O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA …portais4.ufes.br/posgrad/teses/nometese_78_DANIA MONTEIRO...
Transcript of O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA …portais4.ufes.br/posgrad/teses/nometese_78_DANIA MONTEIRO...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA
O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA
INFANTIL
VITÓRIA
2007
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA
O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA
INFANTIL
VITÓRIA 2007
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagens. Orientadora: Profª Drª Cláudia Maria Mendes Gontijo.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Costa, Dania Monteiro Vieira, 1973- C837t O trabalho com a linguagem oral em uma instituição educativa
infantil / Dania Monteiro Vieira Costa. – 2007. 234 f. : il. Orientadora: Claudia Maria Mendes Gontijo. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Educação. 1. Educação de crianças. 2. Recreação. 3. Crianças - Linguagem. 4.
Psicologia infantil. I. Gontijo, Claudia Maria Mendes. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA
O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA INFANTIL
Aprovada em 29 de outubro de 2007. COMISSÃO EXAMINADORA
Professora Doutora Cláudia Maria Mendes Gontijo Universidade Federal do Espírito Santo
Professora Doutora Cleonara Maria Schwartz
Universidade Federal do Espírito Santo _________________________________________________
Professora Doutora Ivone Martins Oliveira Universidade Federal do Espírito Santo
______________________________________________________
Professora Doutora Cecília Maria Aldigueri Goulart Universidade Federal Fluminense
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
5
AGRADECIMENTOS
A Deus pela força espiritual.
À professora Claúdia pelos sábios ensinamentos, pela competência e dedicação
com que orientou este trabalho.
Às professoras que abriram as portas de suas salas para a realização deste estudo.
Às amigas Dilza e Solange que muito ajudaram no processo de inserção na escola
para a realização da pesquisa.
Às crianças que participaram do estudo.
Aos meus pais, Djacy e Terezinha, pela vida, pela dedicação e cuidado que me
deram durante toda a vida.
À Kézia cuja existência me estimula a “ousar” na vida.
Ao Wanderlei pela paciência, apoio e dedicação.
À Alina, leitora dedicada.
Às minhas irmãs, Deane e Djane, que tanto me incentivaram e apoiaram.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
6
Brincadeira de Criança Grandes fazendas eu tinha Quando criança brincava Meu gado feito de osso Mangueira toda enfeitada Laço feito de cordão Como bom peão eu usava Eu tinha um bezerro fujão Que muitas vezes laçava Meu cavalo de montaria Eu mesmo fazia e domava Campereando o dia inteiro Tocar boiada não me cansava Ao entardecer eu juntava Toda boiada guardava Numa pequena caixinha Minha fazenda virava No meu sono de criança Logo com tudo eu sonhava Sou um grande fazendeiro Clareava o dia, tudo acabava Nessa brincadeira infantil Uma esperança alimentava Se eu comprasse uma vaquinha Um dia teria uma boiada. Jorge Amado Brasil Fagundes
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
7
RESUMO
Este trabalho integra estudos desenvolvidos no campo da linguagem, numa
abordagem histórica, cultural e social, pela linha de pesquisa Educação e
Linguagens, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
do Espírito Santo. Trata de um estudo de caso que tem por objetivo a investigação
sobre o trabalho que é realizado com a linguagem oral numa instituição de Ensino
Infantil do Sistema Municipal de Vitória, ES. Fundamenta-se na abordagem
bakhtiniana de linguagem e nos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural de
Vigotski que postulam que as interações verbais são, ao mesmo tempo, constitutivas
dos sujeitos e da linguagem. A partir de dados coletados por meio de observação
participante em salas de aula, entrevistas com os sujeitos, gravações em audiovisual
e fotografias, seleciona os eventos nos quais as interações verbais foram mais
evidentes. Para análise dessas situações, toma por base os pressupostos teóricos
da perspectiva bakhtiniana de linguagem e também os pressupostos da Psicologia
Histórico-Cultural de Vigotski, Leontiev e Elkonin (especificamente, nas elaborações
construídas sobre as brincadeiras na infância), buscando dialogar com a realidade
observada por meio de dois tipos de situações: as rodas de conversa e a linguagem
oral e a linguagem oral como elemento integrante da brincadeira. Considera que as
análises efetuadas contribuem com as discussões sobre o tratamento que é dado à
linguagem oral no interior das instituições de ensino infantil, tendo em vista que
aponta a necessidade de transformação da sala de aula em um espaço no qual as
crianças possam se enunciar, se expressar, se constituir como sujeito. Nesse
sentido, as brincadeiras infantis se revelaram como uma atividade que possibilita as
crianças se enunciarem. Nelas, as crianças assumem diferentes lugares sociais e
fazem uso de diferentes gêneros do discurso, de acordo com o lugar que assumiram
na ação lúdica.
Palavras-chave: Educação infantil. Linguagem oral. Crianças. Brincadeiras.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
8
ABSTRACT
The paper integrates studies developed in the language field, in a historical, cultural
and social approach, based on the research Education and Languages, of the Post
Graduation in Education Program of the Federal University in the Espírito Santo
state. It is about a study case aiming at investigating the work that is made with oral
language in an institution of Children Teaching in the district of Vitória/ES. It is based
on the bakhtiniana approach of language in the assumptions of Historical-Cultural
Psychology of Vigotsky that postulate that the verbal interactions are, at the same
time, constitutive of subjects and language. From the data collected through the
observation participant in classrooms, interviews with the people, audiovisual
recordings and photography, it selects the events in which the verbal interactions
were more evident. For the analysis of such situation, it is based on the theoretical
assumptions of the bakhtiniana perspective of language and also the assumptions of
Historical-Cultural Psychology of Vigotsky, Leontiev and Elkonin (specifically, in the
elaborations built according to childhood’s game) aiming at dialoguing with the reality
observed through two kinds of situation: the group talk and the oral language as an
element integrant of the games. It considers that the analyses made contribute with
the discussions about the treatment given to the oral language inside the children
teaching institutions, considering that it shows the changing necessity of the
classroom into a space where children can enunciate, express, and constitute
themselves as subject. This way, the games are revealed as an activity that makes
possible the children to enunciate themselves. With the games, kids assume different
social places and use different genders of the discourse according to the place
assumed in the ludic action.
Keywords: Children education. Oral language. Children. Games.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
9
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Sala da Turma 1.................................................................................................65
Foto 2 - Sala da Turma 2.................................................................................................66
Foto 3 - Sala da Turma 3.................................................................................................67
Foto 4 - Sala da Turma 4............................................................................................................68
Foto 5 - Roda de conversa - Turma 1 ...........................................................................101
Foto 6 - Roda de conversa - Turma 3 ..........................................................................101
Foto 7 - Roda de conversa - Turma 2............................................................................102
Foto 8 - Roda de conversa - Turma 4............................................................................102
Foto 9 - Crianças da Turma 1 no pátio..........................................................................152
Foto 10 - Meninas da Turma 1 brincando de contar história...................................... 152
Foto 11 - Brincadeiras de maquiagem...........................................................................153
Foto 12 - Brincadeiras de contar histórias ..................................................................................153
Foto 13 - Brincadeira de produção de foguete .............................................................154
Foto 14 - Brincadeira de ônibus.....................................................................................154
Foto 15 - Brincadeira de montar de uma cidade e uma pista de carrinhos...................155
Foto 16 - Brincadeira de salão de beleza......................................................................155
Foto 17 - Bru brincando de mãe que prepara uma festa de aniversário para o seu
bebê.............................................................................................................................. 157
Foto 18 - A arrumação da noiva representada no salão de beleza..............................165
Foto 19 - Mik vestida de noiva.......................................................................................165
Foto 20 - Fer no altar realizando a cerimônia de casamento........................................166
Foto 21 - Gab conta a história.......................................................................................175
Foto 22 - Menina Car contando a história......................................................................180
Foto 23 - Mik contando história para a sua colega Pao.................................................185
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................11
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA DE ESTUDO......................................................14
3 REVISITANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA.....................................................................23
4 INFÂNCIA E LINGUAGEM..................................................................................................40
4.1 CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA............................................................................................40
4.2 A LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DE MIKHAIL BAKHTIN............................................44
4.3 SOBRE A ABORDAGEM METODOLÓGICA....................................................................46
4.3.1 O processo de inserção em campo e coleta de dados.............................................54 4.3.2 A instituição escolar.....................................................................................................59 4.3.3 As salas de aula............................................................................................................64 4.3.4 As crianças sujeito da pesquisa: relações no ambiente escolar e familiar............68
4.3.5 As professoras e suas trajetórias de trabalho com a linguagem oral.....................75
5 O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL NAS SALAS DE AULA................................88
5.1 AS RODAS DE CONVERSAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL..............................................96
5.1.2 As rodas de conversas e a linguagem oral..............................................................104
a) Roda de Conversa 1 - História de João e Maria.....................................................110
b) Roda de Conversa 2 - O sanduíche de Dona Maricota...........................................125
c) Roda de Conversa 3 - Papai Noel existe?...............................................................129
d) Roda de Conversa 4 - Direitos das Crianças..........................................................136
5.2 A LINGUAGEM ORAL COMO ELEMENTO INTEGRANTE DA BRINCADEIRA............147
5.2.1 Brincadeiras diversificadas.......................................................................................150
a) A festa de aniversário................................................................................................157
b) A festa de casamento...............................................................................................165
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
11
5.2.2 Brincadeira de Professora.........................................................................................171
a) As histórias do menino Gab....................................................................................173
b) A menina Car e a história do Sapo Lambão..........................................................179
c) Mik e a história de Cinderela.................................................................................185
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................193 7 REFERÊNCIAS..................................................................................................................199 APÊNDICES..........................................................................................................................205 APÊNDICE A - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO I.................................206 APÊNDICE B - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO II...............................207 APÊNDICE C - ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA...............................................................................................................................208 APÊNDICE D - FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS SALAS DE AULA/TURMAS.....................................................................................................................211 APÊNDICE E – ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS...........................................................................................................................212 APÊNDICE F – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS.........................214 APÊNDICE G – FOLHA DE DIÁRIO DE CAMPO..............................................................218 APÊNDICE H – Levantamento dos Eventos observados nas turmas de Berçário II, Maternal, Jardim II e Pré.......................................................................................................219 APÊNDICE I – CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS........................................................228
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
12
1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por finalidade apresentar os resultados de nossa pesquisa de
mestrado que foi desenvolvida num Centro de Educação Infantil do Sistema de
Ensino de Vitória-ES, em classes de crianças de dois a seis anos. Considerando a
finalidade da pesquisa, que consiste em investigar como é realizado o trabalho com
a linguagem oral na Educação Infantil, utilizamos a abordagem metodológica
qualitativa sócio-histórica, na modalidade estudo de caso. Nossa inserção em campo
aconteceu no período de maio a dezembro de 2006. Para a coleta de dados,
utilizamos a observação participante, registros em diários de campo, filmagens,
fotografias (salas de aula e crianças) e entrevistas com os sujeitos envolvidos na
pesquisa (professoras e crianças). Os dados obtidos, por meio de filmagens, foram
transcritos, conforme normas apresentadas por Fávero, Andrade e Aquino (2005), e
analisados neste relatório.
A compreensão das práticas pedagógicas que envolvem a linguagem oral é
complexa e desafiadora, pois essa modalidade de linguagem medeia quase todas as
relações que se desenvolvem nas instituições educativas. Por isso, foi preciso ter a
compreensão de que a linguagem oral aparece na sala de aula vinculada a outras
atividades. Nesse sentido, direcionamos nosso olhar para as atividades que as
professoras consideravam importantes para o desenvolvimento da linguagem oral.
Tendo clareza com relação a esse aspecto, inserimo-nos nas salas de aula,
buscando, conforme dito, compreender a maneira como se dava o trabalho com a
linguagem oral. Fundamentamos a análise dos dados na abordagem bakhtiniana de
linguagem e nos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski e
colaboradores, especificamente, nas elaborações construídas sobre a brincadeira na
infância.
As contribuições decorrentes do nosso estudo foram organizadas em cinco
capítulos. Inicialmente, analisamos brevemente o tratamento dado pelo Referencial
Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI) à linguagem oral, procurando
observar a concepção de linguagem subjacente ao documento. A partir dessas
considerações iniciais, delimitamos o problema de pesquisa e os objetivos que a
orientaram. No segundo capítulo, situamos a produção acadêmica referente à
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
13
linguagem oral. Nessa análise, buscamos explicitar os pressupostos teóricos e
metodológicos que fundamentaram os trabalhos acadêmicos analisados.
No terceiro capítulo, discutimos as diferentes concepções de infância, destacando a
concepção de infância que perpassou o trabalho – crianças concretas inseridas num
contexto sócio-histórico e cultural. Também neste capítulo, colocamos, a partir da
perspectiva bakhtiniana, a concepção de linguagem que fundamentou a análise dos
dados, defendendo uma concepção da linguagem que leve em consideração a sua
relação com a vida, pois, conforme assinala Bakhtin (2004), não é possível separar a
língua do fluxo da comunicação verbal. Partindo desses pressupostos, configuramos
as contribuições decorrentes da abordagem metodológica baseada no estudo de
caso, explicitando como se deu o processo de inserção em campo e de coleta de
dados, para, posteriormente, caracterizar a instituição escolar, a sala de aula e os
sujeitos que participaram do estudo.
Finalmente, abordamos, no Capítulo 4, as situações observadas na sala de aula,
analisando as interações verbais que eram constituídas entre as professoras e as
crianças e entre as crianças e as crianças. A partir de um levantamento geral dos
eventos que compõem o corpus da pesquisa, analisamos os eventos que foram
recorrentes em todas as turmas observadas, definindo, dessa maneira, as duas
principais categorias de análise: as rodas de conversas e a linguagem oral e a
linguagem oral como elemento integrante da brincadeira.
No último capítulo, observamos que, de modo geral, as análises indicam que, nas
rodas de conversas, há dificuldades, por parte das professoras, de se colocarem,
nessa atividade, numa posição que possibilite o diálogo. Nessa direção, os dados
apontam a necessidade de reflexões sobre a possibilidade de a roda de conversa
vir a ser um espaço para as crianças se enunciarem e se posicionarem por meio da
linguagem oral. Por outro lado, as análises realizadas sobre as interações verbais
nas brincadeiras evidenciaram que estas proporcionavam o desenvolvimento da
linguagem oral, porque, na ação lúdica construída pelas crianças, havia espaço para
elas se posicionarem, negociarem, construírem sentidos por meio da utilização de
diferentes gêneros textuais.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
14
Acreditamos que este trabalho pode contribuir com as discussões a respeito da
linguagem oral na Educação Infantil, porque traz à tona questões e reflexões sobre a
necessidade de avançar com relação à importância da linguagem oral e sobre o
tratamento que tem recebido no interior das instituições educativas. Nessa direção,
aponta a transformação da sala de aula num espaço onde seja possível o diálogo
que possibilite às crianças a vivência de situações em que possam se posicionar,
negociar, confrontar, se expressar, se contrapor... Um espaço no qual, efetivamente,
possam se constituir como sujeitos.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
15
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA DE ESTUDO
Neste item, faremos uma breve apresentação do Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil (RCNEI), procurando analisar a concepção de linguagem
subjacente no documento. Inicialmente, teceremos algumas considerações a
respeito da estrutura geral do referido documento, apresentando também o contexto
em que foi produzido. Abordaremos ainda questões relativas às relações entre
oralidade e escrita para, em seguida, apresentar o problema desta pesquisa.
Iniciaremos, portanto, com a apresentação do RCNEI. O Volume I traz reflexões
sobre as concepções de criança, de educação, de instituição e do profissional que
fundamentam os objetivos gerais da Educação Infantil; o Volume II trata do âmbito
da experiência – Formação Pessoal e Social, que contém o eixo de trabalho – que,
segundo o documento, favorece os processos de construção da Identidade e da Autonomia das crianças; finalmente, o Volume III, intitulado Conhecimento de
Mundo, apresenta “[...] os eixos de trabalho orientados para a construção de
diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabelecem com os
objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e
Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática” (BRASIL, 1998, p. 7, grifos do
original).
É importante ressaltar que o RCNEI integra a série de documentos dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados pelo Ministério da Educação e do
Desporto. Seu objetivo, segundo o texto de apresentação do documento, é atender
às determinações da Lei n. º 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) que aponta, pela primeira vez na história de nosso País, a Educação Infantil
como a primeira etapa da educação básica.
Ainda de acordo com a carta de apresentação do documento, o Referencial tem
caráter instrumental e didático, devendo os professores ter consciência, em sua
prática educativa, de que a construção de conhecimentos se processa de maneira
integrada e global e, dessa forma, há inter-relações entre os diferentes eixos
sugeridos para serem trabalhados com as crianças. Consideramos a orientação
prescrita no RCNEI muito importante, mas pretendemos analisar em que perspectiva
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
16
a linguagem oral, considerada, de acordo com nosso ponto de vista, um objeto de
ensino, é discutida nesse documento.
Inicialmente, o Referencial destaca que a “[...] a linguagem oral está presente no
cotidiano e na prática das instituições de educação infantil à medida que todos
fazem uso: crianças e adultos falam, se comunicam entre si, expressando
sentimentos e idéias” (BRASIL, 1998, p. 119). Em seguida, apresenta as
concepções que têm permeado o trabalho pedagógico com a linguagem oral, nas
últimas décadas, nas instituições educativas infantis:
a) a aprendizagem da linguagem oral é vista como um processo natural. Nesse
caso, não são planejadas ações educativas visando à sua aprendizagem;
b) a aprendizagem da linguagem oral ocorre a partir da intervenção direta do adulto,
que ensina à criança pequenas listas de palavras com graus de complexidade
gradativa (a linguagem é considerada simplesmente como um grupo de palavras
que nomeia objetos e ações);
c) o adulto imita a forma como a criança fala, acreditando com isso conseguir
estabelecer maior aproximação com a criança.
O Referencial aponta ainda que o trabalho pedagógico com a linguagem oral, nas
instituições infantis, tem se restringido à roda de conversa. Essas atividades,
segundo o documento,
[...] apesar de serem organizadas com a intenção de desenvolver a conversa, se caracterizam, em geral, por um monólogo com o professor, no qual as crianças são chamadas a responder em coro a uma única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma ação totalmente centrada no adulto (BRASIL, 1998, p. 119).
Neste relatório, discutiremos as rodas de conversa e verificaremos como têm sido
desenvolvidas na instituição em que o trabalho foi realizado. É importante ressaltar
ainda que as questões apontadas no RCNEI sobre a linguagem oral aparecem em
paralelo às da linguagem escrita. Assim, o documento compara as concepções de
linguagem oral e escrita que perpassam o trabalho educativo nas instituições de
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
17
educação Infantil, afirmando que existe uma semelhança entre elas, e tenta
distanciar-se das concepções de base idealistas e empiristas, assinalando:
[...] pesquisas realizadas, nas últimas décadas, baseadas na análise de produções das crianças e das práticas correntes, têm apontado novas direções no que se refere ao ensino e à aprendizagem da linguagem oral e escrita, considerando a perspectiva da criança que aprende. Ao se considerar as crianças ativas na construção de conhecimentos e não receptoras passivas de informações há uma transformação substancial na forma de compreender como a aprendem a falar, a ler e a escrever (BRASIL, 1998, p. 120).
Assim, procura defender que a aprendizagem da linguagem oral e escrita ocorre por
meio da interação entre a criança e a linguagem (oral ou escrita). Posteriormente,
indica sua concepção de linguagem oral com a seguinte afirmação:
A linguagem oral possibilita comunicar idéias, pensamentos e intenções de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais. Seu aprendizado acontece dentro de um contexto. As palavras só têm sentido em enunciados e textos que significam e são significados por situações. [...] È por meio do diálogo que a comunicação acontece. São os sujeitos singulares que atribuem sentidos únicos às falas. A linguagem não é homogênea: há variedades de falas, diferenças nos graus de formalidade e nas convenções do que se pode e deve falar em determinadas situações comunicativas. Quanto mais as crianças puderem falar em situações diferentes, como contar histórias, dar um recado, explicar um jogo ou pedir uma informação, mais poderão desenvolver suas capacidades comunicativas de maneira significativa (BRASIL, 1998, p. 120-121).
Podemos observar, neste trecho, a presença do conceito de enunciado. No
Referencial, ele é definido em nota de rodapé, referindo-se “[...] a algo que alguém
falou para outro em certo momento e em certo espaço; e esse ato é chamado de
enunciação” (BRASIL, 1998, p. 121). Em nossa opinião, esse conceito é “vago”, pois
o RCNEI não identifica a sua origem. Segundo Brait e Melo (2005, p. 63) ”[...] os
conceitos enunciado/enunciação, tão largamente utilizados na área de linguagem,
estão longe de promover um consenso, apresentando, ao contrário, uma grande
polissemia de definições e empregos”. No caso do RCNEI, o não esclarecimento da
filiação do conceito de enunciado à teoria lingüística que o fundamenta torna mais
difícil identificar a perspectiva epistemológica da linguagem que orienta o
documento.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
18
O documento também aponta que as crianças possuem uma competência
lingüística, que é definida como a capacidade que elas têm para entender a
linguagem e se fazer compreender por meio dela. Desse modo, enfatiza a
criatividade da criança, ao afirmar que,
[...] nas inúmeras interações com a linguagem oral, as crianças vão tentando descobrir as regularidades que a constitui, usando os recursos de que dispõem: histórias que conhecem, vocabulário familiar etc. Assim, acabam criando formas verbais, expressões e palavras, na tentativa de apropriar-se das convenções da linguagem (BRASIL, 1998, p. 126).
A noção de competência nos parece adequada à visão de que a linguagem é
instrumento de comunicação, pois o Referencial defende a idéia de que a
apropriação da linguagem ocorre pela interação entre a criança (sujeito) e o objeto
(linguagem) e decorre da necessidade de comunicação. Logo, não há, no
documento, uma análise da natureza sócio-histórica e ideológica da linguagem, na
medida em que defende que ela é instrumento de comunicação entre as pessoas. A
criatividade ou a competência do sujeito para aprender a linguagem vincula-se aos
trabalhos de Noam Chomsky, para quem a linguagem constitui-se em um sistema
abstrato, no qual os aspectos sócio-históricos não são relevantes.
Apesar dos problemas no tratamento da linguagem oral e da dificuldade de definir a
concepção de linguagem que o orienta, ela foi incorporada ao RCNEI como eixo a
ser trabalhado. Resta saber, por meio de investigações científicas, que
desdobramentos essa orientação tem produzido na prática com a oralidade nas
instituições educativas infantis. Para aprofundar um pouco a questão relativa às
relações entre linguagem oral e linguagem escrita, tendo em vista que o RCNEI trata
essas duas linguagens concomitantemente, tomaremos as discussões de Marcuschi
(2003). Ele aponta que, atualmente, existem muitas tendências que estudam essas
relações. Por isso, faz-se necessário discutir as “[...] várias tendências de tratamento
da questão, para identificar problemas e sugerir uma linha de tratamento que pode
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
19
ser mais frutífera, menos comprometida com o preconceito e a desvalorização da
oralidade” (MARCUSCHI, 2003, p. 26).
A primeira das tendências apresentadas por Marcuschi (2003) é a da perspectiva
das dicotomias. De acordo com o autor, essa tendência é a de maior tradição entre
os lingüistas, pois se interessa em analisar as relações entre as duas modalidades
de uso da língua: fala e escrita. No entanto, dentro dessa perspectiva, há linhas
diferentes. Por isso o autor situa Bernstein (1971), Labov (1972), Halliday (1985,
numa primeira fase), Ochs (1979) como representantes das dicotomias mais
polarizadas, chamadas por ele de visão restrita. Dentro dessa mesma perspectiva,
mas percebendo as relações entre fala e escrita dentro de um contínuo, aponta
autores como Chafe, (1982, 1984, 1985), Tannen (1982, 1985), Gumperz (1982),
Biber (1986, 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday/Hasan (1989). Sobre as
dicotomias restritas, o autor argumenta:
[...] trata-se, no geral, de uma análise que se volta para o código e permanece na imanência do fato lingüístico. Esta perspectiva, na sua forma mais rigorosa e restritiva, tal como vista pelos gramáticos, deu origem ao prescritivismo de uma única norma lingüística tida como padrão e que está representada na denominada norma culta (MARCUSCHI, 2003, p. 27).
Logo, é essa perspectiva, para Marcuschi (2003), que fundamenta a divisão clássica
entre a língua falada e a língua escrita e que, portanto, possibilita o estabelecimento
de dois blocos distintos, fato que resulta nos seguintes desdobramentos: não há
preocupação com os usos discursivos da língua nem com a produção textual;
postula para a fala uma menor complexidade, e o contrário para a escrita; considera
a fala como lugar de erro, e a escrita como momento do uso correto e adequado da
língua. Essa perspectiva, segundo Marcuschi (2003, p. 28), “[...] oferece um modelo
muito difundido nos manuais escolares, que pode ser caracterizado como uma visão
imanentista que deu origem à maioria das gramáticas pedagógicas que se acham
hoje em uso”. Ainda segundo o autor, esses manuais pedagógicos disseminam
dicotomias estanques que separam forma e conteúdo, língua e uso, e fundamentam
o ensino da língua com base em regras gramaticais.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
20
Uma segunda perspectiva, discutida por Marcuschi, é a tendência fenomenológica
de caráter culturalista, que enfatiza a natureza das práticas da oralidade “versus” as
da escrita, fazendo, então, uma análise dos aspectos cognitivo, antropológico ou
social, que resultam na construção de uma fenomenologia da escrita. O autor afirma
que essa perspectiva é basicamente de cunho epistemológico, pois foi produzida por
antropólogos, psicólogos e sociólogos, entre eles, segundo o autor, Walter Ong
(1982), Jack Goody (1977), Sylvia Scribner (1997) e David Olson (1977) em seus
primeiros trabalhos. Marcuschi (2003) também destaca que essa perspectiva não
consegue explicar as relações lingüísticas, já que o seu foco de análise está fundado
na questão macro, voltada para as atividades psicoeconômicas e culturais de um
modo amplo.
Marcuschi (2003) também aponta que, para alguns autores que defendem essa
perspectiva, “[...] a escrita representa um avanço na capacidade cognitiva dos
indivíduos e, como tal, uma evolução nos processos noéticos (relativos ao
pensamento em geral), que medeiam entre a fala e a escrita” (MARCUSCHI, 2003,
p. 29). Nesse sentido, alguns autores criticam o excessivo engrandecimento da
escrita por essa perspectiva. Gnerre (1985) é apresentado por Marcuschi como um
desses críticos. Baseado em Gnerre (1985), Marcuschi (2003) aponta que os
problemas dessa tendência podem ser sintetizados em três pontos: no
etnocentrismo, na supervalorização da escrita e no tratamento globalizante que não
leva em consideração o “[...] fato de que não existem ‘sociedades letradas’, mas sim
grupos de letrados, elites que detêm o poder social, já que as sociedades não são
fenômenos homogêneos, globais” (MARCUSCHI, 2003, p. 30-31).
A terceira tendência apresentada por Marcuschi é a perspectiva variacionista,
considerada por ele como uma tendência intermediária entre as duas discutidas
anteriormente. Esse caráter intermediário, na perspectiva desse autor, dá-se
principalmente pelo não estabelecimento de dicotomias ou “caracterizações
estanques”. O que há, então, é uma preocupação com regularidades e variações.
Outro aspecto destacado pelo autor, com relação a essa tendência, é o rigor
metodológico para a observação da língua. Assim, nessa tendência não há “[...] uma
distinção entre fala e escrita, mas sim uma observação de variedades lingüísticas
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
21
distintas. Todas as variedades submetem-se a algum tipo de norma“ (MARCUSCHI,
2003, p. 31). Na análise realizada pelo autor, autores brasileiros, como Bortoni
(1992, 1995), Kleiman (1995), integram essa perspectiva. Marcuschi (2003) afirma
que isso ocorre numa perspectiva um pouco diversa, mas dentro do mesmo espírito,
Soares (1986) acaba defendendo a perspectiva variacionista. Assim, para
Marcuschi (2003, p. 32):
O interessante nesta perspectiva é que a variação se daria tanto na fala como na escrita, o que evitaria o equivoco de identificar a língua escrita como a padronização da língua, ou seja, impediria identificar a escrita como equivalente à língua padrão, como fazem autores situados na perspectiva da dicotomia estrita.
No entanto, Marcuschi afirma não defender essa tendência, porque não acredita que
fala e escrita representem dois dialetos, “[...] mas sim duas modalidades de uso da
língua, de maneira que o aluno, ao simplesmente dominar a escrita, se torna
bimodal. Fluente em dois modos de uso e não simplesmente em dois dialetos”
(MARCUSCHI, 2003, p. 32). Nesse contexto, o autor apresenta a quarta perspectiva,
a qual denominou sociointeracionista. 1 Segundo o autor, esse modelo leva uma
vantagem em relação às outras tendências, que é o fato de uma melhor percepção
“[...] da língua como fenômeno interativo e dinâmico, voltado para as atividades
dialógicas que marcam as características mais salientes da fala, tais como as
estratégias de formulação em tempo real” (MARCUSCHI, 2003, p. 33). No Brasil,
esse modelo tem, entre seus representantes, Preti (1991, 1993) e o próprio
Marcuschi (1986, 1992, 1995), além de Kleiman (1995) e Urbano (2000). Assim,
para Marcuschi, essa perspectiva preocupa-se
[...] com os processos de produção de sentido tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos inferenciais. Não toma as categorias lingüísticas como dadas a priori, mas como construídas interativamente e sensíveis aos fatos culturais. Preocupa-se com a análise dos gêneros textuais e seus usos em sociedade. Tem muita
1 Com base nas discussões realizadas por Duarte, ressaltamos que não concordamos com essa nomenclatura utilizada por Marcuschi, pois, para Duarte (apud TULESKI, 2002, p. 84-85) “[...] o interacionismo é um modelo epistemológico que aborda o psiquismo humano de forma biológica, ou seja, não dá conta das especificidades desse psiquismo enquanto um fenômeno histórico-cultural”.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
22
sensibilidade para fenômenos cognitivos e processos de textualização na oralidade e na escrita, que permitam a produção de coerência como uma atividade do leitor/ouvinte sobre o texto recebido (MARCUSCHI, 2003, p. 34).
Assim, também compartilhamos com Marcuschi a crença de que essa tendência é a
que melhor compreende a língua como fenômeno interativo e dinâmico e se constitui
nas relações históricas e sociais. Nesse sentido, ela não pode ser compreendida
fora dessas relações, limitada simplesmente aos aspectos lingüísticos postulados,
na maioria das vezes, de maneira dicotômica, como observamos anteriormente.
Portanto as “[...] relações entre fala e escrita não são óbvias nem lineares, pois elas
refletem um constante dinamismo fundado no continuum que se manifesta entre
essas duas modalidades de uso da língua” (MARCUSCHI, 2003, p. 34).
Marcuschi (2003) argumenta ainda que a língua, seja na sua modalidade falada seja
na modalidade escrita, reflete, em boa medida, a organização da sociedade. Além
disso, postular algum tipo de superioridade de alguma das modalidades seria uma
visão equivocada, pois não se pode afirmar que a fala é superior à escrita ou vice-
versa. O maior prestígio social da escrita em relação à fala não se dá por questões
intrínsecas nem por parâmetros lingüísticos, mas, sim, por uma postura ideológica.
Conclui-se então que oralidade e escrita são duas práticas sociais, e não duas
propriedades de sociedades diversas. Portanto,
[...] as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos. Em conseqüência, temos a ver com correlações em vários planos, surgindo daí um conjunto de variações e não uma simples variação linear (MARCUSCHI, 2003, p. 37).
Essas questões trazem muitos desdobramentos para o trabalho com a linguagem
oral na Educação Infantil. Assim, este relatório apresenta os resultados da pesquisa
que teve por finalidade investigar o trabalho com a linguagem oral em classes de crianças de dois a seis anos de idade de uma instituição educativa infantil
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
23
pública do município de Vitória, ES. Em termos específicos, os objetivos desta
pesquisa são:
a) analisar as concepções de infância e de educação infantil das professoras e
suas relações com os modos como desenvolvem o trabalho com a linguagem
oral;
b) analisar como se desenvolve o trabalho com a linguagem oral nas classes de
Educação Infantil, tomando situações em que as professoras têm intenção de
ensinar/trabalhar a linguagem oral;
c) discutir situações observadas na instituição que possibilitam o
desenvolvimento da linguagem oral.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
24
3 REVISITANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA
Em face do problema deste trabalho, revisitaremos a produção acadêmica que trata
a linguagem oral. Inicialmente, é importante dizer que tivemos dificuldades para
realizar essa tarefa, pois são poucas as pesquisas sobre esse tema. Dessa forma,
analisaremos os trabalhos de Cerqueira (1986), Hubert (2002) e Barbosa (2001)
encontrados até o momento da elaboração deste relatório.
Cerqueira (1986), em sua pesquisa, objetivou ampliar os estudos naturalísticos que
identificam variáveis relevantes do meio lingüístico para a aquisição da linguagem,
uma vez que os dados existentes, de acordo com a autora, sugerem apenas
indicações, exigindo maior fundamentação empírica e teórica sobre o assunto.
Assim, buscou compreender as relações funcionais que explicam a aquisição da
linguagem por meio da análise dos atributos específicos, na interação verbal mãe-
criança. Além disso, procurou entender o papel que a criança desempenha nesse
processo. A autora propôs-se também a :
a) analisar o nível de simplificação e redundância da fala dirigida à criança, que se
vai modificando à medida que a ela se desenvolve lingüisticamente;
b) verificar que tipos de categorias verbais são mais efetivos para a produção de
respostas da criança;
c) estudar como se modificam as conseqüências verbais, providas para certas
emissões da criança, à medida que ocorre seu desenvolvimento.
Para Cerqueira (1986), são muito restritas e controvertidas as evidências dos efeitos
da fala materna sobre o desenvolvimento da fala infantil. Portanto é fundamental que
se desenvolvam mais estudos naturalísticos, no contexto interativo, para buscar
subsídios empíricos e teóricos sobre o tema.
A autora apresenta duas vertentes teóricas sobre a origem da linguagem: as
proposições de Skinner e as de Chomsky. Entretanto não declara a sua posição com
relação à visão desses autores. Por isso, não encontramos no trabalho um
posicionamento explícito com relação à concepção de linguagem norteadora do
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
25
estudo. No entanto percebemos que a concepção de linguagem da autora não é a
comportamentalista. Os defensores dessa visão acreditam que
[...] as crianças do gênero humano são feitas de forma a apresentar alta probabilidade de imitar sons da fala que ouvem de pessoas significativas. A partir dessa predisposição programada geneticamente e do reforço dado por essas pessoas na qualidade de ouvintes, o comportamento verbal é adquirido e modelado (BAUM, 1999, p. 130).
Assim, consideramos que a concepção de linguagem que orienta as análises
aproxima-se do modelo psicolingüístico de Chomsky na medida em que acredita que
a aquisição da linguagem pelas crianças de classes populares, conforme aponta a
autora, acontece da mesma forma que a aquisição da linguagem das crianças de
classe média, ou seja, “[...] todas as crianças, independente de raça ou status sócio-
econômico, têm uma habilidade igual em adquirir a linguagem, independente de
controle de estímulos” (BRAGGIO, 1992, p. 18). Cerqueira (1986) vê a aquisição da
linguagem a partir do modelo de Chomsky que
[...] ressalta o papel da “criatividade”: a capacidade que as crianças têm de produzir e entender um número indefinidamente grande de enunciados, com os quais não tiveram experiência anterior, dado o caráter produtivo das línguas humanas. Ou seja, a capacidade de operar com a língua independentemente de estímulos, a qual se manifesta, todavia, dentro dos limites estabelecidos pela produtividade do sistema lingüístico, regidos por regras de adequação gramatical, cujas propriedades formais seriam características da estrutura da mente humana (BRAGGIO, 1992, p. 17).
Nesse contexto, Cerqueira (1986) construiu a metodologia do estudo com as
seguintes etapas: utilizou nove pares de mães e crianças (M-C) de uma das creches
da cidade de Botucatu, sendo cinco do sexo feminino e quatro do sexo masculino,
cuja idade variou entre 19 e 38 meses. Com esse grupo, fez um estudo transversal e
um estudo longitudinal.
Para efetuar o estudo transversal, constituiu dois grupos, de quatro pares cada um,
com faixas etárias em torno de dois e três anos de idade. No longitudinal, estudou
cinco pares de M-C, quatro dos que compuseram os grupos e mais um par, cuja
criança tinha 19 meses de idade no primeiro mês analisado. As observações foram
realizadas na creche em que permaneciam as crianças, em salas designadas pela
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
26
diretora da instituição. A pesquisadora também fez uma visita domiciliar, para
aplicação de um questionário. As mães foram convidadas a participar do trabalho,
cujo objetivo era estudar como brincavam mães e crianças.
Para as mães que aceitavam o convite, foi marcado um horário em dias que eram
convenientes para elas. Nos dias agendados, quando chegavam à creche, eram
conduzidas à sala de observação e informadas de que deveriam brincar com seu
filho por aproximadamente 15 minutos, durante os quais a observadora
permaneceria afastada, registrando as observações.
Depois de estarem instalados o par M-C e a observadora, e M-C terem iniciado
algum contato, acionavam-se os dois gravadores. Após a emissão de um bip longo,
que indicava o primeiro intervalo de 15 segundos, era iniciado o registro manual dos
eventos físicos e motores. Com esse procedimento, os sinais sonoros emitidos
indicavam ao observador os intervalos de 15 segundos e superpunham-se aos
eventos verbais que estavam sendo gravados, o que permitiu uma sincronia entre os
registros vocais gravados e o registro contínuo dos eventos físicos e motores
tomados manualmente pelo observador.
As gravações foram transcritas em verbatim, pontuando-se de acordo com a
entoação dada à emissão verbal. Posteriormente, essa transcrição foi acoplada ao
registro motor correspondente a cada intervalo de 15 segundos. Efetuada a
transcrição, as fitas eram ouvidas e anotados todos os intervalos de silêncio
perceptíveis entre as emissões verbais, mediante o uso de um cronômetro. Nesse
estudo, identificou-se o padrão interativo e o padrão individual de mudança de
intercâmbio verbal. Os padrões interativos, segundo Cerqueira (1986), eram
representados por aqueles em que uma resposta verbal (RV) da criança © era
sucedida a menos de um segundo por RV da mãe (M) e vice-versa. Os padrões
individuais constituídos por RV diferentes de M-M ou C-C eram considerados
padrões individuais de mudança no fluxo verbal. A partir desse ponto, foram
identificadas as RVs de cada membro da díade que constituiu as unidades de
análise.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
27
Com relação aos resultados, Cerqueira (1986) assinala que seu trabalho apontou
evidências de uma evolução no comportamento verbal das crianças estudadas, nas
direções descritas por outros trabalhos que estudaram crianças de classe média.
Houve também, segundo a autora, a identifição de características específicas na fala
das mães, que coincidiam com as descritas pela literatura de motherese,2 sugerindo
que essas características podem ser efetivas para o ensino da linguagem.
Conforme Cerqueira (1986), não foram encontradas evidências que possam ser
vistas como características de crianças oriundas das camadas menos privilegiadas
economicamente, pelo menos durante o processo de aquisição da linguagem, o que
sugere que essas diferenças talvez se introduzam mais tarde, ou devam ser
procuradas em outro tipo de análise do comportamento verbal. A autora conclui
também que é importante desenvolver estudos sistemáticos sobre o que falam as
mães e as crianças desde a idade mais precoce, pois muito se poderá aprender
sobre a aquisição da linguagem em todos os seus aspectos.
Cerqueira (1986) argumenta que os dados do seu trabalho são sugestivos e
reclamam uma análise sistemática daquilo que a criança aprende precocemente na
interação verbal com adultos, pois, segundo ela, o estudo que realizou apresentou
fortes indicações da transmissão da noção de propriedade, auto-imagem, dos papéis
sexuais, da explicação de contingências repressivas nos controles vigentes em
nossa sociedade. Para ela, essa análise do conteúdo talvez possa esclarecer sobre
“as diferentes linguagens” apresentadas pelas “diferentes classes”. Ela sugere
também a ampliação desse tipo de estudo, focalizando um número maior de
crianças em interação não apenas com suas mães, mas também com outros
adultos e crianças do seu meio.
Podemos perceber, assim, que o foco deste trabalho é a aquisição da linguagem
como um processo ativo, no qual a criança formula hipóteses sobre as regras que
constituem as sentenças que escuta do adulto e assim chega à produção de um
2 De acordo com Elliot (1981, p. 147), o motherese ou maternalês é a fala dirigida à criança. O maternalês parece ter dois componentes principais. Em alguns casos, tem características que estão ausentes no modelo adulto ou que seriam desviantes dentro dele, e que são comumente designadas por fala tatibitate. Além disso, exibe modificações típicas do modelo adulto, particularmente nos níveis dos traços paralingüísticos, traços sintáticos e traços do discurso.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
28
corpus lingüístico. Isto é, Cerqueira (1986) postula que “[...] todo ser humano é
biologicamente pré-programado para adquirir a linguagem. Uma vez exposta a um
pequeno conjunto de dados lingüísticos, a criança descobre a teoria da sua língua”
(BRAGGIO, 1992, p. 18).
Não pretendemos negar a relevância teórica dessa pesquisa para os estudos sobre
a apropriação da linguagem oral. No entanto a perspectiva teórica que o orientou é
diferente da proposta teórica deste estudo que concebe a linguagem como
constituidora da identidade do sujeito. Diferentemente de Chomsky, para quem a
linguagem é um sistema abstrato, no qual os aspectos sócio-históricos não são
relevantes, a teoria histórico-cultural vê a linguagem como resultado das relações
humanas, o que significa dizer que ela é produzida num contexto heterogêneo,
contraditório, multifacetado e concreto. Assim, não basta dizer que todas as crianças
nascem com uma competência para aprender a linguagem, como assinala
Chomsky. É preciso pensar a apropriação da linguagem como resultado da atividade
social, determinada sociocultural e historicamente.
Hubert (2002), em seus estudos, procurou explicitar quais elementos lingüísticos são
identificados nas rupturas em narrativas orais produzidas por adolescentes e
adultos. O objetivo central desse trabalho foi, segundo a autora, descrever os
sistemas lingüísticos utilizados pelos nossos informantes diante do continuum da
aquisição da Língua Materna (LM), ou seja, quais elementos da língua nossos
informantes já têm adquirido para narrar eventos numa seqüência linear, e como os
emprega ao romper com a linearidade. O trabalho de Hubert (2002) buscou
responder às seguintes questões: a) Já que algumas categorias verbais são adquiridas tardiamente, quais estruturas
verbais encontraremos nas produções textuais de adolescentes e de adultos?
b) Quais elementos lingüísticos o informante utiliza para dar conta de eventos
simultâneos e/ou anteriores?
c) Diante da estrutura de texto narrativo, como ocorre o movimento referencial nas
narrativas coletadas?
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
29
Em suma, para Hubert (2002), a pesquisa tentou estabelecer ligação entre a
aquisição da linguagem oral e os processos cognitivos que envolvem a produção
textual oral. No início do estudo, a autora discutiu o conceito de “aquisição da
linguagem”. Afirma que, dentre as áreas envolvidas na pesquisa sobre a aquisição
e/ou aprendizagem, a Psicologia Cognitiva e a Lingüística (mesmo com diferentes
ramificações) merecem destaque. A autora define esses estudos das seguintes
perspectivas: a sociointeracionista, a psicolingüística e a dos modelos conexionistas.
O ponto de vista sociointeracionista, assinala Hubert (2002), uniu parâmetros
discutidos, na década de 80, pela sociolingüística e pelo interacionismo 3
vigotskiano. Essa união, segundo a autora, fortaleceu a hipótese de que o
desenvolvimento da linguagem está intrinsecamente ligado a fatores sociais, etários,
raciais e econômicos, bem como à interação dos aprendizes no meio social (escolar
ou externo à escola).
Na abordagem sociointeracionista, afirma a autora, o indivíduo constrói seu sistema
lingüístico por meio da interação social, tornando sua competência lingüística
favorável à comunicação. Já a psicolingüística preocupa-se com os processos
psicológicos envolvidos na produção e na compreensão da linguagem. O interesse
está centrado nos aspectos mental e psicológico que podem estar envolvidos na
aquisição e/ou aprendizagem de uma língua.
Hubert (2002) discute também a respeito das divergências entre a teoria
chomskyana e a Psicologia Cognitiva. Segundo a autora, a primeira afirma que o
indivíduo teria mais facilidade para adquirir uma língua até a adolescência. A
segunda, representada pelos psicólogos Piaget e Vigotski, discorda quanto ao
tempo em que o ser humano estaria predisposto a adquirir novos conhecimentos,
destacando a relação entre o desenvolvimento da linguagem e da inteligência em
diferentes períodos da vida.
A teoria de Piaget, de acordo com Hubert (2002), não enfoca a linguagem como
ponto essencial. Sua contribuição ao desenvolvimento da linguagem surge no 3 Não concordamos com a associação de Vigotski ao interacionismo, conforme Hubert (2002). O interacionismo é apresentado por Duarte como um modelo epistemológico que aborda o psiquismo de forma biológica, diferentemente de Vigotski, para quem o psiquismo humano é construído culturalmente.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
30
segundo estágio (2-7anos) e segue com as operações do pensamento no estágio da
inteligência operacional. Vigotski enfatiza o componente social do processo de
aprendizagem. Apesar de vincular Vigotski e Piaget à mesma corrente teórica
(Psicologia Cognitiva), Hubert (2002) afirma que Vigotski não compreende o
processo da fala egocêntrica da forma como foi descrita por Piaget. Segundo a
autora, para Vigotski, a fala, mesmo individual, é social, porque ocorre de “fora para
dentro”, ou seja, a verdadeira direção do pensamento vai do social ao individual.
Para Piaget, ocontece o contrário: a direção do pensamento vai de “dentro para
fora”. A autora também mostra resultados de pesquisas psicolingüísticas sobre a
aquisição lexical, os quais demonstram que, a partir dos 12, 13 anos, a criança já
teria armazenado uma grande quantidade de itens lexicais.
A autora apresenta também os modelos textuais de Labov (1993), Stutterheim e
Klein (1989) que reforçam a idéia de que todo texto oral, antes de ser articulado, é
organizado e estruturado em nível conceitual. Afirma, também, que esses modelos
se complementam, na medida em que todos se referem aos elementos tempo e
personagem como constituintes necessários à narrativa, mas sem descartar os
elementos processo, lugar e modalidade. No trabalho realizado por esses autores,
segundo Hubert (2002), qualquer tipo de texto é originado por uma quaestio4
explícita ou implícita.
O corpus da pesquisa foi constituído com narrativas de adolescentes e adultos.
Hubert (2002) dividiu os informantes e as produções coletadas em dois grupos: um
grupo constituído de sete adultos com idades entre 23 e 40 anos; outro contendo 19
adolescentes com idades entre 15 e 18 anos. Todos os informantes encontravam-se
diariamente e mantinham relações mais ou menos intensas e hierarquizadas.
Hubert (2002) menciona que os dois grupos pareciam ser homogêneos porque
estavam expostos, durante algumas horas do dia, ao mesmo input, ou seja,
conviviam numa mesma comunidade sociocultural. O grupo de adolescentes era
constituído por estudantes do Ensino Médio, e o grupo de adultos era formado por
4 Questão proposta pela autora aos informantes do estudo. As respostas dos informantes formaram os dados da pesquisa.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
31
professores de diferentes disciplinas. Ela também estabelece a seguinte distinção
entre os dois grupos:
a) o grupo de adultos estava com o domínio da LM relativamente estabilizado.
Todos tinham concluído o curso de graduação e, profissionalmente, estavam
estabelecidos. Por essas razões, os informantes adultos representavam na
pesquisa a língua portuguesa culta padrão (grupo de controle);
b) o grupo de adolescentes encontrava-se em fase de formação. No Ensino Médio,
estavam expostos a diferentes conhecimentos, entre eles, o ensino sistemático e
progressivo do português como LM. Desse modo, os adolescentes possuíam um
sistema lingüístico em construção, menos estabilizado do que os apresentados
pelo grupo anterior.
O contato entre a pesquisadora e os informantes foi realizado fora do ambiente
escolar. O local de gravações variou de acordo com a disponibilidade do informante.
No primeiro momento da entrevista, a pesquisadora solicitou aos informantes uma
narrativa pessoal por meio da quaestio: o que aconteceu contigo? No segundo
momento, quando os informantes estavam mais tranqüilos em relação à situação, a
pesquisadora mostrou a história em imagens: Frog, where are you? (Rã, onde está
você?) e pediu que contassem uma história como se estivessem contando a uma
criança.
As narrativas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra pela pesquisadora.
Em seguida, a autora realizou a segmentação dos textos coletados. De acordo com
Hubert (2002), um dos problemas encontrados, durante a segmentação das
narrativas, decorreu do fato de o texto oral se apresentar num continuum de fala, no
qual nem as palavras e nem as orações são separadas entre si, a não ser quando
uma pausa as interrompe, ou quando há mudança de turno entre os falantes.
Hubert (2002) afirma que a atenção está voltada à produção de uma narrativa que
se realiza, normalmente, num único turno. Para ela, esse turno, inserido numa
interação face a face, apresenta características de um monólogo. Assim, acredita
que a segmentação do texto oral pode preservar o conteúdo semântico e discursivo
das narrativas, por isso optou pela proposição como unidade mínima de
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
32
segmentação. Após a segmentação das narrativas em proposições e a retirada dos
elementos citados acima, inseriu os textos em tabelas, para melhor visualizar,
contabilizar e comparar aspectos semânticos e lingüísticos.
A análise das produções coletadas ocorreu durante a transcrição e a segmentação.
A base teórica de análise privilegiou, de acordo com a autora, a estrutura textual
proposta por Stutterheim e Klein (1989). Esses autores, segundo Hubert (2002),
consideram que toda narrativa contém, em sua macroestrutura, dois planos
discursivos (a trama e o pano de fundo) e, em sua microestrutura, cinco domínios
referenciais que se movimentam de uma proposição para outra. Em suma, a análise
aconteceu a partir das narrativas que estão distribuídas em dois grupos distintos,
adulto e adolescente, objetivando descrever as características lingüísticas dos dois.
A autora conclui que a maioria dos informantes elaborou textos coesos e
organizados cronologicamente, demonstrando que o domínio referencial tempo é
determinante no relato de eventos simultâneos ou anteriores. Os elementos
lingüísticos capazes de dar conta desse movimento parecem, segundo ela, estar
disponíveis nos dois grupos de informantes. Os dados mostraram ainda que, no
grupo de adultos, ocorreu o maior número de rupturas em relação ao grupo de
adolescentes. Esse fato confirmou suas hipóteses de que os adultos teriam mais
elementos lingüísticos para realizar rupturas e organizar a narração de eventos, ou
seja, os adultos teriam, de certa maneira, estabilizada a aquisição da LM, enquanto
os adolescentes estariam predispostos à aquisição.
