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7/29/2019 o Retorno Do Real http://slidepdf.com/reader/full/o-retorno-do-real 1/25 Ha l Fost er 162 concinnit as          R     i          c     h         a          r     d            P          r     i    n          c         e  .          S      e      m    t         í    t    u       l        o         s    (         s    u    n         s      e    t      e         c        o      w          b        o       y    )  ,     1     9     8     1          e      1     9     8     9

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Ha l Fost e r

1 6 2 concinnitas

         R    i         c

    h        a         r

    d 

          P         r

    i   n

         c        e .

         S     e     m

   t        í   t   u      l       o        s

   (        s   u   n        s     e   t

     e        c       o     w         b       o      y   )

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que indicar igualmente esse real.30 Tais analogias entre o discurso psicanal ít ico

e as artes visuais valem pouco, se nada fizer a mediação ent re os dois. Porém,

aqui , tanto a teoria quanto a arte relaciona a repetição à questão da visual idade

e do olhar (g a z e ).

Mais ou menos contemporâneo à divulgação do pop e ao nasc imento do

super-realismo, o seminário de Lacan sobre o olhar sucede àquele sobre o rea l;

ele é muito cit ado, mas pouco compreendido. É possível  que haja um olhar

masculino e que o capi tal ismo esteja voltado para o sujeito masculino , mas

esses argumentos não encontram sustent ação nesse seminário de Lacan, para

quem o o lhar não está incorporado a um sujeit o, pelo menos numa primeira

instância. Numa certa medida, à semelhança de Jean-Paul Sartre, Lacan distingue

entre o ver (ou o olho) e o olhar, e em certa medida, como Merleau-Ponty, ele

sit ua esse olhar n o  m un do .31 Em Lacan, o que ocorre com a l inguagem também

ocorre com o olhar: ele preexiste ao sujeit o, que, “olhado por todos os lados”,

não é ma is do que uma  “mancha” no “espetáculo do mundo”.  Portanto,

posicionado, o sujeito tende a sent ir o olhar como uma ameaça, como se oquestionasse, e é por isso que, de acordo com Lacan, “o olhar, q u a  ob  j e t a , pode

vir a simbolizar essa fal ta central  expressa no fenômeno da castração”.

Ainda mais do que Sartre e Merleau-Ponty, portanto, Lacan desaf ia o velho

privi légio do sujeito na visão e na autoconsc iência (o v e  j o - m e  v e n do  a  m i m 

m e s m o  que fundamenta o sujeito fenomenológico), assim como o velho domínio

do suj ei to sobre  a  represent ação (“esse  aspecto de pertença  a mim da

representação, tão sugestivo de propriedade”, que imbui o sujeito cartesiano depoder). Lacan subjuga esse sujeito na famosa anedot a da la ta de sardinha que

boiava no mar, brilhando ao sol, parecendo olhar para o jovem Lacan que estava

30 Como veremos, esse ponto t r o u mático podeser associado com o ponto central na perspectivalinear, a partir do qual omundo retratado retribuio olhar do observador. A pintura de perspectiva

tem formas di ferentes de sublimar esse buraco:em pinturas rel igiosas o ponto freqüentementerepresenta a infinidade de Deus (na Ú l t i m a  C e i a ,de Leonardo ele toca o halo de Cristo), na pinturade paisagem, a infinidade da natureza (existemmuitos exemplos americanos no século XVIII), eassim por diante. A pintura  super-real ista,  eusugiro,   sel a ou mistu ra  esse ponto com  asup er f í c ie ,   enquanto mu i to da   ar t econtemporânea procura apresentá-lo dessa forma

– ou ao meno s op or-se   a   sua   forma desublimação tradicional .31 Lacan apóia-se, em particular, no Sartre deB e i n g  a n d  N o th i n g n e ss (1943) e noMerleau-Pontyde The P h e n o m e n o l o gy  o f  Pe r c e p t i o n (1945) .

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44 Rosal ind Krauss concebe, em C i n d  y  S h e r m a n ,

ess a dessub l imação como um   a t aque   àverti cal idade  sublimada da imagem  artí sti catradi c ional (New   York : Rizzol i , 1993).  El aigualmente discute a obra numa relação com odiagrama da visual idade de Lacan. Ver também adiscussão de Sherman em Kaja Silverman, T h e T h r e s h o l d  o f th e  V  i s i b le  W o r l d (New York: Routledge,

1996), que apareceu tarde demais para que eu o

pudesse  consultar.

