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O USO DE TÉCNICAS VOLTAMÉTRICAS NA ANÁLISE DE SOLOS E ÁGUA
Susanne Rath
Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas Campinas, SP, Brasil, [email protected]
Resumo
Nesse trabalho é apresentado um breve histórico da polarografia,
fundamentos das técnicas voltamétricas, assim como algumas aplicações
destas na análise de amostras de interesse ambiental.
Palavras-chave:Voltametria, voltametria de redissolução, análise de traços,
água, solos
Histórico
A voltametria é uma técnica
eletroquímica que estuda a
relação entre a corrente e o
potencial durante a eletrólise de
uma espécie química de
interesse.
Os primeiros estudos sobre
curvas corrente versus potencial,
com aplicação na identificação e
quantificação de espécies
eletroativas, foram realizados
pelo químico tchecoslovaco
Jaroslav Heyrovský (Foto ao lado)
em 1922, que empregou como
microeletrodo de trabalho, não
polarizável, o eletrodo gotejante
de mercúrio (DME, do inglês
dropping mercury electrode) e
denominou a técnica de
polarografia (Heyrovský, 1956).
Um dos primeiros
polarógrafos construídos por
Heyrovský e Shikata, que
atualmente encontra-se no Museu
J. Heyrovský Institute of Physical
Chemistry (Jaroslav..., 2003), está
apresentado na Figura 1.
As primeiras descrições da técnica
foram:
Um eletrodo gotejante de
mercúrio (DME, do inglês
dropping mercury electrode) é
introduzido em uma célula de
eletrólise, contendo de 5 a 10 mL
de solução;
O DME é constituído de um
capilar com diâmetro interno de 0,05 a 0,08 mm;
O capilar é conectado a um reservatório de mercúrio, posicionado
de 30 a 80 cm acima do orifício do capilar;
Variando-se a altura do reservatório, altera-se a pressão do
mercúrio e com isso regula-se o tempo de gota de 2 a 8 s;
O oxigênio é removido da solução;
Emprega-se um eletrodo de referência e conecta-se a cela a um
potenciômetro, o qual permite variar o potencial;
A corrente que circula pela cela é medida através de um
galvanômetro;
Registra-se um gráfico corrente (i) x potencial (E).
Figura 1. Polarógrafo construído por Heyrovský e Shikata (Museu J.
Heyrovský Institute of Physical Chemistry) e o capilar com a gota
de mercúrio (Jaroslav..., 2003).
Um polarograma característico, obtido na determinação de Tl(I),
Cd(II), Zn(II) e Mn(II), está apresentado na Figura 2.
Figura 2. Polarograma típico obtido com o polarógrafo construído por
Heyrovsky (Jaroslav..., 2003).
Em condições experimentais definidas, as substâncias
eletroativas apresentam um potencial característico, no qual ocorre a
transferência de carga analito/superfície do eletrodo, gerando uma
corrente proporcional à concentração do analito em solução. A
facilidade de redução ou oxidação difere de substância para substância
e é refletida pela posição da onda em relação ao eixo do potencial e
expressa pelo potencial de meia onda (E1/2
). Portanto, além de conferir
informações qualitativas sobre o analito, a técnica poderia ser
empregada para fins quantitativos, onde a relação entre a corrente de
difusão (corrente faradaíca) em função da concentração da espécie
eletroativa em solução é dada pela equação de Ilkovic:
Id = 7,08 x 104 n CD
½ m
2/3 t
1/6 Eq (1)
Onde:
n: número de elétrons envolvidos no processo de transferências de
carga;
C: concentração da espécie eletroativa no seio da solução (mmol/L);
D: coeficiente de difusão (m2/s);
m: taxa de escoamento do mercúrio (mg/s);
t: tempo de gota (s).
A descoberta e o desenvolvimento da polarografia, que futuramente
seria a base para o desenvolvimento de muitas outras técnicas
voltamétricas, foi reconhecido pela comunidade científica que
condecorou, em 1956, Heyrovský com o Premio Nobel em Química.
