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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Siderlene Muniz-Oliveira
O trabalho representado do professor
de pós-graduação de uma universidade pública
DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
SÃO PAULO
2011
III
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Siderlene Muniz-Oliveira
O trabalho representado do professor
de pós-graduação de uma universidade pública
DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
DOUTORA em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem, sob a orientação da Profª Drª Anna
Rachel Machado.
SÃO PAULO
2011
V
Tese defendida e aprovada em ___ / ___ / ___
Banca Examinadora
______________________________________
Profª Drª Anna Rachel Machado – Orientadora
______________________________________
Prof. Dr. Tony Berber Sardinha
______________________________________
Profª Drª Maria Cecília Perez Souza-e-Silva
______________________________________
Profª Drª Lília Santos Abreu-Tardelli
______________________________________
Profª Drª Anna Maria Carmagnani
______________________________________
Profª Drª Luzia Bueno – Suplente
______________________________________
Profª Drª Sandra Madureira – Suplente
VII
Aos meus pais (in memoriam), pelo exemplo de vida.
Ao José, meu marido, pelo apoio constante.
À Vitória, minha filha, por ser a continuidade do meu ser.
IX
AGRADECIMENTOS
É difícil agradecer a todos que, de alguma forma, contribuíram para que esta tese se
realizasse, pois foram muitas as pessoas que fizeram e fazem parte da minha vida acadêmica
e/ou pessoal, que considero indissociáveis, já que o trabalho do pesquisador consiste na
mobilização do ser integral (físico, psíquico, psicológico). Trata-se de um trabalho que, na
verdade, se iniciou no mestrado e consiste em inúmeras vozes que o permeiam. Não sendo
possível nomear todos, agradeço, principalmente:
à querida orientadora, Profª Drª Anna Rachel Machado, por ter, desde o início,
acreditado no meu trabalho. Por todo o seu esforço, dedicação e exigência
fundamentais numa orientação; pelo ser humano maravilhoso que é;
ao Prof. Dr. Tony Berber Sardinha, que, em épocas difíceis, desempenhou o papel
de co-orientador, com suas instigantes perguntas que contribuíram para o meu
desenvolvimento intelectual.
aos professores doutores Elisabeth Brait, Lília Abreu-Tardelli, Joaquim Dolz,
Tony Berber Sardinha, Maria Cecília Perez de Souza-e-Silva e Luzia Bueno, que
participaram das bancas dos exames de qualificação, trazendo inúmeras
contribuições para o desenvolvimento desta pesquisa;
aos professores participantes da banca de defesa, por contribuírem com
observações e sugestões para esta pesquisa;
às colegas do grupo Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações
(Alter), com quem me relacionei durantes os anos de vida acadêmica, que muito
contribuíram com discussões sobre a minha pesquisa, como Carla Messias,
Elisabete Laureano, Márcia Donizete, Maria Christina Cervera, Daniella Barbosa,
Maria Izabel Tognato, Kátia Diolina, Sibéria Carvalho, Carla Galhardo, Marina
Buzzo, entre outras, pelas conversas na hora do café, pelo carinho e amizade, que
contribuíram com meu crescimento;
aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem (LAEL) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), em especial à Anise Ferreira, pelas discussões em disciplinas cursadas,
X
e à Profª Drª Vera Cristóvão, da Universidade Estadual de Londrina (UEL) pela
leitura da minha tese no início do doutorado.
à Ermelinda Barricelli, em especial, pela amizade, pelos momentos que passamos
juntas estudando ou trabalhando, presencialmente ou on-line, que contribuíram
muito para o meu desenvolvimento como pesquisadora e como professora;
à Maria Lúcia, secretária do LAEL, por estar sempre disposta a ajudar, mesmo
diante de tantos afazeres;
às doutoras Eliane Lousada, Lília Abreu-Tardelli e Luzia Bueno, por terem
contribuído com o meu percurso profissional-acadêmico e com quem aprendi
muito durante esses anos;
à Profª Drª Raquel Salek Fiad por ter contribuído sobremaneira com esta pesquisa;
ao Evandro Lisboa Freire, do Grupo de Estudos de Linguística de Corpus
(GELC/LAEL), por ter traduzido o resumo para o inglês, pela revisão cuidadosa
desta tese (exceto dos capítulos 3 e 4), pelas sugestões e pela amizade;
ao Adail Sobral, pelos bate-papos nos congressos, pela tradução do resumo para o
francês;
ao amigo Valdeir Del Cont, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, por ter
aceitado participar de uma pesquisa piloto mesmo antes de eu iniciar o doutorado;
às participantes de pesquisa, professoras de pós-graduação, sem as quais este
trabalho não seria possível;
ao amigo Anselmo Lima, professor da UTFPR, pelas discussões virtuais que
contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico;
ao José, meu marido, pelas discussões com olhar sociológico que contribuíram
para expandir a visão sobre a temática estudada e por ter compartilhado todos os
momentos deste trabalho;
à Vitória, minha filha, que procurava para mim os livros na minha biblioteca
enquanto eu escrevia a tese;
à minha sogra e à minha cunhada, que sempre se dispuseram a cuidar da minha
filha em inúmeras ausências durante o percurso acadêmico;
XI
aos meus familiares, que sempre incentivaram a minha vida profissional-
acadêmica;
à Capes, pela bolsa flexibilizada, sem a qual não seria possível o desenvolvimento
desta pesquisa;
a todas as vozes que, de alguma forma, ressoam nesta tese.
XIII
Todos aqueles que trabalham, que executam tarefas
como assalariados ou não, merecem ter no seu
trabalho não apenas um meio de ganhar a vida, mas
um meio de desenvolvimento pessoal e social.
(SZNELWAR, 2001)
XV
SUMÁRIO
Lista de figuras .....................................................................................................................XIX
Lista de quadros ....................................................................................................................XXI
Lista de tabelas ...................................................................................................................XXIII
Resumo ................................................................................................................................XXV
Abstract .............................................................................................................................XXVII
Résumé ...............................................................................................................................XXIX
Introdução ..........................................................................................................................XXXI
CAPÍTULO 1 – CONCEPÇÕES DE TRABALHO E DE TRABALHO DOCENTE ..............1
1.1. O trabalho na visão ergonômica ..........................................................................................2
1.2. O real da atividade para a Clínica da Atividade ..................................................................7
1.3. O trabalho como forma de agir na abordagem do ISD .....................................................13
1.4. Concepção do trabalho do professor sob uma visão interdisciplinar ................................18
CAPÍTULO 2 – A PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU NO BRASIL
E O PAPEL DO PROFESSOR DE PÓS-GRADUAÇÃO.......................................................27
2.1. História da pós-graduação no Brasil: da sua regulamentação ao século XXI ...................27
2.2. O Sistema de Avaliação da Capes e os critérios de avaliação
da área Letras/Linguística ........................................................................................................35
CAPÍTULO 3 – AGIR, LINGUAGEM E LINGUAGEM E DESENVOLVIMENTO
HUMANO: UMA ABORDAGEM INTERACIONISTA SOCIODISCURSIVA ..................43
XVI
3.1. As condutas humanas, a interação sócio-histórica e os instrumentos semióticos para o
interacionismo social ................................................................................................................44
3.2. O agir de linguagem e o desenvolvimento numa abordagem interacionista
sociodiscursiva ........................................................................................................................ 48
3.2.1. O agir e a linguagem ................................................................................................50
3.3. Atividade de linguagem e desenvolvimento humano........................................................56
CAPÍTULO 4 – O QUADRO DE ANÁLISE DE TEXTOS DO ISD .....................................61
4.1. O texto empírico e o tipo de discurso ...............................................................................61
4.2. Os elementos do contexto de produção ............................................................................67
4.3. Os elementos do nível organizacional ..............................................................................71
4.4. Os elementos do nível enunciativo ...................................................................................80
4.5. Os elementos do nível semântico ......................................................................................84
CAPÍTULO 5 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................ 93
5.1. A seleção dos participantes da pesquisa ...........................................................................93
5.2. As participantes da pesquisa .............................................................................................95
5.3. A instrução ao sósia ..........................................................................................................96
5.4. Procedimentos de geração dos dados ................................................................................99
5.5. Perguntas de pesquisa .....................................................................................................102
5.6. Procedimentos de análise ................................................................................................103
5.6.1. Análise do contexto de produção do texto ..............................................................103
5.6.2. Análise dos três níveis textuais: organizacional, enunciativo e semântico .............104
CAPÍTULO 6 – DISCUSSÃO E RESULTADOS DAS ANÁLISES DE DADOS ..............109
6.1. O contexto de produção do texto ....................................................................................109
XVII
6.2. As atividades da professora de pós-graduação tematizadas ............................................111
6.3. Actantes postos em cena no texto analisado....................................................................126
6.4. As funções atribuídas ao professor de pós-graduação ....................................................144
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................151
Referências .............................................................................................................................161
Anexos ...................................................................................................................................177
XIX
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 – Os elementos do trabalho ..................................................................................... 9
Figura 1.2 – Elementos constituintes do trabalho do professor
em situação de sala de aula ......................................................................................................22
Figura 1.3 – O conjunto possível de atividades do trabalho do professor que pode
ser detectado nas pesquisas ......................................................................................................23
Figura 5.1 – Conjunto de dados possíveis para a interpretação do agir
em textos sobre o trabalho .......................................................................................................98
Figura 6.1 – Actantes identificados no texto analisado .........................................................134
Figura 6.2 – As múltiplas funções atribuídas ao professor de pós-graduação .......................147
Figura 6.3 – Elementos constituintes da atividade de orientação ..........................................148
XXI
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – 1o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 30 jul. 2008 ..........................179
Quadro 2 – 2o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 31 jul. 2008 ..........................180
Quadro 3 – 3o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 31 jul. 2008 ..........................181
Quadro 4 – 4o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 15 out. 2008 ..........................182
Quadro 5 – 5o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 15 out. 2008 ..........................183
Quadro 6 – 6o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 16 out. 2008 ..........................184
Quadro 7 – 7o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 17 out. 2008 ..........................184
Quadro 8 – 8o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 26 out. 2008...........................185
Quadro 9 – 9o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 26 out. 2008 ..........................186
XXIII
LISTA DE TABELAS
Tabela 4.1 – Sequências, representações dos efeitos pretendidos e fases correspondentes .....77
Tabela 5.1 – As atividades elencadas no e-mail pela professora da Unicamp .......................101
Tabela 5.2 – Exemplo de uma função atribuída ao professor e os elementos do trabalho
docente ...................................................................................................................................107
Tabela 6.1 – Levantamento quantitativo e percentual das palavras .......................................115
Tabela 6.2 – Plano global da instrução ao sósia e da entrevista aberta ..................................116
Tabela 6.3 – Exemplos dos tipos de agir ...............................................................................121
Tabela 6.4 – As atividades agradáveis representadas.............................................................131
Tabela 6.5 – As atividades desagradáveis representadas........................................................132
Tabela 6.6 – A quantidade e a porcentagem de actantes no texto analisado.........................135
Tabela 6.7 – Tipos de atividades e as funções atribuídas ao professor de pós-graduação......144
XXV
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo contribuir com uma reflexão sobre o trabalho do professor de
pós-graduação stricto sensu, por meio da análise e interpretação das representações
construídas sobre o trabalho docente em um texto produzido por uma professora que atua em
uma universidade pública, a fim de trazer à cena o real da atividade que ela desenvolve.
Pesquisas revelam a problemática da profissão do professor de pós-graduação, sugerindo que
ele é atingido pelo “mal-estar docente” gerado pela pressão para desenvolver várias atividades
prescritas pela universidade e pelas agências de fomento à pesquisa, sendo a produtividade e a
eficiência mensuradas em índices. Essa sugestão nos leva à hipótese de que esse “mal-estar”
deve se manifestar de alguma forma em textos nos quais o professor descreve o seu próprio
trabalho.
Para verificar essa hipótese, seguimos o interacionismo sociodiscursivo (ISD), que atribui ao
agir e à linguagem papel fundamental no desenvolvimento humano. Para essa abordagem, o
trabalho é definido como uma forma de agir cujas representações são construídas na e pela
linguagem, sendo concebido como um dos lugares centrais de aperfeiçoamento do ser humano
na sociedade atual. Assim, ao estudarmos textos que trazem representações sobre o trabalho
do professor de pós-graduação, estamos também contribuindo para uma melhor compreensão
de como se dá esse desenvolvimento pessoal e profissional nas situações de trabalho.
Além do ISD, adotado como quadro teórico-metodológico, baseamo-nos em outras disciplinas
que também vêm estudando situações de trabalho, como a Ergonomia da Atividade e a
Psicologia do Trabalho, especificamente a Clínica da Atividade. Pressupostos da análise de
discurso da linha francesa complementam a análise de dados.
Para a geração do texto em análise utilizamos um procedimento denominado instrução ao
sósia com uma professora experiente da área de estudos da linguagem que atua em uma
universidade pública. Por meio desse procedimento, a professora vivenciou uma experiência
ao dar instruções a esta pesquisadora sobre o modo de realizar as suas atividades de trabalho.
Para complementá-lo, utilizamos, também, uma entrevista aberta.
A análise do texto transcrito gerado para esta pesquisa possibilitou-nos ter acesso à
multiplicidade de tarefas desenvolvidas pela professora, assim como aos gestos de seu métier
(ofício). Foram evidenciadas, ainda, as dificuldades para desenvolver as atividades e as
alternativas para superá-las, sendo colocados em cena os diferentes modos de agir da
professora, assim como o sofrimento gerado para a realização das atividades e as dimensões
envolvidas no trabalho. Além disso, essa análise evidencia as diferentes funções
desempenhadas pelo professor de pós-graduação, assim como os elementos do trabalho
docente envolvidos em cada uma delas. Tudo isso revela a complexidade do trabalho desse
professor, pois ele tem de saber gerenciar inúmeros elementos.
Esta tese consiste, de modo geral, na ideia de que a multiplicidade de tarefas desenvolvidas
pelo professor de pós-graduação da área de estudos da linguagem prejudica o
desenvolvimento das atividades de pesquisa e de ensino prescritas em documentos oficiais
que regem sua profissão, principalmente aqueles que se dizem avaliativos. Esse fato nos
obriga a refletir em busca de alternativas para sanar os problemas identificados.
Palavras-chave: trabalho docente, pós-graduação, representações, real da atividade, método
de instrução ao sósia.
XXVII
ABSTRACT
This research aims at contributing to a reflection on the teacher’s job at the stricto sensu
graduate level through the analysis and interpretation of representations about the teaching
work expressed in a text produced by a professor who teaches at a public university, in order
to raise the real work activity she develops.
Some researches reveal the complex issues involved in the work of graduate professor and
suggest that he/she is affected with the “teaching discomfort” due to the pressure to perform
many tasks prescribed both by the university and the research funding agencies, which
measure productivity and efficiency through indexes. This suggestion leads us to the
hypothesis that this “discomfort” should be expressed somehow in the texts where the
professor describes her/his own job.
In order to investigate this hypothesis, we adopt the socio-discursive interactionism (SDI),
which attributes to acting and language a fundamental role in human development. According
to this approach, job is defined as a way of acting whose representations are expressed in and
through language, and it is considered a major human being improvement center in current
society. Thus, studying texts with representations about the job of graduate professor, we also
contribute to a better understanding of how this personal and professional development occurs
in working situations.
Besides SDI, adopted as theoretical and methodological framework, our research is based on
other disciplines which study working situations, as Activity Ergonomics and Labor
Psychology, particularly the Activity Clinic. Tenets of the French inspired discourse analysis
complement the data analysis.
To generate the text under analysis we employed a procedure called instruction to the double
with an experienced professor of the field of language studies who teaches at a public
university. Through this procedure, she lived an experience providing this researcher with
instructions on how to perform her work activities. In order to complement this procedure, we
also used an open interview.
The analysis of the text transcribed for this research allowed us to access the multiplicity of
tasks carried out by the professor, as well as the gestures of her métier (job). The difficulties
to perform the activities and the alternative ways to overcome them were also evidenced,
bringing about the professor’s distinct modes of acting and the uneasiness due to the tasks and
the dimensions involved in the job. Moreover, this analysis evidenced the diverse functions of
the graduate professor and the elements of the teaching work involved in any of them. All this
reveals the complex nature of this teacher’s job, since she/he should know how to manage
innumerous elements.
This thesis consists, in a general sense, in the idea that the multiplicity of tasks performed by
the teacher at the graduate level in the field of language studies impairs the performance of
research and teaching activities prescribed in the official documents ruling her/his profession,
mainly those intending to be seen as evaluative ones. Regarding this fact, we should reflect in
search of alternative ways to solve the problems identified.
Keywords: teaching work, graduate education, representations, real work activity, method of
the instruction to the double.
XXIX
RÉSUMÉ
Cette recherche a pour but présenter une réflexion sur le travail du professeur des cours de
post-graduation stricto sensu par le moyen de l'analyse et de l'interprétation des
représentations construites sur le travail d'enseignement dans un texte produit pour un
professeur qui travaille à une université publique, afin d'apporter à la scène le réel de l'activité
qu'il développe.
Il-y-a des recherches qui révèlent la problématique de la profession du professeur de post-
graduation, suggérant qu'elle soit atteinte par “la malaise de enseignement” produite par la
pression de développer quelques activités prescrites pour l'université et des agences de
promotion des recherches, dont la productivité et l'efficacité son mensurées par le moyen des
indexes. Cela nos a suggéré l'hypothèse selon lequel cette “malaise” peut se révéler d'une
certaine façon dans des textes où le professeur décrit son travail.
Le travail se base sur l’interactionnisme socio-discursif (ISD), qui attribue au agir et au
langage un rôle vital dans le développement humain. Pour l'ISD, le travail est défini comme
une manière d'agir dont les représentations sont construits dans et par le langage, étant conçu
comme un des endroits essentiels pour le perfectionnement des êtres humains dans la société.
Ainsi, en étudiant les textes qui apportent des représentations sur le travail du professeur
recherché, nous contribuons également pour un meilleur compréhension du développement
personnel et professionnel dans des situations de travail.
Au delà de l'ISD, adopté comme le fondement théorétique-méthodologique, le travail
considere d'autres outils de recherche sur des situations de travail, comme l'ergonomie de
l'activité et la psychologie du travail, spécifiquement la clinique de l'activité. Des presuposés
de l'analyse du discours française ont aidé notre analyse.
Pour la génération du texte analysé nous employons le procédure d’instruction au sosie avec
un professeur expériencé du domaine d'études du langage travaillant à une université
publique. Au moyen de ce procédé, le professeur a vécu profondément une expérience en
donnant des instructions au chercheur sur le séquence de tâches qui constituent ses activités
de travail. Nous employons aussi une entrevue ouverte.
L'analyse du texte transcrit a rendu possible l'accès à la multiplicité de tâches développées
pour le professeur, comme les gestes de son métier. Des difficultés dans la réalisation des
activités et des efforts pour les surpasser, et ont a pu observer les différentes manières d'agir
du professeur, comme la souffrance générée par l'accomplissement des activités et des
dimensions impliquées dans le travail. D'ailleurs, cette analyse démontre les différentes
fonctions jouées pour le professeur, aussi bien des éléments qui constituent le travail
d'enseignement dans chacun des fonctions. L'étude a révèle la complexité du travail du
professeur, qui doit développer la capacité de gérer des éléments innombrables.
Notre thèse consiste essentiellement dans l'idée que la multiplicité de tâches développées pour
le professeur étudié nuit le développement des activités de recherche et de l'enseignement
prescrites dans des documents officiels qui constituent des prescriptions pour sa profession,
principalement ceux caractérisées comme évaluatives. L'étude montre qu'il nous faut chercher
des solutions pour bien résoudre les problèmes identifiés.
Mots-clefs: travail d'enseignement, port-graduation, représentations, réel de l'activité,
méthode d’instruction au sosie.
XXXI
INTRODUÇÃO
Nesta introdução, primeiramente, apresentaremos o objetivo desta tese e trataremos da
trajetória acadêmica que nos motivou a estudar o tema, indicando a problemática mais ampla
na qual este estudo se insere. Na sequência, apresentaremos, de modo conciso, o quadro
teórico que a embasa. Por fim, apresentaremos a questão mais ampla de pesquisa e a
organização da tese.
O objetivo desta tese é identificar e discutir como o trabalho do professor se configura
em um texto produzido por uma docente de pós-graduação em situação de pesquisa. Ela está
integrada aos estudos do grupo Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações
(Alter), que tem como objetivo central “desenvolver um aprofundamento teórico-
metodológico sobre as relações entre linguagem/trabalho educacional tomadas no quadro da
problemática maior das relações entre discursos, atividades sociais e ações” (MACHADO,
2003, p. 5).
Em 2002 ingressei1 como aluna de mestrado no Programa de Estudos Pós-Graduados
em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (LAEL/PUC-SP), instituto em que a análise da linguagem é foco central, sendo
marcada pela transdisciplinaridade. Na disciplina “Tópicos em Linguística do Trabalho e
Disciplinas Conexas”, ministrada no primeiro semestre de 2003 pela Profª Drª Anna Rachel
Machado, coordenadora do grupo Alter, e pela Profª Drª Maria Cecília Souza-e-Silva,
coordenadora do grupo Atelier Linguagem e Trabalho, conheci pressupostos oriundos de
outras disciplinas, como a Psicologia do Trabalho, especificamente a da Clínica da Atividade,
coordenada pelo pesquisador Yves Clot (2000, 2001, 2006, 2010) do Conservatoire des Arts
et Métiers2 (CNAM) de Paris, e, também, os pressupostos seguidos pelo Grupo Ergonomie de
l’Activité des Professionnels de l’Education3 (Ergape) de Marselha, França, do qual fazem
parte René Amigues (2002, 2003, 2004), Frédéric Saujat (2002, 2004) e Daniel Faïta (2002,
2004), entre outros. Nessa disciplina tive contato com pesquisas que se centram em estudos
sobre o trabalho e que utilizam aportes desses pesquisadores, podendo-se citar, dentre elas, as
de pesquisadores do exterior, como de Schwartz (1996), Boutet (1993), Guérin et al. (2001), e
1 Utilizaremos a primeira pessoa do singular quando se tratar do histórico pessoal/acadêmico desta pesquisadora.
2 Conservatório de Artes e Ofícios.
3 Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação.
XXXII
as do Brasil, especificamente as desenvolvidas no LAEL/PUC-SP sobre diferentes situações
de trabalho, como sobre o Mercosul e o mundo do trabalho (SANT’ANNA, 2002), como em
hospital (FRANÇA, 2002), em empresa terceirizada que vende cartões de crédito
(ALGODOAL, 2002), em escola (KAYANO, 2005), em empresa jornalística
(NASCIMENTO, 2008), entre outras. A partir dessas pesquisas percebi que a atividade de
linguagem e a atividade de trabalho estão intrinsecamente ligadas, pois as trocas no trabalho
são realizadas na e pela linguagem. Comecei a me interessar também pela temática
linguagem, trabalho e educação a partir dos artigos de pesquisadores brasileiros e estrangeiros
publicados em 2004 no livro O ensino como trabalho, organizado pela Profª Drª Anna Rachel
Machado, que discutem a questão do trabalho do professor, incluindo pressupostos das
disciplinas do trabalho abordadas anteriormente. Nesse período, como integrante do grupo
Alter, tive acesso, ainda, a pressupostos teóricos do interacionismo sociodiscursivo (ISD)
(BRONCKART, 1999, 2006, 2008), que é uma vertente da psicologia vigotskiana, como
veremos mais adiante.
No mestrado, desenvolvi um trabalho no qual analiso verbos de dizer em resenhas
acadêmicas produzidas por professores-pesquisadores e publicadas em revistas científicas
(MUNIZ-OLIVEIRA, 2004), fato este que me levou ao interesse pelo tema “trabalho do
professor de pós-graduação”, já que produzir resenhas é uma das atividades referentes à
pesquisa desenvolvida por esse profissional. Nessa época, estudar as relações entre linguagem
e trabalho no ensino superior parecia instigante para compreender as outras atividades que o
professor desenvolve.
Ingressei no doutorado em 2007 apresentando um projeto sobre o tema o trabalho do
professor de pós-graduação, pois realmente estava interessada em compreender como se
organiza o trabalho do docente nesse nível de ensino, pois, as discussões com a minha
orientadora, os bate-papos informais com outros professores de pós-graduação e a tese de
Alvarez (2000), que abordaremos mais adiante, indicavam uma problemática da profissão
desse docente, já que parecia haver dificuldades para o professor gerenciar todas as atividades
prescritas a ele por haver um acúmulo de trabalho que atualmente recai sobre o docente de
pós-graduação. Isso nos fez levantar a hipótese de que o número de atividades que o professor
precisa desenvolver acaba prejudicando a qualidade, além de levar o professor ao sofrimento
no trabalho.
No doutorado tive acesso a textos dos integrantes do grupo Alter sobre o trabalho do
professor, tanto referentes a situações naturais de atividade docente como a atividades de
XXXIII
pesquisa por indução do pesquisador. Podemos citar como exemplo as teses de Lousada
(2006), Abreu-Tardelli (2006) e Mazzillo (2006) e as dissertações de mestrado de Correia
(2007) e Barricelli (2007), e, ainda, os artigos de Bronckart e Machado (2004), Machado e
Cristóvão (2005) e Machado e Bronckart (2005), entre outros, que têm como quadro teórico
principal o ISD, que já tinha fornecido os subsídios necessários à minha pesquisa de
mestrado. Além disso, tive acesso a pesquisas do grupo LAF (Language, Action et
Formation4), da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de
Genebra, dirigido pelo Prof. Dr. Jean-Paul Bronckart, ao qual os pesquisadores do grupo Alter
são associados,5 e com o qual a PUC-SP mantém acordos institucionais, tendo se voltado,
recentemente, para pesquisas em situações de trabalho (BRONCKART, 2006, 2008;
BRONCKART; BULEA; FRISTALON, 2005; BULEA, 2007).
Com as leituras e com as discussões nos seminários e reuniões do grupo Alter fui
aprimorando meus conhecimentos sobre o quadro do ISD, até compreender que os textos são
considerados a materialização da ação humana. Sendo assim, ao interpretar um texto, nessa
abordagem, estamos interpretando as figuras de agir, ou formas de agir, que o texto contém, e,
portanto, aspectos da ação humana.6 Dessa forma, podemos interpretar o trabalho a partir de
textos que, de alguma maneira, versam sobre ele, o que nos levará ao trabalho interpretado.
Nesse período, foi possível conhecer instrumentos de geração de dados procedentes da
Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade,7 utilizados pelos grupos Atelier e Alter,
como os instrumentos de coleta denominados autoconfrontação,8 que foi utilizado nas
pesquisas de Lousada (2006) e Buzzo (2008), e instrução ao sósia,9 utilizado por Tognato
(2009) e nas teses de Carvalho (2009) e Lopes-Dias (2010). Interessei-me pela instrução ao
sósia quando participei de um curso no 1o semestre de 2004 na PUC-SP, ministrado pelo Prof.
Dr. René Amigues, que atua no Instituto Universitário de Formação de Professores de Aix-
Marseille, e que fez uma simulação da instrução ao sósia nessa oportunidade, o que mostrou
4 Linguagem, Ação e Formação.
5 Ver site, disponível em: <http://fapsesrvnt2.unige.ch/Fapse/didlang.nsf?OpenDatabase>. Acesso em: 20 ago.
2008. 6 No Capítulo 3 esses pressupostos serão explicados detalhadamente.
7 Essas duas disciplinas serão abordadas no Capítulo 1.
8 A autoconfrontação, que pode ser simples ou cruzada, segue uma perspectiva vigotskiana e bakhtiniana, e
consiste numa técnica de filmagem das sequências de atividade de trabalho para que possam ser vistas e
analisadas pelo pesquisador e pelos trabalhadores em questão (CLOT et al., 2001). 9 A instrução ao sósia é um procedimento de geração de dados a partir do qual o pesquisador se coloca na
posição de sósia do sujeito de pesquisa, que deve dar instruções para que ele (sósia) possa realizar suas
atividades no trabalho de forma que ninguém perceba a mudança. No Capítulo 5 abordaremos em detalhe a
instrução ao sósia, pois é o procedimento principal que utilizamos para gerar nossos dados.
XXXIV
que a partir desse instrumento é possível colocar em cena os detalhes de uma atividade a ser
realizada.
Tive acesso também, na disciplina citada no início desta introdução, à tese de Denise
Alvarez (2000),10
intitulada A temporalidade, a organização do trabalho e a avaliação da
produção acadêmica: o caso do Instituto de Física da UFRJ, desenvolvida no programa de
Engenharia da Produção da UFRJ. Essa tese, em particular, por tratar do tema “produção
acadêmica”, chamou-me muito a atenção pelos depoimentos dos professores-pesquisadores e
de editores de revistas científicas, que abordam a problemática da produção de textos
acadêmicos nessa era de produtividade e competitividade do mundo do trabalho. Com a
leitura da tese de Alvarez (2000), que mostra que os professores-pesquisadores atuam em dois
sistemas (o da universidade e o das agências de fomento), e, paralelamente a isso, as
discussões com a minha orientadora, que comentava sobre o excesso de atividades que os
professores têm de realizar na/para a universidade, interessei-me ainda mais pelo tema do
trabalho do professor de pós-graduação. Senti-me, então, instigada a desenvolvê-lo,
posteriormente, no doutorado, visando a compreender a complexidade desse trabalho.
É a partir do contexto explicitado anteriormente que surgiu o interesse em realizar uma
pesquisa de doutorado sobre o grande tema “o trabalho docente no ensino superior”,
utilizando como base teórica pressupostos do ISD, da Ergonomia da Atividade Docente e da
Clínica da Atividade. Para prosseguir com a pesquisa, busquei estudos que tratassem desse
tema, encontrando algumas pesquisas que abordam a grande temática “educação superior no
Brasil”, como os livros Docência no ensino superior, de Selma Pimenta e Lea das Graças
Camargos Anastasiou, de 2002, e Universidade: políticas, avaliação e trabalho docente,
organizado por Deise Mancebo e publicado em 2004, composto por vários artigos que
enfocam as reformas do Estado e políticas para o setor da educação superior, incluindo as
políticas científicas e práticas de pesquisa; a questão da avaliação, gestão e financiamento na
educação superior e a questão da formação e trabalho do docente do ensino superior. Essas
pesquisas citadas revelam a problemática da profissão do professor de pós-graduação, tanto
do ensino público como do privado, o que mostra que ele parece ser atingido pelo chamado
“mal-estar docente”11
já que seu trabalho caracteriza-se por uma complexidade de atividades
que são prescritas pelas instituições governamentais, sobretudo pelos órgãos de fomento à
pesquisa, e pelas próprias universidades onde atua.
10
Tese indicada pela Profª Drª Maria Cecília Souza-e-Silva, a quem agradeço. 11
Termo empregado por J. M. Esteves, que contribuiu para divulgar na Espanha os problemas psicológicos do
professor (GIL-VILLA, 1998).
XXXV
Visando a estudar essa problemática, esta pesquisa alia pressupostos teórico-
metodológicos oriundos de uma vertente do interacionismo social, o ISD (BRONCKART,
1999, 2006, 2008) e das disciplinas do trabalho, como a Ergonomia da Atividade e a
Psicologia do Trabalho. Nesse quadro, o ISD, como vertente da psicologia vigotskiana, tem
como objetivo maior investigar a problemática do agir humano, tendo se voltado, mais
recentemente, a estudar o agir no trabalho. Diferente de outras vertentes, o ISD dá ênfase
especial à linguagem e considera que as representações construídas nos e pelos textos têm um
papel muito importante no desenvolvimento humano. Segundo Bronckart e Machado (2004),
a análise de textos sobre a relação entre linguagem e trabalho possibilita a compreensão do
trabalho do professor em relação a aspectos das interpretações/representações/avaliações que
socialmente se constroem sobre o agir concreto. Podemos considerar representações sociais o
conjunto de crenças, conhecimentos e opiniões que são produzidas e partilhadas pelos
indivíduos de um mesmo grupo a respeito de determinado objeto social (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2008). As representações sociais, que se materializam nas produções
textuais, são apropriadas pelos indivíduos, constituindo-se em representações individuais,
tornando-se uma espécie de guias para ações futuras. As representações sobre a realidade só
podem ser acessadas nos e pelos textos. Portanto, as representações veiculadas não são cópias
nem reflexo da realidade, pois a linguagem não espelha, ela materializa representações, que
são sociais. Assim, as representações são versões da realidade, sócio-historicamente
construídas, como detalharemos no Capítulo 3. Desse modo, podemos entender melhor o
trabalho a partir das representações que se constroem nos e pelos textos sobre determinada
atividade, no nosso caso, o trabalho educacional.
Além da abordagem do ISD, partiremos da Ergonomia da Atividade, vertente da
Ergonomia, representada pelo grupo Ergape (AMIGUES, 2002, 2004; SAUJAT, 2002, 2004),
e da Psicologia do Trabalho, especificamente a Clínica da Atividade (CLOT, 2001, 2006,
2010; CLOT; FAÏTA, 2000; FAÏTA, 2002, 2004; ROGER, 2007; SCHELLER, 2001, 2003),
que desenvolvem pesquisas sobre diferentes situações de trabalho, tendo contribuído com
vários conceitos sobre o trabalho (trabalho prescrito, trabalho realizado, real da atividade),
fundamentais para esta pesquisa, que serão discutidos no Capítulo 1.
Assim, nesta pesquisa, trabalharemos com essas três linhas de pesquisa, uma vez que
elas se baseiam no mesmo referencial teórico, adotando Bakhtin (Ergonomia da Atividade e
Clínica da Atividade) e Voloshinov (ISD) para questões da linguagem e Vigotski para
questões de ordem psicológica, como veremos no Capítulo 3. Além disso, partem do
XXXVI
pressuposto, o qual compartilhamos, de que é necessária uma abordagem transdisciplinar em
Ciências Humanas/Sociais, e não uma divisão de disciplinas que têm em comum o humano e
o social. Desse modo, essas três abordagens consideram a necessidade das disciplinas se
apoiarem umas nas outras para que possam explicar e compreender melhor os complexos
fenômenos humanos. Especificamente, nossa pesquisa se constitui dentro do campo da
Linguística Aplicada, na qual a análise da linguagem é foco central, sendo marcada pela
transdisciplinaridade e privilegiando a compreensão das relações entre linguagem e trabalho
educacional.
Partimos do princípio de é necessário ouvir a voz do próprio trabalhador, nesse caso
específico a do docente de pós-graduação, para tentarmos compreender como se configura o
seu trabalho a partir de textos produzidos por ele mesmo. Consideramos que as análises de
diferentes textos sobre o trabalho podem fornecer uma nova compreensão sobre o trabalho do
professor, nesse caso específico em relação a aspectos das representações que socialmente se
constroem sobre ele. Segundo Bronckart e Machado (2004), compreender as representações
sobre as ações, sua motivação, sua finalidade e a responsabilidade que o professor assume
implica assumirmos que a análise dessa rede discursiva pode nos trazer a sua compreensão. A
análise de textos produzidos pelo próprio professor permite compreender como ele realiza,
interpreta e avalia o seu trabalho, possibilitando desvendar os modos de agir (o como fazer) e
seu cotidiano.
Mesmo com a existência de estudos em diferentes ramos disciplinares, como os que
citamos anteriormente, não encontramos pesquisas que abordem as atividades desenvolvidas
pelo professor de pós-graduação stricto sensu com o olhar do linguista aplicado, associado ao
do ISD, da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade, em uma abordagem discursiva.
Desse modo, acreditamos que esta pesquisa seja relevante para compreender como se
configura o trabalho do professor de pós-graduação, levando-se em conta não somente a
atividade de docência, mas outras atividades que, a partir do contato com professores e de
nossas pesquisas, sabemos que ele realiza.
A partir dos pressupostos teóricos mencionados, propomos responder a pergunta mais
ampla de pesquisa, que será desmembrada em questões específicas no Capítulo 5:
Quais são as representações sobre o trabalho docente construídas nos e pelos
textos produzidos por uma professora de pós-graduação de uma universidade
pública?
XXXVII
Para responder a essa pergunta, utilizamos um tipo de procedimento desenvolvido pela
equipe da Clínica da Atividade (CLOT, 2006, 2010), denominado instrução ao sósia, sendo
complementado por uma entrevista aberta com uma professora de pós-graduação de uma
universidade pública. Na instrução ao sósia, o pesquisador/psicólogo se coloca na posição de
sósia-substituto do participante de pesquisa, pedindo que este lhe dê instruções para realizar
uma atividade de trabalho, possibilitando trazer à tona especificidades da situação de trabalho,
conflitos, impedimentos e dificuldades para a realização da atividade. Desse modo, partimos
da hipótese de que os conflitos vividos, os impedimentos do agir, as múltiplas tarefas
atribuídas ao docente de pós-graduação stricto sensu12
podem se manifestar em textos nos
quais o professor comenta/descreve/aborda o seu próprio trabalho, pois são nos e pelos textos
que podemos ter acesso às representações.
Ligada ao objetivo e à questão de pesquisa, a tese que buscamos desenvolver
consiste na ideia de que o professor de pós-graduação, nesse caso da área da linguagem,
desenvolve uma multiplicidade de atividades complexas – pressionado pela universidade e
pelas agências de fomento –, o que prejudica o desenvolvimento das atividades de pesquisa
e de ensino e contribui para ameaçar a qualidade dos trabalhos desenvolvidos, além de levar
o professor ao sofrimento no trabalho.
Embora integrantes do grupo Alter tenham desenvolvido diferentes pesquisas sobre o
trabalho docente, tendo trazido muitas contribuições, elas se centram em outros níveis de
ensino e/ou utilizam outros métodos de geração de dados. Além disso, esta pesquisa difere
das outras da área da Educação ou das Ciências Sociais/Humanas, citadas anteriormente,
porque faz a mediação entre o conhecimento proveniente de várias disciplinas, como já
mencionado, utilizando a materialidade linguística como forma de possibilidade de
compreensão, inserindo-se na área da Linguística Aplicada.
A pesquisa de Alvarez (2000), por exemplo, analisa entrevistas produzidas por
professores de pós-graduação, porém, a sua investigação não tem como base a materialidade
linguística e foi desenvolvida na área de Engenharia da Produção, utilizando pressupostos da
Ergonomia e da Ergologia. Não encontramos, também, registros de pesquisas sobre o
trabalho do docente de pós-graduação stricto sensu no campo transdisciplinar da Linguística
Aplicada.
12
A pós-graduação divide-se em lato sensu, que se refere aos cursos de especialização e aperfeiçoamento e
stricto sensu, que se refere aos programas de mestrado e doutorado.
XXXVIII
Consideramos, assim, que este estudo possa contribuir para uma melhor compreensão
das representações sobre as atividades realizadas pelo docente de pós-graduação, a partir da
análise da linguagem, nessa era de profundas transformações pela qual a sociedade vem
passando, que tem como resultado a ênfase na produtividade que acarreta excesso de trabalho
e de exigências. Assim, ela pode ampliar os estudos existentes sobre a temática, contribuindo
para que as instâncias superiores de pós-graduação no Brasil repensem a forma de
organização do trabalho do professor, tendo em vista preservar a qualidade do trabalho
docente. Além disso, esperamos trazer contribuições teórico-metodológicas no que se refere à
forma de geração de dados e aos procedimentos de análise para o grupo Alter e para outros
grupos que estudam a questão do trabalho, num momento em que se busca a compreensão do
trabalho do professor, visando ao desenvolvimento de capacidades do profissional docente.
Para atingir nosso objetivo, dividimos nossa tese em cinco partes. No Capítulo 1, para
que possamos compreender o trabalho do professor de pós-graduação, faremos um percurso
histórico da pós-graduação no Brasil, desde a sua regulamentação até o século XXI, tentando
resgatar o papel do professor de pós-graduação em documentos oficiais. Com as mudanças
ocorridas, evidenciam-se vários instrumentos avaliativos como forma de controlar os
resultados de trabalho do professor universitário. Assim, abordaremos o órgão de fomento
Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), seu sistema de
avaliação e os critérios utilizados na avaliação trienal 2010 (2007-2009) para a grande área
Letras/Linguística, na qual a participante desta pesquisa está inserida.
Após essa apresentação, discutiremos, no Capítulo 2, pesquisas que embasam a nossa
concepção de trabalho, em geral, e de trabalho docente, em específico. Para isso, empregamos
pressupostos da Ergonomia da Atividade, da Clínica da Atividade e do ISD, que desenvolvem
conceitos fundamentais para a compreensão de uma das formas de agir humano, que é o
trabalho.
Para a compreensão do agir humano materializado em textos, apresentaremos, no
Capítulo 3, o quadro teórico do ISD, já que ele nos fornece uma visão clara da linguagem
como um agir, discutindo seu papel (linguagem) para as avaliações e interpretações desse agir
em textos. Além disso, esse quadro nos fornece um modelo de análise de textos do ponto de
vista contextual, organizacional, enunciativo e semântico, que será apresentado no Capítulo 4,
o que permite analisar as representações sobre o trabalho.
XXXIX
Após a apresentação da abordagem teórica e do modelo de análise, centramo-nos nos
procedimentos metodológicos utilizados para a realização desta pesquisa. Desse modo, o
Capítulo 5 é dedicado à descrição do contexto de pesquisa, à apresentação das perguntas
específicas de pesquisa e à exposição dos procedimentos de geração de dados e de análise
utilizados neste estudo.
Expostos os procedimentos utilizados, no Capítulo 6 apresentaremos os resultados das
análises, visando responder às questões de pesquisa descritas no Capítulo 5, sendo abordados
os temas mobilizados no texto analisado e as representações construídas referentes às
atividades de trabalho do professor de pós-graduação stricto sensu.
Por fim, nas Considerações finais retomaremos os resultados das análises, procurando
fazer uma reflexão sobre as representações a respeito do trabalho docente e apresentando
observações para pesquisas futuras.
1
CAPÍTULO 1
CONCEPÇÕES DE TRABALHO E DE TRABALHO DOCENTE
[...] o trabalho é uma base que mantém
o sujeito no homem, visto que é a
atividade mais transpessoal possível.
(CLOT, 2006)
Para identificar as representações construídas nos e pelos textos sobre o trabalho do
professor consideramos necessário compreender qual é a concepção de trabalho, em geral, e
de trabalho docente, em particular, assumida nesta tese.
Para tanto, adotamos como referenciais teóricos estudos de Ergonomia da Atividade
(FERREIRA, 2001, 2008; GUÉRIN et al., 2001; AMIGUES, 2002, 2004; SAUJAT, 2002,
2004), de Clínica da Atividade (CLOT, 2001, 2006, 2010; ROGER, 2007) e de
interacionismo sociodiscursivo (ISD) (BRONCKART, 2006, 2008; MACHADO;
BRONCKART, 2009; MACHADO, 2008, 2010; entre outros) que apresentam pesquisas
sobre diferentes situações de trabalho, contribuindo com o conceito de trabalho e de trabalho
docente. Desse modo, primeiramente, abordaremos o conceito de trabalho numa visão
ergonômica; em segundo lugar, partiremos do olhar da Clínica da Atividade, que é uma
corrente da Psicologia do Trabalho, para a definição de trabalho; em terceiro lugar, trataremos
de aportes de pesquisadores da linha do ISD que, mais recentemente, tem se voltado a
situações de trabalho, preocupando-se, então, em defini-lo. Essas abordagens partem de uma
visão interdisciplinar para estudar as questões indicadas. A partir desses estudos será possível
conceituar os termos trabalho e trabalho docente com base em aportes teóricos de disciplinas
diversas.
Assim, neste capítulo, discutiremos esses conceitos que vêm surgindo, principalmente,
nas últimas décadas, em virtude de várias transformações extremamente rápidas nos sistemas
de produção, que incluem a substituição do trabalho material e físico (p. ex., o trabalho na
linha de produção de uma empresa) pelo trabalho imaterial ou de prestação de serviços (p. ex.,
o trabalho de assessoria de negócios). Nesse sentido, os pesquisadores mencionados, entre
outros, vêm buscando compreender os problemas que decorrem desse novo quadro das
relações de trabalho e procuram meios para superá-los.
2
1.1. O trabalho na visão ergonômica
Para que possamos investigar o conceito de trabalho, iniciaremos explicando o que
vem a ser ergonomia, o seu surgimento histórico e o seu desenvolvimento, a fim de
compreender o contexto sócio-histórico em que acontecem as construções e modificações
desse conceito.
O termo ergonomia deriva das palavras gregas ergon = trabalho e nomos = normas,
regras, leis. De acordo com a Associação Brasileira de Ergonomia,1 a Ergonomia é uma
disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e
outros elementos ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos,
buscando otimizar o bem-estar e o desempenho global do sistema. É papel dos ergonomistas
contribuir com o planejamento, projeto e avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos,
ambientes e sistemas, a fim de torná-los compatíveis com as necessidades, habilidades e
limitações das pessoas.
A disciplina Ergonomia surgiu oficialmente na Inglaterra, em 1947, procedente da
pesquisa desenvolvida a serviço da Defesa Nacional Britânica durante a Segunda Guerra
Mundial. Seus estudos foram desenvolvidos por uma equipe interdisciplinar, com o objetivo
de amenizar os esforços humanos em situações extremas (SOUZA-E-SILVA, 2004). Ela se
originou para a atuação de engenheiros, psicólogos e fisiologistas na remodelação da cabine
de pilotagem (cockpit) dos aviões de caça ingleses. Por isso, é considerada “filha da guerra”,
tendo o estereótipo de ciência do posto do trabalho (FERREIRA, 2008).
Na Inglaterra, a Ergonomia tinha o objetivo de adaptar a máquina ao homem, levando
em conta os fatores humanos na concepção de dispositivos técnicos, equipamentos, máquinas
e instrumentos, visando a atenuar danos ao organismo humano provenientes da
industrialização. Observamos, assim, que a Ergonomia abordava o trabalho na relação
homem/máquina.
No mesmo período, na França, surgiram estudos direcionados à observação do
trabalho humano, e essas pesquisas mostravam a complexidade das atividades de trabalho.
Tanto na Inglaterra quanto na França, as pesquisas dialogavam com outras áreas do saber,
porém, na Inglaterra, a Ergonomia visava à adaptação da máquina ao homem, e na França a
preocupação central era com a adaptação do trabalho, que envolve várias dimensões, ao
homem. Observamos, então, duas correntes da Ergonomia: de um lado, uma de influência
1 Disponível em: <http://www.abergo.org.br/internas.php?pg=o_que_e_ergonomia>. Acesso em: 21 dez. 2010.
3
anglófona que, pelas próprias condições históricas ligadas à aventura tecnológica nos países
de língua inglesa, focaliza a adaptação da máquina ao homem; de outro, uma linha de
influência francófona, ou de língua francesa, que, também por razões históricas, minimizou a
aplicação de conhecimentos científicos e valorizou a adaptação do trabalho ao homem,
preocupando-se com os efeitos reais da ação ergonômica sobre o trabalho (SOUZA-E-
SILVA, 2004). Na verdade, os pesquisadores franceses começaram a não aceitar as teorias e
práticas desenvolvidas nos Estados Unidos, pois consideravam que não se tratava de adaptar a
máquina ao homem, mas de melhorar as condições de trabalho para esses indivíduos, fazendo
surgir a Ergonomia de vertente francesa ou francófona (MACHADO, 2008, p. 86). No
começo dos anos 1970, essa Ergonomia foi fortalecida, pois os trabalhadores franceses
começaram a contestar muito a organização taylorista e fordista do trabalho. Assim, os
sindicatos de trabalhadores diretamente atingidos por essas organizações solicitaram aos
ergonomistas que desenvolvessem pesquisas para melhorar suas condições de trabalho. Nesse
sentido, podemos dizer que a Ergonomia francesa ganhou maior impulso a partir de uma
demanda dos trabalhadores, o que inclui os sindicatos.
Ao longo dos anos, a diversidade de práticas em Ergonomia deu origem a campos
distintos de observação (projetos e correção) e de abordagens ou escolas distintas, a anglófona
(human factor engineering) e a francófona (ergonomie de l’activité), não sendo essa distinção
objeto de consenso na literatura. Há diferenças entre essas duas abordagens, principalmente
no que se refere aos “modelos de ser humano e de trabalho que se encontram velados ou
explícitos nos diferentes usos que se faz em Ergonomia” (FERREIRA, 2008, p. 90). A
primeira tem como preocupação maior a efetividade e a eficiência no trabalho e o aumento da
produtividade; somente em segundo lugar estão os valores humanos Em relação à francófona,
trata-se da Ergonomia da Atividade, que seguiremos nesta tese e, por isso, dela faremos uma
exposição mais detalhada.
A Ergonomia da Atividade surgiu na França e na Bélgica numa época em que havia
forte preocupação com o social dos pesquisadores na Europa no século XX. Desde o início,
ela esteve claramente articulada com o movimento operário, buscando transformar as
situações de trabalho e, consequentemente, atender às demandas sindicais a fim de promover
a melhoria das condições de trabalho e garantir a saúde dos trabalhadores.
Foi somente com a constatação dos danos produzidos pela administração científica do
trabalho, no final dos anos 1940, do taylorismo/fordismo, que a Ergonomia da Atividade foi
se construindo com bases mais sólidas. Essa nova disciplina propunha uma mudança no
4
paradigma taylorista: ao invés de adaptar o homem ao trabalho, ela propunha a adaptação do
trabalho (no sentido amplo do termo) ao homem.
Na abordagem taylorista, trabalha-se com o pressuposto de regularidade e estabilidade
de funcionamento do operador. Um dos efeitos dessa abordagem foi a divisão entre o perito,
que concebe o trabalho, e o executante, que o realiza, tratando, portanto de separar o trabalho
prescrito (regras, normas) do trabalho efetivo, ou atividade. Desse modo, se a atividade fosse
diferente da tarefa solicitada, haveria duas possibilidades: ou o trabalhador não teria realizado
adequadamente a sua tarefa ou teria havido falha no sistema. Dessa forma, a função
organizadora do trabalho tornou-se independente do trabalho efetivo, sendo o taylorismo
acusado de roubar a competência dos operários (SOUZA-E-SILVA, 2004, p. 88).
A Ergonomia da Atividade nasceu, então, nesse contexto em que a atividade concreta
dos trabalhadores e a maneira como a realizavam nunca estiveram efetivamente nas relações
sociais. Essa disciplina recusava a abordagem mecanicista em que o homem pode ser
reduzido à atividade que realiza e buscava provar que é possível mudar a técnica, os
instrumentos e as condições de trabalho, operando uma inversão do paradigma
homem/trabalho numa perspectiva de adaptar o trabalho ao homem. A partir de inúmeras
pesquisas, observou-se que o objetivo taylorista de prescrever as tarefas dos trabalhadores em
seus mínimos detalhes era totalmente impossível, já que há uma distância entre a prescrição e
a atividade real do trabalhador. Nesse sentido, a „‟Ergonomia da Atividade tem como
preocupação a melhoria do bem-estar dos trabalhadores” (FERREIRA, 2008, p. 90).
A seguir temos a definição da Associação Internacional de Ergonomia (IEA)
apresentada por Ferreira (2008, p. 91):
A Ergonomia (ou o estudo dos fatores humanos) tem por objetivo a
compreensão das interações entre os seres humanos e outros componentes de
um sistema. Ela busca agregar ao processo de concepção teorias, princípios,
métodos e informações pertinentes para a melhoria do bem-estar do humano
e a eficácia global dos sistemas.
De acordo com Ferreira (2008), a análise da evolução das definições de Ergonomia, a
partir de suas características, nos permite inferir a importância da qualidade de vida no
trabalho preventivo. Nesse sentido, o autor destaca o caráter multidisciplinar e aplicado dessa
disciplina, já que saberes de outros profissionais para a produção de conhecimento sobre o
mesmo objeto é fundamental. Traz em cena também que a disciplina tem como foco o bem-
estar dos trabalhadores e a eficácia dos processos produtivos, levando-se em conta a
5
adaptação do contexto de trabalho a quem nele opera. Visa, dessa forma, à transformação dos
ambientes de trabalho buscando conforto e prevenção de agravos à saúde dos trabalhadores.
Ainda segundo o autor, o objeto de estudo é a análise da interação e sua intervenção entre os
indivíduos em um determinado contexto de trabalho (FERREIRA, 2008, p. 91).
Segundo Ferreira (2008, p. 91):
Tais características [as anteriores] habitam a Ergonomia como uma área
científica, mesmo uma “ferramenta”, para atuar na temática de qualidade de
vida no trabalho. Pode-se depreender que a razão de ser da Ergonomia é
compreender os problemas (contradições) que obstaculizam a interação
(mediação) dos trabalhadores com o ambiente de trabalho, cuja perspectiva é
promover o bem-estar de quem trabalha e o alcance dos objetivos
organizacionais.
No interior da Ergonomia ou na interface com outras disciplinas, estudiosos vêm
definindo o termo trabalho, não existindo, segundo Ferreira (2000), uma definição canônica.
Para Teiger (1993, p. 113), por exemplo, o trabalho é:
[...] uma atividade finalística, realizada de modo individual ou coletiva numa
temporalidade dada por um homem ou uma mulher singular, situada num
contexto particular que estabelece as exigências imediatas da situação. Essa
atividade não é neutra, ela engaja e transforma, em contrapartida, aquele ou
aquela que a executa.
Ferreira (2000) também traz à cena a definição de trabalho de De Terssac (1995, p. 8):
O trabalho é uma ação coletiva finalística. É uma ação “organizada” porque
ela se situa num contexto estruturado por regras, convenções, culturas. É
também uma ação “organizadora” porque ela visa não somente preencher as
lacunas provenientes das imprecisões da prescrição, mas produzir um
acordo, um espaço de ações pertinentes. É pela ação que se define, de forma
interativa, o problema e a solução. É na ação que se operam as trocas de
informações e que se constroem as formas de agir.
Observamos que essas duas definições de trabalho são semelhantes, pois ambas
consideram a questão da coletividade, do contexto estruturado em regras e normas e, também,
da interação que possibilita a transformação do trabalhador e a solução para os problemas.
Ferreira (2000), ao analisar várias definições para o termo trabalho, atenta para o fato
de que os vários aspectos levados em conta nas definições de trabalho por vários autores não
aparecem marcados pela contradição, mas resultam da ênfase dada a determinadas dimensões
que se complementam e que se enriquecem mutuamente, opinião da qual partilhamos. A
delimitação do conceito implica levar em conta os conhecimentos de outras disciplinas
6
vizinhas, como, por exemplo, a Sociologia, a Psicologia etc.; e, especialmente, aquelas com as
quais a ergonomia mantém uma estreita colaboração, como a Psicodinâmica e a Ergologia,
por exemplo. Esclarece, assim, que a construção do conceito é de natureza interdisciplinar,
reforçando seu caráter multidimensional e polissêmico, mas que permite identificar um fio
condutor que parece costurar as diferentes abordagens, que é a atividade real que aparece
como categoria central, desempenhando um papel estruturador dos conceitos. Desse modo, a
atividade se constitui como a principal fonte produtora de conhecimento em Ergonomia.
O autor, ainda, propõe alguns elementos que ajudariam a tecer o conceito de trabalho
em Ergonomia, que são indissociáveis da atividade humana em situação de trabalho. O
primeiro é o fato de que o trabalho cumpre um papel mediador entre o homem e a natureza
(material e/ou simbólica), havendo uma interação entre o sujeito e o ambiente. De um lado, o
sujeito, ao agir diretamente ou indiretamente (mediação instrumental) sobre o meio pela
atividade de trabalho, é, ao mesmo tempo, transformado por ele em função dos efeitos e
resultados de sua ação. Por outro lado, a interação é guiada por objetivos que o sujeito
estabelece para o trabalho. Segundo Ferreira (2000, p. 7), “a estruturação dos objetivos dá
sentido à interação e resulta de um processo de apropriação (no sentido psicológico do termo)
e de releitura do que foi prescrito pela organização do trabalho”. Esses elementos, que ajudam
a tecer o conceito de trabalho, remontam a Marx (1967), e também são retomados por vários
autores ao discutir a questão da ação, como veremos mais adiante (p. ex., BRONCKART,
2006, 2008, entre outros).
O segundo elemento posto por Ferreira (2000) é o fato de que os estudos da
Ergonomia da Atividade evidenciaram que há distância entre o trabalho formalmente prescrito
e o trabalho real em situação. A partir dos estudos que mostram essa distância, a Ergonomia
contribui com a construção de algumas noções básicas que dão substância teórica ao conceito
de trabalho no interior dessa disciplina, que são:
“trabalho teórico” (lato sensu), constituído pelas representações
sociais habitando os pontos de vista dos diferentes sujeitos na esfera
da produção (do operário ao diretor-presidente);
“trabalho prescrito ou previsto”, circunscrito num contexto
particular de trabalho representando os “braços invisíveis” da
organização do trabalho que fixa as regras e dita os objetivos
qualitativos e quantitativos da produção;
“trabalho real”, comporta a atividade do sujeito, seu modus
operandi numa temporalidade dada, num o lócus [sic] específico;
onde ele coloca em jogo todo o seu corpo, sua experiência, seu
savoir-faire, sua afetividade numa perspectiva de construir modos
7
operatórios visando regular sua relação com as condições objetivas
de trabalho. (FERREIRA, 2000, p. 9-10, grifo nosso)2
Assim, observa-se que a Ergonomia da Atividade tem trazido contribuições no que se
refere a mostrar que há distância entre o trabalho prescrito e o real, sendo essa distância fonte
produtora de conhecimento para essa disciplina. A partir desses estudos, as análises e as
intervenções insistem no fato de que mesmo uma atividade aparentemente bem simples cobra
do trabalhador um esforço mental considerável para garantir o funcionamento do sistema
produtivo. Em relação a esse aspecto, Ferreira (2000, p. 10) cita Dejours e Molinier (1994, p.
39), que afirmam que “O trabalho real não pode ser reduzido à sua dimensão técnico-
econômica, nem mesmo à sua dimensão sócio-ética. Ele é também subjetivo e intersubjetivo e
repousa sobre energias afetivas.”. Ferreira (2000, p. 10) chama a atenção para o fato de que no
trabalho há o caráter de imprevisibilidade, que requer a todo momento a inteligência criadora
do trabalhador, que não pode ser interpretada como sinônimo de interesse ou de prazer no
trabalho, já que pode haver a fadiga, o sentimento de monotonia, a insatisfação e o sofrimento
num mesmo posto de trabalho.
A partir dos estudos da Ergonomia da Atividade (ou francófona), várias disciplinas,
que avançam em suas descobertas, foram se constituindo, como, por exemplo, a Ergologia
(SCHWARTZ, 1996), a Psicopatologia do Trabalho (LE GUILLANT, 1984) e a Psicologia
Clínica do Trabalho, que, por sua vez, constitui duas correntes principais: a Psicodinâmica do
Trabalho (DEJOURS, 1996) e a Clínica da Atividade (CLOT, 2006, 2010). Centrar-nos-emos
na última corrente, que contribui, por diferentes razões, entre outras coisas, com o conceito de
real da atividade, avançando nos estudos da Ergonomia da Atividade no que se refere à
definição de trabalho.
1.2. O real da atividade para a Clínica da Atividade
Nesta seção, centrar-nos-emos na definição de trabalho, enfocando o conceito de real
da atividade, desenvolvido pela equipe da Clínica da Atividade do Conservatoire des Arts et
Métiers (CNAM)3 de Paris, pois utilizaremos esse conceito nesta tese. Antes de abordar esse
conceito, tentaremos compreender qual é o foco de estudo dessa Clínica da Atividade.
2 Disponível em: <http://vsites.unb.br/ip/labergo/sitenovo/mariocesar/artigos2/Atividade.PDF>. Acesso em: 23
dez. 2010. 3 Conservatório de Artes e Ofícios.
