam nesse nível eos candidatos procuram manter distância em relação a partidos que atuam nocenário provincial e federal.16 Isso se materializa na ausência de associaçãoentre candidatos e partidos políticos na cédula de votação.

Normalmente, é mal vista a declaração de filiação políti-co-partidária, uma vez que, assim é considerado, não cabeà municipalidade tratar das grandes questões de socieda-de, devendo a mesma ocupar-se, isso sim, dos serviçospúblicos locais. Mesmo no caso de o candidato a prefeitoou a conselheiro municipal ter alguma identificação notó-ria com algum partido político provincial ou federal, elejamais fará campanha evocando uma tal filiação. (Collin;Léveillée, 2003, p. 27).

Essa ausência de atuação de partidos políticos formais no cenário muni-cipal traz conseqüências para o funcionamento dos governos urbanos no Ca-nadá. Assim, por exemplo, as decisões adotadas no seio dos conselhos muni-cipais seguem normalmente a via do consenso ou da votação por maioria enão têm, forçosamente, identificação ou coerência com alguma plataformapartidária ou mesmo com uma orientação programática de ordem mais ampla.O próprio Prefeito equivale a apenas um voto no conselho municipal e exerceum controle limitado sobre as estruturas administrativas e as políticas segui-das em nível municipal, o que significa dizer que seu poder formal é bastantelimitado (OECD, 2001).

O papel de liderança que se espera de um prefeito nem sempre encon-tra, nesse cenário, as melhores condições para sua afirmação, precisando omesmo trabalhar em conjunto com o conselho municipal, com as várias co-missões do conselho e, em muitas grandes cidades, também com um comitêexecutivo. Ainda que circunscrito, todavia, não se trata de um poder menor,

16 “É verdade que são criados partidos políticos em âmbito municipal. Mas, mesmo nas grandescidades, eles se constituem usualmente em torno de alguma candidatura a prefeito, dandoorigem a coalizões circunstanciais, que podem subsistir no decurso de algumas eleições. Sal-vo raras exceções, esses partidos ou coalizões políticas tomam o maior cuidado em não seidentificarem com as correntes políticas atuantes em nível provincial ou federal [...] É certo queos membros e candidatos de um determinado partido local podem pertencer a formaçõespolíticas que operam nacionalmente ou na Província [...] Nas grandes cidades, todavia, érelativamente comum observar-se a constituição de partidos que se apresentam como típicosprodutos municipais, sem filiação partidária de outro nível.” (Collin; Lévaillée, 2003, p. 27).

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posto que o prefeito é o primeiro magistrado e o primeiro administrador dacidade. É ele que responde, em última análise, pelo planejamento das ativida-des, pelo funcionamento da máquina administrativa, pela elaboração do orça-mento e pelas indicações de nomes que vão integrar os principais postos dafunção pública municipal.17

Mesmo sendo, conforme já visto, decisiva a influência exercida pelosgovernos provinciais sobre a vida administrativa local, a verdade é que osprefeitos e os conselheiros municipais desfrutam de uma indiscutível legitimi-dade política, que lhes é atribuída pelas urnas. Os poderes provinciais preci-sam, em última análise, também compor com uma tal realidade.

Em suma, o exercício do poder de tutelagem não éabsoluto, nem aplicado de forma permanente. Se é cer-to que, em determinadas ocasiões (como no caso dasimportantes operações de reagrupamento de municipa-lidades ocorridas nos últimos anos), eles não hesitamem fazer valer sua autoridade para impor seus pontosde vista, via de regra, os governos provinciais evitam oconfronto direto com a esfera municipal [...] (Collin;Lévaillée, 2003, p. 36).

1.7 O mecanismo das fusões de municipalidades comouma especificidade canadense

O problema da fragmentação do território em numerosas unidades admi-nistrativas, em particular no caso das principais aglomerações urbanas, vemsendo objeto de debates há muito tempo no Canadá, mais precisamente des-de o final dos anos 50 do século passado. A discussão envolve, em últimaanálise, a conveniência18 de proceder-se a reagrupamentos de municipalida-des, de forma a criar unidades político-administrativas de maior porte. É porse identificarem com uma interpretação desse tipo que muitos governos pro-

17 “Enfim, no plano simbólico, é o Prefeito que projeta a imagem da municipalidade junto aoscidadãos, ao público externo, às instâncias governamentais superiores e aos interlocutores nocenário externo. Em resumo, o Prefeito goza de grande visibilidade política, o que lhe dá umaboa margem de manobras e de influência.” (Collin; Lévaillée, 2003, p. 34).

18 “Existe, entre muitos, a presunção de que os governos locais resultariam fortalecidos pela fusãodas atuais municipalidades, que formariam unidades maiores, dotadas de administrações comresponsabilidades ampliadas. Isso implicaria eliminar a maior parte dos governos locais (senãotodos), redesenhando, assim, as fronteiras municipais e colocando os subúrbios e as cidades-satélite sob controle dos conselhos municipais. Nas áreas rurais, há também grandes regiõesque poderiam ser unificadas. Contudo, as províncias não têm muito interesse na criação degovernos locais que com elas possam rivalizar em poder e prestígio. Com isso, a tendênciaprevalecente tem sido a de fazer ajustes de natureza mais limitada em termos das fronteiras edas funções envolvidas, com o que muitos governos locais acabam sendo preservados nessemomento de grandes transformações da ordem socioeconômica.“ (Magnusson, 2007).

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vinciais têm envidado esforços no sentido de promover as fusões e, assim,reduzir o número total de municipalidades. A adoção de tais medidas vemsurtindo algum efeito, ainda que de forma relativamente gradual e com resul-tados variáveis segundo as distintas províncias.

A manifesta preferência pela promoção de reformas da ordem munici-pal baseadas no mecanismo das fusões define, em realidade, um traço muitoespecífico do que poderia ser chamado de modelo canadense de governançametropolitana. São ali, de fato, comuns as reorganizações promovidas pelasautoridades provinciais nas áreas metropolitanas e que resultam noreagrupamento de municipalidades locais, dando origem, por vezes, à forma-ção de megacidades. Da mesma forma, podem resultar na extinção de arran-jos institucionais precedentemente existentes e que envolvem agências ougovernos regionais. Em alguns casos, esse tipo de medida chega a receber oapoio dos administradores das cidades centrais e, em outros, enfrenta umaoposição generalizada em âmbito local.

As políticas aplicadas pelos governos provinciais nas áreas metropoli-tanas — em especial as fusões de municipalidades — estão embasadas, es-pecialmente, em quatro tipos de argumentos, que são retomados, de formamais ou menos semelhante, pelos responsáveis pela implantação dessas re-formas (Collin; Tomàs, 2004, p. 24-27).

Em primeiro lugar, a questão mais ampla remete ao entendimento deque haveria um número excessivo de municipalidades nas áreas metropolita-nas, determinando uma fragmentação, vista como inadequada, das estrutu-ras de governo nesse nível. As conseqüências seriam de três ordens: falta deuma perspectiva política de âmbito metropolitano, surgimento de conflitos en-tre os diversos governos locais e problemas na adequada prestação de servi-ços de natureza metropolitana.

Um segundo tipo de argumento remete à necessidade de as áreasmetropolitanas disporem de efetiva capacidade, em termos institucionais,para criar as melhores condições ao crescimento econômico e à expansãodo produto e da renda em seus territórios. Ou seja, remete ao desígnio deaproveitar plenamente o potencial econômico ali existente e assegurar, as-sim, uma posição competitiva no seio das economias nacional e global. Ape-sar de essa ser uma tese controversa e de não haver comprovação da su-posta relação unívoca entre um território administrativamente não fragmen-tado e uma economia regional próspera (não seria nem uma condição ne-cessária, nem uma condição suficiente), os objetivos de natureza declara-damente econômica têm figurado com destaque na pauta das reorganiza-ções municipais ocorridas no Canadá.

Um terceiro fator está centrado na idéia de que a fragmentação do ter-ritório em numerosas estruturas municipais atuaria no sentido de elevar oscustos de produção e de prestação dos serviços no âmbito metropolitano.Isso ocorreria porque as unidades administrativas locais não teriam, em mui-tos casos, condições de se beneficiar das economias de escala. A criação deuma só unidade administrativa no território elevaria as condições gerais deeficiência e eficácia, reduzindo custos e evitando desperdícios, bem como

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acabando com a duplicidade de estruturas e de instituições.19 Mais ainda, umamelhor distribuição dos custos por todo o território da área metropolitana ser-viria para aliviar a carga fiscal das cidades centrais, o que parece ter constitu-ído, precisamente, uma questão-chave em grande parte das reformas munici-pais empreendidas no Canadá.

Enfim, um quarto elemento agindo na base dos movimentos de fusãode municípios estaria ligado a aspectos que proporcionam as condições parao estabelecimento de um desenvolvimento sustentável, bem como para a re-alização dos objetivos de controle do uso do solo. Tem sido grande, efetiva-mente, a ênfase posta pelas autoridades dos níveis superiores de governo naimperiosidade de limitar-se a expansão descontrolada de cunho suburbano,grande consumidora de espaço. O reagrupamento das unidades administrati-vas, nesse caso, favoreceria a adoção de um enfoque coordenado em termosdas políticas visando controlar a ocupação urbana e proteger o meio ambientena escala metropolitana.

Esse é efetivamente um dos problemas críticos enfrentados pelo plane-jamento urbano e regional nesse país, Ao questões pertinentes têm relaçãocom o forte crescimento urbano registrado em algumas cidades e com oextravasamento das áreas ocupadas para muito além das fronteiras adminis-trativas das cidades centrais das aglomerações. Em boa medida, um tal pa-drão de ocupação territorial ampliado responde ao modelo de sociedade queorbita em torno do automóvel. É verdade que, comparativamente aos EstadosUnidos, o Canadá se caracteriza por apresentar um padrão de uso do solo deestilo mais propriamente europeu, com uma presença atuante do transportepúblico e a preservação da vitalidade de suas áreas urbanas mais centrais.Ainda assim, são pesados os investimentos que precisam ser realizados paraa montagem e a manutenção das infra-estruturas nas áreas periféricas, sen-do essa uma fonte básica de comprometimento de orçamentos municipaisrelativamente inelásticos, como são os das cidades canadenses, contribuin-do, assim, para a generalização das crises fiscais nessa esfera de governo.

Essas e outras questões que marcam a vida dos governos locais noCanadá são retomadas de forma ampliada nos capítulos seguintes, privile-giando-se a realização de estudos de casos de caráter abrangente sobre To-ronto, Montreal e Vancouver, que formam, precisamente, as três maiores áre-as metropolitanas do Canadá.

19 “O debate acerca das vantagens econômicas das fusões e do tamanho ótimo das municipali-dades é muito antigo. Qualquer revisão envolvendo estudos e dados empíricos sobre a ques-tão dos governos locais fragmentados versus governos locais consolidados traz resultadoscontraditórios, conforme os diferentes autores e escolas invocadas. Para os defensores dateoria da escolha pública (public choice school), as estruturas fusionadas estão associadas amaiores gastos, ao passo que os que apóiam as fusões acreditam no oposto. Outro ponto aconsiderar refere-se aos custos de transação incorridos quando das fusões municipais, quecostumam ser, via de regra, superiores aos previstos.” (Collin; Tomàs, 2004, p. 27).

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2 A CIDADE DE TORONTOE A ÁREA DA GRANDE TORONTO

(GREATER TORONTO AREA – GTA)

2.1 A Província de Ontário

Ontário estende-se por 1.076.395km2 e é a segunda maior província doCanadá, contribuindo com 10,78% para a formação de seu território. Formauma vasta região, que vai do Lago Eire, ao sul, até a fronteira com a Provínciade Manitoba e a borda da baía de Hudson, ao norte. As águas são ali umapresença recorrente, com os numerosos rios e lagos ocupando 15% do totalda área provincial. Destaca-se especialmente por acolher o sistema dos Gran-des Lagos, composto pelos Lagos Superior, Michigan, Hiron, Eyre, Ontário eSaint Clair. Todos eles — exceto o Michigan — são compartilhados com osEstados Unidos, o que já dá uma idéia da extensão das fronteiras comunsentre os dois países que se localizam em terras de Ontário. A região dos la-gos, conhecida como a Planície dos Grandes Lagos, é extremamente fértil,dispondo de algumas das melhores terras do Canadá, que são destinadas aocultivo de diversos tipos de alimentos. A Província tem, igualmente, abundan-tes áreas ocupadas por florestas, as quais recobrem mais de 50% das terras.

É um território rico em recursos minerais, despontando como o segun-do maior fabricante mundial de níquel e um grande produtor de ouro, cobre,zinco, platina, paládio, cobalto e prata. Enquanto a porção norte da Provínciaconcentra a maior parte das jazidas de minerais metálicos, a parte sul distin-gue-se pela oferta de minerais não metálicos, como fósforo, cal, carbonato decálcio e materiais em geral para a indústria da construção.

Ontário sempre foi a província manufatureira por excelência do Canadáe ainda hoje contribui com mais da metade de seu PIB industrial. A exploraçãode suas vastas riquezas naturais, as vantagens, em termos de acessibilidade,proporcionadas por um bem estruturado sistema de transportes20 e a proximi-dade dos mercados e centros manufatureiros dos Estados Unidos — em es-pecial, o pólo automobilístico de Detroit — foram alguns dos fatores quecolaboraram para sua transformação na principal região econômica do País.

Na formação do produto regional, o Setor Primário responde por 1,5%;o Secundário, por 27,5%; e o Terciário, por 71,0% do PIB. A manufatura, maisespecificamente, emprega 1,1 milhão de pessoas e contribui com 22,0% doproduto regional. No Terciário, por sua vez, a participação dos serviços comu-nitários e pessoais é de 23,0%; a dos serviços financeiros e imobiliários chegaa 22,0%; e a dos comércios atacadista e varejista, a 15,0% (Wikipedia, 2007a).

20 A Província conta com 72.000km de vias públicas, 13.350km de ferrovias — representando umquarto da malha ferroviária canadense — e tem o principal centro aeroportuário do Canadá, oaeroporto internacional situado em Mississauga (Wikipedia, 2007a).

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É a província mais populosa, com seus 12.160.282 habitantes equiva-lendo a 38,47% da população do País em 2006, o que representava um ga-nho de 1,53% em relação à mesma participação de 1991. A intensidade dasua dinâmica populacional fica também evidenciada na comparação entre astaxas de crescimento da Província e as do País ao longo do período 1991-06,da ordem de 1,25% e 0,98% a.a. respectivamente. Isso transparece igual-mente no aumento da sua densidade demográfica, que evoluiu de 9,37 hab/km2 para 11,30 hab/km2 no decurso do período considerado, um indicador aser contraposto aos 3,17 hab/km2 que caracterizavam o Canadá como umtodo em 2006. Deve ser observado que os fluxos de imigrantes, tanto proveni-entes de outras regiões do País como do estrangeiro, tiveram historicamente,e ainda hoje têm, um papel decisivo na formação da população regional.

Mapa 2A Província de Ontário

FONTE: Disponível em:<http:www.mapquest.com>. Acesso em: 28 ago. 2007.

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Não surpreende, portanto, que seja a Província mais urbanizada doCanadá, com 85,12% de residentes urbanos em 2006. Tem especial significa-do na configuração de seu tecido urbano a conurbação localizada no centro-sul, conhecida como Greater Golden Horseshoe. Forma uma região altamen-te ocupada e industrializada, disposta na extremidade oeste do Lago Ontário,e que acolhe, dentre outras, a aglomeração (Census Metropolitan Area) deSaint Catharines-Niagara (390.317 habitantes em 2006), a de Hamilton (692.911habitantes) e a própria aglomeração de Toronto.

É também no território de Ontário que está situada Ottawa, a capital doCanadá, que fica na extremidade leste da Província. Deve ser observado que,no caso canadense, a capital não tem o status de distrito federal — como soeocorrer em muitos países —, constituindo uma municipalidade igual às de-mais. A área metropolitana de Ottawa-Gatineau forma o segundo maior centropopulacional regional e contava com 846.802 habitantes em 2006.

2.2 Toronto e suas relações de dependênciacom o Governo Provincial

Ainda que Toronto ocupe uma posição primordial no contexto canaden-se, o fato é que, como todas as demais cidades do País, mantém uma relaçãode dependência com o Governo Provincial nos assuntos de sua própria vidamunicipal. Isso decorre dos arranjos institucionais vigentes, que atribuem umpapel subordinado aos governos municipais. Conforme já visto, de acordo comos poderes constitucionais de que são investidos, as províncias gozam de umimpressionante poder unilateral, que lhes permite, por exemplo, criar ereestruturar uma municipalidade, promover fusões envolvendo distintasmunicipalidades e conceder fundos ou negar sua aprovação. De fato, no Cana-dá, as municipalidades — e, portanto, as cidades — são de responsabilidadeconstitucional e administrativa de cada província. É isso que explica o forte pa-pel intervencionista freqüentemente assumido pelas províncias no seu trato comos governos locais, em uma demonstração inequívoca do controle que exer-cem sobre os mesmos. E é essa também a razão pela qual os prefeitos têmuma posição relativamente enfraquecida no sistema canadense de poder.

No caso de Ontário, a legislação que regula os poderes municipais estácontida na chamada Lei Municipal (Municipal Act), tendo uma nova versãoda mesma sido editada em 1o de janeiro de 2003. Segundo tal lei, compõemas funções básicas das municipalidades a prestação de serviços a seus re-sidentes, a administração dos ativos públicos e a promoção das condiçõeseconômicas, sociais e de meio ambiente, bem como a participação em pro-gramas e iniciativas encabeçadas pela Província. Os poderes que, para tan-to, lhes são concedidos permitem-lhes firmar contratos, adquirir bens e ser-viços, ter a posse de propriedades e de ativos e deles dispor, contratar eexonerar funcionários, delegar responsabilidades, prestar serviços e cobrarpor sua execução. Mesmo sendo essa uma versão da Lei Municipal um pou-co mais flexível do que a das edições anteriores, concedendo uma autono-

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mia relativa às administrações municipais, ainda é basicamente de naturezarestritiva (Slack; Bourne; Gertler, 2003, p. 19).

A atual lei da Cidade de Toronto (City of Toronto Act) estámodelada no Municipal Act e é normativa por natureza.Ou seja, detalha o que a Cidade pode fazer [...] Se algonão é especificamente referido na lei, a Cidade somentepode fazê-lo com o consentimento da província. Via deregra, tal autorização não é difícil de ser obtida, já que,por exemplo, temas como definir os limites de velocidadenas vias urbanas costumam ser encarados como assun-tos de rotina, motivo pelo qual o processo se torna expe-dito. (Broadbent, 2005, p. 5).

Uma proposição que vem sendo amplamente discutida e que traria pers-pectivas positivas no encaminhamento de uma solução para muitos dos pro-blemas hoje enfrentados reside na concessão, por parte do Governo de Ontário,do chamado “Estatuto da Cidade” (City Charter). Essa é uma peça de legisla-ção já disponibilizada para algumas poucas cidades canadenses e que permi-tiria a Toronto desfrutar de mais amplos poderes sobre a forma como arrecadasuas receitas e como administra seus serviços, bem como no tocante ao tipode relações que lhe é facultado manter com outros níveis de governo e com osetor privado em geral. Na verdade, o que está aqui em jogo é a questão de oGoverno Municipal dispor de uma maior autonomia fiscal e legislativa. Comessa renegociação do City of Toronto Act, que redefiniria as relações entre aCidade e a Província, esta última abriria mão de muitas das prerrogativas deintervenção com que conta na atualidade, sinalizando, assim, o que poderiaconstituir um novo modelo canadense para a gestão das grandes metrópoles(Broadbent, 2005, p. 5).

A idéia nesse campo é a de que a lei passaria a ser menos prescritiva emais permissiva, ainda que continuando a referir especificamente o que nãopode ser feito em nível local. Ficaria, assim, preservada a instância de jurisdi-ção própria da Província, mas a Cidade estaria liberada para atuar em todasas demais áreas. Esse é um encaminhamento visto por muitos observadorescomo bem mais factível do que aquele que implicaria mudanças na ordemconstitucional, as quais resultariam no reconhecimento dos governos munici-pais como um terceiro nível, per se, de governo. Ou seja, a discussão doEstatuto da Cidade insere-se em uma perspectiva mais ampla, que remete aodebate, atualmente em curso, sobre os rumos da gestão e da governançaurbanas no Canadá. No caso de Toronto, a matéria tem se mostrado altamen-te polêmica e longe de ser consensual, havendo, todavia, um ponto comumque perpassa todas as propostas, qual seja, o de que teria chegado a hora deredefinir efetivamente as relações entre a Cidade e a Província.

Não há, igualmente, consenso no tocante à abrangência espacial quedeveria ter esse estatuto, porquanto já são muitos os que estimam não sermais possível ignorar a realidade socioeconômica representada por essa imen-

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sa cidade-região, sendo necessário buscar uma solução que não fique cir-cunscrita aos limites atuais da Cidade de Toronto. É o reconhecimento dasimplicações associadas ao desenvolvimento dessa mancha urbana espalha-da sobre um vasto território, dessa prevalência indiscutível das questões me-tropolitanas, que alimenta, na atualidade, muitos dos debates nesse domínio.

2.3 A Cidade de Toronto e sua dinâmica econômica

Toronto foi fundada em 1834 e é a capital provincial desde 1867. Estálocalizada na parte sul da Província, ocupando a margem noroeste do LagoOntário. Estende-se sobre um grande planalto, entrecortado por numerososvales. É a maior cidade do Canadá, ficando no centro de uma região altamen-te urbanizada, mas que apresenta ainda muitas terras naturais e conta cominúmeros parques, que formam extensas áreas protegidas.

Sua posição geográfica privilegiada na extremidade sul da penínsulade Ontário possibilita-lhe manter fortes relações com um vasto território. As-sim, domina uma região industrial e agrícola, muito povoada, ao sul da Provín-cia e tem uma zona de influência que alcança todo o território canadensedisposto na bacia superior dos Grandes Lagos e ainda se estende mais além,enquanto, na parte inferior dos lagos, sua influência adentra o território dosEstados Unidos.

O início da industrialização da Cidade data dos anos 70 e 80 do séculoXIX, tendo ocorrido com base na implantação e no rápido desenvolvimento deplantas produtoras de equipamentos agrícolas e de vestuário, bem como deusinas de fundição. De uma pequena aglomeração com apenas 30.000 habi-tantes em 1851 passou para 150.000 já em 1891. Os anos 20 do século pas-sado registraram uma nova grande onda de expansão, com o crescimento jáse espraiando para a região situada no entorno de um centro urbano quetinha, então, 500.000 residentes, motivando, assim, o surgimento de novasmunicipalidades. A recessão dos anos 30 deixou igualmente suas marcas, aponto de a Cidade só conseguir ingressar em um nova fase de crescimentocom a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Essa teve um efeito altamenteimpactante na sua economia urbana, com o favorecimento da indústria eletrô-nica, da aviação e do segmento de máquinas de precisão. A região urbanaultrapassou um milhão de habitantes em 1951 e, desde então, consolidou-secomo um dos centros mais dinâmicos do território canadense e do continentenorte-americano.

Essa preponderância materializa-se, nos dias de hoje, no peso decisivoque tem na economia do País, sendo sua contribuição, nesse aspecto, inclu-sive superior à de muitas províncias. Não é por acaso que a chamada Área daGrande Toronto — que representava cerca de 11,0% do PIB canadense em2005 — tem uma significância ainda mais primordial para a Província de Ontário,formando quase a metade de seu PIB e constituindo, nessa condição, o seuprincipal ativo econômico (City of Toronto, [s.d]a). É também o maior centroempregador do País, respondendo por cerca de um décimo dos empregos

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gerados no Canadá e por um quinto daqueles de Ontário (The Toronto Boardof Trade, 2002, p. 6).

Dentre os fatores que historicamente estabeleceram as bases para que aÁrea da Grande Toronto pudesse assumir um papel tão expressivo, cabe des-tacar o acordo Canadá-Estados Unidos de 1953, relativo à indústria automo-bilística. Em época mais recente, a referência inescapável remete ao acordode liberalização econômica entre ambos os países, gestionado a partir de1988 e assinado em 1991. Foi ele que, efetivamente, imprimiu um novo for-mato ao relacionamento comercial entre Estados Unidos e Canadá, o qualresultou fortalecido com a adesão do México, em 1992.

A entrada em vigor oficial do NAFTA em 1o de janeiro de 1994 forçosa-mente teve uma grande influência na economia de Ontário e, é claro, na daprópria Toronto. No curto prazo, registraram-se efeitos perversos particular-mente impactantes, por conta da reestruturação econômica induzida, e quelevaram o setor manufatureiro de Ontário a cortar 20% de seus efetivos entre1989 e 1993, sendo a GTA, então, atingida em cheio (Eberts; Norclife, 2005,p. 33).21

A recessão que afetou a Cidade e sua região, nessa época, só foi supera-da após estar muito avançado o processo de reconversão das atividades eco-nômicas, deixando uma carga de seqüelas associadas às mudanças estrutu-rais de cunho tecnológico e organizacional implantadas. Consolidou-se, des-sa forma, o declínio do emprego industrial, em especial nos postos de traba-lho da velha Cidade de Toronto, bem como se registrou uma correlata inflexãopositiva favorecendo o setor serviços.22

A manufatura recuperou-se oportunamente na região, senão em termosdo emprego — já que se tratava de uma jobless recovery —, pelo menos notocante à produção, permanecendo como um dos setores dinâmicos em nívelregional. Isso deu-se, deve ser salientado, com sua passagem a um patamarmais elevado de tecnologia e de conhecimentos incorporados aos processosprodutivos. Ou seja, na atualidade, estão ali em operação indústrias altamen-te inovadoras, em condições de competir no mercado continental e, até mes-mo, no globalizado. É preciso observar que os movimentos iniciais de umareconversão desse porte já podiam ser antevistos nos anos 80 e acompanha-

21 “O Canadá e Toronto foram muito afetados pelo NAFTA e pelo resultante incremento daintegração continental. Na verdade, o tratado teve repercussões maiores para a economia deToronto do que para qualquer outra cidade canadense, pelo fato de ali estar sediado o grossoda estrutura manufatureira do País. Com efeito, esse foi um movimento que, historicamente,respondeu ao investimento direto estrangeiro em plantas de propriedade dos Estados Unidosno Canadá e que impactou diretamente a manufatura canadense quando da racionalização daprodução que se seguiu à implantação do Acordo de Livre Comércio e do NAFTA.” (Eberts;Norclife, 2005, p. 36).mia.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 39).

22 “Encontramos, na nova economia de Toronto, um conjunto extremamente variado e flexível depadrões de trabalho associados a negócios e serviços de natureza muita diversificada, bemcomo as mais recentes e inovadoras indústrias de manufaturas. O sucesso da Cidade, emanos recentes, deve-se, por um lado, à integração continental e à acessibilidade que ofereceem relação aos Estados Unidos e, por outro, à rápida expansão que caracteriza a nova econo-mia.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 39).

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ram a crescente internacionalização da economia canadense.Em termos espaciais, traduziram-se no deslocamento do principal vetor

regional de crescimento para as áreas externas da metrópole, em detrimentoda dinâmica anterior, que privilegiava seu núcleo central. Mais ainda, por de-corrência da desigual recuperação econômica que caracterizou a década dos90, acabaram sendo reforçadas as desigualdades socioeconômicas nointerior da região, o que afetou tanto as novas áreas de crescimento da perife-ria, como as já tradicionais e mais ricas da cidade.23

No contexto mais amplo, cabe observar que Toronto conseguiu sair-sebastante bem nesse cenário de profundas transformações da ordem econô-mica. Com efeito, tornou-se a capital das grandes corporações nacionais einternacionais de negócios — que ali passaram a manter seus principais en-dereços no País —, em uma escala não igualada por nenhuma outra metrópo-le canadense. É o caso, precisamente, das grandes plantas montadoras deautomóveis que estão implantadas no território da Grande Toronto, como a daGeneral Motors, da Ford e da Daimler-Chrysler. Há ainda uma planta da Honda,que, mesmo estando situada um pouco além de suas fronteiras, é obviamenteparte integrante da economia metropolitana, por conta das intensas relaçõesque mantém com o amplo e diversificado setor fornecedor de autopeças ecom os prestadores de serviços que operam na GTA. Nesse caso, nunca édemais ressaltar a significância do mercado dos Estados Unidos como desti-no privilegiado de grande parte da produção que é disponibilizada pelasmontadoras canadenses de veículos (Gertler, 2000, p. 3).

A economia metropolitana está também muito bem representada nos se-tores produtores de equipamentos ligados à tecnologia da informação, con-tando com uma ampla e variada gama de fabricantes de sistemas de teleco-municações e de computadores, bem como de desenvolvedores dos softwaresneles incorporados, além de plantas de semicondutores digitais dedicados. É,da mesma forma, muito forte seu envolvimento com a fabricação de bens decapital e de máquinas-ferramenta de precisão. Destaca-se ainda como o prin-cipal centro canadense no domínio das ciências biomédicas e da biotecnologia.

É igualmente o centro financeiro por excelência do Canadá e o terceiromaior da América do Norte, tendo sobrepujado Montreal nesse domínio. Deveser observado que, para tal desfecho, teve também influência a migração deuma parte da população e dos negócios de Montreal para Toronto, em ummovimento que respondeu à promulgação das leis relativas ao uso da língua

23 “Não obstante o atual boom da construção de condomínios e da expansão dos empregos naárea central, que foram puxados pela (instável) dinâmica expansionista dos mercados finan-ceiros, ainda podem ser sentidos os efeitos da depressão e das profundas reduções impostasaos programas mantidos por todos os níveis de governo. Enquanto a região mais externa daGrande Toronto se recuperou relativamente rápido da depressão, a Toronto Metropolitana nãoregistrou nenhum crescimento dos empregos até 1996. Os níveis de desemprego e de pobre-za na Cidade de Toronto mantêm-se em um patamar bem superior ao do final dos anos 80. Naverdade, a pobreza segue sendo uma realidade, e o número dos sem-teto aumentou ao longodesta última fase de crescimento, em conseqüência dos cortes introduzidos nos programasprovinciais e federais de moradia e nas políticas de bem-estar social, bem como em decorrên-cia dos baixos salários praticados pelo setor serviços.” (Kipfer, 2000, p. 31).

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francesa em Quebec. Para dar uma idéia da dimensão assumida por Torontono mundo dos serviços financeiros, basta dizer que os cinco maiores bancoscanadenses e 80% dos bancos estrangeiros em operação no País mantêm alisua sede, o mesmo ocorrendo com 60% das principais companhias segura-doras (City of Toronto, [s.d.]b).

Ainda com relação aos segmentos que têm especial presença no Terciáriolocal, cabe referir a indústria cultural, a mídia em geral e o mundo da publici-dade, que formam um cluster de atividades intimamente relacionadas. Osmesmos estão muito concentrados na área mais central da Cidade e suasatividades envolvem a televisão, o vídeo, o cinema, a multimídia, as grava-doras, as editoras, os museus, os shows musicais e as artes em geral (Gertler,2000, p. 5).

É por conta, dentre outros fatores, de um elenco tão rico de atrativos e depotencialidades que os governos locais e o da própria Província assumiram,há já algum tempo, uma política agressiva, que busca vender a imagem deuma Toronto altamente competitiva no mundo dos negócios globalizados e ade um destino privilegiado para os fluxos de turistas.24

2.4 Toronto e sua dinâmica populacional

Após registrar uma rápida evolução demográfica no início do século XX,Toronto passou a crescer a uma taxa próxima a 1% até os anos 40. Nessaépoca, a Cidade congregava a maior parte da população da região, sendorodeada por alguns subúrbios que atuavam como cidades-dormitório. Esses,não obstante formarem municipalidades independentes, representavam áre-as funcionalmente integradas à economia da Cidade.

Deve ser observado que, em 1941, a cidade contava com 667.000 resi-dentes, enquanto os subúrbios tinham apenas 242.000. Uma década depois,os moradores dos subúrbios já haviam duplicado seu número (Robinson;Schwartz, 1999, p. 1) e não pararam mais de crescer, passando a constituir ogrande vetor de expansão populacional. A partir daí, o padrão de crescimentoregional viu-se profundamente alterado, com os números da Cidade de Toron-to registrando apenas ligeiras oscilações, inclusive para menos. Isso é tãoverdadeiro que, em se fazendo a comparação entre os dados de 1996 (653.700habitantes) e os de 1941 (667.500 mil habitantes), verifica-se que houve atéuma leve redução no tamanho da Cidade. Isso se reflete, naturalmente, emuma perda de sua participação no total de habitantes do que constituía entãoa Toronto Metropolitana (um território que englobava a própria Cidade de To-

24 “Não está ainda claro se a globalização vai criar condições para que o Canadá possa atuar commais autonomia. É, com freqüência, observado que a globalização coloca uma cidade emcondições de interagir de forma direta com outras cidades, passando por cima dos governosde nível superior [...] Uma análise mais fina da Província de Ontário mostraria que o GovernoProvincial já assumiu efetivamente a agenda da globalização, não tanto no intuito de facilitaras coisas para cidades como Toronto, mas muito mais para transformar a Província como umtodo em uma região altamente competitiva da América do Norte.” (Milroy, 1999, p. 22).

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ronto e mais 12 municipalidades circunvizinhas), que decresceu de 34,1%para 27,4% no período 1971-96.

FONTE: Statistics Canada (dados censitários); Wikipedia, 2007b. (1) Pós-fusão de municipalidades. (2) Refere-se a A/C.

Tabela 1

População da Cidade de Toronto, da Toronto Metropolitanae da Área da Grande Toronto e participação percentual da população da

Cidade de Toronto na da Toronto Metropolitana e da Toronto Metropolitanana da Área da Grande Toronto — 1941-2006

ANOS

194119511961197119811991199620012006

CIDADE DETORONTO(1 000hab.)

(A)667,5675,5672,4712,8612,3635,4653,8

(1)2 481,5(1)2 503,3

TORONTOMETROPOLITANA

(1 000hab.)

(B)-......

2 089,72 137,42 275,82 385,8

--

ÁREA DAGRANDE

TORONTO(1 000hab.)

(C)1 036,81 379,42 120,22 922,93 416,74 235,84 628,95 100,05 556,0

PARTICIPAÇÃOPERCENTUAL

A/B-......

34,128,627,927,4

--

B/C-......

71,562,653,751,5

(2) 48,7(2) 45,1

Ao mesmo tempo, a Toronto Metropolitana foi perdendo força populacionalno contexto da área metropolitana de Toronto, a chamada Área da Grande To-ronto25, posto que os moradores foram, cada vez mais, se direcionando paraalém de suas fronteiras e para fora de seu controle. Observe-se, efetivamente,que seu peso relativo decresceu sistematicamente, tendo passado de 71,5%em 1971 para 45,1% em 2006, já tomando como referencial, nesse último ano,a nova cidade de Toronto, que emergiu da fusão de municipalidades realizadaem 1997. Em 2006, portanto, bem mais da metade da população metropolitanavivia fora do núcleo mais antigo de povoamento. Uma tal dinâmica ocorre por-que o território central vem crescendo mais lentamente do que as regiõescircunvizinhas, tanto em função de perdas de população para outras áreas daprópria GTA como por conta de movimentos migratórios intra-provinciais.

25 Deve-se ter presente que a Grande Toronto não coincide com a CMA de Toronto, sendo maiorem área, população e número de municipalidades integrantes. Assim, por exemplo, a popula-ção da CMA era de 5.113.100 habitantes em 2006.

brinco
Linha
brinco
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As expectativas são de que se mantenham, no futuro próximo, as altastaxas de crescimento demográfico que caracterizam a área metropolitana, emespecial de seu espaço de ocupação mais externo, para o que deve seguirpesando a opção preferencial dos novos fluxos migratórios de ali fixarem mora-dia. Isso funcionou muito bem no passado e assim continua acontecendo. Nota-se que, em relação ao total de expansão demográfica verificada na GTA, entre1996 e 2001, nada menos do que 69% corresponderam à imigração estrangei-ra, enquanto a mesma relação era de 43% no caso da Província de Ontário(Office of Economic Policy, [s.d.]). Esse movimento prosseguiu entre 2001 e2006, com a participação dos estrangeiros no total dos habitantes aumentandode 43,7% para 45,7%. O próprio crescimento vegetativo da população residen-te de origem estrangeira, que tem uma forte representação do pessoal maisjovem, vem também fazendo sua parte nesse processo. Com a atuação conjun-ta desses dois fatores de expansão demográfica, espera-se que a Grande To-ronto venha a acolher mais três milhões de pessoas nos próximos 30 anos, oque apenas confirmaria sua posição como a área metropolitana de maior dina-mismo populacional do Canadá (Regional Centres of Expertise, [s.d.]).

2.4.1 A relevância dos fluxos migratórios

É de há muito tempo que as correntes migratórias desempenham umpapel determinante no contexto canadense. Em épocas mais recentes, seudestino privilegiado esteve associado às principais áreas metropolitanas, quevêm acolhendo a maior parte dos estrangeiros que chegam ao País.26 Narealidade, nos dias de hoje, são os imigrantes que formam o componentemais forte do crescimento populacional, bem como do incremento da força-de-trabalho, com repercussões positivas quanto à diversidade e à vitalidadeaportadas ao quotidiano de vida canadense. É claro que há igualmente umacontrapartida mais desafiadora ligada a esse fato e que é medida pelas dificul-dades de assimilação de vastos contingentes populacionais advindos de con-textos culturais e econômicos tão diversos.27 Apenas para tangenciar o pro-blema, basta pensar nos encargos decorrentes da demanda adicional queprecisa ser assumida pelos sistemas de saúde, escolar, habitacional e deseguridade social, para não se falar das dificuldades de assimilação impostas

26 “Em grande medida, isso pode ser atribuído ao fato de a imigração internacional ter-se trans-formado na força dinâmica do crescimento populacional no Canadá e de os níveis de fertilida-de terem caído, nos últimos 30 anos, abaixo do ponto de equilíbrio. Os novos imigrantes ten-dem a procurar as principais áreas metropolitanas, onde esperam contar com o apoio dassuas comunidades étnicas e beneficiar-se dos serviços sociais, ao mesmo tempo em quedesfrutam de melhores oportunidades econômicas.” (Neal, 2003, p. 3).

27 “A imigração do pós-guerra e o multiculturalismo oficial modificaram dramaticamente o cenárioeuro-centrado da área metropolitana de Toronto [...] No mínimo, as necessidades e preferên-cias sociais, profissionais e de moradia da nova população são diferentes daquelas que ali jáestavam instaladas, sendo também grande a diversidade, em termos das necessidades epreferências, que marca o universo dos próprios imigrantes.” (Lo; Zhixi, 2005, p. 25).

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ao próprios mercados de trabalho. De qualquer forma, essa é uma situaçãoque só se tornou possível graças à política oficial multicultural hoje vigente noCanadá e que garante direitos iguais perante a lei, independentemente deraça, etnia, religião ou cor das pessoas.

Seja na área central, seja nos subúrbios, a ocupação pro-movida pelos imigrantes transformou, e ainda segue trans-formando, o cenário urbano. Há muitos enclaves em To-ronto, alguns de natureza meramente habitacional, outrosenvolvendo atividades comerciais. Os enclaves étnicos nãoconstituem um fenômeno novo, nem estão associados aqualquer grupo em particular. Sua proliferação, todavia,decorre dos padrões de imigração vigentes nos últimos30 anos. (Lo; Zhixi, 2005, p. 25).

Toronto tem-se constituído, de fato, em um tradicional ponto focal paraos imigrantes, o que explica a diversidade étnica e racial ali encontrada, que atorna uma das cidades mais multiculturais do mundo. Verifica-se, assim, quesão ali faladas, de forma corrente, mais de 100 línguas e dialetos e que umterço de seus moradores não tem o inglês como língua materna. Tal situaçãoreflete acuradamente os efeitos das intensas correntes migratórias origináriasdo Sudeste Asiático, do Caribe e da América Latina, que passaram a se fixarna região a partir dos anos 80, substituindo aqueles procedentes da Europa eda própria América do Norte, que, até então, eram preponderantes.28

A simples menção de alguns indicadores nesse domínio serve para daruma idéia da dimensão assumida pelo fenômeno em nível local. Assim, em2006, 47,6% da população da Grande Toronto eram nascidos no estrangeiro,o que equivalia a quase dois milhões e meio de pessoas, enquanto o mesmopercentual era de 20,6% para o Canadá. No caso da Cidade de Toronto, se-gundo o censo de 2001, o grupo das primeiras minorias étnicas era lideradopelos chineses (10,6% dos residentes), seguido pelos sul-asiáticos (10,3%) efilipinos (3,5%). Compreende-se, portanto, como o chinês se tornou a terceiralíngua mais falada no Canadá e a segunda em Toronto (Lo; Zhixi, 2005, p. 20;City of Toronto, [s.d.]b).

2.5 O processo de ocupação da área metropolitana

A primeira metade do século XX esteve marcada por um forte crescimen-to populacional e industrial em Toronto e em parte do território que viria a

28 “Até a metade do século XX, Toronto constituía uma cidade altamente respeitável, de ascen-dência, valores e tradição britânicas. Em 1931, por exemplo, 81% de sua população eramdescendentes de cidadãos nascidos na Grã-Bretanha. Desde então, declinou enormemente aproporção de residentes dizendo-se de origem étnica britânica [...] Era de 60% em 1971 e caiupara 38% em 2001.” (Lo; Zhixi, 2005, p. 18).

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formar sua área metropolitana. Já na segunda metade, o impulso demográficoperdeu vitalidade na Cidade, em consonância com o deslocamento do vetorpopulacional para as municipalidades de seu entorno, as quais — mesmosendo legalmente autônomas — eram parte integrante dessa economia urba-na ampliada. Em boa medida, o processo tomou essa forma porque não haviasuficientes terrenos livres para ocupação no interior da própria Cidade, o queforçou um povoamento de cunho suburbano. Daí as grandes necessidadessurgidas em termos da demanda de infra-estrutura e de prestação de serviçoscomunitários nesses espaços de urbanização mais tardia. Nessa fase inicialde ocupação da periferia, pelo fato de o padrão de ocupação estar principal-mente associado à presença de numerosas propriedades residenciais e depoucos estabelecimentos comerciais e manufatureiros, era também limitada abase passível de tributação e, em decorrência, mostravam-se escassos osrecursos de caixa disponíveis para efetuar os investimentos necessários. Jána Cidade de Toronto, em contrapartida, havia uma rica base tributável, for-mada por importantes ativos industriais e residenciais, capazes de gerar umexcedente que pôde ser transferido para cobrir as necessidades dessa perife-ria emergente (The Office of Legislative Services, 2006).

Se considerado o padrão histórico de ocupação desse território, verifica-se, na verdade, o desenvolvimento de três regiões diferenciadas, cada umadelas complementando a atual formação física e social que marca a metrópo-le de Toronto. Um primeiro desses espaços corresponde à área mais central,marcado especialmente pela paisagem urbana que data de antes de 1930.Esse é um território caracterizado por densidades relativamente altas, por usosmistos do solo, pela presença de extensas zonas comerciais (as chamadasretail strips)29 e por uma atuação significativa do transporte público. Abrange,basicamente, a velha Cidade de Toronto e os subúrbios adjacentes formadosantes da Segunda Guerra Mundial. Corresponde a uma área que reúne cercade 900.000 pessoas e é muito representativa da elite e das classes profissio-nais, ainda que abrigue também muitos moradores pobres (Bourne, [s.d.], p.3). É também ali que estão localizados inúmeros teatros, cinemas, hotéis,restaurantes, lojas, museus, etc., o que a qualifica sobremaneira para acolhera indústria do entretenimento e do turismo.

Constitui uma região ocupada por grandes torres de escritórios e queformam o Distrito Central de Negócios. É ali que estão sediadas as grandescorporações internacionais e os maiores bancos, formando a ponta-de-lançados negócios canadenses no mundo globalizado. Sua linha do horizonte édefinida por uma massa uniforme de prédios altos, sendo visualmente domi-nada pela Torre CN — com seus 553,33m e 181 andares —, que foi, desde1976 e durante 30 anos, a mais elevada estrutura livre do mundo.

Outro traço marcante dessa área central é representado pelo SistemaPATH, uma designação que se aplica a uma extensa (27km) rede subterrânea

29 As retail strips são agrupamentos vizinhos de lojas comerciais que estão instaladas em prédiosseparados (não formam um shopping center) e que são interligadas por caminhos de pedes-tres. Cada retail strip atende a um tipo específico de clientes.

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de ruas para pedestres e que conecta 1.200 lojas e restaurantes, 50 torres deescritórios, cinco estações de metrô, uma estação ferroviária, seis grandeshotéis e vários centros de lazer (City of Toronto, [s.d.]b).30

Uma segunda região é formada pelo anel de subúrbios edificados no pós-guerra, mais especificamente nos anos 50 e 60, e que se caracteriza por me-nores densidades de ocupação, grandes conjuntos de moradias individuais,shoppings centers e velhos parques industriais —muitos dos quais emdesaparição31 —, sendo bem servida pelo transporte público, ainda que semostre também intensamente dependente dos automóveis circulando em viasexpressas.

Esse território corresponde, basicamente, aos subúrbios da ex-TorontoMetropolitana — aqueles que foram objeto de fusão quando da constituiçãoda megacidade de Toronto, a saber, East York, Etobicoke, North York e York— e alguns outros mais antigos, situados além de suas fronteiras. Vivem alicerca de 1,6 milhão de pessoas, formando uma população socialmente tãodiversa quanto à encontrada na região central, ainda que o contingente dosmais pobres esteja em expansão (Bourne, [s.d.], p. 3).

