O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

53
Prefácio “Tocar trompete é simples. Tudo que você precisa é um sistema respiratório, uma língua e três dedos.” Dr. Charles R. Meyer Ao escrever esse pequeno livro, não pretendi esgotar todos os etcéteras da prática do trompete. Minha intenção foi estabelecer certo panorama do tipo de atividade na qual os músicos sérios desse instrumento estão envolvidos. Estou ciente que esse assunto é um campo minado por polêmicas e escolas de pensamento muitas vezes divergentes – cada tópico proposto é como abrir a caixa de Pandora. Procurei, entretanto, me ater aos assuntos essenciais enfatizados pelos decanos reconhecidos pela maioria dos mestres do trompete. Afastei-me tanto quanto possível de discussões contraproducentes. Muitos métodos enfatizam princípios puramente musicais, se atendo ao estudo do som, interpretação e conhecimento do repertório típico, se afastando do aspecto físico da prática. Há os que enfatizam demais questões físicas como embocadura, respiração, equipamento etc. e não leva em conta o aspecto artístico. Procurei não pender para um dos lados da dicotomia. Tenho certeza que, lendo esse texto, o calouro pode vislumbrar o caminho central da prática do trompete, esquivando-se das veredas das confusões e mitos com respeito a esse instrumento e construir uma postura mais séria e eficiente para sua prática. O músico mais experiente, por outro lado, terá clareza mental do processo por qual passa para progredir ainda mais na sua arte. Abdalan da Gama

description

Praticar é uma arte, alguém já disse. É uma arte porque aprendemos lenta e gradualmente por toda nossa vida. Exercitando-se é como os estudantes sérios gastam mais tempo. Para se tornar um grande executante é indispensável especializar-se na arte de praticar. Sem uma boa prática, entretanto, o desempenho do músico declinará tão certo quanto o sol se põe. Agora, restam as questões: COMO praticar? E ainda a questão tão crucial quanto aquela outra: O QUE praticar?O que se observa é que muitos estudantes do trompete desperdiçam seu tempo de estudo ou simplesmente se destroem enquanto ‘estudam’, seja pela prática desatenciosa e descuidada, seja pela impaciência para obter resultados instantâneos. Para garantir a sobrevivência dos lábios sob a punição de uma prática errônea e massacrante baseada no trinômio (Mais) Agudo-Alto-Rápido, devemos sempre nos perguntar: “o que, de fato, estou exercitando ao praticar esse exercício? Qual o meu alvo?”. Esse texto, além de propor rotinas típicas de estudo, visa criar a consciência da prática inteligente e ajudar o estudante a estabelecer um padrão mental elevado cada vez que apanhar seu instrumento.Abdalan da Gama

Transcript of O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Page 1: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Prefácio “Tocar trompete é simples. Tudo que você precisa é um sistema

respiratório, uma língua e três dedos.”

Dr. Charles R. Meyer

Ao escrever esse pequeno livro, não pretendi esgotar todos os etcéteras da prática do trompete.

Minha intenção foi estabelecer certo panorama do tipo de atividade na qual os músicos sérios desse

instrumento estão envolvidos.

Estou ciente que esse assunto é um campo minado por polêmicas e escolas de pensamento muitas

vezes divergentes – cada tópico proposto é como abrir a caixa de Pandora. Procurei, entretanto, me

ater aos assuntos essenciais enfatizados pelos decanos reconhecidos pela maioria dos mestres do

trompete. Afastei-me tanto quanto possível de discussões contraproducentes. Muitos métodos

enfatizam princípios puramente musicais, se atendo ao estudo do som, interpretação e

conhecimento do repertório típico, se afastando do aspecto físico da prática. Há os que enfatizam

demais questões físicas como embocadura, respiração, equipamento etc. e não leva em conta o

aspecto artístico. Procurei não pender para um dos lados da dicotomia.

Tenho certeza que, lendo esse texto, o calouro pode vislumbrar o caminho central da prática do

trompete, esquivando-se das veredas das confusões e mitos com respeito a esse instrumento e

construir uma postura mais séria e eficiente para sua prática. O músico mais experiente, por outro

lado, terá clareza mental do processo por qual passa para progredir ainda mais na sua arte.

Abdalan da Gama

Page 2: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Introdução: A Arte da Prática Sobre a prática: “Todos querem ser heróis, mas ninguém quer

matar o dragão”.

Wynton Marsalis

“Freqüentemente ouço as pessoas falarem, ‘ele tem o dom, não

precisa praticar’. Isto está errado. Estou convencido que trabalho

muito mais que todos os outros”.

Maurice Andre

Praticar é uma arte, alguém já disse. É uma arte porque aprendemos lenta e gradualmente por toda

nossa vida. Exercitando-se é como os estudantes sérios gastam mais tempo. Para se tornar um

grande executante é indispensável especializar-se na arte de praticar. Sem uma boa prática,

entretanto, o desempenho do músico declinará tão certo quanto o sol se põe. Agora, restam as

questões: COMO praticar? E ainda a questão tão crucial quanto aquela outra: O QUE praticar?

O que se observa é que muitos estudantes do trompete desperdiçam seu tempo de estudo ou

simplesmente se destroem enquanto ‘estudam’, seja pela prática desatenciosa e descuidada, seja

pela impaciência para obter resultados instantâneos. Para garantir a sobrevivência dos lábios sob a

punição de uma prática errônea e massacrante baseada no trinômio (Mais) Agudo-Alto-Rápido,

devemos sempre nos perguntar: “o que, de fato, estou exercitando ao praticar esse exercício? Qual

o meu alvo?”. Esse texto, além de propor rotinas típicas de estudo, visa criar a consciência da

prática inteligente e ajudar o estudante a estabelecer um padrão mental elevado cada vez que

apanhar seu instrumento.

Abdalan da Gama

Page 3: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

10 Dicas Selecionadas de Rafael Mendez 1- Busque conhecimento. Reconheça quando não souber e aproveite cada oportunidade para

aprender.

2- Busque crítica e nunca se envergonhe de perguntar.

3- Escolha boa companhia: forme uniões sabiamente. Evite aqueles que desejam minar tua

determinação. Busque aqueles que estimulam teus melhores esforços.

4- Mantenha teu alvo elevado: saiba que o prazer na música está em proporção direta com a

habilidade. Como um girassol procurando o sol, objetive alta qualidade.

5- Vença dificuldades: reconheça para quê servem as dificuldades – pedras no caminho para testar

tua vontade. Uma vez superadas, elas estimularão mais progresso.

6- Tenha paciência: mantenha-se fiel aos teus princípios. Saiba que vai atingir o alvo, não importa

qual longo seja o caminho, seja lá quais forem as dificuldades.

7- Tenha coragem: fortifique-se com uma resolução firme. Uma persistência resoluta vai te

sustentar quando faltar força.

8- Tenha fé: saiba que o sucesso está dentro de você. Firmeza de propósito e perseverança são pré-

requisitos para o sucesso. Lance fora a dúvida e acredite em você.

9- AO TRABALHO! Oportunidades estão diante de você; retire o máximo delas.

10- Mostre ao mundo que você pode.

Page 4: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

12 Regras Para a Prática Eficaz – Wynton Marsalis

1- Busque o melhor professor particular que puder;

2- Escreva e desenvolva uma tabela para a prática regular;

3- Estabeleça alvos realistas;

4- Quando praticando, concentre-se;

5- Relaxe e pratique lentamente;

6- Pratique o que não consegue tocar (as partes difíceis);

7- Sempre toque com o máximo de expressão;

8- Não seja rígido consigo mesmo;

9- Não se exiba com ostentação;

10- Pense por si próprio (não confie em métodos);

11- Seja otimista – “Música lava a poeira do dia-a-dia”;

12- Procure por relações entre sua música e outras coisas.

Page 5: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Dois instrumentos importantes: lápis e caderno

“A batalha não é com o instrumento. A batalha é consigo mesmo”.

Vincent Chicowicz

Uma das ferramentas indispensáveis ao músico é o lápis. Anote até mesmo o que imagina que não

vai esquecer: ritmos, ligaduras, marcas de respiração, dinâmica, articulação, etc. Faça sinais de

atenção em passagens complicadas ou que errou. Leve o lápis para sala de ensaio e mantenha-o

consigo enquanto estuda seu instrumento.

Outro item importante é um caderno para uso como ‘diário de bordo’. É excelente ter um caderno

onde anotar os detalhes da prática (diária?), formular idéias, monitorar o progresso e estabelecer

estratégias de estudo. Tudo isso cria uma consciência muito maior de onde estamos e onde

pretendemos chegar. Claro que essa prática é para aqueles que são estudantes sérios do seu

instrumento, que estão buscando proficiência ou transpor as barreiras que porventura se

instalaram em sua carreira musical.

Além de anotar suas metas, anote os exercícios que realizou com comentários adicionais sobre

como foi praticado. Por exemplo, se você fez o H. L. Clarke Technical Studies No 2, especifique:

1- Velocidade (você deveria usar um metrônomo).

2- Modelo (ligado, staccato simples, staccato k, staccato duplo ou triplo, combinações staccato –

legato).

3- Duração (quanto tempo gastou exercitando?).

4- Dificuldades (em qual tom sentiu mais dificuldade. Por que?).

Para esse fim, mantenha o caderno perto de você enquanto estuda e anote enquanto as idéias estão

frescas na mente. Depois de uma semana, folheie e analise o progresso. Esse tipo de anotação

também evita estagnação e vã repetição de um mesmo material.

Teça comentários sinceros sobre como está tocando. Formule idéias e faça autocríticas. Quando

não realizar determinada passagem, não diga apenas, “isso é difícil, não consigo fazer”. É melhor:

“esse exercício é difícil de fazer porque tenho ‘tal e tal’ deficiência específica na minha execução do

trompete; pretendo corrigi-la de ‘tal e tal’ maneira”. Pergunte sempre “quais meus pontos fracos e

fortes? Que direção devo tomar e onde devo focalizar meu estudo?” Não seja muito rígido mas seja

honesto. Ao identificar problemas persistentes é hora de procurar ajuda. Aliás, essa é uma das

vantagens de se ter anotado problemas detectados na pratica: munir-nos de questões inteligentes

para discutir com o professor ou outros músicos mais experientes que nós. Segundo minha

observação, muitos bons músicos estão dispostos a compartilhar suas experiências e

conhecimentos; a questão é que quando estudantes os encontram, geralmente perguntam questões

tolas sobre marcas de bocal, marcas de trompete ou qual a nota mais aguda que ele consegue

alcançar.

Page 6: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

A formulação de idéias claras sobre os objetivos e dificuldades na prática do trompete estimula a

criação das estratégias e táticas para transpor os obstáculos e alcançar o alvo desejado. É

fundamental para o progresso em qualquer área do conhecimento a formação consciente desses

arquétipos, ou a prática se torna um jogo de tentativa e erro.

Sendo a prática do trompete uma experiência física e também cognitiva, ou seja, estando envolvido

em um processo de desenvolver um tipo de inteligência (musical), pergunte-se sempre do que

pretende alcançar com a sua prática. Exercite também a imaginação para sua formação em longo

prazo:

Se houvesse apenas um número mínimo de limitações, que tipo de músico pretende ser?

O passo seguinte é FOCAR, repetindo para si mesmo os alvos, revisando as anotações com o fim de

aplicar com eficácia os recursos que conquistou, visando ao alcance dos objetivos estabelecidos. Tal

processo levará o corpo e a mente fazer ajustes para realizar o que objetivou, rejeitando o que pode

frustrar os planos. Nosso cérebro é uma máquina potente – a sua programação depende de nós.

Parafraseando Armando Ghitalla:

Um desejo forte é indispensável. Esse ingrediente é o catalisador que faz o sucesso possível.

Abdalan da Gama

Page 7: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Praticando a Maior Arte: Utilizar-se “Músicos habilidosos são resultado de uma série de bons hábitos”.

Rafael Mendez

Todo músico deve buscar com afinco a postura adequada para a operação seu instrumento. Antes

de buscar técnica na execução do trompete, devemos buscar a ARTE DE USAR A NÓS MESMOS.

Para usar a nós mesmos, para viver, nós temos que nos mover. O movimento é uma das maneiras

com as quais usamos a nós mesmos como instrumentos, em toda e qualquer atividade que

realizamos. Por exemplo: lendo esse artigo, suas mãos têm virado as páginas, e seus olhos têm se

movimentado para que seja possível que você as leia. Movimento é vida. Uma pessoa

desenvolvendo a habilidade de tocar o trompete está, na verdade, aprendendo a usar não somente

um, mas dois instrumentos. É claro que ela tem que aprender a estrutura do trompete, como ele

funciona, quão pesado ele é, como segurá-lo, como tirar sons dele – mas é sua mão que o segurará,

seu corpo que terá que apoiar o peso do instrumento, seus dedos é que terão de se mover para

execução no instrumento. E a maneira com a qual a pessoa usa a si própria determinará, até que

consideravelmente, a maneira com a qual ela toca o instrumento.

No nosso cotidiano, os movimentos expressam bem o nosso estado geral. Quando estamos alegres

e as coisas vão indo bem, nos sentimos mais leves e mais livres do que quando estamos deprimidos.

