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ELISA DE CAMPOS BORGES O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS” Pontifícia Universidade Católica São Paulo - 2005

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ELISA DE CAMPOS BORGES

O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO COMUNISTA

CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM

REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”

Pontifícia Universidade Católica

São Paulo - 2005

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ELISA DE CAMPOS BORGES

O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO

COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO,

NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica – PUC de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em História Social, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Rago Filho.

Pontifícia Universidade Católica

São Paulo - 2005

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À minha mãe, poetisa, guerreira que muito me

ensinou a lutar pelos meus sonhos.

À memória do meu pai, Dirceu Borges Ramos,

militante estudantil que chorava quando nos

contava a luta contra a ditadura brasileira.

À todos aqueles que acreditaram num novo projeto

e resistiram aos canhões e porões da ditadura

chilena.

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AGRADECIMENTOS

Ao final de cada trabalho parece que temos ainda muito mais a contribuir, a

pesquisar e a questionar. É com esse sentimento que escrevo esse agradecimento, tendo a

certeza que este trabalho terá continuidade, quem sabe, num futuro próximo.

Gostaria de agradecer inicialmente à CAPES pela bolsa concedida, pois sem ela não

seria possível a realização dessa pesquisa.

Ao Professor Dr. Antonio Rago Filho, meu orientador, por acolher uma

“estrangeira” e desde o primeiro momento incentivar e apoiar a realização deste trabalho.

Obrigada pela paciência.

À Professora Dra. Vera Lucia Vieira e à Professora Dra. Maria Aparecida de Souza

Lopes por comporem a Banca de Qualificação, oferecendo sugestões importantes a esta

pesquisa.

A minha mãe, poetisa Heloisa, que foi sempre minha maior incentivadora a

aprofundar meus estudos. Obrigada pelas correções dos meus textos que sempre chegavam

muito em cima da hora!

Aos meus irmãos Rogério e Carolina.

Aos amigos do Partido Comunista do Brasil que sempre torceram por mim, com

destaque para Ricardo Abreu, sempre a me incentivar e ajudar a concretizar a possibilidade

de me tornar mestra; ao José Reinaldo que fez contato com o PC Chileno; ao professor

Augusto Buonicori pelas sugestões.

À União da Juventude Socialista, que possibilitou minha ida à Santiago.

Ao Partido Comunista Chileno e às Juventudes Comunistas do Chile pela forma

carinhosa que me acolheram neste fantástico país, tão marcado e ferido pela ditadura militar

e ainda com um povo surpreendentemente lutador!

Meus agradecimentos especiais à Marcela Spíndola, Sergio Sepulvida, César,

Mônica, Cecília e tantos outros. Obrigada por me apresentar à obra de Vitor Jara, Violeta

Parra, as empanadas Chilenas, pelas discussões no Café Brasil, pelas ajudas nos Arquivos,

na articulação das entrevistas, nas visitas aos museus, ao Cemitério Central, parques etc.

Sem vocês, esse trabalho não seria possível e tenho muita consciência disso.

Aos dirigentes partidários Luis Corvalan e Eliana Aranivar pela entrevista.

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Ao Instituto de Ciências Alejandro Lipschutz, que mesmo tendo sua sede em

reforma, possibilitou a consulta de parte de seu acervo para minha pesquisa.

Às minhas amigas de apartamento, Carla, Daniela, Kathia, Fabiana, que agüentaram

por dois anos (no mínimo) a minha obsessão pelo Chile, meu mau humor, as angústias, as

alegrias e tristezas. Obrigada por acreditarem no meu trabalho e me ajudarem a nunca

desistir.

Às amigas de muito tempo Alessandra, Juliana, Luiza e Fabiana Pinto.

Agradeço sinceramente aos amigos André (que me cedeu a passagem de ida e volta

para o Chile, nunca vou me esquecer disso), Wadson, George, Julio, Fernando e Luciano,

por compreenderem o momento especial que é o de cursar um mestrado com a necessária

dedicação que ele requer, saibam que vocês também são responsáveis por esse caminhar.

A todos aqueles que de forma direta ou indireta tiveram sua contribuição neste

trabalho, às vezes sem nem saber o quanto estavam ajudando.

Àqueles que lutaram ou que ainda lutam pela construção de uma sociedade mais

justa e não poupam esforços e nem a vida na luta em defesa de um novo projeto, contra a

ditadura e à punição daqueles que tiraram e tiram a esperança de tanta gente.

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RESUMO

Este trabalho tem como proposta conhecer, compreender e acompanhar o esforço

para a implantação do projeto “via chilena ao socialismo”, idealizado pelo Partido

Comunista do Chile. Este projeto propunha a passagem do regime capitalista chileno para o

socialista a partir da manutenção da institucionalidade, sem insurreições ou luta armada.

Essa formulação teve uma grande repercussão no projeto político da Unidade Popular que

levou à Presidência da República Salvador Allende em 1970.

Para realizar essa pesquisa foram utilizadas como fonte uma bibliografia sobre a

Unidade Popular, sobre o nosso objeto de pesquisa, diversos documentos do PC, assim

como depoimentos pessoais que se constituem fonte oral para estudos da História.

Na introdução, realizamos uma caracterização do PC e do projeto que se desdobrará

no primeiro e segundo capítulo, assim como uma contextualização do sistema econômico e

político chileno. No Capítulo I levantamos algumas discussões realizadas sobre a via

“pacífica” ao socialismo. Também procuramos identificar o desenvolvimento político do

Partido Comunista através da sua política de alianças e seus fundamentos em diversas

eleições presidenciais.

Procuramos no Capítulo II refletir como as questões apontadas no capítulo anterior

vão influenciar na formulação da Revolução Chilena, sua repercussão entre os partidos de

esquerda e a consolidação da Unidade Popular para disputar as eleições de 1970.

No Capítulo III procuramos então, analisar a partir dos documentos partidários do

PC escrito entre 1970 e 1973, o comportamento político desse partido no cotidiano do

governo Allende.

PALAVRAS CHAVES: Partido Comunista do Chile, Socialismo, Unidade Popular, Via chilena ao Socialismo.

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ABSTRACT

This work have as purpose to know, to comprehend and to attend the effort for the

introduction of the project “the chilean way to socialism” idealized by the Communist Party

of Chile. This project has purposed the passage from chilean capitalist regime to socialism

based on the maintance of the establishment, without insurrections or armed conflicts. Such

formulation had a great repercussion in the political project of the Popular Unity, wich had

conducted Salvador Allende to Presidency of the Republic in 1970.

To accomplish this research it was made use of a bibliography as source about the

Popular Unity and about the subject of our research, many documents from the Communist

Party, and personal witness by the same way, which constitutes oral source for the studies

in History.

In the Introduction, we had made a characterization from the Communist Party and

from the original project of this research, that will be separated into the first and the second

chapters, such as a chilean political and economical contextualization. In Chapter I we had

upraised some arguments occurred about the “peaceful” way to socialism. We had tried

even to identify the political development of the Comunist Party along it’s policy of

alliances and it’s fundaments in several presidential elections.

In Chapter II we looked forward to reflect how the mentioned questions from the

past Chapter will influence the formulation of The Chilean Revolution, it’s repercussions

among the left-side parties and the for the Popular Unity consolidation to face the 1970´s

elections.

In Chapter III then we looked forward to analyze, from the Communist Party

documents written between 1970 and 1973, the political behavior of the Party in the

Alludes government quotidian.

KEY-WORDS: Communist Party of Chile; Socialism; Popular Unity; Chilean Way to

Socialism.

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SUMÁRIO

Lista de Ilustrações______________________________________________________________x

Lista de Tabelas ________________________________________________________________xi

Lista de siglas _________________________________________________________________ xii

INTRODUÇÃO________________________________________________________________16

CAPÍTULO I__________________________________________________________________27

1.1 - Algumas considerações sobre a história do Chile __________________________________27

1.2 - A fundação do Partido Comunista Chileno e suas primeiras dificuldades teóricas e

práticas________________________________________________________________________38

1.3 - O XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e a política da via pacífica.

______________________________________________________________________________54

1.4 - A repercussão do XX Congresso no Partido Comunista Chileno e a formulação teórica da

Revolução Chilena ______________________________________________________________69

CAPÍTULO II________________________________________________________________ 79

2.1 - Algumas reflexões do PC sobre a realidade Chilena para elaboração do programa de 1969

______________________________________________________________________________79

2.2 - O programa político do Partido Comunista Chileno de 1969 ________________________96

2.3 - As divergências entre PC e PS quanto ao projeto da via chilena _____________________111

2.4 - O programa da Unidade Popular _____________________________________________126

CAPÍTULO III ______________________________________________________________137

3.1 – Análise dos documentos do PC (1970-1973) – Breves Considerações _______________137

3.2 - Os documentos do PC de 1970 : Unidade, classe operária e mobilização social _______ 142

3.3 - Os documentos do PC de 1971: Mudanças econômicas, resistência, Comitês de Produção

____________________________________________________________________________ 159

3.4 - Os documentos do PC de 1972: Crise econômica, Batalha da Produção, Ultra-esquerda _ 173

3.5 - Os documentos do PC de 1973: Transição, eleições, crise e golpe militar ____________ 194

CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________________________ 213

BIBLIOGRAFIA_____________________________________________________________ 228

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 –Mapa do Chile _______________________________________________________xiv

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – INVERSÃO E TAXA DE RETORNO DAS COMPANHIAS NORTE

AMERICANAS MULTINACIONAIS DO COBRE ANACONDA E KENNECOTT – 1945 –

1965 _________________________________________________________________________ 29

TABELA 2 – QUADRO DE VOTANTES E POPULAÇÃO CHILENA _________________ 33

TABELA 3 – QUADRO DOS RESULTADOS ELEITORAIS PARLAMENTARES

CHILENAS DURANTE O PERÍODO DE 1912 A 1969______________________________ 34

TABELA 4 – QUADRO DA EVOLUÇÃO DA SINDICALIZAÇÃO NO CHILE: 1932 – 1970

_____________________________________________________________________________ 99

TABELA 5 – RESULTADO DAS ELEIÇÕES SINDICAIS NACIONAIS DA CUT – 1972

____________________________________________________________________________ 100

TABELA 6 – PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NA ECONOMIA CHILENA ________ 103

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LISTA DE SIGLAS

ACHA – Ação Chilena Anticomunista

API – Ação Popular Independente

CAP - Companhia de Aço do Pacífico

CC – Comitê Central

CEN – Comitê Executivo Nacional

CORA – Corporação de Reforma Agrária

CORFO – Corporação de Fomento à Produção

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DC – Democracia Cristã

ENAP – Empresa Nacional de Eletricidade

EUA – Estados Unidos

FOCH – Federação dos Operários do Chile

FRAP – Frente de Ação Popular

FTR – Frente de Trabalhadores Revolucionários

GMC – Grande Mineração de Cobre

IANSA – Indústria Açucareira Nacional

IC – Internacional Comunista

MAPU – Movimento da Ação Popular Unificado

MIR- Movimento de Esquerda Revolucionária

PC – Partido Comunista do Chile

PCC – Partido Comunista Chinês

PCR – Partido Comunista Revolucionário

PCUS- Partido Comunista da União Soviética

PDC – Partido Democrata Cristão

PIR – Partido da Esquerda Radical

POS – Partido Operário Socialista

PR – Partido Radical

PS – Partido Socialista

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PSP – Partido Socialista Popular

PSD – Partido Social Democrata

UP – Unidade Popular

URSS – União Soviética

USOPO – União Socialista Popular

VOP – Vanguarda Organizada do Povo

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Fonte: http://nossochile.vilabol.uol.com.br

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“Meu povo tem sido o mais atraiçoado deste tempo. Dos desertos do salitre, das

minas submarinas do carvão, das alturas terríveis onde jaz o cobre e onde as mãos de meu

povo os extraem com trabalho desumano, surgiu um movimento libertador de importância

grandiosa. Esse movimento levou à presidência da República do Chile um homem

chamado Salvador Allende para que realizasse reformas e medidas de justiça inadiáveis,

para resgatar nossas riquezas nacionais das garras estrangeiras.”

Pablo Neruda, Confesso que vivi.

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa pretende estudar um dos acontecimentos mais intrigantes e

singulares da história política em “Nuestra América”: o projeto de tornar o Chile um país

socialista por meio da via institucional, que se concretizou em um programa político

desenvolvido por alguns partidos chilenos, cuja efetuação foi possível com a vitória de

Salvador Allende para presidente em 1970. Portanto, a discussão da via chilena ao

socialismo será apresentada a partir das discussões formuladas pelo Partido Comunista

Chileno (PC) para depois entender como essa discussão influenciou no programa da

Unidade Popular (UP) e no governo de Allende.

A via chilena ao socialismo, era a formulação de como deveria ser a Revolução

Chilena, entendendo assim, como seria a mudança do sistema capitalista para o socialista, a

ascensão do proletariado na nova sociedade que se construiria, o rompimento com as velhas

instituições, a edificação de novas forças produtivas, as novas formas de democracia, etc.

A América Latina, nos anos 60 e 70, passava por um momento de muita

efervescência política, principalmente entre os partidos de esquerda, bastante influenciados

pelo significado da Revolução Cubana e pela difusão da filosofia marxista.

Por outro lado, havia uma intencional barreira por parte dos Estados Unidos para

conter a disseminação de idéias socialistas, principalmente a da ascensão de possíveis

governos de esquerda e movimentos revolucionários.

Com todas essas peculiaridades, o Chile em 1970 elegia pela coalizão de partidos, a

Unidade Popular (UP), da qual faziam parte: o Partido Socialista (PS), o Partido Comunista

(PC), o Partido Radical (PR), o Movimento da Ação Popular Unificado (MAPU), Partido

Social Democrata (PSD), Ação Popular Independente (API). Em 1971, o Partido de

Esquerda Radical ingressou na UP permanecendo até 1972 e o Movimento de Esquerda

Cristã (IC) se incorpora à UP em 1971. Cada um desses partidos tinham uma filosofia

política e em torno dela se organizavam classes sociais, frações de classe, etc.

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A construção da Unidade Popular e do seu projeto político foi um longo processo

histórico que envolveu diversos partidos e movimentos sociais chilenos. Foi necessária a

maturação de ideários políticos dentro principalmente do PC e do PS; a discussão de táticas

e de estratégias montadas por esses partidos, visando sua consolidação na vida política

chilena; a tentativa de se estabelecer um bloco de esquerda unificado para a disputa das

eleições chilenas e uma ação para retirar antigos setores tradicionais do comando do país,

além do debate de questões colocadas pelo movimento comunista e socialista internacional

e, ainda, todas as diversas variáveis e ramificações que a essas questões nos remetem.

A formulação da via não armada ou da “via pacífica” enfrentou muitos obstáculos,

sobretudo preconceitos por parte de diversos partidos políticos. A apresentação de uma via

alternativa à via armada, sem perder o seu caráter revolucionário e suas justificativas na

teoria marxista, foi um desafio grande, porém, defendido entusiasticamente pelo Partido

Comunista e por parte do Partido Socialista, destacando a figura de Salvador Allende.

Nesta pesquisa, procuramos remontar a discussão sobre a via pacífica, partindo do

pensamento do Partido Comunista Chileno, que apontamos como um dos principais

formuladores do projeto da via não-armada para o Chile incorporado como um dos

principais pontos no programa político da UP.

Para tanto, apresentaremos sua história, sua composição social, mas,

principalmente, o desenvolvimento de sua política para o país, utilizando resoluções

partidárias, documentos, panfletos, entrevistas e publicações, no sentido de compreender a

sua formulação e justificativa para achar possível uma via institucional para a

transformação do Chile em um país socialista por meio do sufrágio universal.

Portanto, a questão central deste trabalho é apresentar como a “revolução chilena”

foi pensada pelo Partido Comunista do Chile e como essa formulação influenciou no

programa da Unidade Popular e posteriormente no governo de Salvador Allende.

Foi com bastante surpresa que nos deparamos com justificativas baseadas nas

interpretações de leituras de Marx e Lênin e com a refutação de que o projeto não estava

relacionado com as polêmicas revisionistas. Por isso, no texto, procuramos apenas situar

algumas similaridades dessa discussão. As fontes também nos foram revelando com

bastante clareza que o PS, enquanto partido (apesar de haver discordâncias internas

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polarizada principalmente por Allende), não acreditava na possibilidade de uma revolução

sem armas.

A “via chilena” ou via não-armada foi uma formulação que propunha a passagem do

regime capitalista chileno para o socialista a partir da manutenção da institucionalidade,

sem insurreições ou luta armada, contando com a conquista do poder executivo. Daí,

aconteceriam mudanças no sistema econômico com a nacionalização de setores da

produção principalmente daquelas ligadas a extração de minérios (cobre, ferro, salitre),

seria promovida a reforma agrária, o gasto público com saúde, habitação, educação e obras

públicas seria incrementado; o setor bancário nacionalizado e, também, haveria a

substituição do parlamento pela Assembléia do Povo como órgão nacional, ao lado do qual

seriam criadas ainda outras instâncias de participação popular. Como a mudança do sistema

capitalista para o socialista dar-se ia a partir da transformação do caráter privado da

economia e da democratização da estrutura de poder na sociedade e no estado, a “via

chilena” não previa o estabelecimento da ditadura do proletariado a priori, pois afirmava o

pluripartidarismo.

Salvador Allende expôs em entrevista à imprensa chilena o objetivo democrático,

institucional e a tentativa de unir as forças progressistas. Ele pedia a colaboração de todos

os setores que estavam decididos a conseguir a superação do atraso, da miséria e do

sofrimento dos chilenos. Reafirmava que seu governo iria se situar dentro das leis vigentes

até que se pudesse estabelecer novas leis, assegurando ao país um estado de direito.

Allende assim se pronunciou no discurso da vitória, no dia 04 de setembro de 1970,

aos partidários da Unidade Popular, na Federação de Estudantes (FECH):

A Vitória não era fácil, difícil será consolidar nosso triunfo e construir a nova

sociedade, a nova convivência social, a nova moral e a nova pátria. Mas eu sei que

vocês, que fizeram possível para que o povo seja governo, terão a responsabilidade

histórica de realizar o que o Chile deseja para converter a nossa pátria em um país

inserido no progresso, na justiça social, nos direitos de cada homem, de cada

mulher, de cada jovem da nossa terra. Não basta falar da revolução. ... Juntos com

o esforço de vocês vamos realizar as mudanças que o Chile reclama e necessita.

Vamos fazer um governo revolucionário. A revolução não implica destruir, e sim

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construir, não implica arrasar, e sim edificar; o povo do Chile está preparado para

essa grande tarefa nesta hora transcendente de nossa vida.1

O Partido Comunista toma relevância em nossa pesquisa porque me intrigava muito

a forma como a formulação do projeto da “via pacífica” vinha sendo discutida pela

historiografia. O projeto da UP era analisado como um projeto repleto de divergências, mas

elas eram pouco explicitadas ainda no momento de formulação do projeto da UP, ou eram

utilizadas apenas para justificar os erros do governo. Pouco se falou nas diferenças internas

do Partido Socialista, e desse partido com o PC enquanto articuladores de uma nova

transição ao socialismo; pouco se falou na forma em que uma revolução sem armas fazia

parte da estruturação ideológica de um partido comunista e de outras questões que

perpassam essa discussão, sobre a maneira como foi construída a tática do PC, ponto que se

apresentava como uma de suas características fundamentais e que permitiu em

determinados momentos um caminho para alianças políticas mais amplas e, até mesmo, a

consolidação da via não armada em seu programa político.

O historiador Alberto Aggio2 enfatizava, que apesar do conservadorismo do PC em

relação à ortodoxia marxista-leninista, não se podia dizer que havia um “seguidismo

automático do PC chileno em relação aos Partido Comunista da União Soviética”, pois

desde a década de 1950, os comunistas seguiam uma lógica própria em relação à temática

de sua via nacional revolucionária, e que o XX Congresso do PCUS acabou por validar a

estratégia das “vias nacionais”.

Luis Corvalan, então presidente do Partido Comunista, dizia que os comunistas

foram os primeiros a propiciar no Chile a via chilena, não a retendo apenas na sua mera

formulação3. O autor Jorge Arrate dizia que a “força política que teve uma visão mais

próxima do que era o projeto da UP e a postura frente a esse projeto foi o PC”.4

Estas questões me instigaram ao trabalho da pesquisa: poder dialogar com o objeto

estudado e nele mesmo encontrar as pistas da discussão sobre o desenvolvimento da

1 QUIROGA,P.(orgs). Salvador Allende – Obras Escogidas 1970-1973.Santiago: crítica,1989, p.57-58. 2AGGIO, A. Democracia e Socialismo: a experiência chilena. São Paulo:Unesp,1993,p.83. 3 CORVALAN LEPEZ,L. El gobierno de Salvador Allende.Santiago de Chile:Lom,2003,p.124. 4 ARRATE, J. Protagonistas y Encrucijadas de la Unidad Popular. In: La Unidad Popular treinta años después. Santiago de Chile:Lom,2003,p.145

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possibilidade de construção da via chilena, que foi anterior ao processo de 1970 e de sua

atuação política durante o governo Allende.

O Chile, em 1970, estava passando por um processo iniciado mais ou menos há

quinze anos, de desenvolvimento econômico tecnológico extremamente concentrador e

excludente. A economia crescia de forma desigual. Em determinados setores crescia de 4 a

5 %, já no setor moderno, o crescimento chegava a 8%. Esse processo acentuava as

diferenças regionais, interferindo na estratificação social, na composição de classe e no

aprofundamento de suas diferenças. Era possível distinguir o proletariado industrial

moderno do outro tradicional, os setores médios ligados à burocracia estatal dos ligados à

burocracia privada, sem contar com a presença de uma burguesia moderna, ligada a setores

de maior concentração e dinamismo da economia. O sistema político chileno5,

pluripartidarista e com representação proporcional desde 1925, era caracterizado pelo

presidencialismo. Na década de 60, já era possível observar a divisão dos pólos políticos: a

esquerda, onde se aliavam comunistas e socialistas; a direita que unia liberais e

conservadores; e o centro geralmente se encontrava dividido em dois pólos,

respectivamente o Partido Radical com uma trajetória anti-clero e os Democratas Cristãos.

Uma observação: nenhum desses blocos sozinhos superava um terço do eleitorado.

No Chile, a política de coalizão perpassa toda a sua história política, não só nas

disputas governamentais, mas também nos movimentos sociais. Essas coalizões se dão

principalmente em articulações polarizadas pela esquerda e com forte caráter de discutir

programa e projeto político. Podemos dar como exemplo a construção da Frente Popular

em 1936, a Aliança Democrática em 1946, a Frente do Povo em 1951, a FRAP em 1956, a

UP em 1970. Cada uma dessas coalizões tem um caráter e uma concepção de aliança que

acabaria por determinar se dela participariam os partidos do centro e da própria esquerda de

forma unificada. Para o PC, sustentar, desenvolver e vencer, a revolução deveria contar

com uma correlação de forças que fosse favorável e se basear em uma ampla política de

alianças que pudesse incluir acordos e compromissos entre os mais vastos setores

5 Segundo reflexão de Manuel Castells, no Chile, o capitalismo dependente (em relação inicialmente à Inglaterra e depois das empresas norte americana) não interferiu de forma decisiva na autonomia política do país pelo menos até 1970, já que a grande maioria da população chilena não era requisitada para obtenção dos recursos minerais. Isso segundo ele, não quer dizer que não houve constantes interferências na política chilena, para inclusive manter sua exploração no setor de minérios, mas que em relação a outros países latino americanos foi relativamente pequena a interferência.

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partidários do “progresso social”. Essa política de coalizão seria rompida pelo golpe militar

em 1973, quando da instalação da ditadura militar.

A expressão eleitoral do PC, assim como sua inserção social, sofria influência do

desenvolvimento econômico, social e político. Nas zonas mineiras, onde as condições de

trabalho eram terríveis havia uma elevada politização dos trabalhadores e uma forte

tradição do Partido Comunista que nasceu fruto desses movimentos, principalmente nas

zonas de mineração, a sua atuação eleitoral se destacava. Isso também foi fruto da sua

proposta política que tinha uma profunda conexão com os conflitos e reivindicações de

classe produzidos nos setores de extração de minérios e na indústria.

Assim, o Partido Comunista era bastante enraizado entre os trabalhadores de regiões

mineiras e industriais. Tinha grande destaque eleitoral nas províncias de Tarapacá,

Concepción, Arauco Antofagasta e Valparaíso, tendo ainda bom aproveitamento em regiões

como Atacama, Coquimbo, Santiago e Talca. Já em regiões agrárias como Osorno,

Valdivia, Chiloé, Cutín, Colchagua, Nuble, Maule e Linhares tinha pouca inserção.

O PC como resultante da sua atuação política, da sua inserção no movimento dos

trabalhadores, da sua historicidade, do seu desenvolvimento teórico, acreditava na

possibilidade da via não-armada para se chegar ao socialismo. Assim, quatro questões

podem ser ressaltadas como de extrema importância para a formulação do PC: a primeira

está relacionada com o fato de que o movimento dos trabalhadores mais organizados e

politizados estarem agrupados em torno de dois partidos marxistas: o socialista e o

comunista e de ser orientado politicamente pela Central Única dos Trabalhadores,

diferentemente dos sindicatos de camponeses que se constituíram e foram patrocinados

durante os governos da Democracia Cristã. A segunda seria a sua possibilidade real de

aproximação com setores médios e a pequena burguesia, especialmente do setor terciário e

parte da classe média. A terceira, era o papel das Forças Armadas que tinha um histórico de

respeito à institucionalidade e a quarta, era a estabilidade política no sentido de respeito aos

resultados eleitorais. Resumidamente, essas questões seriam fundamentais para a

elaboração de um caminho em que se considerava possível a revolução para o socialismo

com pluralismo, democracia e liberdade6.

6 GARCES, J,Chile: el camino político hacia el socialismo, Barcelona:Ariel,1972,p.11

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Dividimos nossa pesquisa em três capítulos. No primeiro, o objetivo é realizar um

resgate da história do PC chileno, sua trajetória desde a filiação à Internacional Comunista,

de como isso influenciou em sua formulação política, tanto nos caminhos articulados para o

desenvolvimento da revolução chilena, quanto nos campos teórico e prático.

Procuramos discutir o fato do Partido Comunista ser filiado à IC, e a sua

composição social bastante expressiva no âmago do proletariado chileno, e de que modo

estes aspectos ajudaram a delimitar e a forjar um pensamento comunista voltado para a

realidade chilena. Por mais que o PC procurasse implementar as políticas apresentadas pela

IC, sempre criticou algumas das orientações em sua análise, como não condizentes com a

realidade específica do país. Poderíamos citar, para exemplificar, o fato do PC, em diversas

ocasiões, procurar consolidar uma aliança ampla entre os partidos políticos, incluindo os de

centro, por entender que essa tática traduziria a composição social chilena.

Neste primeiro capítulo ainda, levantamos algumas discussões realizadas no

importante XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, e os seus

reflexos para a consolidação, no Chile, da discussão de uma saída não armada para a

Revolução, inclusive do ponto de vista da fundamentação teórica.

No segundo capítulo, procuramos refletir sobre como todas aquelas discussões

anteriores, juntamente com a análise da sociedade chilena, foram fundamentais para a

formulação do programa do PC de 1969. Esse importante documento, talvez um marco na

história política chilena, propôs concretamente os caminhos a serem percorridos pela

revolução, assim como os seus limites e possibilidades.

É um documento ousado, que transgride muitos conceitos e muitos exemplos de

revoluções. Ele percorre o limiar de um caminho eleitoral, parlamentar e, ao mesmo tempo,

que contém rupturas e se apresenta como via revolucionária.

A política de aliança eleitoral do PC para as eleições de 1970, passa a ser

intermediado pelo documento de 1969. É baseado nele que o PC negocia a sua aliança

eleitoral para as eleições de 1970. Assim, este documento torna-se também referência para

uma proposta de um governo popular.

Apresentamos, então, as diferenças entre o posicionamento do PC e do PS sobre o

processo revolucionário que deveria ser engendrado no Chile. São nítidas as diferenças de

algumas das concepções fundamentais do projeto, o que acabaria por dificultar o

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desenvolvimento das ações do governo Allende. As diferenças começavam pela leitura da

realidade chilena, passavam pela política de alianças, e ainda, tocavam talvez no que fosse

a questão principal no projeto do PC: não se acreditava na possibilidade de uma via não

armada para a revolução no Chile. Tentamos entender como, com tantas diferenças, houve

a formulação de um programa conjunto, defendido, pelo menos inicialmente, pelo PS e pelo

PC e levado à população como um novo caminho para o país.

No terceiro capítulo, propusemo-nos a analisar, a partir de documentos partidários

do PC, escritos entre 1970 e 1973, o seu comportamento político no cotidiano do governo,

levando em conta toda sua trajetória anterior e seus desafios para se construir a “via” da

revolução chilena.

Para constituir a opinião política do PC, utilizamos como fonte bibliográfica obras

já escritas por historiadores, cientistas sociais, economistas, etc, documentos partidários que

relatavam as reuniões políticas do partido, entrevistas com o presidente do PC, o senhor

Luis Corvalan e com a deputada eleita, em 1972, Eliana Aranivar, além disso,

acrescentamos músicas, poemas de Plabo Neruda etc.

As fontes utilizadas, como bem lembra Jacques Ozouf7, são opiniões esclarecidas

que quiseram exprimir-se por escrito e de conhecimento público. A ideologia política, no

caso do PC, unificava sujeitos, grupos sociais, frações de classe em torno de uma série de

aspirações, idéias, prática política, conferindo uma identidade a este grupo. Apresentamos o

ideário político de um partido, construído a partir de seus sujeitos sociais, conferindo ao

espaço político como um lugar de conflito e de disputas pelo poder.

A história política aqui em questão, não está restrita à organização partidária ou à

instituições do estado, mas apresenta-se no seu sentido amplo, na compreensão dos

conflitos dos seus sujeitos sociais, as diferentes raízes, a relação do ser social com sua

consciência e identidade, resultando na prática política. A partir do nosso sujeito, o PC, que

ao mesmo tempo é composto por sujeitos sociais com vivências particulares e coletivas, é

que vamos analisar os escritos e discuti-los em relação à via chilena.

Assim, propomos que este trabalho seja visto como a releitura de um determinado

fato histórico, com a intenção de reconstituir a memória e opiniões de um partido que

7 OZOUF,J. A opinião pública. IN: História: Novos Objetos, Rio de Janeiro: Francisco Alves,1998,pp.186-198.

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participou dos debates, tensões e decisões da formulação e desenvolvimento da via chilena.

Cabe grifar: esse partido se apresenta como o primeiro a levantar a possibilidade de uma

revolução sem armas no país.

Além dos documentos escritos, também utilizamos como fonte a memória oral, a

partir da metodologia da história oral. Isso foi feito para se obter, por meio de

documentação oral, pontos de vista diferentes ou recuperar questões que os documentos

escritos pudessem estar omitindo ou desprezando. Buscamos resgatar do esquecimento a

memória de duas pessoas importantes para o processo estudado: Luís Corvalan Lepez,

secretário geral do PC e Eliana Aranivar, jovem deputada do PC de então.

Os desafios não foram poucos, mas de inegável significação para a compreensão das

lutas sociais contemporâneas e o papel da esquerda nos processos revolucionários.

Trajetória da Pesquisa

A paixão pela história latino-americana foi algo despertado pelos professores da

graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Apesar das dificuldades,

principalmente o acesso às fontes de estudos em outros países, senti-me mais e mais

desafiada a estudar a experiência chilena.

Desta maneira, a aproximação do tema escolhido ocorreu em 2000, por ocasião de

uma participação em um seminário realizado na Universidade Federal de Goiás. A partir

daí, iniciou-se a trajetória de pesquisas e leituras que culminou no trabalho de monografia

para a conclusão do curso de graduação e, posteriormente, nessa dissertação de mestrado.

No final das minhas leituras ainda no ano de 2000, sentia-me intrigada pela maneira

de como alguns autores apresentavam a forma como havia sido pensada a “via pacífica”.

Mostravam-na em suas diferenças somente a partir das crises institucionais, ou seja, depois

do governo Allende já eleito; ou tratavam-na de modo a dar pouco relevo aos outros

partidos que não fosse o PS.

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Ficava, por isso, o questionamento de como um Partido Comunista que se dizia não

revisionista, pudesse se envolver com um projeto tão inusitado e novo para o movimento

comunista, pois que negava os preceitos de um processo revolucionário de acordo com

Marx e Lênin.

Para responder a essas indagações era preciso perpassar por questões e discussões

levantadas pelos comunistas e, com surpresa, percebi estar diante de um dos principais

formuladores da possibilidade de desenvolvimento pacífico para a revolução.

Assim, com o desafio de tentar analisar a via chilena a partir do olhar do PC,

obstáculos foram surgindo. À princípio, questionamentos sobre o aspecto de que o tema já

era muito estudado, apesar de que nas pesquisas feitas o PC não recebeu relevância de

protagonista. Ainda o constante desafio de desvendar as pistas que me levariam às fontes.

Mas como o historiador tem uma ligação essencial com os arquivos, foram eles, já aqui em

São Paulo, que me fizeram aproximar dos primeiros documentos. E, então, quanto mais me

debruçava sobre eles, maior a certeza da riqueza deste tema e da necessidade de ir ao Chile

para uma visita investigativa.

Em oportunidade única, consegui chegar ao destino do meu objeto. Pude ir aos

Arquivos da Biblioteca Nacional, da Fundação Salvador Allende, às casas de Pablo Neruda,

ao palácio La Moneda, mas não consultei todo o arquivo do PC, porque estava fechado em

decorrência de reformas na sede do Instituto de Ciências Alejandro Lipschutz. Mesmo

assim, alguns comunistas responsáveis pelo acervo puderam me emprestar alguns

documentos para fotocopiá-los. Entretanto, muitos dos Boletins, Atas, documentos em

geral foram destruídos pela ditadura militar de Pinochet.

Ainda em Santiago, pude conversar e entrevistar Luís Corvalan Lepez, secretário

geral do PC no período estudado e Eliana Aranivar, jovem deputada eleita pelo PC, no

governo Allende.

Tive contato com livros, pesquisas, músicas, com a realidade da esquerda chilena

(muito diferente da brasileira), que muito me ajudaram a pensar sobre a peculiaridade dos

processos políticos latino-americanos.

Nos materiais trazidos estão discos, livros de historiadores e sociólogos chilenos e

sobretudo, documentos do PC. Por meio deles, inteirei-me das discussões apresentadas na

revista La Izquierda Chilena (cerca de seis volumes) e em parte dos Boletins Informativos,

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datados de 1969 a 1973, cujo volume com o registro das discussões corresponde ao ano de

1972, ano em que as articulações da direita para derrubar o governo ganharam grandes

proporções.

Essas fontes foram me revelando um lado formulador e conciliador do partido

enquanto sujeito histórico ainda pouco explorado no Brasil, e que daí em diante tornou-se

para mim um desafio.

Essa pesquisa também se dá num momento importante para história chilena, já que

o governo dá mostras de que quer apurar as atrocidades cometidas durante o regime militar.

Segundo o presidente Ricardo Lagos, pedir desculpas em nome do Estado às pessoas

torturadas e aos familiares daquelas que morreram é pouco. O principal para ele é certificar

de que esse tipo de coisa nunca mais aconteça no Chile. Uma longa batalha judicial para

identificação das vítimas, dos métodos de tortura, assim como a punição dos culpados

(incluindo Pinochet) e indenizações daqueles que sofreram com a ditadura, está ocorrendo

no país.

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CAPÍTULO I – O PROJETO DA VIA CHILENA DO PARTIDO COMUNISTA

CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM

REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”

1.1 – Algumas considerações sobre a história chilena

O Chile teve proclamada sua independência em 18 de setembro de 1810. Apesar de

proclamada, os espanhóis contra-atacaram e enviaram tropas para tentar recuperar o

território chileno. Após inúmeros combates, em 1814, os espanhóis acabaram vitoriosos e,

por isso contaram com a ajuda de setores conservadores das elites e também de alguns

grupos indígenas. Somente em 1817, houve uma contra ofensiva que terminou em 1818,

expulsando definitivamente os espanhóis. O Chile passou, então, pelo que o sociólogo Emir

Sader8, chama de período de anarquia, até a construção do aparelho de Estado nacional e do

sistema político do país.

Neste período, chamava-se de república conservadora, período que se estendeu de

1830 a 1860 e foi gestada pelo ministro Diego Portales. O direito de voto era limitado aos

proprietários de terras e a economia caracterizada como agrária de exportação. Sader ainda

afirma, que os objetivos dos governos conservadores no Chile, foi o de “pacificar” o país e

ainda desenvolve-lo a partir da atração de capital estrangeiro.

Os recursos minerais sempre tiveram papel importante na economia chilena, seja na

conquista e colônia com o ouro e a prata, seja nos séculos XVIII e XIX com o cobre. A

produção e exportação desses minérios e principalmente de salitre, modificou o caráter da

economia chilena.

Segundo Patrício Meller9, a história econômica do Chile sempre foi marcada pela

exportação de matéria prima sob controle estrangeiro. Entre 1880 e 1930, as exportações de

salitre eram a principal fonte econômica do país e estava dominada pelo capital britânico.

8 SADER, E.Chile (1818-1990) Da independência à redemocratização. São Paulo:Brasiliense,1991,p.15 9 MELLER, P. Um siglo de economia política chilena – 1890-1990.Santiago de Chile:Andrés Bello,1998,p.21

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Entre 1940 e 1971, o cobre era o principal produto de exportação e as principais minas

eram de propriedade norte-americana.

O ciclo do salitre no Chile durou de 1880 e 1930, tendo suas grandes reservas nas

províncias de Tarapacá e Antofagasta, que só foram pertencer ao Chile após a Guerra do

Pacífico (1879-1884). A exploração, em grande escala, estava sob controle majoritário dos

britânicos.

O fácil acesso ao mar possibilitou ao Chile tornar-se o maior produtor também de

nitrato, já que sua grande concentração estava ao norte. Entretanto, o salitre sem dúvida

alguma era o principal produto exportado, sendo em 1890 o responsável, sozinho, pela

metade das exportações chilenas até a primeira Guerra Mundial.

O governo chileno passou a participar da produção salitreira, por meio da tributação

das exportações, o que possibilitou o gasto público com obras de infraestrutura e

educação10.

Foi justamente no período de Guerra Mundial e com a Grande Depressão que as

exportações caíram substancialmente. A crise afetou a economia chilena, totalmente

dependente não só do mercado externo, mas de todo o processo da produção, desde técnicas

específicas como conhecimentos bancários e de comercialização, questões operacionais e

administrativas etc, dominados por empresários estrangeiros.

Para o autor Patrício Meller, parece estar claro que para o governo chileno, a

principal política do governo em relação ao setor de salitre foi o de extrair o excedente

através da tributação. O auge das exportações possibilitou um grande impulso ao setor

externo, transformando as estruturas fundamentais da economia inclusive no setor de bens

de consumo, mas esse desenvolvimento dependia de mercado e tecnologia estrangeira.

O cobre passa a ser explorado em grande escala, tornando-se um dos principais

produtos de exportação, a partir de 1920 a 1971. A produção vinha de inúmeras minas

pequenas, com baixa tecnologia e grande exploração do trabalho humano. As empresas

norte americanas iniciaram sua exploração, a partir de 1904, na maior mina subterrânea do

mundo, El Teniente e na maior mina a “céu aberto” do mundo, Chuquicamata. As empresas

10 Para se ter uma idéia, o número de estudantes da escola básica aumentou de 18.000 para 157.000; as ferrovias públicas passaram de 1.106km em 1890 para 4.579 km em 1920, diminuindo o percentual em relação às ferrovias sob controle estrangeiro: em 1890 chegava a 60% e em 1920 a 44%. Para mais informações ver MELLER, 1998.

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estrangeiras detinham tecnologia moderna para a exploração do cobre, e, além disso, capital

suficiente para esperar a lucratividade da exploração, pois esta não vinha de imediato. Para

se ter uma idéia do retorno obtido pelas principais companhias norte americanas na

exploração do cobre, a Anaconda e a Kennecott, apresentamos o quadro abaixo com uma

comparação entre o retorno para o Chile e para o resto do mundo. Não foi por acaso que

durante o governo Allende, essas duas empresas patrocinaram os boicotes ao governo

socialista.

TABELA 1 : Inversão e taxa de retorno das Companhias norte americanas multinacionais

de cobre – Anaconda e Kennecott, 1945-1965

Retorno sobre ativos (media anual %) Inversão (total do período US$ milhões)

Chile Resto do mundo Chile Total Mundial

1945-50 - - 35 195

1950-55 19,0 9,0 115 344

1955-60 25,9 9,5 168 519

1960-65 14,8 4,8 82 422

Fonte: Meller, p.39

Foi apenas em 1960, portanto quase quarenta anos após o início do chamado “ciclo

do cobre”, que o governo chileno começou a utilizar mecanismos para incrementar sua

participação na produção do cobre. Aumentaram os impostos à produção da Grande

Mineração de Cobre (GMC), o que possibilitou na captação de 61% das utilidades brutas

das exportações, aumentando inclusive as negociações entre governo e firmas norte-

americanas.

A tributação continuou sendo o principal mecanismo de participação do governo na

produção do cobre realizado pelas empresas estrangeiras, o que tornava cada vez mais

frágil a economia chilena. Toda técnica de produção era praticamente desconhecida pelos

chilenos. Mesmo com a criação em 1955 do departamento do cobre, que buscava fiscalizar

as operações das firmas norte-americanas da GMC, o que acabou gerando um corpo de

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profissionais chilenos como engenheiros, economistas, advogados, contadores, etc, que

analisavam as informações econômicas, mas tinham pouco acesso às informações vitais da

produção.