Enfim, uma terceira região é constituída pelos subúrbios construídos após1970, que se estendem além das fronteiras da Toronto Metropolitana e for-mam quatro municipalidades regionais (Halton, Peel, York Region e Durham).Caracteriza-se por densidades de ocupação bem mais baixas e por um núme-ro expressivo de estabelecimentos comerciais e industriais, sendo também aliusuais os blocos homogêneos de residências e os shoppings centers à dispo-sição das classes mais ricas. É um território que já concentra uma parte ex-pressiva do setor manufatureiro de Toronto e que vem preferencialmente re-cebendo as novas plantas industriais e os grandes complexos de escritórios(Bourne, [s.d.], p. 3).32

Vive ali uma população de cerca de 2,5 milhões de pessoas, em umaárea que representa dois terços do espaço da Grande Toronto e que tem secaracterizado por receber 80% do crescimento demográfico da área metropo-litana. Representa, de fato, a região que mais rapidamente se expandiu des-de, pelo menos, a segunda metade dos anos 90, o que levou à perda de

30 “No inverno, quando o frio vento norte sopra ao longo da Bay Street, os que trabalham no centroda Cidade se refugiam em um mundo subterrâneo, onde existe uma rede de lojas e de passa-gens para pedestres com muitos quilômetros de extensão. Mais de 100.000 empregados circu-lam diariamente nas torres de escritórios ali localizadas.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 31).

31 “Numerosos parques industriais estiveram implantados nos subúrbios mais antigos por maisde um século e, em alguns casos, desde a Segunda Guerra Mundial. As velhas indústrias, aexemplo dos grandes abatedouros de gado e dos complexos processadores de carne, pratica-mente desapareceram e foram substituídas por conjuntos residenciais ou por grandes lojas devarejo.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 32).

32 “As indústrias que se instalam nos subúrbios mais externos são basicamente grandes consu-midoras de espaço e incluem plantas de montagem de veículos automotores, grandes arma-zéns e depósitos, parques temáticos, espaços para shows, firmas de transporte e de logística,grandes lojas comerciais, plantas produtoras de materiais para a indústria da construção,montadoras de computadores e fabricantes de autopeças, de produtos eletrônicos e de eletro-domésticos.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 32).

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muitas terras agricultáveis no decurso de seu processo de conversão parafins residenciais, comerciais e industriais (Eberts; Norclife, 2005, p. 33). É umterritório bem servido por uma extensa rede de vias expressas e que nãoprima pelo atendimento por sistemas de transporte público, o que, combinadocom as longas distâncias a percorrer, determina uma nítida preferência peloautomóvel nos deslocamentos quotidianos.33

Esta é, de fato, uma paisagem pós-moderna, uma ecléticamistura de usos, funções e estilos de edificações. Emboraseja cada vez mais diversificada em termos sociais e étni-cos, em grande parte por conta da imigração, está se tor-nando mais rica do que os antigos subúrbios. Seus quatrogovernos regionais vêem a si próprios, de forma crescen-te, como jurisdições autônomas e não propriamente comocidades periféricas, pelo que não se sentem concernidospelos problemas sociais que afligem a velha cidade e seussubúrbios. (Bourne, [s.d.], p. 3).34

2.6 A formação da Toronto Metropolitana (Metro Toronto)

A Província de Ontário promulgou, em 2 de abril de 1953, o ato de criaçãoda Toronto Metropolitana, também conhecida sob a designação de Metro Toron-

33 “Na porção sul de Ontário, no início da era da Toronto Metropolitana, o sistema de transportes foiconcebido tendo em conta a existência de duas regiões. No interior da área metropolitana, aresponsabilidade pelos transportes ficou repartida entre o Governo Regional e o Provincial, excetonas questões relativas ao transporte publico, de responsabilidade da esfera regional. Na regiãocircunvizinha, vista como uma economia separada, esse papel revertia ao governo da província,às associações regionais e aos governos locais. Uma tal divisão de responsabilidades fazia comque, no conjunto da região conhecida como GTA, houvesse graves problemas nos deslocamen-tos, ao mesmo tempo em que ficavam comprometidas as condições de acessibilidade imperantesna própria Cidade. Em decorrência, os preços da terra nas áreas externas à Cidade mostravam-se sensivelmente mais baixos. Essa situação só viria a mudar com a construção de vias expres-sas no território circunvizinho à Toronto Metropolitana, com o que foram reduzidas as barreiras àmovimentação de bens e de indivíduos.” (Robinson; Schwartz, 2000, p. 4).

34 “Para os que encaram a antiga zona central da Cidade e seus subúrbios como uma história desucesso — graças a suas formas compactas, altas densidades, boas instalações para ospedestres, uso privilegiado do transporte público e pela primeira experiência de um governometropolitano que compartilhou recursos e redistribuiu custos e benefícios —, o anel externode subúrbios aparece como um desastre social e de planejamento [...] O transporte público éali quase inexistente, as ruas são feitas para os carros e não para os pedestres, há longasdistâncias a vencer, os serviços sociais são exigidos ao extremo pela rápida expansãodemográfica, e há ausência de associação entre os locais de moradia e os de emprego [...]Para os que vivem no anel externo, por sua vez, a velha cidade é vista como um territóriopoluído, congestionado, inseguro e, com freqüência, considerado muito feio. Os novos subúr-bios contam com um estoque de moradias de boa qualidade, bairros e instalações comunitá-rias bem projetadas, uma base de empregos em rápida expansão e oferecem um acessofacilitado aos locais de trabalho, de compra e de lazer, pelo menos para aqueles que circulamem automóvel.” (Bourne. [s.d.], p. 3).

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to. A medida, que entrou em vigor em janeiro do ano seguinte, fez surgir umsistema federado de governo na região e constituiu uma tentativa de dar umaresposta institucional ao crescimento suburbano verificado no imediato pós-guer-ra. Os poderes e as responsabilidades então estabelecidos eram os mais am-plos que qualquer instância municipal jamais tivera no Canadá, sendo esse oprimeiro exemplo, na América do Norte, de estabelecimento de um governometropolitano com abrangência sobre uma cidade e seus arredores.

Ainda em 1953 e precedendo o ato de criação da Metro Toronto, as autori-dades da municipalidade de Toronto haviam solicitado à Província que promo-vesse a fusão da Cidade com seus subúrbios, em um processo que envolveriaoutras 12 municipalidades do entorno. Na época, as instâncias locais opuse-ram-se vigorosamente à proposta, já que teriam sua autonomia e a própria exis-tência comprometidas. O pedido de fusão acabou sendo desconsiderado pelaGoverno de Ontário, que preferiu optar pela montagem de uma estrutura base-ada em uma federação de municipalidades independentes.

A solução implementada em 1954 levou, efetivamente, ao estabelecimentode um sistema governamental com dois níveis (two-tier system), formandouma federação que reunia a Cidade de Toronto e seus subúrbios.35 A autorida-de metropolitana assim constituída gozou, durante muito tempo, de umarepresentatividade apenas indireta, situação que foi alterada após 1988, quandopassaram a ser escolhidos, por eleição direta, os conselheiros representantesda cidade central e das áreas suburbanas, sendo o Presidente do Conselhoescolhido entre seus pares (Goldsmith, 2002, p. 11).

O nível superior era representado por um governo com jurisdição sobre oconjunto da área metropolitana. O nível inferior, por seu turno, abarcava 13municipalidades — inclusive a de Toronto —, as quais seguiram elegendoseus próprios conselhos municipais, ainda que estes passassem a ter suasresponsabilidades reduzidas. Em 1967, o Governo Provincial decidiu promo-ver uma fusão envolvendo as 13 municipalidades, reduzindo seu número paraapenas seis.

De acordo com a estrutura definida para a Toronto Metropolitana, a pres-tação dos serviços ficou repartida entre os dois níveis de governo. Coube àmunicipalidade da Toronto Metropolitana a tarefa de ocupar-se daqueles denatureza mais abrangente, a exemplo, dentre outros, do fornecimento de água,tratamento do esgoto e do lixo recolhido, controle de tráfego nas vias expres-

35 “Um governo metropolitano com dois níveis foi estabelecido, quase por acaso, no início dosanos 50 na região. O centro urbano densificado havia feito a proposição de anexar asmunicipalidades circunvizinhas, de forma a acomodar o crescimento verificado após a Segun-da Guerra Mundial. As áreas do entorno — ainda ocupadas, basicamente, por terras agrícolase por alguns povoados e pequenas cidades — fizeram objeções à proposta de serem engolidaspela cidade grande. Foi encontrado um compromisso, pelo qual os governos locais seriamcolocados sob a égide de uma estrutura regional, na forma de uma federação, sendo que ariqueza da Cidade deveria fornecer a base financeira indispensável para financiar a monta-gem da infra-estrutura capaz de garantir o desenvolvimento urbano de toda região. Os gover-nos locais seguiriam existindo e conservariam muitos de seus poderes, mas passariam a atuarem conjunto nos assuntos de natureza regional.” (Sewell, 2005, p. 30).

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sas e radiais, construção de moradias, administração dos parques regionais eescolas públicas e contratação de empréstimos. Basicamente, foram repas-sadas ao governo supramunicipal aquelas atividades que podiam ser benefi-ciadas pelos efeitos positivos advindos das economias de escala.

As tarefas de planejamento de âmbito regional foram também identificadascomo sendo tipicamente da alçada metropolitana. Como já havia, nessa época,a consciência de que era mister levar em conta o problema do extravasamentoda influência da metrópole para além das fronteiras legais que haviam sidodefinidas, foi fixado — para fins de planejamento — um território de abrangênciabem mais amplo, o qual cobria, basicamente, a área hoje conhecida como GrandeToronto. Mais tarde, quando da criação das outras quatro municipalidades regio-nais localizadas no entorno da Metro Toronto, houve um retrocesso nesse do-mínio, com a área de planejamento sendo reduzida e passando a coincidir coma das próprias fronteiras da Toronto Metropolitana.

Uma preocupação análoga parece ter norteado as questões envolvendoos serviços de transporte e o planejamento do uso do solo na região, tendo-separtido da premissa de que os desdobramentos nesse domínio não estavamsubordinados aos limites das municipalidades e de que os problemas existen-tes poderiam ser mais facilmente enfrentados por uma autoridade com umaabrangência territorial ampliada de atuação. Foi isso que induziu, certamente,a transferência da responsabilidade sobre os sistemas de transporte públicopara o nível metropolitano de governo. Essa passagem não foi, todavia, abso-luta, permanecendo o sistema de trens de subúrbio — conhecido como GOTransit — em mãos da instância governamental da Província, o mesmo ocor-rendo com o controle de algumas rodovias regionais que penetram a zonacentral da cidade.

Já as municipalidades do nível inferior de governo mantiveram uma am-pla autonomia com respeito ao atendimento das necessidades de cunho lo-cal, como, por exemplo, as questões relacionadas às vias públicas, ilumina-ção pública, serviço de bombeiros, distribuição da água, assistência social,centros comunitários, serviço de ambulâncias, cobrança dos impostos, polí-cia, parques locais e planejamento em nível local. A idéia era a de que, assimcomo a instância metropolitana se ocuparia dos assuntos extravasando asfronteiras municipais e asseguraria um nível de serviços uniforme para toda aregião, a instância inferior teria as melhores condições de dar respostas efeti-vas em assuntos tipicamente locais. Constituiria o nível de governo capaz de,por sua proximidade, aportar a melhor interlocução com os residentes, umacondição difícil de ser sustentada por uma administração à distância, comoseria a metropolitana.

Os dois níveis de governo compartilhavam, na prática, responsabilidadessobre assuntos relacionados, por exemplo, a parques, vias públicas, controlede tráfego, água e esgoto, moradias de baixo custo, remoção da neve e limpe-za das calçadas. Além disso, é preciso observar que o elenco de atribuiçõespróprias a cada esfera foi sendo alterado ao longo da vida da Toronto Metro-politana, predominando o movimento de passagem das mesmas para o nívelsuperior. Esse foi o caso, dentre outras, das funções de polícia, controle detráfego, serviços de ambulância e do lixo recolhido. Quando a Metro Toronto

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foi extinta (em 31.12.97), 70% dos gastos realizados na execução dos servi-ços, na região, eram feitos na escala metropolitana (The Office of LegislativeServices, 2006, p. 6-7).

A verdade é que o ajuste institucional então idealizado para Toronto deuorigem a uma das experiências mais exitosas da América do Norte, sendousualmente referida como um caso exemplar de governo metropolitano. Essaavaliação é normalmente feita em função dos resultados alcançados quandoda equalização dos níveis dos serviços em toda a região e por conta dasrealizações no campo do planejamento territorial, para não se falar dos aspec-tos de preservação das especificidades em nível local. Ou seja, a Metro To-ronto representou uma fórmula bem aceita durante boa parte de seus 44 anosde existência, permitindo conjugar uma grande autonomia na abordagem dosproblemas locais com o tratamento, na devida escala metropolitana, de mui-tas questões regionais.36

Mais do que qualquer outra coisa, foi o sistema baseadoem dois níveis de governo que proporcionou a Torontosua reputação de astro internacional, assegurando queos subúrbios tivessem uma voz própria e que o ponto devista regional não sobrepujasse os interesses locais,como ocorreu em tantas outras localidades. (Sewell,2005, p. 31).

Como outro aspecto positivo dessa experiência, pode-se lembrar o fatode ela ter assumido a tarefa de implantar um sistema de metrô já no início dosanos 50, à época em que outras cidades da América do Norte estavam inteira-mente dedicadas à construção de vias expressas. O mesmo vale para a cir-cunstância de — não obstante o elevado crescimento populacional registrado(que fez com que a metrópole passasse de 700.000 para mais de 2 milhõesde habitantes em pouco mais de 20 anos) — ter sido possível disponibilizar

36 “Há uma infinidade de textos produzidos sobre o sistema de governo com dois níveis da Toron-to Metropolitana e que o referenciam como um sucesso. Entre as razões para tanto aponta-das, figura a de que possibilitou transferir a riqueza da Cidade, canalizando-a para a estruturaçãodos serviços indispensáveis nos subúrbios, justamente em uma ocasião em que os mesmosnão dispunham das condições financeiras para assegurá-los. Permitiu também coordenar asações envolvendo o planejamento do uso do solo e a realização das principais obras de infra-estrutura em toda a região. Com isso, foi possível administrar o crescimento, com as municipa-lidades tendo o compromisso de prestarem os serviços locais que eram capazes de assumir ecom seus governos respondendo localmente perante o eleitorado.” (The Office of LegislativeServices, 2006, p. 7).“Não obstante as muitas semelhanças com outras cidades de seu tempo, Toronto tornou-seum modelo de governo metropolitano no continente, admirada até mesmo por urbanistas eu-ropeus. Entre políticos, jornalistas e acadêmicos, passou a ser conhecida como a cidade quetrabalha [...] Toronto, uma história bem-sucedida e mundialmente reconhecida, representouum compromisso territorial entre a área central da cidade e as municipalidades suburbanas,tendo em vista padronizar os serviços oferecidos e assegurar sua implantação em toda a áreametropolitana.” (Kipfer, 2000, p. 29).

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uma estrutura física e um conjunto de serviços de alta qualidade em toda aregião, bem como manter um programa bem-sucedido de realizações na es-fera social (Bourne, 2005, p. 131).

Isso tornou-se possível, em grande medida, pela política tributária en-tão seguida, a qual esteve basicamente apoiada no Imposto Sobre a Proprie-dade, a principal fonte de arrecadação municipal. O tributo era cobrado combase em uma alíquota uniforme em toda região, variando apenas em funçãodo tipo de propriedade. A participação de cada municipalidade na arrecada-ção global era uma função do tamanho de sua base tributável, que estavaassociada ao número de propriedades e a seu valor. Do total de recursosassim obtidos, cerca da metade revertia ao governo metropolitano, permane-cendo o restante no nível local (Slack, 2004, p. 30). A combinação de umImposto Sobre a Propriedade, de natureza uniforme, com uma política de gastose de prestação de serviços de abrangência metropolitana foi um fator particu-larmente decisivo para assegurar o encaminhamento de recursos das comu-nidades mais ricas para as mais pobres.

O tipo de desenvolvimento então favorecido permitiu igualmente pre-servar a área central da Cidade como o principal centro comercial e cultural daregião, ao mesmo tempo em que incentivou o desenvolvimento de centrossecundários de atividade comercial e de média densidade de ocupaçãopopulacional na periferia. Ou seja, no tocante à ocupação suburbana, não foimantido o denso padrão de edificação que caracterizava a região central, pri-vilegiando-se a edificação de torres de apartamentos em meio a áreas verdes,bem como fazendo uma opção pelas residências individuais.

A experiência relativamente bem-sucedida da Toronto Metropolitana foi,assim, capaz de criar as condições para a fase de rápido crescimento que seprolongou até finais dos anos 80, quando começou a se configurar uma situa-ção similar à já observada em 1954 e que havia levado, precisamente, à for-mação da Metro Toronto. Voltou a impor-se, então, obviamente que em escalaampliada, o problema da existência de um núcleo central desenvolvido, quenão dispunha de espaços livres adicionais para ocupação, cercado por subúr-bios autônomos competindo pelos mesmos investimentos (Bow, [s.d.]). Ouseja, a estrutura institucional idealizada para a região havia perdido sua forçaenquanto instância de governo regional, já que uma parte expressiva da ex-pansão suburbana passara a dar-se fora de suas fronteiras, em um processode crescimento, muitas vezes, descontrolado e oneroso do ponto de vista so-cial e do meio ambiente.

Já como reflexo dessas circunstâncias, foram oportunamente instala-dos na região outros quatro governos de segundo nível (as chamadas munici-palidades regionais) pelo Governo de Ontário. Isso ocorreu mais precisamen-te entre os anos de 1971 e 1974, sendo que todos ficavam no entorno daMetro Toronto: York Region, Durham, Peel e Halton. Estes governos regionaisforam estabelecidos à imagem da Metro Toronto, sendo-lhes repassadas res-ponsabilidades similares em termos da prestação dos serviços. Foi-lhes, damesma forma, concedida a autoridade para assumir as tarefas de planeja-mento no interior de suas fronteiras.

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Durante 25 anos, a região da Grande Toronto foi governadapor cinco governos regionais independentes, não havendonenhuma agência com responsabilidade sobre o conjuntoda região. Como resultado, foram criados cinco diferentessistemas de planejamento regional, cada um deles dispon-do de seu próprio plano estratégico, suas regulamentaçõese suas visões de futuro. (Bourne, 2005, p. 133).

Deve ser observado que, quanto mais se aproximava o final do séculoXX, menos as fronteiras originais da Toronto metropolitana — definidas em1953 e nunca reajustadas — refletiam a realidade socioeconômica do conjun-to da área metropolitana. Para tanto, muito colaborou o rápido crescimentoque caracterizou a evolução, no decurso dos anos 70, das novas municipali-dades surgidas no entorno da Metro Toronto. O sistema de trem de subúrbios(o chamado GO Transit System), implantado pelo Governo Provincial em 1967,teve muito a ver com tal desempenho, criando as condições objetivas paraque muitas das comunidades então emergentes se transformassem em su-búrbios-dormitório da Cidade de Toronto. A situação chegou a tal ponto que,em 1996 e um ano antes da fusão que haveria de por fim à existência da

FONTE: Disponível em:<http://www.stanford.edu>. Acesso em: 20 ago. 2007.

Figura 1A paisagem da região central de Toronto

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Toronto Metropolitana, a participação desta última no total de habitantes daGTA estava reduzida a 51,5%. Com isso, estavam reeditados muitos dosimpasses e pressões associadas à fragmentação política que haviam caracte-rizado Toronto e sua região no passado e que motivaram a criação de seuprimeiro (e único) governo metropolitano.

2.7 A formação da megacidade de Toronto

As discussões acerca da reforma radical que iria afetar a estrutura gover-namental da região de Toronto tiveram início em outubro de 1996, quando osseis prefeitos das municipalidades atingidas foram informados, pela primeiravez, das intenções do Governo Provincial nesse domínio. Na ocasião, tiveramde contentar-se com um comunicado sem maiores detalhamentos a respeitodo conteúdo do projeto de lei (Bill 103, the City of Toronto Act) que seria envi-ado ao Legislativo, o que ocorreu em 17 de dezembro do mesmo ano. A fasepreparatória da mudança prolongou-se até fins de 1997, quando foi promulga-da a legislação pertinente. Na fundamentação que acompanhava o projeto delei, as justificativas para a fusão eram colocadas em termos econômico-finan-ceiros, com a nova cidade devendo funcionar como um instrumento de desen-volvimento da Província como um todo (Milroy, 1999, p. 6). Durante a fase depassagem de uma estrutura para outra, foi constituída uma equipe de transi-ção integrada por seis membros, a qual foi dissolvida ao final de 1998.

A nova Cidade de Toronto foi oficialmente instituída em 1o de janeiro de1998. Era resultante da fusão das seis municipalidades federadas (Toronto,North York, Scarborough, Etobicoke, York e East York) e de um nível regionalde governo, a municipalidade da Toronto Metropolitana. A medida determinoua formação do quinto maior governo do Canadá, posicionado apenas após osdas Províncias de Ontário, Quebec, Colúmbia Britânica e Alberta. Tambémconhecida como a megacidade de Toronto, a aglomeração passou a ser dirigidapor um único prefeito, escolhido por sufrágio direto. Nessa ocasião, as quatrooutras municipalidades regionais existentes na área metropolitana (Halton,Peel, York Region e Durham) não foram afetadas pela reforma.

Na fase precedente à fusão, havia 106 conselheiros eleitos nas diversasmunicipalidades. Na nova cidade, esse número baixou para 58 (57 conselheirose o Prefeito) e, nas eleições municipais de 2000, para 44 conselheiros (RodaMcInnis Contractor, 2000). Juntamente com o Prefeito, esses conselheiros inte-gram o city council, que tem uma área de atuação sobre toda a Cidade. A elei-ção do Prefeito é, conforme já referido, de natureza majoritária, enquanto a dosconselheiros ocorre em um dos 44 distritos eleitorais, valendo o mandato porum período de três anos. Ou seja, o Prefeito é escolhido pelos votos de todacidade, e os conselheiros, por um distrito eleitoral representando aproximada-mente 55 mil pessoas. Além do city council, há ainda quatro conselhos comuni-tários, que se ocupam de questões locais. Podem igualmente fazer recomenda-ções de ordem mais ampla, ainda que a decisão final permaneça sempre emmãos da instância superior (The Office of Legislative Services, 2006).

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2.7.1 Os preliminares e as razões da fusão

Para se entender como foi possível chegar a uma situação dessas, épreciso ter presente, antes de mais nada, o fato de que um novo governoprovincial havia sido eleito pouco antes em Ontário. Na ocasião, ascendeu aopoder o Partido Conservador, vencedor das eleições com base em um progra-ma eleitoral intitulado a Revolução do Senso Comum (Common SenseRevolution). Nos termos do referido programa, “[...] o déficit de Ontário seriazerado, os vagabundos que vivem da assistência social seriam forçados atrabalhar, empregos seriam criados pelo setor privado, o governo desneces-sário seria eliminado e os impostos seriam reduzidos” (Schuler, 2002). Trata-va-se, como pode ser observado, de uma declaração de fidelidade à clássicatríade: redução do tamanho do Estado, diminuição da carga fiscal e corte dodéficit fiscal.

Constata-se que, nessa época, a região já havia sido objeto de numero-sos estudos, tendo como propósito realizar uma avaliação das condições eperspectivas locais em termos da governança urbana. A maior parte dos diag-

FONTE: Disponível em: <http://www.Jahomaps.com>. Acesso em: 28 ago. 2007.

Mapa 3A nova Cidade de Toronto

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nósticos então efetuados não chegava a apontar a existência de maiores limi-tações no funcionamento da Toronto Metropolitana, sendo, todavia, a ênfaseposta nas vantagens que adviriam do tratamento, na escala de um territóriomais amplo, de problemas como os da coordenação dos sistemas de trans-porte, do abastecimento de água e do destino do lixo recolhido. Nenhum des-ses estudos sequer cogitava a necessidade de formar-se uma megacidade naregião. Todos compartilhavam, no entanto, a preocupação de incorporar, emsua visão de trabalho, a realidade territorial da Toronto Metropolitana e desuas zonas adjacentes, ou seja, levavam em conta o fenômeno da GreaterToronto Area. Para tanto, consideravam essencial a possibilidade de contarcom a atuação de um órgão governamental dotado de uma jurisdiçãoabrangente, capaz de enfrentar os grandes desafios colocados pela adminis-tração dos serviços na escala regional.

Esse também era o posicionamento do chamado grupo de trabalho WhoDoes What? (Quem Faz o Que?), constituído pelo Governo da Província, em1996, com a missão de propor um novo arranjo institucional para a região.Mais concretamente, a demanda colocada envolvia a proposição de estraté-gias políticas que dessem uma continuidade aos cenários alternativos de de-senvolvimento constantes do documento GTA 2001: O Desafio Para o Nos-so Futuro Urbano, que havia sido elaborado em 1991 (Bourne, 2005, p. 134).Da mesma forma, era atribuição do grupo de trabalho apresentar uma propos-ta de encaminhamento institucional para o problema dos complicados relacio-namentos envolvendo a Província de Ontário e suas municipalidades.

O relatório do grupo de trabalho foi publicado ainda em 1996 e alertavapara a absoluta conveniência de instituir uma nova autoridade metropolitana,que tivesse ingerência legal sobre o conjunto da GTA, isto é, sobre a TorontoMetropolitana e as regiões circunvizinhas de Harris, Peel, York Region eDurham. A fusão de municipalidades, mesmo sendo vista como uma alternati-va a considerar, não era objeto de qualquer encaminhamento específico. Asrecomendações feitas apontavam, isso sim, para o estabelecimento de umgoverno regional com dois níveis. Os então existentes níveis superiores degoverno da Metro Toronto e das quatro outras municipalidades regionais járeferidas seriam absorvidos por uma nova instância metropolitana, mantendo-se a existência dos governos de nível local (Young, 2005, p. 10). Nada dissoparece ter pesado, todavia, na hora de ser tomada a decisão que levaria àsupressão dos vários governos locais e do governo metropolitano, bem comoà fusão dos dois níveis de governo, fazendo surgir, em seu lugar, uma nova eúnica municipalidade.37

37 “Um dos maiores equívocos da experiência de Toronto reside no pressuposto adotado peloGoverno da Província de que a economia da Cidade e a da área adjacente constituem entida-des distintas. Elas formam, na realidade, uma economia integrada. A primeira fornece os ser-viços bancários, legais e de contabilidade às empresas, bem como os serviços culturais eeducacionais para toda a região urbana e para a própria Província. A área urbana mais exter-na, por sua vez, oferece não apenas a moradia, como também a indústria, os comércios vare-jista e atacadista e os demais negócios para o conjunto da região.” (Robinson; Schwartz,1998, p. 12).

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Nenhum estudo propusera a eliminação das seis cida-des da Toronto Metropolitana, nem foram os cidadãosconsultados a respeito. A legislação que levaria à fusãodas cidades surgiu em pleno momento de discussões,recomendando a reconfiguração da instância regional esem que o Governo da Província apresentasse quais-quer evidências capazes de demonstrar que esse eraum bom plano. Não havia igualmente certezas a respei-to das economias que poderiam ser assim realizadas,nem a proposta previa um encaminhamento para os jáidentificados problemas da Área da Grande Toronto, aqual constituía, de fato, a região urbana mais carente desoluções. (Milroy, 1999, p. 6).

A bem da verdade, é preciso dizer que o encaminhamento dado à regiãode Toronto não representava um evento isolado, estando inserida em ummovimento mais amplo de fusões, então em curso no âmbito da Província deOntário, que tinha como objetivo declarado a redução das despesas do setorpúblico. Como resultado, das 800 municipalidades existentes em Ontário, em1996, restavam apenas 445 ao final do processo (The Office of LegislativeServices, 2006, p. 8).

Isso posto, é preciso enfatizar o quão pouco foi dito pelas autoridadesgovernamentais provinciais acerca das razões efetivas da fusão. O que hou-ve, isso sim, foram manifestações de altos funcionários, como a do entãoMinistro dos Assuntos Municipais e da Habitação da Província de Ontário,afirmando que a criação de uma só Toronto traria benefícios generalizadospara residentes e contribuintes e para os negócios em geral. Seria possível,dessa forma, diminuir a duplicidade e a sobreposição que caracterizavammuitas atividades, racionalizando-as e tornando os governos locais mais eficien-tes e responsáveis (Robinson; Schwartz, 1998, p. 3).

Não existe teoria ou literatura que explique por que o Go-verno Harris criou a megacidade. Não há precedentes deum governo orientado para o mercado (neoliberal) usarsua autoridade, à revelia dos resultados dos referendoslocais, para estabelecer um imenso governo municipalonde antes existiam vários pequenos governos federados.Há duas possíveis explicações para um comportamentogovernamental tão peculiar. A primeira relaciona-se comcircunstâncias próprias ao Governo de Ontário e à políticados anos 1996-97. Durante a campanha eleitoral de 1995,o líder conservador Mike Harris fez afirmações no sentidode que o Governo Regional da Toronto Metropolitana, nasua forma de então, deveria ter um fim. Uma explicaçãocomplementar é a de que o Governo Harris encarava afusão como uma forma de reduzir o poder político de seus

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adversários, de tendências esquerdistas, que operavamdentro do conselho da velha Cidade de Toronto. (Sancton,1999, p. 195).38

Especula-se, da mesma forma, que o governo da Província teria o re-ceio de que, em um ambiente de globalização, a cidade estivesse perdendosua atratividade para os novos investimentos.39 Isso o teria levado a estabele-cer uma associação entre o futuro da economia de Toronto e o seu funciona-mento dentro de um contexto territorial ampliado, o qual, segundo uma opi-nião generalizada entre os especialistas, só poderia ser o da Área da GrandeToronto. Só que, contrariando todas as indicações nesse sentido, foi feita aescolha da formação de uma megacidade no espaço bem menos abrangente,correspondente à antiga Metro Toronto (Clarkson, 2000).

2.7.2 Resistências opostas à fusão

Foi extremamente ativa a resistência oposta à criação da nova cidadede Toronto, tanto por parte da população em geral como dos políticos locais,ensejando, inclusive, muitas disputas em âmbito legal.40 “A oposição tomoumuitas formas, com dezenas de encontros e manifestações sendo realizadosem cada uma das seis cidades afetadas. Cinco dos seis respectivos prefeitospronunciaram-se incansavelmente contra a fusão, inclusive aquele que seriaeleito, mais tarde, o primeiro prefeito da megacidade” (Milroy, 1999, p. 8).

38 “Essa solução tinha também a vantagem política de atacar de frente a coalizão progressistaque estava no poder desde os anos 50 na Prefeitura de Toronto, e de integrar, no seio da novaestrutura municipal, os políticos dos subúrbios conservadores.” (Jouve; Négrier, [s.d.]).

39 “O argumento é de que o Governo de Ontário optou por adotar uma política para a qual haviapouco ou nenhum apoio na sociedade — e que acabaria despertando uma feroz oposição —, com base na premissa absolutamente falsa de que Toronto (como uma cidade global e nãocomo uma municipalidade) se tornaria ‘maior, mais forte e mais presente’, se ampliasse suasfronteiras e absorvesse as municipalidades vizinhas. Ora, a mais simples análise feita porqualquer especialista de negócios a respeito de Toronto como uma cidade global, por maiselementar que fosse, haveria de levar em conta, forçosamente, essas mesmas municipalidades.”(Sancton, 2003, p. 13).

40 “Os solicitantes argumentaram que o projeto de lei era um equívoco em termos da perspectivahistórica, das experiências, da ética, da lógica, da evidência acadêmica, das práticas de polí-ticas públicas e das convenções sobre o respeito às consultas populares, tudo isso sem ne-nhum efeito prático. É possível que tenham provado seu ponto de vista em todos esses domí-nios, só que isso de nada lhes serviu, face ao peso do Ato Constitucional. Em um caso comoesse, é a primazia da lei que impera. Não é demais lembrar que havia ocorrido uma verdadeirarevolução em Ontário, em 1953, quando das discussões envolvendo a criação da TorontoMetropolitana. Na audiência do Ontario Municipal Board, seu presidente havia colocado todo opeso de seu julgamento na função democrática das cidades, ao dizer que estava negando opedido de Toronto de incorporar as cidades vizinhas. Desde então, qualquer reestruturaçãoem nível local tinha estado sempre associada à realização de estudos e a considerações deordem política. Mas, em 1997, o Primeiro-Ministro Harris reverteu a situação, pondo a ênfasena prestação dos serviços, sem qualquer estudo e à revelia da opinião dos cidadãos.” (Milroy,1999, p. 21).

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A opinião dos residentes acerca da conveniência de realizar-se a fusãoficou claramente expressa nos referendos então realizados, com os resulta-dos apontando uma formal rejeição à proposta. Tais referendos tiveram lugarem março de 1997, sob os auspícios de cada uma das municipalidades inte-grantes da Metro Toronto, com a participação voluntária de 36% dos eleitoresinscritos, sendo que de 70% a 81% dos votantes se manifestaram contráriosao arranjo institucional proposto (Slack, 2000). As autoridades de Ontário op-taram simplesmente por ignorar a opinião expressa nas urnas, o que não cau-sa espécie, se se considerar que, conforme a legislação provincial que rege amatéria, os referendos não têm força de lei e servem apenas para aferir oestado de espírito da opinião pública.

Nada foi capaz de dissuadir o Governo Provincial de prosseguir em seuintento, o que resultou na imposição de uma nova estrutura governamental auma população que obviamente não a desejava. A rejeição mais forte proce-deu das municipalidades atingidas, dos partidos de oposição, das organiza-ções de defesa dos interesses dos cidadãos e, inclusive, de membros do pró-prio partido ao qual pertencia o Premier de Ontário. Formou-se, então, umaativa frente de oposição, liderada por um ex-prefeito de Toronto. Os principaisargumentos dos oposicionistas estavam centrados nos riscos de perda daidentidade local e nas previsíveis dificuldades de acesso a um governo cen-tralizado nos moldes propostos. Havia ainda a questão de que os residentesdas demais municipalidades temiam o aumento das despesas com que teriamde arcar, via aumento da carga tributária, de forma a seguirem desfrutandodos serviços que atendiam suas necessidades sociais, de transporte, etc. eque, até o momento, eram subsidiados pelo Governo da Província ou eraminternalizados pela Cidade de Toronto.41

2.7.3 Vantagens e custos adicionais associados à fusão

As grandes cidades têm, reconhecidamente, algumas vantagens, quan-do se trata de implementar serviços que exigem a realização de pesados in-vestimentos, mas que se beneficiam de ganhos de escala. Ou seja, em fun-ção do maior tamanho da população a servir, são mais favoráveis as condi-ções de repartir os gastos de capital fixo incorridos e de trabalhar, assim, comcustos unitários de produção mais baixos. Há, todavia, outros tipos de servi-ços que, ao contrário, estão associados a uma curva ascendente de custosunitários, à medida que cresce a escala produtiva, o exemplo mais notóriosendo o dos processos que incorporam intensamente o fator trabalho. Nessas

41 “A oposição ao projeto de lei [...] foi imediata. Os gritos de indignação — especialmente notá-veis em se tratando de uma cidade que se leva tão a sério — procederam tanto dos ricos comodos pobres e tanto da esquerda como da direita. Os protestos podiam ser ouvidos em qual-quer uma das 20 ou mais reuniões de discussão que foram mantidas semanalmente, ao longode três meses, ou podiam ser vistos na miríade de cartazes ostentando o ‘vote não à megacidade’que estiveram expostos nas fachadas das residências e dos negócios.” (The CanadianEncyclopedia, 2006).

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condições, coexistem estruturas de produção caracterizadas por custos unitá-rios decrescentes com outras marcadas por custos unitários crescentes, sen-do que a primeira dessas situações afeta apenas uma parcela relativamenterestrita — e bem específica — dos serviços urbanos. É por razões como es-sas que a literatura, nesse campo, não costuma se referir à fusão de munici-palidades como um processo redutor de custos, sinalizando, ao contrário, parao seu papel na elevação dos mesmos (Schwartz, 2003, p. 1).

É claro que há outros motivos capazes de servir de fundamento às fusões,mesmo quando suas vantagens não podem ser percebidas no nível dos custos.Esse seria o caso ao serem criadas condições mais favoráveis para coordenare financiar a execução de serviços que, por princípio, não têm seu usufrutocircunscrito aos limites municipais. Assim, por exemplo, os moradores de umajurisdição que trabalham em outra e ali fazem uso de seus serviços estão, muitoprovavelmente, se apropiando de benefícios pelos quais não respondem doponto de vista financeiro, já que não pagam, via de regra, muitos dos tributoslocais. Em uma situação dessas, a ampliação das fronteiras resultante de umafusão teria também repercussões favoráveis nesse sentido, ao propiciar umarepartição mais justa dos encargos associados à prestação dos serviços.

Outra circunstância positiva estaria associada às melhores condiçõespotencialmente criadas para promover a integração entre os sistema de trans-portes e o planejamento do uso do solo, o que sempre é algo complicado deser viabilizado quando há o envolvimento de diversas jurisdições autônomas.Ainda outro argumento usualmente lembrado, ao se abordar a questão dasfusões, remete às vantagens, para o novo governo constituído, de poder tra-balhar com uma base tributária ampliada.

No caso de Toronto, a diminuição de custos que deveria se seguir à fusãode municipalidades da região era, conforme já referido, o principal motivo ale-gado para a formação da nova cidade. O argumento constituía uma falácia, e,passados os primeiros tempos da reforma, ficou claramente evidenciado queos mesmos não só não iriam cair, como haveriam mesmo de aumentar, ape-nas para manter os níveis de serviços preexistentes à reforma. Na prática,portanto, foi efetivamente muito elevado o preço pago, ao ser promovida afusão dos vários governos envolvidos.

Deve ser também levado em conta que a maior parte dos serviços emque haveria possibilidade de benefícios de ganhos de escala já havia sidorepassada ao nível superior de governo, representado pela Metro Toronto. Defato, tais serviços — que foram considerados nos cálculos realizados paraavaliar as economias advindas da fusão — já se encontravam precedente-mente consolidados sob a égide do Governo Metropolitano e eram de suaúnica responsabilidade. Dito de outra forma, o argumento econômico comque pretendiam justificar a reestruturação efetuada perdeu grande parte desua força, ao considerar-se que muitos dos alegados benefícios associados àminimização de custos já haviam sido internalizados no momento da fusão.

Deve ser observado, assim, que os programas e serviços efetivamenteafetados pela fusão representavam apenas 27% dos US$ 5,5 bilhões do orça-mento operacional bruto da nova cidade ao início de 1998 e estavam associa-

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dos, dentre outros, aos serviços de parques, às atividades recreativas e aosbombeiros. O restante do orçamento considerado para efeitos de cálculo es-tava principalmente relacionado a questões próprias ao transporte público, àpolícia e aos serviços sociais, áreas que foram pouco afetadas, de forma dire-ta, pela reforma (Roda McInnis Contractor, 2000).

Segundo os termos dos comunicados oficiais divulgados pelo Governo deOntário, a redução de custos da administração pública que deveria se seguir àinstauração de um único governo regional geraria economias da ordem de US$270 milhões ao ano, uma vez encerrada a fase de transição que ajustaria anova estrutura. Desse total, pouco mais de 30% resultariam da substituição dossete governos por um único, e o restante procederia da aplicação de “modernastécnicas de gestão” não especificadas (Robinson; Schwartz, 1998, p. 4-5).

Isso tudo seria tornado possível, portanto, pelas mudanças introduzidasna gestão governamental e pelo enxugamento dos vários quadros de funcio-nários. Seria realizado, com efeito, o corte de um grande número de departa-mentos governamentais, com a concomitante redução da mão-de-obra envol-vida e a alienação dos espaços de escritório ocupados pelas administraçõespúblicas desativadas, devendo ainda ser considerada a consolidação dos vá-rios sistemas de informação anteriormente em uso. Não foi feita, na ocasião,nenhuma menção às novas necessidades que, inevitavelmente, haveriam dese colocar por conta dos investimentos de capital, parecendo valer o pressu-posto de que todo custo adicional advindo da fusão já estaria contemplado noorçamento estabelecido.

Na prática, a redução de custos efetivamente alcançada foi da ordem deUS$ 280 a US$ 300 milhões no acumulado de 1998 a 2000. Por outro lado,também no acumulado até este último ano, a cidade incorreu em custos detransição da ordem de US$ 250 milhões com as atividades de integração econsolidação de serviços anteriormente espalhados pelos municípios(Schwartz, [s.d.], p. 3-4). Os custos de transição, como se sabe, caracterizam-se por não ter continuidade, sendo realizados uma só vez. Nesse caso, dentreoutras coisas, envolveram a padronização dos sistemas de informática, a aqui-sição de novos uniformes para os bombeiros e outros agentes públicos e atroca das placas informativas e de sinalização. Estavam igualmente aí inclu-sas as despesas trabalhistas incorridas com a demissão de funcionários.

Nessa conta, é preciso ainda acrescentar a concessão de um auxílio,pelo Governo de Ontário e a fundo perdido, de US$ 45 milhões e de um em-préstimo de cerca de US$ 180 milhões à nova Cidade (Schwartz, 2003, p. 4;Roda McInnis Contractor, 2000).

Os relatórios oficiais sobre a redução de custos apresentados pela admi-nistração da Cidade indicam ter sido alcançados os objetivos definidos nessedomínio. Todavia, em nenhuma das análises realizadas, aparecem referênci-as ao importante problema da equalização dos salários praticados nas distin-tas administrações municipais (The Office of Legislative Services, 2006, p.10). Ora, as despesas com pessoal constituem um elemento primordial noconjunto de gastos das municipalidades.

Para efetivar as economias pretendidas, foi preciso realizar cortes pro-

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fundos nessa área, com a supressão de postos por motivos de vacânciasdeclaradas, aposentadorias, saídas voluntárias e programadas. Apenas noquesito dos cargos executivos extintos nas administrações municipais, foramafetadas 60% das vagas existentes. No total, 2.700 postos de trabalho forameliminados entre 1998 e 2002. No mesmo período, a cidade foi forçada acontratar outras 3.600 pessoas para garantir a prestação dos serviços na re-gião objeto da fusão, resultando daí um saldo líquido de 900 empregos adi-cionais. É o que explica o fato de a conta de salários ter aumentado, e nãodiminuído, uma vez instalada a nova administração (Schwartz, 2003, p. 4).

Na verdade, houve enormes dificuldades para a consolidação das distin-tas burocracias atuantes nas seis municipalidades, cada uma delas marcadapor peculiaridades. Todas contavam com um quadro próprio de pessoal, comum plano específico de salários e de benefícios, o que se traduzia no paga-mento de valores diferenciados para a realização de tarefas assemelhadas.Na hora de proceder à indispensável equalização dos salários recebidos pe-los vários quadros funcionais, a medida precisou ser efetivada nos níveis maiselevados prevalecentes nas municipalidades, anulando, dessa forma, quais-quer economias pretendidas com base no corte de funcionários.42

Já no âmbito dos serviços prestados, por sua vez, a equiparação nãopôde se efetivar em seu patamar mais alto, como seria o desejável, por contado quadro de restrições orçamentárias com que se viu confrontada a adminis-tração da nova cidade. Em vez disso, a harmonização possível levou a que opadrão de alguns serviços fosse melhorado em algumas regiões e piorado emoutras. As tarifas também não puderam ser igualadas por cima, tendo prevale-cido os valores médios em relação aos que estavam em vigor na fase anteriorà fusão (Schwartz, 2003, p. 5).43

42 “O maior custo em uma fusão procede da equalização dos salários. Assim, por exemplo,tínhamos seis corpos de bombeiros em Toronto, bem como seis chefes de bombeiros. Napresente situação, há bombeiros que trabalhavam anteriormente em uma das seis diferentesmunicipalidades e que — sendo agora funcionários da mesma municipalidade — executamserviços idênticos e querem receber salários iguais. E é natural que não queiram perceber ovalor mais baixo pago antes da fusão. Desejam, ao contrário, equiparar-se ao nível damunicipalidade que melhor remunerava. Isso faz com que a harmonização dos níveis salariaisse dê no patamar mais elevado.” (The Office of Legislative Services, 2006, p. 10).

43 “A equalização dos serviços municipais, em especial daqueles com maior impacto no quesito doscustos — tais como os de coleta de lixo, remoção da neve e atividades recreativas — foi iniciadano segundo ano após a fusão. Não foi uma tarefa simples, tendo em conta o contexto orçamen-tário restritivo e a necessidade de proceder a ajustes envolvendo a melhoria dos serviços emuma dada região e a redução dos mesmos em outra ou, ainda, a elevação das tarifas em umaterceira. Havia uma pressão constante no sentido de deslocar os serviços para o seu nível maisalto, o que levou a um aumento generalizado dos custos.” (Roda McInnis Contractor, 2000).“Um aspecto positivo resultante da fusão está ligado ao fato de a mesma ter possibilitado aalgumas municipalidades da Toronto Metropolitana — e especialmente à Cidade de York —oferecer um padrão melhor de serviços a seus residentes do que seria possível se contasseapenas com seus próprios recursos. Isso decorre da equalização dos níveis dos serviços emtoda a região, os quais tenderam a melhorar em algumas municipalidades e a piorar em outras[...] O aspecto negativo dessa equalização está em que algumas comunidades se viram força-das a pagar por serviços que não desejavam. Por outro lado, foi-lhes negado o acesso aserviços que poderiam ter e pelos quais estariam dispostos a pagar, caso tivessem controlesobre seus próprios orçamentos.” (Schwartz, 2003, p. 17).

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Durante uma fusão, é comum ocorrer que os níveis dosserviços sejam equalizados com base na municipalidadede melhor padrão. Dessa forma, por exemplo, se uma de-las recolhe o lixo uma vez por semana e uma outra o fazduas vezes, então todo mundo quer que a coleta seja efe-tuada duas vezes por semana, o que acaba sendo muitooneroso. No caso de Toronto, isso até que não ocorreu as-sim, já que não havia recursos financeiros suficientes parabancar tal proposta. A equalização dos serviços resultou,certamente, em um aumento dos gastos, mas em menormedida do que poderia ser esperado no contexto típico deuma fusão. (The Office of Legislative Services, 2006, p. 9).

2.7.4 Transferência de atividades e de encargos quando da fusão

Ao mesmo tempo em que procedeu à fusão de municipalidades, o Go-verno de Ontário estabeleceu um programa de transferência de atividades ede encargos que, até então, vinha assumindo. Ou seja, aproveitando o ensejoda reforma, fez um download de custos para os governos locais.