Se um amigo vem nos dar uma boa notícia, antes de ele sequer dizer uma só palavra, através de

seus passos, nós sabemos que a notícia é boa. Enquanto que, se a notícia for má, ele parecerá

fisicamente mais pesado e ‘para baixo’. Antes mesmo de emitirmos som, nosso corpo falará por nós

exibindo medos, ansiedades, insegurança ou sensação de leveza, facilidade e liberdade de

movimento. O músico se dará conta da importância da facilidade e liberdade de seus movimentos

e, se conseguir atingir isso na sua vida cotidiana, ele será capaz, com o tempo, de obter essas

qualidades durante a execução musical.

Embora seja um assunto de simples compreensão, postura é a regra que é mais comumente

quebrada pelos trompetistas.

10 Regras Áureas da Postura de um Bom Trompetista

1. Estando em pé, fique numa posição bem balanceada. Distribua o apoio nas duas pernas e pés. O

ideal é que os pés estejam distantes de modo que fiquem alinhados com os ombros.

2. Muita pressão com as mãos limita a energia e flexibilidade e machuca os lábios. Diminua a

pressão!

3. Quando tocando sentado, não escore displicentemente no encosto da cadeira. Mantenha as

costas eretas.

Page 8: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

4. Não arquie para frente – isso impede o fluxo de ar. A postura para tocar lendo uma partitura na

estante deve ser similar àquela quando tocando algo que foi memorizado.

5. Se estiver sentado, toque como se estivesse pronto para levantar, se estiver em pé, como se

estivesse pronto para correr.

6. Assuma uma posição e postura de comando. Qualquer audiência detecta e reage a esse ponto.

7. Mantenha os braços confortáveis numa posição natural.

8. Coloque o polegar da mão direita na primeira válvula, sob o leadpipe.

9. A mão esquerda sustenta o trompete.

10. Bata nos pistões com a ‘bola’ dos dedos.

A questão de bater o pé

Há muitos professores que advogam tocar batendo o pé para marcar o andamento – Carmine

Caruso, para citar um. Não digo que pode ou que não pode, mas devemos atentar na maneira que

fazemos isso, certo? Tem aqueles que têm uma maneira estranha de bater o pé: fazem os tempos 2

e 4 (em um 4/4) batendo o calcanhar. Alguns dos meus aluninhos – crianças que também tocam

em bandinhas da escola, batem os pés alternando: direito, esquerdo, direito, esquerdo, como se

estivessem marchando, mesmo sentados. E o som em uma semibreve quer ir junto: TAa-Aa-Aa-Aa.

Outro dia fui assistir uma banda de estudantes e lá pelas tantas havia uma pausa e 4 tempos para

todos os instrumentos. Uns dois ou três desavisados fizeram o solo: Clap, clap, clap, clap.

Em passagens difíceis, mudanças de ritmo, escalas ou grupos grandes de notas de valores iguais,

bater o pé é um artifício que ajuda (embora muitos discordem veementemente). Ouvi algo

interessante de trompetistas preocupados com a lateralidade do cérebro: Caso seja destro, bata o

pé esquerdo e vice-versa – isso poderia ajudar nos estímulos do lado criativo do cérebro do

trompetista. Usemos o discernimento e bom gosto também nesse ponto.

IMPORTANTE: Tocar trompete é tanto uma prática física altamente refinada como uma arte

musical. Pratique fisicamente como um atleta, mas toque com emoção como um artista.

Um Aviso

Lembre-se que hábitos são formados muito cedo. Desde a primeira vez que você pegou o trompete,

hábitos começaram a se instalar. Estes serão bons hábitos ou maus hábitos – tudo depende de

você. Um músico habilidoso é resultado de uma série de bons hábitos, enquanto uma maneira

medíocre de tocar provém de maus hábitos. Infelizmente temos que concordar que maus hábitos

são mais fáceis de serem interiorizados e estão à espreita de cada estudante desavisado.

Maus hábitos demoram semanas, meses, anos para ir embora. Cuidado!

Page 9: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Abdalan da Gama

Page 10: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama
Page 11: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

O Aspecto Mais Importante da Prática: a Produção do Som.

“O som seja teu guia” Richard Windslow

Quando se busca aprimoramento na execução do trompete, há uma série de assuntos a serem

tratados na prática diária. Pode-se pensar em seis tópicos principais: Produção do Som,

Articulação, Flexibilidade, Agilidade, Tessitura e Resistência. Para a produção excelente do som

dois ingredientes são fundamentais: uma embocadura [1] funcional e o uso adequado do ar

(respiração).

James Morrison fala sobre a produção do som:

“Tudo com respeito ao som deve ser ouvido mentalmente antes da sua produção: não ouço

apenas a nota que estou para tocar, ouço umtrompete tocando-a; não um trompete,

mas meu trompete; não apenas meu trompete, mas meu trompete sendo executado por

mim; não apenas isso, mas nesta sala; não apenas isso, mas hoje!

O trompetista tem o dever de atentar para a sonoridade que ele produz em seu instrumento

enquanto pratica. Ele deve buscar qualidade e alto grau de consciência do som produzido. Leia em

voz alta a frase do mestre Maurice André:

“Produzo meu staccato como o piano, meu registro grave com o calor de

um cello, melodias líricas como um violino e notas rápidas como um clarinete”.

O trompete permite a execução de toda sorte de trinados, arpejos e cadências ornamentais. Brilho

é propriedade do trompete, embora seja capaz de mostrar grande doçura quando tocado piano.

Enquanto trompetistas menos experientes se contentam apenas em tocar as notas corretas com

potência e projeção, o que não é desprezível, os mais maduros, no entanto, prestam também

especial atenção a dinâmicas interpretativas e articulações – não apenas as escritas, mas aquelas

sutis que conferem apurado senso artístico ao seu som.

Quanto ao som, fatores importantes podem ser observados.

Aprimorando a Qualidade Sonora

A qualidade sonora de instrumentos musicais é, muitas vezes, descrita através de metáforas. As

notas, geralmente, são vistas como tendo:

1. Tamanho (É grande ou pequena?).

2. Peso (É pesada ou leve?).

3. Cor (É brilhante ou escura?).

4. Textura (É áspera ou suave, penetrante ou embotada, densa ou difusa?).

Muitas das metáforas aplicadas à qualidade do som têm explicação física:

Um som ESCURO:

Page 12: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Significa aquele que possui muitos harmônicos soando simultaneamente. Muitas vezes ele é

falsamente produzido ao tocar a nota um pouco abaixo do centro (isso na verdade remove os

harmônicos superiores). Nos últimos anos temos o aparecimento trompetistas apreciadores e

especialistas em um som com essa qualidade.

Um som DOCE e QUENTE:

Esse é produzido ao se tocar (geralmente piano) com adição de um colorido talvez adicionado por

um vibrato brando. Note bem: um vibrato exagerado e insistente é de mau gosto e deve ser

evitado.

Um som RETO ou LISO:

É desprovido de qualquer espécie de vibrato.

Um som BRILHANTE:

Obtém-se esse efeito ao se tocar no centro da nota, enfatizando os harmônicos superiores. Essa é

qualidade característica dos bons líderes de naipe.

Um som AFIADO:

Pode ser aquele que, além de brilhante há ênfase no início da nota.

Um som GRANDE:

Talvez se refira aquele som que mescle característica de ser escuro e brilhante, pleno de

harmônicos, mesmo em dinâmicas fortes, produzido por uma generosa coluna de ar. Um som

GRANDE tem ativado na estrutura de cada nota um amplo espectro de harmônicos que lhe

conferem um caráter centrado e ressoante. As notas são bem encaixadas, polidas e vívidas. Tem

clareza, presença e projeção. Para sua produção é necessário estar em sintonia com as propriedades

físico-acústicas do instrumento. Um som grande é ressonantemente opulento, com miolo e rico.

Essas metáforas significam que o tal som grande tem todo espectro harmônico presente em cada

nota. Esse som é paradoxalmente escuro e brilhante. Qualquer falta de compreensão desses termos

nebulosos é resolvida com a audição cuidadosa dos bons trompetistas. Tudo isso pode ser

clarificado interiormente ao ouvirmos trompetistas como Adolph Herseth, Wynton Marsalis,

Charles Schlueter, Arturo Sandoval, Maynard Fergusson, Freddie Hubbard e muitos outros.

Clareza, presença e projeção no som têm o potencial de gerar uma impressão duradoura na

audiência. Que tipo de som nós desejamos? Um som vibrante e ressonante, enérgico, colorido e

centrado é característica dos excelentes trompetistas. Não despreze nenhuma oportunidade de se

expor a esse tipo de som, seja por meio de gravações, performances ou aulas desses mestres. Esse

estímulo externo é o primeiro passo para interiorização e busca de um som de qualidade. Para esse

fim, a audição sistemática dos grandes nomes do trompete através de gravações ou em salas de

concerto e casas de shows é de valor inestimável. Se for possível tocar junto com músicos que

produzem um som pleno e rico, ainda melhor.

Page 13: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Na BDG Magazine, Maio 1987, comentando sobre qualidade sonora, Wynton Marsalis comenta

que o trompetista deve tentar extrair do trompete um som rico e puro, um som “não metálico”[2] e

cita Louis Armstrong como exemplo; “seu som é realmente brilhante, mas não metálico – tem

‘miolo’ e é quente”. É importante procurar tocar em todos os registros com um som centrado.

Por ‘som centrado’ deve-se entender: o ponto de máxima ressonância e maior facilidade de

execução.

Agora, em que tipo de prática deveremos nos envolver para obter esse som ideal?

Aprimorando Entonação

A primeira coisa que a audiência exige de um executante de algum instrumento é entonação. A

experiência de ouvir um som desafinado é tão dolorosa que não é tolerada. No mínimo, devemos

tocar afinado – esse ponto justifica aguçada atenção.

Solfejo é fundamental para esse fim. Ouvir o som mentalmente antes da sua execução é a essência

da prática dos instrumentos de sopro – não é diferente no trompete. Há a necessidade de

desenvolver um ouvido relativo – um ouvido que percebe claramente a relação entre as notas; isso

significa conhecer os intervalos, as distâncias entre as notas. Lembre-se que poderemos ir tão longe

com o trompete quanto nossos ouvidos forem capazes de nos levar.

Itens que contribuem para uma afinação deficiente incluem

1. Equipamento defeituoso – bocais fora do padrão, trompetes amassados ou desajustados.

2. Desconhecimento de percepção e solfejo.

3. Falta de experiência e escassez de audição de bons músicos, o que gera referências fora de

padrão.

Aqui vão dicas para buscar uma melhor entonação.

Ajuste a bomba de afinação no ponto de maior ressonância Isso significa que devemos, ao afinar a primeira nota, não nos ajustar ao afinador (ou ao padrão

dado por outro instrumentista) usando bends, o que altera a qualidade sonora e aumenta a

demanda de esforço, mas fazer com que a nota produzida com menor esforço e maior vibração

esteja afinada por ajuste na bomba geral. No caso de uso de afinador, o ideal é que nem olhemos

para ele, mas que o colega diga se a nota está afinada ou não. Esse esforço físico para afinar deve

ser evitado tanto quanto possível, só usando como último recurso, uma vez esgotadas as outras

possibilidades.

Muitas vezes o músico trompetista afinando certa nota usando o afinador cromático, acaba

tentando, ainda que inconscientemente, mudar a afinação ‘no bico’ – deslocando a nota do seu

centro (ponto de maior ressonância), o que é totalmente indesejável como primeiro recurso. [Isso

pode até confundir o som ‘opaco’ resultante, com um som ricamente ‘escuro’, típico de trompetes

de calibre largo usados com bocais grandes e soprados com abundância de ar, o que não é o caso,

claro]. Adicionalmente, tanto quanto possível, pergunte-se qual o tom da peça que você está para

tocar – afine também baseado nisso.

Page 14: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

A questão da afinação é algo que incomoda todo trompetista sério. Cedo ou tarde temos que

enfrentar o fato do trompete ser um instrumento inerentemente desafinado. Devido à natureza do

instrumento, não importa que tipo de equipamento use ou quão talentoso seja o executante

(palavra de concertistas renomados), ajustes são necessários.

Há dois problemas centrais com a questão da afinação do trompete

1. Problema relacionado à natureza do instrumento: há certas notas que são naturalmente

altas/baixas no trompete. Nesse ponto me refiro mesmo aos melhores trompetes usados por

profissionais.

2. Problema relacionado ao temperamento da escala.

Ajuste de notas inerentemente problemáticas Há peculiaridades de afinação para cada nota do trompete. Especial atenção deve ser dada

principalmente às listadas a seguir.

Começando de baixo, sobre as tendências típicas de TODO trompete:

� As notas que vão F# mais grave ao primeiro C não têm slot, encaixe. Essa é a razão de ser

muito fácil produzir bends nesse registro. Esse fato resulta numa dificuldade moderada de

afinação. O F# e o G são particularmente desafinados (altos) devido à combinação 1-3 e 1-2-3

dos pistos.

