O SURFE ALÉM DAS ONDAS: UMA ATIVIDADE DE ......2007/01/30 · Existia todo um ritual religioso...
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MARCEL MENDES SILVA
O SURFE ALÉM DAS ONDAS: UMA ATIVIDADE DE DESENVOLVIMENTO
LOCAL DA REGIÃO DE FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA.
1
CURITIBA
2006
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MARCEL MENDES SILVA
O SURFE ALÉM DAS ONDAS: UMA ATIVIDADE DE DESENVOLVIMENTO
LOCAL DA REGIÃO DE FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA.
CURITIBA
2006
Dissertação apresentada como requisito parcial àobtenção do grau de Mestre em AdministraçãoEstratégica, pelo Programa de Pós-graduação emAdministração da Pontifícia Universidade Católicado Paraná, sob a orientação do Prof. Dr. MaurícioRoque Serva.
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A Deus: Muito Obrigado Senhor!
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AGRADECIMENTOS
O autor agradece a muitas pessoas e se desculpa no caso de esquecer de
alguém. Primeiramente, aquela que teve que ceder seu tempo e aturar o estresse
do autor durante longos 24 meses: Karina. Em segundo a uma pessoa muito
especial que sem sua permissão não seria possível fazer o estudo de campo: a
querida mãe do autor, Lucília. Aos irmãos, Eduardo e Felipe, que ajudaram no
levantamento de dados e na pesquisa. Ao pai Reinoldo e sua esposa, Gladis, que
apoiaram e ajudaram muito também. Aos amigos do surf, principalmente o Fejão por
ter feito a ponte com pessoas-chave. Ao ilustríssimo orientador, Prof. Maurício
Serva, Dr., que acreditou que do surfe poderia sair um ótimo trabalho. A todos os
entrevistados: Nilton, Bolla, Luis Felipe, Fernando Alexandre, Seu Dilmo, Manduka,
Paulão, Reginaldo, Schllikmann, Néu, Andres, Bruno, Luciane, Cassini, Jhoy,
Valeska, Rafael, Maurio Borges, Netão, Rodrigo Silva, Marcelo Coutinho, Marcel
(Xará) e Manão (Itamar). Um agradecimento especial ao maior e melhor surfista
deste país, dentro e fora d’água, Fábio Gouveia, em ceder tempo e atenção para
esta pesquisa. E é claro, a Florianópolis, que em nenhum único dia do estudo de
campo ficou flat, permitindo conciliar esporte e estudo, para a felicidade do autor.
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RESUMO
O estudo em questão tem como objetivo principal descobrir se a atividadeempresarial do surfe, na região de Florianópolis, Santa Catarina, é um fator dedesenvolvimento local. O surfe é um esporte recente no Brasil, com menos de 50anos de existência. Além de ser um esporte internacionalmente organizado, comprofissionais e fábricas específicas, o surfe é também um estilo de vida, que possuitoda uma indústria de moda, uma identidade de tribo com linguagem ecaracterísticas próprias, e também uma ligação direta com a natureza. Florianópolisé muito mais do que a capital do estado de Santa Catarina, é atualmenteconsiderada a capital nacional do surfe. Uma ilha com condições para o esporte,com a melhor organização e as melhores pessoas trabalhando para o esporte. Sãoatletas, juízes, fabricantes, profissionais liberais e muitos outros que vivem e“respiram” o surfe. O desenvolvimento local é uma perspectiva de desenvolvimentodiferente daquilo que se conhece como desenvolver uma região. Ao invés depotencializar um local construindo um pólo industrial, identifica-se a vocação e ahabilidade das pessoas da região para alguma atividade empresarial epotencializa-se o desenvolvimento dessa atividade. Este potencial segue critérios desustentabilidade para que o meio ambiente e a cultura não sejam prejudicadas. Ametodologia utilizada para atingir o objetivo deste estudo é teórico-empírica,apresentando-se inicialmente os conceitos de desenvolvimento, de sustentabilidade,de desenvolvimento local e em seguida o que se conseguiu reunir a respeito dosurfe, que possui uma bibliografia restrita. Trata-se de um estudopredominantemente qualitativo, não-experimental (ex-post-facto), de naturezadescritiva, que tem como estratégia de pesquisa o estudo do campo, isto é, umaanálise sócio-econômica territorial, cujos dados foram obtidos por meio daobservação direta e de entrevistas em profundidade realizadas com os principaisprofissionais da cadeia de valor do surfe. Foi utilizado um quadro de análise para seinterpretar os dados levantados. O quadro tem seis dimensões de análise e várioselementos de interpretação, a saber: social, cultural, ecológica, econômica, política eterritorial. Após o detalhamento de todas as dimensões e elementos de análise,descobriu-se que o surfe é uma atividade influente na economia e no modo de viverde Florianópolis, além de outros detalhes mais interessantes que o leitor podeverificar ao longo desta pesquisa.
Palavras-chave: surfe, desenvolvimento local, estratégia.
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ABSTRACT
This study has as objective to discover if the enterprise activity of surfing, in theregion of Florianópolis, Santa Catarina, is a factor of local development. Surfing is arecent sport in Brazil, with less than 50 years of existence. Besides being a sportinternationally organized, with specific professionals and industries, surfing is also alife style, that possesss all a fashion market, a proper identity of tribe with languageand characteristics, and also a direct bonding with the nature. Florianópolis is muchmore of that the capital of the state of Santa Catarina, currently is considered thenational capital of surfing. An island with excellent conditions for the sport, the bestorganization and the best people working for the sport. They are surfers, shapers,organizators and many others that live and “breathe” surfing. The local developmentis a perspective of different development of that if it knows as to develop a region.Instead of increase a place constructing an industrial complex, identifies vocation toit and the ability of the people of the region for some enterprise activity and increasethe development of this activity. This potential follows sustentability criteria so thatthe environment and the culture are not harmed. The used methodology to reach theobjective of this study is theoretician-empiricist, presenting itself initially the conceptsof development, sustentability, local development and after that what it was obtainedto congregate regarding surfing, that has a restricted bibliography. One is about apredominantly qualitative, not-experimental study (ex-post-facto), of descriptivenature, that has as research strategy the study of the field, that is, a territorialanalysis partner-economic, whose given they had been gotten by means of the directcomment and of interviews in depth carried through with the main professionals ofthe chain of value of surfing. An analysis picture was used to interpret the raiseddata. This picture has six dimensions of analysis and some elements ofinterpretation, to know: social, cultural, ecological, economic, politcs and territorial.After detailing of all the dimensions and elements of analysis, was uncovered thatsurfing is an influential activity in the economy and the way of living of Florianópolis,beyond other details more interesting than the reader can verify in this research.
Key-words: surfing, local development, strategy.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1 - NOVOS MERCADOS E BENS COMUNS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
QUADRO 2 - SISTEMÁTICA DO MÉTODO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
QUADRO 3 - CATEGORIAS E ELEMENTOS DE ANÁLISE I. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
QUADRO 4 - CATEGORIAS E ELEMENTOS DE ANÁLISE II. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
QUADRO 5 - MOBILIZAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS SEGUNDO O PACTO
TERRITORIAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
QUADRO 6 - CAPITAL TERRITORIAL DE FLORIANÓPOLIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
QUADRO 7 - ELEMENTOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL. . . . . . . . . . . . . . . . 153
FIGURA 1 - SURFE, ARTE DE DESLIZAR NA ONDA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
FIGURA 2 - SURFE NA ONDA DE UM LAGO DO TEXAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
FIGURA 3 - MANOBRA TUBO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
FIGURA 4 - ONDA DA POROROCA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
FIGURA 5 - CARLOS BURLE E LAIRD HAMILTON, ONDAS GIGANTES. . . . . . . . 60
FIGURA 6 - BODYSURF (JACARÉ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
FIGURA 7 - TIPOS DE PRANCHAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
FIGURA 8 - FLORIANÓPOLIS, LOCAL DO ESTUDO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
1FIGURA 9 - PROIBIÇÃO DO SURFE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
FIGURA 10 - PROJETO LIBERDADE SOBRE AS ONDAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
FIGURA 11 - O SURFE NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
FIGURA 12 - A LINGUAGEM DO SURFE NOS EMPREENDIMENTOS. . . . . . . . . 105
FIGURA 13 - HOSPITAL DAS PRANCHAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
FIGURA 14 - ÔNIBUS DO SURFE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
FIGURA 15 - UMA ONDA DIREITA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
FIGURA 16 - PRAIA BRAVA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
FIGURA 17 - CADEIA DE VALOR DO SURFE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3 OBJETIVO GERAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.5 JUSTIFICATIVAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.1 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2 O DESENVOLVIMENTO HOJE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.3 A SUSTENTABILIDADE NO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO. . . . . . . . . 20
2.4 O DESENVOLVIMENTO LOCAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.4.1 A Questão do Território e da Participação no Desenvolvimento Local. . . . . . . 29
2.4.2 O Desenvolvimento Local como Estratégia de Desenvolvimento. . . . . . . . . . . 41
2.4.3 Desenvolvimento Local e a Importância Ecológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.5 SURFE: CONCEITO, ESPORTE, CULTURA E MERCADO. . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.5.1 Surfe, um Conceito Diferente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.5.2 Surfe, o Sonho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.5.3 Surfe, Esporte e Lazer. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.5.4 A Prancha, Elemento Fundamental para o Surfe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
2.5.5 Shape: Onde Começa a Indústria do Surfe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
2.5.6 A Cadeia de Valor do Surfe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
2.5.7 O Surfe e a Ecologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
2.5.8 Surfe e Cultura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
3 METODOLOGIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.2 TERMOS UTILIZADOS NA PESQUISA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
3.3.1 Delineamento da Pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
3.3.2 Unidade de Análise. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
3.3.3 Informações: Levantamento e Análise. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
3.3.3.1 Informações primárias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
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3.3.3.2 Informações secundárias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
3.3.3.3 Sistemática do método. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
3.3.4 Categorias e Elementos de Análise. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
4.1 ORIENTAÇÃO DA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES. . . . 87
4.2 DIMENSÃO SOCIAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
4.2.1 Inclusão Social do Jovem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
4.2.2 Mobilização dos Atores Sociais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
4.2.3 Gerações Futuras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
4.3 DIMENSÃO CULTURAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.3.1 Vocação Cultural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
4.3.2 Preservação da Identidade Sócio-cultural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
4.4 DIMENSÃO ECOLÓGICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
4.4.1 Consciência Ecológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
4.4.2 Riscos Ambientais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
4.5 DIMENSÃO ECONÔMICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
4.5.1 Desenvolvimento da Mão-de-obra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
4.5.2 Nível da Qualidade de Vida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
4.5.3 Diversificação da Cadeia de Valor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
4.6 DIMENSÃO POLÍTICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
4.6.1 Apoio e Alianças Políticas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
4.6.2 Organização da Atividade do Surfe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
4.6.3 Estratégias de Desenvolvimento da Atividade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
4.7 DIMENSÃO TERRITORIAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
4.7.1 Aspectos Geográficos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
4.7.2 Infra-estrutura Urbana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
4.7.3 Atratividade Estratégica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
4.7.4 Perspectivas de Desenvolvimento Local. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E LIMITAÇÕES DO ESTUDO. . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
REFERÊNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
APÊNDICES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
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1 INTRODUÇÃO
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA
Surfe, palavra de origem inglesa do termo surf que pode, na sua tradução
para a língua portuguesa, significar espuma, arrebentação, som das ondas ou
ressaca. Muito longe de significar apenas uma tradução literal, o surfe se
transformou num estilo de vida que vai além da prática do esporte: a arte de deslizar
sobre as ondas em cima de uma prancha (SURF ACTION, 2004).