A intenção de promover um rearranjo desse gênero já havia sido anun-ciada em janeiro de 1997, no contexto do chamado Programa de Realinhamentodos Serviços Locais. A medida respondia a promessas de campanha do Par-tido Conservador, que se comprometera a reduzir a incidência do Imposto deRenda arrecadado pelo Governo Provincial e de rediscutir a distribuição dasresponsabilidades entre a Província e as municipalidades no tocante à presta-ção de serviços. Essa passagem de encargos ao nível inferior de governoreverteu uma tendência histórica até ali predominante, que era a de a admi-nistração provincial bancar o financiamento de uma série de atividades reali-zadas no âmbito local. Na ocasião, os argumentos oficiais enfatizavam a cir-cunstância de que a reforma seria neutra do ponto de vista das receitas muni-cipais, já que a Província se propunha a assumir, como contrapartida, os gas-tos com educação, até então de responsabilidade local.

Com o repasse de muitos dos serviços e em decorrência das despesaspara os governos municipais, a Província esperava cortar fundo seus própriosgastos, criando, assim, condições para enfrentar a esperada redução de recei-tas que se seguiria à baixa da arrecadação do Imposto de Renda. E foi efetiva-mente isso que, em grande medida, ocorreu no âmbito do Governo Provincial,passando este a conviver, inclusive, com superávits orçamentários.44

44 “Tendo em conta o período de prosperidade econômica vivido pelo Governo de Ontário, torna-sedifícil justificar a crise fiscal em que Toronto se encontra mergulhada. É como se a Província esti-vesse mais interessada em aumentar suas próprias receitas e superávits do que em auxiliar aCidade na prestação dos serviços indispensáveis e na manutenção de sua infra-estrutura. Torontoestá, obviamente, sufocada pela mão pesada do Governo de Ontário.” (Teschner, [s.d.], p. 5).

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Algo semelhante deveria acontecer na esfera dos governos locais, queseriam beneficiados por uma esperada redução de custos interveniente no pe-ríodo pós-fusão. Com isso e conforme declarações das autoridades provinciaisda época, havia expectativas de que, em um período de três anos, seria possí-vel reduzir, de forma generalizada, os recursos financeiros recolhidos a título doImposto Sobre a Propriedade. Ora, na prática, não foi isso que aconteceu.

Deve ter-se presente que, desde 1969, o estabelecimento do valor dosimóveis para fins de cobrança do Imposto Sobre a Propriedade deixara de seruma prerrogativa das municipalidades, passando a ser da alçada das autori-dades de Ontário. Em 1997 e coincidindo com a reforma institucional promovi-da, foi editada uma lei revisando essa sistemática, de forma que o valor efeti-vo de mercado dos imóveis passou a ser a referência para a cobrança dotributo. Dessa reavaliação, resultou uma elevação abrupta e muito expressivados valores a pagar, que chegaram mesmo a dobrar no caso de alguns contri-buintes de baixa renda e dos aposentados. Seguiram-se generalizados pro-testos e uma ativa oposição por parte dos residentes em geral, pelo que a leisofreu modificações, e tudo seguiu mais ou menos como era anteriormente(Robinson; Schwartz, 1998, p. 7).

A mesma revisão para maior deu-se no caso do imposto sobre as pro-priedades comerciais e industriais, o qual também aumentou de forma subs-tancial na ocasião e teve um grande impacto, especialmente sobre as pe-quenas empresas.45 Face à intensidade da reação suscitada, o Governo Pro-vincial comprometeu-se a fixar limites estritos para os aumentos futuros deimpostos.46

Ora, com a transferência de encargos sendo decidida de forma unilateralpela Província, Toronto viu-se confrontada com o desafio de precisar assumiruma gama adicional e variada de serviços, inclusive na área dos transportes eda construção de moradias de cunho social. Mais precisamente, o Governode Ontário continuou tendo a prerrogativa de fixar os padrões a serem segui-dos na realização dessas atividades,47 cabendo à municipalidade a tarefa deexecutá-los e de assumir os respectivos custos. Nesse esquema, teve poucaimportância o fato de a Cidade dispor, ou não, dos fundos para tanto indispen-sáveis, criando-se uma situação que levaria forçosamente ao comprometi-mento de seu orçamento e à progressiva deterioração, em maior ou menorgrau, da infra-estrutura local e dos padrões dos serviços oferecidos.

45 “Quase a metade das firmas comerciais de Toronto descobriu que seus impostos se elevariamem 100% ou mais. Não é assim surpreendente que os protestos tenham sido enérgicos epersistentes.” (Robinson; Schwartz, 1998, p. 8).

46 “Além disso, na medida em que Toronto já ocupa o segundo lugar entre as grandes cidades daAmérica do Norte no relativo ao Imposto Sobre a Propriedade incidindo sobre o setor de negó-cios, não existe grande margem de manobra para elevar as respectivas alíquotas, sob penade afugentar os investidores.” (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 5).

47 “Levando em conta o fato de que os programas executados pelas municipalidades estão sujei-tos aos padrões definidos pelo Governo de Ontário, constata-se que, no caso de Toronto, aCidade não teria um controle efetivo sobre cerca de 40% de seu orçamento operacional. “(Teschner, [s.d.], p. 5).

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Suas fontes de arrecadação e de financiamento, por outro lado, continu-aram praticamente as mesmas. Na verdade, em Toronto, tal como ocorre norestante do Canadá, os recursos financeiros com que os governos locais po-dem contar mantêm uma grande dependência em relação à cobrança do Im-posto Sobre a Propriedade que incide sobre os imóveis residenciais, de co-mércio e industriais. Ainda que constituindo uma fonte estável de receitas, suaevolução não acompanha o crescimento da economia, visto que está associa-da a uma base de tributação inelástica e não é capaz, assim, de garantir umfluxo consistente de recursos. No caso de Toronto, esse tipo de aporte finan-ceiro representa cerca de 40% das receitas locais,48 outros 20% correspondemà cobrança de taxas e tarifas diversas, e ainda outros 22%, a transferênciasde várias ordens originárias dos Governos Provincial (principalmente) e Fede-ral (The Office of Legislative Services, 2006, p. 3).

Deve também ser observado que as transferências sofreram igualmenteuma forte diminuição. Assim, por exemplo, foram reduzidos os recursos que aProvíncia alocava na construção de moradias populares, ao mesmo tempoem que se procedeu à transferência, para a esfera local, da responsabilidadepela execução da tarefa. Toronto, que não dispunha dos fundos para tantonecessários, viu-se impossibilitada de investir na expansão do estoque dehabitações de caráter social, pelo que houve uma elevação do valor dos alu-guéis49, e muitos necessitados viraram “sem-teto” (Schuler, 2002). No conjun-to, os novos encargos repassados à Cidade contribuíram para a eclosão deuma grave crise, até hoje não resolvida e que ameaça tornar insustentávelsua posição financeira de médio e longo prazos, a menos, naturalmente, querecursos de outra natureza lhe sejam aportados.

Os problemas financeiros da Cidade estão diretamenterelacionados ao processo das fusões e à transferência deresponsabilidades que se seguiu. O fato de as despesasconstantes no seu orçamento operacional terem excedi-do, nos orçamentos de 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002 eno programado para 2003, as receitas obtidas com o Im-posto Sobre a Propriedade e com as tarifas cobradas dosusuários evidencia claramente que a Cidade não é auto-suficiente do ponto de vista das suas finanças. (Schwartz,2003, p. 10).

Ao mesmo tempo, está muito difundida a idéia de que a contribuição deToronto aos governos de nível superior — e ao Canadá como um todo —,supera em muito o montante dos recursos que lhe são transferidos. Assim,por exemplo, estima-se que, no ano 2000, o Governo Federal tenha arrecada-

48 “As cidades canadenses têm praticamente a metade de suas receitas associadas à arrecada-ção do Imposto Sobre a Propriedade, sendo de 15% a mesma participação nos Estados Uni-dos e de cerca de 5% na Europa.” (Broadbent, 2005, p. 7).

49 “Os aluguéis vêm subindo muito acima da inflação. O preço de um apartamento de um quartoem Toronto aumentou mais de 600% desde 1997.” (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 12).

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do em torno de US$ 7 bilhões a mais do que ali investiu, sendo de US$ 1,3bilhão a quantia equivalente para o Governo da Província (The Toronto Boardof Trade, 2002, p. 4).

Por outro lado, a Província controla a sua capacidade de endividamento,zelando para que sejam tomados empréstimos apenas para atender a despe-sas de capital e não para cobrir déficits operacionais. Mais precisamente, é oOntario Municipal Act que impede as municipalidades de buscarem financia-mentos no mercado de capitais para fazer face a seus déficits operacionaiscorrentes.50 Mesmo nessas condições, os empréstimos já contraídos formamum montante muito expressivo, tendo alcançado US$ 1,25 bilhão em 2001 ecrescido 20% desde 1998, com o pagamento dos respectivos juros começan-do a pesar nas finanças municipais (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 15).

Nesse contexto, não é surpreendente o consenso hoje estabelecido quantoà necessidade de Toronto diversificar, com urgência, suas fontes de financia-mento, de ter melhor controle sobre suas próprias receitas e de reverter suadependência em relação às transferências originárias das outras esferas degoverno. Na verdade, não parece haver outra alternativa, bastando conside-rar a atual rigidez de estrutura de gastos e a certeza de sua expansão futura.A Cidade constitui um dos principais centros econômicos do Canadá e, paraser bem-sucedida no contexto do modelo de crescimento adotado, precisamostrar-se altamente competitiva, para seguir atraindo investimentos produti-vos e mão-de-obra especializada. Nesse sentido, depende da eficiência desua infra-estrutura física de apoio e de seus sistemas de comunicação e detransporte, bem como de toda uma gama de serviços capazes de garantiruma boa qualidade de vida a seus residentes. Além disso, como constitui tam-bém um pólo privilegiado de atração de mão-de-obra — tanto estrangeira,como nacional —, coloca-se uma cobrança permanente no sentido de queprecisa oferecer soluções de curto prazo para os problemas de integraçãosocial das famílias e de sua acomodação no território.

2.7.5 Um novo plano para a Cidade de Toronto

Um novo plano oficial para Toronto foi aprovado ao final de 2002, sendoseus objetivos os de esboçar um cenário para a cidade do futuro, identificaráreas privilegiadas de desenvolvimento e definir prioridades para os programas

50 “O Governo da Província cria os governos locais e estabelece suas fronteiras geográficas.Determina quais as despesas que ficam a cargo dos mesmos e fixa os padrões a seremmantidos no fornecimento de grande parte dos serviços, sendo que o Imposto sobre a Proprie-dade e as taxas sobre serviços formam, basicamente, as receitas possíveis. Ao mesmo tem-po, obriga as municipalidades a manterem em equilíbrio seus orçamentos operacionais. Emoutras palavras, não lhes permite contrair empréstimos para cobrir seus gastos operacionais.Somente podem fazê-lo para atender a despesas de capital e, ainda assim, a legislação daProvíncia coloca limites quanto aos montantes levantados à guisa de empréstimo.” (The Officeof Legislative Services, 2006, p. 3-4).

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de investimento previstos.51 O mesmo foi amplamente discutido e chegou a serconsiderado por alguns como um documento progressista, capaz de sinalizaros caminhos para conter a expansão suburbana e promover a melhoria da qua-lidade de vida de seus moradores. A visão de cidade ali idealizada reflete, toda-via, as propostas de trabalho de muitos planejadores urbanos, arquitetos e em-preendedores, que viveram o início de suas carreiras durante as reformas dosanos 70 e que, desde então, se tornaram expoentes em suas áreas. Nessesentido, os ideais de planejamento que dão substância ao documento têm suasraízes na indústria da construção e nos valores que marcam o moderno e refi-nado urbanismo característico da área central da cidade. Uma das facetas maisnotórias desse tipo de orientação urbanística é visível nas estratégias de revita-lização praticadas em alguns dos bairros mais pobres dessa área e que setornaram a fronteira mais recente da gentrificação (Kipfer, 2000, p. 28-34).

O plano para a Cidade de Toronto procura determinar as condições neces-sárias para que um novo contingente de 500.000 a 1.000.000 pessoas se junteà população local nos próximos 20 a 30 anos. Como o território já se encontraamplamente ocupado, resta a alternativa de investir pesado na densificação erevitalização do ambiente urbano. Com isso, seria possível sustar o contínuocomprometimento de terras agricultáveis, que ocorre na fronteira da ocupaçãometropolitana. Seria igualmente factível fazer um uso mais eficiente da infra-estrutura urbana já instalada, reduzindo, assim, os investimentos necessáriospara replicá-la em outras áreas, bem como oferecer serviços de melhor qualida-de no entorno dos locais onde as pessoas residem e trabalham, propiciandouma melhoria da qualidade geral de vida (Young, 2005, p. 10).

O documento faz a identificação das áreas consideradas apropriadas àimplantação de grandes projetos de desenvolvimento urbano, mais especifica-mente, dos locais que poderiam acolher de 200.000 a 400.000 novas moradias.Haveria, no entanto, necessidade de promover alterações nos atuais padrõesde regulação, de modo a facilitar a vinda dos capitais necessários. O que estáaqui em jogo, afinal de contas, é a flexibilização — ou o afrouxamento — dasregulamentações em vigor como um atrativo para garantir a instalação demegaprojetos, de forma a dar sustentação ao processo de densificação emlarga escala e, por tabela, projetar a imagem dessa cidade global idealizada.52

51 “Havia o desejo de fortalecer a posição de Toronto no que é visto como uma competição globalentre cidades pelo sucesso econômico. O sentimento era o de que um novo plano oficialpoderia contribuir para criar um ambiente de regulação capaz de tornar Toronto, no contextode uma cidade global, uma praça atrativa para os investidores e um local adequado para seviver.” (Young, 2005, p. 10).

52 “Outras orientações do plano de Toronto pretendem tornar mais simples e flexível o processo deplanejamento. Um elemento-chave dessa estratégia passa pela substituição das medidas relativa-mente rígidas que regulamentam as edificações por uma abordagem mais flexível e por um outroentendimento do que seria o ‘bom planejamento’. Densidade e altura são trocadas, enquantocritérios de edificação, por considerações de ordem estética. O plano sustenta que uma boa cons-trução é aquela que ‘é bonita’ e que ‘combina bem’ com os arredores. De fato, os avanços foramtamanhos nesse domínio que muitos chegam a celebrar os edifícios extremamente altos como umsinal de sofisticação urbana, o que representa uma mudança substancial em relação ao discursode 20 ou 30 anos atrás, que favorecia as construções de menor altura.” (Young, 2005, p. 11).

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A idéia central que anima o novo planejamento metro-politano é empresarial. Decorre daí que o discurso dosanos 70 é retomado como um gesto de retórica. Na ver-dade, o centro da nova linguagem de planejamento estáposto na renovação e no reinvestimento, revelando aextrema significância da competitividade e do espíritoempresarial que impregnam os discursos atuais. A vi-são que os planejadores urbanos reformistas têm donovo planejamento é a de que este leva a uma mudan-ça do paradigma marcado pelas práticas centradas nosbairros [...] Com isso, seriam facilitadas as mudançasem larga escala a serem processadas em sítios bemdeterminados, a exemplo da zona do cais[53], das áreasdas antigas vias férreas e dos grandes armazéns, daantiga base militar e de alguns terrenos baldios [...] Asquestões de ordem social e ecológica são dissociadas,dessa forma, do processo de expansão imobiliária quetomou conta da Cidade a partir da metade dos anos 90.(Kipfer, 2000, p. 33).

2.8 A Área da Grande Toronto

A GTA não constitui uma esfera de governo regional, aplicando-se adesignação tão-somente a um vasto território que ocupa a porção meridio-nal da Província de Ontário e que funciona como uma só região em termoseconômicos e sociais. Estende-se por uma superfície de 7.111km2 e acolheuma população superior a 5,5 milhões de habitantes. Dá origem ao quintomaior aglomerado urbano da América do Norte, seguindo-se às cidades doMéxico, Nova Iorque, Los Angeles e Chicago. Coexistem ali a municipalidadede Toronto — que forma um governo com um nível — e quatro municipalida-des regionais — que formam governos com dois níveis e que, em conjunto,reúnem outras 24 municipalidades. Essas municipalidades regionais nãoforam afetadas quando da criação da megacidade de Toronto e têm autono-mia para definirem suas próprias estratégias de desenvolvimento. Não exis-te, também, nenhuma forma de atuação integrada por parte das instânciaslocais no tocante à realização de obras de infra-estrutura ou à prestação deserviços no âmbito da GTA.

53 “Em novembro de 1999, Toronto [...] anunciou o que se poderia tornar um projeto multimilionáriopara a zona do cais. O projeto propõe que as áreas públicas sejam usadas para a implantaçãode parques e de praias e que os empreendedores tenham a permissão de construir aquários,espaços para festivais ou complexos de condomínios [...] Esse espetacular projeto de planeja-mento marca a reaproximação entre as políticas neoconservadoras do Governo da Província,já prevalecentes nos subúrbios externos, e a emergente visão de planejamento neoliberalaplicada na área central da nova Cidade de Toronto.“ (Kipfer, 2000, p. 34).

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2.8.1 O planejamento regional na GTA

Um dos principais problemas existentes na Área da Grande Toronto rela-ciona-se, efetivamente, à ausência de planejamento e de coordenação notocante aos serviços prestados na região. Esse é um tópico especialmentecrítico, porquanto remete à ausência de uma instância de intervenção capazde atuar regionalmente, o único exemplo nesse sentido sendo o da mal-suce-dida experiência da Greater Toronto Service Board (GTSB).

Com efeito, em janeiro de 1999 e coincidindo, portanto, com a implanta-ção da megacidade de Toronto, foi criada a GTSB, sempre por iniciativa doGoverno Provincial. Deveria ser uma agência destinada a operar os sistemasde trens de subúrbio e de ônibus da GO Transit e realizar a coordenação dasatividades no campo do planejamento, do transporte público, da água e doesgoto que estão a cargo de cada um dos cinco governos regionais que ope-ram na GTA. A idéia era conceder-lhe um conjunto de atribuições limitadas,

FONTE: Disponível em:<http://www.greatertoronto.org>. Acesso em: 28 ago. 2007.

Mapa 4A Área da Grande Toronto

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mas suficientes para que pudesse intervir no processo de tomada de decisõesem escala metropolitana. Seria também de sua alçada a concepção de umaestratégia de crescimento aplicável a toda a aglomeração. Essa agência nãoformaria, todavia, outro nível de governo, não lhe sendo igualmente atribuídaautoridade para arrecadar tributos. Foi ainda definido que sua administraçãoficaria a cargo de um conselho de representantes, com cada uma das munici-palidades tendo direito a um assento.

A GTSB não chegou a se consolidar, e, ao ser feita oficialmente a ava-liação de suas competências ao início de 2001, ficaram evidenciados seusproblemas de carência de real poder político. Na ocasião, foi tomada a deci-são de fortalecer e ampliar seu papel, de forma tal que tivesse prerrogativasefetivas para se responsabilizar pela estratégia de crescimento da GTA. Foiigualmente definido que seria instalada uma outra agência, especificamentevoltada ao problema dos transportes na aglomeração, a qual ficaria encarre-gada das complexas relações entre sistemas de transporte, congestionamen-to do sistema viário e papel estruturante do transporte público. Não obstanteas aparentes boas intenções demonstradas, ao final do mesmo ano e em umadecisão surpreendente, o Governo de Ontário optou por extinguir sumaria-mente a GTSB (Strategic & Corporate Policy Division, 2004, p. 8-9).

Desde então, a cooperação entre as municipalidades da região nasquestões de interesse comum — a exemplo do suprimento de água, trata-mento e destinação do lixo recolhido e de outros dejetos e integração dossistemas de transporte público — vem sendo feita como sempre se fez, ouseja, de maneira informal e sem o referencial de um horizonte programado demédio e longo prazos.

A inexistência de uma autoridade respondendo pelo pla-nejamento regional não equivale a dizer que a região te-nha ficado sem ser planejada durante esse período. Hátoda uma complexa rede de legislações cobrindo as áre-as da construção e da ocupação urbana em cadamunicipalidade. O crescimento é, na verdade, estritamen-te regulamentado, com base em diretivas de zoneamento,plantas de localização, planos municipais e planos es-tratégicos oficiais. Nesse sentido, Toronto é cuidadosa-mente planejada. O ponto que permanece a descobertoé o da ausência de qualquer plano ou cenário comabrangência regional. (Bourne, 2005, p. 133).

O fato é que continuam se fazendo sentir fortes pressões em favor doaparelhamento de um sistema de planejamento que leve em conta o fatorregional na GTA, sendo que o próprio Governo da Província não se mostrainfenso à adoção de medidas com um tal caráter. No entanto, ainda que apromoção do “diálogo intermunicipal” possa fazer parte da agenda de trabalhogovernamental e tenha mesmo se materializado no intento frustrado de insti-tuição da GTSB, suas preocupações nessa área não evoluíram a ponto de

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assimilar a idéia de um governo metropolitano forte. Essa é uma atitude atécerto ponto compreensível, bastando considerar-se que a instauração de umainstância política regional dessa natureza, legítima representante de toda GTA,seria capaz de fazer sombra ao próprio poder da Administração Provincial(Rothblatt, 1998).

Enquanto não toma forma a idéia de um arranjo institucional de cará-ter metropolitano permanente no âmbito da GTA, o Governo de Ontário vemprocurando atuar de forma mais pontual, assimilando as inquietações des-pertadas pela ocupação suburbana e procurando formas de contê-la, aomesmo tempo em que busca reforçar a densidade de ocupação nas áreas jáurbanizadas. Pelo menos, declaradamente, esse era o espírito que animavaas reformas de 2005, as quais envolviam um pacote bastante amplo de me-didas, relativas a leis de regulação do uso do solo e de investimentos eminfra-estrutura.

Estava também ali contemplado o estabelecimento de um cinturão ver-de, com 325km de extensão, previsto para servir como um muro de conten-ção à urbanização periférica. A efetividade de tal medida tem sido posta emdúvida, porquanto os limites desse cinturão não são muito rígidos, permane-cendo em aberto a possibilidade de serem ocupadas terras marcadas parapreservação, contanto que uma área similar em tamanho seja destinada emoutro local. Além disso, o aludido cinturão está posicionado muito além dasfronteiras que hoje definem o território da Grande Toronto, com o que per-maneceriam ainda 170.000ha disponíveis para uma possível apropriaçãourbana, o que formaria um estoque de terras suficiente para 20 a 30 anos deocupação (Lorinc, 2005).

Há também a intenção manifesta de investir nos sistemas de transportepúblico, com as propostas passando pela formação de novas redes de Veícu-los Leves sobre Trilhos - VLT (Light Rail Veichiles - LRV), pela instauração defaixas de circulação nas rodovias reservadas para veículos privados rodandocom mais de um ocupante, bem como pela ampliação dos recursos aplicadosnos sistemas administrados pela GO Transit.

Tudo isso faz parte de uma estratégia de antiurbanização da periferia —delineada pelo Partido Liberal, que ganhou o controle do poder na Província—, a qual ficou conhecida pelo nome de Places to Growth Act. O principalobjetivo ali declarado é o de preservar as terras agrícolas e de melhorar aqualidade do ar na região. Como, simultaneamente, existe a intenção de oGoverno Provincial construir duas novas auto-estradas cruzando esse terri-tório — o que lhe daria melhor acessibilidade, valorizaria suas terras e faci-litaria sobremaneira a vida de empreendedores e especuladores —, fica adúvida a respeito dos reais desígnios perseguidos. Deve ser ainda observa-do que a efetivação dessas propostas implica fazer com que o Governo Pro-vincial assuma o papel de quase governo regional em uma vasta área, bemmaior do que a da GTA, que é conhecida como o Greater Golden Horseshoe.Nesse caso, haveria uma nítida transferência do que seriam as competênci-as de planejamento da esfera local para a provincial (Lorinc, 2005).

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Há ainda muitas incertezas acerca das projeções de cres-cimento para a região e uma grande resistência políticaoposta pelos governos locais e por grupos privados emrelação a essa forma de planejamento (centralizado) vin-da de “cima para baixo”. Mais ainda [...] o Governo nãoconta com os meios financeiros indispensáveis para reali-zar os investimentos de infra-estrutura capazes de condu-zir o desenvolvimento urbano nos rumos desejados. O quedeve ocorrer é que, no lugar de um grande plano, surjampolíticas e planos isolados — um exemplo sendo o da le-gislação que cria o cinturão verde —, a serem introduzi-dos de forma gradual e no decurso de um longo período.(Bourne, 2005, p. 136).

2.8.2 A situação dos transportes na GTA

O problema dos congestionamentos é bastante grave em Toronto, como grande número de viagens pendulares realizadas contribuindo de formadecisiva para a situação de baixa fluidez que marca os fluxos de tráfego nasvias principais da região, isso para não se falar da sensível deterioração im-posta às suas condições ambientais. Há estimativas indicando que 70% darede de vias expressas se mostram congestionadas nas horas de pico. A situ-ação já é bastante crítica e estaria afetando a competitividade econômica daGTA de tal forma que, apenas para o setor dos negócios e por conta das máscondições de circulação nas vias públicas, são contabilizadas perdas acumu-ladas anuais da ordem de US$ 1,8 bilhão (Levy, 2005, p. 4 e 17).

A preferência pelo uso do transporte privado encontra-se na gênesedessa problemática, bastando dizer que cerca de 70% das viagens diáriasrealizadas na região, por motivo de ida e volta do trabalho, estão associadasao uso do automóvel. Tendo em conta o dinamismo que tem caracterizadolocalmente a evolução da população e do emprego e o exacerbado movimen-to de ocupação das zonas mais externas da área metropolitana, as expectati-vas são de que a dependência em relação à utilização do veículo individualsiga aumentando.54 Essa é uma tendência que se fortaleceu em tempos maisrecentes e que coloca em xeque os esforços feitos no sentido de preservar otransporte público e seu papel relevante no cenário metropolitano e de imporalgum tipo de controle à presença desmesurada do automóvel.

No total, são 17 os sistemas de transporte público que operam na Áreada Grande Toronto, sendo um deles constituído pela GO Transit, dois outrossão de responsabilidade de governos de primeiro nível, e os 14 restantes, daalçada dos governos locais das municipalidades. O maior desses sistemas é

54 Até o ano 2021, as projeções apontam uma expansão na região da ordem de 65% no númerode viagens em automóvel (Greater Toronto Area Travel Demand Management Program, [s.d.]).

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o gerido pela Toronto Transit Commission (TTC), que presta seus serviços noperímetro da Cidade de Toronto (Tomalty; Bur, 2003).

Deve ser observado que as administrações de Toronto sempre demons-traram um significativo nível de envolvimento com o transporte coletivo, a pontode a cidade contar hoje com o segundo maior sistema de transporte públicoda América do Norte, após o de Nova Iorque. Com isso, foi possível manteruma participação bastante expressiva dos modos públicos no total das via-gens realizadas, mesmo se considerados os padrões vigentes em outras ci-dades do Continente.55 Assim, é de 24% o peso relativo do transporte coletivona área da Cidade de Toronto e de 15% no restante da GTA. No global, tem-seque 70% das viagens são realizadas em automóvel, 20% por transporte públi-co e 10% por outros meios, basicamente o veículo de duas rodas ou o deslo-camento a pé (Newman, [s.d.]).

O comprometimento com o transporte público evidenciava-se já na deci-são de implantar o sistema de metrô no início dos anos 50 e nos investimen-tos posteriores, que viabilizaram as obras de expansão das linhas de trans-porte de massa. Pode também ser identificado no evento que levou ao aban-dono do projeto de construção de uma via expressa, em favor da introduçãode uma nova linha de metrô (a chamada linha Spandina). A própria Adminis-tração Provincial abraçou também a questão do transporte coletivo já nosprimórdios da formação da área metropolitana, ao implantar os sistemas detrens de subúrbio e de ônibus regionais.

A solução da Toronto Metropolitana funcionou bem durantequatro décadas, mas passou a sofrer cada vez maioresrestrições à medida que o crescimento metropolitano seacelerou. A pressão populacional aumentou, as terras tor-naram-se escassas, e os preços dispararam, colocandorestrições a seu uso e tendo conseqüências para os alu-guéis, o que forçou a adoção de padrões mais rígidos dezoneamento. Em conseqüência, elevaram-se os preços dasmoradias e dos imóveis comerciais. Por volta de 1980, tor-naram-se mais efetivos os controles sobre a utilização doveículos automotores, mais especificamente de caminhõese de veículos utilitários, já como resposta ao agravamentodos níveis de congestionamento. A construção de rodoviaspelo Governo da Província nas áreas externas à Toronto

55 “Toronto é menos dominada pelo automóvel, sendo, com certeza, um belo exemplo de desen-volvimento orientado para o transporte público. De 1960 a 1990, houve uma expansão de127% no uso do transporte coletivo, na Toronto Metropolitana, chegando-se a um total anualde 350 viagens per capita, o que está dentro dos padrões europeus nesse domínio [...] Atémesmo na Grande Toronto, que abrange os subúrbios de baixa densidade, que têm grandedependência do veículo privado, o número de viagens per capita realizadas por transportepúblico é de 210, sendo esse o indicador mais expressivo encontrado na América do Norte ecerca de 35% maior do que o verificado na área metropolitana de Nova Iorque, o segundomelhor resultado.” (Newman, [s.d.])

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Metropolitana funcionou como uma válvula de escape, abrin-do um estoque de terras de baixa densidade e pouco valo-rizadas para o uso urbano [...] Um terceiro estágio foi mar-cado pela fusão que criou a cidade de Toronto e pelo au-mento da ocupação urbana na GTA. O virtual corte do pro-grama provincial de construção de rodovias na região ex-terna à Toronto Metropolitana contribuiu, por sua vez, parao agravamento das situações de congestionamento nes-ses espaços. (Robinson; Schwartz, 2000, p. 12).

A não-consideração da região economicamente polarizada por Torontorepresentou, ao longo desse processo, um fator que sempre pesou de formanegativa no encaminhamento de soluções para os desafios colocados no cam-po dos transportes. Foi assim que, na época da Toronto Metropolitana, asquestões de transporte no interior da região eram da alçada tanto do GovernoProvincial como da instância regional. Já no restante do território da GTA, ouseja, em sua área mais externa, a atribuição revertia à Província e a cada umdos governos regionais envolvidos. Na atualidade, não há mais como escapardessa realidade que remete a um só espaço econômico, a ser forçosamenteassim considerado também sob a ótica dos fluxos de transporte.

Outro elemento importante para compreender a presente situação do trans-porte público na GTA está associado aos problemas de escassez de investi-mentos, o que tem prejudicado o desempenho dos sistemas. Ocorre que, nafase anterior à reforma que fez surgir a nova Cidade de Toronto, os custosdecorrentes eram bancados pelo Governo Provincial e pelas municipalidades,sendo que estas últimas encontravam os recursos necessários na cobrança detarifas e em outras fontes. A Província, por seu turno, responsabilizava-se pelosinvestimentos de capital — os relativos tanto ao sistema de metrô como aossistemas de transporte público de superfície —, bem como assumia os subsídi-os operacionais embutidos em vários programas associados. Após 1998, umaparte significativa dessas despesas foi transferida às municipalidades, inclusive— ainda que de forma não definitiva — no que se refere ao sistema operadopela GO Transit. Da mesma forma, passaram à esfera local os gastos de capitale as despesas operacionais associadas às rodovias regionais, o mesmo valen-do, em grande medida, para os serviços das barcas e os aeroportos.

Um parte dos encargos transferidos às municipalidades deveria ser finan-ciado pela cobrança de tarifas, e uma outra ficaria por conta das receitas adi-cionais que seriam obtidas com o Imposto Sobre a Propriedade. Ocorre quetanto as tarifas foram mantidas em níveis muito baixos, muitas vezes nemchegando a cobrir os custos marginais incorridos, como os governos locaisnão tiveram condições de elevar o Imposto Sobre a Propriedade, conformeinicialmente pretendido. Não conseguindo resolver a equação do setor de trans-porte pelo lado das receitas, restou a alternativa de comprimir as despesas, oque explica a escassez de recursos com que o sistema passou a conviver nosúltimos tempos e o decorrente comprometimento da qualidade dos serviçosprestados à população (Robinson; Schwartz, 1999, p. 5 e 9).

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2.8.3 Sistemas públicos de transporte na GTA

2.8.3.1 O sistema GO Transit

A GO Transit é uma empresa criada pelo Governo de Ontário e queopera o sistema interregional de transporte de passageiros de ônibus e detrens na Área da Grande Toronto, servindo, inclusive, à vizinha cidade deHamilton.56 Das viagens quotidianas realizadas sob seus auspícios, 84% sãofeitas por via ferroviária, e 16%, por via rodoviária (Wikipedia, 2006a). Re-presenta, portanto, uma alternativa bastante eficiente ao automóvel nos des-locamentos de longa distância e por motivos de ida e volta do trabalho, comespecial destaque para as vantagens oferecidas pelo sistema de trens desubúrbio. É a GO Transit que garante a ligação entre os subúrbios da áreametropolitana e a sua região central, estando, assim, muito mais a serviçoda própria Cidade de Toronto — que forma o destino final da maior parte dospassageiros transportados57 — do que da região em seu conjunto. Isso sereflete igualmente na composição de seu conselho de administração, emque os representantes de Toronto contam com a metade dos votos dos con-selheiros (Robinson; Schwartz, 1999, p. 6).

A GO Transit data de 1967, tendo surgido, portanto, em pleno período deexistência da Metro Toronto. Foi financiada integralmente pelo Governo de Ontárioaté 1998, quando essa atribuição foi repassada às municipalidades que inte-gram a GTA. Isso coincidiu com a criação da GTSB, momento em que a Admi-nistração Provincial cortou o apoio financeiro dado à GO Transit e passou aconcentrar os recursos em um vasto programa de implantação de vias expres-sas. Depois de fechar a GTSB, a Província voltou a investir na GO Transit ecolocou-a sob a administração da Greater Toronto Transit Authority (GTTA).

2.8.3.2 O sistema de metrô

Os planos iniciais para a implantação de um sistema de transporte rápido depassageiros por via subterrânea em Toronto remontam a 1911. Não foram entãolevados avante tanto por causa da Primeira Guerra Mundial, como porque aCidade ainda não alcançara um tamanho capaz de dar viabilidade econômicaàs operações de um transporte de massa desse tipo. A proposta do metrô deToronto só haveria mesmo de começar a tomar forma em 1949 — com a Cidadetendo, à época, cerca de 700.000 habitantes —, quando foi aberto o primeirocanteiro de obras. Seria preciso, no entanto, esperar até 1964 para a inaugura-

56 “Os trens e ônibus da GO Transit atendem a uma população de seis milhões de pessoas,cobrindo uma área de 8.000km2, que se irradia do centro de Toronto até Hamilton [...] É res-ponsável pela conexão com os sistemas de transporte público de cada municipalidade daGTA, inclusive com o da Toronto Transit Commission.” (Wikipedia, 2006a).

57 “Pelo menos 96% das viagens em trem acabam na Union Station — que está localizada nocentro de Toronto — ou dela partem, enquanto 70% das realizadas em ônibus se dirigem àCidade ou dela saem.” (Wikipedia, 2006a).

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ção da primeira linha, que tinha uma extensão de 7,4km (Levy, 2005, p. 55-57).Existindo há mais de 50 anos, o metrô de Toronto conta atualmente com

70km de linhas, é servido por 72 estações e transporta mais de um milhão depassageiros diariamente. É visto como um sistema bastante bem sucedido,principalmente por conta da alta integração que mantém com os demais mo-dos de transporte, os ônibus e os bondes. É isso que explica, em boa medida,a significância do sistema de transporte público em Toronto, que, em conjunto,movimenta aproximadamente 450 milhões de passageiros por ano, um totalque só é superado, na América do Norte, pelas Cidades do México, NovaIorque e Chicago, centros urbanos de porte consideravelmente superior (Levy,2005, p. 58-59).

Mesmo assim, uma limitação local desse modo de transporte público pro-cede do fato de ter sido concebido para transportar passageiros na área maiscentral de Toronto. Ora, como já visto, o sentido do movimento de ocupaçãoterritorial está voltado, cada vez mais, para a região mais externa da GTA, oque coloca problemas de viabilidade, pelo lado da demanda, às iniciativas deexpansão do sistema local de metrô. Nesse aspecto, seria preciso que asintenções de densificar a região central de Toronto se concretizassem paratornar a medida factível.

2.8.3.3 Outros sistemas de transporte público

Há um sistema de bondes e de Veículos Leves sobre Trilhos que serve àCidade de Toronto, com suas linhas estando concentradas nos eixos de maiordemanda. Tendo em conta os elevados custos de implantação de novas li-nhas de metrô ou mesmo de prolongamento das já em operação, vem sendoconsiderada a possibilidade de converter as atuais linhas de bondes em li-nhas operadas por VLT. Há, todavia, um problema na generalização de talencaminhamento, uma vez que são poucas as grandes vias hoje servidas porlinhas de bondes que comportariam o corredor exclusivo ou semi-exclusivonecessário à operação de um sistema desse tipo.

Os veículos VLT são complementados por um sistema alimentador deônibus. No caso de Toronto, porém, mais do que se limitar a uma funçãoalimentadora, os coletivos foram também utilizados para atender a um territó-rio bem mais amplo do que o demarcado pelos limites físicos da Cidade, commuitas linhas subutilizadas chegando a áreas que, até não muito tempo atrás,se mostravam escassamente povoadas. Observe-se que o recurso de fazeruso do transporte público para viabilizar uma ocupação periférica não consti-tui um propósito incomum em Toronto, replicando o que o Governo de Ontáriofizera, nos anos 60, ao iniciar o serviço de trens de subúrbios.

Na atualidade, muitas dessas linhas de ônibus estão saturadas, por contado intenso crescimento populacional verificado na periferia. Além do problemadas altas densidades demográficas ali encontradas, é grande a dependência lo-cal em relação ao uso do transporte público, uma circunstância explicável, em

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grande medida, pelas condições de renda próprias a seus residentes.58 As via-gens costumam ser longas e alongam de forma significativa a jornada de traba-lho. Seria preciso, em caráter de urgência, promover melhorias de qualidade nosserviços oferecidos, algo não tão óbvio de ser alcançado com base unicamenteno uso de equipamentos convencionais como os ônibus (Levy, 2005, p. 54).

2.8.4 O papel da agência metropolitana de transportes

É evidente o problema de falta de coordenação das várias instâncias go-vernamentais envolvidas com a questão dos transportes na região. A própriaimplantação da Toronto Transit Commission (TTC), criada para se ocupar dosistema de transporte público da Toronto Metropolitana, respondeu a uma talinquietação.

Há uma crescente aceitação na GTA, bem como em outrasáreas metropolitanas, da conveniência de dispor-se de umaúnica agência, dotada de um mandato abrangente para todaregião urbanizada, que seria capaz de planejar, financiar egarantir um sistema de transporte mais eficiente, bem comoum maior controle do uso do solo. Tal entendimento decorre,em grande medida, das experiências que a GTA teve, nos úl-timos 15 a 20 anos, com uma atividade de planejamento frag-mentada e comprometida pela escassez de recursos financei-ros. Em termos do sistema de transportes, as conseqüênciassão visíveis no declínio da participação dos modos públicos,na oferta insuficiente de transporte proporcionada pelo siste-ma de trens de subúrbio, na proliferação de subúrbios depen-dentes do automóvel e no aumento significativo dos níveis decongestionamento nas vias públicas. Isso afeta, em especial,as regiões servidas pelos atuais modos públicos de transporte(exceção feita ao sistema GO Transit), que se mostram inca-pazes de oferecer serviços competitivos comparativamente aosproporcionados pelo veículo privado nos quesitos comodida-de e cobertura da área atendida. (Neal, 2003, p. 9).

Assimilando a gravidade da situação, o Governo de Ontário criou a GreaterToronto Transportation Authority em 2006, que corresponde precisamente aoconceito de uma agência que tem a função de proceder à integração de todosos sistemas de transporte público da região. A idéia norteadora é a de fazer

58 “A responsabilidade direta por essa situação deve ser atribuída a decisões desastradas deplanejamento tomadas durante os anos 50, 60 e 70, ostensivamente adotadas para reduzir ouevitar a excessiva concentração na região central. Com isso, houve uma grande aglomeraçãode residentes de baixa renda (inclusive de muitos imigrantes) em enclaves isolados e onde jávivia uma população mais abastada [...]” (Levy, 2005, p. 54).

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com que os usuários transitem entre os vários modos de transporte regionaiscom base no pagamento de uma só tarifa e usando um cartão tarifário59. Suaabrangência de atuação ultrapassa a área da GTA, estendendo-se até Hamil-ton, uma cidade situada a sudoeste de Toronto.

As funções previstas para a GTTA são, basicamente, as de: promover aintegração tarifária com base no uso de um único cartão, administrar o sistemaGO Transit, ocupar-se do planejamento dos sistemas de transporte público,coordenar as tarifas e os serviços de transporte prestados em nível municipal eregional e preparar um plano anual de investimentos para o setor de transportes(Governement of Ontario, [s.d.]). Persistem, entretanto, as dúvidas quanto àsua real capacidade de assumir tais encargos, na medida em que a GTTA nãorecebeu os poderes amplos de que necessitaria para enfrentar o desafio deexercer a coordenação de todos os sistemas de transporte da aglomeração.60

Da mesma forma, para propor soluções de natureza mais ampla e que semostrem capazes de oferecer alternativas para enfrentar o grave problemados congestionamentos na região, seria também preciso que a agência tives-se condições efetivas de influenciar as decisões no campo das inter-relaçõesentre sistema de transporte e uso do solo. Ora, isso é algo muito improvávelde acontecer no presente modelo da GTTA, na medida em que os parâmetroslegais que foram definidos a condicionam a se ajustar aos planos oficiais decada municipalidade. Ainda outro elemento limitador reside na nãoespecificação das fontes de recursos com que a agência poderá trabalhar,tendo a lei de criação facultado-lhe a prerrogativa de contrair empréstimos,sem detalhar como os mesmos devem ser ressarcidos (Chamber of Commerce-Ontario, 2006, p. 2 e 5).

2.9 A cidade de Toronto e o futuro da GTA

Uma opinião bastante generalizada, na atualidade, a respeito damegacidade de Toronto é a de ela que representa uma alternativa ineficiente,no sentido de que seu governo é grande demais para ser capaz de responderàs necessidades locais, ao mesmo tempo em que se revela muito pequenopara enfrentar os imensos desafios socioeconômicos colocados pela Grande

59 “O cartão tarifário deve funcionar de modo similar a um cartão de crédito ou telefônico. Osusuários procederão à sua leitura ao entrar e ao sair do sistema de transporte público, com ocálculo da distância viajada, a identificação dos modos utilizados e o preço a pagar sendodeterminados pelo sistema tarifário da GTTA. O total calculado será abatido dos créditos docartão, e o mesmo poderá ser recarregado nos guichês das estações ferroviárias e de ônibus,em lojas e em postos de venda, por telefone e pela internet.” (Government of Ontario, [s.d.]).

60 “Não há nenhum mecanismo, na atual legislação, que habilite a GTTA a tratar a questão dasprioridades entre os vários sistemas de transporte público que competem entre si. A GTTAconta apenas com seu ‘poder de persuasão’ [...] Está claramente especificado que a GTTAtem poderes para administrar, operar e financiar qualquer sistema de transporte público localou outro serviço de transporte dentro (ou fora) da área regional de transporte, desde que ofaça de comum acordo com as municipalidades servidas pelo referido sistema ou serviço.”(Chamber of Commerce-Ontario, 2006, p. 3).

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Toronto.61 Este último aspecto remete a questões de âmbito regional, como asreferentes às complicadas inter-relações entre planejamento do uso do solo esistemas de transporte, as quais se dão em um território que, manifestamen-te, excede os limites da Cidade de Toronto.

Entre as grandes temáticas identificadas, e para as quais o atual modelo degestão não traz soluções, estão arroladas as dos recorrentes congestionamen-tos verificados no sistema viário, a da carência de recursos para aplicação emprogramas de bem-estar social, a dos elevados custos associados à prestaçãodos serviços urbanos e à da conseqüente necessidade de manter as tarifas emníveis elevados (Robinson; Schwartz, 2000). As perdas de recursos decorrentesdo corte das transferências provinciais e o repasse de novos encargos represen-taram, efetivamente, uma combinação altamente nociva para as finanças da Ci-dade, a qual não foi capaz, entre outras coisas, de investir na ampliação doestoque de moradias públicas ou de modernizar o sistema de transporte público.

Na verdade, a atual estrutura/modelo de governança não é vista comouma alternativa viável no longo prazo, ainda mais considerando as atuais con-dições de “saúde” financeira que a acompanha.

Melhorar a capacidade fiscal de Toronto constitui um objetivoadequado no longo prazo. Todavia, a manutenção do statusquo em matéria de governança de pouco servirá para dissipara impressão e as preocupações existentes de que a Cidade éincapaz de fazer frente não só aos atuais desafios, mas deassumir outros. Assim sendo, para realizar a transição de To-ronto para um novo modelo de finanças públicas, há necessi-dade de transformar a atual estrutura de governança, de modoque esta tenha uma correspondência no nível da capacidadefiscal existente e que responda às necessidades do sexto maiorgoverno do Canadá. Tal mudança precisará estar centradatanto nos aspectos básicos do modelo de governança da ci-dade como em seu processo de tomada de decisões. (TheToronto Board of Trade, 2002, p. 21).62

61 “Foi criado um governo que é, ao mesmo tempo, muito grande e muito pequeno. Considera-seque a megacidade é muito grande, na medida em que forma, em função da área abrangida e nostermos da experiência canadense, um governo na escala regional e não um governo local capazde se ocupar das minúcias de um quotidiano urbano. E é muito pequeno, porque a região queestá exigindo os cuidados de uma abordagem coordenada pressupõe, na verdade, o recorteterritorial da GTA ou de alguma aproximação espacial da mesma.” (Milroy, 1999, p. 6).

