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O futebol corre-lhes nas veias. Leandra e Regina Pereira jogam no Vilaverdense FC, representam as cores de Portugal nas competi- ções internacionais e, além disso, são irmãs. O Obli conta-te esta história de futebol no feminino, nesta edição. P. 20 P. 4 Publicação trimestral | Este jornal sai juntamente com a Edição n.º 766 do Barcelos Popular e não pode ser vendido separadamente. Edição 0.5 JULHO 2014 SETEMBRO 2014 Jornal Jovem Barcelense O Obli foi ao encontro dos professores responsáveis pelos intercâmbios escolares da ESB e da ESAF, assim como dos alunos que já tiveram a coragem de partir à descoberta do desconhecido, para perceber o que leva centenas de jovens a embarcarem nesta aventura internacional. De Barcelos para a Seleção Nacional: irmãs driblam futebol feminino ESB e ESAF. Intercâmbios Escolares: descolar e aterrar em culturas

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O futebol corre-lhes nas veias. Leandra e Regina Pereira jogam no

Vilaverdense FC, representam as cores de Portugal nas competi-

ções internacionais e, além disso, são irmãs. O Obli conta-te esta

história de futebol no feminino, nesta edição. P. 20P. 4

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Edição 0.5 JULHO 2014

SETEMBRO 2014

Jornal Jovem Barcelense

O Obli foi ao encontro dos professores responsáveis pelos

intercâmbios escolares da ESB e da ESAF, assim como dos alunos

que já tiveram a coragem de partir à descoberta do desconhecido,

para perceber o que leva centenas de jovens a embarcarem nesta

aventura internacional.

De Barcelos para a Seleção Nacional: irmãs driblam futebol feminino

ESB e ESAF. Intercâmbios Escolares:descolar e aterrar em culturas

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Obli - julho/setembro - 2014 03

Direção Obli

Diretor: Joaquim José Gonçalves

Editor: Tiago Varzim

Diretor Criativo: Sara Silva

Redação: Cristina M. Barbosa, Emanuel Boavista, Inês

Barreto de Faria e Pedro Manuel Magalhães

Imagem e Design: Rafael Peixoto

e André Vilas Boas

Web e Multimédia: Pedro Pontes e Jorge Gonçalves

Fotografia: Ana Teresa Miranda

Colaboradores desta edição:

Rita Cameselle e David Ferreira

Ilustração de capa e artigo

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Tiragem: 10.000 exemplares

Impressão: Celta de Artes Gráficas, S.L.,

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Redação e administração Jornal Obli - Bar-

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www.obli.pt

O jornal Obli foi escrito segundo as novas regras do Acordo Ortográ-

fico.

As crónicas e artigos de opinião são da responsabilidade dos autores.

Este jornal é um suplemento do Barcelos Popular.

BARCELENSES

PELO MUNDO

JOVENS E

RELIGIÃO

04INTERCÂMBIOS

ESCOLARES

O que pode ter em comum duas jovens jogadoras de futebol e três jovens que dedicam as suas vidas à religião católica? À primeira vista quase nada…

Em pleno século XXI, neste Portugal moderno e Europeu, os jovens são muitas vezes confrontados com barreiras sociais/culturais nas suas escolhas pessoais. A afirmação daquilo que somos, daquilo que sentimos, daquilo que nos apaixona e motiva esbarra em pre-conceitos que ora nos censuram, ora nos ignoram.

As irmãs Pereira, a Leandra e Regina, desde tenra idade que afirmaram a sua paixão pelo futebol. Consideradas, entre portas, dois grandes valores do desporto-rei jogado no feminino, como se comprova pela presença assídua nas convocatórias para a seleção nacional, assistem a uma estranha ausência de reconhecimento e apoio da sociedade civil barcelense ao seu trabalho e mérito.

O André, o Francisco e a Conceição, três jovens barcelenses, se-guiram o seu instinto e dedicam as suas vidas ao culto religioso. “Fora de moda”, “sem sentido”, “um desperdício” da força da juventude dirão alguns. Ultrapassando a opinião pública, aplicam a sua jovem energia na oração e espiritualidade. Uma rutura com os padrões sociais, assumindo uma opção que não é fácil, que exige sacrifício pessoal mas que, essencialmente, os realiza enquanto seres humanos.

Aos jovens associamos, naturalmente, uma postura radical pe-rante a vida. A necessidade de incomodar e agitar o status impele as novas gerações a assumirem posturas que obriguem o coletivo a refletir sobre os seus padrões. “Padres”, “freiras” e “jogadoras de futebol” são condições de vida que não acolhem o apoio e admiração da população em geral. Agitam convicções? São demasiado radicais? Não seguem o “livro” do sucesso? Pois…

Em que medida estas opções de vida são inferiores à “empenhada estudante de medicina”, ao “visionário empresário de sucesso” ou ao “virtuoso ponta-de-lança do Gil Vicente”? No essencial, em pouco. Publicamente, em tudo.

Para muitos, estas opções de vida diferentes fazem confusão, o que se reflete num desconforto de quem se confronta com estas realidades. Para estes jovens é simplesmente natural, e tiveram a coragem e empenho para mostrar que estavam certos.

Seguiram de forma empenhada aquilo que os apaixona e realiza. E são muito bons nisso! Não será este, afinal, o caminho do sucesso e da realização pessoal?

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EDITORIAL

12PERFIL DA CON-

VIDADA: ANA

FERNANDES

15ENTREVISTA A

MELISSA

OLIVEIRA

18MODA EM

BARCELOS

20FUTEBOL

FEMININO

24CRÓNICAS:

DAVID FERREIRA

E JOAQUIM

GONÇALVES

“Sucesso - realização pessoal ou aclamação pública?”

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Este ano, no total, a experiência de intercâmbio escolar – em todos os modelos existentes – chegou a 104 alunos da ESB e a 36 alunos da ESAF, de forma direta. Indiretamente foram muitos os que beneficiaram da troca cultural. Quase como metáfora para o melting pot, os intercâmbios escolares têm chegado ao seio da co-munidade escolar de Barcelos nem que seja na receção de estudantes estrangeiros.

No ano letivo de 2013/2014, os alunos do Agrupamento de Escolas de Barcelos percorreram a Europa: Holanda, Lituânia, Finlândia, Roménia e Letónia. A estes países acrescenta-se Itália e Espanha, ambos os países envolvidos no projeto Leonardo da Vinci, no qual a ESC esteve presente este ano. A lista completa-se com a Hungria por via do projeto MIA (Mobilidade Individual de Alunos). Segundo o responsável pelos intercâmbios escolares da ESB, o professor Fernando Carvalho, o Clube Europeu da escola – em quatro anos de existência – já fez mais de 300 mobi-lidades, o que mostra a aderência da comunidade escolar a este tipo de atividades.

Do outro lado da cidade, os alunos do Agrupamento de Escolas Alcaides de Faria distribuí-ram-se por projetos: Euroweek, Top Teen Mob e Comenius - os quais levaram alunos barcelenses às quatro cantos da Europa, sem restrições. Mas o intercâmbio escolar da ESAF viveu também de receber estrangeiros. Este ano 14 lituânios rumaram a Barcelos e foram acolhidos na terra do galo por alunos da escola.

O acolhimento de alunos estrangeiros é, aliás, uma iniciativa comum às duas instituições barcelenses e aos próprios alunos. Segundo o responsável pelo Clube Europeu da ESB, a hospi-talidade é uma dos pontos fulcrais dos intercâmbios escolares: «quando recebemos os parceiros, levamos os alunos a conhecer o máximo do nosso concelho, desde estarem presentes em ensaios do rancho de Barcelinhos, visita ao Museu de Olaria, Fábricas de Artesanato, têxtil, atividades que no momento se realizam na cidade, receção na câmara municipal, um peddy paper na cidade para identificarem monumentos». E todos sabemos como os portugueses, e em especial os bar-celenses, são exímios anfitriões.

O que realmente são os intercâmbios escolares? O Obli foi ao encontro dos professores responsáveis pelos intercâmbios escolares da ESB e da ESAF, assim como dos alunos que já tiveram a coragem de partir à descoberta do desconhecido, para perceber o que leva centenas de jovens a embarcarem nesta aventura internacional. Depois de descolarmos em direção ao incógnito, temos agora de aterrar o avião do pensamento e contar a história.

ESB & ESAF. Intercâmbios Escolares:descolar e aterrar em culturas

DESCOLAGEM…Há quatro anos atrás, Fernando Carvalho, agora com 42 anos, professor efetivo em Melgaço

mas destacado para a ESB, apresentou o projeto do Clube Europeu e a recetividade da direção foi positiva. O diretor aceitou logo pois «era uma lacuna da escola». A partir daí foi só caminhar. A primeira inscrição foi no Comenius, «para ter acesso a apoios comunitários e estar ligado a es-colas europeias», conta-nos o professor, ao que se seguiu um intercâmbio embrionário com uma escola espanhola, uma ucraniana e uma holandesa. Seguiram-se vários projetos com diferentes escolas europeias que culminaram no atual panorama do Agrupamento de Escolas de Barcelos onde a participação em intercâmbios escolares já ultrapassa as centenas.

«A missão do Clube Europeu foi, e é, dar oportunidade a todos os jovens do Agrupamento de Escolas de Barcelos conhecerem outras culturas, terem experiências, e terem principalmente partilhas de diferentes coisas que nunca iam ter se não participassem», assegura-nos Fernando Carvalho. O professor da ESB relembra a adesão que sentiu na primeira reunião de intercâmbios:

«fiz uma reunião 40 pessoas, com pais, e dessas 39 aceitaram logo o desafio». Agora, a vontade de participar da parte dos alunos é tanto que já é necessário fazer seleção para os diversos projetos que coexistem no Clube Europeu.