Considerações teóricas sobre a polarografia clássica
A polarografia clássica ou de corrente contínua envolve a aplicação
de um potencial, linearmente variável em função do tempo, entre o
eletrodo de trabalho (EGM) e um eletrodo de referência, imersos no
eletrólito suporte que contém a espécie eletroativa. A corrente que circula
entre os eletrodos como conseqüência da transferência de elétrons entre o
eletrodo e os componentes da solução é registrada em função do
potencial aplicado.
Para o entendimento dos fenômenos que acontecem na superfície
eletrodo/solução está apresentado um polarograma (Figura 3) decorrente
do registro da curva corrente versus potencial de uma solução contendo
Cd(II) em uma solução de ácido clorídrico (eletrólito suporte). A curva A é
decorrente do eletrólito suporte e a curva B após a adição de Cd(II).
Figura 3. Polarograma característico para o Cd(II) em ácido clorídrico. E1/2
:
potencial de meia-onda; id:
corrente de difusão, imax
: corrente
limite.
As oscilações que aparecem no polarograma (Figura 3, curva B) são
decorrentes da variação da área superficial da gota no eletrodo.
1. E > 0: verifica-se uma corrente anódica decorrente da oxidação do
mercúrio do eletrodo de trabalho (Hg - 2e- Hg
2+)
2. 0 V < E < –0,5 V: nesta região constata-se uma pequena corrente,
denominada de corrente residual, que é a somatória de duas outras.
Uma componente é a faradaíca proveniente da redução ou oxidação de
impurezas contidas no eletrólito suporte. A segunda é a corrente
capacitiva que se origina do contínuo carregamento da dupla camada
de Helmholtz, devido a constante renovação e aumento superficial da
gota de mercúrio, a qual possui uma densidade de carga constante a
0
0 -0,3 -0,6 -0,9 -1,2 E/V
5
10
id
imax
il
A
B
BA Eletrólito suporte Espécie eletroativa
E1/2
Id/2
0
0 -0,3 -0,6 -0,9 -1,2 E/V
5
10
id
imax
il
A
B
BA Eletrólito suporte Espécie eletroativa
E1/2
Id/2
um determinado potencial.
3. E=- 0,6 V: aumento brusco da corrente em função da redução da
espécie eletroativa na superfície do eletrodo (Cd2+ + 2e- Cd (Hg)).
4. -0,7 V < E < -1,2 V: a corrente é independente do potencial aplicado
(corrente limite). Nesse intervalo de potencial a espécie eletroativa é
reduzida tão rapidamente como essa pode difundir do seio da solução
até a superfície do eletrodo. Quando o gradiente de concentração
gerado em função do processo de transferência de carga na superfície
do eletrodo é o responsável pelo transporte de massa da substância
eletroativa até a superfície do mesmo, a corrente resultante é
denominada de corrente de difusão. A proporcionalidade da corrente
de difusão e a espécie eletroativa é a base para a análise polarográfica
quantitativa.
5. E > -1,2 V: a corrente aumenta em função do potencial devido a
redução do solvente do eletrólito suporte.
O potencial no qual a corrente equivale à metade do valor da corrente
de difusão é conhecido como potencial de meia-onda e é uma
característica da espécie eletroativa, assim como do eletrólito suporte.
É importante ressaltar que as espécies eletroativas a serem
reduzidas ou oxidadas podem, em princípio, atingir o eletrodo por:
Difusão: devido a um gradiente de concentração na camada adjacente ao
eletrodo, que se inicia na eletrólise quando a concentração da espécie
eletroativa circunvizinha ao eletrodo vai diminuindo. De acordo com a lei
de Fick (Brett & Brett, 1996), a velocidade de movimento de qualquer
espécie, devido a difusão, é proporcional ao gradiente de concentração,
que é a razão entre a diferença de concentração de dois pontos pela
distância entre eles.