62 “A estrutura de governo de nossa preferência para a região de Toronto [...] remete a um gover-no regional com dois níveis, escolhido via eleições. O nível superior poderia abranger toda aGTA ou estar circunscrito à sua parte mais urbanizada (atual e futura). Conforme as recomen-dações feitas tanto pelo GTA Task Force como pelo Who Does What Panel, haveria a neces-sidade de realizar algumas fusões no nível inferior, de forma a assegurar que as municipalida-des sejam viáveis em termos financeiros e capazes de prestar eficientemente seus serviços.Além das atuais fontes de receitas disponíveis em nível municipal, a agência regional deveriapoder beneficiar-se dos tributos incidindo sobre os combustíveis e a hotelaria [...] Os níveisinferiores continuariam a apropriar-se do imposto sobre as propriedades, das taxas sobre osserviços e de outras fontes de receitas locais já existentes.” (Slack; Bourne; Gertler, 2003).

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3 A CIDADE DE MONTREAL E ACOMUNIDADE METROPOLITANA

DE MONTREAL(COMMUNAUTÉ MÉTROPOLITAINE

DE MONTRÉAL – CMM)

3.1 A Província de Quebec

Quebec forma a maior província canadense em superfície, só perden-do para o Território de Nunavut. Com seus 1.542.056km2, ocupa 15,44% daárea total do País. Mantém fronteiras terrestres com as Províncias de Ontário,New Brunswick e Newfoundland e com quatro estados dos Estados Unidos,quais sejam, Maine, New Hampshire, Vermont e Nova Iorque.

É também a segunda província mais populosa, tendo o censo de 2006contabilizado ali a presença de 7.546.131 residentes, o equivalente a 23,87%do total de habitantes. Sua variação populacional ao longo do período 1991-06 foi bastante fraca, com a população crescendo a uma taxa menor do que ado Canadá: 0,60% a.a. e 0,98% a.a. respectivamente. No período mais recen-te (2001 a 2006), a dinâmica demográfica recebeu um pequeno impulso, coma taxa anual passando a ser de 0,84%, basicamente em decorrência de ummaior afluxo de imigrantes internacionais e das menores perdas registradasnas trocas migratórias com outras províncias.

É um território de ocupação muito rarefeita, com uma densidade da or-dem de 4,89 hab/km2, devendo ser ressaltado que a maior parte da populaçãoestá concentrada ao sul, no vale do rio Saint Lawrence. É ali que estão situa-das Quebec City, a capital administrativa da Província, e Montreal, sua maiorcidade, sendo de 275km a distância existente entre os dois centros urbanos ede meros 72km a que separa Montreal da fronteira com o País vizinho.

É também uma das regiões agrícolas por excelência do Canadá, comseus solos férteis servindo à produção de uma ampla variedade de frutas e devegetais e à criação de gado. Deve ser observado que Quebec contribui comcerca de 13% da produção agrícola canadense.

As regiões central e norte da Província, por outro lado, são escassamen-te ocupadas. A região norte, em especial, destaca-se por sua dotação excep-cional de recursos naturais e pela profusão de lagos, rios e florestas coníferas.

Os setores industriais de maior peso no âmbito da Província são omanufatureiro, o de geração de energia elétrica e o de mineração. O setormanufatureiro é, de fato, extremamente importante em Quebec e representaum quarto da manufatura canadense. Apenas cinco grupos de indústrias res-pondem por 65% de todos os estabelecimentos fabris e por mais de 50% dosempregos manufatureiros: têxtil e vestuário, produtos alimentares e bebidas,

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produtos metalúrgicos, papel e papelão e madeira e seus derivados63. É tam-bém o maior produtor de eletricidade do Canadá, respondendo por 30% daenergia gerada (The Canadian Encyclopedia, 2007).

Quebec, antigamente chamado de Canadá e ocupando, então, um ter-ritório muito maior, fazia parte do império francês até a Guerra dos Sete Anos,quando foi conquistado pelas tropas inglesas. A passagem formal da colôniafrancesa na América do Norte para o domínio inglês deu-se em 1763, com aassinatura do Tratado de Paris.

Mapa 5A Província de Quebec

63 “A indústria de papel e papelão de Quebec integra o grupo dos 10 maiores produtores mundi-ais e é a segunda maior exportadora de papel de imprensa do Canadá. Mais de 23.000 traba-lhadores estão empregados no setor e produzem cerca de 42% de todo o papel fabricado noPaís. Madeira, polpa de papel e papel de imprensa formam 20% das exportações de Quebec,80% das quais são direcionadas aos Estados Unidos.” (The Canadian Encyclopedia, 2007).

FONTE: Disponível em:<http://atlas.nrcan.gc.ca>. Acesso em: 20 mar. 2008.

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3.1.1 O movimento separatista de Quebec

A vida política no Quebec foi dominada pelos conservadores entre 1944e 1960, os quais contaram, para tanto, com o forte apoio da Igreja Católica. Nacontinuidade, os liberais ascenderam ao poder e promoveram a chamada QuiteRevolution. Essa é uma designação que se aplica a um período de grandesmudanças na vida social e política, com o fim da soberania anglo-saxônica nocenário econômico, a nacionalização das hidrelétricas (criação da Hydro-Québec), a perda de influência da Igreja Católica e o surgimento do movimen-to buscando a soberania de Quebec, sob a liderança de René Lévesque.

Lévesque e seu Partido Québecois (PQ) participaram das eleições de1970 e 1973, com um programa eleitoral que se propunha a separar Quebecdo restante do Canadá. Em ambas as ocasiões, não conseguiram formar umamaioria na Assembléia Provincial, condição indispensável para fazer avançaro projeto. Tirando as lições dos insucessos registrados, o discurso separatistafoi abrandado, passando a falar-se de associação soberana e não mais deseparação total. Nos novos termos da proposta, Quebec passaria a gozar deindependência na maior parte dos assuntos de natureza governamental, masseguiria atrelado à Federação em outros domínios, como, por exemplo, aocontinuar usando a mesma moeda. Em 1976, Lévesque e seu partido toma-ram o poder na província e, em 1980, colocaram formalmente a questão dasoberania no centro dos debates, mediante a realização de um referendo. Naocasião, o plano para uma Província de Quebec independente foi rejeitadopor 60% dos eleitores.64 (Wikipedia, 2007c).

O PQ voltou ao poder em 1981, e, no ano seguinte, a Assembléia deQuebec recusou-se a assinar o Ato Institucional de 1982, pelo qual foramintroduzidas emendas na Constituição do Canadá. Segundo o teor de umaparte das mesmas, Quebec passava a ser reconhecida pelo Parlamento Nacio-nal como formando uma “sociedade diferenciada”65, por conta de sua língua ecultura, sendo-lhe também concedido o poder de veto em emendas constitu-cionais. Tais mudanças foram consideradas como insuficientes pelosindependentistas, posto que não iriam ao fundo do problema. Mesmo semcontar com a assinatura das autoridades de Quebec no documento, a novaConstituição foi aprovada pelo Parlamento do Reino Unido e entrou em vigor.

Em 1994, o PQ conquistou mais uma vez o governo e, em 1995, realizounovo referendo sobre a questão da soberania. Dessa vez, a medida foi rejeita-da por escassa margem (50,6% apoiaram o não, e 49,4%, o sim), com a

64 “As pesquisas demonstraram que a maioria dos québecois de origem inglesa e os imigrantesvotaram contra, enquanto os de origem francesa dividiram-se meio a meio, com os mais ve-lhos mostrando-se menos inclinados a votar pelo sim, e os mais jovens declarando-se maisfavoráveis.” (Wikipedia, 2007c).

65 “Para muitos canadenses, Quebec é simplesmente uma das 10 províncias do País. Mesmoassim, são poucos os que se atrevem a negar o fato de que ela não constitui uma provínciacomo as demais. Quebec acumula 380 anos de história, ao longo dos quais a língua, a religiãoe a política moldaram uma sociedade que é única na América do Norte.” (The CanadianEncyclopedia, 2007).

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66 “O rio Saint Lawrence [...] facilita a penetração no vasto continente norte-americano, estenden-do-se do Oceano Atlântico até os Grandes Lagos, onde, a 3.000km no interior das terras, estásua nascente. Na altura da Cidade de Montreal, as corredeiras Lachine impediam a navega-ção rio acima. Isso haveria de fazer a fortuna da Cidade durante cerca de dois séculos, asse-gurando-lhe a condição de portal de entrada de um vasto território.” (Germain, 1997).

67 “O rio Saint Lawrence sempre colocou problemas à navegação, em especial à montante, nasproximidades da ilha de Montreal e das Rapides de Lachine. Os franceses foram os primei-ros a ali construírem um canal. Depois vieram os ingleses [...] que implantaram um canalmais largo. A conclusão desse projeto em 1824 — que ficou conhecido pelo nome de CanalLachine — não evitou, todavia, que Nova Iorque se tornasse a principal porta de entrada daAmérica do Norte, sobretudo após a abertura do Canal Erie em 1825. O sistema de canaisfoi sendo constantemente aprimorado entre 1824 e 1954, até ser inaugurado o Saint LawrenceSeaway neste último ano. Conforme alguns observadores previam [...] a ligação direta entreos Grandes Lagos e o Atlântico passou a desviar carga do porto de Montreal, sendo vista pormuitos como uma das razões principais do declínio econômico que marcou a Cidade a partirdos anos 60.” (The Canadian Encyclopedia, 2007).

maioria dos québecois de origem francesa votando a favor da proposta deassociação soberana.

Na seqüência, o programa separatista foi fortemente abalado por doiseventos. O primeiro estava relacionado a uma decisão, de 1998, da SupremaCorte do Canadá, pela qual Quebec ficava impedido de, por iniciativa própria,fazer secessão; e o segundo decorreu do fato de o Partido Québecois terperdido a maioria — e, portanto, o poder — nas eleições realizadas no mesmoano. Depois disso, a proposta perdeu força, a ponto de sondagens realizadasem 1999 revelarem que apenas 4% dos eleitores continuavam se declarandofavoráveis ao movimento secessionista (Easy Expat Montréal, 2003).

3.2 A Cidade de Montreal

A Cidade de Montreal fica na parte sudoeste da Província de Quebec,ocupando a ilha situada na confluência dos rios Saint Lawrence e Ottawa.Trata-se da ilha de Montreal, a maior entre as muitas ilhas e ilhotas que for-mam o arquipélago de Hochelaga e que se estende sobre uma superfície de499,2km2 (Ville de Montréal, 2007a).

Montreal está localizada em uma ampla e fértil planície, que conta com umimpressionante sistema lacustre (três lagos) e fluvial (cinco rios). A Cidade deveseu surgimento e desenvolvimento precisamente à posição estratégica que ocu-pa no centro desse vasto sistema hidrográfico, que banha toda a porção leste docontinente norte-americano. Na parte sul da ilha, a presença de turbulentascorredeiras — conhecidas como as Rapides de Lachine — atuou tradicional-mente como uma barreira à navegação no rio Saint Lawrence, impedindo o pros-seguimento da viagem rio acima.66 Foi só com a construção do Canal Lachine,no século XIX, e, mais tarde, com a abertura do Saint Lawrence Seaway, nosanos 50 do século passado, que se tornou possível contornar as limitações físi-cas naturais da região, pelo uso do sistema de canais, que possibilita aos naviosprocedentes do Oceano Atlântico o ingresso nos Grandes Lagos.67

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Montreal é umas das cidades mais antigas da América do Norte, tendo sidofundada pelos franceses em 1642. Na ocasião, foi criada como um projeto mis-sionário, sendo obra dos membros da Sociedade Nossa Senhora de Montrealpara a Conversão dos Ameríndios da Nova França. Os interesses comerciaisdos colonizadores impuseram-se rapidamente, e o núcleo passou a desenvol-ver-se como um entreposto colonial voltado à comercialização de peles e demadeira. Permaneceria durante longo tempo, todavia, como um centro urbanode pouco significado, uma situação que perdurou até a conquista da Nova Fran-ça pelos exércitos da Grã-Bretanha em 1760 (Germain, 1997).

Mapa 6A Cidade de Montreal

FONTE: Disponível em: <http://www.mapsofworld.com>. Acesso em: 03 jan. 2008.

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Foi a intensificação dos movimentos de migração, nos anos seguintes,que proveu o impulso necessário à expansão demográfica da Cidade, com osingleses e seus descendentes tornando-se o grupo majoritário por volta de1830, uma condição que manteriam até 1865. Daí em diante, os residentes deorigem francesa retomaram a primazia numérica para não mais a perderem.Esses foram anos marcados por numerosos confrontos e revoltas, colocandofrente a frente ingleses e franceses. Os patriotas franceses acabaram levandoa pior na disputa pelo poder e, após 1840, precisaram acomodar-se a umcontexto que refletia a vitória política dos residentes anglófonos (The CanadianEncyclopedia, 2007).

Ao lado dos canadenses de origem inglesa e francesa, foram-se estabe-lecendo levas de escoceses, irlandeses e norte-americanos, formando essametrópole de muitas culturas, que tem na sua condição de cidade bilíngüe umdos traços mais peculiares. A clivagem lingüística teria sua contrapartida noâmbito do território.

Desde o início, a proximidade intercultural tomaria a forma deuma segmentação geográfica e institucional. Os anglófonosestavam majoritariamente localizados a oeste do boulevardSaint-Laurent, enquanto os francófonos se posicionavam, emsua maioria, à sua esquerda. As igrejas e os templos polari-zavam territórios separados. (Germain, 1997).

FONTE: Disponível em: <http://www.dam.brown.edu>. Acesso em: 03 jan. 2008.

Figura 2Vista do centro de negócios de Montreal

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O desenvolvimento de Montreal e de seus subúrbios deu-se de formarápida entre 1850 e 1914, com a população já chegando a meio milhão dehabitantes ao final do período. As fronteiras da Cidade foram sendo progressi-vamente ultrapassadas, e os subúrbios acabaram envolvidos nesse movimento,conforme dão conta as 23 anexações de centros urbanos da periferia ocorri-das entre 1883 e 1918. O fortalecimento do parque industrial local e o aumen-to da oferta de empregos que se seguiu atuaram no sentido de incentivar osmoradores do campo a buscarem as benesses da vida urbana. Nessa oca-sião, os fluxos migratórios direcionados a Montreal eram basicamente consti-tuídos por indivíduos de ascendência francófona, o que fez a balançademográfica pender em definitivo para o lado dos canadenses franceses.

Uma outra fase de intenso dinamismo seguiu-se ao final da Primeira GuerraMundial, com o fortalecimento das atividades industriais e do movimento quefez crescer as finanças, o comércio e os transportes em âmbito local. A crisede 1929 e a Grande Depressão seriam, por sua vez, elementos altamenteperturbadores e impeditivos no cenário econômico e social da região. Aindaassim, por volta de 1931, a Cidade e seus subúrbios já tinham mais de ummilhão de residentes. No entanto, seria preciso esperar pelos impactosdinamizadores provocados pela Segunda Guerra Mundial sobre as atividadesem geral para o reencontro da Cidade com seus indicadores de prosperidade,com reflexos na retomada da produção e no aumento do total de empregos.Essa nova fase de crescimento haveria de atravessar as décadas de 50 a 70,deixando suas marcas tanto no desenvolvimento dos subúrbios como no dacidade central (The Canadian Encyclopedia, 2007).68

As políticas urbanas seguidas nos anos 50 caracterizavam-se pelo laissez-faire. Foi só com a chegada de Jean Drapeauà prefeitura de Montreal, em 1954, que os grandes projetosurbanos fizeram sua aparição. A Exposição Universal de 1957e os vastos programas de infra-estrutura empreendidos emsua gestão (incluindo o metrô), além dos trabalhos associa-dos aos Jogos Olímpicos de 1976, coincidiram com os tem-pos de maior dinamismo da Cidade. Surgiram igualmentenumerosas torres de escritório por volta de 1969, transfor-mando a fisionomia da área central. A metrópole de entãoera, visivelmente, uma cidade aberta aos promotores. Es-sas práticas urbanas levaram à demolição de numerososprédios e fizeram com que desaparecessem elementos fun-damentais do patrimônio urbano. (Dansereau, [s.d.]).

68 “Após a Segunda Guerra Mundial, o processo de suburbanização avançou celeremente para forada ilha de Montreal. É assim que a coroa norte (inclusive a île Jésus) e a coroa sul passaram areunir mais de 27% da população metropolitana em 1971, quando contavam com apenas 15% porocasião do recenseamento de 1951. Essa ocupação urbana foi acompanhada por um aumento dafragmentação municipal, a qual — tal como havia ocorrido quando da passagem para o século XX— se consolidou pela criação de novas comunidades municipais e, principalmente, pela transfor-mação de municipalidades rurais em municipalidades urbanas.” (Collin, 2001, p. 13).

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Nessa época, o projeto modernista de Montreal desenvolvia-se essencial-mente em torno da construção de um centro financeiro, ao estilo dos CentralBusiness Districts (CBDs) encontrados nos Estados Unidos. Promovia-se tam-bém a ampliação das ruas e a abertura de novas avenidas, no conhecido pro-cesso de acomodação forçada do traçado urbano à invasão automobilística.

As infra-estruturas de grande porte surgem no coração deMontreal. São vistas como indispensáveis para viabilizar oacesso aos locais de trabalho, dispersos pelo território metro-politano. Dessa forma, as rodovias e o metrô aparecem, nes-sa nova configuração urbana, como partícipes do bom funcio-namento da Cidade. (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 62).

Foi também a época em que a Cidade descobriu as potencialidades deutilização do subsolo, conforme dá testemunho a inauguração da cidade sub-terrânea em 1962. Essa surgiu como uma alternativa aos rigores e às intem-péries dos invernos de Montreal, quando as baixas temperaturas69, as abun-

FONTE: Disponível em: <http://www.arikah.net>. Acesso em: 03 jan. 2008.

Figura 3Montreal em um dia de inverno

69 A temperatura média no mês de janeiro é de -10,4oC, tendo o recorde negativo sido atingidoem 15 de janeiro de 1957, quando os termômetros alcançaram -37,8oC (Ville de Montréal,2007a).

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dantes e regulares nevascas e os fortes ventos tornam problemático o quoti-diano das atividades humanas a céu aberto. Assim, no decurso de um invernotípico, costumam cair cerca de 2,14m de neve, o que explica os altos custosincorridos pela administração pública com os trabalhos de retirada desse ma-terial das ruas e sua acomodação em outros locais.

A cidade no subsolo foi a saída que Montreal encontrou (a exemplo deToronto) para contornar o problema do frio extremo de seus invernos e docalor úmido de seus verões. Com o êxito do empreendimento, foram sendoconstruídos outros espaços subterrâneos ao longo dos anos, formando umvasto complexo, que abriga cerca de 31,5km de passagens, de praças e decaminhos climatizados e que dão acesso às principais instalações e constru-ções do centro urbano, sem a necessidade de expor-se ao clima predominan-te ao ar livre. É dessa forma que estão conectados muitos dos grandes maga-zines, edifícios públicos e estações de metrô da Cidade.70

Figura 4A Montreal subterrânea

70 “É a maneira pela qual estão ligadas 10 estações de metrô, duas estações ferroviárias, duasestações rodoviárias regionais, 62 complexos imobiliários, sete grandes hotéis, 1.615 resi-dências, 200 restaurantes, 37 salas de cinema e de exposição, duas universidades, umcolégio, 10.000 vagas de estacionamento público e 178 saídas dando acesso à rua.” (Villede Montreal, 2007a).

FONTE: Disponível em: http://www.picasaweb.google.com. Acesso em: 03 jan. 2008.

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Ainda que a urbanização tenha tomado conta de um território que se es-tende muito além da ilha de Montreal, o fato é que a cidade central continuatendo um papel decisivo no cenário regional.

Montreal é uma metrópole cuja organização do espa-ço urbano segue basicamente um traçadomonocêntrico, contando com corredores de desenvol-vimento dispostos, grosso modo, no formato de estre-la e sendo que seus braços se cruzam no centro daaglomeração ou para ele convergem [...] Isso se refle-te no peso muito expressivo que a Cidade de Montrealtem no contexto de sua região. De maneira geral, oritmo da desconcentração de empregos deu-se de for-ma mais lenta do que o da população, fazendo comque uma boa parte das ocupações e dos equipamen-tos comerciais continuassem localizados na zona cen-tral da aglomeração. (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p.55).71

Montreal já foi a capital do Canadá e sua mais importante cidade até sersuplantada por Toronto. De fato, constituiu a metrópole econômica númeroum no período entre a metade do século XIX e o fim dos anos 30, mas já nãotinha mais a liderança do setor financeiro ao final da Segunda Guerra Mundiale foi igualmente perdendo a do setor industrial ao longo da década de 50.Teve, assim, de suportar a perda de seu status como a principal metrópole doCanadá e enfrentar as agruras impostas por uma longa fase de reestruturaçãoeconômica.

As fragilidades da economia de Montreal contribuírampara o declínio da Cidade, em especial em função dasvulnerabilidades de seu velho setor industrial, coinciden-temente com o deslocamento do centro de crescimentoregional para a região dos Grandes Lagos e para o oes-te do País. (Fontan et al., 1999, p. 204).

Toronto acabou efetivamente levando a melhor na competição instaura-da entre ambas as metrópoles, sendo que muitos estimam ter sido tal de-senlace influenciado pelo clima de insegurança e de incertezas políticas ins-taurado em Quebec, por conta dos movimentos de autonomia e/ou de inde-pendência e pelo fato de Montreal ter sido declarada uma cidade francó-

71 “A área metropolitana de Montreal está passando por uma fase de descentralização dos em-pregos no sentido do centro para os subúrbios. Mas o núcleo principal, em especial a áreacentral de Montreal, mantém-se como o coração da economia metropolitana, detendo 69% detodos os empregos.” (Communauté Métropolitaine de Montreal, 2005, p. 40).

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fona.72 O fato é que, após ascender ao Governo da Província, o PartidoQuébecois fez aprovar, em 1977, uma legislação que dava primazia ao fran-cês como a língua oficial de Quebec, e nesse idioma deveriam ser realiza-dos os negócios e conduzidas as atividades culturais. Da mesma forma,toda sinalização pública oficial passou a ser feita, prioritariamente, em fran-cês. Tais medidas somaram-se a uma legislação anterior, datada de 1969,que estabelecia a exigência de priorizar uma educação francesa para a mai-or parte das crianças cursando as escolas da Província.

A imposição da cultura e da língua francófonas produziram seus efeitosno sentido de incentivar a migração de numerosos grupos econômicos e resi-dentes de fala inglesa para Toronto e outras províncias do oeste canadense.73

Essa é uma idéia particularmente cara aos “federalistas” de Quebec, que as-sociam as agruras econômicas de Montreal e a perda de posição para Torontoà tomada do poder pelos “independentistas“ na segunda metade do séculoXX. Para estes últimos, no entanto, as causas estariam na abertura da viamarítima representada pelo canal Saint Laurent e em determinadas políticasseguidas na esfera federal, que teriam privilegiado o desenvolvimento da ca-pital de Ontário.

3.3 A população de Montreal e a da Grande Montreal

Com seus 1.620.693 habitantes, Montreal é o centro de um território ex-tremamente dinâmico, que forma a segunda maior área metropolitana do Ca-nadá e que reunia 3.635.600 pessoas em 2006. Isso significa que a Cidadeparticipava com menos da metade (44,58%) da população da Grande Montre-al, enquanto a Aglomeração de Montreal (que engloba todos os residentes dailha de Montreal) representava pouco mais da metade (51,01%). Já a GrandeMontreal, por sua vez, contribuía com quase a metade (48,18%) dos habitan-tes de Quebec.

72 “O Partido Québecois, formado, em 1970, por nacionalistas canadenses de ascendência fran-cesa e sob a liderança de René Lévesque, ganhou o controle do Parlamento da Província deQuebec em 1976. O novo governo desencadeou uma série de reformas de natureza lingüísti-ca e cultural, através das quais foi desencorajado o uso do inglês como língua oficial.” (EasyExpat Montréal, 2003).

73 “A partir de finais da década de 60, Montreal cresceu muito mais lentamente do que nosdecênios precedentes. A ascensão de Toronto como a metrópole inconteste do Canadá le-vou à transferência de centenas de sedes empresariais, em um processo que se aceleroudurante os anos 60 e 70 e que foi alimentado, em boa medida, pelos temores de muitosanglófonos com as mudanças no ambiente político e lingüístico. Essa perda só foi parcial-mente compensada pela vertiginosa expansão das grandes corporações, de propriedade deempresários francófonos, ou daquelas criadas pelo governo de Quebec.” (The CanadianEncyclopedia, 2007).

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Tabela 2

População da Cidade de Montreal, da Aglomeração de Montreal e daGrande Montreal e participação percentual da população da Aglomeração

de Montreal na da Grande Montreal — 1941-2006

ANOS

19411951196119711981199120012006

CIDADE DEMONTREAL(1 000hab.)

903,01 036,51 257,51 214,51 018,61 017,7

(2)1 812,7(3)1 620,7

AGLOMERAÇÃODE MONTREAL

(1 000hab.)(A)

1 116,81 329,21 747,71 959,11 760.11 815,21 812,71 854,4

GRANDEMONTREAL(1)

(1 000hab.) (B)

1 150,01 539,02 216,02 743,02 828,03 209.03 451,03 635,6

PARTICIPAÇÃOPERCENTUAL

(A/B)97,1186,3778,8771,4262,2456,5752,5351,01

FONTE: Statistics Canada (dados censitários); Ville de Montréal, 2007a; Ville de Montréal, 2007d; Demographia, [s.d.] (1) Corresponde à CMA de Montreal. (2) Pós-fusão de municipalidades. (3) “Pós-”desfusão” parcial de municipalidades.

Analisando-se a série evolutiva demográfica da Cidade de Montreal, veri-fica-se que os anos de 1941 a 1961 representaram um período de rápidocrescimento (1,67% a.a.). O ano de 1971 já é revelador do quadro de estag-nação que haveria de se instaurar, com o total da população acusando atéuma pequena perda em relação ao da década anterior, uma situação que seagravaria nas decênios seguintes até 1991. Ainda que o dado de 2001 pareçademonstrar uma recuperação do ponto de vista demográfico, o fato é que osalto então registrado (variação de 78,12% entre 1991 e 2001) é, basicamen-te, o resultado de um mera alteração de fronteiras administrativas. Ou seja, aterritorialidade da Montreal de 1991 não é a mesma daquela de 2001, porobra das fusões então realizadas e que incorporaram área e população àCidade. Uma observação da mesma ordem deve ser feita em relação ao dadode 2006, só que atuando em sentido inverso. Com efeito, a variação negativade 10,59%, que afetou a população entre 2001 e 2006, é uma decorrência doprocesso de “desfusão” envolvendo 15 das municipalidades da ilha de Mon-treal que haviam sido incorporadas durante a reforma municipal de 2001. Istoé, explica-se, mais uma vez, por alteração da territorialidade de Montreal, queredundou em perdas de área e de residentes anteriormente alocados na Ci-dade. A população das 15 municipalidades reconstituídas era de 233.749 pes-

brinco
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soas em 2006, o que significa dizer que a Aglomeração de Montreal — ouseja, considerando-se a ilha de Montreal em sua totalidade — tinha, então,1.854.442 residentes.

O fato é que a evolução demográfica de Montreal tem sido marcada porum fraco dinamismo, ainda mais se comparado ao comportamento de outrasmetrópoles canadenses. Essa é uma situação que decorre de uma baixa edeclinante taxa de fecundidade natural (que diminuiu pela metade nos últimos40 anos) — e está associada a uma população que vem envelhecendo rapi-damente —, algo só parcialmente compensado pelo concurso dos fluxos mi-gratórios internacionais, que respondem por mais da metade do crescimentopopulacional da área. O problema é que estes últimos vinham se mantendoem patamares relativamente baixos e estavam até declinando, tendo apenasvoltado a crescer nos anos mais recentes (OECD Observer, 2004, p. 53).

Não obstante, continua sendo uma característica da área metropolitanade Montreal a de contar com um núcleo principal de grande porte, que temuma presença regional muito expressiva. Ou seja, a população ainda estámuito concentrada na parte central da ilha de Montreal, onde se encontram asmaiores densidades populacionais. Vê-se que, efetivamente, a Cidade deMontreal é predominante no contexto da área metropolitana, com os dois cen-tros urbanos seguintes em tamanho populacional sendo Laval (368.700 habi-tantes) e Longueuil (229.300 habitantes). Os três juntos formavam 61,03% dapopulação da área metropolitana em 2006, sendo as demais municipalidadesde pequeno porte, e a maioria tendo menos de 15.000 residentes.

É claro que, como o dinamismo demográfico da aglomeração de Mon-treal é claramente inferior ao do restante do território metropolitano, são expli-cáveis as perdas de participação registradas ao longo do processo. Assim, de1971 a 2006, o peso relativo da Aglomeração passou de 71,42% para 51,01%,ainda que deva ser chamada atenção para a atenuação desse movimento noperíodo mais recente, com a situação tendendo para uma certa estabilizaçãoda sua participação no contexto populacional metropolitano.

3.3.1 O papel dos fluxos migratórios

O crescimento demográfico de Montreal e de sua região muito deve aosimigrantes, seja os de origem interna, seja os de procedência externa. Nopassado, os períodos de mais rápida expansão populacional coincidiram comos grandes movimentos de migração doméstica, tanto de canadenses de ori-gem inglesa, que abandonaram o meio rural e vieram para a Cidade, como decanadenses franceses, que chegaram em número ainda superior.

No caso da imigração internacional, esta foi basicamente constituída, atéos anos 70, por antigos residentes de países europeus. Assim, em 1961 erelativamente a Quebec como um todo, os imigrantes nascidos na Europatotalizavam 83% da população de origem estrangeira, participação essa que,com a mudança do perfil migratório, já caíra para 48,6% 30 anos depois(Germain, 1997).

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Os anos 70 constituíram, para o Canadá e outros paísesmarcados por grandes levas migratórias, um período de gran-des transformações na composição das mesmas, domina-das, daí para diante, por naturais de países não europeus epelo ingresso de um grande número de pessoas origináriasde países em desenvolvimento. Quebec não foi exceção àregra, ainda que o Governo Provincial tenha procurado fa-vorecer a imigração procedente de países com um passadocolonial francês (Vietnã, Haiti, países do norte da África e doExtremo Oriente) e de cultura latina (América do Sul e Cen-tral), buscando, assim, criar condições facilitadoras daintegração dos recém-chegados à cultura francófona. Des-de o final dos anos 80, a imigração proveniente do LesteAsiático assumiu grande relevância, alimentada pela passa-gem de Hong Kong ao controle da China em 1997, bemcomo em função da prioridade acordada — no Canadá eem Quebec — às políticas imigratórias beneficiando os es-trangeiros que chegam ao País com condições financeiraspara abrir seus próprios negócios. (Germain, 1997).74

A Cidade de Montreal acolheu, sozinha, 70% dos imigrantes de Quebecem 2001, sendo que os mesmos formavam, então, 28% de seus residentes e18% no caso da população metropolitana. Foram as zonas mais centrais daCidade que receberam as levas principais de imigrantes, o que elevou a pre-sença relativa dos grupos populacionais mais jovens nesse território (Fondationdu Grand Montréal, 2006). Tal observação deve ser, entretanto, nuançada, deforma a melhor refletir a situação criada em anos mais recentes, com a cres-cente preferência registrada em favor de outras regiões de Quebec como des-tino dos imigrantes. Deve ser salientado que essa é uma circunstância quetambém denota, em uma certa medida, os esforços realizados pelo GovernoProvincial no sentido de encorajar a instalação dos recém-chegados fora dazona de Montreal. Para tanto, têm sido repassados recursos financeiros àsmunicipalidades das regiões para onde se desejam direcionar os fluxos, sen-do que Montreal — ainda que continue efetivamente acolhendo um grandenúmero de imigrantes — resulta, é óbvio, prejudicada por esse critério departilha das transferências governamentais.

De qualquer forma, é preciso ter presente que o volume de fluxos imigratóriosaqui registrados é bem menos significativo do que os que vêm contribuindopara o crescimento demográfico de outras áreas do Canadá, o que caracterizaMontreal como um pólo de atração secundário para os imigrantes internacio-

74 “Os imigrantes que viviam em Quebec (ou seja, sobretudo em Montreal) tinham um perfilsocioeconômico superior ao dos canadenses nativos, considerando-se status na profissão,nível educacional, emprego e renda. Um estudo de Gary Caldwell mostra que, já em 1981, arenda pessoal média dos imigrantes excedia a dos francófonos nascidos em Quebec, da mes-ma forma que os mesmos tinham maior sucesso sociocupacional, mesmo que um terço delesestivesse residindo no Canadá há menos de 10 anos.” (Germain, 1997).

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nais. Isso fica bem evidenciado, ao considerar-se que, entre 1994 e 1999, aCidade recebeu quatro vezes menos estrangeiros do que Toronto e duas vezesmenos do que Vancouver (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 70).

3.3.2 Montreal, uma cidade bilíngüe

Montreal apresenta-se como a segunda maior cidade francófona do mun-do, ainda que Kinshasa e Abidjan (capitais da República Democrática do Congoe da Costa do Marfim respectivamente) — ambas metrópoles de ex-colôniasfrancesas — tenham uma população superior. Na verdade, Montreal é,declaradamente, uma cidade francófona, devendo ser também lembrado que ofrancês é uma das duas línguas oficiais do Canadá. O fato é que, em 1977, oPartido Québecois fez aprovar o Estatuto da Língua Francesa (Bill 101), peloqual o francês passou a ser a língua oficial de Quebec no trato dos assuntos decompetência governamental da Província. No caso das municipalidades quedesejam funcionar de forma bilíngüe, esse é um direito concedido apenas nocaso de a metade de seus residentes terem origem anglófona.

De qualquer forma, a oferta de serviços públicos em inglês não é obriga-tória, ficando na dependência da boa vontade do administrador. Isso está naorigem das recorrentes reclamações que as municipalidades anglófonas en-dereçam ao Conselho da Aglomeração de Montreal — um organismo que seocupa de toda a região metropolitana —, tendo em conta que os serviçosprestados não têm, na maioria das vezes, um caráter bilíngüe. Assinalam queo francês é a língua predominante nas comunicações, documentos, reuniõesde trabalho e audiências públicas realizadas, em detrimento do inglês, quan-do uma parte da população prefere ou se sente mais à vontade falando esteúltimo idioma. No caso, como Montreal se vangloria de ser uma cidade bilín-güe, argumentam que seus residentes têm a justa expectativa de serem aten-didos na língua de sua preferência (Clément, 2006).

A maior parte dos habitantes de Montreal têm, pelo menos, conhecimen-tos práticos das duas línguas principais ali faladas e, no caso dos alófonos75,estes costumam adotar uma das duas como sua segunda língua. Vê-se, as-sim, que cerca de 53% dos indivíduos que vivem na Cidade de Montreal sãobilíngües em francês e inglês, 29% falam apenas o francês, e 13%, só o in-glês, estando estes últimos radicados, basicamente, na porção oeste da ilha deMontreal. Na verdade, conforme os dados do censo de 2001, a cidade contavacom uma maioria francófona (53%) e expressivas comunidades anglófonas (18%)e alófonas (29%). Os mesmos dados para a área metropolitana indicavam umaparticipação relativa ainda maior dos que têm o francês como língua materna(68,8%), sendo de 12,3% os que se declaravam de língua e cultura inglesas ede 18,9% os que não tinham nem o francês, nem o inglês como sua língua deberço (Un photographe à Montréal, [s.d.]; Ebabylone, [s.d.])

75 Diz-se dos indivíduos cuja língua materna não é a das comunidades onde residem.

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Não é surpreendente, portanto, que um dos mais sérios problemas afe-tando o futuro desse território — que pretende “[...] mobilizar recursos e cons-truir alianças e associações nos planos social, econômico e político, de formaa fortalecer a visibilidade da Grande Montreal no cenário mundial” (Collin;Dagenais; Poitras, 2003) — seja o de padecer das agruras de uma identidadefragmentada. Os reflexos dessa situação aparecem nitidamente nas inúme-ras reivindicações pela preservação das especificidades lingüísticas, sociaise culturais dos habitantes dessa metrópole, bem como de suas instituições.Este último aspecto, aliás, ficou perfeitamente explicitado na feroz oposiçãomanifestada pelas localidades de subúrbio, quando do processo de integraçãoforçada à Cidade de Montreal em 2001.

No decorrer dos últimos 20 anos, a região de Montreal temestado dividida entre suas múltiplas identidades. Represen-tantes eleitos dos subúrbios e residentes de fora da ilha deMontreal têm defendido uma identidade social e cultural di-ferenciada, sob o argumento de que seu estilo de vida e asrealizações de suas comunidades os separam das dos ha-bitantes de Montreal. Assim, os prefeitos da margem norteafirmaram, em 2000, que seu território estava localizado naárea suburbana da Grande Montreal, mas não em sua áreaurbana, tornando-o algo completamente separado do pro-cesso urbano da Cidade. (Collin; Dagenais; Poitras, 2003).

3.4 Estrutura e dinâmica socioeconômica de Montreal

O epíteto usualmente associado a Montreal e sua área metropolitana é ode constituírem o motor econômico do Quebec, o que, aliás, fica facilmentecomprovado ao se examinarem alguns indicadores básicos. Assim, em 2003,a região ocupava um contingente de 1,8 milhão de pessoas, o que equivaliaa 49% de total de empregos da província, sendo que Montreal, sozinha, res-pondia por 68% dos ocupados da área metropolitana.76 Esta última represen-tava também 52% do valor adicionado da manufatura no Quebec, 70% desuas plantas industriais de alta tecnologia, 55% das exportações dirigidas aoexterior e 90% dos seus gastos totais com pesquisa e desenvolvimento(Communauté Métropolitaine de Montréal, 2005, p. 33). Sua significância eco-nômica evidencia-se igualmente quando considerado o País como um todo,bastando dizer que, em 2002, a área metropolitana de Montreal tinha uma

76 “Observe-se que essa participação era de mais de 85% em 1971, o que revela — não obstanteo papel ainda preponderante desempenhado por Montreal na criação dos empregos metropo-litanos — o relativo processo de esvaziamento que afetou a Cidade. Esse movimento coinci-diu com o longo processo de reestruturação industrial e a preferência pela abertura dos novosempregos na periferia. A situação, nesse aspecto, mostra-se, há já algum tempo, relativamen-te estabilizada, indicando que um novo equilíbrio teria sido atingido.” (Ville de Montréal, [s.d.]b).

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participação de 9,8% no PIB canadense, enquanto a Cidade de Montrealcontribuía com 70% do PIB da sua área metropolitana (OECD Observer, 2003,p. 2; Ville de Montréal, [s.d.]b). É claro que, não obstante sua posição econô-mica predominante, o fato de a Cidade não ser a capital administrativa daProvíncia, tende naturalmente a enfraquecer sua influência política.

Montreal também destaca-se por ter o principal porto do Canadá – umponto de transbordo privilegiado para os bens manufaturados e bens de capi-tal, petróleo e para os grãos em geral –, o qual garante a ligação com osgrandes centros industriais da região dos Grandes Lagos. É igualmente umimportante nó da rede ferroviária canadense e conta com dois aeroportos deporte internacional.

Não obstante Montreal constituir uma economia altamente diversificada,com um setor industrial há muito tempo consolidado, a preponderância incon-testável é a do setor Terciário. Este contribui, efetivamente, com 84% dosempregos totais, enquanto os postos da Indústria respondem por apenas 14%do mercado de trabalho (Dansereau, [s.d.]). Montreal é, efetivamente, um centrode serviços excepcional, com destaque para o seu setor financeiro. É ali queestão concentradas as sedes de muitos grandes bancos, das instituições fi-nanceiras e das companhias de seguros, dos bancos de investimento e dasfirmas de corretagem. Além disso, é usual que empresas sediadas em Torontomantenham um escritório em Montreal, com vistas a atender a região leste dopaís. Há igualmente um grande número de empresas atuando na área dostransportes e das comunicações.

É, da mesma forma, um grande centro produtor de filmes e de programaspara televisão, constituindo uma opção muito concorrida para a realizaçãodas filmagens. É sede de diversos festivais de cinema e de música, que con-tribuem para dinamizar sua economia, sendo também o local onde surgiu oCirque du Soleil, uma das maiores e mais conhecidas empresas de entreteni-mento do mundo.

Já em termos da indústria local, os gêneros do têxtil e do vestuário têmgrande expressividade, ainda que venham perdendo terreno, seguindo-se osde alimentação, bebidas e tabaco. São igualmente representativos, na estru-tura manufatureira local, os segmentos associados à indústria química e aosderivados do petróleo.

Uma observação pertinente no cenário metropolitano é a da perda de im-portância relativa da base manufatureira tradicional. Ao mesmo tempo, comocontraponto, destaca-se o comportamento altamente dinâmico que tem marca-do, desde o início dos anos 90, a evolução de segmentos modernos, como aindústria aeroespacial77 (quarta maior produtora mundial), as telecomunicações,

77 “A maior parte da produção da indústria aeronáutica canadense é realizada no território da Mon-treal metropolitana por empresas como a Bombardier Canadair, Pratt & Whitney Canada, BellHelicopter, CAE e por um grande número de pequenas firmas [...] A posição estratégica deMontreal e o know-how local acumulado na área do transporte e da aeronáutica contribuíramtambém para que organizações internacionais, como a International Civil Aviation Organization ea International Air Transport Association, ali se instalassem.” (The Canadian Encyclopedia, 2007).

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a farmacêutica, a eletrônica, a biotecnologia e a informática. O grande númerode centros e laboratórios de pesquisa operando em áreas avançadas da econo-mia do saber – resultado dos investimentos realizados em P&D pelas grandescompanhias –, tem certamente muito a ver com os sucessos alcançados poresse modelo assentado nas novas tecnologias. Ou seja, tal como ocorreu emoutras grandes metrópoles da América do Norte, houve aqui uma profunda mu-dança da estrutura econômica, com uma clara reconversão de atividades paraos setores de tecnologia avançada. Veja-se assim que, em 2001, os empregosnesses setores já formavam mais de 24% do total de ocupados no setormanufatureiro, uma expansão muito significativa se considerados os 11% departicipação verificados em 1981 (Ville de Montréal, [s.d.]b). Uma transformaçãodesse porte afetando a estrutura produtiva somente poderia ser levada avante,todavia, com muitos sacrifícios e numerosas baixas.78 Assim, enquanto amunicipalidade de Montreal perdia população e enfrentava o problema da explo-são das taxas de desemprego, as municipalidades da periferia da área metropo-litana cresciam acolhendo as novas residências da classe média, os escritórios eas indústrias de alta tecnologia (Fontan et al, 1999, p. 205).79

A crise provocou um retardo, do ponto de vista econômico, relativamenteà evolução que marcou outras cidades canadenses, como Toronto e Vancou-ver. Desde 1997, no entanto, a situação econômica de Montreal vem melho-rando. Tal fato reflete-se, por exemplo, na grande expansão do número deempregos criados, o que fez com que a taxa de desemprego recuasse de12% para 8,5% no período 1997-06, um resultado, todavia, ainda superior aoda média canadense (Fondation du Grande Montréal, 2006).

Foi só com as oportunidades abertas pela crescente integração interna-cional — em especial as viabilizadas pelo NAFTA —,80 que a região conseguiu

78 “A economia de Montreal foi intensamente afetada pela profunda reestruturação industrial queatingiu grande parte dos antigos centros manufatureiros da América do Norte e da Europa.Suas antigas firmas, de baixa qualificação e produtoras de bens de consumo destinados aomercado interno, não tinham condições de competir em âmbito internacional. Foram muitas asque tiveram de fechar as portas, tendo as sobreviventes procurado acomodar-se em nichos demercado atendidos por uma produção altamente automatizada. A cidade foi especialmenteatingida pelas depressões dos anos 80 e 90, tendo o desemprego se ampliado, então, deforma dramática. Tal situação foi apenas compensada, de forma parcial, pela instalação dasmodernas empresas associadas à nova economia.” (The Canadian Encyclopedia, 2007).

79 “Desde o pós-guerra, o desenvolvimento da aglomeração vem-se fazendo no formato de man-cha de óleo, sob o impulso de dinâmicas de desconcentração e descentralização da popula-ção e das atividades, no sentido do centro para a periferia. Uma primeira conseqüência dessetipo de ocupação urbana reflete-se na perda de população e de empregos no centro da aglo-meração e no surgimento de novas zonas urbanizadas na periferia. Outra conseqüência estárelacionada à redução das densidades residenciais e às transformações operadas na tipologiaresidencial.” (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 55).

80 “A economia de Montreal cresceu inicialmente sob a proteção de tarifas elevadas, sendo quemuitas de suas indústrias vendiam basicamente para o mercado interno. Com a assinatura doTratado de Livre Comércio Estados Unidos-Canadá e, depois, do NAFTA, a política baseadano atendimento do mercado doméstico tornou-se obsoleta, e a indústria manufatureira passoua privilegiar os mercados externos. De 1990 a 1995, a parte dos produtos manufaturadospulou de 26% para 43% das exportações da área metropolitana de Montreal. Nessa época,foram as áreas metropolitanas de Montreal e de Toronto as que mais se abriram ao comércioexterior.” (Communauté Métropolitaine de Montréal, 2005, p. 39).

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ingressar em uma nova fase dinâmica de sua economia. Isso se refletiu nacomposição de suas vendas externas e no crescente volume exportado pelossetores de alta tecnologia, o qual cresceu 15% entre 1991 e 2000, uma varia-ção quatro vezes superior à do PIB metropolitano no mesmo período. É denotar-se também que os Estados Unidos aparecem como o destino privilegia-do de uma parte significativa dessas exportações, com o destaque ficando porconta dos aviões, suas peças e componentes, peças para trens e equipamen-tos de telecomunicações.