� O C# é a nota mais desafinada do trompete. Muitas vezes mesmo abrindo toda a terceira

bomba, não se alcança a afinação desejada e a abertura da primeira se faz necessária (em

passagens rápidas essa desafinação é de difícil solução).

� Embora menos que o C#, o D é MUITO alto. Abrir a terceira bomba ao tocar essa nota é

crucial. A “família 1-2-3” é sempre problemática. Altas demais. Abra a primeira e terceira

bombas. Se teu trompete tem anéis e ganchos de afinação, você pagou por eles. Use-os. Se não

tem, pague para colocar e use-os.

� D, D# e E, começando na quarta linha, são muito baixos por serem o quinto parcial na série

harmônica. O agravante é que o único recurso para resolver essa importante desafinação é o

ajuste com o deslocamento desse ponto natural de vibração. Isso é realizado principalmente

pela ação da língua com um movimento semelhante àquele que se faz ao vocalizar aaahiii.

� O primeiro G acima do pentagrama tende a ser muito alto. O mesmo ocorre com o A, seu

vizinho, razão que muitos trompetistas tocam essa nota com o terceiro pisto ao invés da

tradicional digitação 12.

� Menos comum, mas E e F, na primeira linha e primeiro espaço, respectivamente, são altos em

muitos instrumentos.

Dedos nos gatilhos/anéis de afinação, digitação correta e ajustes nos lábios e língua devem

cooperar com os ouvidos para tocar afinado!

A questão do temperamento da escala Muitas desafinações são resultantes das séries harmônicas naturais de instrumentos não

temperados como o nosso. Tocar com piano (instrumento temperado) é particularmente

problemático. Quintetos de metais, por outro lado, apresentam outros problemas, já que cada

músico tem que ‘mostrar a cara’ quase como solista; não há como se esconder. Quanto ao

Page 15: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

temperamento o problema que surge é do tipo: Um A, 440HZ, como a fundamental em uma tríade,

não deverá ter a mesma afinação de um A sendo a terça de uma tríade de F, por exemplo (mais

baixa no segundo caso). Para esse particular, um afinador é inútil por razões óbvias.

Creio que para tocar afinado, há que desenvolver um ouvido afinado. Um afinador cromático pode

ajudar, mas já ouvi sérias contra-indicações de trompetistas. O primeiro motivo é que você pode

ficar louco; creio que outro pode ser relacionado ao que foi dito anteriormente. De qualquer forma,

o uso de afinadores pode ajudar no DIAGNÓSTICO dos problemas.

Como construir tal ouvido afinado? Será dom de uma casta privilegiada pela natureza? Não.

Há certos exercícios que servem muito bem para esse fim.

1. Use arpejos maiores descendentes na sua prática (Aquecimento A de Louis

Maggio);

a) Faça-os legato;

b) Não atente tanto aos tempos – portanto não carece bater pé ou contar mentalmente. Apenas

concentre-se na nota que está tocando e tente ouvir a próxima antes de executar. Faça tudo lenta e

calmamente. A questão da afinação é um assunto associado à relação de intervalos entre as notas.

Como disse anteriormente, se tocamos os intervalos afinados, tocamos afinado;

c) Respire abundantemente.

2. Realize exercícios que utilizam as sete posições do trompete.

3. Toque intervalos de oitava; compare as duas notas. Que teu ouvido seja teu guia.

4. Toque junto com pessoas afinadas; Pergunte aos músicos mais experientes se tal e

tal passagem está afinada.

5. Ouça boa música sempre.

Aprimorando Resposta

Em se tratando da prática do trompete, resposta é a habilidade de iniciar prontamente a vibração

dos lábios que resulta na produção do som.

1. Pratique ataques com ar, apenas; sem o uso da língua.

2. Pratique tocar em dinâmicas bem suaves – isso permite a ‘sintonia fina’ do som.

O ponto 2 acima é também advogado por H. L. Clarke como um excelente meio de aprimorar a

resposta imediata.

Essas práticas são ‘autocorretivas’. Dificilmente se toca fora do centro (onde a resposta é mais

difícil) se usamos essa técnica em nossa prática. Somos trazidos de volta para o ponto onde a

resposta é fácil e naturalmente ressonante. Pratique em todos os registros.

Aprimorando Vibração

Uma vibração ótima resulta em ter os lábios ajustados para produzir rápida e precisamente a nota

em demanda. Além do buzz [3] (vibração abelhinha com ou sem bocal), exercitar-se com bends [4]

(tanto no bocal somente quanto no trompete) e com o registro pedal ajuda na melhora da vibração.

Faremos adiante uma discussão mais completa sobre o registro pedal.

Page 16: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Aprimorando Centralização

Tocar com um som centralizado consiste em encontrar o ponto de maior ressonância de cada nota.

Encontrar o centro de ressonância é constantemente descrito como encontrar o ‘slot’ [5]. Há um

ponto da nota em torno do qual o instrumento ‘quer’ soar naturalmente (Bata levemente com a

palma da mão sobre o bocal enquanto digita as sete posições dos pistões e ouça o som extraído).

Esse som naturalmente centralizado deve ser combinado, na nossa prática normal, com o volume

interno da boca para produzir um som centralizado para cada nota. Isso é obtido através da prática

diligente para internalização do som plenamente ressonante que desejamos.

Aprimorando Interpretação

As habilidades que apreciamos e buscamos em nosso instrumento devem ser o caminho, o

processo, que culmina em fazermos MÚSICA. A questão passa, sem dúvida pela capacidade de

interpretação.

Um som grande combinado com boa interpretação é imbatível. Quando tocamos, estamos, na

verdade fazendo uma ‘leitura’. Quando fazemos a BOA leitura de um texto devemos transmitir

facilidade, nenhuma hesitação, baixar a voz em alguns pontos, aumentar em outros, ler mais rápido

aqui, mais devagar acolá, enfatizar palavras e frases importantes, usando vários meios para dar

expressão às palavras impressas. O que caracteriza uma MÁ leitura? Hesitação, incerteza, má

pronúncia, pressa para chegar ao final da frase, monotonia etc. Tudo isso se aplica à música. O

pianista Artur Schnabel falou certa vez

“Quanto às notas, não manipulo melhor que muitos pianistas. Mas quantos às pausas – Ah! é aí

que a arte reside”

Observação do contexto é outro ponto importante. Cada nota e frase é parte de uma idéia maior.

Todos esses conceitos musicais devem ser claramente concebidos mentalmente para, então, serem

aplicados no trompete. Há uma grande distância entre ser soprador e ser músico!

Outro ponto importante é ajustar a interpretação com os músicos com quem estamos tocando

simultaneamente. Há a necessidade de alterar o timbre se estamos tocando em dueto com uma

cantora, um fagote ou outro trompetista. Experiência em várias formações é salutar. Não perca a

oportunidade de se juntar a vários tipos de grupos e não despreze a chance de executar os velhos

exercícios de novas maneiras e agarre cada oportunidade de ouvir um músico. Aumente o

repertório de articulações, aplicando legato, tenuto,martelato, staccatos duplos e triplos,

diferentes velocidades de ar, alterando dinâmicas – como um sussurro aqui, com potência acolá –

utilize outros tipos de expressões e sutilezas controlando a abertura dos lábios para variados

timbres. Há ainda muitas outras coisas com as quais o executante deve se preocupar:

1. Duração (Quanto tempo a nota soa?);

2. Intensidade (Quão forte ou piano é a nota?);

3. Entonação [afinação] (É alta ou baixa, aguda ou grave?);

4. Ataque (Como a nota começa? Abruptamente ou gradualmente? Ela explode antes de atingir

força plena?);

5. Descaimento (Como a nota termina? Desaparece subitamente ou paulatinamente? A entonação

permanece constante, sobe ou desce?);

Page 17: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

6. Há decorações tais como o vibrato (uma flutuação regular da entonação) ou tremolo(uma

flutuação regular da intensidade)?

Na interpretação também devemos levar em conta a comunicação com a audiência. Ninguém

aprecia um músico que toca para o próprio umbigo. Devemos usar nossa criatividade para

desenvolver um vocabulário sonoro e expressões corporais agradáveis ao nosso público. Veja que

nosso som muda se tocamos para a partitura à nossa frente ou para o público que nos assiste. Mire

aquele garotinho da última fila. Mostre a ele o que sabe. Comunicar com estilo – seja esse um dos

nossos alvos!

[1] A embocadura do instrumentista são os músculos da boca, lábios, queixo e face, tensos e

dispostos de uma maneira exata e coordenada, quando em contato com o bocal de um instrumento

de metal, para estabelecer a vibração da coluna de ar. Philip Farkas, The Art of Brass Playing

[2] Unbrassy, no original.

[3] Lip Buzzing é a famosa “vibração abelhinha”, um zumbido produzido pelo ar proveniente dos

pulmões, vibrando os lábios levemente tencionados e posicionados como se estivessem para

pronunciar a letra M. Cuidado, não é o tipo de vibração que os cavalos fazem no frio, ou que as

crianças produzem ao brincar de carrinho.

Mouthpiece Buzzing, por sua vez, é quando esse zumbido é produzido no bocal, apenas.

Há ainda o Leadpipe Buzzing que é o zumbido produzido no bocal encaixado no cano receptor do

bocal, mas SEM A CURVA DE AFINAÇÃO GERAL.

Saliento que não estou advogando nenhuma das práticas acima, embora reconheça sua

importância; apenas elucido os termos.

[4] Bend no trompete é a prática de mudar a afinação de uma nota como se fizesse umglissando

[5] Encaixe

Abdalan da Gama

Page 18: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

O Combustível dos Instrumentos de Sopro: o Ar

“Tocar trompete não é mais difícil que respirar profundamente” Claude Gordon

O trompetista deve ser capaz de tocar com energia e audácia, com um som encorpado e poderoso.

Muitas vezes, ainda, alto controle é exigido. Para tal, há que desenvolver os músculos responsáveis

pela inspiração e expiração. Um controle inteligente da respiração aumentará a vitalidade e

resistência do músico. Respirando adequadamente na apresentação ou prática diária, teremos

ainda maior oxigenação cerebral, o que garante clareza mental e frescor de idéias, calma e

foco. Adolf Herseth comentou certa vez que todas as vezes que nosso som é bom, nossa

respiração é boa.

O ar é o combustível que produz a vibração dos lábios cujo resultado é som que extraímos do

instrumento. Isso implica que mais ar produz mais vibração que em última instância produz mais

som. A demanda sobre o trompetista no que tange a respiração é muito acima daquela para as

atividades cotidianas – exercitar-se é preciso, portanto. Mesmo um pequeno aquecimento com

bocejos deliberados, inalando uma boa quantidade de ar e depois expirando audivelmente é uma

boa prática.

Uma respiração imperfeita consiste, na maioria dos casos, numa respiração rasa, onde somente

uma parte das células dos pulmões desempenha seu papel, numa respiração que não usufrui a

plena capacidade dos pulmões.

Tente o seguinte exercício e tire suas conclusões:

Inspire abundantemente e então tensione os músculos (punhos, braços e ombros). Em seguida,

exploda a tensão e o ar exalando. Qual a sensação?

Respirar corretamente não só faz bem à pratica do trompete, mas à vida. Quando respiramos

profunda e naturalmente – da maneira que os recém-nascidos fazem – tudo se move: diafragma,

peito, costelas, abdômen e costas; é como que uma massagem interna sendo realizada. Quando

inalamos, o diafragma faz massagem nos rins, baço e fígado. Quando exalamos, ele massageia os

pulmões e coração. Diz-se que o sistema linfático, que é responsável pela desintoxicação do corpo, é

também estimulado. Respiração rasa faz o corpo aberto para enfermidades. Quanto mais oxigênio

dispensamos às células, mais saudáveis e vivas elas se tornam. Respiração profunda estimula as

células do cérebro, aumentando a criatividade e o poder de concentração. Quando respiramos bem,

nossa energia aumenta, o stress diminui (nada pode acalmar os nervos tão rápido quanto a

respiração profunda), dormimos melhor, temos mais resistência. Tudo em nosso organismo é

afetado pela respiração.

O aspecto físico mais importante da prática do trompete é a respiração. Som, controle, dinâmica,

tessitura e tudo mais está ligado à respiração e ao fluxo de ar, particularmente. A qualidade do

nosso fluxo de ar determina a qualidade da nossa prática trompetística. Leia atentamente o que

Rafael Mendez falou sobre esse assunto.

Page 19: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

“Como músicos que executam instrumento de metal, temos diferentes problemas e diferentes

prazeres em relação a executantes de outros instrumentos de sopro, mas uma coisa que

compartilhamos com eles é a produção e controle daquela força vital que gera o som e classifica

nossos instrumentos na mesma classe: SOPRO” Rafael Mendez

Quatro Métodos de Respiração

1. Respiração Alta

2. Respiração Média

3. Respiração Baixa

4. Respiração Completa

A Respiração Alta é também conhecida como clavicular. Alguém que respira dessa maneira eleva as

costelas e levanta a clavícula e o os ombros, retraindo ao mesmo tempo o abdômen e empurrando

seu conteúdo contra o diafragma, que também se eleva. É o pior tipo de respiração, pois requer o

máximo de energia com o mínimo de benefício.