O surfe, seja como esporte ou como estilo de vida, tem uma bibliografia muito
restrita, e dentre o que se pode encontrar sobre sua origem, há relatos de que o
surfe teria surgido nas Ilhas Polinésias, criado pelos povos nativos, os quais na volta
da pesca marítima que praticavam diariamente, deslizavam sobre as ondas com
suas canoas de madeira para retornarem mais rapidamente à praia (GUIA
FLORIPA, 2005). A história citada por Arosa et al (1999), também relata que o surfe
teria surgido do trabalho pesqueiro de povos nativos, mas acrescenta que isso teria
acontecido na Ilha de Uros, no Peru, há 450 anos.
Segundo o Guia Floripa (2005), o surfe começou a se desenvolver na região
da Polinésia e mais tarde foi aperfeiçoado nas ilhas havaianas. Renato (2004)
complementa esta abordagem afirmando que o surfe teve seu início no século X e
era tratado como um esporte dos reis, sendo penalizados com a morte os plebeus
que o ousassem praticar.
O surfe desenvolveu-se culturalmente no Havaí onde os reis havaianos eram
os principais praticantes. Existia todo um ritual religioso envolvido, desde a
fabricação da prancha, feita em troncos de madeira, a oferendas aos deuses dos
mares no momento em que se praticava o surfe (GUIA FLORIPA, 2005).
O primeiro passo do ritual era a escolha da árvore. Depois de escolhida,
colocava-se um peixe vermelho chamado kumu ao pé do tronco e a partir disso a
árvore, então, era cortada. Nas raízes que sobravam do corte era enterrado o kumu,
sob oração. Com o tronco, o trabalho de forma ou shape era iniciado. As
ferramentas utilizadas para o shape eram basicamente lascas de pedra e pedaços
de coral. A partir da forma, o acabamento era feito com coral granulado e um tipo de
pedra bem dura, com o objetivo de alisar a superfície do tronco transformado.
1
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O líquido da raiz de uma árvore era aplicado para dar a cor negra, além de outras
substâncias que eram aplicadas na tentativa de impermeabilizar a madeira. (GUIA
FLORIPA, 2005).
Renato (2004) argumenta um importante aspecto sobre o surfe no Havaí:
“Exatamente em 1778, o capitão inglês James Cook aportou pela primeiravez no Havaí, onde descreveu em seus relatos que homens nus deslizavamsobre as águas em tábuas. Após a chegada de James Cook , muitosforasteiros chegaram às ilhas, trazendo consigo suas leis, crenças,costumes e principalmente suas doenças, com isso o povo havaiano sofreuuma grande repressão, tendo sua cultura, como as danças, os cânticosreligiosos e principalmente o surfe, proibidos.”
Até o início do século XX o surfe era apenas praticado no Havaí como
atividade de lazer de seus jovens. Foi quando o campeão havaiano de natação,
Duke Kahanamoku, iniciou um processo de divulgação do esporte para outros
países, levando-o, em 1912, para a Austrália e, mais tarde, para a Califórnia. E foi
na Califórnia, por volta dos anos 20, que se tem registros dos primeiros
campeonatos de surfe (SURF ACTIONS, 2004).
Foi em 1949 que a primeira prancha de surfe com material de fibra foi criada.
Até então, elas eram de madeira e pesavam cerca de 80 kg. A tecnologia
possibilitou com que o esporte fosse praticado por mais pessoas. Isso contagiou o
mundo e o surfe começou a se desenvolver em todos os sentidos: a)
tecnologicamente, com equipamentos mais modernos; b) culturalmente, criando um
estilo de vida; c) socialmente, interferindo no modus vivendi de determinadas
regiões; d) economicamente, determinando um novo segmento de indústria; e e)
geograficamente, delineando um outro fator para o turismo e para a prática do
esporte, a existência de praias com ondulações.
A partir de 1960, o surfe teve um grande impulso comercial e cultural:
tornou-se competitivo e profissionalizante. A evolução das fábricas de pranchas,
roupas , acessórios e equipamentos foi constante. Em 1975, o surfe foi reconhecido
internacionalmente como um esporte relacionado diretamente à natureza, ganhando
um número considerável de praticantes em vários locais onde as condições do mar
eram propícias. Foi fundada então uma entidade com o objetivo de desenvolver o
surfe profissional - a IPS (International Profissional Surfers), realizando
campeonatos pelos principais pontos de prática de surfe. Atualmente quem organiza
e realiza o circuito mundial de surfe, que tem um campeonato de primeira divisão,
2
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chamado WCT (World Championship Tour) e um secundário, denominado WQS
(World Qualifying Series), é a Association of Surfing Professionals (ASP) (GLASSER
SURFBOARDS, 2005).
Para o site de internet Surf Actions (2004), o surfe atrai milhares de adeptos a
cada ano e, atualmente, possui inúmeros serviços especializados como a
informação sobre a condição das ondas de diversos lugares, fornecidas por rádios e
pela internet, com atualização diária.
Fernandes (2005) afirma que o surfe é um dos esportes que mais cresce a
cada ano e hoje em dia conta com aproximadamente 18 milhões de adeptos no
mundo. Esse número retratado pelo autor condiz com aqueles que praticam o
esporte, sem contar os simpatizantes, bem como aqueles que trabalham com o
surfe, ou que estão envolvidos de alguma forma.
O surfe é muito mais que um esporte, pois carrega toda uma indústria
composta por fábricas, mídia especializada, lojas de varejo, moda, escola, empresas
de lazer, turismo e outras atividades que estão vinculadas direta ou indiretamente.
No Brasil, o surfe apareceu na década de 30 e, assim como na origem do
esporte, há diferentes vertentes para o surgimento do surfe nas praias brasileiras.
Fernandes (2005) argumenta que a grande dúvida sobre quem seja o primeiro
surfista brasileiro está entre Thomas Rittscher e os amigos Osmar Gonçalves, Sílvio
Malzoni e João Roberto Suplicy Haffers. Segundo o autor, Rittscher teria surfado em
Santos, nas proximidades do Canal 3, entre os anos de 1934 e 1938. Já os três
amigos, a partir de uma revista norte-americana do tipo “faça você mesmo”,
construíram uma prancha caseira e teriam surfado também em Santos no ano de
1938. Mesmo com essas informações e relatos de testemunhas atualmente vivas,
ainda persiste a dúvida sobre o primeiro surfista brasileiro.
Apesar do surfe ter chegado há pouco mais de sete décadas, o Brasil é
extremamente expressivo nesse esporte, tanto em atletas, com representantes na
categoria de elite do circuito mundial de surfe (WCT), quanto no âmbito do mercado
do surfe.
Cunha (2002) afirma que o Brasil possui cerca de 2,4 milhões de praticantes
de surfe; movimenta anualmente 2,5 bilhões de reais, com crescimento de 10% ao
ano desde o ano 2000; emprega 140 mil pessoas e possui 15% do mercado mundial
do segmento.
