O USO DE TÉCNICAS VOLTAMÉTRICAS NA ANÁLISE DE SOLOS E … · A descoberta e o desenvolvimento da...

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O USO DE TÉCNICAS VOLTAMÉTRICAS NA ANÁLISE DE SOLOS E ÁGUA Susanne Rath Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas Campinas, SP, Brasil, [email protected] Resumo Nesse trabalho é apresentado um breve histórico da polarografia, fundamentos das técnicas voltamétricas, assim como algumas aplicações destas na análise de amostras de interesse ambiental. Palavras-chave:Voltametria, voltametria de redissolução, análise de traços, água, solos Histórico A voltametria é uma técnica eletroquímica que estuda a relação entre a corrente e o potencial durante a eletrólise de uma espécie química de interesse. Os primeiros estudos sobre curvas corrente versus potencial, com aplicação na identificação e quantificação de espécies eletroativas, foram realizados pelo químico tchecoslovaco Jaroslav Heyrovský (Foto ao lado) em 1922, que empregou como microeletrodo de trabalho, não polarizável, o eletrodo gotejante de mercúrio (DME, do inglês dropping mercury electrode) e denominou a técnica de polarografia (Heyrovský, 1956). Um dos primeiros polarógrafos construídos por Heyrovský e Shikata, que atualmente encontra-se no Museu J. Heyrovský Institute of Physical Chemistry (Jaroslav..., 2003), está apresentado na Figura 1.

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O USO DE TÉCNICAS VOLTAMÉTRICAS NA ANÁLISE DE SOLOS E ÁGUA

Susanne Rath

Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas Campinas, SP, Brasil, [email protected]

Resumo

Nesse trabalho é apresentado um breve histórico da polarografia,

fundamentos das técnicas voltamétricas, assim como algumas aplicações

destas na análise de amostras de interesse ambiental.

Palavras-chave:Voltametria, voltametria de redissolução, análise de traços,

água, solos

Histórico

A voltametria é uma técnica

eletroquímica que estuda a

relação entre a corrente e o

potencial durante a eletrólise de

uma espécie química de

interesse.

Os primeiros estudos sobre

curvas corrente versus potencial,

com aplicação na identificação e

quantificação de espécies

eletroativas, foram realizados

pelo químico tchecoslovaco

Jaroslav Heyrovský (Foto ao lado)

em 1922, que empregou como

microeletrodo de trabalho, não

polarizável, o eletrodo gotejante

de mercúrio (DME, do inglês

dropping mercury electrode) e

denominou a técnica de

polarografia (Heyrovský, 1956).

Um dos primeiros

polarógrafos construídos por

Heyrovský e Shikata, que

atualmente encontra-se no Museu

J. Heyrovský Institute of Physical

Chemistry (Jaroslav..., 2003), está

apresentado na Figura 1.

As primeiras descrições da técnica

foram:

Um eletrodo gotejante de

mercúrio (DME, do inglês

dropping mercury electrode) é

introduzido em uma célula de

eletrólise, contendo de 5 a 10 mL

de solução;

O DME é constituído de um

capilar com diâmetro interno de 0,05 a 0,08 mm;

O capilar é conectado a um reservatório de mercúrio, posicionado

de 30 a 80 cm acima do orifício do capilar;

Variando-se a altura do reservatório, altera-se a pressão do

mercúrio e com isso regula-se o tempo de gota de 2 a 8 s;

O oxigênio é removido da solução;

Emprega-se um eletrodo de referência e conecta-se a cela a um

potenciômetro, o qual permite variar o potencial;

A corrente que circula pela cela é medida através de um

galvanômetro;

Registra-se um gráfico corrente (i) x potencial (E).

Figura 1. Polarógrafo construído por Heyrovský e Shikata (Museu J.

Heyrovský Institute of Physical Chemistry) e o capilar com a gota

de mercúrio (Jaroslav..., 2003).

Um polarograma característico, obtido na determinação de Tl(I),

Cd(II), Zn(II) e Mn(II), está apresentado na Figura 2.

Figura 2. Polarograma típico obtido com o polarógrafo construído por

Heyrovsky (Jaroslav..., 2003).