A Respiração Média é também conhecida como intercostal. Nesse tipo também o diafragma é

empurrado para cima com o abdômen contraído. As costelas se elevam e o peito é parcialmente

expandido.

A Respiração Baixa é a respiração funda. Esse talvez seja o tipo mais ensinado para músico de

instrumentos de sopro em geral como respiração diafragmática [1].

A Respiração Completa é o tipo mais indicado pelos praticantes de yoga e usado por trompetistas

como Maynard Ferguson. Em quase todas as aulas, cursos e masterclassescom proeminentes

trompetistas brasileiros, eles explicitam os benefícios da Respiração Completa. Esse tipo de

respiração inclui os pontos fortes dos três tipos anteriores. Ele coloca em atividade todo aparelho

respiratório. A cavidade peitoral é expandia em todas as direções.

A Respiração Completa

É compensador adquirir a habilidade de praticar a Respiração Completa como o método natural de

respiração. Deve-se empregar alguma diligência para estar plenamente consciente dela. A

Respiração Completa não consiste em uma prática forçada, anormal, contrária à natureza.

Três Excelentes Exercícios “Controle adequado do ar é 98% do tocar bem o trompete” Herbert L.Clarke

Exercício 1 – Parado

1. Fique em pé contra uma parede com os ombros para trás e o peito erguido.

2. Inspire lentamente pelo nariz até que os pulmões estejam confortavelmente cheios enquanto

mantém o peito erguido.

3. Deixe o ar sair pela boca, mas NÃO DEIXE O PEITO CAIR.

4. Repita a série cinco vezes e gradualmente, com o passar do tempo, vá aumentando até atingir

dez repetições.

5. Pratique esse exercício várias vezes durante o dia até que manter o tórax erguido enquanto

respira comece a ser natural.

Page 20: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Exercício 2 – Andando

1. Ande com um ritmo confortável, nunca tenso (de preferência numa pista de corrida) – Em

cada passo tome pelo nariz uma pequena quantidade de ar para dentro dos pulmões. Faça de tal

modo que esteja cheio no quinto passo (peito erguido).

2. Ande mais cinco passos mantendo o PEITO ERGUIDO e os pulmões plenos.

3. Ande mais cinco passos permitindo que o ar saia pela boca. Faça de tal modo que esteja vazio

no quinto passo (Peito continua erguido).

4. Ande mais cinco passos mantendo os pulmões vazios e o peito erguido.

5. Repita o ciclo por dois ou três quarteirões. Descanse entre alguns ciclos quando precisar

(sentirá fadiga ou dor em diferentes músculos), mas trabalhe para fazer todo o percurso sem

parar os ciclos.

6. A cada semana adicione uma tomada de ar até que atinja

DEZ PASSOS INALANDO,

DEZ RETENDO O AR,

DEZ EXALANDO,

DEZ COM PULMÕES VAZIOS.

Quando estiver andando com o ciclo de dez respirações uma boa quantidade sem deixar o peito

cair, vá para o exercício 3.

Exercício 3 - Correndo

1. Volte a fazer o ciclo de cinco respirações correndo ao invés de andando.

2. Tente paulatinamente chegar ao ciclo de dez respirações.

3. Quando estiver correndo com o ciclo de dez respirações uma boa quantidade mantendo o

PEITO ERGUIDO, terá adquirido o hábito de manter o tórax confortavelmente erguido enquanto

respira.

Observe essa figura extraída do atlas de anatomia utilizado nos cursos de medicina (Netter) e veja

os músculos responsáveis pela respiração.

Page 21: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Doze Ótimos Exercícios Respiratórios

Li uma ou duas entrevistas com Maynard Ferguson, onde, quando perguntado sobre respiração,

citou um livro, que, segundo ele, o ajudou grandemente nesse sentido – “The Hindu-Yogi SCIENCE

OF BREATH By Yogi Ramacharaka”. Muitos dos conceitos e exercícios seguintes foram adaptados

à partir desse livro.

EXERCÍCIO UM

Exercício para aprendizagem da Respiração Completa

1. Fique em pé ou sente-se de maneira ereta. Inspire pelo nariz, inalando de forma constante,

enchendo a parte inferior dos pulmões - a ação do diafragma, cujo movimento descendente

exerce leve pressão sobre os órgãos abdominais, empurra para frente as paredes frontais do

abdômen.

2. Continue enchendo a região média dos pulmões, empurrando para fora as costelas inferiores, o

esterno e o peito.

3. Prossiga enchendo a porção alta do pulmão, projetando a parte superior do peito, as costelas

superiores. Neste último movimento, a região inferior do abdômen se contrairá levemente.

Este movimento proporciona ao pulmão um suporte e auxilia no preenchimento das partes

superiores do pulmão. Os passos 1, 2 e 3 não consistem em três movimentos quantizados,

separados. O processo todo deve ser contínuo num movimento uniforme. Uma série de

sacudidelas deve ser evitada

4. Segure o ar por alguns segundos

Page 22: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

5. Exale bem vagarosamente, mantendo o peito numa posição firme, encolhendo e erguendo um

pouco o abdômen enquanto o ar é expelido. Quando o ar for completamente exalado, relaxe o

peito e o abdômen.

O processo todo pode ser feito inicialmente em frente a um espelho, colocando as mãos

suavemente na barriga para sentir os movimentos.

EXERCÍCIO DOIS

Respiração para Resistência Pulmonar

O exercício a seguir é excelente para ser usado como conclusão de outros exercícios de respiração e

como um meio de ventilar e limpar os pulmões. Seu efeito é de tonificar os órgãos respiratórios.

Certamente é de grande valor não só para o trompetista, mas também para outros instrumentistas

de sopro, cantores e pessoas que trabalham com a voz.

1. Faça uma Inspiração Completa.

2. Segure o ar por alguns segundos.

3. Faça um “bico” com os lábios como se fosse assoviar – mas não faça bochechas.

4. Exale um pouco de ar pela abertura, com considerável vigor – esse é o ponto importante.

5. Pare por um momento, retendo o ar.

6. Exale mais ar e repita o processo até o ar seja completamente exaurido.

Podemos continuar a exercitar a expiração com um auxílio de uma folha de papel. Inicialmente

podemos usar uma folha de caderno pequena. É interessante amassar a folha um pouco para

aumentar o atrito.

1. Colocando a folha na parede, na altura da boca, assopra-se bem no meio da folha.

2. Retira-se a mão e tenta-se mantê-la imóvel o maior tempo possível.

Vários tamanhos de papel e várias distâncias deste equivalem a várias dinâmicas e diferentes

regiões – grave/agudo – enquanto tocamos (uma folha pequena à curta distância equivale uma

nota aguda e piano – uma folha grande à grande distância equivale uma nota grave e forte)

EXERCÍCIO TRÊS

Respiração para Expansão da Capacidade Pulmonar

É indicado para a expansão peitoral, mas tem inúmeros benefícios em outras áreas. Faça esse

exercício sem exageros.

1. Fique em pé de maneira ereta.

2. Faça uma Inspiração Completa.

3. Retenha o ar nos pulmões tanto tempo quanto você for capaz de fazê-lo confortavelmente.

4. Exale vigorosamente pela boca.

5. Faça o EXERCÍCIO 2.

Page 23: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

EXERCÍCIO QUATRO

Respiração Estimulante

Esse exercício é designado para estimular as células nos pulmões. Não deve ser feito com muito

vigor. Se sentir alguma tontura nas primeiras tentativas, dê uma pequena caminhada e descontinue

e exercício por algum tempo. Evite exageros.

1. Fique em pé de maneira ereta, com as mão nos lados.

2. Inale muito vagarosa e gradualmente.

3. Enquanto estiver inalando, bata gentilmente no peito com a pontas dos dedos, mudando

constantemente de posição.

4. Quando estiver com os pulmões cheios, retenha o ar e dê tapinhas no peito com as palmas da

mão.

5. Faça o EXERCÍCIO 2

EXERCÍCIO CINCO

Respiração para Mobilidade das Costelas

As costelas admitem considerável mobilidade. Esse movimento tem importante papel na

respiração adequada. O exercício seguinte é destinado à preservação dessa elasticidade. Como

sempre, evite exageros!

1. Fique em pé.

2. Coloque as mãos nos lados do tronco, tão alto em direção das axilas quanto conveniente, com

os polegares apontando para as costas, as palmas ao lado do tórax e os dedos na direção do

peito.

3. Faça uma Inalação Completa.

4. Segure o ar por um pouco de tempo.

5. Suavemente pressione os lados, ao mesmo tempo exale de maneira vagarosa.

6. Faça o EXERCÍCIO 2

EXERCÍCIO SEIS

Exercício Para Expansão Pulmonar

Não exagere com esse exercício.

1. Fique em pé.

2. Faça uma Inalação Completa.

3. Segure o ar.

4. Estique os braços para frente como os punhos cerrados em unidos em linha reta com os

ombros.

5. Mova os braços para os lados vigorosamente até que estejam rente com os ombros (corpo em

“T”).

6. Volte para a posição 4.

7. Repita várias vezes esse movimento e então exale vigorosamente pela boca.

8. Faça o EXERCÍCIO 2.

Variação (1)

No movimento dos braços para trás [passo (5)], faça-os ir nessa direção tanto quanto possível.

Page 24: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Variação (2)

Faça movimentos circulares para trás algumas vezes. Mude então, e faça movimentos circulares

para frente. Varie, movimentando como se estivesse nadando.

EXERCÍCIO SETE

Exercício Respiratório Caminhando

Esse exercício e as variações dele, pela sua importância já foram introduzidos anteriormente.

1. Caminhe com a cabeça erguida, queixo inclinado LEVEMENTE em direção ao peito, com

passadas constantes.

2. Faça uma Inalação Completa enquanto conta mentalmente de 1 a 8, uma contagem para cada

passo, fazendo a inalação se realizar durante os 8 passos.

3. Exale contando outros 8 passos.

4. Descanse entre os ciclos, continuando a andar e contar de 1 a 8, uma contagem para cada passo,

5. Repita até que esteja cansado. Comece novamente, se desejar.

Uma variação é segurar o ar durante 4 passos e então exalar durante 8

EXERCÍCIO OITO

Respiração Matinal

Já vi bons trompetistas indicar esse exercício e testemunhar que o realizava antes de sair de casa

para os ensaios.

1. Fique pé, em posição de sentido, cabeça erguida, olhando para frente, ombros para trás, joelhos

retos e mãos aos lados do corpo.

2. Erga o corpo vagarosamente nas pontas dos pés, fazendo uma Inalação Completa vagarosa e

continuamente.

3. Segure o ar por alguns segundos enquanto mantém a mesma posição.

4. Volte à posição inicial enquanto exala pelo nariz.

5. Faça o EXERCÍCIO 2.

Tente fazer usando só a perna direita e então a esquerda

EXERCÍCIO NOVE

Espreguiçando

1. Fique em pé com as mãos ao lado do corpo.

2. Faça uma Inalação completa.

3. Levante os braços lentamente, mantendo-os rígidos, até que as mãos se toquem acima da

cabeça.

Page 25: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

4. Retenha o ar por alguns instantes com as mãos assim, acima da cabeça.

5. Abaixe as mãos lentamente para a posição original enquanto exala lentamente.

6. Faça o EXERCÍCIO 2

Variação 1

1. Inspire enquanto conta de 1 a 6

2. Enquanto inala, levante os braços em movimento contínuo, até que as mãos se toquem acima

da cabeça exatamente quando atingir a plena capacidade dos pulmões.

3. Comece a exalar imediatamente recomeçando a contagem.

4. Desça os braços enquanto exala também contando de 1 a 6 até que estejam do lado do corpo

com o fim da contagem e expiração.

5. Com a prática, aumente a contagem para 7, 8, 9, 10 e tanto quanto puder (que tal usar um

metrônomo? Faça 60 semínimas por minuto e conte com as semínima como pulso). Tenha em

mente que é possível fazer com 30 pulsos para cada movimento ou até mais. Sempre tenha uma

atitude relaxada.

Variação 2

A idéia aqui é advogada por Arnold Jacobs ex-tubista da Chicago Symphony Orchestra.

1. Encha os pulmões enquanto conta de 1 a 5. Durante o processo levante os braços (como no

exercício anterior)

2. Quando atingir o 5, os braços caem imediatamente (sem exalar).

3. Retenha o ar com a garganta aberta.

4. Exale gradualmente

5. Faça esse exercício em frente ao espelho com 6 repetições.

6. Depois de uma semana, realize com três contagens apenas.

7. Mais uma semana e faça tudo em uma contagem

EXERCÍCIO DEZ

Flexões diferentes

1. Deite de bruços no chão com as mãos dos lados do corpo e palmas voltadas para o chão

(posição de apoio).

2. Faça uma Inalação Completa e retenha o ar.

3. Enrijeça o corpo e levante-se com a força dos braços até que fique apoiado nas mãos e pontas

dos pés.