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Embora o surfe tenha aparecido em Santos na década de 30, tem-se
registros sobre os primeiros surfistas no Sul do país somente no ano de 1965.
Foram os gaúchos os pioneiros, importando a prática de uma viagem que fizeram no
exterior (GUIA FLORIPA, 2005).
No entanto, é em Santa Catarina que o esporte se fixou e passou a ter
projeção nacional. A pequena cidade de Garopaba, por exemplo, é sede da fábrica
da Mormaii, empresa de expressão no mercado do surfe que exporta roupas de
neoprene para o mundo inteiro.
A capital de Santa Catarina, Florianópolis, além de possuir uma geografia
propícia ao surfe, com 19 praias surfáveis, dentre suas 42, é ponto de referência
internacional do surfe, sediando etapas importantes do circuito mundial, tanto a elite
(WCT) como o segundo nível (WQS).
O surfe em Florianópolis pode ser considerado um “garoto”, pois somente em
1974 é que aparecem os registros dos primeiros ilhéus surfistas. O Rio de Janeiro,
na época consagrado como “meca do surfe nacional”, influenciou diretamente o
surfe na Ilha, negociando pranchas e conhecimento sobre o surfe para aqueles que
começaram a manifestar interesse no esporte. O surfe se consolidou em
Florianópolis quando o carioca Fernando Moniz passou a viver na Ilha, transferindo
conhecimento, informação e técnica para os habitantes locais, inclusive de
fabricação de pranchas (GUIA FLORIPA, 2005).
Segundo o Guia Floripa (2005), em 1976 foi realizado o primeiro campeonato
de surfe de Santa Catarina, na praia da Joaquina, denominado “Rock, Surf e
Brotos”. Em 1980 foi criada a Associação Catarinense de Surf (ACS) que, a partir de
1987, passou a ser conhecida como FECASURF (Federação Catarinense de Surf),
responsável pela realização de campeonatos regionais profissionais e amadores.
Para Martins (1995), o surfe já faz parte da cultura e da história de
Florianópolis, tanto quanto as rendeiras da Lagoa da Conceição ou a Velha Figueira
da Praça XV de Novembro. Os empresários acreditam no importante valor
econômico do surfe para à Ilha e o governo caracteriza o surfe como identidade da
população florianopolitana.
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Xandi Fontes, presidente da FECASURF e também vereador de
Florianópolis, afirma que o surfe é o esporte que mais cresce no Brasil e que a
sociedade florianopolitana tem que aprender a se aproveitar disso. Segundo ele, é
possível atingir o desenvolvimento por meio do surfe, com parcerias
público-privadas, harmonizando interesses, preservando a natureza e a cultura local
de Florianópolis (SURF GUIA BRASIL, 2001).
Observando-se a representatividade nacional do surfe para o Brasil e a
condição do esporte na Ilha de Santa Catarina, percebe-se uma ampla dimensão de
análise para estudo. Se o surfe está nacionalmente associado ao desenvolvimento,
gerando empregos e movimentando todo um segmento de indústria em
Florianópolis, que tem cultura e geografia favorável ao esporte, como se dá essa
relação?
Esta dissertação trata do tema surfe e desenvolvimento em Florianópolis,
apresentando a relação existente em um contexto de desenvolvimento local, na
perspectiva do tempo presente, o qual pode ser encarado como uma estratégia de
desenvolvimento, contribuindo para a área de Administração Estratégica.
1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
O problema que este estudo procura resolver pode ser definido pela seguinte
pergunta: A atividade do surfe é um fator de desenvolvimento local da região
de Florianópolis, Santa Catarina?
1.3 OBJETIVO GERAL
Considerando a formulação do problema desta dissertação, tem-se o
seguinte objetivo geral: Descobrir se a atividade do surfe pode ser considerada um
fator de desenvolvimento local da região de Florianópolis, Santa Catarina.
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1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
� Identificar se a atividade do surfe permite a inclusão social de jovens no mercado
de trabalho.
� Investigar a existência de algum tipo de associativismo ou cooperação entre os
participantes da cadeia de valor da indústria do surfe.
� Analisar como as organizações empresariais do surfe de Florianópolis se
enquadram na cadeia de valor da atividade
� Verificar qual o potencial de desenvolvimento futuro, baseado em uma economia
do surfe, para a região de Florianópolis.
� Investigar se as pessoas que trabalham diretamente com o surfe têm
perspectivas econômicas de ascensão social e se essas perspectivas têm sido
atendidas.
� Identificar se Florianópolis têm estrutura física e humana para atender toda a
cadeia de valor da atividade do surfe.
� Investigar a existência de possibilidade de novos mercados dentro da própria
cadeia de valor do surfe.
� Relacionar os fatores relevantes da atividade do surfe para as dimensões do
desenvolvimento local de Florianópolis: ecologia, economia, sociedade e cultura.
1.5 JUSTIFICATIVAS
O presente objeto de estudo, a atividade do surfe, em razão dos dados que
foram apresentados anteriormente, merece da academia uma ênfase em pesquisa.
Só para relembrar, trata-se de uma indústria que somente no ano 2000 movimentou
2 bilhões de reais no Brasil, que está entre os cinco maiores mercados de surfe do
mundo (VELLOSO, 2000).
O surfe hoje é uma atividade tão importante para o país que até em Brasília,
segundo Cunha (2002), uma cidade a 1.600 quilômetros da praia mais próxima, há
uma franquia da Mormaii que tem um dos maiores índices de vendas do país.
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Martins (2004) complementa a importância do surfe para o país afirmando
que atualmente é o segundo esporte mais praticado, perdendo apenas para o
futebol.
E se o surfe tem de fato toda essa importância econômica, geográfica e
cultural para o país, carece de um estudo aprofundado da área de Ciências Sociais,
que pode trabalhar com informações além da fronteira econômica e social.
Um outro fator que justifica este trabalho é a questão da originalidade. Não há
nas Ciências Sociais Aplicadas uma quantidade expressiva de trabalhos que tratam
deste objeto de estudo. A maior parte dos trabalhos que tratam de surfe são de
cursos da área de saúde.
Uma prova disso são as quatro primeiras universidades a incorporar o surfe
em sua grade curricular: Unimonte, Unimes, Unaerp-Guarujá e Unisanta, todas de
Santos com a disciplina em cursos ligados à área de Educação Física. E
coincidentemente, são de Santos, o mesmo lugar que o surfe surgiu pela primeira
vez no Brasil (FERNANDES, 2005).
Quanto ao campo de pesquisa, a região de Florianópolis, há várias
características peculiares deste território que merecem ser destacadas.
O estudo torna-se importante nesse local em razão do forte laço entre a
região, seus habitantes e o surfe. O surfe, como já foi citado, é um símbolo da
cidade (MARTINS, 1995).
Em termos de geografia, Florianópolis é uma ilha, possui 19 praias que
propiciam o surfe, além de ser sede de etapas do circuito profissional internacional.
Do ponto de vista demográfico, Florianópolis tem outra singularidade, é a
única capital do Brasil que não é a maior cidade de seu Estado. Florianópolis tem
360 mil habitantes, enquanto que Joinville possui população de 430 mil habitantes
(PMF, 2005).
A Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF, 2005) afirma que um fator
interessante da cidade é que de 1991 ao ano 2000, a população cresceu a uma taxa
de 3,3% ao ano. Um dado interessante dessa evolução populacional é o incremento
do Produto Interno Bruto per capta, que em 1991 era de R$ 7.632, chegando a R$
12.292 em 2000. Pode-se inferir que houve uma ampla emigração para a cidade,
principalmente de pessoas com elevado poder aquisitivo que vieram para
Florianópolis em busca de uma melhor qualidade de vida.
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Outro dado importante é em relação ao que gera o considerável Produto
Interno Bruto. As atividades econômicas mais importantes de Florianópolis, com
63% e 22%, são, respectivamente, o setor de comércio e serviços, diferencialmente
de outras capitais, onde o setor industrial é o de maior destaque (PMF, 2005).
Ao se retratar a perspectiva do estudo, isto é, o desenvolvimento local,
pode-se também incrementar a justificativa, pois este tipo de desenvolvimento trata
da vocação regional, da sustentabilidade do modelo econômico, da proteção
ecológica e outros aspectos sociais e culturais. A atividade do surfe como objeto de
estudo vai possibilitar descobertas que abrangem todos esses fatores.
E se o desenvolvimento local é importante para todas as esferas da
sociedade, mais uma justificativa que reforça o estudo. Ele pode servir como fonte
de orientação para estratégias de políticas de desenvolvimento, sejam do âmbito
público ou privado.
Espera-se, também, em razão da falta de literatura, que este estudo possa
contribuir como referência científica para futuras pesquisas sobre o surfe,
principalmente àquelas ligadas à área de Ciências Sociais Aplicadas, para que o
conhecimento sobre o assunto se multiplique e passe a agregar valor à sociedade.
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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO
Desenvolvimento é um termo utilizado nas mais diversas áreas.
Desenvolvimento significa evolução, crescimento ou construção. O próprio dicionário
define desenvolvimento como sendo “propagação, progresso, ampliação, expansão”
(BUENO, 1996, p. 200).
De fato, o termo desenvolvimento é utilizado amplamente em diversas áreas.
No entanto, a área que mais faz uso deste termo é o setor público, sempre aliando o
desenvolvimento a promessas políticas.