Em condições experimentais definidas, as substâncias

eletroativas apresentam um potencial característico, no qual ocorre a

transferência de carga analito/superfície do eletrodo, gerando uma

corrente proporcional à concentração do analito em solução. A

facilidade de redução ou oxidação difere de substância para substância

e é refletida pela posição da onda em relação ao eixo do potencial e

expressa pelo potencial de meia onda (E1/2

). Portanto, além de conferir

informações qualitativas sobre o analito, a técnica poderia ser

empregada para fins quantitativos, onde a relação entre a corrente de

difusão (corrente faradaíca) em função da concentração da espécie

eletroativa em solução é dada pela equação de Ilkovic:

Id = 7,08 x 104 n CD

½ m

2/3 t

1/6 Eq (1)

Onde:

n: número de elétrons envolvidos no processo de transferências de

carga;

C: concentração da espécie eletroativa no seio da solução (mmol/L);

D: coeficiente de difusão (m2/s);

m: taxa de escoamento do mercúrio (mg/s);

t: tempo de gota (s).

A descoberta e o desenvolvimento da polarografia, que futuramente

seria a base para o desenvolvimento de muitas outras técnicas

voltamétricas, foi reconhecido pela comunidade científica que

condecorou, em 1956, Heyrovský com o Premio Nobel em Química.

Considerações teóricas sobre a polarografia clássica

A polarografia clássica ou de corrente contínua envolve a aplicação

de um potencial, linearmente variável em função do tempo, entre o

eletrodo de trabalho (EGM) e um eletrodo de referência, imersos no

eletrólito suporte que contém a espécie eletroativa. A corrente que circula

entre os eletrodos como conseqüência da transferência de elétrons entre o

eletrodo e os componentes da solução é registrada em função do

potencial aplicado.

Para o entendimento dos fenômenos que acontecem na superfície

eletrodo/solução está apresentado um polarograma (Figura 3) decorrente

do registro da curva corrente versus potencial de uma solução contendo

Cd(II) em uma solução de ácido clorídrico (eletrólito suporte). A curva A é

decorrente do eletrólito suporte e a curva B após a adição de Cd(II).

Figura 3. Polarograma característico para o Cd(II) em ácido clorídrico. E1/2

:

potencial de meia-onda; id:

corrente de difusão, imax

: corrente

limite.

As oscilações que aparecem no polarograma (Figura 3, curva B) são

decorrentes da variação da área superficial da gota no eletrodo.

1. E > 0: verifica-se uma corrente anódica decorrente da oxidação do

mercúrio do eletrodo de trabalho (Hg - 2e- Hg

2+)

2. 0 V < E < –0,5 V: nesta região constata-se uma pequena corrente,

denominada de corrente residual, que é a somatória de duas outras.

Uma componente é a faradaíca proveniente da redução ou oxidação de

impurezas contidas no eletrólito suporte. A segunda é a corrente

capacitiva que se origina do contínuo carregamento da dupla camada

de Helmholtz, devido a constante renovação e aumento superficial da

gota de mercúrio, a qual possui uma densidade de carga constante a

0

0 -0,3 -0,6 -0,9 -1,2 E/V

5

10

id

imax

il

A

B

BA Eletrólito suporte Espécie eletroativa

E1/2

Id/2

0

0 -0,3 -0,6 -0,9 -1,2 E/V

5

10

id

imax

il

A

B

BA Eletrólito suporte Espécie eletroativa

E1/2

Id/2

um determinado potencial.

3. E=- 0,6 V: aumento brusco da corrente em função da redução da

espécie eletroativa na superfície do eletrodo (Cd2+ + 2e- Cd (Hg)).

4. -0,7 V < E < -1,2 V: a corrente é independente do potencial aplicado

(corrente limite). Nesse intervalo de potencial a espécie eletroativa é

reduzida tão rapidamente como essa pode difundir do seio da solução

até a superfície do eletrodo. Quando o gradiente de concentração

gerado em função do processo de transferência de carga na superfície

do eletrodo é o responsável pelo transporte de massa da substância

eletroativa até a superfície do mesmo, a corrente resultante é

denominada de corrente de difusão. A proporcionalidade da corrente

de difusão e a espécie eletroativa é a base para a análise polarográfica

quantitativa.