Migração: é decorrente da força elétrica pelas quais as espécies
eletroativas alcançam a superfície do eletrodo de mercúrio. Esta corrente é
indesejável e deve ser eliminada, pela adição de um eletrólito suporte, em
uma concentração de pelo menos 100 vezes maior do que a do analito.
Convexão: resultante do transporte de massa determinado pela agitação
da solução a ser analisada, deve ser eliminada.
Técnicas polarográficas modernas
As desvantagens da polarografia clássica, no contexto da análise
quantitativa, inicialmente estavam associadas aos pobres limites de
detecção (na ordem de 10-4 mol L
-1). Em soluções diluídas a corrente
capacitiva originada na dupla camada (interface eletrodo/solução) era
significativa em relação a corrente faradaíca originada pelo processo de
transferência de carga na superfície do eletrodo. Até então, na
polarografia clássica, o potencial era aplicado através da cela toda e não
somente na interface eletrodo-solução, e, portanto, a técnica estava
limitada a análise em soluções aquosas ou em sistemas de baixa
resistência. Para eliminar estes efeitos indesejáveis, os instrumentos
modernos incorporam um potenciostato para controlar o potencial na
interface eletrodo de trabalho-solução e evitar uma possível polarização
do eletrodo de referência. O potenciostato (Flato, 1972) compreende um
sistema de 3 eletrodos, como pode ser observado na Figura 4.
Todas as dificuldades associadas a polarografia clássica foram
superadas somente a partir da década de 60, quando a disponibilidade de
amplificadores operacionais de baixo custo permitiu o desenvolvimento
de novas técnicas polarográficas visando minimizar a corrente capacitiva.
Figura 4. Sistema potenciostático de três eletrodos (RE: eletrodo de
referência, AE: eletrodo auxiliar e WE: eletrodo de trabalho.
Entre as técnicas polarográficas consideradas “modernas”
destacam-se: (i) polarografia de corrente contínua amostrada (DCtast
); (ii)
polarografia de pulso normal; (iii) polarografia de pulso diferencial (DPP),
(iv) polarografia de corrente alternada (AC) e polarografia de ondas
quadrada. A diferença básica entre as técnicas é forma da variação de
potencial durante a varredura (Figura 5). Cabe destacar que quando o DME
é substituído pelo eletrodo de gota pendente de mercúrio (HMDE, do
inglês hanging mercury drop electrode) ou outro eletrodo sólido a técnica
passa a ser denominada de voltametria.
AE
WE
RE AE
WE
RE
Figura 5. Forma da aplicação do potencial nas diferentes técnicas.
Entre essas técnicas, a polarografia de pulso diferencial tem sido
uma das mais utilizadas na análise quantitativa de uma grande variedade
de substâncias orgânicas e inorgânicas.
Na voltametria de pulso diferencial (Skoog et al, 2002), pulsos
pequenos são sobrepostos em uma rampa linear de potencial como está
mostrado na Figura 6A. A altura do pulso é chamada de amplitude de
modulação. O pulso, com valores de 5 a 100 mV de amplitude, é aplicado
durante os últimos 60 ms da vida da gota de mercúrio. A gota é então
desalojada mecanicamente do capilar. A corrente é medida uma vez antes
do pulso ser aplicado e novamente nos últimos 17 ms de duração do
pulso. O polarógrafo subtrai a segunda corrente da primeira e registra
essa diferença versus o potencial aplicado, como mostra a Figura 6B.
Uma vantagem do polarograma em forma pico é que máximos
individuais podem ser observados para substâncias com potenciais de
meia-onda que diferem entre si por valores pequenos, como 40 a 50 mV.
Ao contrário, a polarografia clássica e de pulso normal requerem uma
diferença de potencial de cerca de 200 mV para resolução das ondas ou
picos.
Figura 6. (A) Sinais de excitação para polarografia de pulso diferencial e
(B) forma característica de um voltamograma (Skoog et al,
2002).
A maior sensibilidade da voltametria de pulso diferencial pode ser
atribuída a duas fontes: (i) aumento da corrente faradáica e (ii) decréscimo
da corrente de carga capacitiva, ou seja, não faradáica. Cabe ressaltar que
apenas a corrente faradaíca é proporcional à concentração do analito.