Hubert (2002) constata também que o ser humano continua armazenando
conhecimento após o período crítico.5 Esse processo apresenta ritmos mais ou
menos intensos ao longo das diferentes fases da vida, o que não está associado, de
maneira prioritária, a aspectos biológicos, mas a aspectos psicológicos que dizem
respeito à identidade social do indivíduo. Essa autora, partindo da postura de que
todo texto responde a uma quaestio implícita ou explícita, sustenta que a linguagem
é um processo em desenvolvimento contínuo no indivíduo.
5 Conceito apresentado por Lennenberg, segundo o qual o desenvolvimento lexical é rápido na fase pré-escolar, tornando-se mais lento durante a puberdade.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
33
Concluímos, então, que não há, no estudo de Hubert, referência aos aspectos sócio-
históricos e culturais que são centrais para a compreensão do desenvolvimento da
linguagem no ser humano. No estudo que desenvolveu, a linguagem parece mais
uma forma natural do comportamento humano, associada aos aspectos biológicos e
psicológicos. Discordamos desse modo de compreender a linguagem, pois, de
acordo com Bakhtin (2004), falante e ouvinte não interagem com a linguagem como
se ela fosse um sistema abstrato de normas. Ao contrário, ela emerge em um
contexto de produção concreto, multifacetado e contraditório; logo, está
intrinsecamente ligada ao contexto sócio-histórico e ideológico.
Barbosa (2001) inicia seu relatório de pesquisa discutindo a importância de o
trabalho com a produção de textos orais ser incorporado às orientações curriculares
oficiais. Apesar disso, afirma que há ausência de práticas escolares envolvendo
gêneros orais, principalmente no que se refere à produção oral argumentativa. Na
busca de uma explicação para isso, aponta, de acordo com Dolz e Schneuwly, duas
linhas de justificativas: a) a crença de que haveria um desenvolvimento “natural” da argumentação;
b) a crença de que a construção dos discursos se dá num movimento linear, ou
seja, primeiro ocorre a construção do discurso descritivo, depois do narrativo
para, em seguida, vir o argumentativo.
Dessa maneira, Barbosa (2001) insere sua pesquisa no grupo dos que defendem
um ensino intensivo de gêneros orais na sala de aula, de modo que a linguagem oral
seja concebida na sua heterogeneidade, especialmente os gêneros orais públicos
argumentativos. A autora afirma que a pesquisa se iniciou com o objetivo de
investigar se os discursos orais argumentativos se faziam presentes na prática
pedagógica de professores da rede pública do Ensino Fundamental e pressupondo
uma não-circulação de tais discursos, também era objetivo da pesquisa sugerir
algumas possibilidades de prática. Inicialmente, o título do seu projeto era: O ensino
da argumentação oral: análises e possibilidades para um trabalho na perspectiva
enunciativa, cujos objetivos eram:
- analisar e descrever o trabalho com linguagem oral argumentativa (discussões argumentativas e debates) em algumas classes da 1ª à 8ª
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
34
série do Ensino Fundamental da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, apontando as situações enunciativas em que ocorrem; - investigar se havia intenção de se ensinar a linguagem oral argumentativa; - observar se havia planejamento prévio e de que forma era feita a intervenção pedagógica, em situações de interação oral argumentativa; - discutir com o professor as observações feitas e sugerir formas de encaminhamento para esse trabalho, num processo de formação docente (BARBOSA, 2001, p. 13).
No final de 1999, Barbosa observou 21 aulas e constatou que, em apenas uma aula,
houve ocorrência de discussão oral argumentativa. Uma aula que não havia sido
planejada para ensinar linguagem oral argumentativa, mas para enriquecer a
produção de um texto dissertativo escrito. Para a autora, isso confirmava sua
hipótese sobre a pouca circulação da argumentação em sala de aula. Por isso,
reorientou seu olhar para responder às seguintes questões:
- Os discursos orais argumentativos estão presentes nas interações de sala de aula do ensino fundamental? Em que situações enunciativas? Eles são tomados como objeto de ensino? - Que gêneros argumentativos circulam nessas situações? Como se caracterizam? - Em que medida a discussão argumentativa é e pode ser utilizada como um instrumento no ensino-aprendizagem dos conteúdos nas diferentes áreas (BARBOSA, 2001, p. 14).
Os pressupostos teóricos que embasaram a pesquisa foram a teoria de
aprendizagem de Vigotski e a teoria da enunciação de Bakhtin. Baseada em
Vigotski, a autora apresenta a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, que
constitui a base da sua pesquisa.
De acordo com a Barbosa (2001), Vigotski opõe-se às orientações que negam a
existência do processo de desenvolvimento de conceitos, e também a outra
orientação, que vem da Psicologia infantil, que admite um processo de
desenvolvimento na mente da criança em idade escolar, porém não considera as
características especiais do desenvolvimento de conceitos adquiridos após a
entrada na escola. Na perspectiva de Vigotski (apud BARBOSA, 2001, p. 74), “[...] o
aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar, e
é também uma poderosa força que direciona o seu desenvolvimento mental“. A
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
35
autora concorda com Vigotski no sentido de que o aprendizado escolar impulsiona e
direciona o desenvolvimento das funções intelectuais superiores, marcadas pela
consciência reflexiva e pelo controle das operações mentais pela criança.
Barbosa (2001) afirma ainda que, para Vigotski, o desenvolvimento é uma
construção social, interpessoal, que adquire características especiais no momento
em que a criança entra na escola. Nesse contexto, a idéia de Zona Proximal de
Desenvolvimento (ZPD), desenvolvida por Vigotski, tem um significado importante
para seu trabalho já que, ao criar uma ZPD, o professor pode possibilitar o
desenvolvimento de condutas argumentativas nos alunos, pelo fato de levá-los a
falar sobre os saberes e os não-saberes. Outro conceito da teoria de Vigotski
apresentado pela autora é a mediação semiótica. Entende que a utilização de meios
artificiais - a atividade mediada - na espécie humana, ocorre com as necessidades
objetivas de dominar a natureza, a partir do exterior. Esse conceito também
fundamenta a análise que faz a respeito do trabalho pedagógico com textos orais
argumentativos.
A autora discute ainda a relação que Vigotski estabeleceu entre pensamento e
palavra. Para Vigotski, aponta a autora, pensamento e palavra não podem ser
analisados separadamente, por isso ele busca uma unidade de análise que possa
substituir aquela realizada por elementos e encontra essa unidade na significação
das palavras. De acordo com Vigotski, “[...] a relação entre o pensamento e a
palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do
pensamento para a palavra, e vice-versa” (VIGOTSKI, apud BARBOSA, 2001, p.
108). A natureza social da atividade mental é outro aspecto da teoria de Vigotski
discutido por Barbosa (2001). Assim, são as necessidades sociais dos indivíduos
que permitem o desenvolvimento e a complexificação da atividade mental. A
mediação que ocorre pela palavra e pelo outro é dialógica, no sentido de que é
produto da interação social.
A reflexão de Vigotski sobre a linguagem oral também é apresentada por Barbosa
(2001). Ela afirma que os estudos de Vigotski sobre o pensamento e a palavra se
concentram na validação de sua tese sobre a natureza social da linguagem. Ainda
que, para tanto, tenha direcionado sua análise para os processos de internalização
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
36
dos conceitos e a compreensão da fala interior, pode-se observar, em sua obra, que
essa análise se dá comparativamente à fala exterior. Vigotski, ao fazer observações
sobre as distinções entre fala exterior e fala interior, tece comentários sobre o
diálogo e o monólogo, apontando que o primeiro é representado pela fala oral,
enquanto o segundo, pela escrita e pela fala interior. Também segundo Barbosa
(2001), outro aspecto discutido por Vigotski é a tendência a um dizer mais abreviado
da fala oral, pois a sua velocidade exige respostas/réplicas imediatas. Na escrita, no
entanto, há uma exigência de completude, pois não é possível dispor do contexto
material de comunicação.
Nas discussões que faz sobre as relações interativas em sala de aula, Barbosa
(2001) apresenta um padrão interacional conhecido como Iniciação, Resposta e
Avaliação (IRA) que aparece em pesquisas de autores como Mehan (1979), Wertsch
e Smolka (1993), entre outros, e significa uma Iniciação por parte do professor; uma
Resposta por parte do aluno e uma Avaliação do professor, sempre nessa ordem.
Nesse contexto, a autora afirma que, segundo a pesquisa de Wertsch e Smolka
(1993), em nenhum caso de interação do padrão IRA as enunciações foram
utilizadas para criar estratégias de pensamento, nem no professor nem no aluno. O
que esses pesquisadores observaram foi uma ênfase no aspecto transmissivo das
informações.
Além das interações no padrão IRA, há também o mecanismo de eleição do
interlocutor privilegiado, com quem o professor estabelece pequenos diálogos,
denominados por Dolz e Aebi (1996, apud BARBOSA, 2001) como diálogos em
forma de estrela. A discussão é, em geral, coletiva, mas quem responde às
perguntas são aqueles alunos selecionados.
Nesse sentido, Barbosa (2001) afirma que o tipo de análise que se propõe realizar
(enunciativa) pode revelar informações importantes sobre as características distintas
que esses diálogos assumem em sala de aula. Por isso, também recorre às
pesquisas realizadas por Bakhtin e seu círculo. De acordo com a autora, os estudos
de Vigotski parecem insuficientes, visto que, num rápido exame de episódios em
linguagem oral, encontrou exemplos de linguagem elaborada sem nenhuma
característica para a abreviação, o que contradiz a afirmação de Vigotski a esse
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
37
respeito. Ainda que o psicólogo russo sinalize a importância de se observarem as
diferentes situações e os conhecimentos compartilhados pelos interlocutores, não
apresenta elementos suficientes para sua análise, visto que seu enfoque é,
principalmente, psicológico e, discursivamente, pouco desenvolvido. Por isso, a
autora, apesar de reconhecer a importância da concepção de aprendizagem de
Vigotski, acredita que as idéias de Bakhtin e de seu círculo permitiram a realização
de uma análise lingüístico-enunciativa dos episódios em linguagem oral que
constituem o corpus da pesquisa.
Assim, Barbosa (2001) apresenta os conceitos de enunciação, tema e significação,
gêneros do discurso e discurso de outrem. Além disso, faz também um diálogo entre
Bakhtin e Vigotski sobre a natureza social do conhecimento. Segundo ela, ao
enfatizarem a natureza social e interpessoal dos conhecimentos e da linguagem,
ambos consideram que há um predomínio do sentido (tema) sobre o significado de
uma palavra ou frase.
A autora caracteriza a sua pesquisa como qualitativa interpretativista e justifica a
escolha dessa metodologia por se tratar de um trabalho sobre a interação em sala
de aula. Assim, esse paradigma permitiu interpretar as relações estabelecidas entre
professores e alunos nas aulas dialogadas, a partir de uma perspectiva enunciativa,
investigando em que medida essas interações possibilitam o desenvolvimento das
capacidades necessárias à apropriação (e mestria) do gênero discussão
argumentativa. Dessa forma, cada interação compôs uma realidade única, que foi
interpretada em relação constante com a situação mais geral de comunicação. Os
dados foram coletados por filmagens, durante o ano de 1999 e o primeiro semestre
de 2000.
As fitas foram transcritas (transcrição ortográfica). A coleta e a transcrição foram
realizadas pelas bolsistas de iniciação científica, e a revisão foi feita pela
coordenação do projeto e pela pesquisadora, pois sua pesquisa integrava um projeto
mais amplo, denominado Práticas de Linguagem no Ensino Fundamental: circulação
e apropriação dos gêneros do discurso e a construção do conhecimento – uma
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
38
parceria universidade e escola pública.6 Esse foi um projeto de pesquisa aplicada,
desenvolvido na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Seminário Nossa
Senhora da Glória, dentro da linha especial de fomento da Fundação de Apoio à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), designada Melhoria do Ensino Público
no Estado de São Paulo (março de 1999 a março de 2001).
Na metodologia de análise dos dados, a autora fundamentou-se no “método de
Bakhtin e de seu círculo”. Assim, segundo a concepção bakhtiniana de linguagem,
os discursos verbais não são auto-suficientes: eles nascem de uma situação
extraverbal. Por isso, ela iniciou a análise dos dados com base no contexto em que
surgiram, adotando a seguinte ordem metodológica:
a) as formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas
em que se realizam;
b) as formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação
estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de
atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação
pela interação verbal;
c) o exame das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual.
Barbosa (2001) afirma, então, que procurou manter uma atitude de diálogo com o
corpus, investigando as formas e os tipos de interação (discursos), dentro dos
respectivos contextos de produção em que se desenvolveram, na tentativa de
relacionar os discursos em circulação às condições concretas em que se realizavam.
A autora avaliou também as formas utilizadas pelos professores para a transmissão
dos discursos (palavra internamente persuasiva ou autoritária), especificando o
padrão interacional em que essas formas se davam: IRA / diálogos em estrela. No
desenvolvimento da pesquisa, Barbosa constatou uma quase ausência de
interações em linguagem oral argumentativa. Por isso, voltou-se para as formas de
transmissão dos discursos postos em cena nas aulas observadas.
6 Projeto coordenado pela professora doutora Roxane H. R. Rojo, em parceria com outros pesquisadores.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
39
Barbosa (2001) observou também a possibilidade de interações mais persuasivas
em outras áreas que não apenas a de Português, como a de Matemática, por
exemplo, na qual foi possível notar que os alunos faziam uso de operadores
argumentativos para justificar suas respostas. Esse fato possibilitou que se
percebesse uma maior evidência de aprendizagem dos conteúdos ensinados, pois,
à medida que justificavam suas respostas, tinham oportunidade de refletir sobre seu
processo de aprendizagem. Nesse sentido, a autora considerou, como um resultado
importante da sua pesquisa, a utilização da discussão argumentativa como um
megainstrumento de ensino-aprendizagem dos objetos das diferentes disciplinas, o
que amplia as possibilidades de circulação desse discurso durante a escolaridade,
podendo contribuir para a formação da consciência auto-reflexiva: saber que sabe.
Assim, o deslocamento do aspecto transmissivo para o aspecto persuasivo,
dialógico, durante as aulas, produz uma atividade mental diferenciada nos alunos e
professores.
A autora também registra que encontrou, numa mesma aula, evidências dos dois
estilos (persuasivos e autoritários). Assim, observou muitos momentos de uma
convivência conflituosa nos discursos, em que o predomínio de uma linguagem
sobre a outra ficou evidente, tanto nas situações em que a forma de transmissão foi
persuasiva, quanto na que foi autoritária. Para Barbosa (2001), podemos encontrar
a explicação desse fato nos estudos de Bakhtin/Voloschinov (1929) quando o autor
afirma que a linguagem está sempre “povoada” por intenções de outrem, e não fácil
submetê-la ao estilo em intenção de um falante. Por isso, é importante ter uma maior
consciência da natureza pluridiscursiva da língua e da linguagem para que ocorra
algum tipo de seleção das significações – trazidas pelas linguagens – que permeiam
a atividade do professor.
A autora conclui que é relevante reconhecer a importância da adoção de uma
concepção de aprendizagem que considere o aluno co-participante das significações
construídas na sala de aula, permitindo, assim, a diminuição da assimetria
característica das interações de sala de aula e, com isso, a entrada de uma palavra
internamente persuasiva.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
40
Consideramos o trabalho de Barbosa (2001) muito interessante, porque trouxe
valiosas contribuições para a construção deste estudo. Apesar de a pesquisa
desenvolvida por ela estar voltada para o trabalho pedagógico com o texto oral
argumentativo no Ensino Fundamental e este estudo voltar-se para a produção de
textos orais na Educação Infantil, encontramos algumas aproximações,
principalmente com relação aos objetivos do trabalho e à fundamentação teórica.
Consideradas as diferenças citadas acima, o principal objetivo deste trabalho
assemelha-se ao de Barbosa (2001), na medida em que busca analisar e descrever
o trabalho com a linguagem oral em classes de crianças de dois a seis anos da
Educação Infantil, apontando as situações enunciativas em que ocorre. Outra
semelhança relevante é a de o desenvolvimento da pesquisa estar baseado na
produção teórica de Vigotski e Bakhtin a respeito da linguagem. Desse modo, ambos
os estudos postulam uma concepção de linguagem, como constituidora da
consciência humana, cuja apropriação acontece a partir das relações sociais e, por
isso, expressa a concretude da sociedade, envolvendo suas contradições e conflitos.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
41
4 INFÂNCIA E LINGUAGEM
Como já mencionamos, realizamos uma pesquisa com a finalidade de investigar o
trabalho com a linguagem oral em classes de crianças de dois a seis anos de idade
da Educação Infantil. Assim, consideramos pertinente discutir a nossa visão de
infância, que, em nossa opinião, se articula à concepção de linguagem que orienta
este estudo. Neste mesmo capítulo, delinearemos a metodologia da pesquisa.
4.1 CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA
O trabalho com a linguagem, certamente, está vinculado a uma concepção de
infância. Desse modo, para pesquisar a respeito do trabalho pedagógico com a
linguagem oral desenvolvido em classes de crianças de dois a seis anos, é
importante discutirmos as concepções de infância que têm permeado o trabalho
pedagógico com essas crianças e apontar a concepção de infância que defendemos
Assim, tentaremos discutir essa questão neste tópico.
Mary Del Priore (2004), na apresentação do livro Historia das Crianças no Brasil,
apresenta-nos as seguintes questões: o lugar da criança na sociedade brasileira terá
sido o mesmo? Como terá ela passado da condição do anonimato para a condição
de cidadão, com direitos e deveres aparentemente reconhecidos? Numa sociedade
desigual e marcada por transformações culturais, teremos recepcionado, ao longo
do tempo, nossas crianças da mesma forma? Essas perguntas remetem-nos a
pensar na existência de diferentes maneiras de ver a infância ou de diferentes
concepções de infância. De acordo com Kramer (1995, p. 19),
[...] a infância não existiu sempre, e nem da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (de adulto) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
42
futura. Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela modificação das formas de organização da sociedade.
Kramer analisa as modificações dos sentimentos devotados à infância que
ocorreram na sociedade e influenciaram a “concepção de criança” que domina na
atualidade. Assim, para a autora, o sentimento de infância faz referência à
consciência da particularidade infantil, que é diferente da afeição pelas crianças. “O
sentimento moderno de infância corresponde a duas atitudes contraditórias que
caracterizam o comportamento dos adultos até os dias de hoje” (KRAMER, 1995, p.
18). Essas duas atitudes que Kramer analisa são a “paparicação” realizada pelos
adultos, segundo a qual a criança é vista como um ser ingênuo, inocente e gracioso
e em contraposição a essa atitude, a idéia de criança como a de alguém que
necessita de “moralização”, pois é um ser imperfeito. Ainda de acordo com Kramer
(1995, p. 18),
[...] este duplo sentimento é concomitante à nova função efetiva que a instituição familiar (agora constituída de maior número de crianças que sobrevivem) assume no seio da burguesia, e vai sendo progressivamente imposto ao povo. Não é a família que é nova, mas, sim, o sentimento de família que surge nos séculos XVI e XVII, inseparável do sentimento de infância. O reduto familiar torna-se, então, cada vez mais privado e, progressivamente, esta instituição vai assumindo funções antes preenchidas pela comunidade.
Em suma, o sentimento relacionado com a infância surgiu juntamente com a família
burguesa. Resulta, de acordo com Kramer, em duas atitudes em relação à criança
(mencionadas anteriormente): a preservação, para protegê-la da corrupção do meio
(inocência), e o seu fortalecimento, para o desenvolvimento do seu caráter
(moralização). Kramer alerta-nos para a importância da identificação do contexto
burguês em que o sentimento de infância surge e se estrutura, pois
[...] é extremamente importante para a compreensão da concepção atual de criança, quando se acredita ou se quer fazer acreditar numa essência infantil desvinculada das condições de existência, ou seja, na criança universal, idêntica qualquer que seja sua classe social e cultura (KRAMER, 1995, p. 18).
A análise do contexto histórico no qual surgiu esse sentimento de infância resulta no
questionamento sobre a existência de uma essência infantil, como diz Kramer, e nos
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
43
aponta a idéia de infância como uma construção histórica, social e cultural. A
sociedade burguesa instituiu diferentes classes sociais, nas quais as crianças
desempenham papéis distintos. “A idéia de uma infância universal foi divulgada
pelas classes dominantes baseada no seu modelo padrão de criança, justamente a
partir dos critérios de idade e de dependência do adulto” (KRAMER, 1995, p. 19).
Por isso, não podemos aceitar uma concepção abstrata e universal da criança para
a análise da infância no Brasil, pois vivemos em uma sociedade eminentemente
marcada pela desigualdade social, pelas diferenças culturais, sociais e políticas, fato
que resulta em diferentes tipos de tratamento do adulto em relação à criança,
diferenciando “[...] sua participação no processo produtivo, o tempo de
escolarização, o processo de socialização no interior da família e da comunidade, as
atividades cotidianas (das brincadeiras às tarefas assumidas)” (KRAMER, 1995, p.
15).
Os estudos realizados pela Sociologia da Infância também contribuem para o
questionamento da idéia de uma infância universal. De acordo com Sarmento
(2000), a Sociologia da Infância é uma disciplina recente, que teve um
desenvolvimento mais significativo na década de 1990. Conforme esse autor,
[...] a Sociologia da Infância propõe-se a constituir a infância como objeto sociológico, resgatando-a das perspectivas biologistas, que a reduzem a um estado intermediário de maturação e desenvolvimento humano, e psicologizantes, que tendem a interpretar as crianças como indivíduos que se desenvolvem independentemente da construção social das suas condições de existência e das representações e imagens historicamente construídas sobre e para eles (SARMENTO, 2005, p. 363).
A Sociologia da Infância questiona, então, a concepção uniformizadora e universal
de infância divulgada pela burguesia, que teve como principal resultado a separação
das crianças do mundo do adulto e a institucionalização do mundo das crianças.
Dessa maneira, considera a infância como uma construção histórica e discute a
idéia de infância construída na modernidade que, entre outras ideologias, tem
disseminado o conceito de infância como algo natural, abstrato, desvinculado das
condições objetivas, concretas, reais. Para Sarmento, a Psicologia do
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
44
Desenvolvimento tem sido responsável pela divulgação da imagem da criança como
um ser incompleto, incompetente, cujas sucessivas etapas do desenvolvimento se
encarregarão de construir. Nesse contexto, a Sociologia da Infância considera
importante uma
[...] revisão dos fundamentos teleológicos e do linearismo evolutivo da tradição psicológica desenvolvimentista tem permitido abrir novas perspectivas interpretativas da ação infantil, considerando-a na sua complexidade e na sua dimensão de competência específica, isto é, como dotada de um sentimento próprio, pertinente e adequado aos contextos de vida das crianças. Em especial, a revisão da psicologia (seja piagetiana, seja freudiana) põe em causa a concepção dominante da criança como um ser essencialmente narcísico e egocêntrico, para considerar a dimensão relacional e inter-relacional constitutiva da ação infantil (SARMENTO, 2005, p. 374).
Nas publicações de Vigotski (1896-1934), também encontramos uma crítica à
Psicologia Desenvolvimentista. Entretanto, para ele, os diferentes sistemas da
Psicologia são orientados por diferentes princípios metodológicos, nos quais as
categorias fundamentais da investigação adquirem significados distintos. Nesse
contexto, Vigotski critica a Psicologia de sua época por ser marcada por uma
concepção que supunha que a criança fosse um adulto em miniatura, resultado da
forte influência do pré-formismo. Para ele
apesar de que en la formulación científica general sobre el niño se desechado ya hace tiempo la idea de que el niño se diferencia del adulto únicamente por las proporciones de su cuerpo, por su volumen, esta idea sigue existiendo en la psicología infantil, en forma encubierta. Ningún tratado de psicología infantil puede repetir ahora abiertamente las verdades hace tiempo refutadas de que el niño es un adulto en miniatura, sin embargo, semejante concepción perdura, en forma oculta, en casi todas las investigaciones psicológicas. [...] Pero en su inmensa mayoría, las investigaciones científicas se atienden en forma oculta a la concepción que explica el desarrollo del niño como un fenómeno puramente cuantitativo7 (VIGOTSKI, 1993, p. 140).
Nesse trecho, podemos observar que Vigotski não concorda com a idéia de que a
criança é um “vir-a-ser“ sujeito, como defende o pré-formismo. Assim, coerente com
sua concepção de ser humano, o autor defende uma idéia de infância que prima
pela concretude, ou seja, a criança é um sujeito concreto que se constitui histórica e
socialmente.
7 Texto de 1931.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
45
Nessa perspectiva, a linguagem tem uma importância fundamental, pois ela é
constitutiva da consciência, do pensamento, enfim do sujeito. Dessa forma, ao
postular a centralidade da linguagem e a sua importância na formação dos seres
humanos, Vigotski, diferentemente da maioria das correntes na Psicologia, assinala
a constituição social dos seres humanos e de seus processos psíquicos. Algumas
questões defendidas por esse autor e por Bakhtin (1895-1975) a respeito da
linguagem serão discutidas nos tópicos 2 e 3 deste capítulo.
É importante destacar que defendemos uma concepção de criança que leve em
consideração sua existência concreta no contexto das diferentes classes sociais,
fato que é determinante para a sua posição na sociedade brasileira. Concordamos
com Kramer (1995, p. 16), quando defende o entendimento da “[...] criança em
relação ao contexto social, e não como natureza infantil”. Assim, nesta pesquisa,
depararar-nos-emos com crianças que trazem “marcas” das condições de vida de
sua classe social, além das “marcas” relacionadas com o gênero, a etnia e o credo
religioso e que, na instituição de Educação Infantil, se deparam com profissionais da
educação que têm suas maneiras de conceber a infância, realizando um trabalho
pedagógico eminentemente marcado por essa concepção de infância. Nesse
contexto, este estudo aponta que é relevante identificar quais concepções de
infância estão presentes na instituição de Educação Infantil e como essas
concepções influenciam os modos como as professores concebem e trabalham com
a linguagem.
4.2 A LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DE MIKHAIL BAKHTIN
Neste tópico, apresentaremos a concepção de linguagem que orienta este trabalho.
Iniciaremos nossa discussão com alguns elementos apresentados por Bakhtin, no
livro Marxismo e Filosofia da Linguagem. Em seguida, apresentaremos a concepção
de Vigotski sobre o desenvolvimento infantil relacionado com o processo de
apropriação da linguagem.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
46
Como podemos constatar na afirmação a seguir, Bakhtin (2004) elaborou uma crítica
radical às grandes correntes teóricas da lingüística contemporânea e dividiu as
teorias conhecidas em sua época em dois grandes grupos ou, como ele mesmo
denominou, em “[...] linhas mestras do pensamento filosófico e lingüístico dos
tempos atuais”: o subjetivismo idealista, representado principalmente por Humboldt,
e o objetivismo abstrato, que tem Saussure como seu principal representante:
[...] na filosofia da linguagem e nas divisões metodológicas correspondentes da lingüística geral, encontramo-nos em presença de duas orientações principais no que concerne à resolução de nosso problema, que consiste em isolar e delimitar a linguagem como objeto de estudo específico. Isto acarreta, por suposto, uma distinção radical entre duas orientações para todas as demais questões que se colocam em lingüística. Chamaremos a primeira orientação de ‘subjetivismo idealista’ e a segunda de ‘objetivismo abstrato’ 8(BAKHTIN, 2004, p. 72).
Assim, Bakhtin (2004) critica essas duas orientações e concebe a língua no seu
contexto vivencial, pois o falante da língua não está interessado na palavra “fria” do
dicionário, mas nas palavras que integram os diferentes enunciados nos variados
contextos lingüísticos em que está inserido. Ele critica a separação da língua da
realidade em que ela é criada e considera um erro grosseiro do objetivismo abstrato
(estruturalismo) separar a língua do seu caráter ideológico e vivencial. Para ele:
[...] a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 2004, p. 95).
Dessa maneira, ele apresenta a interação verbal como realidade fundamental da
língua, cuja característica principal é o dialogismo, pois, segundo o autor, toda
enunciação é um diálogo que participa de um processo de comunicação ininterrupto.
Dessa forma, são as interações verbais entre as pessoas que vão determinar o
conteúdo do enunciado. Portanto, o enunciado tem uma natureza social, dialógica, e
uma ligação profunda com a vida.
8 Texto de 1929.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
47
Em síntese, Bakhtin postula uma concepção da língua que leva em consideração a
relação dela com a vida, pois, para ele, não é possível separar a língua do fluxo da
comunicação verbal. Nesse sentido, a língua não pode ser vista como um “produto
acabado”, como prega o estruturalismo (objetivismo abstrato). Como Bakhtin,
acreditamos que a língua não é “[...] constituída por sistema abstrato de formas
lingüísticas e nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico
da sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal” (BAKHTIN, 2004,
p. 123).
Desse modo, entendemos que a língua não pode ser vista como um sistema
abstrato “ideal”, que não consegue apreender uma situação real, isto é, o contexto
no qual ela é criada e recriada, um contexto heterogêneo, multifacetado e
contraditório, que expressa a natureza humana, que é política, social, histórica,
ideológica e cultural. Também como Bakhtin, vemos a linguagem como constitutiva
da consciência humana e constituída nas interações verbais. Sendo assim, a
linguagem não é “algo” natural, uma faculdade humana inata, mas uma construção
social e histórica do homem. Nesse sentido, não vemos a linguagem como uma
propriedade inata, mas como um produto das atividades sociais.
4.3 SOBRE A ABORDAGEM METODOLÓGICA
Vigotski (2000) falando sobre o método instrumental ou histórico-genético de
investigação que serviu de base para ele e seus colaboradores nas pesquisas em
que buscava compreender como ocorria o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, ou seja, como se dava o desenvolvimento cultural da
criança, afirma que, em qualquer área de investigação, se começa pela busca ou
pela construção de um método. A busca de um método ou a elaboração de um
método é uma das tarefas de maior importância da investigação, pois, segundo ele,
a escolha ou a elaboração do método deve ser adequada ao objeto que se estuda.
A Psicologia até então, segundo Vigotski (2000), era dominada por uma
compreensão naturalista do homem e utilizava sempre o esquema estímulo-resposta
para realizar as suas investigações. Esse esquema tem como princípio a
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
48
estimulação do comportamento humano com o objetivo de estudar, analisar e
descrever as reações que ocorrem induzidas pelo estímulo. Ao privilegiar uma
abordagem naturalista, de acordo com esse autor, a Psicologia desconsidera o
ponto de vista histórico e social do comportamento humano e, assim, não dá conta
de compreender como se desenvolvem as funções psicológicas superiores,
focalizando as funções psicológicas elementares.
Vigotski e seus companheiros, em suas investigações, construíram um método
fundado no materialismo histórico e dialético, com a finalidade de estudar as
funções psicológicas superiores. O denominado método instrumental ou histórico
genético parte do pressuposto de que a compreensão do desenvolvimento cultural
da criança só é possível por meio de uma abordagem da história desse
desenvolvimento. Conforme o autor, esse método pode utilizar instrumentos
técnicos, como a observação e a experimentação. A observação possibilita ao
pesquisador a análise dos processos psíquicos na práxis. A experimentação é
apontada por Vigotski (2000) com limites. Por isso, considera que sempre devemos
nos indagar como acontece um processo de desenvolvimento que foi observado e
analisado por meio da experimentação na vida real ou na práxis.
O método é, para Vigotski (1931-2000, p. 47), “[...] al mismo tiempo premisa y
producto, herramienta y resultado de la investigación”. Fundamentada nessas
questões apontadas por Vigotski (2000), apresentaremos, a seguir, o caminho que
percorremos para o estudo do objeto que elegemos para esta pesquisa, o trabalho
com a linguagem oral na Educação Infantil. Concordamos com Vigotski (2000), pois
o trabalho de pesquisa nos mostrou que, mesmo tendo escolhido/construído uma
metodologia que nos serviu de ferramenta, ela é também o resultado deste trabalho.
Desse modo, este estudo se fundamenta nos pressupostos teórico-metodológicos,
no campo da Psicologia, da Psicologia Histórico-Cultural e, no campo da linguagem,
na perspectiva bakhtiniana. As concepções de sujeito, sociedade, ciência e
linguagem desses autores estão na base da construção deste trabalho. Por isso, à
medida que descrevermos como foi o percurso do trabalho, destacaremos alguns
aspectos dessas perspectivas que nos serviram de apoio, quando estivemos
inserida no campo de pesquisa.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
49
Os sujeitos da pesquisa (crianças e professores) são vistos, neste trabalho, como
sujeitos que se formam nas relações sociais, concebidos como indivíduos que vivem
em uma sociedade dividida por classes sociais com interesses antagônicos. Dessa
maneira, a nossa inserção no campo de pesquisa se deu pensando nesse sujeito
que vive nessa sociedade. Não o vemos como um sujeito passivo, mas como
alguém que participa da construção da história do seu grupo social e que, ao mesmo
tempo, se forma nas relações que nele estabelece sendo a linguagem fundamental,
porque é ela que medeia essas relações.
Nesse sentido, com base na abordagem teórica apresentada acima, buscamos
compreender como acontece o trabalho com a linguagem oral na Educação Infantil.
Como já mencionado, a linguagem tem uma importância fundamental, pois a sua
apropriação ocorre nas relações sociais e imprime suas “marcas” na consciência
humana, pois ela é, segundo Vigotski (2001, p. 486), “[...] a expressão mais direta da
natureza histórica da consciência humana”. Bakhtin (2004) coaduna com essa
perspectiva, quando assinala que a consciência só adquire forma e existência nos
signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações.
Desse modo, a pesquisa levou em consideração essa concepção de linguagem,
buscando também não perder de vista que os sujeitos, crianças e professoras
usam/constroem e se formam por meio da linguagem. Outro aspecto com o qual
tivemos cuidado foi o fato de a pesquisa ter crianças como sujeitos. Isso apresenta
algumas especificidades que não podemos desconsiderar. Kramer (2005), ao
discutir os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa com crianças, afirma que é
importante a busca de referenciais teóricos para a compreensão interdisciplinar,
dialógica e dialética dos processos educacionais. A autora defende que, “[...] nas
situações de pesquisa, com crianças, se coloca como fundamental analisar os
discursos, as interlocuções tanto nas entrevistas quanto em outras situações de
interação” (KRAMER, 2005, p. 55). Nesse sentido, a posição da autora evidencia
que a linguagem - discursos - produzida pelas crianças deve ser analisada a partir
da concepção de linguagem delineada no desenvolvimento deste estudo.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
50
A adoção dessa concepção traz vários desdobramentos para a relação entre
pesquisador e sujeitos da pesquisa. Sendo assim, em primeiro lugar, com base na
categoria básica da concepção de linguagem bakhtiniana, a interação verbal ou o
dialogismo, empreendemos esforços para estabelecer relações dialógicas com os
sujeitos da pesquisa (crianças e professoras). Nesse contexto, o pesquisador
também é um ator agindo e exercendo sua influência “[...] frente aos fatos sociais,
tem preferências, inclinações; interesses particulares; interessa-se por eles e os
considera a partir de seu sistema de valores “ (LAVILLE; DIONNE, 1999).
Portanto, na investigação, o pesquisador é alguém que observa as situações da
pesquisa e reúne “[...] dados verdadeiros e objetivos sobre as interações,
significados e regras (explícitas e implícitas), [que] estão subjacentes tanto a
subjetividade do pesquisador quanto os referenciais teóricos que disciplinam seu
olhar” (KRAMER, 2005, p. 52).
O segundo aspecto que levamos em consideração foi o desvelamento do contexto
em que os textos foram produzidos, pois a enunciação constrói-se nas relações
sociais. Por isso, citaremos algumas questões referentes ao contexto da produção
dos textos apresentadas por Kramer (2005), que utilizamos como base para a
apresentação dos textos produzidos pelos sujeitos durante a pesquisa:
[...] - as condições de produção do discurso; - o lugar social do pesquisador (posição de onde fala/escuta); - as marcações de idade, gênero, classe social, etnia, tamanho; - as interações, falas, ações, diálogos, movimentos; - o(s) gênero(s) discursivo(s) produzido(s), os modos de produção (KRAMER, 2005, p. 55).
Conforme recomenda Kramer, buscamos destacar as condições de produção dos
discursos, apresentando os elementos que garantam a contextualização das falas,
contribuindo, assim, para o delineamento do cenário das produções.
Dessa forma, reconhecendo a relevância desses pressupostos para a compreensão
das situações enunciativas na Educação Infantil, recorremos aos sentidos
produzidos nessas atividades, procurando analisar a realidade, levando em
consideração a relação sujeito-objeto, mas privilegiando as relações
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
51
comunicativas/dialógicas que ocorreram entre os sujeitos. Para isso, alguns estudos
sobre a abordagem qualitativa de pesquisa em educação, como os realizados por
Sarmento (2003), Kramer (2002), Lüdke e André (1986) e Laveville e Dione (1999),
nos ajudaram no delineamento do percurso da investigação apontando os aspectos
metodológicos que fundamentaram nossa inserção em uma instituição educativa
infantil.
Conforme Laveville e Dione (1999), as ciências humanas foram influenciadas desde
muito cedo pelo paradigma positivista. Nesse contexto, acreditava-se na
possibilidade de decompor os fenômenos educacionais em suas variáveis básicas,
cujo estudo analítico, e se possível quantitativo, levaria ao conhecimento total
desses fenômenos. No entanto, no decorrer do tempo e com o desenvolvimento de
outras abordagens no campo das ciências humanas e sociais, percebeu-se os
limites desse modelo, suas ambigüidades e inadequações aos estudos do ser
humano. De acordo com Lüdke e André (1986), essa abordagem não dava conta de
todos os fenômenos educacionais. Dessa maneira, para
[...] responder às questões propostas pelos atuais desafios da pesquisa educacional, começaram a surgir métodos de investigação e abordagens diferentes daqueles empregados tradicionalmente. As questões novas vinham, por um lado, de uma curiosidade investigativa despertada por problemas revelados pela prática educacional. Por outro lado, elas foram fortemente influenciadas por uma nova atitude de pesquisa que coloca o pesquisador no meio da cena investigada, participando dela e tomando partido na trama da peça (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11).
Assim, o pesquisador tem a oportunidade de observar o fenômeno de maneira mais
intensiva e, desse modo, ter o contato com o maior número de situações em que ele
se manifesta. Entre as várias formas que pode assumir a pesquisa qualitativa,
destacam-se: [...] a pesquisa do tipo etnográfico e o estudo de caso. Ambos vêm ganhando crescente aceitação na área de educação, devido principalmente ao seu potencial para estudar as questões relacionadas à escola (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11).
Assim, o estudo de caso foi a metodologia escolhida para o desenvolvimento deste
trabalho, pois é uma abordagem metodológica que reúne características que
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
52
atendem ao foco da pesquisa. O estudo de caso é apontado por Merriam (apud
BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 89) como a “[...] a observação detalhada de um
contexto, de um indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um
acontecimento específico”. Para Sarmento (2003, p. 139),
[...] os estudos organizacionais da escola, não dominados por modelos estatístico-experimentais, têm vindo a encontrar no estudo de caso condições de realização investigativa que favorecem o desenvolvimento de diferenciadas vias teóricas e metodológicas.
Também de acordo com Sarmento (2003), a escolha do estudo de caso como
estratégia investigativa não significa, necessariamente, a filiação a um determinado
paradigma, pois essa estratégia possibilita a investigação pluriparadigmática. Em
suma, o estudo de caso permite a observação detalhada de um contexto e a sua
utilização como estratégia investigativa não representa a associação direta a um
determinado paradigma, o que possibilita sua utilização por diferentes concepções
teóricas. Neste caso, foi utilizado para um estudo orientado pela perspectiva
Histórico-Cultural. Portanto, foi uma estratégia investigativa que respondeu à
expectativa deste estudo, que analisou e descreveu o trabalho com a linguagem oral
em classes de crianças de dois a seis anos da Educação Infantil de uma instituição
pública do município de Vitória, apontando as situações enunciativas em que
ocorreram. Além disso, escolhemos o estudo de caso porque esse procedimento
investigativo “[...] apresenta a plasticidade suficiente para que, sendo utilizado de
forma tão diferenciada, possa permanecer como poderosamente presente na base
de alguns dos mais importantes contributos para o estudo das escolas”
(SARMENTO, 2003, p. 137).
Sarmento (2003) aponta também, nesse contexto, as dimensões paradigmáticas da
investigação. Para ele, os paradigmas têm um fundamento epistemológico que se
baseia em concepção relativamente estabilizada sobre o sujeito, o objeto e as
relações entre sujeito e objeto do conhecimento. Essa questão já foi discutida no
início deste capítulo, quando apresentamos alguns itens relacionados com a teoria
Histórico-Cultural que fundamentam esta pesquisa. No entanto, a discussão que
Sarmento (2003) faz sobre os paradigmas positivista, interpretativo e crítico,
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
53
sobretudo o paradigma crítico, interessa-nos porque apresenta algumas questões
que são relevantes para este estudo.
O paradigma crítico, segundo Sarmento (2003, p. 143), “[...] procura articular a
interpretação empírica dos dados sociais com os contextos políticos e ideológicos
em que se geram as condições da ação social”. Nesse contexto, o autor apresenta
alguns pressupostos que orientam esse paradigma. O primeiro pressuposto citado
por Sarmento (2003) mostra que a “[...] análise organizacional da ação educativa é
uma ciência que renuncia à lei universal, distancia-se da preocupação exclusiva com
as regularidades e recusa uma orientação normativa” (SARMENTO, 2003, p. 145). O
autor denominou esse aspecto de pressuposto da singularidade, porque situa a
pesquisa no contexto escolar como a ciência das diferenças.
Com relação ao segundo pressuposto, foi denominado por Sarmento (2003)
pressuposto da intersubjetividade, definido como a “[...] possibilidade de um diálogo
atento aos reflexos da voz do outro na sua própria voz” (SARMENTO, 2003, p. 148).
As interações comunicativas formam o terceiro pressuposto epistemológico
desenvolvido pelo autor. Esse pressuposto refere-se à natureza lingüística da
investigação; são as interações comunicativas que levam em consideração a
linguagem verbal e a linguagem não-verbal, elementos fundamentais para a
compreensão dos contextos pesquisados.
A reflexividade metodológica é o quarto pressuposto discutido por Sarmento (2003).
Esse princípio aponta o “[...] momento em que se interroga o sentido do que se vê e
por que se vê e se acrescenta o escopo do campo de visão a um olhar-outro,
coexistente no investigador” (SARMENTO, 2003, p. 151). Nesse sentido, o
investigador não apenas realiza a pesquisa, mas também faz parte da investigação,
por isso é importante que o pesquisador realize constantemente uma auto-análise,
interrogando os sentidos do que observa.
Assim, atenta a esses princípios metodológicos que, certamente, estiveram
envolvidos no estudo de caso que realizamos, descreveremos, a, seguir os
instrumentos metodológicos que utilizamos. Lembramos que o estudo de caso pode
tomar diferentes instrumentos de pesquisa e, dessa forma, a coleta de dados
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
54
ocorreu por meio da observação participante nas classes de crianças de dois a seis
anos da Educação Infantil de uma instituição pública de ensino. Os registros da
observação foram feitos no diário de campo. Além disso, negociamos com a
instituição a possibilidade de filmar e fotografar9 as aulas que observamos.
Escolhemos uma escola pública pelo fato de ela ser mais representativa da situação
educacional no Brasil.
Com relação à escolha da observação do tipo participante, concordamos com
Woods (apud SARMENTO, 2003, p. 160), quando assinala que “[...] não há modo de
realizar a observação dos contextos de ação que não seja participante”. Nesse
sentido, o nível da participação pode variar, aponta Sarmento (2003), de acordo com
a inserção do pesquisador, que pode ser como um simples observador (com um
mínimo de interferência) ou como sujeito de ação, cuja interferência é significativa.
Sarmento (2003) chama a atenção para algumas questões que envolvem a
observação participante:
a) a presença de um pesquisador na escola introduz um cenário de
complexificações;
b) a observação pode ser interpretada pelos professores e por outros atores
educativos como a avaliação das práticas, fato que afeta as condições
colaborativas da investigação. Nesse sentido, as ações organizacionais,
pedagógicas e as entrevistas podem assumir a perspectiva do investigador.
Para superar essas dificuldades, Sarmento (2003) sugere a vivência de um processo
de “familiarização” que significa afirmar o investigador como mais um de nós, ou
seja, a inserção do investigador deve ocorrer da forma mais natural possível, a ponto
de tornar-se mais um integrante do grupo. Para isso, sugere algumas atividades que
possibilitam esse tipo de inserção, por meio de tarefas práticas, tais como:
Monitorar grupos de alunos no seu primeiro contato com o computador, ensaiar uma curta representação teatral numa atividade sobre prática da língua, escrever um artigo para a publicação da escola, ajudar a montar uma exposição, acionar a aparelhagem
9 É importante ressaltar que pedimos autorização aos sujeitos da pesquisa para a utilização das suas imagens.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
55
sonora para uma atividade de projeto, intervir junto à Câmara Municipal para garantir alguns apoios, ajudar a tirar fotocópias ou colaborar nas filmagens de uma atividade – eis alguns exemplos de uma participação que nos pode fazer gostosamente redescobrir a alegria de nos sentirmos ‘mais um’ (SARMENTO, 2003, p. 161).
Conforme a orientação de Sarmento (2003), buscamos vivenciar a observação
participante por meio de um processo de “familiarização”, procurando participar de
atividades desenvolvidas pela escola, o que nos possibilitou uma inserção “natural”,
vivenciando esse momento “[...] como uma oportunidade de ajudar modestamente a
construir, ao mesmo tempo, que a interpretar, os mundos de vida de alunos(as) e
professores (as) na escola” (SARMENTO, 2003, p. 161).
Outro instrumento que utilizamos para a coleta de dados foi a entrevista com os
professores, as crianças e a equipe pedagógica, com o objetivo de caracterizar
esses sujeitos. No entanto é importante ressaltar que, da mesma forma que a
observação participante, “[...] as entrevistas de investigação podem constituir um
espaço opressivo para os entrevistados” (BOURDIEU, apud SARMENTO, 2003, p.
162). Por isso, as entrevistas foram realizadas após o processo de familiarização e,
portanto, da tentativa de construção do sentimento de éramos “mais um”. Em
consonância com esse processo de “familiarização”, realizamos, além das
entrevistas formais, as “conversações” cotidianas com os sujeitos da pesquisa, para
que eles pudessem expressar suas opiniões a respeito do tema investigado.
4.3.1 O processo de inserção em campo e coleta de dados
Conforme levantamento apresentado no APÊNDICE H, o estudo foi realizado
durante o ano letivo de 2006, tendo início no dia 29 de maio, e sua finalização no dia
13 de dezembro. Durante 51 dias, estivemos presente nas turmas de Berçário II,
Maternal, Jardim I e Pré,10 e ficamos aproximadamente um mês em cada sala. As
observações eram feitas duas a três vezes por semana, seguindo a organização das
10 É necessário enfatizar que, apesar de a investigação ter sido realizada apenas em quatro turmas (Berçário II, Maternal, Jardim I e Pré), a idade das crianças variava de dois anos a seis anos (conforme Tabela 1 do APÊNDICE I).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
56
atividades letivas em sala de aula, resultando um total médio de 200 horas de
observação participante.
Escolhemos, como dito, uma instituição educativa pública para a realização do
estudo. Como a pesquisa deveria ser realizada em classes de crianças de dois,
três, quatro, cinco e seis anos de idade, todos os professores da instituição
deveriam concordar com a presença da pesquisadora em sala de aula. Nesse
contexto, foram contactadas duas escolas da Educação infantil da Rede Municipal
de Vitória. A opção pela Escola 2 justificou-se pelo fato de as professoras
concordarem em participar da pesquisa. Entretanto, nessa instituição, no turno
matutino, existiam apenas classes de dois, três, cinco e seis anos. Desse modo,
realizamos o trabalho nas classes de crianças com essas idades.
Tendo a autorização das professoras para a realização da pesquisa em suas
respectivas salas de aula, encaminhamos à Secretária Municipal de Educação de
Vitória um requerimento solicitando a permissão para a realização da pesquisa na
unidade de ensino Infantil que escolhemos. Enquanto isso, fizemos as primeiras
aproximações com o dia-a-dia da escola que se deu por meio de conversas
informais com os profissionais que concordaram em participar da pesquisa. No dia 5-
6-2006, a Secretaria Municipal de Educação (SEME) autorizou a realização da
pesquisa. Assim, oficializamos a nossa entrada na escola por meio do protocolo de
pesquisa que inclui os documentos dos APÊNDICES A e B. Dessa forma, de posse
das autorizações da SEME, da escola e das professoras envolvidas, inserimo-nos
em campo, tendo clareza do desafio que tínhamos pela frente, que era a
compreensão de como se dava o trabalho com a linguagem oral naquela unidade de
ensino. De acordo com Lüdke e André (1986, p. 27),
tendo determinado que a observação é o método mais adequado para investigar determinado problema, o pesquisador depara ainda com uma série de decisões quanto ao seu grau de participação no trabalho, quanto à explicitação do seu papel e dos propósitos da pesquisa junto aos sujeitos e quanto à forma da sua inserção na realidade.
Apresentamos aos sujeitos da pesquisas os nossos objetivos de estudo naquela
realidade. A partir daí, nos envolvemos no cotidiano das salas de aula,
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
57
demonstrando interesse pelas questões que apareceram nessas realidades.
Conforme proposto por Sarmento (2003), buscamos vivenciar um processo de
familiarização, ou seja, realizar a nossa inserção nas salas de aula da maneira mais
natural possível, tentando, com o tempo, tornar-nos mais um integrante do grupo.
Para isso, procuramos contribuir com o trabalho desenvolvido pelas professoras nas
salas de aula. Um exemplo do envolvimento foi quando uma das professoras do
berçário não compareceu à escola para realizar o trabalho e, nesse momento, nos
oferecemos para ajudar a professora que ficou sozinha com muitas crianças
pequenas e precisava de ajuda para a realização das atividades. Uma situação
semelhante ocorreu na turma de Maternal quando a estagiária que era ajudante da
professora faltou. Além disso, em alguns momentos, a professora da turma de
Maternal nos pediu que lêssemos histórias para as crianças.
Segundo Lüdke e André (1986), a observação participante tem recebido algumas
críticas. A principal delas é o fato de a inserção do pesquisador provocar mudanças
na realidade que está sendo observada. No entanto, de acordo com as autoras,
essas críticas têm sido refutadas por pesquisadores, como Guba e Lincoln (1981),
que apontam que as críticas partem dos “objetivistas” que defendem que as
pesquisas não devem utilizar metodologias que fazem uso da experiência direta.
Com relação à inserção do pesquisador em campo, eles argumentam que os
ambientes sociais são relativamente estáveis e, assim, a presença do pesquisador
não provoca mudanças bruscas nesses ambientes e, mesmo que provoquem, isso
não é tão importante diante de uma inserção mais prolongada numa instituição.