8
Segundo Lima (2010), a Clínica da Atividade é uma disciplina em processo acelerado
de construção, sendo consideráveis seus avanços no decorrer dos últimos anos. Ela é uma
corrente da Psicologia Clínica do Trabalho que aborda o problema da subjetividade no
trabalho, situando-se na intersecção da tradição da Ergonomia francófona (de língua francesa)
com a tradição da Psicopatologia do Trabalho. Segundo Clot (2001, p. 4, grifo do autor):
São as relações entre atividade e subjetividade que estão no centro da análise
[da Clínica da Atividade]. O trabalho é visto não somente como trabalho
psíquico, mas como uma atividade concreta e irredutível. Melhor dizendo, a
atividade é, para nós, o continente escondido da subjetividade no trabalho. É
precisamente neste campo que se observa, do modo mais claro possível, o
que convém nomear aqui de desrealização das organizações oficiais do
trabalho contemporâneo. Este é o ponto de partida de toda Clínica da
Atividade.
Segundo o autor, as condições reais de exercício do trabalho efetivo não são
preocupação dos diretores/gerentes dos postos de trabalho, mas, sim, as questões referentes à
gestão administrativa. Esse real é permeado de armadilhas, vivências de impotência,
ressentimentos e melancolia, ou, ao contrário, euforia profissional, formando um quadro
clínico confuso. Para Clot (2001), várias responsabilidades são exigidas dos trabalhadores
para agirem nos meios profissionais, sendo requerido que o trabalhador se dedique cada vez
mais ao trabalho. Porém, a organização de trabalho não fornece os recursos necessários para
essa dedicação, privando o trabalhador dos meios para exercer as responsabilidades que acaba
tendo de assumir e impedindo-o de realizar o seu trabalho, o que pode levá-lo ao sofrimento.
É preocupação da Clínica da Atividade justamente esse sofrimento, que é considerado,
para essa corrente, uma atividade contrariada, um desenvolvimento impedido, visto como
uma amputação do poder de agir. Segundo Clot (2001), as organizações de trabalho de
diversos setores de serviço e da indústria costumam “diminuir” aqueles que trabalham,
ficando estes encolhidos pela atividade realizada. Nesse sentido, a atividade realizada é outra
coisa totalmente diferente da tarefa oficial, como observam os ergonomistas, já que a simples
execução da tarefa prescrita não permitiria atender os objetivos fixados. Avançando nas
descobertas da Ergonomia, a Clínica da Atividade inclui na noção de atividade de trabalho o
conceito de conflitos do real da atividade:
A atividade não é somente aquilo que se faz. O real da atividade é também o
que não se faz, aquilo que não se pode fazer, o que se tenta fazer sem
conseguir – os fracassos – aquilo que se desejaria ou poderia fazer, aquilo
que não se faz mais, aquilo que se pensa ou sonha poder fazer em outro
9
momento. [...] A atividade possui então um volume que transborda a
atividade realizada. (CLOT, 2001, p. 6)
Nesse sentido, as atividades suspensas, contrariadas ou impedidas, e mesmo as contra-
atividades são consideradas na análise da Clínica da Atividade, assim como as atividades
improvisadas ou antecipadas. É a partir da compreensão do real de atividade que se pode
extrair os conflitos de uma situação de trabalho. Assim, o conceito de atividade deve
incorporar o possível e o impossível, visando preservar as possibilidades de compreender o
desenvolvimento e o sofrimento (CLOT, 2001). É a partir dessa noção de real da atividade
que a Clínica da Atividade concebe o trabalho.
Clot (2006), ao estudar a unidade de análise do trabalho, o define como uma atividade
triplamente dirigida, pois ela se dirige ao comportamento do sujeito trabalhador, ao objeto da
tarefa (limpar a casa; dirigir um táxi etc.), e aos outros (chefe, clientes, colegas de trabalho
etc.). O sujeito, para realizar o trabalho, poderá utilizar artefatos materiais (vassoura, pá,
panela etc.) e/ou simbólicos (instruções, mapas, placas de trânsito etc.). Esses artefatos
poderão ser transformados em instrumentos de desenvolvimento das atividades do sujeito se
forem apropriados pelo trabalhador, ou seja, se o trabalhador passar a vê-los como úteis para a
realização da sua atividade; caso contrário continuarão como simples artefatos, sem contribuir
para o desenvolvimento do sujeito.
Com o esquema da Figura 1.1 podemos ilustrar qualquer atividade de trabalho, com
base em Clot (2006).
Sujeito
Artefatos (materiais ou simbólicos)
Objeto/meio Outros
FIGURA 1.1. Os elementos do trabalho.
Fonte: Machado (2008).
A relação entre os elementos do trabalho (sujeito, objeto e outros) é conflituosa, pois,
no dizer de Clot (2006, p. 99), a “atividade dirigida é uma arena, ou melhor, o teatro de uma
luta”, já que o trabalhador luta contra as contradições da atividade e sua prescrição, contra os
outros, contra os artefatos etc. Podemos imaginar uma situação vivida pelos professores da
escola pública do estado de São Paulo, que têm trabalhado, normalmente, com material
Instrumento
10
didático fornecido para cada aluno pela escola. Porém, no início de 2008, as escolas
receberam da Secretaria da Educação um material – chamado de “jornalzinho” – somente para
o professor,4 sendo que os alunos não receberam. Imaginemos a situação conflituosa pela qual
passou o professor. Considerando que os alunos não receberam o material e a escola não
disponibiliza cópias para os alunos, nem se pode pedir dinheiro aos alunos para cópias, pois
“o ensino público é gratuito”, o que esse professor poderia fazer? Utilizar o tempo que
poderia ser destinado à discussão para passar os textos na lousa? Não trabalhar com o
material, mesmo sendo essa a prescrição da diretoria de ensino, e utilizar o material didático
costumeiro, já que assim cada aluno teria acesso? Notamos aí um conflito, pois, de qualquer
forma, seguindo ou não a prescrição, ele poderia ter problema, com o ensino-aprendizagem
dos alunos e/ou com a diretoria. Nesse sentido, esse professor seria impedido de fazer o seu
trabalho da forma como gostaria ou da forma como já tinha planejando. A partir do conceito
de trabalho efetivamente realizado, não vemos esse conflito. Por isso, Clot (2006) propõe o
conceito de real da atividade, abordado anteriormente, para aquilo que não é observável,
assumindo que o trabalho real envolve também o trabalho pensado, impedido, desejado,
possível. Desse modo, retomando a Ergonomia da Atividade e a Clínica da Atividade,
teremos a/o:
1. Atividade prescrita: a tarefa; aquilo que é prescrito pelas organizações de
trabalho e que deve ser feito.
2. Atividade realizada: é a atividade efetivamente realizada no trabalho.
3. Real da atividade: engloba o que não se faz, o que tentamos fazer sem
conseguir, o que desejamos fazer.
Assim, observamos que o real da atividade ultrapassa não somente a tarefa prescrita
mas, também, a própria atividade realizada. Esse “real da atividade, ou seja, aquilo que se
revela possível, impossível ou inesperado no contato com as realidades, não faz parte das
coisas que podemos observar diretamente” (CLOT, 2006, p. 133). Para aceder a esse real da
atividade, a Clínica da Atividade parte de uma abordagem dialógica, de Bakhtin e
Voloshinov, e de desenvolvimento vigotskiano, considerando o diálogo como motor do
desenvolvimento. Para Clot (2010, p. 133), “o diálogo e a ordem psicológica é que oferecem o
cenário em que os sujeitos encontram a si mesmos e aos outros, assim como se defrontam
com suas histórias, contextos ambientais e circunstanciais”.
4 Situação real vivida pelos professores da rede pública de ensino do estado de São Paulo no ano de 2008 no
ensino fundamental e no ensino médio.
11
Segundo o Clot (2010, p. 137), o diálogo é visto como instância do desenvolvimento,
que se alimenta de outros diálogos anteriores e paralelos do grupo profissional, do qual ele
retoma e reelabora os temas. Nesse sentido, as escolhas discursivas dos participantes
desempenham um papel importante no processo de desenvolvimento.
Para possibilitar o diálogo, a Clínica da Atividade propõe alguns métodos para a
análise do trabalho, como a autoconfrontação simples, a autoconfrontação cruzada, a
instrução ao sósia,5 métodos estes que tornam possível o diálogo. Segundo Clot (2006),
procedimentos metodológicos que propiciam o diálogo sobre o trabalho já geram, por si
mesmos, algum tipo de transformação.
Assim, a Clínica da Atividade, e também a Ergonomia da Atividade, buscam não só
compreender o papel do trabalho na perspectiva do desenvolvimento do trabalhador, como
também investigar possibilidades de transformações da própria situação de trabalho. Para Clot
(2006), numa perspectiva vigotskiana de explicação do desenvolvimento humano, que
explicitaremos no Capítulo 3, a própria análise do trabalho contribui para a sua transformação.
A Clínica de Atividade põe em evidência o papel do coletivo e do social na construção
do agir humano. Clot (2006) atenta para o fato de que o agir humano só é construído se o
trabalho permitir que o sujeito tenha acesso ao mundo social em cujas regras ele possa se
apoiar. Nesse sentido, o social, o que inclui o coletivo de trabalho, é essencial para que o
indivíduo possa se desenvolver. Para o trabalhador, então, é importante ter um coletivo de
trabalho em que ele possa se apoiar nos seus conflitos, nas suas dificuldades, que, muitas
vezes, são coletivas. Esse coletivo não é somente o que está presente, mas, também, a
verdadeira tradição histórica e social do ofício.
O papel desse coletivo é essencial nas análises de situações de trabalho da Clínica de
Atividade do CNAM, que são interventivas e, por isso, os psicólogos/pesquisadores precisam
de um longo tempo de trabalho de preparação e observação, já que na França a demanda de
intervenção parte da própria instituição de trabalho. É nessa intervenção que são utilizados
métodos, como os abordados anteriormente, que possibilitam a criação de diálogo pelo
coletivo de trabalho sobre a atividade desenvolvida. Trata-se de processo de intervenção a
partir do qual uma experiência vivida se torna um meio de viver uma outra experiência, em
que há uma estreita relação entre interação, linguagem e desenvolvimento (CLOT, 2001,
2006, 2010).
5 Ver Clot (2006, 2010). No Capítulo 5 trataremos da instrução ao sósia, que é o procedimento principal de
geração de dados utilizado em nossa pesquisa.
12
A Clínica da Atividade, para tratar dos elementos envolvidos no trabalho mencionados
anteriormente, aborda quatro dimensões do trabalho: 1. impessoal; 2. pessoal; 3. interpessoal;
e 4. transpessoal. A atividade de trabalho é considerada impessoal por ser prescrita por
instituições e superiores hierárquicos. Em relação à dimensão pessoal, é uma atividade em que
o trabalhador utiliza o seu próprio estilo no desenvolvimento da atividade, engajando-se em
suas dimensões física, cognitiva, emocional. Ao mesmo tempo, envolve a dimensão
interpessoal, já que o trabalhador interage com outros indivíduos na situação de trabalho e
visa a um destinatário. Além disso, toda atividade de trabalho é transpessoal, já que ela é
sócio-historicamente situada, sendo a sua história conservada, transmitida e retida pelo
coletivo de trabalho, que renormaliza a sua atividade, sendo, por isso, considerada também
prefigurada pelo trabalhador, já que ele reelabora as normas, construindo prescrições para si e
guiando-se por objetivos que constrói para si (CLOT, 2006, 2006; ROGER, 2007).
Para finalizar esta seção, é importante destacar que na Clínica da Atividade do CNAM
os pesquisadores trabalham em duas circunstâncias diferentes: uma é na situação de
intervenção no trabalho, que pode possibilitar as transformações de situações conflituosas, e a
outra é a situação de pesquisa propriamente dita. No caso desta tese, utilizaremos o conceito
de trabalho da Clínica da Atividade e o procedimento de instrução ao sósia, proposto pela
Clínica de Atividade, que explicaremos no Capítulo 5, para estudar o trabalho do professor de
pós-graduação. Assim, o contexto é diferente do da Clínica de Atividade do CNAM, em Paris,
pois não se trata de uma demanda institucional, o que inclui um trabalho de intervenção.
Talvez pudéssemos dizer que se trata de uma demanda social, observada a partir de contatos
com professores de pós-graduação e de estudos acadêmicos, à procura de respostas para
contribuir com a melhor compreensão do trabalho do professor de pós-graduação, o que pode
ser a ponta de um iceberg para melhorar situações conflituosas de trabalho.
Na próxima seção, abordaremos a definição de trabalho do ISD, que também parte de
uma abordagem dialógica, de Voloshinov, no que se refere à concepção de linguagem, e
vigotskiana, no que se refere à questão do desenvolvimento humano. Assim, o ISD partilha
dos princípios centrais de base da Ergonomia da Atividade desenvolvida pelo grupo
Ergonomie de l‟Activité des Personnels de l‟Éducation (Ergape6), no Institut Universitaire de
Formation de Maïtres (IUFM) de Marselha e da Clínica de Atividade do CNAM na França.
6 Esse grupo é formado, dentre outros, por René Amigues, Daniel Faïta e Frédéric Saujat, e desenvolve estudos
sobre a atividade dos profissionais da educação no IUFM de Marselha, na França.
13
1.3. O trabalho como forma de agir na abordagem do ISD
Nesta seção, trataremos do conceito de trabalho para o ISD, que é uma vertente da
psicologia vigotskiana, e que pretende ser considerada, teoricamente, pelo seu principal autor,
Bronckart (1999), uma ciência do humano, pois, em sua visão, da qual partilhamos, para
estudar os complexos fenômenos humanos é necessário que as disciplinas se apoiem uma nas
outras para que melhor possamos explicar e compreender esses fenômenos. Nesse sentido, é
necessária uma abordagem transdisciplinar em Ciências Humanas/Sociais, e não uma
separação de disciplinas que têm em comum o humano e o social. Essa vertente tem como
objetivo maior estudar a problemática do desenvolvimento e funcionamento humano, focando
o agir verbal e não verbal, tendo se voltado, recentemente, a estudar um dos aspectos desse
agir: a questão do trabalho, a partir de conceitos às vezes reformulados (LEONTIEV, 1979;
RICOEUR, 1977; SCHÜTZ, 1998).
Assim, para Bronckart (2006, p. 209, grifo do autor):
[...] o trabalho se constitui, claramente, como um tipo de atividade ou de
prática. Mas, mais precisamente, é um tipo de atividade própria da espécie
humana, que decorre do surgimento, desde o início da história da
humanidade, de formas de organização coletiva destinadas a assegurar a
sobrevivência econômica dos membros de um grupo.
Mais recentemente, Bronckart (2008) afirma que de acordo com o senso comum, o
trabalho é uma forma de agir ou de prática própria da espécie humana, pois, para o autor, na
espécie humana se desenvolveram variadas atividades coletivas organizadas a fim de
assegurar a sobrevivência dos membros do grupo, tornando-se complexas e diversificadas.
Algumas dessas atividades têm como objetivo a produção de bens materiais, podendo ser
chamadas de atividades econômicas. No quadro dessas atividades, as tarefas são variadas e
são distribuídas entre os membros nos postos de trabalho, o que chamamos de divisão de
trabalho. Cada trabalhador desempenha um papel específico, de acordo com as
responsabilidades a ele atribuídas, sendo que o controle efetivo dessa organização se dá pelo
estabelecimento de uma hierarquia.
Bronckart (2006, p. 209), buscando aprofundar a definição de trabalho, coloca uma
questão: mas se o trabalho é uma atividade, o que é a atividade (ou a ação, ou o agir)? Para o
autor, num primeiro momento, podemos dizer que a atividade seriam os comportamentos, as
condutas, as intervenções que todos nós desenvolvemos diariamente. Porém, o autor nos
adverte para o fato de que isso é uma questão complexa, se pensarmos em que se diferencia a
14
atividade de uma máquina, de um animal e de um homem adulto da atividade motora de um
bebê. Nesse caso, teríamos várias questões para refletir. Por exemplo: em que medida a
atividade é intencional, voluntária, consciente? Qual é a responsabilidade de determinado
agente na condução e no sucesso de uma atividade? Em que medida as atividades são
determinadas, limitadas por fatores externos ou, ao contrário, livres e criativas? Como
determinar o que é uma atividade justa, adequada, desejável, em oposição a atividades que
não o seriam, o que nos leva às questões de ética da atividade? (BRONCKART, 2006, p.
210).
Segundo Bronckart (2006, p. 210), de Aristóteles a Descartes, Kant ou Piaget, os
pensadores elaboraram importantes teorias sobre o estatuto dos conhecimentos humanos e
sobre as condições de seu desenvolvimento, mas tiveram dificuldades para fornecer respostas
satisfatórias sobre algumas questões como as anteriormente levantadas, sendo essa lacuna
criticada por variados pesquisadores. Nesse contexto, diferentes abordagens ou novas teorias
foram elaboradas. Assim, o autor trata de três dessas abordagens que considera
representativas para refletir sobre essas questões.
A primeira é a da filosofia da ação, herdada de Wittgenstein e de Anscombe. Essa
corrente distingue os acontecimentos que se produzem na natureza das ações propriamente
ditas. Bronckart (2006, p. 210) cita o seguinte exemplo: “O vento sopra e provoca a queda de
duas telhas do telhado.”. Nesse caso, podemos identificar dois fenômenos (o vento sopra/as
telhas caem), sendo que o que causa a queda da telha é o fato de o vento soprar, tratando-se de
um fenômeno de caráter mecânico (acontecimento), objeto de uma explicação causal.
Por sua vez, em relação ao exemplo “Pedro fez duas telhas caírem do telhado para
danificar o carro do vizinho que ele detesta.”, há uma ação, que é uma intervenção deliberada
de um agente no mundo. Nesse caso, temos:
um motivo ou razão para agir: Pedro detesta seu vizinho;
uma intenção: Pedro fez duas telhas caírem para...;
uma capacidade física de realizar os gestos necessários para o agir.
Segundo o autor, o motivo, a intenção e a capacidade definem a responsabilidade
desse ser humano no encadeamento dos fenômenos. Porém, esses elementos são propriedades
psíquicas do agente que não podem ser observadas ou identificadas enquanto tais, mas podem
apenas ser inferidas a partir de um processo de compreensão a posteriori, levando-se em
15
conta as características do encadeamento verbalizadas no enunciado exemplo pelas
expressões fez duas telhas caírem, para e que ele detesta.
Observa-se que, na verdade, essa teoria destaca o papel determinante das propriedades
psíquicas de um sujeito individual da ação. Por isso, Bronckart (2006) menciona a segunda
abordagem, a teoria da atividade de Leontiev (1979), para tratar das dimensões,
primeiramente coletivas do agir humano. Nessa teoria, no decorrer de sua história social, a
espécie humana desenvolveu formas de interações ou atividades, que são definidas como
quadros que organizam e que fazem a mediação do essencial das relações entre os indivíduos
e seus meios, quadros esses nos quais efetivamente se constituem os conhecimentos humanos.
Para essa abordagem, a atividade é primeiro governada por motivações, finalidades, regras
e/ou normas de ordem coletiva e social, sendo que esses elementos exercem um efeito sobre
os comportamentos dos indivíduos, que têm um espaço de liberdade ou de criatividade muito
restrito. O foco para essa abordagem é a atividade coletiva.
A terceira abordagem é a proposta por Schütz (1998) e Bühler (1927), em que a ação é
concebida como um processo de pilotagem ou regulação das condutas humanas. Essa
abordagem atribui um papel importante ao sujeito individual, que é o piloto da ação, mas, ao
mesmo tempo, considera que essa pilotagem é uma operação difícil e aleatória, porque o
piloto está submetido a sistemas de restrições sociais e materiais múltiplas, devendo, de
alguma forma, pilotar sempre, mesmo sem rumo definido. Essa concepção destaca as
transformações que caracterizam o desenvolvimento temporal da ação, havendo a necessidade
de distinguir a ação acabada da ação em desenvolvimento, que, certamente, ”tem um sentido
inicial (sentido que é visado por um ato de reflexão inicial do ator), mas que pode se
modificar em direções a priori imprevisíveis, à medida que a ação se desenvolve”
(BRONCKART, 2008, p. 32). Nesse sentido, em virtude das coerções e resistências do meio,
o resultado de uma ação não seria forçosamente o que o agente imaginou no início, pois
mesmo se, de início, o agente tem motivos e intenções, estes podem se modificar mais ou
menos profundamente por causa dessas coerções. Assim, os objetivos e as intenções
atribuídos ao agente não coincidem nunca, em princípio, com o desenvolvimento efetivo da
ação ou com sua realização, pois o tempo interno (não espacializado) do desenvolvimento do
16
agir é dinâmico e plurideterminado. Isso está ligado ao fato de que o agente está exposto a
múltiplos sistemas de conhecimentos7 e determinações de três tipos:
[...] os das suas próprias percepções, que lhe fornecem índices do estado das
coisas do mundo; o dos valores e/ou normas que interiorizou no decorrer de
sua vida social e o das intervenções comportamentais significantes de outros
membros de sua comunidade. (BRONCKART, 2008, p. 33)
Nesse sentido, os conhecimentos desses três sistemas interferem no objetivo
consciente, pois as condições objetivas do mundo podem se opor à realização desse objetivo,
e as normas sociais ou as reações dos outros podem levar à sua modificação, obrigando o
agente a improvisar. Assim, nessa concepção do agir como pilotagem, o agir não se reduz
mais ao vivido intencional de um sujeito, mas é definido pelos mecanismos de pilotagem de
agentes confrontados com determinações contraditórias (BRONCKART, 2008, p. 33).
Bronckart (2006), após apresentar um resumo dessas três abordagens teóricas, faz uma
reflexão sobre a questão da atividade.
Em primeiro lugar, o que se chama de atividade ou ação é sempre resultado de um
processo interpretativo, pois o que é observável são os comportamentos humanos. Assim,
qualificar esses comportamentos de atividade, de ação ou de pilotagem implica que
atribuamos aos protagonistas coletivos ou individuais desses comportamentos determinadas
propriedades (objetivo, intenção e responsabilidade) que não são diretamente observáveis,
mas sobre as quais podemos hipotetizar que elas orientam ou determinam esses
comportamentos. Em segundo lugar, de acordo com Bronckart (2006, 2008), a partir da
exposição das três abordagens, observa-se um sério problema de sentido, pois os termos
atividade, ação e agir são usados aleatoriamente por diversos estudiosos com diversas
significações. Em vista disso, Bronckart (2006, 2008) propõe uma definição ad hoc para que
eles tenham certa estabilidade em nossas pesquisas. Em sua proposta, que será detalhada no
Capítulo 3, o autor faz as seguintes definições:
Agir: qualquer forma de intervenção orientada no mundo de um ou de vários seres
humanos para dar nome ao “dado” que podemos observar. É usado em um sentido
genérico.
7 Segundo Bronckart (2008), Bühler foi o precursor da concepção de mundos representados – a que os múltiplos
sistemas estão relacionados – que foi desenvolvido, posteriormente, por Habermas (1987), como veremos no
Capítulo 3.
17
Atividade: qualquer intervenção no mundo que implica, principalmente, dimensões
motivacionais e intencionais e recursos mobilizados por um coletivo organizado.
Ação: qualquer intervenção no mundo que implica as mesmas dimensões da
atividade, mas refere-se a uma pessoa particular ou ao indivíduo. Atribui-se à
atividade e à ação um estatuto teórico ou interpretativo, e não observável.
Antes de encerrar esta seção, é importante frisar que os pesquisadores das três
abordagens – Ergonomia da Atividade, Clínica da Atividade e ISD – têm uma forte
preocupação com o social e, consequentemente, buscam transformar as situações de trabalho
a fim de promover uma melhoria e o bem-estar das condições de trabalho e garantir a saúde
dos trabalhadores. Visam, dessa forma, à transformação dos ambientes de trabalho, buscando
conforto e prevenção de agravos à saúde dos trabalhadores. Para as três abordagens, o
trabalho possibilita o desenvolvimento de capacidades do trabalhador, sendo a interação com
o coletivo de trabalho essencial para esse desenvolvimento.
Em síntese, com base nos autores discutidos, da Ergonomia, da Clínica e do ISD,
concebemos o trabalho como um tipo de agir humano em que o coletivo de trabalho está
sempre presente, mesmo in absentia, pois há uma memória profissional onipresente; ele é
situado em um contexto particular estruturado por regras, convenções, culturas, havendo uma
interação entre o trabalhador e o ambiente físico e social, mediado por artefatos materiais ou
simbólicos.
O trabalhador age, direta ou indiretamente, a partir de artefatos/instrumentos, sobre o
meio da atividade de trabalho, sendo transformado por ele em função dos efeitos e resultados
da ação. A interação entre o homem e o ambiente físico/social é guiada por objetivos,
motivações, finalidades, regras e/ou normas de ordem coletiva e social. O resultado de uma
ação não seria forçosamente o que o agente imaginou no início, pois, se o agente tem motivos
e intenções, estes podem se modificar mais ou menos profundamente, já que o agente está
exposto a múltiplos sistemas de conhecimento e determinações diversas e contraditórias que
interferem no objetivo consciente, obrigando o agente a improvisar. Assim, esses motivos e
intenções atribuídos ao agente não coincidem, em princípio, com o desenvolvimento efetivo
do agir ou com sua realização, pois o tempo interno do desenvolvimento do agir é dinâmico,
já que o agir não se reduz ao vivido intencional que o agente imaginou no início do agir. Por
exemplo, suponhamos que um professor prepare uma aula para determinada série tendo a
intenção de desenvolver nos alunos determinadas capacidades referentes a um conteúdo
18
específico. Ao chegar à sala, percebe que naquele dia os alunos estão muito agitados e que há
muita conversa, inclusive discussão agressiva entre alguns alunos. A intenção primeira do
professor muda, pois agora o seu objetivo passa a ser conseguir “controlar” a sala para que
cesse a conversa e, principalmente, a discussão entre os alunos, o que, pela sua experiência e
pelo que vê na mídia, sabe que pode levar a uma agressão física.
Na próxima seção, a partir dos estudos da Ergonomia da Atividade, da Clínica da
Atividade e do ISD, iremos conceituar o trabalho docente com base nos estudos de
pesquisadores que utilizam essas abordagens, que também vêm desenvolvendo, recentemente,
pesquisas sobre o trabalho do professor.
1.4. Concepção do trabalho do professor sob uma visão interdisciplinar
Na seção anterior, tratamos do conceito de trabalho, em geral, de acordo com a
Ergonomia da Atividade, a Clínica da Atividade e o ISD. Nesta seção, partiremos desses
conceitos para uma definição específica de trabalho docente.
Para Amigues (2004, p. 41), do grupo Ergape, a atividade do professor dirige-se não
apenas aos alunos, mas, também, à instituição que o emprega, aos pais e a outros
profissionais, buscando técnicas profissionais que se constituíram no decorrer da história e do
ofício de professor. Isso significa que a atividade é mediada por objetos que constituem o
sistema, sendo sócio-historicamente situada. Nesse caso, o professor precisa estabelecer e
coordenar relações entre vários objetos constitutivos de sua atividade. Entre esses objetos,
podemos citar as prescrições, os coletivos, as regras do ofício e as ferramentas.
Em relação às prescrições, Amigues (2004) indica que elas geralmente estão ausentes
das análises sobre a ação do professor, mas desempenham um papel decisivo do ponto de
vista da atividade, pois são constitutivas de sua atividade. Geralmente, as prescrições são
vagas, levando o professor a redefinir para si as tarefas que lhe são prescritas a fim de decidir
as tarefas que vai determinar aos alunos. Desse modo, a relação entre prescrição inicial e sua
realização junto aos alunos não é direta, ela é mediada por um trabalho de concepção e de
organização de um meio que apresenta formas coletivas.
No que se refere ao coletivo, de acordo com Amigues (2004, p. 43), as dimensões
coletivas da atividade do professor raramente são consideradas, assim como a atividade fora
da aula é frequentemente considerada resíduo do trabalho. Esse fato leva os professores a
organizarem seu ambiente de trabalho, mobilizando-se para construírem uma resposta comum
19
às prescrições. Segundo Amigues (2004), a partir da concepção inicial, os professores,
coletivamente, autoprescrevem-se tarefas, redefinindo sua classe. Para o autor, esses coletivos
assumem formas diversas, por exemplo, um mesmo professor de ensino médio pertence a
coletivos variados: o dos professores da disciplina, o da classe etc. Além disso, cada professor
pertence também a outro coletivo mais amplo, que é o do métier. Em relação ao professor de
pós-graduação, acreditamos que os resultados das análises desta pesquisa revelarão os
coletivos aos quais ele pertence.
Quanto às regras do ofício, elas são aqui compreendidas como aquilo que liga os
profissionais entre si, sendo consideradas ao mesmo tempo uma memória comum e uma caixa
de ferramenta, cujo uso pode gerar, com o tempo, uma renovação nos modos de fazer,
podendo ser fonte de controvérsias profissionais. Essas regras reúnem gestos genéricos
relativos ao conjunto de professores e gestos específicos, por exemplo, da disciplina.
No caso das ferramentas, segundo Amigues (2004, p. 44), o professor utiliza mais
ferramentas/artefatos concebidas por outros do que por ele mesmo, pois recorre a manuais,
fichas pedagógicas, exercícios já construídos, tirados de arquivos, emprestados de colegas ou
construídos por ele mesmo. O professor está inscrito em uma tradição pedagógica e na
história do ofício, como, por exemplo, o uso do quadro negro, que pode ser diferente, de
acordo com a disciplina ensinada. Assim, as ferramentas/artefatos que o professor utiliza
estão a serviço das técnicas de ensino sendo, frequentemente, transformadas pelos professores
para aumentar sua eficácia. Quando há a transformação dos artefatos em instrumento para a
ação, ocorre o que Rabardel (1995) denomina gênese instrumental. Para o autor, os artefatos
estão disponíveis no coletivo de trabalho e podem ser apropriados pelo trabalhador para o
exercício de seu ofício, tornando-se instrumentos para a sua ação. Eles só se tornam
verdadeiros instrumentos para a ação sobre o mundo e sobre o outro quando são apropriados
pelo homem, podendo alcançar objetivos e finalidades por meio deles. Podemos citar o
exemplo extraído de Lousada, Muniz-Oliveira e Barricelli (2010): as plataformas de ensino a
distância (como o moodle, por exemplo) atualmente estão disponíveis para os cursos
presenciais também. Observamos que muitos professores não utilizam essas plataformas de
ensino para os cursos presenciais; alguns fazem uso mínimo da plataforma, recorrendo a
apenas algumas de suas funções; outros exploram várias potencialidades das plataformas,
transformando-as em verdadeiros instrumentos para o seu trabalho. Para Rabardel (1995),
quando acreditamos que os artefatos ou algumas de suas funções são úteis, nós os
transformamos em verdadeiros instrumentos para nossa ação sobre o mundo e sobre o outro.
20
Segundo Amigues (2004, p. 44), a análise da atividade ressalta a importância dos
artefatos na interação entre um sujeito e uma tarefa não somente para aumentar a eficiência
dos gestos, mas também como meios de reorganizar a própria atividade. Trata-se das
dimensões subjetivas, relacionadas à história do indivíduo, a seu engajamento e ao
desenvolvimento profissionais, sendo essas dimensões atravessadas por conflitos, dilemas e
contradições, podendo-se falar em relação consigo mesmo. Mas essas dimensões subjetivas
também estão atravessadas em relação aos valores, pois o professor, por exemplo, organiza o
seu meio de trabalho para não deixar os alunos parados durante a aula, pensa em constituir
grupos sem estigmatizar alunos em dificuldade etc.
Para Amigues (2004, p. 45), a atividade de trabalho do professor pode ser considerada
o ponto de encontro de várias histórias (da instituição, do ofício, do indivíduo etc.), ponto este
a partir do qual o professor estabelece relações com as prescrições, com as ferramentas, com a
tarefa a ser realizada, com os outros (colegas, superiores hierárquicos, alunos), com os valores
e consigo. Nesse sentido, podemos dizer que se trata de um “ponto de encontro convocado a
se renovar sob o efeito da realização da ação e do desenvolvimento da experiência
profissional” (AMIGUES, 2004, p. 34).
Nesse sentido, o trabalho do professor pode ser concebido como um ofício e um
trabalho como qualquer outro, sendo uma atividade coletiva, que não pode ser limitada à sala
de aula e às interações com os alunos, mas uma atividade em que há vários outros envolvidos,
em que é necessário o uso de ferramentas, contando com uma tradição profissional, não sendo
limitada à sala de aula, pois o professor realiza outros trabalhos como preparação de aula,
correção de exercícios e avaliações em outro espaço que não a sala de aula.
Finalmente, apoiando-se em pesquisadores da Ergonomia da Atividade e da Clínica
da Atividade e do ISD (CLOT, 2001, 2006; AMIGUES, 2004; SAUJAT, 2002;
BRONCKART, 2004; entre outros), Machado (2008) desenvolve um estudo visando discutir
o conceito de trabalho do professor. Para a autora, a atividade de trabalho é:
uma atividade situada, sofrendo influência do contexto mais imediato e do mais
amplo;
prefigurada pelo próprio trabalhador, pois ele reelabora as prescrições, construindo
prescrições para si e guiando-se por objetivos que constrói para si,
comprometendo-se com a prescrições externas, com a situação específica em que
se encontra e com os próprios limites de seu funcionamento físico e psíquico;
21
mediada por instrumentos materiais e simbólicos, quando o trabalhador se apropria
de artefatos socialmente construídos e disponibilizados pelo meio social;
plenamente interacional, pois ao agir sobre o meio com a utilização de
instrumentos, o trabalhador, ao mesmo tempo, é por ele transformado;
interpessoal, havendo a interação com muitos outros indivíduos, ausentes ou
presentes;
transpessoal, pois ela é guiada por modelos do agir específico de cada ofício, sócio-
historicamente constituídos pelos coletivos de trabalho;
conflituosa, pois o trabalhador deve sempre fazer escolhas para redirecionar seu
agir em diferentes circunstâncias, diante de vozes contraditórias, das prescrições
etc. Por esse motivo, pode ser fonte tanto para a aprendizagem de novos
conhecimentos e para o desenvolvimento de capacidades do trabalhador quanto
para o impedimento dessa aprendizagem e dessas capacidades, quando o
trabalhador se vê diante de situações que lhe tiram o poder de agir, o que o pode
levar ao sofrimento, fadiga, estresse e até mesmo ao abandono de agir no seu
trabalho.
Machado (2008), considerando essas características do trabalho em geral, apresenta,
com base em Clot (2006), o esquema da Figura 1.2, que ilustra os elementos básicos do
trabalho do professor em situação de sala de aula, considerando as múltiplas relações sociais
existentes em determinado contexto sócio-histórico, inserido em um sistema de ensino e em
um sistema educacional específico.
22
Contexto sócio-histórico particular
Sistema Educacional
Sistema de Ensino
Professor
Objeto Outrem
FIGURA 1.2. Elementos constituintes do trabalho do professor em situação de sala de aula.
Fonte: Machado (2008).
Considerando que o objeto de trabalho do professor seja criar um meio propício para a
aprendizagem de conteúdos disciplinares e o desenvolvimento de capacidades específicas, não
se pode dizer que o trabalho do professor se limita ao espaço da sala de aula, como já
mencionado, pois, para o seu trabalho, as tarefas de planejamento e avaliação são essenciais.
Em vista disso, mais recentemente, Machado (2010) desenvolve o esquema da Figura 1.3, que
representa sumariamente essas outras atividades em que os elementos constituintes do
Instrumento
Os alunos, os
pais, os colegas,
a direção, os
outros
interiorizados.
Organizar um meio que
possibilite a
aprendizagem de
conteúdos disciplinares
e o desenvolvimento de
capacidades específicas.
Sistema didático
Materiais
ou
simbólico
s
Artefatos
23
trabalho podem ser ilustrados, considerando as múltiplas atividades que podem ser
desenvolvidas pelo professor. Nesse esquema, OUT representa o outrem e OBJ o objeto.
FIGURA 1.3. O conjunto possível de atividades do trabalho do professor que pode
ser detectado nas pesquisas.
Fonte: Machado (2010).
Cada triângulo representa uma atividade desenvolvida pelo professor que é mediada
por um artefato que, ao ser apropriado como instrumento, influencia no agir do professor. Por
exemplo, uma atividade de preparação de aula poderá ser mediada por livros, computador,
lápis/caneta, tendo como outrem os alunos e outros professores presentes, os alunos e
professores da memória do ofício, e o objeto poderá ser planejar uma aula que possibilite
desenvolver determinadas capacidades específicas dos alunos. Assim, para cada tarefa
desenvolvida pelo professor, os elementos serão ou poderão ser diferentes, havendo uma
multiplicidade de elementos que fazem parte do trabalho do professor.
24
Desse modo, o trabalho do professor consiste em uma mobilização, pelo professor, de
seu ser integral (físico, psíquico) nas situações de sala de sala, planejamento de aula, de
avaliação, por exemplo, para criar esse meio “que possibilite aos alunos a aprendizagem de
um conjunto de conteúdos de sua disciplina e o desenvolvimento de capacidades específicas
relacionadas a esses conteúdos” (MACHADO, 2008, p. 93). Esse trabalho é orientado por um
projeto de ensino prescrito por instituições superiores, com a utilização de instrumentos
obtidos do meio social e na interação com “outros” envolvidos, direta ou indiretamente, na
situação, sendo peculiar a esse trabalho uma cascata de prescrições hierárquicas.
Machado (2008) considera, então, que para o professor desenvolver de forma plena
seu trabalho, com efeitos positivos para si, é essencial que tenha recursos materiais e
simbólicos, internos e externos para reelaborar, frequentemente, as prescrições, readaptando-
as de acordo com a situação, as reações, interesses, motivações, objetivos e capacidades de
seus alunos; de acordo com seus próprios objetivos, interesses, capacidades e recursos –
corporais, sociais, institucionais, cognitivos, materiais, afetivos etc. e, ainda, “de acordo com
as representações que mantém sobre os „outros‟ interiorizados e sobre os critérios de
avaliação que esses utilizam em relação a seu agir” (MACHADO, 2008, p. 93). Além disso, é
necessário manter ou reorientar o seu agir, de acordo com cada momento, apropriando-se de
artefatos, transformando-os em instrumentos por si e para si, quando considerá-los úteis e
necessários para o seu agir, instrumentos esses selecionados para cada situação. Para a
realização do agir, deve utilizar modelos de agir sócio-historicamente construídos pelo
coletivo de trabalho, encontrando soluções para os diversos conflitos que possam surgir
(MACHADO, 2008, p. 93-94).
Alguns elementos do trabalho do professor mencionados anteriormente parecem-nos
ser mais específicos do professor da educação básica (nível fundamental e médio, no caso do
Brasil), já que um dos elementos (outrem) são os pais. Acreditamos que no final desta
pesquisa poderemos trazer uma definição específica para o trabalho do professor de nível
superior, no caso, o de pós-graduação.
Foi com base nas concepções discutidas que desenvolvemos nossa tese com o objetivo
de identificar as representações sobre o trabalho docente e as dificuldades para a realização de
sua atividade, construídas nos e pelos textos que tratam do trabalho do professor de pós-
graduação.
25
Concluída nossa definição dos termos trabalho e trabalho docente, no próximo
capítulo faremos uma exposição do contexto sócio-histórico em que a pós-graduação no
Brasil foi implantada e as transformações que vêm ocorrendo até os dias atuais, objetivando
compreender melhor o trabalho do professor de pós-graduação. Além disso, trataremos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que é o órgão
avaliador do trabalho do professor de pós-graduação.
27
CAPÍTULO 2
A PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU E O PAPEL DO
PROFESSOR DE PÓS-GRADUAÇÃO
Neste capítulo, para que possamos melhor compreender o trabalho do professor de
pós-graduação, tema desta tese, primeiramente, faremos uma exposição de como se deu a
regulamentação da pós-graduação no Brasil até o início do século XXI. Em segundo lugar,
trataremos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e de
seu sistema de avaliação, pois se trata do órgão que avalia o trabalho do professor de pós-
graduação e porque, na verdade, as instâncias avaliativas acabam prescrevendo as atividades
de trabalho do professor da pós-graduação. Objetivando compreender o que se examina no
processo de avaliação da Capes, que pode influenciar o trabalho do professor, abordaremos
também os critérios utilizados no processo de avaliação trienal 2010 (2007-2009) do
programa de Letras/Linguística, que é a área em que a participante desta pesquisa está
inserida.
A fim de compreender como se deu o processo de regulamentação e expansão da pós-
graduação no Brasil, serão apresentadas algumas determinações de documentos oficiais do
Ministério da Educação, do Senado Federal, do Conselho Nacional da Educação (CNE) e da
Capes.
2.1. História da pós-graduação no Brasil: da sua regulamentação ao século XXI
Em primeiro lugar, trataremos da organização do ensino superior, da origem histórica
da pós-graduação, da implantação e regulamentação dos cursos de pós-graduação no Brasil,
de acordo com o Decreto n. 19.851/31 (BRASIL, 1931), e com o Parecer n. 977/65 (BRASIL,
1965). Em segundo lugar, abordaremos as normas para o funcionamento e credenciamento
dos cursos pós-graduados, de acordo com documentos oficiais disponíveis no site da Capes,
no link legislação (www.capes.gov.br), que mencionaremos no decorrer deste capítulo. Essa
exposição é necessária para que possamos compreender como se deu a implantação da pós-
graduação e quais atividades têm sido atribuídas ao professor que atua nesse nível de ensino
em documentos oficiais desde a sua implantação até o século XXI. Dessa forma, buscamos
28
compreender as representações construídas nos documentos pesquisados e relacioná-las, no
Capítulo 6 e nas Considerações finais, às representações identificadas nos dados analisados.
A primeira tentativa para a implantação da pós-graduação no Brasil ocorreu por meio
do Decreto n. 19.851/31, em que Francisco Campos8 propunha, no Estatuto das Universidades
Brasileiras, a organização do ensino superior brasileiro, ao se adotar o sistema universitário do
modelo europeu. Além de cursos de graduação (cursos normaes), o documento também
versava, em seu artigo 35, sobre cursos de aperfeiçoamento, cursos de especialização, cursos
livres e cursos de extensão universitária.
Foi na década de 1930 que se iniciou o curso de pós-graduação em Direito na
Universidade do Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Filosofia e na Universidade de São
Paulo, seguindo o modelo proposto por Francisco Campos. Mas foi somente na década de
1940 que foi utilizado pela primeira vez o termo “pós-graduação”, tendo sua origem nos
termos norte-americanos “undergraduate” e “graduate”, sendo que o primeiro refere-se a
cursos da graduação e o segundo a cursos pós-graduados (BRASIL, 1965). Observamos,
assim, que a pós-graduação no Brasil é recente, se compararmos com a tradição secular
existente na Europa ou nos Estados Unidos da América.
Com o desenvolvimento industrial no início do segundo governo Vargas (1951 a
1954) houve a necessidade de formação de especialistas e de pesquisadores nas diversas áreas
do conhecimento, buscando a construção de uma nação desenvolvida e independente. Assim,
visando ao desenvolvimento do país para assegurar pessoal especializado em quantidade e
qualidade, em 11 de julho de 1951 o Decreto n. 29.741/51 (BRASIL, 1951) instituiu uma
comissão para promover uma Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior9 (Capes), integrada ao Ministério da Educação e Saúde, tendo como objetivos gerais
“assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para
atender às necessidades” do país e “oferecer os [sic] indivíduos mais capazes, sem recursos
próprios, acesso a tôdas [sic] as oportunidades de aperfeiçoamentos” (BRASIL, 1951, art. 2o).
8 “Francisco Campos foi um jurista e político brasileiro, responsável, entre outras obras, pela redação da
Constituição brasileira de 1937, do AI-1 do golpe de 1964 e dos códigos penal e processual brasileiros. Em 1926,
ele promoveu uma profunda reforma educacional.” Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Campos>. Acesso em: 12 mar. 2011. 9 A Capes foi criada em 1951 com o nome “Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior”. Alguns anos mais tarde, no processo de reformulação das políticas setoriais, ela passa a ser
denominada “Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior”, permanecendo com a mesma
sigla (Capes).
29
Após a promulgação desse Decreto ocorreu a expansão dos estudos pós-graduados no
país. De acordo com Santos (2003, p. 629):
A modernização do Brasil nos anos 1960 deu-se dentro de um contexto de
integração entre países periféricos e países centrais. Essa integração
implicava a expansão de mercados consumidores nos países periféricos e o
fomento dos centros produtores de Ciência & Tecnologia (países centrais). O
objetivo das nações mais desenvolvidas era o aumento de mercados
consumidores e o desestímulo à concorrência científica e tecnológica.
Observamos, assim, que, no período de implantação da pós-graduação no Brasil, os
países desenvolvidos visavam à expansão de novos mercados consumidores, não estimulando
a concorrência científica e tecnológica, pois, dessa forma, continuariam com o poder, no que
se refere ao mercado científico e tecnológico, tendo consumidores para seus produtos.
Foi nesse contexto de dependência em relação às nações centrais que se deu a
implantação da pós-graduação no Brasil. “Uma sociedade dependente vincula-se a outra,
supostamente mais organizada e desenvolvida, para estabelecer uma relação de parceria
subordinada” (SANTOS, 2003, p. 629). Tal dependência é muito nociva na área de pesquisa,
já que a compra do know-how estrangeiro se torna um mau negócio por desestimular as
iniciativas de desenvolvimento tecnológico do país importador, o que limita a formação de
cientistas de pesquisadores. Segundo Santos (2003), a importação de teóricos e de teorias só
foi implantada em virtude da modernização da intelectualidade da elite, que consistia em
tentar reproduzir no Brasil marcas dos países desenvolvidos.
O Brasil propôs o seu modelo para a regulamentação de cursos de pós-graduação por
meio do Parecer n. 977/65, baseado no modelo norte-americano. Esse parecer define o
sistema de estudos pós-graduados, regulamentando os cursos de pós-graduação a que se refere
a letra b do artigo 69 da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, que distingue três grandes
categorias de cursos: de graduação; de pós-graduação; e de especialização, aperfeiçoamento e
extensão. Embora não chegue a determinar a natureza dos cursos de pós-graduação, esse
parecer estabelece a distinção entre pós-graduação sensu stricto e sensu lato:
[...] a pós-graduação sensu stricto apresenta as seguintes características
fundamentais: é de natureza acadêmica e de pesquisa e mesmo atuando em
setores profissionais tem objetivo essencialmente científico, enquanto a
especialização, via de regra, tem sentido eminentemente prático-profissional;
confere grau acadêmico e a especialização concede certificado; finalmente a
pós-graduação possui uma sistemática formando estrato essencial e superior
na hierarquia dos cursos que constituem o complexo universitário. Isto nos
permite apresentar o seguinte conceito de pós-graduação sensu stricto: o
30
ciclo de cursos regulares em segmento à graduação, sistematicamente
organizados, visando desenvolver e aprofundar a formação adquirida no
âmbito da graduação e conduzindo à obtenção de grau acadêmico. (BRASIL,
1965)
Observamos, nessa citação, que a pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado)
foi implantada visando à pesquisa, tendo caráter científico. Assim, o objetivo de sua
implantação foi contribuir com o desenvolvimento de pesquisas científicas no Brasil,
diferente da pós-graduação lato sensu (especialização), que visava à formação profissional.
Esse documento define as características dos cursos de mestrado e de doutorado, que,
com base na experiência estrangeira, determinam o mínimo de um ano para o primeiro e dois
anos para o segundo, sendo o curso orientado pelo “diretor de estudos”. Para o candidato de
mestrado, exige-se uma dissertação, revelando domínio do tema e capacidade de
sistematização; no doutorado requer-se a defesa de tese que represente trabalho de pesquisa
que traga real contribuição para o conhecimento do tema. Para os dois tipos de curso é
necessário obter determinada quantidade de créditos por meio de disciplinas cursadas.
Em várias partes do documento encontramos menção ao fato de que a pós-graduação
almeja desenvolver capacidades referentes à atividade de pesquisa e ao desenvolvimento da
ciência e da cultura em geral. Além disso, os responsáveis pela elaboração desse parecer
consideravam urgente promover a implantação sistemática dos cursos de pós-graduação que
visassem formar
[...] os nossos próprios cientistas e tecnólogos, sobretudo tendo em vista que
a expansão da indústria brasileira requer número crescente de profissionais
criadores, capazes de desenvolver novas técnicas e processos, e para cuja
formação não basta a simples graduação. (BRASIL, 1965)
Percebemos, no documento, que é papel do professor de pós-graduação desenvolver
nos alunos e profissionais capacidades referentes à atividade de pesquisa, ou seja, formar
cientistas e tecnólogos capazes de atuar nas indústrias que emergiam naquele período. Assim,
o professor é visto como um pesquisador responsável por formar outro pesquisador.
O Parecer ainda expõe os principais motivos pelos quais o Ministério requer a
regulamentação da pós-graduação: era necessário formar professores competentes para
atender a expansão quantitativa do ensino superior, garantindo, ao mesmo tempo, a elevação
dos níveis de qualidade, e estimular o desenvolvimento de pesquisa científica a partir da
preparação adequada de pesquisadores.
31
O documento faz menção ao fato de, então, o Brasil não ter experiência em matéria de
pós-graduação, o que tornava necessário recorrer a modelos estrangeiros para que fosse criado
o sistema brasileiro. Entretanto, os relatores do documento esclarecem que não seria feita
mera cópia de modelos estrangeiros, mas que estes serviriam apenas como orientação. Apesar
dessa ressalva, indagamos: a proposta do sistema de pós-graduação brasileiro não foi, na
verdade, mera cópia do modelo norte-americano que não levou em conta o contexto do nosso
país? A tradição de “copiar” modelos estrangeiros é antiga no Brasil, o que também acontecia,
e ainda acontece, com a importação – e não o desenvolvimento – de teorias estrangeiras.
Após a regulamentação dos cursos, em 5 de junho de 1970, o Decreto n. 66.662/70
reformulou a Capes, determinando que essa agência passaria a funcionar como órgão
autônomo do Ministério da Educação e Cultura, em articulação com o Conselho Nacional de
Pesquisas e demais órgãos de atribuições semelhantes, sendo algumas de suas atividades o(a):
coordenação das atividades de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior,
especialmente dos docentes;
administração dos programas de bolsas de estudo e outros auxílios financeiros;
estabelecimento de critérios para a concessão dos auxílios e bolsas de estudo da
Capes;
prestação de contas e elaboração do relatório anual;
elaboração do regimento interno.
Em 5 de janeiro de 1982, o Decreto n. 86.816/82 incluiu como finalidade da Capes a
elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação e o acompanhamento e avaliação dos
programas de pós-graduação e a interação entre ensino e pesquisa. Assim, a Capes passou a
ser a agência destinada a, entre outras coisas, avaliar os programas de pós-graduação das
instituições brasileiras.
Em 10 de março de 1983, o Presidente do Conselho Federal de Educação, por meio da
Resolução n. 5/83 (BRASIL, 1983), estabeleceu normas de funcionamento e credenciamento
dos cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), instituindo as diretrizes
para esse credenciamento. Essa resolução dispõe que:
Art. 3
o O credenciamento dos cursos de pós-graduação será concedido por
ato do CFE [Conselho Federal da Educação] homologado pelo Ministro de
Educação e Cultura.
32
§ 1o Poderão ser credenciados cursos de pós-graduação mantidos por
instituições de ensino superior, oficiais ou particulares e, excepcionalmente,
por outras instituições científicas ou culturais. (BRASIL, 1983)
Já o artigo 4o determina que “a implantação de um curso de pós-graduação deve ser
precedida da existência de condições propícias à atividade criadora e de pesquisa” (BRASIL,
1983), tendo a instituição recursos materiais e financeiros e condições de qualificação e
dedicação do corpo docente nas áreas ou linhas de pesquisa envolvidas nos cursos.
Observamos que, novamente, nesse outro documento, é papel do professor de pós-graduação
desenvolver pesquisas, configurando-se como um pesquisador. A esse professor, delineado no
documento, a instituição teria de proporcionar condições materiais e financeiras para o
desenvolvimento de seu trabalho.
O artigo 7o desse documento estabelece, ainda, que os docentes de curso de pós-
graduação devem exercer atividade criadora, demonstrada pela produção de trabalhos
originais de valor comprovado em sua área de atuação, ter formação acadêmica adequada,
representada pelo título de doutor ou equivalente. O artigo 8o, por sua vez, determina que se
exige dos docentes-pesquisadores, em especial dos orientadores, dedicação à atividade de
pesquisa e ao ensino “em condições de formar ambiente favorável à atividade criadora”
(BRASIL, 1983). Assim, percebe-se que esse professor é visto como produtor de trabalhos
originais, configurando-se como um pesquisador “criador” de novas ideias, novas pesquisas,
responsável pela formação de ambiente que favoreça a atividade criadora de pesquisa.
Segundo o artigo 12 da Resolução n. 5/83, o credenciamento dos cursos de pós-
graduação teria validade de cinco anos, tendo de ser renovado após esse período. O artigo 12
estabelece, ainda, que:
§ 2o O CFE poderá, a qualquer tempo, determinar a suspensão temporária ou
o cancelamento do credenciamento de cursos de pós-graduação que
deixarem de atender às exigências desta Resolução. (BRASIL, 1983)
Assim, observamos que, para que os cursos continuem credenciados, as instituições às
quais estão vinculados devem seguir as exigências dessa resolução. Para fins de
credenciamento, a Resolução CES n. 2/98 (BRASIL, 1998), estabeleceu indicadores para
comprovar a produção intelectual institucionalizada, dispondo que:
Art. 1o A produção intelectual institucionalizada consiste na realização
sistemática da investigação científica, tecnológica ou humanística, por um
certo número de professores, predominantemente doutores, ao longo de um
33
determinado período, e divulgada, principalmente, em veículos reconhecidos
pela comunidade da área científica. (BRASIL, 1998)
Esse documento estabeleceu vários indicadores para que a produção intelectual seja
comprovada, como podemos observar a seguir:
participação dos docentes em eventos nacionais ou internacionais;
publicação dos resultados das pesquisas em livros ou revistas indexadas ou que
tenham conselho editorial externo composto por especialistas reconhecidos na área;
desenvolvimento de intercâmbio institucional a partir da participação de seus
docentes em cursos de pós-graduação, troca de professores visitantes ou
envolvimento em pesquisas interinstitucionais;
desenvolvimento de programas de iniciação científica, envolvendo alunos dos
cursos de graduação nas temáticas investigadas.
Como vemos, um dos critérios levados em conta para o credenciamento é a produção
intelectual institucionalizada e divulgada em veículos reconhecidos pela comunidade
acadêmica. Observamos, nesse documento prescritivo, que os professores são obrigados a
comprovar a sua produção intelectual, seguindo as exigências da Resolução CES n. 2/98; caso
contrário, o credenciamento do programa não será renovado.
Em 3 de abril de 2001, a Resolução CNE/CES n. 1 (BRASIL, 2001) instituiu outras
normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação, determinando que os pedidos de
autorização, de reconhecimento e de renovação de reconhecimento de curso de pós-graduação
stricto sensu devem ser encaminhados à Capes para o Sistema Nacional de Pós-Graduação,
respeitando as normas e procedimentos de avaliação estabelecidos por essa agência. Assim,
essa agência passa a ser a responsável pela avaliação dos programas dos cursos de pós-
graduação stricto sensu. Ela é reconhecida como órgão responsável pela elaboração do Plano
Nacional de Pós-Graduação Stricto Sensu e também como Agência Executiva do Ministério
da Educação junto ao sistema nacional de Ciência e Tecnologia, sendo responsável pela
elaboração, avaliação, acompanhamento e coordenação das atividades relativas ao ensino
superior. Essa agência está inserida no sistema educacional brasileiro, tendo como leis
maiores que a regulamentam a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educacional Nacional (LDB) (BRASIL, 1996).
34
De acordo com o Regimento Interno da Capes (BRASIL, 2002), são atividades dessa
agência:
[...] subsidiar o Ministério da Educação na formulação de políticas para a
área de pós-graduação, coordenar e avaliar os programas desse nível no País
e estimular, mediante bolsas de estudo, auxílios e outros mecanismos, a
formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de
grau superior, a pesquisa e o atendimento das demandas dos setores públicos
e privados. (BRASIL, 2002)
Dessa forma, ela é responsável pela elaboração das políticas públicas da pós-
graduação brasileira, sendo configurada, portanto, como uma agência prescritora das
atividades dos professores da pós-graduação no Brasil, já que elabora as normas e regras
direcionadas aos profissionais da educação superior, ou seja, a Capes prescreve o que deve ser
feito por eles. Além disso, ela é a instituição responsável pela avaliação da pós-graduação, o
que significa que examina o trabalho dos protagonistas envolvidos no ensino e pesquisa,
incluindo os professores-pesquisadores.
De acordo com o Regimento Interno da Capes, ela é constituída por vários órgãos,
sendo estruturada da seguinte maneira:
1. Órgãos colegiados (Conselho Superior e Conselho Técnico-Científico);
2. Órgão executivo;
3. Órgão de assistência direta e imediata ao presidente;
4. Órgãos seccionais;
5. Órgãos singulares, compostos pela Diretoria de Programa e pela Diretoria de
Avaliação.
De acordo com o artigo13 do regimento, é atribuição do Conselho Técnico-Científico,
entre outras coisas, “propor os critérios e procedimentos para o acompanhamento e a
avaliação da pós-graduação e dos programas [de bolsas e outros auxílios] executados pela
Capes” (BRASIL, 2002).
Já a Diretoria de Programa é responsável pela concessão de bolsas e auxílios de
diferentes tipos a pesquisadores, gerindo ações para a implementação dessas bolsas. Por sua
vez, a Diretoria de Avaliação é responsável pelo gerenciamento das políticas de avaliação da
pós-graduação e dos programas de bolsas, como veremos a seguir.
35
A Capes impõe vários critérios para obtenção de bolsas. Assim, os professores são, de
certa forma, pressionados pelo sistema de avaliação dessa agência para que bolsas sejam
concedidas às suas instituições, para eles próprios e seus alunos, pois, de acordo com a
Portaria n. 013/2002 (CAPES, 2002):
Art. 4o Uma vez referendados pelo CNE e homologados pelo MEC, os
resultados da avaliação realizada pela Capes acarretam implicações
diferentes para os programas que tenham obtido nota igual ou superior a 3
(três) e aqueles que tenham obtido nota inferior a 3 (três), no que se refere a
procedimentos relativos à avaliação da pós-graduação e às próprias
condições de funcionamento dos cursos por eles oferecidos.
Como exemplo de a nota atribuída pela Capes acarretar implicações para os cursos de
mestrado ou doutorado podemos citar o Programa de Excelência Acadêmica (Proex).
Somente os programas de mestrado e doutorado avaliados com nota 6 ou 7 podem ser
inseridos no Proex, recebendo auxílio financeiro que pode ser utilizado de acordo com as
prioridades estabelecidas pelos próprios programas, considerando as modalidades de apoio
concedidas pela Capes, tais como concessão de bolsas de estudo, recursos para investimento
em laboratórios, custeio de elaboração de dissertações e teses, passagens, eventos,
publicações, entre outros. Esse exemplo do Proex mostra que as instituições, o que incluem os
professores, estão sempre subordinadas aos critérios da Capes para conseguir qualquer tipo de
auxílio governamental à pesquisa para a instituição, professores e alunos. Partimos da
hipótese de que essa subordinação aos critérios da Capes será representada, que alguma
forma, na instrução ao sósia realizada com a professora.
Após a discussão sobre o papel da Capes, na próxima seção abordaremos o seu
sistema de avaliação e a questão dos critérios utilizados por essa agência na avaliação trienal
2010 (2007-2009) do programa Letras/Linguística, para que possamos compreender melhor
como se dá o processo de avaliação pela Capes dos programas de pós-graduação.
2.2. O Sistema de Avaliação da Capes e os critérios de avaliação da área
Letras/Linguística
Como discutiremos no Capítulo 3, a avaliação é importante para direcionar as nossas
representações sobre o agir, que são importantes para o desenvolvimento humano. Nesse
sentido, a avaliação do outro acaba se tornando uma espécie de prescrição do agir humano.
Sendo assim, nesse contexto, os critérios utilizados pelo Sistema de Avaliação da Capes para
36
avaliar os programas de pós-graduação tornam-se uma espécie de prescrição para o professor,
já que ele, sabendo da importância da avaliação, passa a se orientar por esses critérios para
desenvolver o seu trabalho. Dessa forma, partimos do princípio de que os critérios utilizados
pela Capes exercem influência sobre o trabalho do professor. Para que possamos compreender
tal influência, nesta seção trataremos dos critérios a partir dos quais os programas de Pós-
Graduação da área “Letras e Linguística” são avaliados, considerando o triênio 2010 (2007 a
2009), com base no Documento de Área da Avaliação Trienal 2010 da Capes.10
Essa
discussão se faz necessária porque a avaliação da Capes, de acordo com os pressupostos
teóricos assumidos, estabelece um conjunto de prescrições que orientam o agir do professor.