Desenvolvimento é a bandeira do progresso de um país, é o que as esferas
pública e privada estão sempre buscando, que gera o crescimento econômico, a
solução para os problemas sociais. Essa ampla preocupação com o
desenvolvimento infelizmente não fez progredir os conceitos existentes sobre o
termo. Não há um consenso sobre o que é o desenvolvimento e como ele deve ser
alcançado (WOLFE, 1976).
Segundo Pinto e Bazzanella (1967), o desenvolvimento ainda não foi
completamente teorizado pelas Ciências Sociais, ele não é apenas a reprodução da
Revolução Industrial, em outra dimensão temporal e espacial, mas um processo
complexo e problemático, repleto de vazios conceituais que precisam de muito
estudo para serem preenchidos, em função dos novos processos econômicos e
sociais do mundo contemporâneo.
A opinião deste autor retrata o que acontece na maior parte das teorias
escritas sobre desenvolvimento: elas remetem à economia, focando sempre a
questão do progresso industrial como fonte do desenvolvimento, ou seja, atrelando
sempre o termo à produção de bens.
Para exemplificar este contexto, Viana (1968) afirma que desenvolvimento é
um processo complexo de transformações e mudanças de escala social pelo qual
uma determinada sociedade consegue produzir maior quantidade de bens e
serviços destinados a satisfazer as sempre crescentes e diversificadas
necessidades humanas.
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Pinto e Bazzanella (1967) corroboram com essa abordagem, enfatizando
ainda mais as mudanças no quadro social de uma sociedade. Para estes autores
não se pode viver o desenvolvimento sem se notar suas implicações sociais, em
grande parte, retratadas sobre o homem, sua mão-de-obra, seu esforço, sua classe
social e seu enquadramento em uma dinâmica de progresso baseada na produção
industrial.
Percebe-se que o desenvolvimento é diretamente envolvido com a produção
industrial. A partir do momento que se aumenta a produção, promove-se uma
aplicação do desenvolvimento. Geralmente, quando isso acontece, não há
preocupação com o reflexo na sociedade.
Para Fontes (1983), o desenvolvimento e suas implicações sociais estão
atrelados ao progresso técnico, um conceito do francês Jean Foraustié que se
traduz na relação das invenções humanas com o tempo. Nesse caso, o tempo é
visto em dois aspectos: de benefício, ou seja, o que gera de valor à sociedade (ex.:
as invenções no transporte diminuíram o tempo de deslocamento do homem); e de
industrialização, isto é, quanto tempo a invenção levou para se industrializar,
agregando, de fato, valor à sociedade. Nota-se no decorrer da história que o tempo
de industrialização foi ficando cada vez menor: enquanto a fotografia levou 112 anos
para se industrializar, o transistor precisou de apenas 5 anos. Com o progresso
técnico, a produção notadamente cresceu. O progresso técnico se traduz pela
produtividade, pela produção de uma certa quantidade de bens em uma certa
unidade de tempo. A produtividade, por sua vez, expressa o rendimento do trabalho
humano. Homens e máquinas, sem o conceito de produtividade, expressam
somente a força do trabalho.
Rostow (1972) agrupa todos esses conceitos de progresso técnico, produção
industrial e implicações sociais definindo que o desenvolvimento possui cinco
etapas: a) sociedade tradicional; b) precondições para o arranco; c) arranco; d)
maturidade, e) consumo em massa.
A sociedade tradicional de Rostow (1972) é uma sociedade de produção
limitada, baseada em ciência e tecnologia pré-newtoniana. Essas sociedades
possuem um certo nível de aumento de volume de produção. Todavia o que as
caracteriza como tradicional é que esta produção possui um teto quando analisada
de forma per capta. É uma sociedade de fronteiras geográficas muito presentes,
cujos altos e baixos da economia variam conforme as colheitas, as guerras ou as
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pragas. O poder político é desigual e, geralmente, os donos de terras o detêm. Em
termos de desenvolvimento, é uma sociedade que precisa mudar aspectos
importantes para iniciá-lo: a política, a estrutura social, os valores e a economia.
Esses aspectos não são transformados da noite para o dia, levam-se anos
para mudá-los em uma sociedade. Esta é a segunda etapa do desenvolvimento.
Como o próprio nome já diz, a pré-condição para o arranco é de um período
intermediário, caracterizado entre os séculos XVII e XVIII, quando ocorreram
importantes mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais nas sociedades
tradicionais (ROSTOW, 1972).
Em termos de economia, tem-se uma mudança significativa. Ela não mais
limita-se apenas ao comércio nas fronteiras geográficas. Cria-se um comércio
internacional, na agricultura e na indústria, dinamizado pelas constantes
navegações e interações com outros povos. O progresso econômico começa a ser
definido como a busca contínua pelo lucro, para gerar melhor qualidade de vida.
Mudam-se aspectos culturais, homens e mulheres agora dispostos a investir,
a correr riscos em prol de investimentos em empreendimentos que visam ao lucro.
Em termos políticos, forma-se um Estado nacional, centralizado e eficaz, que
em oposição aos tradicionais enfoques colonialistas e agrários, permite, como um
todo, a criação das pré-condições para o arranco.
Enfim, o arranco é a etapa em que os aspectos das estruturas social,
econômica e política se transformaram de tal maneira que o desenvolvimento
passou a ter um ritmo constante, a ser considerado como uma situação normal. O
principal fator para toda a condição do arranco é o aspecto tecnológico. (ROSTOW,
1972). O arranco é uma denominação da Revolução Industrial, viabilizada pela
introdução da tecnologia nos meios de produção.
Essa fase, compreendida entre os séculos XIX e XX, refere-se ao período em
que novas indústrias se expandem rapidamente, formando os conglomerados
industriais; a renda aumenta consideravelmente; novas técnicas agrícolas são
implementadas; os investimentos, inclusive de poupança nacional, expandem-se;
criam-se invenções revolucionárias, enfim, o mundo se transforma completamente.
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Após o arranco, aproximadamente 60 anos depois, a sociedade, que vem
tendo um ritmo constante de desenvolvimento, entra em uma fase de maturidade. É
uma fase onde se tem uma estabilidade da indústria, com um longo período de
progresso continuado, aliando a tecnologia moderna com a demanda da sociedade.
O comércio exterior, no que abrange a importação e exportação de produtos,
começa a se acentuar. Tem-se a produção local de produtos antes importados. No
entanto, surge a necessidade de se importar novos produtos assim como de se
exportar outros.
A maturidade é uma fase em que a indústria detém conhecimento, tecnologia
e técnica para produzir qualquer produto que decida fabricar, sendo que o foco é
conquistar o supra-sumo da tecnologia de produção.
Ao deixar de lado o aspecto tecnológico e passar a considerar com mais
ênfase a questão econômica e social, a sociedade entra para a última etapa, a de
consumo de massa. Essa etapa tem duas principais mudanças: a) a renda anual per
capta aumenta e as pessoas já conquistaram as necessidades básicas de
alimentação, vestuário e habitação, gerando oportunidades de novos negócios; b) a
estrutura de força de trabalho se tornou mais segmentada, aumentando as
especialidades operacionais de produção e também de atividades administrativas.
O mercado de bens duráveis é que lidera essa fase. O principal marco da
indústria é o automóvel barato, modificando a estrutura da sociedade na referência
de consumo de massa. O automóvel não é apenas um bem durável; sua utilização
reflete em todos os setores da economia. O consumo em massa do automóvel
transforma o mercado e também traz inúmeras novas experiências de gestão às
indústrias.
Essa dimensão histórica mostra que o desenvolvimento não apenas se
restringe ao aspecto econômico, relacionado com a produtividade industrial, mas é
um conceito amplo que se apóia nas condições sociais, no poder político e também
na estrutura cultural, de valores das sociedades.
Todavia, a maioria dos autores insistem em relacionar o desenvolvimento ao
crescimento econômico, justificando que o aumento da economia é a causa e as
implicações econômico-político-sociais são meras consequências.
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Viana (1968) defende esse raciocínio explicando que uma nação
desenvolve-se quando a taxa de aumento de seu produto líquido excede a taxa de
incremento populacional. E, segundo ele, só há duas formas de se fazer um país
crescer, ou diminuindo ao máximo a taxa de crescimento, mas em contrapartida ela
será sempre positiva; ou aumentando o produto líquido interno. Como a segunda
opção é mais viável, Viana (1968) afirma que para aumentar o produto interno
deve-se focar no aumento da força de trabalho ou no aumento da produtividade do
trabalho.
Lipietz (1991), ao contrário de Rostow (1972), propõe não conceituar o
desenvolvimento, pois ele não é um percurso bem definido, no qual avançaria toda
a humanidade. Este autor segue a linha teórica da Escola da Regulação, iniciada
por Michel Aglietta nos anos 70. Segundo esta escola, um modelo de
desenvolvimento baseia-se em três níveis de análise:
� Um modelo de organização do trabalho: é a forma como se organiza o
trabalho, as divisões de uma empresa, os setores, enfim, os princípios que
administram o trabalho;
� Um regime de acumulação: trata-se da lógica das leis macroeconômicas que
regem as condições sociais de produção (consumo familiar, investimentos,
comércio exterior,etc).