Nesse sentido, realizamos a observação com bastante cautela para evitar que o
nosso trabalho na sala de aula fosse entendido como uma espécie de avaliação da
prática pedagógica. Por isso, estivemos atenta a essas especificidades da
observação participante, levando em conta a relação objetividade/participação.
Assim, além da observação em sala de aula, recorremos a outras fontes de
informações, como entrevistas com os professores, profissionais da escola e pais
das crianças e o acesso a documentos e materiais pedagógicos da escola.
No processo de observação participante que realizamos nas salas de aula, fizemos
uso de algumas formas de registro. Começamos com as anotações em diário de
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
58
campo que foram organizadas em arquivo do Microsoft Word, no qual foram
registradas todas as situações observadas nas salas de aula. Utilizamos também
recursos audiovisuais, como a fotografia e a filmagem. O uso desses recursos foi
acordado com os sujeitos da pesquisa por meio de autorização dos familiares.
Inicialmente, as crianças apresentavam uma certa inibição diante da filmadora.
Depois, esse método de coleta de dados tornou-se “natural” para as crianças.
Assim, elas pediam para serem filmadas, para olhar os colegas que estavam sendo
filmados e até se divertiam com as filmagens. Em um dos eventos, no qual houve
uma brincadeira organizada pela professora, cujo tema foi a realização de um
casamento na turma, as crianças nos convidaram para fazer parte da brincadeira
fazendo o papel de fotógrafo e cinegrafista daquele casamento.
Desse modo, as técnicas utilizadas para a coleta de dados, durante a observação
participante em sala de aula, nos permitiram o armazenamento de informações que
envolvem questões do desenvolvimento do trabalho pedagógico realizado pelas
professoras. Nesse contexto, tivemos também a oportunidade de observar e
registrar situações em que os sujeitos (professores e crianças) vivenciaram relações
mediadas pela linguagem oral.
Para caracterizar os sujeitos envolvidos no estudo, realizamos entrevistas com a
diretora, com a pedagoga, com as professoras e com os familiares das crianças
envolvidas no estudo. Segundo Lüdke e André (1986), a entrevista, juntamente com
a observação, representa um dos principais instrumentos da coleta de dados da
pesquisa qualitativa de pesquisa. Sua principal vantagem, para as autoras, é o fato
de esse instrumento permitir captar, de maneira rápida e corrente, a informação que
se deseja.
Realizamos as entrevistas por meio de roteiros semi-estruturados, conforme
apêndices. Esse instrumento de coleta de dados foi muito importante para este
estudo, porque possibilitou conseguir informações para a caracterização da escola e
dos sujeitos da pesquisa. Conforme Lüdke e André (1986, p. 35),
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
59
[...] ao lado do respeito pela cultura e pelos valores do entrevistado, o entrevistador tem que desenvolver uma grande capacidade de ouvir atentamente e de estimular o fluxo natural de informações por parte do entrevistado. Essa estimulação não deve, entretanto, forçar o rumo das respostas para determinada direção. Deve apenas garantir um clima de confiança, para que o informante se sinta à vontade para se expressar livremente.
Considerando as discussões de Lüdke e André (1986), as entrevistas foram
realizadas depois de um certo tempo de convívio com os sujeitos da pesquisa,
quando percebemos que o grupo havia nos aceitado como um de seus integrantes.
Tomamos esse cuidado para que os sujeitos ficassem à vontade e, dessa maneira,
não se sentissem avaliados durante a entrevista.
Outro instrumento que utilizamos neste estudo foi a coleta de informações por meio
de documentos e materiais pedagógicos. Esse instrumento também contribui para a
contextualização do fenômeno em estudo, à medida que constitui
[...] uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação. Não são apenas fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (LÜDKE; ANDRÉ, p. 1986, p. 39).
Assim, conforme defendem as autoras, a coleta de informações por meio da análise
de documentos e materiais pedagógicos nos interessaram, porque apresentam
dados sobre o fenômeno estudado e sua vinculação com os contextos: institucional,
sociopolítico e cultura. Finalmente, o uso dessas diferentes técnicas de coleta de
dados (observação participante, entrevistas e análise de documentos) possibilitou a
análise das práticas com a linguagem oral na instituição de educação infantil
pesquisada. As informações que coletamos, por meio dessas técnicas, nos
permitiram pensar as pessoas que integram o contexto pesquisado, tal qual sugere
Bakhtin (2000, p. 341):
A ação do homem deve ser compreendida como um ato; ora, o ato não pode ser compreendido fora do signo virtual (reconstruído por nós) que o expressa (motivações, finalidades, estímulos, níveis de consciência). É como se fizéssemos o homem falar (construímos suas asserções essenciais, suas explicações, suas confissões, suas
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
60
confidências, levamos a cabo um discurso interior potencial ou real, etc.).
Dessa maneira, nossa inserção em campo de pesquisa permitiu, juntamente com os
sujeitos da pesquisa, a vivência de diferentes “atos”. Pois, assim como Bakhtin
(2000, p. 341), acreditamos que o estudo se torna interrogação e troca, ou seja,
diálogo, na medida em que “[...] interrogamos a nós mesmos, e nós, de certa
maneira organizamos nossa observação ou nossas experiências a fim de obtermos
uma resposta”.
4.3.2 A instituição escolar
Para caracterizar a escola, utilizamos como referência as anotações feitas nos
formulários que foram usados nas entrevista com a diretora (APÊNDICE C). A
entrevista realizada com a diretora foi muito importante para a caracterização da
escola. Ela foi muito gentil e permitiu que filmássemos a entrevista. A partir das
suas declarações, pudemos realizar a caracterização da escola. A escola não tinha
o seu Projeto Político-Pedagógico, por isso, o documento que recolhemos na escola
foi o Plano de Trabalho Anual. Além disso, nossas observações em campo foram
fundamentais para fazer o delineamento do perfil da escola pesquisada. A descrição
que faremos a seguir leva em consideração os seguintes aspectos: localização,
histórico, espaço físico, rotina escolar, organização administrativa e pedagógica e o
trabalho com a linguagem oral no contexto da instituição de Educação Infantil.
A escola onde o estudo foi realizado integra o Sistema Municipal de Ensino de
Vitória, capital do Espírito Santo. Fica num bairro de classe popular entre os morros
de São Benedito e Penha. A região é urbanizada com um intenso comércio e de fácil
acesso a outras regiões. Próximo a essa instituição de ensino infantil, há um caíque,
onde funciona uma escola de Ensino Fundamental. A comunidade onde a escola
está inserida conta, como principal opção de lazer, com um importante parque do
município de Vitória, o Horto de Maruípe, além de comércio e uma grande unidade
de saúde particular da Capital do Estado.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
61
Como já mencionado, a diretora da escola, por meio de entrevista semi-estruturada
(gravada em vídeo e transcrita), relatou como a instituição foi criada. Essa entrevista
foi fundamental para compreendermos várias questões sobre a instituição onde
realizamos a pesquisa. Assim, no relato sobre a história do CMEI, utilizaremos vários
trechos da entrevista. Sol, 11 no texto a seguir, ela diz em que circunstâncias a
instituição foi criada:
[...] na verdade o que que aconteceu... eu era professora do CMEI Rub que fica localizado
no alto Itararé... né? atende mais proximamente a essa comunidade do alto aqui... São
Benedito... Bairro da Penha...e é uma comunidade que existe uma demanda muito grande
por vagas... o CMEI tinha assim... listas eNORmes de espera... de crianças que não
conseguiam ser contempladas pelas vagas que a escola oferecia...muita... a
maioria...sempre tivemos um número muito grande na faixa etária menor...berçário um...
berçário dois... sempre foi a grande procura... essas listas então dessas turmas eram
infinitas... durante o ano todo... sempre muito grande... e aí... com isso... houve um
movimento da comunidade para a ampliação dessas vagas... né? entrou um... teve
interferência de um vereador que inclusive é do bairro... morador aqui debaixo... de
Itararé...e::: pensaram-se... pensou-se em ampliar... mas como ampliar a escola lá já era
imenso... é uma escola muito grande... eles têm quatorze turmas...
Conforme a fala da diretora, a escola surgiu como resposta a uma reivindicação da
comunidade que não conseguia vagas para seus filhos no único CMEI do bairro.
Houve uma mobilização da comunidade, liderada por um vereador residente naquela
região que levou à Prefeitura de Vitória a demanda de ampliação do número de
vagas para o atendimento das crianças daquela região. Nesse contexto, a escola
surge como um anexo do CMEI que havia naquela região. A Prefeitura alugou uma
casa em uma área distante daquele CMEI e fez as adaptações necessárias para a
instalação da escola. Convidou Sol, uma das professoras mais antigas do CMEI
Rub, para coordenar o trabalho que seria desenvolvido naquela instituição. Sol conta
as dificuldades que enfrentou para organizar a escola:
11 De acordo com protocolo de pesquisa, não utilizaremos os verdadeiros nomes dos sujeitos e sim as iniciais dos seus nomes, garantindo, assim, o sigilo que foi prometido aos participantes.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
62
[...] ih... hoje... assim em vista do que eu enfrentei aqui... porque eu peguei este espaço
vazio...me entregaram as chaves... uma casa... né?.... essa estrutura a Prefeitura aqui...
Secretaria de Obras já tinha vindo e feito as adaptações... algumas das adaptações que tem
até hoje...né... assim que terminaram me entregaram a chave e eu vim pra cá sem nada... e
sem dinheiro... sem uma conta bancária...que normalmente as escolas tem né pra ta
comprando o que for possível...ih... fui atrás para gente conseguir montar da melhor forma
aquilo que dava...não era o ideal... mas era o que era o que possível naquele momento...
então assim... hoje a escola já foi criada... foi toda legalizada...hoje através de assembléia
com os pais foi escolhido o nome... The... porque até então era conhecido como anexo do
Rub...
Como vimos na fala da diretora, a escola foi montada numa casa alugada, um
espaço que não havia sido construído com essa finalidade. A Secretaria de Obras se
encarregou de fazer as adaptações e entregou as chaves para a professora Sol, que
seria a coordenadora da escola, para que ela mobiliasse e organizasse a escola.
Para mobiliar a escola, ela nos contou que teve ir aos depósitos da Prefeitura, locais
onde eram colocados os móveis que as escolas não queriam mais. Nas visitas que
realizava a esses depósitos, ela “garimpava” aquilo que estava em condições de ser
reutilizado. Assim, conforme relato de Sol, a escola sempre teve carências com
relação aos recursos físicos e materiais para o desenvolvimento do trabalho
pedagógico:
[...] então a maioria das coisas que a gente tem até hoje aqui foi conquistado dessa forma...
a gente ainda tem problema com máquina copiadora né?... que é reaproveitada... a gente
nunca teve uma nova pra cá... pra gente conseguir um computador foi muito difícil... a gente
trabalhava sem computador... sem xerox... sem aparelho de fax...coisas assim que
dificultavam muito o dia...a...dia... da escola...e... mesmo com todas as dificuldades a gente
tava ali sempre tentando apresentar o melhor trabalho possível...
A diretora nos relatou outras dificuldades que enfrentou. Segundo ela, durante muito
tempo, a escola foi esquecida pela SEME, as informações chegavam apenas ao
Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) a que a escola estava ligada como um
anexo e não eram repassadas para ela. As vagas para cursos, por exemplo, que
eram oferecidas aos profissionais. Raramente chegavam a escola, pois eram
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
63
preenchidas pelos profissionais do CMEI. A escola era considerada um anexo.
Além disso, os profissionais da Secretaria de Educação entendiam a escola como
um anexo, no sentido de estar próximo ao CMEI. Assim, faziam deliberações
levando em consideração esse aspecto. Porém as duas escolas ficam muito
distantes e isso trazia muitas dificuldades, conforme nos relata a diretora:
[...] isso dificultava algumas coisas pra gente porque... por exemplo... quando você ia
solicitar alguma coisa junto a Seme... ou até de alguma outra secretaria... eles interpretavam
que o anexo era alguma coisa anexa mesmo... quando na verdade e não era...então
pensavam assim como deve junto então dá para atender... e não era...porque é uma
distância grande desse local pra outro... então algumas coisas complicava.
No ano de 2006, ano em que realizamos a pesquisa, a escola havia conquistado sua
autonomia. Por meio de uma assembléia com os pais dos alunos, escolheu-se o
nome da escola, formou-se o Conselho de Escola e, nesse mesmo ano, a diretora e
a pedagoga estavam organizando o processo para a criação do caixa escolar.
Entretanto as dificuldades de ordens física e material permaneceram, pois a
instituição continuou a funcionar em um espaço improvisado.
No ano da realização do estudo, a escola atendia a um total de 208 alunos divididos
em 12 turmas, seis no período matutino e seis no período vespertino. Conforme
histórico da instituição relatado pela diretora na época, vimos que a escola foi
fundada com o objetivo de atender, de forma emergencial, às crianças que não
conseguiam vagas no CMEI daquela região. Por isso, não houve a construção de
um espaço adequado para o seu funcionamento. Dessa maneira, alugou-se uma
casa de dois andares. No primeiro, funcionava, no turno matutino (período da
realização do estudo), a sala do Berçário II e duas turmas de Maternal. Além da
cozinha e do refeitório, tinha também um banheiro que atendia às crianças das três
turmas. O quintal da casa, que não era muito grande, era utilizado como pátio.
No segundo andar, funcionava a turma do Jardim I e as duas turmas de Pré. Havia,
também, nesse andar, a sala de professores (improvisada no lugar onde seria a
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
64
cozinha da casa). Era um espaço muito pequeno. No horário do lanche, por
exemplo, não havia espaço para todos os professores. A equipe técnica atendia na
sala, onde ficava a secretaria e, logo ao lado, funcionava a sala da direção. Nesse
andar, também havia uma sala ambiente com televisão, vídeo, DVD, uma pequena
estante com livros e uma arara com roupas feitas com TNT que as professoras
utilizavam para fazer dramatizações com os alunos. Assim era o espaço onde as
crianças assistiam a vídeos e liam livros.
Apesar das dificuldades por causa do espaço “adaptado” para a realização do
trabalho pedagógico, percebemos, durante o período em que realizamos a
observação, um grande esforço por parte dos profissionais da escola para organizar
o trabalho de maneira a proporcionar o bem-estar das crianças que eram recebidas
pela instituição.
Nos períodos de lazer e das refeições, a rotina escolar era marcada por vários
intervalos que ocorriam de maneira bastante organizada. No turno em que o estudo
foi realizado, as atividades iniciavam-se às 7h, com a chegada das crianças que
eram encaminhadas às salas de aulas. Como o refeitório era muito pequeno, as
crianças eram divididas para realizar as refeições oferecidas pela escola. Desse
modo, às 7h20min, as crianças das turmas do Berçário II e Maternal eram
encaminhadas ao refeitório, onde, até as 7h40min faziam o seu lanche. Às 7h40min
era a vez das crianças das turmas do Jardim e do Pré. As turmas do Berçário II e
Maternal almoçavam no período das 10h20min às 10h40min. Já as turmas de jardim
e pré almoçavam no horário das 10h40min às 11h20min.
A escola não possuía parquinho. Tinha apenas uma casinha e um minhocão no
pátio. As crianças tinham um horário reservado para ir ao pátio, no qual os alunos
realizavam atividades recreativas (cerca de 45 minutos aproximadamente todos os
dias). A ida ao pátio acontecia em diferentes momentos para cada faixa etária e, em
alguns momentos, as professoras desenvolviam atividades com os alunos, mas, na
maioria das vezes, elas ficavam livres para brincar. Por causa do tamanho do pátio,
algumas atividades, como jogar bola, eram quase impossíveis. As declarações da
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
65
diretora da escola apontam uma realidade que não é só da escola na qual este
estudo foi feito, mas uma realidade do Brasil.
4.3.3 As salas de aula
Para realizarmos a caracterização do espaço de trabalho nas salas de aula,
tomamos por referência os indicadores escritos no roteiro do APÊNDICE D e as
nossas anotações no diário de campo, realizadas no decorrer da observação
participante em salas de aula.
Conforme explicitado, para a realização da pesquisa, fizemos observação
participante em quatro salas de aula. A primeira sala em que nos inserimos foi a sala
do Berçário II. Posteriormente, fizemos as observações nas turmas de Maternal,
Jardim e Pré. Desse modo, faremos uma caracterização geral das salas de aula,
destacando os aspectos que são mais relevantes para a compreensão do contexto
da realização do estudo.
A classe do Berçário II (Foto 1) tinha, no período da realização da observação
participante, 17 crianças. A sala de aula ficava no andar térreo da casa. As paredes
não eram azulejadas, as partes inferiores eram pintadas com tinta óleo num tom
amarelo claro. Na sala de aula, não havia banheiro para os alunos, como é indicado
para as crianças dessa faixa etária. Desse modo, as crianças utilizavam o banheiro
que ficava no corredor e servia para as três turmas que ficavam naquele andar. A
sala de aula tinha uma pequena estante, onde ficavam os livros que as crianças
utilizavam, além de um armário para guardar os materiais das professoras e uma
mesa que as professoras usavam para fazer suas anotações. Na parte esquerda da
sala de aula, as professoras montaram um painel, onde faziam a exposição dos
trabalhos realizados pelas crianças. Também havia ganchinhos na parede, onde
eram colocadas as mochilas dos alunos.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
66
Foto 1 – Sala da Turma 1
A turma do maternal tinha 15 alunos. No período da realização da observação,
também funcionava na parte térrea da casa. A sala ficava próxima do banheiro
desse andar da casa. Como as outras salas da escola, ela também tinha pouco
espaço para a realização do trabalho. Além disso, havia duas janelas com vista para
o pátio (quintal). Assim, de vez em quando, a professora fechava as janelas, porque
não conseguia falar com seus alunos, por causa do barulho que as crianças das
outras turmas faziam quando estavam no pátio. Os móveis dessa sala eram: uma
estante, onde eram colocados livros para as crianças, um armário para colocar os
materiais das professoras e mesa com cadeiras pequenas para os alunos realizarem
atividades como pinturas e desenhos. Em alguns momentos presenciamos a falta de
cadeiras para as crianças. Na parede, havia ganchos para as crianças colocarem
suas mochilas e um painel onde eram fixados os seus trabalhos, um quadro de
pregas para a realização da chamada, um quadro-de-giz, onde a professora
colocava atividades dos projetos que vinha desenvolvendo com seus alunos (Foto
2).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
67
Foto 2- Sala da Turma 2
A falta de espaço atrapalhava o cotidiano de algumas das turmas, onde realizamos a
observação. Por exemplo, a sala onde ficava a turma de Jardim I que tinha 13
alunos e era muito pequena. As crianças não tinham espaço para brincar ou realizar
atividades, como a roda de conversa. Além disso, o banheiro das crianças do
segundo andar ficava dentro de sala. Desse modo, constantemente, os alunos de
outras turmas entravam nessa sala para usar o banheiro. Nessa sala, havia um
guarda-roupa embutido na parede (móvel deixado pelos antigos moradores da casa)
que tomava muito espaço da sala de aula. Além de tomar espaço, esse móvel não
tinha portas, fato que causava uma certa desorganização dos materiais da
professora, pois, nele, ela colocava os materiais que usava no dia-a-dia com os
alunos e os brinquedos que as crianças costumavam usar na sala. Tinha também
duas mesas para os alunos realizarem suas tarefas, quando a professora fazia
atividades com os alunos nessas mesas, não era possível se movimentar dentro da
sala de aula. Havia também, nessa sala, uma pequena estante, onde eram
colocados alguns livros para as crianças. Nas paredes, a professora fixou o cartaz
de pregas para a realização da chamada, um alfabeto que ficava em cima do quadro
de giz, os números do lado esquerdo da parede e do lado direito um varal para
colocar as atividades das crianças (Foto 3).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
68
Foto 3 -Sala da Turma 3
A turma do Pré A tinha dez alunos e ficava no espaço onde seria também a área de
serviço (Foto 4). Assim, as crianças conviviam constantemente com a entrada de
uma funcionária que cuidava da limpeza da escola para utilizar o tanque, a máquina
de lavar e a secadora de roupas que ficavam nessa sala. Era a sala de aula mais
ampla e arejada da escola, por isso as crianças tinham facilidade de se organizar em
grupos para brincar. Como já mencionado, nessa sala, havia um tanque, uma
máquina de lavar e uma secadora, mesas individuais e cadeiras para as crianças,
armário para guardar os materiais das professoras. Também tinha duas estantes
onde eram colocados livros para as crianças e quadro-de-giz. Nos cantos da sala,
havia baldes que as crianças utilizavam para brincar: salão de beleza (uma caixa
vidros vazios de xampu e desodorante, entre outros), computador feito com caixas
de maçã e pedaços de madeiras que as crianças usavam para montar cidades.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
69
Foto 4 – Sala da Turma 4
4.3.4 As crianças - sujeitos da pesquisa: relações no ambiente escolar e
familiar
Para construirmos o texto de caracterização das crianças-sujeitos da nossa
pesquisa, utilizamos os dados das tabelas que se encontram no APÊNDICE I. Essas
tabelas foram organizadas a partir das informações obtidas nas entrevistas com os
pais e das fichas de matrícula. Concordamos com Freitas (2002, p. 26), quando
afirma que
[...] os estudos qualitativos com o olhar da perspectiva sócio-histórica, ao valorizarem os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e, por seu intermédio, compreender também o contexto.
Nesse sentido, esses dados são muito importantes para o entendimento do contexto
social das crianças envolvidas no estudo. Aspectos como idade, experiência escolar,
local de moradia, composição familiar, características socioeconômicas da família,
costumes cotidianos das crianças e suas preferências possibilitam uma proximidade
com esse contexto.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
70
Os índices percentuais foram calculados levando em consideração os 52 sujeitos
que participaram da pesquisa e nos possibilitaram a quantificação de aspectos que
consideramos extremamente relevantes para a construção do percurso investigativo.
Assim, conforme a perspectiva teórica que orienta este trabalho - a Psicologia
Histórico-Cultural - não podemos perder de vista as questões culturais e sociais que,
certamente, envolvem as experiências dos sujeitos em sala de aula, trazendo
marcas para o trabalho com a linguagem oral.
Conforme mencionamos, 52 sujeitos participaram da pesquisa, sendo 31 (59,6%) e
21 meninos (40,4%). De maneira geral, pudemos observar que os meninos das
turmas pesquisadas eram mais agitados que as meninas, exceto na turma de
Jardim, na qual as meninas também eram muito agitadas. Nessa turma,
especificamente, ocorriam muitas brigas entre as crianças, elas se chutavam,
empurravam, beliscavam e xingavam, gerando dificuldades para a professora na
condução das atividades que ela propunha para o grupo.
Com relação à idade, no período da realização do estudo, 14 crianças tinham entre
um ano e sete meses a dois anos e seis meses (26,9%); 18 crianças tinham entre
dois e sete meses e quatro anos e dois meses (34,6%); 9 crianças tinham entre
quatro anos e sete meses e cinco anos e seis meses (17,3%); e 11 crianças tinham
entre cinco anos e sete meses e seis anos e seis meses (21,2%). Das 52 crianças
participantes da pesquisa, 23 crianças freqüentavam a escola pela primeira vez
(44,2%) e 29 crianças já tinham experiência escolar (55,8%).
No que diz respeito ao local de moradia dos alunos, os 52 sujeitos integrantes do
estudo moravam nas seguintes regiões: 14 crianças moravam no Bairro da Penha
(26,9%); 20 crianças moravam em Itararé (38,5%); 9 crianças moravam em São
Benedito (17,3%); uma criança morava em Andorinhas (1,9%); uma criança no
Bairro Bonfim (1,9%); e 13,5% não informaram, na entrevista, o bairro onde
moravam.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
71
O contexto familiar12 das turmas pesquisadas apresentava as seguintes
características: 13,5% das crianças moravam apenas com os pais; 23,1% moravam
com os pais e um irmão; 9,6 moravam apenas com um dos pais; e 3,8% moravam
com um dos pais e irmão(ã), caracterizando um total de 50,0% de crianças que
constituíam famílias pouco numerosas. Constatamos que 3,8% das crianças
moravam com pais, irmãos e parentes; 15,4% residiam com pais e irmãos. Havia
também crianças que moravam com apenas um dos pais e irmãos e, dessas, 7,7%
moravam com um dos pais e irmãos e 11,5% com um dos pais, irmãos e parentes.
Dessa maneira, os dados nos apontam a predominância de famílias pouco
numerosas dos sujeitos envolvidos no estudo, fato que é explicado por fatores sócio-
históricos e econômicos que têm produzido quedas nas taxas de fecundidade.
Quanto às ocupações dos familiares, segundo a Classificação Brasileira de
Ocupações (BRASIL, 2002), do Ministério do Trabalho e Emprego, o maior índice de
ocupação dos pais (32,7%) incidiu sobre o grupo dos trabalhadores dos serviços,
vendedores de comércio, em lojas e mercados. Outros grupos com maior número de
ocupações são os trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (25,0%)
e os trabalhadores de manutenção e reparação (11,5%); 5,8% fazem parte do grupo
que trabalha nas Forças Armadas, policiais e bombeiros militares; 15,4% não deram
informações a respeito da profissão que exercem. Os desempregados
representavam 9,6% do grupo, fato que não nos surpreende, pois o País tem na
atualidade altos índices de desemprego, mas que nos preocupa, pois revela, em
termos específicos, que as políticas em vigor não têm contribuído para garantir que
todos os cidadãos tenham direito ao meio fundamental para sua sobrevivência física
e de sua família.
No que diz respeito à ocupação das 52 mães entrevistadas, 5,7% não informaram a
ocupação; 38,5% trabalham como empregadas domésticas, o que representa um
total de 20 mães; 30,8% integram o grupo de trabalhadoras dos serviços,
vendedores do comércio em lojas e mercados, representado um total de 16 mães;
7,7% disseram que estavam desempregadas, representando um total de 3 mães;
1,9% são técnicas de nível médio; 5,8% são profissionais das ciências e das artes;
1,9% trabalha nas áreas de bens e serviços; e apenas 7,7% disseram que 12 É importante dizer que 11,6% dos 52 pais preferiram não fornecer informações sobre o assunto.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
72
trabalhavam somente em casa (4 mães do grupo de 52 mães), confirmando, assim,
a predominância de mães que estão inseridas no mercado de trabalho. Concluímos,
então, com relação à ocupação das mães, que elas têm um papel ativo na obtenção
de renda para o sustento de suas famílias e algumas até têm assumido sozinhas o
sustento da casa. Esse dados coadunam com os resultados da Pesquisa Nacional
por Amostra por Domicílio (PNAD) que, em 2001, apontou que 27,3% das famílias
que moram no Brasil eram chefiadas por mulheres.
A renda familiar mensal dos sujeitos envolvidos em nosso estudo, declarada na
entrevista realizada com os pais, se caracterizava por índices que giraram em torno
de um a dois salários mínimos (63,4%), três a quatro salários mínimos (21,2%),
cinco a seis salários mínimos (1,9%); 13,5% não informaram a renda familiar.Esses
dados mostraram que 44 crianças faziam parte de famílias cuja renda mensal estava
entre um a quatro salários mínimos. Tomando como referência o valor do salário
mínimo no Brasil e as formas de vida da população brasileira dos grandes centros
urbanos, tínhamos 84,6% da população pesquisada com uma renda mensal baixa;
sendo 63,4% com renda entre um e dois salários mínimos, o que mostra que a
maioria dessas famílias vive grandes dificuldades financeiras. Segundo Kramer
(2005, p. 190), “[...] é bastante preocupante o futuro das crianças brasileiras, pois a
grande maioria delas vive em famílias cujo rendimento médio não ultrapassa dois
salários mínimos, e isso dificulta o acesso às condições necessárias e adequadas
para seu desenvolvimento”.
O nível de escolarização dos pais pode ser caracterizado com base nos seguintes
índices: 7,7% (4 pais) possuíam o ensino fundamental completo; 23,1% (12 pais)
não haviam completado o ensino fundamental; 21,2 (11 pais) tinham o ensino médio
completo; 11,5% (6 pais) tinham o ensino médio incompleto; 3,8% (2 pais) tinham o
ensino superior completo; e 3,8% (2 pais) tinham o ensino superior incompleto.
Curiosamente, 28,9% (15 pais) preferiram não informar a escolaridade. Esse fato
pode indicar que esses pais têm “uma baixa escolaridade” ou “nunca estudaram”,
mas, como a maioria das pessoas se sente constrangida devido ao valor social
atribuído à educação, preferiram não informar sua escolaridade. Assim, os dados
nos mostraram que a maioria dos pais das crianças (sujeitos da pesquisa) têm baixa
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
73
escolaridade. Apenas 11 pais do grupo dos 52 pais haviam completado o Ensino
Médio, dois pais tinham Ensino Superior e dois estavam terminando a faculdade.
Com relação ao nível de escolarização das mães, obtivemos os seguintes índices
nas entrevistas: 19,2% (10 mães) chegaram a concluir o ensino fundamental; 15,4%
(8 mães) não chegaram a concluir o ensino fundamental; 25,0% (13 mães)
concluíram o ensino médio; 7,7% (4 mães) não concluíram o ensino médio; 1,9% (1
mãe) tinha o Ensino Superior incompleto; 3,9% (2 mães) não freqüentaram escola; e
nenhuma mãe tinha curso superior. O número de mães que não informou a
escolaridade também foi alto 26,9% (14 mães). Acreditamos que pelo mesmo motivo
que os pais não informaram sua escolaridade. As mães também apresentaram uma
escolaridade baixam. Do grupo de 52 mães dos sujeitos da pesquisa, apenas 13
chegaram a concluir o Ensino Médio e uma mãe estava cursando o Ensino Superior.
Nas entrevistas que realizamos com os pais, também buscamos informações sobre
o universo sociocultural das crianças a fim de compreendermos algumas formas de
interação dos sujeitos fora do ambiente escolar. Segundo os pais, as atividades
preferidas das crianças estavam vinculadas a brincar (36,8%), assistir à televisão
(10,5%), cantar (6,6%) dentre outras. Fora do ambiente familiar, as atividades mais
citadas pelos pais foram os passeios à praia, ao parque (13,1%), as brincadeiras
(28,9). Dentre os programas de rádio e televisão preferidos das crianças, estavam
os desenhos animados (30,5%), filmes (9,5%), Programa da Xuxa (9,5%), novelas
(8,6%), Sítio do Pica-Pau-Amarelo (7,6%), DVDs (6,7%), músicas (5,7%). Além
desses, as crianças citaram alguns programas humorísticos, jogos de futebol,
programas de rádio, Fórmula 1, noticiários, Esport Car e um dos pais disse que seu
filho gostava do Programa Mais Você (por causa do Louro José). As brincadeiras
são as diversões preferidas das crianças (sujeitos da pesquisa) com 63,1%.
Finalmente, terminamos esse item retomando as questões relacionadas com a
escolaridade e o emprego dos pais das crianças-sujeitos da pesquisa. Os dados nos
mostraram que a maioria dos pais tem baixa escolaridade e grande parte dos que
estão empregados ganham de um a dois salários mínimos. Na atualidade, o “[...]
acesso ou não ao emprego aparece como dependendo da estrita vontade individual
de formação, quando se sabe que fatores de ordem macro e mesoeconômicas
contribuem decisivamente para essa situação individual” (HIRATA, apud SHIROMA;
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
74
CAMPOS, 1997, p. 28). Desse modo, tem havido uma transferência de
responsabilidade do mercado de trabalho para o trabalhador. Apesar de vivermos,
de acordo com Paiva (1997, p. 22), uma época de “[...] perda do poder dos diplomas
decorrente da expansão quantitativa ocorrida nas duas últimas décadas”. Os dados
sobre a renda e escolaridade dos pais das crianças que participaram da pesquisa
nos mostraram que ainda existe uma relação entre empregabilidade e educação, à
medida que há, no grupo dos pais das crianças da escola onde a pesquisa foi
realizada, um número grande de pais desempregados e os que estão empregados
têm uma renda baixa (de um a dois salários mínimos). A maioria desses pais tem
baixa escolaridade.
Infelizmente, essa é a realidade da América Latina. De acordo com Severino (2000),
paga-se um preço muito alto pela modernização do Continente Latino Americano, na
medida em que a imensa maioria de sua população têm tido condições de vida
extremamente precárias, resultado da organização capitalista que tem como
principais características a dominação externa de grupos internacionais e um clima
político interno dominado pelo mandonismo das elites nacionais. E a situação do
Brasil no contexto latino-americano? Severino (2000, p. 67) afirma que a “[...]
situação particular do Brasil é pior do que a do conjunto da América Latina, que já é
péssima: os 20% mais ricos dispõem de 52,94% da renda e os 20% mais pobres, de
4,52%”. Nesse contexto, Severino (2000) ressalta que o Brasil vive um grave nível
de desumanização já que a distribuição dos bens materiais é extremamente
desigual. Assim,
[...] o país está com uma das mais altas concentrações de renda do mundo, medida pelo índice Gini13 e que se expressa da seguinte maneira: enquanto 20% mais pobres precisam disputar entre si apenas 2,5% da renda do país, os 20% mais ricos se locupletam com 63,4% ou seja, no Brasil, 30 milhões de pessoas precisam sobreviver com a pequena fatia de 2,5% e outros 30 milhões dispõem de 63,4% para o mesmo fim (SEVERINO, 2000, p. 67).
13 O coeficiente Gini é a medida dos graus de desigualdade na distribuição da renda. Segundo Severino (apud KLIKSBERG, 2000, p. 84), “[...] ele é igual a zero quando a eqüidade é máxima, a renda sendo eqüitativamente distribuída entre todas as pessoas que integram uma população. Vai de 0 a 1. Países altamente eqüitativos, como Suécia e Espanha, têm o índice Gini entre 0,25 a 0,30. A média mundial é 0,40. A média da América Latina é de 0,57, enquanto o Brasil está 0,69, após ter passado de 0,59 em 1980, para 0,63 em 1989, o que mostra a continuidade do agravamento de concentração nas últimas décadas”.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
75
Desse modo, as crianças sujeitos da pesquisa fazem parte da maioria da população
brasileira que integra o grupo dos mais pobres que disputam 2,5% da renda do País.
Esse dado é preocupante, porque indica que a maioria das crianças do Brasil tem
famílias que não podem oferecer-lhes condições de vida que lhe possibilitem, por
exemplo, o acesso à “[...] a saúde e à nutrição que tem efeito direto no
desenvolvimento emocional e intelectual do ser humano” (KRAMER, 2005, p. 189).
Além disso, a renda familiar é um dos fatores que mais influencia a escolaridade das
crianças. De acordo com Kramer (2005, p. 194),
[...] a análise das taxas de escolarização, considerando as classes de renda mensal familiar per capita em salários mínimos, permite identificar uma nítida desigualdade entre as crianças de famílias com maior renda e aquelas com renda menor: à medida que aumenta a renda familiar, crescem os níveis de escolarização. 14
Nesse sentido, as crianças sujeitos da pesquisa são integrantes de famílias cujas
questões socioeconômicas lhes colocam em condições de desigualdade em relação
às crianças de classes sociais mais favorecidas, à medida que não possibilita a
essas crianças o acesso a melhores níveis de escolarização, por exemplo. A baixa
escolaridade da maioria dos pais das crianças envolvidas na pesquisa também é um
outro fato que tem sido apontado por estudiosos da realidade de crianças brasileiras,
como Kramer (2005), como um fator que tem íntima relação com a escolarização
das crianças. Conforme denuncia Kramer (2005, p. 195-196), “[...] do ponto de vista
socioeducacional, o nível educacional dos pais e a ambiência cultural da família
condicionam as chances de escolaridade de seus filhos. Isto é a educação do filho é
fortemente relacionada à educação dos pais”.
As questões aqui apontadas sobre a realidade socioeconômica das famílias das
crianças que participaram da pesquisa são representativas da realidade vivida pela
maioria das crianças brasileiras. São essas crianças que a escola pública tem
recebido e com as quais tem um sério compromisso. Conforme discussão realizada
por Saviani (2003, p. 22), esse compromisso está relacionado com a garantia da
apropriação de 14 Kramer (2005) faz essa afirmação a partir de dados divulgados pelo IBGE da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2001.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
76
[...] conhecimentos, idéias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto de elementos necessários à formação da humanidade em cada indivíduo singular, na forma de uma segunda natureza, que se produz deliberada e intencionalmente, através das relações pedagógicas historicamente determinadas que se travam entre os homens.
Desse modo, o trabalho educativo possibilita ao indivíduo a apropriação “[...] de
ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário etc., que o professor
seja capaz de colocar de posse dos alunos” (SAVIANI, 2002, p. 80), para que o
indivíduo se instrumentalize para lidar com as lutas que são travadas em uma
sociedade de classes sociais antagônicas como a nossa que, ainda conforme os
dados aqui apresentados, vive um capitalismo selvagem que gera uma extrema
desigualdade na distribuição de renda.
4.3.5 As professoras e suas trajetórias de trabalho com a linguagem oral
Tivemos o contato com o trabalho de cinco professoras: duas professoras da turma
do Berçário II, que chamaremos de Professora 1 e Professora 2, uma professora da
turma do Maternal (Professora 3) e duas professoras das turmas de Jardim
(Professora 4) e Pré (Professora 5). Destacaremos, a seguir, alguns aspectos da
formação e da trajetória profissional de cada uma delas, como, também, o trabalho
pedagógico que desenvolveram durante o período que realizamos a observação.
Para isso, utilizaremos informações que coletamos por meio de entrevistas
(APÊNDICE F) que realizamos com as professoras, além das informações que
obtivemos na observação nas salas dessas professoras. Na parte final do texto,
apresentaremos as respostas das professoras sobre as questões das entrevistas
que fizemos com elas. Faremos também uma breve análise das respostas das
professoras a essas questões.
Dessa forma, iniciamos com a caracterização das duas professoras do Berçário II. A
Professora 1 tinha, no período de realização do estudo, entre 31 e 35 anos,
trabalhava em duas escolas do sistema público de ensino. Lecionava há dois anos
na escola onde a pesquisa foi realizada e era profissional efetiva da Prefeitura
Municipal de Vitória. Tinha quinze anos de experiência na docência da Educação
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
77
Infantil e estava fazendo graduação em Pedagogia, na modalidade a distância. A
Professora 2 tinha entre 36 e 40 anos e também trabalhava em duas escolas do
sistema público de ensino. Trabalhava há dois anos na escola onde o estudo foi
realizado, tinha 15 anos de experiência como professora da Educação Infantil e,
além do Curso de Magistério (Ensino Médio), tinha Licenciatura Plena em Letras.
A Professora 3, no momento da realização da pesquisa, tinha entre 36 e 40 anos,
trabalhava nos dois turnos da escola onde fizemos a pesquisa. A sua cadeira do
turno vespertino era uma extensão de carga horária. Tinha oito anos de experiência
no Magistério, sendo quatro anos na Educação Infantil e quatro anos no Ensino
Fundamental (1ª a 4ª séries). Estava cursando Pedagogia na modalidade a
distância.
A Professora 4 tinha entre 36 e 40 anos e era a única das cinco professoras que
lecionava apenas em um período do dia. Trabalhava no CMEI há aproximadamente
quatro anos e sua formação era graduação em Pedagogia e, no período da
realização do estudo, estava fazendo pós-graduação.
Das cinco professoras envolvidas na pesquisa, a Professora 5 era a única que
possuía pós-graduação/especialização (Educação Infantil e Educação Especial). Ela
tinha entre 36 e 40 anos, trabalhava há quatro anos na escola onde fizemos a
pesquisa. Profissional efetiva da Prefeitura de Municipal de Vitória, atuava como
professora em duas escolas dessa rede de ensino, no período da manhã na
Educação Infantil e, à tarde, em uma turma de 2ª série do Ensino Fundamental.
Tinha 15 anos de experiência no Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) e seis anos na
Educação Infantil.
Destacaremos, a seguir, alguns aspectos do trabalho pedagógico que
desenvolveram durante o período que realizamos a observação. Como já
mencionado, as Professoras 1 e 2 atuavam na turma de Berçário II. Elas realizavam
o que chamavam de estabelecimento de uma “rotina” com os alunos, para que eles
se adaptassem às regras da escola, já que a maioria das crianças dessa turma,
segundo as professoras, freqüentava a escola pela primeira vez e, por isso, as
professoras acreditavam que seus alunos precisavam compreender as regras da
escola.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
78
Assim, nessa turma, o trabalho era desenvolvido pelas professoras da seguinte
forma: recepção das crianças, posteriormente, os alunos eram levados ao refeitório
para tomar o café da manhã. No retorno à sala de aula, as professoras organizavam
a roda de conversa, onde faziam a chamada (as professoras entregavam as fichas
com seus nomes para as crianças colocarem num quadro de pregas que ficava na
parede). Depois desenvolviam com elas as atividades que haviam planejado para
aquele dia: contavam histórias, atividades de artes plásticas, mostravam ilustrações
de histórias que haviam contado e faziam perguntas sobre as histórias contadas,
além de questionar as crianças sobre outros aspectos das ilustrações como: nomes
das cores, nomes de bichos, nomes de personagens, entre outros. Elas também
colocavam CDs para as crianças ouvirem histórias e músicas.
Pudemos observar, durante a observação participante que realizamos na turma da
Professora 3, que ela gostava muito de trabalhar com músicas. Desenvolvia projetos
cujo eixo central era uma música que lhe possibilitava o desenvolvimento de outras
atividades, como as artes plásticas e a leitura de histórias para as crianças,
conforme relatado no diário de campo (páginas 16 e 40). Geralmente, a professora
iniciava a sua aula fazendo a chamada que era realizada da seguinte forma: a
professora mostrava fichas com os nomes dos alunos da turma e pedia às crianças
que identificassem seu próprio nome. Grande parte das crianças conseguia
reconhecer seu nome. Em seguida, elas colocavam a ficha num quadro de pregas
que ficava na parede, esse quadro era divido entre meninos e meninas. Depois, a
professora fazia a roda de conversa, onde ela apresentava aos alunos as atividades
que seriam desenvolvidas durante aquele dia, que estavam inseridas nos projetos
que a professora desenvolvia com essa turma: Projeto Moradia, Projeto
Alimentação, entre outros.
A Professora 4 enfrentava algumas dificuldades para o desenvolvimento do trabalho
pedagógico na turma em que era regente. Uma delas era o fato de a sala de aula
ser muito pequena para o número de crianças. Assim, atividades como a roda de
conversa ficava muito prejudicada por causa da falta de espaço. Além disso, essa
turma era muito agitada, o que dificultava a realização de algumas atividades que a
professora propunha. Com relação à prática pedagógica, percebemos que essa
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
79
professora tinha uma preocupação em apresentar as crianças alguns aspectos
lingüísticos da linguagem escrita. Desse modo, ela produzia, diariamente, com as
crianças, um calendário do mês, no qual elas deveriam escrever seus nomes e
preencher os quadrados com os números referentes à data. Nesse contexto, ela
enfatizava o ensino dos nomes e das letras dos nomes das crianças. Ela também
fazia a chamada apresentando fichas com os nomes das crianças e pedia que elas
lessem o nome que estava escrito naquelas fichas. Observamos que grande parte
das crianças conseguia fazer essa leitura. Quando levava seus alunos para o pátio,
ela direcionava as brincadeiras. Presenciamos, também, durante o período da
observação na turma dessa professora, a realização de atividades envolvendo artes
plásticas, como a produção de maquetes e cartazes. No período que realizamos a
observação na turma dessa professora, não presenciamos nenhum momento em
que ela realizasse uma atividade envolvendo a contação de histórias.
Durante a observação na turma da Professora 5, verificamos que essa professora
era a que tinha maior preocupação em trabalhar a apropriação da linguagem
escrita. Nesse sentido, ela realizava com seus alunos, durante o período em que
estivemos em sua sala, várias atividades envolvendo a escrita, tais como: produção
de cartas, cartões e muitos exercícios xerocados, envolvendo as unidades menores
da língua. Essa professora fazia, diariamente, a roda de conversas com seus alunos
para contar histórias e ouvir seus alunos contarem histórias, conversarem sobre
problemas que ocorriam entre seus alunos, entre outros. Além disso, havia na sala
dessa professora cantinhos de brincadeiras (computador feito com sucata, jogos de
pinos, salão de beleza). As crianças se dividiam nesses cantinhos e realizavam
diferentes brincadeiras.
Feita as devidas caracterizações das professoras, bem como a apresentação de
alguns aspectos do trabalho pedagógico desenvolvido por elas, durante o período
que realizamos a observação, faremos, uma análise das respostas das professoras
às seguintes perguntas feitas durante as entrevistas15 que realizamos com elas: para
elas, o que era linguagem? Quais as funções da linguagem? Como elas concebiam
15 Realizamos entrevistas com as cinco professoras participantes da pesquisa, três delas permitiram que fizéssemos a gravação por meio de filmagem, em seguida as entrevistas foram transcritas.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
80
a produção de textos orais na Educação Infantil? Na opinião delas, qual era a
contribuição da Educação Infantil para o desenvolvimento da criança?
Antes, porém, é preciso ressaltar que as Professoras 1 e 2 disseram que não se
sentiriam à vontade se gravássemos a entrevista. Por isso, não pudemos gravar
suas declarações sobre o trabalho com a linguagem oral na Educação Infantil, tema
deste estudo. Além disso, nos pediram que fizéssemos a entrevistas com as duas
juntas. Assim, anotamos suas respostas que também serão apresentadas e
analisadas, posteriormente. As Professoras 3, 4 e 5 aceitaram sem dificuldades a
gravação da entrevistas. Iniciamos a entrevista, perguntando às professoras: para
você, o que é linguagem?
Prof. 1: [...] a função da linguagem é a comunicação oral e escrita...
Prof. 2: [...] é uma forma de expressão do ser humano...
Prof. 3: [...] linguagem...como que eu vou te falar... é o que a criança né?... é::: o que
a criança fala... gesticula... isso aí tudo é linguagem...a partir do momento que ela
está fazendo um sinal dá linguagem... ela tá falando é uma linguagem... o que ela
vê... eu penso assim...
Prof. 4: [...] linguagem? linguagem? uma forma de expressão...aí tem vários tipos de
linguagens... né?... oral... escrita... desenho... pictográfica né que eles falam...
Prof. 5 : [...] é uma forma de se expressar..
Pudemos observar, de maneira geral, nas respostas das professoras, que a
linguagem é vista por elas como um instrumento para a expressão do pensamento
humano. Conforme discussão realizada por Bakhtin (2004), apresentada no capítulo
anterior, a corrente lingüística que concebe a linguagem como expressão do
pensamento é o subjetivismo idealista, que tem a teoria da expressão como uma de
suas principais linhas teóricas. Nesse contexto, a teoria da expressão “[...] supõe,
inevitavelmente, um certo dualismo entre o que é interior e o que é exterior, com
primazia explícita do conteúdo interior, já que todo ato de objetivação (expressão)
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
81
procede do interior para o exterior” (BAKHTIN, 2004, p. 111). Assim, para essa
perspectiva, a linguagem é uma produção “interior” ou uma produção individual do
homem. Nesse contexto, a situação social é desconsiderada, quando na verdade, na
perspectiva bakhtiniana, é justamente ela que produz a enunciação-expressão, pois
“[...] a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam
completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da
enunciação” (BAKHTIN, 2004, p. 113).
A linguagem também foi apresentada pelas professoras como um instrumento de
comunicação. “Essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua
como código (conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de
transmitir ao receptor certa mensagem” (GERALDI, 2006, p. 41). Esse autor afirma
que essa concepção está muito presente nos livros didáticos, mais especificamente,
nas instruções que são dadas ao professor, além de aparecer nas introduções, nos
título, embora, segundo ele, não apareça nos exercícios gramaticais.
Desse modo, a linguagem não foi apontada pelas professoras como constituída nas
relações entre os sujeitos e constitutiva do sujeito, na medida em que é formadora
da consciência humana. Tal como defende Bakhtin (2004, p. 35), “[...] a consciência
adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de
suas relações sociais”. Desse modo, não aparece nas respostas das professoras a
compreensão da relevância que tem a linguagem para a formação das crianças. A
linguagem é apontada por Vigotski, conforme discussão realizada no capítulo
anterior, como uma função psicológica superior que se desenvolve nos indivíduos
por meio das relações que estabelece com outros sujeitos. Além disso, é
considerada por ele como a função central das relações sociais, na medida em que
medeia essas relações. Nesse contexto, não podemos perder de vista a importância
que tem a linguagem para a formação dos nossos alunos.
Continuamos a entrevista, perguntando às professoras: qual era a opinião delas
sobre funções da linguagem?
Prof. 1: a função da linguagem é comunicativa...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
82
Prof. 2: penso como ela...
Prof. 3: pra gente se comunicar...né?... passar o que pensa... o que quer... tudo
isso...
Prof. 4: [...] comunicação a primeira coisa...expressão né?... nesse caso da criança
pequena seria o que assim...expressão que eu falei nesse caso seria para ela
mostrar o pensamento dela...
Prof. 5 : expressão... interação...comunicação e socialização...
Com relação às funções da linguagem, as professoras responderam que a função
da linguagem é o estabelecimento da comunicação entre as pessoas. Vigotski
(1934-2001, p. 11), como as professoras, também reconhece “[...] que a função da
linguagem é comunicativa. A linguagem é, antes de tudo, um meio de comunicação
social, de enunciação e compreensão”. No entanto esse mesmo autor discute em
seus trabalhos outra função da linguagem, que é o fato de ela participar intimamente
da construção do pensamento que se dá por meio da formação de conceitos que
ocorre no processo de apropriação da linguagem pela criança e resulta na
generalização que é, segundo Vigotski (2001), a inserção de um conteúdo numa
determinada classe ou grupo de fenômenos para se realizar a comunicação. Nesse
sentido, “[...] a comunicação pressupõe necessariamente generalização e
desenvolvimento do significado da palavra, ou seja, a generalização se torna
possível se há desenvolvimento da comunicação” (VIGOTSKI, 2001, p. 12). Dessa
forma, Vigotski (2001) considera a comunicação e a generalização as duas funções
básicas da linguagem.
Desse modo, a linguagem, que é formada por signos e possui uma função simbólica
de representação do mundo, participa da organização psicológica do indivíduo. Mas
como isso ocorre? Vigotski (2001) faz uma minuciosa análise da relação entre a
linguagem e a construção do pensamento mostrando que os conceitos participam da
construção do pensamento, na medida em que envolvem um “[...] sistema de
relações e generalizações contidas nas palavras e determinadas por um processo
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
83
histórico. O contexto cultural no qual o indivíduo se desenvolve vai fornecer-lhe os
significados das palavras do grupo que está inserido” (FACCI, 2004, p. 212). Assim,
[...] o conceito é impossível sem palavras, o pensamento em conceitos é impossível fora do pensamento verbal, em todo esse processo, o momento central, que tem todos os fundamentos para ser considerado causa decorrente do amadurecimento de conceitos, é o emprego específico da palavra, o emprego funcional do signo como meio de formação de conceitos (VIGOTSKI, 2001, p. 170).