Mas estes intercâmbios não são unidire-cionais. Pelo contrário, para além de a própria escola receber alunos estrangeiros em Barcelos, até há futuros professores a passar alguns meses na ESB. São os assistentes Comenius e já vieram de Inglaterra, de Itália, da Holanda e, mais re-centemente, da Alemanha. E este intercâmbio pedagógico é bidirecional: segundo nos conta, Fernando Carvalho já fez a Formação Contínua

DR - Hugo Gonçalves - Aeroporto

| Tiago Varzim |

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cançável na sala de aula, pelo menos de forma tão direta, asseguram. O professor até vai mais longe dizendo que os alunos ganham valores essenciais para a vida profissional assim como uma metodologia de es-tudo mais eficaz, essencial para manter as notas. «A preocupação deles é aprender o máximo possível», afirma sem hesitar.

Para Olinda Martins o primeiro motivo é óbvio: «têm uma grande vontade de conhecer» novos países, novas culturas, novas pessoas. «É uma primeira emancipação», considera, revelando que os próprios pais estão mais recetivos a este tipo de experiências. A professora diz que os próprios alunos, ao entrarem em contacto com os alunos que são acolhidos pela escola, ficam com «uma grande curiosidade». Aliás: o interesse em ir para um certo país depende muito dos alunos estrangeiros que fazem intercâmbio na ESAF.

No entanto, Olinda Martins alerta para um problema cada vez mais recorrente: os alunos querem ir, mas a crise económica impossibilita-os. É feito tudo o que é possível para combater esta situação, mas a profes-sora confessa que «não é para todos, mas é mais acessível» porque as próprias escolas financiam o básico, deixando a cargo dos alunos quase só a viagem.

DIVERSÃO OU EDUCAÇÃO?«A única parte que existe num intercâmbio é a de aprendizagem,

de conhecimentos (…) na primeira vez que começamos o Clube Eu-ropeu foi com a ajuda dos pais, e hoje em dia são os pais que nos vêm pedir para entrar no Clube Europeu», argumenta Fernando Carvalho quando confrontado com as críticas que pairam sobre os intercâmbios escolares, acusando-os de ser mais diversão do que educação. Segundo o professor, «a partir do Clube Europeu mais alunos vieram para a ESB», exatamente por causa deste tipo de projetos. E, para além deste fator, Fernando Carvalho vinca que «as pessoas podem dizer que é diversão,

de Professores noutros países europeus assim como outros professores do agrupamento.

Contudo, fazer intercâmbios escolares – seja de que tipo for - é um processo complexo. «Eu, sinceramente, nos quatro anos, não tive nenhuma dificuldade porque todos - os alunos, e principalmente os pais dos alunos e os meus colegas que fazem parte do Clube Europeu – colaboram e é muito fácil lidar com este tipo de logística», conta Fernando Carvalho ao Obli, referindo-se tanto ao levar alunos para outros países como ao receber alunos estrangeiros.

A experiência em intercâmbios escolares na ESAF já tem mais tradição. Olinda Martins, professor de Inglês, tem sido e é atualmente uma das responsáveis pelos projetos que se de-senrolam do Agrupamento de Escolas Alcaides de Faria: Euroweek, Top Teen Mob e Comenius. «A tradição dos intercâmbios começou há muitos anos com uma professora que já não está na escola, mas nesta nova onda começou em 2002 com o Euroweek com a participação na Gré-cia», conta-nos. O Top Teen Mob surgiu através do Euroweek, por volta de 2008, e o Comenius, depois de uma participação passada, regressou este ano à ESAF envolvendo sete países, no total, e durará dois anos.

O Euroweek chegou à escola através do contacto de um professor, tal como nos relata Olinda Martins, e sobrevive até aos dias de hoje. Aliás, em 2005, três anos após a entra-da no projeto, a ESAF organizou o Euroweek em Portugal acolhendo 13 países. «Foi muito interessante, mas muito complicado ao início porque envolvia muitos meios humanos e muito dinheiro (…) porque a escola que acolhe é que tem de custear quase todas as despesas», refere a professora, uma vez que só a viagem é que é paga pelos alunos e professores. O alojamento, as visitas e a alimentação ficou a cargo da ESAF, apoiada pela Câmara Municipal da altura, que se candidatou a um apoio do IPDJ (Instituto Português da Juventude) e que realizou várias atividades. «Houve um grupo de professores que deitou mãos à obra e que organizou uma série de atividades», nomeadamente feiras, e

ainda houve apoios de empresas. Contudo, uma das maiores dificuldades foi arranjar alojamento porque em 2005 «era uma

novidade», diz Olinda Martins. Os alunos e as famílias «tinham receio de não corresponder às expectativas», confessa, mas – no entanto – afirma que foi uma «experiência fantástica quer para os nossos visitantes quer para as pessoas que acolheram», refere a professora de Inglês, dizendo que a situação ficou facilitada daí para a frente. O sol português e a pequenez da cidade surpreendeu – e cativou - os europeus, e por isso «toda a gente acabou por se envolver», refere Olinda Martins.

A professora reconhece que o Euroweek trouxe «solidez aos projetos seguintes», e que agora «tem mais confiança em enviar alunos» para as escolas estrangeiras porque já conhece os pro-fessores. Assim surgiu o Top Teen Mob e, mais recentemente, o ressuscitar do Comenius da ESAF através de uma professora polaca que Olinda Martins conheceu.

A «base de confiança é essencial», considera a professora responsável, «para que nós desenvol-vamos estes projetos a nível individual; dá uma grande autonomia e uma grande experiência de vida a jovens de 15, 16, 17 anos» que, no caso do Top Teen Mob, vão sozinhos para o país de destino.

O QUE OS LEVA A EMBARCAR?«O conhecimento de outras culturas», essencialmente, afirma Fernando Carvalho. O professor

relata até casos de ex-alunos que fizeram parte do clube que dizem que «esta foi das melhores experiências que tiveram na escola», isto porque lhes deu um conhecimento inédito, e não al-

DR - Hugo Gonçalves em Barcelos com eslovenos

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o que mais a marcou? «O que eu valorizo mais são as amizades, e na Dinamarca eu criei uma relação muito forte com os meus amigos de lá», diz-nos a aluna, referindo que ficou a conhecer muito bem o país. Agora, espera-a o Euroweek no início do próximo ano letivo: mais uma aventura por terras europeias.

Já Hugo Gonçalves, de 19 anos, rumou à Universidade neste ano letivo, mas o seu passado recente ficará para sempre marcado pelos intercâmbios que fez em quatro anos de ESB. Aluno de Ciências e Tecnologias, Hugo Gonçalves não desperdiçou o Clube Europeu desde que este se iniciou: participou em quatro intercâmbios, de 2009 a 2013, na Ucrânia – ainda no 9º ano -, Polónia, Itália e Eslovénia – já no secundário. «Sempre quis conhecer mais países… é uma experiência que não tem preço; é fabuloso conhecer outra cultura», diz-nos o aluno, que não duvidou quando surgiu a oportunidade de embarcar. Nem a incerteza o fez hesitar. Na primeira experiência, na Ucrânia, teve contacto com o seu parceiro ucraniano antes de ir, pela internet, o que facilitou a relação entre os dois. Nessa experiência foi com outros colegas e amigos da ESB,

mas foi o seu parceiro quem se tornou «o irmão mais velho» que nunca teve. O primeiro inter-câmbio marcou-o de tal forma que nos três anos seguintes embarcou novamente na aventura. O Clube Europeu permitiu-lhe ver «que o mun-do não é só aquilo que temos à nossa frente», afirma Hugo Gonçalves. «Sempre tive um bom treino e um grande à vontade» com o inglês, refere ao mesmo tempo que reconhece que o contacto «foi essencial porque há coisas que não se aprendem na escola».

mas isto dá muito trabalho… muitas horas por dia, muita responsabilidade». «Gostava que as pessoas antes de criticarem estivessem presentes no projeto, e depois a partir daí é que podiam criticar», argumenta o professor.

«É notório que quando vamos para um país também há a parte da viagem, a parte lúdica, mas nós vamos sempre com um objetivo muito definido», refere Olinda Martins, considerando que nunca sentiu essa má imagem dos intercâm-bios escolares no seio da comunidade escolar. No Euroweek a planificação dos dias está toda definida e há tempo para a parte cultural, lúdica e escolar; no Top Teen Mob, os alunos desenvol-vem um projeto previamente definido e assistem às aulas da escola de acolhimento. «Enquanto lá estiverem têm de cumprir horário letivo, o qual depende da escola», explica-nos a profes-sora responsável, reforçando a ideia de que a parte educativa é a principal: «levam sempre uma preparação relativamente a Portugal, uma apresentação, e depois apresentam em uma ou mais turmas». A parte lúdica depende da família de acolhimento porque também há tempo livre para ocupar após as aulas.

«Da parte da direção da escola sempre tive todo o apoio… nunca senti nenhuma resistên-cia», afirma Olinda Martins. Até porque há a preocupação de não existir conflitos com o calendário escolar: «tentamos sempre marcar em datas que apanhem as férias (…) para que não haja prejuízo de aulas». A professora re-fere que os próprios alunos envolvidos «são responsáveis, trabalham e estão preocupados com o seu rendimento». «Isto é um acréscimo à sua bagagem cultural», remata.

ATERRAGEM. O BALANÇO DA VIAGEM

Os intercâmbios escolares não têm fronteiras nem se limitam ao tempo em que decorrem. Os testemunhos dos alunos e dos professores que participaram são o reflexo disso mesmo.

A amizade fica e, em alguns casos, os alunos voltam a encontrar-se, principalmente nas férias de verão, o que demonstra a ligação afetiva que resulta deste tipo de experiências, apesar das barreiras culturais e linguísticas que às vezes podem ser um entrave.