� Um modo de regulação: são os recursos que efetuam o ajuste nos efeitos
contraditórios do regime de acumulação, efeitos que geram conflitos e
tendências negativas. Esses recursos estão mais ligados ao costume e
seriam, por exemplo, a disposição de empresários e assalariados a
enfrentarem problemas. Há também fatores institucionalizados como as
regras de mercado, a intervenção governamental e outras questões.
Na visão de Lipietz (1991), os teóricos de desenvolvimento focaram apenas
em um aspecto do conceito, a produção, esquecendo-se das outras dimensões que
este conceito está diretamente associado como o âmbito cultural, político, ecológico
e, principalmente, social. O autor ainda destaca que estes três níveis de análise
formam um tripé que, somente vistos como um conjunto, podem formar um modelo
de desenvolvimento.
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É importante ressaltar que esta visão de desenvolvimento associado à
produção tem origem no modelo fordista, um dos primeiros modelos de
desenvolvimento. O fordismo baseia-se na racionalização das tarefas com a
mecanização intensa a partir da linha de montagem (LIPIETZ, 1991).
Ainda segundo Lipietz (1991), o que restringe o modelo fordista são quatro
aspectos:
� Inibição intelectual dos operários, que devem seguir ordens em tempos
cronometrados, objetivando a máxima produtividade;
� Regulação contratual, ou por meio de leis no sentido de involuir os ganhos
por produtividade, compensando na garantia do emprego;
� Competência do Estado em garantir acesso dos empregados à produção
mercantil;
� Auxílio do Estado em permitir o crescimento do progresso técnico para que
se tenha aumento da produção industrial.
Buarque (1993) complementa a idéia de Lipietz (1991), enfatizando que o
termo desenvolvimento é amplamente utilizado por qualquer cidadão do mundo e
que todos sabem o que significa, e é surpreendente como o termo está consolidado
nas culturas. Este autor se refere com surpresa a este fato pois, segundo ele, o
termo desenvolvimento não pode ser pensado antes de existir a Revolução
Industrial. Este autor também alia ao conceito de desenvolvimento ou progresso,
como chama, um tripé de análise, constituído pelos fatores: acumulação de
capital, acervo tecnológico e organização social.
Para justificar a questão da Revolução Industrial e desenvolvimento,
Buarque (1993) argumenta que em razão da repetição de sazonalidade da
agricultura, que limitava a evolução deste tripé, foi na indústria que o
desenvolvimento se consolidou, pois ela permitiu que os três fatores, ainda que
desproporcionalmente, pudessem evoluir de maneira acirrada.
Com essas visões, percebe-se que os autores dividem-se na análise e na
proposição de uma teoria de desenvolvimento. Embora alguns argumentem que
essa teoria não existe (LIPIETZ, 1991; WOLFE, 1976), e outros que tentam teorizar
o desenvolvimento, ajustando como modelos de análise (BUARQUE, 1993; VIANA,
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1968; ROSTOW, 1972; FONTES, 1983), todos afirma que o desenvolvimento surgiu
após o impacto da produção em escala industrial.
Por outro lado, se for analisado o contexto histórico, uma outra observação
da visão dos autores pode ser estabelecida. Percebe-se que aqueles autores
ligados à produção como única dimensão de análise (VIANA, 1968; WOLFE, 1976)
analisam um contexto de expansão exponencial da indústria, retratando a época de
gigantismo industrial (CHIAVENATO, 1994).
Chiavenato (1994), que retrata o gigantismo industrial, também cita a época
de incerteza, que remete a um período após 1980. Segundo ele, esta incerteza
acontece em função da intensa mutabilidade do ambiente, isto é, as empresas
começam a sofrer fortes impactos de fatores externos à organização, como a
concorrência, as dificuldades de colocar produtos e serviços no mercado, a
escassez de recursos, as intervenções estatais, etc. Este período é marcado por
grande instabilidade e extrema competitividade, atingindo diretamente a forma de
administração das empresas e, desta forma, o desenvolvimento também sofre
impactos.
Infere-se que essa nova realidade do mercado atingiu também o campo
acadêmico e como se observa, a própria teoria de desenvolvimento. Autores como
Buarque (1993) e Lipietz (1991) ampliam o estudo sobre desenvolvimento para
além da produção. Para eles, o campo social é o que deve ser analisado. Lipietz
(1991) inclusive explica que o desenvolvimento só existe quando há a coincidência
da felicidade social com a felicidade econômica.
A questão do desenvolvimento, como se nota, tem outras dimensões de
análise e o que as originou foram as constantes mudanças, principalmente nos
pilares tecnológicos e sociais, do tripé de Buarque (1993). É “o desenvolvimento do
conceito de desenvolvimento”.
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2.2 O DESENVOLVIMENTO HOJE
Como se observa, o modelo industrial da teoria de desenvolvimento não
atende mais a necessidade social, econômica e cultural do mundo de hoje. Sauvage
(1996) afirma que esse modelo de desenvolvimento, baseado em uma indústria de
produção globalizada, já começou a dar sinais de que está no limite, apresentando
externalidades negativas que não foram sequer imaginadas na consolidação do
sistema.
A externalidade, que também pode ser positiva, representa um conceito das
ciências econômicas: a ação de um agente afeta diretamente as condições de vida
de outro agente. Em outras palavras, uma externalidade ocorre porque os agentes
econômicos têm efeitos nas atividades uns dos outros que não são refletidos nos
mercados, ou seja, ocorre uma externalidade sempre que as funções de utilidade ou
de produção de um indivíduo A incluam variáveis reais (isto é: não monetárias),
cujos valores são escolhidos por outros (pessoas, empresas ou governos), sem ter
em conta os efeitos sobre o bem-estar de A (VARIAN, 1992; BAUMOL e OATES,
1988.)
Problemas como o desemprego, seja em países em desenvolvimento ou até
mesmo na própria Europa, a diminuição global das rendas familiares, a pobreza, a
fome, as más condições sanitárias e a intensa degradação do meio ambiente são
indícios de que o modelo de desenvolvimento atual está à beira de um colapso
(SAUVAGE, 1996).
Sachs (1994) destaca a questão do desemprego, afirmando que esse é o
maior problema que o atual modelo de desenvolvimento não consegue resolver.
Mesmo os países ricos enfrentam o desemprego, por via da evasão de suas
indústrias, remanejadas para locais de mão-de-obra barata com o objetivo de atingir
maior competitividade. A Europa, segundo o próprio autor, possui 17 milhões de
desempregados.
Para Sachs (1994), o desemprego não gera apenas diminuição de renda
familiar, mas uma série de consequências sociais e econômicas para a população,
como a exclusão e segregação sociais, a marginalização e o subemprego. Este
autor argumenta que não se pode pensar em desenvolvimento separando as
dimensões econômicas, ambientais e sociais. Elas são um conjunto que não
funciona de forma isolada.
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A crise do modelo de desenvolvimento utilizado tem seu início, segundo
Andion (2003), a partir dos anos 70, devido a alterações em alicerces como o
consumo, a abundância, a mobilidade social baseada no trabalho e a noção de
emprego. Para a autora, o mundo, desde essa época, entra em uma recessão
econômica que o obriga a repensar certos valores de seu sistema econômico, como
as medidas de proteção ao trabalhador, as modalidades de distribuição de lucro e
renda, e os benefícios sociais.
Os problemas atuais são tão crônicos que o desenvolvimento está cada vez
mais voltado a uma idéia de curto prazo, e as empresas pretendem se sustentar no
agora, esquecendo-se do amanhã. Isso traz sérios problemas para as futuras
gerações e também para o ambiente como um todo.
Gutberlet (1998) afirma que a maior parte dos problemas existe porque há
desigualdades em todas as camadas da sociedade, seja na distribuição de renda,
na tecnologia, nos recursos naturais ou no acesso ao poder econômico e político.
Isso acarreta graves consequências, sobretudo para as próximas gerações e para o
meio ambiente, pois a geração atual explora recursos que talvez não existam
futuramente. Não se pensa no amanhã, somente no presente, uma atitude de
oportunismo.
Nessa mesma linha de raciocínio, Lipietz (1991) denomina esta crise como o
fim da idade de ouro, que começa na década de 70, a partir do impacto de fatores
como a organização do trabalho, o aumento dos custos fixos, a diminuição da
lucratividade, o aumento da concorrência, etc. Este autor chama o modelo de
desenvolvimento baseado na escala industrial de fordismo, em razão do gigantismo
industrial do padrão de produção idealizado por Henry Ford, que desde o início do
século XX revolucionara o mercado ao popularizar o automóvel como produto de
massa. Para Lipietz (1991), matematicamente explicando, o fordismo se deteriorou
com uma conta simples: taxa real de salários, com aumento continuado, somada ao
custo do capital fixo de máquinas e equipamentos, deduzindo-se a inflação, é igual
a lucros cada vez menores. Em uma sociedade capitalista, orientada pelo consumo,
a redução de lucro torna-se inconcebível.
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Uma outra conta que incrementa esse pensamento é feita por Sauvage
(1996, p. 2):
"a evolução do PIB e a do indicador de satisfação social que foi posta emprática não funciona mais há vinte anos nos EEUU e na Inglaterra; elaestaria mesmo invertida há cinco anos, isto é, o crescimento conduziria auma deteriorização das condições de vida, tal como elas são percebidaspela população”.