A crise ocorrida durante as guerras mundiais e a grande depressão ajudou a

demonstrar como a economia chilena era vulnerável, e seu conjunto de implicações, era

determinada pela conveniência da economia norte americana. Entretanto, os reflexos da

crise no Chile, ajudaram o desenvolvimento interno, ou seja, a industrialização interna

passou a ser o principal fator para o desenvolvimento da economia nacional, baseada no

crescimento e na substituição de importação. A indústria manufatureira teve grande

destaque, chegando ao índice de 24% na participação econômica, em 1970. Essa estratégia

de substituição de importação como instrumento de desenvolvimento nacional foi muito

criticada nos anos sessenta porque não estava se apresentando como alternativa à

dependência da economia em relação ao setor externo.

Anterior ao ciclo do salitre, o regime econômico era uma mescla de oligarquia

latifundiária e mercantilista. A oligarquia agrária controlava o governo e a maior parte da

população vivia em áreas rurais. Durante a expansão do salitre, a influência econômica da

agricultura começou a diminuir e os impostos das exportações de salitre aumentaram a

capacidade e tamanho organizativo do Estado.

Em 1883, criou-se a Sociedade de Fomento Fabril (SOFOFA), que utilizou desde o

princípio sua influência política para proteger indústrias nacionais incipientes. Alguns dos

novos empresários eram estrangeiros (imigrantes) vinculados a bancos estrangeiros. Mas a

maior parte eram capitalistas nacionais cuja riqueza vinha do minério ou da agricultura e

mantinham laços estreitos com a oligarquia agrária. O Estado, para Meller11, durante o

melhor período de produção salitreira, agiu como intermediário entre estrangeiros e a

sociedade chilena, se utilizando para captar excedentes das exportações e ainda gerar

empregos executivos para classe média.

Apenas em 1939, o governo apresentou a proposta de criar a Corporação de

Fomento da Produção (CORFO) que foi a primeira instituição pública no país que contava

com recursos para financiar atividades de inversão. Os empresários industriais estavam de

acordo com o papel mais ativo que o Estado estava tomando em relação a proteção da

11 MELLER, op.cit.,p.56

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produção nacional e estavam de acordo com a maturação de um programa nacional de

desenvolvimento. Entretanto, eram contra a criação de empresas estatais. As oligarquias

apoiaram a criação da CORFO, mas sob a promessa de que o governo não pressionaria a

criação de sindicatos na agricultura.

A CORFO foi tornando assim, o principal instrumento para promover o crescimento

através de políticas de desenvolvimento. Foram criadas as principais empresas estatais,

como a ENDESA (Empresa Nacional de Eletricidade - 1944), CAP (Companhia de Aço do

Pacífico – 1946), ENAP (Empresa Nacional de Petróleo – 1950), IANSA (Indústria

Açucareira Nacional – 1952) e durante o período de 1939 a 1973 dominou a vida

econômica chilena através da inversão direta em suas empresas estatais. Segundo dados

apresentados por Meller, a CORFO entre 1939 e 1954 controlava 30% da inversão total em

bens de capital, mais de 25% da inversão pública e 18% da inversão bruta total.12

Assim, aos poucos, durante os anos de 1940 a 1970, o Estado chileno adquiriu um

caráter de impulsor do crescimento econômico, aplicando reformas sociais de caráter

diverso, deixando nítido algumas das grandes contradições do processo de desenvolvimento

chileno, ou seja, uma grande e rápida evolução política e um lento desenvolvimento

econômico que refletiria na melhoria das condições de vida de grande parte da população

chilena.

Sintetizando, Meller13 define a trajetória do Estado chileno durante os anos de 1940-

1970 inicialmente, como “um Estado – promotor, que proporcionava o crédito para a

inversão industrial privada; logo Estado-empresário, através das empresas estatais; e

finalmente Estado-programador, que definia o horizonte de largo prazo do padrão chileno

de desenvolvimento e especificava aonde devia ir a inversão futura, fosse pública ou

privada, utilizando incentivos especiais de crédito impostos e subsídios”.

Durante a maior parte do séc. XIX, a economia chilena é fundamentalmente

agrícola. Até 1930, a população rural é superior que a urbana. Na agricultura predomina o

latifúndio que estabelece relações sociais de forma semi-medieval: existe o senhor-patrão

dono da terra, latifundiário e os inquilinos ou campesinos que produzem as terras do patrão.

Estão isolados da vida urbana, cultural, educacional e política e ainda possuem um nível de

12 MELLER, op.cit.,p.59 13 Ibid.,p.59

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vida bastante precário. A estrutura social do Chile se estabeleceu sobre bases agrárias. A

vida no campo era difícil e organizada para manter o poder dos latifundiários, não tendo os

trabalhadores direitos, mas apenas deveres.

O latifúndio dificultava o desenvolvimento econômico, social e político do Chile.

No econômico, utilizava-se tecnologia primitiva para a exploração da terra. Devido aos

baixos salários não havia incentivos para a introdução da tecnologia moderna; no social, era

um regime semipatriarcal e no político, uma reduzida oligarquia latifundista controlava a

grande massa dos campesinos. Menos de 10% dos proprietários eram donos de 90% da

terra.

Segundo Patrício Meller, a questão agrária na metade do século XX podia se

resumir da seguinte forma: das 400.000 famílias campesinas, 5% eram donas dos grandes

latifúndios; 3% era minifundista; 30% era proprietária de fundos de tamanho mediano e

35% não tinham terras.

O setor agrícola, o que menos crescia no Chile, apresentava uma taxa decrescente de

geração de emprego, com a produtividade em baixa, sendo necessário importar produtos

agrícolas.

Os trabalhadores urbanos também possuíam sérios problemas, pelo crescimento

acelerado das populações urbanas, gerando problemas habitacionais. Em 1910, 25% da

população (cerca de 100 mil pessoas) viviam em cortiços. A taxa de mortalidade infantil

chegava a 30%. Até 1920, as condições de trabalho eram precárias: não havia convênios

coletivos, todos os acordos eram individuais e verbais; não existia indenização por

acidentes, nem normas de higiene e segurança nas minas e nas fábricas, não havia jornada

máxima de trabalho regulamentado, não era obrigado ter o descanso aos domingos, e o

trabalho infantil representava 8,5% do emprego total em 1908.

As primeiras greves surgem depois de 1880. Mais tarde, a questão social se

transforma na bandeira de luta dos partidos de esquerda, não aceitando uma legislação

reformista como solução definitiva. Alguns acreditavam que a industrialização por si só

levaria o Chile ao desenvolvimento. De 1830 a 1920, prevalece no Chile o domínio de um

grupo ligado a terra, conservadora e católica.

A direita defendia o estabelecimento do que chamavam de voto plural, onde

algumas pessoas que tinham determinadas condições sociais deveriam ter direito a mais de

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um voto; defendiam a propriedade privada sem limitações; a intervenção do estado na

economia seria admitido apenas para defender a propriedade privada; e ainda achavam que

a pobreza era algo inevitável e até natural.

A partir de 1920, com o investimento do Estado oriundo das taxas de exportação do

setor de minérios, a classe média vai obtendo maior espaço na vida política do país. Neste

mesmo ano, começa a gerar um desequilíbrio crescente entre a incorporação de grupos

sociais ao processo político e o lento melhoramento econômico de parcela da população.

Há um aumento significativo no número de votantes nas eleições, fruto do lento processo

de urbanização e da maior pressão exercida por grupos sociais menos privilegiados.

Considerando a população em idade para votar, o percentual de votantes era igual ou

inferior aos 9%. O aumento do poder político do centro traz um aumento representativo no

número de votantes atingindo14 15%, principalmente com sua vitória eleitoral em 1938, do

centro e com o reconhecimento do voto feminino em 1947, os chilenos se sentem

estimulados a irem às urnas votarem, diminuindo o poder político da direita, ou daqueles

latifundiários que costumavam fazer alianças entre si e ainda utilizar atributos familiares

para escolherem ministros, parlamentares, etc. É neste contexto que se associa o

desenvolvimento econômico com a expansão dos partidos do centro e da esquerda.

TABELA 2: Quadro de votantes e população chilena (mil pessoas)

Participação relativa de votantes em Pop. total Pop. em idade de votar Votantes Pop. total Pop. em idade de votar

(1) (2) (3) (%) (%)

(4)=(3)/(1) (5)=(3)/(2)

1870 1.943 919 31 1,6 3,3

1876 2.116 1.026 80 3,8 7,8

1885 2.507 1.180 79 3,1 6,7

1894 2.676 1.304 114 4.3 8,7

1915 3.530 1.738 150 4,2 8,6

1920 3.730 1.839 167 4,5 9,1

1932 4.425 2.287 343 7,8 15,0

14 MELLER, op.cit.p,101.

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1942 5.219 2.666 465 8,9 17,4

1952 5.933 3.278 954 16,1 29,1

1958 7.851 3.654 1.236 15,7 33,8

1964 8.387 4.088 2.512 30,0 61,4

1970 9.504 5.202 2.923 30,8 56,2

1989 12.961 8.240 7.142 55,1 86,7

Fonte: Meller,p.102.

TABELA 3: Quadro dos resultados eleitorais parlamentares chilenas durante o período de

1912 a 1969 (em percentuais)

Direita Centro Esquerda

1912 75,6 16,6 0,0

1918 65,7 24,7 0,3

1921 54,6 30,4 1,4

1925 52,2 21,4 0,0

1932 32,7 18,2 5,7

1937 42,0 28,1 15,3

1941 31,2 32,1 28,5

1945 43,7 27,9 23,0

1949 42,0 46,7 9,4

1953 25,3 43,0 14,2

1957 33,0 44,3 10,7

1961 30,4 43,7 22,1

1965 12,5 49,0 29,4

1969 20,0 36,3 34,6

Fonte: Meller,p.102

Assim, ainda segundo análise de Meller, a expansão dos partidos do centro e de

esquerda estão relacionadas com a forma de desenvolvimento e com o papel protagonista

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que o Estado foi adquirindo, principalmente quando nota-se que o setor público vinculado

ao Estado constitui base importante de apoio para o centro, enquanto os trabalhadores

mineiros se tornam base de apoio da esquerda, e os latifundiários para a direita.

A concentração econômica e de propriedade no Chile continuava atingindo índices

altíssimo. Em 1965, 2% das propriedades englobavam 55,4% da superfície. No setor

mineiro, o controle estava sob direção de três companhias estrangeiras que dominavam a

produção do cobre. Em 1963, 3% dos estabelecimentos industriais controlavam 51% do

valor agregado, 44% da ocupação e 58% do capital de todo o setor. Das 271 sociedades

anônimas os dez maiores acionistas controlavam pelo menos 50% da propriedade e em 230

delas. No setor de comercialização atacadista12 firmas distribuidoras controlavam 44% das

vendas em 196715.

Como resultado das características econômicas chilenas, estava a concentração da

renda: em 1970, 25% da população encontrava-se em condições de extrema pobreza, sendo

que dois terços viviam em área urbana. Segundo Bitar, os 10% mais pobres da população

recebedora de renda receberam em 1967 1,5% da renda total, enquanto que os 10% mais

ricos obtiveram 40,2%.16 Assim, conclui Bitar, a distribuição desigual da renda reforçava o

círculo automantido: concentração econômica, concentração da propriedade e concentração

de renda.

Ele destaca ainda que inclusive a industrialização chilena foi moldada pelo padrão

de industrialização dos Estados Unidos, com a expansão acelerada das grandes corporações

transnacionais do setor industrial. O predomínio tecnológico e financeiro das empresas

internacionais possibilitou a imposição de formas de produção e de consumo, o que

significava que o setor industrial não era um componente com dinâmica própria, mas um

apêndice do sistema internacional. Esta característica resultou na elaboração e produção de

produtos de consumo duráveis destinados aos grupos de maiores renda, inserindo assim,

apenas uma parte pequena da população ao consumo médio de países desenvolvidos.

Passando rapidamente por dois governos anteriores ao de Allende, podemos

destacar a vitória de Jorge Alessandri (1958-1964) com apoio da direita, e com um

programa que dava prioridade ao controle da inflação e para o crescimento econômico

15 BITAR, S.Transição, Socialismo e Democracia. Chile com Allende.São Paulo: Paz e Terra,1989, p.34 16 Ibid.,p.35.

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como forma de erradicar a pobreza. O governo de Eduardo Frei (1964-1970), democrata

cristão, foi eleito com um programa que propunha reformas estruturais básicas, como a

reforma agrária e a participação chilena na propriedade da GMC. A proposta era crescer

para redistribuir. Foi em seu governo que houve a compra de 51% das minas de El Teniente

e Chuquicamata, iniciando o processo que foi chamado pelo governo de “chilenização” da

GMC. Esse fato gerou muitos protestos por parte da esquerda, já que entendiam que o Chile

não deveria comprar as minas, mas sim tomar posse das riquezas do país, já que durante

muitos anos tais empresas tiveram lucros muito altos, o que já compensaria a destituição

dos territórios no momento. Frei também inicia o processo de reforma agrária, prometendo

a industrialização da produção no campo e promove a sindicalização dos camponeses.

Nesta perspectiva de aprofundamento das contradições entre as classes sociais, da

organização dos trabalhadores, fortalecimento dos partidos de esquerda e da expansão das

atividades econômicas do estado, com o aumento da intervenção estatal, mas ao mesmo

tempo com uma dependência alarmante em relação aos norte-americanos, houve a tentativa

de se formar a Unidade Popular em 1970, precedida por três alianças políticas importantes:

a Frente Popular em 1938, com a coalizão entre os Partidos Radical, Comunista e

Socialista, atingindo a vitória eleitoral, mas fracassando em seu projeto; a Frente do Povo,

em 1952, que agrupou o PC parte do PS e o Partido Democrático, que lançaram pela

primeira vez a candidatura de Allende; e a Frente de Ação Popular (FRAP), criada em 1956

no qual faziam parte os partidos socialista e comunista, lançando Allende também em 1958

e 1964. Diferenças à parte de cada uma dessas coalizões, o importante é observar como o

desenvolvimento econômico, político e social foi gerando características e dinâmicas

importantes que iriam, aos poucos, desenvolvendo a possibilidade de se pensar um outro

projeto, que pudesse romper com as características desenvolvidas historicamente, algo

alternativo ao que as elites apresentavam ao Chile.

A avaliação principal que os partidos que se aglomeraram em torno da UP faziam

era de que a concentração econômica, da propriedade e a penetração estrangeira, deixavam

o poder em mãos de poucos, principalmente dos centros estratégicos de decisão. A relação

entre poder econômico e poder político dava origem a um núcleo que reproduzia a situação

atual do país. O predomínio tecnológico e financeiro das empresas internacionais deram a

elas o poder para impor formas de produção e de consumo. Era preciso romper com essa

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lógica e, para isso, segundo o PC, somente um novo sistema econômico e político: o

socialismo.

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1.2 - A fundação do Partido Comunista Chileno e suas primeiras dificuldades teóricas

e práticas

Neste capítulo, pretendemos abordar a questão do ideário político do Partido

Comunista Chileno, especificamente como foi formulado e pensado o projeto da via chilena

ao socialismo, e de que maneira se tornou um projeto da Unidade Popular, levada com

muita convicção pelo Partido Comunista e também por Salvador Allende durante seu

governo em 1970.

O local e as forças sociais que participam desse partido desde a sua criação vão

estabelecer ou pelo menos delinear seu ideário político, tornando-se, por isso muito

importante analisar as condições, desde o surgimento do Partido dos Operários, que

posteriormente, se transformaria no Partido Comunista. É a partir daí, efetivamente, que os

ideais desse partido vão começar a se traduzir em ação concreta e com um objetivo maior

do que apenas melhorar as condições de vida dos trabalhadores.

O Chile, pelo menos de 1891 aos anos seguintes da Primeira Guerra Mundial, é

marcado por uma economia oligárquica e mono exportadora, sustentada principalmente

pela exportação do salitre. Sua estrutura social era extremamente polarizada e

hegemonizada por uma forte oligarquia e excludente dos setores médios e baixos. O Chile

era “civilizado para consumir e primitivo para produzir”.17

Este modelo econômico no qual o Chile estava inserido, entrou em crise na Primeira

Guerra Mundial, o que proporcionou um contexto de mudanças na realidade política e

econômica. Na política, houve a emergência de novos sujeitos sociais como a classe média

e trabalhadora, o fim do regime parlamentar e das formas tradicionais das oligarquias. Na

economia, principalmente depois da crise de 29, o Chile passou a desenvolver-se “para

dentro”, empenhado em um projeto de industrialização, de substituição de importação e da

implementação de um capitalismo regulado que previa a intervenção do Estado. No social,

a classe alta foi se modernizando, os setores médios e os trabalhadores passaram a se

organizarem melhor, o que fortaleceu sua capacidade de negociação dentro do sistema. No

plano internacional, se configurava sua dependência em relação aos Estados Unidos.

17 PINTO, A. Et al. Chile Hoy. México: Siglo XXI,1970,p.17

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A população rural chilena passa a migrar para as cidades e o fenômeno de

urbanização e industrialização se acentua. Muitos homens e mulheres abandonam o campo

e se desligam do regime agrário em busca de melhores expectativas e salários. As grandes

cidades e centros urbanos aumentam a sua população. Com isso, o proletariado também

cresce, como resultado da intensificação do comércio, do estabelecimento de novas

indústrias e do desenvolvimento existente. Esse aumento da classe trabalhadora significa a

diminuição dos camponeses e o crescimento da classe média18.

Nesta época, no início do século XX, como no Chile não existia uma legislação

nacional sobre o trabalho, os empregados se sujeitavam aos abusos e à exploração da sua

força de trabalho. Foi, então, que eles sentiram a necessidade de se organizarem para

expressar suas opiniões, para lutarem contra as péssimas condições de trabalho, contra os

baixos salários, em defesa da criação de uma legislação que favorecesse o trabalhador

dentre outras reivindicações.

Essas organizações de trabalhadores e os novos partidos políticos tornaram-se

referência desta época, como por exemplo, a “Federação Operária de Chile”, FOCH,

fundada em 1919 e que, em 1922, registrava cem mil filiados.

Nesse período, pode-se apontar como características da estrutura social chilena: o

deslocamento demográfico da população para as províncias centrais; aumento da

imigração, sobretudo, latino-americano; a polarização das classes sociais; a debilidade do

poder executivo; a penetração do capital inglês e norte-americano na exploração mineira; a

decadência da produção agropecuária e déficit alimentício; a organização do movimento de

trabalhadores, etc.

A nova dinâmica na economia chilena causou reflexos profundos em todos os

aspectos da sociedade, inclusive o ideológico. Com isso, os trabalhadores passaram cada

vez mais a se organizarem em sindicatos e partidos para lutarem por melhorias nas

condições de trabalho e de vida. Foi um período de intensas greves, rebeliões e como

resposta, o uso da violência por parte dos patrões e dos governos ligados às oligarquias.

Não havia leis que dessem garantias aos trabalhadores.

Em 1907 existiam relatos de episódios de violência, profundamente brutais, em

decorrência de manifestações dos trabalhadores ligados à produção do salitre:

18 CASTELLS, M. La lucha de clases em Chile.Argentina: Siglo XXI,1974, p.10 et seq.

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Uma manhã, de imediato, 20.000 grevistas das oficinas de salitre do árido pampa

desceram pelas dunas amareladas até Iquique e tomaram a cidade. Não havia

tropas disponíveis para fazer frente à situação. Os cidadãos estavam condenados a

serem assassinados e se ia incendiar a cidade de forma simultânea, em vários

lugares diferentes. Neste momento foram enviados mais tropas por um barco

Iquique, mandadas por um oficial de grande decisão. Os militares anunciaram que

abririam fogo as 4 horas se não se dispersassem. Deram mais cinco minutos para

retirarem-se e logo começou o zumbido da metralhadora. Em poucos momentos se

amontoaram mortos e feridos. Houve 200 mortos e 300 feridos e o resto escapou

através das dunas.19

É neste contexto de lutas sociais e mudanças nas características econômicas do

Chile que, no mês de junho de 1912, em um lugar conhecido como “El Despertar de los

Trabajadores” (que era o local onde funcionava um periódico homônimo) reúnem-se mais

ou menos trinta pessoas encabeçadas pelo líder Luis Emilio Recabarren Serrano20, para

fundar um partido político da classe trabalhadora, denominado Partido Operário

Socialista.21.

Neste mesmo ano, é publicado o primeiro programa e estatuto desse Partido22 que

explicitava seu objetivo:

O Partido Operário Socialista expõe que o fim de suas aspirações é a emancipação

total da humanidade, abolindo as diferenças de classes e convertendo a todos em

19 GODOY, H. Estructura social de Chile.Santiago de Chile:Universitária,1971,p.260. 20 Luis Emilio Recabarren Serrano era tipógrafo e em 1894 ingressa no Partido Democrata, única organização política popular na época. Em 1906 é eleito deputado por Antofagasta, é perseguido politicamente por ser dirigente do sindicato Macomunal de Tocopilla e por escrever no periódico “La Democracia”. Vai para Argentina e tem contato com o Partido Socialista da Argentina e com o movimento sindical. 21 Segundo o autor Ivan Ljubetic Vargas, o Chile no seu processo de Independência, em 1810-1818, rompeu com a dependência do sistema colonial espanhol. A partir daí, houve uma intensa organização e mudança no sistema econômico e social. Aumenta-se a produção para melhorar a exportação com a Europa e os trabalhadores, agora livres vão se constituindo enquanto uma nova classe social. Em 1850, são mais ou menos trinta mil trabalhadores no Chile. Em 1900, o Chile tinha uma população por volta de 3 milhões de habitantes dos quais duzentos e cinqüenta mil eram trabalhadores. Segundo o autor, essas condições fazem com que, já em 1900, crie-se a primeira organização sindical: A Mancomunal de Operários do Chile. 22 VARGAS, I. Breve História Del Partido Comunista de Chile,p.12

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uma só classe de trabalhadores, donos do fruto do seu trabalho, livres, iguais,

honrados e inteligentes, e a implantação de um regime em que a produção seja um

fator comum e comum também ao prazer de seus produtos.23

Assim, a dura exploração do proletariado mineiro, que segundo Castells24, estavam

geograficamente e socialmente concentrados e foram influenciados por correntes

ideológicas revolucionárias, tiveram papel decisivo para a formação do POS e

posteriormente do PC. Esse proletariado, em seus diversos setores (minas de ferro, carbono,

prata etc) em algumas regiões do país desenvolveu uma classe trabalhadora diferenciada e

combativa. Esse movimento se estabeleceu desde o primeiro momento dentro de uma

acirrada luta de classe e com uma forte luta ideológica entre as diversas tendências

comunistas, socialistas, anarquistas trotskistas, etc. Esses trabalhadores fizeram numerosas

greves e foram objeto de muitas repressões por parte do estado, sob o controle da

oligarquia até 1920.

Em março de 1919, é fundada a III Internacional Comunista25 (IC). Em janeiro de

1922 o POS aceita as condições para participar da IC e modifica seu nome para Partido

Comunista de Chile26, já que desde a revolução soviética já se mostrava simpatizante

23 VARGAS.,op.cit.,p12. 24 CASTELS, M., op.cit,p.129. 25 A III Internacional Comunista foi criada por iniciativa de Lênin, inspirada na práxis de Marx e Engels e na necessidade de assegurar e ampliar a Revolução Russa. Ela continuou a projeto da Liga dos Comunistas, em especial, e da I Internacional que era chamada de Associação Internacional de trabalhadores durante o período de 1864 a 1872 e foi encabeçada principalmente por Marx. A II Internacional que funcionou durante 1889 a 1914 mas, com a participação de Engels até 1895 o de sua morte, tentou continuar o trabalho de dar coesão aos proletários e ampliar a propaganda do marxismo. Sua ruína esteve ligada aos esforços de guerra dos diversos países no sentido de colaborarem com a burguesia para recuperação do capitalismo e pela degeneração da maioria dos partidos participantes. A III Internacional Comunista criada em 1919 a 1943, tinha como objetivo principal intensificar a expressão da crescente internacionalização da luta de classe do proletariado nas condições da crise do capitalismo e da divisão do mundo em dois sistemas – o socialista e o capitalista e no seu enfrentamento. Como nosso objetivo não é entrar na discussão das Internacionais Comunistas, mas apenas apresentar algumas discussões que tiveram influência nos debates do Partido Comunista Chileno. 26 Apesar do Partido Comunista ter sido fundado em 1922 para todo movimento comunista internacional, porque é nesta data que ele entra na III IC e modifica o seu nome para Partido Comunista, na Conferência Nacional de junho de 1990 em Santiago, tomou-se a decisão de mudar a data de fundação do PC para a data de criação do POS em 4 de junho de 1912. A justificativa é de que mesmo mudando o nome, os militantes, os dirigentes, programa, estatuto e estrutura continuavam sendo a mesma. Por isso aqui neste trabalho, vamos nos referir aos congressos do PC pelas datas em que eles aconteceram e não pelos números porque ainda há diferença quanto a compreensão dos números dos Congressos, alguns autores tratam a fundação em 1922 e outros em 1912.

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daquele país. A entrada do PC Chileno na internacional comunista provoca uma série de

mudanças na sua forma de organização, assumindo uma estrutura centralizada e

hierarquizada e também na sua condução política, que passa a ser orientada de acordo com

as discussões internacionais. Como coloca Aldo Agosti27, cada partido era produto único de

um encontro dos dois contextos: o movimento comunista internacional e o sistema político

nacional. O problema é que isso pouco aconteceu até a Revolução Chinesa, e o que se via

até então, era uma prática contínua que reduzia o que havia de nacional em cada tática e em

cada Partido Comunista em algo universal.

Em 1928, a Internacional Comunista deu uma guinada em suas orientações,

aprovando o que ficou conhecido como 3º período ou da tática da classe contra classe.

Nesta fase, negou-se a Frente Única colocando as alianças políticas dos comunistas com

camponeses e trabalhadores como ponto central.

Para o historiador Ivan Vargas28, essa linha era adequada para a Rússia ou para a

Alemanha, mas muito contraditória para a realidade histórica do Chile, pois havia sido

adotada uma linha ultra-esquerdista, que para ele significava, colocar como objetivo

imediato a Revolução Socialista.

Apesar desse questionamento, o texto sobre as perspectivas e tarefas, aprovado no

VI Congresso da Internacional Comunista, deixava claro que o desenvolvimento da

revolução proletária não podia se dar dentro de uma orientação dogmática, nem na

obrigação de levar a revolução adiante, de forma rígida:

O desenvolvimento da Internacional Comunista na revolução proletária não

implica na determinação dogmática de uma data determinada no calendário da

revolução, nem a obrigação de levar a cabo mecanicamente a revolução em uma

data fixa. A revolução era e segue sendo uma luta de forças vivas sobre bases

históricas dadas. A destruição do equilíbrio capitalista devido à guerra em escala

mundial criou condições favoráveis para as forças fundamentais da revolução para

o proletariado. Todos os esforços da Internacional Comunista estavam e seguem

estando dirigidos até o aproveitamento total desta situação29.

27 AGOSTI, Aldo. O mundo da III Internacional Comunista: os estados maiores. In: História do Marxismo -

vol.6.São Paulo:Paz e Terra,s/d, pg.114. 28 VARGAS,I. op.cit,p.16 29 A Internacional Comunista – vol.II,p.103.

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Entretanto, se de um lado a revolução proletária não podia se dar dentro do

“dogmatismo”, constantemente eram “sugeridas” as linhas a serem adotado pelos PCs.

Segundo José de Aricó30, até pelo menos 1926, (a maioria dos partidos que ganham o nome

de comunista é formada próximo ao ano de 1922), a América Latina teve papel secundária

na estratégia do Comitern, principalmente porque se conhecia pouco a nossa realidade. E

isso levava a orientações pouco reais para esses países. Segundo ele, foi a partir de 1929,

com a I Conferência dos Partidos Comunistas latino-americanos, que houve reais condições

para um maior desenvolvimento das organizações comunistas, e também em uma

orientação mais condizente com a realidade de cada país.

Em 1924, é realizado o Congresso do PC do Chile e com ele sua primeira crise. Um

grupo dissidente da província de Santiago consegue eleger quatro dos sete membros do

Comitê Executivo Nacional e isolam Luis Emilio Recabarren. Essa disputa envolvia

também o apoio ou não à junta militar considerada progressista que tinha a direção de

Ibañez, para assumir a presidência no Chile. Recabarrem foi contra e acabou sendo muito

criticado. Ele denuncia o grupo na imprensa partidária. Um novo Comitê Executivo é eleito

e, em 1924, Recabarren se suicida.

Um ano após, apesar da sinalização que mais tarde iria se consolidar na linha da

Frente Única Proletária (extraídas das teses da Internacional Comunista), se constrói uma

coalizão para disputar a eleição presidencial, em que participam operários, profissionais,

comerciantes e industriais, tendo à frente a candidatura do médico do Exército José dos

Santos Salas, que obteve 80.000 votos. A direita apresenta como candidato Emiliano

Figueroa que, mesmo sob acusações de fraudes, obteve 180.000 votos.

Em 1925, discute-se muito a necessidade de mudar a estrutura partidária e os

métodos de seu funcionamento. Decidem, então, adotar a forma de organização e o método

de trabalho leninista31. Criam-se comitês locais e regionais, transformam o CEN (Comitê

30 ARICÓ, J. O marxismo latinoamericano nos anos da III Internacional Comunista. In: História do Marxismo – Vol. 8,São Paulo:Paz e Terra,1985,p. 436. 31 Lênin foi um dos principais teóricos sobre a organização do partido bolchevique. Segundo ele, o partido era um instrumento a serviço da revolução e não tinha um fim em si mesmo. Levando em consideração o momento histórico que a Rússia passava, definiu alguns princípios nos quais muitos partidos comunistas no mundo passaram a ter como referência no momento de sua organização. Podemos citar alguns pontos principais como: um partido de vanguarda, orientado pelo marxismo e vinculado organicamente ao

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Executivo Nacional) em Comitê Central e adotam o método do centralismo democrático.

Ele era definido como método que ordenava a discussão, a direção e ação dos comunistas

para desenvolver seus princípios e cumprir com seus objetivos políticos. Para eles, eram

quatro os elementos essenciais do centralismo democrático: a democracia interna, a direção

coletiva, a unidade de ação e sua relação permanente com o povo.

Neste mesmo ano, segundo Vargas32, o então Ministro do Interior Emiliano

Figueroa inicia uma voraz repressão contra o Partido Comunista, que se intensifica, em

1927, com a ditadura do General Carlos Ibáñez. Assim, as divergências quanto à ação do

partido tornam-se uma polêmica interna: de um lado, alguns defendem somente a luta

clandestina, deslegitimando o trabalho em algumas organizações ainda legais e, de um

outro, defendia-se tão somente a atuação nas organizações legais contra a ditadura,

abandonando, portanto, a ação clandestina.

Prevaleceu a posição de combinar a luta legal com a clandestina. Os sindicatos e

federações faziam um amplo movimento pela redemocratização do país, enquanto alguns

comunistas partiam para lutar na clandestinidade. Dessa forma, a direção partidária tentava

fortalecer o partido e intensificar a luta contra a ditadura.

Segundo o historiador Luis Márquez33, com a devastadora crise de 1929, o então

modelo oligárquico mono-exportador, com uma economia voltada para o mercado externo,

principalmente devido à exportação de salitre, a estrutura social sob hegemonia de

oligarquias e o regime político institucional parlamentar que expressava o predomínio das

elites oligárquicas, entrou em crise.

Economicamente, a sociedade chilena passou a se desenvolver internamente a partir

de uma estratégia de substituição de importações e com um capitalismo regulado que

requeria uma alta intervenção do estado. No campo social, houve uma diversificação e

modernização da classe dominante, mas também uma maior organização e aumento da

capacidade de negociação dentro do sistema por parte dos setores médios e dos

trabalhadores. No campo político, houve a consagração do regime presidencialista. Na

movimento proletário, comprometido com a ruptura em relação à ordem capitalista e com a conquista do poder político para os trabalhadores, através da revolução. 32VARGAS, I., op.cit,p.18. 33Cf:MARQUEZ, L. Del anticapitalismo al neoliberalismo en Chile, p.14 É bom o leitor atentar que o historiador em questão, não é o dirigente do Partido Comunista que possui o nome de Luis Corvalan Lepez.

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cultura, o pensamento liberal deu lugar para visões socializantes e internacionalmente

continuou dependente dos Estados Unidos. Diante desses fatos, o autor diz que se

constituiu um consenso34 majoritário no país em torno da industrialização e um estado

regulador, fazendo com que setores de trabalhadores e das classes médias pudessem

também ter uma participação institucionalizada. Desse modo os grupos oligárquicos

reformularam as suas formas de dominação e as classes médias se inseriram em um

crescente na gestação dessa política de Estado. As organizações dos trabalhadores

ganharam reconhecimento político e jurídico e aumentaram sua capacidade de pressionar.

O autor mostra que essa mudança no Estado aconteceu também na mudança da estratégia

dos partidos de esquerda, especialmente o Partido Comunista, que passaram a dar ênfase na

revolução centrada na democratização e tendo como núcleo principal os “sujeitos

populares” que, de algum modo, poderiam passar a negociar dentro do estado suas

reivindicações.

Em 1933, é fundado o Partido Socialista35 (que sempre teve uma postura

questionadora ao stalinismo36, da sociedade que estava se instalando na URSS e não quis se

filiar a internacional) e, em julho deste mesmo ano, é realizada uma importante Conferência

Nacional do PC. Nesta conferência, aprova-se uma linha política mais ampla denominada

de Revolução democrático-burguesa, que tinha como objetivo central unir todos os setores

democráticos do Chile para derrotar o imperialismo dos Estados Unidos, o latifúndio e as

oligarquias nacionais. Portanto, não teria imediatamente um processo de revolução

socialista. Esta seria fruto de um desenvolvimento gradual, onde deveria primeiro

desenvolver várias etapas através de amplas alianças. Esta posição é levada ao VII

34 O autor Luis Marquez também destaca que esse consenso fortaleceu a ordem institucional que teve como expressão a constituição de 1925 que foi reconhecida por diferentes atores, que além de reconhecer os sujeitos sociais e políticos (da direita aos comunistas e socialistas, com exceção dos grupos ligados ideologicamente com modelos nazi-fascistas), também instituiu seus limites constitucionais. 35 O Partido Socialista, no momento da sua formação era um conjunto de grupos ideológicos que vinham de outras organizações como o Partido Radical, o democrático, grupos anarquistas, células comunistas, ex-militares, intelectuais etc. Em sua primeira Declaração de Princípios indicava sua aceitação pelos fundamentos do marxismo e da luta de classes, sua organização deveria ser por núcleos pequenos, na qual deveriam adotar o método do centralismo democrático. A partir do ano de 1946, as lutas internas no PS são intensas e em 1948 ele se divide em Partido Socialista Popular e Partido Socialista de Chile.Esta divisão durou mais ou menos dez anos.

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Congresso da Internacional Comunista realizado em 1935, que traça uma linha de união dos

partidos de esquerda para se opor ao fascismo37.

Essa visão foi chamada de etapista pelo PS e foi muito criticada, já que ele não via o

socialismo como algo imediato. Entretanto, segundo Luis Márquez, o PS, na prática, se

contradiz no momento em que ingressa em governos a partir de 1938 e deixa para construir

uma sociedade socialista, no futuro. Esse fato gerou muita discussão e dissidências dentro

do Partido Socialista, pois setores mais radicais acusavam a direção de colaborar com a

burguesia e acomodar-se nos postos da burocracia. Alguns setores chegavam a dizer que o

PS deveria adotar uma política que abolisse a aliança com setores da burguesia.

Dentro dessas novas balizas, em março de 1936, é construída, no Chile, a Frente

Popular em que participam o Partido Radical38 (sendo este controlado pela burguesia), o

Partido Socialista, o Partido Democrático e o Partido Comunista, dando assim seguimento

prático às políticas adotadas pela Internacional Comunista.

Nas eleições de 1938, a Frente Popular conhece o seu primeiro êxito. O radical

Pedro Aguirre Cerda derrota o candidato da direita Gustavo Ross Santa Maria. O Chile foi

o único país da América Latina a conquistar o governo sob forma de Frente Popular

seguindo as orientações da III Internacional Comunista. A Frente Popular no Chile tornou-

37 A análise que a Internacional Comunista fazia era a de que, a década de 30, configurava-se sob influência de dois fatores importantes: a da edificação do socialismo na URSS e a ofensiva do fascismo e da reação imperialista nos países capitalistas. Na década de 30, essa ofensiva fascista cresceu muito em resposta ao agravamento da crise do capitalismo e ao avanço socialista. A vitória dos hitlerianos na Alemanha levou a uma situação propícia para expansão do fascismo. Parte da burguesia européia queria aprovar medidas contra-revolucionárias como, por exemplo, a limitação das prerrogativas parlamentares, restrição e anulação das liberdades democráticas, abolição do direito a greve, etc. O fascismo ameaçava se alastrar por toda Europa e até a outros continentes. Como ele dirigia seu terror à classe trabalhadora principalmente, procurava também instaurar o medo nos partidos comunistas e em outras organizações operárias e impedir a coesão do proletariado como classe. Também era hostil a todas as camadas democráticas, inclusive burguesas. Diante desse quadro, o movimento comunista internacional orientou a lutarem pela frente única inclusive com os social-democratas contra o fascismo. 38 O Partido Radical emergiu na década de sessenta expressando pontos de vista da burguesia mineira, acreditavam nas idéias de progresso e liberdade. Ele atuava contra os setores mais tradicionais da oligarquia, apresentando proximidade com aqueles capitalistas mais modernos. Seu ideário modernizante o aproximou das classes médias urbanas. Sua retórica tende para a esquerda, mas suas ações tendem para a direita. Na sua convenção, em 1931, adotou um programa socialista e declarou que o sistema capitalista estava em crise e deveria ser substituído por um regime no qual os meios de produção fossem propriedade da comunidade, baseado na solidariedade social. Para eles, a classe assalariada precisava de liberdade econômica no sistema atual, e a atividade sindical era uma maneira de lutar por liberdade econômica. Também se declararam opositores a qualquer tipo de ditadura, seja militar, capitalista ou proletária. O Partido Radical tinha uma tendência de inclinar-se para a direita ou para a esquerda conforme seu interesse na conjuntura política: é definido por alguns autores como social-democrata. Para exemplificar essa dinamicidade de posições: em 1947 caçam os direitos dos comunistas, mas em 1970 participam da coalizão de esquerda da Unidade Popular.

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se uma importante coalizão de esquerda e se materializou também no movimento social.Em

1940, o PS sob forte divisão, desliga-se da Frente Popular. O PC continua na sua linha de

criar frentes contra o fascismo e contra a direita, colocando sempre a necessidade de

impulsionar uma Revolução Democrático-burguesa39. O Partido Socialista dizia que a

Frente Popular era uma transposição da proposta lançada por Dimitrov no VII Congresso

da IC e também utilizadas pela Espanha e França.

Segundo análises de Emir Sader, o fato da Frente Popular está sob direção do

Partido Radical cuja formação era heterogênea e passava da classe média à setores

latifundiários, debilitou as reformas propostas pelo programa de Aguirre Cerda. Um dos

pontos mais afetados foi o do adiamento da reforma agrária. A aliança com os

trabalhadores era sacrificada em favor de pactos com a classe dominante. Para Sader,

apesar de na América Latina nesse momento, o fascismo não se constituir em uma força

importante, sua base social se constituía por aqueles que recebiam concessões da Frente

Popular que era o latifúndio.

Em 1942, é formada a “Alianza Democrática” composta pelos partidos que

participaram da Frente Popular e ainda a Falange Nacional40 e setores liberais. Lançam,

então, um outro candidato radical, Juan Antonio Rios, que vence as eleições presidenciais41

de 1942 e morre em 1946, assumindo seu vice Alfredo Duhalde (radical com posições mais

ligadas à direita).

39 Lênin refletia nas condições da Rússia no período da sua revolução o seu caráter burguês. Ele dizia que a revolução burguesa não saía do quadro do regime econômico e social burguês, ou seja, do quadro capitalista. Ela representava as necessidades do capitalismo em desenvolvimento, além de ampliar e se consolidar. Mas exprimia menos os interesses do proletariado do que o da burguesia, já que no regime capitalista a dominação da burguesia sobre o proletariado era inevitável.Para Lênin, a revolução burguesa eliminava os vestígios da “feudalidade” e assegurava o desenvolvimento do capitalismo e de suas relações de classe, aumentando sua diferenciação. Lênin ainda enfatizava que quanto mais completa e decisiva fosse a revolução burguesa mais se teria a possibilidade do proletariado lutar pelo socialismo e, portanto, a concretização da ditadura democrática revolucionária do proletariado e dos camponeses. 40 A Falange Nacional foi um movimento que se apoiou na tradição de sacerdotes e católicos preocupados com as condições de vida da classe trabalhadora, encabeçado por um grupo de jovens intelectuais católicos. Criticavam a atitude de liberalismo do laissez-faire do partido conservador e era hostil ao marxismo, ao comunismo e ao socialismo. Era a favor de um conceito comunitário ou corporativo da sociedade. Achavam que era preciso rever o sistema político, social e econômico e a partir daí reorganizá-lo à luz de novas idéias. A proximidade com essas posições são rompidas no período de 1938, anterior as eleições. A partir daí, tornou-se mais de esquerda, perdendo suas características próximas do falangismo de tipo espanhol. 41 A eleição da Alianza Democrática em 1942 também estava ligada ao contexto internacional, onde no período da II Guerra Mundial, havia um clima de horror ao nazi-fascismo e ao mesmo tempo um apelo à democracia e a um mundo sem guerras. A derrota da Alemanha para Rússia e a entrada dos norte americanos na guerra também foi fator importante para que houvesse um clima mais propício para que um campo mais democrático vencesse as eleições no Chile.

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Neste governo, os sindicatos, os partidos de esquerda, os trabalhadores, são

perseguidos e sofrem intensa repressão. O PC novamente levanta a necessidade de se

reconstruir a “Alianza Democrática” para lançar uma candidatura à presidência da

República. Gabriel González Videla é o candidato da chapa e vence as eleições de 1946. O

Partido Comunista é convidado a participar do governo para ocupar três ministérios. Com

essa política, o PC passa a ter uma intervenção cada vez maior no cenário político do Chile.