Apesar do dinamismo que caracterizou a retomada, persiste reconheci-damente um ponto fraco na economia local, que está associado à menor pro-dutividade média de seus trabalhadores. Na origem dessa questão da baixaprodutividade, estariam os seus piores índices de escolaridade, sobretudo nasfaixas de educação superior. Comparativamente a Toronto e a Vancouver,Montreal contabiliza, de fato, um número um pouco menor de diplomadosuniversitários: 21% de sua população tinham curso superior, enquanto a mes-ma participação era de 24% em Toronto e de 23% em Vancouver (OECDObserver, 2003, p. 2).81

Pelo lado dos fatores positivos, a região conta com um elemento-chavede competitividade, qual seja, o tamanho de sua força de trabalho. Ocorre,entretanto, que as baixas taxas de natalidade e o envelhecimento de seusresidentes82 operam no sentido de reduzir o total da população ativa. Os flu-xos migratórios internacionais têm sido tradicionalmente usados para com-pensar o pequeno crescimento demográfico local, a ponto de representaremmais da metade da expansão demográfica total observada na região. Aindaassim, a participação dos imigrantes internacionais (18% da população total)é inferior à verificada em outras áreas metropolitanas canadenses, o que seriaum indicativo da existência de margem de manobra para fortalecer a entradade tais fluxos no futuro. Há mesmo uma proposta em discussão que aponta ointeresse de privilegiar, com vistas a melhorar a qualificação da mão-de-obralocal, o ingresso de imigrantes com maior nível de formação educacional.83

Deve ser observado que, nas circunstâncias prevalecentes, 33% dos imigran-tes radicados em Montreal têm diploma universitário, contra 47% em Vancou-ver e 49% em Toronto (OECD Observer, 2003, p. 3).

81 “A baixa produtividade estaria também relacionada aos insuficientes investimentos realizadosem equipamentos e aos poucos recursos aplicados em programas de P&D pelas plantas depequeno e médio portes, que formam uma parte importante do parque industrial local.” (OECDObserver, 2003, p. 2).

82 “O envelhecimento da população vem-se verificando há uma dezena de anos, tendo a idademédia aumentado em três anos. Além disso, deve ser observado que é o estrato dos com maisde 75 anos que mais vem crescendo.“ (Fondation du Grand Montréal, 2006).

83 “Em um contexto de baixa expansão demográfica e de envelhecimento da população, a ace-leração do crescimento econômico de Montreal é essencialmente dependente de um forteaumento da produtividade, em estreita ligação com a capacidade de suas empresas, em todosos setores, serem capazes de adquirir e assimilar as novas tecnologias, com base em ummaior esforço de formação e de desenvolvimento de capital humano e com o apoio de umapolítica de imigração vigorosa e direcionada.” (Ville de Montréal, [s.d.]b).

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Essa questão dos índices de escolaridade mais baixos contrasta singu-larmente com a posição destacada de Montreal no campo da educação supe-rior. Com efeito, a região conta com ativos educacionais significativos, por-quanto é sede de quatro grandes universidades, sendo duas anglófonas eduas francófonas. Com seus 175.000 estudantes, aparece como o segundomaior centro universitário da América do Norte, seguindo-se a Boston nesseaspecto (Fondation du Grand Montréal, 2006).

Outro entrave local é o representado pelos altos níveis de pobreza preva-lecentes, superiores às médias canadenses, com o agravante de o fosso se-parando os mais ricos dos mais pobres estar se alargando. Assim, em 2003, ocontingente de indivíduos vivendo em famílias de baixa renda chegava a meiomilhão, o pior escore entre as grandes cidades canadenses (Fondation duGrand Montréal, 2006).

3.5 Os trabalhos das comissões e a questão da governançametropolitana em Montreal

O tema da governança metropolitana não é propriamente novo na região,visto que, já em 1921, havia sido criada a Corporação da Montreal Metropoli-tana pelo Governo da Província, a qual tinha, todavia, pouco poder de inter-venção no âmbito do desenvolvimento metropolitano.84 Com a grande expan-são suburbana registrada após a Segunda Guerra Mundial, voltou a colocar-se o interesse pelo tema metropolitano e, em 1952, foi formada a Comissãode Estudo dos Problemas Metropolitanos de Montreal, com a missão de de-bruçar-se sobre a questão das relações entre a ocupação urbana da periferiae o sistema de transportes. Em seu relatório final, divulgado em 1955, apare-cia o indicativo de criação de um organismo metropolitano para tratar dosserviços intermunicipais.

Seguiu-se, em 1958, a chamada comissão Croteau (Comitê de Reco-mendações para a Criação de um Organismo Metropolitano), que igualmentese pronunciou pela formação de uma corporação destinada a atuar na Gran-de Montreal e que deveria abarcar toda a ilha de Montreal, a Île Jésus e as oitomunicipalidades da margem sul. Em 1959, e por influência das autoridades daProvíncia, surgiu a Corporação da Montreal Metropolitana. A atuação desseorganismo não teve igualmente maiores desdobramentos práticos, porquanto

84 “De fato, foi a partir de 1910 que o tema da reestruturação das instituições locais na região deMontreal e, mais especificamente, o da criação de um nível intermediário de intervenção noâmbito da região urbana — senão o do próprio estabelecimento de um governo metropolitano— passou a ocupar um lugar de destaque no debate político municipal [...] Numerosos políti-cos locais (da cidade central e dos subúrbios), círculos reformistas e a imprensa escrita mani-festaram-se a favor de a cidade principal e as municipalidades do seu entorno serem reunidassob a égide de um organismo metropolitano, capaz de responsabilizar-se pelo fornecimentode determinados serviços municipais, de forma a garantir o desenvolvimento da aglomeraçãoe a harmonização das relações intermunicipais.” (Collin, 2001, p. 6).

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não foi bem aceito nem pela cidade central, que rejeitava o fato de ser-lheatribuído um peso político igual ao das cidades suburbanas, nem por estasúltimas, que não aceitavam abrir mão de sua autonomia (Fischer; Wolte, 2000;Fontan et al, 1999, p. 208).

Foi instituído, no início da década dos 80, um grupo de trabalho conhe-cido como a comissão Pichette, que tinha, mais uma vez, a missão de reveros grandes problemas da metrópole. Em seu relatório, foram assinaladas acarência de uma estrutura de planificação integrada na região, os desperdí-cios a que levava a ocupação desenfreada da periferia e a desigual qualida-de que caracterizava os serviços e as infra-estruturas encontradas nas di-versas partes do território metropolitano. Como encaminhamento pratico,propunha a criação de um conselho regional, o qual ficaria encarregado degovernar a cidade-região. Seguiram-se alguns outros estudos e proposiçõesde reorganização territorial, o mais conhecido sendo o da Comissão Bédard,cujo objetivo era analisar a questão das finanças e dos impostos locais. Suasproposições foram igualmente mal acolhidas pelas municipalidades con-cernidas.85

Em 1996, o Governo Provincial criou o cargo de ministro para a áreametropolitana de Montreal. Entre suas atribuições, estava a de formar umacomissão voltada ao estudo do desenvolvimento metropolitano. Resultou daía chamada comissão Bernard, encarregada de propor alternativas para osreagrupamentos municipais considerados desejáveis na região de Montreal.Seu relatório foi publicado em 2000 e serviu de base para a reforma municipalde 2001.

3.6 A Comunidade Urbana de Montreal (CommunautéUrbaine de Montréal - CUM)

A CUM foi criada em 1970 pelo Governo de Quebec, no bojo de ummovimento que instituiu outras comunidades urbanas na província, e mante-ve-se ativa até 2001. A área de abrangência de sua atuação estava circuns-crita às municipalidades da chamada Aglomeração de Montreal, ou seja, àslocalizadas na ilha de Montreal. Representava uma instância com dois ní-veis de governo: o da própria comunidade e o formado pelas 28 municipali-dades integrantes. Era dirigida por um presidente, um conselho e um comitêexecutivo.

85 “As municipalidades reagiram imediatamente ao relatório [...] Os prefeitos das Cidades deMontreal e Quebec foram menos diretos em suas reações. Ainda assim, concordaram comseus colegas, ao rejeitarem as proposições relativas à eleição direta e à concessão do poderde taxação a um segundo nível de governo. Aceitaram, por outro lado, o diagnóstico da comis-são nos aspectos da fragmentação metropolitana, da ineficiência das estratégias de desenvol-vimento econômico e das desigualdades na repartição dos gastos públicos no território daárea metropolitana.” (Quesnel, [s.d]).

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Mapa 7A Comunidade Urbana de Montreal

As atribuições que lhe foram concedidas eram bastante limitadas, es-tando basicamente voltadas à coordenação, à racionalização e à busca deuma repartição mais justa dos encargos associados à prestação de serviçosbásicos no território da ilha de Montreal. Isso envolvia, sobretudo, as fun-ções de polícia, o transporte público, a proteção ao meio ambiente e o pla-nejamento urbano e regional, competências certamente insuficientes para atarefa de influir de forma mais incisiva no desenvolvimento do território. Emâmbito local, por sua vez, as autoridades respondiam pelos serviços de bom-beiros, tratamento e distribuição de água, sistema de esgotos, coleta do lixo,trânsito, zoneamento e código de obras, dentre outros itens. O financiamen-to das atividades a cargo da CUM era feito por meio de quotas-partes pagaspelas municipalidades. A Comunidade Urbana de Montreal operou durante31 anos, sendo geralmente encarada como uma força positiva no desenvol-vimento da região. 86

86 “Não evoluiu, todavia, no sentido de um governo metropolitano formal, mal conseguindo funcionarcomo uma agência multifuncional de serviços. Em vez disso, o Governo de Quebec ampliouseu próprio controle sobre muitos serviços e infra-estruturas existentes nos subúrbios, en-quanto limitava sua atuação na ilha de Montreal.” (Bourne, 1999).

FONTE: Disponível em: <http://www.johomaps.com>. Acesso em: 03 jan. 2008.

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A CUM aparece, antes de mais nada, como uma agênciade serviços. Mas tem igualmente algumas atribuições nodomínio do planejamento regional, o que apenas seriaassumido bem mais tarde e de forma muito tímida. Sen-do coerente com as soluções propostas ou adotadas nopassado, não havia espaço para formar um nível autô-nomo de governo regional. A delimitação de suas com-petências parece, todavia, ter sido feita com base na ex-clusão das atribuições consideradas próprias do nívelmunicipal, evitando-se, assim, a dupla jurisdição de atu-ação em certas áreas. A criação da CUM permitiu, naverdade, retomar a idéia de uma dualidade administrati-va [...] (Collin, 2001, p. 15).

Por volta de 1990, já eram bastante fortes as críticas feitas à atuação daCUM, com os subúrbios contestando seu papel e tendo se instalado um ambi-ente de grande tensão política entre Montreal e as cidades da periferia, muitasdas quais integradas por maiorias anglófonas.87 Além disso, o território efeti-vamente urbanizado já ultrapassava em muito os limites do espaço legal defi-nido para a Comunidade Urbana de Montreal (que cobria, então, menos dedois terços da área metropolitana), sendo que praticamente a metade da po-pulação da região já vivia fora de suas fronteiras. Na ocasião, eram tambémnumerosos os problemas comuns ao território que estavam exigindo uma abor-dagem de natureza regional, podendo se referir dentre eles “a gestão daságuas e das margens do arquipélago de Montreal, o problema do lixo, o equi-líbrio entre as atividades agrícolas e a urbanização, as redes de transporte, asescolhas entre o transporte coletivo e o automóvel, o desenvolvimento econô-mico face à globalização e as grandes decisões quanto aos equipamentospúblicos” (Montréal Métropole, [s.d.]).

3.7 A reforma municipal de 2001

Quebec caracteriza-se por ter muitas municipalidades. Na verdade, con-

87 “O declínio da Cidade de Montreal enfraqueceu sua posição não apenas face à Toronto, mastambém em relação à sua própria periferia. Nos anos 70, a Cidade dominava o conselho daCUM, mas tal situação era contestada pelos representantes dos subúrbios. O crescimentoeconômico e o demográfico experimentados pelas cidades suburbanas levaram-nas a buscarmaior poder político. Além disso, a posição financeira de Montreal estava se tornando crítica.Com a saída da classe média, a deterioração do estoque de moradias e o fechamento demuitas fábricas, a base fiscal da Cidade foi sendo erodida. Ao mesmo tempo, suas despesascontinuaram crescendo, comprometidas que estavam com os altos custos de manutenção dasinfra-estruturas e com a prestação dos serviços [...] Contribuíam, para tanto, a concentraçãode pobres no interior de suas fronteiras e o fato de os residentes nos subúrbios — que nãopagam tributos em Montreal — para ali se dirigirem a fim de trabalhar e usufruir de suasvantagens.” (Fontan et al, 1999, p. 207).

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ta com o maior número entre todas as Províncias do Canadá, e esse totaldecresceu de forma relativamente lenta ao longo dos anos.88 Vê-se, assim,que havia 1.433 municipalidades em 1995 (Collin; Tomàs, 2004, p. 19) e 1.300no ano 2000 (Soucy, 2002).

Mesmo após as fusões realizadas no início do novo século, o total man-teve-se elevado, chegando a 1.139 municipalidades em 2006 (Ministère desAffaires Municipales et Régions-Québec, [s.d.]), razão pela qual o mapamunicipal de Quebec manteve-se como um dos mais fragmentados no ce-nário canadense. É de notar-se que a maior parte (85%) das unidades ad-ministrativas locais são de pequeno porte, reunindo menos de 5.000 habi-tantes (Soucy, 2002).

Pede-se dizer que são de quatro ordens os motivos que embasaram oprocesso de fusão de municipalidades levado a cabo na Província de Quebece que impactou em cheio a região de Montreal. O primeiro deles remete àreorganização dos serviços públicos e à diminuição dos gastos públicos percapita, por conta dos benefícios esperados em função das hipotéticas econo-mias de escala daí decorrentes. Essa é uma perspectiva que, como se sabe,não é confirmada nem pela literatura especializada, nem pelas experiênciasconcretas conhecidas.

Um segundo fator associa-se à esperada redução da carga fiscal supor-tada pelos residentes da antiga cidade de Montreal, bem como dasdisparidades fiscais constatadas entre as várias municipalidades. Ou seja, aidéia era alcançar uma maior eqüidade fiscal no universo das unidades ad-ministrativas que seriam objeto da fusão, graças à generalização de um sis-tema único de tributos. “Na medida em que a única forma de tributação mu-nicipal existente é aquela baseada no valor das propriedades e tendo emconta que a mesma nunca foi posta em questão em Montreal, o mecanismodas fusões aparenta ser a solução mais pertinente para alcançar a eqüidadefiscal.” (Séchet, 2006).

Um terceiro elemento remete às novas condições estabelecidas com areforma municipal, as quais deveriam permitir melhorias na coordenação daspolíticas públicas seguidas no conjunto do território afetado pelas fusões. Talcircunstância, nesse caso, não era muito óbvia, na medida em que muitos dosserviços impactados já estavam, há mais tempo, generalizados no âmbito dailha de Montreal.

Enfim, um quarto elemento explicativo procede da crença de que “[...] aocolocar-se um fim na concorrência improdutiva entre municipalidades vizinhase ao se estabelecer uma única instância capaz de se impor no cenário interna-

88 “A reestruturação municipal em Quebec esteve, durante décadas, no centro de intensos deba-tes, sem que daí decorressem maiores mudanças institucionais nos planos rural e urbano.Uma estratégia de adesão voluntária às fusões foi incentivada pelo Governo da Provínciadurante os anos 60. Esse tipo de abordagem não foi acompanhada por incentivos fiscais e nãotrouxe resultados significativos em termos da redução do total de municipalidades. Durante osanos 70, um tratamento caso a caso do problema, sempre por iniciativa do Governo Provincial,fez esse número declinar de 1.600 para 1.500 [...]” (Quesnel, [s.d.]).

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cional, as fusões aumentam o potencial econômico e social da aglomeraçãourbana ou da região” (Gouvernement du Québec, [s.d.]).

3.7.1 A fusão e a nova Cidade de Montreal

Foi em 1999 que o Governo Provincial de Quebec começou a preparar alegislação que haveria de pautar um vasto programa de reestruturação dosgovernos locais e levar à realização de um grande número de fusões. Em2001, a lei regulando tal processo de fusões foi aprovada, afetando a organi-zação das mais importantes cidades da Província. No caso de Quebec City,que forma a segunda maior área metropolitana da Província de Quebec, osresultados materializaram-se na criação de uma comunidade metropolitanaintegrada por 26 municipalidades e reunindo 715.500 residentes, a qual pas-sou a ter existência legal em 1o de janeiro de 2002.

Já no caso da região de Montreal, foi implantada a Comunidade Metro-politana de Montreal, reunindo 63 municipalidades, a qual começou a operarem 1o de janeiro de 2001. Foram, ao mesmo tempo, criadas duasmegacidades — Montreal e Longueuil —, as quais seguiram, assim, o exem-plo anterior da Cidade de Laval, que já havia passado por um processo defusões semelhante.

A megacidade de Montreal foi resultante, portanto, dessa enormereestruturação institucional que consolidou todas as municipalidades localiza-das na ilha de Montreal, as quais, até então, integravam a Comunidade Urba-na de Montreal. O processo de fusão atingiu 28 municipalidades — de formaimpositiva e contra a vontade manifesta da maioria dentre elas, em especialas de ascendência anglófona situadas na parte oeste da ilha —, que foramincorporadas à Cidade e transformadas em arrondissements. Surgia, assim,uma nova organização política, capitaneada por um único prefeito (em lugardos 28 anteriores) e dotada de uma estrutura administrativa descentralizada,baseada nos referidos arrondissements, os quais mantinham uma certa cor-respondência com as antigas municipalidades.

O arrondissement corresponde a uma instância de representação que,na intenção declarada do legislador, estaria mais próxima do cidadão. Foi ins-tituída para preservar peculiaridades locais e para permitir que alguns tipos deserviço (ditos de proximidade) seguissem sendo geridos no nível da comuni-dade. Dispõe, todavia, de limitada autonomia e conta com poucos recursosorçamentários.

Deve ser observado que a oposição ao processo de fusão levou a fortesreações por parte de algumas municipalidades suburbanas incorporadas, querealizaram referendos em suas respectivas jurisdições para aferir o estado deespírito da opinião pública, tendo os resultados revelado uma total oposição àmedida. Diversos processos judiciais foram instaurados contra o Governo Pro-vincial, em uma tentativa de barrar a implantação da medida. Os prefeitos dasmunicipalidades atingidas, e mais especialmente os de origem anglófona, in-terpretaram a reforma como um atentado à sua autonomia e a seus direitos

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fundamentais.89 De fato, a mobilização empreendida foi essencialmente obradas municipalidade ricas da ilha de Montreal, um tradicional reduto do PartidoLiberal.

Na ocasião, posicionaram-se essas municipalidades comoum grupo social que se recusava a demonstrar solidarieda-de em relação a uma municipalidade de Montreal majorita-riamente francófona e que concentrava bolsões de pobre-za urbana. Inserida à força em uma administração munici-pal de Montreal controlada pelos francófonos, a comunida-de anglófona passou a exercer pressões sobre o PartidoLiberal para que o mesmo se comprometesse, por ocasiãoda campanha eleitoral provincial de 2003, a voltar atrás noepisódio das fusões (Jouve; Négrier, [s.d.], p. 7 e 8).

Não obstante a intensidade das reações registradas, o comitê nomeadopara realizar a transição completou seus trabalhos, e a nova megacidade foiinstalada. Para um tal desenlace, muito contribuiu a atuação do Prefeito dacidade de Montreal, Pierre Bourque, que assumiu a antiga idéia “De uma ilha,uma cidade”. Nesse sentido, batalhou arduamente em favor da fusões, e suaatuação acabou influenciando fortemente a decisão final bancada pelo Gover-no Provincial.90 São esses os termos em que se exprimiu, com relação àmegacidade de Montreal, o relator da proposta que embasou a reforma muni-cipal de 2001.

89 “Foram, sobretudo, as municipalidades dos subúrbio da ilha de Montreal e sua instância derepresentação — a Conferência dos Prefeitos dos Subúrbios de Montreal — que procuraramlevar o governo a recuar em seu projeto de fusões ou de reagrupamentos na ilha de Montreale de implantação da megacidade. Em um primeiro momento, os prefeitos objetaram ao gover-no que não compartilhavam de seu ponto de vista em matéria de reorganização municipal. Emum segundo ìnstante, face à recusa oposta pelo Ministro de Estado dos Assuntos Municipais eda Metrópole, não hesitaram em mobilizar seus concidadãos, fazendo-os assinarem petiçõesdestinadas a forçar o Governo Provincial e seu Primeiro Ministro a reverem suas posições. Emum terceiro momento, 19 prefeitos levaram a causa aos tribunais. Depois de serem derrotadosna Corte Superior, em junho de 2001, mais da metade dentre eles se mostrava disposta aapelar da decisão.” (Hamel, 2001).

90 “Há um ponto que deve ficar bem claro. O próprio Bourque não estava respondendo a nenhu-ma força da sociedade (nem do mundo dos negócios, nem de qualquer outra instância) queestivesse levando à fusão, já que não havia nenhum movimento nesse sentido. Sob muitosaspectos, o sucesso de Bourque na implantação de sua política pode ser visto como o maiorfeito já alcançado por um prefeito de uma cidade canadense.” (Sancton, 2003).

“Durante muito tempo hostil ao princípio de ‘uma ilha, uma cidade’, o Primeiro Ministro aca-bou usando, paradoxalmente, todo seu peso político para impor uma solução que reconhe-cia o lugar especial ocupado por Montreal no sistema urbano do Quebec e do Canadá. Eleparece ter adquirido a convicção de que as elites de Montreal deveriam ser as únicas a ter ocontrole sobre as grandes diretrizes da Cidade. Em outras palavras, aceitou a idéia da exis-tência de uma sociedade bastante diferenciada em Montreal, levando o raciocínio tão longea ponto de reconhecer implicitamente que o ‘bom perímetro’ de gestão da Cidade seriaaquele que obrigaria as comunidades anglófonas e francófonas a trabalharem em conjunto.”(Faure, 2003, p. 373).

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Recomendo, portanto, a criação de uma nova cidade, cujoterritório será o da Comunidade Urbana de Montreal. Elaserá dirigida por um prefeito e terá 64 conselheiros, elei-tos via sufrágio universal, e será, eventualmente, chama-da de a Cidade de Montreal. Enfatizo que, qualquer queseja o nome que lhe venha a ser dado, não representará acontinuidade da atual Montreal, constituindo uma novacidade e, nesse sentido, gozando de outra personalidadedo ponto de vista jurídico (Bernard, 2000, p. 7).

Deve ser observado que, no caso de Montreal, eram numerosos os docu-mentos existentes apontando a conveniência de realizar-se uma reforma muni-cipal. É verdade que Quebec tem uma longa tradição nesse exercício de conso-lidar municipalidades como uma alternativa para melhorar as condições de de-sempenho fiscal. Isso é explicável, na medida em que o território é ali percebi-do, sobretudo, como um espaço de performance econômica, uma situação pos-ta em xeque pela guerra fiscal mantida entre as municipalidades, que seria umadas razões impeditivas da formação de pólos econômicos fortes. 91

A nova cidade é dirigida por um prefeito e um conselho municipal, cujosmembros são eleitos, por um período de quatro anos, por sufrágio universalde todos os eleitores qualificados. Os prefeitos dos arrondissements são igual-mente escolhidos pelos votos de seus residentes. O Conselho Municipal cons-titui a instância maior de decisões da cidade, sendo integrado por 45 repre-sentantes eleitos, incluindo-se o Prefeito de Montreal, e pelos prefeitos dos 19arrondissements, o que dá um total de 64 membros. Sua jurisdição estende-se a todos os serviços locais prestados, à segurança pública, ao meio ambi-ente, ao urbanismo e à concessão de determinados programas de subvençãode recursos. Tem igualmente poderes para supervisionar e aprovar decisõestomadas na esfera dos conselhos dos arrondissements

O Conselho Municipal conta com um braço operacional, o Conselho Exe-cutivo, formado por 11 membros e pelo Prefeito de Montreal. É ele que viabilizao exercício das diversas competências que revertem ao Conselho Municipal,que se ocupa da preparação dos documentos de variadas naturezas — comoo orçamento municipal e as normas municipais — a serem submetidos à apro-vação dos conselheiros. Cabe-lhe, da mesma forma, preparar contratos, res-ponsabilizar-se pela gestão dos recursos humanos e financeiros e cuidar dosprédios públicos (Ebabylone, [s.d.]).

91 “No campo do desenvolvimento econômico, havia um argumento justificando a fusão de deter-minadas municipalidades, qual seja, o de que a competição entre as mesmas era improdutivae representava uma má alocação do dinheiro público. As municipalidades de Quebec sãofortemente dependentes das receitas tributárias, e a prática de competir no campo da conces-são de créditos e de outras vantagens fiscais, com vistas a atrair empresas para seu território,vinha sendo encarada, há muito tempo, como um grave problema. O Livro Branco do Governode Quebec, onde estão consignadas as orientações seguidas na reorganização territorial de2001, qualificava a situação de concorrência estéril e maléfica ao desenvolvimento econômi-co.” (Chapain; Rivard, 2005).

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Os arrondissements dispõem de seus próprios conselhos, que trabalhamcom orçamentos individualizados e se ocupam dos serviços de natureza local,tendo ingerência sobre as normas urbanísticas, sistema viário, prevenção deincêndios, parques, cultura e recreação, desenvolvimento comunitário, habi-tação e recolhimento do lixo, dentre outros itens. Podem também fazer reco-mendações ao Conselho Municipal, em especial quanto a matérias orçamen-tárias. Não têm, todavia, qualquer poder de taxação, ainda que lhes seja fa-cultado solicitar a cobrança de tributos para financiar alguns tipos de serviços.Sua composição é variável, sendo integrados pelo prefeito do arrondissemente por um grupo de, no mínimo, cinco pessoas entre membros do ConselhoMunicipal e conselheiros dos arrondissements. No total, o número de conse-lheiros de arrondissement chega a 40.

3.7.2 O episódio da “desfusão” de municipalidades

O processo de fusão que levou à criação da nova Cidade de Montreal foiefetivado, como já se viu, contra a vontade manifesta de uma boa parte dasmunicipalidades da região, em especial daquelas de maioria anglófona. Nacontramão do processo anterior que havia levado à fusão, e atendendo umapromessa de campanha do novo governo liberal eleito92, foi feita uma novaproposta de consulta aos cidadãos, envolvendo alterações na organizaçãoterritorial. A forma para tanto adotada foi, mais uma vez, a do referendo, o qualocorreu em junho de 2004, com a participação de 22 das comunidades quehaviam sido objeto de fusão em 2001. O direito de realizar o referendo foiconcedido unicamente às municipalidades que conseguiram reunir o númeromínimo legal de assinaturas para tanto exigidas.93

Os cidadãos foram questionados sobre se desejavam permanecer na novaCidade de Montreal, resultante do processo de fusões de 2001, ou se deseja-vam retornar ao status precedente, ou seja, se gostariam de reconstituir suasmunicipalidades de origem. Das 22 municipalidades consultadas, 15 optarampela “desfusão”, o que lhes permitiu retomar a condição de unidades adminis-trativas autônomas a partir de 1o de janeiro de 2006. A “desfusão” atendeubasicamente às reivindicações das municipalidades anglófonas da ilha de

92 “Por ocasião das eleições provinciais de 2003, o Partido Québecois cedeu lugar ao PartidoLiberal Québecois. Este último havia se comprometido, quando da campanha eleitoral, a vol-tar atrás em relação à Lei no 170, que tratava da reorganização institucional das grandescidades, o que foi feito através da Lei no 9, a qual previa a realização de referendos nas antigasmunicipalidades que haviam sido objeto de fusão.” (Lefèvre, 2004).

93 “O processo de “desfusão” teve duas fases. Assim, era preciso ter reunido, em maio de 2004,as assinaturas de, no mínimo, 10% dos cidadãos pertencentes a uma antiga municipalidadepara passar à segunda fase do processo, qual seja, a do referendo. Para aprovar a “desfusão”no referendo de junho, era necessário que, pelo menos, 35% dos cidadãos eleitores votassema favor da medida. Esta barreira impediu que um número ainda maior de municipalidadesaderisse ao movimento.” (Collin;Tomàs, 2004).

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Montreal.94 Com isso, ficou sacramentado o que muitos interpretaram como odesmonte da megacidade de Montreal.

O Conselho Regional de Desenvolvimento da Ilha deMontreal teme que a adoção do Projeto de Lei no 9 ve-nha a fragilizar, por muitos anos, o desenvolvimento deMontreal [...] Todo o tempo em que a região estará ocu-pada em desfazer o que havia sido feito e em refazer oque havia sido desfeito não trará nenhum benefício aodesenvolvimento econômico, social e cultural da Cida-de. (CRDIM, 2003).

Deve ser observado, no entanto, que esse retorno ao formato administrati-vo precedente não se deu de forma plena no que se refere aos poderes anteri-ormente desfrutados pelas municipalidades reconstituídas. De fato, juntamentecom a Cidade de Montreal, elas passaram a integrar o Conselho da Aglomera-ção, uma nova instância criada para gerir determinadas funções (bombeiros,polícia, desenvolvimento econômico, dentre outras) no território delimitado pelailha de Montreal. A mudança foi conduzida por um comitê de transição, que seempenhou em implementar as determinações especificadas na lei.

Ao tecer considerações sobre o novo Conselho da Aglo-meração e a nova organização municipal, um alto fun-cionário do comitê de transição fez um comentário irôni-co ao observar que, em teoria, poderia dar certo, o quenão constituía propriamente um aval entusiasmado. Oesforço de remontar a cidade, após esta ter sido conso-lidada em 2001 e novamente desmembrada de formaparcial em 2004, aparecia como algo fútil. (Vengroff;Whelan, 2005).

Outra decorrência da “desfusão” foi, certamente, a de levar a uma certacontestação do recém criado Conselho da Aglomeração, na medida em quesua legitimidade foi indiretamente posta em xeque. Isso é compreensível, bas-tando ter presente que se trata de um órgão dirigido pelo Prefeito de Montreal,

94 Conforme as palavras de um prefeito, “[...] as congratulações estão na ordem do dia para oscidadãos de Sonneville. Desde 1o de janeiro de 2007, temos nossa cidade de volta. Isso querdizer que voltamos a ter controle local sobre a maior parte dos elementos que fazem deSonneville uma comunidade única e tão maravilhosa. Isso abrange a recreação e a cultura(parques, piscinas, pistas de skate, quadras de tênis, etc.), estradas, rede local de água, trata-mento local dos esgotos, zoneamento e planejamento urbano, coleta e tratamento do lixo eremoção da neve.” (Village de Sonneville, 2007).

“Nos dois casos, a clivagem lingüística superpõe-se à clivagem econômica, dando o verdadei-ro sentido do movimento sececionista em Montreal: identidade de classe e identidade lingüís-tica somaram-se para, sob a alegação do respeito à democracia local e da busca da eficiênciana administração municipal, levar à secessão.” (Jouve; Négrier, [s.d.], p. 17).

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o qual havia se empenhado pessoalmente em uma ativa campanha contra a“desfusão” e que, naquele momento, saía derrotado do episódio.95

3.8 O Conselho da Aglomeração de Montreal

Esse Conselho representa a instância política de âmbito supramunicipalque tem jurisdição no território da ilha de Montreal e que passou a operar em1o de janeiro de 2006, coincidindo sua criação com o processo de “desfusão”das municipalidades. É formado por representantes eleitos de Montreal e das15 cidades reconstituídas, sendo sua atribuição a de prestar serviços a toda apopulação da ilha de Montreal. Seu presidente é, automaticamente, o Prefeitode Montreal, o qual tem o poder de designar outros 15 integrantes escolhidosentre os titulares eleitos do Conselho Municipal da Cidade de Montreal. A com-posição do Conselho da Aglomeração é completada pelos 15 prefeitos dasmunicipalidades que foram objeto da “desfusão”, sendo que duas delas têmum membro comum e uma outra conta com um representante suplementar.No total, portanto, o conselho é integrado por 31 membros.

A representatividade e o poder de voto da Cidade de Montreal é de87,3%, sendo proporcional ao peso demográfico que a mesma tem na aglo-meração. As municipalidades reconstituídas repartem entre si os 12,7% res-tantes, igualmente levando em conta sua participação na população regional.Por conta desse mecanismo, que associa poder de voto e significânciademográfica, a Cidade de Montreal acaba tendo controle absoluto no âmbitodo Conselho. O fato de a designação dos membros do Conselho da Aglome-ração reverter ao Prefeito de Montreal, bem como o de ser altamente imprová-vel que sua escolha, para o exercício da função, venha a recair sobre adver-sários políticos, leva, em última análise, à concentração de poderes em suasmãos.96 Deve-se acrescentar que os conselheiros têm seus mandatos asso-ciados aos respectivos conselhos municipais de cada municipalidade, sendoestes últimos que definem as grandes orientações e as linhas a serem defen-didas por seus representantes.

Os poderes do Conselho da Aglomeração estendem-se, conforme já ob-servado, aos serviços de natureza comum prestados à população regional,como polícia, transporte público, produção de água potável, tratamento do

95 “Mesmo que a nova Cidade de Montreal não vá desaparecer por força da “desfusão” [...] o fatoé que ela não poderá mais desempenhar um papel de liderança, já que seu prefeito ficouigualmente fragilizado.” (Lefèvre, 2004).

96 “Admitindo que os cidadãos das 15 municipalidades da ilha de Montreal que optaram pela“desfusão” tenham tomado tal decisão com pleno conhecimento de causa, não lhes cabe, emprincípio, reclamar agora do autoritarismo da Lei no 9, que pretendia ser um elemento depressão para mantê-los atrelados à megacidade. Quanto aos cidadãos das cidades anterior-mente existentes e que não aderiram ao mecanismo da “desfusão”, eles somente estarãorepresentados no Conselho da Aglomeração se elegerem conselheiros do mesmo partido doprefeito. Idêntico raciocínio aplica-se aos nove arrondissements da antiga Cidade de Mon-treal.” (Cliche, 2004).

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lixo e dos esgotos, administração do sistema de vias arteriais, controle dapoluição do ar, moradia popular, controle de incêndios, manutenção das infra-estruturas, planejamento territorial e desenvolvimento econômico. No cumpri-mento de suas tarefas, o Conselho tem competência para impor regulamenta-ções, autorizar despesas e cobrar taxas no âmbito da ilha de Montreal. É,portanto, o conjunto dos contribuintes da ilha que custeia os serviços executa-dos sob os auspícios do Conselho da Aglomeração, inclusive aqueles queresidem nas cidades reconstituídas, os quais devem, portanto, assumir umaparte das despesas.comuns incorridas. Na verdade, o que existe é um siste-ma de taxação em dois níveis. Enquanto os contribuintes de Montreal pagamuma única conta, aqueles das cidades recompostas recebem duas faturas,uma emitida pelo Conselho da Aglomeração e a outra pelo conselho municipalda localidade onde residem, o que reflete bem a divisão de autoridade hojeimperante (Roy, 2007).

Com a criação do Conselho da Aglomeração de Montreal e a inclusão,no mesmo, das municipalidades reconstituídas, havia a pretensão de mantê-las atreladas aos destinos da megacidade e copartícipes nas decisões decunho regional. Na prática, todavia, e sobretudo após o episódio de “desfusão”das 15 municipalidades da periferia, o Conselho aparece, cada vez mais,como um local de desencontros, em vez de funcionar como um lugar decongregação.97

Mais recentemente, foi agregada uma instância suplementar ao Conse-lho da Aglomeração, na figura de um secretariado da aglomeração. Essa novaestrutura é integrada por três prefeitos, representando a Cidade de Montreal,as cidades que foram objeto da “desfusão” e o Conselho da Aglomeração.Suas atribuições declaradas são as de agilizar a circulação de informações,de examinar qualquer assunto de interesse regional e de fazer recomenda-ções ao Conselho da Aglomeração.

Essa estrutura não tem poderes de decisão, mas tem acapacidade de orientar as discussões nas reuniões do Con-selho da Aglomeração. Pode também pedir pareceres, en-comendar estudos e solicitar à Cidade de Montreal, quedispõe da necessária capacitação técnica em seu quadrode funcionários, a realização de análises específicas.(Lévesque, 2007).

Pretendendo ser uma resposta às críticas emanadas das municipalida-des da periferia, que se consideram alijadas dos verdadeiros processos dedecisão, o secretariado foi criado com a idéia de gozar de autonomia em rela-ção à Cidade de Montreal. Nesse sentido, a medida agradou aos prefeitos das

97 “O orçamento de 2006 da metrópole foi aprovado a tempo, não sem antes suscitar 32 pedidosde vistas por parte das municipalidades da periferia. Estas têm se recusado a participar dassessões do Conselho da Aglomeração, onde afirmam não gozar da menor influência.”(Ralliement Longueuil, 2007).

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municipalidades reconstituídas, ao passo que foi rejeitado pelas autoridadesda Cidade de Montreal. Tal posicionamento é compreensível, bastando consi-derar que estas últimas vinham, na realidade, propugnando a extinção doConselho da Aglomeração e a inserção dos prefeitos representantes das mu-nicipalidades reconstituídas no Conselho Municipal de Montreal, de forma aconstituí-lo como o único fórum onde seriam tratados os assuntos de interes-se comum.98

Paralelamente à inclusão da estrutura administrativa do secretariado,foi ampliada a composição do próprio Conselho da Aglomeração, com o nú-mero de integrantes passando de 31 para 80, englobando agora todos osprefeitos da aglomeração de Montreal, inclusive os dos arrondissements.Com isso, a Cidade de Montreal passou a ter assimilados os 64 membros deseu Conselho Municipal, além do próprio Prefeito. As cidades reconstituídas,por sua vez, seguem dispondo de apenas 12,7% do total de votos, maspassam a ter a possibilidade de, eventualmente, juntarem forças com osconselheiros representantes da oposição da Cidade de Montreal.

Ainda visando atender a reivindicações das municipalidades da perife-ria, foi também estabelecido um comitê de arbitragem para ocupar-se darevisão da lista de equipamentos, das infra-estruturas e das atividades con-sideradas como sendo de interesse regional e, destarte, que devem ter seufinanciamento ou custeio rateados entre todos os contribuintes da região.99

Tal decisão, na verdade, reflete a situação instalada após o episódio da“desfusão”, em que o Conselho da Aglomeração tem sido uma fonte de per-manente descontentamento para as municipalidades reconstituídas em 2006,que argumentam carecer de poder para influenciar as decisões tomadasnesse nível. A forma encontrada pelo Governo Provincial para tentar contor-nar o impasse foi a do encaminhamento de uma lei pelo qual as municipali-dades passam a ter maior autonomia na forma de dispor de seus recursosorçamentários. Do mesmo modo, foi feita uma alteração no rol dos serviçoscujo custeio é compartilhado entre a Cidade de Montreal e os subúrbios, oque, naturalmente, enfraquece a posição da primeira no seio do Conselho.

Como forma compensatória a Montreal, a referida lei também amplia abase tributária da Cidade, concedendo-lhe um maior poder de taxação em

98 “A Cidade de Montreal pronunciou-se praticamente em uníssono [...] ao demandar a aboli-ção do Conselho da Aglomeração em sua forma atual e recomendar ao Governo de Quebecque considerasse a formação de um ‘conselho municipal ampliado’, em que os prefeitos dascidades reconstituídas reencontrariam os conselheiros municipais de Montreal. ‘Basta, jáchega’, disse o Prefeito Gérald Tremblay. ‘É preciso pôr um fim nesse debate sobre as estru-turas e voltar a ocupar-se do desenvolvimento integrado de Montreal.’” (Beauchemin, 2007).

99 “A tomada de posição em favor das cidades reconstituídas fica ainda mais evidente, quando seconsidera a segunda parte do projeto de lei, que se reporta ao estabelecimento de um comitêde arbitragem encarregado de rever a lista dos equipamentos coletivos e a composição darede arterial de vias públicas da aglomeração. O que está aqui em jogo é muito importante.Basta que se determine, por exemplo, que o jardim botânico não forma mais um equipamentocoletivo da aglomeração para que Montreal tenha de arcar com 100% de seu custeio.”(Descôteaux, 2007).

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seu território. Basicamente, fica autorizada a cobrança de impostos e taxasincidindo sobre cinemas, restaurantes, espetáculos e estacionamentos. Issoatende a uma antiga reivindicação da Cidade, que vinha buscando diversifi-car suas fontes de arrecadação, hoje fortemente focada no Imposto sobre aPropriedade e que forma a parte principal de suas receitas. Mesmo nessascondições, a medida foi mal recebida pelas autoridades locais, que estimamser injusto promover a elevação da carga tributária suportada pelos cida-dãos da cidade central, enquanto é “aliviada” a dos residentes nos municípi-os da periferia. Nos termos colocados pelo prefeito da cidade, “[...] o gover-no cedeu às pressões exercidas por 200.000 pessoas, que viraram as cos-tas a Montreal, às custas de 1,6 milhão de pessoas que deram seu voto deconfiança à nossa cidade” (CBC News, 2007).

3.9 A Comunidade Metropolitana de Montreal (CommunautéMétropolitaine de Montréal)

A Comunidade Metropolitana de Montreal foi criada por lei da Assem-bléia de Quebec em 16 de junho de 2000 e passou a operar em 1o de janeirode 2001. Nas palavras do mandatário governamental que preparou a pro-posta de reforma municipal de 2001, “[...] o que poderíamos chamar de aGrande Montreal passou a existir no plano da governança governamental”(Bernard, 2000, p. 4)100.

Trata-se, na verdade, de um organismo supramunicipal, uma agênciade planejamento regional, que tem um mandato de gestão metropolitana emvários domínios e que deve se ocupar dos problemas causados pela expan-são da área funcional de Montreal para além das fronteiras administrativastradicionais. Quando de sua criação, tinha 63 municipalidades sob sua juris-dição, número este elevado para 82 desde 1o de janeiro de 2006 (Ville deMontréal, [s.d.]a). Essas municipalidades estão agrupadas em cinco regi-ões: Aglomeração de Montréal, Aglomeração de Longueuil, a Cidade de Laval,a coroa norte e a coroa sul. A CMM tinha 3,6 milhões de habitantes no anode 2006, distribuídos em uma superfície de 4.360 km2, 58% dos quais sãocompostos por áreas agrícolas e 12% por cursos d’água (CommunautéMétropolitaine de Montréal, 2005). Sua jurisdição corresponde, praticamen-te, à Área Censitária Metropolitana de Montreal.

100 “A idéia de trabalhar com uma visão de conjunto aplicada ao desenvolvimento de um grandeterritório metropolitano foi retomada inúmeras vezes ao longo dos últimos 20 anos. Inspiran-do-se nos relatórios publicados durante esse período, o Governo de Quebec encarregouLouis Bernand de formar, no ano de 2000, um comitê integrado por representantes eleitos daregião de Montreal. Ao término de seus trabalhos, foi sugerida a criação de uma nova estru-tura metropolitana.” (Communauté Métropolitaine de Montréal, [s.d.]).

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Mapa 8A Comunidade Metropolitana de Montreal

A reforma de 2001 levou, como já visto, à fusão das 28 municipalidadesda Comunidade Urbana de Montreal, resultando na formação de uma únicamunicipalidade, a qual deu origem à nova Cidade de Montreal. Da mesmaforma, promoveu a fusão de outras oito municipalidades da área metropolita-na, que formaram a nova Cidade de Longueuil. Uma outra grande cidade des-se território é Laval, que resultou de uma fusão datada de 1965 e que envol-veu 14 municipalidades localizadas na segunda ilha mais importante do arqui-pélago, a Île Jésus. É em torno desses três pólos — que representam cercade 75% da população metropolitana — que a CMM está estruturada.101

FONTE: Disponível em: http://www.mapygon.com. Acesso em: 3 out. 2008

101 “Além disso, a Ministra Harel, encarregada da reforma, apostou nas economias de escala eem uma governança urbana aperfeiçoada ao reagrupar as 28 municipalidades da ilha deMontreal em uma só cidade. Decidiu também aglutinar as municipalidades da margem sulao redor de Longueuil, sob o pretexto da necessidade de criar um terceiro pólo no interiordo conjunto do sistema regional, de modo a servir de contrapeso a Montreal e Laval.”(Hamel, 2001).

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A dinâmica dessa reforma, todavia, foi totalmente altera-da depois que o Governo Provincial decidiu associá-la auma operação de envergadura como a da fusão de mu-nicipalidades. Na prática, o problema da gestão metro-politana foi, para todos os efeitos, colocado em segundoplano, tendo sido a fusão de municipalidades que setransformou no eixo fundamental da reorganização mu-nicipal, a partir da prioridade posta na realização do so-nho secular de fazer da ilha de Montreal uma só cidade ede criar, na margem sul, uma nova Laval. (Collin, 2001,p. 21).

A instância metropolitana tem atribuições nas áreas de coordenação, deplanejamento e de financiamento. Responde por funções estratégicas na áreametropolitana, quais sejam, desenvolvimento econômico, planejamentoterritorial, infra-estrutura, habitação popular, transporte público, meio ambien-te, tratamento da água, coleta do lixo, cultura e recreação. A idéia era a de quesua abrangência territorial lhe deveria garantir as condições necessárias paraimplementar e dar coerência às políticas que extravasavam as fronteiras mu-nicipais, direcionando os investimentos para onde fossem mais proveitososao conjunto do território. Tendo em conta, portanto, o espírito das preocupa-ções governamentais à época, é razoável considerar que sua criação tinha,muito mais, um caráter de complementaridade a um dos objetivos persegui-dos pelas fusões municipais, qual seja, o de melhorar a coordenação daspolíticas territoriais na região.102 Deve ser salientado, entretanto, que a CMMtem escasso poder executivo e uma pequena representatividade, o que temdificultado sobremaneira o cumprimento de sua missão.

Uma faceta dessa institucionalização light fica visível naforma de representação indireta própria à CMM. Isso é

102 “A criação de uma instância de planejamento e de cooperação em escala regional não repre-sentou a questão central dessa reforma. O governo apostou, antes de mais nada, noreagrupamento ou na reorganização municipal. Ao propor a redução do número demunicipalidades, através do mecanismo das fusões forçadas, tanto na ilha de Montreal comona margem sul, o Governo retomou a idéia da modernização do sistema municipal, tal comoproposta nos anos 60. Por essa razão, a perspectiva de criar uma sinergia na escala daregião metropolitana e de definir processos de planejamento regional foi relegada a um se-gundo plano, mesmo estando previsto que a CMM deveria assumir diversos processos deplanejamento e de cooperação em âmbito regional.” (Hamel, 2001).