5. E > -1,2 V: a corrente aumenta em função do potencial devido a

redução do solvente do eletrólito suporte.

O potencial no qual a corrente equivale à metade do valor da corrente

de difusão é conhecido como potencial de meia-onda e é uma

característica da espécie eletroativa, assim como do eletrólito suporte.

É importante ressaltar que as espécies eletroativas a serem

reduzidas ou oxidadas podem, em princípio, atingir o eletrodo por:

Difusão: devido a um gradiente de concentração na camada adjacente ao

eletrodo, que se inicia na eletrólise quando a concentração da espécie

eletroativa circunvizinha ao eletrodo vai diminuindo. De acordo com a lei

de Fick (Brett & Brett, 1996), a velocidade de movimento de qualquer

espécie, devido a difusão, é proporcional ao gradiente de concentração,

que é a razão entre a diferença de concentração de dois pontos pela

distância entre eles.

Migração: é decorrente da força elétrica pelas quais as espécies

eletroativas alcançam a superfície do eletrodo de mercúrio. Esta corrente é

indesejável e deve ser eliminada, pela adição de um eletrólito suporte, em

uma concentração de pelo menos 100 vezes maior do que a do analito.

Convexão: resultante do transporte de massa determinado pela agitação

da solução a ser analisada, deve ser eliminada.

Técnicas polarográficas modernas

As desvantagens da polarografia clássica, no contexto da análise

quantitativa, inicialmente estavam associadas aos pobres limites de

detecção (na ordem de 10-4 mol L

-1). Em soluções diluídas a corrente

capacitiva originada na dupla camada (interface eletrodo/solução) era

significativa em relação a corrente faradaíca originada pelo processo de

transferência de carga na superfície do eletrodo. Até então, na

polarografia clássica, o potencial era aplicado através da cela toda e não

somente na interface eletrodo-solução, e, portanto, a técnica estava

limitada a análise em soluções aquosas ou em sistemas de baixa

resistência. Para eliminar estes efeitos indesejáveis, os instrumentos

modernos incorporam um potenciostato para controlar o potencial na

interface eletrodo de trabalho-solução e evitar uma possível polarização

do eletrodo de referência. O potenciostato (Flato, 1972) compreende um

sistema de 3 eletrodos, como pode ser observado na Figura 4.

Todas as dificuldades associadas a polarografia clássica foram

superadas somente a partir da década de 60, quando a disponibilidade de

amplificadores operacionais de baixo custo permitiu o desenvolvimento

de novas técnicas polarográficas visando minimizar a corrente capacitiva.

Figura 4. Sistema potenciostático de três eletrodos (RE: eletrodo de

referência, AE: eletrodo auxiliar e WE: eletrodo de trabalho.

Entre as técnicas polarográficas consideradas “modernas”

destacam-se: (i) polarografia de corrente contínua amostrada (DCtast

); (ii)

polarografia de pulso normal; (iii) polarografia de pulso diferencial (DPP),

(iv) polarografia de corrente alternada (AC) e polarografia de ondas

quadrada. A diferença básica entre as técnicas é forma da variação de

potencial durante a varredura (Figura 5). Cabe destacar que quando o DME

é substituído pelo eletrodo de gota pendente de mercúrio (HMDE, do

inglês hanging mercury drop electrode) ou outro eletrodo sólido a técnica

passa a ser denominada de voltametria.

AE

WE

RE AE

WE

RE

Figura 5. Forma da aplicação do potencial nas diferentes técnicas.

Entre essas técnicas, a polarografia de pulso diferencial tem sido

uma das mais utilizadas na análise quantitativa de uma grande variedade

de substâncias orgânicas e inorgânicas.

Na voltametria de pulso diferencial (Skoog et al, 2002), pulsos

pequenos são sobrepostos em uma rampa linear de potencial como está

mostrado na Figura 6A. A altura do pulso é chamada de amplitude de

modulação. O pulso, com valores de 5 a 100 mV de amplitude, é aplicado

durante os últimos 60 ms da vida da gota de mercúrio. A gota é então

desalojada mecanicamente do capilar. A corrente é medida uma vez antes

do pulso ser aplicado e novamente nos últimos 17 ms de duração do

pulso. O polarógrafo subtrai a segunda corrente da primeira e registra

essa diferença versus o potencial aplicado, como mostra a Figura 6B.