Em 1943, acontece o fechamento da III Internacional Comunista. Segundo o texto

do comunicado do Presidium do Comitê Executivo, 28 partidos comunistas aprovaram o

encerramento da IC e ainda, nenhuma secção internacional havia se manifestado

contrariamente. Portanto, estaria sendo dissolvida a IC, assim como os comitês executivos,

e os assuntos pendentes seriam resolvidos por uma comissão na qual faziam parte Dimitrov,

Ercoli, Manuilski e Pieck.

Stalin dizia que a dissolução da IC era correto porque facilitava “o assalto comum

de todos os povos amantes da liberdade contra o inimigo comum, o hitlerismo” além de

desmistificar que Moscou interferia na vida de outras nações para bolchevizá-las; e que os

comunistas não agiam em interesse do povo, mas sob ordens estrangeiras. Essas eram

algumas das justificativas oficiais.

Alguns autores como Fernando Claudin42, afirmam que Stalin usava tais

justificativas apenas para não revelar que a IC necessitava dar garantias aos Estados

capitalistas acerca dos objetivos políticos da URSS, ou seja, era decisivo dar sinais ao

presidente Roosevelt para fechar acordos importantes neste momento de guerra. O

fechamento da III Internacional Comunista seria exigência importante para a abertura das

negociações com aliados.

Para o historiador Eric Hobsbawm43, Stalin havia reduzido a IC em “um

instrumento da política de Estado soviético, sob o estrito controle do Partido Comunista

Soviético, expurgando, dissolvendo e reformando seus componentes à vontade”. A

revolução mundial, sob a égide de Stalin, não passava de retórica, pois ela só seria

considerada se não houvesse conflito com o interesse do Estado soviético e se pudesse estar

sob seu controle direto. Ele ainda ressalta que a URSS desencorajou as investidas de outros

42 CLAUDÍN, F. A crise do movimento comunista vol.II. São Paulo:Global,1985,p.421 43 HOBSBAWM, E. A era dos extremos,São Paulo:Companhia das Letras,1995,pp.167-169

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países que queriam estabelecer governos revolucionários, no pós-guerra. Tanto que as

revoluções da Iugoslávia, Albânia e China se deram contra a opinião de Stalin. Para ele, a

política do pós-guerra deveria ser abrangente, anti-fascista, buscando uma coexistência de

sistemas capitalistas e comunistas e de uma maior mudança social e política através de

transformações dentro do “novo tipo de democracia”. Isso fica muito perceptível para

Hobsbawm, quando foram dissolvidos o Comitern em 1943 e o Partido Comunista dos

EUA em 1944.

Hobsbawm ainda levanta que “o socialismo se limitaria na URSS à área destinada

por negociações diplomática como sua zona de influência, isto é, basicamente ocupada pelo

exército vermelho no fim da guerra”.

Nas eleições municipais de 1947 no Chile, os comunistas já se destacavam muito

enquanto força política organizada do país, além disso, se colocavam à frente das lutas

sindicais que a cada momento se intensificava. O fato não agradava às elites chilenas e nem

ao imperialismo norte-americano, dentro de um universo marcado pelo cenário da Guerra

Fria e da disputa de hegemonia com os comunistas. Os Estados Unidos adotam a doutrina

Truman44 que significou para o Chile a ruptura da aliança entre o centro radical e a

esquerda, principalmente no que dizia respeito ao Partido Comunista.

A pressão sobre o governo é intensa e o presidente González Videla obriga a

renúncia dos ministros comunistas, optando por uma linha pouco popular e mais ligada às

elites, chegando mais tarde a denunciar um plano do comunismo internacional, no Chile.

Recomeçam, então, as perseguições contra os comunistas por meio da censura nos meios de

comunicação do Partido, da cassação dos registros eleitorais de mais ou menos quarenta mil

chilenos, da exoneração de trabalhadores ligados ao PC, dentre outras sanções.

Carlos Altamirano, ex-presidente do PS, expressa a importante experiência das

Frentes Populares, destacando que os PC´s do Chile, França, Itália, Finlândia e Bélgica

foram num mesmo período expulsos dos governos em que participavam. Em 1947 Videla

no Chile, Spack na Bélgica, Ramadier na França e mais tarde De Gaspari na Itália.

44 A Doutrina Truman foi pronunciada em 1947 pelo presidente norte-americano Henry Truman no Congresso Nacional dos Estados Unidos sob um discurso assumindo o compromisso de defender o mundo capitalista contra a ameaça comunista. Juntamente com a Guerra Fria propagavam para o mundo o antagonismo entre os blocos capitalista e comunista.

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Mesmo com a vitória da Frente Popular, não havia unidade no interior do governo

pela abrangência de representatividade das esferas sociais em que os partidos que

compunham a Frente representavam. O fim da Segunda Guerra Mundial impôs também

uma nova estratégia norte-americana em relação aos partidos comunistas. Todos eles são

colocados na ilegalidade na América Latina e Videla decreta então, a “Lei de Defesa da

Democracia” tornando o PC do Chile ilegal. Parte dos socialistas rompem com o governo e

outros permanecem. Dessa forma é rompida a unidade entre os principais partidos de

esquerda.

O Partido Socialista encontrava-se dividido internamente, e algumas facções

internas chegaram a apoiar a chamada “proscripción” dos comunistas, e inclusive

ingressam na Ação Chilena Anticomunista, ACHA, mostrando, assim, como era tensa a

relação entre os dois principais partidos de esquerda do Chile: o Partido Comunista e o

Partido Socialista.

Essas experiências geradas nos governos de Duhalde e de Videla, fazem o PC

refletir sobre a tática adotada de se realizar alianças mais amplas com setores da burguesia

da sociedade chilena e, sobretudo, em tê-las como força hegemônica. Os partidos mais

progressistas ficavam reféns das tensões geradas pelos setores mais conservadores e os

radicais, por sua vez, eram vulneráveis às pressões do imperialismo norte-americano. O

esforço para unir campos de aliados, democraticamente, e vencer as eleições não estava

dando muito certo, principalmente a união de partidos não tão comprometidos com os

ideais de mudança e, ainda mais, ocupando os principais espaços nas alianças.

O PC transplantou, para o Chile, a política da “Frente de Libertação Nacional” que

havia sido formulada no início dos anos cinqüenta, como uma resposta da URSS à doutrina

Truman. De acordo com essa política, o mundo estava dividido em dois campos

antagônicos: o imperialista e o socialista, sendo o imperialismo, dirigido pelos norte-

americanos, tinha características antidemocráticas e bélicas, enquanto o socialismo,

liderado pela União Soviética, tinha características com sentido democrático e pacifista.

Também insistia na unidade com setores da burguesia, mas sob um núcleo que era

constituído pelo proletariado coeso, o que dava a entender que, no Chile, teriam como

aliados, prioritariamente, o Partido Socialista.

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A partir daí, o PC tenta consolidar essa aliança. Ele se aproxima (apesar da

clandestinidade) bastante do PS que já tem como liderança, Salvador Allende45. E, em

1951, é criada a Frente do Povo que apresenta um programa mais ofensivo contra o

imperialismo, que, inclusive, falava na nacionalização das riquezas básicas, na reforma

agrária e no fim do domínio da oligarquia financeira.

Em 1952, Allende é candidato à presidência do Chile, pela primeira vez, pela Frente

do Povo e consegue apenas um quarto lugar. Em 1953 é criada a CUT (Central Única dos

Trabalhadores), que tentou unificar a maioria do movimento sindical. Neste mesmo

período, destaca-se o processo de unificação do Partido Socialista. Esses passos seriam,

sem dúvida, o início de um caminho que levaria à formação da Unidade Popular. Com o

empenho do PC e, agora de Salvador Allende é fundada a Frente de Ação Popular (FRAP),

em 1956. Dessa vez, conseguindo agregar mais partidos, sendo o PS, o PC, o Partido do

Trabalho, o Partido Democrata de Chile e o Partido Democrata do Povo. Estavam dessa

forma, “convidados” a participar enquanto sujeitos sociais, o proletariado, camponeses,

pequena burguesia progressista, intelectuais e estudantes. A burguesia nacional havia ficado

de fora, por acharem que ela era muito dependente do imperialismo, o que lhe tirava a

capacidade de ser autônoma.

Neste mesmo ano, o Congresso Nacional do Partido Comunista (realizado ainda na

clandestinidade no mês de abril em Cartagena) aprova um novo programa que reflete as

discussões geradas pelo campo comunista e também pela experiência prática de formação

das coalizões políticas para disputar o poder. O programa tem como base a libertação

nacional, a aliança com setores democráticos e em torno da classe trabalhadora. Em suas

principais linhas de ação, a nacionalização das riquezas básicas, a reforma agrária, a

estatização dos bancos e das grandes indústrias. É neste congresso que foi sustentada a

possibilidade de avançar ao socialismo pela via não-armada a partir da conquista do

45 Salvador Allende Gossens nasceu em 1908 em Valparaíso, era médico, foi presidente do Centro de Estudantes de Medicina, vice-presidente da Federação de Estudantes do Chile (FECH), em 1926. Em 1937é eleito, aos 29 anos, deputado e depois assume o cargo de ministro da saúde do governo Pedro Aguirre Cerda. Em 1946,1952 e 1969 foi eleito Senador, sendo em 1966 presidente do senado. Teve papel destacado na fundação do Partido Socialista em 1933 assumindo inclusive a secretaria regional de Valparaíso e em1943 é eleito secretário geral do PS. No interior do partido, Allende lutou pela unidade da esquerda, inclusive para se concretizar a Frente Popular e mais tarde a Unidade Popular. Foi candidato presidencial nas eleições de 1952, 1958, 1964 e 1970.

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governo pelo movimento popular. Em 1958, o Secretário Geral do PC falece e Luis

Corvalan Lepez46 assume o partido, ficando no cargo principal até 1989.

Para o PS, a FRAP era um bloco político revolucionário sólido, ideologicamente

estável e compacto. Ela orientou a luta da classe trabalhadora durante 14 anos, ajudou na

criação da CUT, o que possibilitou a se ter no Chile uma única entidade que expressava a

classe operária e seus interesses. A FRAP é tida como uma experiência muito importante e

o embrião de uma unidade verdadeiramente coesa da esquerda.

Nas eleições presidenciais de 1958 e de 1964, Salvador Allende, candidato pela

FRAP, ocupa o segundo lugar das eleições, mostrando um crescimento importante para o

PC47 e também para o PS. O democrata cristão48 Frei Montalva49 é eleito presidente e

declara realizar uma “revolução em liberdade”: é uma espécie de “façamos a revolução

antes que o povo a faça” e assume algumas reivindicações da esquerda, por exemplo, a

reforma agrária50, como uma importante política a ser desenvolvida durante o seu governo.

46 Luis Corvalan Lepez nasceu em 1916 em Puerto Montt, foi professor, trabalhou no diário da Frente Popular e também foi um dos fundadores do diário El Siglo. Em 1932 entrou no Partido Comunista no qual foi secretário geral de 1958 a 1989. Foi senador da República por dois mandatos, sendo o último interrompido pelo golpe militar em 1973. Durante a ditadura militar ficou preso em Dawson e passou pelos campos de prisioneiros de Ritoque e Três Álamos. 47 Somente para exemplificar, nas eleições legislativas de 1961 o PC teve 11,8% dos votos, em 1965 12,7%, em 1969 15,9% e em 1973 17,4%. Nesta eleição chega a obter 672 mil 712 votos. E ainda em 1970, dos 14.800 Comitês da Unidade Popular, 80% deles tiveram a participação dos comunistas. Esses dados são apresentados por Luis Corvalan Lepez. 48 O Partido Democrata Cristão surge a partir da união da Falange Nacional com os Conservadores Social Cristianos e alguns grupos provenientes do “Agrário Laborismo”. O PDC recebeu o apoio das classes médias altamente qualificada, profissionais técnicos de universidades, ou seja, estratos ligados de algum modo ao recente processo de modernização, grupos marginais que não estavam ligados a nenhum partido, e jovens atraídos pelo discurso de modernização, ética e renovação. A DC se opunha tanto à direita liberal capitalista quanto aos partidos socialista e comunista. Apresentavam como alternativa a terceira via. Defendiam então a unidade entre capital e trabalho, propondo que os donos do capital deveriam ser os trabalhadores e estes deveriam controlar administradores e gestores de suas empresas. O PDC dava ênfase na idéia da participação da comunidade. 49 A Igreja Católica apoiou a candidatura de Frei, pois via na DC um instrumento de contenção do avanço do marxismo. A Igreja Chilena, após o concílio Vaticano II que buscava renovar e se inserir no mundo mais ativamente, comprometendo-se inclusive com seus problemas, passou a apoiar a DC por ser uma alternativa ao socialismo e à direita. A preocupação do clero chileno com a força que os movimentos sociais de esquerda tomavam e com o avanço nas eleições dos partidos marxistas, chama 1957, um jesuíta belga Roger Vekemans para ajudar a deter o avanço marxista e difundir a doutrina social da Igreja. No governo Allende, nos momentos mais críticos a igreja chegou a pedir publicamente que a DC fizesse um acordo com a UP para evitar o aprofundamento do caos que se encontrava o país. 50 A reforma agrária do governo de Frei tinha como objetivo dar dinamicidade ao capitalismo, dada as características do bloco dominante no Chile que tinha como perspectiva as recomendações da Aliança para o Progresso do presidente Kennedy. Por isso, a reforma agrária foi fundamental para a reestruturação do bloco dominante e a constituição da classe de apoio sob direção da burguesia monopólica industrial. O caráter da Reforma agrária teve seus efeitos sobre a relação entre as classes. Tentava-se estabelecer com os camponeses

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Frei procurou afastar o “perigo comunista” da vitória eleitoral e possibilitou o triunfo da

política da “Aliança para o Progresso”, apresentando um programa baseado em reformas

estruturais e assumiu para si o discurso da justiça social, retirando da esquerda o monopólio

sobre essa questão. Frei foi muito apoiado pelo departamento de estado norte americano,

pela direito e também pela direita apesar desta durante o governo acusar Frei de estar

“pavimentando o caminho” dos partidos de esquerda, através de suas reformas estruturais.

Assim, a proposta da DC vinha no sentido de conciliar a sociedade chilena, mas rompendo

com os setores tradicionais da oligarquia agrária51.

Já em 1969, no seu XVIII Congresso Nacional, o PC já adota um discurso de lutar

por um governo realmente popular, utilizando o lema “Unidade Popular para conquistar um

Governo Popular”. E, em janeiro de 1970, é anunciada a candidatura de Salvador Allende

pela Unidade Popular.

uma nova hegemonia burguesa como criação de uma aliança política do proletariado do campo e a cidade. Assim, a lei de reforma agrária, promulgada em 1967, derivava de uma combinação das dimensões modernizantes , capitalista e reformista-popular. 51 CORVAN MARQUEZ,L.,op.cit., p.73-79.

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1.3 – O XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e a política da via

pacífica.

A linha e o programa adotado pela Unidade Popular da via pacífica ao socialismo52,

faziam parte de anos de acúmulo e discussão interna do PC, e foi ratificada no Congresso

de 1969. Foram publicados panfletos para serem distribuídos à população chilena, com

importantes questões teóricas que justificavam a via pacífica. Esta via foi construída,

principalmente, a partir das teses do XX Congresso da União Soviética, realizado em

195653, após a morte de Stalin em 1953. Foi neste congresso que Krushov apresentou o

relatório contra Stalin, mostrando os abusos do uso da autoridade e de violência e desvios

no caráter da revolução, além de pautar alguns debates que iriam dividir o mundo

comunista principalmente entre os dois principais Partidos Comunistas: o da URSS e o da

China54. Vamos nos ater aqui, principalmente à questão do aprofundamento das discussões

sobre a via pacífica.

Neste XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (P.C.U.S), as

reflexões acerca da via pacífica ao socialismo foram feitas de maneira muito contundente.

A partir da análise do plano internacional, em que o mundo estava dividido em

regimes sociais diferentes, o Congresso desenvolveu o princípio da coexistência pacífica55

52 Mesmo sendo adotada como estratégia a via pacífica ao socialismo o Partido Socialista, apesar de ter sido um partido formado por setores da pequena burguesia e de intelectuais, declarava ser necessário a luta armada. Essa decisão foi ratificada no Congresso de Chillán, e, por isso, depois da eleição de Allende não tomou definições que pudessem levar à materialização da via pacífica. Essa era uma questão muito polêmica dentro do PS, pois, o próprio Salvador Allende achava que o melhor caminho era o pacífico. 53 O relatório apontava o “culto à personalidade”, tirania, vaidade, abusos contra seus adversários políticos, extrema centralização de poder, violência, regalias à alguns funcionários públicos, crimes políticos, imposição de trabalho forçado aos camponeses o que levou a milhares de mortes, dentre outros. A conduta política de Stalin,vinha causando muita polêmica também na maneira em que queria impor a subordinação aos outros Partidos Comunistas. Alguns autores como Eric Hobsbawm, Jean Baby e Fernando Claudin analisam esse momento com ênfases diversas, mas que permite, quem queria aprofundar o assunto ter um panorama de diferentes leituras. 54 Essas divergências tomariam proporções mais profundas, a partir do XXII Congresso do PCUS em 1961. Em 1963 o Partido Comunista Chinês escreve uma carta de 25 itens criticando abertamente as posições soviéticas e dos países ligado a elas. Por sua vez, o Partido Comunista da União Soviética escreve uma carta respondendo e atacando duramente o teor do documento chinês. 55 No XXII Congresso Kruschov definiu melhor o conceito de coexistência pacífica: “ela não é simplesmente a ausência de guerra, não se trata de uma trégua provisória e precária entre duas guerras; é a coexistência de dois sistemas sociais opostos baseada na recusa mútua em empregar a guerra como meio de acertar as questões entre os Estados”. Cf: BABY, J. op.cit.,p.92

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dos países de diferentes sistemas sociais. Falava-se em desenvolver melhor as relações

entre a URSS e os EUA sob alguns princípios: respeito mútuo da integridade territorial e da

soberania, não agressão, não ingerência nos assuntos internos de outros países, igualdade e

vantagens mútuas, coexistência pacífica e colaboração econômica. Esses eram os princípios

básicos da política exterior soviética e, na época, para Kruschov, primeiro secretário do

Comitê Central do Partido Comunista da URSS, só existiam dois caminhos: a coexistência

pacífica ou a guerra. A coexistência era vista como um grande caminho nas relações

internacionais entre países socialistas e países capitalistas.

Esse importante Congresso do Partido Comunista Soviético, realizado em fevereiro

de 1956, havia levantado questões importantes que teriam repercussões em todo mundo e,

principalmente, no movimento comunista internacional. O relatório sustentava que a guerra

não era algo inevitável mesmo com toda ofensiva imperialista, e, sendo possível, sem

revolução violenta, países capitalistas passarem para o socialismo.

Essa questão ligada à paz internacional, que foi um dos princípios para que se

apresentasse a via pacífica como uma possibilidade, estava contida dentro de uma análise

do momento específico de um mundo que acabara de sair de uma guerra mundial, onde o

clamor pela paz era muito forte. A maioria da humanidade repelia a política “de posições de

força”, diz o relatório, por ser uma política aventureira e antipopular e que poderia agravar

o perigo da guerra. Também ficava claro que era impossível encontrar um período como o

que se passava, em que se tinha amplitude e organização da luta das camadas populares

contra o perigo de guerra. E ainda colocam a classe operária como uma das principais

forças motrizes para evitar a guerra, mas desde que ela atuasse como força organizada e

unida.

Conforme o autor Jean Baby a coexistência pacífica para Lênin56 era a afirmação de

que o Estado socialista não poderia ser por natureza agressor. O estado socialista não

poderia manter com outros países uma relação de ameaça e sim manter relações de

coexistência dentro de interesses recíprocos. Mas, também, pondera que para consolidar

essa coexistência pacífica era necessário reunir, em torno da União Soviética, todos os

países que sofressem a exploração capitalista. Não imaginava ser a coexistência pacífica

mais do que uma forma de defender da agressividade permanente, inevitável e fundamental

56 BABY, J.,op.cit., p.44.

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do sistema capitalista. Portanto, falar no sentido de se ter dois mundos de essências

diferentes convivendo sob um acordo de não guerra, de convivência mútua sem violência,

era impossível. Segundo ele, esses dois blocos, de alguma maneira, se confrontariam em

algum momento e as guerras seriam, assim, inevitáveis.

No XX Congresso, a coexistência pacífica apresentada por Krushov tinha o sentido

de uma aproximação com os Estados Unidos para tentar manter a paz mundial, e, portanto,

completamente diferente do sentido que Lênin tinha dado em tempos anteriores. Isso

ratificava a idéia de que os conflitos que pudessem surgir entre as áreas de influência e de

dominação dos dois países, esses poderiam ser resolvidos por acordos. Além disso,

deixavam explícita a possibilidade de países com diferentes sistemas sociais poderem

existir uns ao lado dos outros, como também de se estabelecer uma relação de confiança

entre eles. Isso porque, agora, existiam poderosas forças sociais e políticas que disporiam

de grandes meios para impedir conflitos ou guerras e estariam vigilantes e mobilizadas.

Para alguns críticos, tomando como exemplo o Partido Comunista Chinês, isso

desanimaria muitos movimentos revolucionários de tentarem a tomada de poder em alguns

países, pois tudo acabaria em um acordo feito entre os dois principais países dos blocos

capitalista e socialista. Para eles, no campo imperialista, os norte-americanos eram o

principal adversário e sobre eles deveriam concentrar todos os ataques.

Outra explicação revolucionária teria que ser tomada para apresentar como poderia

haver revoluções nos países que tivessem condições de tornar-se um país socialista. Então,

Kruschov expõe a “competição pacífica”, onde a URSS apresentaria um desenvolvimento

rápido, que traria melhores condições de vida à população, graças ao planejamento da

economia e à propriedade coletiva dos meios de produção. Dessa forma, os oprimidos dos

países capitalistas, vendo todo desenvolvimento e superioridade do mundo socialista, iriam

pressionar para mudança de sistema em seus países. Com esse raciocínio e dentro de uma

perspectiva de coexistência pacífica, resolviam-se os questionamentos sobre os possíveis

levantes das classes exploradas contra os governos dos países capitalistas. Parece-me aqui

que todo esse discurso também era uma forma de tentar diminuir os riscos de um possível

ataque aos países socialistas pelos países capitalistas, em especial, pelos Estados Unidos.

Era uma forma de dizer que os russos não queriam guerra. Qualquer ataque que pudesse

acontecer seria contra sua vontade, pois eles apenas reagiriam se fossem provocados. Essa

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era também uma estratégia da URSS, para consolidar os estados socialistas e tentar

diminuir as chances de um possível ataque ou envolvimento em guerras que pudessem

desestabilizar o regime socialista, tanto política, quanto economicamente.

Como os russos também desenvolveram a bomba atômica no caso de uma guerra,

esse fato os colocavam em mais condições de igualdade para com os norte-americanos,

fazendo com que as questões levantadas no XX Congresso passassem a ter repercussão na

atuação política de muitos partidos comunistas. Apesar disso, houve muita reação contrária

a tais orientações, como foi o caso do Partido Comunista Chinês que a denominou de

revisionista. E foi, principalmente a partir dessas discussões que, nos anos sessenta, houve

uma divisão no movimento comunista internacional.

O fato da URSS ter aprovado e estar empenhada na política de coexistência pacífica,

não significava que via no Chile um país de grande importância e com um processo

revolucionário a se preservar. Os russos não estavam dispostos a colocar em risco a

coexistência pacífica por causa de um país pequeno como o Chile. Por outro lado, o PC

adotou uma postura de adesão à URSS e ao socialismo real, sem muita possibilidade de

críticas, o que influiu nos momentos de aproximação com o Partido Democrata Cristão57.

O Partido Comunista Chinês, que já apresentara sua discordância58 em relação à via

pacífica, criticou duramente o Partido Comunista do Chile, o que provocou uma reação

enfática. Segundo o documento “El pleno de agosto de 1957”, os chilenos acusaram os

chineses de não procurar o comitê central para formalizar suas críticas e sim, os próprios

militantes. O PC chileno que tinha relações de cooperação com os chineses, onde

mandavam para a China pessoas ligadas ou militantes comunistas para ensinarem lá o

idioma espanhol, acusavam chineses de aproveitarem disso para criticar e convencê-los do

erro histórico que significava a via pacífica.

Mais tarde, o Partido Comunista chinês criticou a via pacífica em uma carta dirigida

ao Comitê Central do PC chileno, onde dizia que o caminho escolhido era um marco

contrastante com o caminho revolucionário de Fidel Castro. Tal crítica foi contestada. Por

sua vez, os chilenos diziam que as posições sustentadas pelo partido tinham como suporte

as “teses marxistas-leninistas” da via pacífica, e que seria errado sustentar dogmas

57Cf: CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit.,p.32

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sectários59. Entretanto, a escolha dos caminhos acerca da revolução deveria ser assunto

interno dos revolucionários de cada nação. Os que achavam que podiam indagar sobre

questões subjetivas de outros países, tendo em vista a sua experiência, poderiam cometer

erros, tanto na elaboração, quanto na aplicação de sua linha. E ainda, argumentavam que os

dirigentes do Partido Comunista da China estavam fazendo uma desonesta contraposição ao

apresentar os fatos, pois eles declaravam a oposição da via armada para com a via pacífica,

como se os mais tendenciosos pela via pacífica rechaçassem a via armada. Astutamente e

ao mesmo tempo, jogavam o processo revolucionário chileno contra o cubano. Por fim,

diziam que a China tinha um desconhecimento do valor teórico-prático das teses da via

pacífica.

No documento do Congresso Nacional do Partido Comunista Chileno, realizado em

1969, na análise da conjuntura internacional, diziam que as posições da China eram

perigosas, pois adotaram o nacionalismo e o anti-sovietismo como balizas de sua política. E

se, por um lado, reclamava-se da interferência dos chineses no processo chileno, por outro,

diziam que a revolução cultural não tinha nada a ver com o comunismo e que causavam a

todos um grande prejuízo, principalmente ao regime socialista e ao povo chinês.

As críticas às condutas da URSS eram gigantescas por parte de alguns partidos

comunistas, o que não era o caso do Chile. As discussões e as divergências entre os países

socialistas e entre os partidos comunistas no mundo tomaram grandes proporções, mas na

Declaração dos 8160, no ano de 1957, tentou-se unificar ou melhorar as divergências entre

os partidos participantes da Conferência para que se pudesse aprovar uma resolução que

levasse em conta os debates que haviam acontecido.

...a coexistência pacífica dos Estados não significa de maneira alguma, como

afirmam os revisionistas, o abandono da luta de classes... Todos os partidos

59 O PC chileno dizia fundamentar a tese da via pacífica às teses marxistas-leninistas, assim como fez o XX Congresso do PCURSS, entretanto, sua linha prática se aproximava das levantadas no XX Congresso, tendo como forte sustentáculo a crença na possibilidade da coexistência pacífica entre capitalistas e socialistas, mesmo na América Latina. 60 A declaração dos 81 partidos comunistas foi fruto da Conferência realizada em 1960 para acertar as diferenças sino-soviéticas. Segundo Jean Baby, essa declaração significava um compromisso entre as teses de Kruschov e as teses chinesas, limitando a política de aproximação com os norte-americanos, a propaganda em favor do caminho pacífico para o socialismo, da coexistência pacífica e da competição pacífica separada de seu caráter de classe. Entretanto, a maioria dos países presentes se colocou à favor da URSS, mas sem dúvida

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marxista-leninistas são independentes e iguais em direitos; cada um elabora sua

política partindo das condições concretas do seu país e inspirando-se nos

princípios do marxismo leninismo; eles prestam-se apoio mútuo. Os sucessos da

causa da classe operária em cada país exigem a solidariedade internacional de

todos os partidos marxista-leninistas. Cada partido é responsável diante da classe

operária, diante dos trabalhadores de seu país, diante do movimento comunista e

operário internacional.61

Para o relatório62 apresentado no XX Congresso, as condições contemporâneas, as

modificações radicais produzidas no mundo, a existência e o fortalecimento do poderoso

campo socialista, o aumento da sua força de atração, o desenvolvimento do movimento dos

trabalhadores e da libertação nacional e a debilitação do sistema capitalista, haviam criado

uma situação nova, propícia para se dar o passo em direção ao socialismo naqueles países,

onde ainda predominava o capitalismo. Segundo o congresso, a posição leninista havia

considerado, como uma possibilidade, o desenvolvimento pacífico da revolução em

determinadas condições, como em abril de 1917:

A conquista de uma sólida maioria parlamentar que se apóie no movimento

revolucionário de massas do proletariado, dos trabalhadores, criaria para a classe

operária de alguns países capitalistas e antigas colônias condições que

garantiriam a realização de transformações sociais radicais.

Naturalmente, nos países onde o capitalismo é ainda forte, onde tem em suas mãos

um enorme aparelho militar e policial, é inevitável uma acirrada resistência das

forças reacionárias. A transição ao socialismo transcorrerá aí em meio a uma

aguda luta revolucionária de classes.

É plenamente possível que as formas de transição ao socialismo sejam cada vez

mais variadas. Não é obrigatório que todas sejam através da guerra civil. Há

diferentes formas de revolução social. Dizer que reconhecemos a violência e a

nenhuma havia necessidade de uma mediação no texto final mesmo que não significasse a correlação de forças apresentadas na conferência. 61 BABY,J., op.cit., p.75. 62 Estamos utilizando aqui a Revista “Problemas” organizado por Diógenes Arruda que traduziu o Informe de Kruschov, assim como as atividades do Comitê Central do PCUS e as falas dos membros efetivos e suplentes do Presidium do PCUS. Também utilizamos trechos reproduzidos por Fernando Claudín e Jean Baby.

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guerra civil como único caminho de transformação da sociedade não corresponde

à realidade.63

O historiador Augusto Buonicori, em artigo publicado, analisou o processo da

revolução Russa e a proposta de desenvolvimento pacífico da revolução elaborada por

Lênin. Ele que, em fevereiro de 1917 estava exilado na Suíça, afirmava que estava

acontecendo na Rússia a primeira etapa da revolução, em que a burguesia e os

latifundiários, ou seja, uma nova classe estava no poder. Dizia que a revolução

democrático-burguesa estava consumada, mas o fato era de que existia naquele momento

duas ditaduras, a burguesa e a do proletariado e do camponeses. Lênin também achava que

não era possível implementar o socialismo imediatamente. Era necessário um período de

transição inclusive no que se referia à derrubada do governo provisório.

Segundo análise de Buonicori, Lênin havia anunciado uma tática que se baseava no

processo de acumulação de forças e de “desenvolvimento pacífico da revolução” através da

conquista da maioria pelos sovietes, aprovado na 7º Conferência nacional dos

bolcheviques. Essa tática se expressava na frase “todo poder aos sovietes!” e criticou os que

falavam “Abaixo o governo provisório”. Continuou também defender um processo de

transição ao socialismo apresentando um programa para a Rússia: nacionalização da terra,

controle do Estado sobre os bancos e sua fusão num banco central único, controle sobre os

maiores consórcios capitalistas, sistema mais justo de impostos progressivos sobre

rendimentos e bens. Reafirmava que mesmo durante a aplicação dessas medidas era preciso

prudência e conquistar a maioria da população. Estas questões levantadas por Lênin

tiveram grande influência no estabelecimento da “via chilena” e os caminhos que a

revolução pacífica deveria trilhar, apesar das propostas de Lênin e do PC serem diferentes.

Os reveses da política na Rússia durante o governo provisório dirigido por

Kerensky, resultou em uma mudança de tática do caminho do desenvolvimento pacífico.

Lênin dizia naquele momento de intensa repressão que ou ganhava a ditadura militar ou a

insurreição armada dos operários. A palavra de ordem que simbolizava a via pacífica de

desenvolvimento da revolução “Todo poder aos sovietes” foi deixada de lado e começou a

preparar a insurreição armada.

63 Revista Problemas. XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética: Informes e Resoluções.

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Segundo Buonicori, o desenvolvimento pacífico da revolução não tinha relação com

a tese da “via pacífica para o socialismo”. Para ele, a proposta de Lênin não era a de

conquista gradual de posições dentro da institucionalidade burguesa. Dizia:

O pressuposto de Lênin era a existência de um duplo poder, no qual o poder

operário e popular (os sovietes) possuía força política, moral e militar reais –

superior mesmo às do governo provisório burguês. Não se tratava, assim, de

chegar ao socialismo respeitando a lógica e as regras do jogo eleitoral – criados

para manter a dominação de classe da burguesia – e sim rompendo com elas e

construindo e fortalecendo uma outra institucionalidade mais avançada e mais

democrática: a institucionalidade operária e popular. Esta era a condição para o

“desenvolvimento pacífico da revolução russa.64

A via pacífica foi debatida exaustivamente pelo XX Congresso. Nas intervenções

dos membros do Comitê Central, a fala do A. I. Mikoian foi o que mais refletiu sobre esse

assunto. Segundo ele, o que se via ali era a prova concreta de que não se havia limitado

apenas em repetir conhecidas teses teóricas do marxismo-leninismo. Para ele, a

coexistência pacífica sólida não podia ser concebida sem o comércio vantajoso entre todos

os países. Para exemplificar, ele também cita “As teses de Abril”, já que, ali, falava-se na

tomada do poder através da conquista da maioria de sovietes. E dizia que Lênin não havia

pensado em um partido de dogmas: “toda palavra de ordem adquire capacidade de perdurar

mais do que hoje”. Também cita Marx, que falava que na Inglaterra e em outros países, a

classe operária podia chegar ao poder por meios pacíficos através da conquista parlamentar:

Sabemos ser necessário levar em conta as instituições, os costumes e as tradições

de certos países. E não negamos existirem países como a América, a Inglaterra, e

se eu conhecesse melhor vossas instituições talvez acrescentasse também a

Holanda, nos quais os operários poderão chegar a seus objetivos por meios

pacíficos.

Discursos dos membros efetivos e suplentes do Presidium do P.C.U.S. Editor Diógenes Arruda, 1956, p.43. 64 BUONICORI, A. Lênin e os dilemas da Revolução Russa de 1917, Sítio Vermelho, 10 e 17 de novembro de 2004.

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No entanto, se assim é, devemos também reconhecer que na maioria dos países do

continente, a força deve servir de alavanca para a nossa revolução é justamente à

força a que deveremos recorrer em determinado momento para estabelecer

definitivamente o domínio do trabalho65.

Justificava ainda que devido ao fato de Lênin ter escrito em 1917, e que na situação

em que se encontrava o capitalismo, conforme a descrição acima feita por Marx sua opinião

desapareceria. E criticava aqueles que procuravam exaltar “o caminho pacífico” para todos

os países e épocas, dizendo que isso afastaria o proletariado da luta revolucionária pelo

poder.

Aqui me parece um ponto importante da análise: será que com o desenvolvimento

capitalista, o fortalecimento dos Estados Unidos, principalmente depois da segunda guerra

mundial, com o estabelecimento da guerra fria, a Revolução Cubana, em 1959, todos esses

acontecimentos tornariam realmente possível uma “transição pela via pacífica”?

Lendo as justificativas dos membros do CC do PCURRS, parece-nos pouco

provável do ponto de vista da sua viabilidade, porém com argumentos construídos no

sentido de que, a coexistência pacífica entre capitalistas e socialistas, levaria ao

desenvolvimento pacífico do socialismo naqueles países que optassem por mudar seu

sistema. Assim, os EUA principalmente, não interfeririam nos problemas internos dos

países, respeitando sua auto-determinação. No Chile, parece-me que esse raciocínio

juntamente com a expectativa do apoio em massa da população ao governo popular, tornou

um dos principais argumentos em defesa da possibilidade da implementação do projeto da

UP.

Mikoian ainda ressalta em sua interpretação que, para Lênin, a classe operária

preferia tomar pacificamente o poder, mas não podia restar dúvidas de que a violência

revolucionária representou o modelo necessário e legítimo para a revolução em

determinados momentos, pois mais determinante para a vitória do processo socialista é a

organização dos trabalhadores.

Ainda destaca que a situação no mundo havia se modificado e como a teoria não era

algo permanente, viável à todas as situações, o CC do PCUS apontou novas maneiras de

65 Revista Problemas,1956,p.308.

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transição ao socialismo, principalmente a partir do crescimento do “ poderoso campo do

socialismo” que mudou a situação internacional. A conclusão que se chegava é de que em

determinados países, onde existisse correlação entre as forças de classe no país e à situação

geral favorável, a classe operária, em aliança com os camponeses, chegaria ao poder através

das instituições parlamentares.

A via pacífica era citada, pelo Partido Comunista do Chile, a partir de experiências

de democracia popular e davam exemplos como a Tchecoslováquia66, onde segundo a

interpretação chilena, a derrota do fascismo e daqueles que colaboravam com o governo foi

fundamental para instaurar um governo de coalizão democrática que ia do proletariado à

burguesia e que, perante mobilização e as pressões populares, sem guerra civil e sem

insurreição popular, o país estava se transformando em uma democracia popular e em um

governo do proletariado. A democracia popular teria que ser utilizada em consonância com

as condições históricas e econômico-sociais concretas, e com as peculiaridades de cada

país. Acreditava-se que na conquista de posições importantes, o estado democrático

popular, no curso do desenvolvimento da revolução socialista seguia o caminho para

transformar pacificamente a indústria e o comércio privados em parte integrante da

economia socialista.

Entretanto, o que houve na Tchecoslováquia não teve a ver com a via pacífica. O

poder militar da URSS ajudou em muitos momentos nas tentativas de realização da

transição de uma democracia popular para o socialismo, por meio do uso da força.

Inclusive, dentro das divergências entre o Partido Comunista e o Partido Socialista, estava o

fato do PS nunca ter apoiado a intervenção da URSS na Tchecoslováquia. De forma

alguma, na visão deles, não se poderia ver a situação daquele país como um exemplo

histórico.

Os informes do XX Congresso ainda refletiam que o emprego da violência durante a

transição ao socialismo não dependia do proletariado e sim da resistência dos exploradores.

Outra questão importante era o de aproveitar o caminho parlamentar para a transição ao

socialismo. Mas, para isso, era necessário o apoio da classe operária, pois a conquista da

maioria do Parlamento poderia significar a sua transformação em um instrumento da

verdadeira vontade popular e, assim, ser convertido em um órgão da autêntica democracia

66CORVALAN LEPEZ, L. Camino de Victoria.Santiago de Chile:1971, p.26.

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para os trabalhadores, que daria condições para a realização de transformações radicais na

sociedade. Esse era mais um argumento do Partido Chileno, que analisava sua realidade, de

uma democracia já consolidada para acreditar que era possível a vitória de uma coalizão de

esquerda em conjunto com a eleição de muitos parlamentares, o que poderia significar um

importante avanço rumo à revolução chilena.

Assim, a partir do XX Congresso da URSS, defendia-se então que nos países

subdesenvolvidos e dependentes teria que se articular a luta antiimperialista,

antimonopolista e contra as oligarquias locais, vinculando também à defesa nacional, a paz

e a coexistência pacífica. Essas lutas seriam um passo intermediário ao sistema socialista, e

deveria ocorrer de preferência dentro de uma via pacífica.

No XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética as teses sobre a via

pacífica continuaram sendo debatidas como uma possibilidade não muito excepcional. Mas,

era preciso que os trabalhadores desenvolvessem uma ampla luta de massas fora do

Parlamento para vencer as forças reacionárias e criar as condições necessárias para fazer a

revolução socialista pela via pacífica.

Segundo Luis Corvalán, o Partido Comunista Chileno, desde sua formação

percorreu o caminho de unificar os trabalhadores e, posteriormente, convenceu-se da

necessidade da própria construção de um projeto que extrapolasse a via eleitoral,

mostrando, de fato, um caráter de mudança em relação aos rumos que a sociedade chilena

vinha tomando, ou seja, do capitalismo extremamente dependente do imperialismo norte

americano. Entretanto, o rompimento com o capitalismo, não poderia significar pelo menos

inicialmente, rupturas no sistema democrático já consolidado e muito menos na economia67

pelo grau de dependência e pela própria constituição social chilena. O PC, pelo menos

inicialmente, não queria se afastar de parte da burguesia chilena e foi desenvolvendo a sua

política de acumular forças para estabelecer novas bases. Toda estratégia montada pelo

Partido Comunista de participar e formar frentes, era no sentido de que só se poderia

construir um projeto genuinamente chileno se as condições internas fossem as

predominantes. Seria somente a partir de uma análise das condições reais do momento

67 O programa de 1969 do PC representa na parte econômica essa idéia de não haver rupturas na economia de forma imediata. Para tal, estabelece três níveis econômicos para preparar a transição ao socialismo: a economia estatal, mista e privada. No desenvolvimento desta pesquisa vamos desenvolver melhor esta questão.

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vivido no Chile, que se poderia traçar um rumo político próprio, claramente fundamentado

em teorias marxistas e de acordo com as suas interpretações. Dizia ele:

O triunfo da Frente Popular em 1938 e a Aliança Democrática em 1946

demonstraram, precisamente, a possibilidade de que a classe trabalhadora e o

povo do Chile conquistem o governo por uma via que não é a da insurreição.