4. Volte à posição original e repita o processo várias vezes.

5. Exale vigorosamente pela boca.

6. Faça o EXERCÍCIO 2

EXERCÍCIO ONZE

Outra flexão diferente

1. Fique em pé com as mãos contra a parede com se fosse empurrá-la.

2. Faça uma Inalação Completa e retenha o ar.

3. Abaixe o peito em direção à parede, apoiando o peso do corpo nas mãos.

Page 26: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

4. Levante de volta à posição original usando apenas os músculos do braço, mantendo o corpo

enrijecido.

5. Exale vigorosamente pela boca

6. Faça o EXERCÍCIO 2

EXERCÍCIO DOZE

Akimbo

1. Fique em pé com as mãos na cintura e cotovelos para fora.

2. Faça um Inalação Completa e retenha o ar.

3. Mantenha as pernas e coxas enrijecidas e dobre bem para frente, como se fosse fazer uma

saudação japonesa enquanto exala vagarosamente.

4. Volte à posição original e faça outra Inalação Completa.

5. Curve-se, então, para trás exalando lentamente.

6. Retorne à posição original e faça uma Inalação Completa.

7. Curve-se para os lados, exalando vagarosamente.

8. Faça o EXERCÍCIO 2.

O Arqueiro, o Lançador de Dardos e o Arremessador de Aviões de Papel: Três Exercícios, Três Dinâmicas

1. Imagine-se um arqueiro. Enquanto inala, faça a mímica de puxar esticar a corda do arco com a

flecha. Atire em um alvo distante, liberando o ar com vigor. Dinâmica fortissimo!

2. Para arremessar um dardo em um alvo, posicione a mão próxima à orelha (enquanto inspira).

Lance com precisão enquanto expira. Mezzo Forte!

3. Para lançar um avião de papel os movimentos são mais delicados. Pianissimo!

[1] Leia no próximo capítulo o texto O Trompetista no País das Maravilhas – O Mito da

Respiração Diafragmática.

Page 27: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

O Trompetista no País das Maravilhas – O Mito da Respiração Diafragmática

Interesso-me (e me incomodo) muito pelos mitos, superstições e preconceitos que pairam sobre a

prática do trompete. Não pensem que os trompetistas, mesmo os bons, são constituídos apenas de

conceitos bem fundamentados e atentam exclusivamente em produzir e apreciar música (som).

Fábulas, lendas e visões distorcidas passam de geração em geração e se ampliam no imaginário

coletivo dessas entidades.

A crença musical dos músicos em geral e do trompetista em particular, também pode incluir uma

construção mental de algo idealizado, sem comprovação prática. Itens como embocadura, marcas e

tamanho de bocais, marcas de instrumentos, tessitura e afins, povoam o mundo encantado como

fabulações imprecisas. Lábio, dentes, língua, garganta, diafragma são os seres maravilhosos que

aparecem mais constantemente em versões romanceadas, histórias fantasiosas, crendices,

ladainhas e lengalengas.

Heróis e vilões são criados à partir de conceitos e histórias que carecem comprovação. Se fulano

usa o instrumento tal, é assim; se colocam o bocal naquela posição, é assado.

Filho da união de um deus ou uma deusa com um ser humano, o trompetista-semideus será

notabilizado por seus feitos guerreiros usando três poderes básicos: “Maisalto”, “Maisagudo”,

“Maisrápido”.

Muitas vezes o pedigree do sujeito nos influencia mais que o seu som. “Quem é seu professor, em

que escola estudou, em que grupo toca?”. Por essa razão os examinadores fazem avaliações de

candidatos para (boas) orquestras com uma tela como tapume, impedindo de verem quem toca.

Motivo: para não serem influenciados por nada exceto o som.

Somos influenciados pela postura do executante, pela maneira que segura o instrumento, pela cor

da pele da face quando toca, pela marca do seu equipamento, pelo seu professor, pela visão que

nossos amigos têm dele e até pelo seu sexo. Bem-vindos ao clube!

Bem, é sempre complicado abandonar os velhos paradigmas. Mas em certo ponto da nossa

caminhada do trompete, os mitos devem perder sua posição. Sobre o diafragma, por exemplo, qual

trompetista não ouviu sobre a estranha prática na qual se exercita com uma pilha de livros sobre a

barriga para fortalecê-lo? No mínimo, quem ainda não foi exortado com a frase “respire pelo

diafragma”?

Com experiências científicas usando raios-X, Claude Gordon provou há mais de 40 anos que a tão

chamada “teoria da respiração diafragmática” é um conceito errôneo. O Dr. Larry Miller que

conduziu a experiência, deu várias palestras com o tema The Diaphragmatic Breathing Fallacy.

Quem ainda não teve a chance ainda de ler a boa literatura desse mestre da pedagogia do nosso

instrumento, o Claude Gordon, não perca a chance. Recomendo todos os seus livros,

Page 28: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

particularmente o Physical Approach to Elementary Brass Playing and Daily Routines,Brass

Playing is no Harder Than Deep Breathing e ainda Systematic Approach to Daily Practice.

Há várias escolas de pensamento, mas ponderemos que Herbert Clarke, Jean-Baptiste Arban,

Louis Maggio, Max Schlossberg, Claude Gordon e todos os outros grandes pedagogos do trompete

não mencionaram diafragma em seus métodos, mas enfatizaram a respiração profunda, inalando

generosas quantidades de ar para o único lugar possível ao ser humano – o pulmão. Então, ao tocar

trompete:

Boa postura com o peito erguido pleno de ar. Sem nunca pensar diafragma.

Abdalan da Gama

Page 29: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

A Parte Mais Importante da Prática: o Descanso

“Entusiasmo é uma virtude, impaciência um obstáculo”. Don Jacoby

Um dos maiores segredos de uma prática eficiente é o uso adequado de períodos de descanso.

Alguém já disse que potência, boa extensão do grave ao agudo e resistência é de propriedade dos

que sabem descansar. Isso é extremamente difícil para os de temperamento impetuoso. Há aqueles

que praticam até ao colapso. Bem, na nossa prática devemos construir e não destruir. Ao se sentir

cansado, pare! Nunca toque com a sensação de fadiga. Cada vez que paramos um pouco, damos

tempo ao corpo para reconstruir o tecido e fortificar os músculos que estamos exercitando.

Descanso significa manter o bocal longe da boca! Timofei Dokschitzer recomenda que se vai gastar

duas ou três horas na prática, que ela seja dividida em dois ou três períodos de quarenta a sessenta

minutos na manhã, tarde e noite.

Três Tipos Descanso

1. O DESCANSO ENTRE OS EXERCÍCIOS DE UM ESTUDO.

Esse tipo de descanso pode durar 10 segundos, 30 segundos, 1 minuto, 5 minutos ou até mesmo 10

minutos. Digamos que esteja praticando H. L. Clarke Technical Studies No 1. Observe que há uma

fermata entre os exercícios. Isso significa que entre cada exercício deve-se introduzir um breve

descanso.

Uma regra prática é essa: descanse, no mínimo, tanto quanto tocou.

Talvez haja necessidade de descansar mais se praticando exercícios extremos (no registro agudo,

por exemplo). Fazendo assim, você fará todo o estudo sem fadigas extremas.

“Considero que devo praticar para resistência, e não cansar meus lábios tocando demais.

Alternando curtos períodos de descanso com períodos tocando, mantenho meus lábios

revigorados e flexíveis, permitindo-me acabar a prática do dia com mais conforto e vigor que

antes”.

Herbert L. Clarke

2. O DESCANSO ENTRE OS ESTUDOS.

Há que se introduzir seções de descanso entre rotinas. É muito proveitoso nosso estudo em vários

blocos. Essa é a chave para se adquirir resistência e manter o alto padrão em toda a prática. O

tempo mínimo aqui é meia hora.

“Para desenvolver resistência é importante praticar muitas vezes durante o dia, e não

longamente de uma só vez. Toque 30 minutos, descanse 15. Então toque 30 e descanse 30. Toque

30 e descanse 1 hora. Os lábios são músculos; é importante descansá-los

freqüentemente”. Maurice Andre

3. TIRAR UM DIA DE FOLGA.

Page 30: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Percebo que o dia em que estou tocando melhor é a segunda-feira. A razão é que tiro o domingo de

folga. No domingo não realizo rotinas completas e só toco se tenho algum compromisso. Não é

proibitivo tocar todos os dias, mas um dia de folga é muito restaurador e os resultados são

evidentes.

“Potência, range e resistência pertencem aos que sabem descansar”.Robert Negel

Não temos oportunidade de ditar o ritmo de estudo em ensaios e apresentações. Nesses casos,

aproveite cada oportunidade para descansar. Seu ‘bico’ e os outros músicos agradecem.

Para saber a experiência de um grande músico sobre essa questão, recomendo o próximo capítulo –

Freddie Hubbard Adverte: Cuidado! Revise a Maneira que Você Toca Trompete.

Abdalan da Gama

Page 31: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Freddie Hubbard Adverte: Cuidado! Revise a Maneira que Você Toca Trompete

“Não cometa o erro o erro que cometi, não cuidando de mim mesmo”.Freddie Hubbard

O grande trompetista Freddie Hubbard teve uma dura experiência em sua carreira musical; fato

que deve alertar o trompetista, principalmente aquele mais ambicioso, da maneira que pratica.

Freddie Hubbard viveu os dias gloriosos do bebop, vendo ainda o florescimento do fusion e do jazz-

rock. Em 1958, aos 20 anos, ele se encontrou com Coltrane em uma jam session e foi convidado

para trabalhar com ele. Estima-se que ele tocou em 300 gravações. Fez contrato com a famosa Blue

Note. O final de sua careira, entretanto, não foi de igual modo glorioso. Aos 57 anos (em 1995) ele

já não podia tocar trechos longos, resultado de um lábio rachado que se infectou quando ele se

recusou a cancelar uma série de compromissos em 93.

Em vários esportes, executantes freqüentemente realizam suas práticas lesionados, tentando

colocar a mente acima da questão, a fim de completar um compromisso importante. Hubbard e

outros tantos trompetistas confiaram completamente na força de vontade, subestimando um lábio

incomodativo ou algum outro impedimento. O obstáculo, no caso de Hubbard, se mostrou grande

demais. Em 95 ele já estava há dezoito meses fora da estrada, e só com muito esforço que

conseguiu completar as gravações do seu álbum MMTC (Monk, Miles, Trane, & Cannon) – O

álbum demorou 10 meses para ser finalizado.

A história toda, segundo Hubbard, começou em 92, quando ele foi tocar na Europa com aBig

Band de Slide Hampton, ao lado dos trompetistas Roy Hargrove e Jon Faddis. Ele falou numa

entrevista a Downbeat “Comecei tocar notas agudas com Faddis e me deixei levar”. Ele continua,

“Notas agudas não eram meu forte. Voltei para Filadélfia e toquei com alguns caras, sem nunca me

aquecer. Nesse ponto meu lábio arrebentou. Depois fui ainda para Nova Iorque e toquei por mais

uma semana. Era aí que deveria ter sossegado”.

Hubbard não parou por aí. Voltou à Europa para tocar com uma big band, e logo depois percebeu

que seu lábio tinha infeccionado. Quando voltou para Los Angeles, um médico fez uma biópsia,

temendo se tratar de um câncer. Não era câncer, mas vários compromissos foram cancelados pois

seus lábios estavam tão magoados que o deixava impedido de tocar com o entusiasmo, a

inspiração, a energia e a confiança que o fizeram famoso.

À Downbeat Magazine Hubbard ainda fala que outros trompetistas que tiveram experiências

semelhantes. “Isso aconteceu com Louis Armstrong. Miles ficou fora por cinco anos.

“No final das contas você fala ‘caramba, me deixe dar um tempo e dar um descanso am meu

bico’. Eu sempre toquei com muita energia – talvez demais. Então, eu tive que mudar minha

embocadura por voltar aos rudimentos e aprender a aquecer e tocar leve. Antigamente eu

simplesmente pegava o trompete e soprava violentamente. Eu tive que voltar, adquirir alguns

livros e consultar professores de trompete clássico. Eu não podia tocar uma nota por um instante

porque (meus lábios) estavam sensíveis demais. É muito frustrante não fazer soar da maneira

que eu fazia”.

Page 32: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Ele conta sobre sua prática:

“Houve um período que eu estava gravando 2 vezes por semana e à noite ainda tocava em clubes

noturnos”.

Houve ainda um agravante. Havia uma rivalidade entre Hubbard e um jovem trompetista chamado

Lee Morgan. Hubbard confessou que o único trompetista novato que o intimidava. Isso o levava a

fazer coisas além do seu limite. Comentou:

“Ele tinha muita paixão e um feeling natural. Eu tinha mais técnica, mas ele tinha aquele feeling.

As pessoas pareciam gostar dele mais que gostavam de mim no início. Mas andávamos juntos,

comprávamos carros esportivos e pegávamos as mesmas meninas. Era um tempo diferente. Hoje

tudo é negócio”

Essa experiência ensinou Hubbard a mudar completamente sua visão de como tocar, dando

atenção à respiração, fluxo de ar. Ele viveu numa época em que os músicos de jazz tocavam até as 4

da manhã e então iam procurar um lugar para tocar mais. Hoje tem-se que dormir cedo para

gravar num estúdio na manhã seguinte.