Se as empresas procuram o lucro que já tiveram outrora, é no corte de
empregados que se dá a redução de custos para que a lucratividade possa ser
aumentada ou pelo menos mantida. Henderson (1996) chama isso de “o alçapão da
produtividade sem empregos”, argumentando que isso é resultado do paradigma da
industrialização e de seu enfoque na eficiência de produção, que se resolve pelo
investimento em tecnologias que economizam a mão-de-obra.
Henderson (1996) também afirma que o modelo de desenvolvimento
tradicional não se preparou para o fenômeno da globalização, isto é, um preparo
para apenas atender uma demanda econômica, enquanto que outros fatores, de
outra ordem, também começam a ser reestruturados pela globalização: a tecnologia;
as finanças; o trabalho e a migração; os efeitos humanos na biosfera; o militarismo e
o tráfico de armas; as comunicações e a cultura planetária. E todos estes fatores se
relacionam diretamente.
Observando-se os acontecimentos históricos desde a década de 70, pode-se
encontrar referências que de certa forma se relacionam com a crise do modelo
fordista, pois também inserem-se em uma recessão mundial de incerteza que se
rotulou neste período, tais como: a) a queda do crescimento da Europa Oriental; b)
a separação da URSS; c) a Guerra do Golfo; d) as crises comerciais, como a do
petróleo; e) o terrorismo; f) a decadência econômica dos EUA; g) o fenômeno de
crescimento da China, h) as manifestações ecológicas (SANTOS, 1995; HADDAD,
2002).
Esses fatores podem ser encarados até como consequência do modelo
fordista de desenvolvimento, em face à busca incessante pela produção e o lucro, a
qualquer custo, implementando cada vez mais tecnologias de automação da
produção e diminuindo ao máximo a mão-de-obra.
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O próprio Brasil, por sua vez, teve problemas relativos à "importação" do
modelo fordista de desenvolvimento, quando implementou, na década de 50 e 60,
principalmente, as políticas de desenvolvimento a partir da instalação de complexos
industriais em diferentes regiões do país.
Os complexos industriais promovem transformações nos locais onde são
instalados, transformações estas denominadas por Haddad (2002) de efeitos do
arrasto. Este autor cita que há críticas sobre os danos que essa forma de
desenvolver uma região causa. Elas podem ser divididas em três pontos de vista: a)
político, em razão da grande parte desses complexos industriais terem sido
concebidos a partir de medidas autoritárias, cujos principais afetados não puderam
se manifestar sobre o assunto; b) social, pois grande parte desses projetos
ocorreram em períodos cuja consciência ecológica não estava consolidada,
acarretando problemas no hoje, c) técnico, que diante da automação industrial, fez
os empregos inicialmente gerados reduzirem a cada ano.
Haddad (2002) cita como exemplos desse tipo de política de desenvolvimento
os complexos petroquímico de Camaçari - Bahia, o químico-metalúrgico do Rio
Grande do Norte, o pólo cloroquímico de Alagoas e o industrial integrado de
Sergipe. Esses complexos instalaram-se nessas localidades em meados dos anos
70, a partir do II Plano Nacional de Desenvolvimento. Curiosamente, analisando o
contexto dessa região atualmente, há uma forte taxa de imigração para os estados
do Sudeste e a maior arrecadação econômica vem do setor terciário, por meio do
turismo.
Para Ferreira e Ferreira (1995), o Brasil, na década de 70, viveu um mito do
desenvolvimento, pois não houve nenhuma realização social concreta. Muito pelo
contrário, o que houve foi uma devastação, seja do meio ambiente, a partir da
degradação da floresta amazônica e da mata atlântica, e seja pelo emprobrecimento
das camadas de baixa renda, por meio da segregação social e do subemprego.
O fato é que o desenvolvimento ligado a indústria criou um mundo diferente
do que é hoje. A sociedade de consumo, rotulada por Rostow (1972), chegou a um
limite, pois este modelo de desenvolvimento, ligado ao efeito de arrasto da indústria,
é insustentável.
No mundo atual muitos são os fatores que não são tratados por este modelo
de desenvolvimento, que são interessantes citar: a) incremento populacional
descontrolado, principalmente em países em desenvolvimento - a população
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-
mundial, desde 1990 cresce em mais de 100 milhões de pessoas ao ano - o que
aumenta as discrepâncias sociais, os problemas de miséria, a fome, etc; b) a aguda
devastação das florestas, que compromete o equilíbrio da biosfera; c) a degradação
de solos agricultáveis, com desertificação de áreas potencialmente produtivas,
contribuindo para problemas econômicos de amplitude social; d) o uso intensivo de
energia, principalmente de recursos fósseis, causando desequilíbrio ambiental e
problemas na qualidade de vida da população; e) o desperdício de água, isto é, a
anti-cultura de preservação de água, o que pode comprometer as futuras gerações,
f) alterações climáticas, que já ocorrem, como o efeito estufa, o el niño, que trazem
catástrofes para muitos países, como seca, radiação, chuvas excessivas, sem
contar os efeitos como terremotos e maremotos, que podem ser considerados como
reações da Terra ao abuso de seus recursos (ROTSTEIN, 1996).
Analisando-se todos estes fatores, que como observa-se, são externalidades
negativas à própria sobrevivência do planeta, o conceito de desenvolvimento,
através da ordem industrial, não traz soluções à sociedade, mas decreta seu fim.
É imprescindível um novo modelo de desenvolvimento, que se sustente, que
vise a economia ou a indústria como meio, e não como fim. É fundamental equilibrar
o ecológico, o cultural, o social e o econômico em uma combinação interacionista,
que permita a satisfação e qualidade de vida da sociedade presente sem
comprometer a sociedade futura (SAUVAGE, 1996).
2.3 A SUSTENTABILIDADE NO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO
Para que um modelo de desenvolvimento sustente-se, é vital que ele siga
além da economia, relacionando aspectos ambientais, sociais e culturais, como foi
observado no tópico anterior. Nessa linha de raciocínio, Sachs (1994) faz várias
considerações sobre a sustentabilidade, argumentando que o desenvolvimento deve
ser observado diante de uma visão de longo prazo, com referências estratégicas e
globais ligadas à uma dimensão territorial, combinando políticas setoriais para se
avaliar impactos ambientais, sociais, econômicos e seus efeitos cumulativos.
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-
Sachs (1994) ainda complementa esse ponto de vista listando seis razões
básicas para a prática de um desenvolvimento sustentável:
� A guerra contra o desperdício: economias obtidas com energia e uso de
recursos naturais, tais como coleta de lixo e reciclagem, que geram
empregos e se autofinanciam;
� A segunda revolução verde: a manifestação contra os latifúndios, o que
induz o êxodo urbano, por meio de políticas como a criação de pequenas
áreas agrícolas altamente produtivas;
� A biotecnologia: visa ao aumento da produtividade da biomassa,
promovendo a geração de energia por meio de combustíveis ecológicos
para o transporte ou para a indústria;
� A industrialização da área rural: significa criar pequenos pólos agrícolas
industrializados, descentralizados, que mudam o conceito de globalização,
gerando o desenvolvimento setorial que sustenta uma economia global e
não o contrário;
� Obras públicas: o investimento público deve ser priorizado para o
aumento da competitividade sistêmica, explorando mão-de-obra vinda de
associações ou cooperativas, visando sempre uma política de distribuição
igualitária de renda;
� Serviços sociais: gerar empregos por meio de serviços sociais sem
agregar custos aos cofres públicos, respeitando os limites orçamentários a
longo prazo.
Observa-se que Sachs (1994) enfatiza um "o quê" pode ser feito para dar a
sustentabiliade de um modelo de desenvolvimento, não se restringindo apenas à
conceituação teórica.
Henderson (1996) também faz uma sugestão de um modelo sustentável,
afirmando que a economia global tornou-se um "cassino financeiro", que para
funcionar precisa que alguém perca para que alguém ganhe, isto é, ainda se tem
mercados nessa economia atuando com o conceito do ganha-perde, mas que,
futuramente, tendem a se transformar em bens comuns ou em novos mercados,
ambos seguindo o pensamento do ganha-ganha. Para esta autora, o ganha-ganha
acontece quando há uma situação de retorno para todos os envolvidos em uma
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negociação econômica e reforça com exemplos que não só explicam essa situação
como também complementam a abordagem de Sachs (1994), os quais estão no
quadro abaixo (Quadro 1).
QUADRO 1 - NOVOS MERCADOS E BENS COMUNS
� Biodiversidade;� Ciência sistêmica do espaço e da Terra;� Espectro eletromagnético;� Oceanos, recursos hídricos;� Atmosfera, camada de ozônio;� Segurança, manutenção da paz;� Florestas, ecossistemas;� Saúde;
� Setores da atenção, da informação e damídia;
� Serviços de telecomunicações;� Recuperação do verde dos desertos;� Controle da poluição;� Energia renovável;� Reciclagem, administração dos recursos
ecológicos;� Setor "amoroso" (creches, asilos,
aconselhamento, reabilitação social,enfermagem);
� Infra-estrutura (ampliação dos transportes,telecomunicações, etc);
� Restauração de ecossistemas, curabiológica;
� Crescimento pessoal;� Educação, � Desenvolvimento social humano.
Novos Bens ComunsNovos Mercados
FONTE: Henderson, 1996.