Nesse contexto, os experimentos realizados por Vigotski (2001) sobre a formação de
conceitos apontaram que “[...] há todos os fundamentos para considerar o
significado da palavra não só como unidade do pensamento e da linguagem, mas
também como unidade da generalização e da comunicação, da comunicação e do
pensamento” (VIGOTSKI, 2001, p. 13). Assim, para Vigotski, a linguagem e sua
ligação com o pensamento produzem um redimensionamento das funções
psicológicas superiores que são reguladoras da atividade do indivíduo. Nesse
sentido,
[...] a compreensão, alcançada através do pensamento verbal, permite o autocontrole (inibição das atitudes impulsivas), das ações apenas por reflexos. O comportamento da criança, sua vontade, que a princípio são regulados pelo meio externo, pelos comandos verbais e ações dos indivíduos com os quais convive, passam lentamente, a ser controlados pelo próprio pensamento (TULESKI, 2002, p. 122).
Desse modo, a linguagem também funciona como reguladora do comportamento
humano, pois, como vimos, todo o processo de desenvolvimento da linguagem na
criança liga-se à construção do pensamento que, por meio de instrumentos
psicológicos (signos), dirige a conduta humana. Finalmente, terminamos a discussão
sobre as funções da linguagem, reafirmando que, na perspectiva histórico-cultural,
“[...] a linguagem é fundamental para o desenvolvimento de todas as demais
funções: reestrutura o pensamento, conferindo-lhes novas formas e, através do
pensamento verbal, transforma todas as outras funções” (TULESKI, 2002, p. 133).
Passemos, agora, à apresentação da terceira questão que perguntamos as
professoras: como elas concebiam a produção de textos orais na Educação Infantil?
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
84
Prof. 1: foi uma proposta boa para a prática... porque ficava na mesmice do papel...
você pode fazer com que as crianças se expressem...
Prof. 2: é de suma importância porque é um momento para as crianças se
expressarem...
Prof. 3: [...] a forma que eu trabalho com eles...eu conto uma história depois eles vão
falando... [...] bem melhor do que a gente escrever né?... já trazer prontinho pra
sala...porque ali a gente tá construindo com eles... porque ali é a fala deles né?...
eles assimilam melhor...igual o texto da casa quando eu trabalhei...até hoje ficou
marcado... trabalhei lazer...mas veio né?... a partir do texto da casa... eles não
esquecem...
Prof. 4: [...] é uma atividade assim... tranqüila né?... de se fazer...né?... é uma
atividade rotineira...também...que a todo momento a gente ta produzindo texto com
eles... a gente pode ter aquele horário específico né?... que a gente chama assim de
rodinha...né...que é inicial que a gente faz... de mesmo... só de contação de
novidades... quem quer conversar... uma conversa informal... e pode ter aquele
horário já mesmo.... assim... um específico de produção de textos... que é quando a
gente faz um relato de um passeio... né?... a gente vai produzir algum texto
mesmo...ou é reconto de uma história de um filme...ou uma atividade que seja
mesmo de produção de texto...
Prof. 5: [...] eu acho que é importante você trabalhar a oralidade da criança até pra
que ela se solte na parte escrita também... por:::que... ((a professora é interrompida
por um aluno)) o importante... eu acho legal o professor aproveitar esses momentos
na rodinha... agora isso é muito fácil.. agora essas técnicas... esse tipo de trabalho...
é muito mais tranqüilo quando você tem um número menor de alunos como aqui...
eu estou numa sala com trinta pessoas...crianças a tarde... gente... Dan é muito
difícil... você::: desenvolver... essa...esse...oralidade...a criticidade.. sabe o papo
sadio...
Com relação às respostas da professoras sobre o trabalho com textos orais na
Educação Infantil, pudemos observar que, para elas, o trabalho com a linguagem
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
85
oral acontecia quando permitia que as crianças falassem de “forma espontânea” (na
roda de conversa ou quando pedia que as crianças fizessem o reconto de histórias
que haviam contado). Isso mostra que as professoras acreditam que a linguagem
oral se desenvolve de forma natural na criança.
No entanto o desenvolvimento da linguagem oral na criança não acontece
naturalmente, como se fosse algo que está presente nela em estado embrionário
que a maturação biológica e o ambiente, nesse caso, o contexto da sala de aula
farão vir à tona. Os estudos desenvolvidos por Vigotski apontam que o
desenvolvimento da linguagem na criança é, antes de tudo, cultural, o que significa
dizer que a linguagem é aprendida ou apropriada pela criança no contexto sócio-
histórico em que ela está inserida. Desse modo, a criança realiza um processo de
apropriação que proporciona: “[...] a reprodução das aptidões e propriedades
historicamente formadas da espécie humana, inclusive a aptidão para compreender
e utilizar a linguagem – por meio da qual se generaliza e transmite a experiência da
prática sócio-histórica da humanidade” (FACCI, 2004, p. 203).
Entretanto, para que esse processo de apropriação aconteça, é necessária a
presença de outros indivíduos que são, de certa maneira, portadores da cultura
produzida social e historicamente e que medeiam a relação da criança com esses
conhecimentos. Um desses mediadores é o professor que, nesse contexto, deve
planejar e realizar atividades que visem a uma efetiva mediação entre a criança e a
linguagem oral.
Na entrevista, também perguntamos às professoras: qual era a sua opinião delas à
respeito do papel da Educação infantil pra o desenvolvimento das crianças? A
Professora 1 nos respondeu que é papel da Educação infantil: “Preparar a criança
para viver na sociedade, para lidar com o outro, a socialização”. A Professora 2
disse que pensava como a Professora 1. A seguir, as transcrições das respostas
das Professoras 3, 4 e 5:
Prof. 3: [...] tem criança que não sabe nem o que que é licença... bom-dia... boa
tarde... igual nada disso... igual o Laz chegou nem falar nada...eu achava que o
menino não falava...hoje ele fala tia posso pegar? eu falei pode... tia já terminei...eu
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
86
vou guardar... assim...eu passei.. você pode brincar com os livrinhos... ai depois
você vai lá e guarda... quando você for para o refeitório...chega lá a gente tem que
fazer silêncio que é um lugar da gente lanchar...almoçar.. então a criança aprende
muito... a gente aprende com ele... por exemplo a criança que nunca passou pela
educação infantil e vai direto para o ensino fundamental... tem diferença porque tem
criança que às vezes não tem aquele acesso em casa a livros de
história...né?...música...essas coisas assim...aí o que acontece? chega lá e fica
assim... todo perdido... tem diferença sim... a criança que passa pela Educação
Infantil...
Prof. 4: [...] no início eu falava assim que ((risos) não achava não muito importante
.... vamos dizer...essencial...não achava porque eu achava que a criança só vinha
pra escola pra ter horário...né...ficar naquela rotina...começar a rotina muito cedo e
depois quando ela chegava na primeira série ela já estava cansada... mas hoje em
dia eu vejo que é uma coisa assim muito legal pra criança porque a gente... o que
que a gente faz... a gente aproveita o que ela já sabe... né? que ela já vem com
muita coisa... com muita experiência e a gente aproveita isso que ela já sabe e
amplia ou então assim... sistematiza mesmo... que as vezes ela sabe... mas ela
sabe de uma forma que seria do senso comum...né... e a gente aqui sistematiza...a
gente e::: trabalha...como é que eu vou falar... cientificamente...né? a forma
mesmo...o conceito correto com elas... e o mais interessante da Educação Infantil é
que a gente trabalha conteúdo de primeira a quarta ou até mais...
Prof. 5: [...] eu hoje vejo que é um espaço muito importante na vida da crianças
freqüentar a Educação Infantil... porque ela dá mais oportunidade para desenvolver
melhor socialmente... oralmente também...né...desenvolver sua oralidade... sua
autonomia... além de desenvolver hábitos... alguns hábitos também...atitudes...e::a
questão pedagógica também... a criança consegue desenvolver o seu cognitivo de
forma mais prazerosa...
No que diz respeito ao papel da Educação Infantil para o desenvolvimento da
criança, encontramos, nas respostas, variadas concepções de infância e de
Educação Infantil. As Professoras 1 e 2, por exemplo, disseram que a Educação
Infantil “[...] deve preparar a criança para viver na sociedade”. Há, nessa concepção,
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
87
uma visão de criança que não a concebe como um sujeito que produz cultura e
história e sim como um vir-a-ser sujeito, como alguém que precisa ser “[...] modelado
de acordo com as necessidades da sociedade na qual está inserida, com vistas a
uma adaptação satisfatória a essa sociedade” (KRAMER, 2005, p. 135). Já as
Professora 3, 4 e 5 apontaram a Educação Infantil como o espaço para suprir as
“carências culturais” das crianças (ter contatos com livros e histórias que ela não
teria em casa), funcionando como um espaço preparatório para o Ensino
Fundamental e, também, como um espaço de formação de hábitos adequados ou
que se pensa como adequados, é uma idéia “[...] da infância como um tempo para
se desenhar o caminho que levaria à solução das mazelas por que passa a
educação do país” (KRAMER, 2005, p. 136). Desse modo, pudemos observar, nas
respostas das professoras, que, para elas, é importante que a criança freqüente a
Educação Infantil para, principalmente, ter oportunidade de adquirir hábitos
considerados adequados e desejados. Nesse sentido, para Kramer (2005, p. 136-
137),
[...] tal perspectiva reduz o fato de que crianças têm um papel na sociedade em que vivem e desconsidera que a educação infantil é um espaço de interação, de fortalecer nas crianças (e também nos adultos) a visão de que possuem e produzem uma história, uma cultura que lhes são anteriores, mas com as quais interagem, modificando e apropriando-se de forma crítica, transformando a si mesmas e àqueles com quem convivem.
Nessa perspectiva, as crianças “já estão” inseridas na sociedade e participam de
sua construção. São sujeitos históricos, concretos, sendo participantes ativos dos
grupos sociais, dos quais fazem parte.
Para finalizar, é importante salientar que ficou evidenciada, nas respostas das
professoras, uma concepção de linguagem que desconsidera a sua gênese, as
relações sociais. No entanto, conforme discussão realizada no capítulo anterior, são
justamente as relações sociais que explicam o surgimento, o uso, a apropriação e o
desenvolvimento da linguagem na criança. Nesse contexto, quando as professoras
falam sobre as funções da linguagem, enfatizam apenas a função comunicativa. Não
destacam a importância que tem a linguagem para a formação do indivíduo, na
medida em que medeia a relação do ser humano com o mundo, participando, assim,
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
88
da formação de conceitos no indivíduo. A desconsideração do aspecto histórico-
cultural da apropriação da linguagem resulta numa prática pedagógica com os textos
orais pautada no espontaneísmo, pois demonstraram, em suas respostas, que
acreditam que a linguagem oral se desenvolve naturalmente. Essa concepção de
linguagem predominantemente naturalista também está relacionada com a
concepção de criança apresentada pelas professoras como alguém que, com o
tempo (desenvolvimento natural), se tornará sujeito. Nesse sentido, elas defendem
que o espaço escolar deve preparar a criança para viver em sociedade ou como
espaço para imprimir nelas hábitos considerados bons para a sociedade.
Feitos os necessários esclarecimentos sobre a instituição e os sujeitos envolvidos
em nossa pesquisa, bem como o delineamento geral do trabalho com a linguagem
oral nas turmas pesquisadas e a apresentação das concepções de linguagem e de
criança das professoras envolvidas no estudo, faremos, no capítulo que se segue, o
desvelamento do trabalho com a produção de textos orais nas turmas, nas quais o
estudo foi desenvolvido.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
89
5 O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL NAS SALAS DE AULA
No capítulo anterior, apresentamos os princípios teóricos e metodológicos que
nortearam nosso estudo. Neste capítulo, vamos analisar alguns eventos mediados
pela linguagem oral no contexto das salas de aulas pesquisadas. Conforme
apresentamos, as salas de aulas integravam uma instituição de Educação infantil do
Sistema Municipal de Ensino de Vitória. A pesquisa foi realizada com quatro turmas:
crianças de Berçário II (Turma 1), Maternal (Turma 2), Jardim I (Turma 3) e Pré
(Turma 4). Somando o número de crianças das turmas onde a pesquisa foi
realizada, temos um total de 52 crianças. Partindo da abordagem enunciativo-
discursiva de linguagem bakhtiniana e da perspectiva Histórico-Cultural da
Psicologia, a análise dos eventos tem por objetivo compreender como se
desenvolveu o trabalho pedagógico com a linguagem oral nessas turmas.
Nesse sentido, procuramos respostas para questões que estiveram presentes
durante toda a pesquisa: como se desenvolve o trabalho com a linguagem oral em
classes de crianças de uma instituição de Educação Infantil? Como se desenvolvem
as interações verbais nas salas de aula? Quais as possibilidades de
desenvolvimento da oralidade nas situações observadas? Essas questões são
discutidas a partir do conjunto de dados analisados neste capítulo.
Procuramos, assim, reunir, neste relatório, eventos que consideramos relevantes
para a configuração da dinâmica do trabalho com a linguagem oral no contexto das
turmas onde a investigação foi realizada. Tomamos os eventos como base das
análises, fundamentada na concepção bakhtiniana de ato/atividade e evento. Sobral
(2005, p. 26), ao analisar o conceito de evento, nessa perspectiva, aponta que
evento “[...] pode ser definido como o processo de irrupção de entidades, ou objetos,
no plano histórico (geschichlich), como a presentificação ou apresentação, dos seres
à consciência viva, isto é, situada no concreto”. Nesse sentido, para esse autor, o
evento é formado pelos vários atos da atividade humana que são situados concreta
e historicamente. Desse modo, o evento “[...] ocorre num dado lugar e num dado
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
90
espaço; os fatos por ele gerados permanecem no tempo e no espaço” (SOBRAL,
2005, p. 27). Assim, para Bajtin16 (1997, p. 60),
El mundo em el cual e acto realmente transcurre y se lleva a cabo, es um mundo unitário y singular vivenciado em forma concreta: es visto, oído, palpado y pensado, impregnado por completo de tonos emocionales y volitivos de uma validez axiológica positivamente afirmada.
O aspecto singular do evento, destacado por Bakhtin, está intrinsecamente
relacionado com a concretude do ato. No entanto, a singularidade do ato não
descarta os elementos repetíveis, pois, segundo Sobral (2005), a estrutura
processual dos atos humanos é a base da possibilidade de generalização a partir do
específico. Sobral (2005, p. 11-12) aponta, a partir da teoria bakhtiniana, duas
características dos atos humanos:
[...] atos absoluta e irredutivelmente singulares exigiriam agentes absolutamente únicos e dessemelhantes, e portanto indistinguíveis, bem como situações de ação absolutamente irrepetíveis, o que impediria toda e qualquer generalização, deixando-nos sob a eterna tirania do agir. Por outro lado, uma generalização que enfeixe atos sem respeitar o que neles há de singular pressuporia agentes absolutamente iguais entre si, bem como uma única situação de ação no âmbito de uma dada atividade – o que em nada corresponde à condição humana.
Bakhtin (1997) apresenta um sujeito concreto, situado, responsável pelos seus atos.
Um sujeito que produz o evento e se produz no evento. Por isso, “[...] recusa tanto
um sujeito infenso à sua inserção social, sobreposto ao social, como um sujeito
submetido ao ambiente sócio-histórico, tanto um sujeito fonte de sentido, como um
sujeito assujeitado” (SOBRAL, 2005, p. 22). Para o referido autor,
Este mundo se me presenta, desde mi lugar singular, como concreto y único. Para mi conciencia que actúa participativamente, el mundo se organiza como um todo arquitectónico em rededor mio, siendo yo el centro único de irradiación de mi acto: [...] em correlación com el único lugar de mi irradiación activa hacia el mundo, todas las relaciones
16 Texto de 1920.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
91
pensables de espacio y tiempo adquierem um centro valorativo (BAJTIN, 1997, p. 63).17
A visão de sujeito apresentada por Bakhtin (1997) implica, como já mencionado,
uma concepção ativa de sujeito, localizado no tempo e no espaço. Esse aspecto se
liga, inevitavelmente, a um dos principais pilares da teoria bakhtiniana, o princípio
dialógico. Nesse sentido,
[...] pensar o contexto complexo em que se age, implica considerar tanto o princípio dialógico – que segue a direção do interdiscurso, constitutivo do discurso, mas não se esgota aí _, como os elementos sociais, históricos etc. que formam o contexto mais amplo do agir (SOBRAL, 2005, p. 22-23).
A concepção dialógica de linguagem da perspectiva bakhtiniana e que serve de
base para construção do conceito de enunciado-concreto está relacionada com
atos/atividades e eventos que são produzidos pelos sujeitos, na medida em que
estes estão carregados de sentidos que são construídos no interdiscurso, conforme
aponta Sobral (2005).
Em suma, a perspectiva bakhtiniana de ato/atividade e evento funda-se numa
concepção de sujeito corporificado, historicamente situado e que, desse modo,
produz o evento no mundo vivido, recusando, assim, as teorias que defendem o
transcendentalismo do sujeito. Este trabalho se insere nesse contexto, pois os
eventos que apresentaremos, ao longo deste texto, ocorreram concretamente num
dado lugar, num determinado espaço (as salas de aulas onde a pesquisa foi
realizada) e foram produzidos por sujeitos historicamente situados (professoras,
crianças e pesquisadora). Em nosso trabalho, tomamos como eventos
interdiscursivos as situações observadas em salas de aulas, nos quais o foco de
observação foi a linguagem oral, mais especificamente, os eventos em que as
crianças eram incentivadas a fazer uso dela em diferentes situações.
Foram registrados, em nosso corpus de pesquisa, cerca de 134 eventos: 23 na
Turma 1, 48 na Turma 2, 23 na Turma 3 e 40 na Turma 4. Considerando os
objetivos desta pesquisa, realizamos um levantamento dos eventos observados a
17 Texto de 1920-24.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
92
fim de identificar aqueles em que havia, por parte das regentes das classes, uma
certa intenção de trabalhar a linguagem oral. As tabelas que seguem retratam a
freqüência com que ocorreram em cada uma das turmas.
Tabela 1 – Eventos observados que visavam ao desenvolvimento da linguagem oral
– Turma 1
Eventos F %
Rodas de conversa
Histórias encenadas
Brincadeiras diversificadas
Brincadeira de professora
08
02
02
02
57,1
14,3
14,3
14,3
Total 14 100
Tabela 2 – Eventos observados que visavam ao desenvolvimento da linguagem oral
– Turma 2
Eventos F %
Rodas de conversa
Histórias encenadas
Brincadeiras diversificadas
Brincadeira de professora
Criança dando um recado da professora
à cozinheira da escola
15
01
07
05
02
50,0
3,3
23,3
16,7
6,7
Total 30 100
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
93
Tabela 3 – Eventos observados que visavam ao desenvolvimento da linguagem oral
– Turma 3
Eventos F %
Rodas de conversa
Histórias encenadas
Brincadeiras diversificadas
Brincadeira de professora
07
00
07
01
46,7
0,0
46,7
6,6
Total 15 100
Tabela 4 – Eventos observados que visavam ao desenvolvimento da linguagem oral
– Turma 4
Eventos F %
Rodas de conversa
Histórias encenadas
Brincadeiras diversificadas
Brincadeira de professora
06
00
10
06
27,3
0,0
45,4
27,3
Total 22 100
De acordo com essas tabelas, três eventos foram recorrentes nas quatro turmas: a
roda de conversa, as brincadeiras diversificadas e as brincadeiras de professora.
Desse modo, tendo em vista a recorrência desses três primeiros eventos, optamos
por analisá-los neste relatório de pesquisa.
É necessário, antes de iniciarmos as análises, definirmos os termos oralidade e
gêneros discursivos, pois esses conceitos perpassam as discussões que serão
desenvolvidas. Marcuschi (2007, p. 25) postula que a oralidade é uma prática “[...]
social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou
gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
94
informal à mais formal nos mais variados contextos de uso”. Desse modo, podemos
dizer que tomamos, para análises, as práticas sociais interativas mediadas pela
linguagem oral em classes de crianças de uma instituição educativa infantil. Para
Bakhtin (2000, p. 279),
[...] todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana.
Nessa direção, é importante esclarecer que, efetivamente, todas as atividades
desenvolvidas nas classes observadas estavam sempre relacionadas com a
utilização da língua. Entretanto focamos os eventos18, nos quais identificamos que
as professoras de alguma forma consideravam importantes para o desenvolvimento
da linguagem oral. Conforme ainda nos aponta o trecho citado, Bakhtin (2000)
compreende que os gêneros discursivos estão intimamente relacionados com as
diversas esferas das atividades desenvolvidas pelos seres humanos, na medida em
que os vários modos de utilização da língua estão ligados às múltiplas atividades
construídas pelos seres humanos. Sendo assim, “[...] cada esfera de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados sendo isso que
denominamos gêneros dos discursos” (BAKHTIN, 2000, p. 279). O autor aponta
ainda que
[...] a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN, 2000, p. 279).
Nesse sentido, segundo postula Bakhtin (2000), como as atividades humanas são
inesgotáveis, há também uma infinita variedade de gêneros do discurso. Essa
questão deve ser evidenciada, porque mostra que a classificação dos gêneros do
discurso é demasiadamente complexa, tendo em vista a sua infinitude. Por isso,
diferentemente do que tem feito alguns autores, neste estudo, não buscamos
classificar os gêneros do discurso. Em outras palavras, nós os concebemos num 18 É importante dizer que os eventos apresentados são aqueles que a pesquisadora observou uma certa intenção por parte das professoras em trabalhar a linguagem oral.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
95
contexto das relações interativas, nas quais ocorrem processo comunicativos que se
dão por meio de enunciados, em que um dos elementos é o querer-dizer do locutor
que
[...] se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do sentido), do conjunto constituído dos parceiros, etc. Depois disso, o intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie à sua individualidade e à sua subjetividade, adapta-se e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero determinado (BAKHTIN, 2000, p. 301).
Nesse sentido, os gêneros do discurso são “[...] focalizados como esferas de uso da
linguagem verbal ou da comunicação fundada na palavra” (MACHADO, 2005, p.
152). Uma comunicação que se dá por meio de enunciados, conforme nos
apresenta Bakhtin (2000), quando afirma que o uso da língua ocorre em forma de
enunciados (orais e escritos) que são construídos nas diversas esferas das
atividades humanas em função dos interlocutores. Desse modo,
[...] o enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicas e gramaticais – mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Esses três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação (BAKHTIN, 2000, p. 279).
Portanto os enunciados são constituídos pela escolha de gêneros do discurso que
variam, segundo as diferentes esferas de comunicação. Nesse contexto, Bakhtin
(2000) aponta, ainda, que, por causa da heterogeneidade dos gêneros discursivos,
há uma dificuldade de se definir o caráter genérico do enunciado. No entanto o autor
apresenta uma solução para essa questão, quando discute a diferença essencial
entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário
(complexo). Para o autor,
[...] os gêneros secundários do discurso – o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico, etc. – aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
96
relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica. Durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea (BAKHTIN, 2000, p. 281).
Assim, para a perspectiva bakhtiniana, os gêneros primários são os da comunicação
cotidiana e os secundários são os gêneros elaborados a partir de códigos culturais
complexos. Considerando o contexto de produção dessa definição, o autor parece
deixar querer evidenciar que os gêneros primários são mais variados em função de
serem variadas as circunstâncias da vida cotidiana. Dessa forma, a distinção feita
por Bakhtin (2000) é extremamente relevante, porque, conforme defende o próprio
autor, possibilita também a compreensão da natureza do enunciado. Nesse sentido,
Bakhtin (2000, p. 282) afirma que “[...] a inter-relação entre os gêneros primários e
secundários de um lado, o processo histórico de formação dos gêneros secundários
do outro, eis o que esclarece a natureza do enunciado”. Nesse contexto, a
compreensão da natureza do enunciado, na perspectiva de Bakhtin (2000), aponta o
entendimento do vínculo entre a língua e a vida, pois “[...] a língua penetra na vida
através dos enunciados concretos que a realizam e é, também, através dos
enunciados concretos que a vida penetra na língua” (BAKHTIN, 2000, p. 282).
Dessa forma, compreendemos que os enunciados das crianças e das professoras
que apresentaremos ao longo das análises que realizaremos estão intimamente
ligados à vida. Assim, eles estão carregados de valores ideológicos, políticos,
sociais, culturais e históricos e, nesse sentido, não podem ser compreendidos,
conforme discussão realizada no Capítulo Quatro deste estudo, como meros
elementos de um sistema lingüístico, como postula o objetivismo abstrato, nem
como uma construção individual do sujeito, como aponta o subjetivismo idealista.
Portanto, interessa-nos observar “[...] a natureza social dos fatos lingüísticos, o que
significa entender a enunciação indissoluvelmente ligada às condições de
comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais” (BRAIT,
2005, p. 94). Nesse sentido, a partir da perspectiva bakhtiniana de linguagem,
compreendemos que os gêneros do discurso devem ser pensados no interior das
relações culturais e sociais que as pessoas estabelecem entre si, pois, conforme
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
97
mencionado, eles são utilizados nas diferentes atividades humanas atendendo às
necessidades e às condições particulares de cada atividade.
Iniciaremos as nossas análises pelos eventos Rodas de conversa. Considerando
que a roda de conversa é um espaço privilegiado pelas professoras para se
trabalhar a linguagem oral, primeiramente, é importante considerar que as
interações verbais que ocorrem na roda se realizam ou deveriam se realizar por
meio da conversação.
5.1 AS RODAS DE CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Segundo Barbosa (2007), nos séculos XIX e XX, ocorreu um estabelecimento de um
corpo de saberes e fazeres que resultou na construção do conceito social de
infância e na constituição da Educação Infantil e, portanto, de pedagogias para
educar e cuidar das crianças. Assim, para essa autora,
é possível afirmar que os grandes temas em torno dos quais se sustentam os discursos políticos e técnicos sobre as pedagogias da educação infantil podem ser resumidamente definidos como: a existência de um discurso que institui um estatuto para a infância; a organização de espaços sociais adequados para a educação e cuidado das crianças; o nascimento de um profissional para atuar na educação infantil; [...]; a organização da vida cotidiana das instituições e das pessoas sob a forma de rotina (BARBOSA, 2007, p. 1).
Nesse contexto, a roda de conversa foi incorporada à Educação Infantil, como
instrumento pedagógico que integra o dia-a-dia desse tipo de instituição. Nessa
direção, é importante questionar: que outras condições possibilitaram que a roda de
conversa se tornasse instrumento do trabalho do professor no cotidiano da
Educação Infantil? Na tentativa de responder a essa pergunta, faremos uma breve
apresentação das principais tendências que, ao longo do tempo, têm direcionado o
trabalho pedagógico na Educação Infantil, identificando a tendência que influenciou
a incorporação da roda de conversa ao trabalho das instituições escolares infantis.
Kramer (1994), ao discutir as tendências pedagógicas que têm influenciado a
Educação Infantil aponta a existência de três tendências, denominadas por ela de:
romântica, cognitiva e crítica. Para a autora, a tendência romântica é aquela em que
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
98
a instituição pré-escolar é vista como um jardim de infância, onde a professora
representa a figura da jardineira que cuidará da criança (sementinha) para que ela,
no futuro, se torne uma plantinha. Essa perspectiva é chamada de romântica pela
autora, porque desconsidera os aspectos históricos, sociais e culturais que
interferem no desenvolvimento das crianças, na professora e na escola. Para
Kramer (1994, p. 25),
Essa tendência se identifica com o próprio surgimento da educação pré-escolar. Nasce no século XVIII, num contexto em que os princípios do liberalismo, no plano filosófico, as profundas modificações na organização da sociedade, no plano social, e, ainda, as progressivas descobertas na área do desenvolvimento infantil geram intensos questionamentos à chamada escola tradicional, no plano educacional.
Essa tendência, segundo Kramer (1994), produziu os fundamentos da escola nova
que se desenvolveram mais intensamente nos séculos posteriores (XIX e XX), cujos
principais representantes, para a autora, foram: Friedrich Wilhelm August Froebel
(1782-1852), fundador dos primeiros jardins de infância; Jean-Ovide Decroly (1871-
1932), que propôs a renovação do ensino e a organização das atividades escolares
em centros de interesses; e Maria Montessori (1870-1952), que se preocupou com a
construção de uma Pedagogia científica e um método pedagógico que fosse capaz
de orientar eficientemente a ação escolar.
A tendência cognitiva, segundo Kramer (1994), concebe a criança como um sujeito
que pensa. A instituição escolar deve tornar as crianças inteligentes e, assim, a
função da educação é favorecer o desenvolvimento cognitivo. Jean Piaget (1896-
1980) é apontado pela autora como o principal representante dessa tendência. A
autora critica essa tendência, porque ela
Identifica o desenvolvimento do homem com o desenvolvimento da inteligência e, dessa forma, prioriza o pensamento lógico-matemático (ocidental), desconsiderando outras ‘lógicas’ construídas em outros contextos sócio-culturais. Pode-se questionar, também, o caráter universal de seus achados, na medida em que a teoria não leva em consideração as interferências de classe social, cultura e sexo (KRAMER, 1994, p. 31).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
99
Conforme evidenciado, Kramer (1994) questiona o caráter universalista da teoria
piagetiana, cuja base epistemológica se funda numa compreensão do conhecimento
como um processo interno, individual e subjetivo de adaptação ao meio.
Coadunando com a tese de Kramer (1994), Klein (2000) aponta que Piaget tenta
explicar a condição humana, por meio de um modelo biológico inalterável na sua
funcionalidade. Assim, desconsidera as relações sociais vividas pelos indivíduos que
são materiais e produto da práxis humana. As reais condições de vida das crianças
não são consideradas e os seus desenvolvimentos são vistos como iguais e
independentes do contexto histórico, social, econômico, político e cultural em que
vivem.
A tendência denominada pela autora de tendência crítica tem Celestin Freinet (1896-
1966) como um dos seus principais representantes. De acordo com Kramer (1994),
para essa tendência, a criança e o professor são sujeitos ativos e cidadãos e a
educação deve favorecer a transformação do contexto social. Segundo Ferreira
(2003), Freinet, por meio da defesa da livre expressão da criança pré-escolar, foi o
precursor da incorporação da roda de conversa ao trabalho pedagógico na
Educação Infantil. Assim, ela é um dos instrumentos da Pedagogia de Freinet que
visa à livre expressão e, na dinâmica educativa, é, também, “[...] um momento
importante para o grupo se conhecer e se organizar. [...] é um momento privilegiado
no atendimento à necessidade de exprimir sentimentos e idéias e comunicar-se com
os outros” (FERREIRA, 2003, p. 30).
Angotti (1994, p. 50) considera a livre expressão um princípio fundamental da
proposta feita por Freinet para o trabalho pedagógico com as crianças, à medida que
“[...] garante o caminho para que a criança aprenda a expor, a expressar-se, a falar,
partindo da ação para se aprender a agir, aprenda a elaborar colocar sob diferentes
formas o que construiu, o que sente, suas concepções”. Segundo a autora, Freinet
defendia que
[...] só falando, se aprende a falar, só andando se aprende a andar e só o desejo superior que o indivíduo sente de subir e de se realizar, para satisfazer as exigências vitais, o leva a transpor obstáculos e procurar incessantemente um máximo de perfeição (FREINET, apud ANGOTTI, 1994, p. 50).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
100
Dessa forma, as mudanças nos modos de se conceber as crianças e os professores
criam as condições para a integração das rodas de conversa nas rotinas da
Educação Infantil. Sua utilização, como instrumento pedagógico, está ligada à visão
crítica que questiona o modelo tradicional de educação.
Entretanto a introdução desse instrumento pedagógico na Educação Infantil assumiu
diferentes propósitos e muitos deles se afastam dos sentidos que lhes foi atribuído
nos trabalhos de Freinet. No RCNEI, encontramos, no item linguagem oral e escrita,
críticas ao modo como vem sendo trabalhada a linguagem oral e a utilização da roda
de conversa. Para o documento,
[...] o trabalho com a linguagem oral, nas instituições de educação infantil, tem se restringido a algumas atividades, entre elas as rodas de conversa. Apesar de serem organizadas com a intenção de desenvolver a conversa, se caracterizam, em geral, por um monólogo com o professor, no qual as crianças são chamadas a responder em coro a uma única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma ação totalmente centrada no adulto (BRASIL, 1998, p. 119).
Desse modo, se a roda de conversa tem sido trabalhada como apontado pelo
RCNEI, ela não tem atingido o seu propósito de desenvolvimento da linguagem oral
e da livre expressão. Entretanto, por considerar que ela pode vir a ser um espaço
privilegiado para a realização do trabalho pedagógico com a linguagem oral, o
documento sugere uma mudança na forma de se trabalhar a roda de conversa na
Educação Infantil.
A roda de conversa é o momento privilegiado de diálogo e intercâmbio de idéias. Por meio desse exercício cotidiano as crianças podem ampliar suas capacidades comunicativas, como a fluência para falar, perguntar, expor suas idéias, dúvidas e descobertas, ampliar seu vocabulário e aprender a valorizar o grupo como instância de troca e aprendizagem. A participação na roda permite que as crianças aprendam a olhar e a ouvir os amigos, trocando experiências. Pode-se, na roda, contar fatos às crianças, descrever ações e promover uma aproximação com aspectos mais formais da linguagem por meio de situações como ler e contar histórias, cantar ou entoar canções, declamar poesias, dizer parlenda, textos de brincadeiras infantis (BRASIL, 1998, p. 138).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
101
Assim, o RCNEI define a roda de conversa como um momento da dinâmica escolar
que possibilita o intercâmbio de idéias. Nesse sentido, ela não é vista apenas como
um instrumento pedagógico, mas como momento de troca entre as crianças e as
crianças e a professora, com a finalidade de ampliar as capacidades comunicativas
das crianças. A palavra ampliar revela que a criança não aprende a usar a
linguagem oral nas instituições educativas infantis, mas que, nesse espaço e,
sobretudo, no momento da roda de conversa, poderá ampliar as suas capacidades
comunicativas, falando e ouvindo os colegas.
Apesar de o RCNEI definir a roda de conversa como momento de troca de
experiências (o que nos parece muito importante), sugere atividades que podem ser
realizadas nesse momento. Dentre as atividades sugeridas, chama a nossa atenção
o fato de o documento apontar o trabalho com textos escritos na roda de conversa
para promover a aproximação da criança “[...] com aspectos mais formais da
linguagem”. Nesse contexto, é necessário retomar as idéias de Marcuschi (2007),
quando aponta que a oralidade “[...] é uma prática social interativa para fins
comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados
na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos
mais variados contextos” (MARCUSCHI, 2007, p. 25). Portanto o documento não
considera que a linguagem oral adquire caráter mais ou menos formal, dependendo
do contexto de produção e das finalidades do texto, apresentando a linguagem
escrita como modelo para a linguagem oral ou para a produção de textos orais.
Nesse sentido, mesmo que o RCNEI apresente avanços no modo de conceber as
rodas de conversa, perpassa as sugestões ou orientações de trabalho a perspectiva
da dicotomia estrita presente no modo de conceber a relação entre linguagem oral e
linguagem escrita.
Conforme assinala Marcuschi (2007), nessa perspectiva, a escrita equivale à língua-
padrão e possui, dentre outras características, maior complexidade que a linguagem
oral. Logo, “[...] a perspectiva da dicotomia estrita tem o inconveniente de considerar
a fala como lugar do erro e do caos gramatical, tomando a escrita como o lugar da
norma e do bom uso da língua. Seguramente, trata-se de uma visão a ser rejeitada”
(MARCUSCHI, 2007, p. 28), pois as linguagens oral e escrita são modalidades de
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
102
uso da língua, o que significa dizer que ambas variam e adquirem usos mais formais
ou menos formais a depender das condições de produção. Em outras palavras, “[...]
as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológicos das
práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos
opostos” (MARCUSCHI, 2007, p. 37). Nesse sentido, compreendemos que a
orientação para o trabalho pedagógico com a linguagem oral presente no RCNEI
precisa avançar, no sentido de considerar as linguagens oral e escrita, conforme
defende Marcuschi (2007), como duas modalidades de uso da língua que podem
assumir características mais ou menos formais, dependendo do contexto de uso.
Salientamos essa necessidade, porque as indicações do RCNEI sobre condução do
trabalho pedagógico na roda de conversa, como veremos, são apropriadas pelas
professoras na instituição pesquisada.
Antes de iniciarmos as discussões das rodas de conversa nas classes observadas,
apresentaremos fotos das rodas nas turmas onde o estudo foi desenvolvido (Fotos
5, 6,7,8).
Foto 5 - Roda de conversa – Turma 1 Foto 6 - Roda de conversa – Turma 3
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
103
Foto 7 - Roda de conversa – Turma 2 Foto 8 -Roda de conversa – Turma 4
Conforme podemos observar nessas fotos, com exceção da Turma 3, em que a
professora, algumas vezes, também realizava a roda no pátio, de modo geral, as
rodas aconteciam nas salas. Na maior parte do tempo, as crianças demonstravam
gostar de participar das rodas. No entanto, havia, por parte das crianças, em alguns
momentos, certa resistência em participar das rodas, principalmente, quando tinham
que parar de brincar. As professoras, nas rodas de conversa, faziam a chamada
(controle de presença das crianças). Também tinham o costume de contar e ler
histórias para as crianças, além de utilizar a roda como espaço para o ensino de
músicas e para a discussão de alguns assuntos que estavam sendo estudados. Os
detalhes sobre as atividades desenvolvidas pelas professoras serão apresentados
no decorrer das análises.
Considerando as observações realizadas nas turmas de Educação Infantil,
salientamos que não entendemos a roda de conversa apenas como um instrumento
pedagógico. No contexto de nossas observações, consideramos a roda como um
elemento da cultura da Educação Infantil, a qual, conforme vimos, se origina como
um espaço para a realização de conversas entre as crianças e a professora. Desse
modo, concebemos as rodas de conversa como espaços interlocutivos que se
desenvolvem por meio da conversação.
Para Marcuschi (2006, p. 14), “[...] a conversação é a primeira das formas de
linguagem a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca
abdicamos pela vida afora. [...] é o gênero básico da interação humana”. Assim,
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
104
utilizamos o gênero conversação na maior parte das atividades que realizamos
durante a vida: no trabalho, na escola, nas ruas, na família, ou seja, nas atividades
humanas de forma geral. Marcuschi (2006) apresenta, ainda, algumas
características da conversação que são: a conversação é um espaço privilegiado
para a construção de identidades sociais; a conversação exige uma enorme
coordenação de ações que exorbitam, em muito, as simples habilidades lingüísticas
dos falantes; a conversação não é fenômeno anárquico e aleatório, mas altamente
organizado e possível de ser estudado com rigor científico.
Essas questões apresentadas por Marcuschi (2006) nos levam a pensar que a
conversação que ocorre na roda pode contribuir para a formação da identidade das
crianças, na medida em que é um espaço que pode possibilitar a expressão de
sentimentos, de desejos, de pensamentos, etc. Além disso, é no dia-a-dia que a
criança se apropria “[...] das palavras do outro; daqueles que a cercam, fazendo das
palavras dos outros as suas palavras, tornando as palavras alheias, palavras
próprias, apropriando-se assim dos signos e valores de sua cultura” (BRITO, 2005,
p. 4). Em outras palavras, a conversação que se dá na roda pode resultar na
produção de movimentos discursivos entre as crianças e os seus pares e as
professoras. Por isso, conforme defende Marcuschi (2006), a conversação deve ser
analisada levando em consideração a forma como os interlocutores interagem, pois,
[...] a conversação não se funda exclusivamente na produção individual de cada falante, mas na produção conjunta. Isto permite que se tome a conversação como atividade de co-produção discursiva, mesmo quando a fonte é um indivíduo de cada vez (MARCUSCHI, 2006, p. 84).
Nessa perspectiva, a conversação é uma produção conjunta dos locutores que a
integram. Desse modo, consideraremos, no decorrer das análises, o processo de
interação entre os participantes da roda de conversa. A interação é
[...] um componente do processo de comunicação, de significação, de construção de sentido e que faz parte de todo ato de linguagem. É um fenômeno sociocultural, com características lingüísticas e discursivas passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e interpretadas (BRAIT, 2003, p. 220).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
105
Nesse sentido, na análise da interação nas rodas de conversas, também é preciso
considerar a situação, as características dos participantes (crianças e professoras) e
a maneira como se posicionam na interação verbal.
Feitas as necessárias considerações, passaremos, agora, à análise das rodas de
conversa. Para a análise, selecionamos quatro rodas denominadas: Roda 1 -
História de João e Maria; Roda 2 – O sanduíche de Dona Maricota; Roda 3 – Papai
Noel existe?; Roda 4 – Direitos das crianças. A escolha dessas rodas se deu,
porque, por meio delas, observamos com mais clareza as interações verbais entre
as crianças e as professoras e, também, porque essas rodas nos revelaram os
modos peculiares de as crianças responderam às propostas das professoras.
5.1.2 As rodas de conversa e a linguagem oral Iniciaremos nossas análises, conforme mencionado, considerando os eventos
registrados em nosso corpus de pesquisa, em que as professoras levaram as
crianças a se sentarem na roda para conversar. Por meio do levantamento realizado
e explicitado nos quadros a seguir, podemos observar um panorama geral dessas
situações:
Evento: data Contexto da Roda de Conversa (Turma 1)
02: 29-5-2006 As professoras lêem o texto do cartaz (Era uma vez os três porquinhos) e
conversam com as crianças sobre o texto
06: 30-5-2006 Conversa sobre a história dos Três Porquinhos
09:06-6-2006 Relembrando a história dos Três Porquinhos
12:07-6-2006 As professoras contam a história do Macaquinho e fazem perguntas às
crianças sobre a história
15:12-6-2006 Audição do CD da história Chapeuzinho Vermelho e conversa sobre ela
18:14-6-2006 A professora conta novamente a história Chapeuzinho Vermelho e conversa
sobre ela
22:20-6-2006 A professora conta uma história sobre higiene. Conversa sobre higiene
pessoal
Quadro 1 – Situações envolvendo as rodas de conversa – Turma 1
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
106
A partir do quadro apresentado, podemos verificar que, durante o período em que
observamos as atividades desenvolvidas na Turma 1 (29 de maio a 27 de junho de
2006), a roda de conversa era utilizada pelas professoras para leitura de histórias e
para conversas sobre as histórias lidas. Também era um espaço utilizado para a
escuta de CD com histórias e conversas sobre outros assuntos, como higiene
pessoal. Além de ouvir histórias e comentar sobre elas, observamos momentos de
realização de atividades envolvendo artes plásticas: colagem de formas geométricas
de diferentes cores para ensinar os nomes das cores, produção das casinhas dos
Três Porquinhos com palitos de picolé e outros materiais, pintura dos Três
Porquinhos e do Lobo Mau. Também trabalhavam com músicas que eram utilizadas
no momento de recepção das crianças (Bom-dia...Bom-dia...), para ir ao refeitório (O
trenzinho vai subindo a serra...). As professoras ainda colocavam CDs para as
crianças ouvirem cantigas de roda e músicas da Xuxa. A roda também era um
momento para a realização da “chamadinha”, que era realizada da seguinte
maneira: as professoras cantavam a música “Bom-dia”. Ao longo da música, as
crianças iam falando seus nomes e, nesse momento, recebiam fichas com seus
nomes escritos que eram colocadas pelas próprias crianças em um quadro de
pregas (dividido entre meninos e meninas) que ficava na parede.
Evento: data Contexto da Roda de Conversa (Turma 2)
25:7-7-2006 A estagiária organiza a roda de conversa para contar a história “O sanduíche
de Dona Maricota” e, depois de contar a história, conversa com os crianças
sobre a história
26:7-7-2006 A professora conversa com as crianças sobre o que gostariam de colocar nos
seus sanduíches
27:11-7-2006 A professora organiza a roda de conversa para ensinar a música “Se eu fosse
um peixinho”
29:11-07-06 A estagiária organiza a roda de conversa para contar a história “O macaco que
queria brincar”
32:11-7-2006 A professora conversa com as crianças sobre quem eles gostariam que
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
107
passassem na rua de brilhantes deles (música – “Se esta rua fosse minha”)
35:25-7-2006 Leitura do texto informativo sobre Festa Junina e conversa sobre o texto
36:25-7-2006 Conversa sobre o que tem em uma Festa Junina
42:31-7-2006 A professora faz perguntas às crianças sobre o que tinha na Festa Junina que
tinha ocorrido no CMEI
48:2-8-2006 A professora faz perguntas às crianças sobre a história “A cesta da Dona
Maricota”
50:3-8-2006 A professora faz perguntas às crianças sobre quais frutas Dona Maricota
comprou na feira
56:11-8-2006 Conversa sobre o milho e seus derivados
62:18-8-2006 A professora canta com as crianças a música “Se eu fosse um peixinho”
65:23-8-2006 A estagiária conta a história de João e Maria e a professora faz perguntas
sobre a história
69:26-8-2006 A estagiária conta a história do sapo
Quadro 2 – Situações envolvendo a roda de conversa – Turma 2
Observamos, na Turma 2 (7 de julho a 24 de agosto de 2006), conforme nos
apresenta o quadro acima, que as rodas de conversa também eram utilizadas como
um instrumento pedagógico para a contação de histórias e conversas sobre elas,
além de servir como espaço para o ensino de músicas, para o ensino de conteúdos
e como um momento para a realização de perguntas às crianças sobre situações
vivenciadas na instituição.
Evento: data Contexto da Roda de Conversa (Turma 3)
76:31-8-2006 A professora organiza a roda de conversa e orienta a criança Elz a contar
uma história para a turma
81:4-9-2006 A professora jogava uma garrafa no meio da roda e as crianças que estavam
sentadas onde a garrafa parava falavam sobre o que lembravam quando a
professora dizia algumas palavras (sol, praia, etc.)
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
108
81:4-9-2006 A professora sorteou o nome de uma criança da turma – enquanto as
crianças descreviam o colega sorteado e a professora escrevia o que elas
diziam em uma folha de papel cenário
82:19-9-2006 A professora mostra a fita métrica e conversa com as crianças sobre para
que ela é utilizada
91:2-10-2006 A professora conversa com as crianças sobre os alimentos saudáveis e os
alimentos não saudáveis.
92:04-10-06 A professora retoma a conversa com as crianças sobre os alimentos
saudáveis e os alimentos não saudáveis.
Quadro 3 – situações envolvendo a roda de conversa – Turma 3
O quadro acima, referente à Turma 3, indica que, no período de realização da
pesquisa (30 de agosto a 24 de outubro de 2006), diferentemente das outras turmas,
a roda de conversa não era utilizada para a contação de histórias. A Professora 4 a
utilizava para a realização de brincadeiras, para a produção de textos coletivos
escritos em papel cenário, para o ensino de conteúdos (medidas, alimentos
saudáveis e não saudáveis). Há também um evento no qual a professora orienta a
aluna Elz a contar uma história aos colegas, apoiando-se nas ilustrações contidas no
livro.
Evento: data Contexto da Roda de Conversa (Turma 4)
95:26-10-2006 Professora apresenta às crianças a pasta de leitura (elas levam a pasta para
casa com histórias para serem contadas por seus pais; no dia seguinte, a
criança conta a história que ouviu de seus pais para seus colegas de sala)
101:31-10-2006 A professora conversa com as crianças sobre os direitos das crianças
continua
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
109
109:9-11-2006 As crianças ouvem o Hino Nacional e a professora conversa com elas sobre
o significado de algumas palavras do Hino e que não são utilizadas no nosso
cotidiano
112:22-11-2006 A professora conversa com os crianças sobre como surgiu Papai Noel
114:22-11-2006 Roda de conversa – A professora conversa com Paol e a turma sobre as
brincadeiras durante o recreio
122:27-11-2006 A professora conversa com a turma sobre um vídeo da Turma da Mônica
que as crianças haviam assistido
123:27-11-2006 A professora conta a história “A árvore de Beto”
127:31-11-2006 A professora conversa com crianças sobre a elaboração de uma carta para
Papai Noel
Quadro 4 – Situações envolvendo a roda de conversa – Turma 4
Na Turma 4, segundo os eventos descritos no quadro acima, registrado no período
de 26 de outubro a 7 de dezembro de 2006, as rodas de conversa eram um espaço
muito utilizado pela Professora 5 para a contação de histórias. Também foi usada
para a conversa sobre: Papai Noel, direitos das crianças, Hino Nacional e
comportamento das crianças durante o recreio na instituição, além de uma atividade
desenvolvida pela professora, em que as crianças, seguindo uma agenda, levavam
para a casa um livro. Em casa, os pais deveriam ler a história para as crianças e, no
dia seguinte, elas contariam a história para os colegas.
De modo geral, conforme evidenciado nos quadros apresentados, as rodas de
conversas eram utilizadas pelas professoras como meio para desenvolver trabalhos
com a leitura. No momento da roda, eram contadas histórias que davam origem a
outras rodas com a finalidade de conversar/questionar sobre a história ouvida. Esses
questionamentos sobre as histórias objetivavam saber se as crianças “decoraram”
os nomes das personagens e a seqüência dos fatos. As rodas de conversas também
eram utilizadas para o ensino de conteúdos, tais como: nome de frutas, de cores, de
elementos que integram uma festa junina, sobre o milho e seus derivados, Hino
Nacional, fita métrica, alimentos saudáveis e alimentos não saudáveis. Foi utilizada
também para trabalhar os direitos das crianças, etc. Além disso, as professoras das
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
110
Turmas 2 e 4, em uma roda de conversa, fizeram a leitura de textos informativos: “O
que é uma Festa Junina” e “Como surgiu Papai Noel”. Houve, ainda, a organização
de rodas para que algumas crianças contassem histórias.
Diante da diversidade de atividades desenvolvidas nas rodas e das possibilidades
analíticas, nesse contexto, é importante lembrar que buscamos compreender como
se deram as conversas na roda e como aconteceram as interações nesse espaço.
Vale ressaltar também que a denominação roda de conversa não foi alterada,
porque, mesmo diante da diversidade de atividades desenvolvidas e apesar de elas
não visarem ao desenvolvimento de uma conversação, as relações que se efetivam,
de um modo ou de outro, se organizam por meio desse gênero. Para a análise,
selecionamos quatro rodas de conversa. Essa escolha pode ser explicada pelo fato
de, nessas rodas, termos conseguido observar, de forma mais clara, as interações
verbais entre as crianças e as professoras e, ainda, pelo fato de elas terem revelado
modos particulares de as crianças responderem às propostas das professoras e de
serem também representativas das diversas rodas observadas. A descrição e a
análise das conversas tomam como ponto de partida gravações feitas por meio da
câmara de vídeo e de anotações registradas no diário de campo.