A partir de 1998, a Capes implantou um novo sistema de avaliação, introduzindo
critérios internacionais às diferentes àreas de conhecimento. Além disso, ajustou os
parâmetros e indicadores adotados, valorizando a produtividade docente e discente. A
avaliação passou a ser por programa de pós-graduação e não mais por curso de mestrado de
modo isolado. Estabeleceu-se a periodicidade trienal e não mais bienal, como era até então. A
escala numérica de conceitos também passou a ser de 1 a 7, em substituição à escala de cinco
conceitos até então utilizada (SISTEMA DE INFORMAÇÃO, 2002).
O Sistema de Avaliação da Capes abrange o processo de avaliação dos programas de
pós-graduação e o processo de exame das propostas de criação de novos cursos nesse nível de
ensino.
A avaliação dos programas de pós-graduação compreende a realização do
acompanhamento anual e da avaliação trienal do desempenho de todos os programas que
integram o Sistema Nacional de Pós-Graduação. Para que os programas obtenham a
renovação de reconhecimento pelo CNE/MEC é necessário que a Capes tenha atribuído nota
de 3 a 7. A avaliação trienal é composta pelas etapas de coleta de informações, que as
instituições fornecem anualmente à Capes. Essas informações são consolidadas pelo corpo
técnico da Capes e, posteriormente, analisadas pelas comissões de área.
De acordo com a Portaria n. 207, de 22 de outubro de 2010, os programas de pós-
graduação, associações e sociedades científicas indicam de 3 a 5 docentes11
para a seleção do
10
Escolhemos apresentar os critérios de avaliação da área de Letras/Linguística por ser a área em que os
participantes desta pesquisa atuam, embora consideremos que os critérios referentes a outras áreas das Ciências
Humanas não sejam tão distintos. Entretanto, somente uma análise comparativa entre os documentos de
diferentes áreas poderia comprovar essa hipótese. 11
O programa de pós-graduação não poderá indicar mais que um docente-pesquisador vinculado ao seu
programa ou curso.
37
representante de área que auxilia as diretorias da Capes na seleção de consultores científicos
qualificados. O Conselho Superior da Capes analisa os currículos dos indicados, deliberando
uma lista tríplice de cada área, sendo a decisão final do Presidente da Capes, com publicação
posterior da portaria de designação dos representantes (ou coordenadores) de cada área do
conhecimento. Esse representante coordena a comissão de consultores ad hoc que examina os
programas e cursos no sistema de avaliação, entre outras responsabilidades.
Os relatórios das comissões de área são analisados por um relator membro do
Conselho Técnico Científico do Ensino Superior (CTC-ES) da Capes, que apresenta parecer
conclusivo ao colegiado. O CTC-ES aprecia o parecer e decide pela recomendação ou não
recomendação do curso. O parecer do CTC-ES é encaminhado ao CNE/MEC para deliberação
sobre o reconhecimento ou renovação de reconhecimento dos cursos (NUNES, 2010).
Percebemos que, na organização de trabalho desse sistema de avaliação, os próprios
profissionais são colocados no lugar de avaliadores dos colegas, já que também estão
envolvidos no processo. Entretanto, os quesitos de avaliação são definidos previamente,
seguindo padrões internacionais, por uma pequena equipe do CTC-ES. Indagamos: para haver
democracia, de fato, no sistema de avaliação, não seria apropriado que esses quesitos também
fossem definidos por uma equipe maior de profissionais qualificados de cada área, já que são
esses profissionais que realmente conhecem o que é mais adequado considerar na sua área,
levando-se em conta o contexto geográfico e sócio-histórico?
Já o processo de avaliação dos cursos compreende a avaliação das propostas de cursos
novos de pós-graduação visando à admissão de novos programas e cursos pelo Sistema
Nacional de Pós-Graduação, que consiste em verificar se a proposta do curso novo atende ao
padrão de qualidade determinado pela Portaria n. 10/2003, da Capes.
Os resultados do processo de avaliação de novos cursos são encaminhados para
fundamentar a deliberação do CNE/MEC sobre o reconhecimento dos cursos e incorporação
ao Sistema Nacional de Pós-Graduação.
Em relação à avaliação do corpo docente, em 3 de agosto de 2004 o presidente da
Capes, por meio da Portaria n. 068 (BRASIL, 2004), definiu as categorias de docentes dos
programas da pós-graduação. De acordo com o artigo 1o desse documento, o corpo docente
dos programas de pós-graduação é composto por docentes permanentes, docentes visitantes e
docentes colaboradores.
38
De acordo com o artigo 2o, os docentes permanentes devem atender os seguintes
requisitos:
desenvolver atividades de ensino, na pós-graduação e/ou na graduação;
participar de projetos de pesquisa do programa;
orientar alunos de mestrado ou doutorado do programa, sendo credenciado como
orientador pela instituição;
ter vínculo funcional com a instituição ou se enquadrar nas condições especiais
propostas pelo documento, como, por exemplo, caso seja aposentado, tenha
firmado termo de compromisso de participação como docente do programa;
manter regime de dedicação integral à instituição, sendo atribuição do CTC-ES o
estabelecimento do percentual mínimo de docentes com dedicação integral.
Observamos nesse artigo da Portaria n. 068 que o professor de pós-graduação precisa
se dedicar à atividade de ensino na graduação e na pós-graduação, sendo seu papel orientar
alunos de mestrado e doutorado. Além disso, é papel do professor desenvolver pesquisas, já
que deve participar de projetos de pesquisa do programa.
O artigo 2o da Portaria 068 dispõe que:
Art. 2o A estabilidade de docentes permanentes do programa será objeto de
acompanhamento e avaliação sistemática pela Capes, sendo requerido das
instituições justificar as ocorrências de credenciamento e descredenciamento
de integrantes dessa categoria verificado de um ano para o outro. (BRASIL,
2004)
Observamos, a partir desse artigo 2o, que a Capes acompanha até a estabilidade de
professores permanentes, tendo a instituição de justificar o credenciamento ou
descredenciamento desse professores anualmente. Temos aí um exemplo de como as
instituições são submissas às prescrições da Capes.
Após ter abordado o Sistema de Avaliação da Capes, para que possamos compreender
os critérios a partir dos quais o trabalho do professor é avaliado, trataremos dos grandes
indicadores da avaliação 2010, que compreende o triênio 2007 a 2009, e do documento
disponibilizado pela Capes chamado Documento de Área 200912
de Letras/Linguística desse
12
Há no site da Capes um documento específico chamado “Documento de Área” com os critérios do Sistema de
Avaliação dessa agência para cada área de conhecimento e com os pesos atribuídos a cada item dos quesitos.
Nesse site, chamado “Avaliação Trienal 2010” há vários outros documentos sobre essa avaliação, o que não
39
mesmo triênio. Esses critérios, a partir dos quais a instituição e o professor são avaliados,
funcionam como fontes do agir, o que significa dizer que funcionam como verdadeiras
prescrições para o agir docente.
Os grandes indicadores da avaliação do triênio 201013
que serviram de orientação para
todas as áreas foram: 1. proposta do programa; 2. corpo docente; 3. corpo discente, teses e
dissertações; 4. produção intelectual; 5. inserção social.
Para cada um desses indicadores há itens específicos, por exemplo, para o quesito
“Corpo docente” há os itens “Perfil do corpo docente” e “Dedicação”. Esses indicadores e
itens são estabelecidos pelo CTC-ES, que é composto, de acordo com o Decreto n.
6.316/2007 (BRASIL, 2007), por representantes de cada uma das grandes áreas do
conhecimento, pelo Diretor da Avaliação, pelo Diretor de Programas e Bolsas da Capes e pelo
Diretor de Relações Internacionais, por um representante do Fórum Nacional dos Pró-Reitores
de Pesquisa e Pós-Graduação e por um aluno de doutorado, representante da Associação
Nacional de Pós-Graduandos, sendo presidido pelo Presidente da Capes.14
Isso parece apontar
para um sistema em que há democracia, pois há diferentes atores envolvidos.
De acordo com nossas análises, observamos que os quesitos/itens estabelecidos pelo
CTC-ES têm sofrido algumas alterações em relação à avaliação trienal 2001,15
2004, 2007 e
2010. De acordo com o documento de área do triênio 2001, o CTC-ES introduziu mudanças
às vésperas de um novo processo de avaliação. Para a comissão desse triênio, sob a
coordenação do Prof. Dr. José Luiz Fiorin, isso é lamentável quando acontece às vésperas do
início de um novo processo de avaliação. Consideramos positivas as mudanças que ocorrem
como forma de repensar o processo de avaliação, porém, elas devem ser feitas no início do
período a ser avaliado e a comunidade acadêmica precisa tomar conhecimento prévio delas.
Para cada área do conhecimento é designada pela Capes, por convocação ad hoc, uma
comissão de consultores científicos que avalia os programas de mestrado e doutorado, que é
acontece com as avaliações trienais anteriores. Observamos que o sistema de avaliação tem progredido em
relação à manutenção de uma página da web com muitas informações sobre o sistema de avaliação, o que mostra
mais transparência de sua atuação em relação aos anos anteriores. Disponível em:
<http://trienal.capes.gov.br/?page_id=100>. Acesso em: 21 mar. 2011. 13
Observamos que os quatro primeiro quesitos são os mesmos da avaliação trienal anterior (2004-2006), mas há
diferenças em alguns itens avaliados de cada quesito. Em relação ao quinto quesito “Inserção Social”, ele
constava como um item do quesito “Proposta do Programa”. O quinto quesito do triênio anterior era
“Capacidade de nucleação, maturidade, solidariedade e transparência‟, sendo esse indicador considerado apenas
nos casos de programas com nota 6 ou 7. 14
A relação dos integrantes atuais do CTC-ES encontra-se disponível em: <http://www.capes.gov.br/sobre-a-
capes/ctc>. Acesso em: 20 dez. 2010. 15
O documento de área encontrado no site do triênio mais antigo é o de 2001, porém, embora conste no site
como avaliação trienal, no documento consultado informa-se que a avaliação é bienal (1998/2000).
40
responsável por elaborar o documento de área em que há critérios para avaliar cada um dos
quesitos/itens, mencionados anteriormente, já estipulados pelo CTC-ES.16
A seguir, abordaremos alguns critérios expostos no documento de área, de acordo com
o que foi estabelecido pela comissão da Avaliação Trienal 2010 da área Letras/Linguística,
para que possamos compreender alguns elementos que são considerados pelo Sistema de
Avaliação da Capes e o papel do professor diante dessa avaliação.
De acordo com o documento, no quesito “Proposta do Programa” deve ser levada em
conta a coerência, consistência, abrangência e atualidade das áreas de concentração, linhas de
pesquisa e projetos em andamento e proposta curricular.17
Nesse sentido, é o coletivo de
professores o responsável por estabelecer essa coerência entre as áreas de concentração, linhas
de pesquisa e os projetos de pesquisa. Esse mesmo professor precisa ter tempo adequado para
se dedicar a leituras atuais, já que se busca atualidade com inovações
teóricas/metodológicas/procedimentais.
Ainda no quesito “Proposta do Programa” avaliam-se o planejamento do programa
com vistas a seu desenvolvimento futuro, contemplando os desafios internacionais da área na
produção do conhecimento, seus propósitos para a melhor formação de seus alunos, suas
metas quanto à inserção social mais rica dos seus egressos, conforme os parâmetros da área.
Nesse caso, novamente é o professor o responsável por fazer esse planejamento do programa,
sendo o seu trabalho avaliado.
Já no quesito “Corpo Docente” levam-se em conta o perfil do corpo docente,
considerando titulação, diversificação na origem de formação, aprimoramento e experiência,
além de sua compatibilidade e adequação à Proposta do Programa. Avalia-se também a
adequação e dedicação dos docentes permanentes em relação às atividades de pesquisa, com
participação em projetos ou programas especiais. Observa-se, assim, que o professor deve
sempre estar se aprimorando e deve ter formação diversificada e premiações, dedicando-se à
pesquisa, com publicações, e à formação do programa. Além disso, é seu dever dedicar-se à
orientação dos alunos e à docência.
Ainda em relação ao quesito “Corpo Docente” avalia-se se os docentes estão
contribuindo nas atividades de ensino e/ou pesquisa na graduação, orientando, por exemplo,
16
Está disponível em <http://trienal.capes.gov.br/?p=326> uma relação dos integrantes da Comissão de Área
Letras e Linguística da Avaliação Trienal 2010. 17
Os quesitos e os itens são estabelecidos pelo CTC-ES e os critérios pelos integrantes da comissão, e estão
disponíveis em: <http://trienal.capes.gov.br/?page_id=568>. Acesso em: 20 dez. 2010.
41
alunos de iniciação científica. Assim, não basta o professor desenvolver pesquisas e atuar na
pós-graduação, ele tem de desenvolver trabalhos também na graduação.
Por sua vez, no quesito “Corpo Discente” é avaliada a quantidade de teses e
dissertações defendidas no período da avaliação. Nesse sentido, o papel do professor é
orientar os pós-graduandos para a produção de seus textos acadêmicos. O número máximo
recomendável de orientandos por orientador é dez, para que haja o acompanhamento
sistemático do trabalho final do pós-graduando, devendo haver uma distribuição proporcional
de orientandos entre os orientadores do programa. Consideramos que essa quantidade de
orientandos por orientador é excessiva, pois acreditamos que torna-se dificultoso para o
orientador acompanhar de modo sistemático e adequado o trabalho final de tantos pós-
graduandos ao mesmo tempo que acumula inúmeras outras atividades que, como vemos, são
estipuladas a ele. Ainda nesse quesito, avalia-se a qualidade das teses e dissertações e da
produção intelectual discente. Nesse caso, o papel do professor é fundamental para
acompanhar a vida acadêmica, o que inclui as teses e dissertações de seus orientandos.
Outro quesito é a “Produção Intelectual”, em que se avalia as publicações de textos
qualificados em periódicos e livros, na íntegra ou capítulos. Constitui mérito a produção
acadêmica que decorra dos projetos de pesquisa do programa. As produções publicadas em
periódicos externos à instituição classificados no Qualis18
nos estratos iguais ou superiores a
B2 ou em livros classificados nos estratos iguais ou superiores a L2 são valorizadas. Assim, o
professor também precisa produzir textos acadêmicos e publicá-los em periódicos
reconhecidos pela Capes ou em livros.
Por fim, no quesito “Inserção Social” leva-se em conta a inserção e impacto regional
e/ou nacional do programa. Consideram-se os intercâmbios de docentes com outros
programas, instituições e áreas. A avaliação do impacto e a inserção educacional e social do
programa pautar-se-á pela produção de material didático, cursos de atualização e capacitação
para professores, formação de profissionais para sistema de ensino, assessorias especiais,
projetos e extensão e de divulgação científica. Nesse caso, para que o programa seja bem
avaliado nesse quesito, o professor deve se deslocar de sua instituição para fazer intercâmbio
18
Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação (agrupamento de informações
sob vários pontos de vistas) da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação, que foi
concebido para atender as necessidades do sistema de avaliação e é baseado nas informações fornecidas por
meio do aplicativo de Coleta de Dados. A classificação de periódicos e eventos é realizada pelas áreas de
avaliação e passa pelo processo anual de atualização. Esses veículos são enquadrados em estratos indicativos da
qualidade – A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; e C – com peso zero. Disponível em:
<http://www.capes.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/36-noticias/2550-capes-aprova-a-nova-classificacao-do-
qualis>. Acesso em: 21 dez. 2010.
42
com outras instituições, além de prestar assessorias a outras entidades. Além disso, leva-se em
conta se há integração e cooperação com outros programas e centros de pesquisa, o que
significa que é papel do professor fazer essa integração.
Consideramos que, em virtude da avaliação trienal, os professores acabam se sentindo
pressionados pela Capes a seguir as exigências dessa agência a fim de que sua instituição seja
bem avaliada. Desse modo, essa agência passa a ser concebida como a instituição prescritora
por excelência, já que é ela que detém o poder de efetuar o credenciamento dos programas de
pós-graduação ou renová-lo, com base, principalmente, nos resultados do trabalho do
professor e de outros atores envolvidos, e de conceder ou não bolsas e outros auxílios
financeiros essenciais para o desenvolvimento das pesquisas. Nesse sentido, partimos do
princípio de que encontraremos representações nos e pelos textos analisados produzidos pelo
professor, indicando a influência da Capes no agir docente.
Consideramos necessário dar voz ao professor de pós-graduação para que ele possa
falar sobre o seu trabalho, como defendem Bronckart (2006), Clot (2006) e Guérin et al.
(2001), entre outros, o que pode levar a uma melhor compreensão do trabalho docente. Dando
voz a ele, há possibilidade de que o professor verbalize não só as atividades que desenvolve,
mas, também, as formas de realizá-las, as suas dificuldades e as formas de superá-las.
Para a identificação dessas representações construídas nos e pelos textos sobre o
trabalho docente, é necessária uma abordagem teórico-metodológica que nos proporcione
fundamentos para compreender o papel da linguagem e do agir no desenvolvimento humano.
Assim, no próximo capítulo apresentaremos e discutiremos as bases teóricas e metodológicas
do interacionismo sociodiscursivo (ISD) para fundamentar nossas concepções de linguagem,
desenvolvimento e agir, indispensáveis à análise dos dados.
43
CAPÍTULO 3
AGIR, LINGUAGEM E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UMA
ABORDAGEM INTERACIONISTA SOCIODISCURSIVA
No primeiro capítulo, vimos que o trabalho do professor pode ser definido como uma
atividade que utiliza artefatos simbólicos e materiais, como as prescrições, os modelos de
agir, o giz, os textos; dirigida ao próprio professor; ao seu objeto, que é criar um meio de
trabalho coletivo que possibilite a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos; e aos
outros, os professores, superiores hierárquicos. Além disso, vimos que a atividade de trabalho
envolve várias dimensões, como a impessoal, a interpessoal, a pessoal e a transpessoal,
configurando-se como uma atividade conflituosa.
Já no segundo capítulo, atentamos ao papel do professor em documentos prescritivos
desde a sua a implantação até a atualidade e também às coerções pelas quais o professor passa
a partir do sistema da avaliação da Capes, o que pode levá-lo ao sofrimento caso seja
amputado de agir, de acordo com as suas motivações e interesses, para atender o que lhe é
prescrito.
Partimos da hipótese de que alguns desses elementos (artefatos/instrumentos, outros,
objeto do trabalho) e as dimensões físicas, afetivas, cognitivas, suas capacidades etc., que
constituem o agir do professor serão colocados à cena no e pelo texto gerado para esta
pesquisa.
Para analisar e interpretar esses elementos do agir docente, recorremos ao
interacionismo sociodiscursivo (ISD), vertente do interacionismo social, que desenvolve uma
teoria sobre o funcionamento e o desenvolvimento humano, sendo esta a teoria que
escolhemos para fundamentar as nossas análises, pois, parte de uma abordagem sócio-
histórica, como veremos no decorrer deste capítulo, possibilitando compreender o agir
linguageiro, materializado em textos, e interpretá-lo em uma visão que integra as dimensões
biológicas, emocionais, cognitivas, semióticas, sociais, históricas etc. Assim sendo, essa
vertente também é coerente com as disciplinas discutidas no Capítulo 1, Ergonomia da
Atividade e Clínica da Atividade, já que parte dos mesmos princípios de base filosófica e
epistemológica.
44
O ISD foi desenvolvido por Jean-Paul Bronckart e por outros pesquisadores do
Departamento de Didática de Línguas da Universidade de Genebra, contando, atualmente,
com colaborações de pesquisadores do grupo Langage, Action et Formation19
(LAF) desta
mesma universidade, e de pesquisadores do grupo Análise de Linguagem Educacional e suas
Relações, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(Alter-CNPq), que inclui pesquisadores de diversas universidades brasileiras, por exemplo,
PUC-SP, PUC-MG, PUC-RJ, Unisinos, UFG, UEL, UniCeub, além de pesquisadores
portugueses, da Universidade de Lisboa (UNL), e argentinos, da Universidade de Mendoza.
Neste capítulo, como o ISD é uma vertente do interacionismo social, em primeiro
lugar, apresentaremos essa última corrente, abordando suas bases filosóficas e
epistemológicas, enfocando as relações entre as condutas humanas, a interação sócio-histórica
e os instrumentos semióticos. Em seguida, trataremos dos princípios do ISD, abordando os
conceitos de agir, linguagem e desenvolvimento e suas relações, porque essa vertente fornece
o eixo central de elaboração desta pesquisa, demonstrando o papel fundador da linguagem e
do funcionamento discursivo no desenvolvimento humano.
3.1. As condutas humanas, a interação sócio-histórica e os instrumentos semióticos para
o interacionismo social
O interacionismo sociodiscursivo é uma vertente do interacionismo social, partindo,
pois, de seus princípios de base, assim como a Ergonomia da Atividade e a Clínica da
Atividade, disciplinas discutidas no primeiro capítulo desta tese. Em vista disso, nesta seção,
a fim de mostrar como essa vertente concebe as condutas humanas, explicaremos os
princípios gerais que embasam o interacionismo social que, segundo Bronckart (1999, 2004,
2006, 2008), baseia-se, sobretudo, nas obras de Spinoza, Marx e Vigostski. Enfocaremos,
então, as relações estabelecidas entre as condutas humanas, a interação sócio-histórica e os
instrumentos semióticos (ou sistema simbólico).
O interacionismo social designa uma posição epistemológica geral na qual podem ser
reconhecidas diversas correntes da filosofia e das ciências humanas. Cada disciplina tem seus
questionamentos específicos, mas os seguidores dessa corrente:
[...] têm em comum o fato de aderir à tese de que as propriedades específicas
das condutas humanas são o resultado de um processo histórico de
19
Linguagem, Ação e Formação.
45
socialização, possibilitado especialmente pela emergência e pelo
desenvolvimento dos instrumentos semióticos. (BRONCKART, 1999, p. 21,
grifo nosso)
Observa-se que, para os interacionistas sociais, os elementos sócio-históricos e os
instrumentos semióticos, que incluem a linguagem, são considerados fundamentais para o
estudo das condutas humanas.
A posição interacionista social rejeita tanto a ideia tomada pelo cognitivismo e pelas
neurociências de que é possível interpretar as condutas humanas em sua especificidade a
partir de referência direta às propriedades do substrato neurobiológico humano (elementos
neurológicos e biológicos) quanto pelo behaviorismo, a de que as condutas humanas sejam
resultado do acúmulo de aprendizagens condicionadas pelas restrições de meio (físico,
importante salientar) preexistente. Essa posição, herdada de Spinoza, considera que, embora
alguns objetos que estão no universo pareçam ser físicos e outros psíquicos, não há diferença
de essência, pois, na verdade, tudo é matéria. Defende uma abordagem descendente dos
fenômenos humanos, centrada sobre os efeitos específicos da história coletiva humana e
sobre a transformação permanente dos fatos sociais, de um lado, e dos fatos psicológicos, de
outro (BRONCKART, 2006, p. 126). Assim, a corrente interacionista social põe em evidência
a historicidade do ser humano, interessando-se pelas condições pelas quais, na espécie
humana, se desenvolveram formas particulares de organização social sob o efeito de formas
de interação de caráter semiótico.
Em relação aos princípios que visam a explicar o funcionamento e o desenvolvimento
humanos, considera-se que esse último deve ser explicado em uma perspectiva dialética e
histórica, significando que não se pode compreender a origem humana em termos de uma
linha direta e contínua, mas em termos de uma linha indireta e independente. É fato que as
capacidades biológicas da espécie humana possibilitaram as atividades coletivas com o uso de
instrumento, sendo necessário para a organização dessas atividades o surgimento de
produções linguageiras. Por sua vez, as atividades gerais e os comentários linguageiros
(discursivos) deram origem a um mundo de fatos sociais e de obras culturais, que se sobrepõe
ao meio físico, sendo que foi a absorção dos elementos desse mundo por organismos
particulares que levou à constituição de um funcionamento psíquico consciente.
Essa abordagem rejeita qualquer concepção essencialista biológica do ser humano e
analisa cientificamente as suas capacidades em uma perspectiva que considera a sua origem
(perspectiva genealógica). A partir das ideias expostas, defende-se a tese de que a apreensão
46
do funcionamento psicológico do ser humano não pode se confundir com a ideia de apreensão
de uma essência primeira qualquer, mas que só se pode compreender o humano
compreendendo a sua construção sócio-histórica.
Ela também se opõe radicalmente ao recorte dos objetos de conhecimento, que leva à
divisão das ciências, especialmente, das Ciências Humanas/Sociais. Assim, é contrária à
epistemologia positivista de Comte, que estabeleceu uma classificação das diversas ciências
com base no grau de generalidade e de complexidade dos objetos para os quais elas se voltam.
Nesse sentido, essa abordagem é favorável a uma posição dinâmica e histórica herdada de
Darwin ou Marx e considera que, para o estudo do funcionamento humano e da problemática
dos processos evolutivos e históricos por meio dos quais as dimensões humanas foram
geradas e co-construídas, é necessário levar em conta as relações de interdependência entre os
aspectos psicológicos, sociais, culturais, linguísticos etc., consequentemente, negando a
divisão das ciências, já que os fenômenos humanos relacionam-se a dimensões variadas. Na
verdade, é uma corrente que procura validar, no plano científico, uma concepção do estatuto
do ser humano.
Segundo Bronckart (2006, p. 126), o interacionismo social foi defendido por
numerosos autores do início do século XX, como Vigotski, Bühler, Dilthey, Mead, Wallon,
entre outros. Para o autor, uma das apresentações mais precisas dessa corrente é encontrada
em Marxismo e filosofia da linguagem (1929), obra que já é atribuída somente a Voloshinov,
sem ressalvas. Esse último autor, que estuda as bases de uma filosofia da linguagem
articulada com o marxismo, tem como questionamento central o estatuto e as condições da
ideologia e o mundo do conhecimento. Para Bronckart (2006), seus questionamentos
remetem, sem dúvida, ao problema do estatuto e das condições de constituição do psiquismo
ou do pensamento consciente humano.
De acordo com a teoria de Voloshinov, toda produção ideológica é de natureza
semiótica, pois as ideias remetem a referentes que têm uma realidade independente das ideias,
sendo, portanto, de uma outra ordem, diferente da ordem do mundo do conhecimento. Por
isso, essas ideias constituem-se como signos dessas entidades referidas. Esses signos-ideias
não são provenientes da atividade de uma consciência individual, mas são produto da
interação social, sendo condicionados por essa interação. Segundo Bakhtin [VOLOSHINOV,
1929] (1997, p. 123):
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo
47
ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação
verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação
verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.
Por esse motivo, os signos-ideias são considerados como tendo sempre um caráter
dialógico, compreendendo o diálogo não apenas no sentido estrito do termo, mas
considerando toda comunicação verbal, de qualquer tipo de seja. Toda comunicação verbal
procede de alguém e é dirigida a alguém, sendo a compreensão uma forma de diálogo em que
compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. Segundo Bakhtin
[VOLOSHINOV, 1929] (1997, p. 132), a significação não está na palavra nem na alma do
falante ou do interlocutor, mas ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido
através do material de um determinado complexo sonoro.
Bronckart (2006, p. 127) cita um outro princípio da obra de Bakthin [VOLOSHINOV,
1929], que está ligado ao fato de que a consciência só se torna consciência quando se torna
plena de conteúdo ideológico, o que acontece só no processo de interação social. Em vista
disso, “todo discurso interior, todo pensamento ou toda consciência apresenta, portanto, um
caráter social, semiótico e dialógico”.
Segundo Bronckart (2006, p. 128), o objetivo maior de Bakthin [VOLOSHINOV,
1929] era o de explicar as condições de constituição do pensamento consciente, em um
programa de pesquisa que deveria incidir sobre:
a. as condições e os processos de interação social;
b. as formas de enunciação que materializam ou semiotizam essas interações,
devendo abordar a organização das unidades-signos no interior dessas
formas.
Essas formas de interação e enunciação são constituídas pelos produtos da história
humana e se diversificam em função da história particular dos grupos. Para Bronckart (2006,
p. 128), esse programa de trabalho e os estudos de outros autores fundadores do
interacionismo social ficaram esquecidos durante meio século sob o efeito da interdição da
difusão dessas ideias pelo poder stalinista e sob o efeito da abordagem positivista dos anos
1930 que contribuiu para o fracionamento das Ciências Humanas/Sociais, que perdurou por
muitos anos.
Na década de 1970/1980, as obras de Vigostski Pensée et langage (1985) e La
signification historique de la crise de la psychologie (1990) fizeram ressurgir as ideias do
interacionismo social, tornando-se bastante ativas, sobretudo, para a Sociologia, Linguística e
48
Ciências da Educação. Segundo Bronckart (2006, p. 128), o projeto do ISD se inscreve nesse
movimento contemporâneo, sendo uma tentativa de reorganizar a problemática de definição
da unidade da psicologia . É essa a corrente que discutiremos a seguir.
3.2. O agir de linguagem e o desenvolvimento numa abordagem interacionista
sociodiscursiva
O objetivo maior desta seção é discutir a questão do agir de linguagem e do
desenvolvimento na abordagem do ISD, abordando, antes, os princípios maiores que
fundamentam essa vertente.
Como vimos, o projeto do ISD filia-se a uma Psicologia da Linguagem que se inscreve
no quadro epistemológico da corrente das Ciências Humanas/Sociais chamada de
interacionismo social. Por sua vez, a Psicologia da Linguagem é definida como uma
subdisciplina da Psicologia, que se centra na análise do funcionamento e da gênese das
condutas humanas. Diferentemente das outras subdisciplinas da Psicologia (da Percepção, das
Emoções, Cognitiva, Social, Clínica etc.), a concepção do ISD é totalmente diferente dessas
disciplinas, já que considera que a linguagem não é apenas um meio de expressão de
processos que seriam estritamente psicológicos (percepção, cognição, sentimentos, emoções),
mas é o instrumento fundador e organizador desses processos, em suas dimensões
especificamente humanas (BRONCART, 2006, p. 122) e, portanto, essa corrente quer ser
vista, teoricamente, como uma ciência do humano. Sua tese central é a de que a ação humana
é o resultado da apropriação pelo indivíduo das propriedades, ou seja, daquilo que faz parte,
da atividade social mediada pela linguagem (BRONCKART, 1999, p. 42).
Assim, o ISD adere aos princípios de desenvolvimento vigotskiano, segundo os quais
o pensamento e a linguagem se desenvolvem, filogeneticamente, segundo linhas distintas e
independentes, o que o diferencia do comportamento animal, que não apresenta essa forma de
relação estreita entre pensamento e linguagem.
Vigostki atribui grande importância ao papel da interação no desenvolvimento
humano, sendo uma de suas mais significativas contribuições a tentativa de explicar como o
processo de desenvolvimento é constituído. Para o autor, a maturação biológica é um fator
secundário no desenvolvimento das formas complexas do comportamento humano, já que
essas dependem da interação da criança com a sua cultura (REGO, 1994). Segundo seu ponto
de vista, a estrutura fisiológica humana, aquilo que é inato, não é suficiente para produzir o
49
indivíduo humano na ausência do ambiente social. Assim sendo, as características individuais
(valores, conhecimentos, modos de agir etc.) dependem da interação do ser humano como o
meio físico e social. Nessa abordagem, parte-se do princípio que no processo de constituição
humana é possível distinguir os processos elementares, que são de origem biológica; e as
funções psicológicas superiores, de origem sociocultural. Para Vigostki (1984), a história do
comportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas.
De acordo com os princípios vigostkianos, desde o nascimento, o bebê está em
constante interação com os adultos que, além de assegurar a sua sobrevivência, medeia a sua
relação com o mundo, incorporando as crianças à sua cultura ao atribuir significado às
condutas e aos objetos culturais que se formam ao longo da história. Assim, é a partir das
intervenções constantes do adulto que os processos complexos do desenvolvimento começam
a se formar.
Para Vigostski, o desenvolvimento do sujeito se dá a partir das constantes formas de
interação com o meio social em que se vive, pois as formas psicológicas mais sofisticadas se
originam da vida social. Desse modo, o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre
mediado pelo outro (pessoas do grupo cultural) que atribui significado à realidade. É a partir
dessas mediações que os membros imaturos da espécie humana se apropriam dos modos de
funcionamento psicológico, do comportamento e da cultura, isto é, do patrimônio da história
da humanidade e de seu grupo cultural (REGO, 1994). Essa interação só é possível ocorrer
por meio da linguagem, sendo essa uma preocupação central para Vigotski. Nessa concepção,
a relação entre pensamento e linguagem é originária do desenvolvimento, que evolui ao longo
dele, num processo dinâmico. A linguagem interiorizada torna-se o organizador fundamental
do funcionamento psicológico da criança (FREITAS, 2006).
O ISD busca desenvolver essas ideias de Vigotski, na medida em que este, recusando a
divisão das Ciências Humanas em geral e da Psicologia em particular, esforçava-se por
identificar uma unidade de análise do funcionamento e do desenvolvimento humano que
integrasse as dimensões biológicas, emocionais, cognitivas, semióticas, sociais, históricas etc.
das condutas humanas. Entretanto, ele não teve tempo, em sua curta vida científica, de
construir um conceito unificador no qual as diferentes dimensões humanas se organizariam,
hesitando entre as noções significação da palavra, conduta instrumental e atividade mediada
pelos signos. Na verdade, Vigostski buscava instaurar uma unidade da ordem do agir
significante como unidade central da Ciências Humanas e, mais tarde, um de seus discípulos,
Leontiev (1979), considerou a ação e/ou atividade como unidades integradoras, propondo a
50
teoria da atividade. Mesmo com essa escolha terminológica, Bronckart (1999) considera que
essa proposta continua ainda parcialmente insatisfatória, haja vista que as dimensões sociais e
verbais da atividade não são consideradas. O ISD parte do princípio de que é necessário
considerar as ações humanas em suas dimensões sociais e discursivas constitutivas, colocando
o discursivo, portanto, a linguagem, como central para o estudo do funcionamento e
desenvolvimento humano. Assim, seu objetivo maior é demonstrar o papel fundador da
linguagem e do funcionamento discursivo no desenvolvimento humano, ou ainda, o papel
fundamental da atividade discursiva para esse desenvolvimento. Desse modo, Bronckart
(2004) busca outros autores para auxiliar o pensamento vigotskiano e mostrar esse papel da
linguagem como central no desenvolvimento. Um desses autores é Habermas (1987), que
Bronckart retoma e reformula para explicar a relação entre o agir humano e a linguagem,
centrando no estudo do agir, tema que deixamos para a próxima subseção.
3.2.1. O agir e a linguagem
Nesta seção, apoiando-se, inicialmente, em Leontiev, abordaremos os conceitos de
agir, atividade, ação, colocados por Bronckart (2006) como constituintes do desenvolvimento
do funcionamento psíquico humano, sendo, portanto, objetos de estudo do ISD, o que nos
levará a tratar, em seguida, da visão de linguagem como agir com base em Humboldt (1985),
Habermas (1987) e Coseriu (2001).
A fim de compreender a questão do agir, a teoria da atividade de Leontiev (1979)
propõe, com base nas teses marxistas, que:
[...] os conhecimentos humanos e as obras dos seres humanos não são
simples reflexos da organização preexistente do mundo (empirismo) nem
resultados do funcionamento de capacidades mentais inatas (racionalismo);
mas são, antes de mais nada, o produto de suas práticas” (BRONCKART,
2008, p. 65, grifo do autor).
Estas práticas, por sua vez, são sócio-historicamente determinadas, podendo
considerar o agir socializado o motor do desenvolvimento humano, pois é, a partir dele, que
se realiza o reencontro entre os indivíduos e o meio ambiente. De acordo com Bronckart
(2008), Leontiev analisa uma práxis generalizada, distinguindo três níveis de apreensão:
atividade, ação, operação.
O conceito de atividade se aplica a qualquer organização coletiva dos comportamentos
orientada por uma finalidade ou que visa a um projeto determinado, podendo se aplicar tanto
51
à vida animal (ordem biológica) quanto à vida humana (ordem sócio-histórica). Em alguns
mamíferos superiores, a atividade pode explorar instrumentos, sendo, nesse caso, mediada por
instrumentos. No caso do homem, a mediação da linguagem se sobrepõe à mediação de
instrumentos materiais (BRONCKART, 2008, p. 65), o que confere às organizações e às
atividades humanas um dimensão particular, que justifica serem chamadas de sociais.
O conceito de ação, por sua vez, apreende o agir coletivo articulado a objetivos que os
agentes nele envolvidos buscam atingir ou dos quais eles têm consciência, o que implica que a
ação, concebida como tal, só pode ser atestável nos seres humanos, já que somente esses têm
a capacidade de construir representações dos efeitos prováveis da atividade em que se
encontram engajados.
Já o conceito de operação apreende o agir no nível dos processos particulares que se
desenvolvem para que se realize uma ação, ou seja, está vinculado ao modo como uma ação é
realizada, ou ainda, à solução técnica adotada para atingir um objetivo. Por exemplo, se um
professor vai realizar uma ação de avaliar o aluno, ele pode escolher aplicar uma prova escrita
ou oral, pedir para o aluno apresentar um seminário, ou participar de um debate etc.,
considerando os critérios contextuais diversos. Mencionando Leontiev, Bronckart (2008, p.
66) lembra que, embora a práxis seja considerada primeiro como coletiva e externa, cada
indivíduo pode apreender as propriedades dessa práxis coletiva, podendo interiorizar essas
propriedades, que se tornam, assim, ações e/ou operações mentais.
Bronckart (2008, p. 66) esclarece que esse quadro da teoria da atividade de Leontiev é
importante por sua orientação teórica, porém, o autor adverte para o fato de que, apesar de ser
declarado, nessa teoria, que a linguagem é um mediador da atividade, ele “tem o problema de
não explorar de fato o papel que esse instrumento propriamente humano desempenha”.
Além disso, Bronckart (2008) esclarece que as condições de emprego e significado
desses termos, por diferentes teorias da ação ou da atividade são múltiplos e heterogêneos,
variando de acordo com as linhas teóricas, levando-o a propor uma terminologia semiótica ad
hoc a fim de conceituar os termos atividade, ação, agir, (e outros a eles relacionados), não
com a pretensão de resolver esse problema de múltiplos sentidos dados a esses termos, mas
apenas para direcionar as pesquisas que partem do arcabouço teórico do ISD, a fim de tornar
as afirmações inteligíveis. Veremos a definição desses termos no próximo capítulo, em que
trataremos da metodologia de análise de textos.
52
Buscando desenvolver os estudos da teoria da atividade de Leontiev (1979), Bronckart
(2008) parte da visão de linguagem como agir fundamentando-se, sobretudo, em Humbold
(1985), Habermas (1987) e Coseriu (2001), além de Voloshinov (1977) e Ricoeur (1983,
1984, 1985).
De acordo com Bronckart (2008, p. 71), os fundamentos dessa nova visão são
encontrados na obra de Humbold (1985), sendo a origem da mudança radical do modo de
conceber as relações entre linguagem como capacidade da espécie humana e as múltiplas
línguas naturais. Nessa nova visão, trata-se de considerar que a linguagem só existe nas
línguas naturais, contrária, pois, à visão anterior que analisava a linguagem universal primeiro
e só depois abordava as línguas naturais que realizariam socialmente tal capacidade. Os
autores defensores dessa última contestada visão buscavam atribuir à linguagem um
fundamento que estaria fora das práticas sociais, defendendo a ideia de que há estruturas
linguageiras universais que a determinariam, sendo a linguagem considerada como um
mecanismo secundário. Consideravam que a linguagem refletia o mundo ou o pensamento.
No plano metodológico, essa visão utilizava procedimentos ascendentes. De um lado,
primeiro, estudavam os processos de pensamento, e depois os processos linguageiros que os
traduziriam. De outro, em relação à análise da linguagem, primeiro analisavam as unidades
mínimas, ou signos; depois, sua organização em estrutura sintática e, por último,
eventualmente, a organização dessas estruturas no nível textual.
Na nova perspectiva, a linguagem só existe nas línguas naturais, e essas, por sua vez,
só existem nas práticas verbais, em um agir, que é o discurso, dirigido a alguém. A atividade
de linguagem é produtora de objetos de sentido e, portanto, constitutiva das unidades
representativas do pensamento humano. Na medida em que ela é atividade social, o
pensamento ao qual ela dá lugar é, também, necessariamente, semiótico e social.
Habermas (1987) também tem essa visão de linguagem como atividade e salienta sua
dimensão comunicativa, já que essa atividade é um instrumento por meio do qual os
indivíduos constroem um acordo sobre o mundo em que vivem e, em particular, sobre os
contextos do agir e sobre as propriedades das atividades coletivas e de seu desenvolvimento.
É a partir da atividade de linguagem que se constroem os mundos representados (sistemas de
conhecimento), sendo que toda atividade se realiza levando-se em conta as representações
coletivas do meio que se organiza nesses mundos que são o mundo objetivo, mundo social e
mundo subjetivo.
53
O mundo objetivo é constituído pelos conhecimentos que temos sobre o meio físico,
tal como são construídos na sócio-história humana. Por exemplo, se um casal quer fazer uma
festa de casamento para duzentas pessoas, sabemos que um apartamento pequeno com três
cômodos não será um lugar adequado para essa festa. Já possuímos um conhecimento
objetivo sobre um meio físico que poderia ser adequado ou inadequado para essa festa. Além
de se desenvolver em um meio físico, toda atividade se desenvolve no quadro de regras,
convenções e sistemas de valores construídos por um grupo particular que define como se
devem organizar as tarefas e como os membros do grupo podem cooperar para realizá-la. Por
exemplo, numa cerimônia de casamento em uma igreja católica tradicional, há regras a serem
seguidas: o padre deverá celebrar o casamento de acordo com as regras dessa igreja. É o
conjunto desses conhecimentos sociais que constituem o mundo social. Finalmente, os
indivíduos trazem a sua própria visão de si e também a visão que os outros têm de si. Por
exemplo, em um casamento, a noiva se vê e pensa que os outros a veem, ou não, como uma
noiva bonita, bem maquiada, com um vestido bonito, com um vestido muito decotado, com
um vestido muito curto. São esses conhecimentos sobre si mesmo que constituem o mundo
subjetivo.
Esses três mundos se constituem como sistemas de parâmetros, em que se exibem
avaliações e/ou controle coletivo em relação ao agir humano. Por exemplo, um aluno pode
avaliar se o seu colega da mesma classe fala de uma forma grosseira e sem educação com seu
professor, pois existem regras sociais para isso. Esse aluno avaliado pode, também, a partir
das avaliações dos outros colegas de classe, se reavaliar e repensar suas ações, mantendo-as,
alterando-as ou abandonando-as. Esses mundos não são “tipos” de agir, mas identificam os
ângulos sob os quais qualquer agir pode ser avaliado.
Assim, qualquer forma de agir se realiza em relação a sistemas de determinações
diversas – as nossas, as do nosso interlocutor, a da sociedade etc. – que podem estar em
conflito uma com as outras ao decidirmos como agir em determinada situação. Por exemplo,
um professor pode considerar correto faltar ao trabalho por estar doente. Mas, se ele não
avisar com antecedência, ele sabe que o seu coordenador terá transtornos e que os alunos
poderão reclamar. São os conhecimentos dos três mundos que se confrontam num caso como
esse, o que fará com que o trabalhador tome uma decisão oriunda de uma escolha conflituosa.
Além dos conhecimentos sobre esses três mundos representados, há também o
conhecimento do mundo vivido que são um conjunto de experiências que dota o indivíduo de
um saber de fundo sobre o contexto de seu agir. Esse saber é constituído por elementos
54
heterogêneos, sem organização lógica, implícitos e inconscientes, não estando sujeito à
contestação nem à justificação. Esse mundo vivido fornece uma forma de pré-compreensão do
contexto do agir, constituindo-se como um reservatório de convicções e de hipóteses (sempre
implícitas) sobre o resultado do agir.
Desse modo, nessa concepção de linguagem, o agir envolve conhecimentos explícitos
e implícitos, conflitos entre representações do próprio agente e de diferentes agentes,
confrontação entre elementos do mundo vivido e dos mundos representados, a partir dos quais
se desenvolvem as avaliações sociais.
O agir linguageiro, nessa abordagem, é concebido como o instrumento por meio do
qual se manifestam as avaliações sociais sobre as formas de agir praxiológico (referente à
atividade prática, uso), sendo também um organizador das representações que os atores
constroem sobre sua situação de agir e, portanto, um regulador de suas intervenções efetivas.
É no processo de avaliação pelo indivíduo com base em critérios coletivos que se pode
atribuir aos outros intenções, razões ou motivos para o agir. Assim, a avaliação pode tornar os
“outros” agentes responsáveis pelo seu agir, o que lhes confere o estatuto de ator. Mas, na
avaliação pode-se também construir outras figuras interpretativas de agir, não atribuindo ao
indivíduo responsabilidade. Da mesma forma, os indivíduos que avaliam também são
avaliados pelos mesmos critérios, tornando-se capazes de avaliar a si mesmos, apropriando
das representações sobre sua capacidade de ação, dos papéis sociais e de uma imagem sobre
si, construindo representações de si mesmos como agentes responsáveis pela sua ação
(BRONCKART, 1999, 2006). Por exemplo, ao comentar sobre o desempenho de um aluno de
mestrado, um orientador pode dizer que ele faz seus deveres com cuidado, interesse,
demonstrando responsabilidade pelas suas obrigações porque compreende a importância de
um trabalho acadêmico bem escrito. Desse modo, esse aluno é representado como um ator. O
mesmo orientador pode dizer que um outro aluno não mostra interesse ao realizar os seus
trabalhos acadêmicos, não cumpre os prazos pedidos e não consegue compreender nenhum
dos conceitos necessários para o desenvolvimento de seu trabalho, o que demonstra que esse
aluno não mostra capacidade e motivação para desempenhar o seu papel como estudante de
mestrado. Nesse caso, esse aluno é reconfigurado como mero agente, pois não demonstra
responsabilidade pelas suas obrigações acadêmicas.
Percebendo essas avaliações e outras anteriores, esse aluno pode repensar, ou não, o
seu agir já visualizando outras avaliações. Assim, notamos que em qualquer situação de
nossas vidas, numa sala de aula, ou em qualquer outro trabalho, temos as condutas efetivas
55
dos indivíduos, assim como as avaliações construídas sobre elas pelo próprio indivíduo ou
pelos seus pares, seus superiores ou por um pesquisador, baseadas nos três mundos
representados e no mundo vivido. Para Bronckart (1996, p. 70), as intervenções educativas
são uma das formas explícitas e admitidas de avaliação social através dos quais as ações
humanas são geradas. Essas avaliações almejam alterar os limites de ação do aprendiz (ou do
indivíduo) e as representações que se tem de si. Por esse motivo, elas são consideradas um
dos fatores principais de desenvolvimento. Como vimos no capítulo anterior, podemos dar
como exemplo de intervenção o sistema de avaliação da Capes, inserido num sistema
educacional, que é uma forma explícita de avaliação do agir do professor. Ao avaliar o agir do
professor, esse sistema de avaliação acaba prescrevendo o agir docente, indicando que ações o
docente tem que realizar. Nesse sentido, a avaliação da Capes contribui com o
desenvolvimento do docente, já que é uma forma de indicar as ações a serem realizadas. Por
exemplo, um dos itens avaliados que conta na avaliação trienal é a produção de artigo,
produção essa que contribui com o desenvolvimento de capacidades do docente.
Avançando na definição de linguagem, Bronckart (2008, p. 72) também retoma
Coseriu (2001), afirmando que é nesse autor que se encontra a mais importante visão de
linguagem humboldtiana, como veremos a seguir.
Para esse autor, a linguagem se manifesta concretamente como uma atividade humana
particular facilmente identificável, que é a atividade de falar, que é sempre falar a um outro, o
que significa que a essência da linguagem se mostra no diálogo, estando sempre relacionada
ao que os interlocutores têm em comum. Essa atividade só se realiza a partir de uma língua
historicamente determinada que os locutores conhecem. Ela é criativa, isto é, produtora de
novidades, o que explica a dimensão fundamental que é a transformação permanente das
línguas e o fato de que a atividade de linguagem seja livre, no sentido filosófico do termo.
Isso significa que a linguagem pode se dirigir a qualquer objeto e que seu objeto seja infinito.
Essa atividade livre de linguagem é significante, o que mostra que ela não apenas produz
signos materiais para significados já dados, mas, ao mesmo tempo, é criadora de conteúdos e
expressões. Esse fato, segundo Bronckart (2008, p. 73), mostra o papel desempenhado pela
linguagem na constituição da atividade de pensamento e no desenvolvimento de qualquer
processo de conhecimento.
Retomando a dimensão comunicativo-social da linguagem, Coseriu (2001) considera
que a linguagem é sempre falar a um outro e, portanto, essa atividade significante é sempre
marcada pela alteridade, que pode ser compreendida como o princípio, derivado da filosofia, a
56
partir do qual se define o ser em uma relação que é fundada sobre a diferença; “o eu não pode
tomar consciência do seu ser-eu a não ser porque existe um não-eu que é outro, que é
diferente”. Essa noção está ligada ao fato de que não há consciência de si sem consciência da
existência do outro, pois é na diferença entre si e o outro que se constitui o sujeito
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 34, 266).
De acordo com Bronckart (2008, p. 74-75), embora a linguagem seja um fato social,
não se pode considerar a língua que a manifesta como algo que se impõe aos sujeitos falantes,
já que ela é expressão da intersubjetividade no sentido de solidariedade com um tradição
histórica e no sentido de uma solidariedade com uma comunidade falante, que é histórica.
Bronckart (2008, p. 75-76) também considera os fundamentos metodológicos,
estabelecidos por Bakthin [VOLOSHINOV, 1929] (1997), no quadro de uma visão da
filosofia da linguagem, cujo objetivo principal é o de esclarecer o estatuto e as condições de
desenvolvimento da ideologia, ou seja, dos mundos dos conhecimentos especificamente
humanos. Como já abordado no início deste capítulo, os signos-ideias são, necessariamente,
resultados dos discursos produzidos no quadro de interações sociais, apresentando, portanto,
um caráter dialógico, pois eles situam em um espaço social e se dirige a alguém. Assim, a
palavra tem duas faces: ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém quanto
pelo fato de que é dirigida a alguém, sendo, nesse sentido, o produto da interação do locutor e
do ouvinte. Assim sendo, qualquer pensamento (discurso interno), já que é o produto da
interiorização desses discursos externos, também apresenta, necessariamente, um caráter
social, semiótico e dialógico. Todo discurso é fundamentalmente dialógico, pois ele sempre
responde aos outros e antecipa sua reação (atitude responsiva-ativa), fazendo eco a outros
discursos. “Todo enunciado remete a outros enunciados já proferidos, retoma formas, palavras
e significações, no quadro de uma intertextualidade global” (BRONCKART, 2008, p. 78).
3.3. Atividade de linguagem e desenvolvimento humano
Nesta seção, objetivamos abordar o esquema de desenvolvimento proposto por
Bronckart (2006, p. 82-89), com base na concepção de linguagem como agir, anteriormente
discutida, que é radicalmente diferente do esquema proposto por Piaget (1936, 1937), oriundo
do construtivismo, ou no dizer de Bronckart, do interacionismo lógico.
De acordo com esse interacionismo lógico, desde o nascimento, há uma interação
entre o bebê e o seu ambiente físico, que contribui para a transformação de suas capacidades
57
inatas (PIAGET, 1936, 1937). Nessa visão, o mundo com o qual a criança piagetiana se
confronta é um mundo sem história e sem sociedade, pois as produções sócio-históricas
humanas, o que inclui o agir geral e a linguagem, são consideradas secundárias, já que as
estruturas mentais e as estruturas sociais (portanto, a linguagem) são consideradas como tendo
formas idênticas, com um parentesco natural, cujas raízes são, em parte, biológicas. O
enfoque maior é dado a um sistema cognitivo universal, sendo a causa do desenvolvimento
cognitivo humano o nível dos processos biológicos inatos.
Na concepção de desenvolvimento proposta por Bronckart (2006, p. 82-89), com base
em Vigostski (1985) que, como já mencionado, é totalmente diferente da piagetiana, o bebê,
desde o nascimento, é mergulhado em um mundo social de atividade humana mediada por
produções verbais. O sujeito intervém deliberadamente para integrar o bebê a essa atividade
verbal e não verbal, sendo nesse quadro interativo que o bebê é confrontado com os objetos,
com o mundo físico.
Nas etapas posteriores do desenvolvimento, as atividades humanas mediadas pela
linguagem se desenvolvem e se diversificam, tendendo a se especializar em formas de
organização diferentes, ou em discursos,20
que, aqui, de maneira global, podem ser
considerados “modalidades de estruturação das práticas de linguagem por meio das quais os
aspectos ilocutório e locutório21
são integrados e que “dizem” o mundo, ao agir no mundo
(BRONCKART, 2006, p. 76). Essas práticas de linguagem, ou discursos, são distinguidas/os
em dois tipos por Bakthin (2000).
Bronckart (2006, p. 76) retoma esse autor que faz uma distinção em discursos
primários e discursos secundários. Os primeiros manteriam uma relação imediata com as
situações nas quais são produzidos, apresentando uma estrutura que é dependente das ações
não verbais às quais se articulam. Já os segundos apareceriam em uma circunstância de
comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, mantendo uma relação
indireta (ou mediata) com a situação de produção. Os discursos primários seriam, assim,
20
É importante mencionar que o termo discurso é empregado com diferentes acepções dependendo do
autor/abordagem. No próximo capítulo, discutiremos um sentido mais restrito dado a esse termo por Bronckart
(1999, 2006, 2008), ao abordar os tipos de discursos. 21
Os termos locutório e ilocutório (ou locucionário e ilocucionário) são oriundos dos estudos da pragmática
que, a partir da obra de Austin How to do things with words (1962), deram origem à teoria dos atos de fala,
ligada à concepção que se pode agir por meio da linguagem. Essa concepção não é nova, mas foi edificada
somente na segunda metade do século XX com os estudos do campo da filosofia analítica anglo-saxônica, que
originou uma teoria pragmática da linguagem. Austin distingue três aspectos de um ato de fala: ato locucionário,
que é o ato de dizer alguma coisa; ato ilocucionário, que é aquilo que você está tentando fazer com sua fala e ato
perlocucionário, que é o efeito daquilo que você diz. Essa teoria, posteriormente, foi retomada e desenvolvida
pelo filósofo John Searle (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008; TRASK, 2006).
58
estruturados pelas ações não verbais e os secundários (romances, contos, obras científicas
etc.) se desligariam dela e seriam objeto de uma estruturação autônoma, convencional, ou
ainda, linguística. Esses últimos constituiriam verdadeiras ações de linguagem. Nesse sentido,
enquanto os discursos primários seriam estruturados na ação, os secundários (narração,
discurso teórico) se desligariam dela e seriam submetidos a um estruturante próprio,
convencional, de natureza especificamente linguageira, sendo estruturados em ação. Assim,
constituiria uma forma particular de ação significante, a ação de linguagem.
Visando compreender o estatuto e a função dessa estruturação autônoma dos discursos
secundários, já que, para Bronckart (1999, p. 60), a sugestão bakhtiniana de circunstâncias
culturais propícias não seja satisfatória, esse autor busca em Ricoeur (1983, 1984, 1985), do
Círculo Hermenêutico, uma interpretação da função da estruturação própria dos discursos
secundários. Esse último autor propõe a teoria da reconfiguração do agir nos discursos,
partindo da combinação sutil entre a hermenêutica textual e a hermenêutica da ação. Nessa
teoria, “interpretar um texto seria (principalmente) interpretar figuras interpretativas nelas
contidas e, assim, também seria interpretar a ação humana” (BRONCKART, 2008, p. 35).
Ricoeur (1983, 1984, 1985), reconhecendo a importância do mundo vivido, defende a
ideia de que o ser humano encontra-se confrontado com a angústia existencial e com as
contradições do tempo porque as representações vividas são conflituosas, contraditórias ou
não-racionalizáveis. O autor sustenta, então, que a produção de discursos narrativos é um
trabalho cujo objetivo principal é o de superar esse estado caótico conflituoso por meio de
uma re-figuração ou esquematização inteligível das ações humanas. Nessa visão, nas
narrações, constrói-se um mundo ficcional no qual os agentes, motivos, intenções, razões,
circunstâncias são postos em cena de modo racional, sem conflitos, para formar uma
harmonia do caos existencial (esquema narrativo: situação inicial, complicação, ação,
resolução etc.). Os acontecimentos e incidentes pouco inteligíveis organizam-se em uma
estrutura configuracional significante ou história, sendo em relação a essa história que os
acontecimentos e sua sucessão temporal ganham sentido. Essas narrações, disponíveis no
intertexto, assim constituídas, têm o estatuto de obras abertas, com base nas quais os sujeitos
constroem sua compreensão das ações humanas, ao mesmo tempo em que constroem uma
compreensão de seu estatuto de agente.
Porém, como essa tese de Ricoeur incide somente sobre os discursos narrativos,
Bronckart (2008) faz uma nova leitura dessa posição, pois acredita que não são apenas os
discursos narrativos que têm essa função de re-figuração; assim, esse esquema pode ser
59
generalizado às outras formas de discursos secundários. Em sua concepção, todos os tipos de
discursos (narrativo, teórico, interativo etc.), que estudaremos no próximo capítulo, podem
contribuir para a clarificação, para a construção de modelos do agir ou para a morfogênese
das ações, ou seja, para o desenvolvimento de suas formas e de estruturas características em
um determinado momento sócio-histórico. Segundo Bronckart (1999), é a organização
textual, oral ou escrita, que é dotada da função de reestruturação.
Assim, se os discursos contribuem para a clarificação, para a modelização ou para a
morfogênese das ações, não apenas em suas dimensões causo-temporais tematizadas por
Ricoeur (1983), “eles contribuem também, necessariamente, para a clarificação do quadro
social em que as ações se desenvolvem e, portanto, para a morfogênese do conjunto dos
construtos coletivos ou do conjunto dos fatos sociais” (BRONCKART, 2008, p. 38).
A teoria da reconfiguração do agir nos discursos identifica e descreve um processo
fundamental do desenvolvimento humano, ajudando-nos a compreender o papel dos
discursos, portanto da linguagem, no desenvolvimento do funcionamento psíquico humano,
expandindo-o, enriquecendo-o e reestruturando-o perpetuamente.
Para encerrar este capítulo, é importante enfatizar, então, que o desenvolvimento das
funções ilocutória (agir no mundo) e locutória (dizer o mundo) só é possível porque as ações
significantes estão estruturadas em práticas de linguagem que são materializadas em textos,
sendo a reconstrução simultânea dessas duas unidades psicológicas – ações significantes e
textos – que constitui o vetor maior do desenvolvimento psicológico.
O acesso à compreensão do valor ilocutório dos signos é uma etapa decisiva do
desenvolvimento, mas não no sentido piagetiano de que ela marca a passagem do
desenvolvimento natural ou biológico a um desenvolvimento sócio-histórico. Mas no sentido
de que a reconstrução das propriedades do mundo social se opera desde o nascimento. Assim,
essa etapa é decisiva porque fornece à criança unidades de representação estabilizadas que, de
um lado, serão os instrumentos de negociação que lhe permitem desenvolver eficazmente sua
aprendizagem de racionalidade social e, de outro, interiorizando-se, dotarão a criança de
unidades de auto-representação, ou seja, de unidades organizáveis em pensamento consciente
(BRONCKART, 2006, p. 88).
Nas etapas posteriores do desenvolvimento, a apropriação das estruturas discursivas e
sua interiorização continuam desempenhando um papel igualmente importante no
desenvolvimento de capacidades linguageiras e psicológicas do indivíduo. Nesse sentido, as
60
estruturas discursivas e sua interiorização dos textos oriundos do procedimento de instrução
ao sósia e de entrevista aberta, que são utilizados para gerar os dados nesta pesquisa, como
veremos no Capítulo 5, podem contribuir para o desenvolvimento dessas capacidades dos
participantes de pesquisa.