Certamente não é fácil que o povo ganhe as eleições em nosso país. Mas os feitos

indicam que tem sido capaz de ganhá-las uma vez e poderá ganhar com menos

dificuldades no futuro, na medida que se fortaleça e se desenvolva mais o

movimento popular e este possa impor novas e mais profundas ampliações de seus

direitos políticos eleitorais.68

Dessa forma, não há dúvida de que ao se referir à via pacífica era preciso buscar

fundamentação nos clássicos do marxismo, e faziam isso citando as “Teses de Abril”69

escritas por Lênin70, em 1917. A escolha por essa obra não foi de maneira aleatória, em

várias falas de dirigentes do pleno do CC do PCUS também se reportavam a ela para

justificar a teoria. Exemplo foi o discurso de A. I. Mikoian que, segundo sua interpretação,

dizia que, nas “Teses de Abril”, Lênin formulou a tomada do poder pela classe operária e a

realização da revolução por meio pacífico, através da conquista da maioria nos Sovietes. E

foi somente em julho de 1917 depois de um enfrentamento de operários com o governo

68 CORVALAN LEPEZ, L.,op.cit,p.29 et seq. 69 As Teses de Abril foram escritas e apresentadas por Lênin, em abril de 1917. Ele apresentou as tarefas do proletariado, no dia 04 de abril, além de analisar o momento histórico no qual a Rússia passava e o papel do partido e dos operários em todas essas questões. Lênin definia a particularidade do momento, na Rússia, como o período de transição da primeira etapa da revolução burguesa (passagem do poder do estado para a burguesia) para a segunda, proletária, (dominação do proletariado e dos camponeses). Queria preparar o proletariado para derrotar o czarismo e implantar a ditadura do proletariado. 70 As questões colocadas tanto por Marx quanto por Lênin enquanto uma remota possibilidade de tomada de poder pela via não armada pela classe operária e em circunstâncias totalmente atípicas, não tem haver com o raciocínio proposto pelo XX congresso do PCURSS e da proposta do PC Chileno. Este, afirmava ser possível coexistir o sistema capitalista e socialista e que, se as massas quisessem realmente o socialismo, os capitalistas iriam respeitar a opinião e o processo interno de cada país. Lênin e Marx falavam em rompimento com o capitalismo, não postulavam que através de uma vitória no executivo ou no âmbito parlamentar pudessem modificar o estado e a partir disso abrir caminho ao socialismo. O XX Congresso apresentou resoluções que nos parece ter um sentido de dividir o mundo em áreas de influência e dar uma trégua às guerras entre as duas potências do que propriamente ter um sentido de desenvolvimento de um processo revolucionário.

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provisório que o desenvolvimento pacífico da revolução foi retirada, pois a situação já não

permitia. Em entrevista cedida à autora, Corvalán explica que:

A possibilidade de conquistar o poder através da via pacífica foi considerada por

Marx já em 1872 quando falou sobre o tema em Amsterdan. Ele recordou que

jamais tinha afirmado que a conquista do poder político para construir o

socialismo conduzem necessariamente por formas iguais e que sempre se deveria

considerar as instituições, os costumes, tradições dos diferentes países. Lênin em

suas famosas Teses de Abril de 1917, nos primeiros meses que seguiram desde a

queda do império czarista, estimou a possibilidade de que a revolução socialista se

realizara na Rússia através de um caminho pacífico mediante a conquista da

maioria dos soviets. Abandonou esta opinião quando mataram os trabalhadores em

Petrogrado e a contra-revolução dava seus primeiros passos. Depois as teses

cairam em esquecimento por muito tempo. E foi restabelecida pelo XX Congresso

do partido da URSS.71

Segundo o Partido Comunista chileno, se faziam considerações sobre uma possível

revolução socialista na Rússia, por meio de uma via pacífica, mediante a conquista no

parlamento e nos espaços do governo burguês, análise essa feita sobre a passagem do

estado capitalista ao estado socialista. Somente quando estava em marcha a contra-

revolução de Kornilov que Lênin e o Partido Bolchevique se lançaram para preparar a

insurreição. Isso não significava que o caminho pacífico não teria condições de se

concretizar, mas porque naquelas circunstâncias não existiam as condições objetivas para

que ela se desenvolvesse. Segundo as interpretações do Partido Comunista Chileno, tanto

Marx como Lênin conceberam a via pacífica como uma possibilidade excepcional para se

chegar ao socialismo, enquanto a via violenta era a mais aderida.

Entretanto, essa excepcionalidade, segundo leitura do PC estava posta para o Chile e

alguns fatores sempre eram ressaltados: o desenvolvimento de um forte movimento

operário, com sindicatos atuantes e participativos; o histórico democrático e a sólida

consolidação da institucionalidade; as dificuldades de romper com o imperialismo norte-

americano e portanto, com as bases que a sociedade chilena se desenvolveu; a dificuldade

71 Entrevista de Luis Corvalan Lepez cedido à autora em Santiago, fevereiro de 2004.

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também de romper com a burguesia em detrimento de um projeto de poder para o

proletariado; eram questões postas na reflexão do PC. A Rússia, apesar de agrária, tinha um

situação social, econômica e política totalmente diferente do Chile. Lá não havia sido

possível a transição sem armas, mas no Chile, para o PC as condições estavam dadas.

Lênin, no seu texto, referia-se à particularidade do momento que a Rússia passava.

Haveria de ter tido por parte do Partido Chileno a preocupação de historicisar o momento

em que Lênin estava escrevendo o texto. Não fica claro para quem lê “As teses de Abril”,

que ali ele está defendendo a via não armada, fica explícito que falava de não adotar

modelos, de não achar que a teoria é um dogma e de dar todo poder aos sovietes. Para

Lenin, já acontecia a passagem da primeira etapa da revolução para uma segunda, sendo

que a primeira deu o poder à burguesia porque o proletariado não tinha consciência e

organização necessárias. Na segunda etapa, o poder seria passado para as mãos do

proletariado e camadas pobres do campesinato. Assim, essa transição se caracterizaria

“pelo máximo de legalidade (a Rússia é hoje o país mais livre dos países beligerantes); por

outro lado, pela ausência da violência sobre as massas, e finalmente pela confiança

inconsciente das massas no governo dos capitalistas, dos piores inimigos da paz e do

socialismo”.72 Cabia, portanto, ao Partido explicar às massas que os Sovietes de deputados

operários eram a única forma possível de governo revolucionário e ainda denunciar o

Governo Provisório.

Lênin não defendia uma república parlamentar e sim uma de deputados operários,

assalariados, agrícolas e camponeses de todo o país. Propunha um programa agrário com

intuito de transferir o centro para os Sovietes, confisco de terras, fusão de bancos, mas isso

ainda não seria o socialismo, mas apenas um passo. Para ele não era correto naquele

momento implantar o socialismo de forma imediata, mas passar para o controle dos

sovietes a produção social e distribuição dos produtos, o que era de extrema importância

para o trânsito à segunda etapa da revolução. Lênin ainda afirmava no documento que para

aquela época de transição de uma dominação burguesa para uma dominação proletária,

defendia a necessidade da existência do Estado, mas não de tipo burguês parlamentar, mas

de um Estado sem exército permanente, sem polícia contra o povo e sem burocracia acima

do povo. Entretanto, levanta questões importantes sobre a teoria. Fala em fórmulas já

72LENIN,V. As teses de Abril,1974, p4.

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envelhecidas, que se modificam de acordo com os acontecimentos da realidade, levantando

inclusive que um marxista deve sempre levar em conta a própria vida, os fatos da realidade

e não somente continuar apegado à cristalização teórica. Para exemplificar, citava Goethe:

“a vida é verde, a teoria é cinzenta”. Deixava claro, então, que era importante para um

marxista não querer aplicar sua teoria sem uma profunda análise da realidade concreta,

como um esquema abstrato:

A nossa teoria não é um dogma, mas sim um guia para a ação, diziam sempre

Marx e Engels, zombando com justeza dos que decoravam e repetiam, sem as

digerir, fórmulas que, no melhor dos casos só podiam delinear as tarefas gerais,

que necessariamente mudam em correspondência com a situação econômica e a

política de concreta de cada período particular do processo histórico.

Agora é necessário compenetrar-se da indiscutível verdade de que os marxistas

devem ter em conta à própria vida, os fatos exatos da realidade, e não continuar apegado à teoria de ontem, que, como toda a teoria, unicamente traça, no melhor

dos casos, o fundamental, o geral, e só de um modo aproximado abarca toda a

complexidade da vida.73

Florestan Fernandes74, que organizou coletâneas e analisou textos de Lenin sobre a

extinção do estado e a revolução violenta, chega a ser categórico em dizer que Marx e

Engels afirmaram como um dos princípios de suas teorias de que a revolução violenta era

necessária e inelutável. Para ele, “está claramente dito que sem a revolução violenta, é

impossível substituir o Estado Burguês pelo Estado proletário”.

73 LENIN, V., op. cit. p.10. 74FERNANDES, F.(org.). Lênin – Política. São Paulo: Ática,1989,p.152.

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1.4 – A repercussão do XX Congresso no Partido Comunista Chileno e a formulação

teórica da Revolução Chilena

O Partido Comunista Chileno enfatiza como o grande mérito do XX Congresso o

restabelecimento da validez da tese da via pacífica que, desde a morte de Lênin tinha-se

deixado de ser uma saída. Após este congresso, considerava a via pacífica como a via mais

provável de mudança do capitalismo para o socialismo. Aqui, o PC do Chile comungava

desta opinião.

O PC compreendia que no Chile não havia espaço para uma ditadura do

proletariado, pelo menos a priori, pela história de democracia no país. O PC não propunha

inicialmente romper nem com o imperialismo, nem com setores da burguesia

imediatamente. Dizia que era necessário um momento de transição para que o operariado

fosse assumindo o setor produtivo e por isso, tomando a liderança do Estado. Para o PC,

não havia espaço para rompimentos abruptos, justamente pela forma pelo qual, as bases

econômicas chilenas foram construídas. Por isso via como central o sufrágio universal, a

escolha do projeto político para o país através das urnas e do candidato para depois da

eleição, iniciar a tomada hegemônica do Estado. O sufrágio universal era entendido como

ponto de partida para a democracia, mas para que ela fosse “plena” não poderia apenas ser

representativa, mas deveria ser direta, através da participação popular, do controle dos

órgãos de decisão política e econômica. Inicialmente teria-se a vitória no executivo para

depois trilhar a conquista do parlamento. Achavam importante primeiro obter a Presidência

da República e, depois o parlamento, para modificar a natureza do Estado chileno.

O PC achava que para implementar um projeto político das proporções que era a via

chilena ao socialismo, teria que se apoiar na posição da maioria da sociedade. A idéia era a

de que para criar algo e principalmente se lutar pelo socialismo, o povo tinha que ter

consenso enquanto ao projeto e em relação à sua construção. Tratava-se de utilizar a

democracia burguesa para modificá-la e iniciar a democracia proletária, onde quem iria ter

o poder de mando seria principalmente o operariado.(Nelson Coutinho75 alertava para a

75 COUTINHO, N. Gramsci: Socialismo e democracia. A atualidade de Gramsci. IN: Gramsci a vitalidade de um pensamento. São Paulo:Unesp,1998,p.29.

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concessão da “democracia como um caminho para o socialismo e não como o caminho para

o socialismo”).

O socialismo seria então instituído a partir da conquista, conservação e

aprofundamento da democracia política. No discurso do PC a democracia se torna o meio e

o fim para o socialismo, seria através dela que ocorreria a passagem do capitalismo para o

socialismo e, ao mesmo tempo, a democracia só significaria o seu conceito filosófico pleno

se houvesse o socialismo. Essa democracia no futuro seria mais que pluralista, seria

hegemonizada pelos trabalhadores. Por isso, o discurso da responsabilidade dos

trabalhadores para o desenvolvimento da revolução, foi apropriado pelo partido chileno que

colocou uma grande parcela da responsabilidade da viabilidade desta via na classe

trabalhadora, não dando a devida importância ao jogo político travado com setores mais

reacionários chilenos e que utilizavam recursos violentos e muito sofisticados. Talvez o

exemplo mais claro disso teria sido no próprio governo do presidente Salvador Allende, em

que a direita tinha um aparato psicológico e mobilizador de parte dos trabalhadores, que,

então, cobrava outras posturas do governo, inclusive apoiando o golpe militar mais tarde.

As tramas políticas parecem-nos muito mais complicadas e cheia de armadilhas que

extrapolam as dinâmicas do movimento social.

Mas em tempo, dizia-se que a via não dependia apenas do proletariado. Alguns

partidários defendiam que, ao mesmo tempo, era preciso preparar-se para situações difíceis

no percorrer da via pacífica. Para isso, o PC tinha grande responsabilidade, pois era capaz

de apreciar situações que obrigassem uma mudança de tática e até optar pela utilização das

armas. Isso significaria ter uma dupla linha, em que os dois caminhos teriam que ser

percorridos ao mesmo tempo, mas sem dispersão e exposição do movimento popular.

O artigo do então presidente do PC, Luis Corvalán76, ressaltava o poder da classe

trabalhadora. Segundo ele, as experiências da França, Espanha e Chile na época das Frentes

Populares contra a guerra e o fascismo, deixavam claro que a classe trabalhadora tinha

grande destaque pelo seu caráter de vanguarda, podia forjar uma frente de trabalhadores e

popular ampla, criando condições de colaboração política com outros setores sociais e, por

este caminho, agrupar a maioria do povo e conquistar o poder pela via pacífica. Ressaltava

76 Esse artigo cujo título é “Acerca de la via pacífica” foi publicado em janeiro de 1961 na Revista Princípios, também órgão de imprensa do Partido Comunista Chileno.

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ainda, que para se formular uma via pacífica para o Chile não era necessariamente

obrigatório contar com exemplos históricos concretos anteriores, até porque não existiam.

Não era preciso ter uma prova prática de que poderia dar certo, mas era um caminho a

trilhar, mesmo que formulando teorias para tal.

As teses sobre a possibilidade da via pacífica não se referem apenas aqueles países

que já estavam fazendo a transição do capitalismo para o socialismo, mas, também, para

aqueles onde existia uma revolução democrática ou, simplesmente, uma revolução nacional

libertadora. Utilizavam a declaração de Moscou aos 81 Partidos Comunistas e de

Trabalhadores para corroborar desse pensamento:

Em caso das classes exploradoras recorram à violência contra o povo, tem que se

ter em conta outra possibilidade: o passo ao socialismo por via não pacífica. O

leninismo ensina e a experiência histórica o confirma, que as classes dominantes

não cedem voluntariamente o poder. A dureza e as formas da luta de classes em

tais condições não dependem tanto do proletariado, como da resistência que os

círculos reacionários sobrepõem a vontade da imensa maioria do povo, do

emprego da violência por esses círculos em uma ou outra etapa da luta pelo

socialismo77.

Está claro na interpretação do PC, que em alguns países não se tinha a possibilidade

de marchar pela via pacífica, inclusive porque eram obrigados pelos que queriam manter a

ordem capitalista, mas, em outros, essa possibilidade existia. Porém, de qualquer forma,

todos que optassem por uma via violenta teriam, mais tarde, de prosseguir pela via pacífica.

E esta, poderia se fazer um caminho longo e contínuo.

Dessa forma, tiravam as seguintes conclusões sobre o processo revolucionário:

primeiro, em alguns países não havia ainda as condições e possibilidades de se seguir por

um caminho pacífico, pois ele dependia de uma série de fatores internos; segundo, que em

outros países, a revolução poderia se iniciar pela via pacífica e posteriormente optar pela

via violenta sem que as classes inimigas obrigassem a isso, e então consolidar a ditadura do

proletariado; em terceiro, que a revolução podia caminhar pela via violenta e depois passar

77 CORVALAN LEPEZ,L., op.cit.,p.27.

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para a via pacífica; em quarto, que a via pacífica poderia ser um caminho contínuo. Ou seja,

cada realidade teria uma condição própria para o seu desenvolvimento e sua consolidação.

Para isso, os partidos comunistas teriam que ter uma análise da sua realidade muito

aprofundada para possibilitar o desenvolvimento e a consolidação da revolução. No Chile,

segundo avaliações, desde os tempos de Frente Popular, vinha se desenvolvendo a via

pacífica, sob intensas análises das condições da realidade.

Assim, segundo Luis Marquez78, a possibilidade da via pacífica, a partir das análises

de discussões do movimento comunista internacional e da leitura realizada a partir da

realidade chilena, principalmente por aqueles que defendiam tal projeto, davam elementos

decisivos que permitiram o aprofundamento e a defesa por parte do Partido Comunista da

premissa de uma revolução sem armas: 1) a existência da FRAP como um exemplo de

frente política apresentava-se como forma de instigar o apoio da população para vencer as

eleições; 2) a existência de um sistema eleitoral em que se houvesse apoio popular e

mobilização de massas poderia constituir um conjuntura para eleição de um governo

popular; 3) a vontade que animaria a maioria nacional relacionada a idéia de vitória,

passando pela conquista de um poder popular sem ser através da via armada; 4) as tradições

políticas do país, através do desenvolvimento da democracia burguesa e sua consolidação

diante de pressões populares que reivindicavam a defesa e a ampliação das liberdades

democráticas e que favoreciam a luta contra tentativas golpistas. Para o autor, apresentava-

se então a via não armada como uma necessidade histórica.

Parece-nos aqui que a fundamentação da via pacífica enquanto teoria não estava tão

bem solidificada, mas em contraposição, estava melhor argumentada a fundamentação

política partindo da interpretação da história chilena para consolidar o projeto da via não

armada.

Dentro do próprio PC e da esquerda chilena havia questões teóricas importantes que

provocaram muitos debates, principalmente pelo fato de se estar formulando uma teoria da

via pacífica para o Chile. Essas discussões estão condensadas em um texto publicado pelo

PC em 1964 e que refletia os paradoxos vividos dentro dos Partidos Comunistas,

principalmente depois do polêmico XX Congresso do PCUS. Inicialmente, podemos citar o

próprio conceito de via pacífica: era uma via revolucionária, tendo como base a vontade e a

78 CORVALAN MARQUEZ,L.,op.cit., p.55

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luta da população. O termo “pacífico” sugestivo de passividade parecia como algo distinto

da revolução. Por isso, era importante utilizar termos que não dessem essa dubiedade de

sentidos. Assim, falava-se em substituir o termo via pacífica por via não armada.

Outra questão muito discutida está no teor revolucionário da via pacífica que,

partidos como o MIR79 e parte do PS, achavam não ser ela uma via revolucionária. Ela se

identificaria mais com uma via legal ou constitucional. No entanto, o PC defendia que

mesmo sendo via pacífica, ela deveria infringir o tempo, o legalismo e a constituição

burguesa. Uma nova legislação deveria ser feita, mas sob interesses da classe trabalhadora.

Outro debate que se fazia no interior do partido, era o de que a via pacífica não seria

obrigatoriamente uma via parlamentar, visto ser o Chile um país presidencialista e,

portanto, sua conquista do poder passava também pelo executivo. Portanto, a via pacífica

muito mais que uma via que iria modificar o Estado pelo parlamento, se instituiu como uma

via identificada com a conquista do executivo através de eleições. A realidade política e

social do Chile, segundo o PC, permitiam que se ganhasse as eleições presidenciais e a

partir daí imprimir mudanças de fundo na sociedade, sendo que as eleições de 1958

apresentaram como a materialização política dessa linha traçada pelo Partido Comunista.

As confusões sobre a definição de via pacífica eram grandes, e tentavam combater

os chamados “esquerdistas chilenos” que não conseguiam vislumbrar um caminho sem

guerra armada para se construir uma nação de fato socialista. O PC utilizava a política de

coexistência pacífica no plano internacional, que era entendido como uma forma de luta de

classes (limitada no plano econômico, político e ideológico), tentando estabelecer o

compromisso entre capitalistas e socialistas de que cada povo fosse determinado por suas

questões internas, ou seja, fosse auto-determinado, e, utilizava a via pacífica, referindo-se

ao plano interno, com o sentido de não se ter uma existência amigável entre exploradores e

explorados, e, caso fosse preciso, que se utilizasse as armas para a conquista do poder. O

slogan utilizado pelo partido comunista no Chile era “nem revisionismo, nem

evolucionismo, nem reformismo e nem cópias mecânicas”.

79 O Movimento de Esquerda Revolucionaria foi criado em 15 de agosto de 1965 quando foi aprovado sua declaração de princípios no congresso de fundação. Ele se define como a vanguarda marxista-leninista da classe trabalhadora e dos oprimidos e é regido pelo princípio do centralismo democrático. Sua estratégia de luta é orientada pela tática da luta de classe contra classe e tem como objetivo preparar e organizar a Revolução Socialista chilena. Critica claramente a via pacífica, a teoria das etapas para se construir a revolução e a política de alianças com a burguesia.

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Realmente, tentavam elaborar diretrizes políticas que dessem consistência à teoria

da transição ao socialismo que estava sendo pensada, entretanto, ainda sob um debate muito

confuso entre a esquerda chilena e o próprio Partido Comunista. Era importante que todos

assimilassem que a via pacífica nada tinha a ver com as concepções revisionistas que

possuíam uma visão evolucionista do capitalismo para o socialismo, nem com a política

dos reformistas que, na verdade, lutavam por reformas no interior do estado e do sistema

vistos como o fim de sua ação, não mais vislumbrando a revolução adiante. Entretanto, esse

discurso parece aproximar muito da realidade da experiência chilena, por mais que o PC

quisesse negar.

Neste debate sobre a via pacífica, o que mais era enfatizado talvez fosse o fato de tal

via não ser um caminho obrigatoriamente eleitoral, porém, que abrigava diversas formas e

situações. Essas, por sua vez, produziriam outras formas de luta, inclusive algumas mais

intensas, que usariam, se fossem preciso, da violência ou da insurreição armada.

Neste sentido, o documento do PC fala:

A greve geral, a tomada de terrenos pelos colonos, as lutas nas ruas e inclusive a

conquista de terra pelos camponeses em algumas partes também são formas de

violência e elas, por certo, se tem dado e se dão no caso chileno. Poderíamos dizer

que, pelo contrario, tais tipos de violência formam também parte de um processo

revolucionário que se desenvolve pela via pacífica80.

E ainda em outros documentos, o partido expunha questões importantes sobre a

realidade chilena, como por exemplo, o da importância de se disputar uma eleição

presidencial de forma articulada, através de um campo amplo, com chances de vitórias

para, depois, disputar eleições parlamentares ou municipais. O poder executivo teria mais

atribuições que o legislativo e, uma vez tendo sido conquistado, seriam muito melhores as

condições de se obter uma maioria absoluta no parlamento. O poder executivo deveria

utilizar o regime presidencial para realizar importantes trocas de toda ordem, prevendo

passar para um regime parlamentar de novo tipo, que seria uma das formas de se

80 CORVALAN LEPEZ,L.,op.cit.,p.34.

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desenvolver a revolução chilena. Não necessariamente que os caminhos cubanos tivessem

de se estender a toda América Latina, mas, por outro lado, que a via pacífica também não

fosse vista pela posteridade apenas como uma eleição parlamentar ou como uma eleição

presidencial.

Aliás, a questão cubana se tornava um desafio, quanto à explicação da via pacífica.

O fervor causado na esquerda da América Latina pelo triunfo da Revolução Cubana81,

através da via armada, e que implantou o socialismo no chamado “quintal do

imperialismo”, voltava as atenções para o debate sobre a questão da revolução na América.

O Partido Comunista Chileno se via na obrigação não só de explicar a via chilena, mas de

fundamentá-la e, assim, insistir na necessidade de não se adotar modelos. Até porque, os

que defenderam a via institucional, a reforma do sistema burguês incluindo aqui o Estado, o

sufrágio universal e discordaram da necessidade da ditadura do proletariado, foram

denominados de reformistas e revisionistas. O PC chileno queria demonstrar que suas

teorias sobre a revolução chilena estavam fundamentadas nas discussões apresentadas por

Marx, mas principalmente por Lênin.

As desconfianças e, num primeiro momento, o estranhamento da via não armada era

considerado até normal por causa das experiências da URSS e, principalmente, de Cuba.

Por isso, o partido se debruçou profundamente para reforçar os argumentos pró-via

pacífica. Segundo ele, o estudo das experiências enriquecia e abria novas perspectivas, mas

tais experiências não tinham validez prática para todos os países latino-americanos:

...nunca apresentamos a chamada via pacífica ou via chilena como um caminho

oposto ao que seguiu a revolução em Cuba. Sustentávamos e sustentamos ainda

81 A Revolução Cubana, foi um dos processos mais significativo e importantes que ocorreu na América Latina. Ela foi conduzida por Fidel Castro e Che Guevara, sem inicialmente propor uma transformação socialista, mas visando o desmantelamento do governo de Fulgencio Batista. O movimento se iniciou com objetivo antioligárquico em Sierra Maestra, a partir do “foco guerrilheiro”, ou seja, através da criação de um movimento armado por parte de um grupo de pessoas que desencadeava um processo de integração entre a luta armada e a população camponesa da região escolhida. Com a vitória em 1959, iniciou-se um programa de reformas com confisco dos bens de Batista, expropriação de latifúndios, distribuição de terras, reforma monetária, nacionalização de algumas empresas, etc. A resposta norte-americana foi cortar o petróleo que fornecia a Cuba e mais tarde o embargo econômico à Cuba de uma série de países. Isso fez com que Cuba se aproximasse de novos parceiros procurando o bloco socialista, em especial a URSS para ajuda, levando ao movimento em se converter em uma Revolução Socialista. Cf:C. Guazzeli. História Contemporânea da América Latina.

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que todos os povos da América Latina, uns primeiros e outros depois, que cada

qual de acordo com suas próprias condições, com suas próprias características

romperiam com a opressão imperialista, da dominação de oligarquias e

marchariam ou marcharão até o socialismo... nunca tentamos converter o Chile e o

movimento popular chileno em algo como o centro das atenções que tornassem

orientações que pudesse parecer contraditório com a revolução Cubana.82

Dentre as conclusões, vale apenas ressaltar que o exemplo de Cuba abria

possibilidades de demonstrar a possibilidade real de se fazer revolução no continente.

Porém, o apoio de outras nações socialistas era fundamental para que se enfrentasse a

reação imperialista.

Para o Partido Comunista do Chile, por mais que as justificativas de Kruschov na

necessidade da via pacífica não fossem nenhum pouco satisfatória para alguns, e que aquele

congresso por uma série de questões tornou o debate entre os partidos comunistas bastante

acirrado, não justificava que o outros partidos quisessem fazer valer que a experiência

Cubana teria que ser tida como um modelo para os outros países da América Latina. O

Partido Chileno criticava a interferência nos seus debates internos, o que também não tirava

a fragilidade da tese construída para justificar a via pacífica no Chile, e mais tarde no

Governo de Allende, o não preparo da via armada como uma das formas de resistência a

uma possível articulação de golpe militar.

O Partido Comunista do Chile, em 1961, alertava para necessidade de se debruçar

mais sobre a teoria e as formas práticas da revolução. Deixava claro que a via chilena só

excluía a guerra civil ou a insurreição armada como forma de luta principal, e que as outras

formas de luta poderiam se desenvolver no curso da experiência chilena. Mas, mesmo

assim, era importante, no centro da via chilena, também preparar alguns destacamentos

armados em caso de alguma reação contra o possível governo ou contra os trabalhadores.

Portanto, era uma via que primava pelo institucional, mas que previa também uma

estratégia armada para se defender de possíveis oposições e garantir a seguridade do partido

e do seu trabalho de massas em qualquer instante.

A Revolução Chilena, de qualquer forma que se desenvolvesse, teria de percorrer

determinados aspectos da luta social para se concretizar. Por exemplo, impulsionar a frente

82 Luis Corvalan Lepez em entrevista cedida à autora em Santiago, fevereiro de 2004.

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da luta de massas, fortalecer a unidade e a luta da classe trabalhadora, avançar na aliança

entre trabalhadores e camponeses e trabalhar para agrupar a maioria da nação chilena em

torno do proletariado e dos objetivos antiimperialistas e antioligárquicos. Era preciso

compreender e assimilar que a revolução não estaria completa apenas com a conquista do

poder. Esta seria uma primeira parte onde a luta de classes no âmbito econômico, político e

ideológico teria que se aprofundar. Mas, sem impulsionar a luta das massas, nem mesmo

essa primeira etapa poderia consolidar-se, muito menos uma revolução no seu termo pleno.

Certos pontos das reflexões do PC são importantes, pois demonstram algumas das

discussões no campo teórico e como foi pensada a Revolução Chilena: se no Chile fosse

aberto o caminho para uma revolução violenta, ela talvez começasse na cidade, por meio de

um levante do proletariado com uma combinação: de luta armada e apoio das massas no

campo. Isso não duraria muito tempo, pois, tendo em conta os fatos das tradições da luta de

classe da classe trabalhadora, no Chile, nenhum governo se sustentaria durante a

interrupção das atividades econômicas que estavam sob controle da burguesia internacional

e dos latifundiários.

Segundo comentários do PC, isso não significaria uma subestimação da luta no

campo, mas não seria como em Cuba, onde a revolução se iniciou no campo com a guerra

de guerrilha e, depois, ganhou as cidades. Não parecia correto afirmar que a revolução

social, obrigatoriamente, seguiria o caminho da violência nos países que não tivessem uma

tradição democrático-burguesa e onde imperassem ditaduras. Ou também que teria um

caminho pacífico naqueles países, onde existissem governos constitucionais. Se isso fosse

levado em consideração, o Chile, necessariamente, teria de adotar a via pacífica, o que

poderia paralisar a classe trabalhadora nos momentos em que fosse importante desenvolver

outras estratégias.

A mudança do sistema capitalista para o socialismo não podia estar aparado por

esquemas e dogmatismos. Ela obedeceria a leis e riscos gerais comuns a todas as

revoluções. Era importante que não se incorresse em ações oportunistas e em erros

revisionistas. O andamento do processo revolucionário residia no caráter de massa que seus

movimentos deveriam ter: o papel da classe trabalhadora e do partido de vanguarda. Dentro

dessas balizas, torna-se fundamental lembrar que o conceito de revolução apresentado, era

o de que ela só poderia ser resultado da obra de um gigantesco esforço da organização dos

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trabalhadores e da luta das massas, caso o proletariado conquiste a direção do movimento.

A via chilena só seria possível se houvesse o desenvolvimento da consciência

política do proletariado e mais amplamente das massas populares que se agrupariam em

torno de um amplo programa de reformas democráticas que iam contra a dominação do

imperialismo e da burguesia monopolista. Para tal, o isolamento dos inimigos principais e a

neutralização de setores vacilantes era no mínimo uma demonstração de que a revolução

era possível. Assim como o desenvolvimento de uma política de entendimento, de unidade,

de aliança da classe trabalhadora com outras classes, capaz de neutralizar setores vacilantes

e de isolamento dos inimigos: a unidade comunista-socialista, também se fazia

fundamental. As diferenças entre os dois partidos deveriam ser discutidas, mas não

deveriam emperrar o desenvolvimento das lutas dos trabalhadores. Segundo o PC, o que

unia os socialistas e os comunistas deveria ser mais forte do que as divergências.

O grande desafio para os comunistas seria o de continuar sendo um partido da classe

trabalhadora e estar enraizado nas massas. Ser um partido proletário, grande, com

experiência e capacidade de luta, sempre atento às armadilhas da burguesia, educada em

uma ideologia ‘marxista-leninista’ e com marco forte do internacionalismo proletário, tudo

isso seria força principal do movimento popular.

Essas questões, levantadas pelo Partido Comunista no ano de 1964, explicitam o

objetivo de reforçar a peculiaridade de cada processo histórico, a partir de uma leitura da

importância da via pacífica, discussão essa ainda anterior à experiência da Unidade Popular

sobre o importante papel dos trabalhadores e a necessária harmonia entre comunistas e

socialistas, que mais tarde se tornaria um apelo para a unidade de toda esquerda chilena.

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CAPÍTULO II

2.1-Algumas reflexões do PC sobre a realidade chilena para a elaboração do

programa de 1969

Diante das discussões relevantes que estavam sendo ressaltadas no mundo

comunista, principalmente depois do XX Congresso do Partido Comunista da União

Soviética, das críticas principalmente feitas pela China à revolução pacífica e, à

coexistência pacífica, o Congresso do Partido Comunista Chileno adotou linhas claras de

atuação: o projeto da via pacífica era cada vez mais enfatizado e dissecado na sua imensa

variante.

Assim, algumas questões eram salientadas. Era importante a visibilidade que ela só

seria possível se houvesse uma política de unidade do seu principal sujeito: a classe

trabalhadora. Ela teria que se agrupar com a maioria do povo em torno de questões que

passavam por: reformas democráticas, contra a dominação do imperialismo83 e da

burguesia monopolista84. Era a chamada aliança de classes para neutralizar inimigos e

setores mais vulneráveis. Para consolidar a via pacífica, a política de unidade, de aliança

entre comunistas, socialistas e parte da burguesia, e para isso o entendimento entre eles era

algo vital, tanto que o partido alertava para que fosse dada a essa questão muita atenção,

pois ela poderia sepultar a possibilidade de revolução. As coalizões para disputar as

eleições, eram encaradas pelo PC como um definidor do desenvolvimento de um processo

que culminaria na possibilidade de abrir caminho para o socialismo.

83 Para Lênin, o imperialismo era a fase monopolista do capitalismo. Este só se transforma em imperialismo quando, do ponto de vista econômico, ocorre a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A livre concorrência converte-se em monopólio, criando nela a grande produção, eliminando dela a pequena, substituindo a grande por uma maior ainda, levando a concentração da produção e do capital a um ponto tal que fez surgir os monopólios: cartéis, sindicatos, patronais, trustes, fundindo com eles os capitais de poucos bancos que passam a reunir bilhões. Para Lênin, o imperialismo tende, de maneira geral para a violência e a reação. Ele caracteriza-se pela tendência de anexar não só regiões agrárias mas também industrializadas, pois constitui em sua nova essência uma nova partilha de territórios e a rivalidade entre grandes potências com vistas à hegemonia. Cf: Lênin-O imperialismo: fase superior do capitalismo. 84 A burguesia monopolista, era entendida pelo Partido Comunista Chileno como a classe dominante que era portadora do poder econômico e do poder político. Era a burguesia financeiro-industrial formado por grupos estrangeiros principalmente, que estavam assumindo o controle da economia chilena. A dependência era tal, que segundo Alberto Martinez, o domínio imperialista transformou-se no “aporte externo” na extração de excedentes e do desenvolvimento nacional. O processo de industrialização havia perdido o seu caráter nacional, assumido por empresas estrangeiras. Cf: Chile Hoy, p. 208

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A Frente de Ação Popular (FRAP) é muito lembrada no sentido de se ter

conseguido uma unidade histórica entre os partidos de esquerda, principalmente entre

comunistas e socialistas não apenas por um programa comum, mas também no sentido de

se ter consolidado um conjunto de relações de igualdade e respeito.

Segundo análises de Eva Luna85, a unidade comunista-socialista abria possibilidade

de um projeto único de mudanças. Muitos olhares se voltaram para o Chile, que estava

tentando trilhar seu próprio caminho no momento em que a esquerda ia aumentando a cada

eleição o seu eleitorado e sua base de apoio com o envolvimento dos trabalhadores e

sindicatos. Dessa forma, a evolução do eleitorado chileno desde 1958 culminaria na vitória

em 1970, observando que na eleição da FRAP Allende ficou em segundo lugar com 28,6%,

tendo Allessandri em primeiro com 31,2%, diferença de 2,6%. Diante desse quadro, o

Partido Comunista insistia na continuação da aliança para as eleições de 1964. Entretanto,

para que isso ocorresse no futuro, um enorme esforço teria que se realizar, pois havia

grandes divergências entre o PC e o PS que teriam que ser resolvidas, dentre elas a essência

do governo, o programa de governo, o candidato, etc.

Sobre a unidade entre o PS e o PC estava claro que para tentar articular qualquer

programa de governo para lançar um candidato à presidência da república, era preciso que

esses dois maiores partidos de esquerda estivessem juntos e afinados em relação à política

de mudanças. O secretário geral do PC em 1956, Galo González, por ocasião do X

Congresso afirmava:

No Chile, digo, começou desde um certo tempo, uma nova etapa nas relações entre

os comunistas e os socialistas. No passado lutamos juntos muitas vezes. Mas

também em certas ocasiões nos demos um pouco menos que as mãos. Não é o caso

de discutir quem teria razão. Mas sim recordar que cada vez que caminhamos

unidos a classe trabalhadora saiu ganhando e cada vez que nos separamos ou

brigamos, o inimigo obteve vantagens. Em 1938 esteve o PS no governo. O PC não.

Em 1946 estivemos no governo e o PS não. Outra coisa teria sido se comunistas e

socialistas estivessem estado juntos tanto no governo como fora dele. Nosso

partido tem o mais veemente desejo de estreitar sua amizade com os partidos

85 LUNA, E. Estúdios y materiales para la historia da América Latina – 1955-1990. Valencia:Universidad de Valencia,1998, p.162.

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socialistas. Não queremos rivalizar com eles, disputarmos os sindicatos ou nada

parecido. Desejamos um grande Partido Comunista, lutamos por nossos pontos de

vista. Mas desejamos também um grande Partido Socialista e nos parece saudável

que eles lutem como nós por seus pontos de vista. Ma,s todavia, olhamos com

simpatia a idéia lançada para fundir os partidos socialistas em um só. Somos

partidários de tudo isso no bom entendimento, claro está, que de outra parte haja

sentimentos recíprocos e que todos juntos, comunistas e socialistas lutaremos pelo

socialismo e um dia pela libertação nacional.86

Nesta fala do secretário geral do PC, torna-se claro que a política de entendimento

com o PS tinha que ser levado adiante, porém existiam dificuldades grandes principalmente

no que se refere às disputas nos movimentos sociais.Para que se consolidasse uma unidade

desses dois partidos e principalmente entre seus militantes de base, se teria que distensionar

na política e ter de fato um grande projeto a ser levado adiante.

Além dessa dificuldade, tanto os movimentos sociais quanto o MIR atacavam

duramente as teses da via pacífica, o que ficava cada vez mais difícil obter uma unidade

entre a esquerda em torno dessa possibilidade e, principalmente com o aliado prioritário

que era o PS por alguns de seus setores também criticarem a via não armada. Por essas

questões em 1964 lançou um documento chamado “Aseguremos el camino pacífico”. Esse

documento buscava além de justificar a via pacífica, apontar algumas discussões que

grupos e partidos contrários realizavam. Levantavam inclusive a possibilidade de que se

houvesse um golpe contra o povo, haveria uma reação armada para garantir a democracia.

Em 1964 houve novas eleições e a FRAP obteve nova derrota. Esse fato abriu

caminhos para que, dentro do PS, houvesse novas discussões sobre a utilização das eleições

dentro da legalidade, tendo como horizonte à revolução socialista. Assim, os socialistas da

chamada “ala de esquerda”, refletiram após as eleições de 1964 na necessidade de

estabelecer posições mais claras sobre os caminhos da revolução no Chile, já que tinham

um crescente apoio dos trabalhadores e camponeses87. Por sua vez, os socialistas

moderados continuaram a defender que era preciso ampliar a coalizão de forças, inclusive

86 CORVALAN LEPEZ, L. El gobierno de Salvador Allende.Santiago de Chile:Lom,2003, p.7. 87 Cf: GARCÉS, J. 1970. La pugna política por la presidencia en Chile.

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com partidos ou lideranças mais progressistas de centro, para chegar a uma vitória eleitoral.

Esse debate perdurou até o final do governo Allende.

Por ocasião da Conferência Internacional dos Partidos Comunistas e Trabalhadores

em Moscou na data de junho de 1969, o Partido Comunista do Chile que já vinha mantendo

discussões para consolidar a Unidade Popular - que no outro ano elegeria Salvador

Allende- frisou muito a questão do internacionalismo proletário, assim como da unidade de

todos os partidos progressistas. Um dos debates levantados foi a propaganda anti-soviética

e anti-comunista adotada pelos norte-americanos principalmente na América Latina, e que

mais tarde no governo Salvador Allende chega ao seu ápice no Chile. Dentro dessa

discussão apresentava como era importante a unidade comunista. Dentro dessa perspectiva,

também dava explicações sobre discursos que diziam que o partido chileno era

extremamente dependente do partido na União Soviética. A resposta era direta:

...sobre alguns assuntos os comunistas soviéticos podem não gostar de nossas

posições, mas tem que se reconhecer a importância deles para o mundo bipolar que

existia em 1969, e como joga papel o seu desenvolvimento econômico e militar, seu

peso político no mundo88.

Nessa reunião, o Chile também expressava que mesmo não tendo sido incorporadas

suas emendas no documento final da Conferência achava que a questão das possibilidades

de caminhos para a revolução precisava ter sido melhor abordada. Para eles, como este

documento buscava diminuir as arestas existentes entre a URSS e a China, não se abordou

este assunto para não causar mais polêmicas entre esses dois principais partidos. A

preocupação principal da delegação do PC do Chile que participava da conferência era a

respeito da via pacífica, termo, que para não deixar dúvidas quanto ao seu caráter

revolucionário, os comunistas chilenos preferiram utilizar a terminologia não armada.

Segundo sua argumentação, no Chile não havia mais espaço para chamar o momento de

pacífico, pois além das pessoas estarem recorrendo a greves, ocupações, dentre outras

formas de luta, também estavam acontecendo confrontos com a polícia, sem dizer na

violenta reação da direita naquele país.O enfrentamento com o governo burguês e, portanto,

88 CORVALAN LEPEZ,L., op.cit.,p.270

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com o capitalismo, já era um fato. E ainda, colocaram como necessidade o estreitamento do

vínculo com os Cubanos.

Chegando da União Soviética, a direção do Partido Chileno lança então o poeta

Pablo Neruda89 para presidente da República, adotando uma postura de chamar os partidos

de esquerda para debater um programa socialista e, depois, unificar o nome do candidato.

Nesta ocasião, o projeto da via não armada, era caracterizado, no sentido de que um

possível governo de esquerda deveria assegurar a independência econômica, mudar as

estruturas para abrir o caminho para uma democracia mais real, onde o Chile seria a pátria

de todos e não de apenas alguns. Chamam também a responsabilidade da esquerda para

discutir projetos e unidos chegarem a um candidato que fosse toda essa expressão e ao

mesmo tempo se colocam na disputa para encabeçar a coalizão:

Temos direito como os que mais desejam que o nosso candidato seja o da Unidade

Popular. O Partido Comunista se tem convertido, por vontade do povo no primeiro

partido da esquerda chilena. Ainda que, desde 1938 vimos apoiando candidatos

radicais, socialistas e não seria mal que agora apoiassem o nosso. Entretanto, é

claro, este legítimo desejo com o sentido de nossa responsabilidade total, com o

dever de fazer todo o possível para forjar um triunfo do povo, por criar a Unidade

Popular e levá-la a vitória. Isto quer dizer que também neste aspecto temos uma

conduta unitária não só nas palavras. Não decidimos: Pablo Neruda ou nenhum

outro. Não decidimos: ou o nosso candidato ou não há unidade90.