Fernando Carvalho explica que não são só os alunos quem ficam ligados ao intercâmbio. Também os pais conectam-se cada vez mais com estes projetos, e é isso que mais «gozo» lhe dá, conta-nos o professor de Educação Física. E assenta que «isto só é possível com os pais e com o apoio da direção da escola». O saldo foi de tal forma positivo que o Clube Europeu já marcou presença em Lisboa para falar destes quatro anos de experiência em intercâmbios escolares.

O QUE DIZEM OS ALUNOS?Quando entrou para a ESB, Jorge Silva não conhecia ninguém na escola. Viu no Clube Europeu

uma oportunidade para se entrumar melhor na vida escolar, e também para viver «uma aventura e falar inglês», revela-nos. Ao Obli confessa que sempre adorou viajar, e que esta oportunidade não só lhe satisfez esse sonho como também o objetivo de melhorar mais o inglês. A língua foi um problema inicial na relação com a primeira família de acolhimento, na experiência inicial no estrangeiro, mas essa é uma barreira facilmente superada, segundo nos conta. Em quatro anos, o aluno já teve várias experiências nas quais se apoia para dizer que é «um pouco absurdo» dizer que os intercâmbios escolares são só para a diversão. Jorge Silva argumenta: «conhecemos novas culturas, conhecemos novos países, e não há razões nenhumas para dizer que o trabalho escolar e as notas são afetadas… só o são se nós quisermos». «Os intercâmbios ajudaram-me muito e agora acho que já me consigo adaptar a qualquer ambiente», reforça. Desde que entrou no Clube Europeu, já recebeu vários estrangeiros na sua casa, e diz que o melhor de tudo é «mostrar que Portugal também tem os seus encantos».

A aluna de Línguas e Humanidades da ESAF, Maria Cunha, de 17 anos, fez o Comenius – Roménia, em março - e o Top Teen Mob – Dinamarca, em abril - neste ano letivo, mas já está a pensar no Euroweek de 2014. Apesar de ter ido duas vezes para o estrangeiro, a aluna diz não ter sido prejudicada nas notas: «consegui recuperar tudo (…) tentam sempre que nos faltemos o

DR - Maria Cunha - Roménia

DR - Hugo Gonçalves e Jorge Silva - Eslovénia

mínimo possível», revela. Nos lugares onde ficou teve sempre atividades para fazer na escola. A língua foi um obstáculo, por vezes, mas tudo valeu a pena por ter conhecido «todos os hábitos dos países que participaram», neste caso no Comenius, confessa Maria Cunha. No Top Teen Mob, Maria Cunha elaborou um projeto sobre a «geografia e a história do local onde estava», e conseguiu aquilo de que precisava exatamente no território «e a falar com as pessoas», refere. «Durante a semana andamos sempre sozinhas pelas várias aulas, mas os professores eram todos simpáticos e queriam saber mais sobre o nosso país», disse Maria Cunha ao Obli, expli-cando que – apesar de ter ido sem professores – não se sentiu intimidada com esta viagem. E

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interessa para nada, até porque é o discurso da maioria dos jovens portugueses. Sei que muitos deles estão revoltados com o nosso país, desiludidos, emigrados por obrigação ou sem forças para ripostar, mas esse não é o meu caso. Saí de Portugal por livre opção, em busca de algo mais do que realização profissional ou dinheiro na carteira. Saí em busca de aventura e crescimento pessoal, para contrariar o conformismo do sofá e dos queixumes de café, e sobretudo para en-contrar a minha independência.

Macau é um lugar muito especial e, talvez, o sítio mais fácil para começar este crescimento. É óbvio que existem as burocracias de legalização que são, muitas vezes, entraves, mas quando ultrapassadas, tudo se torna bem mais simples e confortável. Os salários, de um modo geral, são consideravelmente acima da média dos que se recebem, nas mesmas profissões, em Portugal o que permite uma qualidade de vida muito superior, e um fim de semana na Tailândia torna-se tão banal e acessível como uma ida de Barcelos ao Porto.

De Barcelos...para Macau.

Uma ida sem volta marcada

Vir para Macau não fazia parte dos meus planos de vida, e por planos entende-se aqueles projectos que elaboramos para nós próprios como forma infalível para atingirmos a felicidade, sim esses… Aliás, o vago que sabia sobre esta terra era que tinha sido administrada por Portugal até 1999, ano em que passou a ser uma das Regiões Administrativas Especiais da China, juntamente com a vizinha Hong

Kong. Sabia que o português era uma das línguas oficiais e que estava aqui estabelecida uma comunidade portuguesa considerável. Mas o que realmente me intrigava era como é que isto se traduzia no quotidiano das pessoas que cá viviam. Em que língua comunicam? Será que toda a gente sabe falar chinês? Haverá cafés e supermercados como os “nossos”?... e essas questões práticas intrínsecas à sobrevivência diária, pois afinal de contas ia mudar-me para a China.

Agora que já levo algum tempo disto posso afirmar que nada melhor do que cá estar para perceber a dinâmica tão singular que caracteriza Macau.

Na verdade, eu não tinha nenhum plano em vista e a oportunidade de viajar até Macau, com bilhete de ida e volta, pareceu-me uma boa aposta. Licenciei-me em Ciências da Comunicação, fiz estágios não remunerados, procurei empregos, trabalhei fora da minha área, mas isto não

A comunicação verbal é um desafio diário. Tarefas tão simples como ir ao mercado, pedir uma botija de gás ou dizer à senhora da limpeza que está na casa errada transformam-se em momentos hilariantes, de extrema linguagem gestual e muita paciência! Completamente lost in translation, dois mundos (português e chinês) que co-habitam pacificamente mas que não se misturam, e assim vai correndo a vida...Restau-rantes, cafés, produtos portugueses fazem com que a comunidade viva no seu próprio círculo e não precise necessariamente de se misturar.

O clima é outro grande teste de adaptação. Tempo húmido, quente, abafado e céu cinzento na maior parte do ano, tornam usual a convi-vência com baratas. Fortes chuvadas e tufões, mais para a frente, substituem o sol e céu azul que caracterizam Portugal.

Mas isto são pormenores...Macau é único e só quem cá está percebe o ritmo a que nos habitua.

Quase um ano e meio depois, um bilhete de avião deitado fora, aniversários e casamentos falhados, fotografias de família em que não apa-reço, conversas de amigos das quais não faço parte, problemas e alegrias do dia-a-dia que ficam por partilhar (porque o fuso horário o dificulta e a rapidez da tecnologia não colmata a distância física) posso dizer que tomei a de-cisão certa. Cresci e tornei-me independente. Trabalho como paginadora do Jornal Tribuna de Macau, um jornal português. Já fiz algu-mas viagens, mas ainda há muito que quero conhecer. Sinto falta da minha família e dos meus amigos, mas ganhei uma nova família que faz com que esta seja, por agora, a minha casa. Não penso muito se quero ou quando quero voltar para Portugal. Agora é aqui que estou e sou feliz.

DR - Rita

DR - Macau

| Rita Cameselle |

Este artigo foi escrito, por opção do autor, segundo as normas

do Acordo Ortográfico de 1945

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08Jovens e religião:

Jovens, religião e oração. Aparentemente, e olhando para a sociedade parece que cada vez há menos ligação entre as três coisas. Mas há um outro lado. O Obli foi conhecer três casos de jovens que seguiram a vida religiosa e que dedicam os seus dias à oração. Mas afinal, o que leva um jovem a ser religioso no século XXI?

São 21h30 em Florença, Itália, e Mi-niato Maria devia estar em silên-cio absoluto para sentir “a solidão e encontrar-se consigo mesmo”, mas hoje quebrou essa rotina para

contar a sua história ao Obli. Miniato Maria ou Francisco Martins, como é conhecido em Portugal, tem 21 anos e abdicou da família, amigos, festas e até paixões para viver num mosteiro. O fascínio pela vida monástica levou o jovem de Creixomil a estudar Teologia e a decidir entregar-se à oração. “As pessoas que encontro aqui na basílica perguntam-me muitas vezes como é que um rapaz com 21 anos mete na cabeça a vida religiosa e ainda por cima a vida num mosteiro. Eu geralmente respondo que sou maluco”, conta Miniato.

Entregue à oração, mas não só, está também Conceição Barbosa que aos 18 anos decidiu integrar a comunidade das Franciscanas Missionárias de Maria. Hoje, com 31 anos, reparte a sua vida entre o estudo das ciências religiosas, a oração, a vida em comunidade e o trabalho de enfermeira no Instituto Português de Oncologia, em Lisboa. Também natural de Creixomil a Irmã Conceição diz ter sido precoce o seu despertar para a vida religiosa. Aos 14 anos começou a frequentar retiros espirituais e confessa que, na altura, o que a cativava era a “alegria que as irmãs sentiam”. “Era um sen-timento interior que me fazia sentir bem, que me atirava para aí”, explica.

Já para André Azevedo a religião, na ado-lescência, não era “importante”. Hoje, porém, é diferente e tem a religião no centro da sua vida. Aos 28 anos, o jovem de Gamil está a terminar o curso de Teologia, no Porto, mas já fez o novi-ciado e a profissão religiosa e confessa que, com esta decisão, ficaram para trás outros projetos: “Fazer vida por mim, ter orgulho naquilo que eu construí, ter o meu carro, a minha casa, a minha empresa. Isto foi o que mais me custou pessoalmente a desistir em termos de realiza-ção pessoal, mas encontrei-a onde estou”. Foi depois de um ano como missionário, em Cabo Verde, que teve a certeza que a vida religiosa era o ‘seu caminho’.

uma relação possível?

| Emanuel Boavista |

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Irmã Conceição diz já ter sentido olhares de indiferença e até indignação por parte de quem se apercebe da sua escolha de vida. Há até assuntos que não são discutidos quando está presente, mas a jovem barcelense também prefere assim: “Noto muitas vezes que há con-versas que não se fazem à minha frente e ainda bem”, comenta, sorrindo. Também a sorrir, conta André que nunca foi “propriamente in-sultado por ter ido para o seminário”, mas que costuma ouvir a frase “olha que desperdício”. “Eu agradeço estes elogios todos”, remata, com uma gargalhada, o estudante de teologia.