Rotstein (1996) é mais um autor que enfatiza as ações de um
desenvolvimento sustentável. Ele afirma que a sociedade chegou a um ponto de
controle da "nave Terra" que só tem dois caminhos: a autodestruição ou a busca por
um desenvolvimento auto-sustentável. Enquanto há uma vertente inerte diante dos
perigos do planeta, existe outra que pensa em soluções para os problemas, tais
como o controle da natalidade; um sistema mundial de controle e combate à
desertificação; planejamentos e ações nacionais com integração global;
desenvolvimento internacional de políticas agrícolas, principalmente voltadas à
alimentação; coordenação da cultura de uso da água; a reorganização da utilização
de energia, visando a evolução técnico-científica, principalmente na busca de novas
alternativas energéticas.
Estes autores (SACHS, 1994; HENDERSON, 1996, e ROTSTEIN, 1996),
como se pode concluir, são unânimes em um ponto: deve-se priorizar atividades
econômicas que se auto-financiem, ou seja, que agreguem valor social, ecológico e
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cultural em todos os sentidos, gerando empregos, preservando o meio ambiente e
ainda inovando o conhecimento técnico e científico.
Todas essas visões partem de um ponto de vista macro de "o quê" deve ser
feito para buscar o desenvolvimento sustentável, face aos problemas causados ao
planeta pelo modelo clássico, apresentados no tópico anterior. Para que se
estabeleça um "como" em uma visão micro, ou seja, mais aprofundada da
realização do desenvolvimento sustentável, é importante que se conceitue este
termo.
Para Ferreira e Ferreira (1995), o desenvolvimento sustentável é um modelo
que deve superar os efeitos de arrasto do gigantismo industrial, combinando a
política, a cultura, a economia, a saúde e a ecologia em um novo paradigma
produtivo, visando a satisfação das necessidades humanas por meio das
potencialidades biofísicas, ultrapassando a racionalidade econômica comum e
realizando um "contrato natural" de evolução da sociedade.
Corroborando com essa visão, Viola e Leis (1995) afirmam que o conceito de
desenvolvimento sustentável ocupa uma posição de destaque no ambientalismo,
principalmente após a publicação do relatório da Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, "Nosso Futuro Comum", em 1987, popularmente
conhecido como Relatório Brundtland, que conceitua este modelo como aquele que
atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das
gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. Os autores
complementam que há duas formas de atingir a sustentabilidade, por meio de dois
conceitos-chave. Um deles é o conceito de necessidades, que trata sobretudo das
necessidades dos pobres do mundo, que devem receber prioridade máxima; o outro
é a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe
ao meio ambiente, impedindo-o de atender as necessidades presentes e futuras.
Segundo Andion (2003), a base da noção de sustentabilidade atribuída ao
termo se dá com a interação entre o ambiente e o desenvolvimento, ultrapassando a
perspectiva econômica. Para a autora, este conceito surgiu na década de 80, no
quadro das próprias organizações e se expandiu rapidamente nas ciências sociais,
sendo popularizado a partir de eventos internacionais de ecologia, como a Eco 92,
realizada no Rio de Janeiro, onde ganhou um sinônimo: ecodesenvolvimento.
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Sachs (1994) é um dos percursores deste conceito e afirma:
“o ecodesenvolvimento é um projeto de Estado e sociedades, cujo centro dodesenvolvimento econômico é a sustentabilidade social e humana capaz deser solidária com a biosfera, que se divide em cinco dimensões:sustentabilidade social, econômica, ecológica, espacial e cultural”.
Em razão da sustentabilidade estar atribuída a diferentes valores diante das
necessidades da sociedade, a integração entre esses valores é uma das
dificuldades para a consolidação deste tipo de desenvolvimento e portanto, alvo de
muitas críticas, até porque hoje, pelo que se pode ver, ainda não há uma
unanimidade entre os autores.
Para contrariar a “sustentabilidade do desenvolvimento sustentável”, Romeiro
(1999) afirma que o equilíbrio entre o ecológico e o crescimento econômico é quase
uma utopia, pois o mundo hoje, da forma como está estruturado, permite o
crescimento econômico independente da preservação ambiental, o que pode
acontecer por meio de duas interpretações: a primeira, de que os recursos naturais,
independente do que sejam, podem ser substituídos; a segunda, que atrela ao
progresso técnico e à evolução tecnológica a solução para descobertas de novos
recursos naturais ou artificiais.
O próprio Romeiro (1999) reconhece que essas duas correntes interpretativas
acabam orientando-se para o mesmo fim, a não preocupação com o ambiente no
qual a economia atual está envolvida, contestando então o conceito de
sustentabilidade.
Lima (2003) também acrescenta críticas à definição de desenvolvimento
sustentável, afirmando que existe uma incompatibilidade entre a economia e a
ecologia, justificando que em um mercado capitalista os objetivos da
sustentabilidade apenas alocam-se na retórica e não na prática. Este autor ainda
salienta que devido a racionalidade econômica estar voltada à concentração, a
sustentabilidade, que precisa da distribuição, acaba não respondendo à crise social
de desigualdades e de escassez de oportunidades.
As críticas, embora até certo ponto válidas, uma vez que o mundo realmente
encontra-se em um paradigma capitalista, voltado à concentração prioritária de bens
e riquezas, mesmo assim tem ramificações para os valores do desenvolvimento
sustentável, ainda pouco expressivas, que por um problema de desigualdade de
24
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combinação entre essas dimensões, ainda coloca o conceito da sustentabilidade em
um estado embrionário.
Toda essa desigualdade entre as dimensões do desenvolvimento sustentável
é retratada a partir de uma visão global, isto é, analisa-se o conceito como um todo
e não uma determinada experiência de desenvolvimento.
Tenta-se generalizar um conceito para a realidade social mundial, o que é
praticamente uma utopia, pois há enormes disparidades culturais, políticas,
econômicas, ecológicas e sociais entre os países, justamente as próprias
dimensões de análise deste modelo de desenvolvimento.
Mas quando o foco é no local, a realidade muda. Gutberlet (1998) argumenta
que se pensando localmente e agindo-se globalmente pode-se chegar mais
rapidamente ao desenvolvimento sustentável, pois parte-se para a execução de
ações para aquela determinada região, estabelecendo estratégias customizadas no
território para atender as demandas daquela sociedade, de acordo com a realidade
presente, o que gera resultados visíveis e possibilita que ela se prepare para a
escala econômica global. É um desenvolvimento de baixo para cima, ou de dentro
para fora, ou melhor, do local para o global.
2.4 O DESENVOLVIMENTO LOCAL
Para Andion (2003), a ênfase na questão do desenvolvimento local é um tipo
de investigação multi-disciplinar que está sendo fortemente estudada por áreas
como a sociologia econômica, a economia geográfica e a geografia socioeconômica
e a partir deste trabalho, pela administração estratégica.
Andion (2003) ainda reforça que o foco no local não se trata apenas de mais
uma dimensão do desenvolvimento, mas de fato engloba “o como” manifesta-se,
aproveitando os recursos e os atores de um determinado território e colocando-os
em competitividade de escala externa, podendo ser regional, nacional e até mesmo
global. O local, nesse caso, entra como efeito de união dos envolvidos da base de
raiz para uma economia.
Sauvage (1996) defende a idéia de formação de uma base de raiz para que a
economia global possa ser sustentada. Para ele, mesmo para uma economia
macroambiental, é no microambiente que a economia se desenvolve, sendo preciso
25
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preservar as bases, até para possibilitar que as futuras gerações colham os frutos
gerados por essa economia, proporcionando o crescimento financeiro, a qualidade
ambiental e a integração social. É nesse cenário que o desenvolvimento local
mostra sua importância.
Em termos de conceituação, Andion (2003) afirma que o desenvolvimento
local é um novo tipo de desenvolvimento que agrupa conceitos pós-fordistas, com
foco em valores mais amplos que a produção de bens de consumo, voltados à
sustentabilidade, proteção de bens e valores sociais, políticos, culturais e
ambientais, isto é, um tipo de desenvolvimento cuja participação ativa do território e
da comunidade local são fundamentais.
Para Casarotto Filho e Pires (2001), o desenvolvimento local atribui-se a um
processo de orientação à especialização e à complementaridade produtiva de
habitantes de uma região, nas esferas pública ou privada, que contribui para a
aceleração do crescimento. Em termos práticos, esse crescimento é a capacidade
de se criar em condições locais certas regras que possibilitem a cooperação entre
os atores com o objetivo do desenvolvimento individual e comum, o qual gera
acúmulo de conhecimento e crescimento coletivo. Estes autores também completam
que o desenvolvimento local é uma espécie de cooperação de competências, que o
regionalismo, em si, é uma resposta à globalização e que esta nada mais é do que a
competição de diversos sistemas locais abertos ao mundo.
Semelhante a esse conceito, o próprio Comitê Econômico e Social das
Comunidades Européias define que o desenvolvimento local é um processo de
reativação da economia e dinamização de uma sociedade territorial, fundamentado
na otimização de recursos endógenos, objetivando o crescimento da economia, a
geração de empregos e a melhoria da qualidade de vida (MARTINS, 2002).
Wittmann, Dotto e Boff (2003) complementam esta definição afirmando que o
desenvolvimento local apóia-se em diferentes modelos e fatores que proporcionam
diferentes dinâmicas e práticas, envolvendo um conjunto de princípios, como
associativismo, capital social, liberdade, cultura, tradição e crenças que podem
potencializar uma determinada região. Estes autores ampliam a conceituação do
desenvolvimento local ao envolver o capital social.