Por ocasião do Congresso Nacional do Partido Comunista, realizado em 23 de

novembro de 1969, portanto num importante momento já que se deu às vésperas da

consolidação da UP e também seria um importante espaço para reflexões e de tomada de

diretrizes que iriam nortear a ação partidária, a análise que se fazia era de um profundo

89 Pablo Neruda, pseudônimo de Nefatli Ricardo Reys Basoaldo, nasceu em 12 de julho de 1904 em Parral no Chile. Começou a escrever ainda menino, em 1971 ganhou o Prêmio Nobel de literatura. Foi cônsul na Espanha de 1934 a 1938. Em 1969 foi indicado à Presidência da República pelo Partido Comunista, mas retirou sua candidatura em favor de Salvador Allende, participando ativamente de sua campanha. Com a vitória da UP, foi nomeado embaixador do Chile na França. Neruda dizia ter se definido como comunista durante a guerra da Espanha. Durante o governo da Frente Popular foi encaminhado pelo governo à França para tirar espanhóis da prisão e leva-los para o Chile. No Governo de González Videla teve-se uma forte repressão anticomunista e Neruda também teve que “cair” na clandestinidade. 90CORVALAN LEPEZ, L. Camino de Victoria. Santiago de Chile,1971, p.282

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acirramento entre os movimentos populares e o governo de Frei. Para sua eleição, havia-se

falado em uma verdadeira “revolução em liberdade”, que seria na essência um governo que

havia prometido mudanças importantes para os setores mais pobres da população. Alguns

setores populares caíram na descrença e diziam que não havia saída para os problemas do

Chile.

O PC parte então, para denúncias de que o governo Frei queria era salvar o

capitalismo e por isso não iria realizar as mudanças necessárias para melhorar as condições

de vida, e ainda iria impedir a revolução popular e o socialismo. Mas reconheceu que havia

diferenças internas dentro da DC chamando-a de pluriclassista, o que demonstrava uma

habilidade para jogar politicamente com setores mais progressistas da DC. De um lado

estava parte da população e militantes importantes que haviam votado em Frei com intuito

de que o seu governo tivesse a disposição de aplicar o que ele havia prometido nas eleições,

ou seja, as chamadas mudanças estruturais e, por outro lado, estavam partidários da DC que

tinham posições bem mais conservadoras e à direita, que pressionavam no sentido de que

não se realizassem as promessas eleitorais. Diziam também, que não concordavam com os

caminhos escolhidos por Frei. Declarava-se oposição ao governo, mas não uma oposição

cega e sim ativa. Entretanto aprovou internamente, um documento cauteloso em relação ao

governo, afirmando que era necessário isolar os inimigos principais e considerar as

contradições internas no governo. Assim, a principal questão não passava entre governo e

oposição, mas entre os inimigos principais, devendo inclusive apoiar o governo se servir

para derrotar interesses dos inimigos. Aqui, tentava-se continuar o relacionamento de

diálogo com a DC, principalmente com os setores mais avançados e por isso, o PC foi

chamado várias vezes de colaborador do governo Frei. O jogo político que o PC tentava

fazer era o de não isolar setores mais progressistas da DC, pensando inclusive nas eleições

de 1970. Sua política de alianças sempre foi alvo de muita crítica por parte de setores da

esquerda chilena.91

O PS teve uma postura extremamente crítica em relação à vitória de Frei. O

documento aprovado na reunião do comitê central ia no sentido de mostrar que a coalizão

de esquerda, portanto a FRAP não conseguiu denunciar a DC enquanto força atrasada,

defensora da ordem e aliada ao imperialismo. E ainda apontava como mais grave a

91 Me refiro aqui, as críticas que partiam do PS e do MIR.

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penetração que a DC obteve nas grandes massas, a partir de um discurso com roupagem

popular. Nesta reunião ainda definiram impulsionar uma luta aberta contra a DC se

negando a colaborar com o governo. Allende também teve uma postura de oposição ao

governo Frei. Denunciava a lentidão dos processos de reforma agrária, o alto custo da

nacionalização do cobre, o déficit habitacional, o aumento da inflação, etc. Também se

colocava ativamente contra os inúmeros conflitos políticos que estavam acontecendo em

“poblaciones” mais humildes.

Neste congresso de 1969, é aprovado o enraizamento cada vez maior do Partido nos

movimentos populares, principalmente na Central Única dos Trabalhadores, pois estavam

diante de um governo que pelo menos no discurso, falava em mudanças estruturais:

Estamos diante de um desafio de quem ganha as massas: a burguesia para o

reformismo e a colaboração de classe ou o proletariado para uma política

independente e a verdadeira revolução chilena. A uma orientação e um trabalho de

massas de nossos adversários que corresponde a uma orientação e um trabalho de

massas do Partido em uma escala mil vezes superior a que temos aplicado até

agora. Esta é a grande tarefa, e aqui está o central da questão92.

Segundo Luis Corvalan, a situação do Chile era difícil, pois se tinha um governo

que era reformista conservador, utilizava o discurso da mudança, e tinha apoio de vários

setores populares. Por outro lado, apontava a necessidade de estabelecer parâmetros para

tentar ganhar as eleições de 1970, sem adotar posturas que isolassem o campo da esquerda

com os Democratas Cristãos93. Além disso, denunciava que o Estado com apoio financeiro

de organizações internacionais e da Igreja Católica combatiam o comunismo

principalmente entre mulheres e jovens. Por isso era importante liderar o combate

ideológico, tanto contra a direita e parte do centro, como com os partidos de esquerda que

acreditavam apenas na luta armada e que, por muitas vezes, atacavam o Partido Comunista.

Ao mesmo tempo, era preciso consolidar a tentativa de reunir a esquerda em um só bloco

92CORVALAN LEPEZ,L., op.cit,p.295. 93 Sobre a política de alianças, o PC achava que para a eleição de 1970 era importante tentar estabelecer uma composição mais ampla com partidos de centro que tivessem ou em sua totalidade ou em grupos internos setores mais progressistas. Estavam se referindo ao PR e a DC. O PS contestou tal posicionamento dizendo

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para disputar as eleições. Com os chamados esquerdistas como o MIR, as atenções

deveriam ser constantes principalmente porque vários deles atuavam juntos no movimento

camponês, dos trabalhadores, estudantis, o que podia ser muito perigoso para o PC perder

espaço para eles. Por isso, o documento deste congresso se ateve muito na crítica a esses

grupos:

O Partido considera seu dever livrar o combate ideológico contra todo tipo de

oportunismo. Daí que, junto com a luta contra o reformismo burguês, tem tido que

fazer frente as tendências sectárias de esquerda. Este esquerdismo se expressa em

fraseologia revolucionária, na conciliação com os grupelhos anticomunistas de

esquerda, em posições irresponsáveis a luta armada, na tendência de restringir

arbitrariamente o campo de aliança do proletariado...

A experiência internacional e nacional, incluída a de nosso próprio Partido, indica

que muitos deles podem evolucionar a posições corretas, assimilar a ideologia do

proletariado e transformá-los em revolucionários conseqüentes. De outra parte, um

plano ultra-esquerdista, operam grupos e grupelhos anticomunistas que recebem o

esforço dos inimigos de classe do proletariado. Estes grupos atuam a margem das

massas e recorrem ao terrorismo, método que favorece os propósitos dos

reacionários e que por isso tem sido condenado desde muitos anos pelo movimento

dos trabalhadores revolucionários.94

O MIR atuava politicamente nos mesmos setores sociais do PC, que eram

prioritariamente com os trabalhadores que exploravam minério. O MIR crescendo em sua

atuação política podia inclusive ter um maior espaço dentro da CUT, disputando a

condução política de muitas organizações sociais, com uma opinião completamente distinta

do PC, que era a possibilidade da constituição da luta armada para a tomada de poder. Para

o PC, também era importante conduzir esses espaços, ter influência sob esta parcela dos

trabalhadores porque estes seriam os protagonistas da revolução.

não apoiar a incorporação de setores da pequena burguesia porque desconfiguraria o projeto político, apesar deste não ser objeto de unidade nem entre PS e PC. 94CORVALAN LEPEZ,L., op.cit., p.301

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Essas dificuldades com os chamados grupos de esquerda, também vão ter eco no

governo de Salvador Allende, talvez de forma mais difícil pelo fato do que representava o

governo da Unidade Popular. Uma das principais dificuldades do governo popular seria o

diálogo com o Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR), pois tinham uma opinião

mais radical dos rumos que a Unidade Popular deveria caminhar, além da sua inserção no

movimento popular e de ser contrário a via pacífica.

Também houve neste congresso um balanço do perfil dos militantes do PC. Pelo

tempo na ilegalidade, não se sabia precisamente o seu tamanho, mas tinha-se uma idéia dos

números dos militantes mais antigos e outros que haviam filiado ha pouco tempo, sendo

entre eles 12.000 novos, 660 militavam há mais de 40 anos, 2.800 mais de trinta e 5.388 a

mais de vinte anos. O número de mulheres havia crescido, chegando em alguns comitês

locais como era o caso de Barrancas com 49% de mulheres. Do total de militantes, 66,6%

eram trabalhadores ligados à mineração. 7,7% camponeses, e 20% eram comerciantes,

industriais, artesãos, intelectuais, dentre outros. Dava-se destaque no fato do reitor da

Universidade do Chile ser um comunista. Todos os militantes estavam organizados em

3.618 células95.

E de maneira contundente demonstravam com os números de que as críticas sobre a

passividade e o conservadorismo dos comunistas eram apenas discursos de parte da

burguesia, já que a maioria dos filiados encontrava-se no meio dos trabalhadores, que era

uma parcela importante e prioritária da atuação do Partido Comunista do Chile, pois

achavam que eles teriam papel relevante no processo Revolucionário. Por outro lado,

também suscitavam análises do êxito da linha política partidária, já que atingiram um

número alto de filiados e acreditavam assim ser o maior partido de esquerda do Chile.

Para eles, mesmo diante desse crescimento, do papel que jogavam para o

desenvolvimento de novos rumos para o país, o aumento do entendimento de todas as

forças antiimperialistas e antioligárquicas nacionais não seria fácil ganhar as eleições. Os

reacionários também se agrupavam, se uniam para manter seu domínio e não mediam

esforços para tal, inclusive se precisasse recorrer a um golpe de Estado e também à ajuda

estrangeira dentre outras artimanhas.

95Ibid.,p.308

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E, ainda no programa de 1969, descreve-se que o PC deveria ser de massa,

combativo, compacto, homogêneo, firme, disciplinado, atento às necessidades dos distintos

setores do povo. Ele determina, pelos seus organismos, a orientação das formas e métodos

de luta.

Quanto à revolução chilena deixava-se claro que o objetivo era alcançar o poder e

fazer a transição ao socialismo, dentro de uma concepção de que não daria para realizar as

mudanças para o socialismo sem antes preparar um processo em que se realizaria uma série

de modificações de forma planejada na estrutura econômica e política do Estado,

respeitando o caráter democrático do sistema chileno. Todas as discussões já realizadas nos

congressos anteriores foram reforçadas como o caráter antiimperialista e antimonopolista, o

não estabelecimento de esquemas artificiais, a aliança com os trabalhadores, a inserção

internacional do processo chileno que deveria espelhar na sua realidade, etc. Avançam no

sentido de já proporem mudanças na economia como, por exemplo, estipular a criação de

seus diversos tipos como a pequena produção mercantil, o capitalismo privado, o

“capitalismo de Estado”.

A reflexão para transição era de estabelecer principalmente nos setores estratégicos

(área de exploração norte americana) uma participação mais efetiva do Estado, conservando

ainda uma parte sob exploração de setores privados para iniciar uma inversão na economia.

Aqui, pensava-se claramente em aumentar o controle do Estado em relação à sua economia

que era muito débil. Essa questão era importante par o PC porque via a possibilidade de

abrir caminho ao socialismo, principalmente a partir das mudanças das estruturas

econômicas do país. Era visível para o PC as diferenças entre o sistema político

institucional e a economia.

E alertavam que precisavam ter uma maioria no parlamento e grande apoio popular

para vencer todos os obstáculos internos e externos que se colocassem contra as

transformações:

O Chile necessita de um governo popular antiimperialista e antioligárquico, que

tenha o apoio da maioria nacional, constituído por todos os partidos e correntes

que coincidam em um programa de transformações revolucionárias. Nele devem

estar os trabalhadores, os camponeses, os empregados, as mulheres, os jovens, os

pequenos e médios empresários, não só através dos partidos que os representam,

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mas também com representantes de suas organizações de massas nas instituições e

escalões correspondentes da Administração do Estado96.

A revolução chilena era concebida no programa do PC como “movimento da classe

trabalhadora e do povo organizado que mediante a luta das massas, retira do poder as atuais

classes governantes, elimina o velho aparato do Estado, as relações de produção que

paralisavam o desenvolvimento das forças produtivas e introduz transformações de fundo

na estrutura econômica, social e política do país, abrindo caminho ao socialismo”97.

Também concebiam o socialismo como o único regime que poderia dar de fato

liberdade aos trabalhadores. Isso porque se eliminaria a exploração do homem pelo homem:

No regime burguês os trabalhadores não dispõem nem sequer da liberdade de

vender sua força de trabalho. Se encontram muito restringidos ou são letra morta

aos direitos à educação, cultura, à recreação, ao descanso e outros de que se tanto

se propagandea. A liberdade de imprensa se traduz no monopólio dos capitalistas

sobre os meios de difusão. A liberdade de opinião, de reunião, de associação e

todas em geral existem somente em poucos países capitalistas, com fortes

limitações e unicamente na medida em que os trabalhadores têm conquistado

através de suas lutas ao custo de sangue.98

Destacavam ainda que o socialismo, diferente do capitalismo, não estabeleceria

outras formas de opressão e, somente iria suprimir ou limitar as liberdades das classes que

deixariam o poder, em detrimento das novas relações de produção que passariam a vigorar.

Por outro lado, em função da criação de novas bases materiais e sociais haveria a ampliação

da liberdade em relação aqueles setores oprimidos pelo antigo regime. Era possível também

vislumbrar que na medida em que as transformações fossem avançando novos setores

podiam se somar com os setores revolucionários, inclusive porque no que diziam ser o

“socialismo chileno”, haveria um sistema pluripartidário, não iria se adotar o partido único

porque não cabia nas condições históricas do país. O Chile tinha uma longa trajetória

política consolidada em partidos políticos. Nos processos eleitorais já se tinha visto a

96Ibid.,p.325. 97 Programa Del Partido Comunista de Chile, 1969, pg. 14.

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vitória da DC, da Frente Popular, da direita, do PR etc. Seria inviável pelo menos antes da

consolidação do socialismo o estabelecimento de um partido único.

Neste congresso, também se reafirma a linha vigente do partido comunista, mas se

reformula o programa no sentido de apresentar uma nova estrutura, tentando ser mais

concreto quanto ao possível funcionamento de um governo popular. Pensavam na

revolução “como um processo múltiplo vinculado a todas as lutas que vem livrando o

nosso povo e que suas vias se determinam em conformidade da situação histórica, mas

sempre tem que se basear nas atividades das massas”99.

Foi a partir de todas essas discussões que o Partido Comunista lançou propostas

iniciais para serem discutidas em conjunto com outras idéias da esquerda chilena, para

suscitar os debates a respeito da Unidade Popular e, sobretudo, assegurar a aliança com o

Partido Socialista.

Em determinados momentos, tem-se uma formulação quase que por completo,

antagônico ao da revolução pensada por Marx, não somente em sua trajetória, mas no

momento a posteriori da revolução, na configuração de uma sociedade socialista.

Segundo o Manifesto Comunista, a finalidade dos comunistas e dos partidos

proletários era a constituição do proletariado enquanto classe, a derrubada da dominação da

burguesia, e a conquista do poder político pelo proletariado. Chegando ao poder, o

proletariado iria acelerar o processo de desaparecimento de limites e antagonismos

nacionais, suprimindo a exploração do homem pelo homem e também de uma nação pela

outra.

Marx também falava que a passagem da ditadura da burguesia para a ditadura do

proletariado, não poderia acontecer apenas através da conquista do poder estatal, mas exigia

a destruição das instituições e sua substituição por outras muito diferentes. Neste período de

transição, o Estado não “poderia ser outro senão a ditadura do proletariado”, que era a

ditadura de uma maioria de oprimidos sobre uma minoria de opressores que desapareceriam

de forma gradual.

98 CORVALAN LEPEZ, L., op.cit., p.328 99 Ibid.,p.331.

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Assim, Marx caracteriza o Estado de transição por dois elementos: apesar de

destruir o Estado burguês anterior não destrói o Estado como tal, mas constrói um Estado

novo, lançando as bases da sociedade sem Estado.

Para Marx100, o Estado era o produto e a manifestação do fato das contradições de

classe serem inconciliáveis. Ele era, portanto, um organismo de dominação de classe e de

opressão. É a criação de uma ordem que legaliza e consolida esta opressão moderando o

conflito de classes. Para ele, sem a revolução violenta era impossível a substituição do

aparelho de poder do Estado que foi criado pela classe dominante, e, portanto, também era

impossível a emancipação de classe. “O Estado burguês não pode ceder lugar ao Estado

proletário (à ditadura do proletariado) pela via da “extinção”, mas só, em regra geral, por

meio de uma revolução violenta.”101. A estrutura social e o Estado nascem para Marx,

constantemente a partir do processo de vida de indivíduos determinados tal como são, ou

seja, atuando e produzindo materialmente e desenvolvendo suas atividades sob

determinados limites, pressupostos e condições materiais. Portanto, a produção de idéias,

representação e da consciência estão ligadas com a atividade material, com o intercâmbio

material dos homens.

Era claro que o domínio político do proletariado e da sua ditadura, não poderia ser

partilhada com ninguém, e só poderia se apoiar na força armada das massas. A burguesia

então, só seria derrubada se o proletariado fosse transformado em classe dominante capaz

de reprimir a resistência inevitável da burguesia e também de organizar um novo regime

econômico das massas exploradas e trabalhadoras.

A Revolução para Marx, consistia assim, na destruição pelo proletariado do

aparelho administrativo e de todo o aparelho de Estado burguês, para substituir por um

novo que seria constituído pelos operários armados. A Revolução deveria conduzir depois

da destruição do Estado, que o proletariado comandasse e governasse com a ajuda de uma

máquina nova. Assim, a ditadura do proletariado seria um poder especial de repressão

exercido pelo proletariado contra a burguesia.

100 LENIN, V. O Estado e a Revolução, São Paulo:Democracia Proletária,s/d,p.32. 101 Ibid.,p.34.

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O projeto da via pacífica102 do PC chileno, acreditava que existia a possibilidade de

continuar trilhando, através do sufrágio universal, em conjunto com seus aliados - a

coalizão da UP - para o socialismo. Acreditava que em conjunto com o Partido Socialista

principalmente, fariam as mudanças necessárias no país, e por isso, não caberia ter um

único partido e nem uma ditadura do proletariado, pelo menos a priori. A estrutura do

Estado seria modificada, mas não a ponto de destruí-lo como colocava Marx. O que

defendia o programa do PC e seus caminhos a serem percorridos para implementarem o que

chamavam de “socialismo chileno”, pouco tinha haver com essas discussões levantadas por

Marx, Engels e Lenin.

O discurso do PC parece-nos ter mais similaridades com as discussões levantadas

por Kautsky103, com quem Lênin teve uma grande discussão teórica.

Kautsky, socialista da Segunda Internacional Comunista, um dos porta-vozes do

revisionismo e do reformismo, admitia a conquista do poder sem a destruição da máquina

de Estado burguês. E a partir do aprofundamento da democracia burguesa e do sufrágio

universal, poderia se instituir o socialismo sem instalar a ditadura do proletariado. Essa era

a questão colocada pelo PC chileno sob a ressalva que a política de alianças seria

fundamental para a conquista do poder, e por isso, torna-se necessário nessa similaridade de

102 A Eleição e ascensão de um projeto socialista pela via eleitoral exerceram grande influência sobre o chamado eurocomunismo, mas principalmente sob a vida interna do Partido Comunista Italiano (PCI).Segundo Tom Bottomore, o eurocomunismo foi um movimento de mudança estratégica e teórica iniciado na década de 70 por vários partidos comunistas dos países capitalistas ocidentais como, por exemplo, o Partido Comunista Italiano, Espanhol (PCE) e Francês (PCF). Para o autor, o eurocomunismo significou uma resposta, inicialmente, ao XX Congresso do PCUS em 1956 e aos acontecimentos que o cercavam como a revolta húngara, polonesa dentre outras, além da cisão sino-soviética. O PCI foi o percussor desse movimento na Europa e acreditava que somente por meio de uma aliança com os democrata-cristãos é que se poderia se desencadear a trajetória de transição para o socialismo na Itália. Esta aliança se daria em torno de um vigoroso programa de reformas democráticas e ao mesmo tempo buscava adequar seu programa à hegemonia soviética no campo socialista e o sucesso da social democracia no ocidente. Tanto o PCF, PCE e o PCI buscavam organizar-se para uma reação frente ao movimento comunista internacional no sentido de se adequar às transformações na estrutura social do capitalismo avançado, que conquistou gradualmente o apoio da classe operária no pós-guerra, desmobilizando-a de seus propósitos de ruptura com o sistema democrático parlamentar. O eurocomunismo representou a busca de alguns partidos por um novo internacionalismo, a partir dos países de capitalismo avançado. Era a busca de um novo modelo que não fosse parecido com o soviético principalmente na questão econômica (da planificação) e na organização política da sociedade. Acreditava-se no sistema democrático representativo parlamentarista predominante na Europa Ocidental e no Welfare State, que dariam à classe operária, resultados sociais e direito à representação política. 103 Kautsky foi historiador e economista, teórico da social-democracia alemã e representante do socialismo democrático na Segunda Internacional. Ele foi contrário ao poder instaurado na URSS em 1917, classificando-o de poder usurpado por uma minoria de revolucionários profissionais. Defendia de forma genérica a democracia e liberdade e a emancipação do proletariado através do chamado “método democrático”.

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pensamentos de projeto político, discorrer um pouco sobre o que Kautsky e os reformistas

pensavam e desenvolveram sobre essas questões.

Kautsky refletia que o socialismo sem democracia não era digno de consideração e

por isso entendia por socialismo não só a organização coletiva da produção mas também a

organização democrática da sociedade. Por isso, criticava os argumentos que diziam que o

proletariado só tomaria o poder político pela revolução, porque as classes dominantes não

hesitariam em recorrer a todos os meios de repressão para impedir a democracia no caso de

uma vitória eleitoral de esquerda. Pensava que se os setores dominantes recorreriam a todos

os meios para impedir que a democracia fosse respeitada era porque temiam pela

possibilidade da vitória do proletariado, e por isso, era importante defende-la. O Estado

democrático era formulado por ele, como algo que deveria se colocar acima das classes e,

portanto, ser neutro.

Ele afirmava, assim como o PC do Chile que, quanto mais o Estado é democrático,

mais seus instrumentos de dominação dependiam da vontade do povo. Principalmente em

lugares onde o proletariado era numeroso e poderoso para tomar o poder político através

das liberdades já existentes, como por exemplo, nas eleições. O sufrágio eleitoral permitia

as classes mais baixas tomar a palavra e ocupar cada vez mais um plano destacado. Num

regime onde existisse o sufrágio universal, que se caracterizava como uma democracia

completa, todas as classes e interesses seriam representados proporcionalmente numa

constituinte. Acreditava que as eleições unificariam os operários, trabalhadores e

camponeses contra um inimigo comum e tinha receio da ditadura do proletariado tornar-se

a ditadura de um partido.

Dentro dessa perspectiva de que o socialismo poderia ser instituído através da

eleição e da maioria parlamentar, Kautsky criticava o conceito de ditadura do proletariado

do partido bolchevique. Segundo ele, Marx não utilizava o termo ditadura enquanto poder

de uns e nem pela ausência de democracia. Dizia que Marx não tinha “querido qualificar

senão um estado político, e não uma forma de governo. Mas, presentemente, essa pequena

palavra é utilizada para qualificar uma forma de governo, precisamente a do governo dos

Sovietes.”

Kautsky interpretando Marx, afirma que ele jamais havia dito que em certas

circunstâncias pudesse realizar uma ditadura do proletariado, mas havia dito que era uma

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etapa inevitável para a transição ao socialismo. Ainda faz a ressalva de que em países como

a Inglaterra e a América era possível uma transição pacífica, mas somente se fosse

construída sob uma base democrática. Pensava então, que o método da luta de classes, dito

pacífico, como as discussões no parlamento, greves, manifestações, discussões na imprensa

dentre outras formas, tinha maior probabilidade de persistirem nos países que tinham um

histórico democrático constituído.

Ele dizia assim, que poderia dar uma representação do conceito de revolução

política, por uma inversão das relações de força das classes no Estado, graças à qual uma

classe até então excluída do poder político, apodera-se do aparelho governamental. Quanto

mais consolidada a democracia e enraizada nas classes trabalhadoras, a possibilidade de

uma revolução política pacífica era maior.

Lênin criticou muito essa teoria de Kautsky que propunha reformar o Estado através

da vitória por sufrágio eleitoral, da classe trabalhadora. Expressava que para falar em

democracia deveria primeiro perguntar: “democracia para que classe”; e logo em seguida

também indagar se poderia haver igualdade entre explorado e explorador. Assim,

democracia nos marcos burgueses não poderia ser mais do que a opressão das massas e dos

operários. O parlamento burguês também se constituía enquanto um organismo de opressão

aos proletários e de perpetuação do poder da burguesia. O Estado era então, um instrumento

de dominação da classe dos exploradores sobre os explorados.

Segundo Marx, a comuna não devia ser um organismo parlamentar, mas um corpo

atuante. Em vez de decidir a cada espaço de anos que membro da classe dirigente

representará o povo no Parlamento, o sufrágio universal serviria para o povo constituído em

comunas recrutar operários, fiscais, contabilistas para estas empresas. O poder de Estado

parasita deveria ser “amputado, demolido e abolido”. Marx deduziu que o Estado deveria

desaparecer e que nesse momento de transição da passagem de um Estado para o não

Estado, o proletariado deveria ser organizado enquanto classe dominante.

Marx e Engels diziam que era necessário a ditadura do proletariado para destruir a

resistência da burguesia, aterrorizar os reacionários, manter a autoridade do povo armado

contra a burguesia e para que o proletariado pudesse derrotar a resistência de seus

adversários.

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O Estado burguês, para Lênin, deveria ser destruído, nenhuma grande revolução se

efetivou sem a destruição dos aparatos de poder da antiga sociedade como o parlamento e o

exército por exemplo.

Nestes pontos, a “revolução chilena” se mostrou ineficiente porque manteve o

parlamento, o sistema judiciário e o exército da forma em que se encontravam. E não teve

força suficiente para implementar as mudanças na economia, que acabou tornando a

principal tática do PC, ou seja, reformar a economia para passar para as mãos do Estado as

riquezas, empresas e bancos principais, desestruturando as classes dominantes. A partir daí,

as mudanças políticas estariam na prioridade da ação do governo, até a instituição do

socialismo.

Apesar do PC chileno negar que seu projeto era reformista104, me parece bastante

razoável dizer que, essas discussões sobre reformismo e revisionismo tiveram influência na

construção dos argumentos e do projeto da “via pacífica chilena”. Se não queriam ser

rotulados de Kautkistas ou reformistas, não dá para negar a proximidade das discussões de

questões que foram relevantes na formulação do PC chileno como conceito de democracia,

sufrágio universal, ditadura do proletariado dentre outros termos. O que pareceu a partir das

análises do processo chileno, é que de 1970 a 1973, tentou-se realizar uma reforma dentro

do estado chileno nos marcos da democracia burguesa. E, como houve uma forte resistência

dos que estavam no poder, o governo se preocupou em não ceder às pressões e continuar o

mandato, mesmo que alguns pontos do programa da UP tivessem que ser sacrificados

diante das dificuldades institucionais.

104 Nos diversos textos escritos por Luis Corvalan Lepez, ele se refere com certa irritação com as tentativas de vincular o projeto da via chilena ao reformismo, como nos livro Camino de Victoria. Podemos citar ainda o lema do projeto: “nem revisionismo, nem evolucionismo, nem reformismo, nem cópias mecânicas.”

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2.2- O programa político do Partido Comunista do Chile de 1969

O programa do Partido Comunista, aprovado em 1969 por ocasião do XIV

Congresso, fazia uma análise histórica do Chile e da necessidade da revolução: um país

capitalista, dependente dos norte-americanos, dominado pelo imperialismo, pelos

monopólios e latifúndios, cuja sociedade era marcada pela injustiça, pela fome, pelos

baixos salários e pela exploração105. Estava bem claro para eles, que o capitalismo se

mostrava incapaz de resolver os problemas do Chile e de libertá-lo do atraso. Apesar do

Chile, até hoje, ter uma das maiores riquezas de cobre do mundo, ser um grande país

hidroelétrico em potencial, riquezas marítimas, dentre outras, os chilenos viviam em

situação precária, pois não dominavam a tecnologia de produção do país, estava tudo sob

controle estrangeiro, como já mostramos anteriormente. Faltavam casas, água potável, luz,

comida, educação dentre outros problemas. Era colocado com muita importância tentar unir

a maioria do país para avançar, em uma primeira etapa, no caminho da revolução

antiimperialista e antioligárquica e, assim, abrir espaço para as novas relações de produção.

No plano internacional se destacava a edificação do socialismo na União Soviética,

a derrota do fascismo e do militarismo japonês na Segunda Guerra Mundial, o triunfo da

revolução na China e em países Europa e, principalmente, o aparecimento de Cuba como o

primeiro país socialista na América. Acreditava-se estar consolidando a formação de um

sistema socialista mundial que influenciava a luta mundial da classe trabalhadora e dava

como perspectiva a vitória do socialismo, agora já com outros exemplos, além da URSS.

Além disso, falavam na importância de três forças sociais na luta antiimperialista, que seria

o sistema socialista mundial, a classe trabalhadora internacional e o movimento de

libertação nacional. Tentavam aqui passar a idéia de que o mundo capitalista estava

ameaçado pelo sistema socialista, mas principalmente pelo seu sujeito histórico: a classe

trabalhadora que estava cada vez mais consciente e organizada.

Já neste programa, deixava-se claro que o objetivo do Partido Comunista era o de

abrir o caminho para a revolução. Para isso reafirmava que precisava de unidade em todas

as suas vertentes, ou seja, internamente, dos trabalhadores, de aliados políticos etc. Era uma

105CORVALAN LEPEZ,L., op.cit, p.330

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conjunção de fatores que consolidaria o caminho para o socialismo. Os que se opunham a

isso, eram chamados de reformistas e aventureiros que não vislumbravam as condições

objetivas do processo revolucionário. O debate sobre a via armada ou não também estava

explícito ali.

Os comunistas sustentam que a revolução é um processo múltiplo vinculado a

todas as lutas que vem livrando nosso povo e que suas vias se determinam em

conformidade da situação histórica, mas sempre tendo como base a atividade das

massas.106

Para resolver os problemas de fundo político da sociedade chilena, o caminho

reformista para o PC era incompatível. O conceito de reformismo aqui não aparece de

forma clara. Parecem ser reformistas, todos os que não tivessem a mesma opinião em

relação tática e a estratégia do PC. O que se vê em vários outros partidos comunistas é

inserir o estigma de reformista, naqueles que optam por mudar o sistema de um país através

da conquista eleitoral, alcançando o socialismo pela reforma pacífica e gradual dentro do

estado burguês, menosprezando a revolução armada.

Defendia-se no programa o voto universal, direto e secreto para homens, mulheres,

civis e militares, analfabetos e maiores de 18 anos, assim como o estabelecimento de uma

câmara única, presidente, ministros e uma constituinte para redigir uma nova constituição

política. O respeito e as garantias individuais do povo deveriam ser assegurados de

qualquer maneira. Para isso, o governo popular e a construção do socialismo requereriam

um Estado de Direito. O programa, por isso, apresenta uma plataforma de mudanças, de

como o país poderia fazê-las acontecer:

Propiciamos que se modifiquem os códigos e leis, resguardando os direitos e

interesses do povo, e se dá garantias de uma justiça gratuita e ativa. A missão da

polícia deve ser atuar contra a delinqüência e demais fenômenos anti-sociais.

Propomos que os juízes dos tribunais inferiores sejam eleitos por votação popular

106 Programa do Partido Comunista do Chile, p.16

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e se substitua integralmente o atual sistema carcerário estabelecendo outro com

um sentido de educação social.107

Por esse trecho do programa, se poderia falar que o PC realmente não só priorizava

o caminho institucional como já delimitava suas responsabilidades em um outro tipo de

Estado. A defesa da institucionalidade e do caminho eleitoral se dava também sob o

argumento do crescimento da desenvoltura da esquerda chilena, diga-se PS e PC que desde

1937 (interrompida nos períodos de clandestinidade do PC) tiveram nas eleições de 1965 e

1969 um aumento de 6% e 5%. Houve também uma maior participação de votantes,

chegando em 1964 a mais de 60% da população com idade para votar participando do

processo108.

A questão da democracia era muito discutida. Para eles, todo o novo momento teria

que se reger tendo em vista a democratização em todos os níveis. O Governo Popular e a

construção do socialismo requeriam um Estado de direito. A nova administração teria que

ser eficiente, ágil, atenta e sensível às necessidades das massas populares.As assembléias

provinciais, eleitas pelo voto direto, teriam atribuições e autoridade. Esta foi uma das

principais questões para desenvolver o sistema institucional chileno. No governo Allende

tinham a menção de fechar o Congresso e instituir uma Assembléia Popular. Suficiente para

cumprir a missão de atender as necessidades e problemas de sua jurisdição.Os municípios

também deveriam ter suas atribuições restabelecidas, o que facilitaria uma maior

interlocução com o governo, agilidade e orçamento próprio para resolver os problemas

locais.

Seria também impossível falar de governo popular sem assegurar o respeito às

garantias individuais de todo o povo como liberdade de consciência, palavra, imprensa,

reunião, inviolabilidade de domicílio, de direito de organização em sindicatos ou qualquer

tipo de associações, eleição democrática de todas as autoridades, com faculdade de revogar

seu mandato quando não respondessem a confiança. A propósito, também havia menção

para se modificar os códigos e as leis, dando garantias ao povo de uma justiça gratuita e

imparcial.

107 Ibid., p.21 108 MELLER, P.,op.cit.,p.103.

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No programa do PC fica explícito que as forças motrizes da revolução são o

proletariado, os elementos avançados dos camponeses, os estudantes, a intelectualidade e

alguns setores da classe média. Com exceção dos camponeses, os outros já constituíam uma

parcela importante da sua composição social. Mas, era a classe trabalhadora a principal

impulsionadora da revolução. Ela deveria ser o centro de aglutinação de todo o povo, pois

suas lutas as fortaleceriam enquanto classe que, por missão histórica, encabeçaria a luta

contra o capitalismo para construir o socialismo. Por esse papel fundamental, era preciso

contribuir para elevar o seu papel, sua unidade, consciência de classe, combatividade e

capacidade de direção, além da estruturação do movimento sindical, o fortalecimento de

uma linha de classe própria e independente. O movimento sindical era muito forte, bastante

polarizado principalmente pela esquerda, e vinha em um crescente no Chile. Em 1967,

houve um crescimento de 144,4% de filiados nos sindicatos ligados à indústria. Os

mineiros eram também muito organizados e atuantes, fruto de suas condições precárias e

particulares de seu trabalho: concentração, isolamento geográfico, trabalho em equipe.

Essas características conduziam às lutas e pressões contínuas para obter melhores

remunerações e vantagens sociais. O programa também definia quem era o proletariado.

Eles seriam os trabalhadores da indústria e das minas, mas também englobariam os

assalariados de qualquer tipo.

TABELA 4: Quadro da Evolução da sindicalização no Chile, 1932-1970.

ANO Setor Minério e Indústria Setor Camponeses Total _____________________ __________________ _______________ n. de sindicatos n. de filiados n. de sindicatos n. filiados n. sindicatos n. filiados 1932 421 54.801 421 54.801

1952 1.982 283.383 15 1.035 1.997 284.418 1960 1.892 271.141 23 1.825 1.915 272.966

1965 2.026 290.535 33 2.126 2.059 292.661

1970 4001 436.974 510 114.112 4.511 551.086

Fonte: Meller,p.110.

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O programa também ressalta a unidade, principalmente, entre socialistas e

comunistas, conseguindo, nesta união espaço para as transformações revolucionárias,

dentro de uma posição marxista-leninista. Esse entendimento também tinha o caráter de

unidade da classe trabalhadora, já que o PS e o PC tinham grande influência no movimento

dos trabalhadores.

Para exemplificar isso, a tabela abaixo demonstra o resultado das eleições sindicais

nacionais da CUT de maio a junho de 1972, por tendência política. Votaram nessas eleições

341.132 trabalhadores. Vamos notar que comunistas e socialistas sozinhos reúnem 61,65%

dos votos, contando com os outros partidos que compunham a UP esse percentual sobe para

72%, sendo que a direita conta com 24% e a oposição de esquerda conta com 4%.

Entretanto, não podemos deixar de notar a expressão de votos da DC respaldada pela direita

que chegou perto dos setenta e nove mil votos, o que demonstra que tinha a terceira maior

votação isolada e, portanto, também estava de alguma forma com bases importantes entre

os trabalhadores. Essa inserção se dava a partir do seu discurso de implementação de

reformas econômicas e agrárias tendo como questão fundamental a diminuição das

diferenças sociais e também o papel da Igreja chilena no apoio à DC. Só para se ter um

exemplo, a DC ganhou as eleições em Santiago e também obteve o cargo de primeiro vice-

presidente. Neste período das eleições da CUT, as ofensivas contra o governo com os

planos de desestabilização e a tentativa de se criar um clima de terror no país chegam a

grandes proporções. São greves de caminhoneiros, passeatas de mulheres, saques em

supermercados etc. Mesmo assim, nos trabalhadores sindicalizados, a UP tem ainda um

grande apoio, mas sem dúvida esses atos influíram principalmente no resultado das eleições

em Santiago.

TABELA 5: Resultado das eleições sindicais nacional da CUT - 1972

COMUNISTAS

SOCIALISTAS

MAPU

RADICAIS

ESQUERDA CRISTIANA

118.028

92.294

17.000

15.113

2.137

API 1.094

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OPOSIÇÃO DE DIREITA

DC (juntamente com nacionais)

PIR

78.914

2.387

OPOSIÇÃO DE ESQUERDA

FTR

USOPO

PC revolucionário109

MSL

6.258

4.400

2.053

388

FONTE: Relatórios da CUT de 1972.

Ainda no programa de 69, havia um capítulo apenas para ressaltar a difícil luta

antiimperialista, principalmente pelo fato dos minérios, a telefonia, um vasto setor do

comércio interno, dentre outros estarem sob controle dos monopólios norte-americanos,

que, mais tarde, já no governo de Salvador Allende a maioria deles participariam de alguma

forma do golpe de Estado. Outra questão muito ressaltada era no fato do Chile ser um país

extremamente dependente. Além disso, também havia convênios militares com os norte-

americanos que segundo avaliações, eram lesivos à soberania, e tinham um caráter

inclusive de intervenção militar. Era o caso da chamada Força Interamericana de Paz, em

que utilizavam os Corpos de Paz para que diversos agentes da CIA, fizessem supostas

investigações sociológicas, para desenvolver uma intensa espionagem contra o movimento

popular. Segundo eles, a atuação norte-americana no Chile também incentivava a formação

de grupos aventureiros cuja missão seria combater os comunistas, dividir o movimento

popular e de trabalhadores, e ainda fomentar o anticomunismo de ultra-esquerda. Era tido

como principal arma ideológica e política do anticomunismo.

Num governo popular, seria necessário para alcançar a soberania, expropriação de

todas as empresas e capitais pertencentes aos consórcios norte-americanos que passariam

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para a propriedade do Estado, além de estabelecer relações comerciais com variados países,

principalmente com os países socialistas. A relação comercial com os Estados Unidos não

deveria ser rompida, mas deveria se basear em novos princípios como a igualdade de

direitos, respeito à soberania nacional e mútua convivência. Nota-se mais uma vez que o

central para o PC era conseguir nacionalizar as maiores fontes de exploração do capital

internacional, para resolver um dos problemas mais sérios que o Chile tinha: a dependência

econômica. Entretanto, também nos parece exageradamente idealizada a idéia da

possibilidade de haver uma nova relação com o imperialismo norte americano dentro das

noções de respeito mútuo, que o XX Congresso do PCURSS postulou, por ir contra

inclusive à essência da acumulação imperialista. Neste sentido, frisavam:

Em resumo, exigimos uma política exterior que seja garantia em favor da

soberania e dos interesses do país, decididamente oposta ao colonialismo; de

amizade e solidariedade com todos os países socialistas, com todo os povos e de

manutenção da paz mundial. Apoiamos todo o que tenta resguardar a

autodeterminação das nações, a destruição de armas de extermínio massivo e o

desarmamento geral. Estamos pelo fortalecimento das Nações Unidas, porque

sejam reconhecido e incorporados a ela todos os países sem exclusão alguma e nos

opomos aos blocos regionais de caráter agressivo como a OEA.110

Fica claro que o projeto explicitado até aqui era algo muito difícil de se desenvolver

no Chile. Em um período onde os norte-americanos e russos tentavam implementar a

coexistência pacífica que já se mostrava desde o seu início nada provável de se

implementar na América Latina, Cuba desafiava o capitalismo tentando demonstrar que era

possível o sonho de uma América Latina socialista. O governo norte americano tinha uma

política de intervenção na política chilena111 mediante atores internos considerados como

seus aliados e puseram em prática operações de interferência na política interna chilena112,

109 O Partido Comunista Revolucionário foi uma cisão pró-maoísta do PC em 1966. Em junho de 1972 foi formado também o “Partido Comunista Bandera Roja” que era uma outra cisão do PCR e do MIR. Eles se proclamam marxista-leninistas e maoístas. 110 Programa do Partido Comunista do Chile,p.30. 111 Cf:Corvalan Marquez, L. Del anticapitalismo al neoliberalismo en Chile. p.146. 112 Durante a campanha eleitoral de 1970, a CIA desenvolveu diversas ações clandestinas no Chile, chegando a gastar quase dois milhões de dólares em operações secretas. Toda ação norte americana está em um

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que iam de verbas para derrotar candidatos políticos à conspirações de assassinatos dentre

outros nos anos de 1963 a 1970. Parece-me uma leitura ingênua, para não dizer equivocada

da realidade mundial, pois, o Chile se tornar um país socialista na América Latina não era

algo simples que dependia apenas da vontade da população. Era o mesmo que afirmar que,

na “democracia” (já que muitos autores exemplificavam o Chile como uma referência de

democracia no continente até 1973) quase exemplar da América do Sul, o melhor caminho

não era o capitalismo, pelo contrário, era a adoção do socialismo pela via institucional e

sem grandes reações. Podia soar como exemplo para os demais países. Sem falar nos

grandes interesses que estavam em jogo, tendo muitas empresas norte-americanas quase

que dominando a produção do cobre, salitre, etc.

Manuel Castells113, em sua análise econômica do Chile antes da eleição de Salvador

Allende, publicou uma tabela com a participação estrangeira nas grandes empresas de

diversos setores da economia chilena. Esse quadro nos ajuda a vislumbrar a participação

dos norte-americanos na economia chilena, principalmente na exploração de minérios

quando chegam a ter 79,6 % de participação nas empresas responsáveis em explorar esse

tipo de riqueza e 87% na área de transporte e comunicação justamente onde Allende

encontrou grandes dificuldades em seu governo. Além disso, observando no total a

participação estrangeira chega a 53,6% e delas 63% o capital imperialista tinha o controle

maioritário:

TABELA 6: Participação Estrangeira na economia Chilena

%particip.

Estrangeira sem

controle

%particip.

Estrangeira com

controle

minoritário

%particip.

Estrangeira com

controle

maioritário

%particip.

Estrangeira com

controle total

Agricultura

40,9

21,7

66

12,3

-----

Minério

79,6

8,7

0,2

91,1

-----

documento chamado de “Acciones encubiertas en Chile” apresentadas ao senado e transcrito no livro de Márquez. 113 CASTELLS,M., op. cit,p.67

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Indústria 42,4 9,4 49,9 27,8 12,8

Eletricidade,

Gás e Água

30,4 ----- ----- 100 -----

Comércio 52,5 6,5 14,1 3,5 75,9

Transportes e

comunicação

87,3 25,6 ----- 72,6 1,8

Serviços 19,3 ----- 34,7 46,6 18,7

TOTAL 53,6 10,2 16,9 63,7 9,2

FONTE: Castells, p.67.

A questão agrária também era fruto de muitos debates. Na avaliação do programa,

ele era um dos fatores determinantes do atraso e da miséria do povo chileno. A lei da

Reforma Agrária de 1967, apesar do avanço, não resolvia os problemas agrários e a questão

dos grandes latifúndios. Os donos das terras obtinham leis, preços especulativos, tarifas

ferroviárias mais baratas, melhores créditos, dentre outras regalias frente aos pequenos e

médios produtores. Por essas questões, a produção agropecuária era menor que o aumento

da população, além do Chile ser um país importador de carne, trigo, alimentos em geral e

até matérias-primas. Por esse motivo, o valor dos alimentos era muito alto e o poder

aquisitivo dos camponeses e dos trabalhadores baixo, gerando um alto índice de

desnutrição.

Propunha-se então, uma intensa reforma agrária, modificação da lei de 1967, a

participação das organizações de camponeses nos debates para se definir uma outra lógica

na política agrária, a expropriação e a organização114 de diversas formas de propriedade,

incluindo a individual, a coletiva, e o desenvolvimento de cooperativas. A política de

reforma agrária também requeria uma nova visão da atividade no campo, como a extensão

de crédito para financiar a pequena e média produção, ajuda técnica, fixar preços de

114 A sindicalização no campo foi proibida até o ano de 1947, mas de fato somente depôs de 1965 é que se iniciou com maior fôlego o processo de organização e filiação dos trabalhadores do campo nos sindicatos.

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produtos e realizar obras para facilitar a plantação e o escoamento da produção. Prtanto, o

PC propunha mudar toda dinâmica imposta pela dependência econômica exacerbada e pela

oligarquia latifundiária. A pequena e média produção teriam prioridade em detrimento às

grandes extensões de terra.

Essa análise do PC se baseava na incapacidade da agricultura chilena em responder

às demandas do país. A lógica estabelecida de grandes propriedades, baixa produtividade e

pouco incentivo para aqueles que de fato produziam, precisava ser rompida. O que Jacques

Chonchol115 problematiza e que é corroborado pelo PC é que foi a junção da oligarquia

agrária e o capital estrangeiro que determinou a crise no campo, pois provocou o

financiamento de setores mais produtivos em detrimento de um deslocamento de capitais,

do deterioramento dos preços agrícolas e de um empobrecimento da classe trabalhadora. A

Aliança para o Progresso de Kennedy, uma nova etapa do imperialismo na América Latina,

procurou dinamizar as estruturas capitalistas agrária que teve reflexo na lei agrária de

Alesandri em 1962. Essa lei tinha como prioridade a tecnificação e o estímulo da produção

agrária, assim como previa a expropriação de terras pouco exploradas. Entretanto, havia

uma série de entraves legais que acabou por continuar a consolidar a dominação

oligárquica. Não é sem razão que desde 1928 a 1964 somente 5.000 camponeses116 haviam

recebido terra através de políticas do Estado.

No plano social, só haveria desenvolvimento se os rumos da política fossem

mudados. A lógica capitalista impunha uma realidade de injustiças e de aumento de

desigualdades, por isso fazia-se necessário que o Governo Popular tivesse a

responsabilidade de desenvolver uma economia planificada. Um novo Estado seria

construído com a participação dos trabalhadores na sua formulação e no cumprimento das

suas tarefas. O desenvolvimento econômico deveria afirmar-se sobre um impulso vigoroso

da eletrificação, ampliação e diversificação da indústria siderúrgica, exploração do

petróleo, racionalização da indústria carbonífera, intensificação da produção de ferro e

cimento, aumento do número de refinarias e plantas industrializadoras de cobre, além de

desenvolver a indústria química do salitre, petróleo e carbono, dentre outras. Por si só essas

115CONCHOL,J. Chile hoy,p.265-266. 116CASTELLS, M.,op.cit.,p.323.

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questões aumentariam as ofertas de trabalho, reduzindo drasticamente o desemprego no

Chile.

A partir dessas condições de desenvolvimento, seria possível dar melhores

condições de vida para a população, como a extensão da seguridade social, médica,

garantias de subsídios de maternidade, assistência ao parto, funcionamento de jardins

infantis, seguro contra enfermidade, acidentes, invalidez, etc. Outra política essencial para o

novo estado, era o da moradia para toda a população. A revolução técnico-científica

também seria uma necessidade para que se desenvolvesse uma educação que atingisse toda

a população e que, de fato, planejasse o futuro do país sob novos princípios e uma cultura

que refletisse esse novo estado. Ela deveria ter um caráter científico, popular e democrático.

Um outro ponto que tomou grande destaque no Congresso e que também seria

decisivo no governo de Salvador Allende: as Forças Armadas. Elas eram vistas como parte

importante e constitutiva da política nacional. A crise econômica que o Chile passava,

havia atingido as Forças Armadas como um todo, ou seja, problemas de ordem técnico-

profissional.

Para o Congresso, as Forças Armadas estavam ultrapassadas, tanto na sua estrutura

como nos preceitos que regiam os institutos armados. Os soldados e sub-oficiais vinham

das classes modestas da população, enquanto os que tinham efetivamente poder de mando

dentro da estrutura provinham da burguesia e também da pequena burguesia. Na

configuração social e política mundial, fazia-se a denúncia de que os norte-americanos e

ingleses queriam educar e treiná-las para lutarem contra a subversão interna, contra o

comunismo e contra qualquer tipo de manifestação popular como greves, passeatas dentre

outros. Apesar disso, existiam também aqueles que, dentro das Forças Armadas eram

contra esse tipo de educação e que eram muito críticos a essa proposta de treinamento.

Para o Partido Comunista, uma das questões centrais residia justamente na forma

em que estavam sendo treinados os militares ideologicamente. Naquele momento achavam

que a educação que estavam recebendo tinham inspirações na luta contra subversão interna,

aumentando a distância entre as Forças Armadas e o povo, trazendo um prejuízo para a sua

unidade e também para capacidade de defesa da sua soberania. A nova preparação dos

oficiais deveria levar em conta os interesses de fato do Chile como a paz, a amizade entre

os povos e a independência nacional. A composição social da escola militar também

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mudaria o seu caráter por isso achava necessário a inserção não só da classe média, mas da

população mais pobre. Propunham dessa forma quebrar a elitização do serviço militar.Ela

também não deveria se tornar um partido ou órgão político, mas um elemento para

consolidar a vontade popular.

O historiador Luiz Márquez117 enfoca que o respeito a institucionalidade por parte

das FFAA não era tão real assim. Segundo seu raciocínio alguns fatos poderiam demonstrar

essa questão: o processo de profissionalização do exército se baseava na influência

prusiana, o que possibilitou a formação de uma legião de simpatizantes à Alemanha de

Hitler, chegando a apoiar a Associação de Amigos da Alemanha; em 1939 o general

Ariosto Herrera organizou um golpe contra o presidente Pedro Aguirre Cerda; muitos

oficiais incorporaram na Ação Anti Comunista; durante o governo Gonzáles Videla houve

duas conspirações golpistas a partir de uma organização cívico militar chamada de

“Acción Chileno-Argentino”. Em 1954 formaram a “Línea Recta” para apoiar o auto golpe

de Ibañez que propunha fechar o Congresso e os partidos, dentre outros atos citados. Seu

raciocínio caminha no sentido de demonstrar que o ideologismo conservador alemão e

norte americano estavam impregnados na formação dos oficiais e que na história chilena,

em vários momentos se tinha elementos para não acreditar na cega defesa da

institucionalidade por parte dos órgãos oficiais armados.

No programa do Partido Comunista do Chile, ainda se tentava delimitar qual seria o

seu papel na mudança de um país capitalista para um país socialista. Segundo ele, a grande

arma seria acentuar a ofensiva de princípios da classe trabalhadora contra a ideologia

burguesa. Isso seria feito a partir da “doutrina marxista-leninista” muito conceituada ao

longo do documento e tendo como referência internacional a União Soviética. O

documento dizia:

O marxismo-leninismo é a grande doutrina revolucionária que guia a classe

trabalhadora e os trabalhadores do mundo em todas as etapas de sua batalha para

conquistar a paz, a liberdade e uma vida melhor: para construir uma sociedade

mais justa, o comunismo. Hoje não existe força no mundo mais influente que as

idéias do comunismo. O Partido pratica a coordenação voluntária das ações entre

os partidos para conjugar seus esforços na luta por objetivos comuns. É partidário

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de intensificar o intercâmbio partidário de experiências entre os diferentes

partidos membros do movimento comunista, articulando as ações conjuntas contra

o imperialismo, a reação por reivindicações de massas, como uma parte

inseparável da luta pela revolução socialista e pela liquidação de exploração do

homem pelo homem. Valoriza os êxitos dos povos que constroem o socialismo e os

avanços na edificação do comunismo na União Soviética.118

É importante ressaltar que o programa de um partido, que tem tradição e tempo de

existência, resulta da construção histórica de um pensamento e de uma ideologia que foi se

desenvolvendo durante muito tempo com experiências internacionais, fazendo com que

esse programa exprima, então, o desenvolvimento da ideologia marxista, proveniente da

luta cotidiana desses sujeitos históricos, à luz de uma determinada interpretação da

realidade.

E dentro dessa atuação política, o Partido Comunista Chileno se colocava como um

elemento muito importante para que se consumasse de fato a “revolução chilena”. O papel

que o PC tinha era o de formular a política dentro de um viés marxista-leninista e, ao

mesmo tempo, organizar e canalizar a luta dos trabalhadores para a implementação, de fato,

das grandes mudanças. Mais uma vez, aponta para sua principal base social, que eram os

mineiros atuantes no movimento sindical, para serem agentes impulsionadores das

mudanças no governo. A convicção de que as massas seguiriam a condução do PC

constituía num grande desafio para esse partido.

Por fim, chama atenção o modo enfático como foi feita a defesa da via pacífica ou

via não armada, a partir de uma leitura histórica do Chile. Num texto publicado em 1977,

pela direção do Partido sobre os méritos e causas da derrota da Revolução Chilena, já em

plena ditadura militar, foi escrito: Cabe aqui uma reflexão geral. Havia algum outro

caminho possível para a revolução chilena nesse período e nessas condições? Estamos

convencidos que não. Dito de outra maneira, nesses momentos, a alternativa da via

pacífica não era a via armada. Não havia outra alternativa revolucionária possível119.

117CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.111. 118 Programa do Partido Comunista do Chile, p.61-62. 119 Partido Comunista de Chile - La Revolucion chilena:sus grandes méritos y las causas de su derrota, IN: Boletin Del exterior, nº 26/novembro-dezembro,1977.

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O historiador Luis Márquez, citando um estudo sobre a questão soviética120 da

autora Olga Ulinova, diz que uma das conclusões que se podia tirar, era a falta de

compatibilidade entre as concepções da cúpula soviética e a via chilena. Ela foi muito

criticada quanto a sua possibilidade de êxito. Segundo Ulianova, os soviéticos expressavam

publicamente que achavam que aquela experiência não iria terminar bem, ao mesmo tempo

que, seus analistas diplomáticos que passavam para a URSS informes sobre a situação

interna chilena buscavam refletir também no seu sentido de reversibilidade, através

inclusive de um golpe militar.

Achavam que o fato de Allende firmar um pacto de garantias constitucionais com o

PDC, constituía um obstáculo ao desenvolvimento da revolução. Dizia o documento citado

por Olga:

... conservar a liberdade absoluta da imprensa, respeitar os direitos da oposição e

manter a lealdade a constituição. Na prática isto significa o compromisso de

conservar todas as instituições democrático-burguesa..., é dizer, repelir o

rompimento revolucionário do antigo aparato estatal, incluindo o exército, os

serviços de seguridade, etc121.

Também eram críticos em relação à idéia do PC chileno de transformar ao máximo

a economia antes de 1976, para que, independente de quem ganhasse as eleições

presidenciais, garantisse que não haveria retrocesso do processo conduzido. Exemplificava

esse pensamento, através das empresas nacionalizadas ligadas à extração de cobre. Não

acreditava que nenhum governo que viesse ganhar as próximas eleições, iria entregar tais

empresas novamente ao capital estrangeiro. Os soviéticos criticavam os comunistas

chilenos por pensarem dessa forma e diziam que, o movimento revolucionário não tomava

o poder para depois devolve-lo à burguesia. No fundo, era uma crítica a crença na

120 Luis Marquez ressalta que a relação entre o governo da Unidade Popular e a URSS foi pouco estudada. Ele cita, para fazer algumas ponderações, um estudo de Olga Ulianova, editada pelo Centro de Estudos chamado La Unidad Popular y el golpe militar em Chile: percepciones y análisis. Este estudo utilizou documentos reservados do partido soviético que estavam temporariamente desclassificados em Moscou, além de ter realizado entrevistas com algumas pessoas importantes do PCUS. Dessa forma, vamos utilizar o comentário deste estudo apenas para demonstrar o que era perceptível durante o governo Allende, que havia resistências por parte da URSS quanto a visualização do processo chileno, o que acabou interferindo na sua ajuda econômica ao Chile. 121 CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.167

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democracia eleitoral. Para os russos era inadmissível pensar em entregar o poder numa

possível derrota nas eleições de 1974. Acreditavam ser preciso mudar as bases

institucionais para não depender do jogo eleitoral. Isso significaria além da derrota da

revolução, um respeito exacerbado a institucionalidade burguesa.

A desconfiança quanto ao projeto chileno se manteve nas relações comerciais entre

os dois países. Na crise de 1972, o governo da UP pensava que a URSS iria ajudar com

grandes quantidades de artigos de primeira necessidade, esperava que pudessem obter

créditos para serem pagos a longo prazo, e que a URSS fossem importar alguns produtos

chilenos além de pagarem de forma imediata.

A URSS não ofereceu mais do que ajudas que já haviam disponibilizado e recusou

os pleitos de novas colaborações econômicas para o Chile, sob a alegação de sofrerem

limitações econômicas. Entretanto, parecia claro que não seria nada vantajoso para a URSS

investir num projeto que achavam ser inviável.

Segundo Márquez “a falta de confiança no êxito da via chilena foi um dos fatores

que impediu a URSS de prestar um apoio maior ao governo da UP que efetivamente

brindara”. E conclui que as considerações da direita e dos militares, posterior ao golpe,

sobre eventuais propósitos da URSS instaurar sua hegemonia no país, mereceria um melhor

fundamento empírico e mais parece uma justificativa ideológica para a queda do governo e

dos direitos democráticos.

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2.3 - As divergências entre PC e PS quanto ao projeto da via chilena

As discussões entre Partido Comunista e Partido Socialista não foram nada simples.

O PS havia aprovado a revolução armada como forma de mudar o sistema e valores da

sociedade chilena. Ele pregava que a institucionalidade democrática burguesa favorecia as

classes dominantes, corrompia os revolucionários e, sugeria a todos que renunciassem à

ilusão da legalidade vigente. Já, para o PC, dentro do sistema político havia espaços

democráticos que poderiam ser utilizados em favor dos interesses das classes menos

favorecidas e, por sua vez, chamava todos para se imbuírem da tarefa de,

institucionalmente, aprofundar essas possibilidades democráticas.

Para o PC, estava claro que só haveria condições para a proposta da via não armada,

ou seja, de que mudanças ocorressem sem o desencadeamento de uma guerra civil, se

houvesse um enfraquecimento do imperialismo e da oligarquia, isto é, dos inimigos

principais. Para tanto, era preciso fazer alianças com determinados setores da sociedade,

incluindo o PR e a DC, o que também causava muitas discussões com o PS.

O Congresso do Partido Socialista, em Chillán-1967, o definiu como um partido

marxista-leninista e apoiava a luta armada como única forma de se chegar ao socialismo.

Diziam em suas resoluções que “a violência revolucionária era inevitável e legítima”, que

resultava necessariamente do caráter repressivo e armado do estado de classe, e que se

constituía na única via que conduziria o Chile à retomada do poder político e econômico,

com a devida defesa e fortalecimento nacional. As formas pacíficas ou legais de luta não

conduzem por si mesma ao poder. O Partido Socialista as considera como “instrumentos

limitados de ação, incorporados ao processo político que nos leva a luta armada”. Ainda

mais. Estabeleceu-se Cuba como espelho para a América Latina e, assim, a luta guerrilheira

era a forma de se enfrentar o imperialismo e a burguesia. Era um processo único para a

Revolução Socialista.

Algumas análises, como a de Paul Drake122, afirmam que, neste congresso de

Chillán, há uma supervalorização da violência como estratégia para tomada de poder. Por

outro lado, não se valorizou a questão das alianças políticas como base para a destruição do

Estado-burguês. Essas duas questões remetiam para a adoção do modelo cubano de

122 LUNA,E.,op.cit.,p. 163.

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revolução, com o argumento de que o processo revolucionário vinha se continentalizando,

desde o êxito de Fidel Castro e seus companheiros.

Para Eva Luna123, o giro para a esquerda, dado pelo PS nesse congresso, pelo menos

do ponto de vista teórico, deixava um vácuo entre a teoria radical e a prática reformista.

Sem dúvida alguma, a linha política mais moderada, como a de Allende, continuava

predominando nas alianças eleitorais.

Algumas questões sobre a posição do Partido Socialista nos ajudam a entender de

que maneira aconteceu o debate sobre a via chilena, o que não significa também que suas

idéias representavam as posições de Salvador Allende. O PS achava que a revolução

socialista deveria ser incorporada desde o início do processo, sem constituir uma fase

anterior, no período de mudanças antiimperialistas e antioligárquicas. A revolução

conformava uma aliança social e política da qual somente poderiam fazer parte aqueles que

realmente queriam o fim das relações capitalistas. Era a chamada Frente de Trabalhadores.

Por essas razões, aliar-se a setores da burguesia significava muito, visto que essa aliança

significava a mudança dos objetivos e do caráter de uma revolução.

O PC achava que a revolução possuía um caráter antiimperialista, antioligárquica e

agrária, com vistas ao socialismo. Assim, as alianças deveriam englobar todos os setores

que fossem contra ou que apresentasse contradições com o imperialismo. Ficariam de fora

os grupos oligárquicos e o capital estrangeiro, seus inimigos principais, assumindo

claramente uma divergência importante com o PS. Para o PC, criar-se-ia uma maioria

social e política para dar desenvolvimento às ações transformadoras, o que deveria ser o

ponto principal da Unidade Popular.

O Partido Socialista, que também estava enraizado na classe operária chilena,

aceitava com reservas o marxismo124 e preferia se identificar nas orientações em que

tinham em comum como o antiimperialismo e o seu caráter revolucionário. Ele não se aliou

nem à terceira, nem à segunda Internacional Comunista. Dizia-se contrário ao efeito

“colonizador” de tendências internacionais e que nunca aceitaria imposições ideológicas. E,

desde sua criação, segundo Carlos Altamirano125, atestava a inviabilidade da via pacífica.

Todas essas questões estão presentes na Declaração de Princípios que dizia:

123 Ibid.,p. 164. 124 O PS só foi se definir enquanto um partido marxista leninista no seu Congresso de 1967 em Chillán. 125 Cf: ALTAMIRANO,C. Chile: dialética de uma derrota, p.14

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... aceitava o marxismo como método de análise da realidade enriquecido e

corrigido por todas as contribuições científicas integradas ao processo social.

Reconhecia-se a luta de classes, reconhecia o caráter de classe do Estado e aderia

ao internacionalismo proletário através de uma Federação de Repúblicas

Socialistas. A classe dominante organiza corpos civis armados e impõe sua própria

ditadura com o fim de manter os trabalhadores na miséria e impedir a sua

emancipação. A doutrina socialista possui um caráter internacional e exige uma

solidária e coordenada entre os trabalhadores do mundo. Para realizar este

postulado, o PS lutará pela unidade econômica e política dos povos da América

Latina, a fim de chegar à Federação das Repúblicas socialistas do continente.126

Assim, o PS tentava manter-se atuante em relação aos movimentos e partidos latino-

americanos. No plano internacional, optou por não participar da II Internacional social-

democrata e à III IC. Por isso também, sua relação com o Partido Comunista era bem

crítica, o que se torna bastante evidente em uma das cartas escritas à direção do PC:

Nós socialistas, recusamos a submissão a qualquer centro dirigente. Em troca,

oferecemos um intercâmbio ativo, democrático e multilateral de idéias e

experiências, entre todas as forças, movimentos, partidos e estados anticapitalistas.

Este intercâmbio baseia-se na mais rigorosa igualdade de direitos, para que cada

qual possa encontrar por si mesmo a via mais rápida, eficaz e menos dolorosa para

o socialismo.127

Portanto, parece-nos clara a leitura do PS sobre as posições políticas do PC. Seriam

elas submissas à III IC e também à União Soviética, podendo mesmo ser caracterizadas

fora da realidade do Chile, justamente por se tratar de orientações externas. O próprio

secretário do PS geral, em 1939, Oscar Schnake chegou a dizer que era preciso ser dado um

conteúdo nacional à prática política.

O PS também reivindicava para si o esforço de dar unidade à classe operária.

Argumentava que outros partidos socialistas na Europa e na América tornaram-se

126Ibid.,p.15. 127 Ibid.,p.16.

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anticomunistas. No Chile, desde 1956, o partido sustentava a necessidade de um

entendimento estratégico entre os partidos operários. Esta prática seria a base para qualquer

política de alianças, tanto no plano sindical, quanto na totalidade da sua atuação.

A correlação de forças entre o operariado chileno estava muito ligada à interação

entre os partidos e a prática das massas determinada pelos diferentes níveis da luta de

classes. A expressão política do movimento dos trabalhadores chilenos foi sempre original

e diferenciada pela sua unidade e organização. A força dos partidos ligados aos

trabalhadores, seu desenvolvimento e a flexibilidade do sistema burguês levou esse

movimento para além do papel de apoiar os partidos políticos, mas ajudou na eliminação

das tendências ultra-esquerdistas. A classe trabalhadora via brechas no sistema institucional

para incorporação de suas reivindicações. Tanto o PC em maior proporção, quanto o PS

asseguraram o “monopólio da esquerda sob o movimento dos trabalhadores”. O MIR e o

PCR eram considerados ultra-esquerda e tiveram seu desenvolvimento no interior do

movimento principalmente a partir da eleição de Allende, com a polarização política do

país128.

Pelo menos nos discursos, o PS mostrava que tinha como política própria e

permanente a unidade com o Partido Comunista. Sem dúvida, as posições desses dois

partidos eram diferentes, pois cada um tinha o seu entendimento e concepção da realidade

chilena, mas pareciam convergir no sentido de buscar a aliança entre eles. O PC tentava se

livrar do rótulo de “seguidor fiel das orientações da URSS”. Para isso, dá como exemplo,

quando da constituição da Frente Popular, ele dizia encampar essa idéia, mesmo pouco

antes de ela se tornar orientação da IC, baseando sua ação na leitura da realidade chilena.

Mas, para os dois partidos, a consolidação da FRAP é que concretizou a aliança

socialista-comunista, levando em consideração até mesmo as divergências no próprio

movimento social.

Sobre o processo revolucionário no Chile, o PS dizia que esse se apresentava em

duas fases: a primeira, antiimperialista e democrática e, a segunda, quando se daria a

construção da sociedade socialista. Refutavam a idéia da Revolução Democrático-

Burguesa, pois achavam impossível que a burguesia se colocasse em contraposição às

oligarquias locais e também ao imperialismo.

128CASTELLS, M.,op.cit.,pp.140-141.

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O PS também discordava da via pacífica. Era claro para os socialistas, que as

classes dominantes não assistiriam à sua própria expropriação sem utilizar a violência, e

para eles, os exemplos cotidianos da América Latina comprovavam isso. Foi no XXII

Congresso do PS, em 1967, que se reafirmou ser a via armada a saída correta dentro da

realidade chilena. Foi dito que:

A violência é legítima e inevitável. Resulta necessariamente do caráter repressivo e

armado do Estado de Classe. Constitui a única via que conduz à tomada de poder

político e econômico e à sua ulterior defesa e fortalecimento. A revolução

socialista só pode consolidar-se destruindo o aparelho burocrático e militar no

estado burguês. As formas pacíficas ou legais de luta (reivindicatórias,

ideológicas, eleitorais) não conduzem por si mesmas ao poder. O Partido

Socialista considera-as como instrumentos limitados de ação, incorporados ao

processo político que leva à luta armada.129

O PS foi muito criticado, principalmente pelo PC, em relação à linha política tirada

no congresso de Chillán. Segundo tais críticas, o caminho esquerdista escolhido ali

correspondia a um “infantilismo revolucionário”, além da adoção da tática de guerrilha, o

que para os comunistas não cabia para a realidade chilena.

Por outro lado, o PS rebate as críticas pontuando a via pacífica. Conforme sua

opinião, nenhum partido revolucionário deseja a violência por si só, entretanto a busca das

mudanças de uma sociedade e a sua transformação em socialista é fator que causa reações

nas classes privilegiadas. A violência torna-se um recurso a ser usado para garantir tais

transformações. Para eles, também, achar que seria possível construir pacificamente o

socialismo sem levar em consideração a possibilidade de mudanças táticas e a preparação

de uma possível luta armada era um equívoco.

Para Altamirano, era de suma importância o debate sobre qual a via a ser seguida

para se realizar a revolução no Chile e refletia a análise social concreta dos dois partidos. O

problema era não ter uma tática flexível o suficiente para mudar o curso radical dos

caminhos revolucionários.

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Para ele, foi isso que aconteceu. A conduta do Partido Socialista desde os anos

sessenta sempre esteve baseada numa interpretação marxista-leninista da realidade nacional

e da estrutura dinâmica da luta de classes. Suas posições sempre foram a de tentar

“devolver ao proletariado o seu papel de protagonista na libertação econômica e social do

país; buscar esta libertação no contexto de uma verdadeira revolução que não separe as

tarefas democráticas e socialistas e finalmente concluir que não é possível a transição

pacífica ao socialismo, no âmbito da realidade nacional e continental.”

Em relação ao caminho pacífico, ou seja, não armado para a revolução, o ex-

secretário geral do PS levanta importantes discussões que também foram alvo de debates

intensos no interior do PC. Para ele, a base da via pacífica era a utilização de formas

pacíficas de luta, e por isso, a luta de massas, o emprego de métodos legais, a utilização da

institucionalidade burguesa eram entendidas enquanto constituinte desse processo. A

violência poderia até aparecer, mas em bases secundárias, não sendo o elemento gestor da

revolução. A via armada poderia utilizar, por vários anos, a institucionalidade burguesa e as

formas legais de luta. Por isso, a violência deveria ser prevista como recurso a ser utilizado

e, para isso, era preciso a preparação da vanguarda revolucionária.

A via pacífica somente seria possível quando as forças revolucionárias fossem

superiores às forças da burguesia e as fizessem desistir da violência. Altamirano levanta

que este “consenso” era discutido pelo PC Italiano: a superioridade de forças social e

política exigiria uma ruptura da burguesia antes da destruição do seu aparelho repressivo.

Dessa forma, haveria um deslocamento da maioria da classe média, reduzindo a classe

dominante à sua expressão ínfima e natural.

Ainda para Altamirano, os PC Francês, Italiano e Espanhol muito fizeram em

relação à contribuição para a sua reflexão sobre a via pacífica. Talvez a primeira questão a

ser colocada é a de que as condições objetivas ocorridas na Revolução Russa não se

reproduziriam na Europa. Por isso, a situação revolucionária poderia surgir a partir de

graves crises sociais e políticas. Os partidos comunistas e o conjunto das forças

revolucionárias deveriam constituir-se enquanto uma força preparada para equilibrar os

fatores objetivos e subjetivos.

129 ALTAMIRANO,C., op.cit.,p.25

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Assim, para a via pacífica se concretizar seria preciso muito além de obter os 51%

de votos e conquistar uma maioria eleitoral, inclusive no parlamento. Ela deveria, de fato,

impor-se de forma a assustar a burguesia para que esta desistisse do uso da violência, o que

Altamirano considerava muito difícil, principalmente nas eleições chilenas, onde os

partidos de direita e de centro sempre tiveram grande expressividade de votos.

Todas estas questões apresentavam diferenças em relação às discussões que o PC da

URSS apresentava, tendo em vista a via pacífica no período de Krushov. Porém, esta seria a

mais provável, se as condições favoráveis a esse caminho fossem de fato colocadas e a

vanguarda revolucionária se preparasse para alterar as formas de luta, se necessário fosse.

No Chile, essa preparação dos trabalhadores para a via armada não foi utilizada pela

direção da UP, mesmo nos momentos propícios em que a reação dos trabalhadores contra a

burguesia se radicalizava, sobretudo a partir do final de 1972. Um exemplo dessa falta de

preparação da UP foi a ação dos Cordones Industriales. Estes foram organizações de

trabalhadores organizados na greve de outubro de 1972 tinha como objetivo atuar de forma

rápida e eficaz contra as manobras da direita. Sua primeira ação declarava a favor do

controle dos trabalhadores à produção e pela implantação da Assembléia de Trabalhadores.

O Cordón Cerrillos-Maipú foi o primeiro de uma série de outros cordones. Neles

participariam integrantes do MIR, MAPU, PS, poucos do PC (que inclusive muitos se

afastaram do partido comunista por este ter criticado de forma exaustiva a criação desses

cordones por acreditarem ser um poder paralelo à CUT) e também trabalhadores não

filiados a partidos. Essas organizações através de seus trabalhadores assumiram a produção

em várias fábricas no “paro de 1972” dizendo inclusive que os trabalhadores não

necessitavam dos patrões para fazer funcionar a economia.

Após o término da greve, o governo pedia que esses trabalhadores devolvessem

algumas das empresas tomadas aos antigos donos. Os Cordones achavam errada a postura

do governo, pois tais empresas já estavam sob controle dos trabalhadores e deveriam no

mínimo, serem incorporadas à propriedade estatal. Tais trabalhadores, agora organizados

pelos cordones realizaram em resposta ao governo, novas ocupações, protestos e barricadas,

havendo enfrentamento entre polícia e trabalhadores. Em 5 de setembro de 1973,

escreveram um documento para Allende alertando do perigo do golpe militar que se

articulava. Eles insistiam na necessidade de armar os trabalhadores. Do que adiantaria um

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povo organizado mas sem armas? Chegou-se a uma tal situação que apenas passeatas em

defesa do governo não bastava.

... conservar a liberdade absoluta da imprensa, respeitar os direitos da oposição e

manter a lealdade a constituição. Na prática isto significa o compromisso de

conservar todas as instituições democrático-burguesa..., é dizer, repelir o

rompimento revolucionário do antigo aparato estatal, incluindo o exército, os

serviços de seguridade, etc.130

No XXII Congresso do PS, em Chillán, no ano de 1967, o documento final deixava

clara a sua posição:

O partido não menospreza a utilização de métodos pacíficos e legais como as lutas

reivindicatórias, os trabalhos de conscientização, as atividades de massa, os

processos eleitorais etc. Considera, contudo que tais métodos por si não conduzem

à conquista do poder. São na verdade, fatores complementares de sua ação política

global, que visa a derrota definitiva das forças reacionárias internas e a destruição

de toda forma de penetração imperialista.131

Dessa forma ficava nítido, aqui, que conviviam duas concepções muito distintas a

respeito do processo revolucionário e que dificilmente se chegaria a um acordo para

engendrar o processo político chileno. Essa situação tornou-se relevante durante todo o

governo Allende. O próprio presidente se tornou o centro de pressões entre o seu partido e

o comunista.

Essa falta de unidade e de um projeto único da esquerda provocou desencontros no

plano político e muitas dificuldades na maneira de como se portar diante de alguns partidos

como a DC, o MIR e o PR, na tentativa de ampliação da frente política para garantir

inclusive a governabilidade e a institucionalidade. Todas essas questões iriam se agravar no

caminhar do governo Allende, até se transformar, já no final de 1972, conjuntamente com a

130 CORVALAN MARQUEZ, L.,op.cit, p.167 131 ALTAMIRANO,C., op.cit, p.63

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campanha realizada pela direita e pelos EUA para desestruturar o governo, em uma crise

sem precedentes na história chilena.

Se pudéssemos reunir alguns dos principais lemas do Partido Chileno ditos por

ocasião de vários congressos e que impulsionaram o desenvolvimento da linha política do

PC de acordo com sua leitura da realidade chilena e fruto da política de alianças, para se

materializar na via pacífica e no governo da UP, poderíamos citar: inicialmente, já em

1962, “La conquista de um gobierno popular”, com o objetivo de construir uma aliança

ampla; depois “La classe obrera, centro de la unidade y motor de los câmbios

revolucionários” (que tinha como objetivo contribuir para evitar as divisões do povo,

principalmente, dos que estavam seduzidos pelo reformismo e facilitar a possibilidade de

promover alianças em torno da classe trabalhadora, justificando também a via pacífica, já

que os trabalhadores unidos seriam os responsáveis por favorecer as mudanças até se

estabelecer um estado socialista); e por último, em 1969, “Unidad Popular para conquistar

um gobierno popular”, já às vésperas das eleições de 1970.

Nas discussões entre PS e PC e ainda durante o governo de coalizão de partidos

políticos, que, contudo, indicam que tinha como projeto principal questões defendidas mais

pelos comunistas do que propriamente pelos socialistas, o presidente Salvador Allende

ocupava espaço fundamental. Era ele quem fazia a mediação política durante os vários

momentos de seu governo com as mais variadas forças políticas. Apesar de ter sido um dos

grandes lutadores pela escolha tática da via pacífica e também responsável pelo peso das

divergências dentro do PS, também possuía várias discordâncias com o PC. Ele dizia que

era necessário haver um partido marxista que não tivesse vinculação internacional.

Allende não gostava quando a mídia ou qualquer pessoa dizia que ele se parecia

mais com os comunistas. Em relação a isso, era categórico: “Sou socialista, tenho sido e

serei socialista”, pois para ele, havia diferenças importantes entre o PC e PS, como a

vinculação e o compromisso com a Internacional Comunista e com acordos firmados entre

os 81 PC do mundo; para Allende, o PS nasce como conseqüência de uma realidade social

evidente e aglutina setores como trabalhadores, camponeses e classes médias, orientado

essencialmente para lutar, para tornar possível conquistar a independência econômica e a

justiça social, no Chile; destaca também que o PS tinha como tática e estratégia a Frente de

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Trabalhadores e o PC a luta pela libertação nacional. Apesar das divergências que gostava

de frisar, achava importante a aliança entre os dois partidos.

Para o presidente Allende, o importante e talvez principal, na Unidade Popular, era

o fato de não haver um partido hegemônico e sim uma classe hegemônica: a classe

trabalhadora. Isso era substancialmente diferente da Frente Popular, na qual havia um

partido hegemônico: o Partido Radical, que, por sua vez, atrelava seus interesses mais aos

da burguesia, do que propriamente aos dos trabalhadores.

Apesar de uma coalizão sem partidos preponderantes, pelo menos em tese, eram

constantes as divergências entre o PS e o PC, cabendo ao presidente ser o mediador de

todas essas tensões. Por ser a experiência chilena algo único, o presidente Allende era em

todo momento cobrado pelo fato de não ter escolhido o caminho da luta armada. Sobre esta

questão, dizia que entre os caminhos chilenos e cubanos certamente havia diferenças, mas

as questões de fundo eram iguais. Citava a esse respeito uma dedicatória que Che Guevara

havia escrito, dizendo: “Para Allende, que por outros caminhos trata de obter o mesmo”.

Dizia Allende em entrevista dada a Augusto Olivares132, por ocasião da visita de

Fidel Castro a Santiago:

Os povos que lutam por sua emancipação têm, logicamente, que adequar à sua

própria realidade as táticas e a estratégia que vai conduzi-las às transformações.

O Chile por suas características, por sua história, é um país onde a

institucionalidade burguesa tem funcionado a plenitude e onde dentro dessa

legalidade burguesa o povo sacrificadamente tem avançado e conseguindo

conquistas, tem se conscientizado, tem compreendido que não é dentro dos regimes

capitalistas e do reformismo que o Chile poderá alcançar a dimensão de país, dono

de sua independência e capaz de chegar a níveis superiores da vida e da

existência.133

Para ele, o que também fazia diferença nas discussões entre os partidos era a sua

confiança na tática escolhida, porque segundo ele foi traçada e escolhida com base na

132 Augusto Olivares era jornalista vinculado ao governo da Unidade Popular e entrevistou Salvador Allende e Fidel Castro durante uma visita do cubano em dezembro de 1971 ao Chile.

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análise da realidade chilena. Além disso, o povo havia escolhido nas urnas que queria o

caminho da Revolução, mas desde o início da campanha deixava claro que o principal

naquele primeiro momento era mudar o regime e o sistema. Estavam “conquistando o

governo para conquistar o poder”, e, a partir daí realizar transformações revolucionários

como o rompimento da dependência econômica, política, cultural, a elaboração de uma

nova constituição, dentre outras.

Salvador Allende ainda dizia que o histórico do movimento operário, que surgiu no

Chile em zonas controladas pelo imperialismo, e que, portanto, desde o início tinha uma

consciência antiimperialista, ajudava a comprovar a possibilidade da via pacífica.

Entretanto, só isso não bastava, era preciso se obter a unidade comunista-socialista,

principalmente depois da unificação dos movimentos e sindicatos dos trabalhadores na

CUT em 1939. Em entrevista dizia:

... antes os campesinos, os trabalhadores haviam formado seus partidos de classe e

aí temos que o PC é o mais antigo da Am. Latina, um dos mais antigos do mundo e

por certo, com relação a filiados, um dos mais poderosos. De igual maneira o PS,

um partido de classe, um partido marxista, que tem pontos divergentes em relação

a aspectos internacionais, algumas vezes, tem mantido com o PC não só um

diálogo mas um entendimento para encarar juntos os problemas do Chile. Daí que,

desde 1951, o PC e o PS começaram a caminhar por processo de classe e com a

decisão de fazer possível um vasto e amplo movimento que permitiria as mudanças

estruturais na vida chilena e por isso, hoje em dia podemos dizer que a margem de

um pequeno critério, se tem tido êxito sobre a classe trabalhadora e no campo

sindical sob o pilar do PC e do PS...134

Dessa forma, para ele, o Chile se encontrava diante da necessidade de iniciar de

maneira inovadora a construção da sociedade socialista. Para isso, adotaria uma “via

chilena”, aplicada à sua realidade que também teria como característica marcante ser uma

via pluralista. Segundo ele, o mundo estava atento para essa nova dinâmica, jamais

133 LUNA,E.,op.cit.,167. 134Ibid.,p.167.

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concretizada e, nunca se imaginou que o seu desenvolvimento pudesse ocorrer em nações

menos desenvolvidas. Allende sabia das dificuldades a serem encaradas, todavia, sob forte

euforia, dizia em sua primeira mensagem ao Congresso:

...Todos sabem ou intuem que aqui e agora a história começa dar um novo giro, na

medida que estamos conscientes da empreitada. Alguns entre nós, só vêm as

enormes dificuldades da tarefa. Outros, a maioria, buscamos a possibilidade de

enfrentá-la com êxito. Pela minha parte, estou seguro de que teremos a energia e a

capacidade necessárias para levar adiante nosso esforço, modelando a primeira

sociedade socialista edificada segundo um modelo democrático, pluralista e

libertário. Os céticos e catastrofistas dirão que não é possível. Dirão que um

parlamento que tão bem serviu as classes dominantes é incapaz de transfigurar-se

para chegar a ser o parlamento do povo chileno.135

Allende, otimista em seu discurso na Câmara, mostrava-se seguro e confiante

porque, além de acreditar decisivamente no projeto político da UP, precisava continuar

empolgando sua base de apoio, que ele mesmo se orgulhava chamar: “los obreros de

Chile”. Entretanto, parecia adivinhar o que sucederia mais tarde em seu governo em relação

à postura do parlamento.