Uma vantagem do polarograma em forma pico é que máximos

individuais podem ser observados para substâncias com potenciais de

meia-onda que diferem entre si por valores pequenos, como 40 a 50 mV.

Ao contrário, a polarografia clássica e de pulso normal requerem uma

diferença de potencial de cerca de 200 mV para resolução das ondas ou

picos.

Figura 6. (A) Sinais de excitação para polarografia de pulso diferencial e

(B) forma característica de um voltamograma (Skoog et al,

2002).

A maior sensibilidade da voltametria de pulso diferencial pode ser

atribuída a duas fontes: (i) aumento da corrente faradáica e (ii) decréscimo

da corrente de carga capacitiva, ou seja, não faradáica. Cabe ressaltar que

apenas a corrente faradaíca é proporcional à concentração do analito.

Atualmente uma das técnicas voltamétricas de pulso mais sensíveis

e rápidas é a voltametria de onda quadrada (SWV, do inglês Square Wave

Voltammetry). As formas de onda consistem de uma onda quadrada

simétrica de amplitude Esw sobreposta a uma rampa de potencial. O

período completo da onda quadrada ocorre para cada período . Um

voltamograma característico está apresentado na Figura 7.

AB

Figura 7. Série de pulsos, rampa de potencial, sinal de excitação e

voltamograma característico obtido na SWV.

A SWV apresenta vantagens frente a outras técnicas voltamétricas

no que que concerne a sensibilidade e velocidade de varredura, além de

permitir a obtenção de informações a respeito do mecanismo

eletroquímico.

Voltametria de Redissolução

Nos últimos anos, houve uma demanda crescente pela detecção e

quantificação de componentes traços em matrizes complexas. A

conscientização de efeitos prejudiciais de alguns elementos traços em

Es

Esw

E

t

E

t

Série de pulsos Rampa de potencial

Es

+

Esw

E1

2i = i1 - i2

t

i1

i2

E

t

i = i1 - i2

Sinal de excitação Voltamograma característico

VOLTAMETRIA DE ONDA QUADRADAVOLTAMETRIA DE ONDA QUADRADA

Es

Esw

E

t

E

t

Série de pulsos Rampa de potencial

Es

+

Esw

E1

2i = i1 - i2

t

i1

i2

E

t

i = i1 - i2

Sinal de excitação Voltamograma característico

VOLTAMETRIA DE ONDA QUADRADAVOLTAMETRIA DE ONDA QUADRADA

matrizes como alimentos, águas naturais, solos, efluentes industriais e

esgotos domésticos, fez com que surgissem rigorosas legislações públicas

direcionadas ao monitoramento destes componentes em amostras a

níveis de parte por bilhão (ppb). Para isso, métodos analíticos mais

sensíveis eram necessários. Uma nova técnica voltametrica destinada à

análise de traços foi desenvolvida, a voltametria de redissolução. Apesar

de outras técnicas analíticas sensíveis e confiáveis (como espectrometria

de absorção atômica e outras) terem sido utilizadas na análise de traços,

fatores, tais como alto custo de instrumentação, extensiva preparação das

amostras e seletividade limitada, reduzem a eficácia destas técnicas

principalmente quando aplicadas à análise de multi-componentes em

matrizes de amostras complexas.

De modo geral, a sensibilidade de toda técnica analítica pode ser

aumentada introduzindo uma etapa preliminar de pré-concentração no

preparo de amostra, por exemplo, uma extração líquido-líquido, líquido-

sólido ou extração em fase sólida. Na voltametria de redissolução, uma

técnica eletroquímica de pré-concentração é usada anterior a varredura

de potencial. A etapa de pré-concentração ou de deposição consiste na

eletrodeposição, a potencial constante, da espécie de interesse em um

eletrodo estacionário ou rotatório, sob agitação da solução, durante um

tempo pré-determinado. Durante esta deposição, a solução é agitada pelo

movimento do próprio eletrodo, no caso dele ser rotatório, ou por uma

barra magnética usando-se um agitador magnético, no caso dele ser

estacionário. Após a eletrodeposição, a solução é deixada em repouso

por alguns segundos, para que os metais depositados tenham um tempo

suficiente para difundir-se no mercúrio, tornando a amalgama

homogênea. Esse tempo é chamado de tempo de repouso ou de

equilíbrio. Isto é seguido pela etapa da determinação que consiste na

redissolução eletrolítica, voltando a espécie depositada à solução de onde

havia sido retirada.

Os eletrodos mais populares são o HMDE, o eletrodo de filme de

mercúrio (MFE, do inglês, mercury film electrode,) suportado em ouro,

platina e eletrodos de carbono, incluindo pasta do carbono e carbono

vítreo. A faixa de potencial em que esses eletrodos podem ser usados em

solução aquosa, ou seja, o domínio de eletroatividade, depende tanto do

material do eletrodo como da composição do eletrólito suporte (Skoog et

al, 2002) (Figura 8).

Figura 8. Faixa de potencial para três tipos de eletrodos em diferentes

eletrólitos.

Os eletrodos do mercúrio oferecem a vantagem na análise de

determinados íons metálicos, de que o produto da deposição, ou seja, o

metal reduzido, se dissolve no mercúrio para formar uma amálgama.

Durante a eletrólise, a corrente que flui é descrita pela equação de

LEVICH (Bard & Faulkner, 1980) Eq. (2):

i (t) = 0,62 n F A D2/3 1/2 1/6 CA(t) Eq. (2)

Onde n é o número de elétrons transferidos durante a reação, F é a

0 -1 -2 -3123

KCl 0,1 mol/L

HClO4 1 mol/L

H2SO4 1 mol/L

KCl 1 mol/L

Pt

Hg

C

NaOH 1 mol/L

H2SO4 1 mol/L

Tampão pH 7

E (V vs SCE)0 -1 -2 -3123

KCl 0,1 mol/L

HClO4 1 mol/L

H2SO4 1 mol/L

KCl 1 mol/L

Pt

Hg

C

NaOH 1 mol/L

H2SO4 1 mol/L

Tampão pH 7

E (V vs SCE)

constante de Faraday, A é a área geométrica do eletrodo, D é o coeficiente

de difusão, é a velocidade de rotação, é a viscosidade cinemática e CA(t)

é a concentração do analito.

Recomenda-se, em geral, usar o eletrodo de mercúrio de gota

pendente para concentrações acima de 1 ppb e o de filme de mercúrio

para concentrações abaixo desta.

O potencial a ser aplicado no processo de deposição permite

controlar a seletividade na análise de uma solução que contém vários íons

metálicos. Assim, somente um metal ou um grupo de metais pode ser

depositado, evitando a deposição de outros metais que possam vir a

interferir na etapa de redissolução. Quanto mais catódico o potencial,

maior o número de elementos depositados e maior a possibilidade de

interferência.

A Figura 9a ilustra a forma do sinal de excitação de potencial

usualmente aplicado no método de redissolução anódica de varredura

linear para a determinação de cádmio e cobre em soluções aquosas.

Inicialmente é aplicado, no microeletrodo, um potencial catódico de –1,0 V

por um tempo definido e sob agitação. Após um tempo de repouso ou

equilíbrio, sem agitação, o potencial do eletrodo é alterado linearmente

para valores menos negativos e a corrente é registrada em função do

potencial. A Figura 9b mostra o voltamograma resultante (Skoog et al,

2002).

Entretanto cabe mencionar, que a presença de oxigênio dissolvido

no eletrólito de suporte interfere na determinação das espécies

eletroativas, visto que o oxigênio sofre redução, em duas etapas, no

domínio de eletroatividade empregando o eletrodo de mercúrio. Para

tanto, faz-se necessário anterior medidas voltamétricas, a remoção do

oxigênio dissolvido, por arraste com um gás inerte (nitrogênio) por um

tempo de 5 a 10 minutos.

Figura 9. a) Sinal de excitação para determinação de Cd(II) e Cu(II)

por

voltametria de redissolução. b) Voltamograma obtido para a

redissolução dos elementos previamente depositados na

superfície do eletrodo (Skoog et al, 2002).

A sensibilidade da voltametria de redissolução depende da

combinação da pré-concentração obtida na etapa de deposição e da

técnica voltamétrica empregada na etapa de redissolução. Entre as

técnicas voltamétricas, a de pulso diferencial permite registrar maiores

intensidades de corrente para uma mesma concentração de analito frente

à de corrente contínua ou pulso normal. De modo geral, a sensibilidade é

elevada e é limitada freqüentemente pela pureza dos reagentes, técnicas

de amostragem e abertura da amostra. Os limites típicos da detecção

para as técnicas de redissolução situam-se na faixa de 10-12

-10-10

mol L-1.

Na voltametria de redissolução anódica (ASV, do inglês anodic

stripping voltammetry) um potencial mais negativo que o potencial de

pico da espécie eletroativa é aplicado na etapa de pré-concentração e as

principais reações envolvidas são:

Mn+

+ n e- M(Hg) (Etapa de pré-concentração - Redução)

M Mn+

+ n e- (Etapa de redissolução - Oxidação)

Metais que apresentam solubilidade no mercúrio podem ser

determinados por ASV, entre esses se destacam Cu, Cd, Pb, As, Sb, Bi, Zn,

Mn e Sn.

A voltametria de redissolução catódica (CSV, do inglês cathodic

stripping voltammetry) é usada para a determinação de substâncias que

formam sais pouco solúveis com os íons do mercúrio do eletrodo de

trabalho. A técnica consiste na polarização anódica do eletrodo cuja

superfície se deposita uma camada de composto pouco solúvel, formada

por anions da espécie e cátions do eletrodo, seguida da eletroredução da

camada depositada através da varredura de potencial no sentido catódico.

Entre as espécies que podem ser determinadas por essa técnica, ao nível

de traços, destacam-se As, Se, cloreto, brometo, iodeto, sulfeto, cianeto e

outros.

Enquanto na voltametria de redissolução os compostos são

acumulados por eletrólise na superfície do eletrodo, na voltametria de

redissolução adsortiva (AdSV, do inglês adsorptive stripping

voltammetry), o analito, na presença de um agente complexante seletivo é

adsorvido na superfície do eletrodo de trabalho por intermédio de um

processo não eletrolítico. A principal vantagem da AdSV é a alta

sensibilidade, sendo especialmente adequada para a determinação

daqueles metais que não são eletroativos no eletrodo de mercúrio como

Pd, Ti, Co, Ni, Pt, Sb, Fe, Cr, V, U, Mo, Mn e outros. Através da reação

química destes elementos com um agente complexante específico gera-se

a espécie a ser adsorvida na superfície do eletrodo. O processo de

adsorção é espontâneo e a quantidade da espécie acumulada na superfície

do eletrodo depende do material do eletrodo, solvente, pH, potencial,

tempo, força iônica, transporte de massa e temperatura. A etapa de

redissolução é semelhante à CSV e ASV, onde se aplica uma varredura de

potencial na direção catódica ou anódica, dependendo das propriedades

redox da espécie acumulada. Cabe destacar que a redissolução pode ou

não envolver a transferência de elétrons.

Para medidas voltamétricas podem também ser empregadas celas

em fluxo, como apresentado na Figura 10A. Um voltamograma

característico obtido com essa cela para a determinação simultânea de U,

V, Sb e Mo, obtido pela técnica de AdSV, empregando ácido cloranílico

está apresentado na Figura 10 (Sander, 1999).

Figura 10. (A) Cela voltamétrica em fluxo. (B) Voltamograma para a determinação simultânea de U, V, Sb e Mo, empregando cela em fluxo. Técnica AdSV, emprego de ácido cloroanílico (Sander, 1999).

Voltametria orgânica

As técnicas voltamétricas têm grande aplicação não somente na

determinação de elementos inorgânicos, mas também moléculas

orgânicas em matrizes diversas. Para que a substância seja eletroativa é

necessário que tenha um grupo funcional que possa sofrer oxidação ou

redução no domínio de eletroatividade. Na Tabela 1 são apresentadas

U

Sb

V

M

A B

algumas substâncias que podem ser determinadas empregando-se o

eletrodo de mercúrio.

Tabela 1. Exemplos de compostos orgânicos que podem ser determinados

por voltametria.

Espécie oxidada Espécie reduzida

R-CH2=CH

2 + 2e

- R-CH

2-CH

3

R-CH2-X + H

+ + e

- R-CH

3 + X

- (X: halogênio)

C6H

5-N=N-C

6H

5 + 2H

+ + 2e

- C

6H

5-NH-NH-C

6H

5

C6H

5-CHO + 2H

+ + 2e

- C

6H

5-CH

2OH

R-NO + 2H+ + 2e

- R-NOH

Espécie oxidada Espécie reduzida

R-NO2 + 4H

+ + 4e

- R-NHOH

R-S-S-R + 2H+ + 2e

- 2RSH

A voltametria também tem sido empregada com sucesso na

determinação de compostos orgânicos entre esses pesticidas como

linuron, paration, paraquat, clorofenol picloram, imidacloprid,

apresentando menor manipulação de amostras e menor custo de análise

quando comparadas as técnicas cromatográficas. Para tanto, diferentes

materiais de eletrodos têm sido empregados, entre esses o HMDE,

carbono vítreo, diamante dopado com boro e outros (Jehring et al, 1989;

Guiberteau et al, 2001; Massaroppi & Machado, 2003; Pedrosa et al, 2003;

Souza & Machado, 2003).

Análise de amostras ambientais

As técnicas voltamétricas têm grande aplicação na análise de

amostras ambientais como águas naturais, neve, solo, sedimentos,

plantas, tanto na determinação de elementos inorgânicos ao nível de

traços, quanto na especiação destes elementos (Locatelli et al, 1999;

Emons et al, 2000; Ghoneim et al, 2000; Locatelli et al, 2000; Silva et al,

2001; Baranowska et al, 2002).

Embora as técnicas voltamétricas apresentam elevada sensibilidade,

sofrem interferência da matéria orgânica presente na matriz. Para tanto,

faz-se necessário a destruição ou separação da parte orgânica da amostra

anterior a determinação voltamétrica, a qual pode ser feita através de

digestão via seca, digestão via úmida, digestão assistida por microondas,

digestão assistida por ultra-som, extração em fase sólida e outras. A não

destruição completa da matéria orgânica proveniente da amostra pode vir

a deformar as curvas voltamétricas de tal forma que não seja mais

possível a quantificação da espécie de interesse.

Essa interferência é decorrente da adsorção da matéria orgânica

sobre superfície do eletrodo, afetando o processo de deposição dos íons

metálicos sobre o mesmo.

No entanto, na determinação de metais (Cu, Pb, Zn e Ni) em solos,

quando a separação dos analitos é realizada por extração com ácido

clorídrico, foi verificado que não ocorre interferência da matéria orgânica

(Colombo & Van Den Berg, 1998).

Uma área promissora da voltametria na análise de amostras

ambientais é a determinação in situ de espécies eletroativas, que está

sendo possível mediante o desenvolvimento de microeletrodos. Neste tipo

de análise o microeletrodo é introduzido diretamente na amostra de solo,

sedimento, etc. A análise in situ é especialmente atraente uma vez que

permite a eliminação de artefatos decorrentes do preparo de amostras,

bem como viabiliza a análise em tempo real para uma rápida detecção de

poluentes em amostras ambientais.

Considerações finais

As técnicas eletroanalíticas, em particular a voltametria, têm

potencial para a determinação de elementos orgânicos e

inorgânicos em uma ampla faixa de concentração em matrizes

ambientais.

A voltametria têm sido empregada na determinação de metais e

pesticidas em águas e solos.

A voltametria de redissolução permite a análise de elementos traços

(concentrações na ordem de 10-10

mol/L).

A voltametria permite realizar estudos de especiação que são

importantes do ponto de vista toxicológico.

O emprego de microeletrodos permite a análise in situ em tempo

real.

O custo de análise por amostra é via de regra menor do que por

técnicas cromatográficas, no entanto, em matrizes ambientais como

solo e plantas é necessária a destruição de matéria orgânica

anterior determinação voltamétrica. Ainda, existe a vantagem da

determinação seqüencial de elementos em uma única análise.

Os instrumentos empregados na voltametria são relativamente

simples e permitem mecanização e/ou automatização.

Referências

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Determination of heavy metal contents in samples of medicinal herbs.

Polish Journal of Environmental Studies, Olsztyn, v. 11, n. 5, p. 467-471,

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