“A implantação da CMM em 2001 foi uma resposta à dinâmica espacial e econômica na áreade Montreal, sobretudo em função da expansão das zonas de migrações quotidianas e dadispersão do mercado de trabalho no território. A CMM representa o nível regional, constitu-indo algo mais light do que um sistema de governo com dois níveis. Ou seja, responde ape-nas por um grupo selecionado de assuntos, para o que conta com pouca ou nenhumarepresentatividade, funcionando na base dos acordos de cooperação municipal [...] De qual-quer forma, ainda que a idéia da governança municipal em Montreal remonte aos anos 20, aCMM constitui a primeira tentativa de harmonizar a integração funcional com a esfera dasdecisões políticas.” (OECD Observer, 2004, p. 95).

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compreensível, tendo em conta o papel limitado que amesma desempenha como organismo de coordenaçãoe de planejamento regional. Ainda que o conselho daCMM seja composto por membros das municipalidadeintegrantes, ele não responde politicamente ante a po-pulação. Uma grande desvantagem sua, portanto, é a delhe faltar visibilidade direta e, assim, apoio político. Mui-tos dos membros do Conselho da Aglomeração mostram-se, com freqüência, relutantes em participar da culturapolítica metropolitana. Como sua legitimidade tem raízesno eleitorado local, mostram-se mais inclinados a colo-car as prioridades de sua região acima dos compromis-sos metropolitanos. Caso se espere que a CMM venha areforçar suas responsabilidades no campo do financia-mento e tornar-se, no futuro, um provedor de serviçosregionais, será preciso encontrar formas melhores delegitimidade e de representação popular. Nesse aspec-to, a existência de um prefeito e de um parlamento me-tropolitano diretamente eleitos — como acontece emStuttgart e na Greater London Authority — poderia serlembrada como um exemplo pertinente. (OECD Observer,2004, p. 97).

Na realidade, o problema da efetividade da instância política regional,quando justaposta à influência das instâncias políticas locais, coloca-se comtanta acüidade em Montreal como em qualquer outra das metrópoles cana-denses. De fato, é natural que os representantes eleitos em nível local bus-quem defender, em primeiro lugar, os interesses das suas comunidades, eisso representa uma situação dificilmente contornável. O mesmo vale para adificuldade de, nessas condições, desenvolver e consolidar uma verdadeiravisão de conjunto, válida em âmbito regional, que possa ser sustentada poresse tipo de organismo metropolitano. Em última análise, o que está em jogoé a circunstância de como dispor de agências regionais que, tendo ou nãocompetência executiva, gozem de autonomia de decisão face às instânciaslocais intervenientes.

Os atores locais encaram o organismo regional como umaameaça à sua autonomia e independência, mesmo quan-do dele são partes integrantes. Isso costuma ocorrer commais forte razão no caso de serem representantes deuma municipalidade que é vizinha a uma cidade de gran-de porte [...] E, no caso de terem a menor parcela depoder capaz de bloquear a tomada de decisões no âmbi-to desse organismo (na circunstância, por exemplo, daexigência de unanimidade ou do exercício do poder deveto), mostram-se dispostos a exercê-la sem o menorpudor.” (Arbour, [s.d.]a).103

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A CMM não tem poder de taxação104, o que significa dizer que não dis-põe de recursos próprios. Suas receitas são constituídas por transferênciasoriginárias das municipalidades, que formam aproximadamente 75% de seuorçamento, e por subvenções da Província, que perfazem os 25% restan-tes. É preciso observar que se trata de uma instituição que funciona comum orçamento pequeno, a maior parte do qual (75%) é consumido por ape-nas dois itens de seu elenco de atribuições: habitação popular e infra-estru-tura. Essa é uma condição que, indiscutivelmente, ajuda a compreenderpor que costuma ser definida como uma instituição frágil, ainda mais secomparada ao poder de fogo que marca uma megacidade como Montreal(Lefèvre, 2004).

Muitos analistas preocuparam-se em criticar abertamen-te a reforma, julgando-a tímida em suas orientações es-tratégicas (o nível metropolitano permanecendo subsidi-ário), medrosa no plano fiscal (sem alterações no poderde taxação), imprecisa em matéria de transferência decompetências (falta de clareza na repartição das atribui-ções entre os três poderes) e ambígua em seus princí-pios democráticos. Nessas condições, a idéia da oportu-nidade perdida é a mais freqüentemente lembrada.(Faure, 2003, p. 376).

Uma circunstância adicional, não contemplada pela reforma municipal de2001, refere-se à permanência de outros recortes institucionais que se sobre-põem ao território da CMM. Com efeito, há cinco regiões administrativas sob aresponsabilidade de dois ministérios do Governo Provincial e cuja área deatuação coincide, parcial ou totalmente, com a da Comunidade Metropolitanade Montreal. O mesmo pode ser dito das chamadas Regional CountyMunicipalities, que formam estruturas supramunicipais, reunindo municipali-dades de uma determinada área e das quais existem 14 agrupamentos que,de forma total ou parcial, também se sobrepõem ao território da CMM. O fatode várias agências governamentais e entidades supramunicipais terem com-petência para atuar no mesmo espaço do território metropolitano — sem, to-davia, terem presente a realidade funcional da região de Montreal — contribui

103 “É extremamente difícil, para um representante local, opor-se aos interesses de sua comuni-dade. Por exemplo, a gestão de uma determinada infra-estrutura instalada em umamunicipalidade (como um parque industrial) pela instância regional (o Conselho da Aglome-ração, no caso) pode não ser bem vista pelos atores locais, que identificam uma perda deautonomia e de independência nessa transferência de responsabilidades. E esse sentimentoé tanto mais forte quanto mais clara é a percepção da pequena influência que podem exercernas decisões tomadas no seio do organismo regional, em razão de seu pouco pesodemográfico.” (Arbour, [s.d.]b).

104 “Além disso, no futuro, a consolidação da CMM como um fornecedor de serviços em escalaregional vai exigir a revisão de seus mecanismos de financiamento, incluindo-se aí a possibi-lidade de cobrança de um tributo de âmbito municipal”. (OECD Observer, 2004, p. 17).

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naturalmente para agravar os problemas de divisão de responsabilidades en-tre os diversos atores que ali interagem.105

3.10 A situação dos transportes

O sistema de transporte coletivo da Cidade de Montreal é bem desen-volvido, com 33% dos usuários declarando, em 2002, fazer uso desse modode transporte, enquanto 56,8% utilizavam o automóvel (sendo 4,3% comopassageiros), 8,2% preferiam a marcha a pé, e 2%, a bicicleta (Ebabylone,[s.d.]). Na verdade, Montreal é uma das poucas cidades da América do Nor-te em que os modos públicos conseguiram manter uma posição proeminen-te, tendo uma participação que, mesmo se mostrando em declínio e acom-panhando, assim, uma tendência mundial, se encontra próxima dos níveiseuropeus.

O fato é que, também ali, a ocupação suburbana e a realização de umnúmero crescente de viagens por automóvel estão colocando na ordem dodia, cada vez mais, os conhecidos problemas de congestionamento no siste-ma viário, com o aumento generalizado dos tempos de viagem e das emis-sões de poluentes na atmosfera. Mais ainda, no caso de Montreal, há o com-ponente adicional representado por sua insularidade, a qual estabelece umdesafio crucial para os sistemas de transporte que operam na região. Comefeito, estão ali em funcionamento 19 túneis e pontes, a serem obrigatoria-mente cruzados pelos veículos que chegam à ilha ou que dela saem, configu-rando uma das questões maiores do sistema de transporte local.

As pontes e os túneis que conectam a ilha de Montrealaos subúrbios do norte e do sul não mais conseguem aten-der à demanda de forma adequada. Além disso, o aumen-to das viagens em automóvel ultrapassa em muito a ca-pacidade financeira dos governos para investir no siste-ma rodoviário [...] Ao mesmo tempo, as empresas de trans-porte público estão subcapitalizadas, o que resulta na pio-ra dos serviços oferecidos e na elevação das tarifas, comimpactos visíveis em termos da redução da clientela dosmodos públicos. (Transport Canada, [s.d.]).

A carência de recursos financeiros para realizar os investimentos requeri-dos pelos sistemas públicos está, efetivamente, colocando em risco as reco-

105 “Um dos principais obstáculos que se coloca ao recentemente criado organismo metropolita-no, no sentido de contar com condições efetivas para cumprir seu mandato, está relacionadoà estrutura institucional da região metropolitana. A boa governança metropolitana em Mon-treal resultará, provavelmente, prejudicada pela confusa definição de competências em vigore pela falta de harmonização entre os diferentes territórios cobertos pelas várias estruturasinstitucionais regionais.” (OECD Observer, 2003, p. 4).

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nhecidas conquistas passadas de Montreal nesse domínio, que formam umaexperiência modelar no contexto da América do Norte. A Cidade conta, defato, com uma bem-estruturada rede de ônibus e opera com um valioso siste-ma de metrô, enquanto a área metropolitana, por sua vez, é atendida por umarede de trens de subúrbio composta por cinco linhas.

No tocante às políticas públicas a serem privilegiadas, há um claroposicionamento das autoridades em favor do fortalecimento e da renovaçãodos modos públicos, definindo uma estratégia que vem sendo defendida des-de o ano 2000. A idéia seria a de ter maior controle sobre as viagens realiza-das e sobre o próprio processo de ocupação do território, procurando tirarproveito dos efeitos estruturadores dos transportes em comum. Nesse caso,em particular, as condições reunidas parecem ser bastante propícias ao êxitode uma proposta desse tipo, considerando-se a elevada densidade de ocupa-ção existente no núcleo central, a forte centralidade que o caracteriza e o fatode ter avançado relativamente pouco o processo de descentralização dosempregos, dos equipamentos e das infra-estruturas para a periferia. É claroque o baixo nível dos investimentos e a pouca disposição efetiva de canalizarmaciçamente recursos para modos pouco rentáveis se revelam conflitantescom o desejo manifesto de direcionar as escolhas modais para os transportespúblicos (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 62, 77 e 78).

Ao nível do discurso, as palavras do Prefeito de Montreal sintetizam bemas intenções de “disponibilizar os meios para criar uma cidade para todos,onde o espaço urbano esteja organizado para responder, prioritariamente, àsnecessidades das pessoas e não as dos veículos privados” (Ville de Montréal,2006). Para tanto, a Cidade planeja reduzir a dependência do automóvel, apos-tando na utilização mais plena do transporte em comum e dos modos ativos.Os modos ativos incluem a bicicleta e, em especial, a marcha a pé106, a seremfavorecidos em função das qualidades que oferecem em matéria de urbanis-mo e de qualidade de vida.107

O incentivo aos pedestres estende-se, assim, igualmente aos ciclistas, quepodem fazer uso de uma bem desenvolvida rede de ciclovias, implantada so-bretudo nos anos 80, que conta com 400km de extensão. É por razões comoessa que Montreal é vista como uma cidade feita sob medida para a utilizaçãoda bicicleta, uma realidade de que dão testemunho os 500.000 ciclistas que, aomenos uma vez por semana, saem às ruas e os 140.000 que a adotaram comoseu modo preferencial de transporte. Veja-se também que, para facilitar seu usointegrado, as bicicletas podem ser transportadas, fora dos horários de pico, naparte frontal das composições metroviárias (Ville de Montréal, [s.d.]b).

106 “Montreal reconhece a prioridade do pedestre no espaço urbano e, ao mesmo tempo, afirmaa necessidade de adotar comportamentos que garantam sua segurança, bem como a dosmodos de transporte ativos.” (Ville de Montréal, 2007b).

107 “De forma a levar em conta as necessidades específicas dos pedestres e criar condiçõesfavoráveis à marcha a pé, será preciso: priorizar o pedestre quando do planejamento e daorganização dos espaços de domínio público; incentivar a criação de unidades de vizinhançadensificadas e multifuncionais; e revalorizar o papel social da rua como suporte natural davida de bairro.” (Ville de Montréal, 2006).

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3.10.1 O metrô

Montreal conta com os serviços de um metrô construído inteiramente emvia subterrânea, uma circunstância imposta pelos rigores do inverno local. Ainauguração da.primeira linha remonta a 1966, um ano antes da ExposiçãoUniversal realizada na Cidade. Na atualidade, estão em funcionamento quatrolinhas, sendo que a última foi inaugurada em 1989. O metrô de Montreal operacom 69,2km de vias e com 68 estações, transportando 700.000 passageiros/ano. Sua construção seguiu a tecnologia francesa, o que explica o sistema derodagem inteiramente pneumático. Seus serviços atendem sobretudo à zonamais central da Cidade e têm uma influência indireta também sobre os espaçosmetropolitanos, via sistema de integração com os ônibus urbanos. De qualquerforma, já existe o reconhecimento explícito do metrô como constituindo um equi-pamento de transporte metropolitano. Isso ficou evidenciado no acordo estabe-lecido entre representantes da Comunidade Metropolitana de Montreal e doMinistério dos Transportes, segundo o qual o déficit operacional do metrô pre-visto para o período 2007-11 deverá ser “metropolizado”. Na prática, isso signi-fica que Montreal vai assumir 67% dos custos incorridos, revertendo 20% àsdemais municipalidades, e o restante sendo coberto por uma subvenção gover-namental da Província (Ville de Montréal, 2007b).

3.10.2 Transportes e governança

A Comunidade Metropolitana de Montreal tem a atribuição de planejar,coordenar e financiar o transporte público no que este tem de caráter metro-politano. Tem igualmente o poder de aprovar ou introduzir mudanças no planoestratégico metropolitano de transportes elaborado pela Agência Metropolita-na de Transportes (Agence Métropolitaine de Transport – AMT), bem como depronunciar-se sobre as tarifas propostas pela Agência. É também de sua res-ponsabilidade a aprovação dos planos estratégicos de desenvolvimento dostransportes públicos de autoria de outros órgãos que operam em seu território(Communauté Métropolitaine de Montréal, [s.d.]).

O fato é que, não obstante as atribuições recebidas, a CMM não temcondições plenas para o exercício dessa função, tendo em conta a atuação doMinistério dos Transportes e de seu órgão executivo, a AMT, que é quemresponde efetivamente pela gestão do sistema de transporte público em âm-bito metropolitano.

O governo de Quebec criou recentemente a CMM, umgoverno regional voltado para o planejamento do uso dosolo e que opera no mesmo espaço geográfico da AMT. ACMM não é, todavia, responsável pelo planejamento dostransportes e a legislação que a criou não lhe concedeuum mandato formal para promover a coordenação dasestratégias de uso do solo e de controle do crescimento

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com aquelas definidas pela AMT para o transporte públi-co. Da mesma forma, a AMT manteve seus poderes quantoao transporte coletivo metropolitano e não tem a obriga-ção formal de colaborar com a CMM. (Kar, [s.d.]).

A AMT é uma agência da esfera governamental da Província, criada, em1996, com a missão de ocupar-se das atividades de coordenação, planejamen-to e gestão dos serviços de transporte coletivo na região de Montreal. Preocu-pa-se, em especial, com a melhoria das condições das viagens realizadas nosmodos públicos de transporte, inclusive no tocante à maior integração entre asdiversas redes de transporte em comum. Suas atribuições abarcam o financia-mento e o gerenciamento do sistema metropolitano de trens de subúrbio, dosistema de metrô, do sistema de ônibus metropolitanos e de toda a infra-estru-tura de interesse metropolitano (estacionamentos park-and-ride, corredoresexclusivos de circulação e terminais de ônibus). Deve ainda prestar assistênciaàs autoridades locais que mantêm serviços de ônibus no território metropolita-no, o que não é uma tarefa das mais fáceis, considerando-se que existem 22organismos locais operando com sistemas de transporte coletivo.

A AMT é, na realidade, mais do que um simples órgão de coordenação,posto que tem poderes e capacidade de financiamento para definir e implan-tar as estratégias que orientam o desenvolvimento do transporte em comumna escala metropolitana e, assim, influenciar as políticas de ocupação do solo.No cumprimento dessa tarefa, não está sujeita à aprovação formal das muni-cipalidades sob sua área de atuação108, ainda que adote, na prática, um siste-ma de consultas às autoridades locais. Na verdade, a AMT só precisa prestarcontas ao Ministério dos Transportes da Província, que é, aliás, quem nomeiaos membros integrantes do seu conselho administrativo (Kar, [s.d.]).

Suas fontes de receita são variadas, abarcando a taxa sobre combustí-veis, as taxas de registro dos veículos, os repasses de recursos por parte dasmunicipalidades servidas pelos trens de subúrbio, as receitas das vendas depassagens para os usuários do sistema de transporte de subúrbio e dos pas-ses de integração, bem como as transferências governamentais do GovernoProvincial. Conta ainda com um fundo de imobilizações para fins de manuten-ção e construção de infra-estruturas (Kar, [s.d.])

3.10.3 O plano de transportes da Cidade de Montreal

As grandes linhas que marcam o plano de transportes da Cidade de Mon-treal incorporam o objetivo ambicioso de investir pesadamente nos modosalternativos ao automóvel, a saber, o transporte em comum, o próprio veículoprivado quando utilizado por mais de um ocupante, e os modos ativos, como a

108 “A AMT tem jurisdição sobre um território que abrange não apenas a ilha de Montreal e a îleJésus, como também as coroas norte e sul, ainda que esse espaço corresponda apenas,aproximadamente, à Área Censitária Metropolitana de Montreal.” (Collin, 2001, p. 19).

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marcha a pé e a bicicleta. A administração da demanda dos transportes tam-bém integra esse pacote, com a adequação da oferta de transportes devendoatuar no sentido de reforçar os principais pólos existentes no território, limitan-do, assim, a ocupação desenfreada da periferia. 109

Nossas escolhas individuais e coletivas devem, daqui paradiante, integrar outras dimensões fundamentais, como a pro-teção ao meio ambiente, a qualidade do ar e da vida, a tran-qüilidade e o “bom clima” dos bairros onde vivemos, a segu-rança e a saúde dos cidadãos, a eficiência e o conforto dosequipamentos públicos, a eqüidade social e as grandes de-cisões sobre os montantes de recursos financeiros a inves-tir. (Ville de Montréal, 2007b).

A estratégia contemplada pelo plano é muito diversificada, incluindo: amodernização dos equipamentos e do material rodante do metrô, bem como oprolongamento da linha que atende ao leste da Cidade; a implantação de umarede de bondes na área mais central da aglomeração; o estabelecimento devias exclusivas de circulação em alguns grandes eixos selecionados, a seremutilizados por ônibus articulados ou por trolleybus;110 a ampliação da rede deciclovias, cuja extensão deve alcançar 800km; a promoção da revisão do pla-no de urbanismo, no sentido de impor limites máximos aos espaços de esta-cionamento permitidos na cidade;111 a consolidação das zonas de pedestresexistentes no centro da Cidade e nos bairros centrais; a revisão de questõesenvolvendo a governança nesse território, porquanto é considerado excessi-vo o número de organismos públicos e privados com ingerência nesse domí-nio; a garantia de que os grandes projetos imobiliários incorporem o problema

109 “O conceito de organização preconizado por Montreal em seu plano de transportes apóia-seem um mais intensivo e estratégico uso do solo, ao favorecer a melhor utilização das infra-estruturas de transporte coletivo via densificação e diversificação das atividades que impactama rede de transportes públicos existente ou prevista [...] Daqui para.diante, Montreal vai seassegurar de que os projetos propostos conduzam a uma maior densidade de ocupação dosolo e que estejam marcados por uma mistura de funções urbanas [...] Com isso, será possí-vel diminuir a demanda de viagens motorizadas, encorajando aquelas realizadas pelos de-mais modos.” (Ville de Montréal, 2007b).

110 “A estratégia apóia-se também na introdução de uma moderna rede de bondes e de uma redede serviço rápido por ônibus, que constituem modos de capacidade intermediária. Essesnovos modos não apenas devem oferecer outras opções de transporte aos usuários, comovão aumentar a eficiência do conjunto do sistema, graças ao caráter de complementaridadeque oferecem aos sistemas de metrô e de ônibus convencionais. Além do mais, representamum tipo de projeto que garante um atendimento eficiente aos territórios servidos, a um custoinferior ao que caracterizaria uma expansão do sistema de metrô.” (Ville de Montréal, 2007c).

111 “É preciso gerenciar o estacionamento como um instrumento estratégico para.reduzir a utili-zação do automóvel na Cidade. As cidades adaptaram-se às restrições impostas por seuuso, não sendo Montreal, há já algumas décadas, exceção à regra. Nesse contexto, as fun-ções de circulação e de estacionamento — por princípio, grandes consumidoras de espaço— passaram rapidamente a ser vistas como algo dado, como um direito adquirido. A Cidadetem a intenção de reverter tal tendência.” (Ville de Montréal, 2007b).

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do gerenciamento das viagens em todas as suas dimensões, pelo que suaaprovação deve ficar condicionada à efetiva disponibilidade de atendimentopelos modos públicos de transporte; e a adoção de medidas que facilitem avida dos que optam pelos modos ativos de transporte (Ville de Montréal, 2007b).

Deve ser também observado que a Cidade de Montreal, conforme dispostono plano de urbanismo em vigor, pretende construir de 60.000 a 75.000 novasresidências até 2014, 30% das quais devem ter um caráter social. Esse é umprograma que objetiva oferecer uma habitação adequada a pessoas de baixarenda, que encontram, normalmente, dificuldades para encontrar seu espaçono mercado imobiliário tradicional. O fato é que, até recentemente, os aluguéiseram baratos na Cidade, por conta do elevado estoque de moradias disponí-veis. A situação, todavia, mudou completamente, a ponto de falar-se hoje emcrise habitacional. Os apartamentos vagos tornaram-se raros, e o valor dosaluguéis disparou, em especial nas áreas centrais. Mesmo com o custo médiode uma moradia sendo ainda menor do que o observado em outras cidadescanadenses (como Toronto e Ottawa por exemplo), há a circunstância agravan-te representada pelo elevado número de famílias locatárias existentes na Cida-de. Do total de famílias nessa condição, 36% comprometem 30% ou mais desua renda apenas com o item moradia, o que as caracteriza como vivendoabaixo da linha de pobreza (Fondation du Grand Montréal, 2006).

A ilha de Montreal é, de longe, a maior bacia de locatários da área metro-politana, agrupando 75% das famílias assim caracterizadas. Ora, em funçãodos altos preços dos imóveis e dos aluguéis na área central, uma boa partedos locatários — em especial o pessoal mais jovem — que gostaria de selivrar dos encargos locatícios e adquirir uma propriedade é forçada a dirigir-seà periferia, onde os preços dos imóveis se mostram mais acessíveis, definin-do uma situação que as autoridades de Montreal consideram indesejável (Villede Montréal, [s.d.]c).

Os programas [de moradia] atendem a um elenco variado deindivíduos, em especial de pessoas solitárias, de famíliasnumerosas, de pessoas idosas, de recém-chegados e demães chefes de família, que têm dificuldades para encontraruma residência adequada em função de sua baixa solvênciafinanceira [...] Por outro lado, as residências devem estar bemlocalizadas, a uma distância razoável dos empregos e do trans-porte público: uma habitação a preços abordáveis somente oé verdadeiramente se sua localização não implicar custos ele-vados de transporte. (Ville de Montréal, [s.d.]c).112

112 “A existência de uma variedade de moradias atendendo às necessidades dos cidadãos comdiversas faixas de renda constitui uma parte integrante da abordagem do desenvolvimentosustentável. O vasto território ocupado pela área metropolitana de Montreal levou a uma forteseparação entre locais de residência e locais de trabalho, com repercussões nos desloca-mentos quotidianos dos trabalhadores [...] Aproximar os locais de residência aos de empregocontribui para reduzir o tempo perdido nas viagens, o congestionamento urbano e os impac-tos negativos ao meio ambiente.” (Ville de Montréal, [s.d.]c).

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3.11 O planejamento territorial em Montreal

É usual encontrar-se, na documentação produzida sobre a região deMontreal, o estabelecimento de uma relação direta entre a lógica e a realidadeda competição econômica no cenário mundial e a boa performance das cida-des atrelada à ótica do território, vista como prejudicada pela fragmentaçãomunicipal. Nesses termos, para chegar ao desenvolvimento sustentável, Mon-treal precisaria, forçosamente, incorporar uma visão de gestão metropolitanaa suas aspirações de sucesso em âmbito internacional.113

E esse é, precisamente, um dos objetivos declarados do Plano de De-senvolvimento Econômico da Comunidade Metropolitana de Montreal adota-do em 2005. Intitulado Rumo ao Mundo: por uma Região Metropolitana deMontreal Competitiva (Cap Sur le Monde: pour une Région Métropolitainede Montréal Compétitive), o plano busca fortalecer a competitividade e aatratividade de Montreal no contexto das áreas metropolitanas da América doNorte e do mundo.

Na atual economia globalizada, as municipalidades de umamesma região não mais competem umas com as outras. A com-petição econômica dá-se entre as principais regiões metropoli-tanas. Em conseqüência, cabe à CMM fazer duas coisas: enten-der claramente em que consiste a capacidade de competiçãointernacional e preparar uma estratégia de desenvolvimento eco-nômico que seja capaz de enfrentar, com sucesso, os desafiosda globalização e de, assim, posicioná-la favoravelmente nesseembate. (Communauté Métropolitaine de Montréal, 2005, p. 11).

Deve ser observado que, conforme bem argumentado por Sancton(2003), ainda que a globalização possa ser a causa de profundas transforma-ções nas características físicas e econômicas das áreas metropolitanas e,eventualmente, leve à necessidade de formulação de novos arranjos gover-namentais, a verdade é que tal fato não difere fundamentalmente das tentati-vas anteriores de adequação das estruturas municipais às mudanças nos pa-drões de urbanização. Da mesma forma, os argumentos em favor dainternalização das externalidades proporcionadas por um governo metropoli-tano, a partir da fusão de municipalidades, já são velhos conhecidos, não ten-do nada a ver especificamente com a globalização.114

113 “A concorrência estéril entre as municipalidades de uma mesma aglomeração, a multiplicidadede atores que se expressam em vozes discordantes e a falta de uma visão de conjunto porparte das coletividades servem apenas para reduzir a capacidade competitiva das cidadesde Quebec nos mercados internacionais. É preciso criar condições ótimas de desenvolvi-mento econômico para a formação de pólos socioeconômicos que tenham uma dimensãocapaz de se impor no cenário mundial.” (Soucy, 2002)

114 “Sob muitos aspectos, é simplesmente um absurdo considerar que a globalização está direta-mente relacionada à fusão municipal. Por definição, a globalização é generalizada. Não temum impacto direto sobre a estrutura das instituições governamentais, havendo mudanças se-melhantes ocorrendo em outros lugares [...] Usar o argumento da globalização para explicar afusão não faz nenhum sentido. Não há, na verdade, conexão entre a organização municipal deum área metropolitana e sua posição na hierarquia das cidades globais.” (Sancton, 2003).

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4 A CIDADE DE VANVOUVER E O DISTRITOREGIONAL DA GRANDE VANCOUVER

(GREATER VANCOUVER REGIONALDISTRICT – GVRD)

4.1 A Província da Colúmbia Britânica

A Colúmbia Britânica é, dentre as províncias canadenses, a que estáposicionada mais a oeste, sendo a única voltada para o Oceano Pacífico. Temuma área de 944.735km2, ocupando 9,46% da superfície total do Canadá.Forma uma das regiões mais montanhosas da América do Norte e diferencia-se especialmente pela riqueza de seus recursos naturais, com o destaqueficando por conta das florestas, dos minerais e dos hidrocarbonetos. A estrutu-ra da economia regional reflete o peso dos setores tradicionais que formam avelha base produtiva assentada na exploração dos recursos naturais e quevêm passando por um processo de esvaziamento de sua significância econô-mica. Ainda assim, as atividades madeireiras continuam tendo uma importân-cia primordial, a ponto de terem representado 16% do PIB da Província e 35%das suas exportações em 2004 (Consulat Général de France à Vancouver,2006, p. 5). As atividades ligadas à pesca já foram mais relevantes, estando,hoje, em declínio. A exploração mineral — outrora de grande significado —enfrenta dificuldades e só voltou a crescer, mais recentemente, por obra doaumento da demanda originária da Ásia. Essa é uma reativação que decorre,portanto, dos fortes laços econômicos que se estabeleceram com a transfor-mação da Colúmbia Britânica na porta de entrada para os residentes dos pa-íses asiáticos da orla do Pacífico.

A província contava com 4.113.487 habitantes em 2006, contribuindo com13,01% da população do Canadá. A taxa de crescimento demográfico regio-nal é relativamente elevada para os padrões canadenses, tendo sido de 1,52%a.a., entre os anos de 1991 e 2006, contraposta à de 0,98% a.a. observada noPaís como um todo, no mesmo período. Já em termos de densidadepopulacional desse território, verifica-se ser a mesma bastante baixa (4,35hab/km2 em 2006), ainda que levemente superior à média canadense (3,17hab/km2).115 Trata-se, na verdade, de uma região pouco ocupada, mas que émarcada pela presença de grandes contingentes populacionais em algunscentros urbanos.

Os movimentos de população na Colúmbia Britânica estiveram sempremuito atrelados ao comportamento dos fluxos de entrada de estrangeiros. Comefeito, a região foi, tradicionalmente, o destino de importantes massas migra-

115 Para fins comparativos, assinala-se que a densidade demográfica do Brasil era de 21,93 hab/km2 em 2006 (IBGE, [s.d]).

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tórias, o que explica o fato de a maior parte de seus atuais habitantes seremdescendentes dos europeus que lá se fixaram a partir de fins do século XIX.Os ingleses constituíam a maioria entre os imigrantes de origem britânica queingressaram nessa época, mas escoceses e irlandeses também se fizerampresentes.

Entre outras comunidades que contribuíram para a formação da popula-ção local, encontram-se especialmente os alemães, os italianos, os gregos,os holandeses, os escandinavos e os ucranianos. Em período mais recente,após os anos 80, os fluxos imigratórios voltaram a intensificar-se, sendo agoraprovenientes da Ásia, em particular de Hong Kong, China Continental, Taiwan,Índia e Paquistão. Esses movimentos de população ainda são bastante ativosna atualidade, bastando dizer que, apenas no ano de 2004, a Província aco-lheu 37.000 estrangeiros, correspondendo a 15,7% do total de imigrantes queingressaram no Canadá, nesse ano (Consulat Général de France à Vancou-ver, 2006, p. 7 e 9).

A sede do Governo Provincial da Colúmbia Britânica fica em Victoria, umacidade que tinha 78.659 habitantes em 2006 e que está situada na ilha deVancouver.

Mapa 9A Província da Colúmbia Britânica

FONTE: Disponível em:<http://travel.yahoo.com>. Acesso em: 12 dez. 2006.

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4.2 A Cidade de Vancouver e o Distrito Regionalda Grande Vancouver

A população de Vancouver era de 578.041 habitantes em 2006, o que atornava a principal cidade da Província e a terceira maior do País, seguindo-se aToronto e Montreal. Sua área metropolitana – conhecida pelo nome de DistritoRegional da Grande Vancouver e que corresponde à Vancouver CensusMetropolitan Area – estende-se por um território de 2.878,52km2 (considerando-se apenas a superfície de terras), sendo que 26% do mesmo estavam urbanizadosem 2001 (Regional Transportation Commission, [s.d.]). O GVRD é a terceira mai-or área metropolitana do Canadá e tinha 2.116.581 habitantes em 2006, o quesignifica dizer que mais da metade dos residentes da Província (51,45%) vivianessa aglomeração. Além do mais, nota-se que seu peso relativo vem aumentan-do no total da população provincial, tendo registrado um acréscimo percentual de3,14% desde 1971. Inversamente, está em queda a participação percentual doprincipal pólo — a Cidade de Vancouver — na sua área metropolitana, que de-cresceu 12,08% entre 1971 e 2006, sendo de 27,31% neste último ano.

As respectivas taxas de crescimento refletem esses movimentosdemográficos diferenciados, com a Grande Vancouver expandindo-se a 1,93%a.a., entre os anos de 1971 e 2006, e a Cidade de Vancouver, a 0,87%. Comisso, um contingente de um milhão de pessoas somou-se à população resi-dente da Grande Vancouver, fazendo-a dobrar de tamanho e destacando-acomo uma das de mais rápido crescimento entre as áreas metropolitanas ca-

Tabela 3

População da cidade de Vancouver e do GVRD e participaçãopercentual da população de Vancouver na do GVRD – 1941-2006

ANOS

194119511961197119811991199620012006

VANCOUVER(1 000hab.)

(A)275,3344,8384,5426,3413,6471,8514,0545,7578,0

GVRD(1 000hab.)

(B)409,3586,2826,8

1 082,31 268,21 602,51 831,71 987,02 116,6

PARTICIPAÇÃOPERCENTUAL

(A /B)67,2658,8246,5039,3932,6129,4428,0627,4627,31

FONTE: Statistics Canada (dados censitários).

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nadenses. Nos anos mais recentes, a dinâmica demográfica da área metro-politana viu-se um pouco enfraquecida, com a taxa de crescimento anual ca-indo para 1,27% entre 2001 e 2006.

As outras municipalidades importantes dessa aglomeração são Surrey(394.976 habitantes em 2006), Burnaby (202.799 habitantes), Richmond(174.461 habitantes) e Coquitlam (114.565 habitantes) (Statistics Canada,2007c).

Mapa 10O Distrito Regional da Grande Vancouver

Conforme já observado no caso da Província como um todo, o concursodos fluxos imigratórios foi determinante também na formação demográfica daCidade de Vancouver, a ponto de o censo de 2001 revelar que 37,5% dosseus residentes tinham origem estrangeira. A participação dos asiáticos, e ados chineses em particular, é muito marcante, não só na própria Cidade deVancouver (6,9%) como principalmente no âmbito de sua área metropolitana,onde perfaziam 34% do total de habitantes. Em termos absolutos, e conformeos resultados do censo de 2006, isso se traduziu em um ingresso médio de25.000 novos imigrantes a cada ano, no período entre 2001 e 2006 (StatisticsCanada, 2007c).

FONTE: Disponível em:<http://www.frostcloud.com>. Acesso em: 23 jan. 2008.

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As relações privilegiadas mantidas com a Ásia tendem a refletir-se navida econômica da metrópole, que sofre forte influência dos asiáticos, queatuam nos mais variados setores, fazendo dela uma das cidades canadensesque menos depende economicamente dos Estados Unidos (Ebabylone, 2006).Paradoxalmente, com sua localização no extremo sudoeste do Canadá, Van-couver dista somente 38km da fronteira com os Estados Unidos.

Cabe também referir a contribuição, na formação demográfica do GVRD,dos residentes de origem aborígene, cuja presença continua sendo significa-tiva nos dias atuais (cerca de 2,7% do total de habitantes segundo o censo de2001). Eles formam as chamadas coletividades das “Primeiras Nações” (FirstNations), vivendo concentrados em reservas indígenas, ou de forma dissemi-nada no território.

A Grande Vancouver localiza-se na borda do Pacífico, estando separadado oceano pelo estreito de Geórgia, um corpo d’água confinado entre a ilha deVancouver e o continente. Compõe um sítio fisiográfico privilegiado, que temsido o destino tradicional de numerosos fluxos turísticos, atraídos que sãopelas belezas naturais de um território que ostenta, como grande vitrine, ooceano, as montanhas, os rios e os lagos. Também pesam favoravelmentenesse sentido um clima bastante ameno pelos padrões canadenses e a qua-lidade de vida oferecida por Vancouver, considerada uma das melhores cida-des do mundo para se viver.116

A região forma o centro econômico da Colúmbia Britânica, contribuindocom mais de 50% do PIB e do emprego regionais. Outro indicador significativodessa primazia reside no fato de 90% das grandes companhias instaladas naProvíncia terem ali sua sede (GVRD, 2002, p. 11).

A Cidade de Vancouver, mais especificamente, deriva sua principal fontede renda do comércio internacional, posto que funciona como o principal póloportuário e o segundo maior centro aeroportuário do Canadá, além de consti-tuir o término da ferrovia transcontinental. Destaca-se ainda como centro fi-nanceiro e por abrigar tradicionalmente as matrizes de numerosas empresasda área de mineração e de produtos florestais. Em época mais recente, em-preendeu um bem-sucedido movimento de diversificação econômica, com asatividades ligadas aos serviços ganhando maior representatividade.117

116 De acordo com o ranking do The Economist Inteligence Unit, Vancouver despontava comoa primeira cidade em qualidade de vida em um conjunto de 127 cidades globais selecionadas(Slack, 2004, p. 48).

117 “Considerando-se o desenvolvimento das atividades produtivas na Vancouver metropolitana,verifica-se que há uma crescente dicotomia entre o Lower Midland e o restante da Província.A maior parte da economia da Colúmbia Britânica é de natureza extrativa, com grande de-pendência da exploração madeireira, da mineração e da pesca e uma limitada inserção in-dustrial. A base produtiva do Lower Midland, por sua vez, está cada vez mais orientada parao serviços, com forte presença dos serviços pessoais e dos que servem às empresas, alémdo turismo e de uma rede de distribuição de bens e serviços que cobre toda a Província.Graças à sua importante população de origem estrangeira, a uma economia regionalcrescentemente interdependente e voltada para o exterior e à sua posição estratégica en-quanto porto do Pacífico, Vancouver tornou-se uma cidade internacional, ao mesmo tempoem que a economia da Província, por seu turno, ficou ainda mais internacionalizada.” (Smith,2004, p. 8).

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Vem-se afirmando também como pólo de desenvolvimento de novastecnologias, com ênfase nas áreas de software e de biotecnologia. Deve serobservado que, em grande medida, os bons resultados alcançados nessedomínio têm muito a ver com a ativa política de apoio à pesquisa e ao de-senvolvimento industrial praticada pelo Governo Provincial no campo da altatecnologia.

Também o cinema conquistou seu lugar de destaque na estrutura produ-tiva da Cidade, a ponto de Vancouver ter-se tornado, depois de Los Angeles eNova Iorque, o terceiro pólo de produção cinematográfica da América do Nor-te. O sucesso alcançado nessa área está intimamente associado à variedadee à beleza dos cenários próprios da Colúmbia Britânica, mas também muitose deve aos atrativos de uma estrutura de custos de produção, em âmbitolocal, muito mais favorável do que a encontrada nas locações feitas nos Esta-dos Unidos. Esta é, todavia, uma atividade largamente tributária dos grandesestúdios norte-americanos, sendo freqüente o caso de produções realizadasem regime de subcontratação (Consulat Général de France à Vancouver, 2006,p. 27). Para dar uma idéia das proporções assumidas pelo fenômeno, veja-seque cerca de 10% dos filmes de Hollywood são, na atualidade, rodados emVancouver, enquanto muitos seriados da televisão norte-americana são alifilmados de forma exclusiva (Ebabylone, 2006).118

Vancouver está agendada para receber os Jogos Olímpicos de Invernode 2010, um evento que deverá ter, assim se espera, um impacto altamentedinâmico em sua economia, bem como trazer o reconhecimento internacionalde seu potencial nesse mundo de cidades expostas à globalização. Algo se-melhante já ocorreu em 1986, quando ela foi sede de uma exposição interna-cional (a ‘86 World Expo), cujos estímulos dinamizadores se prolongaram porvários anos. É dessa ocasião que data, por exemplo, a primeira linha doSkytrain, o sistema de metrô de Vancouver, além de vários outros equipamen-tos urbanos, hotéis e centros de eventos (Lévesque, 2004).

Os efeitos indutores dos Jogos Olímpicos de Inverno, em conjunto comos de outros, de menor porte, também já programados, devem contribuir, poroutro lado, para exacerbar um dos problemas críticos com que a Cidade jáconvive, qual seja, o do crescimento urbano desenfreado de sua zona central.Vê-se, assim, que, entre 1991 e 2004, houve um aumento da ordem de 62%no número de pessoas ali residentes. Ora, por força das características topo-gráficas do sítio onde se localiza Vancouver (espremida que está entre o es-treito de Geórgia, o rio Fraser e as montanhas), é limitado o espaço disponívelpara ocupação urbana. Por uma opção explícita dos planejadores e adminis-tradores locais, tomada já ao final dos anos 50 e início dos 60, foi incentivadaa edificação de torres de moradia no coração da Cidade (mais especificamen-te, no West End Downtown). É o que explica a formação dessa cidade com-

118 Em 2005, foram produzidos 211 filmes na Colúmbia Britânica, 148 dos quais para a televi-são. Isso acarretou despesas globais da ordem de US$ 1,68 bilhão, 60,5% das quais foramrealizadas na Columbia Britânica. A propósito, ver http:<//www.gvrd.bc.ca>. Acesso em: 02jun. 2006.

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pacta, com um grande número de edifícios altos e um padrão de ocupaçãoextremamente densificado em seu centro histórico, que se traduz na maiordensidade do Canadá e na terceira da América do Norte, após Nova Iorque eSão Francisco (Wikipedia, 2006b).

A linha do horizonte da Cidade de Vancouver reflete a maciça presençados arranha-céus em seu centro urbano. sendo ali usuais os prédios comalturas variando entre 90m e 130m, o que equivale, grosso modo, a imóveiscom 20 a 30 pavimentos (Figura 5).

Figura 5A linha do horizonte da Cidade de Vancouver

FONTE: Disponível em:<http:// www.jonpatch.ca>. Acesso em: 02 abr. 2008.

Deve ser dito que esse padrão de edificação resultou da observância àlegislação que disciplina a altura máxima dos edifícios, fixada em 450 pés(138m), e que pretendia manter desimpedida a visão das montanhas portrás da Cidade. As normas que regulam essa matéria datam basicamente de1989 e 1990 e fixam corredores na área central, onde existem limites, emtermos de altura, a serem respeitados na edificação dos prédios. Ainda que,durante muitos anos, tenha sido possível preservar a vista das montanhas,criou-se um grupo de pressão local muito atuante na crítica aos limites de

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altura, com base na argumentação de que a linha do horizonte de Vancou-ver é por demais uniforme e desprovida de atrativos visuais. Conforme osdefensores dessa tese, a solução seria promover a implantação de algunsedifícios especialmente elevados, de forma a romper a platitude do cenáriourbano e, assim, refletir a imagem de uma Vancouver contemporânea. Aspressões dos interesses imobiliários, nesse sentido, foram bem-sucedidas elevaram à realização de um estudo, em 1997, versando precisamente sobrea linha do horizonte de Vancouver. Foi ali assimilada a proposta de que erapreciso “valorizá-la”, sendo feitas recomendações no sentido de liberar, emalguns sítios selecionados, a construção de prédios excedendo os limiteslegais de altura até então vigentes. As recomendações do estudo foram apro-vadas e implementadas, já existindo, hoje, vários arranha-céus construídose outros em construção segundo as novas normas, com o mais alto tendo194m e 61 andares (Wikipedia, 2006b).

Os efeitos cumulativos de um tal padrão de ocupação urbana devem agra-var ainda mais o problema das disparidades sociais nessa cidade, que tambémé conhecida por seus contrastes. Ora, Vancouver é considerada, notoriamente,o local mais caro do Canadá para se morar. Com a febre de construção denovas torres de moradia que se instalou desde o final dos anos 90 e o afluxocontínuo de novos residentes, tem se mantido aquecida a demanda por moradi-as, fazendo os preços dos imóveis e dos aluguéis dispararem e tornando cadavez menos viável a sobrevivência da população mais pobre nesse território.119

Mas que tipo de comunidade resultará daí? O novo centrourbano não é tão sociável como parece. Há dois tipos deespaços em emergência: as ruas cheias de vida e tam-bém os apartamentos das torres, que se assemelham acastelos medievais, planando acima dos camponeses queficam na praça lá embaixo. Elas formam condomínios fe-chados verticais (gated communities in the sky), cada vezmais equipados com engenhosas barreiras destinadas amanter afastados os intrusos. (Delany, 2004).

Observa-se que Vancouver já era conhecida por possuir uma das áreasmais pobres de todo Canadá, o Downtown Eastside, que é um dos bairrosmais antigos da Cidade, localizando-se em pleno centro histórico e sendonotável por sua arquitetura e pela diversidade de etnias e condição social deseus moradores. Na atualidade, forma um espaço urbano bastante degrada-do, que abriga uma população de baixa renda e que foi, em anos mais recen-tes, tomado por alguns dos piores problemas enfrentados pelas grandes cida-

119 “Um grande boom de construção de edificações no centro da Cidade, ainda em plenoandamento, teve início no final dos anos 90, em grande parte financiado pelos volumososcapitais trazidos por imigrantes vindos de Hong Kong antes da passagem desse territórioao controle chinês. Isso determinou uma valorização imobiliária da ordem de 10% a 15%a.a.” (Wikipedia, 2006b).

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des: pobreza, drogas, AIDS (os mais altos índices de infecção por HIV daAmérica do Norte), hepatite C, roubos, assassinatos, prostituição, falta demoradias condizentes e ausência de empregos (City of Vancouver. [s.d.]).120

Está atualmente em curso um programa de revitalização do DowntownEastside, que pretende restaurar as condições de vida na área. Os esforçosestão sendo especialmente dirigidos no sentido de buscar soluções de longoprazo para os problemas de saúde e de segurança comunitária, de moradia ede reativação econômica. No caso dos drogados, em particular, o conceito ado-tado é o da redução dos danos (harm reduction), baseado na proposta de que épreciso encarar a situação dos viciados como um problema de saúde pública.Daí o sentido dos programas de entrega de agulhas descartáveis para os toxi-cômanos, em troca das infectadas, e da disponibilização de locais onde os mes-mos podem injetar as doses em condições seguras e sob a supervisão de pes-soal qualificado. A aceitação desse tipo de abordagem não é, todavia, pacífica,o que tem levado o programa a avançar muito lentamente (Dewolf, 2004).