Ele acreditava na possibilidade de criar sistemas produtivos para assegurar os bens

fundamentais que somente uma minoria desfrutava no Chile. E para isso, estava certo que

enfrentaria interesses diversos e esses seriam os verdadeiros obstáculos para a construção

de uma nova sociedade. Para mudar tudo isso, era necessário definir e por em prática um

novo modelo de estado, de economia e de sociedade, tendo agora como centro, o homem,

suas necessidades e suas aspirações. Portanto, seu objetivo era a edificação progressiva de

uma nova estrutura de poder fundida nas maiorias e centrada em satisfazer em curto prazo,

se possível, as expectativas mais urgentes das gerações atuais.

No discurso realizado em virtude do de 38º Aniversário do PS, Allende falou sobre

os caminhos para a revolução chilena, com o intuito de refletir sobre a forma como estava

sendo construído o caminho do Chile. Também estavam presentes inúmeros teóricos e

companheiros de partidos contrários à “via pacífica” como Carlos Altamirano, e fez

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questão de citar Che Guevara, Engels e Lênin para demonstrar de certa forma a

consistência teórica e as justificativas para não adoção de dogmas ou receitas para

desenvolver um processo revolucionário. Dizia:

...Engels por exemplo, haveria dito que a doutrina não é um dogma, mas um guia

para a ação, e Lênin, o mais señero pensamento revolucionário do socialismo,

afirmou que a revolução não se exporta, mas obedece à realidade e às condições

determinadas da sociedade e que cada povo tem que buscar seu próprio caminho

para o socialismo, o qual, por certo, não excluiu jamais do pensamento de Lênin a

solidariedade proletária que transpassa a fronteira e que faz com que a luta de um

povo que busca o caminho de sua libertação seja a luta de todos os povos que

buscam também libertação136.

Além dessas questões, tinha o que achava principal para acreditar na defesa do

governo, que era a tradição de luta da classe trabalhadora chilena e ter, o Chile, um povo

consciente e organizado, politicamente. Como argumento, apresentava a fundação em 1909

da Federación Obrera, e em 1919 seu programa já falava em abolir o regime capitalista e

contava com a grande maioria de filiados no PS ou no PC.

Portanto, já existia uma ideologia de classe muito enraizada em setores que ele

achava que iriam defender o governo e, sob nenhuma hipótese, desestruturá-lo ou mesmo

derrubá-lo.

O historiador Luís Corvalán Márquez fez uma análise da proposta de Allende sobre

a via chilena. Ele acreditava que a liberdade burguesa e as suas reivindicações relativas às

garantias individuais, não estavam ligadas apenas a superestrutura do capitalismo e da

dominação burguesa, mas eram conquistas da humanidade. Elas se realizariam em sua

plenitude quando se livrasse das amarras que as impunha o capital. Ele era a favor da

construção de um consenso maioritário, político, social e ideológico que tornasse possível a

confluência entre o centro e a esquerda em torno de uma estratégia não capitalista. Isso

possibilitaria uma via gradualista, sem ruptura institucional, sustentada sob base jurídica e

derivada das maiorias política e social. A via chilena seria uma articulação entre

135 QUIROGA, P. (org.).Salvador Allende: Obras Escogidas 1970-1973,p.79 136 Ibid., p.287.

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democracia e socialismo, seria uma sociedade construída sob a democracia, pluralismo e a

libertação.

Uma questão central para o PC era a ruptura com a propriedade privada e para que

ocorresse, não teria necessariamente que se ter rupturas no plano institucional. Essa questão

corroborava com a idéia de que as instituições políticas funcionavam segundo princípios

democráticos satisfatórios. Entretanto, havia um abismo em relação à economia e as

questões sociais.

Allende refutava a idéia de ditadura do proletariado e dizia não existir experiências

anteriores que pudessem ajudar como modelo, era preciso desenvolver a teoria e a prática

dessa nova forma de se chegar ao socialismo. Uma outra questão era a de que não haveria

ruptura institucional acreditando que a flexibilidade do sistema institucional chileno se

adaptaria às novas exigências que exigiam a substituição do capitalismo. Também

sustentava que a via chilena consistiria na manutenção e ampliação das liberdades públicas

além do seu caráter pacífico. Ele acreditava que o fato de se ter a unidade das forças

populares com alguns dos setores médios (UP) teria uma maioria social importante para

que os poucos privilegiados não recorresse facilmente a violência.

Em 1972, em reunião do pleno do Partido Socialista ficou decidido dentre várias

questões, que o Estado burguês não servia para construir o socialismo e que era necessário

a sua destruição. Essa posição, entretanto, era contrária ao caminho institucional

representado pela via chilena.

Em discurso em maio de 1972, Allende ao contrário da resolução do pleno do PS

manteve sua visão de que o aparato estatal chileno era resultado da evolução histórica da

ordem chilena. Dizia que naquele momento, o Estado atuava em favor dos trabalhadores e

não mais da classe dominante. E concluía:

... o caminho para o processo revolucionário não era a da via da violenta

destruição do atual regime institucional e constitucional... o poder da grande

burguesia não se baseava no dito regime, sem seus recursos econômicos e a

completa ramificação de relações sociais ligadas ao sistema de propriedade

capitalista.137

137 CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.160

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Segundo historiador Luís Márquez, era possível caracterizar o projeto de “via

chilena” de Allende como uma via institucional, pluralista, pluripartidista, com pleno

respeito e desenvolvimento das garantias individuais, que por não ter precedente histórico,

era preciso desenvolver sua própria teoria.

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2.4 – O programa da Unidade Popular

Mesmo com muitas divergências políticas no caráter que a coalizão de esquerda

deveria assumir, os partidos da UP se reuniram antes de resolver o nome que concorreria

pela coalizão para formular o programa básico de Governo, finalmente aprovado em 17 de

dezembro de 1969. Fizeram parte da construção do programa os seguintes Partidos:

Socialista, Comunista, Radical, Social Democrata, o Movimento de Ação Popular Unitária

(MAPU) e a Ação Popular Independente (API). Esse programa foi fruto de muita discussão

e mediação política, destacando o papel muito importante de Allende para conseguir que o

PS fizesse parte da UP. Os partidos, ali representados em que, cada qual tinha sua ideologia

e tentava fazer valer o que achava mais coerente em relação à sua representação, valores e

formação social, tiveram que ceder em inúmeros aspectos para se ter um projeto único.

A estratégia global colocada pela UP segundo Bitar138, era a transformação da base

econômica com a ampliação da democracia, dentro da institucionalidade. As condições

ideológicas e institucionais vigentes no Chile, deixava pelo menos em perspectiva a

possibilidade de introduzir modificações importantes na propriedade dos meios de

produção, principalmente se configurasse a aliança entre o proletariado e as camadas

médias, ou seja , entre o operário, empregados, trabalhadores independentes, profissionais e

pequenos empresários. A UP sustentava que o modelo de desenvolvimento chileno era

concentrador e excludente, e que a indústria que de certa forma havia crescido nos últimos

anos, foi gerada em torno de bens duráveis dos extratos de maiores rendas. As indústrias

estrangeiras impunham o padrão de consumo e a tecnologia de seu país de origem,

modelando a estrutura produtiva chilena.

Inicialmente, estava colocado o desafio da análise profunda das questões sociais,

econômicas e política da sociedade chilena. Esse não era um desafio simples, pois o Chile

estava passando por um processo de consolidação de um sistema capitalista moderno, no

qual a administração do governo Frei teve responsabilidade em seu desenvolvimento, como

a reforma agrária, mudanças na política tributária, controle estatal na política bancária e

138 BITAR,S., op.cit.,p.65.

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também dos preços de inúmeros produtos. Todos esses pontos encontraram resistência e

crítica do Partido Nacional, de grandes empresários e latifundiários.

Entretanto, ao mesmo tempo em que Frei propunha uma “revolução em liberdade” e

de alguma forma estava implementando projetos de desenvolvimento nacional (mas

dependente internacionalmente) e se indispondo com setores da direita, os problemas

sociais, econômicos e políticos do Chile eram imensos.

O governo Frei teve grande importância no desenvolvimento dinâmico no campo,

favorecendo o grande proprietário e criando condições para o surgimento da pequena

burguesia agrária. Frei também promoveu a sindicalização dos camponeses, o que

possibilitou a formação de uma base de apoio político para o conjunto do projeto

reformista.

O processo engendrado de modernização capitalista no Chile provocou nas classes

médias uma contínua diferenciação das classes mais altas. Isso se deu também pelo

sentimento de radicalização, pela mobilização popular, além da crise econômica. Dessa

forma, partidos como o Radical, que tinha como principal base a classe média, se

incorporou na coalizão de partidos “proletários.” Assim, a UP ia se diferenciando da Frente

Popular porque tinha os partidos marxistas com um programa de governo formulada por

seus integrantes como principal eixo da coalizão.

Esse ponto para nós é uma das características fundamentais. O fato de haver,

anteriormente à escolha do candidato, a discussão do programa, só reforçou o sentido da

UP: ter uma maior discussão dos rumos que deveriam adotar para o Chile e também não

haver a preponderância de um partido da coalizão. Essa questão foi muito enaltecida por

Allende depois da sua eleição. Como já colocamos aqui, havia inúmeras divergências entre

os dois principais partidos que formariam a UP: o PS e o PC. A própria escolha do nome de

Allende como candidato não havia sido feita de forma unânime, ou mais unificada.

Entretanto conseguiu elaborar um programa que pontuava os principais problemas da

sociedade chilena. Durante a campanha, com nível de polarização e a possibilidade de

vitória foi animando setores do PS.

O programa de governo da Unidade Popular procurava também fazer uma análise

do momento atual do Chile, propunha iniciativas que o governo deveria ter para a

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construção de um novo sistema e ainda apresentava além do pacto da UP quais seriam as

primeiras 40 medidas do governo popular.

É importante assinalar que o discurso vigente da UP era o de que as divergências

ainda existiam, que cada partido tinha sua filosofia, seu método de ação, mas que todos

estavam de acordo com aquele programa e lutariam para a sua implementação. Era uma

espécie de pacto entre os partidos da UP:

Os partidos e movimentos que integram o Comitê Coordenador da UP, sem

prejuízo de manter cada qual sua própria filosofia e seus próprios perfis políticos,

coincidem plenamente na caracterização da realidade nacional exposta na

continuação e nas preposições programáticas que seriam a base de nossa ação

comum e que entregamos a consideração do povo139.

A crítica do programa à crise econômica, social chilena era direta e apontava como

principal fator o fracasso do sistema capitalista, caracterizado pela dependência ao

imperialismo e dominado internamente por uma burguesia ligada ao capital estrangeiro, que

se traduzia no subdesenvolvimento, na concentração de riquezas, na exclusão das camadas

mais pobres. A crise se expressava então, nas baixas condições sócio-econômicas de vida,

distribuição desigual dos bens e limitações das possibilidades econômicas.

O governo Frei, que tinha proposto realizar uma “revolução em liberdade”, era

caracterizado como reformista e desenvolvimentista e não que passava de um governo da

burguesia a serviço do capitalismo internacional e nacional. Por isso, não poderia se ter

esperado do governo Frei as mudanças que tinha prometido140. O freqüente uso da violência

contra os trabalhadores e as classes mais baixas também foram destacados, assim como a

monopolização do ferro, salitre e cobre por parte de empresas estrangeiras, os empréstimos

ao FMI, as péssimas condições de vida dos mais pobres. Todas as críticas vão num sentido

de responsabilizar o sistema capitalista como grande impulsionador de todos os problemas

e também das políticas adotadas pelo governo, até então. Sem dúvida, a introdução do

139 Programa basico de gobierno de la Unidad Popular, p.4. 140 Nota-se aqui uma maior radicalidade no discurso dos partidos que participariam da UP, incluindo o PC.

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programa de governo tratava de ir inserindo a discussão que seria central no governo da

UP: ou se muda o sistema e se constrói o socialismo, ou não há saída para superar a crise:

A única alternativa verdadeiramente popular e, portanto, a tarefa fundamental do

que o governo do povo tem diante de si, é terminar com o domínio dos

imperialistas, dos monopólios, da oligarquia latifundiária e iniciar a construção do

socialismo no Chile141.

Para as mudanças acontecerem de fato, era constantemente destacado o papel da

unidade e da ação do povo organizado, principalmente dos trabalhadores. É interessante

notar que, segundo a CUT, em 1964, havia 270 mil 542 trabalhadores sindicalizados,

sobretudo entre sindicatos industriais e sindicatos profissionais. Em 1970, decorrente

também de uma política dos partidos que estavam formando a UP, esse número chegou a

um total de 551 mil e 86 sindicalizados, destacando um grande crescimento nos sindicatos

industriais, nos sindicatos profissionais e nos sindicatos agrícolas. Estes últimos tiveram um

aumento significativo do número dos seus filiados, indo de 1658 para 114.112 mil

sindicalizados, o que também tem a ver com a política de Frei de estimular a sindicalização

no campo142, já comentada.

Essa orientação de sindicalizar o maior número de trabalhadores possível também

se dava nos Comitês da UP que foram articulados nos bairros e locais de trabalho,

principalmente. Posteriormente, esses comitês seriam transformados em um importante

instrumento de comunicação com o governo, pois ali seria igualmente um espaço de

discussão e apresentação de reivindicações mais imediatas, comportamento que seria

desenvolvido durante todo o governo. Eles seriam uma espécie de órgão extra-oficial de

interlocução e, sem dúvida, o PS e principalmente o PC o vislumbravam como além de

termômetro do governo da UP, um espaço importante para se organizar os trabalhadores.

Essa forma de atuação para o PC significava por em prática algumas discussões do

seu congresso de 1969, que dizia ser somente com o povo organizado e mediante a luta dos

trabalhadores é que se poderia levar adiante qualquer mudança de sistema. Esse programa

141 Programa basico de gobierno de la Unidade Popular,p.11

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também contemplava a resolução das necessidades da população, na medida que

estabelecia, pelo menos teoricamente, um mecanismo ágil e sensível para escutá-la.

Nada melhor para isso do que disponibilizar um método em que fosse incentivado o

debate entre a população e as lideranças dos partidos integrantes da UP e também

consolidada a visão de um governo popular que conversa com o povo. O filme do cineasta

Patrício Gusmann, “La Batalla de Chile” mostra um pouco como funcionavam esses

comitês. Eles aparecem como um local de discussão e, de certa forma, como o exercício de

controle dos partidos da coalizão, porque ali, além de debates, havia também a tentativa de

consolidar as opiniões da UP, através de lideranças sindicais, estudantis, etc.

Outra discussão muito fomentada era a necessidade de preservar e de aprofundar os

direitos democráticos, as conquistas dos trabalhadores e transformar as instituições para a

instauração de um novo Estado, no qual os trabalhadores e o povo teriam real exercício do

poder.

O novo governo deveria se colocar enquanto pluripartidário. No governo, estariam

integrados os movimentos, correntes e partidos políticos. O povo, por meio da sua

organização sindical e social, elegeria representantes para compor os seus conselhos

diretivos, que também seriam um canal de participação e diálogo com o governo popular.

Este seria então, por concepção, um executor das decisões das prioridades do povo. Para

isso, todo aparato administrativo seria reorganizado para descentralizar e tornar eficiente o

governo. A polícia também seria reorganizada para agir, não como repressora, mas como

uma parceira da população.

Na política, merece destaque a proposta da criação da Assembléia do Povo que seria

o órgão superior do poder, a Câmara Única, onde se confluiria as diversas correntes de

opinião, item também discutido no programa de 1969 do PC.

A eleição da Assembléia seria por sufrágio universal, secreto e direto de homens e

mulheres, analfabetas e alfabetizadas maiores de 18 anos. A proposta era de incorporar o

povo no poder estatal. Os integrantes da Assembléia do Povo estariam sujeitos ao controle

dos eleitores, podendo inclusive ter o mandato revogado. A linha geral que rege o sistema

político dessa proposta de governo da UP é a partir de uma sociedade em transição para o

142 BITTAR,S., op.cit.,p.40.

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socialismo, incorporar ao máximo a população, principalmente aqueles que estão reunidos

em algum tipo de organização, sindicatos etc.

A Assembléia do Povo também aprovaria os planos de ação da nova economia,

tendo em vista um sistema de planificação que seria coordenado e dirigido pelo estado. A

justiça e o sistema de defesa nacional precisariam ser reformulados para ir ao encontro da

nova realidade, em que a Assembléia do Povo seria a detentora do poder. Também seria

função dela a indicação dos componentes do Tribunal Supremo.

Em relação às Forças Armadas, elas teriam que passar por uma reformulação no que

concerne sua finalidade e formação. Ela teria o papel de defesa da soberania, integrando-se

em diversos aspectos da vida social, teria uma formação mais aberta e moderna com base

na independência nacional, na paz e amizade entre os povos. O sentido geral do programa

da UP, a propósito das Forças Armadas, é a de que elas teriam como objetivo a defesa

nacional, principalmente se ocorresse uma reação do imperialismo ou de quaisquer outros

setores internos da sociedade chilena, contra a instalação do regime socialista.

No plano mais geral, o programa econômico da UP, as mudanças econômicas são

complementares das mudanças sociais e políticas que afetariam toda estrutura básica do

sistema. Portanto, a mudança econômica por sua natureza estrutural, possibilitaria a

construção de um novo Estado através do aniquilamento dos monopólios da dependência

estrangeira, reafirmando a idéia de que somente políticas reformistas143 não mudariam os

rumos do Chile.A intenção era constituir uma área de propriedade social através da

passagem para o Estado dos meios de propriedade.

Sobre a nova economia propunha a nacionalização das riquezas básicas, como o

cobre, ferro, salitre, sistema financeiro, comércio exterior, grandes empresas e os

monopólios industriais estratégicos, distribuição de energia, transporte ferroviário, aéreo,

marítimo, a produção, refinação e distribuição do petróleo e seus derivados, a siderurgia,

cimento, petroquímica, celulose, química pesada e papel. Ou seja, a proposta era

nacionalizar aquelas atividades que julgavam ser de grande importância para o

desenvolvimento econômico e social.

143 A palavra reformista neste caso tem uma conotação de que realizar pequenas reformas que não viesse a confrontar os grandes monopólios que existiam no Chile não iria liberta-lo de fato. Essa era a idéia do Partido Comunista do Chile.

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Teria-se três tipos de propriedade: estatal, mista (combinavam os capitais do Estado

e os particulares) e a privada. Neste sentido, o programa do PC, em 1969, também apontava

a criação dos três tipos de propriedade, mas com intuito de se conquistar uma maioria

nacional, para se ter o controle efetivo dos meios produtivos do país e, assim, obter

condições de possível transição para um estado socialista. Nesta fase, os três tipos de

propriedade teriam de coexistir para preparar o caminho para o socialismo, pois a UP sabia

que não poderia acabar com a propriedade privada de uma hora para outra, sem causar

largos estragos ao Chile.

Era visível a preocupação de se ter o domínio dos rumos da produção econômica do

país. Sem isso, qualquer tipo de poder para o PC seria ilusão porque tudo que poderia

impulsionar a um crescimento e a uma mudança efetiva estaria sob direção do capital

externo. E na polarização existente na época entre capitalistas e comunistas, obviamente

que as empresas capitalistas que dominavam a economia chilena iriam de qualquer maneira

sabotar o novo governo. Por isso, pensou-se como saída os três tipos de propriedade,

inclusive para preservar a burguesia nacional, que era prejudicada pelas grandes empresas

estrangeiras, mas, também, para não haver uma ruptura econômico-social tão abrupta. Aos

poucos a produção passaria para o controle do Estado.

Sobre a economia dizia os objetivos gerais do programa:

As forças populares unidas buscam como objetivo central de sua política substituir

a atual estrutura econômica, terminando com o poder do capital monopolista

nacional e estrangeiro e com latifúndio para iniciar a construção do socialismo.

Na nova economia de planificação jogará um papel importantíssimo. Seus órgãos centrais estarão em mais alto nível administrativo e suas decisões geradas

democraticamente, terão caráter executivo144.

Quanto à questão agrária, o principal era aprofundar e acelerar o seu processo de

reforma, organizando os novos agricultores em cooperativas. O programa agrário também

apresentava muita semelhança com o programa do PC, mostrava o mesmo teor de

mudanças.

144 Programa basico del gobierno de la Unidade Popular, p.20.

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Ele igualmente estabeleceria profundas modificações na educação, cultura e ações

sociais do governo. Para a UP, a cultura e educação eram questões que se

complementavam. Elas teriam que ser reflexos das mudanças estruturais do país e, para

isso, o desenvolvimento de duas exigências seria fundamental: a integração nacional e a

democratização. Era preciso, assim, criar uma nova cultura diante da planificação e da

democratização da sociedade sob novos valores. A cultura seria produto da luta de classes e

suscitava novas formas como o da superação das contradições.

No plano internacional, a política a ser adotada, era a de se relacionar com todos os

países do mundo, independente da posição ideológica e política. Entretanto, aqueles países,

em que o povo lutava pela construção do socialismo, receberiam toda solidariedade

possível por parte do Chile.

Assim, a proposta de governo da UP caminhava no sentido de criar um pacto entre

representantes partidários e a população, principalmente a trabalhadora, para conquistar o

poder político e gerir as mudanças que levariam o Chile ao socialismo, pois só se teria força

suficiente para enfrentar os interesses monopolistas nacionais e estrangeiros se houvesse, de

fato, uma mobilização das forças populares.

Somente a radicalização dos movimentos sociais poderia dar ao governo o apoio

suficiente para pressionar o parlamento no sentido de aprovar as mudanças radicais

necessárias e, ao mesmo tempo, ajudar a paralisação das contra-ações da burguesia, as

quais seriam afetadas pelas mudanças. Todavia, o governo precisava também mostrar sua

eficácia e agilidade para as classes populares para elas, inclusive, continuarem acreditando

no governo popular. Portanto, a luta de classes é que conduziria as mudanças.

O programa da UP demonstra claramente a estratégia que seria adotada para a fase

de transição ao socialismo. Primeiramente, aconteceria a mudança econômica para reforçar

a mudança institucional e, depois, a ideológica. A base dessa estratégia de que através das

mudanças econômicas seria possível realizar a transição para o socialismo estava

“assegurada” no que se acreditava ser a flexibilização institucional. Pensava-se que o

regime institucional estava aberto para as forças revolucionárias e que, eleitoralmente, seria

possível obter o poder executivo e, com ele, o controle político total do país.

Diferentemente de outras experiências em que as mudanças iniciavam no plano

institucional porque as estruturas políticas impediam a transição econômica, no Chile, o

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discurso da legalidade e, acima de tudo, da institucionalização ganhou uma cega conotação

de realidade concreta.

A crença nessa realidade em que a vontade popular através do voto por si próprio

bastava para que a contra revolução não ousasse nenhuma radicalização contra o governo,

era quase verdade absoluta para o PC e para Allende. O presidente eleito assim se

pronunciou no Congresso Nacional, em 1971:

De minha parte declaro, senhores membros do Congresso Nacional, que fundando-

se esta Instituição no voto popular, nada em sua própria natureza impede de

renovar-se para converter-se de fato no Parlamento do povo. E afirmo que as

Forças Armadas e o Corpo de Carabineiros, guardando fidelidade ao seu dever e à

sua tradição de não intervir no processo político serão o respaldo de uma ordem

social que corresponda a vontade popular expressa nos termos que a constituição

estabeleça145.

Era relevante para a UP ser sustentada pelo pluralismo, pela democracia e pelo

apoio popular. Fica claro que sem esses propósitos nem a própria UP resistiria aos seus mil

dias de vida, pois suas divergências enquanto projeto, alianças, táticas eram profundas. Isso

ficou mais que demonstrado no período das ofensivas contra o governo.

Também nos parece bastante visível que as proximidades entre o programa do PC e

da UP não são por acaso, mas demonstra que na realização do Congresso de 1969 (às

vésperas da eleição, já que as articulações começaram antes e no final de 1969 já se tinha o

programa de governo) consolidava traços e projetos políticos que o PC pensava para um

possível governo popular e que iria disputá-los nas discussões internas da coalizão. Parece-

nos que o Congresso do Partido Comunista foi uma prévia do que seria o projeto de um

governo que eles achavam caminhar para o socialismo. E, mesmo com Allende dizendo que

não havia um partido hegemônico, era visível que o PC e o PS, pelo seu peso político,

trajetória e enraizamento nos setores que a UP achava fundamental, acabavam polarizando

e direcionando muitos debates.

Os indícios nos levam a pensar que, num debate sobre o programa de governo

revolucionário no qual parte do PS já o encarava com ressalvas (pelo fato de parcelas deste

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partido não acreditarem na “via pacífica”), existiam evidências de muita proximidade dos

projetos políticos do PC.

Luís Corvalán dizia que o êxito do programa da UP (pelo menos na teoria) era o

fato de ele ter uma leitura clara e acertada da realidade chilena. Essa caracterização

certamente ajudaria na escolha correta no objetivo principal que deveria enfrentar o

possível governo popular: o capital imperialista, a burguesia monopólica e os latifundiários

que constituíam o núcleo central e o centro de gravidade do sistema de dominação.

Acreditava-se que, destruindo o seu poder econômico e político, a burguesia não teria

condições de continuar implementando medidas capitalistas.

O PC junto com um setor do PS, o PR e Allende defendiam que o projeto da UP

deveria ter duas etapas. Uma, a principal, que tinha um caráter antioligárquico e

antiimperialista, que aconteceria através da socialização das riquezas básicas, bancos,

latifúndios e empresas monopólicas. Porém, sem ainda significar o início da construção

socialista, entretanto uma preparação para a segunda etapa, com controle amplo do Estado,

organização popular e consciência política. A partir daí, estaria pronto para se realizar todo

o projeto.

Contrariamente a essa posição estava parte do PS e o MIR (que não participava da

UP) que achavam que era preciso já de início ter o poder total do Estado e realizar a

transição para o socialismo urgentemente.

A importância de se chegar a um “reconhecimento acertado do inimigo” existia no

sentido de além de se ter claro com quem constituir uma aliança eleitoral, saber como fazer

para neutralizá-lo. O fundamento de sustentação da aliança para o PC era a unanimidade

construída na necessidade de se aniquilar o capitalismo monopólico dependente e também

de desenvolver uma economia de transição que acabava com a propriedade imperialista,

monopolista e latifundiária, dando, assim, um duro golpe na base de dominação burguesa.

O programa da UP, portanto, depois da análise política da situação do país,

apontava que era imprescindível para superar todas as contradições, ir além de políticas

reformistas. Essa era a diferença de fundo com as outras propostas de governo. Apenas a

solidariedade, a união entre classes e a ausência de tensão social não seriam possíveis para

superar os problemas do Chile, pois a crise não se resolveria com ações pontuais, mas com

145 BITAR,S.,op.cit., p.67.

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uma mudança de sistema. Até porque para os dois principais partidos da UP, dentro de um

regime capitalista, não havia como se ter solidariedade e união de classes antagônicas.

Para a UP, o novo Estado, que seria democrático, pluralista, descentralizado,

autônomo institucionalmente falando, teria a presença de representantes do povo, das

empresas do setor público e de organismos de estado e, como questão fundamental, garantir

as conquistas das forças populares, através da Assembléia do povo.

O desafio de conquistar um projeto político único estava consolidado, sendo então a

questão de maior relevância para o momento, o convencimento da população chilena de

comparecerem as urnas e escolherem o candidato socialista e marxista da Unidade Popular,

Salvador Allende, e um futuro socialista para o Chile.

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CAPÍTULO III –

3.1 - Análise dos documentos do Partido Comunista (1970-1973) – Breves

Considerações

Neste capítulo apresentaremos, para análise, dois tipos de documentos: textos

escritos como intervenções especiais apresentados nas reuniões do pleno do Comitê Central

do Partido Comunista e algumas entrevistas cedidas por membros do PC à jornais da época,

referentes ao período de 1970 a 1973.

Entretanto, a grande maioria dos documentos escolhidos para análise é constituída

de intervenções apresentadas pelos membros de direção do PC em reuniões importantes,

que buscavam fazer análise da situação política do país, além de constantes avaliações

sobre o governo.

É notável o desenvolvimento da tensão política durante os anos de governo Allende,

e também a freqüência de determinados temas que, de certa forma, têm o objetivo de

assegurar a estratégia montada pelo governo e pelo PC como: a confiança nos trabalhadores

para garantir a continuação da revolução chilena, a reafirmação dos feitos do governo, os

estranhamentos com o MIR, a prioridade que se dava para as mudanças econômicas,

deixando a esfera das mudanças políticas para um segundo plano. Por outro lado,

transparecem pouco as divergências com o PS, a não ser no ano de 1972 e parte de 73.O

termo “via pacífica ou via chilena”, é pouco utilizado, preferindo conceituar o processo

como revolução chilena, ainda mais porque, esse momento já era encarado como uma etapa

da revolução chilena, como o início do processo de transição ao socialismo.

Entretanto, no ano de 1973, diante das dificuldades, utiliza-se muito o discurso de

que o governo Allende estava apenas solidificando as raízes para a implementação do

socialismo. Luis Corvalan chegava a dizer que o próximo governo seria de fato uma

transição ao socialismo.

Para facilitar o reconhecimento e o discernimento das discussões apresentadas pelo

PC, dividiremos a análise por ano. Algumas delas são revisitadas em outros anos, como por

exemplo, o caso do debate sobre a “batalha da distribuição”, apontado pelo PC como uma

questão fundamental para enfrentar a reação da direita.

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No ano de 1970, as análises se fazem no sentido de como estruturar a campanha

eleitoral dentro do PC. Depois do governo eleito, as questões apresentadas aparecem com o

sentido de reafirmar o caráter do governo, por meio de suas primeiras medidas, mas

também em outras que teria de realizar a longo prazo.

Os informes no CC, que foram publicados, buscavam ressaltar os pontos positivos

do governo, demonstrando o caminho acertado que se estava percorrendo. A partir de

junho, há uma certa alteração no tom da propaganda dos feitos do governo por causa dos

ataques promovidos pela direita. São apresentados alguns pontos em que era preciso

aprofundar as mudanças.

Também havia sido realizado um balanço do crescimento partidário, onde se

destacava a necessidade de ampliar o trabalho de organização e formação com os novos

filiados.

O ano de 1972 é marcado por grande dificuldade política vivida pelo governo,

principalmente por causa da derrota nas eleições complementares e da grande ofensiva da

direita respaldada pelo governo norte americano. Foi um momento em que os informes do

PC passaram a ser um pouco mais teóricos, refletindo o processo chileno do ponto de vista

do pensamento leninista. Também há o resgate de várias ações do governo analisadas a

partir do aprofundamento da implementação do programa básico do governo da UP e da

apresentação de alguns pontos que deveriam ser colocados em prática imediatamente, com

a finalidade de melhorar a situação do país. Há um destaque grande para o embate com os

chamados esquerdistas, tendo como seu representante principal o MIR e também com

alguns partidos da UP, por causa da reunião em Concepción.

Em 1973, no ápice da crise e também quando acontece o golpe militar, em

setembro, ocorreram eleições parlamentares, onde a UP saiu fortalecida no sentido de que,

apesar do aumento da crise, houve um aumento em sua votação, mas não o suficiente para

obter a maioria como se pensara. Foi neste momento que também se pontuou alguns erros

do governo principalmente, e quase que exclusivamente, no que se refere à economia.

Também é convocado o XV Congresso do PC que iria ocorrer no final do ano de 1973, com

o intuito de ser marcado por grandes debates, atos políticos e reafirmar as posições políticas

do PC, incluindo um caminho não armado como uma via já em andamento e com grande

êxito, apesar das dificuldades.

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Por fim, a DC e o PN são denunciados pelas tentativas de golpe. Aliás, temos a

última declaração do Comitê Central no dia do golpe, um pouco antes da Rádio Magallanes

perder o seu sinal de transmissão por ordem dos golpistas.

É importante ressaltar a dificuldade de se conseguir estes textos na sua forma

original porque muitos deles foram destruídos pela ditadura e outros estão esperando serem

organizados pelo Instituto de Estudos e Pesquisa do Partido Comunista Chileno. Os

informes foram selecionados a partir da publicação de um livro que contém inúmeros

documentos de vários partidos chileno no período de 1969 a 1973, chamado La izquierda

chilena.

A eleição de Salvador Allende foi um processo muito difícil e violento. Sua vitória

nas urnas não significava que havia ganhado as eleições. Era preciso que o Congresso

ratificasse a sua vitória, porque não havia sido atingida a maioria dos votos, como exigia a

Constituição.

Entretanto, até haver a confirmação do Congresso, tornaram-se públicas as

articulações nos centros dominantes, que também envolviam o governo norte-americano,

para impedir a posse do presidente. O PN chegou a propor à DC que o Congresso desse a

vitória a Alessandri (PN) e em troca, assegurava que ele renunciaria ao cargo para, então,

serem realizadas novas eleições. Este acordo pré-estabelecido sinalizava que o PN apoiaria

um candidato da DC. Essa foi apenas uma das tentativas de não dar posse a Allende. Muitas

outras foram pensadas, todavia a DC foi ponto fundamental no apoio ao respeito ao

resultado eleitoral.

O novo presidente tomaria posse em novembro e seu governo enfrentaria muitas

dificuldades, já visíveis desde sua eleição. O ano de 1971 foi marcado pelo processo de

implantação da Área de Propriedade Social. O projeto de nacionalização do cobre,

apresentado em janeiro de 1971, só foi aprovado seis meses depois. Os embates entre a DC

e a UP eram constantes e, muitas vezes, paralisavam o congresso. Neste mesmo ano, foi

também apresentado ao parlamento o projeto de compra de ações de bancos e a

expropriação de empresas que também tiveram a oposição da DC.

A reforma agrária e a posição intervencionista do Estado também foram destaques e

contaram com muita oposição da direita, dos latifundiários, dos norte-americanos etc.

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Nas eleições municipais de 1971, a UP teve um crescimento importante na sua

votação, uma ampliação política necessária e significativa para a continuidade da aplicação

do programa da UP.

Mas a reação da direita foi se revelando aos poucos: venceram as eleições para

Reitoria da Universidade do Chile; as organizações patronais deflagraram uma greve no

campo contra a reforma agrária; o crescimento da política de boicote ao governo aumentou

a crise da produção etc. Também houve o assassinato de Pérez Zujovic por grupos de

extrema esquerda etc.

O ano de 1972 foi marcado por uma extrema polarização entre a direita e a

esquerda, por desentendimentos entre os partidos que compunham a UP, pelo

financiamento por parte do governo norte-americano a grupos paramilitares e às ações

“terroristas”.

Neste ano, a economia entrou em crise. Houve boicote à produção e distribuição de

alimentos e mercadorias, causando problema sério de desabastecimento e, ainda, greve

geral em outubro, indicando crise com radicalização da política interna.

Com a desarticulação da greve de outubro e após vários dias de importante atuação

dos trabalhadores para garantir a produção, os conflitos passaram novamente ao plano

institucional, tendo como questões prioritárias os militares e as expropriações de empresas.

Era a tentativa clara de acabar com a aproximação do governo com as Forças Armadas,

pois que na greve de outubro o governo chegou a criar um gabinete cívico-militar,

incorporando o general Prats nos altos escalões governamentais.

Entre os próprios partidos de esquerda, que compunham a UP e também com o

MIR, o desentendimento era cada vez maior. Eles pediam a preparação de uma luta de

resistência mais ofensiva por parte do governo e dos partidos que participavam das

entidades do movimento social, como a CUT, por exemplo.

Em março de 1973, ocorreram eleições e a direita tentava se fazer maioria para

comprovar que a população não apoiava o governo, e, assim, fortalecer a tese da

possibilidade do impeachment.

A UP não obteve a maioria dos votos, mas ampliou seu eleitorado. A direita passa,

então, a se concentrar no caos econômico e na tentativa de ganhar a opinião das FFAA.

Para isso, precisava questionar a autoridade do general Prats. Neste sentido, foi organizada

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uma estratégia para confrontar a UP e os setores militares, instigando os desentendimentos

e infiltrando pessoas na marinha. Prats renuncia, em agosto, depois de enfrentamentos

públicos com manifestantes de direita e um longo período de desgaste ‘programado’.

Em 22 de agosto, o Parlamento declarou a ilegalidade do governo que já estava sem

interlocução com as FFAA, mas apoiado por um amplo movimento do povo.

Em 29 de junho, houve uma tentativa frustrada de golpe militar, porém a situação

parecia insustentável. Depois de todas as articulações da direita, uma ofensiva brutal estava

a caminho. O 11 de setembro revelou para os chilenos a face mortal e repressora de um

processo arquitetado pela direita em conjunto com o estado norte americano: o golpe

militar.

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3.2 – Os documentos de 1970: Unidade, Classe Operária e Mobilização Social

Foram lidos e analisados documentos escritos por integrantes partidários, que

pertenciam à direção do Comitê Central do Partido Comunista do Chile, neste período.

Esses documentos são datados de fevereiro a dezembro de 1970, portanto, incluindo

períodos anteriores à eleição de Salvador Allende, do período da campanha eleitoral e de

após a sua vitória.

O primeiro artigo, escrito em 7 de fevereiro, é do deputado Jorge Insuza e tinha o

objetivo de relatar a preparação da atuação do Partido Comunista na campanha eleitoral de

Salvador Allende. Ele destacava a importância de se ter a esquerda unida em torno de um

projeto político eleitoral consistente, apontando a unidade entre PS e PC como

fundamental, sem desconsiderar a participação do Partido Radical, MAPU e API. Essa

opinião, mesmo com toda imprensa de direita tentando provocar a ruptura entre eles, foi a

que mereceu maior destaque. A Unidade Popular era caracterizada pelo deputado, como

única capaz de resolver os problemas do Chile:

Desde 1938, o povo do Chile não conseguia reunir em uma só frente forças

políticas e setores sociais tão vastos. A Unidade Popular está cimentada em um

Programa definido e claro que propõe as mudanças revolucionárias que estão na

ordem do dia, em uma concepção de poder e em um acordo sobre governo que

garantisse a todas as forças políticas sua integração responsável pela condução

dos assuntos do país. É uma aliança com qualidades novas, mais avançadas que as

do passado, com um peso maior da classe trabalhadora e dos setores sociais e

políticos mais conseqüentes. É portanto, uma unidade que está de acordo com a

maturidade alcançada pelo movimento popular chileno, capaz de crescer e

ampliar-se, de transformar-se no centro de atração para a imensa maioria da

população.146

146 Cf:INSUNZA,J. Texto del informe rendido ayer por el miembro de la Comissión Política,1970,p.219.

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O documento também busca fazer uma diferenciação das três candidaturas: Allende,

Alessandri e Tomic, discernindo os grupos políticos e as camadas sociais que apoiavam

cada uma delas. O objetivo era demonstrar que os responsáveis pela exclusão, pela pobreza

e pela má distribuição de renda não estavam do mesmo lado da Unidade Popular.

Allende era caracterizado como candidato ligado à luta do povo, às classes mais

baixas e aos revolucionários e, por isso, havia recebido apoio do povo chileno desde sua

primeira candidatura, apesar de não ter ganho. Ele na UP, era visto como um mandatário do

povo já que não existiria um partido hegemônico dentro da coalizão.

A candidatura de Alessandri era fruto do protótipo da representação da oligarquia,

portanto não poderia propor modificações profundas. Ele e sua família tinham participação

em 50 dos 150 grandes monopólios que existiam no país como: Codina, Copec, Papelera,

Importado Wall, dentre outras. Ele também era muito bem visto pelos grandes bancos do

Chile. Ora, a ligação e inserção de Alessandri neste setor da sociedade, era bastante

significativo, pois dizia-se que por ele estar ligado a setores que usufruíam de privilégios

econômicos, não romperia seus elos com eles.

O deputado Jorge Insuza responsabilizava Alessandri e o Partido Nacional pelas

políticas de incentivo aos grandes monopólios internacionais e pela política econômica

estabelecida no Chile que, por muitos anos, empobreceu o trabalhador, além de gerar caos

social.

Ele também alertava para o fato de que a propaganda de Alessandri tentava mostrar

independência frente aos interesses de empresários, dos latifundiários, das oligarquias, pois

queria se contrapor à idéia de que existiam setores internacionais interessados em sua

vitória, demonstrando o contrário. Segundo a sua compreensão, os países que integravam o

bloco comunista (Cuba, URSS, China) estavam não só interessados, mas ajudando na

eleição da UP para que, depois da vitória, fosse estabelecida a ditadura do proletariado para

a integração do bloco comunista na América do Sul.

Em contraposição, o deputado Insuza dizia que o governo da UP seria forte pela

profundidade de sua ação e pelo apoio das classes sociais na escolha do caminho

revolucionário. Portanto, um tipo de governo popular em antítese com o que seria um

governo de direita.

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Tomic, que era o candidato que representava o governo de Eduardo Frei,

apresentava propostas para um possível mandato como, por exemplo, o aumento da

participação popular e a substituição do capitalismo por algo que não era o socialismo.

Tomic, segundo o PC, continuava a fazer promessas de mudanças, seguindo a mesma

compreensão de quando Eduardo Frei fora eleito com o projeto orientado pela máxima

“Revolução em liberdade”. Insuza afirmava que essa estratégia era para apresentar um

discurso parecido com o da UP mas, ao mesmo tempo, mostrando que não tinham ligações

com o comunismo.

A candidatura de Tomic analisava o PC e ajudava a candidatura de Alessandri.Era

uma estratégia importante porque mesmo não tendo chances de vencer, Tomic impedia os

setores populares que sofriam influência da DC a votarem na UP, caso houvesse a disputa

entre apenas as duas candidaturas. Apesar de não haver clima de polêmica entre Allende e

Alessandri, neste período de fevereiro de 1970, formava-se a polarização de esquerda X

direita.

Ao mesmo tempo em que o PC tentava refletir sobre as posições do PN e da DC, ele

precisava também responder aos debates levantados pelos chamados ultraizquerdistas que

atacavam o projeto da UP. Esse enfrentamento também se dava no movimento popular, já

que muitos deles tinham inserção em sindicatos, agremiações como o MIR, por exemplo.