O estigma em torno das freiras é, ao que relata Conceição Barbosa, muito vincado: “Ha-bitualmente [as pessoas] têm uma ideia de que as Irmãs estão fechadas num convento e que são todas idosas, mas não”. A jovem enfermeira diz ainda que depois de as pessoas comentarem isso, acabam por dizer que “afinal é uma pessoa normal, como as outras”, e esclarece que só têm “uma opção de vida diferente, uma maneira de estar que é diferente e uma maneira de ser que muitas vezes também é diferente”.

“Noto que há

conversas que não se

fazem à minha frente”

Optar viver “entregue a Deus” parece ser uma decisão que divide opiniões. Por um lado há quem ache que a decisão está facilitada com o mundo atual: “Eu acho que no fundo não é tão difícil como parece. Nós vivemos numa altura em que as pessoas tomam a decisão porque sim e não sentem pressão nem a favor nem contra. Antes muitos tomavam essas decisões porque viviam entre famílias pobres, para po-der estudar, para fazer carreira. Hoje em dia é realmente porque as pessoas sentem que é esse o seu caminho e foi isso que me aconteceu a mim”, explica André. De uma perspetiva diferente vê Conceição Barbosa esta determinação: “É uma decisão que muitas vezes, mediante as circunstâncias que o mundo nos apresenta à frente, não é assim tão fácil de tomar. Sobretudo é uma decisão minha, mas com muita graça de Deus, sozinha não seria capaz de o fazer. Exige muita coisa, muita rutura, exige não se deixar levar por aquilo que é mais fácil e pelo que o mundo nos apresenta”.

“É uma decisão que nãoé assim tão fácil”

Os campos de futebol e uma piscina foram a atração do jovem Miniato, então com 14 anos, para entrar no seminário. «A minha história começa muito pouco espiritual», comenta, descontraído, o monge. E prossegue: «Comecei a pensar sobre a vocação numa de adolescente estúpido. Eu não sabia o que queria». Já dentro do seminário, a vida monástica despertou-lhe um especial interesse por ser «a mais estranha, a mais radical, mas a mais entusiasmante». No entanto, sentiu-se «empurrado para o mosteiro» pelo Magistério do papa Bento XVI que o elu-cidou para a necessidade de se encontra r a si próprio. E é no Mosteiro de San Miniato al Monte, em Itália, que o monge vive há mais de um ano e onde vê o percurso da sua vida.

O jovem de Creixomil não quer ser um anunciador, por palavras, da mensagem de Deus, quer que a sua postura transmita por si: «Ser monge é uma forma de anunciar pela sua radicalidade». E acrescenta: «Ao menos fazemos as pessoas questionar-se». Esta é, aliás, uma ideia partilhada pelos três. Todos acham que a sua decisão, no mínimo, leva os outros a interpelar-se. «Muitas vezes as pes-soas questionam-se porque se calhar nunca lhes passou pela cabeça e custa-lhes perceber como é que alguém toma uma decisão destas. Mas é uma oportunidade das pessoas também perceberem que há outras opções igualmente válidas», explica André Azevedo.

“Comecei a pensar sobre a vocação numa de ado-lescente estúpido”

ÚLTIMO APARTAMENTO

T2 E T3AMI 9406

30 ANOSEXPERIÊNCIA

NO SETOR IMOBILIÁRIO

DR - Miniato Maria está num Mosteiro em Florença há cerca de um ano e meio.

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Uma outra questão que muitas vezes se ouve é se a vida religiosa não tem demasiadas priva-ções para um jovem. Miniato Maria confessa, entre sorrisos, que costumava, como tantos outros jovens da sua idade, acordar ao meio dia, por exemplo. Hoje, levanta-se todos os dias às 4h20 para começar a primeira oração e até às 21h grande parte do seu tempo é passado entre orações, rituais e celebrações. No meio, entre as 9h30 e as 12h, está encarregue de ajudar no fabrico de doces tradicionais, chocolata-ria, gelataria (produtos que são vendidos aos turistas e que são o sustento do mosteiro) e nas tarefas domésticas. Miniato diz que antes de entrar para o mosteiro “houve tempo para aventuras, diversão e festas” e que deu ainda para “perceber que a vida religiosa não é fácil, mas é um desafio que ainda faz muito sentido”.

Seguir a vida religiosa é sinónimo de ab-dicar de várias coisas. André, por exemplo, explica que abdicou de construir uma família, que o faria feliz, para poder estar “mais ainda ao serviço das pessoas e da Igreja”. “Eu acho que seria perfeitamente feliz casado e seria um excelente pai de família apesar de todos os meus defeitos, mas decidi ser outra coisa. Sem pro-blemas nenhuns”, afirma.

Para Conceição Barbosa, longe já vai a ideia de constituir família e, em relação, à vida iti-nerante, que é vocação de uma Franciscana Missionária de Maria, diz ter aprendido e ter escolhido viver em comunidade e numa nova família que não a sua retaguarda: “Eu tenho a minha família de sangue, que eu amo muito, com quem estou em contacto, agora esta [as Franciscanas de Maria] foi a família que eu assumi. E, portanto, na família das Franciscanas de Maria, faz parte do nosso carisma o estarmos disponíveis para sermos enviadas para onde formos necessárias”.

“[Antes] Houve tempo para aventuras, diversão e festas”

“Eu acho que seria per-feitamente feliz casado”

Dúvidas: uma constante normal

DR - André Azevedo já esteve em Cabo Verde como Missionário.

DR - Irmã Conceição Barbosa é também Enfermeira

É consensual a opinião de que as dúvidas existem, mas é também unânime, entre os três, a ideia de que o desafio está em ultrapassar esses obstáculos. “Dificuldades vão surgindo sempre, quer na vida religiosa quer fora da vida religiosa. Às vezes não é fácil e é preciso muita graça de Deus, mas se alguma

vez eu me arrependi de ter entregue a minha vida a Deus? Não, isso não”, conta Conceição Barbosa e André Azevedo partilha o sentimen-to: “As dúvidas há todos os dias e a todas elas nós procuramos responder. Mas apesar de não sabermos o dia de amanhã temos sempre de fa-zer um plano e saber que estamos certos naquilo que queremos. Eu sinto, apesar de tudo de bom e mau que me acontece neste caminho, que a

mim tem feito sentir cada vez mais realizado”.Miniato Maria, apesar de ter uma linha se-

melhante de pensamento, recorda que os reli-giosos “são humanos” e que têm “um coração de carne”, têm é de aprender a viver com isso de forma diferente. “Durante este ano, como em toda a vida, há momentos de crise, provocados por tantas coisas. Seja por uma discussão, seja por um projeto que não correu bem, seja até por qualquer paixoneta que pode atormentar os nossos pensamentos. Tudo isto são coisas que fazem parte da nossa história, da nossa humanidade e que não invalidam nem tiram os méritos a estes projetos de Deus”, explica. No que respeita à castidade, o jovem monge diz que “a grande luta para quem procura fazer uma vida de castidade também é tentar encarar o amor de uma forma diferente”.

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Ana Fernandes, licenciada em Belas Artes – Pintura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, conclui atualmente o Mestrado em Ilustração e Animação (MIA) no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. Foi lá que Nuno Mendanha a conheceu e contactou com o seu trabalho. «Destacou-se, primeira-mente, o seu virtuosismo – privilégio de muito poucos – no desenho, secundado por uma forte componente conceptual», recorda o professor de Desenho e escultor.

Ana caracteriza a sua ‘linha’ na ilustração como possivelmente «caligráfica». Já Nuno Mendanha diz que «se por um lado sentimos no seu desenho as raízes da arte clássica, as-sentes nos legados renascentistas (influências greco-romanas), por outro lado apresenta con-temporaneidade na forma, no conceito e no manuseamento da cor». «O conhecimento dos materiais analógicos que a Ana tem permite-lhe uma excelente prestação no campo digital», sublinha.

Quando questionado sobre a atenção a dar ao trabalho da Ana como ilustradora/artista, Nuno Mendanha diz, desde logo, não conse-guir delinear o artista do ilustrador. «É como dividir o desenho da ilustração. Onde para um e começa o outro? Separar a artisticidade da ilustração é empobrecer drasticamente a pró-pria ilustração, reduzindo-a apenas a aspetos técnicos e formais. Quando observamos um estudo de Da Vinci num museu, este é entendido como desenho. Observado num livro, já é uma ilustração. O que convém salientar é que inde-pendentemente do suporte, um registo gráfico bom terá sempre este grau qualitativo. Se se quer que o ilustrador seja um artista, exige-se--lhe que ultrapasse as conjunturas das modas que imperam numa determinada época e que, por isso mesmo, acabam por ser fugazes no tempo, sem revelar a consistência intemporal que é próprio da arte», explica. «Existe muito material publicado como ilustração de qualidade discutível. Numa maioria, pela falta ou inexis-

biocriativo

AnaFernandes

PERFIL DA CONVIDADA

tência de conhecimento da profundidade do desenho. Um não pode subsistir sem o outro. A particularidade do trabalho da Ana é exata-mente esta. Os seus registos gráficos pertencem a este grupo coeso e restrito, justificam-se tanto como desenho ou como ilustração noutro con-texto. Sobrevivem em qualquer um dos campos, e com grande destaque. Porque, para além da qualidade, irão perdurar no tempo, indepen-dentemente de modas», garante o professor de Desenho e escultor.