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O capital social é o conjunto de normas, instituições e organizações em que a
confiança e a cooperação entre as pessoas, a comunidade e a sociedade formam
um conjunto, permitindo produzir bens públicos, reduzir custos de transações e
constituir uma sociedade saudável (VALENTIM, 2003).
Valentim (2003) disserta sobre o tema capital social estabelecendo uma
discussão sobre o conceito. Enquanto uma corrente define capital social como a
medida do grau de confiança entre os atores de uma sociedade, as normas de
comportamento cívico praticadas e o nível de associativismo, outra argumenta que o
capital social se apresenta em uma perspectiva individual e também coletiva,
salientando que há uma interação equilibrada entre essas vertentes de orientação
de desenvolvimento. Já uma terceira corrente ressalta a importância da questão de
confiança e de cooperação entre os atores sociais, o que exige muita reciprocidade.
E uma quarta encerra a discussão teórica estabelecendo que deve haver uma plena
coesão entre o governo, os comportamentos individuais e coletivos para que a
sociedade se beneficie como um todo.
Como se percebe, apesar de não haver consenso entre essas correntes que
dissertam sobre capital social, pode-se descrever algumas características comuns a
todas elas, como a confiança entre as pessoas, o objetivo de crescimento do
indivíduo através do crescimento coletivo e a necessidade de políticas que permitam
fomentar a cooperação e a reciprocidade entre os atores sociais.
Visto dessa maneira, o capital social certamente tende a ser um elemento de
importância para a evolução do desenvolvimento local.
O termo “capital” empregado neste conceito representa uma ampliação
teórica do que se estabelece como capital. Nos anos 60 foi proposta a noção de
capital humano, esta que se consolidou na literatura em diversos campos de
conhecimento culminando, mais tarde, no conceito de desenvolvimento humano
(MORAES, 2003). Percebe-se aí uma referenciação direta entre capital e
desenvolvimento. Por outro lado, nos anos 90, aparece, a partir dos estudos de
Putnam (1996) sobre o desenvolvimento de regiões da Itália, o conceito de capital
social. E mesmo que o termo social expanda os valores do que é capital, ainda é um
elemento que fomenta um outro tipo de desenvolvimento, o local, mas que ainda
assim abrange o crescimento econômico, mesmo que em menor escala e com
outros pontos focais de análise.
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Avançando sobre a conceituação de capital social e sua importância como
elemento fundamental para a consolidação do desenvolvimento local, Doniak (2002)
caracteriza um outro tipo de capital, supostamente a base para o desenvolvimento
local, denominado capital territorial. E, por sua vez, o capital territorial tem oito
princípios que reforçam essa argumentação:
� Gestão de recursos físicos: principalmente os naturais, como por exemplo
relevo, águas, minerais, fauna e flora, atmosfera, etc.;
� Cultura e identidade do território: são os valores existentes no local, como
costumes, interesses, mentalidade, hábitos, vocações, etc.;
� Pessoas: aqueles que vivem no território e fazem parte da sociedade
local;
� Competências: o conhecimento implícito e explícito da forma como se
busca a evolução e o desenvolvimento;
� Instituições: são as entidades que regem as regras do local, que fazem a
gestão do local, responsáveis também em igual teor pelos recursos
financeiros, representando os interesses de investimentos dos atores que
participam do dia a dia do território;
� Atividades empresariais: são as instituições que fomentam a economia do
local, ligadas à geração de empregos e venda de produtos e serviços ;
� Mercado: a interação entre o local e os mercados com que realiza
transações econômicas;
� Imagem: é a percepção do território, tanto interna como externamente.
Observa-se que estes oito princípios são as dimensões de análise de um
modelo de desenvolvimento local, o que também compõe um modelo de
desenvolvimento sustentável, pois as questões ambientais, sociais, culturais,
políticas e econômicas são atendidas.
O capital territorial é, como se verifica, a riqueza da região, sendo uma massa
de fatores que em conjunto determinam o grau de desenvolvimento que a região
pode atingir. São elementos integrados e relativos unicamente àquele lugar.
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2.4.1 A Questão do Território e da Participação no Desenvolvimento Local
A região, ou melhor, essa visão de território é inerente ao desenvolvimento
local. Há muita discussão de que o local, a região ou o território seriam apenas mais
uma dimensão de análise do conceito de desenvolvimento, o que já foi
anteriormente contrariado por Andion (2003).
No entanto, de acordo com os oito princípios que constituem o capital
territorial (DONIAK, 2002), o local não é apenas uma dimensão, mas o modus
operandi do desenvolvimento. E, por possuir toda essa complexidade não pode ser
apenas uma dimensão de análise.
Doniak (2002) cita que muito que se atribui ao sentido de território é o mesmo
dos animais, isto é, o habitat natural, mas quando se fala do território habitado por
humanos, esse sentido é ampliado. Para o autor, o território humano não é apenas
um lugar onde se vive, mas um local que exige uma governança; que se tem uma
preocupação com o destino e com a construção de um futuro, características únicas
dos seres humanos.
O território não deve ser entendido como uma limitação geográfica, pois esse
conceito pode ser estendido para uma particularidade cultural. Pode ser
compreendido como território uma determinada comunidade (religiosos, pescadores,
etc), um bairro, ou um município; enfim, uma região que não ultrapasse grandes
fronteiras, mas que tenha raízes culturais, características próprias ou peculiaridades
que podem ser percebidas facilmente.
Haddad (2002) complementa a questão do local referenciando que este tipo
de desenvolvimento possui algumas características próprias, como a concentração
geográfica, o elevado grau de especialização setorial, os grupos de micro empresas
sem nucleação por grande empresa ou empresa-âncora, o baixo nível de eficiência
coletiva baseada em economias externas e em ação conjunta, e a coesão e
intensidade na divisão de trabalho entre as firmas relativamente limitadas.
O local, por ser limitado geograficamente, permite que se visualize o
resultado de determinadas decisões. Se a esfera pública toma iniciativa, a própria
sociedade local analisa e confere os impactos de tal decisão. Se a sociedade se
mobiliza, todos enxergam o resultado. Quando o contexto é menor e limitado
geograficamente, tende a ser mais fácil analisar e observar impactos gerados pelas
decisões.
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O desenvolvimento local ganha importância em diversas disciplinas porque
ele revela como o desenvolvimento acontece. Pelo fato de limitar-se a um local, é
mais fácil perceber as interações entre os atores e os resultados em questões
econômicas, políticas, sociais e ecológicas.
Na linha da multidisciplinaridade do desenvolvimento local, Santos e Silveira
(2001) trazem uma visão geográfica da dualidade entre desenvolvimento e território,
enaltecendo que um determinado conjunto de empresas escolhe ou surge em um
território a partir do momento que o considera interessante para sua atividade
produtiva. Estes autores chamam isso de lógica territorial das empresas. O território
vai além de um simples espaço para a instalação da empresa, é um ponto de
vantagem competitiva que agrega valor em vários aspectos estratégicos para o
exercício da atividade da empresa.
A grande incoerência é que o desenvolvimento local nunca foi percebido
como agora, pois o desenvolvimento global sempre esteve mais presente e se
destacava como o fenômeno da economia. No entanto, com os efeitos do arrasto,
volta-se a visão para o local, que contrariamente a uma tendência de escala
econômica global, é um caso de prosperidade com ações contrárias ao que rege a
economia global.
Sachs (1994) enfatiza que o local é um modelo que deve ser atribuído como
estratégico às esferas públicas de todo o mundo, pois é muito mais fácil tomar
várias decisões para cada região, com resultados, do que tentar tomar decisões
mais amplas para várias regiões, mas que tampouco focalizam a necessidade de
cada local.
Casarotto Filho e Pires (2001) chamam essa estratégia de desenvolvimento
personalizada para cada local de descentralização e apontam como uma tendência
da economia moderna. Para estes autores, a descentralização permite que cada
região possa tornar-se competitiva utilizando seus próprios recursos, sejam eles
humanos, naturais ou até materiais.
Esse tipo de estratégia torna o desenvolvimento local um evento sui generis,
o qual é fruto do pensamento e da ação da escala humana em um nível de
interação que confronta problemas com soluções que visam o aumento da
qualidade de vida dos habitantes da região, da comunidade em si. Nesse sentido, o
local não é apenas o território onde esse pensamento e ação se manifestam, mas é
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um fator relevante, um agente tão forte que pode facilitar ou dificultar o
desenvolvimento (MARTINS, 2002).
Embora muitos autores considerem o local como uma atribuição conceitual
do desenvolvimento, outros opõe-se a essa idéia. Veiga (2002) argumenta que o
local é apenas mais um adjetivo ao amplamente teorizado conceito de
desenvolvimento, pois mesmo com as experiências de progresso e sustentabilidade
em determinados locais, ainda é cedo para atribuir-se uma adjetivação a um
conceito tão estruturado.
Em posição contrária, Froehlich (1999) faz um discurso importante nessa
questão do local e o desenvolvimento. Segundo ele, a concepção clássica do
desenvolvimento se focava em dimensões temporais, que hoje não atendem as
necessidades do mundo moderno e por isso se pensa ativamente em uma lógica
espacial para revitalizar o desenvolviment