Seis Conselhos de Freddie Hubbard para Trompetistas:

1. Não cometa o erro o erro que cometi, não cuidando de mim mesmo.

2. Mantenha o bico legal e não sopre exageradamente.

3. Se vai tocar muito, certifique-se que fará um aquecimento.

4. Faça um plano de saúde – nunca se sabe quando se precisará dele.

5. Lembre-se que quando chegar a uma idade mais avançada, seus lábios lhe darão o troco por

qualquer exagero.

6. Encorajo os aprendizes a usar bocais grandes. Isso os fará durar mais.

Abdalan da Gama

Page 33: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Tocando Relaxado: Eliminando as Tensões

“Tocar trompete é difícil porque é fácil”.

Charles Schlueter

A redução das tensões enquanto tocamos é ponto para ser cuidadosamente estudado. Tocaremos

mais fácil se estivermos relaxados. Como ficam suas mãos, ombros, lábios e garganta quando toca?

Principalmente: há tensão demasiada na coluna de ar? O excesso tensão quando nos direcionado

ao registro agudo interrompe o fluxo de ar e impede a vibração dos lábios.

Devemos todos os dias exercitar a liberação o ar dos pulmões de maneira relaxada, como se

estivesse respirando profundamente. Isso nos levará a tocar trompete de maneira suave e

expressiva quando desejarmos.

A ansiedade tem sido a grande vilã de muitas performances nas salas de concerto. Dá para ler na

face de muitos executantes: “Deus Poderoso, apenas não me deixe falhar no Mi bemol no começo

da segunda página”. Em função disso a música inteira é comprometida. Em uma reportagem na

Veja pôde-se ler que músicos de grandes orquestras estão lançando mão de medicamentos – beta-

bloqueadores – para diminuir a taquicardia na apresentação. Outros se valem de bebidas alcoólicas

ou outras drogas. Será possível controlar os males da ansiedade?

A ansiedade é disparada por pensamentos negativos com relação às habilidades técnicas na

execução do intrumento. Tais sensações são potencializadas pelo medo e possibilidade de

humilhação e percepção negativa que outros terão de nós após uma performance mal-sucedida. Tal

quadro pode mesmo se agravar resultando em baixa auto-estima. Como contornar isto?

Execute a peça que está estudando incontáveis vezes num regime de regularidade e consistência.

Confiança e convicção brotarão dessa prática; os sinais de preparação e capacidade são colhidos na

sala de estudo. Veja-se tocando no lugar da apresentação muitas vezes. Feche os olhos visualizando

a saída de casa no grande dia, chegando ao local da apresentação, aquecendo, ouvindo o

burburinho dos presentes, entrando no palco, produzindo um bom som aos ouvintes, ouvindo os

aplausos e a sensação de apreciação que a platéia terá. Mergulhe em pensamentos positivos.

O primeiro gerador de ansiedade é o despreparo. Não perca nenhuma oportunidade de estudar

antes do recital ou apresentação. “Na hora sai” é para músicos medíocres. Caso tenha tocado bem

nos ensaios e durante os estudos é muito provável que fará novamente. Se possível, grave a si

mesmo antes da apresentação, ouça e faça ajustes. Convide um músico de confiança e toque para

ele, ouça os conselhos com critério. Aqui vale lembrar Roger Voisin:

“Minha melhor recomendação é que ouçam seu professor e não outros estudantes”.

Page 34: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Estando preparado, aproveite a adrenalina liberada e canalize essa energia para o melhor. Você foi

escolhido para estar naquele momento no palco, o que indica que é a pessoa mais indicada para

essa tarefa. Ainda que estejam presentes na audiência outros trompetistas “melhores” que você,

nenhum deles tem som com o teu nem fará uma interpretação como a tua. Mesmo bons

profissionais experimentam um “frio na espinha” antes de suas apresentações.

Se uma reação do nervosismo for boca seca, experimente passar a ponta da língua nos dentes

superiores

Não pense que os que estão assistindo vieram para pinçar os erros que porventura ocorrerão.

Desejam se expor ao prazer único proporcionado por apresentações ao vivo. Não seja muito rígido

consigo mesmo e não execute auto-análise quando estiver tocando. Estabelecer altos padrões é

bom, mas se forem muito altos, é perigoso e cria medos.

Para performances com improvisos, estude e decore a harmonia aplicada. Cuide da alimentação no

dia do concerto ou recital, se achar prejudicial, evite estimulantes como café, refrigerantes com

cafeína e chocolate.

Para provas e concursos pratique com afinco. Memorize a música, ainda que vá ler na hora H.

Descanse antes da apresentação. Coma com tranquilidade. Traga à memória o som produzido

tantas vezes na sala de ensaio. Caminhe calmamente para o lugar onde se apresentará, caso tenha

que subir escada, faça-o lentamente. Receba a apreensão e o medo com tranquilidade. Lembre da

regra de ouro: respire vagarosa e profundamente. Transmita sua mensagem musical com o registro

que a perfeição não é possível nem desejável. Caso erros aconteçam, esqueça e prossiga sem sofrer

a dor do luto.

Page 35: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Iniciando a Prática: o Aquecimento “O aquecimento nos coloca na plataforma de lançamento para a decolarmos à prática” Carl

“Doc” Severinsen

A prática do trompete envolve mais atividade física que se imagina e, como em toda atividade

física, a realização de um aquecimento é de extrema importância. O aquecimento não somente

prepara o corpo para o exercício que se segue, como também nos motiva com uma preparação

mental. Ímpeto e direção são motivados por um aquecimento adequado. Como ter um meio e um

fim, sem um início?

Agora, que tipo de aquecimento realizar? Considero o Aquecimento A de Louis Maggio como um

aquecimento típico.

Esse aquecimento é, paradoxalmente, também utilizado como um DESAQUECIMENTO. O

princípio é que essas linhas descendentes, entrando no registro pedal, promovem maior irrigação

sangüínea nos lábios fazendo-os revigorados e flexíveis. Depois de uma prática diária muitas vezes

Page 36: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

exaustiva, a incorporação dessa rotina é de muito benefício como uma massagem labial para o

início da restauração dos tecidos para o dia seguinte.

Outro ponto importante a ser notado é que o aquecimento é um preparativo para a prática. Sendo

assim, práticas de naturezas diferentes pedem aquecimentos distintos.

IMPORTANTE

1. Faça o aquecimento tão musicalmente quanto possível;

2. O mais importante no aquecimento é ouvir o próprio som de desenvolvê-lo.

3. O fato que devemos ter consciência é que o som é originado em nós e não no instrumento

incluindo a nota, a textura, o volume e tudo mais.

Page 37: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

O Registro Pedal: Começando de Baixo “Tive centenas de alunos, dos quais, todos dominaram o registro pedal” Claude Gordon

O registro pedal consiste daquelas notas abaixo do primeiro F# na linha suplementar inferior:

No que diz respeito à técnica empregada para produção do som, há não um, mas três registros

pedais.

Primeiro registro pedal: de F a Db

Essas notas são também chamadas de “pedais falsos”

Segundo registro pedal: de C a F#

Essas notas são também chamadas de “pedais verdadeiros”

Terceiro registro pedal: do segundo F em diante

A prática dessas notas, embora quase não usadas no contexto musical, é de muito valor pedagógico.

Herbert Clarke as incluiu como parte integrante da tessitura do trompete. Pedais não é nada novo.

Hoje, entretanto, a prática desse registro é muitas vezes ou desprezada ou superestimada por

trompetistas em geral. O equilíbrio deve ser buscado.

Embora o estudo das notas pedais é parte integrante no desenvolvimento total trompetista, tocá-

las não é o “cura-tudo” que resolve todos os problemas, nem o “segredo” para tocar agudo, fato que

não parece evidente para todos. As notas pedais são particularmente úteis para o aprendizado do

uso da plena capacidade dos pulmões, já que generosas quantidades de ar são necessárias para

produzi-las. Quando corretamente praticadas são proveitosas, ademais, para correção da

Page 38: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

embocadura. Para esse fim, deve-se atentar que não se deve desenrolar os lábios, fazendo um “bico

de pato” para produzir uma vibração “frouxa”. É melhor não praticar as notas pedais que praticá-

las erroneamente. Nesse ponto, já devemos saber que a prática demasiada nos extremos faz mais

mal que bem. Entretanto, maior poder e fluência, melhor vibração, som encorpado em todos

registros, mais resistência e relaxamento dos lábios e músculos da embocadura são suficientes

justificativas para o estudo do registro pedal.

Considero desaconselhável usar uma digitação diferente. Digite as posições da mesma maneira que

nos outros registros com 13 para G e 123 para F#.

Os que desejam começar se aventurar no terreno do registro pedal podem fazer os exercícios

seguintes.

O Primeiro Registro Pedal

Para a produção dessas notas, seu instrumento não ajudará – elas não estão no trompete, você as

“empurra” para dentro dele. A abordagem correta é realizar bends.

Faça cada um dos compassos abaixo primeiro usando a digitação normal para ouvir a afinação, e

então repita as notas usando a mesma posição do C (com nenhuma válvula pressionada).

Para conseguir isso, mantenha o ar se movendo, não afrouxe os lábios, pense OH ao fazer a

ligadura e deixe a mandíbula cair um pouco. Ao tocar o G, você o fará como se fosse uma nota

pedal.

Repita a operação com a linha abaixo, primeiro usando a digitação normal para ouvir a afinação, e

então faça as notas usando a mesma posição do B (com a segunda válvula pressionada para as duas

notas).

Ao tocar o F#, você o fará como se fosse uma nota pedal.

Page 39: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

O exercício abaixo tem o mesmo princípio. Primeiro use a digitação normal para ouvir a afinação –

no último compasso faça primeiro uma oitava acima – então faça as notas usando a mesma posição

do Bb (com a primeira válvula pressionada para as duas notas).

Pronto, você chegou à primeira nota pedal, o F. Como observado, o F é realizado como um Bb com

um bend uma quarta abaixo.

Seguindo o mesmo princípio, podemos realizar todo o Primeiro Registro Pedal

O Segundo Registro Pedal

O segundo registro pedal está no instrumento pois as notas que o compõe são fundamentais na

série harmônica. O C, por exemplo, sai fácil, embora muito desafinada inicialmente – até uma

quinta abaixo. Isso não deve incomodar no princípio. A atenção inicial deve ser focada em produzir

um som “grande” com boa vibração. Afinação vem mais tarde. Não seja impaciente e fuja de

qualquer truque para produção do som almejado. Faça arpejos e escalas descendentes para

dominar esse registro.

O Terceiro Registro Pedal

Esse registro é fácil. As notas são afinadas e é só uma questão de tempo e prática para desenvolver

a vibração necessária pra produzi-las.

Perfer et obdura; dolor hic tibi proderit olim

Abdalan da Gama

Page 40: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Ao Trabalho: Decolando Para a Prática “Certifique-se que cada nota tem um som classe ‘A’” Raymond Crisara

O que praticar? – essa é uma pergunta que povoa a mente de todo estudante que deseja progredir.

A pratica do trompete pode ser sistematizada em vários aspectos; isso ajuda a isolar e detectar os

problemas, concentrar-se e mirar resultados tangíveis. Deve-se, entretanto, ver cada aspecto no

contexto total da prática. Eis os pontos a serem fortalecidos.

Notas Longas Prática diária de notas longas ajuda a desenvolver a tessitura, a resistência e a potência no som. É

recomendável que uma prática completa tenha notas longas em todos os registros e em todos os

volumes. Nem sempre exercícios de notas longas são executados necessariamente com uma única

nota, mas se caracterizam por não abranger uma ampla região do pentagrama nem alternar

rapidamente entre as notas. Exercícios de notas longas devem ser usados em equilíbrio com

exercícios de flexibilidade. Notas longas desenvolvem vários aspectos da prática do trompete.

Controle, potência, resistência, tessitura e afinação são melhorados. Há um tipo de exercício

advogado por H. L. Clarke que pode ser considerado um legado para a próxima geração de

trompetista. Esse tipo de exercício consiste em tocar uma nota até que o ar se esgote e ainda um

pouco mais.

1- Respire profundamente e com o peito erguido sopre qualquer nota no registro médio de

maneira confiante.

2- Quando o ar começa a acabar, você sentirá o estômago tremer – continue soprando ainda mais

forte.

3- Quando a nota pára de soar, mantenha o peito erguido e sopre ainda mais forte esse último

fôlego. Empurre cada vez mais até que o ar se esgote e ainda um pouco mais. Não importa o tempo

que a nota soa, portanto não economize – o que importa é soprar até que o ar cabe e ainda um

pouco mais.

4- Não toque esse exercício no registro agudo.

5- Pratique também no registro pedal.

Material interessante para esse exercício:

Daily Drills de Max Schlossberg,

Systematic Approach to Daily Practice de Claude Gordon

e os primeiros exercícios do

Arban’s Method.

Esses exercícios são fantásticos por envolver os músculos responsáveis pela prática do trompete de

uma maneira ótima. Antes de fazer esses exercícios, saber descansar é fundamental.

Page 41: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Técnica O Technical Studies de Herbert L. Clarke é uma excelente fonte onde buscar o

desenvolvimento técnico do trompete.

1- Esses exercícios devem ser praticados como se fosse possível passar o dia inteiro tocando-os sem

se fadigar – devem ser executados sem esforço e com muita tranqüilidade.

2- Deve-se inicialmente praticar os exercícios de maneira lenta e com perfeição.

3- É recomendável tirar o dedo mínimo do gancho (ou anel) sobre o leadpipe para executar os

exercícios.

4- Usar os modelos de articulação recomendados por Clarke – legato, staccato T, staccato K e

combinação desses.

Sobre Clarke há testemunhos que era capaz de tocar uma escala cromática de três oitavas, quatro

vezes em um só fôlego. Ele coloca esse exercício no Estudo 9: Com a seguinte introdução:

“Nenhum esforço é necessário”

“O exercício seguinte é meu teste de resistência diário. Ele deve se praticado quatro vezes em

um só fôlego” H. L. Clarke (negrito meu)

Confira o Exerecicio 184 de Clarke.

Bem, o exercício está no método; mas como realizá-lo? Meu palpite é: estudando-o do começo!

As recomendações de Clarke para o primeiro estudo são: Não exceder a dinâmica marcada nos

exercícios para evitar fadiga e esforço demasiado. Danos permanentes à embocadura pode ocorrer

se o som é forçado. Praticar cada exercício de oito a dezesseis vezes em um fôlego, mantendo lábios

e dedos flexíveis. Contrair os lábios levemente nas linhas ascendentes e relaxar nas linhas

descendentes.

Podemos adicionar que esses exercícios não devem ser praticados à toda velocidade logo na

primeira abordagem. O mais importante é tocar inicialmente LENTA e METICULOSAMENTE.

Não estamos ensinado os dedos, e sim a cabeça!

Que velocidade? tão vagarosamente quanto necessário para fazer cada exercício sem erros.

Velocidade, facilidade de execução, fluência e talento artístico, nascem da atitude que partem da

vontade de interiorizar a tarefa de maneira aplicada, detalhista a cuidadosa.

Esse método possui também os melhores exercícios para o desenvolvimento da habilidade no

dedilhado do trompete. Sobre essa questão, é interessante frisar: Não pressione as válvulas

simplesmente: erga os dedos bem altos e bata nelas com força.

É essencial DESCANSAR ENTRE OS EXERCÍCIOS. Clarke tinha um propósito ao colocar fermatas

em cada barra dupla final. O ideal é descansar tanto quanto tocou.

Page 42: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Fazer “resumos” integrando exercícios. Depois de executar os exercícios de 1 a 7, fazer o seguinte:

e assim por diante.

NÃO PARE NO EXERCÍCIO 25. Tente ir um pouco mais além, mas não force! Como alternativa,

comece com o exercício 7 e faça ½ tom acima e ½ tom abaixo, e assim sucessivamente.

MAIS TARDE, TRABALHE para adquirir VELOCIDADE E CONTROLE. Depois use oritornello,

buscando EXECUTAR NA QUANTIDADE DE VEZES RECOMENDADA por Clarke EM UM

FÔLEGO e MUITO SUAVEMENTE, NUM SUSSURRO.

Quando for possível fazer cada um dos 25 exercícios 4 vezes em um fôlego, ESTUDAR OETUDE.

Finalmente, FAZER O ETUDE COM O RITORNELLO.

É claro que há excelentes exercícios sobre técnica em outros métodos além do Technical Studies

for the Cornet de Herbert L. Clarke. Há, por exemplo, bons exercícios técnicos no Saint-

Jacome’s Grand Method for Trumpet or Cornet.

Dura usu molliora

Flexibilidade Alguém já disse que tocamos trompete tão bem quanto somos capazes de executar a flexibilidade

com facilidade. Claude Gordon falou de como a língua tem um papel fundamental na prática do

trompete. Exercícios de flexibilidade são para praticar o nível da língua para produção de cada

nota. A característica principal desses exercícios é a ênfase das ligaduras entre notas da mesma

série harmônica (mesma digitação) usando as sete combinações dos pistões.

Exercitar-se praticando rotinas de flexibilidade desenvolve fluência por todos os registros do

instrumento, melhora a resposta, cria a capacidade de tocar em dinâmicas suaves e, dentre outras

coisas, confere uma qualidade sonora “quente e delicada”.

Ao praticar exercícios de flexibilidade, procure ouvir um “click” entre uma nota e outra. As notas

deverão saltar do trompete! Quando isso acontece pode-se detectar um “pop” entre as notas.

É essencial usar metrônomo em exercícios de flexibilidade, assim como em exercícios técnicos

para, dentre outras coisas, monitorar o progresso.

Estou em fase de conclusão de um estudo completo sobre flexibilidade baseado nos principais

métodos que tratam esse assunto. Fique atento.

Page 43: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Use para a prática:

Advanced Lip Flexibilities de Charles Colin,

27 Groups of Exercises de Earl Iron,

Tongue Level Exercises de Claude Gordon,

Lip Flexibilities de Walter Smith,

Daily Drills de Max Schlossberg

e porções do Arban’s Complete Method.

Articulação A língua é usada na articulação do som no trompete como o é na fala – para fazer óbvio o

significado da frase, fazendo o discurso musical inteligível. Ao articular, separamos as sílabas,

fatiamos as palavras distinguindo-as umas das outras. Clareza e nitidez são frutos de uma boa

articulação. A língua ‘modula’ o ar proveniente dos pulmões, fazendo o papel de uma válvula.

Certamente escolas diferentes abordam as articulações de maneiras diferentes. A visão que se

segue é oriunda principalmente da escola francesa.

Tenuto

Sílaba dA – Pensar em instrumentos de “cordas” (violino). Deve-se tocar

o valor exato e, em algumas situações mesmo um pouco mais

prolongado. Tenuto é o particípio passado do verbo italianotenere, cujo

significado é manter, sustentar, segurar. O traço que sinaliza essa articulação é chamado tratina;

não é incumum tenuto ser chamado de tatina. Quando uma série de notas a serem tocadas com

essa articulação, pode-se escrever “tenuto” literalmente ao invés de usar o sinal.

Staccato

Sílaba dA (suave e curto) – Não é propriamente uma acentuação, antes

tem a propriedade de diminuir o valor da nota. Oserve que

ostacctato não é ritmicamente mais forte, pelo contrário, suavidade é

esperada.

Martelato

Sílaba tAH! – Firme! Um acento muito forte como a batida de um

martelo.

Stacatissimo

Sílaba TA – Mais agressiva, curtíssima (diminuir 3/4 do valor). O nome

mais comum para esse acento é staccatissimo. Por ser muito encurtada

produz maior projeção. Já ouvi bons músicos chamando de

“mertelato fechado”.

Page 44: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Marcato

Sílaba tAm – Como um sino de capela: mais intensidade no início e

decrescendo no final. Devem ser tocadas no valor integral. Muitas vezes é

chamado simplesmente acento, o que não parece ser a melhor

nomeclatura!

Legato

De importância ainda maior que o acento, o legato é técnica básica. O trompetista que golpeia toda

e qualquer nota, não extrai do seu instrumento a beleza sonora que lhe é peculiar.

Discussão Adicional

A nomenclatura usada para certos tipos de articulação pode trazer uma impressão distorcida da

verdadeira natureza desse processo. O peso inerente nas palavras “ataque” e “golpe (de língua)”

pode conduzir a mente do estudante para produzir um impulso violento como se buscasse uma

pancada com sua língua. Embora um início impetuoso, decidido e súbito seja muitas vezes

necessário, há um número de maneiras diferentes de iniciar uma nota no trompete. O estudo das

articulações é de crucial importância para o trompetista.

Têm-se geralmente a impressão que o início da nota determina sua projeção. Acaba-se dedicando

quase que exclusiva atenção ao começo da nota em detrimento de outros aspectos igualmente

importantes. Quanto à projeção, particularmente, há que se entender que o final da nota está

muito mais relacionado.

O posicionamento da língua é também de vital importância no estudo das articulações. Muitos a

usam ancorada atrás dos dentes inferiores. Outros acham mais funcional a língua atrás dos

incisivos superiores. É consenso, não obstante, que a língua esteja posicionada próxima dos dentes,

diminuindo a amplitude dos movimentos para tocar nos diversos pontos da boca, gerando maior

agilidade nas articulações.

Diversas ‘sílabas’ são usadas na articulação do trompete. A depender da consoante utilizada,

diferentes matizes são extraídas do som. As consoantes T e D são as primeiras a serem aprendidas.

Mais tarde L, N e R podem ser incorporadas – essa última principalmente na execlução

do flurato (flutter tongue no inglês e Flatterzunge do alemão). Mesmo P, atraindo a articulação

para os lábios, é aplicável. Nos staccatos duplos e triplos usam-se as consoantes K e G em

associação com as outras.

Portato

Outros sinais de articulação devem ser aprendidos tais como

oportato que é sinalizado em duas notas com sinais de ligadura

estaccatto concomitantemente – isso pode parecer paradoxal já que a

ligadura e o staccatto parecem ser antagônicos. Ao encontrar o portato,

mantenha a coluna de ar, como é usual na execução de ligaduras, e articule como

no staccatto. Legato com articulação.

Page 45: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Staccato Forzato

É a combinação dos acentos marcato e staccato. Na execução usa-se o

mesmo princípio do marcato porém com uma curta duração, como

no staccato.

Mezzo Staccato

Combinando tenuto e staccato, executa-se com um leve acento com as

notas separadas – détaché. Legato e com uma separação entre as notas

(non legato, portanto). No violino eles executam com uma única arcada,

‘empurrando’ suavemente cada nota. A questão toda que além das vairações de duração,

o tenuto também age como um leve acento – é esse aspecto que é emprestado ao staccato quando

os símbolos são usados concomitantemente.

Staccato Duro

Com uma curtíssima duração e com muita energia o staccato duroé a

combinação do staccato e martelato. Percussivo.

Legato Duro

Bem percussivo em mantendo a nota em seu pleno valor.

Staccatissimo Duro

O mais forte ataque percussivo com uma curtíssima duração.

Mezzo Staccatissimo

Com ênfase e bem curto.

Marcato e Legato

Marcato e legato, ou seja, moderadamente percussivo e com plena

duração.

Marcato e Staccatissimo

Moderadamente percussivo e com uma curta duração.

Page 46: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Controle do Ar “Controle adequado do ar é 98% do tocar bem o trompete” Herbert L.Clarke

Quase todos bons trompetistas enfatizam a importância da respiração profunda e do controle de ar.

Os executores deste instrumento estão cientes deste princípio essencial para tocar o trompete, mas

a maioria deles o trata levianamente. Os 4 primeiros exercícios do Iron’s Method on

Flexibility objetivam testar os hábitos de respiração do trompetista.

O primiero exercício do método mais conhecido de Clarke pode ser realizado o número de vezes

sugerido pelo autor para prática do controle do ar.

Controle da Embocadura Controle adequado da abertura e mobilidade da embocadura é algo que deve ser estudado. A

embocadura está mais aberta quando descemos ao grave que quando subimos ao registro agudo.

De igual modo, a abertura é maior quando tocamos mais forte. Tocando agudo e piano têm-se a

formação mais fechada, em oposição a grave e forte, onde temos a maior abertura.

Se, por exemplo, ao exercitarmos no registro agudo usamos apenas um som forte, não há benefício

algum na compreensão mobilidade e do controle. Ao estudar o registro agudo, não coloque

um crescendo todas as vezes que ascender. Varie as dinâmicas, como sugerido nos exercícios

de Max Schlossberg. De qualquer sorte, não aceite um som mirrado em nenhuma região, ainda

que tocando baixinho. Exercite também Agudo/Piano – Grave/Forte.

Transposição Nem sempre recebemos a partitura partitura escrita para trompete do tom daquele que possuímos.

Essa não é a única razão para um estudo sistemático de transposição – muito benefício intelectual

pode ser colhido do exercício desses estudos.

Supondo que você tenha um trompete em Bb (si bemol) e recebeu partitura para trompete (ou

outro instrumento) em:

C – Dó

1. Mude a armadura da clave um tom acima – a idéia é somar dois sustenidos ou retirar dois

bemóis (‘regra da compensação’ – no caso de um bemol, retira-o e adiciona-se um sustenido,

claro).

2. Pense nas notas um tom acima.

É nessa transposição que mais devemos nos exercitar. É muito comum termos de tocar partituras

escritas para instrumentos não transpositores.

D – Ré

1. Mude a armadura da clave uma terça maior acima – some quatro sustenidos ou retire quatro

bemóis (tendo três bemóis, retira-os e adiciona-se um sustenido. Com dois, adiciona-se dois e

assim por diante).

2. Toque as notas uma terça maior acima. Veja que o espaço vira linha e vice-versa.

A – Lá

Page 47: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

1. A armadura da clave deve ser transposta meio tom abaixo. Com sustenidos, X se torna Xb

(Exemplo A se torna Ab, B – Bb). Pense para bemóis a seguinte regra: 5 menos o número de

bemóis é igual ao número de sustenidos.

2. No caso de sustenidos, as notas não precisam ser movidas – leia como está escrito. Com bemóis.

Leia as notas meio tom abaixo (apenas pense uma ‘nota’ abaixo e a armadura da clave dá conta de

tudo).

Eb – Mi bemol

Caso vá executar uma partitura para trompete Eb (ou sax alto), esse é o procedimento.

1. Transponha a armadura para uma quarta justa acima. Some um bemol ou retire um sustenido.

2. Leia as notas uma quarta justa acima. Lembre-se que espaço vira linha e vice-versa.

E – Mi

1. Transponha uma quarta aumentada. Some seis sustenidos ou retire seis bemóis (lembre-se da

‘regra da compensação’).

2. Leia uma quarta aumentada. Pense quatro ‘notas’ acima e a armadura de clave cuida do resto.

Espaço vira linha e vice-versa.

F – Fá

1. Mude a armadura uma quinta justa acima. Some um sustenido ou retire um bemol.

2. Leia uma quinta justa acima. Espaço permanece espaço e linha permanece linha.

Etudes Etudes não são propriamente exercícios. Podem ser considerados como composições para o

trompete solo ou aplicações musicais visando o aprimoramento técnico e aperfeiçoamento do

executante. Etudes é uma excelente fonte de estudos para o trompetista principalmente porque são

músicas escritas especificamente para o trompete atentando nas peculiaridades do instrumento.

Dos Etudes é possível saber que nível técnico é exigido para o executante do trompete. No

repertório trompetístico são encontradas dificuldades específicas que são tratadas musicalmente

nos Etudes. Deste modo, eles também podem ser considerados como uma preparação para o

repertório característico do trompete.

Na busca da excelência, a prática de um etude interessante pode demandar uma significativa

quantidade de energia, tempo e estudo. A grande maioria dos trompetistas que chegaram ao topo

advogam a prática dessas pequenas peças. Alguém já disse que etudessão espelhos onde

enxergamos com maior precisão em que nível estamos, quais pontos fracos devem ser trabalhados

e tudo mais. Colher tais informações sobre nossa real condição como instrumentistas é muito

valorosa.

Os Etudes ainda nos leva um pouco além. Há certas dificuldades características na execução do

trompete que muitas vezes são evitadas por muitos compositores. Essas dificuldades são

deliberadamente tratadas nos Etudes e constituem um desafio para expandir as limitações técnicas

do trompetista. Alguém que se exercita com esse material terá pouca ou nenhuma dificuldade nas

peças típicas do trompete.

Page 48: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Dix Etudes de Sabarich,

32 Etudes de Hering:

15 Etudes de Balay

30 Top Tones for the Trumpeter de Walter Smith,

36 Etudes e Etudes Transcendantes de Theo Charlier,

Characteristic Studies de Clarke

34 Studies de Brandt e

100 Etudes de Sachse estão entre os melhores livros de Etudes.

Excertos Nas audições para ingresso em orquestras, excertos de peças sinfônicas são praxe. Muito tempo é

necessário para executar com a precisão exigida. Há que se debruçar sobre essas passagens e

estuda-las de maneira intensa. Para esse fim, a audição de gravações significativas é uma excelente

fonte de aprendizado. Eis o que geralmente é cobrado dentre outras coisas:

Concerto for Orchestra (Bartok)

Leonore Overture No. 3 (Beethoven)

Carmen Suite No. 1 (Bizet)

Outdoor Overture (Copeland)

Concerto in F (Gershwin)

Quinta Sinfonia (Mahler)

Pictures at an Exhibition (Moussorgsky)

Pines of Rome (Respighi)

Ein Heldenleben (Strauss)

Petrouchka (Stravisnky)

L’Histoire du Soldat (Stravisnky)

Dinâmicas Extremas Todo trompetista ambicioso também se exercita em dinâmicas extremas. Muitas vezes somos

solicitados em algum contexto musical a mostrar todo o poder do trompete. Ao se exercitar para

esse fim, a estrita observação dos períodos de descanso é um fator sine qua non para o progresso.

Vários métodos recomendam um tipo de exercício com notas longas em um registro médio onde

executante começa pianíssimo e cresce ao fortíssimo decaindo novamente ao sussurro. Por trás

desse exercício está o tipo de mobilidade e controle da abertura da embocadura que se deve

entender ao variar a intensidade do som produzido. A embocadura estará mais aberta no grave e

em momentos que tocamos mais forte. Veja que essa variação é mínima e não corresponde de

maneira nenhuma ao shift – mudança de posição do bocal para mudar dinâmica ou extensão.

O shift, ou seja, o deslocamento do bocal, é altamente desaconselhável!

Ao realizar, cuidado na afinação é um ponto a considerar. Nenhum exagero ao realizar, claro.

Page 49: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Um excelente exercício é tocar notas muito baixinho, pianíssimo. Começando apenas com ar, tente

um som com um piano extremo. Isso exercitará o controle da embocadura, o fluxo contínuo da

coluna de ar e a pronta resposta dos lábios.

Improvisação O primeiro grande benefício do estudo da improvisação é que os exercícios de escalas, arpejos,

intervalos, frases, licks, patterns etc. dedicados à fluência nesse campo, devem ser praticados em

todos os tons. O primeiro passo importante é, portanto, aprender as 12 escalas maiores – aí estão

lançadas as bases para qualquer estudo de improvisação. Conheça as escalas não apenas no padrão

‘escadinha dó-ré-mi’. Se ainda não têm essa fluência, essa deve ser sua obsessão! Ao fazê-lo, estude

também as três escalas menores – natural ou pura, harmônica e melódica. Exercite-se com o Clarke

também usando essas escalas. Conheça e pratique ainda as escalas simétricas – cromática,

hexafônica (tons inteiros) e a diminuta.

Ademais, músicos de jazz costumam ouvir e analisar a maneira que nomes como Clifford Brown,

Woody Shaw, Freddie Hubbard e Blue Mitchell tocam. Ouvir é o hábito mais saudável e a prática

de todo bom músico.

A improvisação não campo restrito do jazz. É muito comum na música brasileira, notadamente a

instrumental, que um chorus seja aberto para improvisação dos músicos. Esteja preparado com

uma bagagem que inclui conhecimento de harmonia, contextualização de estilo, fluência e

criatividade na execução de seu instrumento.

IMPORTANTE: Lembre-se que o alvo final de toda a habilidade e técnica é fazer

MÚSICA! Sem isso, todos os esforços são vãos. A interação entre o executante e a

audiência deve ser o resultado final da nossa prática.

A preparação para improvisação, além do exercícios normais de manutenção da qualidade como

instrumentista (sonoridade, articulação, flexibilidade, fluência, registros) requer estudo de escalas,

arpejos, padrões diversos (ii-V incluído), ciclos, turnarounds (cadências harmônicas típicas de

retorno no final de um tema ou seção musical), clichês (fórmulas usadas com muita freqüência)

harmônicos, melódicos e rítmicos e padrões relacionados a estilos (bebop, modal, samba, ritmos

afro-latinos, etc).

É comum também a análise e memorização de improvisos dos músicos prediletos. A audição

sistemática de gravações dos grandes nomes do jazz é condição sine qua non para desenvolver o

próprio estilo com consistência. Prática de blues, baladas, bebop, standards, música chamada

“latina” (ritmos afro-caribenhos) e peças mais “contemporâneas” é praxe.

Page 50: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

O Registro Agudo “Se os lábios permanecem flexíveis e a som não é forçado, será possível tocar facilmente qualquer

nota, não importa em que registro” Herbert L. Clarke

Bem, de início tenho que dizer que ‘chegar’ a uma nota aguda não significa ‘tocar musicalmente’ no

agudo. Já ouvi que Maynard Ferguson se exercitou na região aguda tocando o Arban uma oitava

acima. O certo é que, nessa região, praticar articulações, trilos,vibrato, fraseado e tocar

musicalmente façam Maynard ou Bill Chase diferentes!

Veja o que Maynard Ferguson falou sobre esse assunto:

“Ao chegar ao registro agudo, você deve ser capaz de tocar romântica e musicalmente – em

certas ocasiões, até mesmo pianissimo. Sonoro não significa sem beleza. Luciano Pavarotti, por

exemplo, está algumas vezes em sua maior beleza musical quando cantando fortissimo. Algumas

vezes instrumentistas que têm a habilidade de tocar no registro extremamente agudo, esquecem

que se não tocarem emocionalmente, não dominam esse registro.” [2001 Maher Publications, Inc

- Breathing Fun Into Jazz]

Sobre a prática no registro agudo não há novidades: temos que exercitar.

“Tocar consistentemente na região aguda tem muito a ver com a prática. Para tocar agudo e

manter a flexibilidade para tocar nos outros registros, o que é necessário para trabalhos de

estúdio, você tem que praticar. Eu gasto um mínimo de três horas por dia” Charley Davis

Uma questão fundamental enquanto praticamos nos registros extremos é dar um descanso

adequado aos lábios para que o tecido seja restaurado.

Há basicamente três tipos de exercícios para o agudo. Esses três diferentes ângulos de abordagem

possibilitam a facilidade para tocar em toda tessitura do trompete.

Ganhando o Feeling Exercícios onde os agudos são realizados piano. Primeiro toca-se uma oitava abaixo para ouvir a

afinação. Em seguida faz-se a oitava superior suavemente com pequena abertura e usando pouco

ar. Mais tarde pode-se colocar um crescendo para que o som ganhe mais ‘corpo’.

Page 51: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Esse exercício deve ser realizado do modo correto.

1. Faça-o piano

2. Não use ‘força bruta’. Não force.

3. Não insista na mesma nota mais que três vezes, caso não consiga na primeira tentativa.

4. Use a digitação indicada.

5. Descanse entre os exercícios.

Ganhando Potência

Exercícios que se edifica até a nota aguda, com alguma preparação.

Exercícios desse tipo são os básicos para desenvolver potência e som no registro agudo.

1. Grande respiração e peito erguido.

2. Ao chegar ao agudo, sopre confiantemente, sem medo.

3. Pense TIH (não txi) nas notas agudas.

4. Descanse entre os exercícios tanto quanto tocou.

Ganhando Precisão e Confiança

Exercícios geralmente em duas oitavas que não se edifica, que se vai ao agudo sem preparação.

Há vezes que precisamos tocar agudo sem preparação, começando diretamente nessa região.

Estudos dessa natureza exercitam para esse tipo de execução.

1. Toque a primeira nota para ouvir a afinação.

2. Respire e toque a oitava superior confiantemente.

3. Não hesite, não pense muito. Confiantemente ataque a oitava superior.

4. Descanse.

Page 52: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

Como Testar um Trompete Como testar um trompete? Essa é uma pergunta recorrente – Há que se testar a qualidade do som,

resposta, entonação (afinação) e resistência.

Veja algumas dicas que serão úteis:

1. Teste o trompete com, pelo menos, um amigo confiável. É interessante OUVIR e COMPARAR.

O som é diferente no lado da audiência.

2. Teste o trompete em diferentes lugares (inclusive onde será geralmente usado). Alguns

trompetes soam melhor em diferentes ambientes.

3. Leve consigo para o local do teste:

A. O trompete antigo (caso já tenha um) – para fazer comparações,

B. Um afinador,

C. Uma música com a qual esteja habituado (e do estilo que comumente tocará neste

trompete).

Estado visual e condição geral

Faça uma inspeção minuciosa:

� Há amassados, afundamentos, batidas, riscos ou problemas de acabamento?

� Como é a resposta das válvulas? (lubrifique, se necessário);

� As válvulas giram? Há excesso de frouxidão? Isso é altamente indesejável;

� Os capelotes, chaves d’água e bombas (curva) são móveis e funcionais?

� Há vazamentos? [retire as bombas (uma por vez) das válvulas, pressione o pistão

correspondente, coloque o dedo na saída de ar e sopre pelo leadpipe para verificar].

� Aproveite ao tirar a bomba correspondente da segunda válvula para verificar o alinhamento

desta quando pressionada.

� Verifique se as válvulas estão seladas, retirando as bombas correspondentes até a metade e,

então, pressionando o pistão correspondente. Se há um “poft”, está OK.

� Retire a bomba de afinação geral e veja se há ferrugem, corrosão ou partículas estranhas

(sujeira) no interior do leadpipe.

Tocando no trompete

� Toque notas longas no registro médio. Encontre o “centro” da nota (lugar onde a ressonância é

ótima) com pequenos bends. Toque bem suave.

Page 53: O trompete e os trompetistas - Abdalan da Gama

� Toque escalas vagarosamente indo para o registro agudo. Há uniformidade de som em toda

extensão? Articule, faça ligaduras (exercícios de flexibilidade), use shakes.

Toquepiano, toque forte. Como é a resposta?

� Verifique a afinação tocando intervalos de oitavas no registro médio. Toque a escala deSi (que é

geralmente desafinada) usando um afinador.

Faça os procedimentos acima acompanhado por um amigo que conheça bem o trompete. Peça para

ouvir em diferentes lugares da sala e faça o mesmo. Alterne tocando com o trompete seu antigo. Se

possível, teste muitos trompetes.

Abdalan da Gama