Um risco das estratégias de revitalização ou de renovação urbana é o dagentrificação que costuma acompanhá-las e que se traduz na mudança dacomposição social da área renovada, decorrendo daí a expulsão dos morado-res mais pobres e sua substituição por outros de maior renda. No caso espe-cífico do Downtown Eastside, isso não parece estar ainda ocorrendo de formageneralizada, mesmo que haja áreas específicas onde o fenômeno já foi de-tectado (Vancouver’s Downtown Eastside Gentrification & GIS, [s.d.]).

4.3 O formato institucional do Distrito Regionalda Grande Vancouver

4.3.1 Os antecedentes do Distrito Regional da Grande Vancouver

Conforme já visto, são as províncias que têm, por força da Constituição,autoridade sobre as municipalidades no tocante à determinação das normasde sua criação e das funções que as mesmas podem exercer. O GovernoFederal também tem envolvimentos, de natureza indireta, em nível local, pres-tando assistência localizada às municipalidades, ainda que raramente o façano contexto de programas de cunho mais abrangente e coordenado. O fato éque as províncias encaram as municipalidades como “feudos” seus e costu-mam ressentir-se da ingerência federal nessa área.

120 “Trata-se de uma mudança drástica. Em um momento, está-se rodeado por estudantes coreanosde aparência saudável na Seymour Street, comendo kimbob [comida coreana de aparênciasemelhante ao sushi japonês] e fish cake [um tipo de bolinho de peixe]; alguns quarteirõesadiante, dá-se de cara com um drogado esquelético inalando crack na Hastings Street. Este éo Downtown Eastside, um inegável desmentido à cidade próspera que Vancouver pretendeser. Aqui há mais de 5.000 drogados. Dormem nos hotéis residenciais que se alinham ao longoda Hastings Street e ficam perambulando pelas calçadas e becos.” (Dewolf, 2004).

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É também da esfera de atribuições das províncias a criação de organis-mos regionais, sendo que, na Colúmbia Britânica, a modalidade adotada as-sumiu a forma de distrito regional. Basicamente, essa é uma estrutura degovernança que busca incentivar a cooperação entre as comunidades, demaneira tal que as mesmas possam se beneficiar das vantagens decorrentesda administração conjunta na prestação de determinados serviços básicos.

O sistema de 27 distritos regionais implantado na Colúmbia Britânicadata da metade dos anos 60. Tal como idealizado, o distrito regional deveria“[...] servir de agência regional para as atividades e os serviços governamen-tais descentralizados, formar o quadro geral para a cooperação intermunicipale territorial e fornecer os serviços municipais para a população dos territóriosnão municipalizados” (Collin e Léveillée, 2003).121

No caso específico do Distrito Regional da Grande Vancouver, seu territó-rio coincide, conforme já visto, com o definido pela Área Metropolitana Censitáriade Vancouver (Vancouver Census Metropolitan Area). Forma uma organizaçãopolítica composta por 21 municipalidades, dotadas de seus próprios governosmunicipais, e pelo chamado Distrito Eleitoral A, um espaço não organizado comomunicipalidade. A região abriga ainda algumas reservas indígenas, que nãoestão sujeitas a nenhuma municipalidade ou ao Distrito Regional.

O GVRD forma uma associação de municipalidades, cujo fim último resideno estabelecimento de condições favoráveis à realização dos interesses co-muns de seus membros. É uma instância essencialmente funcional, que operana base de consensos envolvendo coalizações entre municipalidades. Faz par-te do sistema municipal e, mesmo não constituindo um nível intermediário degoverno – ou seja, não forma um governo metropolitano –, dispõe de um man-dato metropolitano, o que lhe confere status de agência prestadora de serviçosno âmbito da região. Dado um tal arranjo, é grande a autonomia desfrutadapelas municipalidades, sendo as decisões no seio do GVRD tomadas semprepor consenso. Isso significa dizer que todas as alterações e ampliações envol-vendo os serviços sob a responsabilidade do GVRD precisam passar previa-mente pelo crivo e pela aceitação das municipalidades-membros.

Deve ser dito que uma estrutura organizacional desse tipo aparece comouma clara exceção dentro do modelo canadense de gestão metropolitana,que tende ao formato da megametrópole e onde é corriqueiro o fenômeno dasfusões. Nesse contexto, a Grande Vancouver desponta como a única funcio-nando com base em uma estrutura de colaboração regional que não incluiu, enão tem previsões nesse sentido, as fusões de municipalidades.

Observa-se que as primeiras experiências no campo da gestão metropo-litana, na região, datam do início do século XX, quando foi formado o GreaterVancouver Sewerage and Drainage District (1913). Essa agência de âmbitometropolitano, responsável pela administração do sistema de esgotos sanitá-

121 “O distrito regional é uma estrutura de governança criada para coordenar o fornecimento deserviços em uma dada região. Suas funções básicas são [...] as de assegurar um fórum paraa cooperação intermunicipal e criar condições para a governança regional [...] O distrito regionalfoi concebido como uma instituição flexível, capaz de auxiliar as municipalidades a pensar ea atuar de forma conjunta, levando em conta o fator regional.” (McFarlane, 2001, p. 7).

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rios e pluviais da região, foi seguida de outras, como o Greater VancouverWater District (1926), que assumiu os serviços de abastecimento de água.

Na verdade, a fórmula foi tão bem-sucedida que nada menos do que 17dessas agências chegaram a operar na área metropolitana. Era muito ampla aabrangência de sua atuação, estendendo-se por áreas como educação, teatros,policiamento, habitação popular e parques e recreação, dentre outras. Osopositores dessa forma descentralizada de atuação argumentavam que a decor-rente fragmentação institucional e a dependência criada em relação a uma plêiadede agências e comissões se contrapunham ao alegado ganho de eficiência obti-do na realização dos serviços. Da mesma forma, a pouca transparência marcan-do a prestação de contas desses órgãos acabava inibindo as condições de avali-ação do custo real de fornecimento dos serviços (Brunet-Jailly, 2004).

4.3.2 As funções institucionais do Distrito Regional da Grande Vancouver

A implantação do Grande Distrito Regional de Vancouver remonta a 1967e deve-se diretamente à iniciativa do Governo Provincial. Sua criação obede-ceu o princípio amplo de estabelecer as condições para planejar e orientar odesenvolvimento em um contexto metropolitano, sendo-lhe atribuída uma es-fera de atuação abrangente e muito diversificada. Basicamente, compete-lheassegurar o fornecimento de serviços básicos de natureza regional, ou seja,não local: tratamento e fornecimento de água potável; tratamento do esgoto eáguas pluviais; recebimento do lixo recolhido e sua reciclagem; formulação eimplementação de normas relativas à qualidade do ar; monitoramento e ma-nutenção da qualidade do ar; administração dos parques regionais122; elabo-ração de planos de desenvolvimento regional; oferta de moradias de aluguelbarato; administração do sistema telefônico de emergência (o chamado 911);assessoria às municipalidades em matéria de relações de trabalho; e estabe-lecimento de políticas no campo do transporte regional (GVRD, 2003, p. 3).

No cumprimento de suas atribuições, o GVRD incorporou muitos dos jáaludidos organismos préexistentes que prestavam serviços à região. Na práti-ca, funciona como uma agência “guarda-chuva”, exercendo o controle sobreórgãos juridicamente independentes e que atuam em áreas bem específicas:água potável, esgoto, habitação e sistema de transportes. Não obstante suaautonomia, esses organismos têm muitos elementos em comum e, inclusive,compartilham os mesmos membros em seus respectivos conselhos dirigen-tes. Devem igualmente, pelo menos em tese, ter como referencial de seustrabalhos uma mesma visão do desenvolvimento regional, a qual está expres-sa nos planos estratégicos propostos pelo GVRD.

122 Há 26 parques regionais e greenways sob a jurisdição do GRVD, além de várias reservasnaturais (Wikipedia, 2006c). Os greenways formam uma rede de vias implantadas no campoe nas cidades, que é usada para os deslocamentos a pé, de bicicleta ou a cavalo, servindo,portanto, para um uso estritamente não motorizado.

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Os serviços prestados pela instância metropolitana têm sua contrapartidano pagamento de quotas-partes, a cargo das municipalidades beneficiadas,que arrecadam recursos para pagá-las através da cobrança de tributos muni-cipais. A quota-parte municipal de cada serviço é rateada com base na aplica-ção de um indicador, que é função do número de propriedades existentes emcada municipalidade e de seu valor imobiliário (o chamado property assessmentbase). A exceção é o transporte público, que também passou ao controle doGVRD e que foge à regra da contribuição financeira proveniente dos gover-nos municipais, já que seu financiamento é assegurado pela cobrança diretade vários impostos e taxas.

No caso da água, compete à instância municipal sua distribuição final àsunidades familiares, comerciais e industriais. Os encargos do GVRD são osde garantir o fornecimento da água tratada aos sistemas de abastecimentoadministrados localmente. Deve ser observado que nem todas as 21 munici-palidades integram a rede de água do GVRD (no caso, há apenas 17 partici-pantes), com as não-aderentes prestando o serviço de alguma outra forma aseus residentes (GVRD, 2003, p. 13). Essa é uma situação perfeitamenteregular, na medida em que não existe um mandato regional obrigatório, po-dendo as municipalidades exercerem – em função de acertos locais – o direitode fazer uso, ou não, dos serviços oferecidos pelo distrito regional.

Em se tratando do esgoto, por sua vez, o GVRD responsabiliza-se pelaoperação e pela manutenção das grandes redes coletoras e das estações debombeamento, bem como pela operação das plantas de tratamento. Em rela-ção a este último aspecto, é interessante acrescentar que existe uma fortepreocupação local para reduzir os impactos negativos ao meio ambiente quesurgem no decorrer do processo. A idéia é de avançar no sentido do benefici-amento do material coletado, deixando para trás a sistemática anteriormenteadotada de despejar os dejetos resultantes das águas tratadas no oceano.Para tanto, foi desenvolvido – e vem sendo progressivamente implantadodesde 1998 – um procedimento técnico envolvendo a seleção, o tratamento ea reciclagem dos nutrientes e da matéria orgânica encontrados nos dejetos. Omaterial resultante compõe os chamados biodejetos e tem serventia comofertilizante ou condicionador de solos (GVRD, 2003, p. 20).

4.4 O sistema de transportes e o Distrito Regionalda Grande Vancouver

O sistema de transporte público na Grande Vancouver esteve, durantemuito tempo, em mãos das autoridades provinciais, tendo passado para aalçada do GVRD em 1998. Esse foi o ano em que surgiu a Translink (GreaterVancouver Transportation Authority), uma agência criada pelo GVRD e peloparlamento da Província com a finalidade de gerenciar o sistema de transpor-te regional.

Suas atribuições são as mais amplas, tendo a seu encargo o sistema deônibus, o serviço de barcos para pedestres e ciclistas (Seabus), o sistema de

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metrô (Skytrain) e o serviço de trens suburbanos (Commuter Rail West CoastExpress). Tem também jurisdição sobre as principais pontes e vias da região,excetuadas aquelas que são administradas pelo Governo Provincial. Está igual-mente a seu encargo a elaboração dos planos de transporte para a região e aadministração dos serviços prestados por companhias subsidiárias e por ou-tras contratadas.

O Skytrain forma uma divisão separada dentro da Translink, cabendo-lhe a operação do sistema de metrô automatizado de Vancouver, cujas con-cepção e implantação foram de responsabilidade do Governo Provincial. Sãoduas as linhas em funcionamento, sendo que a primeira (a Expo Line) en-trou em operação em 1986 e tem uma extensão de 28,6km, com as compo-sições deslocando-se em via subterrânea apenas ao longo de um pequenotrecho de 1,3km. A segunda linha, a Millenium Line, tem 21,0km, e entrouparcialmente em serviço em 2002, passando a funcionar integralmente so-mente em 2006. Possui, da mesma forma, apenas um curto trajeto (800m)em via subterrânea (UrbanRail.Net, 2006). O metrô de Vancouver encontra-se atualmente em fase de ampliação, estando previstas duas novas linhas,uma com 19,5km e a outra com 11,0km. A expectativa é a de que ambasestejam finalizadas a tempo de servirem aos jogos olímpicos de inverno de2010 (Railway Technology, 2006).

Os investimentos realizados no metrô de Vancouver fazem parte da estra-tégia de fortalecer o uso do sistema de transporte público na região. Essa estra-tégia envolve também o incentivo aos deslocamentos a pé e de bicicleta, de-vendo ser salientada, nesse sentido, a existência de uma rede de ciclovias123.Contempla, da mesma forma, o propósito de exercer um maior controle sobre aexpansão da malha viária, uma medida que faz parte da política mais ampla debuscar reduzir a dependência do automóvel enquanto modo de transporte privi-legiado. Isso corresponde à iniciativa da Translink de tentar influenciar as op-ções modais, tendo em conta preocupações de ordem ambiental, de controlesobre a expansão da ocupação urbana e de preservação das condições geraisde acessibilidade na região metropolitana (GVRD, 2002, p. 60).

Os ônibus formam a espinha dorsal do sistema de transporte público daárea metropolitana. Os investimentos no sistema vêm sendo diferidos, nãotendo se verificado a ampliação necessária da frota de veículos para acompa-nhar o crescimento da demanda. Por outro lado, observa-se que “[...] o dinhei-ro público foi aplicado na expansão do Skytrain, que absorve mais de 30% doorçamento de transporte na região, mas transporta apenas 15% dos passa-geiros. Foram também feitos pesados investimentos no sistema viário [...]”(Tomalty, 2002, p. 13).

A rede viária regional tem uma extensão de 12.000km, comportando 15pontes e um túnel. Ainda que haja várias vias expressas na área metropolita-na, não há nenhuma implantada dentro do perímetro de Vancouver, o que é

123 Há cerca de 100km de ciclovias implantadas na área de Vancouver, sendo que apenas 5,4kmsão de vias exclusivas (Scott, [s.d.]), o que é considerado pouco, se se considerar a situaçãode outras metrópoles canadenses. Nenhuma dessas vias cruza a área central da Cidade.

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uma decorrência tanto das imposições do sítio geográfico onde está a Cidade— condicionado pela presença do oceano, de montanhas, rios, planíciesalagáveis e terras agricultáveis — como das regulamentações municipais inci-dentes nesse domínio. Observa-se que é o governo da Cidade, e não o daProvíncia, que responde pelos investimentos na rede viária, tendo os residen-tes de Vancouver sempre se recusado a pagar pela construção de freeways.

Em um dia de semana típico, cerca de 74% das viagens naGrande Vancouver são realizadas em automóvel, 13% a pé,11% em transporte público e 2% de bicicleta [...] No decursoda última década, a participação do transporte público no totaldas viagens permaneceu estável nas horas de pico, no entor-no dos 11%, ficando a distância média percorrida em 14km.Essa relativa estabilidade contrasta com os congestionamen-tos sempre maiores registrados nas principais vias e pontes.[São marcas da presente situação], os tempos alongados deviagem (ainda que as distâncias percorridas permaneçam asmesmas), o aumento no número de veículos — agora ocor-rendo a uma taxa maior do que a do crescimento da popula-ção — e os níveis crescentes dos principais poluentes emitidospelos veículos, em especial, os gases responsáveis pelo efeitoestufa e o fino material particulado. (GVRD, 2002, p. 59).

O total de veículos registrados no GVRD chegou a 1,347 milhão em janei-ro de 2006, representando um acréscimo de 26,5% em relação à mesma situ-ação de 1996. Isso equivale a dizer que, a cada ano, um total de 29.000 novosveículos se juntou à frota em circulação no território metropolitano, o que re-presentou a inclusão de 79 novos veículos a cada dia (GVRD, 2006). Não éde surpreender, portanto, que os objetivos de reduzir a dependência do auto-móvel na região não tenham sido bem-sucedidos, mantendo-se praticamenteos índices de participação do transporte público no entorno dos 11% que jáeram registrados por volta de 1975, quando foi formulado o The LiveableRegion 1976-1986, que fixava metas para a contenção do automóvel enquantomodo privilegiado de transporte metropolitano.

Nota-se que, também aqui, são os automóveis e caminhões que contribu-em sobremaneira para o comprometimento das condições ambientais, consti-tuindo os mesmos a principal fonte emissora dos gases do efeito estufa. Éverdade que a qualidade do ar na região apresentou alguns avanços nas últi-mas décadas, em boa medida por força da aplicação dos programas locais demelhoria da qualidade do ar.124 A menor presença de poluentes e de material

124 “A qualidade do ar na região é considerada boa na maior parte do tempo. Configura uma situaçãosensivelmente melhor do que a verificada nos anos 80, não obstante o crescimento populacionale a intensificação das atividades econômicas registradas desde então. Em 1994, o GVRD tor-nou-se a primeira região no Canadá a adotar um plano de gestão da qualidade do ar. Era aliprevista uma redução de 38% — até o ano 2000 e relativamente aos níveis de 1985 — dasemissões provindas dos automóveis e das fontes industriais [...] A meta não só foi alcançada,como chegou a ser superada, com as emissões diminuindo 40%.” (GVRD, 2003, p. 24).

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particulado na atmosfera reflete também, por outro lado, a maior eficiênciados motores atuais que equipam os automóveis e os avanços técnicos incor-porados aos combustíveis. Observa-se que compete à própria Translink a res-ponsabilidade de aplicar o programa de qualidade do ar na Grande Vancou-ver, o qual é conhecido como AirCare Program.

A atuação da Translink na administração do sistema de transportes regio-nais tem encontrado limites125, em boa medida por conta de restrições de ordemorçamentária, e isso não obstante a relativa autonomia financeira de que goza aagência. De fato, uma parcela dos recursos provenientes da taxa incidente so-bre a gasolina – e cuja cobrança é da alçada do Governo da Província – entrana composição de suas receitas. Outras fontes financeiras são representadaspor tarifas, taxas de estacionamento e aquelas incidentes sobre veículosautomotores, bem como pelos recursos provenientes da cobrança do pedágio.No caso dessas duas últimas fontes, não foi possível implementá-las na prática,em função da falta de apoio do Governo Provincial na sua arrecadação. Damesma forma, vem declinando a contribuição do Governo da Província noscustos de implantação do sistema metroviário local: já foi de 100%, deveriapassar a 60% e ficou efetivamente em menos de 20%. Ou seja, ainda que tenhasido concedida à Translink uma boa base financeira, é restrita a autonomia deque goza para buscar outras fontes de recursos e, assim, ajustar seu orçamen-to a suas efetivas necessidades (Regional Transportation Commission, [s.d.]).

É por conta, portanto, de seus compromissos financeiros e de suas restri-ções orçamentárias que a agência vem enfrentando sérias dificuldades, a pontode haver projeções apontando — mantidas as atuais condições — a possibi-lidade de ocorrência de déficits anuais da ordem de US$ 170 milhões por voltado ano 2010 (Regional Transportation Commission, [s.d.]).

Cabe ainda destacar o fato notável representado por esse arranjo finan-ceiro atribuído à Translink, qual seja, o de que lhe foi delegada — mesmosendo uma empresa subsidiária — a capacidade de arrecadar taxas, umaatribuição que não se estende ao próprio Distrito Regional da Grande Vancou-ver.126 Nesse sentido, como foi bem observado, “[...] em razão de sua íntimaligação com a agência Translink, o GVRD assemelha-se cada vez mais a umgoverno regional à distância” (Groupe de Travail de Vancouver, [s.d.]).

125 “Apesar dos grandes investimentos realizados no sistema de transportes de Vancouver, aregião não conseguiu cumprir as metas e prioridades definidas nesse campo, assim comoesteve longe de atingir seus objetivos de longo prazo no tocante aos ganhos de participaçãodo transporte público. Entre os principais aspectos que contribuíram para tal situação estão:a ausência de um fluxo financeiro estável e em volume suficiente; o pouco progresso alcan-çado na implementação de medidas para alterar os padrões da demanda de transporte; e ocrescimento espacialmente disperso dos empregos no setor dos negócios, favorecendo lo-calizações e densidades que tornam problemático ou ineficiente o atendimento mediante otransporte coletivo.” (GVRD, 2002, p. 59).

126 Tal esquema financeiro foi aprovado mediante o estabelecimento de algumas condições: todorecurso arrecadado deve ser aplicado na melhoria do sistema de transporte; motoristas deveículos particulares e usuários do transporte público devem ser beneficiados em iguais pro-porções; e deve haver sempre preferência por um esquema de cobrança em que motoristase usuários paguem efetivamente pelos serviços utilizados (Tomalty e Bur, 2003).

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Ainda no capítulo das limitações que condicionam o desempenho daTranslink, verifica-se que a agência não tem pleno controle sobre os grandesprojetos de investimento na área do transporte público, nem sobre os recur-sos canalizados para a rede viária administrada pelo Governo Provincial. Issoé uma decorrência do fato de existirem, além da esfera metropolitana, outrostrês níveis de governo — federal, provincial e municipal — com ingerência nodomínio dos transportes da Grande Vancouver (Tomalty; Bur, 2003).127

A situação, nesse aspecto, torna-se especialmente conflitante, quandose constata que a estratégia seguida pelas autoridades provinciais noenfrentamento dos problemas de circulação da região passa pela realizaçãode grandes projetos de infra-estrutura. Mais especificamente, há planos deinvestir valores da ordem de US$ 3,3 bilhões na expansão viária, em um pra-zo de sete anos. A justificativa é a necessidade de criar condições para que aColúmbia Britânica possa acolher os grandes contingentes de novos residen-tes esperados nos próximos anos e fazer frente aos impactos decorrentes daintensificação do comércio com os países da Ásia (Kennedy, 2006).

Os argumentos favoráveis também ressaltam que, na hipótese de nadaser feito nesse sentido, resultariam agravadas as condições de congestiona-mentos na região,128 com reflexos nos tempos de viagem, que aumentariamentre 15% e 30% até o ano 2011 e entre 35% e 85% até 2031 (Ward, 2005).Os críticos dessa opção rodoviária, por sua vez, enfatizam as conseqüênciasnefastas que daí podem advir para a Grande Vancouver, por suas implicaçõesno estímulo ao ingresso de um número cada vez maior de veículos nas zonasurbanas.129 Da mesma forma, salientam seus potenciais efeitos danosos parao controle da expansão urbana e para as estratégias seguidas nos planos dedesenvolvimento do GVRD.

127 “Outro fator explicativo reside na falta de coordenação entre o uso do solo e o planejamentodos transportes na região. Tal planejamento não fazia parte das funções delegadas ao GVRDquando de sua criação em 1967. O Governo da Província manteve o controle sobre os gas-tos de capital e sobre o planejamento da infra-estrutura. Sob a administração provincial, otransporte na região padeceu não apenas de um financiamento cronicamente inadequadoface à necessidade de melhorias no transporte público, como foi condicionado pela tomadade decisões que não foram necessariamente motivadas pelo desejo de dar suporte aos obje-tivos de ordenamento do crescimento regional. Por exemplo, a decisão de 1970 de construiro Skytrain foi tomada de forma unilateral pela Província, assim como o foi a escolha datecnologia adotada e do percurso seguido. As motivações da Província estavam então asso-ciadas à Expo 86, à criação de empregos e à busca do financiamento federal. As objeções doGVRD foram ignoradas.” (Tomalty, 2002, p. 20).

128 “As principais vias encontram-se, na maior parte do tempo, no limite de sua capacidade. Aspontes formam pontos de estrangulamento durante as horas de pico, provocando longasdemoras e deixando os usuários frustados. Um estudo recente do GVRD mostrou que ashoras de pico, na região, se prolongam por todo dia [...]” (Scott, [s.d.]).

129 “O líder do Partido Verde da Província, Adriane Carr, disse que o Projeto Gateway abre intei-ramente as portas para a entrada de mais carros e caminhões. Basta olhar para a Califórniapara perceber que atacar os congestionamentos de tráfego via aumento da capacidade viá-ria é a mesma coisa que procurar resolver os problemas de obesidade afrouxando o cinto.”(Kennedy, 2006).

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A proposta faz parte do chamado Gateway Program e envolve principal-mente a duplicação de uma ponte (Port Mann Bridge) e o aumento do númerode pistas da auto-estrada que dá acesso à Cidade de Vancouver (a Trans-Canada Highway). Representa uma questão especialmente controvertida, namedida em que as comunidades da área metropolitana têm visões diferencia-das a respeito da conveniência das obras. De fato, algumas encaram essetipo de solução como servindo apenas para agravar os problemas associadosao fenômeno das migrações quotidianas e para incentivar o tráfego de passa-gem, pelo que se juntam ao partido dos anti-Gateway Program. Já outrascomunidades consideram que os tempos passados em congestionamentossão perniciosos tanto para a vida das pessoas como para a produtividade daeconomia, pelo que endossam integralmente os planos de expansão viária doGoverno Provincial. Constata-se que essas posições antagônicas — que re-fletem verdadeiras opções de sociedade — acabam repercutindo nos resulta-dos das eleições municipais. Mais adiante, vão influenciar a composição doscomitês dirigentes da Translink e do GVRD, que — levando em conta os inte-resses de suas próprias comunidades — podem, assim, demonstrar maior oumenor receptividade às propostas de contenção do transporte privado quetêm sido tradicionalmente adotadas nos planos estratégicos regionais e quebuscam levar em conta o impacto, na estruturação do espaço, das decisõestomadas no campo dos transportes.130

A agência de transportes carece também de poderes no tocante ao pla-nejamento do uso do solo, já que essa é uma atribuição do GVRD, a quemcabe fixar as grandes diretrizes em seu plano estratégico de crescimento regio-nal. É certo que a Translink consegue exercer alguma influência nesse domí-nio, de forma a buscar integrar e coordenar as funções de planejamento detransportes e uso do solo com base nos acordos operacionais que mantémcom o GVRD. O fato de alguns dos membros de seu Conselho de Diretoresocuparem também posições no Conselho de Diretores do GVRD colaboracertamente nesse sentido.

O conselho que dirige a Translink é formado por 15 membros, sendo 12deles prefeitos e conselheiros representantes das comunidades regionais.Esses membros são indicados pelo Conselho de Diretores do GVRD, quetambém aprova o orçamento anual da agência de transportes (GVRD, 2003,p. 31). O preenchimento das demais vagas é uma prerrogativa das autorida-des provinciais, que se têm abstido de exercer esse direito desde dezembrode 2000, quando seus três representantes abandonaram o conselho por contade alegados conflitos de interesses entre sua posição como representantes

130 “Uma vez que a Translink não pode incorrer em déficits, seus diretores votaram a favor depostergar por dois anos a abertura da nova linha de metrô denominada Evergreen, bemcomo adiaram a aquisição de novos vagões metroviários. Ainda assim, prosseguiram com osplanos de implantação de um vasto projeto rodoviário, uma vez que os diretores representan-tes dos subúrbios conseguiram derrotar os representantes de Vancouver e de Barnaby, apoi-ando o programa Gateway da Província, no valor de US$ 3,3 bilhões [...]” (RegionalTransportation Commission, s.d).

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do Legislativo da Província e como diretores da Translink (RegionalTransportation Commission, [s.d.]).

4.5 O Conselho de Diretores do Distrito Regionalda Grande Vancouver

O corpo diretivo do GVRD é constituído por um conselho de diretores econta com um presidente e um vice-presidente, eleitos anualmente entre seuspares. O número total de conselheiros não é fixo, ficando no entorno dos 35membros. Essa era, precisamente, a composição do conselho em 2003, re-presentando 21 municipalidades, uma área eleitoral e uma municipalidade comparticipação limitada aos assuntos do serviço de parques.

Os membros diretores do conselho não são eleitos de forma direta, sen-do indicados pelos conselhos municipais (municipality councils) —, esses, sim,formados através de escrutínio direto —, para cumprir o mandato de um ano,podendo ser reconduzidos. A exceção é o diretor representante do DistritoEleitoral A, que é eleito diretamente por um prazo de três anos. Cada diretorrepresentante de uma municipalidade conta com um voto para cada 20.000habitantes, com um máximo de cinco votos por diretor. Deve ser observadoque os procedimentos adotados na formação do Conselho de Diretores doGVRD acabam não sendo os mais propícios à renovação de quadros, contri-buindo, assim, para formar grupos relativamente fechados.

Como os conselheiros municipais têm a chance de con-correr a cada três anos e como nem todos os conselhosmunicipais mudam a cada eleição, sua composição per-manece relativamente estável no tempo [...] O grau deisolamento entre a rede e a comunidade é também gran-de. A relativa estabilidade da rede [...] sugere que existeum limitado fluxo de novas idéias procedentes da comuni-dade que penetram a rede. Além disso, a estrutura degovernança do GVRD, baseada no consenso, faz com queas novas idéias aceitas pela rede tendam a refletir-se ape-nas em mudanças marginais. (Graham, 2005, p. 23).

O conselho do GVRD é assessorado por um sistema de comitês (StandingCommittees), cuja função é dar apoio no exame e na revisão das matériastratadas e nas questões relacionadas à prestação dos serviços e à formula-ção de políticas. No total, são 11 os comitês desse tipo, com atribuições queabarcam todas as áreas de atuação da agência metropolitana. Os StandingCommittees, por sua vez, valem-se da colaboração de outros comitês (AdvisoryCommittees) para o estudo de assuntos específicos. É o presidente do Con-selho de Diretores do GVRD que forma os comitês e nomeia seus membros,sendo os mesmos escolhidos entre os prefeitos e os conselheiros dasmunicipalidades do distrito regional. Há ainda um serviço de secretariado, que

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se encarrega das tarefas correntes e faz recomendações no tocante a progra-mas, diretivas, políticas e projetos (GVRD, 2003, p. 8).

Existem também comitês de assessoramento em âmbito municipal (Mu-nicipal Advisory Committees), integrados basicamente por quadros das muni-cipalidades e do próprio GVRD e que colaboram nos trabalhos do Conselhode Diretores, bem como emprestam seu apoio aos Standing Committees. Háainda comitês públicos de assessoramento (Public Advisory Committees), decuja composição fazem parte indivíduos que representam interesses específi-cos, ou que são experts em alguma matéria e que assessoram igualmente ostrabalhos do Conselho de Diretores (GVRD, 2003, p. 8). Por fim, a comunida-de em geral é também instada a manifestar-se e a envolver-se nos trabalhosdo GVRD, para o que são realizadas periódicas apresentações e semináriosde discussão, conferências e programas educacionais, de forma a buscar al-cançar legitimidade junto às comunidades locais.

4.6 O planejamento regional na Grande Vancouver

As primeiras providências no sentido de tentar ordenar o desenvolvi-mento do território onde se localiza a metrópole de Vancouver foram motiva-das pelo intenso movimento de ocupação suburbana que se registrou apósa Segunda Guerra Mundial. Assim, em 1949, foi formado o Lower MidlandRegional Planning Board, que era uma agência cuja jurisdição de atuação seestendia por uma vasta área da Colúmbia Britânica e que produziu um primei-ro plano de desenvolvimento regional em 1966. Essa agência foi dissolvidaem 1967, quando da institucionalização da figura dos distritos regionais peloGoverno da Província.

O GVRD, por sua vez, preparou um primeiro plano estratégico já na me-tade dos anos 70, com o objetivo de buscar influenciar o padrão de crescimen-to da região de Vancouver. Chamado de The Liveable Region 1976-1986, omesmo contemplava cinco áreas de atuação — uso do solo, transporte, popu-lação, emprego e habitação —, sendo que os dois primeiros tópicos ganha-ram especial destaque a partir de 1980, por ocasião de uma reorientação deprioridades então decidida (Dodson; Gleeson, 2002, p. 13).

Desde o início, o mote do processo de planificação regional adotado peloGVRD foi o do desenvolvimento durável ou sustentável: “[...] nossos objetivossão os de criar uma estrutura e um plano de ação para a Grande Vancouverque estejam baseados no conceito de sustentabilidade, englobando a prospe-ridade econômica, o bem-estar da comunidade e a integridade do meio ambi-ente” (GVRD, 2003, p. 4).

Deve ser observado que o encargo de preparar e aplicar o plano de de-senvolvimento regional por parte do distrito regional manteve-se até 1983,quando, por decisão do Governo Provincial da Colúmbia Britânica, foi suprimi-da a autoridade dos distritos regionais na área do planejamento, bem como oestatuto que dava sustentação legal aos planos regionais. Essa medida unila-teral, que redundou na perda da função formal de planejamento por parte do

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GVRD, foi tomada em uma época de mudanças no Governo da Província,com a ascensão de um gabinete provincial de posições mais conservadoras,e coincidiu com uma fase de atritos no relacionamento entre ambas as instân-cias (Rothblatt, 1998, p. 6).

Nessa ocasião, o órgão metropolitano ficou reduzido ao papel básico deprestador de serviços, com o seu plano de desenvolvimento regional passan-do a ter caráter meramente recomendatório. Como os problemas colocadospela expansão urbana da área de Vancouver se agravaram, o GVRD viu-secompelido a reconsiderar seu envolvimento com as atividades do desenvolvi-mento regional, independentemente da salvaguarda representada pelos pro-cessos estatutários da Província. Com o passar do tempo, a Província acaboutambém voltando atrás em sua posição a esse respeito, e, em 1995, foramrestabelecidos os dispositivos legais disciplinando as competências regionaisna área do planejamento.131

Ao retomar suas incursões nesse campo, o GVRD lançou um outro planoestratégico de ação em 1987. Denominado Construindo Nosso Futuro(Creating our Future: Steps to a More Liveable Region), o plano visava esta-belecer diretrizes capazes de disciplinar e manter as condições de vida da GrandeVancouver, contemplando uma série de questões que vinham se colocando deforma premente, por conta especialmente do rápido crescimento populacionalverificado nesse território e das ameaças potenciais à qualidade de vida e àintegridade do meio ambiente. Deve ser observado que a noção de liveability132

representou sempre um conceito básico incorporado ao processo de planeja-mento local, já estando presente no Liveable Region Strategy 1976-86. OConstruindo Nosso Futuro foi oficialmente adotado pelo Conselho de Direto-res do GRVD em 1990 (Dodson; Gleeson, 2002, p. 14).

O Construindo Nosso Futuro, em especial, permitiu chegara uma indispensável visão de como preservar as condiçõesde liveability na região, ao abordar questões relativas à quali-dade do meio ambiente, ao controle do crescimento e à ges-tão dos transportes, bem como atendeu à preocupação decomo agir para responder aos desafios colocados no camposocioeconômico. (GVRD, 1996, p. 8).

131 “O decreto (Growth Strategies Act) constituiu uma tentativa de fortalecer as instituições deplanejamento regional. Ele obrigava as municipalidades a considerarem os planos regionaisem seus próprios planos oficiais, bem como exigia que os investimentos públicos e outrasdecisões tomadas pela província tivessem uma correspondência no nível dos planos regio-nais. Em troca, os planos regionais passaram a ter de incorporar os objetivos da províncianos tópicos referentes ao processo de ocupação das áreas periféricas, à minimização do usodo automóvel e à proteção das áreas sensíveis do ponto de vista do meio ambiente.” (Tomalty,2002, p. 7).

132 O conceito de liveability está associado a uma ampla agenda de atividades, que visa criarespaços em que as pessoas se sintam bem para viver e trabalhar. Remete a melhorias físi-cas no meio ambiente e a melhorias na qualidade do ar e da água, à existência de boasescolas e hospitais, à presença de um eficiente sistema de transporte público e à conserva-ção dos recursos naturais, dentre outros aspectos.

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A implementação da liveable region teve o mérito de retomar a questãodo indispensável espírito de colaboração a ser praticado pelas municipalida-des da região. Para motivar o envolvimento das autoridades e da comunidadeem geral, foram realizadas numerosas consultas populares, complementadaspor palestras, workshops, relatórios e documentos técnicos enfocando as op-ções de crescimento regional possíveis para a Grande Vancouver.

Em 1996, o GVRD atualizou seu plano estratégico regional – The LivableRegion Strategic Plan –, objetivando sempre orientar o crescimento da áreasob sua influência e tendo como pressuposto a necessidade da estrita colabo-ração entre as diversas agências envolvidas.133

[O plano] enfatizava a preservação das qualidades do espaçoe das paisagens incomparáveis que formam a Grande Van-couver e colocava limites geográficos à expansão urbana. Oplano pretendia aproveitar os benefícios do crescimento, taiscomo a prosperidade econômica, a diversidade e os melhorespadrões de vida, enquanto minimizaria seu potencial negativo,como o congestionamento, a degradação ambiental e a piorada qualidade de vida. (Role of the GVRD, [s.d.]).

Eram em número de quatro as estratégias ali contempladas. A primeira trata-va da proteção às áreas verdes, uma riqueza natural de Vancouver, ameaçadaspelo crescimento urbano descontrolado. A segunda focava a necessidade do de-senvolvimento de comunidades “mais concentradas”, capazes de assegurar aoferta de um leque amplo e diversificado de oportunidades e serviços.

[As pessoas] teriam, assim, condições de viver, trabalhar edesfrutar do lazer em relativa proximidade, sem a necessi-dade de viajar grandes distâncias. O objetivo seria o de criaruma rede bem equilibrada, com centros distribuídos em todaa região e capazes de proporcionar melhor acesso aos ser-viços, à cultura e à recreação, bem como aos domicílios e aempregos que estariam disponíveis no seio da própria co-munidade (Role of the GVRD, [s.d.]).

A terceira estratégia visava igualmente promover um crescimento quepudesse se dar de forma concentrada nas principais municipalidades. Issoseria buscado através de um desenvolvimento residencial de alta e médiadensidades na região já ocupada, preferencialmente a novas expansões nasáreas periféricas. A quarta estratégia, enfim, visava diversificar as escolhasmodais de transporte, promovendo soluções que alterassem os hábitos deviagem e tivessem repercussões na demanda de transportes. Daí a ênfase

133 “As expectativas do GVRD são de implementar seu plano estratégico através da manutençãodo processo consensual e colaboracionista em vigor nos governos local, provincial e fede-ral.” (Rothblatt, 1998).

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posta no transporte público, na bicicleta, na caminhada e no car pooling134,como formas de restringir o uso exacerbado do automóvel com um só ocu-pante (Role of the GVRD, [s.d.]).

Em 2001, mais uma vez, foi procedida a readequação do plano estratégi-co da Grande Vancouver, decidindo o GVRD colocar a tese do desenvolvi-mento sustentável como o parâmetro norteador dessa revisão. O principalobjetivo então definido foi o de buscar criar as condições para o estabeleci-mento de uma região viável, “[...] à luz do entendimento de que havia sidoinsuficiente a ênfase colocada nas questões sociais e econômicas e que mes-mo as questões ecológicas haviam sido abordadas de modo pouco coerente[...]” (Groupe de Travail de Vancouver, [s.d.]).

4.7 Suburbanização versus crescimento concentradona Grande Vancouver

A Colúmbia Britânica tem aprovada, desde 1974, uma legislação de prote-ção às terras agrícolas, a qual dá base ao chamado programa de Reserva deTerras Agrícolas, também conhecido pela siga ALR (Agricultural Land Reserve).Como seu nome indica, esse programa foi montado com a função explícita decriar condições para preservar os solos particularmente aptos à produção dealimentos. No que se refere à Grande Vancouver, os resultados de sua aplica-ção foram bastante proveitosos e ajudaram a proteger as terras do Fraser Valley,consideradas as mais férteis da região. Na verdade, sua produtividade é tama-nha que, representando apenas 2% do total de terras agricultáveis da Provín-cia, elas geram 25% do seu produto agrícola (Tomalty, 2002, p. 17).

Um efeito não visado do programa de Reserva de Terras Agrícolas deu-se por conta do estabelecimento de uma linha de fronteira na periferia, a qual,indiretamente, serviu como mecanismo de contenção à expansãoindiscriminada de cunho suburbano na metrópole de Vancouver. A relevânciadesse fato é amplamente reconhecida, sendo citada amiúde como um dosgrandes feitos do planejamento regional.

Foi isso que, mais do que qualquer outra coisa, fez comque as pessoas se fixassem na idéia de que precisamosconstruir de forma inteligente (build smart). É porque nãohá como simplesmente continuar avançando em direçãoà periferia que impusemos a nós mesmos um limite urba-no ao quanto podemos nos suburbanizar. (Beers, 2005).

Não obstante seus méritos, uma medida com tamanhas implicaçõesterritoriais haveria forçosamente de também ter seus opositores, donde o senti-

134 O car pooling (carona solidária) refere-se à realização de viagens compartilhadas, em auto-móvel próprio ou de empresas, e que envolvem duas ou mais pessoas.

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do das pressões exercidas aqui e ali visando enfraquecer a aplicação do pro-grama ALR. Deve ser observado que, mais recentemente, o próprio GovernoProvincial introduziu alterações no mesmo, de forma a aumentar o controle lo-cal sobre as decisões relativas ao uso do solo, o que provocou inquietações notocante a eventuais perdas de terras agrícolas pela intensificação da ocupaçãourbana em algumas comunidades da periferia metropolitana (Murray, 2002).

O crescimento e a descentralização ocorridas na região,ao longo das últimas décadas, deram origem a conflitossem precedentes envolvendo o uso da terra. As idéiassobre desenvolvimento foram influenciadas por um fortesentimento de adesão pública ao espetacular sítio naturalonde se encontra a Cidade, marcado pelos seus picosmontanhosos e suas vistas do oceano. As preocupaçõescom as perdas provocadas no habitat e o comprometi-mento das áreas recreativas e de preservação fortalece-ram o espírito público de oposição à urbanização voltadaà ocupação de áreas facilmente degradáveis ou de áreasverdes muito valorizadas, como as terras úmidas e asencostas de montanhas. (Tomalty, 2002, p. 5).

As posições assumidas pelos residentes e políticos locais em favor dapreservação das condições ambientais e a tomada de consciência de que osavanços nesse campo estão intimamente associados aos rumos do processode ocupação urbana na região tiveram seus reflexos no âmbito do GVRD. Naprática, isso implicou afastar-se de muitas das tendências territoriaisestabelecidas desde os anos 60, que favoreciam a ocupação das áreas daperiferia sob condições tais que a implantação das moradias precedia em muitoa instalação das atividades geradoras de empregos, sendo esse o principalfato determinante do fenômeno das migrações quotidianas.

Assim, o já citado plano estratégico de 1996 (Livable Region StrategicPlan) incorporou a preocupação com as perdas de terras no Fraser RiverValley, para o que fixou limites ao crescimento urbano na região, definiu umazona verde e propôs medidas de proteção às bacias hidrográficas. Conformejá foi visto, o plano previa também o fortalecimento de alguns centros regio-nais, que serviriam para garantir uma ocupação residencial mais densificada,aliada a uma maior disponibilidade de empregos no Terciário (comércio deatacado e varejo e negócios em geral), facilmente acessíveis via sistema detransporte público regional. A idéia, portanto, era a de concentrar os acrésci-mos populacionais em certas localidades.

Esses centros servem como uma alternativa para os tra-dicionais movimentos de migração quotidiana à zona cen-tral de Vancouver, realizados pelas famílias que moramnos subúrbios, e constituem uma maneira efetiva de aco-modar o crescimento urbano e de descentralizar os em-pregos dentro da região. (Oberlander, 2005).

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A Grande Vancouver tem sido apontada como um exemplo bem-sucedidode planejamento territorial.135 É um caso em que as políticas aplicadas se revela-ram eficazes no controle dos movimentos de ocupação da periferia, o que foifacilitado pela implantação da proposta de crescimento concentrado em áreas jádensificadas. Os dados disponíveis parecem corroborar essa realidade, verifi-cando-se que, de 1986 a 2001, a participação dos residentes morando em co-munidades compactas (compact neighborhoods) — definidas como as que con-tavam com 12 pessoas ou mais por acre – passou de 46% para 62%. Por suavez, a percentagem daqueles residindo em comunidades altamente compactas— consideradas como sendo as de 40 habitantes ou mais por acre – evoluiu de6% para 11%. Não obstante os resultados globais positivos, nem todas as muni-cipalidades foram igualmente exitosas no intento de direcionar o crescimentopara as comunidades compactas (Northwest Environment..., 2002, p. 5).

Esse quadro, todavia, tende a ser relativizado por alguns analistas, queargumentam existir um problema nas metas de controle do crescimento fixa-das para a região, vistas como pouco ambiciosas, quando contrapostas à in-tensidade do movimento histórico de ocupação suburbana. Além disso, taismetas são objeto de recorrentes ajustes, visando aproximá-las da realida-de,136 o que acaba diluindo os impactos do modelo de crescimento concentra-do. Assim, os efeitos práticos da aplicação do tão cortejado modelo de cresci-mento concentrado não seriam muito diferentes daqueles que resultariam seobservadas as tendências de crescimento já estabelecidas e que são consi-deradas indesejáveis para o futuro da região.

O estudo sugere que a atual estrutura de planejamentoregional, assentada na parceria entre os governos muni-cipal e regional, serviu muito bem à região enquanto setratava de buscar apoio à idéia de que era necessário or-denar o crescimento, estabelecendo, para tanto, uma de-vida estratégia de controle. Há sérias dúvidas, no entanto,a respeito da capacidade de esse sistema conseguir fixarmetas ambiciosas nesse domínio e de implementá-las,tendo em conta as forças sociais que buscam preservar

135 “De fato, a região de Vancouver é unanimemente reconhecida como um território que contacom planos e políticas muito progressistas de controle do crescimento. O objetivo semprerenovado de conter a ocupação territorial espraiada tem sido uma das principais e maisconsistentes motivações desse admirável trabalho de planejamento. Com isso, seriam pre-servadas as características ecológicas da região e reduzido o uso do automóvel, diminuindo-se a poluição na atmosfera e mantendo-se a qualidade de vida. São poucas as grandesáreas metropolitanas na América do Norte que podem reivindicar uma visão de planejamentotão abrangente e permanente.” (Tomalty, 2002, p. 4).

136 “Desde a adoção do Livable Region Strategic Plan, em 1996, os planejadores do GVRD foraminformalmente modificando as metas de controle do crescimento à luz das tendências de ex-pansão da população e do emprego na região e da sua avaliação relativamente à capacidadedos municípios de acatarem tais limites de crescimento. Essas metas modificadas não fazemparte dos planos oficiais para a região, mas são usadas pelos planejadores, ao adaptaremsuas expectativas às realidades regionais em transformação.” (Tomalty, 2002, p. 11).