Com 29 anos, Ana Fernandes não consegue separar o momento em que começou a ilustrar daquele em que começou a desenhar. «Se tenho de apontar um momento, indico a fase entre os 12-13 anos. Foi aí que comecei a perceber o de-senho como uma forma de ver em matéria o que até então só pensava. […] Desenhava apenas pelo gozo de riscar um papel», conta ao Obli. «Como todas as possibilidades do desenho», diz, «a ilustração é uma reação à realidade e uma forma de produzir um conhecimento que se valida pela sua diversidade de um autor para outro. […] Só a partir do momento em que as-sumimos as nossas virtudes e defeitos podemos ser originais e criar conhecimento útil através da arte. Neste sentido, a ilustração pode ser uma importante lição de modéstia e de huma-

| Cristina M. Barbosa |

«Toda a superfície

riscada pela Ana deverá

ser vista, revista e anali-

sada com muita atenção.

Será um caso notável».

(Nuno Mendanha, professor de Desenho e escultor, sobre a obra de Ana Fernandes).

nidade». Sem desprezar os grandes “Mestres” da História da Arte, Ana aponta Paula Rego como uma das «principais referências».

Ana Fernandes ambiciona «apenas o sufi-ciente» da ilustração. Quer com isto dizer que qualquer pretexto para desenhar é bem-vindo. «Aceito as oportunidades que surgem ou crio as minhas oportunidades», garante. Assim, em dezembro de 2012, ilustrou o livro Luana e o Gato Farunfa, escrito por Cidália Couto; desde janeiro de 2013, colabora com Nuno Menda-nha e Manuel Sá na elaboração de uma curta--metragem de animação; e, desde agosto do ano passado, colabora com João Monteiro na realização de uma aplicação para iPad. Quanto a prémios, regista-se o segundo prémio no 23.º Concurso de Banda Desenhada da Amadora, em novembro de 2012.

Para já, ficamos com a garantia de Nuno Mendanha: «Toda a superfície riscada pela Ana deverá ser vista, revista e analisada com muita atenção. Será um caso notável».

Acompanha o trabalho de Ana Fernandes em http://anabarrabas.tumblr.com/

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Obli - julho/setembro - 2014

Projecto de livro que ilustraria o poema de Cesário Verde “Num Bairro Moderno”

Aplicação de pinturas murais a balneários de ginásios escolares, conjugando re-presentações de várias modalidades desportivas com os rabiscos que tipicamen-te se encontram nas mesas, portas, paredes de casas de banho destes espaços.

Frame para a curta-metragem de animação intitulada Tele-sofia; uma animação realizada em conjunto com Nuno Mendanha e Manuel Sá e que se encontra em fase de conclusão.

Frame integrante de uma aplicação para i-pad, intitulada “A velhinha que colhia estrelas”, um trabalho ainda em desenvolvimento e feito em parceria com João Monteiro.

Terceira de quatro páginas realizadas para o concurso de Banda desenhada da Amadora, em Novembro de 2012, um projecto vencedor do segundo prémio do concurso.

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Obli - julho/setembro - 2014 15

In Melissa’s garden

A minha ligação com a música começou na Austrália. Eu tinha nove ou dez anos, ouvia as músicas dos cartoons e, como tinha bom ouvi-do, sacava as músicas para o teclado. Até que a minha mãe reparou que tinha ouvido para aquilo, que reparava nas melodias e ia tirando acordes sem apoio de algum professor e achou boa ideia que tivesse formação de piano. Comecei a ter as aulas na Austrália, mas depois levaram-me para Portugal. Tive de aprender português e essa foi uma fase mais chata. Es-tava deprimida em Portugal e sinceramente não aconteceu muita coisa (risos). Até que me comecei a adaptar ao país, isto no secundá-rio: à língua, às pessoas, a Lijó! Eu morava na Austrália e levaram-me para uma aldeiazinha chamada Lijó!Mas depois da adaptação, comecei a ter mais amigos e uma nova ligação à música surgiu, porque os meus amigos também tocavam. Fui para a Academia, que agora é o Conservatório, fiz formação em piano e formação musical, mas depois comecei o meu curso na Faculdade de Letras e tive de parar um bocado a música para me dedicar ao curso. Demorei cinco anos e de-pois comecei a dar aulas de inglês, em Barcelos. Só aí voltou a surgir uma vontade muito grande de me reconectar à música. Foi uma coisa muito on/off, sabes? E foi aí que pensei tirar um curso de música: já tinha tira-do um de Línguas, mas queria dedicar-me à música a sério, para deixar de ser um hobbie. Inscrevi-me na Escola de Jazz do Porto e decidi aprender jazz porque tinha duas opções: jazz ou música clássica. E, para música clássica, eu já sabia que não tinha voz – não tenho vibrato nem extensão – por isso, escolhi o jazz e correu

Barcelos é engraçado... Muito sinceramente, a nível de jazz não me in-fluenciou em praticamente nada. Barcelos é uma cidade de rock e todos os meus amigos envolvidos com música viraram-se para ele e para a música mais alternativa. Eu gostava, ia ver os concertos toda contente e gostava do que ouvia, só que não era o que me influenciava porque estava num género completamente diferente, mais desligado da cena relacionada com Barcelos.Para ser sincera, foi mais o Porto que me influenciou e as pessoas que conheci enquanto tirei o curso na ESMAE. Foi lá que tive mais influ-ências e aprendi muito mais. Mas então Boston... Boston marcou-me muito e foi uma viragem muito grande na minha aprendizagem e no meu percurso como compositora. Até Boston eu não escrevia muito. Interpretava, estudava os standards e transcrevia os solos... Era com-pletamente diferente, era mais um trabalho de intérprete. E, a partir de Boston, comecei a compor e a escrever muito mais e isso foi uma mudança muito grande.

O interesse pela música, e pelo

jazz, começou onde?

O tempo em que estiveste em Barcelos, e mais

propriamente as pessoas daqui, influenciaram-te

de alguma forma?

In my garden é o primeiro álbum de Melissa Oliveira,

que se estreou em terras barcelenses no passado mês

de abril. A luso-australiana, depois de Austrália, Portugal

e Estados Unidos, vive atualmente na Holanda, onde

ficou depois de terminado o mestrado em jazz vocal,

no Royal Conservatory of the Hague. No seu jardim, há

fusão, acima de tudo: há saxofones e guitarra portuguesa;

há turntables e projeções; há jazz, há fado, há de tudo.

bem, porque comecei a gostar disto. A partir daí, fui para a ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo), depois Boston e agora Holanda.

Foto de Marlene Soares

| Inês Barreto de Faria |

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Colaborações registadas só tenho no meu álbum – o primeiro e único. São músicos americanos porque, como estava em Boston (e esse foi outro ponto de viragem na minha carreira, ter gravado o disco lá), gravei com músicos de lá: especialmente o Greg Osby e o Jason Palmer, grandes nomes lá na cena de jazz nos EUA. Essa colaboração foi muito importante. A partir daí, em Portugal vou colaborando com mú-sicos da ESMAE – cada vez que toco em Portugal, costumo tocar com o baterista e contrabaixista que foram meus colegas lá – e aqui na Holanda tenho outra banda. Como vou muitas vezes a Portugal, gosto de ter as duas bandas.

Pois, harmonia... A harmonia é minha. Para mim existe, mas para outras pessoas, sinceramente, não sei. É tanta coisa diferente que misturo, que há muita gente que gosta, mas outras acham que podia ser mais coerente. Eu uso jazz como géne-ro, mas quem vai ver um concerto meu vê que o jazz, apesar de presente, se calhar nem é o género fundamental! Há tanta coisa misturada que até ele se pode perder. Para mim, casa tudo muito bem, porque eu sou assim e aceito o repertório assim.

Barcelos ainda é casa. Eu estou muitas vezes aí, mas nunca surgiram oportunidades para tocar aí...

São dois mundos criativos e isso é que é importante. E Barcelos é uma cidade com indivíduos mesmo muito criativos, com muita qualidade musical e é muito rico nesse aspeto. Há muita gente metida na música e é esse o lado bom de Barcelos. O mais importante aqui é que se faça música, cada vez mais!

Sim, no Teatro Gil Vicente. Foi bom, fiquei muito contente por ter tomado, finalmente, a iniciativa de tocar em Barcelos. Eu diverti-me e gostei muito.

Há. Em Portugal, há, sem dúvida. Já teve melhor, para dizer sincera-mente. O jazz já teve dias melhores. Lembro-me que, quando estudava na ESMAE, havia um sítio onde podíamos ir ver jazz ao vivo, todas as noites. E nós próprios tínhamos muitos concertos e espaços para mostrar o nosso trabalho. Agora não, os espaços ou fecharam ou já não têm música ao vivo. Mas, claro, tudo isto por causa da crise. As pessoas saem menos, mas eu acredito que haja esse espaço. É preciso é continuar a tocar, mesmo com todas as dificul-dades que os músicos têm tido. Os músicos de jazz, principalmente, têm passado muito por falta de espaços e meios financeiros. Mas público há!

Que tipo de colaborações tens

vindo a fazer?

Como se harmonizam todas essas

culturas?

Como é o regresso a casa?

Há alguma maneira de comparar os dois

mundos – do teu jazz e do rock de Barcelos?

Mas houve, há pouco tempo...

Há espaço para o jazz aqui?

“Eu uso jazz como género, mas quem vai ver um concerto meu vê que o jazz, apesar de presente, se calhar nem é o género fundamental! Há tanta coisa misturada que até ele se pode perder.”