Para que esses textos possam ser analisados globalmente, é necessária uma
metodologia de interpretação da ordem da compreensão ou da hermenêutica que esteja de
acordo com os princípios teóricos discutidos neste capítulo. A metodologia que adotamos foi,
inicialmente, proposta por Bronckart (1999, p. 67) e vem sendo continuamente aperfeiçoada
por integrantes de seu grupo (LAF) e do grupo Alter-CNPq (PUC-SP). Ela incide na
identificação do contexto de produção dos textos e nos três níveis de análise – o
organizacional, o enunciativo e o semântico – o que inclui os elementos e os mecanismos que
são levados em conta em cada um desses níveis (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 46),
como veremos no próximo capítulo.
61
CAPÍTULO 4
O QUADRO DE ANÁLISE DE TEXTOS DO ISD
No capítulo anterior, tratamos das bases teóricas que embasam o interacionismo
sociodiscursivo, vertente essa que fundamenta a nossa pesquisa. Tratamos, entre outras coisas,
das relações entre agir, linguagem e desenvolvimento humano.
Neste capítulo, trataremos dos procedimentos de análise do quadro do ISD, que se
fundamenta nas bases teóricas discutidas no capítulo anterior. Apresentaremos, assim, os três
níveis de análise de textos, a saber, o organizacional, o enunciativo e o semântico, juntamente
com o significado de termos utilizados para a análise desse último nível – actante, ator,
agente, ação/atividade, determinantes externos (BRONCKART; MACHADO, 2004;
BRONCKART, 2004, 2006, 2008; MACHADO; BRONCKART, 2009).
Em primeiro lugar, trataremos da questão do texto empírico e suas relações com o que,
em nossa vertente teórica chamamos de “tipos de discurso”, em uma acepção diferente das
que são mais consensuais nas vertentes da análise do discurso. Em segundo lugar,
explicaremos o que consideramos contexto de produção; em terceiro lugar, abordaremos os
elementos e os mecanismos que fazem parte do nível organizacional do texto; em quarto
lugar, apresentaremos os mecanismos que fazem parte do nível enunciativo e, finalmente,
trataremos dos elementos do nível semântico.
4.1. O texto empírico e o tipo de discurso22
Nesta seção, objetivamos apresentar a nossa concepção de texto, mencionando a
questão dos gêneros e discutindo as categorias de pessoa, espaço e tempo, com base nos
célebres estudos de Benveniste (2005; 1974/2005), que estão estreitamente ligados à noção de
tipos de discurso, proposta por Bronckart (1999).
Inicialmente, é importante mencionar que qualquer concepção de texto está
estreitamente relacionada à abordagem teórica adotada e, principalmente, à concepção de
linguagem. Sendo assim, podemos encontrar variadas definições para o termo, sendo uma
22
Esse título é inspirado em um dos subtítulos de Fourcade e Bronckart (2007), denominado Texto empírico,
gênero de texto e tipo discursivo.
62
delas oriunda das teorias gramaticais e tipologizantes, originárias no final da década de 1960,
em que o texto foi considerado uma sequência bem formada de frases ligadas que progridem
para um fim. Essa concepção foi muito criticada, pois a unidade considerada é a frase.
Estudos posteriores revelaram que o texto é uma unidade muito complexa, não podendo ser
definido apenas levando em conta a coesão e a coerência, e também não podendo ser fechada
em tipologias homogêneas cognitivas que identificaram diversos tipos de textos (descritivo,
argumentativo, argumentativo etc.) (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008).
Contrária a essa concepção gramatical e tipologizante, somos favoráveis a uma
concepção de texto que considera as diversas formas de estruturação constitutivas da
textualidade com dependência em relação ao contexto ou ao conjunto dessas formas e,
portanto, da própria entidade que é o texto. Assim, admitimos que as condições de abertura e
de fechamento dos textos não dependem de regras linguísticas, mas das condições de
realização do agir de linguagem semiotizado por eles (BRONCKART, 2006, p. 142).
Nesse sentido, com base em Fourcade e Bronckart (2007), conceituamos o texto
empírico como o produto de uma ação verbal levando em conta o contexto de produção dado,
por um agente singular, no quadro das atividades coletivas de uma formação sociodiscursiva,
que designa as diferentes formas que toma o trabalho de semiotização nas formações sociais,
a partir do que pode e deve ser dito numa posição dada em uma conjuntura determinada
(BRONCKART, 1999; MAINGUENEAU, 1997). As unidades linguísticas que aparecem nos
textos são o resultado de uma série de operações psicológicas que está relacionada à
articulação do texto e do contexto.
Levando em conta a diversidade de combinações possíveis dos parâmetros que
definem o contexto de produção, a situação do agente é, de alguma forma, sempre nova e
diferente. Essa diversidade conduz o agente a organizar de maneira parcialmente nova os
recursos linguísticos para transformar seus conhecimentos cognitivos anteriores, organizados
em estruturas cognitivas, em conteúdo temático organizado na linearidade do texto, de acordo
com a semântica da língua dada. Isso indica que o texto é sensível à situação em que é
produzido, sendo que a menor diferença das variações dos parâmetros desta situação provoca
alterações na organização linguística do texto. Desse modo, cada texto empírico é único e
diferente em relação à variação linguística, apesar de sempre se construir segundo as formas
estabilizadas de comunicação verbal estabilizadas no curso da história. Essas formas
63
constituem os gêneros de textos,23
considerados por Bronckart (2006, p. 143) como produtos
de configurações de escolhas possíveis referentes à seleção e à combinação dessa formas
estabilizadas pelo uso. Essas escolhas dependem do trabalho que as formações
sociodiscursivas desenvolvem para que os textos sejam adaptados às atividades que eles
comentam, adaptados a um dado meio comunicativo, eficazes diante de um desafio social
(BRONCKART, 2006, p. 143, 144). Os gêneros, assim como toda obra humana, são objetos
de avaliação dos indivíduos, que levam em conta as representações sobre os mundos
representados, discutidos no Capítulo 3.
Todo texto, independente do gênero a que pertença (por exemplo, romance, editorial,
artigo científico, resenha), é constituído de diferentes segmentos de texto que se caracterizam
pela mobilização de subconjuntos particulares de recursos linguísticos que originam os tipos
de discursos (BRONCKART, 2008; p. 89). Para que possamos compreender realmente o que
chamamos de “tipos de discurso”, recorremos a alguns célebres artigos de Émile Benveniste,
que foram compilados, posteriormente, nos dois volumes da obra Problemas de linguística
geral, constituindo uma teoria da enunciação. É importante esclarecer que esse autor também
é citado por Bronckart (1999, p. 150, 151), que atenta para o fato de que o desenvolvimento
dos estudos sobre os tipos de discurso é, na verdade, uma continuidade dos trabalhos desse
autor e de outros (WEINRICH, 1973; SIMONIN-GRUMBACH, 1975), o que significa que os
estudos de Benveniste (2005; 1989) é compatível com a nossa perspectiva teórica-
metodológica.
Retomando Benveniste (2005; 1989), ele desenvolveu as categorias de pessoa, espaço,
tempo, estabelecendo uma relação de indissociabilidade entre linguagem e ser humano. No
Capítulo 5 de seu livro (1989), o autor propõe um “aparelho formal de enunciação”, fazendo
uma distinção entre as condições de emprego das formas e as condições de emprego da
língua. O emprego das formas está ligado às regras que fixam as condições sintáticas nas
quais as formas podem ou devem aparecer. Já o emprego da língua está ligado à enunciação,
23
Importante destacar que Bronckart (1999), ao analisar alguns trechos das obras de Bakhtin, Estética da
criação verbal (2000) e Estética da teoria do romance (1978), considera que sua terminologia é muito flutuante,
devido à evolução interna de sua obra e também a problemas de tradução. Em vista disso, para Bronckart (1999),
os gêneros acabam sendo tratados, mais frequentemente, como gêneros do discurso, mas, às vezes, também,
como gêneros do texto, sendo a terminologia usada para seus componentes internos muito hesitantes (linguagem,
língua, estilo, discurso). Assim, o autor propõe um sistema de equivalência terminológica para esses
componentes internos, concebendo, de uma maneira global, os gêneros do discurso, gêneros do texto e/ou formas
estáveis de enunciado de Bakhtin como gêneros de textos. Para as línguas, linguagens e estilos, como elementos
constitutivos da heterogeneidade textual, também de maneira global, o autor propõe o termo tipos de discurso
que também tem um sentido mais específico, como veremos mais adiante. Atualmente, Bronckart (2008, p. 76)
considera que as pesquisas que originaram os estudos sobre gênero do discurso devem ser atribuídas a
Voloshinov, já que seriam uma extensão da teoria dos gêneros verbais desenvolvido por esse último autor.
64
que é “colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização”
(BENVENISTE, 1989, p. 82). Em seu célebre artigo “Da subjetividade da linguagem”, afirma
que “é na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito, porque só a linguagem
fundamenta na realidade a sua realidade que é a do ser, do conceito, do “ego”
(BENVENISTE, 2005, p. 286, grifo do autor). Nesse sentido, a subjetividade pode ser
compreendida como a capacidade do locutor para se propor como sujeito, que só pode dizer
“eu” dirigindo-se a alguém, sendo essa condição de diálogo constitutiva da pessoa, pois
implica em reciprocidade. O “eu” propõe outra pessoa que instaura o outro como “tu”, e este,
por sua vez, ao tomar a palavra, diz “eu”, instaurando o outro como “tu”, constituindo a
intersubjetividade.
O “eu” não se refere nem a um indivíduo nem a um conceito, mas ele é
exclusivamente linguístico, referindo-se ao ato de discurso individual, sendo a realidade a
qual ele remete a realidade do discurso. “É na instância do discurso a qual eu designa locutor
que este se enuncia como sujeito” (BENVENISTE, 2005, p. 288), sendo que o fundamento da
subjetividade está no exercício da língua. Isso é possível porque a linguagem tem uma forma
de organização que permite a cada locutor apropriar-se da língua toda se instaurando como
“eu”.
Os pronomes “eu” e o “tu”, que são usados para designar as pessoas da enunciação,
são consideradas pelo autor como “pessoas”, possuindo sua marca. Já o “ele” é definido pelo
autor como “não-pessoa”, pois pode ser uma infinidade de sujeitos ou nenhum; a terceira
pessoa é a única pela qual uma coisa é predicada verbalmente. A terceira pessoa não marca
especificamente o “eu” e o “tu”, por isso não é considerada pessoa, criando o efeito de sentido
de apagamento de subjetividade e, consequentemente, de realce de suposta subjetividade
(BENVENISTE, 2005, p. 254).
Nesse sentido, os pronomes pessoais são os primeiros elementos que revelam a
subjetividade da linguagem. Mas há outros elementos que também desempenham o mesmo
papel. São os elementos denominados dêiticos, que organizam as relações espaciais e
temporais em torno do sujeito, que é tomado como ponto de referência (pronomes
demonstrativos, advérbios, por exemplo) da enunciação. Esses constituem as categorias
pessoal, temporal e espacial, e se definem somente em relação à instância de discurso em que
é produzido, dependendo do “eu” que se enuncia (BENVENISTE, 2005, p. 288). Os
pronomes demonstrativos, por exemplo, indicam os objetos a partir de um ponto de referência
que é o do “eu”. O objeto pode estar perto ou longe do “eu” ou do “tu”, em frente, atrás,
65
embaixo, no alto etc. Esses elementos que têm essa função constituem o sistema de
coordenadas espaciais que permite a localização dos objetos instaurados em uma enunciação,
em que há um “eu” que é o centro de referência.
Ao lado dos elementos das coordenadas espaciais, há também os elementos das
coordenadas temporais que, segundo Benveniste (1989, p. 70), “das formas linguísticas
reveladoras da experiência subjetiva, nenhuma é tão rica quanto aquelas que exprimem o
tempo”, sendo um elemento difícil de explorar por sua complexidade. O autor faz uma
distinção entre tempo físico, tempo crônico e tempo linguístico. O primeiro refere-se a um
contínuo do mundo uniforme, infinito, linear, segmentável à vontade. O segundo é o tempo
dos acontecimentos, que inclui também nossa própria vida enquanto sequência de
acontecimentos. Esse é o tempo da nossa visão de mundo, ou de nossa experiência pessoal.
Esse tempo pode ser observado em duas direções: um movimento que vai do passado ao
presente e vice-versa. Os acontecimentos não são o tempo, eles estão no tempo, tudo está no
tempo. O tempo comporta uma dupla versão, uma objetiva, fixada em um calendário
orientado a partir de um ponto de referência externo ao exercício da fala (por exemplo, o
nascimento de Cristo); e outra subjetiva, referente à experiência humana, que se traduz e
manifesta linguisticamente, tendo como ponto de referência e centro as instâncias da
enunciação. É essa última versão do tempo que interessa para os estudos enunciativos, pois
ela está ligada ao exercício da fala, sendo o seu centro o presente da instância da fala. Toda
vez que um locutor emprega a forma verbal do presente (ou uma forma equivalente), ele
localiza o acontecimento no mesmo tempo da instância do discurso em que esse é
mencionado. O presente linguístico se constitui como a linha que separa o passado, que só
pode ser recuperado pela memória, e o futuro, que se manifesta por prospecção na forma de
previsão da experiência humana. Assim, a língua organiza o tempo a partir das instâncias do
discurso, o que possibilita que os interlocutores, “eu” e “tu” partilhem da mesma
temporalidade, estabelecendo entre si a intersubjetividade temporal (BENVENISTE, 1989, p.
74-75).
A partir de seus estudos, Benveniste (2005, p. 262), como base nos estudos referentes
às categorias de pessoa, tempo e espaço, propõe que os tempos dos verbos (em seu estudo,
francês) sejam distribuídos em dois sistemas distintos e complementares, manifestando dois
planos de enunciação diferentes, denominado pelo autor de história e discurso.
A enunciação histórica caracteriza a narrativa dos tempos passados, em que os fatos
são apresentados sem nenhuma intervenção do locutor na narrativa. Segundo o autor, a
66
narrativa histórica pode ser definida como o modo de enunciação que exclui toda forma
linguística autobiográfica, pois o “historiador” (ou narrador) não dirá “eu‟ nem “tu” nem
“aqui” nem “agora”, porque não tomará o aparelho formal de enunciação, que consiste na
relação de pessoa “eu” e “tu”. Na narrativa histórica só terá as formas de terceira pessoa,
tomadas em conjunto com tempos verbais que remetem a um passado (pretéritos).
Em relação ao outro modo de enunciação, o plano do discurso, Benveniste (2005, p.
267) esclarece que é necessário entender discurso na sua expansão mais ampla: “toda
enunciação que suponha um locutor e um ouvinte e, no primeiro, a intenção de influenciar , de
algum modo, o outro”. Ele adverte que a diferença entre narração e discurso não se refere à
distinção entre língua falada e língua escrita, já que há discurso quando alguém se dirija a um
outro como enunciador, instituindo-o como “eu” e o outro como “tu”, mesmo que o “tu”
esteja ausente fisicamente. Segundo o autor, pela escolha dos tempos dos verbos, o discurso
se distingue nitidamente da narrativa histórica, sendo que o plano do discurso emprega
livremente todas as formas verbais, tanto os pronomes eu/tu e ele. Nesse plano, a relação de
pessoa estará presente em toda parte, explícita ou não, sendo que a terceira pessoa não tem o
mesmo valor que na narrativa histórica. O autor menciona, em relação ao seu estudo realizado
com a língua francesa, que os tempos fundamentais do discurso são o presente, o futuro e o
pretérito perfeito, tempos esses excluídos do plano da narração, sendo o imperfeito comum
aos dois planos, e o mais-que-perfeito mais característico da narração.
É com base nesses estudos pioneiros da linguística da enunciação, desenvolvidos,
posteriormente, por vários autores, que Bronckart (1999, p. 150-151) propõe quatro planos ou
modos de enunciação, utilizando a expressão originária de Simonin-Grumbach (1975) de
tipos de discurso, por considerar que a noção de discurso refere-se mais profundamente ao
processo de verbalização do agir de linguagem ou de sua semiotização em uma língua natural
(BRONCKART, 2006, p. 151). Esse autor afirma que os estudos de Simonin-Grumbach
(1975), pouco conhecido e inspirado em Culioli, foram fundamentais para a elaboração de sua
proposta, já que ele tentou identificar o conjunto das unidades características dos tipos de
discursos, além de tentar descrever e formalizar as operações psicológicas constitutivas nesses
tipos. Com esses estudos, Bronckart (1999, p. 151) propõe não só descrever esses tipos de
discursos como também as operações psicológicas em que se baseiam, além das
configurações de unidades linguísticas que manifestam esses mundos. O autor relembra que,
devido à própria natureza semiótica da atividade de linguagem, ela se baseia na criação de
planos ou mundos discursivos (ou virtuais) que são criados pela atividade de linguagem.
67
Esses planos ou mundos discursivos são radicalmente diferentes dos mundos representados
(físico, social, subjetivo) em que se desenvolvem as ações dos agentes humanos, mas
mostram o tipo de relação que mantêm com os mundos representados na atividade humana
(BRONCKART, 1999, p. 153). Dito de outro modo, esses planos ou mundos discursivos se
constituem como quadros em que se manifestam, numa interação verbal, as representações de
um determinado agente, constituindo os tipos de discursos.
Assim, a partir de seus estudos, o autor propõe quatro mundos discursivos: a) mundo
do expor implicado;24
b) mundo do expor autônomo; c) mundo do narrar implicado; d) mundo
do narrar autônomo, mundos esses que dão origem aos tipos de discursos. De acordo com o
autor, esses mundos, assim como as operações em que se baseiam, só são identificáveis a
partir de formas linguísticas que o semiotizam, sendo eles dependentes, portanto, dessas
formas. Essas formas linguísticas estão relacionadas às categorias de pessoa, tempo e espaço,
propostas, inicialmente, por Benveniste (1989, 2005), e retomadas por muitos autores
(estrangeiros, WEINRICH, 1973; SIMONIN-GRUMBACH, 1975; BRONCKART, 1999; e
brasileiros (FIORIN, 2005; BRAIT, 2006; FLORES et al., 2008; LIMA, 2010; entre outros).
Esses mundos discursivos, que dão origem aos tipos de discursos, serão apresentados com
mais detalhes na seção em que faremos a exposição do nível organizacional.
É com base na concepção de texto discutida, textos que, por sua vez, se configuram
em determinadas estruturas linguísticas, chamadas tipos de discurso, que explicitaremos mais
adiante, que nós, integrantes do grupo Alter, temos desenvolvido nossas análises que incidem
sobre a identificação do contexto de produção, a análise dos elementos textuais referentes aos
níveis organizacional, enunciativo e semântico, como veremos a seguir.
4.2. Os elementos do contexto de produção
Nesta seção, apresentaremos os elementos do contexto de produção que nós, do grupo
ALTER, temos levado em conta em nossas análises. Primeiramente, é importante mencionar
que há diferentes definições sobre contexto de acordo com a abordagem teórica assumida. No
nosso caso, concebemos contexto como tudo que cerca o texto, tanto o contexto imediato
quanto o contexto ampliado (MAIGUENEAU; CHARAUDEAU, 2008).
24
Em outra abordagem, para a análise do discurso francesa (MAINGUENEAU, 2001), essa distinção entre
implicado e autônomo é concebido em termos de plano embreado e não embreado, respectivamente.
68
Machado e Bronckart (2009), a partir dos resultados de diversas pesquisas, propõem
cinco aspectos para serem levados em conta na identificação do contexto de produção de um
texto que são:
O contexto sócio-histórico mais amplo em que o texto é produzido, em que circula
e em que é usado.
Em relação ao levantamento dos elementos desse aspecto, tratando de estudos
sobre o trabalho do professor, é relevante buscar as características do contexto
sócio-histórico de produção dos textos em disciplinas das Ciências Humanas,
como, por exemplo, a História da Educação e a Sociologia do Trabalho.
Ressaltamos a pesquisa de Bronckart e Machado (2005) que analisaram textos
oriundos de instâncias governamentais para prescreverem o trabalho do professor.
Suas análises ganham todo sentido já que foram compreendidas considerando o
contexto mais amplo em que os textos foram produzidos: quadro das reformas
neoliberais empreendidas nos anos 1990 no Brasil, nelas incluídas as reformas do
sistema educacional.
O suporte em que o texto é veiculado e o contexto linguageiro imediato, ou seja,
o(s) texto (s) que acompanham, em um mesmo suporte, o texto a ser analisado.
Em relação à importância de observação das características desses elementos para
uma melhor interpretação dos textos, podemos exemplificar com a pesquisa de
Barbosa (2009), que analisa crônicas na mídia impressa em dois suportes
diferentes. No primeiro, escritores escrevem crônicas para uma revista semanal
voltada para o público em geral e, no segundo, também são crônicas, mas extraídas
do seu contexto original para uma revista dirigida especialmente para professores e
que são acompanhadas de “exercícios de reflexão” a serem feitos pelos professores.
Nas crônicas da revista semanal, foram identificados modelos para o agir docente
que se aproximam do cotidiano dos professores, apresentando formas de agir
plausíveis para os dias atuais. No caso das crônicas da revista para os professores,
Barbosa (2009) identifica modelos de agir idealizados, às vezes, referentes a épocas
passadas, em situações muito diferentes das atuais. A interpretação da função dessa
idealização só é possível ser adequadamente feita levando-se em conta o suporte
em que essas crônicas são veiculadas.
O intertexto, isto é, o(s) texto (s) com o(s) qual (is) o texto mantém relações
facilmente identificáveis, mesmo antes das análises.
69
Em relação à importância do levantamento e da observação do intertexto, citamos a
pesquisa de Bueno (2007), que analisa projetos de alunos em formação (graduação
em Letras), em que suas características formais e semânticas foram encontradas por
meio da análise do intertexto, ou seja, das instruções dadas pelo professor aos
alunos para a produção desses projetos e dos textos teóricos discutidos nas aulas do
curso.
A situação ou condição de produção dos textos, que se refere às representações do
produtor que exercem influência sobre a forma de organização do texto,
distribuídas em um conjunto de parâmetros.
Fourcade e Bronckart (2007), com base na definição de situação de enunciação
definido por Benveniste (1989, 2005) e Culioli (1976, 1990), consideram que o primeiro
conjunto de parâmetros diz respeito às representações oriundas do mundo físico, discutidas no
capítulo anterior, referentes ao lugar de produção de texto, que é o local físico em que o texto
é produzido (numa escola, por exemplo); ao momento de produção (no dia 04 de janeiro de
2011); ao locutor,25
que é um ser no mundo, uma pessoa, que produz uma ação linguageira em
uma situação de comunicação, oral ou escrita (por exemplo, Maria escreve um e-mail); o
interlocutor, que consideramos aqui a pessoa que dialoga, discute, conversa com um outro,
numa situação de comunicação oral ou escrita (por exemplo, João recebe o e-mail de Maria).
O interlocutor representa ao mesmo tempo o destinatário do locutor e aquele que tem o direito
de tomar a palavra, responder, replicar ao locutor que o precedeu (João responde ao e-mail de
Maria). Assim, cada locutor que toma a palavra é interlocutor do precedente, instituindo-se
como interlocutores (BRONCKART, 1999; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p.
287-288).
O segundo conjunto de parâmetros é referente ao fato de que todo texto se inscreve no
quadro das atividades de uma formação sociodiscursiva, implicando as representações sobre o
mundo social (normas, valores, regras etc.) e sobre o mundo subjetivo (imagem que o agente
dá de si ao agir). Esse contexto da interação social, composto por uma série de parâmetros de
25
Bronckart (2008) e Machado e Bronckart (2009) utilizam os termos emissor/co-emissor,
enunciador/destinatário e emissor/receptor, enunciador/papel social do receptor, respectivamente. Esses termos
emissor, receptor e destinatário têm significados diferentes de acordo com a abordagem teórica seguida, sendo
bastante disseminado na comunidade linguística o sentido dado por Jakobson, numa concepção de comunicação
na qual o emissor codifica uma mensagem endereçada a um receptor ou a um destinatário que, passivamente, a
decodifica. Embora em algumas vertentes, como a semiótica, a pragmática e a análise do discurso – sendo
incluído por nós o ISD – esses termos não sejam empregados com esse sentido, preferimos usar os termos
locutor/interlocutor e enunciador/co-enunciador, evitando, assim, interpretações errôneas de leitores por
desconhecimento dos variados sentidos atribuídos a esses termos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p.
154, 184, 417).
70
natureza social, em que se leva em conta o quadro da formação social, da instituição em que o
texto é produzido (escola, família, mídia etc.), acaba definindo a posição social do locutor e
do interlocutor (professor/aluno). Assim, o primeiro parâmetro a ser levado em conta é o lugar
social em que a interação é produzida, lugar esse que define o papel social do locutor,
relacionado, portanto, às diferentes posições de enunciação que um locutor pode assumir,
tanto na oralidade quanto na escrita (professor, pai, cliente). Esse papel institui o locutor como
enunciador, que significa que se leva em conta tanto o quadro da formação social em que a
interação é estabelecida, quanto a posição social do locutor nesse quadro. Podemos entender
também que o enunciador é “uma instância ligada à situação construída pelo discurso”, não
uma instância de produção verbal “de carne e osso‟, como no caso do locutor
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 201). Seguindo esse raciocínio, ao
interlocutor também é atribuído o estatuto de co-enunciador (papel de aluno, filho, leitor do
jornal). Considerando que o texto é originário de uma ação de linguagem, como já vimos, o
enunciador busca atingir objetivos, a partir das representações dos efeitos prováveis que o
texto pode produzir no co-enunciador, estando coerente com a definição de ação de
linguagem, como discutido no Capítulo 3.
Além desses elementos, Machado e Bronckart (2009) consideram as dimensões
afetivo-emocionais na situação do agente produtor do texto, explicando que essas dimensões
não eram levadas em conta no modelo de análise de textos proposto por Bronckart em 1999,
pois a ação de linguagem era concebida de modo estático, partindo de uma visão cognitiva.
Atualmente, a partir de estudos que possibilitaram uma reformulação em relação à concepção
de situação de produção, o contexto passou a ser visto de modo dinâmico, em concordância
com a definição de agir dinâmico e plurideterminado, discutida quando conceituamos o termo
trabalho, no Capítulo 1.
Nesse sentido, no processo de produção textual, o enunciador pode assumir diferentes
papéis ao mesmo tempo, que não se confundem com seu papel social. Por exemplo, em uma
entrevista que enfoca o trabalho do piloto de avião, o enunciador pode assumir o papel social
de entrevistado na interação com o pesquisador, mas nem por isso perderá de vista o seu papel
de piloto, sendo que esses dois papéis irão interferir na forma que o texto assumirá.
Outro aspecto a ser levado em conta é que muitas situações de produção de linguagem
envolvem mais de um co-enunciador, presentes ou ausentes, que podem ter diferentes papéis.
Nessas circunstâncias, a produção de texto pode se destinar a um ou outro co-enunciador, de
modo mais ou menos direto ou indireto. Além disso, o enunciador pode ter representações de
71
mais de um objetivo a ser alcançado, principalmente pelos diferentes papéis que assume. Em
relação a esses aspectos, Machado e Bronckart (2009) citam a pesquisa de Abreu-Tardelli
(2006), que mostra a complexidade da situação de produção de texto em um chat educacional.
Nessa situação, a professora-formadora tem a tarefa de gerir um chat educacional,
estando fisicamente em sua casa, em um sábado, mas em interação síncrona com co-
enunciadores que se encontram em diferentes lugares físicos. Para isso, ela tem que co-
produzir um texto em um espaço virtual comum aos vários participantes do chat educacional,
sobre quem a professora tem informações muito vagas. Seus enunciadores diretos, instituídos
socialmente como tais, ocupam o lugar social de professores em formação. Porém, além
desses co-enunciadores, há ainda outros, embora com funções diferentes na própria situação.
No espaço virtual, há a tutora do curso e, no espaço físico, há uma pesquisadora, observando e
filmando o trabalho desenvolvido. Todos esses elementos são fatores que interferem
diretamente na forma dos textos produzidos (MACHADO; BRONCKART, 2009).
Finalizada a apresentação das relações estabelecidas entre texto e contexto e dos
elementos do contexto de produção, na próxima seção, faremos a exposição dos elementos
dos três níveis de análise, o organizacional, o enunciativo e o semântico que, embora sejam
desenvolvidos separadamente, seus elementos encontram intrinsecamente correlacionados,
sendo que a análise de cada um dos níveis esclarece a análise do outro. Os resultados do nível
organizacional e do enunciativo, por exemplo, são fundamentais para a interpretação do nível
semântico.
4.3. Os elementos do nível organizacional
Nesta seção, apresentaremos os elementos da infraestrutura textual, isto é, os
elementos do plano global do texto, dos tipos de discursos, das sequências global e local
convencionais que eventualmente o organiza. Além disso, estão incluídos nesse nível os
mecanismos de textualização, que possibilitam a coerência entre os diversos segmentos que
constituem o texto (coesão e conexão). É importante esclarecer que partimos de uma
abordagem que considera que a organização de um texto e as escolhas lexicais estão
estreitamente ligadas ao contexto de produção e ao gênero em questão, de acordo com as
formações sociodiscursivas do enunciador, o que significa que não partimos de uma
abordagem estrutural que levaria em conta apenas os elementos linguísticos, sem considerar o
72
contexto e o gênero. De acordo com essa visão, apresentamos os elementos que constituem a
organização dos textos.
Em primeiro lugar, a infraestrutura textual, que é constituída, primeiramente, pelo
plano geral que se refere à organização do conjunto do conteúdo temático. Por exemplo, o
plano geral de uma dissertação de mestrado ou uma tese, geralmente, é constituído por:
introdução, pressupostos teóricos, metodologia, resultados das análises e conclusões. Cada
uma dessas partes tem seus conteúdos e objetivos específicos (MACHADO, 2003). O
trabalho da análise do plano global não termina com a identificação dos temas, mas é
necessário um trabalho posterior para interpretar o conjunto dos resultados identificados. Em
relação ao agir, o plano global pode permitir uma primeira identificação dos tipos principais
de agir que são organizados por esse plano, as fases da tarefa tematizada no texto ou, ainda, os
principais actantes postos à cena do texto. Por exemplo, foi a identificação do plano global
que possibilitou observar, em textos prescritivos de instâncias governamentais, três tipos de
agir que aparecem sucessivamente no texto: agir prescrito, agir anterior ao prescritivo e um
agir posterior ao prescritivo (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 56).
Em segundo lugar, os tipos de discurso, originários dos mundos discursivos
mencionados na seção anterior, podem ser compreendidos como modos fundamentais de
estruturação linguística que se combinam nos textos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU,
2008, p. 468), sendo constituídos, em princípio (com poucas exceções), por segmentos
diferentes, independente do gênero a que pertença. Por exemplo, uma dissertação de mestrado
pode ser constituída por um segmento principal que expõe a teoria do autor e por segmentos
intercalados que relatam a cronologia da constituição das teorias concorrentes. É no nível
desses segmentos que podemos identificar configurações de unidades linguísticas específicas
(subconjuntos de tempos verbais, pronomes, advérbios etc.) que constituem o nível superficial
dos tipos de discurso, relacionado às categorias de pessoa, espaço e tempo.
Para compreender os tipos de discurso propostos, faremos referência, sobretudo, a
Fourcade e Bronckart (2007) e a Bronckart (1999) e ao que foi discutido na seção anterior,
quando necessário. Relacionadas aos mundos discursivos mencionados, esse autor propõe as
quatro categorias: implicação, autonomia, disjunção, conjunção, resultantes das diferentes
possibilidades do enunciador de estabelecer relações com os valores dos três espaços que
constituem o contexto – pessoa, espaço, tempo - como veremos.
73
Em todo ato de enunciação, há um enunciador e um co-enunciador (real ou imaginado)
que são situados em um tempo e espaço específicos, inseridos em um contexto
sociossubjetivo (lugar social; enunciador/co-enunciador e seus papéis sociais; objetivo),
discutido anteriormente. Esse enunciador se apropria da língua a partir do conteúdo temático
(ou referente), que pode ser definido como o conjunto de informações que são explicitamente
apresentado no texto. São essas informações, semiotizadas, que organizam o texto em um
mundo discursivo, criado pela atividade de linguagem (BROCKART, 1999, p. 97). O
enunciador, ao mobilizar esses conhecimentos, pode construir o mundo discursivo como
distantes ou coincidentes ao mundo ordinário, ou seja, da ação de linguagem em curso. No
primeiro caso, quando há distância, as representações mobilizadas como conteúdo referem-se
a fatos passados (ordem da história de Benveniste), futuros ou puramente imaginários, sendo
que sua organização deve ancorar-se em uma origem espaço-temporal que especifica a
disjunção esperada. Nesse caso, os fatos organizados a partir dessa ancoragem são então
narrados, pertencentes ao mundo da ordem do narrar (BRONCKART, 1999, p. 153). Essa
distância é marcada pelo sistema de tempos verbais e refere-se ao eixo da disjunção
(separação) ao mundo ordinário. Quando o enunciador cria um mundo discursivo havendo
concomitância temporal ou coincidência em relação aos conteúdos com o mundo da interação
em curso, o autor denomina mundo da ordem do expor, referindo-se ao eixo da conjunção.
Em relação ao eixo do mundo da ordem do expor, o enunciador pode criar um mundo
discursivo em que os parâmetros do contexto de produção (enunciador, co-enunciador, tempo
e espaço) estejam diretamente implicados, contendo marcas da situação de ação de linguagem
com a presença de determinados elementos linguísticos, por exemplo, a presença de dêiticos
pessoais (eu, você, nós, a gente etc.), dêiticos temporais (hoje, amanhã, ontem, na semana
passada etc.) e dêiticos espaciais (lá, ali, aqui, perto etc.). Nesse sentido, Bronckart (1999)
propõe o tipo de discurso discurso interativo, como no exemplo a seguir.
99C.: os temas né que estão aí dentro daquele congresso... ver aonde você
vai encaixar ali eu não lembro isso eu já li mas eu não lembro como o prazo
é até dia 15 de novembro eu vou fazer isso quando eu voltar dia 2 dia 3 eu
já estou aqui... (Instrução ao sósia, Unicamp, 29/out./08)
Nesse exemplo, observamos presença de elementos dêiticos temporais que remetem à
situação de produção. Esse texto, oriundo de nossa geração de dados, foi produzido no dia 29
de outubro de 2008, assim, de acordo com o contexto, os dias 02 e 03 referem-se a novembro
de 2008, marcas essas que remetem à situação de produção, implicando o enunciador no
74
texto. Ao lado desses dêiticos temporais, há os pessoais eu e você (e a desinência pessoal dos
verbos), indicando que o enunciador implica no texto. Por sua vez, os tempos verbais
(presente, futuro perifrástico, imperativo) colocam o conteúdo do texto como concominantes
ou conjunto ao momento de produção. Esse conjunto de elementos, referentes ao eixo
implicação/conjunção, dá origem a um segmento de discurso interativo.
Quando não há a presença elementos dêiticos (pessoal, temporal e espacial), mas o
conteúdo é colocado como conjunto ao momento de produção a partir dos sistemas verbais,
temos o caso do discurso teórico, como no exemplo a seguir.
106M.: Tem o caso daquele que tem consciência, e procura ajuda e...e se
esforça e supera. Quem se empenha acaba superando. E tem o caso, quer
dizer, também tem o caso daquele que se empenha mas ele tem um limite.
Então, ele não consegue. Aí esses não conseguem terminar. (Instrução ao
sósia, USP, 20/ago./08)
Nesse exemplo, por um lado, não observamos marcas que remetem ao contexto de
produção do texto, indicando, por isso, um segmento autônomo em relação à situação de
produção; por outro, o tempo verbal no presente genérico indica que os conteúdos são
colocados como conjuntos ao momento de produção. A ausência de marcas que remetem ao
contexto de produção, aliada aos tempos verbais que colocam o conteúdo concominante ao
momento de produção, origina o tipo de discurso discurso teórico, pertencente ao eixo
autonomia/conjunção.
Quando não há concomitância ou coincidência dos conteúdos com a interação em
curso, temos o caso do mundo discursivo da ordem do narrar (narração, para Benveniste,
1989). Da mesma forma, o enunciador pode se remeter, ou não, à situação de produção a
partir de elementos dêiticos (pessoal, temporal e espacial). No exemplo, a seguir, temos um
caso de segmento do mundo da ordem do narrar.
146C.: [GEL
26] foi aqui no IEL
27 é na Unicamp... dois mil e cinco foi em....
São Carlos... em dois mil e quatro foi um drama porque foi a novidade
nunca tinha sido informatizado sempre era no papel daí nós mudamos em
dois mil e quatro nós informatizamos... (Instrução ao sósia, Unicamp,
29/out./08)
Nesse exemplo, observamos a presença de elementos dêiticos pessoal (nós; desinência
verbal em mudamos), espacial (aqui), que remetem à situação de produção, havendo a
26
Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo. 27
Instituto de Estudos da Linguagem.
75
implicação do enunciador no texto. Ao lado dessas marcas, observamos tempos verbais que
colocam os fatos narrados como distantes temporalmente (ou disjuntos) do momento de
produção (pretérito perfeito e imperfeito). O conjunto desses elementos, pertencentes ao eixo
implicação/disjunção, constitui um segmento de tipo de discurso relato interativo.
Por sua vez, quando não há coincidência dos conteúdos com a interação em curso e o
enunciador não se remete à situação de produção, o mundo discursivo construído pertence ao
eixo autonomia/disjunção, originando o tipo de discurso narração, como no exemplo a seguir,
extraído de Bronckart (1999, p. 163)
Um dia, um mágico inventou uma máquina de fabricar cometas. Ela se
parecia um pouquinho com a máquina de cortar caldo, mas, ao mesmo
tempo, era diferente e servia para fazer todas as espécies de cometa à escolha
[...].
Nesse segmento, extraído de um romance, não há marcas (pessoal, temporal, espacial)
que remetem à situação de produção, o que mostra um segmento autônomo (independente da)
em relação ao ato de produção e, ao mesmo tempo, a referência textual remete para um tempo
passado (tempos verbais no pretérito, por exemplo), disjunto do momento de produção. O
conjunto desses elementos constitui um segmento de tipo de discurso narração.
Esses tipos de discursos podem ser identificados com base em suas características
linguísticas específicas (tempos verbais, pronomes, advérbios etc.), sendo que sua
identificação possibilita detectar as figuras de ação, tais como propostas por Bulea (2007),
relacionadas às representações construídas pelo trabalhador sobre suas atividades, como
veremos mais adiante (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 56).
No interior do plano global do texto podem aparecer as sequências, conceito esse
formulado por Adam (1992), em virtude das variações das tipologias de texto surgidas com as
gramáticas de texto. Retomando e reformulando criticamente o conceito cognitivo de
sequências proposto por Adam (1992), Bronckart (1999, p. 217) considera que elas seriam
uma das formas de planificar o conteúdo, tendo outras formas possíveis (esquematizações e
scripts28
). O autor distingue seis tipos de sequências: narrativas, explicativas, argumentativas,
28
Para Bronckart (1999, p. 238), os scripts pertencem ao mundo da ordem do narrar quando os acontecimentos
e/ou ações constitutivos da história são apenas dispostos em ordem cronológica, sem que a organização linear
registre qualquer processo de tensão, como ocorre nas sequências narrativas. Eles são considerados o grau zero
da planificação dos segmentos do mundo da ordem do narrar. As esquematizações, por sua vez, são organizadas
não em uma sequência convencional, mas se realiza em outras formas de esquematizações constitutivas das
lógica natural (definição, enumeração, enunciado de regras etc.), podendo ser consideradas o grau zero da
planificação dos segmentos do mundo da ordem do expor.
76
descritivas, injuntivas, dialogal.29
No nível semântico-pragmático, as sequências constituem
as formas canônicas de o produtor construir o mundo discursivo, narrando-o, descrevendo-o
etc. de acordo com as suas representações sobre o contexto de produção. Nesse sentido, seu
estatuto é fundamentalmente dialógico. Em relação ao nível morfossintático, elas se
constituem em um número n de fases, geralmente marcada por unidades linguísticas típicas de
cada uma delas, possibilitando a sua identificação (MACHADO, 2005). A organização dos
conteúdos em forma de sequências, ou outras formas, está relacionada à experiência sócio-
histórica do enunciador, inserido em uma determinada formação sociodiscursiva, o que
possibilita a utilização das sequências, visando às representações dos efeitos pretendidos.
A Tabela 4.1, a seguir, de Machado (2005), possibilita observamos as relações entre as
sequências, as representações dos efeitos pretendidos e as suas fases correspondentes.
29
Para maiores detalhes sobre os tipos de sequências e as outras formas de planificação, indicamos Bronckart
(1999) e Machado (2005).
77
TABELA 4.1 – Sequências, representações dos efeitos pretendidos e fases correspondentes
Sequências Representações dos efeitos pretendidos Fases
Descritiva Fazer o destinatário ver em detalhe
elementos de um objeto de discurso,
conforme a orientação dada a seu olhar
pelo produtor
Ancoragem
Aspectualização
Relacionamento
Reformulação
Explicativa Fazer o destinatário compreender um
objeto de discurso, visto pelo produtor
como incontestável, mas também como de
difícil compreensão para o destinatário
Constatação inicial
Problematização
Resolução
Conclusão/Avaliação
Argumentativa Convencer o destinatário da validade de
posicionamento do produtor diante de um
objeto de discurso visto como contestável
(pelo produtor e/ou pelo destinatário)
Estabelecimento de:
– premissas
– suporte argumentativo
– contra-argumentação
– conclusão
Narrativa Manter a atenção do destinatário, por meio
da construção de suspense, criado pelo
estabelecimento de uma tensão e
subsequente resolução
Apresentação de:
- situação inicial
- complicação
- ações desencadeadas
- resolução
- situação final
Injuntiva Fazer o destinatário agir de um certo modo
ou em uma determinada direção
Enumeração de ações
temporalmente subsequentes
Dialogal Fazer o destinatário manter-se na interação
proposta
Abertura
Operações Transacionais
Fechamento
Fonte: Machado (2005).
No exemplo, a seguir, trazemos um segmento constituído de sequência injuntiva, que
tem como característica a enumeração de ações temporalmente subsequentes e como efeito
pretendido fazer o destinatário agir de um determinado modo, como em um manual de
instrução ou numa instrução ao sósia, como no trecho a seguir.
78
224C.:30
posso eu estar interpretando de um jeito.........
225P.: daí você vai e...
226C.: eu vou...
227P.: vai estar relendo para confirmar...
228C.: você levanta vai na estante procura o livro se você tem se você não
tem você tem que... deixar para ler outra hora você marca eu marco em
algum lugar que vou ter que procurar aquele material depois para reler
conferir né?
229P.: procurar o livro
230C.: procurar o livro e conferir (Instrução ao sósia, Unicamp,
29/out./2008)
Nesse exemplo, sobretudo, em 228C, observamos que o enunciador orienta o co-
enunciador a agir de um determinado modo, nesse caso, sendo empregado o imperativo (vai,
procura).
Um texto pode ser organizado tanto em sequência textual local quanto global. Se o
texto for organizado em uma sequência textual global, é possível identificar as representações
construídas pelo produtor sobre os objetivos de sua ação de linguagem (convencer, dirigir o
olhar etc.); suas representações em relação ao objeto temático (como sendo, por exemplo, de
difícil compreensão pelo co-enunciador), sobre as capacidades de compreensão e sobre a
posição do enunciador em relação ao objeto tematizado, que pode ser igual ou diferente da do
produtor. Assim, tal análise já pode trazer informações, mesmo que parciais, sobre a figura do
professor que é construída no e pelo texto e sobre aspectos de seu trabalho (MACHADO;
BRONCKART, 2009). Como exemplo, pesquisas revelam (MACHADO; CRISTÓVÃO,
2005) que textos produzidos por instâncias governamentais para orientar o ensino brasileiro
não apresentam uma organização global injuntiva, ocultando, assim, seu caráter prescritivo.
Isso indica que a presença ou a ausência de um tipo de sequência pode revelar representações
sobre o agir construídas nos e pelos textos, tendo que ser interpretado pelo pesquisador ou
analista.
Finalizada a apresentação dos tipos de sequências, abordaremos os mecanismos de
textualização (conexão e coesão),31
que permitem a coerência entre os diversos segmentos do
texto, tornando explícitas as grandes articulações hierárquicas, lógicas, temporais e espaciais.
A seguir, trataremos desses mecanismos – de conexão, de coesão nominal e de coesão verbal,
respectivamente.
30
C refere-se à participante de pesquisa (nome fictício, Clara) e P, à pesquisadora. 31
Esses mecanismos já foram muitos explorados por linguistas, por exemplo, Berrendonner e Reichler-Bégulin,
(1989), Charolles (1988), Halliday e Hasan (1976), entre outros. Em relação aos estudos de linguistas brasileiros,
podemos citar a célebre obra de Koch (1984, 1989, 1997). Para maiores estudos sobre esses complexos
mecanismos, indicamos Bronckart (1999) ou um desses autores citados.
79
Os mecanismos de conexão contribuem para marcar as articulações da progressão
temática por meio de organizadores textuais temporais (durante, depois, antes que etc.);
espaciais: (aqui, neste lugar etc.) e os organizadores argumentativos (logo, portanto,
porque).32
Por exemplo, “Depois que a aula começou, o professor começou a discutir o texto”.
Nesse exemplo, o elemento de conexão temporal depois indica uma fase da aula.
Em relação aos mecanismos de conexão, eles desempenham um papel fundamental na
distinção dos planos dos textos, das fases das sequências e dos tipos de discurso. Além dessa
função comum a todos eles, há também outras funções mais específicas. Por exemplo, os
organizadores temporais podem assinalar as fases temporais de uma determinada tarefa. Já os
organizadores argumentativos (logo, portanto, porque) associam as funções de segmentação,
de responsabilização enunciativa e de orientação argumentativa. Quando se trata dessas duas
últimas propriedades, os organizadores concessivos (embora, entretanto etc.), por exemplo,
permitem a identificação de argumentos oriundos de outras vozes e o grau de oposição que
elas mantêm com a voz do autor do texto, o que revela representações diferentes sobre o
mesmo agir. Em relação às categorias da semântica do agir, como veremos mais adiante,
alguns organizadores como porque, em razão disso etc. constituem como introdução de
razões atribuídas ao agir (determinações externas ou motivos particulares). Outros
organizadores, como para, para que, a fim de que etc. também funcionam como índices das
finalidades ou dos objetivos do agir. A seguir, trataremos dos mecanismos de coesão nominal.
Em relação aos mecanismos de coesão nominal, eles têm a função de introduzir novos
temas ou personagens e de assegurar a sua retomada ou sua substituição no desenvolvimento
do texto. Por exemplo, “O pesquisador teria que produzir um resumo para o congresso. Além
disso, o professor teria que preparar as aulas para o dia seguinte.” Nesse caso, o vocábulo
professor retoma pesquisador. Os mecanismos de coesão nominal podem permitir a
identificação de actantes postos em cena pelo texto e do modo como vão sendo construídas as
representações sobre o desenvolvimento da progressão temática. Na verdade, esses
mecanismos não são neutros em relação à construção das representações, pois a repetição de
uma mesma unidade lexical, seu apagamento ou sua substituição por um sinônimo não tem o
mesmo valor. Pesquisadores do grupo Alter têm revelado, por exemplo, que nos textos
produzidos pelas instâncias governamentais a retomada do lexema “professor” pode ter um
valor diferente, designando o professor-destinatário ou diferentes grupos de professores de
32
Ver a distinção entre organizadores textuais, propriamente dito, e organizadores argumentativos em Adam
(2006).
80
modo generalizado (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 57; BUENO, 2006). A seguir,
abordaremos os mecanismos de coesão verbal.
Os mecanismos de coesão verbal asseguram a organização temporal ou hierárquica
dos estados, acontecimentos, ações ou outras espécies de relações expressas pelo verbo
realizadas, essencialmente, pelos tempos verbais. Por exemplo, “Na próxima semana, os
alunos entregarão um trabalho sobre linguística estrutural”. O verbo entregar denota um
processo posterior ao momento de produção. Em relação à coesão verbal, ela é fundamental
para distinguir os tipos de discurso que, por sua vez, contribui para a identificação das figuras
de ação (BULEA, 2006, 2007), que abordaremos mais adiante.
Finalizada a exposição do plano global, dos tipos de discursos, das sequências e dos
mecanismos de textualização referentes ao nível organizacional, passaremos para a
apresentação dos elementos do nível enunciativo.
4.4. Os elementos do nível enunciativo
Nesta seção, trataremos dos mecanismos de responsabilização enunciativa em geral,
que constitui o nível enunciativo. Esses mecanismos são marcados por uma variedade de
unidades linguísticas, como, por exemplo, dêiticos pessoal, espacial e temporal; marcas de
inserção de vozes; modalizadores de enunciados; modalizadores pragmáticos e adjetivos. A
seguir, veremos essas unidades linguísticas com base, sobretudo, em Machado e Bronckart
(2009) e em outros autores compatíveis com a nossa abordagem.
Em relação aos dêiticos de pessoa, a sua análise é muito útil nas pesquisas, pois ela
permite mostrar a manutenção ou a transformação desses valores na progressão textual, isto é,
como o texto representa o enunciador no agir representado. Por exemplo, em um mesmo texto
de autoconfrontação,33
a análise do valor das marcas de pessoa pode indicar a construção de
um plano enunciativo encaixado em outro plano, pois a experiência vivida é representada, na
autoconfrontação, como se ela ocorresse simultaneamente ao momento da enunciação. Isso é
possível por meio da construção de dois planos enunciativos, um encaixado sob o outro, em
que as marcas de pessoa são fundamentais. Além disso, a alternância dos pronomes pessoais
(eu, você, a gente), por exemplo, coloca em cena o estatuto individual atribuído a um
determinado agir. Por exemplo: Eu avalio projeto de pesquisas; Nós avaliamos projetos de
33
A autoconfrontação consiste em assistir, com o pesquisador ou psicólogo, a filmagens do trabalho realizado
(experiência vivida) pelo trabalhador, sendo estabelecido um diálogo sobre o trabalho filmado em vídeo e
observado por ambos (LOUSADA, 2006).
81
pesquisa; A gente avalia projetos de pesquisa. Os últimos dois exemplos se referem a um agir
coletivo, que envolve o agir do enunciador-actante, que podem ser interpretados como um
agir coletivo mais amplo ou mais restrito, dependendo do contexto (MACHADO;
BRONCKART, 2009).
Tanto os dêiticos pessoais, quanto os temporais e espaciais, além de estarem
estreitamente ligados à identificação dos tipos de discurso, também podem contribuir para a
análise da subjetividade da linguagem, que podemos considerar como a capacidade do
enunciador se posicionar como sujeito (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008;
BENVENISTE, 2005; FIORIN, 2010). Encerrada a apresentação sobre as marcas e pessoa, a
seguir, abordaremos os índices de inserção de vozes.
Primeiramente, lembramos que seguimos uma concepção dialógica da linguagem,
partindo do princípio de que encontramos em uma enunciação várias vozes que se cruzam,
que se complementam ou que está em contradição (BAKHTIN, 2000). A presença dessas
vozes pode estar marcada linguisticamente por meio de formas gramaticais ou pode ser
identificável a partir do próprio enunciado, como veremos a seguir. Alguns autores se
dedicaram a identificar e categorizar as marcas das vozes no discurso (MAINGUENEAU,
1997, 2001; AUTHIER-REVUZ, 1982, 2001; entre outros). Authier-Revuz (1982), por
exemplo, desenvolveu os conceitos de heterogeneidade constitutiva e heterogeneidade
mostrada como características do discurso. Como não analisaremos a heterogeneidade
constitutiva34
em nossos dados, a seguir, abordaremos a questão da heterogeneidade mostrada.
A heterogeneidade mostrada origina de diversas fontes enunciativas, tornando-se
evidente a partir das marcas, explícitas ou implícitas, das vozes presentes em um enunciado,
como as marcas de discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre, slogan,
modalização autonímica,35
entre outras.
Em relação às marcas explícitas das vozes, em nossas análises, deter-nos-emos apenas
ao discurso direto (p.ex.: O aluno disse: “Não foi possível ler o texto”.) e indireto (p. ex., O
aluno disse que não foi possível ler o texto.), pois são essas marcas que predominam em
nossos dados. Em relação às representações sobre o agir docente, a análise do que é
tematizado e avaliado pelas diferentes vozes permite a identificação, em um mesmo texto, de
diferentes representações sobre um mesmo agir, que podem estar em acordo ou em desacordo.
34
Para o estudo desse conceito, remetemos o leitor aos autores citados (MAINGUENEAU, 1997; AUTHIER-
REVUZ, 1982, 2001). 35
Para os estudos dessas marcas, indicamos Maingueneau (2000) e Authier-Revuz (1982, 2001).
82
Em relação aos verbos introdutores de discurso direto ou indireto (confessar, criticar,
advogar, sugerir, por exemplo), Muniz-Oliveira (2004) propõe uma classificação para os
verbos, que revelam uma interpretação do agir, porém em uma análise preliminar, observamos
que em nossos dados predominam verbos considerados “mais neutros” como o verbo falar.
255C.: então eu já olho na biblioteca e falo: “vai lá e pega que está lá”... se
ele falar que ele não leu... mas com pós eu não faço isso com pós eu deixo o
aluno se virar mais porque é diferente né? (Instrução ao sósia, Unicamp,
29/out./08)
Em relação às vozes implícitas ou pressupostas, analisamos os organizadores
argumentativos (embora, mas, por exemplo), explicitados anteriormente, e as unidades de
negação. Em textos das instâncias governamentais, é bastante comum a ocorrência dessas
últimas unidades, já que o enunciador parte da negação de uma voz anterior pressuposta, cuja
fonte nunca é nomeada, para a afirmação da voz do produtor do texto. Podemos citar o
seguinte exemplo extraído de Machado e Bronckart (2009, p. 60-61): “O professor não
precisa omitir, simplificar ou substituir por um sinônimo familiar as palavras que consideram
difíceis”. Observa-se, nesse exemplo, uma voz pressuposta que afirma que “o professor
precisa omitir, simplificar ou substituir...”, sendo negada pela voz do enunciador do texto.
Finalizada a apresentação das marcas das vozes, passaremos para a questão das
modalizações36
que podem se realizar por meio de unidades ou conjuntos de unidades
linguísticas chamadas de modalizadores (tempo verbal no futuro do pretérito, auxiliares de
modalização, certos advérbios, certas frases impessoais etc.) (BRONCKART, 1999, 2006).
Uma classificação dessa modalização é sugerida por Machado e Bronckart (2009),
baseando-se em Bronckart (1999) e em Machado e Bronckart (2005), que propõem dois tipos
para ela: os modalizadores de enunciado e os modalizadores pragmáticos. No primeiro caso,
consideram-se todas as unidades linguísticas que “exprimem a posição de uma instância
enunciativa sobre o conteúdo da proposição enunciada” (MACHADO; BRONCKART, 2009,
p. 61), podendo ser classificados em modalizações lógicas, deônticas e apreciativas.
As modalizações lógicas consistem em uma avaliação sobre o enunciado, apoiada em
critérios elaborados e organizados em parâmetros do mundo objetivo, apresentando o
enunciado como verdadeiro, necessário, possível etc., como nos exemplos a seguir.
36
Estudiosos têm se interessado por essa questão da modalização desde Aristóteles, por exemplo. Vários autores
têm se dedicado a esse estudo, como Cervoni (1989), Charaudeau (1992), Koch (1984, 1997), entre outros.
83
Talvez o professor marque uma prova para a próxima semana.
Necessariamente, o pesquisador precisa produzir artigos.
É possível que chova amanhã.
Para Machado e Bronckart (2009), mesmo que não haja nenhuma unidade linguística
que indique o modalizador, há um “grau zero” da modalização do enunciado, sendo o caso da
asserção positiva ou negativa, apresentada pela instância enunciativa como sendo uma
verdade incontestável, como, por exemplo, em “A terra gira em torno do sol” (MACHADO;
BRONCKART, 2009, p. 61).
As modalizações deônticas consistem em uma avaliação do conteúdo temático do
enunciado, apoiada nos valores, nas opiniões e nas regras constitutivas do mundo social, e
apresenta os elementos do conteúdo temático como sendo do domínio do direito, da obrigação
social ou da conformidade com as normas em uso. São marcadas por verbos ou expressões
como dever, é lamentável que, ter que etc., por exemplo, em frases como “Você tem que
atingir toda a classe”. A expressão “tem que”, por exemplo, mostra um dever a cumprir.
Por sua vez, as modalizações apreciativas consistem em uma avaliação do conteúdo
temático do enunciado oriunda do mundo subjetivo do enunciador. Podem ser marcadas por
advérbios como infelizmente, felizmente, como em “Infelizmente, não temos tempo adequado
para as orientações”, por exemplo.
Enfim, a partir desses modalizadores que incidem sobre o enunciado, é possível a
identificação da avaliação das instâncias enunciativas sobre o enunciado, podendo-se detectar
como as representações construídas no texto são tomadas como verdadeiras, possíveis,
obrigatórias, lamentáveis etc. e os critérios que orientam essa avaliação (MACHADO;
BRONCKART, 2009, p. 62).
84
Por sua vez, em relação ao segundo caso, os modalizadores pragmáticos não
exprimem a posição do enunciador sobre o enunciado, mas atribui ao actante determinadas
intenções, finalidades, razões (motivos, causas, restrições etc.), capacidades e incapacidades,
julgamentos etc., se expressando, principalmente, por meio de verbos auxiliares (querer,
buscar, tentar, acreditar etc.) que se intercalam entre o sujeito e o verbo. Por exemplo, “O
professor tentou interagir com os alunos de modo que todos compreendessem a matéria
explicada”. Nesse exemplo, o verbo tentar indica uma tentativa do professor. Na análise dos
textos produzidos pelos próprios professores, eles explicitam uma interpretação do agir e
podem permitir a identificação de aspectos do real da atividade (CLOT, 2006) que, como
vimos no Capítulo 1, indica não o que é efetivamente realizado, mas o que é desejado,
impedido de fazer, ou seja, o que tentamos fazer, mas não conseguimos.
Além dos modalizadores que permitem identificar as representações sobre o agir, há
outras unidades lexicais que também revelam marcas de subjetividade, como, por exemplo, os
adjetivos, que possibilitam identificar as avaliações que se constroem sobre as diferentes
formas de agir e sobre os actantes. Para a identificação dessas marcas que revelam a
avaliação, partimos de Kerbrat-Orecchioni (2006),37
que faz um estudo aprofundado sobre a
questão da subjetividade na enunciação, chegando à conclusão de que a subjetividade pode
ser expressa a partir das diferentes classes gramaticais, já que toda unidade lexical é, em certo
sentido, subjetiva, porque as palavras da língua carregam sentidos atribuídos pela sociedade
(incluindo o enunciador) que as manipula. Nesse sentido, na análise de nossos dados, iremos
atentar para as unidades linguísticas pertencentes a quaisquer classes gramaticais, a fim de
buscar essas marcas de subjetividade e, a partir delas, identificar outras representações
construídas nos e pelos textos sobre o agir docente.
Finalizada a apresentação sobre os mecanismos do nível enunciativo, passemos, então,
à exposição dos elementos do nível semântico.
4.5. Os elementos do nível semântico
Apresentamos, até o momento, os procedimentos referentes à análise da situação de
produção do texto e dos níveis organizacional e enunciativo. A seguir, para a compreensão do
nível semântico, esclarecemos, primeiramente, o significado de alguns termos-chave que têm
37
Essa autora, na verdade, desenvolve os estudos iniciados por Benveniste (1989, 2005) sobre a questão da
subjetividade na linguagem (MAINGUENEAU; CHARAUDEAU, 2008).
85
sido utilizados para a análise desse nível (BRONCKART; MACHADO, 2004;
BRONCKART, 2006), incluindo os papéis temáticos desempenhados pelos actantes (ILARI,
2006). Em segundo lugar, trataremos dos verbos ou sintagmas verbais que se referem ao
trabalho do professor com base em Mazzillo (2006) e Barricelli (2007). Em terceiro lugar,
abordaremos as figuras de ação detectadas por Bulea e Fristalon (2004) e Bulea (2007).