Atualmente uma das técnicas voltamétricas de pulso mais sensíveis
e rápidas é a voltametria de onda quadrada (SWV, do inglês Square Wave
Voltammetry). As formas de onda consistem de uma onda quadrada
simétrica de amplitude Esw sobreposta a uma rampa de potencial. O
período completo da onda quadrada ocorre para cada período . Um
voltamograma característico está apresentado na Figura 7.
AB
Figura 7. Série de pulsos, rampa de potencial, sinal de excitação e
voltamograma característico obtido na SWV.
A SWV apresenta vantagens frente a outras técnicas voltamétricas
no que que concerne a sensibilidade e velocidade de varredura, além de
permitir a obtenção de informações a respeito do mecanismo
eletroquímico.
Voltametria de Redissolução
Nos últimos anos, houve uma demanda crescente pela detecção e
quantificação de componentes traços em matrizes complexas. A
conscientização de efeitos prejudiciais de alguns elementos traços em
Es
Esw
E
t
E
t
Série de pulsos Rampa de potencial
Es
+
Esw
E1
2i = i1 - i2
t
i1
i2
E
t
i = i1 - i2
Sinal de excitação Voltamograma característico
VOLTAMETRIA DE ONDA QUADRADAVOLTAMETRIA DE ONDA QUADRADA
Es
Esw
E
t
E
t
Série de pulsos Rampa de potencial
Es
+
Esw
E1
2i = i1 - i2
t
i1
i2
E
t
i = i1 - i2
Sinal de excitação Voltamograma característico
VOLTAMETRIA DE ONDA QUADRADAVOLTAMETRIA DE ONDA QUADRADA
matrizes como alimentos, águas naturais, solos, efluentes industriais e
esgotos domésticos, fez com que surgissem rigorosas legislações públicas
direcionadas ao monitoramento destes componentes em amostras a
níveis de parte por bilhão (ppb). Para isso, métodos analíticos mais
sensíveis eram necessários. Uma nova técnica voltametrica destinada à
análise de traços foi desenvolvida, a voltametria de redissolução. Apesar
de outras técnicas analíticas sensíveis e confiáveis (como espectrometria
de absorção atômica e outras) terem sido utilizadas na análise de traços,
fatores, tais como alto custo de instrumentação, extensiva preparação das
amostras e seletividade limitada, reduzem a eficácia destas técnicas
principalmente quando aplicadas à análise de multi-componentes em
matrizes de amostras complexas.
De modo geral, a sensibilidade de toda técnica analítica pode ser
aumentada introduzindo uma etapa preliminar de pré-concentração no
preparo de amostra, por exemplo, uma extração líquido-líquido, líquido-
sólido ou extração em fase sólida. Na voltametria de redissolução, uma
técnica eletroquímica de pré-concentração é usada anterior a varredura
de potencial. A etapa de pré-concentração ou de deposição consiste na
eletrodeposição, a potencial constante, da espécie de interesse em um
eletrodo estacionário ou rotatório, sob agitação da solução, durante um
tempo pré-determinado. Durante esta deposição, a solução é agitada pelo
movimento do próprio eletrodo, no caso dele ser rotatório, ou por uma
barra magnética usando-se um agitador magnético, no caso dele ser
estacionário. Após a eletrodeposição, a solução é deixada em repouso
por alguns segundos, para que os metais depositados tenham um tempo
suficiente para difundir-se no mercúrio, tornando a amalgama
homogênea. Esse tempo é chamado de tempo de repouso ou de
equilíbrio. Isto é seguido pela etapa da determinação que consiste na
redissolução eletrolítica, voltando a espécie depositada à solução de onde
havia sido retirada.
Os eletrodos mais populares são o HMDE, o eletrodo de filme de
mercúrio (MFE, do inglês, mercury film electrode,) suportado em ouro,
platina e eletrodos de carbono, incluindo pasta do carbono e carbono
vítreo. A faixa de potencial em que esses eletrodos podem ser usados em
solução aquosa, ou seja, o domínio de eletroatividade, depende tanto do
material do eletrodo como da composição do eletrólito suporte (Skoog et
al, 2002) (Figura 8).
Figura 8. Faixa de potencial para três tipos de eletrodos em diferentes
eletrólitos.
Os eletrodos do mercúrio oferecem a vantagem na análise de
determinados íons metálicos, de que o produto da deposição, ou seja, o
metal reduzido, se dissolve no mercúrio para formar uma amálgama.
Durante a eletrólise, a corrente que flui é descrita pela equação de
LEVICH (Bard & Faulkner, 1980) Eq. (2):
i (t) = 0,62 n F A D2/3 1/2 1/6 CA(t) Eq. (2)
Onde n é o número de elétrons transferidos durante a reação, F é a
0 -1 -2 -3123
KCl 0,1 mol/L
HClO4 1 mol/L
H2SO4 1 mol/L
KCl 1 mol/L
Pt
Hg
C
NaOH 1 mol/L
H2SO4 1 mol/L
Tampão pH 7
E (V vs SCE)0 -1 -2 -3123
KCl 0,1 mol/L
HClO4 1 mol/L
H2SO4 1 mol/L
KCl 1 mol/L
Pt
Hg
C
NaOH 1 mol/L
H2SO4 1 mol/L
Tampão pH 7
E (V vs SCE)
constante de Faraday, A é a área geométrica do eletrodo, D é o coeficiente
de difusão, é a velocidade de rotação, é a viscosidade cinemática e CA(t)
é a concentração do analito.
Recomenda-se, em geral, usar o eletrodo de mercúrio de gota
pendente para concentrações acima de 1 ppb e o de filme de mercúrio
para concentrações abaixo desta.
O potencial a ser aplicado no processo de deposição permite
controlar a seletividade na análise de uma solução que contém vários íons
metálicos. Assim, somente um metal ou um grupo de metais pode ser
depositado, evitando a deposição de outros metais que possam vir a
interferir na etapa de redissolução. Quanto mais catódico o potencial,
maior o número de elementos depositados e maior a possibilidade de
interferência.
A Figura 9a ilustra a forma do sinal de excitação de potencial
usualmente aplicado no método de redissolução anódica de varredura
linear para a determinação de cádmio e cobre em soluções aquosas.
Inicialmente é aplicado, no microeletrodo, um potencial catódico de –1,0 V
por um tempo definido e sob agitação. Após um tempo de repouso ou
equilíbrio, sem agitação, o potencial do eletrodo é alterado linearmente
para valores menos negativos e a corrente é registrada em função do
potencial. A Figura 9b mostra o voltamograma resultante (Skoog et al,
2002).
Entretanto cabe mencionar, que a presença de oxigênio dissolvido
no eletrólito de suporte interfere na determinação das espécies
eletroativas, visto que o oxigênio sofre redução, em duas etapas, no
domínio de eletroatividade empregando o eletrodo de mercúrio. Para
tanto, faz-se necessário anterior medidas voltamétricas, a remoção do
oxigênio dissolvido, por arraste com um gás inerte (nitrogênio) por um
tempo de 5 a 10 minutos.
Figura 9. a) Sinal de excitação para determinação de Cd(II) e Cu(II)
por
voltametria de redissolução. b) Voltamograma obtido para a
redissolução dos elementos previamente depositados na
superfície do eletrodo (Skoog et al, 2002).
A sensibilidade da voltametria de redissolução depende da
combinação da pré-concentração obtida na etapa de deposição e da
técnica voltamétrica empregada na etapa de redissolução. Entre as
técnicas voltamétricas, a de pulso diferencial permite registrar maiores
intensidades de corrente para uma mesma concentração de analito frente
à de corrente contínua ou pulso normal. De modo geral, a sensibilidade é
elevada e é limitada freqüentemente pela pureza dos reagentes, técnicas
de amostragem e abertura da amostra. Os limites típicos da detecção
para as técnicas de redissolução situam-se na faixa de 10-12
-10-10
mol L-1.
Na voltametria de redissolução anódica (ASV, do inglês anodic
stripping voltammetry) um potencial mais negativo que o potencial de
pico da espécie eletroativa é aplicado na etapa de pré-concentração e as
principais reações envolvidas são:
Mn+
+ n e- M(Hg) (Etapa de pré-concentração - Redução)
M Mn+
+ n e- (Etapa de redissolução - Oxidação)
Metais que apresentam solubilidade no mercúrio podem ser
determinados por ASV, entre esses se destacam Cu, Cd, Pb, As, Sb, Bi, Zn,
Mn e Sn.
A voltametria de redissolução catódica (CSV, do inglês cathodic
stripping voltammetry) é usada para a determinação de substâncias que
formam sais pouco solúveis com os íons do mercúrio do eletrodo de
trabalho. A técnica consiste na polarização anódica do eletrodo cuja
superfície se deposita uma camada de composto pouco solúvel, formada
por anions da espécie e cátions do eletrodo, seguida da eletroredução da
camada depositada através da varredura de potencial no sentido catódico.
Entre as espécies que podem ser determinadas por essa técnica, ao nível
de traços, destacam-se As, Se, cloreto, brometo, iodeto, sulfeto, cianeto e
outros.
Enquanto na voltametria de redissolução os compostos são
acumulados por eletrólise na superfície do eletrodo, na voltametria de
redissolução adsortiva (AdSV, do inglês adsorptive stripping
voltammetry), o analito, na presença de um agente complexante seletivo é
adsorvido na superfície do eletrodo de trabalho por intermédio de um
processo não eletrolítico. A principal vantagem da AdSV é a alta
sensibilidade, sendo especialmente adequada para a determinação
daqueles metais que não são eletroativos no eletrodo de mercúrio como
Pd, Ti, Co, Ni, Pt, Sb, Fe, Cr, V, U, Mo, Mn e outros. Através da reação
química destes elementos com um agente complexante específico gera-se
a espécie a ser adsorvida na superfície do eletrodo. O processo de
adsorção é espontâneo e a quantidade da espécie acumulada na superfície
do eletrodo depende do material do eletrodo, solvente, pH, potencial,
tempo, força iônica, transporte de massa e temperatura. A etapa de
redissolução é semelhante à CSV e ASV, onde se aplica uma varredura de
potencial na direção catódica ou anódica, dependendo das propriedades
redox da espécie acumulada. Cabe destacar que a redissolução pode ou
não envolver a transferência de elétrons.
Para medidas voltamétricas podem também ser empregadas celas
em fluxo, como apresentado na Figura 10A. Um voltamograma
característico obtido com essa cela para a determinação simultânea de U,
V, Sb e Mo, obtido pela técnica de AdSV, empregando ácido cloranílico
está apresentado na Figura 10 (Sander, 1999).
Figura 10. (A) Cela voltamétrica em fluxo. (B) Voltamograma para a determinação simultânea de U, V, Sb e Mo, empregando cela em fluxo. Técnica AdSV, emprego de ácido cloroanílico (Sander, 1999).
Voltametria orgânica
As técnicas voltamétricas têm grande aplicação não somente na
determinação de elementos inorgânicos, mas também moléculas
orgânicas em matrizes diversas. Para que a substância seja eletroativa é
necessário que tenha um grupo funcional que possa sofrer oxidação ou
redução no domínio de eletroatividade. Na Tabela 1 são apresentadas
U
Sb
V
M
A B
algumas substâncias que podem ser determinadas empregando-se o
eletrodo de mercúrio.
Tabela 1. Exemplos de compostos orgânicos que podem ser determinados
por voltametria.
Espécie oxidada Espécie reduzida
R-CH2=CH
2 + 2e
- R-CH
2-CH
3
R-CH2-X + H
+ + e
- R-CH
3 + X
- (X: halogênio)
C6H
5-N=N-C
6H
5 + 2H
+ + 2e
- C
6H
5-NH-NH-C
6H
5
C6H
5-CHO + 2H
+ + 2e
- C
6H
5-CH
2OH
R-NO + 2H+ + 2e
- R-NOH
Espécie oxidada Espécie reduzida
R-NO2 + 4H
+ + 4e
- R-NHOH
R-S-S-R + 2H+ + 2e
- 2RSH
A voltametria também tem sido empregada com sucesso na
determinação de compostos orgânicos entre esses pesticidas como
linuron, paration, paraquat, clorofenol picloram, imidacloprid,
apresentando menor manipulação de amostras e menor custo de análise
quando comparadas as técnicas cromatográficas. Para tanto, diferentes
materiais de eletrodos têm sido empregados, entre esses o HMDE,
carbono vítreo, diamante dopado com boro e outros (Jehring et al, 1989;
Guiberteau et al, 2001; Massaroppi & Machado, 2003; Pedrosa et al, 2003;
Souza & Machado, 2003).
Análise de amostras ambientais
As técnicas voltamétricas têm grande aplicação na análise de
amostras ambientais como águas naturais, neve, solo, sedimentos,
plantas, tanto na determinação de elementos inorgânicos ao nível de
traços, quanto na especiação destes elementos (Locatelli et al, 1999;
Emons et al, 2000; Ghoneim et al, 2000; Locatelli et al, 2000; Silva et al,
2001; Baranowska et al, 2002).
Embora as técnicas voltamétricas apresentam elevada sensibilidade,
sofrem interferência da matéria orgânica presente na matriz. Para tanto,
faz-se necessário a destruição ou separação da parte orgânica da amostra
anterior a determinação voltamétrica, a qual pode ser feita através de
digestão via seca, digestão via úmida, digestão assistida por microondas,
digestão assistida por ultra-som, extração em fase sólida e outras. A não
destruição completa da matéria orgânica proveniente da amostra pode vir
a deformar as curvas voltamétricas de tal forma que não seja mais
possível a quantificação da espécie de interesse.
Essa interferência é decorrente da adsorção da matéria orgânica
sobre superfície do eletrodo, afetando o processo de deposição dos íons
metálicos sobre o mesmo.
No entanto, na determinação de metais (Cu, Pb, Zn e Ni) em solos,
quando a separação dos analitos é realizada por extração com ácido
clorídrico, foi verificado que não ocorre interferência da matéria orgânica
(Colombo & Van Den Berg, 1998).
Uma área promissora da voltametria na análise de amostras
ambientais é a determinação in situ de espécies eletroativas, que está
sendo possível mediante o desenvolvimento de microeletrodos. Neste tipo
de análise o microeletrodo é introduzido diretamente na amostra de solo,
sedimento, etc. A análise in situ é especialmente atraente uma vez que
permite a eliminação de artefatos decorrentes do preparo de amostras,
bem como viabiliza a análise em tempo real para uma rápida detecção de
poluentes em amostras ambientais.
Considerações finais
As técnicas eletroanalíticas, em particular a voltametria, têm
potencial para a determinação de elementos orgânicos e
inorgânicos em uma ampla faixa de concentração em matrizes
ambientais.
A voltametria têm sido empregada na determinação de metais e
pesticidas em águas e solos.
A voltametria de redissolução permite a análise de elementos traços
(concentrações na ordem de 10-10
mol/L).
A voltametria permite realizar estudos de especiação que são
importantes do ponto de vista toxicológico.
O emprego de microeletrodos permite a análise in situ em tempo
real.
O custo de análise por amostra é via de regra menor do que por
técnicas cromatográficas, no entanto, em matrizes ambientais como
solo e plantas é necessária a destruição de matéria orgânica
anterior determinação voltamétrica. Ainda, existe a vantagem da
determinação seqüencial de elementos em uma única análise.
Os instrumentos empregados na voltametria são relativamente
simples e permitem mecanização e/ou automatização.
Referências
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