Imaginário? (risos). Essa pergunta é difícil... Acho que tem que ver com o meu background cultural. Acho que até eu, no meu imaginário, ando assim um bocado às voltas: muitos mundos, uns muito diferentes dos outros. Nasci na Austrália, depois fui para Portugal, a minha mãe é francesa, agora resido na Holanda... Ou seja, é uma mistura cultural e musical tão grande que eu diria... muito colorido! (risos). Algo muito eclético, muito variado!

Se nos tivesses que transportar

para o imaginário da tua música...

Como foi esta evolução musical, a

par do surgimento

da composição?

A Berkley é uma cidade autêntica. São 4000 alu-nos e vários edifícios espalhados por Boston. São 4000 alunos… é um mundo à parte. A escolha de cadeiras que tínhamos – por exemplo, na ESMAE não havia escolha de cadeiras porque éramos 15 alunos, por ano, no curso de jazz. Em Boston, a cada ano entravam 1000 pessoas. Era realmente outro mundo. A escolha que tinha de cadeiras – podia ter ensemble de Bob Marley, se eu quisesse. Não interessava ser jazz. Eu escolhia o que eu queria. Se quisesse fazer a cadeira do Bob Marley, eu fazia. Ou, sei lá, música do Oriente... Havia um livro enorme, com 400 páginas, só de cadeiras para eu escolher. E isso, claro, abre-te horizontes. Tens uma escolha tão grande que vais experimentar coisas que nunca experimentaste. E isso foi o que me influenciou mais e por isso comecei a escrever, compor e explorar mais. E comecei a ter uma visão muito mais alargada de outros géneros de música.

Foto de Graciela Coelho

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Obli - julho/setembro - 201417

Agora, aliás, desde Boston, tem-me surgido uma maior vontade de cantar em português. Então, o fado, ultimamente, tem sido uma influência para mim, quer o tradicional como a fusão. Depois há outras que sempre me influenciaram. Quando eu era adolescente, ouvia coisas – e ainda ouço – como Radiohead, Rage Against the Machine, Portishead, o grunge... Eu cresci com Pearl Jam e Nirvana, portan-to, adoro esses géneros, o que acaba por ser uma influência para mim. E tento ter alguns temas que mostrem essa influência do rock. E, mais do que isso, o jazz, claro. Se bem que me afastei um pouco do jazz tradicional, não tenho repertório, praticamente. Isso fez parte da minha formação enquanto cantora de jazz – adoro Ella Fitzgerald, já ouvi os álbuns todos e já transcrevi imensos solos dela e adoro! Mas foi uma fase de estudo, uma fase da mi-nha educação musical. Agora ouço outro tipo de jazz, muito mais instrumental. Pianistas e saxofonistas, essencialmente.

Está aqui em vias de sair. Em outubro, temos uma digressão em Portugal, com o trompetista que gravou no primeiro: o Jason Palmer, que convidei para uma série de concertos em Por-tugal, que termina na Casa da Música, no dia 1 de novembro. Vamos gravar o disco na Casa da Música, porque queremos uma gravação ao vivo pela dimensão visual do novo trabalho. Temos tantas projeções que não fazia sentido fazer só um CD, por isso vamos editar as duas coisas. É um 2 em 1, com algumas coisas em estúdio e um DVD, gravado na Casa da Mú-sica, para que a parte visual também chegue ao público porque agora faz todo o sentido. Este projeto é muito definido pela parte visual.

Não. É uma das principais, mas agora, com a parte visual, também começamos a usar mais sons eletrónicos, as turntables e a guitarra por-tuguesa com efeitos. Este disco é muito me-nos acústico do que o primeiro. Mas, claro, a mistura de repertório e a minha maneira de escrever e compor não mudaram, continua muito presente. Mas é um disco com mais sons eletrónicos, com mais drum and bass, vai ser uma coisa mais forte.

Depois do choque cultural,

o que vês como principais

influências a nível musical?

Para quando o próximo álbum?

É essa a principal diferença em

comparação com In my garden?

Foto de Juliana Gonçalves

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No Citex, Carla Pontes conheceu Sofia Macedo, outra barcelense fascinada pelo estilismo. O percurso de Sofia iniciou-se, contudo, no estrangeiro: «estive 20 anos fora, no Luxemburgo, onde estudei na área de Belas Artes mas não relacionado com a moda. Entretanto regressei a Portugal para trabalhar em moda e estive no Citex, onde encontrei a Carla», afirma. A estadia prolongada no Luxemburgo e o recente regresso a Portugal é, aliás, uma das grandes armas que Sofia Macedo emprega nos seus trabalhos: «o último trabalho que fiz foi sobre o meu percurso, sobre as minhas origens. Falei da minha terra. Estive lá fora e é totalmente diferente. Do tempo, da cultura.»

Após a conclusão em Design de Moda, Carla e Sofia revelaram ao país o seu talento. Em outubro de 2011, Carla apresentou a coleção ob>jec>>tor no conceituado palco do Portugal Fashion, através no espaço BLOOM. O projeto baseou-se num conceito singular: «inspirei-me em algumas foto-grafias de pedras que um amigo meu me mostrou. Visitei uma pedreira e, a partir daí, toda a minha coleção foi baseada nesse conceito». Em março do ano seguinte, Carla Pontes ficou entre os quatro finalistas do Concurso de Jovens Criadores do mesmo Portugal Fashion. Posteriormente, integrou o atelier de Nuno Baltasar, onde se manteve até outubro de 2013.

No caso de Sofia, o trajeto foi ligeiramente diferente: em 2011, por intermédio da já designada Modatex, foi uma das 10 premiadas do Con-curso Jovens Criadores da Modtissimo, distinção que resultou na sua presença no Fórum Jovens Talentos. Incorporou, seguidamente, o ate-lier de Luís Buchinho. Mas foi em outubro do ano passado que logrou o ponto alto da sua breve carreira: apresentou a coleção SS14 Marcas de Água, na plataforma Sangue Novo cuja passerelle é a distinta Moda Lisboa. «É realmente outro mundo», confessa Sofia Macedo, que regressou ao certame da capital em março deste ano.

Carla Pontes e Sofia Macedo:

Barcelos também dá cartas na moda

O talento jovem em Barcelos não se esgota apenas no artesanato, na música ou no futebol. Pela forte tradição na indústria têxtil, o concelho também se tornou pródigo, nos últimos tempos, a lançar jovens designers de moda. O Obli falou com Carla Pontes e Sofia Macedo, dois exemplos de sucesso nesta área.

O setor têxtil em Barcelos tem um peso assinalável, ou não existissem mais de 500 empresas confinadas a esta indústria. A familiaridade com máquinas de costura ou com teares está, por isso, presente em várias pessoas do concelho. Essa proxi-midade motivou Carla Pontes, designer de moda, a enveredar pelo estilismo. «Os meus pais têm uma fábrica têxtil e isso influenciou-me na escolha pelo design de

moda». A jovem de 28 anos estende o seu exemplo: «o facto de haver tão forte tradição têxtil na cidade de Barcelos faz com que muitos jovens da zona escolham formações em áreas relacionadas com têxtil e moda.»

O entusiasmo de Carla pela moda levou-a a tirar o curso, inicialmente, de Design de Equi-pamento, na Escola Superior de Artes e Design do Porto (ESAD), uma licenciatura em que «o contacto com o produto têxtil, com o industrial, é mais evidente», aponta. Carla apercebeu-se, porém, que era o lado criativo que mais lhe agradava. Decidiu, por isso, decidiu entrar no curso de Design de Moda no prestigiado Citex - atualmente designado Modatex -, que já formou estilistas nacionais de renome como Nuno Gama, Nuno Baltasar ou Luís Buchinho.

DR - Carla Pontes

| Pedro Manuel Magalhães |

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Obli - julho/setembro - 2014 19AS AMBIÇÕES DE QUEM JÁ PISOU OS MAIS PRESTIGIADOS CERTAMES DE MODA DO PAÍS

Sofia, natural de Galegos de Santa Maria, está neste momento a dedicar-se exclusivamente ao seu próprio projeto: «desempreguei-me recentemente. Trabalhava diariamente numa empresa têxtil e, fora do expediente, na minha marca. É muito complicado teres um dia de trabalho e depois a partir das 10 da noite aplicares-te no teu projecto.» Na opinião de Sofia, a opção de aplicar-se a 100% na sua marca é «para melhor aproveitar» a notoriedade dos palcos em que se apresenta. «No caso do Moda Lisboa, apresentava a colecção e acabava ali», lamenta.

Carla Pontes, após ter ganho reputação no Portugal Fashion, viu o seu nome ser novamente pronunciado: em março deste ano, o P3, filho do jornal Público, noticiou um desfile de criadores portugueses em Lon-dres, o International Fashion Showcase. A jovem de 28 anos foi uma das premiadas. Atualmente, Carla trabalha na empresa dos seus pais, onde tem espaço para desenvolver algumas das suas ideias.

Se os certames onde se apresentaram dividiram-se entre Porto e Lisboa, a ambição de Sofia Macedo e Carla Pontes converge. «A mi-nha maior ambição é conseguir viver e trabalhar desta área, que me dá um gozo incrível» , vinca Carla, que, apesar das aspirações, não coloca certezas quanto à sua marca: «se ela vai crescer ou não, não sei.» Sofia partilha o desejo de Carla em relação ao seu projeto: «seria bom ter a minha marca», ainda que admita que «não é possível viver só da moda em Portugal».