Iniciaremos com a análise de uma roda de conversa que aconteceu na Turma 2¨,
com crianças que tinham, no período da realização da pesquisa, entre dois anos e
sete meses e quatro anos e dois meses. A professora dessa turma utilizava a roda
para contar histórias e fazer perguntas às crianças, além de aproveitar esse espaço
para ensinar conteúdos com os quais desejava trabalhar. Analisaremos o evento 65
que ocorreu no dia 23 de agosto de 2006. Nele, a Professora 3, após ter pedido à
estagiária que contasse a História de João e Maria, faz uma série de perguntas às
crianças sobre a história contada.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
111
a) Roda de Conversa 1 – História de João e Maria19
Para análise dos eventos observados, construímos um percurso analítico que
começa pela descrição das condições em que foram realizadas as rodas, para, em
seguida, analisar as interações/conversas que se desenvolveram durante o evento
focalizado.
Assim, o primeiro evento a ser analisado – História de João e Maria – integrava uma
série de atividades planejadas pela Professora 3. Entre elas, atividades que
envolviam artes plásticas, como a produção de doces pelas crianças com massinha
de modelar para colar em uma casinha feita com papelão e que representava a
casinha de doces da história. Além disso, planejou ensinar uma música sobre a
história e a dramatização (feita pelas professoras da escola) do texto para as
crianças.
O evento observado ocorreu na sala da Turma 2. A estagiária Jaq, que ajudava a
professora, leu a história João e Maria. Ao mesmo tempo em que lia, mostrava as
ilustrações para as crianças. Às vezes, parava a leitura para fazer perguntas. Após o
término da leitura, a Professora 3 continuou o trabalho com a aplicação de um
questionário oral a respeito da história. Assim, a análise do evento está centrada no
momento em que a Professora 3 assume o trabalho no lugar da estagiária.
Ela inicia o trabalho na roda dizendo às crianças que gostaria de ver “[...] quem
lembrava a historinha que a tia Jaq contou”. As crianças disseram o nome da história
para a professora. Em seguida, ela começou a fazer as perguntas. Antes, porém,
convida a criança Car, que não gostava de ficar na roda, para anotar as respostas
de seus colegas. A menina aceitou a proposta da professora e, por isso, recebeu um
caderno e um lápis para fazer as anotações. Assim, à medida que as crianças iam
respondendo, a Professora 3 pedia a Car que anotasse as respostas. As perguntas
elaboradas pela professora foram construídas a partir das ilustrações e do texto do
livro. Dessa forma, ela retomou toda a história por meio das perguntas.
19 GRISOLIA, Dulcy. Joao e Maria. Ilustrações de Avelino Guedes. São Paulo: FTD, 2000.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
112
Apresentaremos um recorte do evento observado em que a Professora 3 apresenta
a ilustração na qual João ouve seus pais conversando sobre deixá-los na floresta
para não vê-los morrer de fome. Como João ouviu a conversa de seus pais, teve a
idéia de pegar pedras para sinalizar o caminho e, assim, não se perder na floresta.
• Como João e Maria retornam para casa
T36 Prof. 3: pegou pedrinhas... pra jogar onde? pra ir pra floresta... pra não ficar
perdido... pra jogar no...
T37Jos: na folha...
T38 Prof.: no ca... não... quando a gente anda... lembra...que vocês até fizeram de
pedrinhas... colocar no... ca...
T39 Rua: rua...
T40 Prof. 3: não... começa com ca... que a gente anda pra chegar na floresta... no
ca-mi...
T41 Crianças: cami... ((repetem o que a professora diz))
T42 Prof. 3: no caminho... gente... quando a gente anda...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
113
No turno 36, a professora pergunta às crianças onde João jogou as pedrinhas. A
criança Jos (T37) responde que João jogou as pedrinhas na folha. Considerando a
ilustração do livro apresentada pela professora, podemos dizer que essa era uma
resposta possível, pois havia folhas de árvores caídas pelo chão da floresta por
onde os meninos da história caminharam. Entretanto a professora não ouve a
resposta da criança e, no turno 38, tenta levar as crianças a se lembrarem da
palavra dizendo a sua primeira sílaba. Ainda faz referência a uma atividade
(colagem de pedrinhas na rua desenhada em um cartaz) realizada com elas a partir
da música “Se essa rua fosse minha”. A criança Rua, no turno 39, diz à professora
que João jogou as pedrinhas na rua. Certamente, a pista dada pela professora
possibilitou essa resposta. Apesar disso, ela refuta a resposta com um não e
continua indicando novamente a sílaba inicial da palavra que deseja obter como
resposta.
A Professora 3 segue com os questionamentos indagando às crianças quem ficou
alegre após João e Maria terem conseguido voltar para casa:
T56 Prof. 3: [...] mas quem ficou alegre? quando João e Maria chegou?
T57 Rua: João... JOÃO...
[
T58 Mano: o pai...
[
T59 Prof. 3: o pai::: e a?
[
T60 Mano: mãe:::
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
114
De acordo com essa transcrição, a criança Rua responde, no turno 57, que João
ficou alegre, ao chegar à sua casa. No entanto, ela não obtém resposta da
professora que alterna o turno para outras crianças que enunciam respostas que
atendem à sua expectativa. No turno 58, a aluna Man diz que quem ficou alegre foi o
pai dos meninos. Essa era a resposta desejada pela professora e, para demonstrar
a sua concordância com a resposta, no turno 59, ela repete a resposta da criança e
completa com uma nova pergunta “e a?”. Imediatamente, no turno 60, Man completa
dizendo que a mãe também ficou feliz.
Desse modo, assim como evidenciado no trecho, a professora tinha uma resposta
para a pergunta formulada. Por isso, mesmo que a resposta de Rua seja adequada,
porque, provavelmente, João também ficou muito alegre por conseguir chegar à sua
casa, após ficar com sua irmã perdido na floresta, a professora não discute a
resposta. Vemos, nos dois exemplos, que a professora esperava, para as perguntas,
respostas únicas que consistiam na repetição do escrito no texto. Dessa forma, a
produção de sentidos é cerceada e o diálogo com o texto não se instaura. Essa
questão será discutida na parte final da apresentação dessa roda de conversa. A
professora segue a atividade na roda dizendo às crianças que os pais de João e
Maria conversaram, novamente, sobre o fato de não terem comida para darem aos
seus filhos. Vejamos, na transcrição, como se deu essa interação verbal:
• João e Maria são, novamente, levados para a floresta
T63 Prof. 3: [...] TEmos que levar João e Maria para a::: floresta... João ouviu
novamente... só que a casa estava trancada... ((faz uma pergunta ao Rua que não
estava prestando atenção)) não estava... Rua?
T64 Rua: tava...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
115
T65 Prof. 3: ele não conseguiu pegar a pedrinha... o quê? que ele pegou? pra voltar
pra floresta?
T66 Crianças: pedri-nhas...
T67 Prof. 3: não... depois... o quê::? que ele pegou o quê? que a gente come de
manhã com manteiga? pegou o quê?
T68 Crianças: pão:::
No turno 63, a professora fala para as crianças que os pais de João e Maria não
tinham comida para dar a seus filhos e, pela segunda vez, combinam deixar as
crianças na floresta. Nesse contexto, ela relembra, no turno 65, que, desta vez, João
não conseguiu pegar pedrinhas e pergunta o que ele levou, para não se perder na
floresta. Como as crianças não respondiam, ela dirige a interação verbal, a fim de
obter delas a resposta que considerava adequada (T68). Nos turnos 69 a 82,
transcritos em seguida, temos uma sucessão de perguntas realizadas pela
professora, visando à obtenção da resposta esperada que se efetiva no turno 82.
Vejamos:
• O passarinho come as migalhas de pão que João jogou para marcar o
caminho e os irmãos ficam perdidos na floresta
T69 Prof. 3: pão:: aí... ele foi jogando... isso... ele foi jogando no caminho... quem foi
que comeu? ((pede a Pau que mostre a ilustração para os colegas)) mostra... mostra
aqui... tá aqui... tá certo.. tá na página... mostra aqui... o passarinho pra eles... quem
foi que comeu os pães? os pedacinhos de pães? quem foi que comeu? mostra pra
tia... mostra aí Pau... tá na sua mão...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
116
T70 Jose: que o menino comeu tudo... comeu tudo...
T71 Prof. 3: quem comeu?
T72 Jose: o menino...
T73 Prof. 3: não::: foi uma outra pessoa que comeu... quem comeu?
T74 Rua:a bru-XA...
T75 Prof. 3: não... o pão foi a bruxa que comeu?
Cria: não...
T76 Prof. 3: aqui Maria no seu... mostra a ele... deixa eu ver? ah...cadê Maria? você
achou... eu não achei não...
T77 Esta: aqui tem também... oh...
T78 Prof. 3: quem foi que comeu os pedacinhos de pães que ele jogou no caminho?
Olha... quem comeu? que bichinho é esse aqui? Manoele... ah::: tem aqui::: quem foi
que comeu da segunda vez?
T79 Mano: as meninas e meninos...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
117
T80 Prof. 3: não isso aqui é as meninas e os... ((olha a ilustração)) é::: isso aqui é
João e Maria... mas da segunda vez quem comeu? os pe-dacinhos de pão que ele
colocou na estradinha pra voltar pra casa? ((mostra a ilustração)) que animalzinho é
esse? que voa?
T81 Eman: o passarinho...
T82 Prof. 3: ah o passarinho... comeu todas as migalhas de pão... todos os
pedacinhos ... não foi? aí... João e Maria... ficaram o quê? Rua... vem cá...
Nesse contexto, a professora queria saber quem havia comido o pão que João tinha
jogado no caminho. As crianças não conseguem responder, pois ela fornece uma
indicação inadequada. No turno 72, Jos diz que foi o menino. Já no turno 74, a
criança Rua, diante da intervenção da professora, diz que foi a bruxa. Assim, após a
professora mostrar a ilustração com o passarinho, a aluna Ema (T82) diz que foi ele
quem comeu o pão.
Posteriormente, a Professora 3 pergunta como João e Maria ficaram, quando
descobriram que o passarinho havia comido as migalhas de pão que marcavam o
caminho de volta. A transcrição a seguir detalha como ocorreu o diálogo entre a
professora e as crianças sobre essa questão:
T82 Prof. 3: ah o passarinho... comeu todas as migalhas de pão... todos os
pedacinhos ... não foi? aí... João e Maria... ficaram o quê? Rua... vem cá...
[
T83 Rua: ficou triste...
[
T84 Prof. 3: ficou per::
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
118
[
T85 Rua: dido...
[
T86 Prof. 3: dido... conseguiu voltar para casa?
T87 Cria: não
T88 Prof. 3: não::: vem aqui... Rua... ((a professora chama a atenção da criança Rua
que estava inquieto e se afastava constantemente da roda))
A transcrição acima nos mostra que, após a professora perguntar como João e
Maria ficaram na floresta (T82), a criança Rua responde, no turno 84, que João ficou
triste. A professora não dá atenção à resposta dessa criança e conduz as crianças
para a resposta que desejava ouvir (T85). No entanto podemos considerar que,
quando Rua diz que João ficou triste, sua resposta não é inadequada, porque, ao
descobrir que estava perdida, a personagem da história, certamente, poderia ficar
triste. Mais uma vez, entretanto, a professora insiste em concordar com respostas
que estão visíveis no texto escrito. Ela continua dirigindo a interação verbal,
perguntando às crianças o que João e Maria encontraram na floresta:
T94 Prof. 3: Mano::: o que eles viram na floresta? quando estava escuro? Ruan... o
que que eles viram na floresta quando estavam perdidos?
T95 Man: chocolate...
T96 Prof. 3: viram uma ca::: começa com ca... viram uma ca...
[
T97 Cria: viram uma::: ca:::
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
119
T98 Prof. 3: casa... cheia de que?
A menina Man responde, no turno 95, que João e Maria encontraram chocolate na
floresta. No turno seguinte, a professora indica que não aceita a resposta, ao
continuar a interação verbal, induzindo-as a dizerem a palavra casa. No entanto, se
a casa era feita de chocolate, João e Maria também encontraram chocolate.
Finalizando, a Professora 3 pergunta o que foi que a bruxa fez com João e Maria,
como podemos ver no trecho que segue:
T104 Prof.3: [...] o que que foi a bruxa fez com João e Maria?
T105 Rua: NADA... NADA... ((fala alto))
A criança Rua demonstra, no turno 105, a sua insatisfação com o fato de suas
respostas não serem levadas em consideração pela professora. Assim, percebendo
que não era possível se enunciar, perde o interesse e demonstra sua chateação.
Logo, quando a professora pergunta o que foi que a bruxa fez com João e Maria?
Ele responde de forma enfática: NADA, NADA.
Feita a apresentação de alguns momentos da interação verbal que se estabeleceu
nessa roda de conversa, teceremos alguns comentários. Inicialmente, é importante
salientar que as crianças vivenciaram dificuldades na elaboração sentidos para o
texto que instaurou a conversa, a História de João e Maria. Conforme vimos, a
Professora 3 faz uso do discurso denominado triádico (IRA), pois faz constantes
reformulações das questões até que as crianças apresentem a resposta desejada
por ela. Para Compiani (1996), o “[...] discurso tipo IRA” é uma forma interativa e de
discurso que se estabelece entre professor/criança. Ele é “[...] um padrão discursivo
muito comum em sala de aula, que se caracteriza pela seguinte seqüência: o
professor inicia o intercâmbio, normalmente a partir de uma pergunta (I), a criança
responde, o professor faz um comentário avaliativo (A)” (MONTEIRO; TEIXEIRA,
2003, p.1).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
120
A perspectiva bakhtiniana de linguagem que orienta este estudo compreende que a
realidade da linguagem se baseia numa estrutura socioideológica. Portanto não
podemos perder de vista que o discurso tipo IRA utilizado pela Professora 3 é um
fenômeno socioideológico, pois
A verdadeira substância da língua não é constituída por sistema abstrato de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações (BAKHTIN, 2004, p. 123).
Assim, a interação verbal que ocorreu entre a professora e as crianças não é,
segundo a perspectiva de Bakhtin (2004), meramente um fenômeno lingüístico, nem
simplesmente um fenômeno psicofisiológico, mas, principalmente, um fenômeno
social. Para Bakhtin (2004, p. 114), “[...] a situação e os participantes mais imediatos
determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”. Nesse sentido, o
fenômeno social explica o fato de a professora se dirigir às crianças usando o
discurso triádico (IRA)? Que relações sociais são travadas na escola entre professor
e criança que resultam nesse tipo de interação verbal?
Bakhtin (2004) faz alguns apontamentos sobre essas questões. Para ele, “[...] na
realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de
que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém” (BAKHTIN,
2004, p. 113). Orlandi (1996, p. 26) concorda com Bakhtin afirmando que, “[...]
quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar da sociedade para outro alguém
também de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significação”. Assim, no
contexto do evento apresentado, a palavra procede da professora que ocupa o lugar
de quem ensina e sua palavra se dirige às crianças que ocupam o lugar de quem
aprende.
De acordo com Orlandi (1996, p. 28), “[...] a escola se institui por regulamentos, por
máximas que aparecem como válidas para a ação, como modelos. Ela atua pelo
prestígio e pelo seu discurso, o DP (Discurso Pedagógico)”. Nesse contexto,
conforme observamos, o discurso triádico tipo IRA utilizado pela professora pouco
contribuía para que as crianças construíssem sentidos sobre o texto, pois as
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
121
respostas aceitas por ela já estavam estabelecidas previamente. Essa forma de
conduta é resultado do “[...] autoritarismo que está incorporado nas relações sociais.
Está na escola, está no seu discurso” (ORLANDI, 1996, p. 32) e, também, traduzem
as visões que se tem de leitura. Desse modo, temos então a utilização de um DP
tipicamente autoritário, porque, segundo Orlandi (1996), nesse tipo de discurso,
ocorre a contenção da polissemia, o agente do discurso se coloca como único,
ocultando o referente por meio do dizer, fato que ocorre no evento que
apresentamos. Nesse sentido, a forma como a professora direciona a interação
verbal está intimamente relacionada com a sua concepção de linguagem, questão
que discutiremos no final da análise da roda de conversa.
Geraldi (2003, p. 153-154), comentando a constituição do sujeito por meio dos
processos interacionais da linguagem, defende que, ao nos formamos como “[...]
locutores a cada turno de conversação, estamos investindo nos atos lingüísticos que
praticamos, no sentido de que a imagem que se tem de si próprio é uma identidade
que a interação constrói e, ao mesmo tempo, ameaça”. Assim, na roda de conversa
que apresentamos, que oportunidades as crianças tiveram de se constituírem como
locutores ou de se construírem como sujeitos? Que imagens de si próprias foram
construídas? Ao não comentar as respostas das crianças, a professora pouco
contribui para que elas se constituam como locutores e construam imagens positivas
sobre elas próprias.
Conforme argumentamos, a produção de sentidos era contida pela professora por
meio da ausência de respostas às colocações das crianças. Ela seguia o trabalho de
levar a identificação dos sentidos contidos no texto escrito. É importante
acentuarmos que consideramos a leitura como uma atividade de
constituição/produção de sentidos. Nessa direção, o que se espera é que os sujeitos
leitores tenham uma atitude ativa responsiva no processo de leitura, o que implica
concordar ou não com as idéias expressas no texto, completá-las e adaptá-las,
muitas vezes, ao próprio vocabulário utilizado pelo leitor no seu cotidiano. Se a
atividade de leitura é produção de sentido baseada na interação autor-texto-leitor, na
situação observada, estabelece-se, nessa relação, um terceiro elemento – a
professora – que conduz o processo de leitura para sentidos que ela própria
construiu. Por isso, é necessário discutir a maneira como a professora concebe a
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
122
leitura que, conforme vimos, aponta a compreensão de que o texto escrito é a única
fonte de sentidos. Assim, segundo essa concepção, a leitura se dá por meio da
decodificação do texto escrito.
Desse modo, segundo Pfeiffer (2003), para essa perspectiva, o que dá legitimidade
à leitura é a escrita, resultando, assim, num apagamento da oralidade em detrimento
da escrita, sendo que esta última é “[...] entendida como legitimadora e
evidenciadora dos fatos – é porque está escrito que é. As coisas se tornam
enquanto tais através da escrita” (PFEIFFER, 2003, p. 91). Essa questão apontada
pela autora é extremamente relevante para este estudo, pois, conforme vimos, as
respostas das crianças só eram legitimadas ou aceitas pela professora, quando
reproduziam os sentidos presentes no texto escrito. Assim, para a professora, a
leitura correta dos textos é aquela que apresenta os sentidos que nele estão
demarcados.
Nessa perspectiva, como fica, então, o espaço para a construção de sentidos pelas
crianças? Vimos, na análise dessa roda, o cerceamento da produção de sentidos
pelas crianças, quando a professora, na condução do processo de leitura, as
direciona para o reconhecimento dos sentidos presentes no texto considerados
como os mais adequados à sua compreensão. Assim, o foco da leitura é o texto e a
concepção de língua que fundamenta essa perspectiva é aquela que concebe a
língua como um código, uma estrutura ou um sistema, no qual os sentidos estão
presentes na “suposta” linearidade do texto, cabendo ao leitor reconhecer esses
sentidos. Fato este que resulta num apagamento do sujeito-leitor e,
conseqüentemente, de sua história, de suas leituras e de seu conhecimento de
mundo.
Apesar de a professora controlar a produção de sentidos, as crianças constroem os
seus próprios sentidos sobre o texto, conforme apresentado nos turnos 39, 57, 82 e
95. Assim, observamos que essas relações não são mecânicas e deterministas, pois
as crianças nos mostraram, nesse evento, que constroem sentidos, apesar da
censura que sofrem durante o processo de leitura, porque o “[...] sujeito-leitor se
constrói em outros lugares fora da escola e isso causa efeitos dentro dos muros
escolares, assim como o inverso também é verdadeiro” (PFEIFFER, 2003, p. 91).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
123
Nesse contexto, também consideramos relevante retomar a dicotomia presente nas
propostas do RCNEI de trabalho com as linguagens oral e escrita. Essa última é
considerada formal, enquanto a linguagem oral é aquela em que se estabelecem os
usos não formais da língua. As propostas do RCNEI se apresentam nas práticas
educativas, pois os textos escritos são utilizados intensamente pelas professoras
como modelos formais de linguagem.
Historicamente, construiu-se uma concepção, na qual a escola é vista como o lugar
do ensino da norma culta da língua que, segundo essa concepção, está presente na
escrita e não no texto oral. Todavia este estudo se insere numa perspectiva que
concebe a linguagem oral, assim como a linguagem escrita como modalidades de
uso da língua e as instituições educativas como lugar de interação verbal, portanto,
de diálogo entre sujeitos – crianças e crianças e professores – todos portadores de
diferentes conhecimentos. Logo, “[...] a fala não apresenta propriedades intrínsecas
negativas, também a escrita não tem propriedades intrínsecas privilegiadas. São
modos de representação cognitiva e social que se revelam em práticas específicas”
(MARCUSCHI, 2007, p. 35). Portanto tanto a fala quanto a escrita são utilizadas em
situações mais formais ou menos formais e a escola precisa considerar esse
aspecto, fato que resultará no ensino das duas modalidades sem dicotomizá-las ou,
ainda, sem o privilégio do texto escrito e dos sentidos que ela carrega em detrimento
da fala das crianças, conforme ficou evidenciado nesse evento.
Outra questão que deve ser mencionada é o fato de considerarmos que a proposta
de realizar leituras na roda de conversa pode ser uma atividade extremamente
interessante para as crianças e a professora, se essa última reconhecer ou conhecer
a necessidade de subsidiar essa prática com outra concepção de leitura, uma
concepção que compreenda a leitura numa perspectiva dialógica, que vislumbre a
leitura como o encontro entre autor-texto-leitor numa relação interlocutiva, cujos
sentidos são construídos por meio desse encontro. Dito de outra forma por Geraldi
(2006, p. 91),
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
124
[...] o autor, instância discursiva de que emana o texto, se mostra e se dilui nas leituras de seu texto: deu-lhe uma significação, imaginou seus interlocutores, mas não domina sozinho o processo de leitura de seu leitor, pois este, por sua vez, reconstrói o texto na sua leitura, atribuído-lhe a sua (do leitor) significação.
O encontro a que Geraldi (2006) faz referência deve ocorrer entre o leitor e o
texto/autor. O professor, nesse contexto, deve se portar como mediador dessa
relação e, também, como um leitor, é claro, mas que faz uma das leituras possíveis
e não a leitura considerada mais “correta” ou mais “adequada”. Assim, consideramos
que a compreensão da leitura, numa perspectiva discursiva, possibilitaria a efetiva
participação das crianças na roda de conversa, dando-lhes condições de
construírem seus sentidos sobre o texto. Nesse contexto, a professora entenderia as
respostas das crianças como produção de sentidos a partir do texto e não como
respostas erradas ou inadequadas, mas como interlocução com o texto que lhes foi
apresentado. Dessa forma, defendemos que a leitura deve ser compreendida numa
perspectiva discursiva, pois é produção/construção de sentidos pelo leitor e autor
que estão situados num contexto sócio-histórico e, por isso, ideologicamente
constituídos. Para Orlandi (1996, p. 37-38),
[...] a leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação. No momento em que se realiza o processo de leitura, se configura o espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação específico.
O texto só se constitui, segundo essa concepção, no processo de interação verbal,
no qual, efetivamente, há o desenvolvimento da significação ou da produção de
sentidos, no qual a produção do leitor é “[...] marcada pela experiência do outro,
autor, tal como este, na produção do texto que se oferece à leitura, se marcou pelos
leitores que, sempre, qualquer texto demanda. Se assim não fosse não seria
interlocução” (GERALDI, 2003, p. 166-167). E o professor, como mediador no
processo de leitura, pode possibilitar a interlocução, na medida em que compreende
a leitura numa perspectiva dialógica, possibilitando, assim, que as crianças falem
sobre suas impressões a respeito do texto, sobre suas dúvidas, seus
questionamentos entre outros, podendo se constituir como sujeito que diz, que
produz significações. Um exemplo disso é o que faz o menino Rua, quando fala que
João e Maria ficaram tristes. Sabemos que as pessoas que, por algum motivo, ficam
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
125
perdidas sentem tristeza, preocupação. Infelizmente, não houve, por parte da
professora, uma valorização da fala do menino.
Finalmente, insistimos que a conversação didática e a aferição das respostas própria
do discurso tipo IRA realizadas pela professora pouco contribuíram para que as
crianças se enunciassem ou se tornassem sujeitos da sua fala. As suas
contribuições, em determinados momentos, eram extremamente relevantes,
entretanto, no contexto da interação verbal, que se estabelecia, conforme
apresentamos nos exemplos citados, eram cerceadas pela professora. Desse modo,
não é por acaso que a criança Rua, no turno 105, se rebela respondendo que a
bruxa não fez nada com as crianças, demonstrando certa “ironia” e irritação, pois
não adianta elaborar respostas, já que suas palavras não são ouvidas. A visão da
linguagem pautada no dialogismo bakhtiniano postula a linguagem como
[...] um acontecimento social, fruto de alguma atividade de comunicação social (trabalho) realizada na forma de uma comunicação verbal determinada, isto é, da interação verbal de um ou mais enunciados construídos num processo dialógico de alternância dos sujeitos envolvidos, e não na concepção estática (SOUZA, 2002, p. 77).
Acreditamos, portanto, que essa concepção de linguagem transforma o trabalho
pedagógico que tem como foco a linguagem numa perspectiva unívoca, estática e
mecânica para o estabelecimento de uma prática que veja a criança como
participante ativa da interação verbal, cujas falas representam o diálogo que ela
constitui para os textos. Nessa perspectiva, concordamos com Bakhtin (1982),
quando diz: La vida es dialógica por su naturaleza. Vivir significa participar em um diálogo: significa interrogar, oír, responder, esta de acuerdo, etc. El hombre participa em este diálogo todo y com toda su vida: com ojos, lábios, manos, alma, espíritu, com todo el cuerpo, com sus actos. El hombre se entrega todo a la palavra y esta palavra forma parte de la tela dialógica de la vida humana, del simpósio universal (BAKHTIN, apud SOUZA, 2002, p. 82).
As crianças estão a todo o tempo dialogando com a vida. Isso fica evidente no
evento apresentado, na medida em que elas, constantemente, buscam instaurar um
diálogo, quando mantêm, diante da professora, uma atitude responsiva na tentativa
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
126
de desvencilhar-se da coisificação da palavra do texto escrito que tem sido
fundamentada em procedimentos mecânicos que impedem a visualização de
diálogos.
b) Roda de Conversa 2 – O Sanduíche de Dona Maricota 20
Outra roda de conversa que também pode ser tomada para ilustrar a presença do
discurso triádico tipo (IRA) que, conforme discorremos no item anterior, acaba
dificultando a instauração dos sujeitos e da interação verbal, ocorreu no evento 25,
no dia 7 de julho de 2006, na Turma 2 da Professora 3. Essa professora orientou a
estagiária para contar a história O sanduíche da Dona Maricota. A leitura integrava
uma série de atividades que a professora vinha realizando sobre o tema
alimentação: o milho e seus derivados, docinhos da casa da história de João e
Maria, comidas típicas (Festa Junina). Nesse contexto, a professora planejou a
atividade de leitura para as crianças do livro O sanduíche de Dona Maricota,
também para falar sobre alimentação, objetivando que as crianças fizessem o
reconhecimento dos ingredientes que são usados nos sanduíches. Após ouvirem a
história, ela propôs, na roda de conversa, que as crianças construíssem o seu
próprio sanduíche, dizendo o que eles gostariam de colocar no sanduíche. Na
interação verbal que apresentaremos a seguir, a professora e sua ajudante, a
estagiária Jaq, revezam-se no diálogo com as crianças sobre o que eles gostariam
de colocar nos seus sanduíches.
T1 Prof. 3: o que... que tem no seu sanduíche... Vit? ((a professora perguntava e
anotava no caderno))
T2 Vit : bala...
20 GUEDES, Avelino. O sanduíche da Maricota. Ilustrações do autor. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2002. Coleção Girassol.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
127
T3 Prof. 3 : mais o que? vamos fazer... mais o quê Vit? tem no seu sanduíche?
T4 Estagiária: o quê? que a gente vai usar pra fazer um sanduíche bem gostoso:::?
T5 Rua: caneta:::
T6 Estagiária: caneta:::?
T7 Prof. 3:: não para comER...
Levando em consideração que a criança deveria dizer aquilo que gostaria de colocar
no seu sanduíche, podemos afirmar que a Professora 3 propôs uma pergunta que
possibilitava inúmeras respostas. Apesar disso, a resposta caneta do menino Rua,
no turno 5, é considerada inadequada pela estagiária e pela professora, por meio da
afirmação de que a resposta adequada teria que ser algo para comer (T6 e T7).
Conforme defendemos na análise da roda de conversa anterior, há, por parte da
professora e da estagiária, a busca de respostas que são consideradas corretas.
Assim, mesmo que a resposta da criança não tenha sido adequada, pois não
colocamos canetas em sanduíches, não há comentários sobre essa questão, há
apenas negação. Nesse contexto, a professora conduz a interação verbal,
mostrando às crianças a ilustração do livro, dizendo que tipo de coisas se pode
colocar em um sanduíche.
T24 Prof. 3: vai ficar grandão... que mais o que que a gente vai colocar no
sanduíche? ovo... o que que Maricota colocou? abre o livro e mostra pra eles ((a
Professora 3 pede a estagiária Jaq que mostre o que Maricota colocou no
sanduíche))
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
128
T25 Estagiária: olha aqui... olha... o monte coisa que tem... ((mostrando a ilustração
do livro)) mas...vamos sentar pra todo mundo ver... o que você vai colocar...
T26 Prof. 3: ovo...
T27 Estagiária: ovo...ela já colocou aqui...oh...
Insistimos, portanto, que a utilização do discurso triádico tipo IRA tem caráter
autoritário, porque conduz a uma única resposta, não contribuindo, assim, para que
a criança vivencie situações, nas quais haja a possibilidade de que faça,
verdadeiramente, o uso da palavra. Desse modo, a criança é levada a parafrasear o
texto. Mesmo quando, inicialmente, a Professora 3 coloca uma questão “aberta” que
possibilita a polissemia (O que você gostaria de colocar no seu sanduíche?), ocorre
um direcionamento da interação verbal para a realização da paráfrase e, assim, o
que se faz é a repetição dos sentidos presentes no texto que abriu a discussão.
Conforme o trecho aqui apresentado, as crianças deveriam colocar no “seu”
sanduíche “aquilo que a Dona Maricota, personagem da história, havia colocado no
sanduíche”. Mais uma vez, o espaço para a polissemia é descartado. Logo, a
participação das crianças em diálogos como os que estamos apresentando, “[...] na
medida em que vivenciados pelas crianças, vai-lhes ensinando: só se responde
quando se tem a resposta que a professora quer” (GERALDI, 2003, p. 156).
Retomando o evento, a professora segue a interação, pedindo às crianças que
continuem dizendo coisas que gostariam que colocassem em seus sanduíches.
T75 Rua: tia... eu vou fazer sanduíche de rato pra você...
T76 Prof. 3: eu hein... eu não gosto de rato... a gente não come rato:::
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
129
T77 Rua: tia... é só matar e fritar::: ó tia... ((o criança insiste e a professora muda de
assunto, mas ele puxa o rosto dela pra ela prestar atenção no que ele está falando))
T78 Prof. 3: eu hein... ((os outros crianças ficam pedindo a estagiária que mostre as
ilustrações do livro))
T79 Estagiária: vamos sentar todo mundo que agora o Edu vai contar de novo a
historinha...
Na interação verbal apresentada, vimos que a Professora 3 eliminou a possibilidade
de discutir por que não comemos carne de rato. Sabe-se que, em outras culturas, é
uma carne que é utilizada na alimentação das pessoas. Desse modo, poderia se
discutir a partir da participação da criança, porque outros grupos sociais comem
essa carne. É possível que a professora não tivesse, no momento, elementos para a
realização dessa discussão com sua turma, porém isso não a impediria de pensar
com as crianças sobre a questão. Todavia a assimetria própria do discurso veiculado
na escola não colabora para que a professora abra a possibilidade de discussão.
Geraldi (2003) defende a possibilidade de relativização das posições do professor e
da criança no discurso ensino-aprendizagem, “[...] recuperando a ambos (professor
e crianças) como sujeitos que se debruçam sobre um objeto a conhecer e que
compartilham, no discurso de sala de aula, contribuições exploratórias na construção
do conhecimento” (GERALDI, 2003, p. 159-160).
Por fim, na roda de conversa 2, a produção de sentidos pelas crianças ficou
prejudicada. Conforme aponta Geraldi (2003), o texto é o lugar de encontro entre
autor e leitor, pois os sentidos não estão somente no autor e não apenas no leitor,
mas no encontro dos dois. Assim, o texto O sanduíche de Dona Maricota, como
outros textos, têm sua materialidade lingüística que, segundo Geraldi (2003, p. 167),
“[...] se constrói nos encontros concretos de cada leitura e estas, por seu turno, são
materialmente marcadas pela concretude de um produto com ‘espaços em branco’”.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
130
Nesse sentido, o texto apresentado pela professora tem espaços em branco que as
crianças tentaram preencher, quando na enunciação era sugerida a produção de um
sanduíche diferente daquele produzido pela Dona Maricota, colocando nele caneta,
bala e carne de rato. Contudo, apesar de a interação verbal produzir relações
intersubjetivas autoritárias, as crianças não se assujeitam às condições do discurso
instaurado, quando expandem aos sentidos propostos pelo diálogo.
c) Roda de conversa 3 – Papai Noel existe?
A roda de conversa que agora analisaremos ocorreu no evento 127, no dia 31 de
novembro de 2006, na Turma 4 da Professora 5. Lembramos que as crianças dessa
turma tinham, no período de realização da observação, cinco anos e sete meses a
seis anos e seis meses de idade. Nele, a Professora 5 inicia a roda de conversa,
falando sobre a possibilidade de a turma escrever uma carta fazendo pedidos a
Papai Noel. Em seguida, começa a direcionar a elaboração da carta, dizendo às
crianças como se deve escrever uma carta. Essa atividade integrou uma série de
trabalhos que a professora realizava sobre o Natal como: a produção de
lembrancinhas e a conversa com as crianças sobre como surgiu Papai Noel. É
importante salientar que, diferentemente, das duas rodas apresentadas até aqui, a
roda que analisaremos, agora, não ocorreu com o objetivo de fazer perguntas sobre
uma história contada às crianças, mas no intuito de mostrar a elas como se dá a
produção de uma carta. Analisaremos, a seguir, um trecho da transcrição, no qual a
professora faz perguntas sobre o Natal:
T40 Prof. 5: será que o Natal e só ganhar presente? ein Enz? quem não tem papai
e mamãe que não pode dar presente? como é que passa o Natal? essa criança...
como que vocês acham?
T41 Vin: eu não posso ganhar presente...
T42 Enz: oh tia... Papai Noel não existe não... tia... tia...e os pais que dão presente...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
131
[
T43 Ali: mamãe falou que está tudo caro...
[
T44 Enz: ele não existe... não... são os pais que dão presente...
[
T45 Mil: existe... eu ganhei um fogãozinho dele...
T46 Prof. 5: presta atenção na pergunta que a tia Márcia está fazendo... Vin... oh...
vocês vão pedir para o pai... táq... e quem não tem um pai uma que não pode
comprar o presente que ele quer? como é que essa criança passa o natal? vocês
acham que ela pede o quê?
T47 Crianças: minha tia comprou uma bicicleta ((a resposta da criança, sugere que
quando o pai não pode dar presente, um parente pode))
T48 Prof. 5: mas...e outras coisas que dinheiro não compra? senta aí... depois você
mostra o seu...tá bem?((fala com sua filha que estava na sal)) o que que a gente
pode pedir que não custa dinheiro pro Papai Noel? o que que não custa dinheiro que
a gente tem? que a gente pode pedir? paz custa dinheiro?
No turno 40, a professora faz perguntas sobre o aspecto comercial da festa de Natal.
Pensamos que as perguntas estão relacionadas com o fato de as crianças de sua
sala de aula, conforme apresentamos no item sobre a caracterização dos sujeitos,
pertencerem a famílias com uma renda mensal baixa. Logo, suas famílias têm
dificuldades para dar-lhes presentes no Natal. Nesse contexto, o que pedir a Papai
Noel? Conforme podemos ver no T48, pedidos que não dependem de dinheiro, por
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
132
exemplo, paz. Esse fato é extremamente relevante, para a nossa análise, pois,
segundo Bakhtin (2004, p. 41), “[...] as palavras são tecidas a partir de uma multidão
de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os
domínios”. Nesse sentido, as perguntas da professora e seu direcionamento no
turno 48 eram para que as crianças pensassem em presentes como paz,
apresentado por ela como algo que não precisa de dinheiro. De certa maneira,
demonstra o desejo de amenizar a realidade dura das crianças de sua turma, por
meio da ocultação da sua realidade: seus pais não podem comprar presentes,
porque sofrem um processo de marginalização do mercado de consumo, na medida
em que suas condições socioeconômicas não permitem que comprem presentes
para os seus filhos no Natal, além de outros bens de consumo.
Compreendemos, a partir da perspectiva bakhtiniana, que a palavra materializada no
signo, “[...] pode distorcer a realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de
vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios da avaliação ideológica
(isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.)” (BAKHTIN, 2004, p.
32). Comentando a formação da consciência por meio da linguagem na perspectiva
bakhtiniana, Geraldi (2003, p. 33) afirma que,
[...] a consciência dos sujeitos forma-se neste universo de discurso e é deles que cada um extrai, em função das interlocuções de que vai participando, um amplo sistema de referências no qual vai interpretando os recursos expressivos, constrói sua compreensão de mundo.
Nesse sentido, a consciência é habitada por signos que são eminentemente
ideológicos. Acreditamos que, quando a professora oculta a realidade, não colabora
para a formação da consciência crítica, para que possam, assim, pensar sobre a
realidade excludente e consumista.
Posteriormente, nos turnos 42 a 46, vemos um diálogo entre as crianças sobre a
existência de Papai Noel. A criança Enz, no turno 42, contraria a proposta feita pela
professora, a elaboração de uma carta para Papai Noel, quando diz que ele não
existe. A professora não emite resposta e Enz retoma seu enunciado, no turno 44,
dizendo, novamente, que Papai Noel não existe e que quem dá os presentes são os
pais. No turno 45, a aluna Mil discorda de Enz dizendo que ele existe, porque ela
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
133
ganhou um fogãozinho. A professora muda de assunto, evitando discutir a
existência ou não de Papai Noel.
O fato de a professora fugir do conflito instaurado no diálogo entre Enz e Mil,
referente à existência ou não de Papai Noel, demonstra que ela prefere não se
posicionar e, ao mesmo tempo, não possibilita o diálogo. Por isso, muda de assunto,
produzindo, assim, o silenciamento dos sujeitos participantes da interação verbal.
Essa atitude da professora não contribui para que as crianças exerçam a
capacidade de, efetivamente, se constituírem como autores na interlocução. Apesar
disso, os sujeitos envolvidos na interação verbal não desistem de discutir com a
professora a existência de Papai Noel. A criança Luc dirige a pergunta à professora:
Tia... Papai Noel existe? O trecho a seguir nos mostra como ocorreu esse diálogo:
T62 Luc: tia... Papai Noel existe?
T63 Ali: existe...
T64 Vin: tá bom... como que eu não ganho presente...
T65 Ali: como é que eu ganhei o presente... e estava acordada... então
T66 Enz: não é papai Noel não... é seu pai...
T67 Prof. 5: Enz... não atrapalha não... Joa quer uma bicicleta... Vin quer o que?
Vin...
A questão colocada pela criança Luc é extremamente interessante, porque traz,
novamente, a polêmica para a interação verbal. Essa criança se apresenta como
sujeito na interlocução, quando cobra da professora uma posição no debate que se
instaurou no diálogo. As crianças se posicionam, apresentam suas experiência, mas
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
134
a professora prefere silenciar a criança que busca responder e se posicionar diante
do debate.
Concluímos, então, que, quando as crianças Luc, Vin e Enz discordam quanto à
existência de Papai Noel, se constituem como ouvintes/autores na dinâmica da
interlocução instaurada nessa roda de conversa. Como a professora preferiu não se
pronunciar sobre a polêmica instaurada, os colegas de Luc se manifestam a respeito
da pergunta elaborada por ele. Vemos que o posicionamento das crianças está
relacionado com as suas experiências, pois “[...] uma análise fecunda das formas do
conjunto de enunciações como unidades reais na cadeia verbal só é possível de
uma perspectiva que encare a enunciação individual como um fenômeno puramente
sociológico” (BAKHTIN, 2004, p. 126). Desse modo, não é uma mera coincidência o
fato de a menina Ali, que disse que acreditava na existência de Papai Noel,
apresentar condições socioeconômicas melhores que a criança Vin, que não ganha
presente e, por isso, não acredita em Papai Noel.
Assim, conforme defende Bakhtin (2004), a linguagem não pode ser divorciada da
vida. Quando nos defrontamos com uma interação verbal como a apresentada,
percebemos que ela envolve uma série de questões que vão além de questões
meramente lingüísticas, como os fatores de ordem sociais, históricas, éticas,
políticas, afetivas entre outras. Há, portanto, uma relação de interdependência das
questões sociais que fazem parte do contexto do sujeito falante e de sua experiência
individual.
N turno 67, a professora pede a Enz que não atrapalhe, quando ele, mais uma vez,
afirmava que Papai Noel não existe, pois quem dá os presentes são os pais. Ele é
cerceado, porque sua fala se contrapõe à proposta de texto sugerido por ela: fazer
alguns pedidos a Papai Noel por meio da escritura de uma carta. Ora, escrever, para
alguém que não existe não faz sentido. Vemos, portanto, que os interlocutores da
interação verbal de sala de aula não podem fugir do discurso instituído, sob a pena
de serem afastados do diálogo. Para Bakhtin (2004), a hierarquização das relações
sociais tem uma forte influência no processo de interação verbal. Logo, no contexto
da sala de aula, onde a observação foi realizada, a professora que,
hierarquicamente, está acima da criança, decide os rumos da interação verbal, na
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
135
medida em que não permitiu que se continuasse a discutir a existência de papai
Noel. Logo,
[...] os lugares sociais, do modo como estão organizados quanto a valores e prestígios, também hierarquizam as vozes, estabelecendo tensões, mais ou menos conflitivas que geram concordância, contrapontos e contradições (VOESE, 2004, p. 49).
Assim, a professora preferiu “fugir” de uma discussão de base ideológica que, se
instaurada, colaboraria para a construção de uma visão crítica. Nesse sentido, “[...]
o discurso sempre é ideológico, o que diz que ele traduz, na sua materialidade como
marcas, o conflito de diferentes projetos de socialidade” (VOESE, 2004, p. 55). Logo,
há um projeto de um grupo da sociedade, para o qual é importante que se acredite
em papai Noel e que todas as crianças poderão receber sua visita e dele ganhar
presentes. Esse tipo de discurso camufla as reais condições de uma sociedade
dividida em classes sociais, na qual apenas um grupo dessa sociedade pode
garantir efetivamente a “visita de Papai Noel”, pois os
[...] interesses e os objetivos dos grupos protagonizam, por efeito da atividade dos indivíduos, o estabelecimento, nem sempre explícito e preciso, de linhas demarcatórias de um projeto de socialidade. Isto é: o grupo passa a centrar suas atividades na consecução de um ideal de sociedade que, certamente, contemplará seus interesses e objetivos (VOESE, 2004, p. 55).
Assim, o discurso pode, pois, “[...] ser um recurso que um grupo utiliza para tentar
instalar um controle mais ou menos eficiente sobre quais sentidos são ou não
convenientes à manutenção de uma hierarquização que privilegia seus interesses e
produz efeitos de poder” (VOESE, 2004, p. 56-57). Nesse sentido, não podemos
fechar os olhos para essa questão, sobretudo porque a escola não é um espaço
neutro, pois, conforme evidenciado, há um controle de sentidos nas interações
verbais que estabelecemos com nossas crianças, na medida em que se tenta, por
exemplo, manter a crença em Papai Noel, uma personagem vinculada à classe
dominante.
Para encerrar a discussão sobre esse diálogo, é importante pôr em evidência
algumas questões por ele apresentado. Primeiro, a linguagem é, muitas vezes,
utilizada na escola como um simulacro, pois, conforme vimos no diálogo, não se
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
136
discutem as reais condições de vida das crianças, prefere-se ensinar-lhes que
peçam a Papai Noel algo que não se compra com dinheiro e, assim, fugir de uma
discussão de cunho ideológico. Nas palavras de Geraldi (2003, p. 160), não cabe ao
professor “[...] ‘esconder’ ou ‘sonegar’ informações de que disponha, sob a pena de
continuar a se anular como sujeito”. Nesse sentido, consideramos que, quando a
professora prefere não discutir as questões construídas pelas crianças, ela também
deixa de atuar como sujeito, ao mesmo em que contribui para o apagamento das
crianças, como sujeitos na interação verbal.
Segundo, a fala das crianças não pode ser vista apenas como um fenômeno
lingüístico. Devem-se levar em consideração os fatores extraverbais que integram
essa fala, como as condições socioeconômicas dos indivíduos que, no caso do
diálogo apresentado, condicionaram a crença em Papai Noel. Terceiro, vimos que
algumas crianças, ao buscar com a professora resposta para a polêmica que se
instaurou, colocam-se como sujeitos da interação da verbal. Apesar de a professora
não querer se posicionar, as crianças tentaram, de várias maneiras, incentivar a
participação da professora. Isso mostra que as relações verbais não são mecânicas
e que as crianças, apesar de vivenciarem situações na escola, nas quais, na maioria
das vezes, devem ficar na posição de receptores nos diálogos, burlam essa
condição e se tornam sujeitos na interlocução, pois “[...] alguma coisa escapa e é
sempre possível a crítica” (ORLANDI, 1996, p. 37).
Finalmente, é preciso ressaltar que a sala de aula deve ser encarada como espaço
de interação verbal, portanto, de diálogo entre professores e crianças que são
portadores de diferentes saberes. Nesse contexto, “[...] os saberes do vivido que
trazidos por ambos – crianças e professores – se confrontam com outros saberes,
historicamente sistematizados e denominados ‘conhecimentos’ que dialogam em
sala de aula” (GERALDI, 1997, 21). As crianças, conforme vimos, querem dialogar,
confrontar saberes, compreender o mundo em que vivem e usam a linguagem na
busca de compreensão da realidade.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
137
d) Roda de conversa 4 – Direitos das Crianças
Outra roda de conversa que apresenta aspectos interessantes para serem
destacados neste trabalho ocorreu no evento 101, no dia 31 de outubro de 2006, na
Turma 4. Nela, a professora inicia a conversa com as crianças, falando sobre as
atividades que eles estavam realizando, desde o início do ano, sobre os direitos das
crianças. Esse tema era referente a um projeto que a escola vinha desenvolvendo
com todas as turmas. Desse modo, nessa roda de conversa, a professora disse às
crianças que gostaria de apresentar a Declaração Universal dos Direitos das
Crianças. No entanto, segundo ela, como é uma lei e a sua leitura ficaria cansativa,
preparou uma dinâmica em que as crianças leriam a declaração. A dinâmica se
desenvolveu da seguinte maneira: as crianças circulavam na roda uma garrafinha.
Enquanto isso, a professora, que se mantinha de olhos fechados, balançava um
molho de chaves. No momento em que parava de balançar as chaves, a criança que
estivesse com a garrafinha na mão pegava, na caixinha, uma ficha onde estava
escrito uma palavra relacionada com um direitos e tentava ler para os colegas. Se
ela não conseguisse, tinha a ajuda da professora ou dos seus colegas. Depois da
leitura, eles conversavam sobre o item da declaração a que a palavra se referia. A
professora disse que as crianças deveriam dar suas opiniões sobre os itens da
Declaração que iam sendo apresentados por meio da dinâmica.
T20 Prof. 5: Ali...tira um papel aí Ali...as crianças têm direito a::: lê pra gente... o que
elas têm direito...
T21 Ali: escola...
T22 Prof. 5: a esco-la:: vocês acham importante as crianças irem para a escola...
T23 Ali: eu acho...
T24 Prof. 5: por que vocês acham que é importante ir pra escola? pra vocês?
T25 Ali: pra gente aprender mais...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
138
T26 Prof. 5: aprender o quê? o que que a gente aprende ein?
T27 Mil: aprender a ler e a escrever... [
T28 Pao: escrever...desenhar...
T29 Prof. 5: escrever... desenhar... mas o quê? que a gente faz na escola?
T30 Mil: brincar... T31 Prof. 5: brincar... fazer amizade com os colegas... né.. T32 Pao: ser amigo... T33 Prof. 5: ser amigo...
T34 Vin: respeitar...
T35 Prof. 5: respeitar...
T36 Car: ser bonzinho...
T37 Prof. 5: ser bonzinho... saber falar com as pessoas... né... legal... a escola não
ensina só a ler e a escrever...a gente faz pintura na escola... a gente corta... a gente
faz trabalho de arte né...
T38 Mil: eu queria trazer meu kit de cozinha... mas minha mãe não deixou... ( ) ela
falou que a escola é pra fazer dever...
T39 Prof. 5: não é só dever... né... na escola a gente assiste filme... usa
computador...
[
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
139
T40 Vin: não tem computador...aqui...
T41 Prof. 5: mas... o ano passado nós usamos... você lembra... lembra... quem usou
computador comigo o ano passado aqui...
As crianças apresentaram respostas que vão ao encontro do discurso instituído pela
escola, o que significa que elas disseram “aquilo” que é veiculado pela sociedade a
respeito das funções da escola. Desse modo, é importante ir para a escola porque
ela é a instituição onde se aprende a ler e a escrever. Na escola se deve fazer
dever, aprender a respeitar, a ser bonzinho e a ser amigo. Segundo Orlandi (1996,
p. 23), a escola
[...] atua através dos regulamentos, do sentimento de dever que preside o DP e este veicula. Se define como ordem legítima porque se orienta por máximas e essas máximas aparecem como válidas para a ação, isto é, como modelos de conduta, logo como obrigatórias. Aparece pois, como algo que deve ser. Na medida em que a convenção, pela qual a escola atua, aparece como modelo, como obrigatória, tem o prestígio da legitimidade.
Logo, as máximas apresentadas pelas crianças que também são veiculadas no
Discurso Pedagógico, conforme foi possível observar nos turnos já apresentados,
são assumidas pelas crianças como suas “verdades”. Assim, percebe-se que as
crianças, desde muito cedo, já compreendem o jogo discursivo, ou seja, o que deve
ser dito sobre determinados assuntos, por exemplo, sobre a importância da escola.
E esse jogo discursivo é constituído pela palavra, na qual se “[...] revelam as formas
básicas, as formas ideológicas gerais da comunicação semiótica” (BAKHTIN, 2004,
p. 36). Fato que resulta numa construção, no dizer de Geraldi (2003, p. 55) de “[...]
modo de ver o mundo” e, portanto, de representá-lo para nós mesmos [uma
construção que] é atravessada por confrontos que se dão na existência histórica.