Em relação aos termos-chave utilizados para direcionar as nossas pesquisas,
Bronckart (2008) advoga que os termos atividade, ação e agir são utilizados de forma
bastante aleatória por variados autores, que não os define de fato, como mencionamos no
Capítulo 1. Em vista disso, o autor esclarece que “decidimos buscar definições mais estáveis,
não com o objetivo de impô-las, mas para fazer com que nossas afirmações sejam
inteligíveis” (BRONCKART, 2008, p. 212). Assim, a fim de direcionar as pesquisas
preocupadas em identificar o agir (re)configurado nos textos, Bronckart e Machado (2004),
Machado e Bronckart (2005) e Bronckart (2004, 2006, 2008) adotam uma semântica (ou
semiologia) do agir construindo algumas categorias, como seguem.
O termo agir é utilizado para se referir ao “dado” das pesquisas, desse modo, designa
genericamente qualquer forma de intervenção orientada no mundo, de um ou de vários seres
humanos. Em determinados contextos, esse agir pode ser um trabalho, que implica diversos
tipos de profissionais e cuja estrutura pode ser decomposto em tarefas, que é a atividade
prescrita. Esse agir, de modo geral, se desenvolve temporalmente em um curso do agir, no
qual podemos distinguir as cadeias de processos, que podem ser atos e/ou gestos.
Já em relação ao termo ação e atividade atribui-se um estatuto teórico ou
interpretativo. Desse modo, atividade designa uma leitura do agir que envolve dimensões
motivacionais e intencionais mobilizadas no nível coletivo. Por exemplo, Os pesquisadores
resolveram apresentar um trabalho no congresso porque consideram que isso é importante
para a divulgação de suas pesquisas. Já a ação designa uma leitura do agir que envolve essas
mesmas dimensões mobilizadas no nível das pessoas em particular. Por exemplo, O professor
Marcos optou por ensinar o gênero seminário porque acredita que esse instrumento é
eficiente para o desenvolvimento de diversas capacidades de linguagem de seus alunos.
Em relação à dimensão motivacional, distinguem-se os determinantes externos, de
origem coletiva, que podem ser de natureza material ou da ordem das representações sociais,
como no exemplo “A Capes determina que os pesquisadores produzam artigos”, e os motivos,
que são as razões de agir interiorizadas por uma pessoa em particular, como, por exemplo, em
86
“ Li o livro Como se faz uma tese porque acredito que ele ajudará na produção da dissertação
de mestrado que estou escrevendo”.
Já no que se refere às dimensões intencionais, distinguem-se as finalidades de origem
coletiva e socialmente validadas, como em “Os professores devem preencher toda a papelada
para entregar para a universidade” e as intenções, que são os fins do agir interiorizados por
uma pessoa em particular: “Vou ler dois artigos sobre aquele assunto buscando compreender
melhor a temática em discussão”.
Outro aspecto considerado na análise do agir refere-se aos recursos ou fontes do agir,
distinguindo-se os instrumentos, que designa tanto os artefatos materiais ou simbólicos e os
modelos para agir disponíveis no ambiente social: “Preciso de um texto instigante para a
próxima aula”, quanto às capacidades, ou seja, os recursos mentais ou comportamentais que
são atribuídos a uma pessoa em particular: “Aquela pesquisadora consegue fazer uma
excelente arguição em defesas de tese”.
Em relação ao seres humanos que intervém no agir, o termo actante é utilizado para
referir-se a qualquer pessoa implicada no agir. No plano interpretativo, utilizamos o termo
ator, quando as configurações textuais constroem o actante como sendo a fonte de um
processo, dotando-o de capacidades, motivos e intenções, como em “O professor decidiu
alterar o seu planejamento de aula, buscando atingir os seus novos objetivos expostos na
ementa”; e o termo agente, quando nenhuma dessas propriedades é atribuída por essas
configurações textuais ao agente como em “A doutoranda precisa de ajuda de sua
orientadora”.
Os actantes, ainda, podem desempenhar diferentes papéis temáticos (ILARI, 2006) no
texto, que são de:
agente: ser animado responsável por um processo dinâmico, ou ainda, o indivíduo
que tem a iniciativa da ação, que tem controle sobre a realização da ação, como é o
caso de o pesquisador no exemplo O pesquisador produziu um artigo.
alvo: entidade que sofre um processo dinâmico, ou ainda, o indivíduo ou objeto
diretamente afetado pela ação como O resumo do congresso no exemplo O resumo
do congresso deverá ser revisto pela pesquisadora.
instrumento: objeto de que o agente se serve para praticar a ação, como o projetor
em O professor poderá apresentar a sua aula com um projetor.
87
beneficiário/destinatário: o destinatário animado de um processo dinâmico como os
alunos em O professor fez o seu planejamento para os alunos.
experienciador: a entidade a quem é atribuída uma determinada sensação ou um
determinado estado, como o caso de O professor em O professor sofre quando o
aluno não consegue aprender.
Nos textos produzidos sobre o trabalho, é possível a identificação desses papéis
temáticos desempenhados pelos actantes em um texto, além dos elementos que constituem o
agir (intenção, finalidade, instrumento...). Finalizada a apresentação dos termos-chave da
semântica do agir, passaremos para a questão da análise dos verbos que se referem ao trabalho
docente.
Mazzillo (2006) analisa diários de aprendizagem, escritos por pesquisadoras-
professoras de línguas sobre o trabalho de um professor de línguas de cujas aulas elas
participavam como alunas, revelando diferentes formas ou maneiras de agir das professoras,
identificando as seguintes figuras de agir: agir linguageiro, agir com instrumento e agir
mental.
Agir com instrumentos: identificado nos predicados que representam um agir
verbal ou não verbal do professor com o uso de instrumentos. Há o uso de verbos
que implica a ideia de instrumento como projetar, colar, escrever e o uso de verbos
que implicam a ideia de instrumento simbólico como ler, traduzir, separar. Temos
como exemplos, respectivamente, “Colava no quadro uma foto” e “Traduziu a
leitura” (MAZZILLO, p. 113).
Agir mental/cognitivo: identificados nos predicados que indicam uma atividade
mental ou capacidade das professoras. Essa figura refere-se a elementos do agir
tematizados nos diários que constitui as professoras como protagonistas, tornando-
as agentes responsáveis pelo agir ao lhe atribuir motivos, intenções e capacidades
para agir. Temos como exemplo de atividade mental “A professora se
surpreendeu” (MAZZILLO, p. 115) e como exemplo de atribuição de capacidade
“A professora não cria, não oferece nenhuma atividade interessante”
(MAZZILLO, p. 115).
Agir linguageiro: identificado nos predicados que apresentam verbos de dizer. Essa
figura do agir foi distribuída em três grupos: a) agir que implica uma ação imediata
dos alunos. Ex.: “Solicitou a participação”; b) agir que não implica uma resposta
88
imediata. Ex.: Iniciou a aula dando uma explicação; c) agir em relação ao agir dos
alunos. Ex.: “Esclarecia dúvidas” (MAZZILLO, p. 113). Esse tipo de agir é sempre
interacional.
Segundo a autora, as diferentes figuras do agir construídas nos e pelos textos dos
diários de aprendizagem reconfiguram o trabalho do professor na relação com o outro,
acentuando o caráter interacional do trabalho; na relação com os artefatos, revelando o caráter
instrumental do trabalho do professor; e na relação com o interior, mostrando o caráter
cognitivo do seu trabalho, que ainda envolve uma atividade mental, capacidades, motivos e
intenções.
Já Barricelli (2007), em sua pesquisa, ao analisar textos sobre a Educação Infantil,
também identifica diferentes elementos, entre eles as figuras de agir. A seguir, focaremos
apenas duas figuras de agir identificadas pela autora que podemos utilizar em nossas análises:
Agir afetivo: implica em um agir emocional; é marcado pelos verbos como gostar,
apreciar etc.
Agir corporal: implica em um agir físico; é marcado por verbos como correr,
andar etc., relacionado, portanto, a um movimento corporal.
Com os resultados de todas essas análises, detectamos representações construídas
sobre o trabalho do professor e sobre o seu papel nos e pelos textos analisados. Finalizada a
apresentação sobre as figuras de agir, a seguir, trataremos das figuras de ação propostas por
Bulea e Fristalon (2004) e Bulea (2007).
Bulea e Fristalon (2004), do grupo LAF, em sua pesquisa, analisam entrevistas
realizadas com enfermeiras sobre os cuidados adotados para se fazer curativos em pacientes.
Como resultado, as autoras desenvolvem um modelo que visa a identificar, a partir das
análises, o agir representado nos e pelos textos, denominado pelas autoras de figuras de ação.
Para que possamos compreender com se dá a relação entre as (re)configurações sobre o agir e
os tipos de discurso, Bulea (2007) explica que os tipos de discurso participam de modo
constitutivo e autônomo no processo de interpretação do agir pelas pessoas porque elas
mediatizam, no texto, a relação que o actante produtor mantém com o conteúdo mobilizado.
Além disso, os tipos de discursos são configurações que podem, na combinação com o
conteúdo temático, gerar recortes interpretativos sobre o agir (MACHADO; BRONCKART,
2009, p. 68).
89
Bulea (2007) apresenta cinco tipos dessas figuras de ação: ocorrência, evento passado,
experiência e canônica e, mais recentemente, a ação definição. A seguir, apresentaremos as
características de cada um dessas figuras de ação.
A ação ocorrência desenvolve-se na contemporaneidade da situação de ação da
linguagem, contextualizada na continuidade espaço-temporal da situação de produção do
texto. Apresenta características do discurso interativo: dêiticos de pessoas que remetem a um
ou mais dos participantes da interação, tempo presente, futuro do presente ou pretérito
imperfeito. O conteúdo temático é organizado em referência aos parâmetros físicos da
situação de linguagem em curso, ao eixo temporal de referência e à situação de interação. Os
organizadores lógico-temporais (então, portanto, porque etc.) são fortemente presentes, mas
ligados à mudança do eixo temporal de referência. Os encadeamentos lógicos apresentam
estruturas justificativas, explicativas e argumentativas. A seguir, temos exemplos extraídos de
uma entrevista realizada com um professor universitário em 2006.38
P.: eu tenho como técnica, veja, até como método, [....] refazer a preparação
das aulas. Então, isso significa que eu jogo fora todas as minhas aulas no
final.
A ação evento passado constitui uma história vivida que serve para explicitar o agir
sobre o qual se fala ou as possibilidades de agir. O grau de contextualização dessa figura de
ação também é forte, com unidades dêiticas que se referem à situação de produção do texto. O
conteúdo não se refere à situação de produção de texto, mas a uma história contada. O modo
de organização do discurso corresponde ao relato interativo, sendo o pretérito perfeito e
imperfeito os tempos verbais característicos dessa figura de ação, como no exemplo a seguir.
P.: Nos dois primeiros anos, a gente tinha um contato mais direto. Toda
semana, praticamente toda semana a gente tinha contato, eu fazia disciplina
dele (Entrevista, 2006)
Por sua vez, a ação experiência caracteriza-se como uma forma de cristalização de
experiência vivida por um actante ou por outro profissional. Esse registro faz referência às
dimensões pessoais, implicadas, internas e próprias da prática do profissional. Ele é um
arquétipo de variadas situações, apresentando o agir de uma forma relativamente estável. O
agir refere-se à situação abstrata, descontextualizada, mas que pode ser sempre
recontextualizada. Em relação à organização discursiva, o agir experiência é organizado em
38
Entrevista piloto realizada com um professor universitário de uma universidade privada. P = professor.
90
discurso interativo. O eixo-temporal que o caracteriza não é o da situação de interação, como
no agir ocorrência, mas o eixo temporal é remetido a um agir genérico, não limitado. Desse
modo, é sempre marcado por advérbios que indicam frequência e pelo presente genérico.
P.: normalmente eu gosto dessa situação, né? Mas me causa um problema
com a sala, principalmente também porque tem gente que acompanha esses
desdobramentos e tem gente que não (Entrevista, 2006)
Já a ação canônica (BULEA; FRISTALON, 2004; BRONCKART; BULEA;
FRISTALON, 2005; BULEA, 2006) constitui um modelo de regras, prescrições, construídas
por alguém externo ao actante, não havendo marcas que remetem à situação de produção de
texto. Para Bulea e Fristalon (2004), a organização interna dessa figura de ação corresponde
tanto ao discurso interativo quanto ao discurso teórico, ambos da ordem do expor, conjuntos
ao mundo ordinário. Portanto, o grau de implicação ou autonomia do agente pode variar. Em
relação à agentividade, constata-se um fenômeno que as autoras denominaram “indiferença
pronominal”, que se refere ao fato de que o agente pode ser individual e se designar como tal,
utilizando o pronome “eu”; individual mais genérico, com o uso do “você” genérico; ou
coletivo, utilizando o “a gente”. O tempo verbal mais frequente é o presente genérico,
apresentando modalizações deônticas, como no exemplo a seguir.
P.: a gente trabalha no primeiro semestre bases e depois as estruturas
lógicas do conhecimento e ética. Então, são questões muito próximas,
importantes do ponto de vista psicológico, mas que é necessário que você
tenha um conhecimento fundo de filosofia para acompanhar isso (Entrevista,
2006)
Finalmente, a ação definição constitui-se como uma tentativa de se definir o agir, não
sendo tematizados nem os actantes nem os atos ou os gestos constitutivos do agir, nem sua
cronologia. Em relação ao nível linguístico, essa figura aparece em segmentos de discurso
teórico, havendo predominância de verbos no presente genérico. As orações são construídas
praticamente com uma só estrutura: É + sintagma nominal (C’est + syntagme nominal), não
trazendo pronomes nem verbos que denotem processos, como podemos observar no exemplo
de Bulea (2006).
V.: bien ça dépend aussi des horaires c’est ce qu‟on disait le matin à 8h c’est
vrai que c’est important parce que c’est là / c’est le premier contact de la
91
journée en fait donc heu c’est une approche pour // comment s‟est passée
la nuit pour [...].39
Observamos que a pesquisa de Bulea e Fristalon (2004) identificou o agir representado
nas entrevistas fundamentando-se em várias características linguísticas. Segundo as autoras,
não é a manifestação de apenas uma característica singular que caracteriza uma figura de
ação, mas é a partir da combinação dos elementos que ela se constitui.
De acordo com Bueno (2007), as diferenças que se percebem entre as figuras
identificadas por Mazzillo (2006) - e acrescentamos as de Barricelli (2008) - com as
identificadas por Bulea e Fristalon (2004), Bulea (2006, 2007) e retomadas por Abreu-
Tardelli (2006) e Lousada (2006), estão no nível da unidade de análise e no tipo de
explicitação dos tipos de agir atribuído a um actante.
Em Mazzillo (2006) e Barricelli (2008), a unidade é a oração considerada em seu
aspecto sintático-semântico, referindo-se aos modos de agir de qualquer actante mencionado
na oração pelo enunciador, sendo analisados pelo pesquisador os predicados verbais. Já em
Bulea e Fristalon (2004) a unidade é um segmento discursivo composto por várias orações ou
períodos, sendo possível perceber como o agir foi organizado discursivamente pelo
enunciador. Nesses casos, as figuras de ação referem-se aos modos de dizer
(interpretativamente) o agir pelo enunciador, sendo analisados segmentos discursivos.
Assim como Bueno (2007), partimos do princípio de que a junção dos tipos de
figuras interpretativas de agir, referentes aos modos de agir e aos modos de dizer o agir,
possam trazer contribuições para a identificação do trabalho representado do professor, no
nosso caso, de pós-graduação.
Neste capítulo, apresentamos o quadro de análise de textos do ISD que temos
utilizados para interpretar as representações do agir construídas nos e pelos textos referentes
ao trabalho docente, quadro esse que utilizaremos para a análise de nossos dados. No próximo
capítulo, traremos o capítulo de procedimentos metodológicos em que descrevemos a nossa
pesquisa realizada com a professora, participante desta pesquisa.
39
V.: bem isso depende também dos horários é isso que a gente dizia de manhã às 8h é verdade que é
importante porque é / é o primeiro contato do dia na verdade então olha... é um modo de ver para // como se
passou a noite para [...] (Tradução de Adail Sobral, a quem agradeço).
93
CAPÍTULO 5
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo apresentamos o contexto da pesquisa, incluindo a descrição das
características dos participantes da pesquisa, do procedimento utilizado para gerar os dados e
dos procedimentos de análise de dados.
A fim de abordar essas questões, dividimos este capítulo em seis seções: 1. seleção dos
participantes de pesquisa; 2. as participantes de pesquisa; 3. a instrução ao sósia; 4.
procedimentos de geração de dados; 5. perguntas de pesquisa; 6. procedimentos de análise.
Como já mencionado na Introdução, considerando várias pesquisas que tratam dos
problemas vividos pelo professor de pós-graduação, levantamos a hipótese de que esses
problemas seriam tematizados em textos produzidos pelo próprio professor. Portanto,
resolvemos selecionar professores para participar desta pesquisa, que teve início no primeiro
semestre de 2007, segundo os critérios que seguem.
5.1. A seleção dos participantes da pesquisa
Para a escolha de participantes da pesquisa, consideramos importante fazer uma pré-
seleção de quatro professores, atentando a alguns critérios. Eles deveriam ser:
a. professores da pós-graduação stricto sensu, pois a preocupação é
estudar os problemas pelos quais o professor desse nível de ensino vem
passando;
b. experientes, com mais de dez anos trabalhando como docente na
universidade, porque temos o objetivo de verificar se o professor
experiente também tem dificuldades para a realização das atividades;
c. reconhecidos no meio acadêmico, a partir do desenvolvimento e
divulgação de suas pesquisas.
Para o processo de seleção, primeiramente, realizamos uma consulta, pelo site, de
professores da área da linguagem de universidades reconhecidas em nível nacional, como a
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade de São Paulo (USP). Alguns
94
professores nos chamaram a atenção, porque já os conhecíamos no mundo acadêmico a partir
de publicações e de citações de outros autores. Dessa forma, selecionamos três professoras, ao
consultar o currículo Lattes, sendo duas da USP e uma da Unicamp. Essa consulta confirmou
que realmente eram professores experientes, pois tinham mais de dez anos de experiência no
ensino superior e diversas publicações. A professora da Unicamp também sugeriu, para
participar da pesquisa, uma professora que havia acabado de ingressar em uma universidade
pública, e que apresentava o perfil almejado.
Após essa seleção, entramos em contato por e-mail com essas quatro professoras,
sendo que três delas responderam ao e-mail, uma da USP, uma da Unicamp e a que havia
acabado de se ingressar em uma universidade pública,40
colocando-se à disposição para
colaborar. A outra professora da USP não respondeu ao e-mail.
As entrevistas de instrução ao sósia foram realizadas com as três professoras, porém, a
professora que havia acabado de ingressar em instituição pública, depois de um ano, após ler a
transcrição do texto oral, não autorizou a utilização dos dados, pois tinha passado por muito
sofrimento em uma universidade privada em que trabalhara antes, o que gerou sérios
problemas de saúde e afastamento por um período de tempo, e isso, de alguma forma, foi
tematizado na entrevista. Segundo ela, esse fato ainda era recente e doloroso e, assim, gostaria
de preservar sua identidade e tinha receio de que alguém pudesse reconhecê-la. Considerando
o termo de compromisso de ética assinado pelas professoras, antes das entrevistas, e que
considera a possibilidade de desistência de participação em uma pesquisa, mesmo que ela já
esteja em andamento, esse pedido foi atendido prontamente.
Sendo excluída essa entrevista, sobraram duas: uma da professora da Unicamp e outra
da professora da USP. Após uma breve comparação entre as duas instruções ao sósia,
observamos que a realizada com a professora da Unicamp parecia conter dados mais ricos
para responder às nossas questões de pesquisa, talvez pela relação estabelecida, que foi de
maior proximidade, maior engajamento, e, também, talvez pelo fato de que foi a segunda
instrução ao sósia realizada pela pesquisadora, o que significou maior experiência e preparo
para a interação. Em vista disso, iniciamos nossas análises com a instrução ao sósia da
professora da Unicamp. Infelizmente, não foi possível fazermos a análise da instrução ao
sósia realizada com a professora da USP por questões temporais.
40
Por questões éticas, o nome da universidade não será divulgado, como veremos no próximo parágrafo.
95
A seguir, faremos a descrição das características da professora que participou da
instrução ao sósia analisada e desta pesquisadora.
5.2. As participantes da pesquisa
Pesquisadora
Sou mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pelo Programa de
Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na época da coleta de dados, eu era
estudante de segundo ano de doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem,
com experiência de dois anos no ensino superior, lecionando, à época da coleta, português e
inglês em uma escola privada no ensino fundamental e no ensino médio e trabalhando
também com revisão de textos, entre eles teses e dissertações. Ingressei no mestrado em 2002,
defendi a dissertação em 2004, participei de congressos e publiquei artigos acadêmicos desde
o início do mestrado. Fui bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) no mestrado, e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes) no doutorado, sendo filiada ao grupo Análise da Linguagem e
Trabalho Educacional (Alter) do CNPq.
Professora
A instituição em que a professora trabalha é a Unicamp, uma universidade pública,
classificada em 288o lugar, em 2009, no Performance Ranking of Scientific Papers for World
Universities.41
Foi oficialmente fundada em 1966, localiza-se no distrito de Barão Geraldo,
região noroeste de Campinas, e totaliza 20 institutos ou faculdades. Os cursos de mestrado e
doutorado representam 10% da pós-graduação do Brasil e a cada ano são formados cerca de 2
mil mestres e doutores. Ela é responsável por 15% das pesquisas produzidas no país,
mantendo cooperação internacional com mais de 30 países. Além do campus na cidade de
Campinas, a instituição conta com alguns campi em outras cidades do interior paulista.
A professora é mestre em Linguística por essa mesma instituição e doutora pela State
University of New York, dos Estados Unidos. Professora da Unicamp desde 1983, tem
desempenhado o papel de membro do conselho editorial de revistas, membro da subcomissão
41
Disponível em: <http://www.inovacao.unicamp.br/report/noticias/index.php?cod=636>. Acesso em: 30 jan.
2010.
96
de pós-graduação, membro do colegiado superior, presidente de congregação, coordenadora
de curso, membro de comissão organizadora de concurso público, consultora ad hoc para
várias agências de fomento, diretora de departamento, parecerista ad hoc e tem lecionado
tanto na graduação quanto na pós-graduação. Possui notável produção intelectual e grande
participação em bancas de defesa e qualificação de mestrado e doutorado, além de participar
ativamente em congressos, nacionais e internacionais. A professora orientou diversos
trabalhos de iniciação científica e muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado.
Além disso, a professora é Bolsista de Produtividade em Pesquisa42
do CNPq.
Bolsistas dessa categoria, de acordo com a Resolução Normativa (RN) n. 026/2008 do CNPq,
“integram obrigatoriamente o quadro de consultores ad hoc do CNPq e da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)” (CNPQ, 2009), sendo “solicitados” a
dar pareceres aos projetos de pesquisa ou outros tipos de trabalho enviados ao CNPq.
A seguir, trataremos do método instrução ao sósia, proposto pela Clínica da Atividade,
como mencionamos no Capítulo 1.
5.3. A instrução ao sósia
Nesta seção, trataremos do método instrução ao sósia, que visa criar uma situação que
propicie o desenvolvimento profissional (CLOT et al., 2001) com base nos pressupostos de
autores da Clínica da Atividade (CLOT, 2006) e da Ergonomia da Atividade (SAUJAT, 2002;
AMIGUES, 2002, 2004), discutidos no Capítulo 1.
A instrução ao sósia foi inicialmente utilizada por Oddone (1981) nos anos 1970, na
formação de trabalhadores da Fiat, na Universidade de Turim. Esse procedimento, que passou
a ser bastante empregado pelos ergonomistas, foi desenvolvido por Clot (2006) no quadro de
pesquisa da Psicologia do Trabalho na Clínica de Atividade do Conservatoire Nacional des
Arts et Métier (CNAM) em Paris, França.
Ao utilizar esse procedimento, o pesquisador se coloca na posição de substituto do
trabalhador, dando a seguinte instrução: “Suponha que eu seja seu sósia e que eu vá te
substituir amanhã no seu trabalho. Quais são as instruções que você deve me passar para que
ninguém perceba a substituição?”. É necessário delimitar uma sequência de trabalho para
42
O Programa Bolsa de Produtividade em Pesquisa foi instituído pelo CNPq em 1951, sendo considerado um
dos mais tradicionais instrumentos de apoio de concessão de bolsas ao pesquisador. Uma das suas finalidades é
valorizar a produção científica do pesquisador. Para a obtenção de bolsa, o pesquisador deve possuir o título de
doutor ou perfil científico equivalente (CAPES, 2008).
97
facilitar as instruções dadas pelo trabalhador, que deverá focar como se realiza uma atividade
(CLOT, 2006). Para Saujat (2002), é necessário que se faça perguntas mais referentes à forma
de desenvolver uma atividade do que referentes à razão ou motivo de seu desenvolvimento, já
que o foco é procurar saber os detalhes para a realização da atividade. Nesse caso, as
perguntas seriam feitas mais com o emprego do como do que do por quê.
Para desenvolver a instrução ao sósia, é necessário levar em conta as atividades de
trabalho que serão focadas para que o trabalhador, nesse caso, o professor, possa dar
orientações de como realizá-las. Além disso, deve focar os possíveis problemas ou
dificuldades para a realização da tarefa, buscando orientações de como agir nessas situações.
Caso o professor não dê instruções de como realizar a tarefa, deve-se interrompê-lo, pedindo
orientações de como realizá-la, questionando-o quando não compreender como realizar
determinada tarefa.
Deve-se conduzir o professor (instrutor) a falar em segunda pessoa (você) ao se referir
ao seu destinatário (pesquisador/substituto fictício), visando a que o professor não conte a sua
história de trabalho, mas dê orientações para o substituto realizar a tarefa. Em relação a esse
aspecto, é necessário que o sósia (que pode ser o pesquisador) utilize o pronome eu ao fazer
as perguntas, visando a que o instrutor-trabalhador desloque do seu próprio trabalho, podendo
vê-lo como atividade de outro, nesse caso, do sósia (pesquisador). Por exemplo: “Como EU
devo encerrar a aula?”. Além disso, o pesquisador pode desenvolver questões que levem o
trabalhador a assumir um distanciamento, fazendo perguntas à tarefa do sujeito que este não
faria, permitindo-lhe perceber elementos que a proximidade oculta, trazendo à tona
especificidades da situação de trabalho, conflitos, contradições, dificuldades para a realização
da tarefa, sendo possível aceder ao real da atividade do sujeito. Essa posição na qual o sujeito
se coloca é, segundo Clot (2006), o mais potente motor de compreensão, pois possibilita
reviver uma experiência vivida a partir de outra experiência vivida (a da instrução ao sósia).
No contexto do CNAM, a instrução ao sósia é gravada e dura aproximadamente 1 hora
e 30 minutos, estando presente o psicólogo ou pesquisador, o grupo de trabalho e um
voluntário (instrutor), que dará as instruções ao psicólogo/pesquisador. Terminada a seção de
instrução, o texto oral é transcrito e o instrutor se autoconfronta com a transcrição, produzindo
um comentário (reflexões) por escrito sobre as instruções dadas. Desse modo, para a
realização da instrução ao sósia, consideram-se duas etapas: na primeira, o instrutor é
confrontado com ele mesmo pela mediação do sósia que possibilita as instruções; na segunda
etapa, após a transcrição do texto oral, ao se confrontar com ele (o texto transcrito), o instrutor
98
escreve um comentário, com reflexões sobre suas instruções. Esse comentário pode ser
destinado a discussões com o coletivo de trabalho.
O método de instrução ao sósia tem sido desenvolvido em contextos de intervenção,
de pesquisa e, em menor escala, de formação contínua, pela equipe do CNAM, mas vem
sendo utilizado também em contextos de formação inicial (FRIEDRICH; GOUDEAUX;
STROUMZA, 2006; CHARMILLOT et al., 2006). Friedrich, Goudeaux e Stroumza (2006),
por exemplo, propõem apenas a utilização da primeira etapa no contexto de formação inicial,
que nomeiam entrevista de instrução ao sósia, sendo essa a etapa utilizada em nossa pesquisa.
Para que o leitor possa compreender onde situa o texto oriundo da instrução ao sósia
em relação aos textos que circulam em torno de uma atividade de trabalho, podemos partir do
esquema ilustrado na Figura 5.1.
FIGURA 5.1. Conjunto de dados possíveis para a interpretação do agir em textos sobre o trabalho.
Fonte: adaptada de Bronckart (2006, 2008).
Como podemos observar, esse esquema traz o seguinte conjunto de dados para análise:
1) Gravações audiovisuais de sequências do trabalho realizado, compreendendo
as condutas verbais e não verbais durante a realização de uma tarefa.
2) Textos produzidos antes de uma situação de trabalho, constituídos de textos
chamados de prescritivos ou pré-figurativos, que incluem documentos
produzidos pelas instituições e que definem as tarefas que devem ser
realizadas.
Textos de entrevistas dos
trabalhadores antes da
tarefa
Textos de entrevistas dos
trabalhadores depois da
tarefa
Textos de interpretação dos
pesquisadores e/ou de outros
Textos anteriores ao agir – das
instituições (prescrições), dos
trabalhadores
Textos produzidos em
situação de trabalho
99
3) Textos autoavaliativos/interpretativos, produzidos pelos trabalhadores antes
da realização da tarefa, como, por exemplo, textos de entrevista anterior à
realização da tarefa e textos provenientes da instrução ao sósia.
4) Textos autoavaliativos/interpretativos, produzidos pelos trabalhadores depois
da realização da tarefa, como, por exemplo, textos de entrevista posterior à
realização da tarefa, textos provenientes da autoconfrontação cruzada e
diários.
5) Textos produzidos por pesquisadores e outros a partir de sua
avaliação/interpretação dos registros audiovisuais ou da observação do
trabalho. (BRONCKART, 2008)
Em relação a esse conjunto de dados, observamos que os textos gerados a partir da
instrução ao sósia são textos autoavaliativos/interpretativos, produzidos pelos trabalhadores
antes da realização da tarefa, já que, a partir desse procedimento, o trabalhador dá instruções
ao pesquisador de como realizar uma tarefa futura. Para Bronckart (2008), esses textos podem
conter segmentos de (re)configurações das ações, do modo como elas (as ações) são
concebidas pelos actantes, podendo mostrar o que emerge em sua consciência discursiva.
Dessa forma, nossa pesquisa analisa não o trabalho realizado e nem o prescrito, mas o
trabalho interpretado pelo próprio actante (protagonista) que comenta o seu trabalho.
5.4. Procedimentos de geração dos dados
O primeiro contato que tive com a professora da Unicamp foi no início de 2008, por e-
mail,43
oportunidade em que a professora foi convidada a participar da pesquisa. Esse e-mail
teve o objetivo de verificar, primeiramente, se havia interesse na colaboração, e avisar que a
geração de dados não ocorreria em seguida, mas alguns meses depois. Isso porque a
pesquisadora desejava ter tempo para fazer leituras sobre a entrevista de instrução ao sósia e
sobre os pressupostos que a embasavam. A professora enviou um e-mail aceitando a
colaboração. No dia 31 de julho de 2008, outro e-mail foi enviado,44
às 10:52, solicitando que
o encontro fosse agendado para a primeira ou segunda semana de agosto. Nesse e-mail, a
pesquisadora esclareceu que “o procedimento de coleta a ser utilizado será um tipo de
entrevista chamada instrução ao sósia (utilizada pela Ergonomia da Atividade e Clínica de
Atividade da França), que será gravada”. No mesmo dia, às 11:15, a professora respondeu o e-
mail, confirmando o interesse em participar da pesquisa e explicando que no mês de agosto
seria difícil agendar o encontro, pois nesse mês iria participar do Congresso da Asociación de
Lingüística y Filología de América Latina (Alfal) em Montevidéu e depois de um evento no
43
Infelizmente, esse primeiro e-mail do convite não foi salvo. 44
No Anexo I encontram-se os e-mails trocados com a professora.
100
Rio de Janeiro, voltando na primeira semana de setembro. Além disso, estaria “preparando os
trabalhos dos dois eventos, encontrando alunos etc.” para poder se ausentar. Desse modo,
ficou combinado entre ambas que o encontro seria agendado em setembro. Somente no dia 15
de outubro outro e-mail foi enviado para agendar o encontro, sendo, enfim, marcado para o
dia 29 de outubro de 2008 às 15:00 na residência da professora.
Considerando que a entrevista de instrução ao sósia era pouco conhecida por mim
nessa época, uma preparação para o encontro foi necessária visando à elaboração de perguntas
adequadas que possibilitassem o acesso a representações sobre o trabalho docente real.
Porém, lembrei-me de que o professor de pós-graduação desenvolve várias atividades, de
ensino, extensão e pesquisa e, assim, seria difícil me preparar, considerando as várias
atividades prescritas ao professor mencionadas no Capítulo 2.
Resolvi, então, no dia 26 de outubro, enviar outro e-mail para confirmar o encontro, no
qual fiz uma solicitação à professora:
Já iniciando a pesquisa, eu gostaria que você me enviasse, se possível, as
suas atividades de trabalho que você deverá realizar nos quatro
dias posteriores ao dia 29, dia do nosso encontro, para que o nosso diálogo
seja dirigido da melhor forma.
Foram solicitadas as atividades de três ou quatro dias por considerar que, nesse
intervalo de tempo, haveria um número de atividades razoável para que a professora pudesse
dar as instruções na entrevista, fornecendo dados suficientes para a pesquisa. A professora
respondeu o e-mail no mesmo dia listando as atividades e informando que, no semestre em
pauta (2o semestre de 2008), ela estava em licença-prêmio,
45 e que, por isso, estava
ministrando somente uma disciplina, chamada Investigação Científica, que funcionava como
orientação de alunos de graduação em projetos de pesquisa.
As atividades elencadas pela professora foram são apresentadas na Tabela 5.1.
45
Licença-prêmio é um direito do funcionário público a ficar afastado do trabalho, com remuneração, a cada
cinco anos ininterruptos de trabalho a título de prêmio por assiduidade.
101
TABELA 5.1 – As atividades elencadas no e-mail pela professora da Unicamp
Data Atividades
Com data e horário
marcado:
05/11/200846
17:00 hs. às 20:00 hs.
Encontro com alunos de graduação da disciplina Investigação
Científica.
Sem horário marcado
Elaboração de pareceres para CNPq e Fapesp.47
Inscrição em um congresso (preparação do resumo e envio).
Leitura de textos prévios de dissertação de mestrado de duas
orientandas.
Leitura de textos de dois orientandos de Iniciação Científica.
Elaboração de programa da disciplina de graduação do semestre
seguinte.
Preparação do encontro com os alunos da disciplina Investigação
Científica.
Fonte: elaborada pela autora.
Após receber essa lista, elaboramos um tipo de roteiro com questões que poderiam ser
feitas para cada atividade, com base nos pressupostos de autores Clínica da Atividade (CLOT,
2001; CLOT, 2006; CLOT; FAÏTA, 2000), como forma de preparação para o encontro.
Ao elaborar essas questões, consideramos que o pesquisador deve se colocar em
primeira pessoa (eu) ao pedir as instruções ao professor, o que leva este ao uso da segunda
pessoa (você) nas instruções que dá. No roteiro, elaboramos, sobretudo, perguntas visando
obter 1. detalhes sobre formas de proceder na realização da atividade, por exemplo “Como
devo fazer para encerrar a aula?”; e 2. possíveis dificuldades na realização da atividade
(evidenciadas pela oração condicional), como, por exemplo, “E se eu perceber que um
orientando não está entendendo nem os pontos centrais da teoria que seguimos, o que fazer?”.
Assim, esse roteiro foi uma forma de reflexão sobre possíveis tipos de perguntas que
poderiam ser feitas no momento da entrevista.
Porém, essa preparação mostrou que, a partir dos tipos de possíveis perguntas, embora
pudéssemos ter acesso a interpretações sobre o trabalho real, considerando as atividades
46
Na entrevista, a professora informou que no dia 30/10/2008 faria uma viagem pessoal, já que estava de
licença-prêmio, retornando no dia 04/11/2008. Por este motivo, a data da primeira atividade a ser listada no e-
mail é o dia 05/11/2008. 47
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
102
possíveis, planejadas, desejadas e as dificuldades no trabalho, talvez isso não possibilitasse
evidenciar o ponto de vista da professora sobre os problemas pelos quais o docente de pós-
graduação vem passando, como discutido na Introdução. Desse modo, planejamos deixar um
espaço aberto para a professora fazer qualquer comentário que considerasse relevante:
547C.: bom, Clara,48
para a gente terminar, eu queria deixar um espaço
aberto para você falar alguma coisa sobre o seu trabalho ou fazer algum
comentário... se você gostaria de fazer...
Consideramos, então, que tivemos uma entrevista aberta encaixada na entrevista de
instrução ao sósia.
No dia do encontro, antes do início da entrevista, foi apresentado brevemente o tipo de
pesquisa que nós, integrantes do grupo Alter-CNPq, desenvolvemos. Em seguida, foi
esclarecido brevemente em que consistia a entrevista de instrução ao sósia: a professora-
instrutora deveria supor que a pesquisadora-sósia iria substituí-la em seu trabalho nos dias
seguintes à entrevista. Assim, ela deveria dar instruções detalhadas para que a pesquisadora
pudesse realizar o seu trabalho.49
O texto oral foi gravado em um aparelho MP5 e transcrito de acordo com as normas
estabelecidas pelo Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta de São Paulo
(Nurc/SP) apresentadas em Koch (1997).50
5.5. Perguntas de pesquisa
Para a análise do texto transcrito, a fim de buscar as representações nele construídas,
propomos responder as seguintes questões, que, mais adiante, serão detalhadas.
1. Quais os conteúdos temáticos mobilizados no texto? Como são organizados?
Quais os tipos de agir a eles relacionados?
2. Como a actante professora é representada no texto? Quais são as vozes detectadas
e o que elas representam? Há avaliações sobre elementos do trabalho: os outros,
objetos, artefatos?
3. Quais são os outros actantes principais postos em cena no texto? Como eles são
representados?
48
Nome fictício da professora. 49
A transcrição está no Anexo IV. 50
Anexo III.
103
4. Quais são as funções atribuídas ao professor de pós-graduação e os elementos
constituintes do trabalho docente?
5.6. Procedimentos de análise
Conforme exposto no Capítulo 3, para a análise dos dados utilizamos pressupostos do
interacionismo sociodiscursivo (ISD) (BRONCKART et al., 1996; BRONCKART, 1999,
2008; ALONSO-FOUCARDE; BRONCKART, 2007; MACHADO; BRONCKART, 2009),
complementando com categorias da análise do discurso de linha francesa (MAINGUENEAU,
2001; AUTHIER-REVUZ, 2001) e da teoria da enunciação (KERBRAT-ORECCHIONI,
2006).
A partir desses autores, foi possível a análise do texto, que inclui a análise do contexto
de produção, do nível organizacional, enunciativo e semântico. Além dos autores citados, os
dados foram reinterpretados a partir de pressupostos da Ergonomia da Atividade Docente
(AMIGUES, 2004; SAUJAT, 2002) e da Clínica da Atividade (CLOT, 2006; ROGER, 2007;
CLOT; FAÏTA, 2000) e de autores que seguem a abordagem do ISD (BRONCKART, 2006,
2008; BULEA; FRISTALON, 2004; BULEA, 2006; MACHADO, 2010; MACHADO;
CRISTÓVÃO, 2005, MAZZILLO, 2006; LOUSADA, 2006; ABREU-TARDELLI, 2006,
BUENO, 2007, BARRICELLI, 2007; entre outros).
5.6.1. Análise do contexto de produção do texto
Para a análise do contexto de produção, no Capítulo 6, centramo-nos na identificação
da situação de produção, isto é, nas representações construídas pelo produtor que exercem
influência sobre a forma do texto. Assim, identificamos o contexto físico e o sociossubjetivo
com base, sobretudo, em Bronckart (1999, 2006, 2008); Alonso-Foucarde e Bronckart (2007);
Machado e Bronckart (2009).
Em relação ao contexto físico, identificamos os participantes físicos da pesquisa,
incluindo o local e momento da produção do texto. Em relação ao contexto sociossubjetivo,
abordamos os enunciadores e a sua função social, o lugar social e as representações sobre o
efeito de sentido que o enunciador busca produzir no coenunciador.
104
5.6.2. Análise dos três níveis textuais: organizacional, enunciativo e semântico
Pergunta 1
Quais os conteúdos temáticos mobilizados no texto? Como são organizados? Quais os tipos
de agir a eles relacionados?
Em relação a essa pergunta, a partir da análise do nível organizacional detectamos o
plano global do texto, tendo como base, sobretudo, as atividades instruídas pela professora, o
que permitiu a identificação do conteúdo temático. Identificamos como esse conteúdo
temático é planificado a partir dos tipos de discurso, discutidos no Capítulo 4, a partir de
marcas linguísticas que indicam a implicação ou a ausência dos parâmetros de situação de
produção e as unidades linguísticas que mostram uma conjunção ou disjunção em relação ao
mundo da situação de produção. Além disso, identificamos a sequência global e as sequências
predominantes.
Após a identificação do plano global foi possível, com base no nível semântico,
articular os segmentos temáticos com os tipos de agir (linguageiro, mental/cognitivo,
instrumental, corporal) a partir da análise do valor semântico dos verbos.
Pergunta 2
Como a actante-professora é representada no texto? Quais são as vozes detectadas e o que elas
representam? Há posicionamentos e avaliações sobre elementos do trabalho: outros, objetos,
artefatos?
Em relação a essa pergunta, analisamos, sobretudo, as marcas de primeira pessoa
(pronomes, desinências verbais), que evidenciarm o estatuto individual atribuído ao agir da
professora. A partir da análise do valor desssas marcas de pessoa foi possível detectar a
construção de planos enunciativos encaixados em outros planos, o que permitiu identificar
outras vozes com as quais a professora interage. Para a análise das vozes, baseamo-nos,
sobretudo, em Maingueneau (2002) e Authier-Revuz (2001), procurando detectar as marcas
de heterogeneidade discursiva presentes no texto, sendo analisadas, sobretudo, as marcas
explícitas de discurso direto e de discurso indireto predominantes no texto. Além disso,
buscamos identificar outras marcas que evidenciam vozes implícitas a partir de organizadores
argumentativos e unidades de negação de asserção (DUCROT, 1987).
105
Identificamos, ainda, o modo de dizer o agir nos segmentos temáticos analisados, a
partir das categorias de figura de ação ocorrência, figura de ação experiência, figura de ação
evento passado, figura de ação canônica a partir dos tipos de discurso.
Para análise dos elementos constituintes do agir humano representado no texto –
intenção, motivo, finalidade, capacidade – identificamos os organizadores argumentativos
(porque, por causa disso, em vista disso etc.) que indicam razões ou motivos para o agir e as
modalizações pragmáticas, sobretudo, os verbos auxiliares que intercalam entre o sujeito e o
verbo, indicando intenção (querer, tentar, procurar + verbo no infinitivo) ou capacidade
(conseguir + verbo no infinitivo).
Pergunta 3
Quais são os outros actantes principais postos em cena no texto? Como eles são
representados?
Em relação a essa pergunta, identificamos os actantes principais, além da professora
enunciadora, e como eles são representados. Para essa identificação, partimos das séries
coesivas nominais expressas no texto. Analisamos os tipos de agir atribuídos a esses actantes
(linguageiro-interacional, mental/cognitivo, instrumental, corporal) e o modo de dizer o agir
construídos nos segmentos em que esses actantes são tematizados, o nos levou à identificação
das figuras de ação (experiência, evento passado, ocorrência, canônica) a partir dos tipos de
discurso.
Identificamos, também, as modalizações lógicas, deônticas, apreciativas, que revelam
o posicionamento sobre o que é enunciado, e as pragmáticas, que revelam as intenções e
capacidades do agente, com base, sobretudo, em Bronckart (1999, 2006, 2008) e Machado e
Bronckart (2009). Para a análise dos elementos avaliativos, baseamo-nos em Kerbrat-
Orecchioni (2002) a partir das marcas avaliativas (adjetivos, advérbios, verbos), que indicam
a subjetividade sobre o que é enunciado.
Analisamos, também, o papel temático desempenhado pelo actante com base em Ilari
(2006), como apresentado no Capítulo 4:
Agente.
Alvo.
Instrumento.
106
Beneficiário/Destinatário.
Experienciador.
Pergunta 4
Quais são as funções atribuídas ao professor de pós-graduação e os elementos constituintes do
trabalho docente?
Em relação a essa pergunta, o texto analisado evidenciou uma multiplicidade de
atividades desenvolvidas pela professora a partir da identificação do plano global. Acessamos
o site da Plataforma Lattes, a base de dados do CNPq que integra currículos de instituições
das áreas de Ciências e Tecnologia,51
e consultamos o currículo da professora, participante
desta pesquisa, como modelo para observar as formas de classificação desse currículo usado
para registrar as atividades desenvolvidas pelos professores/pesquisadores brasileiros.
Com base nesse currículo Lattes, propomos a seguinte classificação, de acordo com
cada função desempenhada pelo professor, visando ao agrupamento das atividades
tematizadas no texto analisado:
Ensino: referente à atuação profissional, ou seja, aos cursos ministrados na
graduação e na pós-graduação.
Produção bibliográfica: produção de textos acadêmicos, como artigos, livros etc.
Projetos: participação em projetos de pesquisa.
Orientação a alunos de graduação e de pós-graduação.
Bancas: participação em bancas de qualificação e defesa de mestrado e doutorado e
em bancas de comissão julgadora de concurso público.
Eventos: participação em congressos, seminários, simpósios ou em eventos de
outra natureza, ou ainda, organizador de eventos.
Produção técnica: referente à elaboração de pareceres.
Conselhos, comissões e assessorias: membro de colegiado superior, membro de
corpo editorial, membro de comissão de avaliação de resumos de congressos.
51
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/>. Acesso em: 10 jul. 2010.
107
A partir dessa classificação, agrupamos as atividades centrais tematizadas no texto
analisado, de acordo com as funções atribuídas ao professor. Após isso, identificamos alguns
elementos constituintes das funções atribuídas ao professor, como ilustra a Tabela 5.2.
TABELA 5.2 – Exemplo de uma função atribuída ao professor e os elementos do trabalho
docente
Função
Desempenhada
Objeto Outrem Artefatos materiais ou
simbólicos
1. Professor Organizar um meio
que possibilite o
desenvolvimento de
capacidades
específicas.
Alunos,
universidade,
agências de
fomento,
colegas da
profissão.
Computador e
diferentes programas
computacionais.
Textos pertencentes a
diferentes gêneros.
Fonte: elaborada pela autora.
Esse conjunto de análises apresentado possibilitou a nossa interpretação das
representações construídas no e pelo texto produzido pela professora sobre o seu trabalho. O
resultado do conjunto dessas análises será apresentado no Capítulo 6, a seguir.
109
CAPÍTULO 6
DISCUSSÃO E RESULTADOS DAS ANÁLISES DOS DADOS
Os conflitos são as alavancas vitais do
desenvolvimento [...] mas às vezes eles constituem uma
série de obstáculos que deixa os sujeitos diante de
dilemas intransponíveis.
(CLOT, 2006)
Neste capítulo apresentamos e discutimos os resultados das análises do contexto de
produção e linguístico-discursivas realizadas à luz dos pressupostos teórico-metodológicos
abordados nos capítulos anteriores. Ele divide-se em três seções maiores. Na primeira seção
iniciaremos a apresentação da descrição do contexto de produção da instrução ao sósia e da
entrevista analisada. Na segunda seção trataremos das atividades colocadas em cena no texto
oral analisado e do agir individual e coletivo evidenciados no texto analisado. Na terceira
seção discutiremos os elementos constitutivos do agir como base na semântica do agir.
Na quarta seção apresentaremos uma reflexão sobre as funções atribuídas ao professor
de pós-graduação, representadas no texto analisado.
6.1. O contexto de produção do texto
Nesta seção faremos a descrição do contexto de produção físico e sociossubjetivo do
texto oral (entrevista de instrução ao sósia e entrevista aberta encaixada) que foi produzido
para ser objeto de análise desta pesquisa de doutorado.
Em relação ao contexto físico, o texto oral foi produzido no dia 29 de outubro de 2008,
na casa de Clara (nome fictício), localizada em um bairro nobre da cidade de Campinas-SP, a
pedido dela, onde parecia sentir-se à vontade.
Em relação ao contexto sociossubjetivo da primeira participante, ela desempenha o
papel social de pesquisadora iniciante, e a outra participante, por sua vez, desempenha o papel
de professora experiente de graduação e de pós-graduação, trabalhando com ensino e
pesquisa, como descrito no Capítulo 5. O lugar social da interação é o acadêmico-científico, já
que se trata de uma entrevista gerada para uma pesquisa de doutorado.
110
O efeito pretendido pela pesquisadora, construído na instrução ao sósia, foi o de levar
a professora a dar instruções adequadas para atividades que a pesquisadora deveria,
ficcionalmente, realizar no futuro, substituindo a professora. Por sua vez, em relação às
hipóteses sobre os efeitos pretendidos pela professora na situação fictícia de instrução ao
sósia, consideramos que tenha sido a de instruir e orientar a pesquisadora para que ela pudesse
realizar essas atividades. Mas, em relação à situação de pesquisa propriamente dita, sem
considerar o ficcional da instrução ao sósia, levantamos a hipótese de que os efeitos
pretendidos seriam os de mostrar que a experiência é fundamental para que o professor
consiga lidar com as múltiplas tarefas a ele prescritas, além das dificuldades inerentes à
profissão.
Em relação à imagem construída de si mesma, a pesquisadora se apresenta como uma
estudante de doutorado que desenvolve um trabalho acadêmico e mostra-se preocupada com
as questões éticas. Além disso, busca demonstrar que, embora não conheça todas as atividades
desempenhadas pelo professor de pós-graduação, já está, de alguma forma, inserida no mundo
acadêmico, pois conhece algumas das atividades desenvolvidas nesse meio, pois as
desenvolve. Por exemplo, participa de congressos. Além disso, procura demonstrar que
conhece os pressupostos subjacentes ao instrumento de geração de dados, sabendo conduzi-lo.
Por sua vez, a professora procura expressar-se, desde os primeiros contatos, como uma
docente que não está desenvolvendo todas as atividades por estar em licença-prêmio à época
de geração de dados, mostrando-se uma profissional muito experiente.
Podemos imaginar que esse contexto configura uma relação complexa, assimétrica em
dois sentidos. Por um lado, a pesquisadora domina os pressupostos teórico-metodológicos em
que sua pesquisa se fundamenta, assim como o instrumento de geração de dados, controlando
a interação e instituindo as regras, conforme seus objetivos e os usos que fará dos resultados
(MACHADO; BRITO, 2009), mas é uma iniciante na vida acadêmica, pois não conhecendo
as atividades de trabalho de um professor de pós-graduação stricto sensu.
Por outro lado, a professora domina essas atividades, pois esse é o seu trabalho há
muitos anos, mas não domina os pressupostos que embasam a pesquisa da doutoranda, nem o
instrumento de geração de dados. Além disso, de modo geral, não é ela quem controla a
interação, tampouco quem institui as regras.
Dentro desse contexto maior há outro contexto, pois a entrevista de instrução ao sósia
cria uma situação fictícia em que a professora de pós-graduação deve desempenhar o papel de
111
professora-instrutora, tendo de dar instruções de como desenvolver suas atividades de
trabalho para a doutoranda, que, por sua vez, desempenha o papel de sósia da instrutora, isto
é, aquela que, ficcionalmente, realizaria essas atividades.
Além disso, as interlocutoras também devem ter interagido sabendo que aquilo que
estava sendo coproduzido seria lido por outros interlocutores ausentes, já que o texto seria
objeto de uma pesquisa de doutorado. Entre esses interlocutores poderiam estar outros
professores de pós-graduação, como a orientadora, os membros da banca de defesa, outros
colegas da comunidade científica e alunos de pós-graduação, o que deve interferir no que é
dito e em como é dito.
Na seção a seguir abordaremos as atividades instruídas na entrevista e o agir
individual e coletivo.
6.2. As atividades da professora de pós-graduação tematizadas
Nesta seção apresentaremos as características organizacionais maiores dos turnos da
pesquisadora e da professora do texto oral analisado, o plano global do texto, abordando os
tipos de discurso e os tipos de sequências predominantes. Trataremos, também, dos tipos de
agir identificados nos segmentos temáticos.
O texto da instrução ao sósia apresenta 9.992 palavras e 546 turnos interacionais,
considerando quando os interlocutores tomam a palavra. Elas são constituídas, sobretudo, de
perguntas e respostas, dado que se trata de uma entrevista, em que a professora dá instruções
para a pesquisadora de como desenvolver as suas atividades de trabalho. O enunciador e o
destinatário alternam-se, sendo representados ora pela pesquisadora e professora, ora pela
professora e pesquisadora.
Em relação à quantidade de palavras da pesquisadora, identificamos 2.266 palavras,
sendo que os turnos da pesquisadora servem, sobretudo, para:
Em primeiro lugar, introduzir uma nova atividade, levando em conta a lista de
atividades enviada por e-mail pela professora, o que indica a mobilização de conteúdo já
expresso, com o uso do marcador conversacional bom.
P98.: Uhn-uhn... certamente, não...bom, outra coisa que você me falou é
elaboração de disciplina de graduação de 2009
112
Em segundo lugar, mostrar concordância e engajamento na conversação, com o uso de
marcadores como certo e uhn-uhn.
28C.: é vou anotar na minha agenda geralmente é assim quinze dias um mês
entendeu para você fazer o parecer... o que mais eu vou receber de e-mail?
geralmente é isso... são as agências revistas que você dá parecer aluno a
universidade chamando para reunião para... dando aviso né pedindo para
divulgar coisas
29P.: [uhn uhn
Em terceiro lugar, mostrar compreensão ou buscar confirmação de sua compreensão
ao turno anterior da professora, com o uso do marcador né.
207P.: e quanto tempo eu posso gastar com essas leituras? você falou um
capítulo né?
Em quarto lugar, descobrir os detalhes e as formas de proceder para desenvolver a
atividade exposta pela professora.
53P.: imagine eu vou estar num seminário desse o que eu...como que eu
deveria proceder nesse seminário?
Em quinto lugar, pedir esclarecimento quando não compreendeu as instruções.
317C.: porque tem as perguntas todas que você tem que responder...
318P.: eu não estou entendendo direito... então eu vou ter que ler esse
projeto...ou o artigo...
319C.: você vai ler o projeto ou artigo dependendo do que a pessoa está
pedindo...
Finalmente, desvendar problemas ou dificuldades que podem aparecer no
desenvolvimento da atividade.
189P.: uhn uhn... e nessa leitura pode acontecer de eu estar com dificuldade
de concentração?
Em relação a este último tipo de pergunta, as representações construídas nos e pelos
textos sobre o trabalho da professora entrevistada é que ele é constituído, sobretudo, de
dificuldades e imprevistos na realização das tarefas. Essas representações são oriundas tanto
da prática no exercício da docência e da pesquisa pela pesquisadora quanto da leitura de
textos teóricos que abordam essas questões. Nesse sentido, as representações construídas pela
pesquisadora, na interação, sobre o tema abordado colaboram para desvendar mais detalhes
sobre as formas de agir. Assim, muitas dessas perguntas originam-se dessas representações
113
oriundas de uma memória do métier, e não da observação in loco da professora pela
pesquisadora.
Em relação aos turnos da professora entrevistada, identificamos um total de 7.726
palavras, sendo observada a presença de alguns marcadores conversacionais, como entendeu,
que serve para confirmar se a pesquisadora está engajada na conversação, compreendendo-a,
e né, no final de temas ou subtemas, que serve para buscar apoio em relação ao que ela diz.
Os turnos da professora servem, sobretudo:
Em primeiro lugar, para instruir a pesquisadora, descrevendo ações consecutivas para
o desenvolvimento das atividades.
184C.: você vai lendo e corrigindo já e colo... eu vou colocando sugestões
perguntas algumas coisas eu corrijo é tudo aquilo que eu falaria com elas e
que e eu não vou falar né? vou escrever...
Em segundo lugar, para concordar sobre a possibilidade de problemas colocada pela
pesquisadora.
189P.: uhn uhn... e nessa leitura pode acontecer de eu estar com dificuldade
de concentração?
190C.: ((tossiu)) pode se você estiver cansada preocupada com outra coisa...
Finalmente, para relatar alguma experiência problemática vivida.
134C.: é olha eu sei porque eu também já tive do outro lado né de
organizadora de congresso...
135P.: [uhn uhn
136C.: e daí a gente recebe um monte de telefonemas de gente reclamando
porque não conseguiu fazer a inscrição né você vê o outro lado da história
também às vezes...eu lembro por exemplo fui presidente do GEL52
a alguns
anos atrás ( ) do GEL não sei se você chegou a participar de algum encontro
do GEL...
Observamos, no último exemplo, que a professora relata a sua experiência vivida para
dar instruções à esta pesquisadora, principalmente quando se trata de dar orientações sobre
como agir em situações problemáticas ou difíceis na realização da atividade. Interessante
observar que no turno 136C em “não sei se você chegou a participar de algum encontro do
GEL”, a professora institui a pesquisadora como colega de trabalho que já faz parte do
mesmo métier.
52
Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo.
114
As hipóteses levantadas na seção 6.1 em que abordamos o contexto de produção sobre
o tipo de interação são confirmadas nesses exemplos, pois vemos que é a pesquisadora quem
conduz a interação e é a professora quem detém os conhecimentos sobre o trabalho docente a
serem desvendados pela pesquisadora.
Em relação aos turnos da professora, os menores servem para responder alguma
pergunta sobre elementos específicos do trabalho. Os turnos maiores, por sua vez, servem,
sobretudo, para descrever como se desenvolvem as atividades. Além disso, encontramos
segmentos maiores que servem, também, para relatar uma experiência vivida, relacionada à
atividade instruída, como podemos observar no exemplo a seguir, em que a experiência é
representada como fundamental.
148C.: [site do GEL] tá ótimo não tá? mas no ano de dois mil e quatro deu
problema para muita gente e a gente sabia que ia dar porque era a primeira
associação da nossa área aqui no Brasil de Humanas de Letras de Linguística
que estava fazendo isso... a gente não tinha nenhuma outra para... quando
você tem outro que já fez você vê os erros que outro fez você evita você
conserta então era uma experiência nova... deu muito problema muita gente
perdeu muita gente... falaram que tinha dois mil e tantos inscritos então tem
e não... não aparece entre dois e tantos né... mas para quem está organizando
é um tal de telefonema não sei o que isso acontece não sei o que sempre tem
gente que perde...
Em relação ao segmento de entrevista aberta, identificamos 64 turnos, constituídos por
1.550 palavras, com 144 palavras da pesquisadora, que, sobretudo, retoma, de alguma forma,
o conteúdo temático introduzido pela professora. Já os turnos da professora apresentam 1.406
palavras e, expressam, principalmente, avaliações de atividades de trabalho prescritas pelas
instituições externas.
Nessa entrevista aberta, não se pedem instruções de como proceder para desenvolver a
atividade, nem são colocados possíveis problemas, baseados na experiência da pesquisadora,
para realizar a atividade. Já na instrução ao sósia, a pesquisadora, sobretudo, pede para a
professora dar orientações sobre como proceder para desenvolver determinada atividade, faz
perguntas com o objetivo de descobrir os detalhes para a realização das atividades, questiona
sobre problemas e dificuldades na realização das atividades e pede esclarecimentos quando
não compreende como executar determinada atividade. Como vimos, há diferenças entre as
duas partes do texto, sendo que o que diferencia a entrevista aberta e a instrução ao sósia, no
nosso caso, é o tipo de pergunta feita com base nas representações construídas pela
115
pesquisadora, caracterizando uma construção discursiva de uma experiência vivida (da
instrução ao sósia) de outra experiência vivida (do trabalho da professora).
A Tabela 6.1 expõe a quantidade de palavras identificada no texto analisado.