O TÊXTIL EM BARCELOS Como supradito, não é segredo a vasta história de Barcelos no que ao têxtil diz respeito é am-

plamente conhecida. As aptidões de Sofia Macedo e Carla Pontes ajudaram neste capítulo, já que ambas trabalharam em empresas do setor. A inclusão de outros estilistas barcelenses nas fábricas do concelho seria benéfica? Carla responde positivamente: «acredito que a aposta em design é uma mais-valia para os sectores industriais e no setor têxtil/moda não é diferente. O investimento no desenvolvimento criativo pode impulsionar novas propostas a clientes e até a criação de marcas próprias.» Sofia tem a mesma opinião mas aponta o dedo às fábricas barcelenses, na questão da criatividade: «em Barcelos vem tudo desenhado de fora. Olham mais para o lado comercial e não tanto para o lado criativo», e, por isso, «há poucas fábricas a trabalhar com designers.»

O LOBBY NA MODA EM PORTUGALSofia Macedo e Carla Pontes, apesar de tenra idade, já apresentaram o seu trabalho

nos grandes centros de moda do país: Lisboa e Porto, respetivamente. O grande público, porém, conhece apenas, e já há algum tempo, nomes como os de Miguel Vieira ou Nuno Gama, entre outros. Carla Pontes não considera isto um acaso: «muitas vezes, quem tem os melhores contactos, tem maior exposição», lamenta, acrescentado que ter um «bom assessor» é «meio caminho andado» para se tornar conhecido em Portugal. Sofia Macedo não discorda: «os que são falados são bons mas não são os melhores. Os melhores não são tão conhecidos. As revistas cor-de-rosa, a televisão, não revelam o mundo da moda. As pessoas acham que os melhores atores, os designers são todos os mesmos mas não», conclui.

DR - Carla Pontes Portugal Fashion Plataforma Bloom

DR - Sofia Macedo

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O gosto pelo futebol vem-lhes de tenra idade. É inevitável dizer-se que está nos

genes. Há anos, Leandra assistia aos treinos da irmã, Regina Pereira – atleta que

viria a ser um dos nomes reconhecidos no futebol feminino português –, e já se

lhe adivinhava um futuro no desporto-rei. Só não se sabia que havia de seguir as

pisadas da irmã, também na Seleção Nacional. Leandra e Regina, barcelenses,

jogam na «elite do futebol feminino nacional», ambas a médio-centro.

De Barcelos para a Seleção Nacional: irmãs driblam futebol feminino

anos, vim para o Vilaverdense, onde estou até agora». A treinadora da equipa de Vila Verde lembra-se dela, nessa altura. «Conheço a Lean-dra desde os nove anos». «Ela vinha connosco treinar, fazer a pré-época e acompanhava-nos sempre», recorda Alexandra Coutada.

Seleção Nacional: um sonho tornado realidade

Com 21 anos, Regina Pereira é uma das jo-gadoras mais experientes da Seleção Nacional. A atleta barcelense pratica futebol desde os 11 – começou na AD Carvalhal, depois ARC Sequiade (ambos clubes barcelenses) e agora Vilaverdense Futebol Clube – e representa as cores de Portugal desde os 15, somando já 21 internacionalizações na seleção sub-19 e, à data do fecho desta edição, 28 pela seleção principal.

Regina recebeu a primeira convocatória, para as sub-19, precisamente no dia de aniver-sário. «Foi a melhor prenda que tive até agora», garante. «Representar as cores de Portugal e ter aquele símbolo ao peito é o realizar de um sonho. Treinei quase todos os dias para con-seguir chegar lá e ver o sonho concretizado é muito bom», conta ao Obli. «Para quem vive, quem lutou muito para lá chegar, ver esse sonho concretizado é mesmo uma sensação indescri-tível», conclui.

O sonho tornado realidade assume-se, de resto, como uma responsabilidade acrescida: «No momento em que vestimos a camisola da Seleção, temos outras responsabilidades, te-

Ogosto pelo desporto-rei, diz Regina, «já vem de família»: «o meu pai também jogou futebol durante muito tempo, a minha mãe jogava futebol lá na aldeia

e, se calhar, foram eles também que me passa-ram o bichinho», conta ao Obli. A atleta foge um pouco ao padrão mais habitual, sendo que os pais não só apoiaram como incentivaram a sua escolha: «até foram eles que me incen-tivaram a praticar desporto, principalmente futebol. O meu pai, ao início, ainda me tentou levar para o atletismo, mas eu sempre disse que correr para aquecer não era para mim. Depois incentivaram-me para o futebol e, até aos dias de hoje, sempre me apoiaram a 100%».

A história de Leandra confunde-se com a da irmã. A jogadora, de 16 anos, diz mesmo: «basicamente, a história dela é a minha história». Leandra joga futebol desde os dez anos. «Joguei numa escolinha de futebol – no Grupo Despor-tivo de Creixomil –, com os rapazes, durante um ano, e depois, na época seguinte, com 11

20

Foto de ©UEFA.com - Leandra vestiu a camisola da Seleção, pela 1ª vez, aos 14 anos

Foto de FPF - Regina é uma das jogadoras mais experientes da Seleção A

| Cristina M. Barbosa |

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Obli - julho/setembro - 2014

mos outra figura a manter e eu gosto desse desafio». Em declarações para o site da Fede-ração Portuguesa de Futebol (FPF), Regina dissera: «desde o primeiro momento em que fui chamada à Seleção Nacional que assumi o compromisso de lutar e de fazer cada vez melhor para merecer a confiança dos treinado-res». Frequentemente chamada pelo anterior selecionador, António Violante, continua, de resto, a ser escolha do atual, Francisco Neto.

Leandra, a irmã, seguiu-lhe as pisadas. Foi chamada, pela primeira vez, à Seleção em ja-neiro de 2013, então com 14 anos. «O sonho de qualquer atleta, qualquer que seja a moda-lidade, é representar o seu país», reconhece. No caso da barcelense, «poder representar tão cedo – eu tinha 14 anos – é fantástico. Ainda para mais, no futebol feminino, que é tão desvalorizado ainda, foi, e é, uma sensa-ção maravilhosa», o reconhecimento do seu trabalho diário, confessa ao Obli.

Naturais de Mariz, Leandra e Regina Perei-ra sentem-se praticamente desconhecidas em Barcelos. Regina sublinha, porém, que isso, embora a magoe, não desmotiva: «desde que tenha o reconhecimento de quem realmente apostou em mim e de quem acredita em mim, é mais importante».

Também Leandra, igualmente (re)conhe-cida internacionalmente, atenta: «eu até acho que só mesmo quem nos conhece – a nossa família e amigos – é que sabe que nós somos internacionais». «Às vezes penso que talvez se fôssemos rapazes, se fosse um rapaz a jogar futebol e fosse internacional, se calhar até era, sei lá, a estrela da cidade ou a pessoa mais po-pular. Como somos raparigas, é completamente indiferente», lamenta.

A treinadora da equipa feminina do Vilaverdense FC, Alexandra Coutada, também barcelense, desvaloriza: «digo-lhes que devem sempre fazer o melhor para elas e tentarem ir o mais longe possível e sentirem-se bem com elas. Um dia as coisas vêm ao de cima, quando tiverem de vir». «Há pessoas que se interessam, outras que se interessam menos; temos de saber lidar com isso. A nossa parte [dos técnicos] é demonstrar-lhes que isso não é o importante, embora toda a gente goste de ser reconhecido, mas não é o importante. Elas, na Seleção, já são reconhecidas, por isso não têm mais por que estar a lamentar-se», conclui.

A agora treinadora foi já colega de equipa de Regina, no Carvalhal e no Sequiade. Só depois passou a treinadora. Primeiro, durante um ano, no Sequiade, a «meio treinar» (sendo técnica e jogadora). Depois, desde há cinco épocas, no Vilaverdense FC. Conhece bem as duas irmãs, portanto. «Sempre vi a Regina como uma boa jogadora, com um pé esquerdo fabuloso, com uma boa visão de jogo, com um caráter de líder e que, mais cedo ou mais tarde, se ia impor, crescer, como está aí a prova. Não enganou», garante ao Obli. Já Leandra é, de acordo com a técnica, «uma parabólica: capta tudo». Em comum: «têm uma boa educação, têm um bom suporte, sabem estar, sabem ouvir, sabem respeitar», sublinha Alexandra Coutada. O estímulo e o apoio familiares foram importantes, no entender da treinadora, para aquilo que as irmãs Leandra e Regina Pereira são hoje. «O exemplo delas é um exemplo para muita gente. São pais que sempre as acompanharam, que sempre as ajudaram em tudo o que era preciso, com idas aos treinos – que não tínhamos transportes, quando começámos todas juntas, e mesmo agora», assegura Alexandra Coutada.

21Reconhecimento barcelense!? A indiferença pelo feminino

DR - Para a treinadora Alexandra Coutada, Leandra é «uma parabólica: capta tudo»

DR - Regina, 21 anos, dona de um «pé esquerdo fabuloso» (Alexandra Coutada)

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Leandra chegara do Torneiro de Desenvolvimento da UEFA (Vila Real, 12 a 15 de maio) – onde representou a Seleção Nacional feminino sub-16 – no dia anterior à entrevista do Obli. Confessou-se, inclusiva-mente, surpresa, pela adesão das pessoas e pelo apoio que manifestaram às atletas lusas. «Estivemos em Vila Real e a adesão por parte das pessoas foi enorme. Foi muito bom estarmos dentro de casa e vermos muitas pessoas a cantarem e a torcerem por nós e foi uma surpresa porque, pelo que temos visto, há muito pouca adesão das pessoas», observa. «É futebol feminino, não interessa, não chama», lamenta Leandra.

Mas, acredita, ainda há muito a mudar. Desde logo, na formação: «A aposta dos clubes na formação tem que melhorar e muito. As seleções jovens dos outros países têm tanta qualidade porque, sem dúvida, os clubes de lá investem na formação. E vê-se pelo porte delas, pela resis-tência, pelas características físicas, que são jogadoras que, mesmo com a nossa idade, trabalham diariamente e vivem para o futebol».

Regina concorda: «ainda falta muito para as pessoas verem o futebol feminino com bons olhos e nem se pode comparar a outros países onde o futebol feminino é desporto-rei, como é o caso dos Estados Unidos». «A mentalidade dos portugueses ainda está muito abaixo daquilo que já era de esperar. Acho que olham para o futebol feminino com outro ar, com ar de que nunca dá nada e nem chegam a apostar verdadeira-mente nas jogadoras», explica. «Às vezes, mesmo aqui, em Vila Verde, o futebol feminino também não é visto de maneira séria. Até se ouve umas bocas, por estarem raparigas a jogar à bola, que não tem jeito nenhum, podíamos era estar na cozinha ou estar em casa a arrumar», conta. «Isso magoa. Magoa quem está aqui a representar um clube, a representar uma terra, e que, no meu caso e no da minha irmã, leva o nome de Vila Verde por muitos cantos do mundo. Acho que isso é que devia ser reconhecido», conclui Regina.

Por sua vez, a FPF tem, no entender de Regina, «apostado muito nas seleções», pelo facto de «já quererem selecionadores a tempo inteiro, que vivam só daquilo, e pelo projeto que estão a fazer com camadas mais jovens, já a pensar no futuro da Seleção A». Para a atleta barcelense, «o

trabalho está a ser bem feito» e os resultados, embora não sejam ainda tão bons quanto o desejado, «já são melhores do que eram an-tes». Até mesmo as jogadoras levam o futebol «mais a sério»: «Antes ia-se para um jogo com o objetivo de não perder por muitos, agora a mentalidade das jogadoras e a mentalidade que os treinadores nos incutem a nós é: vamos para um jogo para fazer o nosso jogo e para tentar ganhar e não não sofrer muitos golos».

De resto, o ambiente nos balneários é de «grande entrega», garante Regina. E Lean-dra acrescenta: «para nós, que não recebemos qualquer pagamento, só pode ser mesmo por amor à camisola e pelo amor ao desporto e por todas aquelas sensações que vivemos dentro de campo».

não?», embora, para já, seja ainda cedo: «É uma decisão muito complicada e, nesta idade, acho que é impensável. Tenho 16 anos, sou muito nova para sair [do país]».

Para a irmã mais velha, Regina, seguir o futebol profissional «ainda é um objetivo e um sonho» que quer concretizar. Mas importa «viver um dia de cada vez», diz. «A Regina tem capacidade, tem estrutura suficiente, […] é uma jogadora que aspira no futebol a nível profissional e espero que lhe surja essa oportunidade e torço, torcemos, para que isso lhe apareça e que ela realize o seu sonho, porque a Regina vive para o futebol», atenta Alexandra Coutada. O caso de Leandra é «mais engraçado»: «é uma miúda super inteligente e vai chegar uma altura em que, de certeza absoluta, lhe vão aparecer propostas, mas a nível de estudos a Leandra vai ter que ponderar muito o que é melhor para ela», antevê a treinadora.

No 10.º ano de Ciências e Tecnologias, conciliar futebol com estudos, reconhece Leandra Pereira, «é muito complicado». «Quando são estágios longos, de 15 dias, a Federação leva um professor para nós tentarmos acompanhar as aulas. Temos cerca de uma hora por dia, obrigatória, de estudo. Fora aquelas que quisermos – e devemos, claro – estudar. Estamos minimamente a par, mas não é a mesma coisa e então quando chegamos é muito complicado», explica ao Obli a atleta que tem conseguido, ainda assim, «conciliar e ter boas notas». Aliás, a prática do futebol ajuda Leandra a eliminar o stress escolar e a socializar, diz.

O futuro das irmãs escreve-se nos relvados?

«Qualquer pessoa que viva o futebol como nós vivemos», diz Leandra Pereira, «adoraria fazer do futebol a sua vida, mas, primeiro, em Portugal é impossível, não temos essas condi-ções nem mentalidade para tal». Acresce que, «depois dos 30/35 anos, o futebol acaba», sendo que, terminada a carreira de jogadora, uma mulher não tem propriamente como continuar no futebol, no entender da jogadora. «Por isso, tenho que estar com os pés assentes no chão, dedicar-me aos estudos, para ter sempre uma alternativa», antecipa a jovem.

Mas, «se a oportunidade surgir, porque

«É futebol feminino. Não interessa, não chama»

DR - Irmãs defendem aposta na formação

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Uma das lições a retirar da crise de que ainda não saímos é a compreensão de que durante demasiado tempo só vimos o pedaço bom do que uma democracia capitalista nos pode dar, e que só agora começamos a destapar a face mais obscura.

Em essência, a democracia capitalista, re-gulada apenas pela lei da oferta e da procura, pressupõe liberdade de ação e de escolha, mas também o individualismo e a primazia do lucro e do bem-estar pessoal. As sociedades europeias têm vindo a tentar uma opção digamos que suave deste sistema, que garanta um mercado livre, mas que amortize o impacto da supre-macia do indivíduo sobre o coletivo. E têm--no feito através de um conjunto de políticas sociais que passam essencialmente por retirar três grupos de serviços da alçada das leis dita-das pelo capital: a saúde, a segurança social e a educação. Aquilo que, em linguagem de crise à moda portuguesa, se acabou por designar como as funções sociais do Estado.

Ora, o que esta crise vem colocar em evi-dência é que esse tal sistema misto europeu

Vivemos imersos num ruído de informação. Um ruído causado pelo acesso a uma quantidade de informação nunca antes disponível de forma tão simples (internet) e com uma capacidade de difusão (redes sociais) que a tornam numa “tempestade de areia” que em vez de trans-mitir alguma coisa, acaba por transmitir coisa nenhuma.

No meio deste ruído mediático, a Escola tem de ter o papel de destacar o que é essencial, focando a atenção das novas gerações naqui-lo que é importante ao seu desenvolvimento intelectual. No entanto, nunca caindo na ten-tação de impor opinões, posturas ou valores, a Escola tem como missão despertar nos jovens a curiosidade, expondo-os a várias realidades sociais e culturais.

Neste país marcado pelas desigualdades so-ciais, das maiores da Europa, a promoção de um acesso generalizado às atividades artísticas e culturais e a contínua melhoria das condições educativas é um factor essencial no desenvol-vimento dos cidadãos, que independentemente

só se aguenta se tivermos uma capacidade de estilo alemão de criar riqueza. Se assim não for, chegaremos a um ponto em que os impostos exi-gidos ao sistema para sustentar as tais funções sociais serão uma percentagem tão grande do rendimento que a própria natureza individua-lista do capitalismo se vai encarregar de impor as leis do mercado ou, numa alternativa talvez menos plausível, romper com o sistema.

Em matéria de educação, o sistema capita-lista suave português pressupõe uma escola-ridade de 12 anos obrigatória e gratuita, paga evidentemente pelos impostos, naquilo que é uma clara infração às leis do mercado. Ora é este tipo de infração que vai constituir um dos gran-des debates dos próximos anos na Europa e, consequentemente, em Portugal. Será possível continuar a recolher os benefícios do capitalismo e ao mesmo tempo proteger e financiar setores que, pela sua natureza decisiva para o bem comum da sociedade, sempre cremos deverem estar ao abrigo das leis concorrenciais? O que o rumo do combate à crise parece fazer crer é que não e nos vamos aproximar paulatinamente de um sistema mais puramente individualista, em que as ditas funções sociais tenderão a desapa-

recer. Se assim for, talvez o sistema puramente capitalista americano nos possa dar já algum vislumbre sobre o cenário que nos espera: os empréstimos a estudantes americanos atingiram no passado mês de maio um total de 1 bilião de dólares, sendo que 40% dos jovens têm dí-vidas relacionadas com a formação adquirida quando concluem os seus estudos e ingressam na vida ativa.

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| David Ferreira |

da sua origem e condição social, têm assim uma postura crítica mas compreensiva e tolerante, abordando a vida com uma energia proactiva.

Mais do que qualquer ciência exacta, uma sensibilidade e consciência cultural e artística é uma ferramenta que qualquer jovem precisa para enfrentar este mundo globalizado, de de-safios inesperados e de mudanças sociais a um ritmo difícil de acompanhar, possibilitando-lhe a capacidade de compreender e projectar novos valores, correntes de opinião, projetos e pers-pectivas. No fundo, permite-lhe pensar de forma diferente, agir com criatividade e ser guiado por aquilo que acredita e não somente por aquilo que lhe dizem que é correcto ser e fazer.

As estratégias culturais actuais baseiam-se, na sua maioria, numa oferta cultural não estru-turada e sem ter como objetivo a formação de novos públicos. Alterando um pouco o velho ditado, assistimos a uma oferta que está a “dar nozes a quem nunca usou os dentes”. É aqui que a Escola tem que actuar!

O país precisa de uma aliança entre profes-sores, agentes culturais e artistas na promoção cultural. É chocante que os jovens portugueses

no Ensino Secundário não tenham qualquer tipo de oferta nesta área indepentemente da área científica que seguiram. Como poderão gostar ou apreciar se não conhecem?

Cinema de autor, as várias correntes musi-cais, a expressão plástica, etc, podem e devem ser promovidas juntos dos estudantes. Se todos vão apreciar? Duvido. Se todos vão ser futuros consumidores de produtos culturais? Duvido ainda mais. Mas é por aqui que tem que ser feita, maioritariamente, a aposta financeira das entidades públicas. Cabendo também aos ar-tistas e agentes culturais esta promoção juntos dos jovens, sempre com o auxílio precioso de pais e professores.

A educação numa democracia capitalista

Cultura e Educação | Dar nozes a quem nunca usou os dentes

| Joaquim José Gonçalves |