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as tendências estabelecidas pelo business-as-usual naregião. (Tomalty, 2002, p. 3).

Um conceito interessante introduzido no plano estratégico de 1996 refere-se à criação da chamada zona verde, que corresponde a áreas vistas comotendo especial valor ecológico ou social e que precisam ser protegidas da urba-nização. A idéia subjacente a essa proposta era a de que os espaços assimabrangidos deveriam ser mantidos permanentemente no estado seminatural. Azona verde engloba terras agricultáveis da Reserva de Terras Agrícolas, par-ques públicos, áreas sensíveis do ponto de vista do meio ambiente e que sãoprotegidas pelas legislações federal, provincial ou municipal e outras demarcadaspelas próprias municipalidades. Dada uma tal amplitude de interesses envolvi-dos, a manutenção de um plano dessa ordem pressupõe forçosamente o traba-lho conjunto de um número elevado de agências governamentais.137

Mesmo nessas condições, verifica-se que foi possível preservar grandesextensões de território sob os auspícios da zona verde. Uma possível explica-ção é a de que ainda existiria forte potencial de crescimento para a região emáreas não comprometidas, o que equivale a dizer que a zona verde não teriasido ainda testada. Nesse caso, a pergunta que se coloca é o que ocorrerá,quando, no futuro, o movimento de expansão chegar aos limites definidospela zona verde e se intensificar a oposição aos movimentos de densificaçãode áreas urbanas já ocupadas? Por enquanto, o conceito goza da mais amplaaceitação pública, e, como há ainda muita terra desocupada, as municipalida-des e os empreendedores não parecem preocupados em colocá-lo em xeque(Tomalty, 2002, p. 3 e 21).

4.8 O desempenho econômico da Grande Vancouver

A evolução da economia da Colúmbia Britânica caracterizou-se, em tem-pos mais recentes, por uma perda de dinamismo comparativamente a seucomportamento em décadas passadas. Isso se refletiu na taxa de expansãodo seu PIB ao longo da década 1995-05, que ficou um pouco abaixo da taxade crescimento da economia canadense: 3,0% a.a. contra 3,3% a.a. respec-tivamente (BC Stats, 2006). No que se refere à Grande Vancouver, verifica-se que a aglomeração vem conseguindo manter uma performance no cam-po econômico superior à demonstrada pelo restante da Província. Aindaassim, e principalmente na segunda metade dos anos 90, os resultados ob-tidos deixaram a desejar em comparação com a dinâmica que marcou a

137 “O grande número de governos envolvidos faz com que os vários elementos da zona verdegozem de diferentes níveis de proteção. O GVRD é proprietário de algumas áreas (por exem-plo, as terras úmidas ao norte da região, de onde provém a água potável, e de alguns par-ques regionais). Exceto por essa forma de controle direto, ele não dispõe de nenhum outropoder especial para administrar a zona verde. Basicamente, depende do trabalho de outrasagências governamentais e de organizações privadas para proteger a integridade da zona,limitando-se a exercer o papel de coordenador das informações.” (Tomalty, 2002, p. 16).

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evolução das demais cidades-regiões do Canadá (Graham, 2005, p. 2).138

Entre as razões aventadas para explicar tal desempenho, figura a de queseu território estaria precisamente carente de uma estratégia de desenvolvimen-to. Em relação à fase anterior a 1990, é sempre possível argumentar que nenhu-ma estratégia de desenvolvimento se fazia necessária, posto que a região sem-pre soube crescer e prosperar, permanecendo a Grande Vancouver como umlugar pleno de atrativos para viver e morar. A preocupação atual parece ser a decomo conciliar crescimento e qualidade de vida na região (Graham, 2005, p. 2).

Esse é um ponto de vista não universalmente compartilhado, na medidaem que a Grande Vancouver, mesmo não contando com uma estratégia decrescimento econômico, parece ainda se posicionar favoravelmente como pólode atração para novos imigrantes e novos negócios, o que pode ser atribuídoà qualidade de vida que continua oferecendo.

O padrão de forte imigração reforça a tese de que a Grande Van-couver deve estar ainda fazendo as coisas direito. Isso leva aodecorrente argumento de que não necessitaria de uma estratégiade desenvolvimento econômico, posto que continua se portandobem nas atuais condições [...] Já para outros observadores, o ar-gumento da qualidade de vida não é mais suficiente e não permi-tiria ignorar a necessidade de investir pesado na tarefa de montaruma estratégia de desenvolvimento para a região [...] Caso tenha-mos a pretensão de concorrer na moderna economia global, évital reforçar as interações dinâmicas entre o mundo dos negó-cios, o governo e a comunidade local. (Graham, 2005, p. 45).

O grande empecilho para os avanços nesse domínio parece residir na es-fera da própria agência metropolitana, que tem se mostrado avessa aos desíg-nios de uma agenda explicitamente econômica, e isso não obstante a manifes-tação inequívoca do Governo da Província no sentido da sua exigibilidade emqualquer documento que o mesmo venha a apoiar a título de estratégia dedesenvolvimento regional (Graham, 2005, p. 9). Essa posição do GVRD reflete ajá comentada recusa das municipalidades em repassarem ao nível superior suasatribuições nessa área, o que se traduz no acolhimento desfavorável às propos-tas feitas nesse sentido, nas reuniões mantidas pelo Conselho de Diretores.

4.9 O desempenho institucional do Distrito Regionalda Grande Vancouver

Já foi aqui observado que a formação do Distrito Regional da Grande

138 “O que fica evidenciado é um quadro de baixa performance no contexto canadense, com oGVRD ficando para trás comparativamente ao desempenho das principais regiões urbanasno relativo aos investimentos produtivos, criação de empregos e aumento da renda. Emsuma, não há por que ser complacente em relação à prosperidade futura da região deVancouver.”(Business Council of British Columbia, [s.d.], p. 3).

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Vancouver deu-se, de forma impositiva, a mando do Governo Provincial daColumbia Britânica. Mesmo configurando uma iniciativa tomada de cima parabaixo, uma apreciação preliminar a respeito de seus êxitos tenderia a assina-lar que são muitas as condições favoráveis que foram criadas para o trabalhoem conjunto das municipalidades envolvidas.139 Com efeito, desde cedo, e emdiversas áreas, foi possível operar com um certo nível de consenso, para oque muito colaborou a tradição democrática imperante na região, bem como oclima de ativismo e participação política que marcam sua história (Brunet-Jailly, 2004). Uma manifestação inequívoca da convergência de atitudes quepôde ser alcançada em muitos momentos se expressa, por exemplo, na esfe-ra do planejamento regional, conforme dão testemunho os vários planos es-tratégicos de crescimento regional aprovados desde 1976.

É verdade que as relações entre o distrito regional e as municipalidadesenvolvidas e entre estas últimas nem sempre assumem feições amistosas,podendo chegar ao confronto. Apenas para exemplificar, cita-se o caso dodebate instaurado quando da proposta de aproveitamento, para fins industri-ais, de terras desocupadas na Cidade de Vancouver. Essa era uma proposi-ção defendida por membros do GVRD que buscavam atrair empreendimentosindustriais capazes de gerar novos empregos em âmbito regional, enquantoas autoridades da Cidade tendiam a encarar essas áreas como espaços depreservação para futuro uso residencial (Smith, 1995).

Em qualquer circunstância, a operacionalidade desse mecanismo basea-do no diálogo é tanto mais surpreendente e meritória, se se considerar que oDistrito Regional de Vancouver carece de autoridade formal para impor o en-tendimento e a colaboração entre as unidades administrativas independen-tes. Ao contrário, o GVRD representa precisamente o exemplo lembrado quan-do são evocadas as vantagens da cooperação voluntária140 aplicada a umaestrutura de governo com dois níveis (two tier structure).

Em uma estrutura com dois níveis, a camada superior é representada poralguma forma de governo regional, e a inferior, pelas instâncias locais. O nívelsuperior encarrega-se de prover aqueles serviços que podem se beneficiar dos

139 “No caso de Vancouver, a decisão de criar o GVRD, em 1967, constituiu um passo decisivo.Foi a Província que montou toda a estrutura necessária para viabilizar a cooperação emmatéria de água, esgoto e esgoto pluvial e, mais adiante, em questões de planejamentoregional. Estava perfeitamente claro para o então Ministro dos Assuntos Metropolitanos, DanCampbell, que os distritos regionais não haviam sido concebidos como um quarto nível degoverno, implicando uma consolidação de natureza funcional e não política. No entanto,desde então, o GVRD viu seu mandato ser fortalecido e seu orçamento ampliado. Seu ativismotambém é notável e muito tem contribuído para os êxitos alcançados e as iniciativas tomadasem matéria de políticas [...] Fica evidente que a legitimidade do GVRD não procede apenasdo fato de ser uma criatura do Leviatã provincial.” (Brunet-Jailly, 2004).

140 “A cooperação voluntária tem sido descrita como a que implica a menor reestruturaçãogovernamental, pressupondo um organismo com abrangência territorial e de atuação ba-seada na colaboração entre unidades de governo local já presentes na aglomeração, semter um status institucional permanente e independente [...] A cooperação voluntária é usualsempre que a autonomia local é altamente valorizada: as municipalidades podem mantersua independência, ao mesmo tempo em que tiram proveito dos benefícios da coopera-ção.” (Slack, 2004, p. 12).

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efeitos positivos proporcionados pelas economias de escala e externalidades,enquanto o nível inferior se ocupa daqueles de âmbito puramente local.

Os modelos com dois níveis ofereceriam, potencialmen-te, grandes vantagens, pelos fatos de mais facilmente pres-tarem contas de sua atuação, terem maior eficiência eserem melhor sucedidos quanto à participação local. Seuscríticos argumentam que são maiores os custos incorri-dos, em função do desperdício e da duplicação na ofertade serviços, os quais são assegurados por dois níveis degoverno. Além disso, seriam marcados por uma menortransparência e pareceriam mais confusos aos olhos doscontribuintes, que têm dificuldades para distinguir quemresponde por quais serviços. (Slack, 2004, p. 8).

No caso da Grande Vancouver, a aplicação desse modelo determinou osurgimento de uma modalidade de governança muito própria dentro do con-texto canadense, que tem seu grande trunfo na preservação da autonomia eda identidade locais. Mesmo assim, o GVRD conseguiu adquirir, no decursodo processo, suficiente poder e legitimidade, habilitando-se, assim, para atarefa de tentar influenciar o processo de crescimento da região como umtodo. Portanto, ainda que não remeta a uma forma de governo eleita, deabrangência supraterritorial, deve ser visto como um caso representativo nomundo da governança metropolitana, que tira sua força precisamente da cola-boração voluntária estabelecida entre as administrações locais. Essa é, aliás,sua atribuição de origem, porquanto o GVRD foi criado com a finalidade explí-cita de induzir à cooperação regional, passando ao largo de qualquer intentode montar uma estrutura de governo supramunicipal.

Suas maiores diferenças com relação a uma forma efetiva de governometropolitano estão em que este último pressupõe alguma modalidade derepresentação política (ou seja, envolve eleições), tem capacidade para fixare cobrar tributos e goza de autonomia e autoridade para ofertar diretamenteou responder pela coordenação do fornecimento de uma gama variada deserviços de âmbito regional.

No relativo às desvantagens do modelo adotado na Grande Vancouver,verifica-se que o mesmo traz em si algumas limitações intrínsecas. Com efei-to, na medida em que o princípio favorecido é o da associação voluntária esendo o Conselho de Diretores do distrito regional composto por membrosrepresentantes de cada municipalidade — e que, por conseguinte, prestamcontas em nível local —, há uma óbvia dificuldade em trabalhar-se com umavisão eminentemente regional.141 Na prática, muito do que é aprovado e leva-

141 Um exemplo expressivo é o do Prefeito de Richmond, que, em janeiro de 1996, escreveu umacarta de protesto contra uma medida adotada pelo GVRD, a qual, em seu entendimento,prejudicava sua municipalidade. O bizarro nessa história é que ele a endereçou para si mes-mo enquanto membro do Conselho de Diretores do GVRD (Graham, 2005, p. 8).

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do adiante no âmbito do distrito regional assim ocorre porque também é dointeresse local. Todo o demais precisa passar pelo crivo dos acertosconsensuais, podendo, ou não, ser bem acolhido. A esfera regional não está,portanto, necessariamente contemplada na instância das decisões locais e,na outra ponta, não há ninguém que fale pela região. Com isso, coloca-se,compreensivelmente, um problema de autoridade para aprovar e implementardeterminadas políticas. Nesse sentido, o modelo de Vancouver deixa a dese-jar frente a um verdadeiro governo regional, que conte com plenos poderespara cumprir seu mandato (Mcfarlane, 2001; Slack, 2004).142

Enquanto alguns acreditam que o fato de não ter de pres-tar contas contribui para que os políticos de nível regionalassumam mais facilmente posições controvertidas e tra-tem os assuntos levando em conta seus méritos próprios,outros consideram que o nível regional forma apenas umfórum, no qual as municipalidades competem, ou se dedi-cam ao negócio dos interesses municipais. O que fica cla-ro é que uma instituição que está baseada em um modeloconsensual depende fortemente das habilidades e perso-nalidades de seus participantes. O êxito do GVRD emconseguir aprovação para seus planos tende, conseqüen-temente, a variar muito em função da composição do seuConselho de Diretores. (Graham, 2005, p. 8).

Uma situação que explicita muito claramente os limites desse arranjocolaborativo entre municipalidades envolve as questões relativas ao desenvol-vimento econômico regional, uma área indiscutivelmente crítica para os desti-nos da região e na qual existe pouca cooperação. Daí os inconvenientes provo-cados por decisões com conseqüências no plano econômico e que são toma-das, muitas vezes, de forma autônoma pelas municipalidades, que prefereminstaurar a disputa com seus vizinhos, em vez de buscarem alternativas conjun-

142 “A falta de um mandato explícito de planificação integrada para a região como um todo emmatéria de política social, de meio ambiente e na esfera econômica implica que determina-das atividades correm o risco de serem descartadas ou encaradas, por algumasmunicipalidades, como não sendo plenamente legítimas. Elas entendem, por exemplo, queos serviços sociais e o sistema de saúde configuram atribuições típicas da província [...]”(Groupe de Travail de Vancouver, [s.d.])

“Uma conclusão evidente é que o modelo de construção do consenso em termos do planeja-mento regional e do controle do crescimento não é tão efetivo como alguns autores deixamtransparecer. A principal virtude do mesmo parece ser a sua capacidade de minimizar assituações de conflito aberto entre os vários atores que atuam no terreno do planejamentoregional. Mas, na medida em que o modelo propicia um mecanismo para o acordo semoferecer uma alternativa para a obrigatoriedade, tende a produzir declarações políticas ambi-ciosas que, com freqüência, não são acompanhadas por ações concretas ou pela realizaçãodos objetivos [...] O fato de os atores terem consciência de que a região pode apenas exerceruma pressão moral faz com que as ambiciosas metas de planejamento se diluam à medidaque o processo avança.” (Tomalty, 2002, p. 24).

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tas capazes de inseri-las no contexto mundial de concorrência (Mcfarlane, 2001;Groupe de Travail de Vancouver, [s.d.]). Ora, na prática, o que existe é um sóterritório metropolitano — e uma só realidade econômica, altamenteinterdependente em nível regional —, que ignora as fronteiras colocadas pelasmúltiplas jurisdições locais. É assim que se comportam os fluxos de pessoas,de bens e mercadorias, de capitais e de informações, que obviamentedesconsideram as barreiras desse tipo e circulam livremente pelo território.

É por conta do acúmulo de problemas desse gênero que alguns acreditamque os limites do modelo de Vancouver já foram alcançados e que os melhoresmomentos dessa experiência estão no passado.143 Levando a idéia mais adian-te, falam da conveniência de repensar a atual estrutura de governança, tendoem conta a necessidade de uma reforma da qual possa emergir uma nova epoliticamente fortalecida agência para tratar da Vancouver metropolitana144. Deveser observado, aliás, que uma medida dessa ordem não está totalmente foradas preocupações locais, tendo já sido sugerida em 1998, no relatório MakingLocal Accountability Work in British Columbia. Segundo os termos do mes-mo, foi recomendada a criação de uma agência metropolitana (seria a GreaterVancouver Authority), que funcionaria atrelada à assembléia de representantesdiretamente eleitos e que seria conduzida por um prefeito também escolhidopor voto universal na região (Smith, 2004, p. 21).

143 “A região da Grande Vancouver representa o maior imbroglio político do País: 21 conselhosmunicipais eleitos localmente, que indicam seus próprios membros para formarem um con-selho regional que trata de água, esgoto, lixo e de alguns parques; uma agência independen-te que cuida do transporte público e que é dirigida por um conselho que não é eleito; trêscorporações independentes e controladas pelo Governo Federal que se ocupam das ativida-des portuárias; nenhum conselho regional de turismo; nenhum corpo policial ou de bombei-ros de âmbito regional; uma autêntica salada de frutas no que se refere a controles locais,regionais e provinciais sobre rodovias e pontes; um plano regional e de uso do solo que éignorado por muitas municipalidades e que não é respeitado pelo conselho regional, emfunção da falta de apoio por parte da Província. Ninguém é eleito para pensar prioritariamentena região.” (Graham, 2005).

144 “A questão que se coloca aqui não é a de saber de onde viemos — a de uma experiêncialargamente positiva em termos de política, de governança e de relações intergovernamentais—, mas a de conhecer para onde vamos — um futuro certamente cada vez mais incerto —,à medida que as estruturas regionais da Colúmbia Britânica assumem crescentes responsa-bilidades. Não se trata de rejeitar os últimos 50 anos de planejamento regional e de governança.Para mais além, coloca-se o problema de saber se as realizações da segunda metade doúltimo século podem prolongar-se pelo século XXI [...] Os cidadãos do GVRD questionam-sea respeito de quem responde pela tomada de decisões cada vez mais importantes e onero-sas no campo do transporte e da infra-estrutura, bem como nos assuntos de polícia, e, nofuturo, quase certamente nos de tributação [...]” (Smith, 2004, p. 15).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Canadá tem, nas vastidões continentais e na ocupação rarefeita doterritório, duas de suas marcas registradas, sendo, ao mesmo tempo, um Paísaltamente urbanizado, com uma população cada vez mais concentrada nasgrandes metrópoles. Esse é um dos traços básicos da urbanização canaden-se, caracterizada precisamente pelo forte crescimento de suas áreas metro-politanas e pela preponderante dimensão econômica e populacional por elasassumida. O fato de, em 2006, 68,04% dos seus habitantes viverem nas 33áreas metropolitanas censitárias do País, de 44,63% residirem nas seis princi-pais e de 34,37% se concentrarem nas três maiores ilustra bem o quanto oprocesso está ali avançado. É cabível, portanto, falar de um sistema urbanoque está evoluindo para uma formação marcadamente metropolitana.

As áreas metropolitanas do Canadá vêm passando, há já bastante tem-po, por um processo de descentralização da população e das atividades eco-nômicas, em benefício das regiões externas de seus territórios, o que temcontribuído para fortalecer a influência política dessas últimas. A sistemáticade ocupação dos espaços periféricos das grandes metrópoles do Canadá nãotem nada de propriamente inusitado, já ocorrendo desde as décadas iniciaisdo século XX.

Na verdade, sempre foram grandes as dificuldades para exercer algumtipo de controle sobre a expansão de cunho suburbano, mesmo no caso da-quelas aglomerações que, como Toronto, já contavam, desde cedo, com umaforma de governo metropolitano. É verdade que a importância demográfica eeconômica das cidades centrais no contexto das áreas metropolitanas cana-denses segue sendo muito expressiva, o que as aproxima mais, nesse aspec-to, das suas congêneres européias do que das norte-americanas. Todavia, omovimento tendencial aponta, impreterivelmente, no sentido do deslocamen-to da ocupação urbana e das atividades para as áreas periféricas, inclusivepara além das fronteiras definidas como de jurisdição das instâncias metropo-litanas existentes. Isso é uma fonte de problemas para as mesmas, na medidaem .que o território legal sob sua responsabilidade não sofre ajustes para seacomodar aos novos espaços urbanizados, mesmo sendo o planejamento deâmbito metropolitano uma das atribuições intrínsecas desse tipo de agências.Essa é uma limitação comumente encontrada, que se reflete na não-coinci-dência entre a jurisdição formal da instância metropolitana constituída e a ex-tensão efetiva do território urbanizado, podendo tal situação verificar-se jáquando de sua criação, ou se evidenciar na continuidade do processo.

A ocupação das periferias metropolitanas atua também de forma a agravaras disputas entre as cidades centrais e os subúrbios nos aspectos de aplicaçãodos recursos públicos e da distribuição dos serviços e dos equipamentos deâmbito regional. O fato é que a busca por mais recursos financeiros e por umamaior autonomia na sua aplicação vem se afirmando, crescentemente, comouma bandeira dos governos locais no Canadá, sejam eles administrados pelascidades centrais, sejam pelas municipalidades das periferias.

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A existência de um grande número de municipalidades nas áreas metro-politanas configura outro elemento decisivo e cheio de implicações no cenáriourbano canadense. Os governos provinciais costumam interpretar o fato demaneira negativa e têm incluído, sistematicamente, propostas dereagrupamento de municipalidades em sua agenda política. Estabelecem tam-bém uma associação direta entre as condições de competitividade das maio-res aglomerações no contexto da globalização e o caráter nocivo que seriaresultante de uma tal fragmentação político-administrativa. Esse é, aliás, umdos temas freqüentemente invocados para justificar o processo de fusões im-posto às municipalidades e a preferência pela formação de megacidades. Ain-da que não haja respaldo — nem teórico, nem prático — para estabeleceruma relação desse tipo entre fusões municipais e inserção competitiva nomundo globalizado, o fato é que essa tem sido uma importante força motivadoraatuante no cenário canadense.

Nesse contexto, as propostas visando reduzir o número de municipalida-des e as próprias dificuldades e limitações associadas à implementação demedidas dessa ordem têm consumido uma parte substancial dos esforçosexigidos pelas reformas municipais empreendidas. Não é de surpreender,portanto, que as questões relativas à montagem e à implementação propria-mente dita das estruturas de governança ou de gestão na escala metropolita-na tenham assumido, por vezes, uma importância secundária.

O poder de vida e morte detido pelos governos provinciais sobre as muni-cipalidades canadenses constitui outro elemento crucial a ser salientado.De fato, conforme foi exaustivamente observado, as municipalidades não têmdireitos constitucionais assegurados, sendo suas funções e poderes apenasaqueles explicitamente definidos e delegados pelos governos provinciais. É oque explica e dá sustentação legal ao comportamento fortementeintervencionista praticado pelas Províncias no seu trato com as instânciasmunicipais. Via de regra, as soluções institucionais adotadas implicaram re-formas agressivas no âmbito da organização territorial, promovidas nãoobstante a pequena mobilização das forças favoráveis às mesmas.

Mesmo tendo em conta as circunstâncias políticas específicas que favo-receram tais práticas, é notável constatar a facilidade com que as mesmaspuderam ser levadas avante pelos ocupantes dos aparelhos de Estado pro-vinciais. Mais ainda, é interessante chamar atenção para o fato de que, ape-sar das orientações políticas próprias a cada governo — por exemplo, de cu-nho conservador no caso de Ontário e social-democrata no de Quebec —, asreformas empreendidas estiveram calcadas no mesmo tipo de abordagemforçada das fusões, apoiando-se em esquemas impostos de cima para baixo.Nas duas situações, registraram-se protestos e oposições generalizados, quenão foram levados em conta. Além disso, em ambas, foi também invocado,como uma forte justificativa para as reorganizações territoriais, o argumentoda redução das despesas públicas. Na verdade, seria até possível falar-seaqui de um caso de contágio, na medida em que o Governo de Quebec estevevisivelmente motivado pelo exemplo de Ontário, ao conceber sua própria es-tratégia municipal de intervenção.

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Como cada província é soberana na formatação da sua “reforma muni-cipal”, resulta daí um outro elemento fundamental no contexto canadense,qual seja, o da convivência de regimes municipais bastante diferenciados epróprios a cada uma delas. É o que explica a variedade de arranjosinstitucionais para a gestão e de instrumentos de planejamento encontradosnas áreas metropolitanas, bem como dos fatores influenciando seu sucessoou fracasso, que, afinal de contas, fazem do Canadá um laboratório privile-giado nesse domínio.

As três áreas metropolitanas aqui analisadas são reveladoras dasespecificidades do “modelo” canadense, que prima precisamente pelo cará-ter da diversidade. Foram escolhidas porque configuram casos exemplarese diferenciados, que, em grau maior ou menor, remetem a experiênciasexitosas no domínio da gestão e do planejamento metropolitanos. Repre-sentam também situações extremamente bem documentadas, havendo umsem-número de estudos e de planos realizados ao longo das últimas déca-das que estiveram focados nas mesmas.

São casos altamente significativos e decisivos para os destinos do Ca-nadá, bastando considerar que as três maiores áreas metropolitanas repre-sentam quase 40% da sua população e contribuem com praticamente umterço do PIB do País. Além disso, formam regiões que foram profundamenteafetadas pelas transformações estruturais da base econômica ocorridas nasúltimas décadas, as quais tiveram desdobramentos determinantes no planoterritorial.

Dos três exemplos considerados, o de Vancouver é o que mais foge àregra, no sentido de que se estrutura em torno de um modelo institucionalassentado na cooperação voluntária das municipalidades integrantes, asquais interagem no seio de uma agência dotada de poderes relativamentecircunscritos e voltada à prestação de serviços básicos de natureza metro-politana. Funciona, na verdade, como uma agência guarda-chuva, exercen-do o controle sobre outros organismos juridicamente independentes e queatuam em áreas específicas.

Seus encargos e responsabilidades são, todavia, menos amplos do queos que têm ou já tiveram as instâncias similares de Toronto e Montreal. Formatambém uma estrutura institucional politicamente mais difusa, porquanto sualógica de funcionamento não se apóia no uso de poderes coercitivos. De qual-quer forma, a operacionalidade alcançada por esse mecanismo baseado nodiálogo é tanto mais surpreendente se se considerar que o GVRD carece deautoridade formal para impor o entendimento e a colaboração entre seus mem-bros. A longa tradição democrática existente na região e o clima de ativismo ede participação política que marcam sua história explicam, em uma boa medi-da, as condições favoráveis ali encontradas para o trabalho em conjunto dasmunicipalidades envolvidas.

Ainda assim, aparece como uma alternativa muito interessante no mundoda governança e do planejamento metropolitanos, e, dentre os três casos exa-minados, é claramente o que se mostra mais estável e menos sujeito às mu-danças avassaladoras que têm afligido os demais. O fato de constituir uma

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experiência que já perdura por mais de 40 anos e ainda não estar esgotada é,sem dúvida, revelador de suas qualidades. Está associado a um tipo de arran-jo institucional que foge ao mecanismo das fusões de municipalidades, tãocomuns no contexto canadense e que se mostra muito mais tolerante emrelação às especificidades locais. Representa, na prática, uma solução efi-ciente, sempre que consegue incorporar os acordos e os consensos no seuquotidiano de trabalho e encontra seus limites quando os parceiros irmanadosdescobrem que seus objetivos não são tão facilmente conciliáveis.

O efeitos de sua atuação, mesmo com tais limitações, têm sido bastantepositivos em escala regional. Uma das razões para tanto pode ser atribuídaao fato de a agência regional ter ingerência sobre praticamente toda a áreametropolitana funcional, o que se traduz na coincidência do território cobertopelo Distrito Regional da Grande Vancouver com o da Área Metropolitana deVancouver. Além disso, é favorecida pelo fato de ser aquela que mais se apro-xima de uma verdadeira região geográfica e de caracterizar-se por ter umaidentidade regional razoavelmente assumida.

Uma explicação para esse fato reside, talvez, nas ameaças colocadas pelodesenvolvimento metropolitano descontrolado, que traz os riscos de uma sériadegradação ambiental a um território privilegiado do ponto de vista de seusrecursos e das belezas naturais. Nesse sentido, das três áreas metropolitanasconsideradas, é a que mais tem presente a idéia de um “destino regional co-mum”, ponto esse que o GVRD vem tentando incorporar em seus planos dedesenvolvimento sustentável. O que está em jogo, em última análise, é a possi-bilidade de trabalhar-se com uma visão estratégica para a região, permanecen-do a questão de saber se o “modelo do consenso” tem suficiente capacidaderegulatória para se contrapor às forças econômicas que operam na região eagem em escala global. Esse é um aspecto que permanece em aberto, nãosendo de descartar a idéia de que, no futuro, a região venha a ser obrigada aassumir os termos de uma abordagem mais rigidamente institucionalizada notrato dos problemas de gestão e de planejamento metropolitano. Por enquanto,Vancouver continua portando-se bem do ponto de vista econômico, segue sen-do um destino privilegiado de atração para as levas de imigrantes e confirma seruma metrópole ímpar pela qualidade de vida que oferece, um sinal de que suasvantagens comparativas ainda pesam favoravelmente.

Já no caso de Toronto, a avaliação a ser feita tem um caráter maisnuançado, na medida em que — não obstante a Toronto Metropolitana ter sidoum exemplo de intervenção governamental —, o conceito da Área da GrandeToronto apenas agora começa a tomar forma mais definida. De fato, conformefoi visto, a instalação do primeiro governo metropolitano da América do Nortefoi precoce, datando do início da segunda metade do século XX. Funcionouem condições bastante exitosas durante 44 anos, tendo sido bem-sucedidonas tarefas ligadas ao planejamento regional e à equalização dos serviçosprestados no conjunto da região. A política tarifária então seguida, combinadacom uma estrutura de gastos e de prestação de serviços de abrangência me-tropolitana, foi decisiva na transferência de recursos das comunidades maisricas para as mais pobres.

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A Metro Toronto funcionava como um governo com dois níveis, possibili-tando, assim, repartir a execução dos serviços entre a municipalidade metro-politana e os municípios federados, preservando-se muito da autonomia local.É verdade que, ao longo de sua existência, o modelo foi ficando mais centra-lizado, do que são exemplos a alteração do conjunto de atribuições próprias acada esfera, com sua passagem ao nível superior, e a própria redução donúmero de municipalidades federadas, que passou de 13 para seis.

Ainda assim, representou uma experiência considerada muito satisfató-ria, que foi capaz de garantir as condições necessárias para o rápido cresci-mento da metrópole até o final dos anos 80. O problema é que, à medida quea aglomeração se expandia, se verificava uma crescente inadequação entre aárea de cobertura da Metro Toronto e a realidade socioeconômica da áreametropolitana. Ao consolidarem uma estrutura de poder regional fragmentada– composta pela Metro Toronto e por outros quatro governos regionais — asautoridades provinciais abriram mão da possibilidade de estabelecer uma úni-ca instância com responsabilidades sobre o conjunto da região. E esse era,precisamente, um dos pontos críticos identificados na maior parte dos diag-nósticos e estudos então realizados, os quais assinalavam as vantagens queadviriam do tratamento dos problemas em escala regional.

A solução encaminhada, que passou pela implantação da megacidade deToronto e pela manutenção dos demais governos regionais, frustrou as ex-pectativas dos que viam como indispensável a criação de um órgão governa-mental que tivesse jurisdição sobre o território da Toronto Metropolitana e desuas áreas adjacentes. Ou seja, o recorte territorial privilegiado pela reformade 1998 foi muito circunscrito, quando todas as avaliações da época já apon-tavam a Área da Grande Toronto como o verdadeiro espaço a considerar.

É certo que a oposição provocada pela supressão da Toronto metropoli-tana e pela consolidação das municipalidades sob sua jurisdição em uma úni-ca municipalidade tendeu a se atenuar com o tempo, passando a impor-se arealidade da nova Cidade de Toronto. Todavia, a passagem de encargos doGoverno Provincial para o Governo Municipal que acompanhou sua criação— somada à redução das transferências financeiras procedentes de outrosníveis de governo e a manutenção das mesmas fontes de arrecadação fiscal— contribuiu para que a crise financeira se instalasse, pondo em risco o futuroda Cidade e o da região por ela comandada. O problema das más condiçõesfinanceiras vivenciado por Toronto é mais um elemento — e não dos menores— a revelar as insuficiências do atual modelo de governança metropolitanaencontrado na região.

A verdade é que a Área da Grande Toronto corresponde apenas à desig-nação de um vasto território, não remetendo a nenhuma forma de governo oude instância representativa metropolitana. Cada um dos cinco governos regio-nais ali representados faz a sua parte, havendo apenas algumas atividadesde cooperação conjunta que se dão de maneira informal e na ausência dequalquer visão na escala regional. O fato de o Governo Provincial estar reali-zando intervenções de cunho setorial e pontual é, claramente, insuficientepara organizar (e, muito menos, conter) a ocupação suburbana e não elimina

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a necessidade de dispor de alguma instância de planejamento e de coordena-ção agindo no âmbito de todo território. É por isso que, não obstante todos ostraumas e sacrifícios que acompanharam a mais recente reforma municipalimposta pelo Governo Provincial, a solução institucional para a Grande Toron-to ainda está longe de ser alcançada.

O caso de Montreal é um pouco semelhante, na medida em que o enten-dimento em torno de um destino regional comum envolvendo a cidade centrale as municipalidades suburbanas ainda está por ser construído. A situação édifícil nesse aspecto, já que, efetivamente, a urbanização tomou conta de umterritório que se estende muito além da própria ilha de Montreal, ainda quetenha se mantido a forte presença demográfica e econômica regional da cida-de principal. A transformação da estrutura produtiva, com a perda de impor-tância dos setores tradicionais e a ascensão dos segmentos modernosalavancados pelas novas tecnologias, teve desdobramentos significativos noterritório, com o fortalecimento das municipalidades da periferia. Estas reivin-dicam — assim como o fazem especialmente muitos dos subúrbios da própriailha de Montreal — identidades políticas e lingüísticas diferenciadas, o queexplica o fato de não se sentirem comprometidas com a temática da solidarie-dade regional.

As fortes clivagens de natureza política e lingüística identificadas naregião têm, efetivamente, sua parte de responsabilidade na formação de umtal quadro. Para indicar o quão significativas as mesmas podem ser, bastaconsiderar o insólito episódio representado pela fusão e posterior “desfusão”de municipalidades. No primeiro momento, a reforma municipal empreendi-da resultou na implantação de uma instância de âmbito regional, a Comuni-dade Metropolitana de Montreal, e da megacidade de Montreal. Entre asvárias razões que motivaram a criação dessa última, vale lembrar a referên-cia de que ela formaria o “bom perímetro” para administrar a cidade, já queforçaria as comunidades francófonas e anglófonas a trabalharem em con-junto. No segundo momento, entretanto, viu-se que as reações negativas àsmedidas e as pressões exercidas pelas municipalidades anglófonas foramcapazes de reverter a situação, do que resultou a inusitada “desfusão” demunicipalidades e o retorno, praticamente, ao arranjo institucional anterior-mente vigente.

Mesmo que a CMM seja, efetivamente, o organismo encarregado de pro-ver as tarefas de coordenação e de planejamento de âmbito metropolitano,ela carece da necessária representatividade política, do poder executivo edos recursos financeiros para cumprir tal missão. Muitas das municipalidadessob sua jurisdição — mesmo sendo partes integrantes desse arranjoinstitucional — nela não se identificam e tendem a encará-la, muito mais, comouma ameaça à sua autonomia e independência.

Outra circunstância que não favorece o cumprimento do mandato de ges-tão metropolitana atribuído ao organismo supramunicipal relaciona-se ao gran-de número de municipalidades sob sua jurisdição, as quais se agrupam emcinco regiões, sendo a Aglomeração de Montreal apenas uma delas. A situa-ção, nesse aspecto, é deveras problemática, devendo-se ter presente que

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não foi nem mesmo possível chegar a uma solução institucional eficiente paraum território muito mais reduzido, qual seja, o da ilha de Montreal. As vicissitu-des enfrentadas pelo Conselho da Aglomeração e o recorrente descontenta-mento manifestado pelas municipalidades da região são elementos inequívo-cos que ilustram as dificuldades de se trabalhar com uma visão de conjuntona própria ilha, uma limitação que se amplifica, ao considerar-se a Área Me-tropolitana de Montreal como um todo.

Um último aspecto a ser aqui referenciado remete à questão dos trans-portes urbanos, um tópico que foi bastante privilegiado nas análises aquirealizadas. As razões para tanto são muito óbvias, bastando que se conside-re a relevância assumida e o desafio que representam as questões de mobi-lidade e de acessibilidade nas modernas metrópoles. Além disso, formamum tópico muito pertinente, já que, para ter sucesso nas atividades de pla-nejamento e de coordenação dos transportes na escala metropolitana, émister contar com alguma estrutura de gestão atuante nesse nível. As me-trópoles canadenses não são exceção à regra, e os três casos aqui conside-rados assim o demonstram.

De maneira geral, verifica-se que as principais áreas metropolitanas doPaís padecem dos problemas típicos associados às sociedades dependentesdo automóvel. Congestionamentos viários generalizados, deterioração dascondições ambientais, altos níveis de poluição, ocupação suburbana desen-freada, comprometimento de recursos financeiros escassos com os pesadosinvestimentos na rede viária e perdas de participação relativa dos transportespúblicos são alguns dos traços corriqueiros ali encontrados. Mesmo nessascondições, é preciso chamar atenção para o papel relevante desempenhadopelos sistemas de transporte coletivo nas cidades canadenses, o que as apro-xima sobremaneira do contexto que caracteriza suas congêneres européias.

Toronto é um exemplo dessa situação, bastando considerar que a Cidadeconta com o segundo maior sistema de transporte público da América do Nor-te, posicionando-se logo após o de Nova Iorque. A própria área metropolitanatambém é muito bem servida pelos sistemas de ônibus regionais e de trens desubúrbio. Não obstante o histórico comprometimento das autoridades com otransporte público na região, há uma clara preferência pelo uso do transporteprivado, fenômeno também associado ao movimento de ocupação das áreasmais externas da metrópole.

São várias as instâncias com poder de decisão que atuam no domíniodos transportes, na região, estando envolvidos o Governo Provincial, os go-vernos regionais e as municipalidades. É muito evidente a falta de coordena-ção entre as várias autoridades governamentais intervenientes nesse domí-nio, o que fundamentou precisamente a recente criação da GTTA, a empresade transportes da Grande Toronto. A implantação de uma agência de trans-portes com mandato abrangente para toda a região é um fato deveras rele-vante (ainda mais se se considerar que, na atualidade, inexiste um governoou uma estrutura de gestão metropolitana), mas suas atribuições e competên-cias precisarão ser ainda muito ampliadas, para que possa enfrentar o desafiode coordenar os sistemas de transporte da aglomeração.

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O sistema de transporte coletivo de Montreal é igualmente bem desen-volvido, mas também padece do desgaste induzido pela realização de umnúmero crescente das viagens em automóvel. Na verdade, tem havido insufi-ciência de recursos financeiros para garantir os investimentos necessáriosnos modos públicos de transporte, o que coloca em risco conquistas históri-cas, que fizeram de Montreal uma experiência modelar no contexto da Améri-ca do Norte. Há, todavia, a assinalar o claro posicionamento das autoridadesem favor do fortalecimento e da renovação dos sistemas coletivos de trans-porte como uma alternativa ao automóvel, uma medida associada à estraté-gia de controlar a ocupação do território através dos efeitos estruturadoresdos modos públicos de transporte.

Cabe à Comunidade Metropolitana de Montreal as atribuições explíci-tas de planejamento e de coordenação no âmbito dos transportes na região.Entretanto, suas limitações são igualmente visíveis nesse domínio, e a CMMnão tem condições para o pleno exercício de suas responsabilidades. É aAgência Metropolitana de Transportes, um organismo do Ministério dos Trans-portes de Quebec, que responde efetivamente pela gestão do sistema detransportes públicos na Grande Montreal. Na verdade, mais do que um sim-ples órgão de coordenação, a AMT goza de poderes e tem capacidade definanciamento para, no território metropolitano, definir as estratégias segui-das nesse domínio. Ainda que Montreal conte com uma agência dotada depoderes regulatórios suficientes para tratar da questão dos transportes me-tropolitanos, o elemento perturbador nesse arranjo é o de que essa agêncianão precisa prestar contas à CMM.

Ao examinar-se o caso da Grande Vancouver, por fim, verifica-se que asautoridades provinciais repassaram as responsabilidades pelo sistema de trans-porte público ao órgão metropolitano. Na verdade, isso se deu de forma indi-reta, já que é a Translink — uma agência funcionalmente ligada ao GVRD —que tem a seu cargo o gerenciamento do sistema de transportes na região.Grandes restrições de ordem orçamentária têm limitado, entretanto, aefetividade de sua atuação, ao mesmo tempo em que escapam a seu controleos investimentos realizados, pelo Governo da Província, nos sistemas de trans-porte público e na rede viária regionais. Essa é, certamente, uma situaçãopouco confortável para a instância metropolitana, bastando considerar queseus intentos de fortalecer os modos públicos de transporte são contra-arrestados pela clara preferência das autoridades provinciais em realizar gran-des projetos de infra-estrutura viária.

◆ ◆ ◆

São as grandes aglomerações as responsáveis pelas principais dinâmi-cas demográficas e socioeconômicas que, na atualidade, condicionam o de-senvolvimento dos territórios, permitindo, assim, que as mesmas sigam acu-mulando população, riqueza e poder. Essa é uma situação deverasuniversalizada, ainda que sejam muitas as variações observadas, de país parapaís, no tocante à intensidade e às implicações do fenômeno, dependendo

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dos diferentes estágios de desenvolvimento alcançados, da formaçãosocioeconômica, da história política e do corpo das instituições que marcamcada um deles. Sem querer cair em generalizações simplistas, o fato é que háuma clara tendência à metropolização, a qual, inclusive, se fortaleceu nosanos mais recentes. Isso transparece na constituição de espaços urbanos deocupação extremamente densa e onde se estabelecem fluxos e relações in-tensas entre um núcleo central e as áreas suburbanas e periurbanas, e ondesão, portanto, decisivas as inter-relações e as interdependências criadas naescala da aglomeração.

A atuação de numerosos governos locais nesses espaços é outra ca-racterística marcante desse tipo de configuração, o que redunda em dificul-dades de formulação de uma estratégia comum de intervenção para territó-rios institucionalmente fragmentados e que enfrentam, destarte, problemasde governabilidade. A questão, nesse aspecto, é a de como conjugar políti-cas e arranjos institucionais capazes de garantir formas de gestão conjuntapara as mesmas em condições de salvaguarda da autonomia municipal ou,mesmo, de transferência de competências e de poderes para uma instânciade nível superior.

Não é de estranhar, nessas condições, que o tema da gestão metropolita-na seja de absoluta atualidade e pleno de desdobramentos em seu planoteórico e no leque de suas alternativas práticas. Um estudo de casos, como oaqui realizado e focado na experiência canadense, é altamente revelador demuitos desses aspectos. Sua comparabilidade com outras grandes cidadesmundiais — e, especialmente, com as brasileiras — não é, obviamente, algofácil de ser realizado, e nem os ensinamentos tirados são necessariamentetransferíveis. Afinal de contas, ainda que o processo de metropolização com-porte em si traços similares e comuns a muitas aglomerações, há determinan-tes e especificidades históricas em cada situação que garantem uma quaseunicidade para os contextos locais. Ainda assim, o olhar curioso e inquisitivolançado sobre outras experiências, políticas e ações implementadas pode re-presentar uma fonte de insights valiosos enquanto subsídios para tratar dosdesafios colocados pela tarefa de gerir as grandes metrópoles.

É sabido que, no contexto das políticas públicas brasileiras, os temas denatureza metropolitana estiveram praticamente desaparecidos durante muitotempo. Não só a União abriu mão, em um passado recente, das intervençõesnos níveis local e regional como a própria questão metropolitana foiescamoteada das grandes discussões e das reformas dos marcos regulatóriosque influenciaram os destinos da sociedade brasileira nas últimas décadas.Não é surpreendente, nessas condições, que a legislação urbana existenteignore praticamente tudo o que se relaciona ao quadro institucional e às polí-ticas que, de forma explícita, remetem à dimensão metropolitana.

A Constituição Federal de 1988 delegou aos estados a competência paracriar e institucionalizar regiões metropolitanas. O novo pacto federal entãoforjado apoiou-se fundamentalmente nos aspectos de descentralização edemocratrização, consagrando o princípio constitucional da autonomia muni-cipal, estendida ao campo político-administrativo e ao da fiscalidade. Tal situa-

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ção é completamente destoante, portanto, da verificada no caso das munici-palidades canadenses, porquanto os municípios brasileiros não são obra dalegislação estadual e formam um ente que tem a salvaguarda das mais am-plas garantias constitucionais.

Por força do regime federativo brasileiro, que enseja uma complexa divi-são de poderes entre três níveis de governo, os problemas de articulação dasrelações intergovernamentais nos espaços metropolitanos revelam-se sobre-maneira difíceis de equacionar. Isso não favorece — senão impede simples-mente — as iniciativas que contemplam os interesses metropolitanos, ao mes-mo tempo em que não incentiva as formas de planejamento e de execução deserviços de natureza compartilhada nesses espaços. As experiências de ges-tão metropolitana refletem tais condicionantes, do que dão testemunho a qua-se inexistência de arranjos institucionais formais e a pouca expressividadedos acordos de cooperação voluntária.

O problema todo reside em como induzir esferas governamentais relati-vamente autônomas, mas intimamente relacionadas, a se articularem de for-ma a tratar das questões em comum. Não é o caso, certamente, de se imagi-nar, para o formato institucional das regiões metropolitanas do País, um mo-delo único, adaptável a todas as territorialidades,. Os exemplos canadenses,que primam precisamente pela diversidade nas abordagens do tema, demons-tram que há margens de manobra possíveis nesse aspecto. Da mesma for-ma, não obstante o distanciamento dessas experiências internacionais emrelação ao contexto brasileiro, fica evidenciado que as mesmas apontam, muitasvezes, alternativas interessantes, que deveriam ser examinadas na busca porpropostas consistentes para o tratamento de nossas regiões metropolitanas.

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