Assim, o aspecto ideológico da palavra que está ligado aos fatores que produzem o
nosso “modo de ver o mundo” liga-se, inevitavelmente, ao sujeito e aos fatores
históricos e sociais. A linguagem é uma construção histórico-social e, portanto,
carrega as marcas do discurso social. É muita clara a ação da linguagem na
formação da consciência dos sujeitos e reafirma mais uma vez as palavras de
Bakhtin (2004, p. 35-36) quando diz que “[...] a consciência adquire forma e
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
140
existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações
sociais. Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu
desenvolvimento”. Por isso, há necessidade de ações com e pela linguagem nas
instituições educativas que possibilitem o exercício da cidadania. Mas, como isso é
possível se o discurso pedagógico faz uso de mecanismos que pouco possibilitam a
participação das crianças na interação verbal? Para Orlandi (1996), uma das
maneiras de criar processos interlocutivos em sala de aula é o uso do discurso
polêmico. Conforme a autora,
Do ponto de vista do autor (professor) uma maneira de se colocar de forma polêmica é construir seu texto, seu discurso, de maneira a expor-se a efeitos de sentidos possíveis, é deixar um espaço para a existência do ouvinte como ‘sujeito’. Isto é deixar vago um espaço para o outro (o ouvinte) dentro do discurso e construir a própria possibilidade de ele mesmo (locutor) se colocar como ouvinte. É saber ser ouvinte do próprio texto e do outro (ORLANDI, 1996, p. 32).
Assim, é no processo de escuta que o professor poderá criar condições para que se
efetivem processos, legitimamente interlocutivos. Como Geraldi (2003, p. 161),
acreditamos que “[...] a não escuta é na verdade uma não devolução da palavra; é a
negação do direito de proferir. A não escuta do professor ou seu mutismo
empurrariam a ambos, crianças e professor, a monologia”. Fato que resulta na
ausência de sujeitos, ausência de pontos de vista. Nessa perspectiva, ainda como
sugere o mesmo autor, é necessário que os sujeitos se des(velem), para que as
discussões de cunho ideológico possam ser travadas nas salas de aula.
Diferentemente do trecho discutido anteriormente, nos turnos a seguir, ocorre um
diálogo muito interessante, no qual consideramos que as crianças e a professora,
efetivamente, constroem uma interlocução:
T45 Mil: ((pega o papel da caixinha e faz a leitura)) brincar...
T46 Prof. 5: uhm... a crianças têm direito de brincar... e aí... é verdade?
T47 Crianças ((respondem juntas)) é:::
T48 Ali: porque a criança que não brinca fica triste...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
141
T49 Prof. 5: agora tem criança que trabalha também?
T50 Crianças: tem:::
T51 Mil: a gente vê na televisão...
T52 Prof. 5: a gente vê na televisão... elas trabalham com quê?
T53 Mil: lá em casa quando eu sujo a mesa... ela fala que eu tenho que limpar...
limpar o chão...
T54 Prof. 5: mas aí você ajuda a sua mãe... ajudar a gente tem que ajudar mesmo...
[
T55 Vin: eu ajudo o meu pai...
[
T56 Pao: eu ajudo a minha mãe a arrumar a casa...
T57 Prof. 5: mas vocês sabiam gente que tem criança que não pode ir pra escola
porque tem trabalhar muito... tem essas sabia? tem crianças não pode estudar
porque tem que trabalhar muito pra ajudar os pais...
[
T58 Mil: eu lavo a louça só de noite...
T59 Vin: quando o meu pai comprava as coisas eu carregava...
T60 Prof. 5: então ajudar um pouquinho pode né...agora se se tivesse que só
trabalhar... só trabalhar... só trabalhar...
T61 Ali: quando mamãe chega do trabalho... eu tenho que lavar louça...
T62 Prof. 5: tem que ajudar né...
T63 Vin: ontem eu limpei a cozinha...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
142
T64 Ali: mamãe disse que quando eu tiver dez anos ela vai me ensinar a cozinhar...
aí quando eu tiver com doze anos ela já vai deixar...
T65Vin: mesma coisa que a minha mãe falou...
T66 Enz : isso também minha mãe falou...
Vemos, nesse trecho da interação, que a professora não é alguém que se coloca
para dizer se as respostas estão corretas ou erradas, mas como um sujeito que
participa, juntamente com as crianças, da interlocução, colocando-se, em alguns
momentos, na posição de ouvinte. O diálogo se instaura quando pergunta às
crianças no turno 49: agora tem criança que trabalha também? No turno 52: [...] elas
trabalham com quê? Percebemos, a partir das questões propostas pela professora,
que ela, inicialmente, objetivava discutir com as crianças sobre a questão do
trabalho infantil que impede que muitas delas freqüentem a escola, conforme
podemos observar na afirmação que ela faz no turno 57. No entanto, as crianças
não respondem à pergunta e preferem contar à professora e aos seus colegas sobre
o trabalho nas suas vidas.
Desse modo, demonstraram que elas, crianças, são sujeitos produtores de
linguagem, de história e de cultura e, por isso, têm muitas histórias para contar,
formas de ver o mundo que são elaboradas e (re)elaboradas nas relações sociais,
em diálogo com as outras pessoas. Assim, se, inicialmente, o diálogo parecia
caminhar para a discussão do trabalho infantil na sociedade, ele assumiu um sentido
particular a partir das próprias experiências das crianças.
Nessa direção, “[...] no processo de compreensão ativa e responsiva, a presença da
fala do outro deflagra uma espécie de ‘inevitabilidade de busca de sentido’“
(GERALDI, 2003, p. 19). Compreendemos, portanto, que a fala da professora
deflagrou uma busca de sentidos por parte das crianças que resultou em falar sobre
a forma como o trabalho está incorporado ao dia-a-dia delas. No turno 53, Mil
introduz a questão do trabalho na sua vida. O modo como expressa a sua relação
com o trabalho parece demonstrar que não gosta de realizá-lo. O uso do pronome
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
143
pessoal “ela”, para se referir à mãe, que exige que limpe o chão, produz um efeito
de distanciamento e, ao mesmo tempo, “limpar o chão” é apresentado como castigo
decorrente da ação de ela sujar. Entretanto, apesar de a criança se mostrar
insatisfeita com o castigo, a professora compreende a atitude da mãe de outra
maneira. Ela inicia a resposta, usando uma conjunção que expressa oposição ou
restrição ao posicionamento da criança “mas aí você ajuda a sua mãe...” e conclui
reafirmando a sua restrição, quando afirma que “ajudar a gente tem que ajudar
mesmo...”. As demais crianças, diante da posição da professora, passam a contar
como ajudam a seus pais e sobre formas de ajuda que poderão ocorrer quando
tiverem mais idade.
Também é relevante destacar que, nos três últimos turnos (64,65 e 66), as crianças
apresentam uma interessante análise do discurso de suas mães sobre a idade que
elas permitirão que seus filhos aprendam a cozinhar. A menina Ali, no turno 64,
afirma que sua mãe disse que vai lhe ensinar a cozinhar quando ela tiver dez anos e
quando ela tiver doze ela poderá, efetivamente, cozinhar. Os meninos Vin e Enz
dizem que suas mães se posicionaram da mesma maneira que a mãe de Ali. Esse
trecho da interação verbal também é interessante, porque as crianças evidenciaram
que, por meio do diálogo com os colegas da sala, elas puderam analisar que os
discursos são recorrentes, ou seja, as mães têm a mesma opinião sobre a idade
certa para aprender a cozinhar. Em outras palavras, é na interação com outro por
meio da linguagem, que as crianças buscam a compreensão das práticas sociais do
mundo em que vivem.
Para finalizar a análise das interações verbais que ocorreram nas rodas de
conversas apresentadas, teceremos alguns comentários que consideramos
relevantes para o fechamento deste item. Primeiro, as rodas apresentadas nos
fizeram concluir que o objetivo inicial desse espaço pedagógica da Educação Infantil
foi alterado. Elas, atualmente, estão sendo utilizadas como um espaço que é dirigido
pelas professoras, com o objetivo de ensinar algo e não como um espaço para
crianças e professoras dialogarem, trocarem experiências e saberes. Conforme
vimos, na maioria das rodas, as professoras direcionam a interação verbal, por meio
do discurso pedagógico que se caracteriza pelo fato de “[...] ser um dizer
institucionalizado, sobre as coisas, que se garante, garantido, a instituição em que
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
144
se origina e para a qual tende” (ORLANDI, 1996, p. 23). Além disso, é um discurso
que faz uso da tríade: informação, resposta e avaliação do professor (IRA),
resultando numa fixidez nos diálogos de sala de aula, nos quais as respostas das
crianças devem corresponder às expectativas da professora, sob a pena de não
obterem respostas ou de serem simplesmente refutadas, resultando numa
assimetria dos espaços ocupados pelas professoras e pelas crianças. Para Geraldi
(2003, p. 158), a
Análise de diálogos efetivos de sala de aula pode mostrar como hipóteses científicas são traduzidas em conteúdos escolares, fixando respostas e, portanto, centrando-se numa distinção entre certo/errado que vai se formando como produto final do processo de escolarização. É neste sentido que o ensino se constrói como reconhecimento e reprodução.
Vemos que a afirmação de Geraldi (2003) está mais voltada para outros níveis de
ensino, como o Fundamental, Médio e Superior. No entanto, a partir dos diálogos
apresentados neste estudo, que investiga o trabalho com a linguagem oral na
Educação Infantil, pudemos perceber que a primeira etapa da educação básica tem
assumido características próprias de outros níveis de ensino, quando estrutura seus
espaços, como a roda de conversa, a partir desse nível de referências que temos
com relação às demais etapas. Nesse sentido, pudemos observar, nos diálogos
apresentados, As contribuições dos alunos sendo constantemente desclassificadas. Mesmo que algumas vezes tomadas em conta, elas o são para serem ‘corrigidas’ e não para serem expandidas, o que somente é possível quando não se parte para o processo com respostas previamente fabricadas, como verdades, mas como respostas que estão no horizonte (para quem as ‘sabe’) (GERALDI, 2003, p. 158).
Assim, as conversas nas rodas objetivavam a produção de respostas pelas crianças
previamente fabricadas. Pudemos perceber que se ensina desde cedo ou, para
sermos mais específicos, desde a Educação Infantil, deve-se responder àquilo que a
professora qualifica como correto. Assim,
[...] perde-se a dimensão da criança com suas diferenças e generaliza-se na idéia da criança aprendiz tomando como referência um modelo uniformizante, pré-determinado e construído historicamente a partir do processo de escolarização primária no Brasil (CÔCO, 2005, p. 163).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
145
Portanto a polissemia era cerceada pela professora, a possibilidade de expansão
dos sentidos ou da constituição de sentidos não era estimulada, principalmente, nas
Rodas 1 e 2. Logo, as conversas nas rodas apresentadas apontaram uma
compreensão da palavra como unívoca, desconsiderando a sua plurivalência. Para
Bakhtin (2005, p. 106), “[...] o sentido da palavra é totalmente determinado por seu
contexto. De fato, há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis”,
pois a palavra é polissêmica.
Também ficou evidenciado, por meio das interações verbais apresentadas, que é o
fenômeno social que explica a enunciação. Assim, na Roda 3, na qual as crianças
discutiram a existência de Papai Noel, vimos que as respostas das crianças estavam
ligadas ao fato de ganharem ou não presente no Natal. Desse modo, as crianças
que ganhavam presentes acreditavam e as que não ganhavam não acreditavam em
Papai Noel. Nessa roda, a professora preferiu não se posicionar a respeito desse
assunto, fugindo, assim, de uma discussão de cunho ideológico. Apesar disso, as
crianças se posicionaram sobre a questão, mostrando claramente que elas não se
submetem todo o tempo ao discurso instituído.
Nesse contexto, não podemos deixar de discutir que as maneiras como as
professoras conduzem o diálogo na roda de conversa estão intimamente
relacionadas com determinadas concepções de linguagem (mesmo que não estejam
conscientes disso). Notamos que, na maioria das vezes, as contribuições das
crianças não eram tomadas como participação em um processo interlocutivo. O
direcionamento das respostas das crianças liga-se, inevitavelmente, a uma
compreensão do sujeito que não tem condições de participar do diálogo de forma
ativa. Esse fato está, inexoravelmente, relacionado com uma visão da língua como
um sistema abstrato, pronto, acabado, no qual a criança, como receptor da
mensagem, deve fazer o possível para reproduzir a fala do emissor, que, neste
caso, é a professora. Já dissemos que Bakhtin (2004) chama essa corrente da
lingüística de objetivismo abstrato e que discorda dessa maneira de conceber a
linguagem, pois, para ele “[...] os indivíduos não recebem a língua pronta para ser
usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2004, p. 108).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
146
Retomando a discussão sobre a concepção de linguagem das professoras que
participaram deste estudo, é importante salientar que, na entrevista que realizamos
com elas, observamos que compreendiam a linguagem ora como expressão do
pensamento, ora como instrumento de comunicação. As professoras não
demonstraram, em suas respostas, a compreensão de que a linguagem é
constitutiva dos sujeitos. Junto à concepção de linguagem das professoras, está
uma concepção de criança e educação. Elas também demonstraram, nas
entrevistas, que acreditam que a criança virá a ser sujeito, esquecendo-se de que a
Educação Infantil deve ser um espaço fundamental de exercício da cidadania. Esse
fato é comprovado nas análises que realizamos nas rodas de conversas, nas quais,
na maioria das vezes, a participação das crianças não era valorizada,
demonstrando, assim, a crença na existência de uma criança que a educação
precisa “moldar”. Nesse sentido, elas defendem que o espaço escolar deve preparar
a criança para viver em sociedade ou como espaço para imprimir nelas hábitos
considerados bons para a sociedade.
Partindo do princípio de que “[...] a questão da linguagem é fundamental no
desenvolvimento dos seres humanos, de que ela é condição sine qua non na
apreensão de conceitos que permite aos sujeitos compreender o mundo e nele agir”
(GERALDI, 2003, p. 4-5), acreditamos que as crianças são partícipes do processo
interlocutivo e é, por meio dele, que se constituem como sujeitos. Assim, insistimos
que os “[...] sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros,
sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como ‘produto’ deste
mesmo processo” (GERALDI, 2003, p. 6). Isso muda a forma de conceber a
linguagem e, conseqüentemente, de se trabalhar com a linguagem na Educação
Infantil, na medida em que os professores terão como foco o diálogo.
Vimos, no último trecho da roda de conversa 4, que, quando a professora se coloca
numa posição, na qual é possível a instauração do diálogo, as crianças se revelam,
falam sobre as suas vidas. Nesse contexto, trazemos novamente Geraldi (2003, p.
160) para o nosso diálogo, quando afirma,
[...] que não se pretende ‘abolir’ a assimetria do discurso ensino-aprendizagem, mas relativizar as posições que têm sido aprofundadas
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
147
pela escola, recuperando a ambos (professor e crianças) como sujeitos que se debruçam sobre um objeto a conhecer e que compartilham, no discurso de sala de aula, contribuições exploratórias na construção do conhecimento.
Desse modo, é preciso mudar a concepção de linguagem que orienta o trabalho
pedagógico, de maneira que a língua possa ser vista numa perspectiva dialógica, de
maneira que as interlocuções da sala de aula, conforme vimos em algumas rodas de
conversas apresentadas, não sejam somente para a realização de “aferições”, isto é,
para verificar se houve a incorporação por parte das crianças, dos sentidos
apresentados pela professora, mas para a efetivação do diálogo e que, assim, as
vozes que habitam a sala de aula possam se encontrar e se confrontar. Portanto o
dialogismo, na perspectiva bakhtiniana, aponta uma concepção de linguagem, na
qual a fala das crianças deve ser vista num contexto enunciativo, o que significa
dizer que as questões de ordem social, política, cultural estão intrinsecamente
envolvidas nas interlocuções que ocorrem na sala de aula. Por isso, a depender do
lugar que o sujeito fala, seu discurso veiculará diferentes ideologias. Esse fato ficou
mais evidente na roda de conversa, na qual se discutia a existência de Papai Noel e,
também, na última roda.
Nesse contexto, a crença das crianças na existência ou não de Papai Noel estava
relacionada com fatores de ordem econômica, ou seja, as crianças que não
ganhavam presente no Natal não acreditavam em Papai Noel e as crianças que
ganhavam presentes acreditavam nessa personagem. A professora, nessa roda,
preferiu não se pronunciar a respeito do conflito instaurado, optando pelo silêncio.
Entretanto podemos perceber que
[...] o poder da ideologia dominante é indubitavelmente enorme, não só pelo esmagador poder material e por um equivalente arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes, mas sim, porque esse poder ideológico só pode prevalecer, graças à posição de supremacia da mistificação, através da qual os receptores potenciais podem se induzidos a endossar, ‘consensualmente’, valores e diretrizes práticas que são, na realidade, totalmente adversos a seus interesses vitais (MÉSZÁROS, apud VOESE, 2004, p. 57).
Assim, a classe dominante, na sociedade capitalista, para manter o status quo, faz
uso de ideologias veiculadas nos discursos que camuflam as reais condições de
vida da maioria da população brasileira. Na situação analisada, as crianças que não
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
148
ganham presentes devem acreditar que podem ganhar presentes que não são
comprados com dinheiro, apesar do número excessivo de propagandas em
diferentes meios de comunicação de massa que estimulam a necessidade de
ganhar presentes. Desse modo, ocultam-se as desigualdades sociais, produtoras de
exclusão e, portanto, de relações que impedem as crianças de terem acesso aos
bens produzidos pelos seres humanos.
O silêncio, com relação ao conflito, é complicado, pois ele não ajuda as crianças a
refletirem sobre a sua vida, sobre as relações sociais existentes em sociedades
como a nossa e o lugar que ocupa no interior dessas relações. Nesse sentido,
consideramos que “[...] em alguns casos, a ideologia pode operar através do
ocultamento e dos mascaramentos das relações sociais, através do obscurecimento
ou da falsa interpretação das situações” (THOMPSON, apud VOESE, 2004, p. 57).
Nesse contexto, o silêncio também revela uma visão romântica em relação à
natureza infantil.
Por isso, retomamos uma discussão apresentada no item Concepção de Infância, no
qual, a partir de uma análise realizada por Kramer (1995), fazemos referência a duas
atitudes ou sentimentos dos adultos em relação à criança, que é a “paparicação”, no
qual a criança é compreendida como um ser ingênuo, inocente e gracioso. Em
contrapartida, há um outro sentimento ou atitude que a concebe como um ser
imperfeito que necessita ser moralizado. Nesse contexto, consideramos que a
professora agiu segundo a perspectiva que concebe a criança como um ser ingênuo,
gracioso, puro. Por isso, preferiu poupá-las para não lhes roubar a inocência.
5.2 A LINGUAGEM ORAL COMO ELEMENTO INTEGRANTE DA BRINCADEIRA
No período em que realizamos as observações na instituição de Educação Infantil,
foi possível verificar as interações verbais entre as crianças, no momento das
brincadeiras. Dividiremos as brincadeiras observadas em sala de aula em dois
grupos: no primeiro, foram reunidas brincadeiras diversas; no segundo grupo,
agrupamos apenas as brincadeiras em que as crianças contavam histórias como as
professoras. Essa divisão tem como finalidade organizar as análises que serão
realizadas, mas, também, evidencia que as crianças recriam, nas brincadeiras,
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
149
atividades que se desenvolvem em diferentes esferas das relações humanas e,
também, atividades da esfera escolar.
Antes de apresentarmos essas interações que se efetivaram nas brincadeiras,
realizaremos uma breve discussão a respeito da brincadeira na perspectiva
histórico-cultural, tomando como referência os estudos de Leontiev (1988) e Elkonin
(1998), que integram a escola de Vigotski. Nesse contexto, é importante evidenciar
que esses autores discordam das concepções sobre o jogo ou a brincadeira na
infância como atividade instintiva, natural ou biológica. Assim, na perspectiva de
Elkonin (1998, p. 48),21 “[...] a natureza dos jogos infantis só pode compreender-se
pela correlação existente entra eles e a vida da criança em sociedade”. Isso significa
que o jogo ou a brincadeira é de natureza cultural. Inserido nessa perspectiva,
Vigotski (2000)22 considera que as brincadeiras infantis são eminentemente
simbólicas, na medida em que
[...] durante el juego unos objetos pasan a significar muy fácilmente otros, los sustituyen, se convierten em signos suyos. Se sabe igualmente que lo importante no es la semejanza entre el juguete y el objeto que designa. Lo que tiene mayor importância es su utilización funcional, la posibilidad de realizar com su ayuda el gesto representativo. Creemos que tan solo en ello radica la clave de la explicación de toda función simbólica de los juegos infantiles [...]. Es el própio movimiento del nino, su própio gesto, los que atribuyen la función de signo al objeto correspondiente, lo que le confiere sentido.
Desse modo, Vigotski (2000) postula que a brincadeira é uma atividade simbólica,
pois, quando brincam, as crianças conferem aos objetos sentidos que não possuem
no cotidiano. Segundo o autor, a escolha dos objetos que compõem a brincadeira
não é aleatória, porque deve permitir que se realize a atividade lúdica, ou seja, a
ação que a criança representa no momento em que está brincando.
Portanto, a brincadeira, na perspectiva de Vigotski (2000), é uma atividade, na qual
os sentidos dos objetos se modificam ou são modificados pelas crianças. Elkonin
(1998) concorda com essa visão, ao afirmar que o jogo protagonizado23 é uma
21 Texto de 1979. 22 Texto de 1931. 23 Jogo protagonizado é uma expressão utilizada por Elkonin (1998) para designar brincadeiras realizadas pelas crianças. Nessa perspectiva, compreendemos jogo protagonizado como uma atividade desenvolvida pelas crianças, na qual elas ocupam lugares sociais em uma situação fictícia.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
150
atividade original em que as crianças atribuem aos objetos sentidos no interior das
ações que representam na brincadeira.
Também para Elkonin (1998, p. 355), no desenvolvimento do jogo, a “simbolização”
aparece, pelo menos duas vezes: “[...] a primeira como passagem da ação de um
objeto para outro, ao transnomeá-lo. Aqui, a função da simbolização baseia-se em
destruir a rigidez da ação com o objeto”. A segunda refere-se ao fato de a criança,
no jogo protagonizado, assumir um papel 24 e atuar de acordo ele. O autor conclui
que, “[...] graças, precisamente, a esse plano duplo de ‘simbolização’, a ação insere-
se na atividade e obtém o sentido no sistema de relações inter-humanas”
(ELKONIN, 1998, p. 356).
Nesse sentido, no jogo protagonizado, a criança faz uso de objetos que permitem
realizar determinados gestos, mas, também, ocupam lugares sociais, cuja “[...]
essência interna consiste em reconstituir precisamente as relações entre as
pessoas” (ELKONIN, 1998, p. 284). Para o autor, a brincadeira está intimamente
relacionada com as necessidades que as crianças sentem, desde muito cedo, de se
comunicar com os adultos e de compreender esse mundo, necessidades que se
convertem em tendência para levar uma vida comum com eles, por isso as relações
humanas são o cerne da brincadeira. Assim, quando a criança assume um lugar
social, no jogo, ela leva em consideração as convenções, isto é, as regras sociais
referentes ao lugar que ocupa.
De acordo com Elkonin (1998), a produção de uma situação fictícia pelas crianças
se apóia nos modos de vida dos adultos com os quais as crianças vivem. Leontiev
(1988, p. 130) concorda com essa perspectiva, afirmando:
[...] o brinquedo não surge de uma fantasia artística, arbitrariamente construída no mundo imaginário da brincadeira infantil, a própria fantasia da criança é necessariamente engendrada pelo jogo, surgindo precisamente neste caminho, pelo qual a criança penetra a realidade.
24 Considerando a perspectiva teórica que adotamos e os possíveis problemas na tradução no texto de referência, ao invés de papel social, usaremos o termo lugar social.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
151
Nessa perspectiva, a brincadeira é uma atividade cultural, podendo adquirir
diferentes formas no interior de diferentes culturas, pois, nela, a criança reconstitui
as relações sociais que se desenvolvem entre os adultos. Nessa direção, a
necessidade de viver/compreender as relações sociais estabelecidas no mundo dos
adultos produz a brincadeira. Dessa maneira, a imaginação é um dos elementos da
ação lúdica, mas não é o seu elemento desencadeador. Sabemos que a linguagem
é mediadora das relações entre os humanos. Portanto, quando as crianças brincam,
elas fazem uso da linguagem, vivenciam situações por meio das ações lúdicas, nas
quais precisam enunciar-se constantemente e, dessa forma, assumem as palavras
alheias.
Nas brincadeiras observadas na instituição infantil onde este estudo foi realizado,
verificamos como as crianças tornam próprias as palavras das outras pessoas.
Apresentaremos, neste relatório de pesquisa, eventos nos quais as crianças, nas
atividades lúdicas, produzem linguagem. Veremos que elas se posicionam e usam
diferentes gêneros discursivos, dependendo da esfera da atividade humana recriada
na ação lúdica. Começaremos as análises pelas brincadeiras em que as crianças
recriavam atividades de diferentes esferas.
5.2.1 Brincadeiras diversificadas
Conforme discussão realizada na instituição de Educação Infantil, encontramos o
que Elkonin (1988) chama de jogo protagonizado. De modo geral, nas quatro turmas
em que a observação foi realizada, as professoras organizavam a rotina de forma a
garantir espaços e tempos para as brincadeiras, que ocorriam na sala, após a
realização de atividades que tinham um maior direcionamento por parte das
docentes. Havia, também, um horário que era reservado para brincarem no pátio
(quintal da casa onde funcionava a escola) livremente. Nas salas, as crianças
costumavam brincar com os objetos que havia em cada uma delas e que
contribuíam para que construíssem diferentes atividades lúdicas. Assim, no período
em que realizamos a observação, nos deparamos com alguns eventos nos quais as
crianças realizavam diversas brincadeiras. Os quadros a seguir apresentam um
panorama desses eventos:
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
152
Evento: data Contexto da brincadeira (Turma 1)
08: 6-6-2006 Brincadeiras no pátio
17: 12-6-2006 Brincadeiras na sala de atividades – danças ao som de cantigas de roda.
20: 14-6-2006 Brincadeira de produção de docinhos para colocar na cesta da Chapeuzinho
Vermelho
Quadro 1 – Brincadeiras diversificadas - Turma 1
Na Turma 1,25 as crianças brincavam com um número muito reduzido de
brinquedos26 que havia na sala de atividades: em uma estante encostada na parede
esquerda da sala, ficavam três bonecas e dois carrinhos; do outro lado da sala,
também havia uma estante, onde ficavam uns bichinhos de pelúcia e alguns livros,
parte deles de tecido. Havia, ainda, um balde com bloquinhos que, no momento da
brincadeira, as professoras espalhavam pela sala. Conforme dito, geralmente, as
crianças brincavam depois que as professoram faziam as atividades dirigidas que
haviam planejado para aquele dia e, também, ao final da manhã, quando esperavam
os seus pais ou parentes que vinham buscá-las.
As professoras também gostavam de colocar CD com cantigas de roda para as
crianças dançarem, fato que foi observado, principalmente, no período em que a
escola se organizava para a realização da festa junina. Observamos uma
brincadeira de produção de docinhos que ocorreu como parte de uma encenação
sobre a história Chapeuzinho Vermelho realizada pelas professoras. Nesse
contexto, as crianças, orientadas pelas professoras, produziram os docinhos (com
leite em pó) que representavam as guloseimas que Chapeuzinho Vermelho levou
para a vovó. Os momentos de atividades não direcionadas totalmente se realizavam
no pátio da instituição, onde as crianças brincavam em uma casinha e um minhocão.
Além desses brinquedos, havia um armário onde ficavam guardados alguns
materiais que eram utilizados pela escola. As crianças dessa turma também 25 É necessário dizer que nos inserimos nessa turma em 29-5-2006 e começamos a fazer as filmagens no dia 14-6-2006. Por isso, a quantidade de eventos, cujo foco era a brincadeira das crianças, registrados nessa turma foi menor, evidentemente, porque gravamos uma quantidade menor de eventos. 26 A quantidade reduzida de brinquedos não era um impedimento para que as crianças brincassem, pois, conforme vimos, elas realizam todo um processo de substituição de um objeto por outro. Desse modo, as brincadeiras não se subordinam aos brinquedos figurativos, porque o que importa não é a semelhança física dos objetos, mas a possibilidade que o objeto tem de realizar a função que a criança deseja na brincadeira.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
153
brincavam de contar histórias para seus colegas (eventos que discutiremos no
Grupo 2 dessa categoria).
Com relação à estrutura do pátio, conforme exposto no item caracterização da
escola, pelo fato de a instituição funcionar em um espaço adaptado (uma casa), o
pátio era muito pequeno. Desse modo, algumas brincadeiras, como pique-esconde,
de bola, entre outras, ficavam prejudicadas. Também é preciso dizer que, quando as
crianças estavam no pátio, elas eram acompanhadas pelas suas respectivas
professoras que as deixavam brincar livremente, interrompendo, somente, quando
percebiam alguma situação que representava perigo para as crianças.
Foto 9 – Crianças da Turma 1 no pátio Foto 10 - Meninas da Turma 1 brincando de contar histórias As fotos acima mostram crianças da Turma 1 em duas atividades que envolviam
brincadeiras: na Foto 9, as crianças estão no pátio brincando com pinos; na Foto 10,
elas estão na sala, onde brincavam de contar histórias para os colegas, atividade
que também era desenvolvida com freqüência pelas professoras da turma.
O quadro a seguir nos apresenta os dados referentes ao Grupo 1: Evento: data Contexto da brincadeira (Turma 2)
46: 2-8-2006 Brincadeira com carrinho
53: 8-8-2006 Brincadeira no pátio
55:8-8-2006 Brincadeira de fotografar os colegas
60:11-8-2006 Brincadeira de salão de beleza
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
154
64: 18-8-2006
71: 23-8-2006
Brincadeira de casinha
Quadro 2 – Brincadeiras diversificadas - Turma 2
Conforme esse quadro, na Turma 2, as brincadeiras também faziam parte da rotina.
As preferidas pelas crianças eram: salão de beleza, casinha, fotógrafo (havia na sala
uma máquina fotográfica antiga) e carrinho. Além das idas ao pátio, onde brincavam
livremente, elas gostavam também de brincar de contar histórias para seus colegas.
Foto 11– Brincadeiras de maquiagem Foto 12 - Brincadeiras de contar histórias
Nas Fotos 11 e 12, temos crianças da Turma 2 brincando de salão de beleza e de
contar histórias. Como nas Turmas 1 e 4, as crianças dessa turma também
gostavam de brincar de contar histórias para seus colegas. Apresentaremos ainda o
Quadro 3 referente às brincadeiras na Turma 3.
Evento: data Contexto da brincadeira (Turma 3)
72: 30-8-2006 Brincadeira de festa de aniversário
73: 30-8-2006 Brincadeiras com bloquinhos
74:31-8-2006 Brincadeira de caça ao tesouro
77: 31-8-2006 Brincadeira de ônibus 78: 4-9-2006 Brincadeira “A galinha do vizinho bota ovo amarelinho”
79:4-9-2006 Brincadeira no pátio – jogo da velha
88:30-9-2006 Brincadeira no pátio – “A galinha do vizinho”
94:4-10-2006 Brincadeiras com bloquinhos
Quadro 3– Brincadeiras diversificadas - Turma 3
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
155
Na Turma 3, apesar de o espaço ser limitado na sala de aula, as crianças
realizavam diversas atividades envolvendo o jogo protagonizado. Brincavam de
montar carrinhos e foguetes com pinos e tampinhas (objetos que ficavam em um
armário em sala de aula). Além de participar das brincadeiras que eram direcionadas
pela professora, tais como: “A galinha do vizinho”, ônibus, jogo da velha e caça ao
tesouro (atividades desenvolvidas no pátio sob a orientação da professora), as
crianças dessa turma também participaram da “festa de aniversário”, jogo
protagonizado organizado pela aluna Bru.
Foto 13– Brincadeira de produção de foguete Foto 14 – Brincadeira de ônibus
Nas fotos acima, temos crianças da Turma 3. Na Foto 13, os meninos constroem um
foguete com pinos para brincar de astronautas e na Foto 14, as crianças estão no
pátio da instituição brincando de ônibus (jogo organizado pela professora). Nele, a
professora orientou sobre os lugares sociais a serem assumidos pelas crianças.
Segue, abaixo, quadro com os dados referentes ao Grupo 1 da Turma 4:
Evento: data Contexto da brincadeira (Turma 4)
98: 26-10-2006 Brincadeira com computador feito com caixas de colocar maçã
103: 31-10-2006 134: 13-12-2006
Brincadeira de construção de uma cidade
106: 1-11-2006
129: 7-12-2006
Brincadeira de salão de beleza
110: 17-11-2006 Brincadeira de casinha
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
156
119: 23-11-2006
125: 30-11-2006
132: 7-12-2006
Brincadeira de carrinhos
133: 8-12-2006 Brincadeira de casamento
Quadro 4 – Brincadeiras diversificadas – Turma 4
Na Turma 4, conforme apresentado no quadro, as crianças realizavam diferentes
brincadeiras, mas as que se destacavam eram as brincadeiras de montar cidades e
pistas de carrinhos que eram realizadas com pedaços de madeira que ficavam em
um balde em um dos cantos da sala. As crianças também brincavam muito de salão
de beleza. Para isso, utilizavam uma caixa com embalagens de xampus, cremes e
outros produtos. Havia, também, umas caixas de maçãs montadas em forma de
computador e as crianças também brincavam com esse material. Esses brinquedos
feitos com sucata foram elaborados pela professora que os distribuiu nas estantes
que ficavam na sala. Outra brincadeira muito constante, nessa turma, era de
professor. As crianças tinham o costume de contar histórias utilizando alguns livros
que ficavam em uma estante na sala.
Foto 15 - Brincadeira de montar de uma cidade Foto 16 - Brincadeira de salão e uma pista de carrinhos de beleza
Nas fotos apresentadas, temos crianças da Turma 4. Na Foto 15, os meninos
constroem uma cidade e uma pista de carrinhos. Na Foto 16, temos a aluna Mik
brincando de salão de beleza. Conforme mencionado, essas duas brincadeiras
eram muito comuns nessa turma.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
157
De modo geral, presenciamos diferentes brincadeiras em todas as turmas onde as
observações foram realizadas. As crianças se organizavam de diversas maneiras
para a realização do “jogo protagonizado”. Como percebemos, “[...] as brincadeiras
ou jogos surgem com base na necessidade crescente da criança de dominar o
mundo dos objetos humanos” (LEONTIEV, 1988, p. 135).
Leontiev (1998) faz uma interessante discussão sobre o desenvolvimento das
formas de brinquedo no período pré-escolar. O autor afirma que as crianças iniciam
esse período, produzindo os jogos subjetivos ou de enredo, nos quais, segundo o
autor, a criança que brinca assume uma função social, humana. Para o autor, esse
tipo de jogo é constituído pela “[...] unidade do papel do enredo e da regra do jogo
que expressa a unidade do conteúdo físico e social do brinquedo na fase pré-
escolar” (LEONTIEV, 1998, p. 133). Segundo esse autor, baseado nas pesquisas
realizadas por Elkonin, há um desenvolvimento do brinquedo no período pré-escolar.
Assim, segundo Leontiev (1998), no início do período pré-escolar, os jogos clássicos
são os jogos de enredo que contêm uma situação imaginária explícita e uma regra
latente que, posteriormente, se transformam nos jogos com “regras”.
Como descrito nos quadros anteriores, as brincadeiras são variadas, porque as
atividades humanas também são diversificadas. A linguagem, como mediadora das
relações entre os seres humanos adultos, também é um elemento integrante das
atividades lúdicas realizadas pelas crianças. Em outras palavras, as crianças
utilizam a linguagem para estabelecer as diferentes relações vivenciadas por meio
das situações fictícias. Considerando que o foco desta pesquisa, a linguagem oral
na Educação Infantil, ela se tornou um material privilegiado nas análises
apresentadas. Portanto, as análises que serão apresentadas são de crianças
realizando o que Leontiev (1998) denominou jogos subjetivos ou de enredos, nos
quais as crianças desempenham os lugares de mãe, de convidados de uma festa de
aniversário, de filho, de padre, de convidados de uma festa de casamento, de noivo,
de noiva, de professor e professoras contando histórias para seus alunos (eventos
que serão apresentados no segundo item desta categoria).
Assim, para análise, selecionamos dois eventos. Essa escolha pode ser explicada
pelo fato de, nesses eventos, termos conseguido observar de forma mais clara as
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
158
interações verbais entre as crianças. A descrição e a análise dessas interações
tomam como ponto de partida as gravações que fizemos por meio de vídeo e as
anotações que realizamos no diário de campo.
a) A festa de aniversário
Buscando, portanto, dar visibilidade aos movimentos realizados com a linguagem
pelas crianças, quando brincavam, optamos por analisar os eventos, nos quais elas
utilizavam a linguagem de forma mais evidente e intensa. Nesse contexto,
iniciaremos com a análise do evento 72, que ocorreu na Turma 3, no dia 30 de
agosto de 2006, quando a Professora 4 recepcionou as crianças e as liberou27 para
brincar na sala. Nesse contexto, a menina Bru realizava um jogo protagonizado, no
qual assumiu, na brincadeira, o lugar de mãe e organizava uma festa de aniversário
(Foto 17) para o seu nenê, representado pelo colega Ton da sua turma. O diálogo a
seguir descreve a cena:
Foto 17 – Bru brincando de mãe que prepara uma festa de aniversário para o seu bebê
T1 Bru: ((mexe em caixa cheia de tampas de garrafas de refrigerantes)) oh... tia...
quer um pouquinho de pipoca? 27 É importante dizer que percebemos, durante a observação, que as brincadeiras representavam para as professoras uma atividade para ocupar o tempo livre.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
159
T2 Prof. 3: espera um pouquinho... depois eu vou aí... ((Bruna pega algumas
pipocas representadas pelas tampinhas e coloca na mão da professora que diz))
que delicia... hein...
T3 Bru: oh... tem até sorvete na minha casa... toma... ((entrega um sorvete
representado por um pedaço de madeira para a professora))
T4 Prof.3: sorvete também?
T5 Bru: oh tia... tem um bebê ali...um bebê... fi-lho... fi-lho...fi-lho... ne-nê... ne-nê...
vem cá... oh tia... eu tô chamando o Toni de nenê...
T6 Prof. 3: é...
T7 Bru: ele é meu bebê...
T8 Prof. 3: ah...ele é seu filho?
T9 Bru: mas ele é meu beBÊ...
T10 Prof. 3: ah... bebê?
T11 Bru: é...
T12 Prof. 3: mas filho não é bebÊ não... bebê não é filho não
T13 Bru: é... minha mãe tinha um bebê...
Elkonin (1998) postula que o emprego lúdico dos objetos é um traço típico da
brincadeira infantil. Assim, “[...] os objetos incorporados pela criança ao jogo perdem
a sua significação usual e adquirem outra, uma significação lúdica, de acordo com a
qual a criança os denomina e com eles opera” (ELKONIN, 1998, p. 325). A menina
Bru constrói uma significação lúdica, conforme evidencia o Turno 1, quando utiliza
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
160
as tampinhas de garrafa que estavam dentro de uma caixa de sapato para
representar a pipoca que ela oferece à professora que inicia a participação na
brincadeira da seguinte maneira: enquanto as crianças brincavam, ela orientava a
menina Cam sobre uma atividade de escrita envolvendo calendário feito com a
turma. Depois disso, começou a organizar seu material que estava em uma mesa
próxima à menina Bru que, nesse momento, organizava a festa de aniversário.
Nesse contexto, a menina Bru lhe oferece pipoca (tampinhas de garrafa) e começa a
tratá-la como uma das convidadas de sua festa. Bru continua a realizar o emprego
lúdico dos objetos, quando pega um pedaço de madeira que nomeia de sorvete que,
também, é oferecido à convidada.
No entanto, como os sentidos atribuídos não são compartilhados por aqueles que
são integrados à brincadeira, a criança, ao entregá-los à professora, nomeia-os, ou
seja, compartilha dos seus sentidos. Assim, Vigotski (2000, p. 188) também aponta
que, nos primeiros jogos das crianças, entre quatro e cinco anos, forma-se
[...] una conexión lingüística de extrordinaria riqueza que explica, interpreta y confiere sentido a cada movimiento, objeto y acción por separado. El nino, además de gesticular, habla, se explica a sí mismo el juego, lo organiza, confirmando claramente la idea de que lãs formas primarias del juego no son más que el gesto inicial, el lenguaje com ayuda de signos (VYGOTSKI, 2000, p. 188).
Desse modo, as idéias de Vigotski confirmam as nossas observações de que a
linguagem é um elemento fundamental na brincadeira. Nesse evento, a menina Bru,
nos turnos apresentados, constantemente, explica a ação lúdica que estava
desenvolvendo, gesticula e organiza sua atividade por meio da linguagem. Por
exemplo, incita novamente a professora a participar da brincadeira, falando que seu
bebê é o colega Ton e que está fazendo o bolo de aniversário dele. A linguagem, na
brincadeira observada, tem a função de organização da atividade, por meio do
compartilhamento com a professora dos sentidos atribuídos aos objetos e dos
lugares dos participantes.
Já mencionamos que Leontiev (1988, p. 133) chama esse tipo de brincadeira de
jogos subjetivos ou de enredo, no qual a criança “[...] atribui-se uma função social,
humana, a qual ela desempenha em suas ações. Uma criança brinca de ser
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
161
motorista ou professora de escola maternal etc., construindo uma situação
apropriada e o enredo do jogo”. Entretanto, como protagonista da brincadeira, ela
precisa inserir as pessoas na rede de sentidos que constrói e faz isso ao denominar
os objetos para a professora e ao dizer quem é o seu bebê.
Nesse contexto, concordamos com Leontiev (1988), quando diz que a brincadeira
não é fruto de uma fantasia artística, produzida no mundo imaginário infantil, mas é
resultado das incursões que a criança faz para penetrar no mundo dos adultos. Com
a linguagem, a menina se posiciona como uma mulher que ocupa o lugar de dona
de casa, oferecendo pipoca e sorvete à sua visita – a professora. Logo, ao mudar de
lugar (na situação fictícia), a menina faz usos dos enunciados e de ações que,
geralmente, são utilizados por uma dona de casa, pois
[...] a língua materna – a composição de seu léxico e sua estrutura gramatical -, não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua somente nas formas assumidas pelo enunciado (BAKHTIN, 2000, p. 301).
Conforme mencionado, as formas típicas dos enunciados a que Bakhtin (2000) faz
referência são os gêneros do discurso que “[...] organizam a nossa fala da mesma
maneira que organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar
nossa fala às formas do gênero” (BAKHTIN, 2000, p. 302). A menina Bru nos
mostra que compreendeu que reestruturamos a nossa fala conforme lugares que
ocupamos. Em outras palavras, fazemos uso dos gêneros discursivos dependendo
do lugar social que ocupamos. Assim,
[...] aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo de fala, evidenciará suas diferenciações (BAKHTIN, 2000, p. 302).
Nesse sentido, “[...] o vínculo estreito que Bakhtin verifica entre discurso e enunciado
evidencia a necessidade de se pensar o discurso no contexto enunciativo da
comunicação e não como unidade de estruturas lingüísticas” (MACHADO, 2005, p.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
162
157). Portanto as crianças se apropriam dos gêneros discursivos não em manuais,
mas nos processos interativos. Conforme ficou evidenciado, nesse evento, as
brincadeiras são atividades extremamente importantes para que elas se apropriem
dos diferentes gêneros discursivos, na medida em que, nas brincadeiras, as crianças
ocupam diversos lugares nas relações sociais que se desenvolvem nas diferentes
esferas da atividade humana.
Apesar de a criança vivenciar uma situação em que todos teoricamente parecem
felizes (festa de aniversário), Bru dialoga com a Professora 3 e conta sobre o que
aconteceu com o bebê da sua mãe:
T13 Bru: é... minha mãe tinha um bebê...
T14 Prof.3: sua mãe tinha um bebê? e cadê o bebê? e cadê o bebê?
T15 Bru: o policial matou...
T16 Prof.3: nossa mãe... porQUE?
T17 Bru: mamãe tava dando mamar a ele... aí matou ele... por causa que...
T18 Prof. 3: é mes::mo... eu não sabia disso não...
Assim, a criança conta para a professora sobre a morte do irmão. A menina Bru
morava, no período da realização deste estudo, em um morro da cidade de Vitória,
onde havia altos índices de violência. Nesse momento, podemos dizer que ela deixa
de brincar para denunciar a difícil realidade. Não podemos responder a essa
pergunta. Apenas podemos dizer que, segundo Elkonin (1998), é inegável a
dependência que os temas dos jogos infantis mantêm com a vida da criança e, na
situação específica, a palavra denuncia a violência.
A menina Bru continua a preparar a festa de aniversário. Nesse contexto, a caixa
que guardava as tampinhas de garrafa se transforma em uma vasilha, na qual ela
faz o bolo de aniversário, conforme podemos observar nos turnos a seguir:
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
163
T40 Bru: ((com um pedaço de madeira que representa a colher mexe as tampinhas
de refrigerante que representam a massa do bolo que estava na caixa que
representava a vasilha e diz)) já tá pronto... o bolo... o bolo tem que fritar... oh tia...
vem::: lo-go... já ta fritado...
T41 Prof. 3: noSSA... cal::ma...eu tô arrumando aqui...
T42 Bru: já tá pronto... bate parabéns... tia... espera aí... ((brinca de colocar enfeites
sobre o bolo))
T43 Prof. 3: você não me falou que era bolo de aniversá-rio...
T44 Bru: ((começa a cantar)) parabéns pra você... vem Ton...
[
T45 Prof.3: ((canta junto com BRU)) parabéns pra você... nesta data queri-da...
muitas felicida-des... muitos anos de vi-da...
T46 Prof. 3: é quem que está fazendo aniversário?
T47 Bru: aqui ((aponta o colega Ton))
T48 Prof.3: o Ton? então sopra a velinha Ton... aqui...oh... bota a velinha
aqui...((Ton sopra a velinha)) ISSO... é big...
T49 Bru: espera aí ((ajeita o bolo))
T50 Prof. 3: ((segue cantando a música)) é big... é big... é hora... é hora... é hora...
ra...
T51 Cam: oh tia... pra soprar a velinha e ganhar presente... tem que falar assim... é
hora... é hora... é hora... é hora...ra tim bum...
T52 Prof.3: já falei... rá Tim bum... Ton... Ton... sopra a velinha... então... agora
((Toni sopra novamente a vela)) isso... legal... pronto...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
164
T53 Ton: agora (canta assim)... com quem será? com quem será? que o Ton vai
casar? vai depender... vai depender... se a Cam vai querer... ela aceitou... ela
aceitou...
T54 Bru: oh tia... toma um docinho... toma Ton um docinho... ((entrega uma
tampinha de garrafa para a professora e para o colega Ton))
T55 Prof. 3: dá pro Ton também...
T56 Bru: toma Cam ((entrega uma tampinha de garrafa que simboliza o docinho
para a colega Cami))
Assim, a menina Bru assume o lugar de mãe e organiza a festa de aniversário de
seu nenê, mantendo com seus convidados relações sociais que se dão entre o
anfitrião da festa e os convidados. No T42, a mãe (Bru) arruma o bolo e chama os
convidados para cantar parabéns; no T44, convida seu filho para ficar na frente do
bolo; no T49, ajeita o bolo para que seu nenê assopre a velinha. Entretanto, no T51,
a convidada Cam se dirige à professora e diz como ela deve se conduzir; e, no T54,
a mãe começa a servir os convidados. Assim, as atitudes de Bru apontam que “[...] a
brincadeira da criança não é instintiva, mas precisamente humana, atividade
objetiva, que, por construir a base da percepção que a criança tem do mundo dos
objetos humanos, determina o conteúdo de sua brincadeira” (LEONTIEV, 1988, p.
120). Logo, é a maneira como a menina Bru compreende as ações e as relações
entre as pessoas em uma festa de aniversário infantil que é recriada na atividade.
Na perspectiva de Elkonin (1998), são as relações que os seres humanos
estabelecem entre si que formam a base da brincadeira infantil. Nesse contexto,
quando a menina Bru estabelece relações com seus colegas, ela torna próprias as
palavras que medeiam as relações no mundo dos adultos, quando estão inseridos
em uma determinada atividade humana, pois “[...] a reconstituição e, por essa razão,
a assimilação dessas relações transcorrem mediante o papel do adulto assumido
pela criança” (ELKONIN, 1998, p. 34). Dessa forma, como observado anteriormente,
as crianças, por meio da ação lúdica, têm a oportunidade de vivenciar situações em
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
165
que precisam construir diferentes enunciados, como é caso da menina Bru que
falava como fosse uma dona de casa, como uma mãe, fato que, inegavelmente,
possibilitou-lhe uma ampliação de seu universo discursivo e a oportunidade de se
enunciar, de falar sobre sua vida, denunciando a violência do lugar onde mora.
Nesse sentido, Leontiev (1988) postula que, quando as crianças estão brincando,
elas acabam desenvolvendo o que ele chama de papel lúdico que é, no caso da
menina Bru, a ação de ser mãe recriada por ela. Assim, para ocupar determinado
lugar nas relações sociais, a criança seleciona, entre todas as ações possíveis,
aquelas que se ajustam ao lugar que ocupa. Ao ocupar o lugar de mãe, a menina
Bru envolveu uma série de ações simbólicas de uma mãe real, que se configura na
cultura (fazer bolo para o aniversário do filho, recepcionar e servir os convidados da
festa de seu filho) na qual está inserida.
O evento apresentado também evidenciou que a linguagem utilizada no curso da
brincadeira teve a função de regulação da conduta alheia. Desse modo, as ações
lúdicas possibilitam às crianças situações nas quais elas podem se relacionar com
seus colegas, defendendo pontos de vistas e idéias a respeito da situação fictícia
que estão construindo juntos. É muito interessante o que ocorre, por exemplo, no
turno 51, quando a menina Cam chama a atenção da professora dizendo como ela
deveria se comportar no momento em que cantavam parabéns. Vemos, portanto,
que as crianças, na brincadeira, se relacionam com a professora de uma maneira
diferente da que ocorre no cotidiano da instituição. Isso está associado ao fato de
elas terem atribuído à professora um lugar na brincadeira (convidada da festa de
aniversário).
Como evidenciado nas transcrições, as crianças não lançam mão, na brincadeira,
apenas de objetos, mas também da linguagem e mais especificamente de diversos
gêneros do discurso que circulam em diferentes esferas sociais. Assim, constituem-
se como locutores em diferentes interações verbais. Inserida na brincadeira, a
criança tem o que dizer e considera o que deve ser dito levando em consideração os
seus interlocutores e a situação específica, ou seja, a situação social. Nesse
contexto, concordamos com Elkonin (1998, p. 400), quando defende que o jogo
protagonizado no grupo de crianças tem “[...] possibilidades inesgotáveis para
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
166
reconstituir as relações e vínculos mais diversos que as pessoas estabelecem na
vida real”. Passemos, agora, à análise de um outro evento, cujo conteúdo também é
o jogo protagonizado.
b) A festa de casamento
Como nas outras turmas, na Turma 4, as crianças sempre tinham um espaço para a
brincadeira. No caso da Turma 4, as brincadeiras ocorriam depois das atividades
que a professora desenvolvia com a turma. As crianças se dividiam em pequenos
grupos, de acordo com a brincadeira que lhes interessava naquele momento. Havia
grupos que brincavam de contar histórias, outro grupo brincava de salão de beleza e
havia ainda um grupo que brincava de construir cidades e, às vezes, pista de carros.