TABELA 6.1 – Levantamento quantitativo e percentual das palavras
Participantes
de pesquisa
Entrevista
de
instrução
ao sósia
Porcentagem
na instrução
ao sósia
Entrevista
aberta
Porcentagem
na entrevista
aberta
Professora 7.726
palavras
77,33% 1.406
palavras
90,7%
Pesquisadora 2.266
palavras
22,67% 144
palavras
9,3%
TOTAL: 9.992
palavras
100% 1.550
palavras
100%
Fonte: elaborada pela autora.
Os números da Tabela 6.1 evidenciam que a entrevista aberta funciona, aqui, como um
instrumento auxiliar para geração de dados, o que pode ser observado a partir da quantidade
de palavras nos dois tipos de entrevista, já que na instrução ao sósia houve um total de 9.992
palavras, ao passo que na entrevista aberta foram apenas 1.550.
Na instrução ao sósia, as atividades elencadas no e-mail pela professora, conforme
esclarecemos no Capítulo 5, foram retomadas pela pesquisadora, mas algumas outras
atividades também foram introduzidas pela professora no momento da interação, como
podemos observar no quadro a seguir. Nos turnos de 479C a 544C da instrução ao sósia, a
introdução do tópico também se deu pela professora, a pedido da pesquisadora, que solicitou
que a professora instruísse uma atividade considerada difícil por ela, sendo tematizadas as
atividades de leitura de tese para banca de defesa e arguição em banca de defesa. Nos turnos
547C a 570C temos o segmento que consideramos entrevista aberta, já que o foco na
entrevista aberta não é uma atividade específica nem há instruções para desenvolvê-la.
A Tabela 6.2 traz os segmentos temáticos identificados na instrução ao sósia, dos
turnos de 2C53
a 544C, e na entrevista aberta encaixada, dos turnos de 457P a 570C.
53
C refere-se à professora (nome fictício Clara) e P à pesquisadora. O turno 1P foi o início da instrução ao sósia
pela pesquisadora, em que ela faz uma breve contextualização da situação de pesquisa.
116
TABELA 6.2 – Plano global da instrução ao sósia e da entrevista aberta
Numeração
dos turnos
em questão
Temas listados no e-mail e retomados
pela pesquisadora na instrução ao sósia
Temas introduzidos
na instrução ao sósia
pela professora
2C ao 33C
39P ao 47P
1. Recebimento e envio de e-mail
de/a várias instâncias
36C ao 38C 2. Reunião com colegas sobre o
processo seletivo dos alunos da
pós-graduação
48C ao 66C 3. Seminário de pesquisa para
alunos de pós
67C ao 170P 4. Elaboração de resumo para congresso e
inscrição nele
171P ao 267C 5. Leitura de capítulos de dissertação de
mestrado (para alunos)
268P ao 299C 6. Elaboração de programa de disciplina de
pós-graduação
300P ao 422C 7. Elaboração de parecer para os órgãos de
fomento
423P ao 478C 8. Preparação do encontro e encontro com
alunos de graduação da disciplina
“Investigação Científica”
479P ao 525P 09. Leitura de tese para banca de
defesa
526C ao 544C 10. Arguição em banca de defesa
547P ao 556C 11. Atividades agradáveis e
atividades desagradáveis
557P ao 570C 12. Avaliação/prescrições dos
órgãos de fomento
Fonte: elaborada pela autora.
Como se pode observar, alguns temas foram colocados em cena no momento da
instrução pela professora, o que mostra que nem sempre é a professora quem dirige a
interação. Em relação ao seminário de pesquisa para alunos de pós-graduação, a professora
esclarece que não estava desenvolvendo essa atividade no semestre em questão por estar em
licença-prêmio. Aliás, no e-mail em que listava as atividades a serem realizadas, a professora
117
menciona que, como estava em licença-prêmio, não estava lecionando a disciplina de
graduação e a de pós-graduação, mas tinha mantido a disciplina “Investigação Científica”,
que funciona como orientação a alunos de graduação em projetos de pesquisas. Além disso, as
atividades listadas não foram retomadas pela pesquisadora na ordem em que estão no e-mail.
Aliás, no e-mail trocado, como mencionamos no Capítulo 5, a professora faz uma divisão
entre atividades com horário marcado e atividades sem horário marcado. A única atividade
que aparece com horário marcado é o encontro com alunos de graduação que cursam a
disciplina “Investigação Científica”.
Já em relação aos tipos de discurso, há marcas linguísticas que remetem à situação de
produção, pois se trata de um diálogo, sendo o discurso interativo o predominante. Alguns
segmentos em relato interativo (verbos no pretérito perfeito e no imperfeito) são encaixados
no discurso interativo, em que a professora aborda sua experiência profissional anterior para
dar esclarecimentos de instruções à pesquisadora.
117C.: eu fui para um congresso lá em Montevidéu em agosto da Alfal
Associação de Linguística e Filologia da América Latina e nós enviamos o
resumo no início do ano mas o site era horrível as explicações ali que você
tinha para enviar o resumo e tudo você ficava na dúvida se o resumo tinha
chegado ou não...
Esses segmentos em relato interativo encaixados no discurso interativo abordam várias
atividades, e parte da experiência vivida pela professora para dar esclarecimentos sobre
algumas das instruções. Nesse sentido, a experiência é colocada como central para se
justificar porque realizar uma atividade de determinada maneira.
Encontramos, ainda, segmentos de discurso interativo encaixados no discurso
interativo dominante, trazendo um discurso anterior para o tempo da enunciação, revivendo-o,
como no exemplo a seguir:
474C.:[...] na pós... na pós se os alunos chegam e falam que não deu para ler
não sei o que... não sei o que daí eu falo: “bom então vocês vão embora
para casa e daí a gente se encontra na próxima semana é mais aquela
leitura e mais essa tá” porque na pós você não vai ficar dando trabalhinho
discussão em grupo é perda de tempo eu acho... “se vocês não tiveram
tempo de ler vocês vão sentar aqui agora e ler então”...
Esse exemplo mostra dois estilos de agir do professor, um com os alunos da
graduação, em que é possível dar trabalho em grupo na sala de aula, e outro com alunos de
pós-graduação, em que não seria adequado pedir para o aluno fazer trabalho em grupo, pois
118
seria “perda de tempo”, na opinião da professora. Além disso, revela as dificuldades pelas
quais o professor passa, já que ele tem de readaptar o seu planejamento a cada aula, de acordo
com a situação do momento.
Nesses segmentos encaixados em discurso interativo, evidenciamos os diversos outros
com os quais a professora dialoga em situação de trabalho, oralmente ou por escrito –
diferentes espécies de alunos, comissão de órgãos de fomento e a voz de colegas de trabalho.
Em primeiro lugar, evidenciamos a voz da própria professora, dirigindo-se aos alunos,
tendo como tema respostas a e-mails, leitura de textos e interações conflituosas em sala de
aula. No caso do exemplo a seguir, a voz da professora tem a função de prescrever o agir do
aluno.
255C.: então eu já olho na biblioteca e falo: “vai lá e pega que está lá”... se
ele falar que ele não leu... mas com pós eu não faço isso com pós eu deixo o
aluno se virar mais porque é diferente né?
Em segundo lugar, observamos a voz da professora, desempenhando o papel de
parecerista ou de arguidora, dirigindo-se à comissão dos órgãos de fomento ou ao aluno na
defesa, respectivamente, como no exemplo a seguir, em que a professora se dirige aos órgãos
de fomento ao dar um parecer.
349C.: [é são pareceristas ad hoc que a gente chama daí isso vai para uma
comissão do CNPq54
o comitê...da área e o comitê vai ver os pareceres que a
gente deu... daí eles vão ver o que vão decidir... eu digo lá: “não recomendo
para” ”recomendo para” ( )
Todos esses exemplos mostram uma recriação de um discurso anterior, uma
experiência verbal.
Em terceiro lugar, identificamos, ainda, nos segmentos encaixados em discurso
interativo, a voz de colegas de trabalho, que agem de maneira diferente em relação ao modo
de agir da professora, revelando estilos diferentes. No caso do exemplo a seguir, a voz trazida
à cena mantém uma relação de oposição com a voz da professora-enunciadora, evidenciando
conflitos no coletivo de trabalho.
586C.: tá? então para fazer o meu relatório da Unicamp55
eu tenho que
preencher outro currículo da Unicamp daí meu aluno quer bolsa da
54
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 55
Universidade Estadual de Campinas.
119
Fapesp...56
“eu não quero para mim mas ele quer bolsa” ele tem o direito
dele de pedir a bolsa não é...
587P.: da Fapesp daí tem que ser outro?
588C.: daí eu tenho que ir lá e fazer as coisas da Fapesp... então eu não tenho
coragem de virar; tem colegas que falam isso eles falam para o aluno: “olha
aluno meu eu não vou pedir bolsa para lugar nenhum”...
Além desses diferentes outros com os quais a professora se relaciona em situações de
trabalho, identificamos, ainda, a voz da professora, tendo como destinatário as pessoas que
ligam para a sua casa no momento em que ela está trabalhando. O exemplo a seguir revela-
nos que isso acaba por suprimir a divisão entre a vida profissional e a vida privada, tendo o
professor de deixar de lado assuntos da vida particular para se dedicar às atividades
profissionais em sua casa, o que mostra conflitos, escolhas que têm de tomar.
381C.: é às vezes você consegue falar: “não posso” às vezes você tem que
falar: “olha não posso agora”... se for ( ) às vezes eu tenho que dispensar
as outras coisas... às vezes eu falo: “eu não posso falar com você me liga
mais tarde” eu ponho aquilo [alguma atividade de trabalho que está sendo
realizada] de prioridade viu?
Tais segmentos em discurso interativo recriam uma situação, geralmente presente ou
futura, tendo a função de dar instruções que fazem parte do desenvolvimento da atividade, ou
seja, instruções referentes ao que se deve dizer em determinada situação. Esses segmentos em
discurso interativo encaixados em discurso interativo mostram a ocorrência de dois planos
enunciativos: um em que a professora-enunciadora interage com a pesquisadora e outro em
que ela interage como os alunos ou com colegas de trabalho em uma situação recriada.
Em relação à organização global que caracteriza a infraestrutura geral do texto, ele é
planificado em sequência dialogal global, já que se trata de uma entrevista oral em que
pesquisadora e professora estão efetivamente engajadas na conversação. No interior dessa
sequência dialogal maior, em que há as fases de abertura, transação e fechamento,
identificamos muitos segmentos locais em sequência injuntiva, em que consideramos que os
efeitos de sentido buscado pela professora é gerir as ações da pesquisadora na realização as
atividades de trabalho, que esta faria numa situação ficcional, como podemos observar a
seguir.
423P.: bom outra atividade que você colocou é o encontro com alunos de
graduação...
424C.: [uhn uhn
56
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
120
425P.: que vai ser no dia cinco do onze... como eu devo iniciar esse
encontro?
426C.: você vai encontrar com eles lá no IEL...57
elas têm para esse
encontro umas leituras tá você vai discutir com elas uns textos sobre gêneros
do discurso coisas assim que elas estão lendo...
427P.: e para...para... então eu vou ter que ter lido esses textos?
428C.: você vai ter que ter lido esses textos e... porque esses encontros essa
leitura em função de análise de dados que elas estão fazendo tá? então para
esse encontro dessa semana você vai ter que ter lido os textos para
discutir com elas e relacionar com as análises que elas estão fazendo...
No decorrer do texto, observamos que a modalização deôntica é muito recorrente, já
que se trata de uma instrução ao sósia em que a pesquisadora é o sujeito da prescrição.
Entretanto, no último segmento de entrevista aberta “avaliação/prescrições dos órgãos
de fomento”, encontramos, ainda, modalizações deônticas indicando os deveres do professor,
o que mostra as representações do professor genérico (ou geral) sobre o mundo social, as
regras e normas de instâncias externas (universidade e agências de fomento).
584C.: pois é agora mas não... a gente tem que... a gente tem que sentar lá e
fazer o currículo resumido para cada coisa diferente dos seus alunos por
exemplo você tem um aluno que pede bolsa para a Fapesp você tem que
fazer um currículo em função da Fapesp você pára aquilo que você está
fazendo né?
Além desse agir prescritivo, evidenciamos outros modos ou tipos de agir construídos
no e pelo texto pela professora ao abordar o seu trabalho: agir mental/ cognitivo, instrumental,
linguageiro, corporal e afetivo, conforme discutimos no Capítulo 4.
A mobilização desses diferentes modos de agir pela professora confirma a nossa
concepção de trabalho docente em relação ao fato de que o professor mobiliza o seu integral,
em suas diferentes dimensões (corporal, mental/cognitiva, linguageira e afetiva) com o uso de
instrumentos, materiais ou simbólicos, para a realização de suas atividades de trabalho.
Comparando os tipos de agir nos segmentos temáticos, observamos que em todos eles foram
colocadas em cena as dimensões mentais/cognitivas e linguageiras do professor, que realiza o
seu trabalho com o uso de algum instrumento. Entre os doze temas, o agir corporal apareceu
em apenas quatro segmentos e o afetivo em apenas um. Na Tabela 6.3 temos exemplos de
fragmentos em que esses tipos de agir aparecem.
57
Instituto de Estudos da Linguagem (Unicamp).
121
TABELA 6.3 – Exemplos dos tipos de agir
Tipos de agir Exemplos
Agir mental/cognitivo 325C.: [elaboração de parecer] então você tem
que pensar na coerência de tudo isso por isso
que eu digo que dá um trabalho...
Agir instrumental 496C.: então eu vou escrevendo do lado na
própria tese [...]... depois que eu fiz tudo isso
enquanto eu vou lendo daí eu vou sentar no meu
computador e vou organizar isso daí...
(instrumento material)
Agir linguageiro – interacional 54C.: então nesse seminário normalmente ou
tem alguma leitura para ser discutida teórica tá
a gente lê um texto que é importante para todo
mundo então você vai preparar a leitura desse
texto e vai discutir com os alunos tá ou você vai
ouvir as apresentações deles... a gente intercala
algumas aulas de discussão de leitura
Agir (ou processo) afetivo 548C.: olha eu acho que o trabalho da gente hoje
ele tem algumas coisas boas e algumas coisas
ruins que atrapalham a gente... atrapalham a...a
parte... a parte que eu gosto mais do meu
trabalho é a parte de estudar né
Agir corporal 228C.: você levanta vai na estante procura o
livro se você tem se você não tem você tem
que... deixar para ler outra hora você marca eu
marco em algum lugar que vou ter que procurar
aquele material depois para reler conferir né?
Fonte: elaborada pela autora.
Em primeiro lugar, observamos que os tipos de agir que mais se destacam no texto
analisado são o agir mental/cognitivo e o linguageiro – interacional, com o verbo ler, que teve
uma grande quantidade de ocorrências (115), tendo aparecido em todos os segmentos
temáticos. Além disso, observamos também outros verbos ou expressões que implicam o ato
de ler, como verificar as normas, olhar programas, selecionar textos, identificar os temas,
procurar livros. Identificamos também uma grande ocorrência do sintagma leitura (100
ocorrências), o que mostra que a leitura e o ato de ler estão intrinsecamente relacionados a
todas as atividades tematizadas no texto analisado. Esse ato de ler é voltado, principalmente,
ao aluno, pois se trata de leitura de textos de alunos (dissertações, teses, projetos de pesquisas,
relatórios). Além disso, identificamos a leitura de projetos de pesquisadores brasileiros que os
enviam aos órgãos de fomento para serem avaliados, leitura de normas e prescrições oriundas
122
de órgãos de fomento e de organizadores de congresso. Finalmente, identificamos também a
leitura de livros e artigos como forma de aprimoramento para a aula e para pesquisa dos
alunos, o que indica representações de que as aulas requerem uma preparação prévia e
também que é necessário o professor estudar, ler novos livros/autores para acompanhar as
pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelos alunos. Há outros verbos ou expressões que
também indicam um agir mental/cognitivo, como o verbo pensar e avaliar, por exemplo, que
teve bastantes ocorrências (21 e 16, respectivamente).
Além do ato de leitura, identificamos múltiplas referências ao ato da escrita em todos
os segmentos temáticos em todas as atividades instruídas. Essa escrita pode ser referente à
produção de textos acadêmicos (resumos para congresso, artigos, por exemplo); às correções,
sugestões, observações em textos de alunos/orientandos; ao planejamento e preparação de
aula e de programa de disciplina; à elaboração de parecer; à preparação da arguição para
banca de defesa; às respostas a e-mails. Tudo isso indica que o trabalho do professor de pós-
graduação é representado como altamente mental/cognitivo e linguageiro, em que o docente
precisa fazer leituras, seja de textos de alunos, seja de outros instrumentos simbólicos com os
quais ele tem de trabalhar, fazendo parte de seu métier também escrever textos, mais
complexos ou menos. Assim, o professor é representado com capacidades intelectuais para
desempenhar suas variadas atividades, sendo o trabalho de leitura e escrita essencial na sua
profissão.
Em segundo lugar, o agir linguageiro e interacional, que também foi encontrado em
todos os segmentos temáticos, é direcionado a várias instâncias, podendo ser um agir oral ou
escrito. Em relação ao agir linguageiro oral, ele se refere a discussões em seminários e
encontros com alunos e à arguição em banca defesa. Já o agir linguageiro escrito, que é o mais
presente nos dados, refere-se à elaboração de e-mails enviados a alunos, universidades e
agências de fomento; à elaboração de programa de disciplina; pareceres; resumos para
congressos; currículos; relatórios e, principalmente, a observações ou sugestões em textos ou
teses de alunos. Nesse agir linguageiro e interacional também está envolvido, sem dúvida, o
agir mental/cognitivo. Observamos, assim, que tanto a leitura quanto a escrita envolvem o
agir mental/cognitivo e o linguageiro – interacional.
Prosseguindo a discussão, o agir linguageiro revela a dimensão interpessoal do
trabalho, envolvendo a interação com vários outros indivíduos, como alunos, universidades,
agências de fomento, colegas de trabalho, pesquisadores brasileiros para quem se elabora
parecer, organizadores de congresso, participantes de congresso.
123
Alguns predicados apresentam verbos de dizer mais neutros (dizer, falar), indicando
uma situação recriada, geralmente, com os alunos, apontando um agir linguageiro que não
implica uma resposta dos alunos. Identificamos também muitas ocorrências do verbo mandar
(no sentido de enviar) em enunciados que revelam um dizer enviado por uma ferramenta de
computador e trocas constantes com outros.
14C.: [...] os alunos eles mandam e-mail a universidade manda e-mail...
24C.: fora os alunos tem assim CNPq Fapesp revista que dá parecer tudo
isso te mandam e-mail hoje em dia...
Esses dois exemplos mostram predicados que revelam o agir linguageiro dos alunos,
da universidade, das agências de fomento, implicando o agir da professora, pois observamos
que os alunos enviam textos para a professora ler, entre outros pedidos; a universidade envia
e-mail convocando para reunião e pedindo para repassar e-mail para os alunos; as agências
enviam trabalhos acadêmicos de pesquisadores brasileiros para elaboração de parecer, o que
revela o caráter interacional do trabalho da professora e, sobretudo, o agir prescritivo das
instâncias superiores.
Em terceiro lugar, os exemplos anteriores, além de revelarem um agir linguageiro,
também mostram um agir com instrumento material que é o e-mail. Identificamos, também, o
verbo mandar com outro sentido (252C.: eu mandei ele [aluno] ler duas coisas), revelando
um agir prescritivo da professora que implica uma ação sobre o aluno, que é ler os textos
indicados pela professora. Detectamos, ainda, predicados com verbos que indicam um agir
linguageiro da professora em reação ao agir da universidade e dos alunos, apresentando como
sendo excessivo.
14C.: [...] teve um ano que eu comecei a contar de mania minha quantos e-
mails eu respondia por dia quanto tempo eu gastava respondendo e-mail
para colocar no meu relatório de atividade da Unicamp...
Em relação ao agir com instrumento material, ele envolve o uso do computador, pois a
maioria das atividades é realizada com o computador e a internet. A professora está
configurada no texto, implicitamente, como tendo capacidades para desenvolver quase todas
as atividades com o uso de computador, com exceção de uma: elaboração de resumo para
congresso, como podemos evidenciar a seguir.
124
82C.: daí você faz o resumo tem que ver o formato do re... para mim a parte
mais chata é essa formatar tantas... ((risos)) tamanho tal... isso aí eu nunca
sei fazer...
83P.: ((risos)) tamanho do resumo...
84C.: eu tenho que pedir ajuda pedir ajuda aos meus alunos sempre
punha aqui...... gravar em PDF58
gravar em r não sei que lá tantas... tantas
palavras eu não sei contar
85P.: [pode ser ( )
86P.: pode ser que vai estar pedindo para gravar em PDF?
87C.: isso... isso eu não sei fazer...
88P.: outra instrução não sei o que...
89C.: então já te digo... toda essa parte [do trabalho] que exige muito conhe/
mais conhecimento técnico eu peço ajuda...
Observamos que à professora é atribuída falta de apropriação em relação à utilização
de artefatos tecnológicos que requerem muito conhecimento técnico, sendo obrigada a pedir
ajuda aos alunos, já que o conhecimento técnico está configurado como em excesso, em alto
grau. Talvez seja por esse motivo que à professora é atribuída falta de capacidades em relação
à utilização de alguns desses artefatos tecnológicos. Outra dificuldade representada é em
relação a problemas técnicos que podem acontecer ao enviar o resumo pela internet. A forma
de resolver esse problema é analisar se não foi feito nada errado e corrigir o erro; caso
contrário, a solução pode ser enviar e-mail para a comissão do congresso e pedir ajuda.
Além dos artefatos materiais tecnológicos colocados em cena no texto, evidenciamos
artefatos simbólicos como leitura, discussão, bibliografia, teoria, apresentação (dos alunos),
metodologia, tema do congresso, perguntas, processo, texto, plano b, livro, rabiscos (54C,
184C, 502C, 325C, 97C, 101C, 474C, 490C). A seguir, temos um exemplo em que a
professora dá instruções sobre a atividade de elaboração de parecer para as agências de
fomento.
377C.: mal ou bem tem aqueles meus rabiscos ali sabe... eu só jogo fora os
meus rabisquinhos na hora que o CNPq me manda e-mail dizendo que
recebeu meu parecer...
Esse exemplo revela que o agir individual da professora é representado como um agir
que envolve um artefato transformado em instrumento (rabiscos ou anotações) como forma de
antecipar possíveis problemas, evitando, assim, perder todo o seu trabalho realizado (o
parecer enviado pelo site). Nesse caso, ele é considerado útil e mostra um gesto profissional
criado pela professora, de acordo com os seus interesses e necessidades.
58
Portable Document Format (PDF) é um formato de arquivo desenvolvido pela empresa Adobe Systems em
1993.
125
Em quarto lugar, o agir corporal, identificado em dois segmentos temáticos, representa
o agir do professor envolvendo gestos para procurar livros na biblioteca em casa e na
universidade e o deslocamento de casa para ir a reuniões.
Finalmente, o agir afetivo, que aparece apenas em um segmento temático “atividades
agradáveis e desagradáveis”, é marcado pelo verbo gostar, num excerto em que a professora
aborda as atividades das quais ela gosta e das quais ela não gosta, como veremos mais
adiante.
Em síntese, os diferentes modos de agir construídos no texto analisado revelam que o
trabalho do professor é constituído na relação, sendo acentuado o caráter interacional,
constituindo-se por atividades conjuntas de três tipos:
1. linguageira, que implica uma ação dos alunos de graduação e de pós-
graduação ou de orientandos de iniciação científica ou de mestrado e de
doutorado:
91C.: [...] vamos supor vou fazer esse resumo para o congresso daí que ele
estiver prontinho eu vou mandar para alguém [aluno] para pôr no formato
que tem que pôr...
2. linguageira, que não implica uma resposta/ação dos outros (alunos,
participantes de congressos etc.):
150C.: [inscrição em congresso] eu acho que eu nunca perdi Siderlene eu
acho que eu nunca perdi porque eu fico correndo atrás de alguém... primeiro
que eu evito deixar para o último dia né a gente sempre pede para as pessoas
fazerem isso né...
3. linguageira, como reação ao agir dos outros (alunos, colegas de trabalho,
agências de fomento etc.).
361C.: [elaboração de parecer] no site... o projeto é bem fundamentado
teoricamente? não sei o que daí você tem que responder com as suas
palavras escrever um texto aí...
Ao professor, são prescritas várias atividades, sendo o intelecto fortemente
representado como essencial na realização de todas as atividades que, por sua vez, são
mediadas por instrumentos materiais, principalmente o tecnológico e simbólico disponíveis
no coletivo de trabalho e apropriados pelo professor.
126
Vimos, assim, os diferentes elementos constituintes do agir do professor: as variadas
dimensões envolvidas (cognitiva, linguageira-interacional, corporal, afetiva) no trabalho, a
mediação por artefatos materiais ou simbólicos e as prescrições oriundas de instâncias
externas, que indicam o que deve ser feito ao professor.
Na seção a seguir teremos como foco como o agir individual da actante-professora é
representado no texto analisado.
6.3. Actantes postos em cena no texto analisado
Nesta seção objetivamos discutir como os actantes são colocados em cena no texto
analisado, tratando das vozes, das avaliações identificadas e das figuras de ação.
Primeiramente, trataremos da actante-professora em interação com os outros quando possível.
Em segundo lugar, abordaremos os outros actantes identificados no texto: aluno, professor
genérico, pesquisador, que envia projetos para as agências de fomento para avaliação, e a
universidade.
Observamos a voz da professora dirigida aos alunos em vários segmentos da
entrevista, em que há a reconstituição de uma situação de sala de aula (a partir do dêitico nós),
representando a professora e alunos para evidenciar os problemas/conflitos que podem ocorrer
e as formas de solucioná-los. Outros casos de reconstituição de situações de sala de aula são
evidenciados quando a professora usa o imperativo para se dirigir aos alunos, indicando um
agir prescritivo em relação a eles.
472C.: [na sala de aula, quando aluno não leu o texto pedido] na hora você
tem sempre algum coisa assim e isso...e isso graças a Deus você vai
aprendendo com o tempo né... você tem ideia com o tempo... “então vamos
fazer tal coisa vão se reunir em grupo e vão fazer isso aqui assim vão
discutir...”
246C.: às vezes eu me dou ao trabalho de até ver se já tem na biblioteca da
Unicamp e já aviso “olha tem na biblioteca tal vai lá e procura e pega o
livro...”
O primeiro segmento é construído em figura de ação experiência, em que percebemos
a experiência cristalizada, o que permite direcionar o agir do professor. Já o segundo (246C) é
construído em figura de ação ocorrência que se desenvolve na contemporaneidade da situação
de ação de linguagem, sendo o conteúdo organizado em referência aos parâmetros físicos da
interação. Nesses exemplos, há presença de dois planos enunciativos que aparecem a cada vez
127
que a professora reconstitui suas atividades de trabalho, interagindo com os alunos. Nesse
caso, observamos a voz da professora (uso do discurso direto) numa situação de sala de aula
reconstituída na entrevista, em que o agir da professora busca não só readaptar o seu
planejamento às situações de sala de aula (472C), sendo a experiência colocada como
fundamental para esse aprendizado, mas, também, prescrever o agir dos alunos (246C). É
recorrente a recriação de experiências da professora, constituindo uma experiência vivida na
situação de entrevista com base em uma experiência vivida anteriormente no trabalho (CLOT,
2006), evidenciado a partir do recurso ao discurso direto.
Observamos também dois planos enunciativos, em que a voz da professora é colocada
em cena como forma de reconstituição de seu discurso interno (verbo pensar), indicando seu
planejamento quanto ao agir futuro dos alunos, prescrito pela docente.
460C.: é eu já penso antes nisso de ir para o encontro né? eu já penso: “bom
elas já leram isso para essa reunião agora eles podem ler tal coisa” às
vezes eu já levo o que elas vão ler....
Esses dois planos enunciativos em que se observa o discurso interno da própria
professora são recorrentes, evidenciando a construção de representações sobre o seu agir
individual, em que a professora parte de sua experiência para dar as instruções à pesquisadora
de como realizar o seu trabalho.
Ao agir individual da professora também são atribuídos intenção, motivo, capacidade
(ou falta de), configurando-a como actante-ator, responsável pelas suas ações de preparação
para participação em banca de defesa.
528C.: tá então eu acho melhor a gente escrever [digitar as
questões/comentários da arguição] porque [MOTIVO] depois na hora a
gente não fica lá perdida os outros também falam então você fica prestando
atenção nos outros e às vezes você perde o foco do que você queria dizer...
[INTENÇÂO] eu não lembro dias depois o que eu li ali eu não lembro se eu
não escrever eu não lembro só anotar coisas... tem gente que escreve ali do
lado da tese e leva aquela tese sem digitar e na hora vai falando... eu não
consigo eu não vou conseguir [FALTA DE CAPACIDADE] falar nada se
fizer assim tá... porque [MOTIVO] eu não lembro eu não lembro... tem
gente que é boa para isso né consegue [CAPACIDADE] lembrar na hora
desenvolve lá eu não eu tenho que levar prontinho...
Nesse exemplo, a professora compara o seu modo de agir em relação à preparação
para uma arguição de defesa de tese e o de colegas de trabalho. No caso da professora, ela
precisa digitar os comentários/questões sobre a tese para que consiga fazer a arguição. Já
128
alguns colegas de trabalho não precisam fazer isso, somente fazem anotações na própria tese.
Em vista de sua incapacidade de agir como os colegas, a professora busca uma solução para
resolver a sua dificuldade com um instrumento para o agir, que implica a escrita dos
comentários/questões, posta como necessária para a atividade. Interessante observar que as
representações construídas colocam a professora com falta de capacidade e os colegas com
capacidade no turno 528C (tem gente que é boa para isso, né, consegue lembrar...), o que
poderia ser o inverso, ou seja, a professora construir representações de que o seu modo de agir
é melhor em relação a de seus colegas. A relação de proximidade estabelecida entre
pesquisadora e professora traz à tona não só as dificuldades da profissão, mas também
diferentes modos de agir dos professores em geral, o que pode provocar o desenvolvimento
profissional em relação à construção de representações sobre modelos de agir.
Temos, ainda, outro exemplo de intenção atribuída à professora.
383C.: eu sou meio assim: “hoje eu vou fazer tal coisa” então eu quero
fazer aquilo tá... eu esqueço meio das outras até... no dia que vou fazer
parecer esqueço de aluno esqueço de orientando vou ficar fazendo parecer...
O verbo querer indica uma intenção atribuída à professora e o advérbio meio indica
que a professora não esquece completamente as outras atividades, evidenciando como ela age
nas escolhas entre as atividades, trazendo à tona um conflito vivido pela professora, já que é
necessário fazer escolhas entre as diferentes atividades. Na verdade, ao realizar uma atividade,
as outras atividades não desaparecem; elas ficam abandonadas, atravessando a atividade que o
professor está realizando (CLOT, 2006).
Identificamos também que, em um mesmo segmento, o agir individual da professora
aparece mesclado com um agir coletivo, observado a partir dos dêiticos de pessoa (eu, nós, a
gente, você genérico).
117C.: eu fui para um congresso lá em Montevidéu em agosto da Alfal
Associação de Linguística e Filologia da América Latina e nós enviamos o
resumo no início do ano mas o site era horrível as explicações ali que você
tinha para enviar o resumo e tudo você ficava na dúvida se o resumo tinha
chegado ou não...
574C.: isso é um pouco cansativo eu acho... acho uma chatice... eu entendo
que tem que ter as normas né? numa sociedade você não vive sem as
normas... não pode cada um querer mandar o resumo que eles quiserem tá eu
entendo perfeitamente não estou querendo ser anarquista mas.... cansa um
pouco né? esse cuidado que você tem que ter o tempo inteiro “ai aqui o
resumo tem que ter....” “aquele outro congresso já é de outra maneira”
né currículo...
129
No primeiro exemplo, temos o agir individual da professora, que foi para um
congresso, e o agir dos participantes de congresso, que enviam o trabalho para a apresentação.
Observamos aí a avaliação negativa da professora sobre um artefato simbólico do trabalho,
que é o site do congresso, que causava dúvida nos participantes. No segundo exemplo,
evidenciamos também o agir dos participantes de congresso, constituindo um agir do coletivo
de trabalho (esse cuidado que você tem que ter), um agir das pessoas em geral (você não vive
sem as normas) e uma avaliação negativa da professora em relação ao fato de ter prescrições
diferentes para uma mesma tarefa, nesse caso, normas diferentes para cada congresso (eu
acho uma chatice). Observamos, ainda, o resultado físico das atividades em “cansa um pouco,
né?”, o que mostra conflitos e dificuldades gerados por prescrições diferentes.
Nesse exemplo, identificamos uma voz a partir da negação (não estou querendo ser
anarquista) em que se colocam em cena dois enunciadores: um que afirmaria que a
professora, diante de seu ponto de vista, estava querendo ser anarquista; e um outro
enunciador, a professora, que rejeita essa ideia (MAINGUENEAU, 1997, p. 80), constituindo,
assim, duas vozes divergentes.
De acordo com o dicionário Houaiss (HOUAISS, 2001), podemos compreender por
anarquista a pessoa favorável a uma falta de organização e/ou de liderança em qualquer tipo
de atividade, local ou instituição; confusão, bagunça. Desse modo, levantamos a hipótese de
que uma primeira voz afirmaria que a professora estava querendo ser anarquista ao se queixar
das normas.
Evidenciamos, ainda, a reconstituição de uma situação de sala de aula, em que é
trazida a voz da professora por meio do discurso direto, orientando a sósia sobre o que dizer
em situações semelhantes, sendo muito recorrentes esses casos, como já foi evidenciado
anteriormente.
474C.: [...] na pós... na pós se os alunos chegam e falam que não deu para ler
não sei o que... não sei o que daí eu falo: “bom então vocês vão embora
para casa e daí a gente se encontra na próxima semana é mais aquela
leitura e mais essa tá” porque na pós você não vai ficar dando trabalhinho
discussão em grupo é perda de tempo eu acho... “se vocês não tiveram
tempo de ler vocês vão sentar aqui agora e ler então”...
Nesse exemplo, a expressão “é perda de tempo eu acho” indica uma apreciação
negativa da professora sobre uma forma de proceder em sala de aula com alunos de pós-
graduação, comparando com a forma de proceder com alunos de graduação (470C a 474P).
Assim, revela representações da avaliação individual da professora (eu acho) e do agir
130
coletivo, com o uso do você genérico (você não vai ficar dando trabalhinhos) em sala de aula
na pós-graduação, sendo esta constituída, sobretudo, por discussões de algum texto
previamente lido. Quando a leitura não é feita pelos alunos, há um impedimento para que o
docente siga o seu planejamento, tendo de adaptar a situação ao novo contexto.
A professora também se autoavalia (com adjetivos que a qualificam) num fragmento
em que é abordada a questão dos prazos a seguir e atrasos em relação à realização das
atividades. Nesse exemplo, predomina a figura de agir evento passado, em que a experiência
da professora é posta como fundamental para aprender a lidar com as situações conflituosas e
encontrar soluções que antes não encontrava, revelando as alterações que os professores vão
fazendo em seu trabalho no seu senso de responsabilidade.
256P.: uhn uhn bom e... ai você já falou que pode acontecer de estar muito
cansada e não conseguir fazer essa leitura [de textos de alunos] e deixar para
depois...
257C.: pode deixar para o outro dia... tem coisa que você às vezes atrasa viu
Siderlene... eu era mais neurótica com essa coisa de atrasar eu não admitia
assim atrasar nada um dia... por exemplo parecer CNPq tal dia se eu atrasar
um dia não posso atrasar uma semana porque... mas eu...por exemplo mas eu
fiquei gripada essa semana sábado e domingo eu fiquei de cama então me
atrasou muito eu antes ficava neurótica falava: “ah e agora?” mas eu
num...o que eu vou fazer fiquei doente não pude fazer nada o nariz estava
horrível estava com dor de cabeça você... quando essa parte aqui está ruim
você não consegue raciocinar né dor de garganta...
Nesse turno, vemos uma autoavaliação negativa da professora em relação ao seu
comportamento ou personalidade em um tempo anterior ao da situação de enunciação,
marcado pelo verbo no pretérito imperfeito (era/ficava) e pelo advérbio antes. De acordo com
o dicionário Houaiss (2001), neurótico é quem sofre de neurose, que significa uma
perturbação funcional de origem nervosa, gerando perturbações sensoriais, motoras e
emocionais. Ainda no turno 257C, consideramos, por conta do uso do adjetivo neurótico no
grau comparativo, que há uma comparação implícita em relação a dois tempos: um anterior ao
momento de enunciação em que a professora é configurada como mais neurótica e outro
referente ao tempo simultâneo ao da enunciação, em que a docente seria configurada como
menos neurótica. Assim, revela-se nesse turno a angústia e a ansiedade causada pela
preocupação com o cumprimento dos prazos preestabelecidos pela organização do trabalho,
principalmente quando o professor tem menos experiência, colocando em evidência as
dimensões físicas (corporal) e psíquicas envolvidas no trabalho, interferindo nele.
Evidenciamos também prescrição de tempo para parecer e outras atividade em “tem coisa que
131
você atrasa” e em “parecer CNPq tal dia se eu atrasar um dia não posso atrasar uma
semana”.
Além disso, a atividade de elaboração de parecer para os órgãos de fomento é avaliada
pela professora-actante como muito trabalhosa (300P a 335C), como podemos observar no
trecho a seguir:
313C.: olha os projetos geralmente tem umas quinze páginas doze quinze
páginas até vinte... o projeto que a pessoa manda ela manda um projeto de
pesquisa ou ela manda um artigo que ela vai mandar/mandou para o
congresso... então é umas quinze vinte páginas que você vê... daí você vê o
currículo da pessoa tá...
314P.: [ uhn uhn
315C.: com base em tudo isso... isso dá trabalho isso daí dá trabalho fazer
parecer ((mudança de tom de voz))
316P.: [é?
O motivo pelo qual a atividade de elaboração de parecer é considerada trabalhosa é
porque ela mobiliza fortemente o agir mental/cognitivo e linguageiro – interacional, pois é
necessário ler e compreender o projeto do pesquisador, analisá-lo e compará-lo com o
currículo da pessoa; esses tipos de agir são necessários para que o professor possa
desenvolver um outro, que é a elaboração do parecer propriamente dito.
Podemos, ainda, observar outros conflitos nos exemplos da Tabela 6.4, permeados de
subjetividade da enunciadora (evidenciada por verbos, advérbios e adjetivos), em que a
professora traz à cena as atividades representadas como agradáveis.
TABELA 6.4 – As atividades agradáveis representadas
Atividades representadas como agradáveis Exemplo
Estudar
Ler autores novos em função das pesquisas
Preparar aulas
Lecionar
Pesquisar
Orientar 3 ou 4 alunos
548C.: olha eu acho que o trabalho da gente hoje
ele tem algumas coisas boas e algumas coisas
ruins que atrapalham a gente... atrapalham a... a
parte...a parte que eu gosto mais do meu
trabalho é a parte de estudar né de ler de
estudar preparar aula que é um estudo que
você faz né... então essa parte eu gosto
bastante a pesquisa ler em função da pesquisa
ler autores novos que eu ainda não li
Fonte: elaborada pela autora.
132
Observamos na Tabela 6.4 que as atividades representadas como agradáveis estão
relacionadas ao ensino e à pesquisa. Já na Tabela 6.5 temos as atividades representadas como
desagradáveis.
TABELA 6.5 – As atividades desagradáveis representadas
Atividades representadas como desagradáveis Exemplo
Elaborar muitos pareceres
Ler muitos trabalhos de alunos
Ir a reuniões
Participar de comissões
Fazer relatórios
Orientar mais que 4 orientandos
Receber (e responder) e-mails em excesso
Preencher formulários
Responder a pedidos burocráticos
Prestar contas
548C.: só que essas outras coisas que eu te falei
que às vezes... eu acho que aumentou muito
essa quantidade... parecer que você tem que dar
é... ler trabalho de aluno muito você lê várias
vezes de seus alunos de outros alunos também
relatórios que você tem que fazer prestação de
contas... então tem... e-mail demais isso acaba
tirando muito a atenção da gente para aquilo que
eu gostaria de fazer mais né às vezes eu fico
pensando em me aposentar porque eu já poderia
estar aposentada há muitos anos e não estou
porque eu gosto... sinto que essa outra parte
atrapalha reunião por exemplo ir para reunião
é uma chatice né... reunião ocupa muito o
tempo da gente uma tarde inteira numa reunião...
553P.: quantos orientandos você tem?
554C.: quantos que eu tenho hoje? eu tenho 3 de
doutorado mestrado três seis e duas de iniciação
oito nem tenho...já tive mais... mas eu já acho
muito né? por exemplo ter três quatro é o
ideal no máximo... porque daí você tem tempo
realmente né... então eu acho assim... e fora
assim burocracia que você tem que resolver
comissão coisas... burocracia mesmo entrega
de documentos preenche formulário sabe tem
uma coisa assim que de volta e meia estão
pedindo para a gente fazer... essa parte ocupa um
tempo chato da sua vida...
Fonte: elaborada pela autora.
Nos exemplos da Tabela 6.5 observamos muitas unidades linguísticas que indicam
quantidade excessiva, sendo que as atividades representadas como desagradáveis estão
relacionadas a tarefas burocráticas e ao excesso de trabalho referente à atividade de ensino
(muitos trabalhos de alunos e orientandos) e de avaliação de trabalhos acadêmicos
(elaboração de pareceres). A professora constrói representações de que as atividades
burocráticas acabam prejudicando as outras atividades, como as voltadas ao ensino e à
pesquisa. Ela compara um período em que havia menos quantidade desses trabalhos
133
burocráticos (preencher relatórios, prestar contas etc.) e que sobrava mais tempo para, de
acordo com seu ponto de vista, as coisas fundamentais, como podemos observar nos
exemplos a seguir. Observamos, novamente, conflitos ao ter de fazer escolhas entre as
diferentes atividades. Além disso, notamos conflitos entre representações do trabalho de um
tempo passado e de um presente.
552C.: [reuniões] precisa ter para decidir as coisas mas eu já enjoei um
pouco tá eu já enjoei na realidade... então e eu acho que...sem querer ser
saudosista né assim a gente tinha menos dessa parte... a gente concentrava
mais nas coisas fundamentais que é o estudo a pesquisa as aulas eram
menos orientandos então a gente podia se dedicar mais... agora...
Assim, observamos representações construídas de que ter tempo de dedicação para
estudar, pesquisar é fundamental, o que parece que não vem acontecendo. Consideramos que
a professora faz referência a ter tempo para pesquisar tanto para poder orientar melhor as
pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelos seus orientandos de iniciação científica,
mestrado e doutorado, como para o desenvolvimento de suas próprias pesquisas. Essas
representações sobre a necessidade de tempo disponível para a dedicação à pesquisa estão de
acordo com as determinações dos documentos oficiais que vimos no Capítulo 2. Nesse
sentido, consideramos que um dos conflitos que mais diferencia o trabalho do professor de
pós-graduação stricto sensu se encontra no tempo considerado necessário para a dedicação à
pesquisa e o que lhe é concedido de fato nos novos contratos de trabalho.
Assim, evidenciamos que são diversas as atividades avaliadas pela professora, sendo
algumas postas como positivas e outras como negativas, o que indica haver prazer na
execução das atividades consideradas agradáveis e desprazer na realização das outras,
evidenciando conflitos para gerenciar o tempo para todas as atividades.
No exemplo anterior, evidenciamos, ainda, dois períodos sócio-históricos: um em que
havia tempo para as coisas fundamentais: as aulas, o estudo e a pesquisa; e outro em que se
perde muito tempo com controles burocráticos, sobrando pouco tempo para as “coisas
fundamentais”.
Tendo já abordado como a professora-actante é representada, trataremos dos outros
actantes identificados no texto, que são um dos elementos envolvidos no trabalho do
professor, ou seja, os outros que fazem parte de seu trabalho e com quem ele mantém relações
linguageiras. Como já mencionamos, esses actantes identificados são os alunos, professores
genéricos de pós-graduação stricto sensu, as agências de fomento, pesquisadores brasileiros
134
que enviam projetos para estas a fim de serem avaliados, e, com um número bem baixo de
ocorrência, a universidade em que a professora trabalha, como veremos no gráfico da Figura
6.1.
FIGURA 6.1. Actantes identificados no texto analisado.
Fonte: elaborada pela autora.
Na Figura 6.1, observamos que os alunos e os professores de pós-graduação
(genéricos) são os actantes mais abordados no texto analisado. Na Tabela 6.6 temos o total de
ocorrências e os percentuais desses actantes nos turnos da professora. Trataremos dos
segmentos temáticos em que esses actantes se destacam no texto analisado, iniciando pelo
actante aluno, geralmente, em interação com o professor, que teve o maior número de
ocorrências, seguido dos demais, de acordo com a ordem de apresentação na Tabela 6.6.
135
TABELA 6.6 – A quantidade e a porcentagem de actantes no texto analisado
Actantes Total em ocorrências Percentual
Alunos 91 37,5%
Professores de pós-graduação
stricto sensu (genérico)
64 26,5%
Agências de fomento 41 17%
Pesquisadores que enviam
projetos às agências de
fomento
29 12%
Universidade 17 7%
Fonte: elaborada pela autora.
Os alunos identificados são de variados tipos: de iniciação científica, de graduação e
de pós-graduação. Pouquíssimas vezes, esses alunos são mencionados como orientandos (13
ocorrências). Embora essa distinção não seja feita na maior parte dos casos, observamos que,
na maioria das vezes, trata-se de alunos orientandos de pós-graduação e de iniciação
científica. Dentre os actantes alunos, observamos também que duas alunas específicas de
graduação são bastante mencionadas (35 ocorrências) no segmento temático “Encontro com
alunos de Investigação Científica”. Essa grande ocorrência deve-se ao fato de que, para dar as
instruções para a pesquisadora sobre como proceder no encontro, a professora explica o que
as alunas estavam pesquisando e quais seriam as atividades que essas alunas deveriam
desenvolver no encontro sob a orientação da sósia-pesquisadora.
Para as atividades de receber e enviar e-mail, os alunos aparecem tanto como agentes,
que enviam e-mails para o professor, quanto como destinatários das ações do professor que
deve responder os e-mails dos alunos e preparar as leituras do seminário para eles. Em relação
à atividade de seminário de pesquisa para os alunos de pós-graduação, o aluno aparece como
alvo, que é o indivíduo afetado pela ação do professor, quando este discute com o aluno as
análises de seus textos, já que uma discussão pode propiciar o desenvolvimento das
capacidades intelectuais.
Em relação à atividade de leitura de capítulos de dissertação de mestrado, duas
orientandas específicas, que estão escrevendo os capítulos da dissertação de mestrado, são
colocadas como agentes, tendo enviado os seus textos para a professora ler. Os orientandos no
geral são colocados, implicitamente, como destinatários/beneficiários das ações do professor
136
de ler e corrigir o texto e de enviar e-mail a ele. Um problema que pode acontecer na
realização dessa atividade pela professora é a dificuldade de concentração oriunda do cansaço
ou da preocupação com outros assuntos. Uma das formas de resolver esse problema é dormir
um pouco se estiver com sono ou fazer outra coisa possível naquele momento que requer
capacidades diferentes e retomar a atividade depois disso.
Em relação à atividade de encontro com alunos de graduação, os alunos são colocados
como agentes – ser animado responsável por um processo dinâmico – que leem os textos
teóricos, analisam dados de pesquisa e fazem a apresentação de suas análises. Os alunos
também aparecem como alvo – indivíduo afetado pelas ações – da professora ao discutir com
eles as suas análises. Um problema colocado em cena em relação à atividade de encontro com
alunos de graduação é o aluno não ter lido o texto indicado. Uma solução para problemas
desse tipo é ter alternativas de tarefas para a sala de aula, como um “plano B”. A professora
destaca a experiência como fundamental para esse aprendizado de readaptação do
planejamento inicial.
No que se refere à atividade de leitura de tese para banca de defesa, o aluno da banca é
colocado, implicitamente, como destinatário da ação do professor (participante da banca) de
fazer anotações ou colocar questões na tese, sendo configurado como agente que, às vezes,
não entende o que professor-arguidor está perguntando. Uma dificuldade do professor em
relação a essa atividade é não conseguir falar nada na defesa se não organizar todos os
comentários, sendo a solução encontrada pela professora digitá-los e levá-los todos prontos
para ler.
Ao aluno é atribuído um agir linguageiro-interacional articulado a um agir com
instrumento quando envia e-mail ao professor, por exemplo, e também quando apresenta e
discute os seus textos, o que inclui o agir mental/cognitivo, como podemos a seguir.
440C.: [...] então elas [alunas] têm lá uma questão de pesquisa pequeninha
que é de graduação... para isso elas estão lendo alguns textos então elas
estão olhando os dados que elas vão trazer exemplos também de... dados
onde elas estão comentando como que essa interlocução está acontecendo
né? de diferentes gêneros na narrativa na carta...
Identificamos, também, um segmento em que se atribui capacidade ao aluno de
dominar programas de informática, por exemplo, em 91C “Eles sabem fazer PowerPoint”, o
que lhe dá o estatuto de ator. Ainda em relação ao actante aluno, sobre a temática “preparação
de encontro com alunos de Investigação Científica”, da graduação, observamos
137
representações construídas sobre a relação leitura e análise dos dados, ficando implícita uma
preocupação da professora de sempre escolher textos adequados para melhorar a análise dos
dados dos alunos, como podemos observar abaixo:
459P.: certo e eu vou saber... como que eu sei qual tarefa [para casa] é
melhor? mais adequada?
460C.: é eu já penso antes nisso de ir para o encontro né? eu já penso:
“bom elas já leram isso para essa reunião agora eles podem ler tal coisa” às vezes eu já levo o que elas vão ler...
Outra representação identificada no texto é que o aluno genérico (geral) nem sempre
faz toda tarefa prescrita pelo professor, sendo, por isso, importante que o professor solicite
tarefas a mais a ele, para que ele possa fazer o mínimo necessário. Por exemplo, pedir para o
aluno ler dois textos para que ele leia pelo menos um.
Observamos também representações sobre modos variados de agir do professor com
alunos diferentes, visando evitar possíveis problemas ou dificuldades no seu trabalho. Um
desses problemas é o aluno dizer que não encontrou determinado livro na biblioteca indicado
pela orientadora, geralmente, como forma de dar uma desculpa para o fato de não ter lido o
livro/artigo. Para evitar esse tipo de problema, a professora menciona que às vezes verifica se
há os livros nas bibliotecas da instituição e já avisa o aluno que tem o livro na biblioteca de
determinado instituto, por exemplo, do IEL.
255C.: então eu já olho na biblioteca e falo: “vai lá e pega que está lá”...
se ele falar que ele não leu... mas com pós eu não faço isso com pós eu deixo
o aluno se virar mais porque é diferente né?
Esse modo de agir é representado como realizado apenas com alunos de graduação,
orientandos de iniciação científica. Isso evidencia o estilo individual da professora, que coloca
em cena o elemento experiência como necessário para perceber a importância de agir de
modo diferente com alunos de níveis diferentes.
Observamos que os segmentos textuais predominantes em que o actante aluno aparece
constroem uma figura de ação desenvolvida na contemporaneidade da situação da instrução
ao sósia. O agir é contextualizado na proximidade espaço-tempo da situação de produção de
texto, apresentado em segmentos de discurso interativo, em que aparecem dêiticos pessoais,
espaciais e temporais. Isso ocorre porque nesses segmentos a professora realmente dá
instruções para a realização de atividades, tendo como destinatária a pesquisadora.
138
Em síntese, notamos que o aluno é colocado implicitamente como destinatário das
seguintes atividades do professor: leitura dos textos acadêmicos dos/para alunos; encontro
com alunos visando ao desenvolvimento de suas capacidades; leitura de tese e preparação de
arguição para aluno de banca de defesa; elaboração de programas de disciplinas para alunos;
elaboração de tarefas semanais para o aluno desenvolver em casa; reenvio de e-mail para os
alunos; resposta aos e-mails dos/para os alunos.
Finalizada a discussão sobre o actante aluno, passemos para a discussão sobre o
professor de pós-graduação que teve um número alto de ocorrências, revelando que no texto
são construídas representações sobre o coletivo de trabalho e não somente sobre a professora
participante de pesquisa.
Em relação ao professor de pós-graduação stricto sensu, inferimos que suas
ocorrências referem-se a um professor genérico, que pode ser de sua universidade e,
principalmente, de seu instituto, como em “14C: [...] a gente fazia o relatório de atividade na
Unicamp para ser avaliado internamente”, ou da comunidade acadêmica em geral “196C:
como a gente tem várias atividades na vida da gente [...]”. Em uma quantidade bem menor (4
ocorrências) observamos um professor restrito, mais próximo da própria professora “214C.:
tá? tem gente que reclama mais aqui [do seu instituto] dos alunos”.
Esses professores são colocados em cena em diferentes segmentos temáticos. Em uma
quantidade maior de ocorrências (32), eles aparecem no segmento temático que denominamos
“atividades/prescrição dos órgãos de fomento”. Nesse segmento, que faz parte da entrevista
aberta, o modo de dizer o agir é construído com a figura canônica, que constitui um modelo
de regras, prescrições, construídas por alguém externo ao actante. A organização interna dessa
figura em nossos dados se dá a partir de segmentos de discurso interativo, já que os dados
provêm de uma situação contextualizada, mas em que se percebem prescrições oriundas do
mundo das regras sociais. Por esse motivo, o uso de modalizações deônticas é bastante
acentuado (ter + de), assim como da expressão a gente e do pronome você genérico,
referindo-se às obrigações do professor de pós-graduação genérico, como observamos a
seguir.
584C.: pois é agora mas não... a gente tem que... a gente tem que sentar lá
e fazer o currículo resumido para cada coisa diferente dos seus alunos por
exemplo você tem um aluno que pede bolsa para a Fapesp você tem que
fazer um currículo em função da Fapesp você para aquilo que você está
fazendo né? você está lendo você está estudando você tem que parar
porque o aluno... precisa então você fica um dia naquilo ali... atualiza o
currículo Lattes... se o aluno vai pedir...tem Pibic você tem que fazer outro
139
processo... então é muita coisa controlada mesmo viu... então é um controle
muito maior com data com prazo com dia com não sei o que por isso que eu
sofro... é o controle maior sobre a vida da gente... como você falou “muita
prescrição” né e a gente tem que obedecer essas prescrições [...]
O professor de pós-graduação stricto sensu genérico é, assim, colocado como um
agente que tem de parar atividades que está fazendo para realizar as prescrições institucionais
burocráticos, como elaborar diferentes currículos e relatórios de prestação de contas, como
vimos no exemplo 548C. Em relação aos currículos, os dados revelam três tipos de currículos
que o professor de pós-graduação das universidades teria de fazer.
1. currículo Lattes;
2. súmula curricular, se fizer algum pedido de auxílio para a Fapesp;
3. currículo resumido, se fizer algum pedido para a universidade.
O segmento anterior mostra a opinião da professora em relação a ter de
fazer/apresentar três tipos de currículos diferentes para as instituições no turno 576C em “não
podia ser tudo currículo Lattes não é?”, o que mostra um descontentamento em relação a esse
fato.
As normas e prescrições são construídas como oriundas de diferentes instâncias:
universidade, agências de fomento (Capes, CNPq, Fapesp) e organizadores de congressos. Em
relação a esta última instância, observamos representações de descontentamento em relação
ao fato de que para cada congresso há uma norma diferente, por exemplo, em relação à
produção e envio de resumo para participação no congresso. Tudo isso aponta para certa
desorganização geral, que traz impedimento para o trabalho desejado pelo professor.
O controle maior das atividades, mencionado pela professora, que requer “obediência”
às exigências institucionais, com prazos estipulados, é representado como o motivo de
sofrimento da professora, o que percebemos no trecho do segmento 548C anterior: “então é
um controle muito maior com data com prazo com dia com não sei o que por isso que eu
sofro... é o controle maior sobre a vida da gente...”.
A partir dos marcadores de pessoa (a gente, você genérico), evidenciamos o coletivo
de trabalho, a quem é atribuída a responsabilidade do agir laborioso, com o qual a professora
se identifica, e para quem são prescritas diversas tarefas pelas agências de fomento e
universidade, como podemos observar a seguir.
140
558C.: os colegas da gente... assim como eu avalio os meus colegas eles me
avaliam o tempo inteiro né... o tempo inteiro você avalia você é avaliado...
559P.: e como você sabe assim que eles estão te avaliando?
560C.: quando eu faço relatório eu estou sendo avaliada quando eu peço
algum... porque eu também peço coisa para o CNPq para Fapesp a gente não
vive sem isso hoje em dia...
Esse tipo de avaliação a que a professora se refere é representado como fazendo parte
do métier do professor de pós-graduação, em que o professor tanto avalia o colega quanto é
avaliado, o que significa que o seu agir incide sobre o do colega, e vice-versa, sendo ambos
afetados. Notamos que há um controle das instâncias institucionais e entre os próprios colegas
de trabalho.
O professor de pós-graduação stricto sensu genérico também é bastante mencionado
no segmento temático “atividades agradáveis e desagradáveis”, em que o modo de dizer o agir
é construído com a figura de ação experiência, em que se observa menção à experiência
vivida pelo professor. Essa figura apresenta-se em discurso interativo com implicação do
enunciador e do coenunciador, já que o texto analisado provém de uma situação em que os
parâmetros espaço-temporais são contextualizados. Trata-se de um agir cristalizado, em que o
eixo temporal é remetido a um agir genérico, havendo também marcas de modalizadores que
remetem às prescrições que o professor tem de seguir, configurando em uma fusão de figura
de ação canônica, como podemos observar a seguir.
548C.: [...] então essa parte eu gosto bastante a pesquisa ler em função da
pesquisa ler autores novos que eu ainda não li só que essas outras coisas que
eu te falei que às vezes... eu acho que aumentou muito essa quantidade...
parecer que você tem que dar é... ler trabalho de aluno muito você lê
várias vezes de seus alunos de outros alunos também relatórios que você
tem que fazer prestação de contas... então tem... e-mail demais isso acaba
tirando muito a atenção da gente para aquilo que eu gostaria de fazer mais né
O professor genérico de pós-graduação também é representado no segmento temático
“arguição em banca de defesa”, que pode ser observado a partir da expressão “a gente” e do
pronome “você genérico”, como notamos no exemplo a seguir.
528C.: tá então eu acho melhor a gente escrever porque depois na hora a
gente não fica lá perdida os outros também falam então você fica prestando
atenção nos outros e às vezes você perde o foco do que você queria dizer
No segmento sobre essa temática são colocados em cena os problemas que podem
ocorrer numa situação de banca de defesa, que é um arguidor ter um ponto de vista
completamente oposto em relação aos demais arguidores, o que caracterizaria as defesas
141
como situações conflituosas. Outra situação representada é em relação ao aluno, que pode não
gostar da arguição do professor, causando também uma situação conflituosa. A solução
encontrada para essas situações é preparar-se bem para a arguição, a fim de que não haja
nervosismo. Consideramos que uma adequada preparação do professor, obviamente, colabora
para a sua segurança na arguição, o que contribui com uma situação de tranquilidade para o
participante da banca, mesmo que haja situações conflituosas.
O professor genérico também se destaca no segmento “envio e recebimento de e-
mail”, planificado em discurso interativo. Esse segmento é construído com a figura de ação
ocorrência, implicando elementos do contexto de produção; a figura de ação experiência em
que a professora faz menção a um professor genérico, baseando-se em sua experiência e na de
outros colegas; e a figura de ação evento passado, em que o agir é utilizado para ilustrar,
contar e descrever alguma atividade realizada pela professora-enunciadora, planificado em
discurso relato interativo encaixado.
14C.: ainda... então eu estou aproveitando [ocorrência] para poder fazer
umas viagens curtas assim de vez em quando... vou fazer uma viagem que
não é profissional mas o que a gente percebe hoje é que... a gente não
consegue escapar onde a gente está do e-mail [experiência] pelo menos
do e-mail a gente a gente não tem mais limite né ou tal dia vou ler e-mail tal
dia não vou porque nem todo mundo pensa assim então os alunos eles
mandam e-mail a universidade manda e-mail... [...] teve um ano que eu
comecei a contar de mania minha quantos e-mails eu respondia por dia
quanto tempo eu gastava respondendo e-mail [evento passado].