45 Ver Julia  Kristeva,  P o we r s   o f   H o rr o r , trad.

Leon S. Roudiez (New York: Columbia UniversityPress, 1982).

arte com uma galeria de horríveis aristocratas (em uma substituição de tipos do

renasc iment o, barroco,  rococó e neoclass ic ismo,  com  alusões  a  Rafael,

Caravaggio, Fragonard e Ingres). A brincadeira torna-se perversa quando, como

em algumas fotograf ias de moda, a distância entre o corpo imaginado e o corpo

real torna-se psicótica (um ou dois modelos não parecem ter qualquer percepção

egóica) e quando, em algumas fotograf ias da história da arte, a desidealização

é levada a ponto de dessublimação: com sacos marcados por cicatrizes no lugar

de bustos e furúnculos no lugar de narizes, esses corpos rompem os limit es da

representação com propriedade, rompem, de fa to, com a própria subjetividade.

44

Essa virada  em direção ao grotesco é  acentuada nos  contos de  fada  e

imagens de desastres, alguns dos quais mostram terríveis acidentes de nascimento

e aberrações da natureza (uma jovem mulher com nariz de porco, uma boneca

com cabeça de um velho homem imundo). Aqui , como ocorre freqüent ement e

em filmes de terror e histórias de ninar, o horror significa, em primeiro lugar e

acima de tudo, horror à maternidade, ao corpo da mãe tornado estranho, mesmo

repulsivo, na repressão. Esse corpo é igualmente a cena primária do ab  j e t o , uma

categoria do (não)ser def inida por Julia Kristeva como nem sujeito, nem objeto,

mas antes de se tornar o primeiro (antes da int eira separação da mãe) ou depois

que se tornou objeto (como um cadáver entregue à condição de objeto) .45 Essas

condições extremas são sugeridas por algumas das cenas de desastres, infiltradas

como estão de significantes de sangue menstrual  e descarga sexual , vômit o e

Cindy Sherman. S e m  t í tu l o s  (#2  e  #153) ,1977 e 1985

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merda, decadência e morte. Tais imagens evocam o corpo virado ao avesso, o

sujeito lit eralmente abjetado, jogado fora. Mas também evocam o fora tornado

dent ro, o sujeito-como-figura invadido pelo olhar-do-objeto . A essa al tura,

algumas imagens passam para além do abjeto, que freqüentemente se relaciona

com substâncias e significados não só em direção ao i n f o r m e  – uma condição

descrita por Bataille, em que a forma significativa se dissolve porque a distinção

fundamental  ent re figura e fundo ou eu e out ro se perde –, mas também em

direção ao ob sc e n o , em que o olhar-do-objeto é apresentado c o m o  s e n ão h o u v e ss e 

u m a  c e n a  pa r a  e n c e n á - l o , n e nhu m a  m o l d u r a  r e p r e s e nt a t i v a  pa r a  c o nt ê - l o , n e nhu m 

a nt e pa r o .46

Esse também é o universo das obras pós-1991, as imagens da guerra civi l ede sexo, pontuadas por c l o s e - u p s  em corpos e /ou partes de corpos simuladamente

deformados e /ou mortos. Às vezes o anteparo parece tão rasgado, que o olhar-

do-objeto não só invade o sujeito-como-figura, mas o domina. E em algumas

imagens de desastres e guerra civi l intuí mos o que seria ocupar a terceira posição

impossível no diagrama lacaniano, receber o o lhar pulsante e mesmo tocar o

objeto obsceno, sem a proteção do anteparo. Em uma de suas imagens, Sherman

fornece a esse olho mau sua própria visada terrificante.

Nesse esquema, o impulso para destruir o sujeit o e rasgar o anteparo levou

Sherman de seus primeiros trabalhos, em que o sujeit o é captado no olhar, via

trabalhos intermediários, em que ele  é envolvido pelo olhar, até os mais recentes,

em que ele é obliterado pelo olhar, apenas para retornar como partes de bonecos

desconjuntados. Mas esse ataque duplo sobre o sujeit o e sobre o ant eparo não

ocorre apenas com Sherman; acontece em várias frentes na arte contemporânea,

nas quais ele é colocado, quase abertamente, a serviço do rea l.