O evento 133 que analisaremos ocorreu nessa turma, no dia 8 de dezembro de
2006, quando um grupo formado pelas meninas da turma pediu à professora que
organizasse um casamento de brincadeira. A professora aceitou a proposta das
meninas e realizou com elas a atividade. As meninas arrumaram a noiva Mik no
salão de beleza que elas costumavam brincar (Foto 18 e 19).
Foto 18– A arrumação da noiva representada Foto 19 – Mik vestida de noiva no salão de beleza A professora e as crianças arrumaram a sala de modo semelhante a uma igreja.
Arrumaram o altar e colocaram as cadeiras em fileiras de frete para o altar, da
mesma maneira que os bancos de uma igreja. Assim, a ação lúdica foi sendo
construída com a participação da professora que, também, assumiu um lugar social
no jogo protagonizado, a de organizadora do casamento. Ela vestiu o sacerdote,
representado pelo menino Fer (Foto 20) e lhe deu um dicionário para representar a
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
167
Bíblia na brincadeira. A professora também definiu os lugares sociais das crianças:
pais da noiva, padrinhos, etc.
Foto 20 – Fer no altar realizando a cerimônia de casamento
O diálogo a seguir descreve a cerimônia de casamento:
T17 Fer: ((abre os braços)) senhoras e senhores... estamos reunidos hoje para
fazer o casamento de nossos irmãos... que entrem os noivos... ((a Professora 5 fala
no ouvido do aluno que repete suas palavras para o auditório)) estamos esperando
silêncio... estamos aqui reunidos para celebrar um momento de amor com nossos
amigos ( ) o casamento de Mik e Cai e podem entrar os noivos...
T18 Prof. 5: você é o pa-drinho... senta padrinho...você é o padrinho... senta aqui...
padrinho...madrinha...né... são os padrinhos... Car pode ficar a qui... Car
[
T19 Fer: vamos ler um versículo da Bíblia...
T20 Prof. 5: isso... agora antes de antes... espera...o padre vai ler um versículo da
Bíblia... mas sem ironizar...
T21 Fer: ((imita uma leitura e diz)) vamos orar...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
168
T22 Prof. 5: ((a professora procura no dicionário o significado da palavra Deus))
vamos ver o que que é Deus aqui...Deus... lê... o que que é Deus aqui...
[
T23 Mar: mãe... deixa eu ver também...
T24 Fer: ((lê o )) um ser infi-nito... per-feito... cria-dor do universo... ( )
T25 Prof. 5: vocês estão ouvindo o que que ele leu aqui? ser infinito... criador do
universo... pronto gente...
T26 Fer: podem entrar os noivos... que Deus abençoe... que Deus abençoe...
[
T27 Prof. 5: Milena::: vai lá chamar a noiva...
T28 Prof. 5: oh... silêncio que a noiva vai entrar hein... como é que é mesmo a
música... a marcha nupcial...
T29 Crianças: ((cantam a marcha nupcial))
T30 Prof. 5: psiu... para... a noiva vai esperar o silêncio...
Como no evento apresentado anteriormente, temos, nos turnos acima, uma situação
fictícia na qual as crianças ocupam diferentes lugares sociais: noivo e noiva, padre,
padrinhos, convidados, pais da noiva, etc. Portanto as relações entre colegas de
turma são transformadas, quando as crianças assumem outros lugares construídos
por elas mesmas, apoiadas em uma situação da vida real, que é realização de um
casamento. Nesse contexto,
[...] a atividade concreta das pessoas e suas relações são variadíssimas na realidade, também os temas dos jogos são muito diversificados e cambiáveis. Nas diferentes épocas da história, segundo as condições sócio-históricas, geográficas e domésticas concretas da vida, as crianças praticam jogos de temática diversa. São diferentes os temas dos jogos das crianças das diferentes classes sociais (ELKONIN, 1998, p. 34).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
169
Nesse sentido, o casamento é um ritual religioso que foi vivenciado por essas
crianças em algum momento da vida, pois o impacto que a esfera de atividade
humana e das relações entre as pessoas “[...] produz no jogo evidencia que, apesar
da variedade de temas, todos eles contêm, por princípio, o mesmo conteúdo, ou
seja, a atividade humana e as relações sociais entre as pessoas” (ELKONIN, 1998,
p. 35). Nos turnos 17, 19, 21 e 24, por exemplo, o menino Fer, que assumiu o lugar
de sacerdote no ritual religioso, busca fazer uso da linguagem utilizada nesse tipo de
cerimônia: “[...] senhoras e senhores... estamos reunidos hoje para fazer o
casamento de nossos irmãos... que entrem os noivos”. De acordo com Bakhtin
(2000), a língua é utilizada por meio de enunciados que podem ser orais e escritos,
concretos e únicos que são construídos a partir das diferentes esferas das
atividades humanas.
Assim, “[...] cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros dos discursos”
(BAKHTIN, 2000, p. 279). Nesse sentido, as crianças, na situação fictícia, fazem uso
da linguagem que é utilizada na esfera de atividade que estão recriando.
É o caso de Fer que fala como um sacerdote, ao realizar uma cerimônia de
casamento. Os trechos que seguem apresentam mais evidências sobre esse fato:
T35 Fer: se alguém tem alguma coisa contra esse casamento que fale ou se cale-se
para sempre... ((coloca o dedo na boca, simbolizando o silêncio))
T36 Crianças: ((risos))
T37 Prof. 5: ninguém tem nada...
T38 Mil: deixa eu ri...
T39 Fer: Bruno da Silva Ferreira não sei que lá... você aceita Mik como sua
esposa... na saúde... na doença... na riqueza... na pobreza... na desgraça ou na
ferida?
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
170
Novamente, o menino Fer faz uso do gênero textual que é utilizado nessa atividade
humana. No turno 35, conforme podemos observar, ele pergunta se alguém tem
alguma coisa que possa impedir o casamento e, no turno 39, pergunta aos noivos se
aceitam casar-se um com o outro. Assim, na brincadeira, o menino Fer assume o
lugar de sacerdote e a linguagem é o elemento principal que identifica o lugar social
que lhe foi indicado na situação fictícia.
Nesse sentido, compreendemos que a brincadeira é um importante espaço para a
apropriação da linguagem oral pela criança, na medida em que, nessa atividade, ela
realiza o que Leontiev (1988) chama de ação lúdica, que é a capacidade de assumir
determinados lugares sociais numa brincadeira. Esse fato repercute no
desenvolvimento da linguagem na criança, pois, nesse contexto, ela pode fazer uso
da linguagem, levando em consideração seus usos nas diferentes esferas das
atividades humanas.
O menino Fer utiliza o texto que um sacerdote usa ao celebrar um casamento e a
menina Bru se comporta e fala como uma mãe que estava organizando a festa de
aniversário de seu filho. No entanto, há uma diferença em relação aos dois eventos.
O evento em que a menina Bru brinca da festa de aniversário está ligado às
atividades cotidianas que as crianças vivenciam no seu dia-a-dia. Por conseguinte, a
linguagem utilizada não possui o grau de formalidade da linguagem utilizada por Fer.
No caso da realização do casamento, o menino Fer, com a ajuda professora,
precisou fazer uso de um gênero formal público, pois representava, na atividade
lúdica, um sacerdote. A professora, nesse evento, colaborou para a organização do
texto de tal maneira que as crianças pudessem vivenciar uma ação lúdica. Nesse
contexto, ultrapassou-se o uso de gêneros primários para a produção de um texto
oral “regulado” por normas institucionais, nesse caso, o discurso religioso.
Para finalizar, faremos algumas considerações sobre os eventos apresentados
nesse grupo, referente às brincadeiras das crianças e professoras. Vimos, à luz da
teoria de Elkonin (1998) e Leontiev (1988), que a brincadeira, por meio do jogo
protagonizado, é um dos principais elementos da vida da criança contemporânea e
que as brincadeiras das crianças têm como foco a representação das relações
sociais que são estabelecidas nas diversas esferas das atividades humanas.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
171
Pela análise desses eventos, foi possível evidenciar algumas questões relacionadas
com os modos de utilização da linguagem pelas crianças durante a atividade lúdica,
envolvendo o jogo protagonizado. Vimos que “[...] o jogo apresenta-se como prática
real não só de mudança de postura ao adotar o papel, mas também como prática de
relações com o companheiro de jogo” (ELKONIN, 1988, p. 412). Essas práticas de
relações entre as crianças, conforme foi evidenciado, são, na atividade lúdica, assim
como nas atividades humanas, mediadas pela linguagem. Desse modo, as crianças,
a depender do lugar que assumiram na brincadeira, fazem uso de diferentes
gêneros discursivos que circulam nas diversas esferas discursivas. De acordo com
Machado (2005, p. 158), na perspectiva de Bakhtin, “[...] os gêneros são elos de
uma cadeia que não apenas une como também dinamiza as relações entre as
pessoas”. Essa dinamicidade produzida pelos gêneros discursivos nas relações
entre as pessoas aparece no jogo protagonizado, pois, por meio dos textos
construídos no jogo, as crianças estabelecem relações e nelas usam a linguagem
para se posicionar, defender pontos de vistas ou, ainda, organizar sua fala, levando
em consideração a situação de comunicação construída no jogo.
Assim, a menina Bru organiza o seu discurso a partir da maneira que uma mãe fala
quando está à frente da festa de aniversário de seu filho, levando em consideração
os seus interlocutores, os convidados da festa. Também o menino Fer, na posição
de sacerdote, usa os recursos discursivos utilizados para celebração de um
casamento, uma situação que exigia um texto oral formal público. Ele constrói o
texto a partir da situação de comunicação, tendo em vista os seus interlocutores
(convidados e noivos) e a instituição religiosa que representava na brincadeira.
Logo, as crianças se apropriam dos modos e usos da linguagem pelas de relações
interativas que estabelecem com as pessoas. Nesse sentido, a análise desses
eventos nos revelou que a brincadeira, como reconstituição de lugares sociais e das
interações entre os adultos, por parte das crianças, se revela como uma atividade
que lhes possibilita se constituírem como sujeitos que criam linguagem, que se
enunciam, que se posicionam e que escolhem as estratégias do dizer, a depender
da atividade humana que estão vivenciando na ação lúdica.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
172
5.2.2 Brincadeira de professora
Observamos, durante a pesquisa de campo, que as professoras tinham o hábito de
ler histórias para suas crianças e, em alguns momentos, elas as estimulavam a
recontar a história que haviam contado. Por isso, fizemos os registros de alguns
eventos, utilizando filmagens, nos quais as crianças, nas brincadeiras, contavam
histórias que, na maioria das vezes, as professoras já tinham lido para elas.
Chartier (1999, p. 143) fala que a prática sociocultural da leitura em voz alta é “[...]
uma forma de sociabilidade compartilhada e muito comum. Lia-se em voz alta nos
salões, nas sociedades literárias, nas carruagens ou nos cafés. A leitura em voz alta
alimentava o encontro com o outro”. O mesmo autor aponta que, no século XIX, a
leitura em voz alta é incorporada a espaços institucionais, como a igreja, a
universidade, o tribunal. Desse modo, de acordo com Chartier (1999), ocorre um
esvaziamento de formas de sociabilidade ou formas de lazer, por meio da leitura em
voz alta e, assim, chega-se à contemporaneidade, na qual “[...] a leitura em voz alta
é finalmente reduzida à relação adulto-criança e aos lugares institucionais”
(CHARTIER, 1999, p. 143).
Na atualidade, observamos que é comum os adultos lerem em voz alta para as
crianças. Nas instituições de Educação Infantil, a leitura em voz alta é uma prática
que já foi incorporada às suas rotinas. Durante o período em que realizamos a
observação, deparamo-nos com algumas situações em que as crianças, muitas
vezes, após ouvirem histórias lidas em voz alta pelas professoras, contavam
histórias, assumindo, nessa atividade, o lugar da professora. Discutimos, no início
deste item, que, para a Psicologia Histórico-Cultural, a brincadeira da criança não é
instintiva, mas cultural, sobretudo porque o conteúdo das brincadeiras têm origem
nas relações humanas que se desenvolvem nas mais variadas esferas de atividades
do ser humano.
Nesse sentido, quando as crianças recontam as histórias lidas pelas professoras,
elas o fazem porque presenciaram essa atividade e, na busca de compreensão
desse mundo cultural, constroem atividades lúdicas que lhes permitem inserir-se
nessas esferas e, portanto, compreendê-las. Em seguida, apresentaremos um
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
173
panorama dos eventos que presenciamos durante a observação participante, nos
quais as crianças contavam histórias nas turmas onde o estudo foi realizado.
Tabela com a freqüência de atividades que envolviam crianças contando histórias
Brincadeira de Professora F %
Turma 1 2 16,7
Turma 2 4 33,3
Turma 3 1 8,3
Turma 4 5 41,7
Total 12 100
Conforme nos apresenta a tabela acima, de modo geral, presenciamos atividades
lúdicas que envolviam crianças das quatro turmas contando histórias. Na Turma 1,
as professoras, no período em que realizamos a observação, liam constantemente
para as crianças. Assim, observamos as professoras lendo para a turma: a história
dos Três Porquinhos, O macaquinho, Chapeuzinho Vermelho e O elefante Cheiroso
(história sobre higiene). Após ouvir essas histórias, o menino Gab reconta-as. Na
Turma 2, a professora também lia histórias para as crianças. No período em que
estivemos nessa turma, a Professora 3 contou histórias como: O sanduíche de dona
Maricota, o Sapo babão, João e Maria, O macaco que queria brincar e O short
amarelo da raposa. Nessa turma, as crianças também eram incentivadas a brincar
de contar histórias para seus colegas. Na Turma 3, não presenciamos nenhuma
situação na qual a professora contou histórias para as crianças. Entretanto
observamos um evento em que umas das crianças contou uma história para seus
colegas. Na Turma 4, durante o período em que estivemos na sua sala, a professora
realizou a leitura de várias histórias para as crianças, tais como: O patinho feio,
Barba Azul e A árvore de Beto. Além disso, ela enviava para casa uma pasta com
um livro escolhido pela criança para ser lida por seus pais.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
174
No item a seguir, analisaremos três eventos apresentados na tabela acima. Antes,
porém, é importante salientar que escolhemos aqueles eventos que consideramos
mais representativos do conjunto de dados que obtivemos na observação que
realizamos nas turmas onde este estudo foi realizado e, também, que
acompanhamos integralmente.
a) As histórias do menino Gab
Conforme mencionado, as professoras da Turma 1 desenvolviam atividades que
envolviam a leitura de histórias para as crianças. O menino Gab que, no período da
observação, estava com dois anos e nove meses, contava as histórias que as
professoras liam. Ao contar as histórias, ele reconstituía os elementos que
envolviam a prática de leitura de histórias em voz alta para a turma. Desse modo,
quando lia, segurava os livros como na situação vivenciada (mostrando as imagens
para as crianças) e, também, fazia perguntas às crianças sobre a história, conforme
as professoras faziam ao ler para a turma. Desse modo, o menino Gab assumia o
lugar da professora nas relações sociais que se desenvolviam na sala de aula.
Analisaremos o evento 13 que ocorreu no dia 7 de junho de 2006, no qual Gab
pega alguns livros na estante da sala e imita a maneira como as professoras liam
histórias para sua turma:
T1 Gab: ((segura o livro, mostra a ilustração e faz perguntas como a professora
fazia)) quem é esse aqui? quem é esse aqui?
[
T2 Prof. 1: ((risos))
T3 Prof. 2: ((risos))
T4 Prof. 1: é um pintinho...
T5 Prof. 2: abre a história... abre::: conta a história para a Ires...conta:::conta:::
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
175
T6 Gab: ((canta a música que as professoras cantavam antes de contar a história))
uma história vou cantar... eu vou contar:::eu vou contar:::
T7 Prof. 1 e Prof. 2: ((risos – acham engraçada a cena – Gabriel imitando a maneira
como elas contam a história e começam a cantar)) e agora minha gente... uma
história eu vou contar::: uma história BEM bonita... sei que todos vão gosTAR...
he...he..tra-lá...tra-lá... he...he..tra-lá...tra-lá...lá...lá...
T8 Prof. 2: conta a história
T9 Gab: quem é essa aqui... vaca? ((mostra a ilustração de uma vaca))
T10 Prof.:2 tá procurando quem?
T11 Gab: o boi...( ) a mãezinha...
T12 Prof. 1: quem é? quem.... Gab ?ai quem tá procurando a mãezi-nha... quem é?
quem é?
T13 Prof.1: é a ovelhinha... o cordeirinho... ((imita a ovelhinha))
É interessante destacar que Gab realiza uma atividade que as professoras
desenvolviam constantemente com a turma. Nesse contexto, ele ressignifica as
atitudes das professoras quando contavam histórias. Inicialmente, ele retoma os
gestos das professoras: segura o livro, conforme podemos observar na foto a seguir:
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
176
Foto 21 – Gab conta a história
Gab também canta a música que era cantada pelas professoras ao realizarem essa
atividade: contar histórias (turno 6). Além disso, as professoras mostravam as
ilustrações e perguntavam: que bicho é esse? Que cor é essa? Quem é esse ui?
Gab mostra o livro para seus colegas e, como as professoras, também faz
perguntas, conforme podemos ver nos turnos 1 e 9. Elkonin (1998, p. 419) aponta
que “[...] a interpretação de um papel atrativo no aspecto emocional, estimula a
execução de ações nas quais o papel se personaliza”. Nesse sentido, para as
crianças, contar histórias é uma atividade extremamente envolvente, por isso vemos,
nesse evento, o menino Gab produzir os gestos das professoras. Já discutimos, no
item anterior, a questão referente à vivência da criança de atividades humanas por
meio de situações fictícias ou de brincadeiras. Assim, destacaremos, na análise
desse evento, um outro aspecto relacionado com o desenvolvimento da linguagem
na criança. Logo, discutiremos princípios da teoria vigotskiana para buscar entender
a atividade realizada por Gab.
Inicialmente, é importante ressaltar que concordamos com Vigotski quando aponta
que o desenvolvimento da criança “[...] não é ditado unicamente pelas leis da
natureza, mas, cada vez mais, pelas leis da história humana; história constituída das
transformações que o homem opera na natureza” (PINO, 2005, p. 24). Assim,
segundo Pino (2005), Vigotski vê o desenvolvimento psíquico como
desenvolvimento cultural. Nesse sentido, existe uma história do desenvolvimento
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
177
cultural da criança e foi essa história que Vigotski e seus colaboradores buscaram
evidenciar. Para Leontiev (1997, p 435 ),
El estúdio de la historia de la formación de las funciones psíquicas superiores em la ontogénesis y de la filogénesis como funciones contituidas sobre la base de funciones elementales, que actúan de forma mediada a través de instrumentos psicológicos, se convirtió en el tema central de las investigaciones de Vygotski y sus colaboradores.
Nesse contexto, Vigotski (2000) 28 estabeleceu o que ele chama de uma lei geral do
desenvolvimento cultural da criança, descrita da seguinte maneira:
El nino, a lo largo de su desarrollo, empieza a aplicar a su persona las mismas formas de comportamiento que al principio otros aplicaban com respecto a él. El próprio nino asimila las formas sociales de la conducta y las transfiere a sí mismo. Si aplicamos lo dicho a la esfera que nos interesa cabría decir que esta ley se manifiesta como cierta sobre todo em el empleo de los signos (VYGOTSKI, 2000, p. 146).
Portanto, conforme já mencionado, o desenvolvimento da criança se dá em dois
planos: um intersubjetivo, quando as pessoas se relacionam com ela por meio de
signos; e outro plano intrasubjetivo, quando a criança transfere para si mesma
essas relações. Em outras palavras, o desenvolvimento ocorre em dois planos: um
social e outro pessoal. Assim, as funções culturais
[...] não emergem diretamente da natureza por força das “leis” naturais que regem o desenvolvimento orgânico, como se fossem um mero desdobramento dele ou o simples produto da maturação. Elas surgem como resultado da progressiva inserção da criança nas práticas sociais de seu meio cultural onde, graças à mediação do Outro, vai adquirindo sua forma humana (PINO, 2005, p. 32).
Gab está inserido em uma instituição de Educação Infantil onde participa de diversas
práticas sociais de leitura. A presença dessa criança em um ambiente cultural, no
qual se lê histórias, resulta na apropriação, por parte de Gab, dos modos e das
formas de ler histórias, fato que aparece na transcrição apresentada.
28 Texto de 1931.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
178
No contexto do evento apresentado, o menino Gab é orientado pelas professoras
com relação às histórias que contava. Para Vigotski (2001), ao realizar uma
atividade colaborativa, a criança está, de alguma maneira, passando do que sabe
fazer para o que não sabe. Assim, na perspectiva de Vigotski (2001, p. 329), “[...] em
colaboração, a criança sempre pode fazer mais do que sozinha”. Esse fato é
evidenciado no evento que apresentamos, pois, quando Gab realizou a atividade,
estava com dois anos e nove meses e ainda não lia textos escritos, mas, na
interação com as professoras, o menino conta algumas histórias contidas nos livros
que havia na sala. Portanto, ao contar histórias, ele assume o lugar da professora e
realiza uma atividade que está além da sua zona de desenvolvimento real.
Desse modo, Vigotski (2001) defende que as atividades realizadas pela criança por
meio da colaboração são fundamentais para o seu desenvolvimento. Ele aponta
ainda que a imitação,29 se compreendida em sentido amplo, “[...] é a forma principal
em que se realiza a influência da aprendizagem sobre o desenvolvimento. A
aprendizagem da fala, a aprendizagem na escola se organiza amplamente com base
na imitação” (VIGOTSKI, 2001, p. 331). Assim, quando Gab realiza uma atividade
com a colaboração das professoras, ele está atuando na sua zona de
desenvolvimento próximo.
Na perspectiva discursiva, podemos observar, na linguagem, elementos de uma
intensa dialogia. Vejamos:
T13 Prof. 2: conta a historinha pra Sulamita... Sul...
T14 Gab: lamita... ((chama a colega)) quem é esse aqui?
T15 Prof.1: quem é esse aqui? o cordeirinho...
T17 Prof.1: agora troca pega outro livro... outro... embaixo também tem...embaixo ((
referindo-se à parte de baixo da estante))
29 É importante ressaltar que não concebemos a imitação numa perspectiva mecânica, mas como um conceito que foi ressignificado por Vigotski (2001) no contexto da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
179
T18 Prof.2: é esse daí...oh...esse quem é?
T19 Prof. 1: esse é o cachorrinho...
T20 Gab: aqui? quem é? o cachorrinho...
T21 Prof.2: o que que tá fazendo?
T22 Prof. 1: ele tá tomando banho...
T23 Gab: tomando banho com água fria... ( ) saboNETE...oh o
Lobo...socoRRO...socoRRO... ((a Professora 1 tinha acabado de contar uma história
que envolvia banho))
Vimos, nos turnos acima, que Gab continua contando histórias para seus colegas.
No turno 13, a professora sugere que ele conte a história para sua colega Sul e, no
turno seguinte, chama a colega, mostra a ilustração do bicho e pergunta: quem é
esse aqui? Essa pergunta era utilizada pelas professoras. Quando contavam
histórias para as crianças, elas mostravam as ilustrações, nas quais apareciam
animais ou personagens, e perguntavam às crianças: quem é esse aqui? Assim, o
menino traz para a interação verbal um enunciado muito utilizado pelas professoras.
No turno 17, ele troca de livro e as professoras estabelecem uma interlocução com
ele, fazendo perguntas sobre o cachorro, personagem da história. A Professora 2
pergunta a Gab o que o cachorro está fazendo, a Professora 1 responde dizendo
que ele está tomando banho. Assim, no turno 23, Gab retoma a fala da professora
(turno 22) e acrescenta que o cachorro estava tomando banho com água fria...
sabonete .... o lobo... socorro...socorro... Desse modo, Gab retoma os enunciados
que eram utilizados pelas professoras, quando estavam contando histórias. Para
Bakhtin (2000, p. 314),
[...] nossa fala, isto é, nossos enunciados [...] estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
180
outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos.
Desse modo, a fala do menino Gab, conforme evidenciamos, está carregada de
palavras, dos enunciados das professoras. Mas isso não significa que a sua palavra
é uma “repetição” mecânica dos enunciados produzidos por elas. Ao retomar os
enunciados delas, ele os reestrutura e imprime o seu tom valorativo que resulta na
atualização do enunciado. Os tons valorativos ou as entoações “[...] são valores
atribuídos e/ou agregados àquilo dito pelo locutor. Esse valores correspondem a
uma avaliação da situação pelo locutor posicionado historicamente frente ao seu
interlocutor” (STELLA, 2005, p. 178). Para Brait (2005), essa “avaliação social”
realizada pelo locutor destaca o aspecto da particularidade da situação em que se
dá um enunciado.
Nesse contexto, pode-se concluir que o enunciado construído por Gab já não é o
mesmo produzido pelas professoras, pois a situação social em que este a realiza é
outra. No entanto, quando, por meio da brincadeira, a criança assume um lugar,
conforme discussão realizada anteriormente, ela o faz levando em consideração as
regras referentes a esse lugar nas relações sociais, ou seja, a criança não perde de
vista o lugar social (as relações sociais).
Para finalizar a análise desse evento, é necessário ressaltar ainda que as atividades
realizadas pela criança em colaboração com a professora incidem diretamente sobre
a Zona de Desenvolvimento Proximal. No evento apresentado, as professoras, ao
perceberem que o menino Gab construía uma brincadeira, cujo conteúdo era a
“leitura” de histórias para seus colegas, elas entram no jogo e colaboram na
realização da atividade, fazendo perguntas sobre a história e sugerindo ao menino a
leitura de outros livros, além da orientação da realização da leitura para os colegas.
Assim, contribuíram para o desenvolvimento de uma atividade que estava além das
reais possibilidades da criança.
b) A menina Car e a história do Sapo Lambão Continuaremos a discussão tomando um outro evento que ocorreu na Turma 2, com
a menina Car. Esse evento de número 70 aconteceu no dia 23 de agosto de 2006,
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
181
no momento em que a estagiária Jaq fazia a leitura da história O sapo lambão. No
entanto, como as crianças estavam muito agitadas e não se interessaram em ouvir a
história, ela não conclui a leitura. A professora e a estagiária levaram a turma para o
pátio, mas Car, Kez e Emi ficaram na sala de aula e Car (Foto 22) pega o livro e
inicia a leitura da história:
Foto 22 - Menina Car contando a história
T1 Car: ((sentada na cadeira como a professora e segurando o livro como ela,
começa a contar a história do sapo lambão)) na historinha do sapo lambão... o sapo
lambão colocou a língua na areia... ((começa a cantar a música que a professora
ensinou)) o sapo não lava o pé... não lava porque não quer... ele mora lá na lagoa...
não lava o pé porque não quer... mas que chulé::: ((canta novamente a música, mas
troca o nome do sapo pelo nome da menina para quem ela estava contando a
história)) a Kez não lava o pé... não lava porque não quer... ele mora lá na lagoa...
não lava o pé porque não quer... mas que chulé::: ( ) oh o sapo tá covando o
denTE... ((mostra ilustração do sapo escovando os dentes)) quem gosta de covar o
dente?
T2 Kez: eu:::
T3 Car: Kez... é você mesmo covando o dente... ((mostra ilustração do sapo))
quando aqui fica um monte de bichinho aqui oh... dá negócio... um monte de
bichinho... ((mostra os dentes)) oh o sapo na lagoa... o sapo não lava o pé porque
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
182
não quer... ((fala esse trecho da música como se estivesse lendo no livro)) olha
gente olha aqui tá vendo a historinha do sapo... olha...os dois irmãos... ((olha a
ilustração de dois sapos se abraçando)) pra QUE ISSO? pra QUE ISSO? o sapo de
olho fechado... ((para a leitura para tossir)) nossa::: os dois tá com batom... não os
dois não tá com batom...só um... ele mora na lagoa... olha que lindo... chuá::: quem
come isso? ((mostra a ilustração do sapo comendo mosquito))
T4 Kez: ninguém...
T5 Car: eu come isso... quem come aquele negócio que eu mostrei?... hein... Kez?
come a gente assim na praia andando... a::onde o sapo mora?
T6 Kez: não sei...
T7 Emi: ele mora na la:::goa...
T8 Car: olha que ele mora... vamos ver que ele mora? vem cá... Kezi... vem...vamo
lá... vem cá... vem Kez... ( ) olha aqui o lugar dele... olha que bonito... vamos cantar
gente...
Inicialmente, é relevante destacar, conforme postula Bakhtin (2004), que a
enunciação não é um ato monológico, mas dialógico. Logo, o autor interessa-se “[...]
pela natureza social dos fatos lingüísticos, o que significa entender a enunciação
indissoluvelmente ligada às condições de comunicação, que, por sua vez, estão
sempre ligadas às estruturas sociais” (BRAIT, 2005, p.94). Assim, deve-se
considerar que, quando a menina Car pega o livro O sapo lambão e constrói
enunciados, ela dialoga com enunciados anteriores produzidos em situações de
comunicação das quais ela participou, principalmente, aquele produzido pela
estagiária, no momento em que contou a história. Dessa forma, “[...] o enunciado
está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado
no interior de uma esfera comum da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2000, p. 316).
Nesse sentido, a menina traz para o seu enunciado as muitas vozes que o
antecederam. No turno 1, por exemplo, ela canta a música O sapo não lava o pé,
estabelecendo, assim, um diálogo com outro enunciado, cujo personagem também é
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
183
o sapo. Além disso, ela reconstrói esse enunciado, ao trocar a palavra sapo pelo
nome da sua interlocutora, a menina Kez. Por isso, o enunciado deve ser analisado
em sua relação “[...] com o autor (o locutor) e enquanto elo na cadeia da
comunicação verbal, em sua relação com outros enunciados (uma relação que não
se costuma procurar no plano verbal, estilístico-composicional, mas no plano do
objeto de sentido)” (BAKHTIN, 2000, p. 318-319). Desse modo, a menina dialoga,
quando traz para o seu enunciado um outro enunciado, cujo objeto de sentido é o
mesmo, o sapo. A dialogia é, pois,
[...] inerente a todo discurso e, na medida em que diz respeito a vozes que antecederam a do enunciante e às que poderão sucedê-lo, explicita a dupla função da linguagem: não há enunciado que não exiba traços do produto histórico da atividade dos homens e que, objetivado, não possa servir de referência para que novos enunciados sejam construídos e nos quais se manifeste uma maior ou menor superação do que estava socialmente posto (VOESE, 2004, p. 47).
Essas questões estão ligadas ao caráter social do enunciado, pois, conforme
defende Brait (2005), a partir da perspectiva bakhtiniana de linguagem, a enunciação
é explicada pelas estruturas sociais. Nesse contexto, para Bakhtin (2004, p. 112)
[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social ou não, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor abstrato.
Assim, para a efetivação do enunciado, é necessário “[...] ter um destinatário, dirigir-
se a alguém, é uma particularidade constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e
não poderia haver enunciado” (BAKHTIN, 2000, p. 325). Nos turnos apresentados, a
menina Car se dirige a Kez, sua interlocutora, como alguém que está na posição de
aluno. Nesse contexto, ela fez perguntas que a professora costumava fazer, quando
lhes contava histórias: “quem gosta de covar o dente? (T1), pra QUE ISSO? pra
QUE ISSO? (T3), quem come isso? (T3), quem come aquele negócio que eu
mostrei?... hein... Kez?(T5), a::onde o sapo mora? (T5), olha que ele mora... vamos
ver que ele mora? (T8)”. Além disso, no turno 3, a menina Car fala da higiene com
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
184
os dentes, tema que é extremamente discutido pelas professoras na instituição
infantil, lembrando que as bactérias (bichinhos) que ficam nos dentes podem dar um
negócio (cárie). Desse modo, Car assume o lugar da professora, ao introduzir, em
seu enunciado, aspectos do discurso pedagógico produzido por ela. Segundo
Bakhtin (2000, p. 279),
[...] a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas.
Portanto o evento demonstra que as crianças são produtoras de linguagem e que,
desde muito cedo, compreendem e fazem uso do jogo discursivo que a permeia.
Quando brinca de contar história, ela assume outro lugar na esfera de atividade da
qual participa como criança, ou seja, a menina se coloca em outro lugar, o da
professora. Nessas condições e observando as finalidades, “[...] o querer-dizer do
locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha
é determinada em função da especificidade de uma esfera da comunicação verbal,
das necessidades de uma temática” (BAKHTIN, 2000, p. 301).
Nesse sentido, conforme defende Brait (2005), o dialogismo, na perspectiva
bakhtiniana, tem uma dupla e indissolúvel dimensão. Primeiro, é ele que instaura a
interdiscursividade da linguagem que “[...] diz respeito ao permanente diálogo, nem
sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que
configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade” (BRAIT, 2005, p. 94).
Segundo, o dialogismo, também na perspectiva de Brait (2005), está relacionado
com as relações travadas entre o eu e o outro, “[...] nos processos discursivos
instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram e são
instaurados por esses discursos” (BRAIT, 2005, p. 94-95). Por conseguinte, para a
perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem bakhtiniana, o enunciado é
eminentemente sociológico. Nesse sentido, a comunicação verbal estrutura-se de
acordo com os elementos que integram as diferentes atividades humanas. Dessa
forma, na atividade realizada pela menina Car, observamos esses aspectos.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
185
Logo, “[...] a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a
realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na
língua” (BAKHTIN, 2000, p. 282). Assim, brincando de contar histórias, a menina Car
se constitui como sujeito que se enuncia e que constitui linguagem à medida que
produz enunciados. Nesse sentido, é importante destacar que a brincadeira, na
criança em idade pré-escolar, “[...] surge a partir de sua necessidade de agir em
relação não apenas ao mundo dos objetos acessíveis a ela, mas também em
relação ao mundo dos adultos” (LEONTIEV, 1988, p. 125). Portanto, quando Car
brinca de contar histórias, ela está se relacionando com o mundo dos adultos que
lhe contam histórias, uma ação que produz desenvolvimento.
Conforme discutido, a partir da concepção de linguagem bakhtiniana,
compreendemos o enunciado como eminentemente social, por isso ele está
intimamente ligado ao dialogismo, à medida que participa de um elo da cadeia da
comunicação verbal que só se realiza, na sociedade, por meio de enunciados-textos
orais ou escritos. Nesse contexto, “[...] toda enunciação é um diálogo; faz parte de
um processo de comunicação ininterrupto. Não há enunciado isolado, todo
enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que o sucederão”
(SOUZA, 1995, p. 99). Desse modo, evento apresentado, a menina Car assume a
função de professora e conta a história O sapo lambão e estabelece um diálogo com
outro texto O sapo não lava o pé. Nesse contexto, ela acaba produzindo uma
relação dialógica entre os textos, por isso, podemos afirmar que, no discurso
elaborado pela menina, aparece um dos aspectos do dialogismo que é a
intertextualidade que pode ser definida como “[...] o diálogo entre os muitos textos da
cultura, que se instala no interior de cada texto e o define” (BARROS, 2003, p. 4).
Assim, a criança, além de se constituir por meio da linguagem, também a produz, na
medida em que constrói textos levando em consideração a situação de comunicação
que se estabelecia na brincadeira, uma professora contando história sobre um sapo.
Por isso, traz para sua fala outras vozes que falam sobre sapo, que acabam se
entrecruzando no texto oral da menina Car, tornando, assim, o seu texto mais rico
na medida em que não oculta a polifonia.
Também, conforme evidenciado, as crianças iniciam a leitura das histórias apoiadas
nas experiências vivenciadas na sala. Esse fato é comum aos eventos trazidos para
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
186
a análise. Desse modo, o que deflagra o ato de contar histórias pelas crianças é o
fato de ouvirem histórias contadas pelas professoras. Nesse sentido, a partir da
teoria vigotskiana, compreendemos que o desenvolvimento da linguagem na criança
ocorre por meio das relações que ela estabelece com outras pessoas que integram
o contexto sociocultural.
c) Mik e a história de Cinderela
Tomemos agora um outro evento que ocorreu no dia 23 de novembro de 2006, na
Turma 4. Nessa turma, as crianças, quando eram liberadas pela professora para
brincar, constantemente, também pegavam livros e brincavam de contar histórias. É
o caso de Mik (Foto 23) que tinha, no período da realização da observação, seis
anos e seis meses. Ela ainda não sabia ler, mas já conhecia a maioria das histórias
dos livros que eram lidos pela professora. Assim, para realizar a leitura, as
ilustrações eram utilizadas como signos que serviam de apoio à memória. Desse
modo, apoiada nas ilustrações, a menina Mik lia os livros. Vejamos, a seguir, a
transcrição da situação, na qual Mik conta a história Cinderela para as suas amigas
Pao e Ali.
Foto 23 - Mik contando história para a sua colega Pao
T1 Mik: Cinderela...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
187
T2 Pao: alto::: ((chama a atenção de Mikaela)) aí você mostra a foto... ((referia-se à
ilustração)
T3 Mik: Cinderela... era uma vez...
T4 Pao: mais alTO... ((fala alto))
T5 Ali: ela falou mais alto...
T6 Pao: ((fala alto)) era uma vez...
T7 Mik: era uma vez... duas irmãs invejosas com uma madrasta
T8 Pao: é três:::
T9 Mik: ((mostra a ilustração que apresentava as duas irmãs e a madrasta)) tinha
umas que era muito invejosas... e a madrastra...
T10 Pao: Mik lê baixo... né...
T11 Ali: eu estou ouvindo TUDO... TUDO que ela está falando...
T12 Mik: e também... as irmãs estavam vendo... os seus... vestidos para irem pro
baile que tinha lá no palácio do rei... Cinderela não podia ir... tinha que ficar em
casa... ((vira a página))... rasgaram uma parte... Paola... cadê a parte que eles
estavam dançando?
T13 Pao: não tem... não tem... é só no filme...
T14 Mik: e também chegou a madrinha de Cinderela e disse... não chore...
T15 Pao: ((fala alto)) disse... lê alto Mikaela... você tem que ler alto...
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
188
T16 Mik: não chore minha querida... você também irá a este baile... deu um vestido
bonito para Cinderela... e falou... não volte depois da meia-noite... aí... ela saiu
correndo... perdeu o sapatinho de cristal... mas tinha que correr... para chegar antes
da meia-noite... aí... aí... o príncipe pediu Cinderela em casamento... casaram e
viveram felizes para sempre...
Após a leitura desses turnos, perguntamos: o que motiva as crianças a vivenciarem
lugares de professoras, mães, padres em suas ações lúdicas? Na perspectiva de
Leontiev (1988), a motivação da criança está na própria ação e não no seu
resultado. Assim, “[...] o que a distingue de uma ação que não constitui uma
brincadeira é apenas sua motivação, i.e., a ação lúdica é psicologicamente
independente de seu resultado objetivo, por que sua motivação não reside nesse
resultado” (LEONTIEV, 1988, p. 126). Logo,
[...] muitos tipos de atividades nesse período do desenvolvimento possuem seus motivos (aquilo que estimula a atividade) em si mesmo, por assim dizer. Quando, por exemplo, uma criança bate com uma vara ou constrói com blocos, é claro que ela não age assim porque essa atividade leva a certo resultado que satisfaz algumas de suas necessidades, o que a motiva a agir nesse caso aparentemente é o conteúdo do processo real da atividade (LEONTIEV, 1988, p. 119).
Nesse sentido, a motivação não está ligada a motivos biológicos, mas à vida social.
Por outro lado, “[...] no brinquedo, a ação, todavia, não persegue um objetivo, pois
sua motivação está na própria ação e não em seu resultado” (LEONTIEV, 1998, p.
127). Nesse sentido, o objetivo da menina Mik não é que as crianças que a escutam
aprendam algum conteúdo, mas é a atividade em si que a motiva. Ainda é
importante mencionar que a brincadeira construída pelas crianças não se originou
de um mundo imaginário, mas revela o modo como compreende e vê o mundo
adulto. Nesse contexto, reafirmamos que “[...] a brincadeira da criança não é
instintiva, mas precisamente humana, atividade objetiva, que por constituir a base da
percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos, determina o conteúdo
de suas brincadeiras” (LEONTIEV, 1988, p. 120). Assim, para essa perspectiva, não
é a imaginação da criança que resulta na ação, mas é a concretude da ação que faz
com que a imaginação surja nas ações lúdicas produzidas pelas crianças. Ainda
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
189
segundo Leontiev (1988), quando as crianças realizam uma atividade lúdica, essa
atividade é sempre generalizada. Para o autor,
[...] uma criança que se imagina um motorista em uma brincadeira reproduz talvez a forma de agir do único motorista que ela viu, mas sua própria ação é uma representação, não de um certo motorista que ela viu, não de um certo motorista concreto, mas de um motorista ‘em geral’, nas suas ações concretas, tais como foram observadas pelas crianças, mas as ações em geral, dentro dos limites, é claro, da compreensão e generalização dessas ações, que sejam acessíveis à criança (LEONTIEV, 1988, p. 130).
Nesse sentido, quando a menina Mik assume o lugar de professora, na brincadeira,
ela produz a forma de agir da professora que lê histórias para ela. No entanto sua
ação, a leitura de histórias em voz alta, é uma generalização. Na medida e dentro
dos limites da sua compreensão, ela realiza elementos que caracterizam a atividade
de leitura. Então, a atividade lúdica da criança, segundo Leontiev (1988), sempre é
uma atividade generalizada, é um modo de compreensão da realidade. Para Elkonin
(1998, p. 80), 30 o jogo ou a brincadeira:
[...] nasce no decorrer do desenvolvimento histórico da sociedade como resultado da mudança de lugar da criança no sistema de relações sociais. Por conseguinte, é de origem e natureza sociais. O seu nascimento está relacionado com condições sociais muito concretas da vida da criança na sociedade e não como ação de energia instintiva inata, interna, de nenhuma espécie.
Desse modo, Elkonin (1998) rejeita concepções que compreendem o jogo ou
brincadeira realizada pelas crianças numa perspectiva inatista. Assim, quando
vemos as meninas Mik, Pao e Ali vivenciarem uma situação fictícia, na qual a
menina Mik assume o lugar de professora, podemos observar o quanto a brincadeira
reflete a percepção que as crianças têm das relações humanas. Dessa forma, nos
deparamos com vários aspectos ligados à relação da criança com o mundo que está
à sua volta e que, nesse caso, é a sala de aula. A maneira como a menina Mik
segura o livro (Foto 23) é resultado do modo como ela percebe a atividade
desenvolvida pela professora. Além disso, ela inicia a leitura da história também
como a professora o fazia, dizendo, de forma enfática, o título da história:
“Cinderela” (T1). Assim, “[...] quando uma criança assume um papel em uma 30 Texto de 1977.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
190
brincadeira, por exemplo, o de professora da escola maternal, ela se conduz de
acordo com as regras latentes a essa função” (LEONTIEV, 1988, p. 133). Esse
conduzir-se segundo as regras desse lugar é tão fundamental na brincadeira que a
menina Pao (T4,T10 e T15) chama constantemente a atenção da colega Mik para
que falasse alto, pois, de acordo com as suas experiências, quando se está falando
para uma turma em sala, deve-se falar com um tom de voz que seja acessível a
todos, por isso não se deve falar baixo. Nesse contexto, é importante salientar ainda
que Leontiev (1988) não considera a situação imaginária como fator componente
inicial do brinquedo, mas como um aspecto resultante. Para esse autor, o principal
fator componente da brincadeira “[...] é a reprodução da ação ou, [...] o papel lúdico.
O papel lúdico é a ação sendo reproduzida pela criança” (LEONTIEV, 1988, p. 132).
Por isso, a menina Pao exige que a colega Mik (re)produza a ação, tal qual ela se
apresenta nas suas experiências. No entanto é preciso salientar que as brincadeiras
das crianças não são meras cópias reprodutivas das ações dos adultos, pois as
crianças deixam as marcas da sua singularidade, combinam, constroem novas
realidades. Elas imprimem suas marcas.
Desse modo, há elementos da singularidade infantil que modificam a atividade de
contar histórias. No turno 12, ao virar a página do livro e não encontrar a ilustração
referente à Cinderela dançando com o príncipe, a menina Mik diz à sua colega Pao
que rasgaram uma parte do livro. Pao responde, no turno 13, que é só no filme que
as personagens aparecem dançando. De acordo com Rocha (1997), as crianças têm
uma liberdade em relação ao real que está presente no jogo. Portanto
compreendemos que, quando Mik, por um momento, interrompe a atividade, para
dialogar com a colega sobre um trecho do livro que acreditava que estava faltando,
ela nos mostra que as crianças, quando estão realizando o jogo protagonizado,
imprimem suas marcas pessoais, conferindo, assim, originalidade aos textos, na
medida em que sua singularidade e os seus modos de compreensão da cultura
estão muito presentes na brincadeira, de tal forma que as crianças não reproduzem
o real de maneira mecânica, mas o recriam, dialogam com eles.
Para finalizar este item, no qual apresentamos eventos envolvendo: brincadeiras
diversificadas e brincadeiras com o conto de histórias pelas crianças, faremos
alguns comentários que consideramos relevantes para o fechamento deste capítulo.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
191
Inicialmente, é importante destacar que os jogos ou as brincadeiras infantis são de
natureza cultural. Isso ficou evidente nos eventos (brincadeiras) que analisamos,
cujos conteúdos, conforme vimos, eram as relações sociais que se constituem em
festa de aniversário, casamento. Ainda foi possível observar como as crianças
brincam de contar histórias, assumindo o lugar de professoras. Conforme aponta
Leontiev (1988), nos eventos analisados, constatamos que a criança se relaciona
com o mundo dos adultos brincando. Assim,
[...] na brincadeira, a criança pequena tenta agir como adulto, incorporando aspectos da cultura. Tal ação, guiada pela imaginação, resulta da necessidade da criança e seu desejo de incorporar elementos dispostos no real. Por meio da construção de cenários lúdicos e assumindo papéis sociais (personagens), as crianças se apropriam das regras social e historicamente construídas (SILVA, 2006, p. 35).
Nesse contexto, a linguagem oral é fundamental, pois as crianças, por meio dela,
organizam o jogo: nomeiam os objetos, conferindo-lhes sentidos e compartilham
esses sentidos com seus interlocutores. Um exemplo é quando a menina Bru, por
meio do gesto e da linguagem, define o sentido que as tampinhas de garrafa
tiveram na brincadeira (pipoca). Além disso, as crianças usam a linguagem oral para
definir os lugares dos participantes, levando em consideração os modos de agir dos
indivíduos retratados na brincadeira. É o caso da menina Pao que chama a atenção
da colega Mik que ocupa o lugar da professora. Assim, ao brincarem, as crianças
levam os comportamentos sociais referentes ao lugar que ocupam nas relações
sociais. Também, por isso, a menina Cam se sente tão à vontade para orientar a
professora sobre como deveria ser comportar na brincadeira. Afinal, naquele
momento, ela não era a professora, mas uma das participantes do jogo, uma
convidada da festa de aniversário e deveria, portanto, assumir a postura de uma
convidada. Em suma,
[...] a criança dirige sua atenção para a cultura: re-produz cenários da vida do grupo social, assume o lugar e os dizeres de figuras desses cenários; faz uso de objetos pertinentes à atividade humana; atende regras de relações interpessoais, de acordo com posições de prestígio e poder; explora formas de agir, valores, afetos e saberes; mais geralmente, re-conhece discursos e práticas sociais (GÓES; LEITE, 2003, p. 2).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
192
Desse modo, para ocupar diferentes lugares, a criança se apóia na cultura, ou seja,
toda a organização da ação lúdica necessita dos elementos culturais e a linguagem,
como uma produção cultural, instrumento que medeia as relações sociais é um
desses elementos que a criança faz uso durante a brincadeira. Em outras palavras,
ao ocupar lugares sociais, as crianças utilizam diferentes gêneros do discurso que
são utilizados nas esferas da atividade humana para identificar o lugar que ocupam
na brincadeira. Por isso, nesta pesquisa, nos deparamos: com a menina Bru fazendo
uso do gênero discursivo utilizado pelas mães, quando estão recebendo os
convidados da festa de aniversário de seu filho; o menino Fer utilizando um gênero
formal público, o discurso de um sacerdote, quando conduz a celebração de um
casamento; com as crianças Gab, Car e Mik assumindo as palavras da professora e
se dirigindo aos colegas que representavam seus alunos no jogo protagonizado do
mesmo modo que a professora. Assim, observamos, nesta pesquisa, que, na
brincadeira, a criança tem a oportunidade de ampliar o seu universo discursivo, na
medida em que, nele, necessita fazer uso de gêneros do discurso que não são
aqueles que usa habitualmente. Nesse sentido,
[...] o brincar é uma atividade fundamental no desenvolvimento humano porque permite à criança agir além de suas competências habituais, além de seu comportamento diário. O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal, um espaço de capacidades emergentes, colocando a criança a frente de suas condições reais de vida (SILVA, 2006, p. 36).
Concordamos com Silva (2006), pois os eventos apresentados evidenciaram que, na
brincadeira, as crianças realizavam atividades que estavam além de suas
possibilidades reais. Nesse sentido, é uma atividade que contribui para o
desenvolvimento da criança.
Os eventos apresentados também evidenciaram que a linguagem oral é um
elemento integrante da brincadeira, pois, conforme discutido, as crianças ao
assumirem diferentes lugares sociais, na brincadeira, assumiam também os dizeres
dos outros que estavam representando, fato que possibilita a ampliação do universo
discursivo da criança. Nessa direção, Rocha (1997, p. 72) postula que, na
brincadeira, “[...] é possível a formulação da linguagem em planos diversos: como
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
193
falas do papéis assumidos, como instrumento de planejamento, de negociações, de
instruções e/ou narrações”.
Assim, a linguagem integra a brincadeira. Nas análises que realizamos, também
notamos que, por meio da linguagem, as crianças organizam e constituem lugares
sociais. Elas se constituem como sujeitos, na medida em que se enunciam, se
posicionam e escolhem as estratégias do dizer levando em consideração a atividade
humana que estão vivenciando na ação lúdica.
Podemos concluir, então, que as brincadeiras se constituíram em espaço
fundamental para o desenvolvimento da linguagem oral, diferentemente do que
ocorreu nas rodas de conversa, onde as crianças tinham poucas oportunidades de
se constituírem como sujeitos, pois havia um grande direcionamento por parte das
professoras no sentido de levá-las a reproduzir, por exemplo, o discurso instituído na
sociedade ou de identificar os sentidos contidos no texto escrito.