Em síntese, as várias menções ao professor de pós-graduação stricto sensu genérico no
segmento sobre recebimento e envio de e-mail indica que esse trabalho não é desenvolvido
apenas pela professora-enunciadora, mas por todo o coletivo de trabalho.
Ainda em relação ao tópico “atividades agradáveis e atividades desagradáveis”, as
agências de fomento e a universidade também são bastante mencionadas como as instâncias
que prescrevem o agir do professor genérico (547C a 586C), envolvendo um agir prescritivo,
construído em uma figura de ação canônica, planificado em discurso interativo.
No segmento a seguir, a repetição do modalizador tem + de revela o agir prescritivo
das atividades oriundas dos órgãos de fomento.
584C.: pois é agora mas não... a gente tem que...a gente tem que sentar lá e
fazer o currículo resumido para cada coisa diferente dos seus alunos por
exemplo você tem um aluno que pede bolsa para a Fapesp você tem que
fazer um currículo em função da Fapesp você pára aquilo que você está
fazendo né? você está lendo você está estudando você tem que parar
142
porque o aluno... precisa então você fica um dia naquilo ali... atualiza o
currículo Lattes... se o aluno vai pedir... tem Pibic59
você tem que fazer
outro processo...
Podemos observar, nesse segmento, que há atividades contrariadas, o que revela a
dificuldade de gerenciar todas elas, ao ser afirmado “tem que parar” ou “você para aquilo que
está fazendo”. Essas expressões revelam o caráter interrupto de várias atividades em virtude
de o professor receber tarefas das instituições superiores a qualquer dia e hora, com prazo de
entrega definido pelas agências, tendo de parar o que está fazendo para dar prioridade ao que
as agências pedem, a fim de cumprir o prazo estabelecido por elas.
Por sua vez, o actante pesquisador que envia projetos para as agências de pesquisa foi
bastante mencionado no tópico “elaboração de parecer”. A menção a esse actante se deve ao
fato de que a atividade instruída nesse segmento – elaborar parecer – tem como actante
principal o próprio pesquisador que envia o projeto para ser avaliado, sendo que são as suas
ações que são avaliadas (onde trabalha, o que publicou, o que está pedindo...). Consideramos
que tantas menções ao pesquisador se devem à complexidade da própria atividade instruída.
Nesse segmento, o modo de dizer o agir é construído em ação ocorrência, o que era o
esperado, pois implica elementos do contexto, já que a professora dá as instruções de como
proceder para elaborar os pareceres, como no exemplo a seguir.
323C.: você vai ter que ler bem esse projeto da pessoa você vai ter que
olhar bem o currículo dessa pessoa [pesquisador] para ver
Nesse segmento sobre a atividade de elaboração de parecer, o agir do professor é
representado como conflituoso, pois ele pode ter conflitos para decidir se o projeto do
pesquisador deve ou não ser aprovado no caso de projetos razoáveis, com coisas boas e ruins,
o que pode gerar dúvidas. Essa situação de conflito não é representada como conflituosa
quando os projetos são bons, muito bons ou ruins ou muito ruins. Outro problema colocado é
em relação à quantidade de projetos enviados para serem avaliados numa mesma época. O
CNPq é representado como a instância que “manda três, quatro” projetos para uma mesma
data. Nesse caso, acreditamos que seja mais complicado gerenciar o tempo para conseguir
desenvolver todas as atividades prescritas.
Observamos, também, que, ao professor genérico, atribui-se um agir mental/cognitivo,
linguageiro – interacional, voltado para a avaliação de textos acadêmicos de colegas. No texto
59
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica do CNPq.
143
analisado, essa avaliação incide em trabalhos mandados para congressos ou projetos de
pesquisas que são enviados para as agências de fomento que, por sua vez, os enviam para os
professores de pós-graduação para serem avaliados.
556C.: [...] e a cobrança que é muita hoje também você é muito avaliado o
tempo inteiro... isso é um lado chato eu acho...
557P.: quem assim que avalia?
558C.: os colegas da gente... assim como eu avalio os meus colegas eles me
avaliam o tempo inteiro né... o tempo inteiro você avalia você é avaliado...
Finalmente, para a universidade em que a professora trabalha, é necessário preencher
currículo, ao fazer relatório de prestação de contas a esta instituição ou ao fazer algum pedido
a ela, sendo representada também com um agir prescritivo em relação ao professor.
Em síntese, identificamos no texto vários actantes envolvidos – alunos, professor
genérico, agências de fomento, pesquisador, universidade – e que o modo de dizer o agir é
construído em figura de ação ocorrência, ação experiência, ação evento passado e ação
canônica, sendo essa última mais recorrente no segmento de entrevista aberta. A
predominância é de figura de ação ocorrência, mas havendo presença de segmentos
encaixados construídos em figura de ação experiência e, em alguns momentos, em figura de
ação canônica e figura de ação evento passado.
A figura de ação ocorrência justifica-se pelo fato de que a instrução ao sósia e o
pequeno segmento de entrevista aberta se desenvolvem na contemporaneidade da ação de
linguagem, sendo planificado globalmente em discurso interativo, com marcas pessoais,
temporais e espaciais. Porém, encaixado ao segmento global, identificamos, principalmente, a
figura de ação experiência em que a professora faz referências a seu agir habitual ou a de seu
coletivo de trabalho para instruir a pesquisadora na realização das suas atividades de trabalho.
Já a figura de ação evento passado é colocada em cena quando a professora conta uma história
vivida que tem a função de explicitar o agir sobre o qual a professora dá instruções à
pesquisadora. Por sua vez, a figura de ação canônica justifica-se nos segmentos em que se
abordam as prescrições do professor.
O modo de dizer o agir construído na instrução ao sósia revela a possibilidade de a
enunciadora vivenciar uma experiência vivida a partir de outra experiência vivida, que é a
situação da instrução ao sósia. Nessa situação, a professora-enunciadora se torna observadora
de sua própria atividade, o que pode contribuir para o seu desenvolvimento (CLOT, 2001).
144
Finalizada a discussão sobre os actantes identificados no texto, passamos à discussão
sobre as funções atribuídas ao professor de pós-graduação.
6.4. As funções atribuídas ao professor de pós-graduação
Elencamos na Tabela 6.7 as funções atribuídas ao professor de pós-graduação, de
acordo com cada tipo de atividade exposto no capítulo de metodologia.
TABELA 6.7 – Tipos de atividades e as funções atribuídas ao professor de pós-graduação
Atividades Funções atribuídas
Ensino 1. Professor de graduação
2. Professor de pós-graduação
Subfunções
1. Avaliador, leitor/ouvinte crítico
2. Selecionador de textos
3. Planejador de disciplinas
4. Prescritor da ação do aluno
5. Estudioso, leitor, pesquisador
Projetos 3. Pesquisador
Subfunções
1. Divulgador da própria pesquisa
2. Estudioso, leitor
Orientação 1. Orientador de iniciação científica
2. Orientador de mestrado e doutorado
Subfunções
1. Avaliador/leitor crítico
2. Prescritor da ação do orientando
3. Corretor de texto
4. “Preenchedor” de formulário
Bancas 1. Membro de banca de qualificação e defesa
Subfunções
1.Leitor e ouvinte crítico
2. Escritor da argumentação/arguição
3. Avaliador e expositor
Eventos 1. Produtor de artigos/resumos científicos
2. Participante de congresso
3. Organizador de congresso
4. Expositor
Técnica 1. Parecerista
Subfunções
1. Leitor
2. Avaliador de projeto e de currículos
3. “Preenchedor” de formulários diversos
Conselhos,
comissões e
assessorias
1. Membro de colegiado
2. Participante de reunião
Fonte: elaborada pela autora.
145
Percebemos na Tabela 6.7 a pluralidade de funções atribuídas ao professor,
tematizadas no texto analisado, o que confirma a necessidade de saber gerenciar o tempo para
realizá-las. A atividade de ser usuário de computador perpassa todas elas.
Diante de tantas funções, faz parte do métier do professor a mobilidade, a circulação,
pois ele se desloca para dar aula, para ir a congressos em seu país e fora dele, para ir a
reuniões na universidade etc., realizando, ainda, diversas atividades em sua casa. Da mesma
forma, não há uma jornada de trabalho fixa e formal, pois vimos representações de que a
professora trabalha durante o dia, à noite e até quando está viajando a lazer.
Desse modo, o trabalho do docente é constituído de certa autonomia em relação ao
planejamento e ao controle de algumas de suas atividades, pois é ele quem gerencia os dias e
horários para realizar muitas delas, por exemplo, preparar aulas, responder e-mails. Porém,
essa é apenas uma aparente autonomia, pois para algumas atividades há prazos a cumprir,
como a elaboração de parecer para as agências de fomento; para outras há dia e horário
marcado, como aulas, reuniões e congressos. Avançando na discussão, mesmo para as
atividades em que não há prazos prescritos para cumprir, essa aparente autonomia gera
expectativa ao professor, pois os dados analisados revelam, por exemplo, que é preciso ver os
e-mails até em viagens pessoais, pois, de acordo com os dados, “nem todos que enviam e-mail
gostam de esperar para ter respostas”. Essa expectativa pode causar ansiedade, associada a um
estado emocional negativo.
Evidenciamos, em seções anteriores, o desejo da professora de se dedicar mais às
atividades avaliadas como prazerosas. Esse desejo está relacionado a atividades contrariadas e
reprimidas, já que não há tempo para desenvolvê-las em virtude das outras atividades
desagradáveis. Trata-se de uma amputação do poder de agir, que pode ser considerada um
desenvolvimento impedido (CLOT, 2006). Para Dejours (2009), a satisfação está relacionada
ao sentido, à significação do trabalho, aos desejos, às motivações. Quando acontece o inverso,
ou seja, quando o trabalhador precisa executar tarefas que não têm sentido para ele, não
estando ligadas aos seus desejos e motivações, haverá insatisfação, que leva ao sofrimento
psíquico, pois o trabalhador está reprimindo os seus desejos, sendo impedido de realizar as
atividades agradáveis, que lhe dão prazer.
Percebemos, ainda, que as atividades administrativas, para as quais se gasta muito
tempo em sua realização, não são reconhecidas como fazendo parte do trabalho do professor.
O que é reconhecido oficialmente são as atividades que constam dos currículos, dos
146
formulários, dos relatórios, e que são avaliadas pela Capes e não o trabalho de fazê-los. Perde-
se tempo com o preenchimento desses instrumentos de controle e de outras atividades
administrativas, tendo o professor de deixar de lado atividades que poderiam ser
reconhecidas, como atividades ligadas à pesquisa. Segundo Dejours (2009), o reconhecimento
desempenha um papel fundamental na possibilidade de transformar sofrimento em prazer nas
situações de trabalho, contribuindo para a construção da identidade.
Consideramos que o sofrimento identificado no texto analisado não está relacionado
apenas ao fato de o professor ser bastante controlado pela Capes, mas ao fato de ter de
consumir tempo com atividades que não estão ligadas com os seus interesses, objetivos,
motivações, mas a finalidades e motivações postas por determinações externas, com pouca
possibilidade de nelas interferir.
Confirmamos também a ideia de que há dois sistemas de funcionamento que o
professor precisa regular (ALVAREZ, 2000) para que possa realizar as atividades, de acordo
com os interesses dessas instâncias, e não com seu próprio:
a. da universidade, com toda a sua estrutura hierárquica e administrativa;
b. das agências de fomento.
Cada uma dessas instâncias tem a sua própria forma de funcionamento, suas normas,
regras, valores, objetivos, sendo que o professor precisa conhecer as estruturas de
funcionamento de cada uma delas, acompanhando suas regras, prescrições, suas mudanças, a
fim de atingir seus objetivos (ALVAREZ, 2000). O que o professor faz para conhecer as
diferentes estruturas institucionais? Observamos que é o aprendizado profissional, ou seja, a
experiência que torna isso possível, sendo uma questão de sobrevivência nesse métier.
Observamos que, assim como há uma multiplicidade de atividades que o professor tem de
desenvolver, há também uma multiplicidade de elementos que o professor precisa regular.
Pensando nos três elementos do trabalho do professor representados por Machado (2008),
temos um determinado sujeito que age sobre o meio, em interação com diferentes “outros”,
utilizando artefatos materiais ou simbólicos construídos sócio-historicamente, dos quais é
necessário se apropriar e transformá-los em instrumentos para o seu agir e sendo por eles
transformados, visando a um determinado objetivo, como ilustra a Figura 6.2.
147
1. Professor
2. Pesquisador
3. Orientador
4. Membro de banca
5. Produtor de artigos
6. Participante de congresso
7. Parecerista
8. Membro de colegiado
FIGURA 6.2. As múltiplas funções atribuídas ao professor de pós-graduação.
Fonte: elaborado pela autora, com base em Machado (2010).
A Figura 6.2 representa as múltiplas funções desempenhadas pelo professor de pós-
graduação, sempre mediado por artefatos materiais ou simbólicos, em interação com
diferentes outros, visando a um determinado objetivo específico. Isso mostra que para cada
função desempenhada, os elementos do trabalho são diferentes, o que indica que o professor
terá de regular diferentes objetos, em interação com diferentes outros, apropriando-se de
diferentes artefatos e transformando-os em instrumentos, o que evidencia a complexidade do
trabalho do professor, como ilustra a Figura 6.3. em relação à atividade de orientação.
1 Outro
1 Objeto
2 Objeto
2 Outro
3 Objeto
3 Outro 4 Objeto
4 Outro
5 Objeto 5 Outro
6 Objeto
6 Outro
7 Objeto
7 Outro
8 Objeto
8 Outro
148
Contexto sócio-histórico particular
Sistema Educacional
Sistema de Ensino
Professor
Objeto Outrem
FIGURA 6.3. Elementos constituintes da atividade de orientação.
Fonte: adaptada de Machado (2010).
Para cada função desempenhada, o contexto sócio-histórico também tem as suas
peculiaridades. Por exemplo, em relação à atividade de elaboração de parecer, Muniz-Oliveira
(2010), em um artigo oriundo dos estudos iniciais desta tese, considera o contexto sócio-
histórico o século XXI, tendo como instituição científico-tecnológica o CNPq, que envia os
projetos aos professores para avaliação, e como comunidade científica, pesquisadores da área
de estudos da linguagem.
Instrumento
Alunos, colegas de
trabalho, autores,
os outros
interiorizados
Construir meios para o
desenvolvimento de novos
conhecimentos, novas
pesquisas dos orientandos
Materiais ou
simbólicos
(programas de
computador,
teorias, textos dos
alunos)
Artefatos
149
Entretanto, o trabalho do professor é ainda mais complexo do que imaginamos, pois
para cada função a ser desempenhada há várias tarefas profissionais envolvidas. Por exemplo,
em relação à função de professor temos as seguintes tarefas envolvidas:
a. elaborar programa de disciplina;
b. elaborar planejamento de aula;
c. preparar cada aula, tendo em vista a aula anterior e a posterior, o que pode
significar escolher texto para discussão, reler texto, planejar atividades
para a aula e tarefas para os alunos fazerem em casa;
d. avaliar textos de alunos, apontando os problemas;
e. atribuir nota final ao aluno etc.
Diante disso, podemos compreender o quão complexo é, para o professor de pós-
graduação, ter de mobilizar o seu ser integral para desempenhar todas as funções elencadas,
em que estão envolvidas diferentes tarefas, tendo de conviver com os mais diferentes artefatos
que precisam ser apropriados. Por exemplo, em relação aos gêneros textuais que precisam ser
apropriados, identificamos no texto analisado parecer, projeto de pesquisa, artigo científico,
currículo, tese de doutorado, dissertação de mestrado, relatório, formulário, programa de
curso. Estes são colocados como gêneros que fazem parte da profissão do docente de pós-
graduação, tendo este, portanto, de dominá-los.
Em vista dos resultados das análises, consideramos necessário repensar as formas de
organização da profissão do docente de pós-graduação, pois detectamos dificuldades do
professor para realizar todas as atividades a ele atribuídas. Como poderíamos repensar essas
dificuldades e o que fazer para solucioná-las? A seguir, nas considerações finais, faremos uma
reflexão sobre os nossos resultados, a fim de discutir essa problemática.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] então é muita coisa controlada mesmo viu...
então é um controle muito maior com data com
prazo com dia com não sei o que por isso que eu
sofro...
(Instrução ao sósia, Unicamp, 29/10/2008)
Nesta última parte apresentaremos algumas reflexões sobre os resultados das análises
da instrução ao sósia e do segmento de entrevista e as contribuições teórico-metodológicas em
que nos apoiamos e aquelas que a pesquisa pode trazer para os pesquisadores que adotam as
mesmas vertentes teóricas ou semelhantes.
Relembrando, aliamos os pressupostos do interacionismo sociodiscursivo (ISD) com
os da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade, como já vem fazendo as pesquisas
dos integrantes do grupo Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações,
vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Alter/CNPq)
(ABREU-TARDELLI, 2004, 2006; LOUSADA, 2004, 2006; MAZZILLO, 2006; CORREIA,
2007; BUENO, 2007; BARRICELLI, 2007, BUZZO, 2008, TOGNATO, 2009; entre outras).
Como essas pesquisas têm mostrado, a aliança entre esses pressupostos teóricos tem trazido
contribuições para o quadro teórico do ISD a partir das análises de textos sobre o trabalho
educacional, ampliando suas categorias de análise, contribuindo para a identificação da
morfogênese do agir em textos. Da mesma forma, contribui com as pesquisas da Ergonomia
da Atividade e da Clínica da Atividade no que se refere à identificação das representações
sobre o trabalho realizado e o real da atividade do professor, a partir de análises linguístico-
discursivas detectadas nas análises da instrução ao sósia e da entrevista.
Nas próximas seções, em primeiro lugar, abordaremos a multiplicidade de atividades e
os elementos do trabalho do professor de pós-graduação identificados no texto analisado. Em
segundo lugar, trataremos das avaliações e das dificuldades representadas, sendo enfocada a
importância do papel do coletivo de trabalho. Em terceiro lugar, trataremos da relação entre o
trabalho do professor e o papel das agências de fomento. Finalmente, abordaremos as
contribuições teórico-metodológicas que este trabalho pode trazer para outros pesquisadores,
com algumas sugestões para pesquisas futuras.
152
A multiplicidade de atividades e os elementos do trabalho do professor de pós-
graduação
Como pudemos observar em nossas análises, o professor de pós-graduação
desempenha múltiplas funções referentes a diferentes tipos de atividade: ensino; projetos de
pesquisa; orientação de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado; bancas de
qualificação e defesa; eventos (p. ex., congressos); técnica (parecerista); conselhos, comissões
e assessorias. Para cada atividade, há diferentes elementos envolvidos no trabalho do
professor (objetos, os outros, artefatos), o que significa uma multiplicidade de elementos que
precisam ser gerenciados. Assim, o professor precisa saber gerenciar o seu tempo para
desenvolver todas essas atividades a ele prescritas.
Um dos actantes mais tematizados no texto analisado foram os alunos, identificados
nos segmentos referentes à atividade de ensino, orientação e participação em bancas de
defesa, sendo o outro com quem o professor mantém uma interação mais frequente. Os alunos
são de graduação, de iniciação científica, de pós-graduação – mestrado e doutorado.
Observamos, ainda, que há representações de diferentes estilos para lidar com cada tipo de
aluno, por exemplo, em relação aos alunos de pós-graduação, é necessário um tipo de relação
em que o aluno seja mais autônomo. Como vimos, é bastante recorrente, também, a
professora recriar uma situação de sala de aula em que é trazida não somente a voz da
professora em interação com os alunos, mas, também, a voz destes em interação com a
professora. A maior ocorrência do actante aluno no texto evidencia que o aluno é o principal
outro com quem o professor se relaciona. Porém, o que não esperávamos foi a menção a
diferentes tipos de alunos com os quais o professor de pós-graduação tem de lidar, já que se é
docente de pós-graduação esperávamos que ele seria professor apenas desse nível de ensino.
Mas, como consta nos documentos oficiais e, consequentemente, na avaliação da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), espera-se que o
professor de pós-graduação também lecione na graduação, mantendo vínculos com esse nível
de ensino, com orientandos de iniciação científica. A nosso ver, trabalhar com diferentes tipos
de alunos, de variados níveis de conhecimento e capacidades, com objetivos diferenciados,
deve ser algo mais trabalhoso, sujeito a maiores conflitos e dificuldades.
Outro actante bastante tematizado no texto analisado são os professores de pós-
graduação stricto sensu genéricos, que também são outros com quem a professora estabelece
contato, sendo abordados em diferentes segmentos temáticos. Com maior frequência,
observamos que esse tipo de professor é colocado em cena, sobretudo, no segmento temático
153
“atividades/prescrição dos órgãos de fomento”. A nosso ver, isso se relaciona ao fato de que
as atividades e as dificuldades trazidas à cena, que retomaremos a seguir, não são apenas
vistas como sendo da professora participante de pesquisa, mas sim do coletivo de trabalho em
geral, principalmente, a nosso ver, de seu programa de pós-graduação.
Como vimos, em relação aos objetos da atividade do professor de pós-graduação, eles
também são múltiplos, de acordo com cada atividade desenvolvida, tendo o docente de saber
chegar a diferentes objetos, como, por exemplo, construir meios para o desenvolvimento de
conhecimentos de novos pesquisadores, no caso da orientação de alunos. Além disso, para
cada objeto, há diferentes tarefas a serem desenvolvidas. Por exemplo, para a elaboração de
parecer para os órgãos de fomento é necessário analisar o projeto, verificando se as suas
partes estão coerentes; analisar o currículo do autor do projeto; comparar o currículo com o
projeto de pesquisa, analisando se o projeto e o currículo estão coerentes; verificar se o
auxílio financeiro solicitado pelo autor (pesquisador) está coerente com o projeto; responder
as pesquisas do formulário do site da agência de fomento; emitir o parecer, aconselhando ou
não o projeto (MUNIZ-OLIVEIRA, 2010). Assim, vemos que o trabalho do professor de pós-
graduação é muito complexo, já que ele tem de saber lidar com uma multiplicidade de
atividades e de diferentes objetos, diferentes outros, diferentes instrumentos, tendo variadas
capacidades.
Os dados revelam, ainda, os diferentes espaços que fazem parte do trabalho do
professor, como a universidade, a casa do professor, outras cidades e até outros países,
quando o professor se desloca para participar de congressos ou de outros eventos. Assim, a
vida profissional está imbricada na vida pessoal, pois, em casa, o professor realiza várias
atividades, como preparação de aulas e elaboração de pareceres, lembrando, ainda, de um
trecho do texto analisado em que há representações de que a professora responde e-mails até
em viagens pessoais.
A seguir, abordaremos as avaliações e as dificuldades representadas no texto,
considerando essa complexidade do trabalho docente.
As avaliações e as dificuldades representadas: o papel do coletivo de trabalho
Os resultados das análises evidenciam, ainda, que, além das atividades previamente
enumeradas no e-mail enviado pela professora (vide procedimentos metodológicos) há muitas
outras que foram colocadas em cena no momento da conversação. A partir das instruções para
154
a realização das atividades docentes, foi possível detectar as ações que são realizadas para
cada atividade instruída, as dificuldades para a realização delas, alguns conflitos vividos pelo
professor e as formas encontradas para solucioná-los, o que faz com o que o professor busque
alternativas para resolver esses conflitos, readaptando as prescrições ou autoprescrições à
nova situação vivenciada.
Em vista da multiplicidade de atividades prescritas ao professor, evidenciam-se, nos
dados, representações de conflitos que não são resolvidos, pois há uma sobrecarga de
trabalho, não havendo tempo suficiente para dedicação às atividades consideradas
fundamentais, como o estudo, a pesquisa, a leitura de novos autores em vista dos textos das
pesquisas dos alunos ou do próprio professor. Os dados revelam que esses conflitos não
resolvidos levam a professora a desejar se aposentar por ser impedida de se dedicar às
atividades que lhe trazem prazer, e que são por ela consideradas essenciais. Entretanto, a
professora parece estar superando esses conflitos, já que, mesmo podendo se aposentar, opta
por continuar trabalhando.
Os dados também evidenciam conflitos da professora ao ter de realizar atividades que
exigem muito conhecimento de informática, considerando que a professora tem mais de trinta
anos de experiência, tendo iniciado seu trabalho em uma época em que o computador, e ainda
menos a internet, não eram disseminados, já que a expansão do computador e da internet na
educação se deu na década de 1990. Isso nos mostra as dificuldades e os conflitos gerados
pela introdução de novos artefatos às situações de trabalho sem que seja dado suporte
eficiente ao trabalhador.
As dificuldades elencadas parecem-nos motivadas pelas transformações do mundo do
trabalho acadêmico e, dentre elas, a exigência de uma produtividade máxima vista como
negativa. Elas são apresentadas a seguir:
relatórios e formulários que devem ser preenchidos pelo professor como forma
de prestação de contas a Capes;
diferentes tipos de currículos que devem ser preenchidos/atualizados pelo
professor para cada uma das agências de fomento;
aumento do número de orientandos;
aumento do número de projetos enviados pelas agências de fomento aos
professores Bolsistas de Produtividade, visando à elaboração de pareceres;
155
leitura semestral de muitos relatórios de alunos de Iniciação Científica;
novas atividades que tomam muito tempo do professor, proporcionadas pela
era da informatização, como, por exemplo, responder e-mails (de alunos,
universidades etc.);
normas diferentes para a elaboração de resumos para os variados congressos,
com explicações duvidosas nos sites dos próprios eventos.
Considerando os elementos do trabalho do professor discutidos no Capítulo 1 (sujeito,
outro, objeto, artefatos e capacidades), observamos que a maioria das dificuldades
representadas refere-se a novos objetivos prescritos à realização das atividades que ele precisa
aprender a atingir. Além disso, o que também nos chamou a atenção são representações
construídas sobre o aumento da quantidade dos textos que devem servir de instrumentos para
o trabalho do professor (relatórios de alunos e projetos de pesquisas para elaboração de
parecer) e o aumento do número de orientandos.
Ainda em relação aos elementos de trabalho do professor, observamos dificuldades
oriundas das relações com os outros com os quais o docente interage. Por exemplo, no caso
das normas prescritas pelos organizadores de congressos, já que, em geral, cada congresso
estipula uma norma específica para a elaboração de resumos. Além disso, as explicações
sobre a inscrição para participação em eventos encontradas nos sites de alguns congressos são
representadas como duvidosas.
Assim, o conjunto de atividades avaliadas negativamente aparece como elemento
inibidor das atividades de ensino e pesquisa, avaliadas positivamente, como estabelece a
Resolução n. 5/83 (BRASIL, 1983), mencionada no Capítulo 2. Essa contradição também vai
de encontro ao artigo 43 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que estabelece algumas
finalidades para o ensino superior, sendo que uma delas é justamente a de incentivar o
trabalho de pesquisa e investigação científica. Ao contrário, os dados revelam que a forma
real de organização do trabalho do professor de pós-graduação não está contribuindo com o
desenvolvimento da pesquisa e da investigação científica, já que há pouco tempo para o
desenvolvimento dessas atividades.
Outra finalidade do ensino superior estabelecida pela LDB, como vimos, é “formar
diplomados nas diferentes áreas de conhecimentos, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira”. Entretanto, os
dados também revelam que falta tempo ao professor para se dedicar mais à atividade de
156
ensino, o que dificulta a leitura de novos autores em função das pesquisas desenvolvidas pelos
orientandos. Assim, evidentemente, a formação de mestres e doutores aptos para a inserção
nos setores profissionais também pode ser prejudicada se o orientador não tiver tempo
adequado para orientar os trabalhos de seus alunos. Considerando que muitos mestres e
doutores vão atuar no setor educacional, caso a sua formação tenha sido prejudicada, esse fato
pode trazer consequências graves para esse setor, o que já tem sido constatado nas avaliações
do ensino no Brasil.60
Em vista dos resultados desta pesquisa, defendemos que a multiplicidade de atividades
desenvolvidas pelo professor de pós-graduação da área da linguagem da universidade pública
estudada, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), prejudica o desenvolvimento das
atividades de ensino e pesquisa prescritas em documentos oficiais, como, por exemplo, na
Resolução n. 5/83, que, em seu artigo 8o, estabelece como norma “a dedicação à atividade de
pesquisa e ensino em condições de formar ambiente favorável à atividade criadora”, como
vimos no Capítulo 1, evidenciando uma contradição entre as prescrições oriundas desses
documentos oficiais e o real da atividade do professor.
De acordo com nossos pressupostos oriundos da Clínica da Atividade e da Ergonomia
da Atividade, as dificuldades do trabalho deveriam ter seu lugar e sua vez com discussões
feitas pelo próprio coletivo de trabalho, na busca de caminhos para sanar essas dificuldades e
renormalizar as prescrições, visando à diminuição de seu sofrimento no trabalho. É o próprio
coletivo de trabalho que pode buscar meios para a resolução de seus conflitos, para a
diminuição do seu sofrimento no trabalho e para evitar a amputação do seu poder de agir. É
papel do coletivo criar condições para superar os problemas de seu métier. Consideramos que
nossa pesquisa indica a necessidade da consolidação da formação de um coletivo de trabalho
fortalecido que possa se desenvolver no seu trabalho, a fim de evitar sofrimentos. Além disso,
consideramos importante um momento de discussão do coletivo sobre os vários estilos dos
professores para a realização de suas tarefas, dos diferentes modelos de agir, visando a
contribuir com o desenvolvimento de suas capacidades na sua profissão.
Na próxima seção trataremos da questão do trabalho do professor e o papel das
agências de fomento.
60
Consideramos que podemos generalizar os resultados desta tese para outras áreas, além da área da linguagem,
pois além das pesquisas citadas na introdução tivemos acesso a outras que discutem a problemática desta tese,
como a dissertação de mestrado de Welter (2007), que estuda a questão da avaliação Capes em um programa de
Educação, e a dissertação de Silva (2005), que estuda a precarização do trabalho docente de uma Universidade
Estadual do Ceará.
157
O trabalho do professor e o papel das agências de fomento
As agências de fomento acabam por ser verdadeiros prescritoras do agir do professor
ao avaliar o seu trabalho, tendo em vista não só a avaliação trienal dos programas de pós-
graduação realizada pela Capes, como foi abordado no Capítulo 2, mas, também, os pedidos
de auxílios financeiros que os professores fazem às agências de fomento – ao CNPq e à
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por exemplo. Em relação à
avaliação trienal, é necessária, sim, uma agência do governo para avaliar os programas de
mestrado e de doutorado, o que inclui o trabalho do professor, permitindo o credenciamento e
a renovação dele aos programas de pós-graduação. Caso contrário, a pós-graduação se
tornaria ainda mais um mercado de educação. Porém, a nosso ver, essa avaliação deve ser
realmente democrática, de modo que o sujeito avaliado tenha “„sempre‟ acesso aos processos
avaliativos, não como sofredor do processo, mas como sujeito participante de sua elaboração
e de seus resultados” (LIMA; COSTA, 2008, p.6). Nessa concepção de avaliação, esta não é
concebida como instrumento de controle do Estado avaliador, mas de mudança, em que os
sujeitos dialogam e participam, visando a aprimorar o processo educacional.
Em relação às agências de fomento, os resultados da pesquisa ainda revelam dois tipos
de agir dos professores da instituição pública: alguns que optam por não fazer pedidos de
auxílios financeiros – nem mesmo de bolsas para seus alunos – às agências, pelo fato de que
depois terão novas tarefas a cumprir, o que, intimamente, pode também lhes trazer conflitos,
pois poderão ser acusados de prejudicar seu coletivo, sua instituição, seus alunos; e outros que
fazem essas solicitações, passando a depender financeiramente dessas agências e assumindo
novas atribuições, como elaborar pareceres, ler relatórios de alunos bolsistas etc. Outro caso
em que não há saída é em relação a prescrições variadas vindas de diferentes instâncias. Por
exemplo, normas diferentes para a elaboração e envio de resumos para congressos, ou, ainda,
normas diferentes para a elaboração de currículo ao solicitar algo às agências de fomento.
Na organização atual de trabalho do professor de pós-graduação, se este não cumprir
as tarefas prescritas pela agência responsável pela avaliação trienal, a sua equipe também será
atingida ao ser avaliada, por exemplo, não podendo participar de determinados programas de
auxílio financeiro. Assim, o trabalho de um professor individual pode afetar o trabalho de seu
coletivo de trabalho e dos alunos da própria instituição, o que pode gerar ansiedade ao
professor, pois ele é posto como responsável pelo sucesso ou insucesso coletivo, sem que,
muitas vezes, sejam-lhe concedidas as condições necessárias pela instituição. Para Alvarez
(2000), com quem concordamos, a avaliação não deveria ter um caráter fiscalizador e
158
punitivo, ela deveria ser um processo que visasse à melhoria de condições de funcionamento
da instituição, devendo ser uma autoavaliação com a participação de todos os atores
envolvidos (professores, estudantes, funcionários etc.), constituindo-se como um instrumento
de implementação de mudanças.
Contribuições teórico-metodológicas
Em relação às contribuições teórico-metodológicas, é importante destacar o
procedimento de geração de dados utilizado. Decidimos utilizar a instrução ao sósia antes
mesmo do início do doutorado. Durante o primeiro ano do doutorado, passamos por um
processo de aprendizagem do método de coleta. Quando realizamos a instrução ao sósia com
a professora, ainda vivenciávamos esse processo, o que pode ter levado à condução da
instrução ao sósia, em alguns momentos, não da maneira como é, geralmente, utilizada por
pesquisadores da Clínica da Atividade do Conservatório Nacional de Artes e Ofícios (CNAM)
de Paris, por exemplo, quando partimos de nossas representações para fazer as questões.
Mesmo assim, os dados gerados foram muito ricos para responder as nossas questões de
pesquisa, trazendo representações sobre o real da atividade do trabalho docente (CLOT,
2006), como, por exemplo, quando a professora aborda o seu discurso interno referente a seu
planejamento de aulas e/ou orientação ou, ainda, por exemplo, quando a professora aborda a
importância de se ter um “plano b” quando vai lecionar. Esses dois exemplos revelam um
trabalho realizado que não é visível, sendo, portanto, o real da atividade.
Para a entrevista de instrução ao sósia, foi realizada uma preparação prévia, na qual
foi possível ter acesso à lista de atividades que foram instruídas e que, consequentemente,
possibilitou a elaboração de um roteiro com perguntas possíveis para orientação durante a
entrevista, já que sabíamos que o professor realizava inúmeras atividades de ensino e
pesquisa.
Além da instrução ao sósia, também utilizamos uma parte complementar de entrevista
aberta, que foi muito útil para ter acesso a representações construídas, sobretudo, sobre
avaliações a respeito das atividades desenvolvidas e de alguns conflitos vividos. Isso reforça a
importância de mais de um método para a melhor compreensão do trabalho do profissional,
como já é utilizado pela Clínica de Atividade e pela Ergonomia da Atividade, que utilizam
variados métodos em suas análises, como observação in loco, entrevistas, instrução ao sósia
etc.
159
Evidenciamos também a diferença entre o tipo de pergunta em entrevista aberta e a
instrução ao sósia, sendo as duas consideradas relevantes para a detecção das representações
construídas sobre o trabalho do professor. Porém, observamos que, a partir da instrução ao
sósia, além das dificuldades e conflitos para a realização da atividade, é possível ter acesso a
detalhes da atividade, incluindo as fases da tarefa prescrita. De acordo com os pressupostos
assumidos nesta tese no Capítulo 3, consideramos que a apropriação e interiorização das
estruturas discursivas da instrução ao sósia e da entrevista aberta contribuíram para o
desenvolvimento de capacidades linguageiras e psicológicas tanto do pesquisador quanto da
professora, a participante de pesquisa.
Esta pesquisa também traz contribuições para o quadro teórico do ISD, no que se
refere ao nível enunciativo do texto analisado, pelo fato de que analisamos outras marcas de
subjetividade, como os verbos e os advérbios, que demonstram a apreciação ou depreciação
sobre elementos do trabalho, ajudando a revelar conflitos, o que contribui com pesquisas que
estudam textos sobre o trabalho, como do ISD, da Ergonomia da Atividade e da Clínica da
Atividade. Além disso, sem dúvida, este estudo contribuiu com o desenvolvimento desta
pesquisadora, que teve acesso às várias atividades desenvolvidas pelo professor de pós-
graduação, assim como aos detalhes, às dificuldades, conflitos e formas de solucioná-los, o
que nos fez refletir sobre o real da atividade da profissão que pretendemos seguir no futuro.
Outra temática que pode ser estudada aqui no Brasil é em relação à pertinência da
instrução ao sósia em cursos de formação inicial ou contínua de professores, visando a
contribuir com o desenvolvimento profissional de professores tanto da educação básica como
do nível superior, incluindo programas de mestrado e de doutorado.
Além disso, este trabalho parece-nos abrir possibilidades para pensarmos em pesquisas
futuras, como, por exemplo, quais são as dificuldades e conflitos que mais aparecem
configurados em textos produzidos por professores de pós-graduação inexperientes da
universidade pública? E da universidade privada? Essas dificuldades e conflitos são referentes
a qual elemento do trabalho do professor? Aos instrumentos, aos outros envolvidos, aos
objetos?
Outras pesquisas também poderão ser desenvolvidas a fim de investigar como são
realizadas as atividades. Por exemplo, como se participa realmente de uma banca de defesa?
O que se deve fazer em uma arguição? Como se elabora, de fato, um parecer? Como aprender
a trabalhar com diferentes gêneros textuais? Pesquisas desse tipo contribuiriam para o
160
desenvolvimento profissional dos estudantes de pós-graduação, futuros professores-
pesquisadores de pós-graduação.
Outra questão que merece ser aprofundada é em relação à avaliação discente e à
importância dos alunos compreenderem o seu papel no processo avaliativo da Capes, assim
como indica a pesquisa de Welter (2007), que traz essa discussão. Além disso, a questão dos
indicadores utilizados na avaliação trienal, no nosso caso, na área de estudos da linguagem,
poderia ser repensada, voltada sempre com um enfoque qualitativo, em que o coletivo de
trabalho tenha papel mais ativo nesse processo.
Para finalizar esta tese, salientamos que é nosso papel, como professores e
pesquisadores, desenvolver pesquisas que colaborem com os rumos da educação no nosso
país, e uma das formas é analisar as representações construídas nos e pelos textos do próprio
professor sobre o seu trabalho e, ainda, nos e pelos textos de prescrições oriundos das
instâncias que regem e que avaliam o trabalho docente.
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177
ANEXOS
179
ANEXO I
E-MAILS TROCADOS COM A PROFESSORA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (Unicamp)
From: Siderlene
To: […]61
Sent: Wednesday, July 30, 2008 4:37 PM
Subject: pesquisa LAEL/PUC-SP
Olá, […].
Como vai?
Entrei em contato com você há alguns meses para a colaboração numa pesquisa de doutorado do
LAEL/PUC (com Anna Rachel); e você tinha se disponibilizado a participar dessa pesquisa sobre o
trabalho do professor-pesquisador. Acabei me atrasando um pouco por causa de alguns imprevistos
que sempre acontecem.
Caso você esteja disponível, gostaria de agendar um encontro para a primeira ou segunda semana de
agosto. O procedimento de coleta a ser utilizado será um tipo de entrevista chamada instrução ao
sósia (utilizada pela Ergonomia da Atividade e Clínica de Atividade da França), que será gravada.
Também gostaria de saber onde poderíamos marcar o encontro. Se tiver uma sala sossegada, talvez
poderia ser na Unicamp. Ou em outro lugar que você preferir.
A minha disponibilidade é: terça de manhã e quarta e quinta o dia todo. Ou ainda qualquer dia à
noite ou final de semana.
Você tinha me dado outro e-mail, mas acabei perdendo. Espero que dê certo com este.
Bem, aguardarei seu contato, já agradecendo e lembrando que não esqueceremos dos procedimentos
éticos.
Abraço
Siderlene
QUADRO 1. 1o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 30 jul. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
61
Optamos por omitir os nomes das professoras em vez de adotar nomes fictícios. Dados pessoais comunicados
nas mensagens também foram omitidos.
180
From: […]
To: Siderlene
Sent: Thursday, July 31, 2008 11:15 AM
Subject: Re: pesquisa LAEL/PUC-SP
Siderlene,
Lembro bem do nosso contato e continuo disposta a pasticipar da pesquisa. Só que o mês de agosto
está meio complicado. Vou para o congresso da ALFAL no dia 17, volto no dia 24. Em seguida, dia
28, vou para outro evento no Rio de Janeiro e fico até a primeira semana de setembro. Além
disso,nestas duas primeiras semanas, estou preparando os trabalhos dos dois eventos, encontrando
orientandos etc. para poder me ausentar. Estarei em licença prêmio em agosto.
Prefiro que nosso encontro seja em setembro. Espero que não seja ruiim pra você.
Se estiver bem assim, peço que entre em contao comigo novamente em setembro para agendarmos.
Provavelmente será na Unicamp.
Um abraço,
[...]
QUADRO 2. 2o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 31 jul. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
181
From: Siderlene
To: […]
Sent: Thursday, July 31, 2008 6:07 PM
Subject: Re: pesquisa LAEL/PUC-SP
Olá, […].
Agradeço a resposta rápida.
Tudo bem, então. Entrarei em contato novamente em setembro.
Talvez seja até melhor porque até setembro já terei passado pela 1ª qualificação; e poderei ter
sugestões da banca.
Aproveito para divulgar abaixo um evento, em novembro, criado pelo ALTER, grupo do qual faço
parte.
Abraço e até breve
Siderlene
QUADRO 3. 3o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 31 jul. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
182
From: Siderlene
To: […]
Sent: Wednesday, October 15, 2008 5:00 PM
Subject: pesquisa LAEL/PUC-SP
Olá, […].
Conforme contatos anteriores, estou enviando esse mail para tentar agendar o nosso encontro para a
entrevista para a minha pesquisa. Você teria alguma disponibilidade para as últimas semanas de
outubro ou começo de novembro?
No aguardo.
Grata.
Siderlene
QUADRO 4. 4o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 15 out. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
183
From: […]
To: Siderlene
Sent: Wednesday, October 15, 2008 8:29 PM
Subject: Re: pesquisa LAEL/PUC-SP
Siderlene,
Estava mesmo pensando, no outro dia, na sua pesquisa.
Pelo que vc tinha falado antes, sua disponibilidade era "terça de manhã e quarta e quinta o dia todo.
Ou ainda qualquer dia à noite ou final de semana". Se for assim, posso nos seguintes horários:
dia 22, quarta, à tarde
dia 23, quinta, pela manhã (a partir das 9h)
dia 29, quarta, à tarde
Agiardo seu retorno.
Um abraço,
[...]
QUADRO 5. 5o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 15 out. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
184
From: Siderlene
To: […]
Sent: Thursday, October 16, 2008 6:40 PM
Subject: Re: pesquisa LAEL/PUC-SP
Oi, […].
Obrigada pelo pronta resposta.
Para mim está perfeito quarta-feira, dia 29/10. Pode ser das 15:00 às 17:00, mais ou menos?
Siderlene
QUADRO 6. 6o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 16 out. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
From: […]
To: Siderlene
Sent: Friday, October 17, 2008 9:12 AM
Subject: Re: pesquisa LAEL/PUC-SP
Siderlene,
Está ótimo. Acho que vou pedir pra vc vir ao meu apto, já que não preciso ir à Unicamp nesse dia.
Meu endereço é: [...]. O ponto de referência é o Centro de Convivência. O prédio fica na esquina com
a rua Conceição, bem em frente ao Centro de Convivência. Se precisar mais ajuda para o caminho, me
diga, tá?
[…]
QUADRO 7. 7o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 17 out. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
185
From: Siderlene
To: […]
Sent: Sunday, October 26, 2008 9:00 AM
Subject: Re: pesquisa LAEL/PUC-SP
Bom dia, […].
Gostaria de confirmar nosso encontro para a próxima quarta, dia 29, por volta das 15:00 hs.
Já iniciando a pesquisa, eu gostaria que você me enviasse, se possível, as suas atividades de trabalho
que você deverá realizar nos quatro dias posteriores ao dia 29, dia do nosso encontro, para que o
nosso diálogo seja dirigido da melhor forma.
Caso haja algum imprevisto, o meu celular é […], tel.: […].
Abraço
Siderlene
QUADRO 8. 8o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 26 out. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
186
From: […]
To: Siderlene
Sent: Sunday, October 26, 2008 7:15 PM
Subject: Re: pesquisa LAEL/PUC-SP
Siderlene,
Envio as minhas atividades da próxima semana:
- com horário marcado: encontro com alunos de graduação da disciplina Investigação Científica, no
dia 05, das 17h às 20h
- sem horário marcado: elaboração de pareceres para CNPq e Fapesp, inscrição em um congresso
que acontecerá em 2009 (preparação do resumo e envio), leitura de textos prévios de dissertação de
mestrado de duas orientandas, leitura de textos de dois orientandos de Iniciação Científica,
elaboração de programa da diciplina de graduação que vou ministrar no primeiro semestre de 2009,
preparação do encontro com os alunos de Investigação Científica.
Neste semestre estou em licença prêmio, de modo que não tem a disciplina da graduação e a da pós-
graduação; a única disciplina que mantive foi Investigação Científica, que funciona como orientação
de alunos de graduação em projetos de pesquisa.
Está bom assim ou quer mais detalhes?
[…]
QUADRO 9. 9o e-mail trocado com a professora da Unicamp: 26 out. 2008.
Fonte: elaborado pela autora.
187
ANEXO II
ROTEIRO PARA A INSTRUÇÃO AO SÓSIA COM A PROFESSORA DA UNICAMP,
DE ACORDO COM AS ATIVIDADES ENVIADAS POR E-MAIL
Só para contextualizar, o grupo do qual eu faço parte, o ALTER/PUC-SP, sob a liderança da
Anna Rachel Machado, se preocupa em estudar as relações entre linguagem e trabalho,
voltando-se para o trabalho do professor, considerando o ensino como trabalho. O objetivo é,
de modo geral, contribuir para compreender melhor as dimensões do trabalho do professor, a
sua complexidade.
Professora, imagine que amanhã eu vá te substituir no seu trabalho. Então, eu preciso que
você me dê instruções para que eu possa realizar as suas tarefas como professora e
pesquisadora da mesma forma que você as realiza, se possível para que ninguém perceba que
está havendo essa mudança. Você vai partir das suas experiências para me passar todos os
detalhes possíveis para que eu possa realizar as atividades.
(ENSINO/PESQUISA c/ uso tecnológico)
Imaginando que eu seja sua sósia, de acordo com o que você me passou, eu faria uma viagem,
pelo que entendi, pessoal, mas talvez estaria lendo e-mail profissionais. Vamos começar por
essa atividade.
1. O que teria que fazer: eu teria que ler e-mails na minha viagem?
2. Como eu devo proceder? Eu devo responder também?
3. Onde eu vejo os e-mails?
4. No dia-a-dia, eu tenho que ler esses e-mails, qualquer hora do dia?
30/10
Com horário marcado (Ensino)
1. 05/11: 17:00 às 20:00, encontro com alunos de graduação IC
a. Onde é esse encontro? Como eu devo iniciar esse encontro?
b. O que eu vou falar já vai estar na minha cabeça? Como eu vou saber o que
tenho que falar?
c. E em relação ao meu corpo, aos movimentos corporais, como eu devo
ficar?
d. Como eu vou saber se os alunos estão entendendo o que estou falando?
e. Em relação ao modo de falar, devo falar rápido, devagar, como?
f. d) Pode acontecer algum tipo de conflito na sala de aula? Se acontecer,
como devo proceder?
g. d) Qual horário exato eu devo terminar? 17:00 hs?
h. Como devo terminar esse encontro?
188
Sem horário marcado: (PESQUISA)
1. Elaboração de pareceres CNPq/Fapesp
a. O que é? Onde eu vou elaborar o parecer CNPq/Fapesp? Na universidade,
na minha casa?
b. Como eu devo começar a elaboração do parecer CNPq/Fapesp? Ele é
digitado?
c. Quando estiver trabalhando em casa, pode acontecer algum impedimento?
Família reclamar, telefone tocar, não conseguir me concentrar, barulho?
d. E se tiver alguma parte do texto a ser avaliado que estiver de difícil
compreensão? Como eu devo fazer?
e. Quando escrever o parecer, eu preciso ter em mente algum destinatário?
f. Como deve ser escrito esse parecer?
g. E se eu não conseguir terminá-lo na próxima semana, tem problema?
(PESQUISA/ PRESCRIÇÃO)
2. Elaboração de resumo e envio para congresso 2009 (inscrição)
a. Como faço para fazer a inscrição no congresso? Pode acontecer de não
conseguir entender direito as instruções do site?
b. Como vou saber o tema do resumo?
c. Como deve ser escrito esse resumo? Devo pensar em algum destinatário?
d. Como fazer para enviar o resumo?
e. Pode dar algum erro na hora do envio do resumo? Como proceder?
f. Depois que enviar o resumo, o que devo fazer? A inscrição fica realizada?
g. Pode acontecer de passar o prazo e eu não conseguir realizar essa inscrição
por causa de algum imprevisto? E daí, terá alguma consequência?
(ENSINO)
3. Leitura de textos prévios de dissertação de mestrado de orientandas
a. O que é leitura de textos prévios de dissertação de mestrado?
b. Onde vou fazer essa leitura? Onde estarão esses textos?
c. Como devo proceder nessa leitura?
d. Pode acontecer de eu estar com dificuldade de concentração que atrapalhe
a leitura? Se eu estiver com algum problema.
e. Quanto tempo vou gastar com essa leitura?
f. Pode acontecer de esses textos estarem com sérios problemas
gramaticais? Ou com problemas no nível da compreensão das teorias?
189
g. Pode acontecer de eu ficar com sono no momento da leitura? Há uma hora
mais adequada para essa leitura?
h. Pode acontecer de estar muito cansada e não conseguir fazer essas
leituras? Terá alguma consequência?
(ENSINO/PRESCRIÇÃO)
4. Elaboração da disciplina de graduação de 2009
a. O que é? Onde será realizado esse trabalho?
b. Como devo proceder na elaboração dessa disciplina?
c. Como vou saber o que vou trabalhar nessa disciplina?
d. Eu posso ficar com algum conflito no momento de elaboração dessa
disciplina?
e. Quando eu elaborar essa disciplina, eu tenho que ter em mente quais
destinatários?
f. Essa elaboração será digitada e entregue para alguém?
(ENSINO)
5. Preparação do encontro com alunos de Investigação Científica
a. Onde será essa preparação? Como devo proceder na preparação desse
encontro?
b. Pode acontecer de não dar tempo de eu preparar esse encontro por causa
de algum imprevisto? Profissional ou mesmo familiar? E daí, o que devo
fazer?
c. O que eu preparar já vai estar na minha cabeça?
191
ANEXO III
NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DE TEXTOS ORAIS
Ocorrências Sinais Exemplificação62
Incompreensão de palavras ou
segmentos ( )
do nível de renda...( )
nível de renda nominal...
Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com
o gravador)
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
indicativo da tônica e/ou
timbre)
/ e comé/ e reinicia
Entoação enfática Maiúscula porque as pessoas reTÊM
moeda
Prolongamento de vogal e
consoante (como s, r)
:: podendo aumentar para ::::
ou mais
ao emprestarem os... éh::: ...o
dinheiro
Silabação - por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? eo Banco... Central... certo?
Qualquer pausa ...
são três motivos... ou três
razões... que fazem com que se
retenha moeda... existe uma...
retenção
Comentários descritivos do
transcritor ((minúsculas)) ((tossiu))
Comentários que quebram a
sequência temática da
exposição; desvio temático
-- --
... a demanda de moeda --
vamos dar essa notação --
demanda de moeda por motivo
Superposição, simultaneidade
de vozes { ligando as linhas
63
A. na { casa da sua irmã
B. sexta-feira?
A. fizeram { lá...
B. cozinharam lá?
Indicação de que a fala foi
tomada ou interrompida em (...) (...) nós vimos que existem...
62
Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP No. 338 EF e 331 D2.
63 Trocamos o símbolo “chaves” por “colchetes” ( [ ).
192
determinado ponto. Não no seu
início, por exemplo.
Citações literais ou leituras de
textos, durante a gravação " "
Pedro Lima... ah escreve na
ocasião... "O cinema falado em
língua estrangeira não precisa
de nenhuma baRREIra entre
nós"...
Observações:
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.).
2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você está brava?).
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números: por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa).
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula,
ponto final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa,
conforme referido na Introdução.
Norma acrescentada por esta pesquisadora em sua transcrição:
9. Acréscimo de elementos gráficos indicadores do discurso direto (dois pontos e
aspas), de acordo com a entonação que revelou outra voz, por exemplo: daí os
alunos falam: “não lemos o texto”, ou a voz da enunciadora em outra situação
recriada, como em: Então eu falo “vamos fazer um trabalho em grupo”.
193
ANEXO IV
TRANSCRIÇÃO DO TEXTO DA INSTRUÇÃO AO SÓSIA REALIZADA COM A
PROFESSORA DA UNICAMP
Campinas, 29 de outubro de 2008.
P.: = Pesquisadora
C.: = Clara (nome fictício da professora)
1P.: bom então vamos lá... só para contextualizar o grupo Alter ele tem desenvolvido
pesquisas para estudar as representações sobre o trabalho docente em diversos níveis de
ensino considerando o ensino com trabalho a gente também utiliza pressupostos da
Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade que se preocupa com questões de trabalho
né em diversas áreas então o objetivo é contribuir para melhor compreender as dimensões do
trabalho do professor nesse caso de pós-graduação... então vamos lá... professora imagine que
amanhã eu vá te substituir no seu trabalho eu preciso que você me dê instruções para que eu
possa realizar as suas atividades da melhor maneira para que ninguém perceba que está
havendo essa mudança tá então é importante que você me conte os detalhes da sua atividade
para que eu possa realizá-las... o método...esse método chama instrução ao sósia então eu
serei sua sósia então por isso que eu te perguntei as atividades
2C.: quais seriam as minhas atividades?
3P.: é... e você já...e você falou que vai viajar amanhã né?
4C.: é eu viajo amanhã
5P.: e você citou alguma coisa assim...
6C.: o que eu vou fazer a partir de segunda-feira
7P.: é mas você citou que talvez você iria ler e-mail profissional?
8C.: isso é difícil não ler né?
9P.: certo
10C.: porque você abre e-mail onde você está sempre...
11P.: você acaba abrindo sempre
12C.: vou fazer uma viagem não é uma viagem profissional tá? como eu tinha te falado eu
estou em licença-prêmio
13P.: uhn uhn
14C.:ainda... então eu estou aproveitando para poder fazer umas viagens curtas assim de vez
em quando... vou fazer uma viagem que não é profissional mas o que a gente percebe hoje é
que... a gente não consegue escapar onde a gente está do e-mail pelo menos do e-mail a gente
a gente não tem mais limite né ou tal dia vou ler e-mail tal dia não vou porque nem todo
mundo pensa assim então os alunos eles mandam e-mail a universidade manda e-mail... teve
um ano que eu comecei a contar de mania minha quantos e-mails eu respondia por dia quanto
194
tempo eu gastava respondendo e-mail para colocar no meu relatório de atividade da
Unicamp... a gente faz relatório a cada tr...agora a cada cinco no meu caso que sou antiga já
antes era a cada três anos a gente fazia o relatório de atividade na Unicamp para ser avaliado
internamente...
15P.: uhn uhn
16C.: e é.........eu quis colocar isso no meu relatório para mostrar como mudou muito a vida da
gente da gente que é mais antiga né eu sou professora há mais de trinta anos então
17P.: ( )
18C.: a vida mudou muito então eu coloquei quantas horas eu tinha gasto naquele mês
mandando e-mail atender aluno são coisas que a gente não computa geralmente né?
19P.: exatamente...
20C.: a gente tem o horário certo de aula preparação de aula geralmente calcula quantas tardes
quantas manhãs assim reuniões essa parte é muito...
21P.: 64
[ visível
22C.: visível... quando a gente tinha mais orientação com aluno face a face a gente tinha
horário também marcado né... “tais tardes vou atender aluno na Unicamp” ficava lá e
conversava com aluno agora pelo e-mail eu não tenho isso então meus alunos provavelmente
vão mandar e-mail esses dias continuam mandando eu vou responder de onde eu estiver nem
que seja dizendo assim: “olha estou viajando tal coisa eu não posso responder aqui” porque eu
não tenho às vezes ao certo às vezes é para marcar reunião às vezes é perguntando se tem um
livro alguma coisa difícil não responder mas isso vai gastar pouco tempo nesses próximos
quatro dias tá...
23P.: certo mas de repente então eu nessa viagem vou acabar respondendo alguns pelo menos
o que der o que conseguir...
24C.: fora os alunos tem assim CNPq Fapesp revista que dá parecer tudo isso te mandam e-
mail hoje em dia...
25P.: e o que...assim...se o CNPq ou Fapesp mandar e-mail o que eu devo...que tipo de e-mail
eles mandam?
26C.: eles mandam e-mail geralmente pedindo para você dar algum parecer... dentro do e-
mail já vem um link para você entrar na página no site né ou do CNPq ou da Fapesp e lá você
vai dar um parecer para um processo geralmente alguém que mandou que está pedindo
alguma coisa é aquela história do pare... nós somos avaliados e avaliamos os outros o tempo
inteiro então daí você tem que entrar na página provavelmente eu também não vou fazer o
parecer eu vou ler vou anotar na minha agenda
27P.: [vai fazer alguma coisa
28C.: é vou anotar na minha agenda geralmente é assim quinze dias um mês entendeu para
você fazer o parecer... o que mais eu vou receber de e-mail? geralmente é isso... são as
agências revistas que você dá parecer aluno a universidade chamando para reunião
para...dando aviso né pedindo para divulgar coisas
29P uhn uhn
64
O espaço anterior ao símbolo colchete ( [ ) indica superposição/simultaneidade de vozes.
195
30C.: a gente recebe e-mail daí você tem que encaminhar esses e-mails para os seus
orientandos de avisos de reunião eles querem que a gente (interceptar) é um tempo imenso
que eu gasto viu com isso...
31P.: então fora a viagem no dia-a-dia você tem que estar respondendo esses e-mails? no caso
eu teria que estar respondendo esses e-mails?
32C.: você teria que responder meus e-mails...
33P.: [ ( )
34C.: agora por exemplo ir em reunião não sei se você...vamos supor ir em reunião eu vou ter
uma reunião na outra semana mas não sei se vai ser...acho que vai ser mais para o fim da
semana por isso que eu nem coloquei lá...
35P.: uhn uhn...
36C.: do que é essa reunião? é a seleção da pós-graduação os alunos que vão entrar para fazer
a pós-graduação aqui então o que você iria fazer nessa reunião? você iria...já todo mundo já
leu as provas leu os projetos nós já demos as notas e daí agora nós vamos fechar tá...
37P.: uhn uhn... então uma das atividades também é ter lido todas essas provas?
38C.: isso... isso eu já fiz por isso eu não coloquei ali... agora é etapa de reunião... essa é uma
outra atividade que você teria que fazer...
39P.: você falou que agora com e-mail você não tem mais orientação individual?
40C.: muito pouco...
41P.: mais ou menos por e-mail com que é?
42C.: muito menos do que tinha antes...
43P.: as dúvidas são mandadas por e-mail?
44C.: tudo pelo e-mail... textos que eles escrevem eles mandam pelo e-mail eu corrijo e
devolvo...
45P.: por e-mail... uhn uhn...
46C.: com vocês não é assim?
47P.: é geralmente geralmente a gente tem... ( )
48C.: o que a gente tem mais conjunto é uma outra atividade que...eu não estou fazendo
justamente porque esse semestre é um semestre meio atípico por causa da licença-prêmio é
seminários de pesquisa
49P.: [uhn uhn
50C.: tá onde a gente junta geralmente os orientandos daí não é orientação do trabalho de cada
um são discussões mais conjuntas da teoria com as quais eles estão trabalhando eles fazem
apresentação dos dados metodologia então como tem alguma coisa parecida entre os projetos
do grupo os alu.........orientandos da gente a gente faz.........eu faço o seminário geralmente um
semestre sim um semestre não
51P.: [uhn uhn
52C.: e daí tem...não é orientação individual mas é uma orientação coletiva tá eles apresentam
o que eles já estão fazendo das teses também...
196
53P.: imagine eu vou estar num seminário desse o que eu...como que eu deveria proceder
nesse seminário?
54C.: então nesse seminário normalmente ou tem alguma leitura para ser discutida teórica tá a
gente lê um texto que é importante para todo mundo então você vai preparar a leitura desse
texto e vai discutir com os alunos tá ou você vai ouvir as apresentações deles... a gente
intercala algumas aulas de discussão de leitura e algumas aulas de apresentação deles do que
eles estão fazendo nas próprias teses então o capítulo que escreveu vai apresentar para a classe
aquele capítulo...
55P.: cada aluno vai apresentando...
56C.: isso... cada aluno vai apresentando o seu...
57P.: [e qual é o meu papel assim como professor?
58C.: e todo mundo vai discutindo... como professor? vai anotando né deixa ele apresentar o
texto inteiro daí eu faço observações e o grupo inteiro faz...
59P.: uhn uhn...
60C.: tá... é uma maneira de orientar também...
61P.: com todos alunos né?
62C.: todos alunos dá palpite no do colega o que é ótimo...
63P.: nós também temos lá...
64C.: vocês também fazem isso... esse é o seminário de pesquisa... nesses seminários eu faço
uma programação geralmente no início do semestre “olha nós vamos ler isso aqui mais ou
menos vamos organizar” só que a gente muda isso né porque às vezes aparece uma leitura
importante a gente...alguém falou alguma coisa que suscitou uma leitura daí a gente vai atrás
daquela leitura e muda... o bom da pós-graduação é que dá para mexer nisso né graduação já é
um pouco mais amarrado...
65P.: e essas leituras têm que ter a ver com o trabalho dos alunos...como que é?
66C.: tem com certeza... são leituras básicas de base teórica são teorias com as quais estão
trabalhando...
67P.: uhn uhn... bom então uma atividade que você me passou é elaboração de resumo para
congresso...
68C.: ah tá... isso aí eu vou ter que fazer... eu quero ir para um congresso...
69P.: que congresso que é?
70C.: é um congresso em Portugal de literacia né como eles chamam letramento... então eu
tenho que fazer um resumo enviar...
71P.: então como que eu faço para fazer essa inscrição semana que vem?
72C.: você entra no site...
73P.: [ certo
74P.: eu estou dizendo que a gente vive em frente o computador... vai ver quais são os
requisitos para o resumo... você vai fazer o resumo relacionado a uma pesquisa que você
esteja fazendo né...
75P.: certo certo...
76C.: vai ser julho agos/ vai ser em julho do ano que vem...
197
77P.: isso que eu ia te perguntar... que tema que eu vou estar trabalhando?
78C.: é o tema que você já vem trabalhando...
79P.: uhn uhn...
80C.: né você que vai fazer o meu resumo teria que te passar o resumo da minha pesquisa
para você escrever o resumo para mim né...
81P.: certo...
82C.: daí você faz o resumo tem que ver o formato do re......... para mim a parte mais chata é
essa formatar tantas... ((risos)) tamanho tal... isso aí eu nunca sei fazer...
83P.: ((risos)) tamanho do resumo...
84C.: eu tenho que pedir ajuda pedir ajuda aos meus alunos sempre punha aqui...... gravar em
pdf gravar em r não sei que lá tantas... tantas palavras eu não sei contar
85P.: [pode ser ( )
86P.: pode ser que vai estar pedindo para gravar em pdf?
87C.: isso... isso eu não sei fazer...
88P.: outra instrução não sei o que...
89C.: então já te digo... toda essa parte que exige muito conhe/ mais conhecimento técnico eu
peço ajuda...
90P.: uhn uhn...((risos))
91C.: ou para os meus alunos ou para algum funcionário na Unicamp mais para os meus
alunos que têm mais boa vontade de atender eles sabem fazer powerpoint até hoje eu não sei
fazer direito também então eu faço...vamos supor: vou fazer esse resumo para o congresso daí
que ele estiver prontinho eu vou mandar para alguém para por no formato que tem que por...
92P.: ah certo...
93C.: [ tá?
94P.: e quando eu for escrever esse resumo aí eu tenho que estar pensando em qual
destinatário? para esse congresso...
95C.: no...no pessoal que vai ver isso no congresso né?
96P.: [ ( )
97C.: você tem que olhar o tema do congresso isso você sempre tem que olhar o tema do
congresso...
98P.: uhn uhn...
99C.: os temas né que estão aí dentro daquele congresso... ver aonde você vai encaixar ali eu
não lembro isso eu já li mas eu não lembro como o prazo é até dia quinze de novembro eu vou
fazer isso quando eu voltar dia dois dia três eu já estou aqui...
100P.: uhn uhn...
101C.: então você tem que pensar no tipo de congresso né para você se encaixar naquele
congresso né você tem que ver se a sua pesquisa se encaixa ali e puxar para o que é...
198
102P.: o tema do congresso... então vamos supor que eu fiz esse resumo pedi para alguns dos
meus alunos me ajudarem formatar lá e daí eu vou enviar esse resumo para o site lá e dá
algum erro... pode acontecer isso?
103C.: pode...
104P.: e daí?
105C.: daí você tem que escrever para ele...
106P.: para o congresso?
107C.: para o congresso... às vezes os sites não são muitos bons né?
108P.: então pode acontecer de eu ter problemas na hora de enviar?
109C.: essa é a pior parte... essa parte técnica né e daí você não sabe resolver você está longe
não vai telefonar porque não é tão fácil assim e às vezes nem tem quem vá atender... eu às
vezes quebro a cabeça um pouquinho vejo se eu fiz alguma coisa errada porque às vezes você
faz né?
110P.: uhn uhn...
111C.: você lê rápido aquilo ali se enviei errado daí às vezes quebro a cabeça um pouquinho
se eu não conseguir resolver eu peço ajuda a alguém de lá...
112P.: [por e-mail?
113C.: é às vezes eu escrevo para lá se for um erro deles às vezes é erro de programa no site...
114P.: é exatamente... às vezes pode acontecer o site está com ambiguidade falta de clareza
você não está entendendo direito o que eles estão querendo...
115C.: isso é muito comum... isso aí uma co...incrível né na nossa área isso não ser bem feito
né...
116P.: [ uhn uhn
117C.: eu fui para um congresso lá em Montevidéu em agosto da ALFAL Associação de
Linguística e Filologia da América Latina e nós enviamos o resumo no início do ano mas o
site era horrível as explicações ali que você tinha para enviar o resumo e tudo você ficava na
dúvida se o resumo tinha chegado ou não...
118P.: [ uhn uhn
119C.: e não tinha nenhum retorno deles...
120P.: eles não davam retorno...
121C.: é...
122P.: acabou de acontecer comigo eu mandei para o SIGET lá eu fiquei sem saber se
realmente foi...
123C.: pois é...
124P.: não tive retorno automático às vezes tem retorno automático eu mandei e-mail para
confirmar... e pode acontecer de eu perder o prazo eu não conseguir fazer até dia quinze de
passar o dia quinze o prazo...
125C.: daí não tem jeito...
126P.: passar o prazo... pode acontecer isso de eu perder um congresso porque passou o
prazo...
199
127C.: pode pode...
128P.: inclusive por problemas técnicos...
129C.: olha pode...
130P.: [ ( )
131P.: daí você fica sem participar...
132C.: daí você fica sem participar...
133P.: uhn uhn ( )
134C.: é olha eu sei porque eu também já tive do outro lado né de organizadora de
congresso...
135P.: [uhn uhn
136C.: e daí a gente recebe um monte de telefonemas de gente reclamando porque não
conseguiu fazer a inscrição né você vê o outro lado da história também às vezes...eu lembro
por exemplo fui presidente do GEL a alguns anos atrás ( ) do GEL não sei se você chegou a
participar de algum encontro do GEL...
137P.: sim aqui na Unicamp na... esse ano também...
138C.: esse ano foi lá em...
139P.: São José...
140C.: São José... exato...
141P.: em Taubaté também não foi?
142C.: isso... então o ano que a gente informatizou foi dois mil e quatro quando comecei a
minha...
143P.: acho que foi em Taubaté não foi?
144C.: não dois mil e três foi em Taubaté ( ) dois mil e quatro foi aqui...
145P.: foi aqui na Unicamp...
146C.: foi aqui no IEL é na Unicamp... dois mil e cinco foi em.... São Carlos... em dois mil e
quatro foi um drama porque foi a novidade nunca tinha sido informatizado sempre era no
papel daí nós mudamos em dois mil e quatro nós informatizamos... não fica perfeito o
primeiro ano agora o site do GEL está maravilhoso... você pega de dois mil e quatro a dois
mil e oito melhorou muito...
147P.: eu vi tá ótimo...
148C.: tá ótimo não tá? mas no ano de dois mil e quatro deu problema para muita gente e a
gente sabia que ia dar porque era a primeira associação da nossa área aqui no Brasil de
humanas de Letras de Linguística que estava fazendo isso... a gente não tinha nenhuma outra
para...quando você tem outro que já fez você vê os erros que o outro fez você evita você
conserta então era uma experiência nova... deu muito problema muita gente perdeu muita
gente... falaram que tinha dois mil e tantos inscritos então tem e não não aparece entre dois e
tantos né... mas para quem está organizando é um tal de telefonema não sei o que isso
acontece não sei o que sempre tem gente que perde...
149P.: [ uhn uhn
200
150C.: eu acho que eu nunca perdi Siderlene eu acho que eu nunca perdi porque eu fico
correndo atrás de alguém... primeiro que eu evito deixar para o último dia né a gente sempre
pede para as pessoas fazerem isso né...
151P.: é... agora agora tem isso de prorrogar só que também não confio na prorrogação
porque pode não ter... a gente tem que ser esperto né...
152C.: sempre é complicado quando era por correio a gente não sabia se o correio ia
funcionar às vezes dava greve de correio agora é um risco né... a vida tem risco...
153P.: bom então imagine que eu fiz esse resumo...
154C.: tá...
155P.: depois que eu mandar esse resumo aí que mais que eu devo fazer devo fazer mais
alguma coisa?
156C.: daí você vai esperar para saber se foi aceito ou não né...
157P.: e a inscrição...o resumo já é automaticamente a inscrição?
158C.: depende cada congresso é de um jeito esse de Portugal eu não sei como é... o SIGET a
gente envia o trabalho foi assim né que você fez? eu estou com o meu aí para enviar é uma
sessão que estou organizando... você envia e você não faz a inscrição você só envia o trabalho
se você for aceita daí depois você faz a inscrição não é... cada um é de um jeito...
159P.: [ah tá
160C.: você não paga agora cada congresso é de um jeito...
161P.: então tem que esperar né...
162C.: o certo é esperar porque às vezes você paga e depois você não é aceito... o de Portugal
eu acho que também é assim... eu vou mandar agora em novembro acho que até o início do
ano por aí eles vão me dar a resposta e daí se eu fui aceita daí eu vou mandar o dinheiro fazer
inscrição escrever o trabalho né...
163P.: uhn uhn... o artigo...
164C.: o artigo às vezes você envia antes às vezes você não envia nesse caso eu não sei como
que está sendo também se vai ter anais eu não olhei essa parte...
165P.: [ para o artigo
166C.: eu não olhei essa parte toda para te dizer a verdade tem.........varia né cada congresso é
de um jeito
167P.: é tem uns que têm outros não
168C.: e pronto e ficar contente porque vou para o congresso
169P.: [ uhn uhn
170C.: espero que dê certo
171P.: bom de acordo com as atividades que você me passou leitura de textos prévios de
dissertação de mestrado...
172C.: ah sei então eu estou com duas orientandas de mestrado que me mandaram estão aí são
capítulos da tese...
173P.: elas estão escrevendo?.
201
174C.: elas estão escrevendo a dissertação são capítulos e...eu tenho que ler porque elas
precisam qualificar...
175P.: certo
176C.: tá? se der a gente qualifica lá para janeiro ou fevereiro por aí
177P.: bom como eu sou sua sósia então
178C.: você vai ter que ler...
179P.: onde eu vou fazer essa leitura na minha casa?
180C.: eu faç/ é na sua casa no computador...
181P.: no computador certo?
182C.: ( ) o computador a leitura...
183P.: como eu devo proceder nessa leitura o que eu devo estar fazendo?
184C.: você vai lendo e corrigindo já e colo... eu vou colocando sugestões perguntas algumas
coisas eu corrijo é tudo aquilo que eu falaria com elas e que e eu não vou falar né? vou
escrever...
185P.: certo com marca a revisão do word...
186C.: é eu uso controlar alterações... aquele ali só sei fazer desse jeito também...
187P.: é esse...
188C.: daí eu vou escrevendo ali sugestões sugestões de leitura e bibliografia coisas com as
quais eu não concordo coisas que acho que não está bom eu vou comentando o texto todo
delas tá?
189P.: uhn uhn... e nessa leitura pode acontecer de eu estar com dificuldade de concentração?
190C.: ((tossiu)) pode se você estiver cansada preocupada com outra coisa...
191P.: e daí o que eu devo fazer?
192C.: eu paro quando eu estou assim quando eu estou vendo que não está rendendo paro às
vezes eu durmo um pouco se eu estiver com sono...
193P.: uhn uhn...
194C.: ou eu faço outra atividade que exige outra coisa diferente entendeu?
195P [uhn uhn
196C.: como a gente tem várias atividades na vida da gente a gente vai vendo aquilo que
naquele dia você está com vontade de fazer né...
197P.: [ uhn uhn
198C.: tem dia que você não quer fazer nada mas tem dia que você consegue uma que...por
exemplo de orientando é um tipo de responsabilidade diferente...todas são todas exigem muito
da gente às vezes viu?
199P.: toda atividade?
200C.: é por exemplo você dá o parecer para uma pessoa né num processo tal...é muita
responsabilidade também né porque é a vida da pessoa que está no meu trabalho...
201P.: uhn uhn...
202
202C.: eu paro às vezes faço outra coisa às vezes eu vou caminhar eu faço muito isso saio
para caminhar dependendo do horário saio dou uma caminhada volta daí tomo banho daí eu
trabalho bem melhor...
203P.: e essa leitura posso fazer qualquer hora do dia?
204C.: do dia ou da noite...
205P.: ou da noite...
206C.: pode...
207P.: e quanto tempo eu posso gastar com essas leituras? você falou um capítulo né?
208C.: é os capítulos delas não são muito grandes tá é dissertação de mestrado... ah eu acho
que em uma hora por aí eu leio cada capítulo...
209P.: uhn uhn...
210C.: uma hora mais ou menos para cada um...
211P.: e pode acontecer de eu estar lendo esses capítulos e perceber que tem muitos
problemas ou gramaticais ou de compreensão de teoria? problemas sérios?
212C.: pode olha... eu...não...os alunos que eu tenho tido os orientandos que eu tenho tido eu
não tenho tido alunos com grandes problemas de escrita...
213P.: uhn uhn...
214C.: tá? tem gente que reclama mais aqui dos alunos...
215P.: [lá do...
216C.: da pós-graduação eu não sei né os meus alunos são da área de língua materna né eu
trabalho mais...trabalho com língua materna não trabalho com língua estrangeira tradução
etc... não sei se é porque são de língua materna são mais preparados para escrever muitos são
professores de português entendeu?
217P.: [ uhn uhn
218C.: então é diferente talvez dos que são professores de língua estrangeira né ou de
tradução etc. que não tem... então não tem grandes problemas de gramática etc. tem alguma
coisinha ou outra eu corrijo geralmente isso eu nem faço observação porque dá mais trabalho
fazer observação...
219P.: [do que corrigir?
220C.: vírgula acentuação concordância é isso que acontece...
221P. [uhn uhn
222C.: às vezes uma sentença muito longa que está difícil de entender eu corto a sentença...
essas coisas eu aprendi com o tempo que é mais fácil já corrigir do que ficar dando para o
aluno devolvendo você gasta mais tempo no computador... é muito fácil porque você já
corrige quando era a mão eu não corrigia tá mais no computador eu mudei você muda o jeito
também com o computador então agora de teoria sim pode ter análise errada pode ter leitura
de autor errada (o que apresenta) de tal autor não é aquilo pelo menos eu (...) daí às vezes eu
tenho que reler o autor...
223P.: [uhn uhn
224C.: posso eu estar interpretando de um jeito.........
203
225P.: daí você vai e...
226C.: eu vou...
227P.: vai estar relendo para confirmar...
228C.: você levanta vai na estante procura o livro se você tem se você não tem você tem
que... deixar para ler outra hora você marca eu marco em algum lugar que vou ter que
procurar aquele material depois para reler conferir né?
229P.: procurar o livro
230C.: procurar o livro e conferir
231P.: e onde que eu procuraria esse livro esses livros?
232C.: se não for na minha casa é na biblioteca da Unicamp
233P.: [da Unicamp
234C.: só tem esses dois lugares geralmente...
235P.: uhn uhn
236C.: tem livros que às vezes eu não tenho que eles leem que eu não tenho então daí eu peço
para eles mandarem uma cópia entregarem uma cópia tenho que ir atrás disso daí e ler né?
237P.: isso quando eu achar que alguma coisa não está legal...
238C.: é... não está batendo bem...
239P.: [ ( )
240C.: você percebe...
241P.: não está... tem que ir atrás...
242C.: tem que ir atrás né?
243P.: uhn uhn...
244C.: também levanto para indicar bibliografia eu lendo...enquanto estou lendo “puxa ele
podia ler tal coisa assim assim”... e daí eu vou lá na minha estante e vejo qual é o livro que ele
deveria ler tal artigo assim assim tá?
245P.: [ uhn uhn
246C.: às vezes eu me dou ao trabalho de até ver se já tem na biblioteca da Unicamp e já
aviso “olha tem na biblioteca tal vai lá e procura e pega o livro...
247P.: então eu tenho que entrar no site da biblioteca e...
248C.: quando eu estou com paciência eu faço tudo isso...
249P.: uhn uhn ((risos))
250C.: ontem eu mandei um e-mail para um aluno de graduação daí é graduação também
graduação a gente faz mais um pouquinho assim né de iniciação científica...
251P.: mas... ( )
252C.: eu mandei ele ler duas coisas porque como eu não vou me encontrar com ele essa
semana vou viajar e tudo daí eu dei dois artigos para ele... daí eu falei: “olha tem um está na
biblioteca do IEL outro está na biblioteca do IFCH65
vai lá pega os livros lê... porque daí é
65
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.
204
feio ele não pode virar para mim e falar que não tinha o livro entendeu? eu também olho por
causa disso...
253P.: e pode acontecer de o aluno falar: “ai não tem o livro"
254C.: [não tem o livro é... uma desculpa ele
arruma uma desculpa
255C.: então eu já olho na biblioteca e falo: “vai lá e pega que está lá”... se ele falar que ele
não leu... mas com pós eu não faço isso com pós eu deixo o aluno se virar mais porque é
diferente né?
256P.: uhn uhn bom e...aí você já falou que pode acontecer de estar muito cansada e não
conseguir fazer essa leitura e deixar para depois...
257C.: pode deixar para o outro dia... tem coisa que você às vezes atrasa viu Siderlene... eu
era mais neurótica com essa coisa de atrasar eu não admitia assim atrasar nada um dia... por
exemplo parecer CNPq tal dia se eu atrasar um dia não posso atrasar uma semana porque...
mas eu...por exemplo mas eu fiquei gripada essa semana sábado e domingo eu fiquei de cama
então me atrasou muito eu antes ficava neurótica e falava: “ah e agora?” mas eu num...o que
eu vou fazer fiquei doente não pude fazer nada o nariz estava horrível estava com dor de
cabeça você...quando essa parte aqui está ruim você não consegue raciocinar né dor de
garganta...
258P.: então pode acontecer de eu estar doente
259C.: [pode
260P.: ou outros imprevistos que acontecem na vida
261C.: [pode
262P.: que não é de trabalho familiar
263C.: [com outras pessoas que precisa de você não é?
264P.: daí atrasa o trabalho? daí como que eu vou fazer para me programar assim
reprogramar...
265C.: pode daí você tem que reprogramar aquilo que você tinha previsto né você tem que ir
encaixando fica um pouco mais corrido os outros dias mas é possível... às vezes tem que
trabalhar de noite mais do que...né?
266P.: [ uhn uhn
267C.: tem que correr um pouquinho mais é possível tem que tentar...eu acho que atraso
assim de um dia se for uma coisa assim para congresso não tem jeito porque eles fecham
mesmo agora para enviar um parecer dá entendeu mesmo para um aluno eu falo que vou
enviar um dia depois o aluno não vai morrer por causa disso...
268P.: uhn uhn... certamente não... bom outra coisa que você me falou é elaboração de
disciplina de graduação de dois mil e nove...
269C.: então eu tenho que entregar o programa da disciplina que eu vou dar o semestre que
vem...
270P.: eu também vou fazer na minha casa? e como eu devo fazer para elaborar esse
programa?
271C.: então eu vou olhar o programa então eu faço o seguinte: eu olho os programas
anteriores dessa disciplina
205
272P.: [da mesma disciplina
273C.: da mesma disciplina eu já ministrei e outras pessoas também... eu dou uma olhada
274P.: [e de outras pessoas também que já ministrou a disciplina
275C.: é eu vou reler a ementa... se for uma disciplina que eu já ministrei eu lembro um pouco
mas eu vou olhar o programa que eu dei eu vou olhar programas de outras pessoas eu vou
reler a ementa tudo isso eu tenho aqui no computador não precisa sair daqui de casa... daí... eu
vou pensar se eu vou manter aquilo sempre você muda uma coisa né do que você deu eu dei
acho em dois mil e...seis eu dei essa matéria então eu vou mudar certamente...
276P.: está gravado no computador?
277C.: tá
278C.: tem alguma pasta especial?
279C.: tem pasta de disciplinas... todas as disciplinas que eu vou dando o programa vai ficar
guardado ali...
280P.: é anual é anual?
281C.: é semestral... porque todo semestre eles pedem para a gente o programa antes...a
Unicamp tem essa sistemática eles pedem o programa agora antes que é o que é o que você
planeja né... para que é esse programa? é para divulgar para os alunos eles colocam no site e
os alunos podem...alguns poucos olham né mas ninguém pode reclamar que não estava lá...
282P.: [ uhn uhn
283C.:e depois quando termina essa disciplina no final do ano em novembro dezembro por
aí...
284P.: terminam as outras disciplinas?
285C.: não... quando você terminou de dar essa disciplina eu vou dar essa disciplina de março
a junho quando chega em junho eles me cobram o programa que eu realmente dei ...
286P.: ah tá então você tem que fazer o programa que você imagina que você vai dar e o que
você realmente dá...
287C.: é...
288P.: ( )
289C.: é interessante.........a ideia é que fique lá guardado registrado o que realmente foi
feito...
290P.: ah é... então fica registrado essa... esse do site é mais para os alunos...
291C.: é esse aí vai ficar apagado entendeu?
292P.: e geralmente assim vai ter muita mudança nessa...?
293C.: ( ) tem mudança de bibliografia...
294P.: é você acaba seguindo isso que é o que foi falado...
295C.: principalmente quando já é uma matéria que você já deu né...
296P.: [uhn uhn
206
297C.: o que eu mudo é inserir alguma bibliografia ou tirar alguma substituir alguma... às
vezes no meio do curso você fala assim: “em vez de por isso aqui eu vou por esse para ver”
tá... geralmente eu mexo na bibliografia...
298P.: então mais ou menos nesse período você tem que programar para o ano que vem... e
quando chegar final desse bimes/ desse semestre você tem que elaborar outra para o que foi
que você deu exatamente o que você deu duas por cada...
299C.: e nisso você já está fazendo a outra do segundo semestre né... você está sempre
fazendo duas né?
300P.: ( ) ((procurando na folha a próxima atividade)) e...sobre essa elaboração da disciplina
você já falou... bom elaboração de parecer que eu teria que estar fazendo?
301C.: para você fazer pareceres você tem que entrar no site CNPq e da Fapesp e daí você
tem lá um número do processo né? tudo...é tudo instruído né... você tem que clicar daí você lê
o processo...
302P.: esse é um processo de quê?
303C.: é pedido ou é pedido de bolsa de pesquisa... ou é pedido de auxílio...financeiro para
comprar equipamento... é sempre alguma coisa relacionado à pesquisa das pessoas... são
pesquisadores do Brasil...
304P.: ah tá...
305C.: pesquisadores geralmente de outras instituições geralmente eles não mandam para
alguém da mesma instituição sua... eu nunca dou parecer para alguém da Unicamp...
306P.: são processos?
307C.: é por exemplo vamos supor: tem alguém lá do Rio Grande do Norte fez um pedido
para o CNPq...
308P.: pedido de quê? de alguma coisa...?
309C.: de de compra de computador auxílio chama auxílio financeiro né alguma coisa assim...
310P.: para ir para algum congresso?
311C.: também para ir para algum congresso ou pedindo a bolsa pesquisa para o
CNPq...ou...tem várias coisas que pode pedir auxílio de publicação de alguma coisa tá... daí o
CNPq manda para outras pessoas darem o parecer sempre né... com base nesses pareceres da
gente que eles vão decidir se eles vão dar conceder ou não auxílio...
312P.: quantas páginas têm esses processos?
313C.: olha os projetos geralmente tem umas quinze páginas doze quinze páginas até vinte...
o projeto que a pessoa manda ela manda um projeto de pesquisa ou ela manda um artigo que
ela vai mandar/mandou para o congresso... então é umas quinze vinte páginas que você vê...
daí você vê o currículo da pessoa tá...
314P.: [ uhn uhn
315C.: com base em tudo isso......... isso dá trabalho isso daí dá trabalho fazer parecer
((mudança do tom de voz))
316P.: [é?
317C.: porque tem as perguntas todas que você tem que responder...
318P.: eu não estou entendendo direito... então eu vou ter que ler esse projeto...ou o artigo...
207
319C.: você vai ler o projeto ou artigo dependendo do que a pessoa está pedindo...
320P.: certo
321C.: tá? vai ter justificativa vamos supor que seja projeto de pesquisa tá...
322P.: [certo
323C.: você vai ter que ler bem esse projeto da pessoa você vai ter que olhar bem o currículo
dessa pessoa para ver
324P.: [ ( )
325C.:porque tem perguntas do formulário que você vai preencher do formulário que se
pergunta onde se pergunta sobre o currículo dela... as perguntas são sobre o projeto e sobre o
currículo tá para justificar aquilo que ela está pedindo... no currículo tem assim o lugar onde a
pessoa trabalha para ver se faz sentido então você tem que pensar na coerência de tudo isso
por isso que eu digo que dá um trabalho...
326P.: uhn uhn...
327C.: [tá?
328P.: você acha que dá então trabalho pensar nessa coerência?
329C.: é muito trabalhoso fazer parecer é muito trabalhoso tá... a pessoa às vezes está pedindo
lá auxílio financeiro ela está pedindo computador está pedindo auxílio para comprar
bibliografia está pedindo auxílio para ir para um congresso ela pede tudo num num (bojo) só...
daí você tem que ver se o projeto dela está relacionado a tudo isso que ela está pedindo...
330P.: então é isso que vai tomar bastante tempo?
331C.: toma muito tempo... você tem que entender o projeto dela você tem que avaliar o
projeto primeiro e ver o projeto com projeto se ele é bom se ele está bem fundamentado
teoricamente metodologia se o que ela está colocando como projeto tem a ver com aquela
teoria e com aquela metodologia né os objetivos dela tudo isso... isso é para a avaliação do
projeto tá...
332P.: [uhn uhn
333C.: daí você tem que ver se o projeto tem a ver com aquelas coisas financeiras que ela está
pedindo né?
334P.: então é isso que é bem difícil...
335C.: é difícil dá trabalho... aí você tem que ver o currículo dela onde ela trabalha se ela é de
grupo de pesquisa o que ela já publicou se o que ela publicou tem a ver com esse projeto que
ela está fazendo.... para ver a coerência do trabalho dela tá? vamos supor: uma pessoa
trabalhou a vida inteira com...sei lá na área de ensino de língua materna etc. ela manda um
projeto que não tem nada a ver com isso é estranho não é? ela está mudando por quê? que
programa de pós-graduação ela trabalha? então você tem que ver o perfil todo da pessoa...
porque as perguntas que tem no formulário CNPq vão cobrar essa coerência do pesquisador
que está pedindo entendeu? eles querem ver...
336P.: [essa coerência...
337C.: é eles querem ver se esse pesquisador realmente está pedindo alguma coisa que vai
fazer sen/ que vai ajudar realmente a pesquisa dele né...
338P.: entendi... e daí?
339C.: muitas vezes não tem nada a ver...
208
340P.: e quando não tem nada a ver?
341C.: diz que não tem nada a ver
342P.: você vai por no parecer?
343C.: diz que está ruim
344P.: é você que vai...é uma pessoa que avalia.........mais ( ) ?
345C.: não tem mais de uma são dois ou três são vários que lê...
346P.: então são essas pessoas....
347C.: e nem sei quem são os outros
348P.: são pareceristas anônimos?
349C.: [é são pareceristas ad hoc que a gente chama daí isso vai para uma
comissão do CNPq o comitê...da área e o comitê vai ver os pareceres que a gente deu... daí
eles vão ver o que vão decidir... eu digo lá: “não recomendo para” ”recomendo para” ( )
350P.: se três tiverem falado não daí certamente eles não vão aprovar...
351C.: é vamos supor eu disse não os outros dois disseram sim...
352P.: daí eles que vão decidir...
353C.: eu nunca sei eu não sei o fim da história...
354P.: uhn uhn...
355C.: [tá?
356P.: uhn uhn...
357C.: aí já não dá para saber né?
358P.: e...você falou que tem que preencher esse formulário como que é? como que eu tenho
que preencher esse formulário aí? depois que eu ler
359C.: são várias perguntas... é... vamos supor
360P.: [no site?
361C.: no site... o projeto é bem fundamentado teoricamente? não sei o que daí você tem que
responder com as suas palavras escrever um texto aí...
362 P.: tem que escrever um texto...
363C.: para cada um você escreve um texto... por isso que eu digo que dá um trabalho é um
dia às vezes para fazer um parecer...
364P.: é... isso aí está no site... esse relatório está no site... geralmente costuma dar problema?
costuma dar problema no site?
365C.: geralmente não... o site sempre são bons...
366P.: você consegue.........você grava... eu tenho que gravar em alguma outra (planilha)?
367C.: não você vai fazendo direto ali... eu escrevo a mão algumas coisas...
368P.: e depois você passa...
369C.: você pode perder...
370P.: e pode acontecer de eu perder no meio?
209
371C.: pode...
372P.: perder acabar a energia...
373C.: pode pode...
374P.: daí tem que fazer tudo de novo?
375C.: pode é... começar tudo de novo...
376P.: por isso que é importante escrever a mão...
377C.: mal ou bem tem aqueles meus rabiscos ali sabe... eu só jogo fora os meus rabisquinhos
na hora que o CNPq me manda e-mail dizendo que recebeu meu parecer...
378P.: ((risos)) é daí já está lá né... e outra coisa e quando eu estiver trabalhando com o meu
parecer pode acontecer algum imprevisto telefone/. telefonemas chegar alguém que eu tenha
que parar?
379C.: pode pode...
380P.: [e daí as vezes uma visita...
381C.: é às vezes você consegue falar: “não posso” às vezes você tem que falar: “olha não
posso agora”... se for ( ) às vezes eu tenho que dispensar as outras coisas... às vezes eu falo:
“eu não posso falar com você me liga mais tarde” eu ponho aquilo de prioridade viu?
382P.: [uhn uhn
383C.: eu sou meio assim: “hoje eu vou fazer tal coisa” então eu quero fazer aquilo tá... eu
esqueço meio das outras até... no dia que vou fazer parecer esqueço de aluno esqueço de
orientando vou ficar fazendo parecer...
384P.: e se o telefone tocar você atende como que é?
385C.: o telefone toca pouco...
386P.: é muito por e-mail...
387C.: graças a Deus o telefone toca pouco -- deixe eu pegar mais água ali para a gente espera
aí...-- ah mas o telefone é rapidinho também né... não atrapalha...-- deixe eu pegar uma
aguinha --
((minutos de pausa))
388C.: - - sem água eu não sou nada -- pronto continua...
389P.: pode acontecer de quando eu estiver fazendo esses formulá/ esses pareceres aí eu
entrar em conflito algum tipo de conflito comigo mesma?
390C.: [ pode...
391P.: pode acontecer isso?
392C.: porque às vezes você se questiona se você está lendo bem né... quando...como tudo
né... -- só um minutinho -- os que são bons não dão trabalho... é que nem texto de aluno uma
tese uma dissertação quando é boa flui te dá menos trabalho a leitura é boa né você faz
a....vamos supor você vai para uma arguição daí não dá trabalho que nem o parecer daí você
não tem dúvida... quando é muito bom ou quando é muito ruim são os mais fáceis...
393P.: [ uhn uhn
210
394C.: são os mais fáceis... isso pela minha experiência eu cheguei a essa conclusão... então
tem projeto que eu leio que eu já tenho certeza que é bom ou que é ruim... conforme você vai
lendo vai... o difícil são aqueles que ficam ali no meio né...
395P.: uhn uhn... razoável...
396C.: exatamente que não é bom nem ruim... e esses daí porque às vezes tem coisas boas e
coisas ruins né...
397P.: [uhn uhn
398C.: às vezes ele é um projeto interessante a ideia mas ele não tem uma bibliografia
atualizada por exemplo então tem um item lá: recomendado com ressalva tá... porque daí você
pode recomendar mas a pessoa teria que melhorar alguma coisa ali...
399P.: [uhn uhn
400C.: tá bom? então esses são os mais difíceis você fica na dúvida né se você está sendo
justa... na dúvida o conflito da gente em relação a isso se você está sendo justa se você não
está sendo nem muito rigoroso nem pouco rigoroso né...
401P.: e...eu ia te perguntar de quanto em quanto eu tenho esses pareceres para estar fazendo?
402C.: outra coisa que teve uma vez que eu contei naquela época que fiz o relatório... eu
anotei todos que fiz eu no ano... não sei te dizer assim mas olha é muito...
403P.: é muito por ano?
404C.: é muito... muito muito muito aumentou muito...
405P.:. [uhn uhn
406C.: é muito em relação (...) agora tenho três do CNPq e um da Fapesp...
407P.: três do CNPq e um da Fapesp nossa
408C.: é... tá? esse ano eu já dei vários do CNPq e da Fapesp... então se a gente for ver
somando tudo eu não sei te dizer... talvez uns...pelo menos se você dividir pelo menos um por
mês tem no mínimo ou mais... ou mais...
409P.: uhn uhn... e Fapesp e CNPq é o me....é o mesmo tipo tem no site tem formulário para a
gente preencher...
410C.: isso isso
411P.: os projetos tudo?
412C.: isso é o mesmo processo é...
413P.:então se a gente for dividir é mais ou menos mensal mais ou menos...
414C.: no mínimo... mas às vezes...o problema é que é assim: acumula entendeu porque os
prazos que as pessoas têm...por exemplo do CNPq tem três porque é o prazo que as pessoas
enviaram... então é pior...
415P.: todo mundo enviou daí...( )
416C.: a Fapesp é mais diluída a Fapesp não tem tanto esses prazos como tem o CNPq é mais
diluída durante o ano...
417P.: daí consegue fazer
418C.: daí não acumula é difícil a Fapesp mandar três... ela não manda nunca de três a
Fapesp... CNPq manda três quatro...
211
419P.: de uma vez só?
420C.: para a mesma data
421P.: para a mesma data? daí fica muito difícil né?
422C.: fica
423P.: bom outra atividade que você colocou é o encontro com alunos de graduação...
424C.: [uhn uhn
425P.: que vai ser no dia cinco do onze... como eu devo iniciar esse encontro?
426C.: você vai encontrar com eles lá no IEL... elas têm para esse encontro umas leituras tá
você vai discutir com elas uns textos sobre gêneros do discurso coisas assim que elas estão
lendo...
427P.: e para...para....então eu vou ter que ter lido esses textos?
428C.: você vai ter que ter lido esses textos e...porque esses encontros essa leitura em função
de análise de dados que elas estão fazendo tá? então para esse encontro dessa semana você vai
ter que ter lido os textos para discutir com elas e relacionar com as análises que elas estão
fazendo...
429P.: [uhn uhn
430C.: de dados de escrita de crianças tá então você vai relacionar...tem que conhecer os
dados...
431P.: [dessas alunas?
432C.: dessas alunas...das crianças né você tem que olhar saber o que elas estão analisando...
433P.: os alunos...
434C.: [é saber o que elas estão anali/
435 P.: [são vários alunos?
436C.: três...
437P.: três alunos?
438C.: é três meninas...
439P.: [ certo
440C.: você vai analisar você vai saber qual é a questão que elas estão olhando por exemplo
como que é a...como esses alunos...a interlocução com o leitor do texto tá... então elas estão
lendo algumas coisas sobre isso e estão vendo em mais de um gênero discursivo diferente
então elas têm lá uma questão de pesquisa pequeninha que é de graduação... para isso elas
estão lendo alguns textos então elas estão olhando os dados que elas vão trazer exemplos
também de...dados onde elas estão comentando como que essa interlocução está acontecendo
né? de diferentes gêneros na narrativa na carta...
441P.: e em relação ao...em relação aos textos que elas leram?
442C.: é os que elas leram e o que elas estão analisando... a leitura é para ajudar na análise...
tá?
443P.: e...como eu vou saber se elas estão entendendo o que eu estou falando?
212
444C.: eu acho que muito pela análise que elas tiverem fazendo... se elas tiverem sabendo
analisar e juntar essa leitura com a análise é sinal de que elas estão entendendo tá?
445P.: e vou está discutindo com elas então isso daí no encontro?
446C.: é é... você vai está discutindo...por um lado você vai está discutindo a leitura em si
geralmente eu pergunto as dúvidas que elas têm
447P.: [da leitura
448C.: os pontos assim principais voltados para a análise... se elas não começam a falar muito
eles começam a falar perguntar tal coisa assim assim o que entenderam disso vai cutucando...
depois disso “bom agora vamos ver o que vocês analisaram” e daí vou ver elas vão mostrando
o que elas analisaram... às vezes elas já trazem as análises escritas daí você vai lendo aquilo
que elas escreveram pedir para elas trazerem alguma coisa rascunhada...
449P.: e daí já vai apontando...
450C.: isso isso... isso a gente faz toda semana esse encontro...
451P.: toda semana... com essas três com essas três alunas...
452C.: trabalhoso também né?
453P.: é... ((risos)) porque daí você vai ter...sempre estar lendo esses textos que você pediu
para elas lerem...
454C.: é às vezes tem leitura às vezes não tem às vezes é mais análise só pelo menos a cada
quinze dias tem leitura... mas tem dia que é mais...o último encontro que eu tive ( ) era
análise daí eu achei que elas precisavam mais leitura para melhorar a análise por isso que eu
dei mais leitura entendeu?
455P.: então toda semana tem esse encontro para estar analisando os textos...
456C.: é dura assim uma hora e meia de encontro por aí...
457P.: como eu devo terminar esse encontro?
458C.: dando tarefas para elas para o próximo encontro né... elas têm que sair dali com
alguma tarefa... ou melhorar aquela análise que elas tinham aprese...que elas tinham trazido
para mim... ou fazer comentário daquilo que elas analisaram... ou outra leitura para fazer né?
então esses encontros sempre terminam com uma tarefa para o próximo encontro...
459P.: certo e eu vou saber...como que eu sei qual tarefa é melhor? mais adequada?
460C.: é eu já penso antes nisso de ir para o encontro né? eu já penso: “bom elas já leram isso
para essa reunião agora eles podem ler tal coisa” às vezes eu já levo o que elas vão ler....
461P.: e pode acontecer de eu ter programado determinado atividade e chegar na hora e
mudar para a próxima semana?
462C.: pode pode às vezes por exemplo elas não leram...
463P.: [ não leram o que.........era para ler...
464C.: o que era para ler... é... aí elas vão ter que ler... ou elas leram e não fizeram a análise...
o aluno nem sempre faz tudo aquilo que você planejou pelo contrário... então a gente sempre
aumen...a gente sempre...eu sempre dou sempre passo mais coisa sabendo que eles não vão
fazer tudo se eles fizerem metade do que eu mandei fazer já é alguma coisa entendeu?
465P.: uhn uhn...
213
466C.: por exemplo esse menino que ontem eu mandei ler dois textos se ele leu um já está
bom... já dá para ter um encontro com ele com esse um aí tá... se ele leu dois vai ser ótimo
mas nem sempre ele lê os dois...
467P.: mas se pedir um ele pode não ter lido ler nenhum...
468C.: pois é...
469P.: e daí não dá... então na hora que eu vou saber na verdade... eu vou ter que programar
mais alguma atividade...
470C.: é o trabalho da gente é muito flex...você tem que ter sempre vários várias alternativas
mesmo na sala de aula não é? quando você vai dar aula você vai com uma aula planejada...
daí você chega lá os alunos dizem assim: “não deu para ler o texto não sei o que aconteceu
isso semana pa... a biblioteca fechou teve greve dos funcionários” tem de tudo pode acontecer
então você fala: “então tá vamos fazer tal coisa assim assim...
471P.: então a gente muda na hora...
472C.: na hora você tem sempre algum coisa assim e isso e isso graças a Deus você vai
aprendendo com o tempo né... você tem ideia com o tempo... “então vamos fazer tal coisa vão
se reunir em grupo e vão fazer isso aqui assim vão discutir...” na graduação tem que ter
sempre mais do que na pós....
473P.: uma carta na manga...
474C.: isso a carta na manga exatamente... plano b que eu falo... na pós na pós se os alunos
chegam e falam que não deu para ler não sei o que não sei o que daí eu falo: “bom então
vocês vão embora para casa e daí a gente se encontra na próxima semana é mais aquela leitura
e mais essa tá” porque na pós você não vai ficar dando trabalhinho discussão em grupo é
perda de tempo eu acho... “se vocês não tiveram tempo de ler vocês vão sentar aqui agora e
ler então”...
475P.: uhn uhn
476C.: mas na pós acontece menos isso né...
477P.: esse tipo de coisa... bom você falou aqui que você teria também uma preparação de
encontro de alu/ com essas alunas aí né... você vai preparar o encontro para os alunos...
478C.: é isso preparar o encontro é isso ler/ reler o texto às vezes não precisa reler se é um
texto que você já conhece muito eu vou ter que reler o texto pensar é mais reler o texto e
pensar no outro texto que vai vir depois né pensar no outro... geralmente eu já tenho uma
sequência de/ quando eu planejei esse.... trabalho com eles eu já tenho uma ideia do que eles
vão ler durante o semestre entendeu? então eu já tenho mais ou menos uma ideia de quais vão
ser as leituras aí... então é planejar é preparar a leitura aí e a próxima leitura né...
479P.: uhn uhn... bom essas atividades que você me passou seriam essas... agora Clara eu ia te
perguntar para você me falar sobre alguma atividade que você gostaria de me instruir alguma
atividade que talvez você ache mais difícil de fazer....
480C.: dessas aí? dentre elas?
481P.: de to...não de todas elas... de todas as suas atividades como professora de pós-
graduação... uma das atividades...
482C.: uma delas....
483P.:: dessas daí não porque nós já falamos né...
214
484C.: por exemplo essa semana eu não tinha para ler mas eu tive para segunda-feira... ler
uma tese para uma banca
485P.: certo
486C.: né essa aí de vez em quando dá vontade de alguém que substitua mesmo...
487P.: ((risos)) é então imagine que eu vá te substituir nessa aí então....
488C.: daí
489P.: [ como eu tenho que fazer?
490C.: você vai ler a tese... o bom é que é uma tese que tem problemas né mas não vai ser
reprovada ela va...você vai ter que apontar os problemas dessa tese então você vai ler essa
tese... e vai arranjar um jeito de conseguir colocar esses problemas lá na hora... dizer para o
aluno quais são os problemas todos...
491P.: na hora da tese?
492C.: na hora da arguição
493P.: da arguição... e na hora da leitura o que eu tenho que fazer?
494C.: ah na hora da leitura você tem que ir fazendo as suas anotações quais são os aspectos
que você vai perguntar lá... uma tese a gente já lê com esse objetivo né lendo para fazer uma
arguição...
495P.: uhn uhn
496C.: então eu vou escrevendo do lado na própria tese ou vou marcando em outro papel ou
vou colocando aqueles amarelinhos aqueles post it tá... depois que eu fiz tudo isso enquanto
eu vou lendo daí eu vou sentar no meu computador e vou organizar isso daí...
497P.: vai digitar?
498C.: vou digitar vou digitar a arguição é...
499P.: a arguição com base nessas observações tal...
500C.: observações... é... na hora que você organiza melhora né melhora bastante... porque
você vai marcando conforme você vai lendo... alguma coisa conforme você vai lendo mais
para frente você vai lembrando de coisas que você já leu e você fala “em tal página você não
precisa nem...você nem tinha esse problema” daí quando você organiza isso quando você
organiza isso para a arguição você vai agru...eu faço assim vou agrupando por questões que
eu quero fazer... então vamos supor sobre a teoria eu quero falar sobre a teoria que ela usou na
tese tá... daí eu vou pegar várias anotações que eu fiz sobre a teoria na tese né tal autor porque
tal autor está ali porque que está faltando às vezes tal autor então são var...ou porque esse
daqui ela leu dessa maneira né a relação dessa teoria às vezes ela mistura a pessoa mistura
teorias diferentes... então tudo que é sobre teoria eu vou falar junto embora isso esteja em
várias páginas da tese... juntar tudo no mesmo no mesmo lugar tá...
501P.: [uhn uhn)
502C.: daí sobre a análise que a pessoa fez eu vou juntar tudo que está espalhado aí sobre a
análise etc. ... então daí a gente vai agrupando as questões é uma coisa boa de fazer eu acho
porque é um estudo porque no fundo você está estudando a tese né... daí você prepara essas
questões que você vai fazer né...
503P.: eu vou digitar as questões...
215
504C.: você vai digitar as questões e...e...também...a maneira como você vai dizer isso...você
não vai virar para a pessoa e falar assim: “olha tudo o que você fez está um horror”...
505P.: então na verdade eu tenho que digitar de acordo com o que eu vou falar as perguntas
de acordo com...
506C.: às vezes você até lê...
507P.: até leio as perguntas?
508C.: às vezes eu até leio eu já escrevo para ler...
509P.: para ler as perguntas todas...
510C.: tá porque eu pensei tanto em casa como que eu ia elaborar aquilo... então eu escrevo
para não ter que na hora pensar de novo né...
511P.: [uhn uhn então daí você já lê...
512C.: então eu escrevo: “você em tal lugar colocou assim assim assim... depois mais adiante
você afirmou isso assim” né... então eu vou lendo aquilo que eu escrevi...
513P.: então você... pensar para falar de uma forma sei lá que num...
514C.: que seja delicada mas que ao mesmo tempo que mostre os problemas que seja firme...
não é muito fácil sempre...
515P.: fazer isso...
516C.: não é muito fácil... às vezes a pessoa nem entende o que está dizendo também tem
outro problema mas tudo bem daí...
517P.: você percebe às vezes que a pessoa não está entendendo...
518C.: percebe... daí você deixa...
519P.: o que você vai fazer?
520C.: ali na hora da defesa você vai fazer o quê? você fez a sua parte...
521P.: uhn uhn... e a pessoa não entendeu?
522C.: ou não entendeu ou respondeu outra coisa... não era aquilo que você estava
imaginando...
523P.: se você ver que ela respondeu outra coisa é porque ela não entendeu...
524C.: é... então isso daí você pode essas atividades que você faria nessa sequência né como
eu te falei...
525P.: uhn uhn... e depois lá na hora da defesa?
526C.: na hora da defesa você vai ler você vai... se você quiser você pega aquilo que está
escrito que você já escreveu eu acho bom escrever tá porque você não sabe como você vai
estar na hora da defesa se você vai estar mais distraída mais concentrada né... e na hora que
você faz você está concentrada naquilo...
527P.: [uhn uhn
528C.: tá então eu acho melhor a gente escrever porque depois na hora a gente não fica lá
perdida os outros também falam então você fica prestando atenção nos outros e às vezes você
perde o foco do que você queria dizer... eu não lembro dias depois o que eu li ali eu não
lembro se eu não escrever eu não lembro só anotar coisas...tem gente que escreve ali do lado
da tese e leva aquela tese sem digitar e na hora vai falando... eu não consigo eu não vou
216
conseguir falar nada se fizer assim tá... porque eu não lembro eu não lembro... tem gente que é
boa para isso né consegue lembrar na hora desenvolve lá eu não eu tenho que levar
prontinho...
529P.: certo... e essa defesa aí você falou dessa tese é uma tese que tinha problemas ia ser
aprovada mas tinha problemas... o que pode estar acontecendo então na defesa? alguma
situação de conflito?
530C.: não porque a defesa na realidade é um ritual né... é difícil ir para a defesa alguém que
vai ser reprovado... mas se (pinta) uma situação às vezes né...varia tem várias possibilidades
aí... às vezes o orientador concorda com o que você está dizendo às vezes não concorda né...
531P.: uhn uhn
532C.: às vezes o candidato fica chateado às vezes não fica pessoas lidam com isso de
maneiras diferentes né... então você tem que estar preparado mas tem que estar tranquilo não
pode também ficar nervoso porque não é uma situação para você ficar nervosa né por isso que
eu prefiro escrever para ir com aquela leitura para não ficar na hora ner/ querendo mudar o
que já tinha pensado entendeu? isso é o que li naquele dia o que eu li tá naquele dia eu tive
calma para fazer a arguição né então é essa arguição que eu vou fazer...
533P.: pode até acont/ pode até acontecer de na hora você perceber alguma outra coisa
alguma coisa diferente?
534C.: pode...
535P.: mas você continua lendo aquilo que você fez com calma e pensou?
536C.: é eu prefiro
537P.: uhn uhn...
438C.: eu prefiro porque eu confio mais naquela leitura em casa sossegada do que ali no
momento entendeu? às vezes as pessoas da banca dizem coisas muito parecidas os mesmos
pontos às vezes às vezes não dizem coisas diferentes... tudo pode acontecer as duas situações
né?
539P.: pode acontecer assim...divergentes...
540C.: [pode pode
541P.: um fala uma coisa outro fala totalmente o oposto?
542C.: pode pode pode pode... mas daí você falou aquilo que você tinha estuda/...pensado não
é... você não tem que concordar com todo mundo que está ali é mais complicado... ás vezes
não é divergente às vezes um pegou um aspecto outro pegou outro uma coisa... você não tinha
pensado o que o outro pensou... quando é assim é bom...
543P.: [é porque ( )
544C.: melhor da tese é assim... melhor da defesa é assim porque você aprende alguma coisa
naquela defesa... quando todo mundo diz a mesma coisa é sem graça né porque daí fica aquela
repetição... - - ah o meu nariz hoje está ( )
545P.: tá gripada né?
546C.: estou...--
547P.: bom Clara para a gente terminar eu queria deixar um espaço aberto para você falar
alguma coisa sobre o seu trabalho ou fazer algum comentário... se você gostaria de fazer...
217
548C.: olha eu acho que o trabalho da gente hoje ele tem algumas coisas boas e algumas
coisas ruins que atrapalham a gente... atrapalham a...a parte...a parte que eu gosto mais do
meu trabalho é a parte de estudar né de ler de estudar preparar aula que é um estudo que você
faz né... então essa parte eu gosto bastante a pesquisa ler em função da pesquisa ler autores
novos que eu ainda não li só que essas outras coisas que eu te falei que às vezes...eu acho que
aumentou muito essa quantidade... parecer que você tem que dar é...ler trabalho de aluno
muito você lê várias vezes de seus alunos de outros alunos também relatórios que você tem
que fazer prestação de contas... então tem...e-mail demais isso acaba tirando muito a atenção
da gente para aquilo que eu gostaria de fazer mais né às vezes eu fico pensando em me
aposentar porque eu já poderia estar aposentada há muitos anos e não estou porque eu gosto...
sinto que essa outra parte atrapalha reunião por exemplo ir para reunião é uma chatice né...
reunião ocupa muito o tempo da gente uma tarde inteira numa reunião...
549P.: e tem bastante reunião?
550C.: tem pelo menos duas vezes por mês...
551P.: [uhn uhn
552C.: precisa ter para decidir as coisas mas eu já enjoei um pouco tá eu já enjoei na
realidade... então e eu acho que...sem querer ser saudosista né assim a gente tinha menos
dessa parte...a gente concentrava mais nas coisas fundamentais que é o estudo a pesquisa as
aulas eram menos orientandos então a gente podia se dedicar mais... agora.........
553P.: quantos orientandos você tem?
554C.: quantos que eu tenho hoje? eu tenho 3 de doutorado mestrado três seis e duas de
iniciação oito nem tenho...já tive mais... mas eu já acho muito né? por exemplo ter três quatro
é o ideal no máximo... porque daí você tem tempo realmente né... então eu acho assim...e fora
assim burocracia que você tem que resolver comissão coisas...burocracia mesmo entrega de
documentos preenche formulário sabe tem uma coisa assim que de volta e meia estão pedindo
para a gente fazer... essa parte ocupa um tempo chato da sua vida...
555P.: [uhn uhn
556C.: tirando isso o resto eu gosto muito porque eu gosto das aulas eu gosto dos orientandos
queria que fosse em menos quantidade mas eu gosto de orientar... eu gosto de estudar de ler
em função das aulas em função da pesquisa né... e a cobrança que é muita hoje também você é
muito avaliado o tempo inteiro... isso é um lado chato eu acho...
557P.: quem assim que avalia?
558C.: os colegas da gente... assim como eu avalio os meus colegas eles me avaliam o tempo
inteiro né... o tempo inteiro você avalia você é avaliado...
559P.: e como você sabe assim que eles estão te avaliando?
560C.: quando eu faço relatório eu estou sendo avaliada quando eu peço algum...porque eu
também peço coisa para o CNPq para Fapesp a gente não vive sem isso hoje em dia...
561P.: uhn uhn
562C.: os alunos têm bolsa para os meus alunos de iniciação terem bolsa você manda o
pedido de bolsa você preenche formulário....
563P.: são essas avaliações?
218
564C.: alguém avaliou... a cada seis meses os alunos têm que enviar um relatório daí você
para o que você está fazendo você vai ler relatório você preenche formulário do relatório você
manda o relatório entendeu?
565P.: uhn uhn...
566C.: então são coisas que quebram...seria muito melhor...o aluno precisa até cobrar mas os
alunos de iniciação a cada seis meses têm que mandar relatório... daí você para às vezes uma
semana e fica lendo relatório de aluno mandando relatório... o aluno às vezes não tem ainda
essa experiência de mandar que é tudo pela internet você tem que ver se está certo tem que
sentar junto com ele ver se mandou né então é muita chatice isso...
567P.: e daí vem muita coisa de cima? prescrições dos órgãos que vocês têm que fazer?
568C.: cada processo desses por exemplo que a gente dá parecer vem explicando ali tudo que
eu tenho que fazer né? eu tenho que entrar...o que eu tenho que avaliar... eu não avalio o que
eu quiser... as perguntas ali já estão todas prescritas...
569P.: [uhn uhn
570C.: eu vou enviar um relatório tem as prescrições do que tem que constar desse relatório...
o aluno tem que dizer o que ele desenvolveu nesse semestre as leituras que ele fez então você
tem que olhar lá o que estão pedindo para o relatório dele atender aquilo ali... tudo é assim...
tudo é prescrito...
571P.: [ uhn uhn)
572C.: tudo... você vai mandar o resumo para o congresso você tem que ir lá lê como tem que
ser o resumo para aquele congresso... então tudo você tem que estar se adequando àquilo que
é prescrito...
573P.: uhn uhn
574C.: isso é um pouco cansativo eu acho... acho uma chatice... eu entendo que tem que ter as
normas né? numa sociedade você não vive sem as normas... não pode cada um querer mandar
o resumo que eles quiserem tá eu entendo perfeitamente não estou querendo ser anarquista
mas.... cansa um pouco né? esse cuidado que você tem que ter o tempo inteiro “ai aqui o
resumo tem que ter....” “aquele outro congresso já é de outra maneira” né currículo...
575P.: [ muitas muitas prescrições diferentes...
576C.: você manda um pedido para o CNPq tudo bem você já tem o currículo Lattes você
manda para a Fapesp você tem que fazer um minicurrículo para a Fapesp... daí você tem ir lá
no seu currículo...não podia ser tudo currículo Lattes não é?
577P.: você tem que estar fazendo vários?
578C.: você tem que fazer outros currículos... você manda pedido para a Unicamp você tem
que fazer outro currículo para a Unicamp...
579P.: não aceita o Latttes?
580C.: não não...
581P.: tem que preencher outro formulário...
582C.: o currículo resumido tá... vai lá no Lattes e lê o que você quiser lá você pode puxar o
que você quiser não é?
583P.: você entra lá no site e puxa...
219
584C.: pois é agora mas não... a gente tem que...a gente tem que sentar lá e fazer o currículo
resumido para cada coisa diferente dos seus alunos por exemplo você tem um aluno que pede
bolsa para a Fapesp você tem que fazer um currículo em função da Fapesp você para aquilo
que você está fazendo né? você está lendo você está estudando você tem que parar porque o
aluno... precisa então você fica um dia naquilo ali... atualiza o currículo Lattes... se o aluno vai
pedir...tem Pibic você tem que fazer outro processo... então é muita coisa controlada mesmo
viu... então é um controle muito maior com data com prazo com dia com não sei o que por
isso que eu sofro... é o controle maior sobre a vida da gente... como você falou “muita
prescrição” né e a gente tem que obedecer essas prescrições porque muita gente vê...eu podia
falar assim “bom --eu tenho colegas que já fizeram -- não quero pedir auxílio para ninguém...
eu não vou pedir nada para o CNPq não vou pedir nada para a Fapesp” ( ) mas tem alguns que
não pode ( ) da Unicamp por exemplo você tem que preencher... a Unicamp ainda tem outro
currículo dela não é o Lattes...
585P.: nossa!
586C.: tá? então para fazer o meu relatório da Unicamp eu tenho que preencher outro
currículo da Unicamp daí meu aluno quer bolsa da Fapesp... “eu não quero para mim mas ele
quer bolsa” ele tem o direito dele de pedir a bolsa não é...
587P.: da Fapesp daí tem que ser outro?
588C.: daí eu tenho que ir lá e fazer as coisas da Fapesp... então eu não tenho coragem de
virar; tem colegas que falam isso eles falam para o aluno: “olha aluno meu eu não vou pedir
bolsa para lugar nenhum”...
589P.: para o aluno...
590C.: é radical... professor é radical...
591P.: [para o aluno?
592C.: é nem para ele nem para aluno nem para ninguém... daí se ele não pede nada ele
também não vai dar parecer nunca para ninguém... geralmente quem dá parecer é quem
também pede entendeu?
593P.: é... uhn uhn...
594C.: então a pessoa fica livre desses (pedaços) tem gente que decidiu para a sua vida que
não quer nada disso...
595P.: uhn uhn... então é como se fosse uma troca?
596C.: é...
597P.: você pede lá...
598C.: porque você é cadastrado lá...
599P.: quando você pede...
560C.: quando você assume esse compromisso de poder...é como uma retribuição sua...
561P.: para parecer...
562C.: é...
563P.: são opções que de repente alguns fazem...
564C.: eu tenho colegas que não leem Fapesp nada mas também não pedem nada... “se eu
quiser ir para um congresso eu vou com meu dinheiro eu não peço dinheiro para ninguém... eu
nunca peço dinheiro para mim para os meus alunos para nada também não recebo nada de
220
ninguém para ler para avaliar...” é uma opção... às vezes eu acho que eles estão certos quem
faz isso são coerentes né?
565P.: uhn uhn... porque só vai acumular trabalho né...
566C.: é uma maneira de acumular trabalho exato...
567P.: daí você sabe que não vai ter aquilo se você não quiser...
568C.: você já corta pela raiz...
569P.: tá joia Clara...
570C.: tá bom?
571P.: tá bom