Esse trabalho evoca o rea l de di ferent es  formas.  Começarei com duas

abordagens  que beiram o ilusionismo. A primeira  envo lve um ilusionismo

prati cado menos em imagens do que em objetos (se ele se relaciona com o

super-real ismo, é então referindo-se às  figuras de Duane Hanson e John de

Andrea ). Essa arte faz de forma in tencional o que alguma arte super-rea lista e

app r op r i a t i o n a r t  faziam de forma inadvertida, ou seja, empurra o ilusionismo até

o ponto do rea l. Aqui , o i lusionismo é usado não para encobrir o rea l com uma

superfí cie de simulacro, mas para d e s cobri- lo em coisas misteriosas, que são

freqüentemente também incluídas em p e r f o r m a n c e s . Com esse fim, alguns artistas

provocam o estranhamento com relação a objetos cotidianos relacionados com

o corpo ( como os urinóis selados e as pias esticadas de Robert Gober, a mesa

com natureza-morta que recusa ser morta, de Charles Ray, e os aparatos quase

atlé ti cos, desenhados como el ementos de p e r f o r m a n c e  por Mat thew Barney) .

Outros artistas tornam estranhos alguns objetos infant is retornados do passado,

freqüentemente distorcidos em escala ou proporções, com um toque de sinistro

(como nos pequenos caminhões ou nos enormes ratos de Katarina Fritsch) ou de

46 Com  respe i to a  essas di ferenças, ver :“Conversations on the In form and the Abject ,”O c t ob e r  67 (Wint er 1993) .

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nós”,  responde o coelho .

80  Porém  seria  esse ponto niil ista  a  epítome do

empobrecimento, que o poder não pode penetrar? Ou seria ele um lugar de onde

emana o poder em uma forma nova? Será a abjeção uma recusa do poder, o seu

estratagema, ou sua  reinvenção?81  Finalmente,  seria  a  abjeção um  espaço-tempo para além da redenção? ou o caminho mais rápido em direção à graça

para estrategistas-santos contemporâneos?

Por meio das culturas artí sti ca, teórica e popular (no SoHo, em Yal e, na

Oprah) , há uma tendência a redef in ir a experiência, individual  e histórica, em

termos do trauma. De um lado, na arte e na teoria, o discurso sobre o t rauma

continua  a  cr í ti ca pós-estrutural ista do suj ei to , por outros meios, poi s,

novamente, num registro psicanal ít ico, não existe o sujeito do trauma: a posiçãoé evacuada, e nesse sentido a crít ica do sujeito é, aqui , a mais radical . De outro

lado, na  cultura popular, o trauma  é tratado como um  acont ecimento que

garante o sujeito, e nesse registro psicologizante, o sujeito , por mais perturbado,

retorna como testemunho, atestador, sobrevivente. Aqui se encontra de fato um

sujeito traumáti co, e ele tem autoridade absoluta, pois não se pode desaf iar o

trauma do outro, só se pode acreditar nele , até mesmo ident ificar-se com ele , ou

não. N o  d i sc u r s o  s ob r e  o t r a u m a , po r t a nt o , o  s u  j e i t o  é  ao  m e s m o t e m po  e v a c u ado  e ele v ado . E dessa forma, o discurso do trauma resolve magicamente dois imperativos

contraditórios da cultura hoje: anál ise desconstrutivista e polít ica de identidade.

Esse estranho renasc imento do autor, essa condição paradoxal de autoridade

ausente, é uma virada significativa na arte contemporânea e na polít ica cultural .

Aqui o retorno do real  converge com o retorno do referencial , e agora voltar-me-

ei para esse ponto.

82

80 Kelley,  cit ado em  Sussman (org.),  C a th o l i c T a s t e s , 86.

81 “O  autodesinvestimento nesses  artistas  étambém uma renúncia de autoridade cultural”,

escreveram  Leo Bersani e Ulysse Dutoit sobreSamuel Beckett , Mark Rothko e Ala in Resnais,

em Ar t s  o f  I m po v e r i s h m e nt (Cambridge: HarvardUni vers i ty Press , 1993).   No ent ant o,   el esperguntam: “Haverá, talvez um  ‘poder’ nessaimpotência?” Se positivo,  ela não deveria  ser,por sua vez, questionada?82 Alguns  comentários  suplementares: (1) Se

há ,   como observaram  alguns, uma vi radaautobiográf ica na arte e na crít ica, ela  é sempreum gênero paradoxal , pois é possível  que nãoexista um  “eu”  lá . (2) Da mesma  forma que odepressivo é duplicado pelo agressivo, tambémo traumat iz ado pode to rnar-se host i l ,   e oviolado, por sua vez, violar. (3) A reação contrao pós-estrutural ismo, o retorno do real , tambémexpressa uma nostalgia por categorias universaisde ser e de experiência. O paradoxo é que esserenasc imento do humani smo ocorrer ia noregistro do traumático. (4) Em alguns momentosdeste  capítulo, permit i que os  conceit os de

trauma e abjeto se tocassem,

  como ocorre nacultura, ainda que sejam teoricamente distintos,

desenvo lvidos  em di fe rent es  corrent es dapsicanál ise.