Apesar dessas situações, as brincadeiras se revelaram como um importante espaço
para que as crianças se constituíssem como produtoras de linguagem, enunciando-
se de diferentes lugares sociais. Nesse sentido, na brincadeira, a criança
experimenta diferentes situações com as quais necessita fazer uso da linguagem
para se constituir como sujeito das mais diversas ações lúdicas.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
194
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inserção no interior das práticas com a linguagem oral em uma instituição de
ensino infantil nos proporcionou o contato com desafios que integram o complexo
universo de significações que atravessam nosso olhar investigativo. Seguindo o
postulado teórico bakhtiniano que concebe a linguagem como constituída por fatores
de ordem econômica, social, política, cultural e ideológica, pois “[...] cada época e
cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-
ideológica” (BAKHTIN, 2004, p. 43), fomos impulsionada a buscar a compreensão
dos sentidos constituídos pelas crianças e pelas professoras.
Nesse sentido, descortinar o trabalho pedagógico realizado com a linguagem oral
em uma instituição de ensino infantil do Sistema Municipal de Vitória, ES, foi uma
tarefa árdua, mas que não se revelou impossível. Para isso, foi necessário ter
clareza de que a linguagem oral aparece vinculada às atividades que eram
desenvolvidas nos diversos espaços da instituição. Desse modo, estivemos atenta
às atividades que eram desenvolvidas, nas quais a linguagem oral aparecia com
maior intensidade. Assim, motivada pela busca da compreensão a respeito de como
se desenvolviam os processos de constituição de sentidos pelos sujeitos, por meio
da utilização da linguagem oral, nos inserimos em quatro turmas com crianças de
dois a seis anos.
Após a organização dos dados coletados, definimos as duas principais categorias de
análise: a roda de conversa e as brincadeiras realizadas pelas crianças. Optamos
por um percurso analítico que focalizou as interações verbais, pois, com base na
concepção bakhtiniana de linguagem, acreditamos que a interação verbal é a
realidade fundamental da linguagem. Nesse sentido, compreendemos, conforme
postula Brait (2003), que a interação é um fenômeno sociocultural que integra o
processo de comunicação. Sendo assim, é o espaço no qual acontece a produção
de sentidos, envolvendo elementos lingüísticos e discursivos que possibilitam a
observação e a análise. Ainda segundo essa perspectiva, “[...] os falantes não só
trocam informações e expressam idéias, mas, também, durante o diálogo, constroem
juntos o texto, desempenhando papéis que, exatamente como numa partida de um
jogo qualquer, visam a atuação sobre o outro” (BRAIT, 2003, p. 222).
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
195
De maneira geral, nas rodas de conversa, o dizer das crianças era dirigido pelas
professoras, ora para a reprodução dos sentidos veiculados pelo texto escrito,
quando a roda era organizada para a leitura de histórias e conversas, ora para a
reprodução de sentidos presentes no discurso pedagógico, fato que resultou na
desconsideração, na maior parte das vezes, da fala das crianças. A não
consideração do dizer das crianças reduziu bastante as possibilidades de
constituição de sentidos e de interação com o outro por meio do texto oral.
Nessas circunstâncias, essas implicações foram agravadas devido à ênfase na
leitura como reprodução de sentidos e/ou decodificação. Nessas rodas de
conversas, havia, por parte da professora, uma preocupação com a avaliação das
falas das crianças, levando-as a fazer um reconhecimento dos sentidos presentes
no texto lido. Para isso, fazia uso do padrão discursivo muito comum em sala de
aula o discurso triádico, denominado IRA, que se caracteriza pela conversação
didática e/ou aferição das respostas das crianças durante o diálogo. Assim, nesse
tipo de discurso, conforme ficou evidenciado nas análises, a polissemia era contida.
Dessa forma, nesse contexto interlocutivo, o trabalho que poderia ser de produção
se circunscreveu ao exercício de reprodução de enunciados.
Entretanto, apesar de haver controle da polissemia, as crianças não se assujeitam
todo o tempo, elas se enunciam e se constituem como sujeitos na interação verbal.
Nesse sentido, deparamo-nos com algumas interações verbais, como é o caso da
roda de conversa em que se discutiu a existência de Papai Noel, na qual, as
crianças se posicionaram, tentaram negociar com a professora os rumos da
interação verbal, confrontando os saberes e as crenças. No entanto, houve certa
resistência por parte da professora em promover o discurso polêmico.
Desse modo, ficou evidenciado, nas análises das rodas de conversas, que há
dificuldades, por parte das professoras, de se colocarem, nessa atividade, numa
posição que possibilite, efetivamente, o diálogo. No entanto acreditamos que as
dificuldades em relativizar a assimetria do discurso pedagógico, de forma que seja
possível escutar as crianças, dar-lhes voz no diálogo, não deve ser vista como um
problema enfrentado apenas pelas docentes que participaram do estudo. É preciso
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
196
considerar que o professor é um profissional que “[...] tem características forjadas
pelo tempo, pela sociedade e pelas relações” (BOCK, 2000, p. 24). Em outras
palavras, existem fatores de ordem política, econômica, social, histórica e cultural
que influenciam diretamente as experiências das professoras no trabalho com a
linguagem.
Talvez a possibilidade de compreensão das concepções que orientam a ação
pedagógica e, conseqüentemente, o entendimento da linguagem numa perspectiva
dialógica, possa contribuir para que a sala de aula dê
Continuidade ao diálogo que as crianças já fazem com a realidade [...] ampliando as suas redes de conhecimento, alargando as suas sensibilidades, respondendo a algumas perguntas e criando outras [...]. O texto não parte somente da sala de aula: o texto entra na classe primeiramente nas vozes dos alunos, da professora, deixando à mostra seus conhecimentos, suas origens (GOULART, 2005, apud PIFFER, 2006, p. 315).
Nesse sentido, defendemos que o redimensionamento das concepções de
linguagem e de sujeito pode ser o ponto de partida para mudanças necessárias no
trabalho educativo. Para isso, acreditamos que é necessário pensar a formação do
professor como um processo que promova a “[...] sua própria humanização para
além do senso comum e que, na qualidade de membro atuante na sociedade, possa
colaborar com a transformação social, a qual tem como pressuposto a
transformação da sua própria consciência” (FACCI, 2004, p. 250). Acreditamos que
uma formação sólida possibilitará, inclusive, que as professoras tenham elementos
para avaliar criticamente as prescrições contidas em documentos oficiais, pois,
conforme vimos, as professoras se apropriam das indicações sobre o trabalho com a
linguagem oral nas rodas de conversas apontadas pelo RCNEI, sem observar
problemas que levam a continuar a tratar as relações entre linguagem oral e
linguagem escrita em uma perspectiva dicotômica, desconsiderando que ambas são
modalidades de utilização da língua.
Na análise que realizamos sobre “A linguagem oral como elemento integrante da
brincadeira”, deparamo-nos com uma situação diferenciada. Nesse contexto,
tivemos a oportunidade de observar as crianças em situações em que não havia
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
197
controle dos sentidos, o que abriu a possibilidade de elas se enunciarem e,
conseqüentemente, se constituírem como sujeitos produtores de linguagem. Desse
modo, os dados apresentados na análise dessa categoria evidenciaram que, na
brincadeira, a criança assume diferentes lugares sociais e, para isso, necessita fazer
uso da linguagem para identificação dos objetos (que ganharam outros sentidos na
brincadeira) e dos lugares sociais representados. Também ela é usada para
influenciar o comportamento alheio (dos parceiros na brincadeira).
Desse modo, segundo Rocha (1997), na brincadeira, a linguagem permite à criança,
a adesão e o distanciamento do real, pois, conforme análise apresentada, quando
brinca, a criança estrutura os textos da brincadeira a partir de elementos da
realidade. No entanto, a realidade, no jogo protagonizado, não é reproduzida de
maneira mecânica, ela é reelaborada, reconstituída pela criança que imprime suas
marcas pessoais, sua subjetividade. Além disso, a linguagem, como mediadora das
relações humanas e constitutiva das subjetividades das crianças, está presente na
brincadeira. No evento no qual Bru brinca de festa de aniversário, por exemplo, a
menina fala de sua vida, de seus dilemas pessoais com relação à violência presente
na comunidade onde vive. Assim, na brincadeira, conforme evidenciado, as crianças
vivenciam movimentos interdiscursivos que possibilitam a constituição de suas
subjetividades. Por isso, foi possível observar, nas brincadeiras analisadas, que, ao
vivenciar outros lugares sociais, as crianças assumem os dizeres destes, assimilam
a palavra alheia, quando “[...] reiteram a voz [....] de [pessoas] representadas, em
enunciados típicos [...] que por sua vez ecoam outros dizeres coletivos que circulam
na cultura” (GOES; LEITE, 2003, p. 3). Em outras palavras, nesse movimento
discursivo que acontece na brincadeira, as crianças vivenciam encontros,
desencontros, busca de compreensão de sentidos, construção/instauração de
sentidos num movimento interativo de “[...] incorporação/apropriação/objetivação da
palavra que poderíamos caracterizar como eco/empréstimo da fala do outro”
(SMOLKA, 1991, p. 63). O “eco” da palavra do outro, no discurso das crianças,
materializa-se na utilização de diferentes gêneros do discurso (o discurso da mãe,
do padre, da professora e de outros).
As crianças, ao assumirem diferentes lugares sociais, na brincadeira, conforme
vimos, agem segundo as regras sociais referentes a esses lugares. Desse modo,
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
198
“[...] o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal, um espaço de
capacidades emergentes, colocando a criança à frente de suas condições reais de
vida” (SILVA, 2006, p. 36). Esse fato que ficou evidente nos eventos apresentados,
quando as crianças assumiram, nas brincadeiras, os lugares de mãe, de padre e de
professora, realizando, assim, atividades que não desenvolvem no seu dia-a-dia. Por
isso, concordamos com Silva (2006, p. 36), quando afirma que “[...] o brincar é uma
atividade fundamental no desenvolvimento humano porque permite à criança agir
além de suas competências habituais, além de seu comportamento diário”. Nesse
sentido, os eventos analisados evidenciaram que as brincadeiras realizadas pelas
crianças se revelaram como uma atividade extremamente importante para o
desenvolvimento da sua linguagem oral. Nelas, as crianças têm a possibilidade de
se constituírem como sujeitos produtores de linguagem.
Consideramos que o professor pode garantir espaços de mediação que encorajam o
desenvolvimento das brincadeiras ou a sua interdição/inibição. Entretanto, nos
eventos apresentados, não houve, por parte das professoras, um impedimento das
atividades lúdicas, ao contrário, ocorreram situações em que elas as incentivaram. É
o caso das professoras da Turma 1 que colaboraram na atividade de conto de
histórias pelo menino Gab ou, ainda, a professora da Turma 4 que atendeu ao
pedido das crianças para a organização do casamento.
Apesar disso, observamos que as brincadeiras ocorriam entre uma atividade e outra.
Isso revela que existe o “[...] ideário de que a experiência lúdica não é produtiva e,
por isso, o seu tempo e espaço, no planejamento pedagógico, são restritos em
relação às atividades escolares conteudísticas” (SILVA, 2006, p. 60). No entanto as
análises realizadas, neste trabalho, evidenciaram que as brincadeiras são atividades
fundamentais para o desenvolvimento da criança. Por isso, é preciso que essa
atividade tenha um espaço efetivo nas instituições educativas. Nesse contexto, é
necessário ressaltar que concordamos com Fontana e Cruz (1997, p. 139), quando
postulam que
Brincar é, sem dúvida, uma forma de aprender, mas é muito mais que isso. Brincar é experimentar-se, relacionar-se, imaginar-se, expressar-se, compreender-se, confrontar-se, negociar, transforma-se, ser. Na escola, a despeito dos objetivos do professor e de seu controle, a
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
199
brincadeira não envolve apenas a atividade cognitiva da criança. Envolve a criança toda. É prática social, atividade simbólica, forma de interação com o outro [...]. Quando perde sua dimensão lúdica, sufocada por um uso didático que a restringe a seu papel técnico, a brincadeira esvazia-se.
Dessa maneira, quando apontamos que as brincadeiras contribuem para o
desenvolvimento das crianças e que é necessário que tenham espaço privilegiado
na Educação Infantil, não estamos querendo dizer que as professoras devem utilizá-
las como recurso didático para o ensino de diferentes conteúdos, sob pena de as
brincadeiras perderem o seu significado. Dito de outra forma, as brincadeiras
precisam ter um lugar privilegiado no currículo da Educação Infantil. Seu lugar deve
ser garantido não como um elemento que ocupe lugar entre uma atividade e outra,
mas como uma atividade de extrema importância para o desenvolvimento da
linguagem. Nesse sentido, as professoras, ao invés de dirigirem as brincadeiras,
podem integrar-se a elas como alguém que, juntamente, com as crianças, assume
um lugar na brincadeira. É o caso da professora da Turma 3 que aceita o lugar de
convidada na festa de aniversário ou ainda a professora da Turma 4 que age como a
organizadora do casamento.
Sem qualquer pretensão de esgotamento do tema, mas certa de que este trabalho
poderá contribuir com as discussões sobre a linguagem oral, “fechamos” este
trabalho, pois [...] teoricamente, o objeto é inesgotável, porém, quando se torna tema de um enunciado [...], recebe um acabamento relativo, em condições determinadas, em função de uma dada abordagem do problema, do material, dos objetivos por atingir, ou seja, desde o início ele estará dentro dos limites de um intuito definido pelo autor (BAKHTIN, 2000, p. 300
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
200
7 REFERÊNCIAS
ANGOTTI, Maristela. O trabalho docente na pré-escola: revisitando teorias, descortinando práticas. São Paulo: Thomsom Pioneira, 1994. BAJTIN, Mijail M. Hacia uma filosofia Del acto ético: de los borradores y otros escritos. Puerto Rico: Antropos, 1997. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
______. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BARBOSA, Maria Carmen Silveira. A rotina nas pedagogias da educação infantil: dos binarismos à complexidade. Disponível em: <http://www.ced.UFSC.br/~nee o a 6/tlica.PDF>. Acesso em: 24 maio 2007. BARBOSA, Marli de Souza. O lugar da discussão oral argumentativa na sala de aula: uma análise enunciativo-discursiva. 2001. 226 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2001. BARROS, Diana Luz Pessoa. Dialogismo, polifonia e enunciação. In: BARROS, Diana Luz Pessoa.; FIORIN, José Luiz. Dialogismo, polifonia, intertextualidade. São Paulo: Edusp, 2003. p. 1-9. BAUM, William M. Compreendendo o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. BOCK, Ana Mercês Bahia. As influências do Barão de Müncchhausen na psicologia da educção. In: TANACHI, Elenita de Rício; ROCHA, Marisa Lopes da; SOUZA, Marilene Proença Rebello de. Psicologia e educação: desafios teórico-práticos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. p. 11-33. BOGDAN, Robert.; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação. Porto: Portugal, 1994. BRAIT, Beth. O processo interacional. In: PRETI, Dino. Análise de textos orais. São Paulo: Humanitas, 2003. p. 215-244. ______. Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP: Editora
Unicamp, 2005.
BRAIT, Beth; MELO, Rosineide de. Enunciado/enunciado concreto/enunciação. In: ______. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 61-78.
BRAGGIO, Silvia Lúcia Bingojal. Leitura e alfabetização: da concepção mecanicista à sociolingüística. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
201
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC, 1998. 3 v. BRITO, Ângela Coelho de. As rodinhas na creche: uma perspectiva de investigação do movimento discursivo das crianças de 4 e 5 anos. Trabalho escrito para a 28ª Reunião Anual da ANPED (16-19 outubro). Caxambu, MG, 2005. CERQUEIRA, Ana Teresa de Abreu Ramos. Interação mãe-criança: contribuição aos estudos de aquisição da linguagem. 1986. 494 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1986. CHARTIER, Roger. A aventura do livro do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP, 1999. CÔCO, Valdete. Educação infantil: revisitando algumas questões no cenário do pertencimento aos sistemas de ensino. Cadernos de Pesquisa em Educação, Vitória: PPGE – UFES, v. 11, n. 22, p. 158-184. jul./dez. 2005. ELKONIN, Daniil B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ELLIOT, Alison J. A linguagem da criança. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1981.
FACI, Marilda Gonçalves Dias. A periodização do desenvolvimento psicológico individual na perspectiva de Leontiev, Elkonin e Vigotski. Cadernos Cedes, Campinas: SP, n. 24, n. 62, p. 64-81, 2004a.
______. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Campinas, SP: Autores Associados, 2004b. FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia C.V.O.; AQUINO, Zilda G.O. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 2005. FERREIRA, Gláucia de Melo (Org.). Palavra de professor(a): tateios e reflexões na prática Freinet. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003. FONTANA, Roseli Cação; CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual Editora, 1997. FREITAS, Maria Teresa de Assunção. A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Autores Associados, n. 116, p. 21-39, jul. 2002. GERALDI, João Wanderlei. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
202
GERALDI, João Wanderlei. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006. ______. Da redação à produção de textos. In: GERALDI, João Wanderley; CITELLI, Beatriz. Aprender e ensinar com textos. São Paulo: Cortez, 1997. p. 17-24. GÓES, M.C.R.; LEITE, A. Cognição e imaginação: elaboração do real pela criança e as práticas de educação infantil. Trabalho escrito para o II Encontro Internacional Linguagem, Cultura e Cognição – reflexões para o ensino (16-18 julho). Faculdade de Educação / UFMG, Belo Horizonte, 2003.
HUBERT, Laura Beatriz Spanivello. Rupturas da linearidade em narrativas orais. 2002. 134 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, 2002. KLEIN, Lígia Regina. Construtivismo piagetiano: considerações críticas à concepção de sujeito e objeto. In: DUARTE, Newton. Sobre o construtivismo. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 2000. p. 63-86. KRAMER, Sônia. Profissionais de educação infantil: gestão e formação. São Paulo: Ática, 2005. ______. Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1994.
______. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 1995. ______. Questões teórico-metodológicas da pesquisa com crianças. Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n.1, p. 41-64, jan./jul. 2005.
KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1969.
LABOV, William. Le parler ordinaire. Paris: Les Editions de Minuit, 1993.
LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1999. LEONTIEV, A.N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: VIGOTSKI, L.S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone Editora, 1988. p. 119-142. ______. Artículo de introducción sobre la labor creadora de L. S. Vygotski. In: VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas I. Madri: Visor, 1997. p.419-450.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
203
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MACHADO, Irene. Gêneros discursivos. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 151-166. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 2006. ______. Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003. ______. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2007.
MONTEIRO, M. A. A.; TEIXEIRA, O. P. B. O discurso do professor: uma proposta metodológica de análise das interações em sala de aula. Trabalho escrito para o II Encontro Internacional Linguagem, Cultura e Cognição – reflexões para o ensino (16-18 julho). Faculdade de Educação / UFMG, Belo Horizonte, 2003. ORLANDI, Eni Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. São Paulo: Editora Pontes, 1996. PAIVA, Vanilda. Desmistificação das profissões: quando as competências reais moldam as formas de inserção no mundo do trabalho. Contemporaneidade e educação, Rio de Janeiro, IEC, IEC, n. 1, ano II, maio/1997. PFEIFFER, Claudia Castellanos. O leitor no contexto escolar. In: ORLANDI, Eni Puccinelli. A leitura e os leitores. Campinas, SP: Pontes, 2003. p. 87-137. PIFFER, Maristela Gatti. O trabalho com a linguagem escrita na educação infantil. 2006. 373 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória: ES, 2006.
PINO, Angel. As marcas do humano: as origens da constituição cultural da criança
na perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005.
PRIORE, Mary Del (Org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto,
2004. ROCHA, Maria Silvia P. M. Librandi da. O real e o imaginário no faz-de-conta: questões sobre o brincar no contexto da Pré-Escola. In: GOES, Maria Cecília; SMOLKA, Ana Luiza Bustamante (Org.). A significação nos espaços educacionais: interação social e subjetivação. Campinas, SP: Papirus Editora, 1997. p. 63-86.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
204
SARMENTO, Manuel Jacinto. Sociologia da infância: correntes, problemas e controvérsias. Sociedade e Cultura 2, Braga, v. 13, n. 2, p. 145-164. 2000.
_______ .Estudo de caso etnográfico em educação. In: ZAGO, Nadir; CARVALHO, Marília Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira. Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
______. Gerações e alteridade: interrogações a partir da Sociologia da Infância. Educação & Sociedade, Campinas, n. 91, v. 26, p. 361-378, maio/ago 2005.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. Campinas: Autores Associados, 2002. ______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, trabalho e cidadania: a educação brasileira e o desafio da formação humana no atual cenário histórico. São Paulo em Perspectiva, São Paulo: Fundação Seade, v. 14, n. 2, p. 65-71. abr./jun. 2000. SILVA, Daniel Nunes Henrique. Imaginação, criança e escola: processos criativos na sala de aula. 2006. 142 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2006. SHIROMA, Oto Eneida; CAMPOS, Fátima Rosalene. Qualificação e reestruturação produtiva: um balanço das pesquisas em educação. Educação & Sociedade, Campinas, SP: Cedes. n. 61, p. 13-35 dez. 1997. SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 11-36. SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concreto. São Paulo: Humanitas, 2002. SOUZA, Solange Jobim. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamim. Campinas: Papirus, 1995. STELLA, Paulo Rogério. Palavra. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 177-200.
STUTTERHEIM, Von; KLEIN, Wolfgang. Referencial movement in descriptive and
narrative discourse. In: DIETRICH, R; GRAUMANN (org.) Language processing in
social context. Amsterdam: North-Holland, 1989.
TULESKI, Silvana Calvo. Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. Maringá: Ed. UEM, 2002.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
205
VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
______. Obras escogidas IV. Madri: Visor, 1932-1996.
______. Obras escogidas III. Madri: Visor, 1931-1993.
______. Obras Escogidas III. Madri: Visor, 2000.
______. La imaginación y el arte la infância. Madrid: Akal Básica de Bolsillo, 2003. VOESE, Ingo. Análise do discurso e o ensino de língua portuguesa. São Paulo: Cortez, 2005.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
206
APÊNDICES
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
207
APÊNDICE A - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO I
Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresenta-se aos profissionais
(sujeitos da pesquisa) do ............................, unidade da Rede Municipal de Ensino
de Vitória-ES, o projeto de pesquisa “O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL NA
EDUCAÇÃO INFANTIL”, de autoria da mestranda Dania Monteiro Vieira Costa,
como recomendação para a realização do Mestrado em Educação do Programa de
Pós-Graduação em Educação – PPGE, da Universidade Federal do Espírito Santo –
UFES.
O objetivo da pesquisa é investigar o trabalho com a linguagem oral em classes de
crianças de dois a seis anos da Educação Infantil, apontando as situações
enunciativas em que ocorrem. Como instrumentos de pesquisa, serão utilizados
formulários para análise de documentos, para realização de entrevistas e
observação participante em sala de aula com gravações em vídeo e registros em
diário de campo. Solicitaremos às famílias consentimento para participação das
crianças na pesquisa com esclarecimentos sobre o tratamento ético dos dados. O
trabalho será realizado a partir de negociações com os sujeitos e os resultados
serão disponibilizados aos interessados durante e após o relatório final que será
apresentado na dissertação com possibilidade de publicação.
Vitória, abril de 2005.
DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA
Nome do profissional Função Assinatura Telefone
Professora
Professora
Professora
Professora
Pedagoga
Diretora
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
208
APÊNDICE B - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO II
Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresenta-se aos pais/responsáveis das crianças/sujeitos da turma ......... do ......................................, o projeto de
pesquisa “ O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL”,
de autoria da mestranda Dania Monteiro Vieira Costa, como recomendação para a
realização do Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
O objetivo da pesquisa é investigar o trabalho com a linguagem oral em classes de
crianças de dois a seis anos da Educação Infantil, apontando as situações
enunciativas em que ocorrem.
Desse modo, a pesquisa será realizada na sala de aula, por meio da observação
participante, com gravações em vídeo, entrevistas e registros em diário de campo.
Para garantir o tratamento ético dos dados, o nome da escola será mantido em
sigilo. Serão utilizadas apenas as iniciais dos nomes das crianças e as filmagens
serão efetuadas sem comprometimento da ação educativa, preservando, sobretudo,
a integridade do grupo. Os dados (filmagens, fotos e entrevistas) /resultados da
pesquisa serão apresentados na dissertação e poderão ser utilizados para
publicação. Por isso, solicitamos sua autorização por meio da assinatura deste
consentimento.
Eu,________________________________________________________________,
responsável pelo aluno(a) ____________________________________________,
do........... autorizo sua participação no projeto de pesquisa “O TRABALHO COM A
LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL” de autoria da mestranda Dania
Monteiro Vieira Costa, do PPGE/UFES, concordando com os procedimentos acima
apresentados.
Assinatura: ________________________________________RG:_______________
Vitória,_______ de_____________ 2006.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
209
APÊNDICE C - ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA
ESCOLA
Instrumento de pesquisa a ser utilizado para coletar informações destinadas à
escola-campo.
1. Nome da escola:___________________________________________________ 2. Fundação:________________________________________________________ 3. Endereço:________________________________________________________ 4. Dados da comunidade:______________________________________________ ___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5. Bairros de origem da clientela:________________________________________ 6. Aspecto Físico: a) Número de salas de aula: ____________________________________________
b) Condições das salas de aula: _________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
c) Possui biblioteca?____________ Condições de funcionamento:______________
___________________________________________________________________
d) Possui sala ambiente? _______________ Quais? _________________________
___________________________________________________________________
e) Possui sala de professores, sala de direção, coordenação pedagógica,
secretaria?___________________________________________________________
f) Possui refeitório?____________________________________________________
Possui área livre? Parquinho? Como são utilizados?__________________________
Organização das turmas:
a) Média de alunos por turma: ___________________________________________
b) Número de alunos por turno: Matutino:____________ Vespertino:_____________
c) Número de turmas por turno: Matutino:____________ Vespertino:____________
d) Organização das turmas: Matutino Vespertino
0 a 2 anos: _______ ________
3 anos: _______ ________
4 anos: _______ ________
5 anos: _______ ________
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
210
6 anos: _______ _________
Recursos humanos:
Número de professores por turno: Matutino:__________ Vespertino:____________
Composição do corpo técnico-administrativo:_______________________________
___________________________________________________________________
Faxineiras e merendeiras:______________________________________________
Pessoal de apoio: ____________________________________________________
Recursos materiais:
a) Tipo de material pedagógico existente na escola: _________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
b) Recursos audiovisuais:______________________________________________
___________________________________________________________________
Rotina escolar:
a) A chegada das crianças na escola:_____________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
b) O recreio:_________________________________________________________
___________________________________________________________________
c) O momento da saída: _______________________________________________
___________________________________________________________________
d) Outras atividades: __________________________________________________
___________________________________________________________________
e) Eventos: _________________________________________________________
___________________________________________________________________
Usos da escrita no ambiente escolar:
Espaços destinados à circulação de material escrito:_________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
b) Por quem e para que são utilizados esses espaços: _______________________
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
211
c) São aproveitados como recurso pedagógico? Como?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
12. Histórico da escola: ________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
212
APÊNDICE D - FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS SALAS DE
AULA/TURMAS
Aspecto físico:
Dimensão espacial: ___________________________________________________
Mobília:_____________________________________________________________
Há ambientes específicos na sala de aula? Quais? __________________________
___________________________________________________________________
Materiais escritos expostos:_____________________________________________
A turma:
Número de alunos: Meninas: _____________ Meninos:_______________________
Forma de organização da turma:_________________________________________
___________________________________________________________________
Números de crianças ingressantes este ano: _______________________________
Sobre a organização do trabalho coletivo:
Há regras para orientar o trabalho e a organização diária: _____________________
São explicitadas? Como?_______________________________________________
___________________________________________________________________
São cobradas? Como? ________________________________________________
A rotina diária:
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
213
APÊNDICE E - ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS
CRIANÇAS
Nome da criança:_____________________________________________________
Endereço completo:___________________________________________________
___________________________________________________________________
Dados pessoais: Data de nascimento: _______/______/_______ Sexo: _______________________ Idade: _______________________ (especificar meses) Algum problema de saúde? Qual? _______________________________________
Dados da vida escolar: a) Já estudou? ( ) Sim ( ) Não Onde e quanto tempo:_________________________________________________
Programas favoritos:
Rádio: _____________________________________________________________
TV:________________________________________________________________
Outro(s): ___________________________________________________________
Diversão preferida da criança:___________________________________________
Dados familiares:
a) Pessoas que moram com a criança:____________________________________
___________________________________________________________________
b) Pai:______________________________________________________________ Profissão:___________________________________________________________ Trabalho atual:_______________________________________________________ Renda mensal:_______________________________________________________ Grau de instrução:____________________________________________________ Mãe:_______________________________________________________________
Profissão:______________________________________________________ Trabalho atual:__________________________________________________ Renda mensal:__________________________________________________ Grau de instrução:_______________________________________________
Responsável:________________________________________________________ Profissão: _____________________________________________________ Trabalho atual: _________________________________________________ Renda mensal: _________________________________________________ Grau de instrução: ______________________________________________
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
214
Número de irmãos:
Nenhum irmão ( )
Um irmão ( )
Dois irmãos ( )
Três irmãos ( )
Mais de três irmãos ( )
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
215
APÊNDICE F - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS
Instrumento a ser utilizado para coletar informações para a caracterização das
professoras das turmas envolvidas no estudo.
1. Sexo: masculino ( ) feminino ( )
2. Idade:
Abaixo de 25 anos ( )
Entre 26 e 30 anos ( )
Entre 31 e 35 anos ( )
Entre 36 e 40 anos ( )
Mais de 40 anos ( )
3. Você trabalha em:
Uma só escola ( )
Duas escolas ( )
Três escolas ou mais ( )
Outra situação: _______________________________________________________
Nessa escola você é:
Profissional efetivo ( )
Profissional contratado ( )
Profissional com designação temporária ( )
Outra situação funcional: _______________________________________________
Há quanto tempo trabalha nessa escola?__________________________________
Além de trabalhar nessa escola, você exerce outra atividade profissional? Qual?
___________________________________________________________________
Sua formação acadêmica está em nível:
( ) Médio
( ) Licenciatura curta
( ) Licenciatura plena
( ) Pós-graduação/aperfeiçoamento ( menos de 360 horas)
( ) Pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)
( ) Mestrado
Outros: _____________________________________________________________
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
216
4. Sua experiência como professor (a) é
( ) Abaixo de 2 anos
( ) Entre 3 e 5 anos
( ) Entre 6 e 7 anos
( ) Entre 8 e 10 anos
( ) Acima de 10 anos
5. Sua experiência profissional foi adquirida:
( ) Na docência na educação infantil
( ) Na docência em nível fundamental (1ª a 4ª séries)
( ) Na docência em nível fundamental (5ª a 8ª séries)
( ) Na docência em nível médio
( ) Na docência em nível superior
( ) Em funções técnicas de ensino
6. Participa e/ou participou de cursos que tenham contribuído com sua formação?
Cite três cursos, por ordem de relevância, indicando a carga horária correspondente:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
7. É vinculado(a) à sindicato? ______________ Qual(is)? ____________________
8. Assina jornais, revistas, periódicos? ___________________________________
9. Participa de congressos, seminários ou encontros similares?
( ) Sempre.
( ) Às vezes.
( ) Nunca.
10. Suas atividades culturais mais freqüentes:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
217
11. Suas leituras mais comuns:__________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
12. Há quanto tempo exerce atividade docente na Educação Infantil:____________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
É uma opção sua? Por quê?____________________________________________
___________________________________________________________________
13. Como você concebe a produção de textos orais na Educação Infantil?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
14. Em qual referencial teórico você se apoia para efetivar o trabalho com a
linguagem oral na sala de aula? ______________________________________
________________________________________________________________
15. Quais materiais teórico-práticos você consulta para orientar esse trabalho?
( ) Livros. Citar os mais consultados: ____________________________________
( ) Revistas. Quais? _________________________________________________
___________________________________________________________________
( ) Livros didáticos. Quais os preferidos?_________________________________
___________________________________________________________________
( ) Referencial Curricular Nacional.
( ) Material do PROFA.
( ) Diretrizes Municipais.
( ) Projeto da escola.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
218
Outros: _____________________________________________________________
___________________________________________________________________
20. Para você, o que é linguagem?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
21. Em sua opinião, quais são as funções da linguagem?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
22. Quais gêneros textuais são mais utilizados por você no trabalho com a
linguagem oral na sala de aula? Por quê? ________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
23. Em sua opinião, qual é o papel da Educação Infantil para o desenvolvimento da
criança?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
219
APÊNDICE G - FOLHA DO DIÁRIO DE CAMPO
O diário de campo será utilizado para registo das observações realizadas em sala de
aula.
Escola: _____________________________________________________________
Data: __________________________________________________________ Período de observação (horário):
____________________________________
Observações:
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
220
APÊNDICE H - Levantamento dos Eventos observados nas turmas de Berçário II,
Maternal, Jardim II e Pré
Período: 29-5-2007 a 7-12-2007
Levantamento de Eventos gravados em VCD da Turma de Berçário II
Turma Data Eventos Berçário II
29-5-2006 1-Atividades de Artes Plásticas
2-Roda de conversa para a leitura do texto do cartaz: Era
uma vez os “Três Porquinhos”
3-Encenação com as crianças da história dos “Três
Porquinhos”
Berçário II
30-5-2006 4-Chamada
5- Ouvindo um CD com a história dos “Três Porquinhos”
6- Roda de conversa sobre a história dos Três
Porquinhos”
7- Produção de um cartaz com as casinhas dos “Três
Porquinhos”
Berçário II
6-6-2006 8-Crianças brincando no pátio
9-Roda de conversa: relembrando a história dos “Três
Porquinhos”
10- Pintura da casinha dos “Três Porquinhos”
Berçário II
7-6-2006
11-As crianças assistindo a um vídeo com a história dos
“Três Porquinhos”
12-Roda de conversa – “História do Macaquinho”
13-Aluno Gabriel contando história
14-A professora ensina os nomes das figuras geométricas
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
221
Berçário II
12-6-2006 15-Roda de conversa – CD com a história de
“Chapeuzinho Vermelho”
16-Professora ensinando cantigas de roda
17-Alunos brincando de dançar
Berçário II
14-6-2006 18-Roda de conversa – a professora contando a história
de “Chapeuzinho Vermelho”
19-As professoras encenam a história de “Chapeuzinho
Vermelho”
20- Brincadeira _ produção de docinhos para colocar na
cestinha de “Chapeuzinho Vermelho”
21-Produção de um cartaz com a receita do docinho
Berçário II
20-6-2006 22-Roda de conversa – história sobre higiene – vonversa
sobre a importância da higiene pessoal
23- Gabriel contando história
Levantamento de Eventos gravados em VCD da Turma do Maternal
Turma Data Eventos Maternal
7-7-2006
24--Ensaio para a quadrilha
25-Artes Plásticas – ensinando os nomes das cores _
pintura de bandeirolas
25- Roda de Conversa – a estagiária Jaqueline contando a
história “O sanduíche de Dona Maricota”
26- Roda de Conversa – a professora conversa com os
alunos sobre o que eles gostariam de colocar no
sanduíche
Maternal 11-7- 2006
27-Roda de conversa – música “Se eu fosse um peixinho”
28- Crianças contando história (Car, Luc, Ram e Rua)
29- Roda de conversa – a estagiária contando história
sobre “O Macaco que queria brincar”
30- Car e Luc contando a história que Jaq havia terminado
de contar
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
222
31- Chamada – mostra as fichas com os nomes das
crianças para que elas identifiquem e coloquem na parede
32- Roda de conversa – Canta a música “Se essa rua
fosse minha” – depois conversa com as crianças sobre
quem elas gostaria que passasse na rua que elas tinham
colocado pedrinhas de brilhantes
Maternal 25-7-2006 33- Chamada
34- Atividade de artes plásticas – pintando a “fogueirinha”
35- Roda de conversa – leitura de texto sobre informativo
sobra a Festa Junina
36- Roda de conversa – o que tem na festa junina?
37- Atividade de artes plásticas – colando pedrinhas na
rua
Maternal 26-7-2006
38-chamada
39- Atividade de artes plástica – as crianças fazendo
pipocas com papel crepom para colar na sacola de pipoca
Maternal 27-7-2006 40-Atividade de artes plásticas – montagem de uma igreja
no papel cartão com palitos de picolé
Maternal 31-7-2006
41-Chamada
42-Roda de conversa – a professora perguntava as
crianças o que tinha na quadrilha
Maternal 2-8-2006
43-Chamada
44-Professora contando história “A cesta de Dona
Maricota”
45-Ingrid, Rua, Jos e Luc contando história;
46-Crianças brincando
47-Roda de conversa – a professora mostra ilustrações de
frutas e pergunta o nome delas.
48-Roda de conversa – perguntas sobre a história “A
cesta de Dona Maricota”
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
223
Maternal 03-8-2006
49-Chamada
50-Roda de conversa – a professora perguntando quais
frutas a Dona Maricota comprou na feira
51-A professora ensina a música “Meu limão... meu
limoeiro” – entrega uma folha com a música e pede às
crianças que desenhem um limão
Maternal 08-8-2006 52-A estagiária Jaq entrega para as crianças uma
parlenda que falava de batata e pede que as crianças
pintem a batata que ela desenhou logo abaixo da parlenda
53-Crianças brincando
54-Jaq cola numa cartolina a quadrinha (Batatinha) e lê
para as crianças
55-Crianças brincando
Maternal 11-8-2006 56-Roda de conversa – Jaq apresenta para as crianças
uma peneira e explica para que ela serve – a professora
mostra aos alunos um milho verde e milho maduro – ela
mostra alguns produtos que são derivados do milho
(canjiquinha, canjicão, milho de pipoca, fubá) – conversa
com os alunos sobre os alimento que são feitos com
esses produtos
57-A professora pedindo o aluno Rua para pedir mais
milho a cozinheira da escola
58-Atividade de artes plásticas – colagem de milho em um
papel com formato de milho
59-Crianças contando história
60-Crianças brincando.
Maternal 18-8-2006 61-Crianças brincando
62-Roda de conversa – música “Se eu fosse um peixinho”;
63- Professora fazendo com os alunos uma atividade de
colagem de milho, arroz e feijão num papel ofício com
algumas figuras geométricas (quadrado, círculo e
triângulo)
64-Crianças brincando (meninas brincando de casinha)
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
224
Maternal 22-8-2006 65-Roda de conversa – Jaqueline contando a história de
“João e Maria” – professora Ádina fazendo perguntas
sobre a história de “João e Maria”
66- Atividade de artes plásticas – crianças fazendo, com
massa de modelar, o pirulito da casa da bruxa da história
de João e Maria
Maternal 23-8-2006
67-Encenação feita pelas professoras da história de “João
e Maria”
68-Atividade de artes plásticas – desenhando e pintando a
história de “João e Maria”
69- Roda de conversa - Jaq contando a “História do Sapo”
70- Car contando a “História do Sapo”
71-Crianças brincando
Levantamento de eventos gravados em VCD da Turma de Jardim
Turma Data Eventos Jardim 30-8-2006 72-A aluna Bruna brincando
73-Crianças brincando
Jardim 31-8-2006
74-Crianças brincando
75-Chamada
76-Roda de conversa – Elz contando história na roda
77-Crianças brincando de ônibus
Jardim 4-9-2006
78-Crianças brincando – “A galinha do vizinho bota ovo
amarelinho”
79-Crianças brincando no pátio
80-Chamada
81-Roda de conversa -- a professora jogava uma garrafa
no meio da roda e a crianças que estava sentada onde a
garrafa parava, falava sobre o que lembrava quando a
professora dizia algumas palavras (sol, praia...)
Jardim 19-9-2006
82-Roda de conversa – a professora mostra a fita
métrica e conversa com as crianças sobre para que ele é
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
225
utilizado
83-A professora utiliza a fita métrica para medir a altura
das crianças
84-Atividade de artes plásticas – a professora de Artes
contou para as crianças a história dos pingos
85-Atividade de artes plásticas – as crianças
desenharam objetos feitos com linhas que, por sua vez,
são formadas por pontos
Jardim 26-92006
86-Visita a exposição de insetos gigantes na Escola da
Ciência da Prefeitura de Vitória
87-Sala de aula – construção do calendário
88- Crianças brincando no pátio
Jardim 2-10-2006
89-Atividade de escrita – construção do calendário do
mês de outubro. A professora destacou algumas datas
importantes desse mês, principalmente, o dia 12, no qual
é comemorado o dia das crianças
90-Atividade de escrita – montagem de um livro com a
família da criança sobre os alimentos
91-Roda de conversa – alimentos saudáveis e não
saudáveis
Jardim 4-10-2006
92-Roda de conversa – alimentos saudáveis e não
saudáveis
93-A professora coordena a montagem de cartazes com
alimentos saudáveis e não saudáveis
94-Crianças brincando
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
226
Levantamento de eventos gravados em VCD da Turma do Pré
Turma Data Eventos Pré 26-10-2006
95-Roda de conversa – professora apresentando aos
alunos a pasta de leitura (os alunos levam para casa um
pasta com histórias para serem contadas por seus pais.
No dia seguinte o aluno contava a história que ouviu de
seus pais para seus colegas de sala)
96- Enzo contando a história do “Patinho feio”
97- Atividade de artes plásticas – as crianças
representaram uma parte da história com massa de
modelar
98- Crianças brincando (computador feito com caixas de
colocar maçã)
99- Professora contando a história “Barba Gato”
100- A professora lendo a história do “Patinho Feio”
Pré 31-10-2006
101-Roda de conversa – direitos das crianças
102-Atividade de artes plásticas – as crianças
representaram, por meio do desenho, os direitos das
crianças
103-Crianças brincando
104-Alic contando história
Pré 1-11-2006
105-Pao contando história
106-Crianças brincando
Pré 7-11-2006
9-11-2006
107-Atividade de escrita – produção de um cartão
108-Atividade de escrita – Hino Nacional
109-Roda de conversa – os alunos ouviram o Hino
Nacional e a professora conversou com eles sobre o
significado de palavras que não são utilizadas no nosso
cotidiano
Atividade de artes plásticas – desenhando a bandeira do
Brasil
Pré 17-11-2006 110-Crianças brincando
111-Atividade de escrita – identificação e pintura das
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
227
letras do primeiro nome do aluno num quadro de letras
Pré 22-11-2006
112-Roda de conversa – a professora conversando com
os alunos sobre como surgiu Papai Noel
113-Apresentação de uma revista com sugestões de
trabalhos manuais com temas natalinos
114- Roda de conversa – a professora conversa com a
aluna Pao sobre suas brincadeiras durante o recreio
115-Atividade de escrita – a professora entregou uma
folha com um texto – ela indicava algumas palavras e
escolhia um aluno para localizá-la no texto, depois as
crianças fizeram um desenho sobre o texto
116- A aluna Pao contando sobre uma discussão que
teve com a mãe
Pré 23-11-2006
117-Atividade de escrita – listas de palavras
118-Atividade de artes plásticas – a professora
orientando os alunos na construção de dobraduras
119- Crianças brincando
120-As alunas Pao e Mik contando histórias
Pré 27-11-2006
121-Ensaio para a despedida de final de ano da turma de
Pré
122- Roda de conversa – questões do vídeo da Turma
da Mônica
123- Roda de conversa – a professora contando a
história “A árvore de Beto”
124-Paol contando a história que a professora havia
contado na rodinha (A árvore de Beto)
Pré 30-11-2006
125-Crianças brincando
126- Atividade de escrita – fazendo um pedido para
Papai Noel
127- Atividade de escrita – texto coletivo (uma carta da
turma para o Papai Noel)
128- Atividade de escrita – os alunos copiam do quadro a
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
228
carta que fizeram para Papai Noel
Pré 7-12-2006
129-Crianças brincando
130- Atividade de escrita e leitura – a poesia sobre o
lápis
131- Desenhando a poesia
132-Crianças brincando
Pré 8-12-2006 133-Crianças brincando de casamento
Pré 13-12-2006 134-Crianças brincando
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
229
APÊNDICE I - CARACATERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS
Tabela 1 – Distribuição das crianças segundo a idade Idade F %
1 anos e 7 meses a 2 anos e 6 meses
2 anos e 7 meses a 4 anos e 2 meses
4 anos e 7 meses a 5 anos e 6 meses
5 anos e 7 meses a 6 anos e 6 meses
14
18
09
11
26,9
34,6
17,3
21,2
Total 52 100
Tabela 2 – Distribuição das crianças segundo o sexo Sexo F %
Feminino
Masculino
31
21
59,6
40,4
Total 52 100
Tabela 3 – Distribuição das crianças quanto à experiência escolar
Escolaridade anterior F %
Sim
Não
29
23
55,8
44,2
Total 52 100
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
230
Tabela 4 – Distribuição das crianças de acordo com a instituição de origem
Instituição escolar anterior F %
Sempre estudou na escola em que a pesquisa foi realizada
Já estudou em outra escola
33
19
63,5
36,5
Total 52 100
Tabela 5 – Distribuição das crianças conforme o bairro em que residem
Bairro F %
Andorinhas
Bairro da Penha
Bonfim
Itararé
São Benedito
Não informou
01
14
01
20
09
07
1,9
26,9
1,9
38,5
17,3
13,5
Total 52 100
Tabela 6 – Distribuição das crianças conforme as pessoas que moram em sua casa
Pessoas que moram com a criança F %
Os pais
Pais e irmão(ã)
Pais e irmãos
Pais, irmãos e parentes
Um dos pais
Um dos pais e irmão (ã)
Um dos pais e irmãos
Um dos pais, irmãos e parentes
Parentes
Não informou
07
12
08
02
02
05
04
06
00
06
13,5
23,1
15,4
3,8
3,8
9,6
7,7
11,5
0,0
11,6
Total 52 100
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
231
Tabela 7 – Distribuição das crianças de acordo com o número de irmãos
Pessoas que moram com a
criança
F %
Um irmão
Dois irmãos
Mais de dois irmãos
Nenhum irmão
Não informou
20
09
08
09
06
38,5
17,3
15,4
17,3
11,5
Total 52 100
Tabela 8 – Distribuição das crianças de acordo com a ocupação do pai
Ocupação do pai F %
GGO: Forças Armadas, policiais e bombeiros militares GG1: Membros superiores do Poder Público, dirigentes de organização de interesse público e de empresas gerentes GG2: Profissionais das ciências e das artes GG3: Técnicos de nível médio GG4: Trabalhadores dos serviços administrativos GG5: Trabalhadores dos serviços. vendedores do comércio em lojas e mercados GG6: Trabalhadores agropecuários, florestais, da caça e da pesca GG7: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção discretos) GG8: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção contínuos) GG9: trabalhadores de manutenção e reparação Desempregado Não informou
03
00 00 00 00 00 17 00 00 13
00 06 05 08
5,8
0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
32,7 0,0 0,0
25,0
0,0 11,5 9,6
15,4
Total 52 100
Obs.: As ocupações dos pais foram organizadas tomando por base os Grandes Grupos (GG) da Classificação Brasileira das Ocupações (Brasil, 2002) do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: WWW.metecbo.gov.br. Acesso em 07/03/2007
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
232
Tabela 9 – Distribuição das crianças conforme ocupação da mãe
Ocupação do mãe F %
GGO: Forças Armadas, policiais e bombeiros militares GG1: Membros superiores do Poder Público, dirigentes de organização de interesse público e de empresas gerentes GG2: Profissionais das ciências e das artes GG3: Técnicos de nível médio GG4: Trabalhadores dos serviços administrativos GG5: Trabalhadores dos serviços. vendedores do comércio em lojas e mercados GG6: Trabalhadores agropecuários, florestais, da caça e da pesca GG7: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção discretos) GG8: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção contínuo) GG9: trabalhadores de manutenção e reparação Não classificada (do lar) Não classificada (empregada doméstica) Desempregada Não informou
00
00 01 03 00
16 00
01
00 00 04 20 04 03
0,0
0,0 1,9 5,8 0,0
30,8 0,0
1,9
0,0 0,0 7,7
38,5 7,7 5,7
Total 52 100
Obs.: As ocupações dos pais foram organizadas tomando por base os Grandes Grupos (GG) da Classificação Brasileira das Ocupações (Brasil, 2002) do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: WWW.metecbo.gov.br. Acesso em 07/03/2007. Tabela 10 – Distribuição das crianças de acordo com o nível de escolarização do pai Escolarização do pai F %
Ensino fundamental completo
Ensino fundamental incompleto
Ensino médio completo
Ensino médio incompleto
Ensino superior completo
Ensino superior incompleto
Nunca estudou
Não informou
04
12
11
06
02
02
00
15
7,7
23,1
21,2
11,5
3,8
3,8
0,0
28,9
Total 52 100
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
233
Tabela 11 – Distribuição das crianças de acordo com o nível de escolarização da
mãe Escolarização da mãe F %
Ensino fundamental completo
Ensino fundamental incompleto
Ensino médio completo
Ensino médio incompleto
Ensino superior completo
Ensino superior incompleto
Nunca estudou
Não informou
10
08
13
04
00
01
02
14
19,2
15,4
25,0
7,7
0,0
1,9
3,9
26,9
Total 52 100
Tabela 12 – Distribuição das crianças conforme a renda familiar declarada em
questionário enviado para a família Renda familiar F %
Um a dois salários mínimos
três a quatro salários mínimos
cinco a seis salários mínimos
Mais de seis salários mínimos
Não informou
33
11
01
00
07
63,4
21,2
1,9
0,0
13,5
Total 52 100
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
234
Tabela 13 – Distribuição das crianças segundo os programas de rádio e televisão
favoritos Programas de rádio e televisão favoritos F %
Músicas
Seriado – Sítio do Pica-Pau-Amarelo
Desenhos animados
Programa Mais Você (Ana Maria Braga)
Dvds
Novelas
Filmes
Programa da Xuxa
Fórmula 1
Programas Humorísticos
Esport Car
Jogos de futebol
Amiguinho da Vitória
Programas de Rádio
Notícias
Não informou
06
08
32
01
07
09
10
10
01
06
01
01
01
05
01
06
5,7
7,6
30,5
1,0
6,7
8,6
9,5
9,5
1,0
5,7
1,0
1,0
1,0
4,8
1,0
5,7
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque os pais citaram mais de um programa favorito. O percentual foi calculado tendo por base os 52 sujeitos que participaram da entrevista.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory
235
Tabela 14– Distribuição das crianças quanto a diversão preferida Diversões preferidas da criança F %
Brincar
Soltar pipa
Ir á praia
Ir ao parque
Andar de bicicleta
Pintar
Jogar vídeo game
Jogar bola
Assistir televisão
Pular corda
Passear
Cantar
Dançar
Correr
Andar de velocípede
Escrever
Pula-pula
Pique-esconde
Não informou
28
04
01
08
01
01
01
08
02
01
01
05
01
01
01
01
05
02
04
36,8
5,3
1,3
10,5
1,3
1,3
1,3
10,5
2,6
1,3
1,3
6,6
1,3
1,3
1,3
1,3
6,6
2,6
5,3
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque os pais citaram mais de uma diversão favorita. O percentual foi calculado tendo por base os 52 sujeitos que participaram da entrevista.
PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory