O roubo do elefante
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O ROUBO DO ELEFANTE
Você tinha que roubar logo o elefante?
-Pois é...
-Tanta coisa no circo para roubar logo o elefante?!
-Agora está feito...
-Podia ter roubado os cachorros amestrados.
-Verdade.
-Roubava um por um. Passava pelo guarda com um cachorro de cada vez, pela coleira. Quem
ia adivinhar que o cachorro não era seu?
- Ninguém.
-Podia ter roubado um macaco. Saia com ele no colo.
- É, se o guarda me visse?
-Dizia que era seu irmãozinho, que tinha começado a passar mal.
-É e se o guarda dissesse. “ele está parecendo um macaco”?
- Você gritava: meu Deus, é mesmo! Preciso levar ele num hospital, rápido!
- Certo.
- Podia ter roubado a foca.
-A foca?
- Vestia ela com uma capa, enterrava um chapéu na cabeça, quem ia dizer que não era um
parente seu com pé chato e bronquite?
-É...
- Podia ter roubado o leão
-Sei não...
-Era só mudar o penteado e ele passava por um cachorro grande. E o tigre?
- Passava por gato?
-Não seria fácil, mas o guarda acabaria convencido. Você está entendendo?
-Sei.
- Podia ter roubado o cavalo. Passava pelo guarda montado nele, dizendo que tinham acabado
de roubar o tigre e que você estava perseguindo o ladrão. Também daria para conversar o
guarda. // No Brasil, o limite do que pode e do que não pode é a capacidade de se conversar o
guarda. Conversar-se, enrola-se, paga-se uma cerveja, dá-se um jeito e tudo acaba passando.
Agora; o elefante não. O elefante ultrapassou o limite.
- Sim.
- Não há nada a dizer pro guarda quando se é pego roubando um elefante. E muito menos o
que você disse.
- Que elefante?
- Exato. O guarda se sentiu ofendido. Você estava chamado ele de burro. Como “que
elefante?” O elefante estava ali. Aliás, nunca nada está tão ali como um elefante. O elefante é
está, inegavelmente, ali e sobre a qual nenhuma conversa é possível. Você não foi pego só
roubando um elefante. Isso já seria grave,mas houve o pior. Você foi pego sem uma
explicação.
-É...
- Por quê? Me diga: por que elefante?
- Sei lá. Tudo parecia tão fácil...
-Foi o desafio, é isso? Você queria testar sua própria ousadia e a elasticidade da tolerância
brasileira? Foi pesquisa sociológica, é isso?
- Não, não..
- Foi um impulso suicida, um mecanismo autopunitivo, você queria ser descoberto e castigado,
é isso?
- Não ,não..
-Então o que você queria roubando o elefante?
- Acho que queria o elefante.
- E olho no que deu..
- Mas aprendi minha lição.
-Nunca mais roubar elefantes?
-Não. Na próxima vez, arranjar uma boa explicação.
-Acho que não vai haver uma próxima vez para você.
-Vai. Ah. Vai.
LUIS FERNANDO VERÍSSIMO