Para o PC, a eleição era uma batalha de classes e as camadas populares precisavam

desenvolver ações, tanto para evidenciar suas reivindicações, quanto para mostrar

claramente suas posições. Portanto, a campanha deveria ganhar as ruas para denunciar o

atual governo e, ao mesmo tempo, apoiar a candidatura de Allende. Para isso, os comitês da

campanha deveriam desempenhar também o papel de organizadores da luta reivindicatória.

Dentro desses parâmetros, o papel do PC seria o de colocar no centro a classe trabalhadora,

porque ela seria o “motor da Revolução”. Assim, o partido convocava, em especial, as

regiões de grande concentração proletária como Santiago, Valparaíso, Concepción,

Antofagasta para dar respostas às demandas feitas pelo Comitê Central do partido: colocar

no centro e em atividade o movimento preparado pelo povo. E exemplificava algumas

ações como: as atividades organizadas pelo Comando Nacional Feminino no centro

proletário da povoação de La Victoria; as Brigadas Ramona Parra das Juventudes

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Comunistas que estavam se mobilizando e pintando, nos muros das cidades, desenhos

relativos à luta do povo, ao ideário comunista e à campanha de Allende.

Desde a elaboração do programa do PC, em 1969, ficava claro que o centro do

poder deveria ser ocupado pelo proletariado e, numa possível vitória eleitoral, ele seria o

protagonista da campanha e posteriormente do governo. Essa questão sempre foi um

princípio levantado pelo conjunto partidário. Não seria uma ou duas vezes que nesses

documentos estariam destacados o papel da mobilização popular, o projeto da UP, fatores

sem os quais a socialização de um país não é possível.

Em outro informe, datado de oito de fevereiro de 1970, o destaque era a intervenção

de José Oyarce, membro do Comitê Central. O fundamental do seu enfoque era a

importância dos Comitês de campanha da UP como tônica determinante para uma

campanha de massas. Os comitês teriam de se converter em organismos vivos que

impulsionassem a luta dos trabalhadores, além de desenvolver uma campanha ágil e

vigorosa para desmascarar a DC e o PN. Para tanto, todos os organismos e militantes do PC

tinham que estar de todo voltados para a campanha.

Era preciso constituir os chamados comandos paralelos, principalmente nas frentes

de juventudes e mulheres, que tinham características muito próprias e especiais. A

orientação era preparar os comitês e a partir deles realizar atividades para conscientizar e

difundir o programa da UP.

Para conquistar o poder, é necessário que todos os partidos como requisito

essencial, desdobre a todo vento sua participação. Isto tornaria possível

incrementar a organização da campanha em níveis impressionantes. O que

permitiria cumprir a premissa fundamental de constituir comitês em cada fábrica,

fundo, serviço, população, escola, ruas, conjunto de casas, ou lugar onde se

desenvolva alguma atividade de qualquer natureza, até somar os milhares e

milhares que necessitam.147

147 OYARCE,J. Intervención en el Pleno del Comite Central del Partido Comunista, 8de febrero de 1970,p.235.

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O organismo da campanha estava dividido na seguinte estrutura: Comando Nacional

da UP, o qual era integrado por três representantes de cada partido e movimento nacional

pró UP; Comandos provinciais, regionais e locais. Todos esses comandos seriam integrados

por representantes dos partidos e movimentos que formavam a UP e, se fosse necessário,

poderia ser incorporado nos vários comandos personalidades ou setores que eles julgassem

importantes. Ainda propunha-se a criação do Comitê de base, que determinaria o caráter

popular da campanha. Esses seriam os comitês da indústria, escola, hospital, bairro,

população, fundo, serviço etc.

As atividades desses comitês deveriam ser constantes e teriam como desafio

difundir o programa da UP em cada setor. A idéia era criar uma grande mobilização

nacional. O PC alertava para possíveis desentendimentos com a ultra-esquerda ou com

outros grupos. Enfatizava-se que os comitês não deveriam alimentar provocações quaisquer

que fossem. Também diziam que setores da UP queriam que os sindicatos, grêmios,

organizações diversas fossem integrados aos organismos da coalizão, mas o PC era

contrário. Para ele, se isso acontecesse, tais organismos perderiam sua independência frente

a UP, porque eram, antes de tudo, patrimônio de seus sócios, com idéias políticas

independentes. O principal, então, era organizar o povo e, em conjunto com os aliados,

serem os protagonistas decisivos.

Cabe aqui, uma reflexão interessante. Ao mesmo tempo em que o Partido

Comunista tinha um grande destaque no maior e importante sindicato de trabalhadores que

era a CUT, portanto em um importante espaço para garantir a vitória de Allende, o PC era

contrário à sua incorporação na campanha enquanto instituição. Isso não livrava seus

principais dirigentes sindicais, estudantis, agrários de atuarem destacadamente na

campanha eleitoral, participando inclusive nos comitês das respectivas áreas de atuação. A

entidade não falava publicamente no apoio a Allende, mas atuava de forma muito marcante

da sua campanha eleitoral. Entretanto, era quase impossível não caracterizar a CUT, por

exemplo, como apoiadora da UP, pelo nível de envolvimento de suas principais lideranças,

principalmente do PC e do PS, na campanha pela sua identidade, junto aos trabalhadores

das minas de extração de minérios.

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No dia 7 de maio de 1970, o presidente Luis Corvalán faz seu informe sobre este

período da campanha eleitoral que se tornava cada vez mais intensa. Ele alertava que para

vencer era preciso conter a violência reacionária e passar para a ofensiva política.

Corvalán cita, como exemplo da violência da campanha eleitoral, as invasões nas

sedes CORA (Corporação da Reforma Agrária) e o assassinato de um de seus

representantes, o engenheiro Hermán Mery Fuenzalida. Ele alerta à constituição de grupos

anticomunistas de tipo terrorista, os ataques às sedes do Comitê Central do PC, do Comitê

Central das Juventudes Comunistas, da CUT, do Comitê Regional de San Miguel e dos

jornais Clarín e La Nación. Denuncia também o financiamento feito por empresas

imperialistas à campanha de Alessandri e Tomic, que, conjuntamente com a embaixada

norte-americana e agentes da CIA possibilitava desencadear campanhas de terror. Para

interferir nessas iniciativas de violência, Corvalán dizia que a maneira mais eficaz era

colocar o povo na rua, haja vista que:

As empresas imperialistas, os monopólios internos destinam milhões e milhões de

dólares e de escudos as candidaturas de Alessandri e de Tomic. Mediante

montanhas de dinheiro querem distorcer a vontade dos cidadãos. Apostam nos

dois, mas se reservam ao direito de decidir-se por um deles ou de pressionar a

favor de um entendimento entre os dois. Sabem que estão em jogo seus bastardos

interesses, seu domínio sobre esta pequena e grande nação latino-americana e com

a necessidade de defender seus interesses não trepidam em nada. Têm se dedicado

inclusive ao contrabando. Estão dispostos a tudo, a armar quem sabe que

provocações no futuro próximo, a desencadear o terror até o golpe de Estado, se

não encontrarem outro caminho mais viável.148

Ele destacava ainda que o governo de Frei também ajudava as outras candidaturas,

reprimindo as manifestações da UP. Era preciso colocar no centro das discussões políticas

as posições de classe de cada candidato, os seus respectivos problemas e a divulgação do

programa da Unidade Popular. Também era importante dar destaque às lutas

148 CORVALAN LEPEZ,L. Informe al Pleno del Comite Central del Partido Comuunista, 7 de mayo de 1970, p.252.

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reivindicatórias das massas, como no momento estavam fazendo os trabalhadores do salitre,

o movimento juvenil, comerciantes e os aposentados das Forças Armadas.

Mais uma vez, neste documento, era reafirmado que a base da campanha deveria ser

os trabalhadores porque eles iriam garantir a vitória da UP e, posteriormente, ajudariam a

sustentar o governo eleito para realizar as transformações necessárias até chegar ao

socialismo. Portanto, os sindicatos tinham papel extremamente importante pela sua dupla

função: levar adiante as lutas reivindicatórias, denunciando as más condições de trabalho,

baixa remuneração etc, e também tomar parte ativa e dirigente das tarefas próprias desta

batalha eleitoral, sem colocar o sindicato propriamente como apoiador da UP. O

discernimento entre o apoio do sindicato a uma candidatura, o aprofundamento das lutas

por melhores condições de trabalho e o não apoio formal do sindicato, era uma situação

delicada que perdurou em toda campanha. Durante o governo, essa separação era difícil de

manter, pois fazia parte do programa de governo que os trabalhadores tomassem a frente da

produção e se organizassem para conduzir as direções das fábricas e das indústrias. Por sua

vez em grande parte, os trabalhadores estavam organizados nos sindicatos, e envolvidos nas

políticas do governo, nos comitês de produção e nos convênios entre governo e CUT, desde

o início.

Corvalan alertava para o caso dos pequenos e médios empresários, comerciantes e

mulheres. Era preciso ter um destaque especial com estes eleitores, pois a maioria estava

sob a influência da direita ou da DC.

Em relação aos intelectuais, Corvalan destaca com euforia o apoio da grande

maioria de escritores, artistas, técnicos etc. A esquerda havia ganho também as eleições da

Sociedade de Escritores, o que facilitou muito a obtenção do seu apoio.

Outro problema grave destacado na campanha era a desigualdade do financiamento

das três candidaturas. A publicidade na imprensa escrita e falada também era desfavorável

porque os principais meios de comunicação estavam ligados à DC ou à direita. As forças

políticas que compunham a UP deveriam resolver conjuntamente esses problemas. Os

comitês deveriam se auto financiar para as atividades, além de confeccionar materiais

próprios.

Outro ponto levantado por Corvalan era a respeito da atuação da ultra-esquerda

entre os trabalhadores, que, a todo momento, era estimulada pela direita com intuito de

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atacar a UP. Os ataques se dirigiam sobretudo à via institucional para se construir o

socialismo, já que para eles só havia um caminho: o armado. Esta questão continuaria

fazendo parte dos discursos do PC, mesmo durante o governo Allende, quando chegavam a

denunciar o investimento estrangeiro em algumas organizações, com a finalidade de

desestabilizar o governo.

O debate sobre a “via pacífica” foi acirrado, após o Congresso do PC, que definiu

esta via como o seu referencial para a revolução chilena. Porém, mesmo após o XX

Congresso da URSS, onde esta idéia também foi muito discutida pela esquerda mundial, a

“via pacífica” era contestada por aqueles que, em 1970, aumentavam o tom do seu discurso

contrário.

Neste informe de Corvalan já era fácil de vislumbrar as dificuldades pelas quais

passaria a UP caso vencesse as eleições: as divergências entre a esquerda, a ofensiva da

direita e o financiamento da CIA para impedir o êxito do “governo dos marxistas”.

Salvador Allende tinha a consciência disso, mas não nas proporções que foram tomando os

fatos, tanto que em seu pronunciamento, após sua posse, afirmou que o processo de

campanha havia sido difícil, mas a consolidação do governo popular seria ainda mais.

No dia 11 de maio de 1970, Volodia Teitelboim destacava que para se ganhar as

eleições era preciso melhorar a campanha eleitoral já que o resultado deveria deixar

transparecer o difícil e polarizado processo que estava ocorrendo.

Para ganhar esse processo eleitoral, dizia-se ser necessário trabalhar e viver para a

vitória. Era preciso que o espírito do Congresso do PC, de 1969, fosse levado adiante. O PC

deveria estar em “pé de guerra” e com mobilizações permanentes. “Cada qual deve estar

em seu posto de combate”. E também, essa batalha deveria ser considerada de toda UP e,

para tanto, era fundamental melhorar a relação com os outros partidos que a compunham.

Também era destacado que o maior compromisso que se poderia ter naquele

momento era o de difundir a campanha nos lugares de trabalho e entre as populações de

trabalhadores, enfatizando a importância de Santiago, porque ali estava 38% dos eleitores, e

das outras cidades como Valparaíso, Concepción, Antofagasta e Cautín.

A possibilidade de vitória, segundo Volodia era real, mas para isso alguns pontos

deveriam ser destacados: 1 – Correta condução política, popularização do pacto político e

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do documento sobre a condução da campanha. Era preciso divulgar massiçamente o

programa, assim como todos os materiais da UP fazendo reuniões com setores da sociedade

para explicar o que mudaria no seu cotidiano se a UP ganhasse as eleições; 2 – Dar forma

orgânica e expressão da acolhida e do sentimento favorável à vitória da esquerda,

imprimindo à campanha um caráter popular; 3 – Fazer mais propaganda, pintando mais

murais, realizando atividades por conta de cada comitê, fóruns, atos grandes e regulares,

etc; 4 – Estabelecer contato cotidiano entre os comitês e pessoas que os representasse.

Realizar visitas nas casas de cada morador sob responsabilidade desses comitês; 5 –

Realizar uma campanha documentadamente crítica às outras candidaturas, denunciando o

governo de Frei e a direita. Utilizar as rádios e meios de comunicação das massas; 6 –

Destruir cartazes e panfletos que fizessem parte da campanha do terror; 7 – Orientar o

esforço das campanhas nas capitais e entre as mulheres. Adaptar os comitês em estruturas

mais adequadas e flexíveis de organização com a participação de mulheres. Dar destaque à

iniciativa da criação do Ministério de Proteção à família; 8 – Estimular o impulso

revolucionário da juventude, desenvolvendo todas as iniciativas possíveis para que ela se

expressasse; 9 – Dar maior atenção aos camponeses, mantendo a vinculação de suas lutas

agrárias com a necessidade de sua incorporação na campanha (até porque Frei havia

iniciado a reforma agrária e também havia estimulado a sindicalização dos camponeses em

sindicatos ligados ao centro e a direita política do país); 10 – Melhorar a campanha nos

povoados e bairros; 11 – Trabalhar pelo convencimento dos setores médios, demonstrando

que o programa da UP não ia contra eles, como dizia a DC e a direita; 12 – Divulgar mais

as adesões da grande parte dos intelectuais, aproveitando a vitória da UP na sociedade de

escritores.

Para Volodia, cumprindo esses pontos, não haveria como ser derrotado nas eleições

e o PC sairia fortalecido e organizado em suas bases.

O próximo informe já era datado de 15 de setembro de 1970, portanto após a eleição

de Allende. O texto é de Orlando Millas para o Comitê Central do PC.

A importância da eleição da UP era vista como algo extraordinário e muito

representativo, com claro objetivo de que o Chile deixasse de ser um país dependente no

plano econômico, cultural e político, colocando as mudanças das classes dominantes

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enquanto uma necessidade vital. Os representantes da dominação imperialista, os grandes

detentores de terras, as oligarquias haviam sido derrotadas, pelo menos nas urnas. Como já

estava previsto no programa da UP, as 40 medidas iniciais do governo iriam enfrentar

resistência de muitos setores tradicionais e do imperialismo norte-americano: a

nacionalização das riquezas do Chile, a eliminação do latifúndio, o incremento no setor

industrial, plano de emergência para construção de casas, meio litro de leite para cada

criança etc.

Entretanto, outro desafio era mais urgente: garantir a posse de Salvador Allende,

como presidente da República. Para isso, mais uma vez conclamava-se o povo para que o

resultado das urnas fosse respeitado. Na constituição chilena, o candidato que não obtivesse

maioria absoluta dos votos, precisaria de que o Congresso ratificasse sua vitória. Portanto,,

a posse de Allende dependia da posição positiva do parlamento chileno. Também era

desenvolvido no informe uma certa tendência de aproximação com a Democracia Cristã,

utilizando da premissa de que muitos que votaram em Tomic como, por exemplo, parcela

dos camponeses, não concordavam com a tentativa de não dar posse a Allende. Sabia-se

que muitos setores da DC, em especial aqueles que tinham uma posição mais progressista,

poderiam desempenhar um papel decisivo no comportamento do Congresso. Era também o

reconhecimento de gestos da DC em favor de Allende como, por exemplo, a ida do

candidato Tomic para cumprimentá-lo pela vitória. A atitude política em relação à DC foi

alvo de muitos debates no interior da UP. O PC, em especial, sempre defendeu uma postura

de aproximação e de diálogo. Para ele, não era possível pensar em mudanças estruturais no

Chile sem tentar fazer acordos políticos um pouco mais amplos, até porque não havia

maioria no congresso para garantir governabilidade. Parte do PS, sobretudo, sempre foi

crítico a essa postura do PC.

Allende obteve 1.075.616 votos, dos quais 631.863 de homens e 443.555 de

mulheres. Ele conseguiu ampla maioria nas províncias de Tarapacá, Antofagasta, Atacama,

Coquimbo, o`Higgins, Curicó, Talca, Concepción,Arauco e Magallanes e não atingiu sua

meta de ter maioria em Santiago, Valparaíso e Cautín. Outra tática utilizada para consolidar

o resultado eleitoral seria a divulgação das mensagens recebidas por países estrangeiros,

parabenizando Allende pela eleição. Era uma maneira de consumar a vitória e chamar a

atenção do mundo para o que acontecia ali.

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Neste artigo, tentava-se ainda, esclarecer as articulações para impedir a posse de

Allende. Dizia-se que Alessandri tentava articular novas eleições para lançar Frei como

candidato do PN e de parte da DC. Mas a constituição não permitia a reeleição. A

articulação do Partido Nacional com representantes de multinacionais e com a CIA era

visível e denominada de plano antichileno e fascista. A tensão tomava conta da sociedade

chilena. Sabotagens, enfrentamentos corporais, boatos falsos sobre a esquerda, intrigas,

tentativas de desestabilizar o movimento popular. A CUT reagia energicamente contra

essas ofensivas e realizava uma série de passeatas a favor de Allende.

As Forças Armadas, segundo o PC, apresentavam uma “atitude profissional e

institucionalista”. Apesar das pressões, o Comandante em Chefe do Exército reiterou

fidelidade às normas constitucionais. Todavia, enquanto isso, os setores mais direitistas

tentavam articular outras saídas.

A ilusão com a posição das Forças Armadas já era algo perceptível em relação ao

PC, desde o congresso anterior ao de 1969, quando falavam que, historicamente, elas

permaneceram sem interferir diretamente na política chilena. Portanto, não parecia haver

motivo de se pensar que elas mudariam sua posição neste momento. Nota-se que o poder

das oligarquias e dos interesses internacionais, que não eram poucos, no país, foi

subestimado.

A orientação para os Comitês e movimento popular era de que continuassem

mobilizados, realizando atividades, conversando de casa em casa, unindo as massas para

que se tornasse mais difícil possíveis ações contra a UP.

Em outro informe do Pleno do Comitê Central de Luís Corvalan, já quando Allende

havia tomado posse como presidente da República, são relatados os primeiros feitos do

governo, todos eles com claro posicionamento de aproximação com o bloco soviético e

interferindo em algumas indústrias sob controle norte-americano: foram reatadas as

relações com Cuba, estabelecidas relações diplomáticas com a Nigéria, ampliadas relações

comerciais com a Coréia, votou-se a favor da China para que esta passasse a integrar a

ONU, foi acordada a gratuidade da atenção médica em postos e policlínicas, dissolvido o

grupo móvel dos Carabineiros, feita intervenção na indústria Purina e Nibsa, criado o

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Conselho Nacional de Economia, garantindo participação de representantes das

organizações sindicais e sociais etc.

E, ainda, cogitou-se sobre a possibilidade de aumento de salário em 100% para os

chilenos com baixa renda. A idéia era redistribuir a renda a favor de setores assalariados,

conter a inflação, aumentar o poder de compra da população e utilizar toda a capacidade de

produção das indústrias instaladas no Chile. Essa era inclusive uma das estratégias

levantadas pelo programa político da UP com o objetivo de incluir milhares de chilenos no

mercado interno, por meio da redistribuição de renda. Entretanto, a principal ação do

governo era a nacionalização do cobre e dos bancos, a estatização de indústrias

monopólicas, a transformação profunda e acelerada das atividades no campo. Essas

questões eram vistas como o início da reestruturação da economia e como o quê

possibilitaria o Chile tornar-se um país socialista. As medidas eram prioridade no Programa

e, na opinião do PC, uma maneira de logo, no início do governo, interferir no processo de

produção do país.

A participação popular neste sentido era assinalada como fundamental. A CUT teria

a responsabilidade de apoiar a política econômica do governo e as organizações juvenis de

mobilizar jovens para atuar nos trabalhos voluntários de construção de casas, ruas, piscinas,

espaços para a realização de esportes, escolas etc; a Federação dos Estudantes teria de

participar massiçamente nas tarefas de alfabetização, e nas discussões da reforma do

ensino.

Assim, para o PC, o êxito do governo dependia da força das reivindicações da

população e do seu poder de mobilização. A estratégia utilizada durante a campanha

eleitoral, que primava pela não declaração de apoio dos sindicatos à UP, havia sido deixada

de lado. Agora, era primordial para o PC que houvesse o envolvimento de todos os

sindicatos ligados à UP no desenvolvimento do governo. Somente assim, ele poderia

superar as ameaças do poder econômico internacional.

Corvalan relembra o momento especial pelo qual o Chile passava e destaca a forte

ebulição política na América Latina, principalmente em relação à revolução Cubana. Ao

mesmo tempo, intensificava-se a política norte-americana de repressão à democracia no

continente, com ações e financiamento à direita em vários países, incluindo o Chile.

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O PC faz notar que, para contrapor essas ofensivas, era preciso mobilizar o povo,

pois a constituição política, os códigos e a organização institucional ainda não haviam sido

mudados de acordo com os interesses da UP. Isso contribuía para a manutenção do poder

da direita no parlamento, no sistema jurídico e nos meios de comunicação. No Congresso

Nacional, a UP tinha apenas a maioria relativa, não a absoluta, ficando refém das posições

da DC para aprovar as ações contidas no seu programa.

Foi recordado também que o Presidente da República podia convocar um plebiscito

para dissolver o Parlamento, caso precisasse. É importante perceber que era um erro

minimizar as forças do inimigo e suas possibilidades de manobra, assim como subestimar a

capacidade de governar da UP e da resistência do povo.

Corvalan dizia que desde a instalação do governo, apesar da unidade da esquerda,

existiam, por parte de alguns movimentos ou grupos partidários, atitudes com o objetivo de

tentar impor posições unilaterais. Apesar de não citar de quem está falando, qual o partido

ou tendência, Corvalan critica duramente aqueles que atacam medidas tomadas por todo o

governo:

Em um movimento tão vasto e pluralista como é o da UP, pode dar-se o

caso de um ou outro de seus militantes tenham uma opinião particular e

divergente a respeito de uma ou outra decisão. Mas se estas têm sido

tomadas por todo o Governo, por todos os integrantes da UP não cabe mais

que compartilha-las ou acata-las. Esta disciplina política e social é

indispensável para o êxito do governo popular.149

A crítica parece ser feita novamente a algum dos partidos que compunham a UP.

Mal havia começado o governo, já com dificuldades e ameaças de golpe, parecia que a

esquerda não conseguia caminhar conjuntamente. Não se sabe para quem e o porquê das

críticas, mas já estavam delineadas as dificuldades que a UP iria atravessar.

Os comitês de base da UP eram muito elogiados. Foram formados mais ou menos

14.800, dentre os quais, muitos continuavam a existir com tarefas concretas para ajudar a

149 CORVALAN LEPEZ, L. Intervención al Pleno del Comite Central del Partido Comunista Chileno, 26 de noviembro de 1970,p.498

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impulsionar a implementação do Programa da UP e órgãos populares. Também seria sua

função a vigilância contra as manobras e os planos de reação do imperialismo,

principalmente no setor produtivo.

Diante da nova realidade, Corvalan explicita com euforia de como a política do PC,

embora muito criticada por alguns partidos, estava correta quando, antes de 1969, buscava a

unidade da esquerda e mantinha o discurso da possibilidade de conquistar o governo e

tornar o Chile um país socialista, por meio da institucionalidade e sem a utilização da via

armada. Para o PC, se não fosse a unidade entre comunistas, socialistas, radicais e outras

forças de esquerda e a manutenção firme de não mediar o combate ideológico com os

ultraesquerdistas, não haveria UP.

Corvalan critica o MIR como principal grupo ultra-esquerdista que estava causando

danos à população com sua política, chamada de oportunista, de ser contra o entendimento

com os radicais, contra as eleições e a favor da luta armada. Ele analisa ainda que perto das

eleições, o MIR havia abandonado suas ações mais radicais, vendo a real possibilidade de

vitória da esquerda. Entretanto, depois de quatro de setembro, a linha política do MIR não

era muito clara. Denunciava os possíveis golpes da direita e, por outro lado, continuava a

criticar a UP, o que ajudava a enfraquecê-la na visão do PC.

Corvalan destaca, por último, a importância das eleições municipais, que

aconteceriam em abril, como passo fundamental para a consolidação do governo popular.

No dia 29 de novembro de 1970, Victor Díaz, secretário nacional de organização da

CUT e membro da comissão política do PC, faz sua intervenção na reunião do pleno. O seu

discurso era um dos mais esperados pelo fato de, no final do ano, ele abriria as discussões

para reajustes de salários, pensões etc. Claro era o papel que a CUT desempenhava naquele

momento, principalmente porque tinha como responsabilidade garantir os direitos e

reivindicações dos trabalhadores frente a um governo que, também, dizia-se popular e estar

preocupado com a situação difícil em que vivia a maioria dos trabalhadores chilenos.

Após reuniões com o ministro da Fazenda, Economia, Trabalho e com o próprio

presidente Allende, formulou-se um projeto ata CUT - Governo que seria levado às

Federações para ser aprovado ou não. Segundo Victor Díaz, o fato de o novo governo

disponibilizar, para os trabalhadores, políticas sociais como: meio litro de leite para as

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crianças, medicamentos, uniformes, material escolar, matrículas, controle dos preços dos

produtos básicos, dentre outras medidas, demonstrava-se estar igualmente preocupado e

resolvido em valorizar o salário do trabalhador. Esses incentivos faziam com que parte da

remuneração do trabalhador com gastos essenciais fosse poupado, o que já ajudava muito

na vida cotidiana dos chilenos de baixa renda.

Díaz destacava que a direita iria atacar a postura da CUT, pois achava que os

sindicatos e as federações deveriam se radicalizar para desgastar o governo. A contra

resposta era no sentido de fazer cumprir as resoluções do V Congresso Nacional da CUT,

que aprovara a luta por um governo popular e por mudanças revolucionárias.

A posição da CUT era difícil, principalmente a dos militantes do PC que

trabalhavam na área sindical por causa da orientação partidária. O PC era governo e era

sindicato, e essa sua posição dual precisava estar clara o suficiente para não adotar políticas

no movimento sindical que fossem ajudar a direita a paralisar o governo. Todavia, ao

mesmo tempo, ela não podia negar o papel que tinham os sindicatos de reivindicar

melhorias aos trabalhadores.

O representante da CUT pedia calma aos sindicalistas que achavam que só pelo fato

de Allende assumir a presidência da república, tudo iria mudar em apenas alguns meses.

Para a CUT, os comunistas deveriam ser os sujeitos decisivos, junto às outras forças da UP,

para alcançar êxitos e não ficar apenas no campo das reivindicações. Era necessário fazer

propostas, mobilizar, organizar, ajudar na construção de uma nova sociedade.

No informe de 29 de novembro, Rodrigo Rojas faz sua intervenção ao pleno do PC,

concentrando-se principalmente nos ataques à ultra-esquerda. Primeiramente, criticou

aqueles que pensavam ou citavam ter, durante as eleições o MIR, dado algum tipo de

contribuição positiva às eleições. Rojas lembrou que o MIR, em fevereiro de 1969,

publicou o documento “No a las elecciones, único camino: lucha armada”. Neste

documento diziam ser oposição ativa às eleições:

...oposição ativa às eleições e não passiva... participar na eleição, processo

já desprestigiado no Chile, é dar apoio revolucionário, é reviver o que já

nada crê solução, e não entregar a alternativa distinta que trabalhadores e

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campesinos esperam... devem rechaçar as eleições e desenvolver a margem

e contra ela, como expressão da legalidade que queremos destruir.

Participar das eleições hoje, é impedir o fato de poder sentar nas bases para

o início da luta armada no Chile, é seguir dando volta no círculo vicioso que

tem frustrado gerações de revolucionário.150

Além de todos esses ataques, lembra o dirigente do PC, o MIR sempre questionou a

formação da UP e a ampla aliança de todas as forças antiimperialistas dispostas a lutar pela

realização das mudanças no Chile. Segundo o MIR, a frente ampla era “colaboração de

classe” e iria levar a esquerda em geral a um retrocesso.

O MIR caracterizava os partidos que compunham a UP da seguinte forma: o PC era

o partido ligado à setores intelectuais, estudantis e acadêmicos, corroído por várias frações;

o PS passava por um período de crise interna motivado pela sua ambigüidade política e

estratégica. Ele era uma multidão de frações e feudos. E o PR era o mesmo partido que

decretou a lei contra os comunistas quando estava à frente do governo. Para o MIR, o

triunfo eleitoral aparecia como “evidência do fracasso da estratégia da luta armada para a

conquista do poder no Chile”. Um possível apoio ao governo da UP também era descartado

pelo fato de não acreditarem na via pacífica. O conjunto de atitudes do MIR era de

oposição, apesar de que, em alguns momentos, atuou em conjunto com a UP, como na

eleição da Federação dos Estudantes do Chile.

Por último, em 30 de novembro de 1970, Bernardo Araya falava sobre a

participação dos camponeses no desenvolvimento da produção e levantava questões já

colocadas sobre como ajudar o governo, sem perder a autonomia dos sindicatos e dos

movimentos sociais.

Para ele, uma das saídas era melhorar a qualidade orgânica e ideológica do PC,

porque a participação no governo não poderia significar uma colaboração cega, nem a

adoção de posições ultraesquerdistas ou direitistas. A atuação do PC deveria se apoiar na

realidade, na unidade dos trabalhadores, tornando a base aglutinadora das forças populares

150 ROJAS,R.Intervención en el pleno del Comité Central Del Partido Comunista, 29 de noviembre de1970, pg.513.

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pelo cumprimento do programa. Era preciso criar um novo estilo de trabalho

revolucionário.

A reforma agrária teria que ser encarada com certa prioridade e com um sentido de

suprir os déficits alimentícios do povo, utilizando o seu próprio trabalho para produzir

trigo, azeite, batata, carne, leite e milho, produtos esses que eram importados. Fazia-se

urgente a necessidade de incorporar o povo Mapuche, no processo de Reforma Agrária.

Esse projeto, se levado adiante pela UP, poderia resolver o problema do latifúndio e da

produção de alimentos. A proposta era explorar ao máximo o potencial agrícola chileno.

Os camponeses também deveriam ser incorporados nos conselhos campesinos, que

teriam ter níveis diferentes: Nacional, Provincial e Comunal, com organizações

representativas de cada nível. Tais conselhos interfeririam diretamente nas decisões. Eles

corresponderiam a órgãos de poder popular no plano de desenvolvimento agropecuário, das

expropriações, da organização do trabalho em terras expropriadas, no aumento da

produtividade, nos créditos etc.

Esses conselhos também eram apresentados como um importante espaço de

organização de milhares de camponeses e de enraizamento do partido neste setor, já que o

Congresso de 1969 havia declarado que o PC tinha baixo nível orgânico de atuação no

campo.

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3.3 – Os documentos de 1971: Mudanças econômicas, resistência e comitês de

produção

Neste ano, o artigo em destaque do mês de janeiro é a saudação do presidente do

PC, Luis Corvalan ao XXII Congresso do Partido Socialista. Ele reafirma a importância do

momento vivido pelo Chile e diz que os 90 dias de governo davam mostras de que, em

conjunto, comunistas, socialistas, radicais, social democratas, MAPU e a API, a ação

política estava sendo capaz de propor soluções para os principais problemas do povo mais

pobre do país e ainda de enfrentar a direita e os norte-americanos, os principais inimigos

do novo projeto.

Corvalan cita as medidas contra a inflação, os investimentos na indústria sem

geração de novos impostos, a permanência de uma política em favor da pequena e média

indústria, a nacionalização do cobre e do banco, a reforma agrária, a expropriação de

grandes monopólios etc. No plano internacional, ele afirma que a UP estava mantendo

relações políticas com inúmeros países, buscando a paz, o intercâmbio comercial, cultural e

científico de forma recíproca.

Entretanto, ele afirmava que as dificuldades e as resistências eram enormes e

também não ter dúvidas de que a reação iria utilizar todos os subterfúgios, incluindo a

violência, para derrotar o governo. Exemplifica esta última com o exemplo do assassinato

do general René Schneider151.

Mas seria suicida de nossa parte se não víssemos como o inimigo, incluindo certos

setores reacionários da Democracia Cristã, elaboram seus próprios planos para

aproveitar as necessidades mais urgentes da população em busca de uma base

popular para sua oposição ao governo. Devemos derrotar essas manobras,

desmascarando-os politicamente e apresentando a solução dos problemas.152

151 O Comandante em Chefe do Exército René Shneider foi assassinado durante um atentado a bala de extremistas de direita que queriam desestabilizar o governo. Foi neste momento que a direita estruturou-se em torno da organização Pátria e Liberdade. Esta organização organizou mobilizações violentas contra o governo e os partidos da UP, envolvendo-se em vários atentados e em tentativas golpistas. Ela teve atuação durante todo período que Allende governaria o país.

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É destacado o papel de comunistas e socialistas por terem grande influência na

classe trabalhadora. Corvalan alerta que era fundamental para o êxito da política do

governo e para manter o apoio popular, busca realizar, com agilidade, políticas visando a

população mais carente, assim, política que absorvessem os desempregados e aumentasse a

produção.

Aponta também a importância das próximas eleições municipais para consolidar o

projeto da Unidade Popular.

Outro artigo em destaque, datado de 04 de março de 1971, é o de Victor Diaz. Ele,

inicialmente, levanta os feitos do governo para a melhoria da vida dos trabalhadores e

ressalta a importância das mudanças na economia para a implantação do socialismo.

Porém, a principal questão levantada por Victor era a resistência dos setores

internacionais em relação à nacionalização e à estatização dos bancos153. Para o PC, era

fundamental a estatização do setor bancário, pois que era visto como o centro de operações

da oligarquia financeira e centro de resistência dos grandes grupos. Não adiantaria muito

nacionalizar toda a produção chilena se o “coração” financeiro não estivesse sob controle

do estado.

A nacionalização está sendo impulsionada de acordo com as resoluções tiradas

conjuntamente pelo governo da Unidade Popular e pelos trabalhadores de banco

do país. Se trata de uma dura batalha. Tem sido imprescindível intervir naqueles

bancos surpreendidos em grandes fraudes, como é o caso em especial do Banco

Edwards. A superintendência de Bancos, pela primeira vez na história, está tendo

cautela nas operações creditícias, e está descobrindo e punindo os roubos das

gerências. A Corporação de Fomento está comprando as ações dos bancos e já é

dona de vários deles. Todo este processo seria impossível sem uma intervenção

dinâmica, patriótica e vigilante dos empregados bancários. Por isso para confundi-

152 CORVALAN LEPEZ,L. Saludo Comunista al Congreso Socialista,enero-febrero de 1971,p.636. 153 No primeiro ano de governo, a UP deu início à implantação da Área de Propriedade Social, a compra de ações dos bancos sofreu contestações no Parlamento. O projeto de nacionalização do cobre só foi aprovado após seis meses, e a reforma agrária também sofreu resistência de muitos donos de terras, apesar de a priori defenderem uma reforma agrária planificada, apelando para uma postura técnica para evitar a radicalização da reforma por parte do governo.

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los e enganá-los se lançou uma campanha demagógica de cooperativizar os

bancos.154

Era ressaltado que nas empresas, onde havia ocorrido a intervenção do Estado, a

produção estava aumentando e empregando mais pessoas, além dos trabalhadores terem

assumido papel de dirigentes ativos. Entretanto, dizia-se que o governo precisava ter mais

pressa para constituir os Comitês de Produção em todas as empresas e serviços estatais,

passando a responsabilidade da produção para os trabalhadores, ao mesmo tempo que as

relações de trabalho se modificavam.

Toda questão ligada à produtividade, fosse no campo ou na cidade, estava

relacionada ao papel que o trabalhador iria desempenhar. O PC achava que assim teria

condições de sustentar, politicamente, o governo e a produtividade do país.

Outra questão fundamental levantada era o problema da reforma agrária. Os

números do governo falavam em 250 novos assentamentos, mais de 200 novas

expropriações e um recurso totalizando um milhão e trezentos mil liberados para esse fim.

Por causa dessa política, os donos de terra organizavam protestos e ações de resistências.

Entretanto, para que a questão agrária pudesse ser resolvida, era preciso que os Conselhos

Campesinos155 se transformassem em instrumentos mobilizadores. Também era necessário

obter o apoio dos proprietários pequenos e médios para a luta pela Reforma Agrária.

Notadamente, o PC falava implicitamente na importância de se estabelecer uma

aliança entre não só os agricultores, mas com os donos pequenos e médios de terra, que

também sofriam os reflexos do modelo de latifúndio historicamente imposto ao país pelas

elites agrárias. A concepção do PC era de que para que o governo pudesse aplicar suas

medidas de radicalidade no setor econômico, seria preciso ampliar sua base política para

além dos trabalhadores, os quais também eram atingidos pela exclusão. Seria necessário

fazer uma aliança com setores da burguesia nacional e médios produtores, já expresso no

programa de 1969, mas retomados em inúmeros documentos do Partido.

154 DÍAZ,V. Informe al Pleno Del Comitê Central del Partido Comunista, 4 de marzo de 1971,p.698. 155 Em dezembro de 1970, a UP lançou os conselhos campesinos comunales (em âmbito nacional e provincial) como forma de participação dos camponeses não só nas áreas reformadas. Segundo Castells houve algumas falhas fundamentais no início de sua instalação: a) a composição do conselho foi predeterminado pelo governo;b) tinham funções somente consultivas e de assessoria, sem possuir personalidade jurídica e financiamento; c) foram constituídos sobre a base da representação das organizações sindicais, de assentamentos e pequenos proprietários, deixando a margem do processo a massa campesina não organizada.

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Em março, é publicado um resumo da intervenção de Luis Corvalan em reunião do

Pleno do Comitê Central. Inicialmente, ressalta o importante momento que o partido

passava, sua maturidade e capacidade de governar. Diante da nova situação de ser governo

e ter um peso político grande, novos desafios necessariamente iriam aparecer. As bandeiras

principais ainda continuavam as mesmas: nacionalização do cobre, estatização do banco e

reforma agrária. Em torno dessas questões é que estavam voltadas as energias partidárias

para enfrentar, assim, o imperialismo e a oligarquia.

Achava-se que dois problemas principais deveriam ser encarados com prioridade no

governo: o drama do desemprego e da falta de moradia própria para as populações mais

baixas. A falta de moradia era um problema que vinha se desenvolvendo ao longo da

história chilena, principalmente quando houve um desenvolvimento maior nas cidades que

recebiam a população, que havia abandonado o campo para tentar melhores condições de

vida na cidade. O desemprego e até a falta de moradia eram vistos como uma questão

relacionada com o sistema capitalista desenvolvido no Chile, o que não daria para esperar

por um Chile socialista para ver resolvidos, na sua essência, esses problemas. Fazia-se

necessário criar medidas paliativas para amenizar os grandes problemas chilenos156.

Corvalan dizia que a UP estava se esforçando para realizar uma redistribuição social

em favor dos trabalhadores, visando sobretudo o aumento do seu poder de compra, o que

estimularia a produção e geraria mais emprego.

Também expressava grande preocupação a respeito das eleições municipais. Suas

ponderações vinham no sentido de aumentar o percentual da UP de 36,3% para 50% da

votação, para que o programa revolucionário fosse acelerado. Estava na análise do PC, que

se a maioria da eleição fosse da UP, seria mais rápido encaminhar mudanças no Parlamento

e nos governos municipais.

156 Em 1971, a economia chilena através da política econômica expansiva, viveu um momento de muita euforia. Era visível a melhoria o das condições de vida das populações. A taxa de crescimento chegou a 8%, a inflação foi de 22,1% diminuindo 14% em relação ao ano anterior, o desemprego caiu de 5,7% para 3,8%. O salário mínimo dos trabalhadores que ganhavam baixos salários aumentou em 39%. O setor público iniciou um programa de construção de casas chegando ao número de 76.000 em 1971. Houve também controle dos preços dos produtos no setor privado e congelamento de tarifas e preços no setor público. Segundo P. Meller, já havia fortes indícios de um desequilíbrio que mais tarde ajudaria a gerar a forte crise econômica nos anos de 1972 e 1973, como o aumento do déficit público de 6,7 % para 15,3% e o déficit da balança comercial que chegou a U$ 90 milhões (nesta questão, o principal fator estava relacionado a violenta queda mundial do preço do cobre). Cf: Meller, p. 120-124.

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Estamos a menos de um mês das eleições municipais, que estão se convertendo em

uma grande batalha política entre o governo e seus inimigos, entre os partidários e

os adversários da revolução. Os resultados destas eleições vão influir

decisivamente no desenvolvimento dos acontecimentos. Se tivermos um grande

avanço, se pudéssemos obter mais de 50% da votação ou algo próximo a isso, no

qual depende de como se trabalhe, então, como disse Volodia, outro galo cantaria,

cantaríamos e estaríamos em condições de golpear mais fortemente o inimigo e

acelerar o cumprimento do programa e passar das transformações econômicas e

sociais às mudanças institucionais157.

Em 5 de abril, o senador Volodia Teitelboim publicou a declaração do PC sobre as

eleições municipais158. Primeiramente, ressaltou que, apesar de não terem encerrado o

resultado total, já estava evidente a vitória da UP. Allende tinha confirmado seu respaldo

com os cidadãos, o que provava o fortalecimento do governo.

Para o senador, era impressionante o crescimento do Partido Socialista, o que,

entretanto, encarava como lógico e natural, por ser o partido do presidente da República. O

PC continuava o seu processo de desenvolvimento e crescimento constante, mesmo com

toda a campanha anticomunista.

A DC, segundo Volodia, havia errado politicamente nesta eleição. Pela utilização de

discursos histéricos contra o governo e a UP, acabou por disputar cada voto com o Partido

Nacional. Seu cálculo era o de se consolidar como única voz da oposição, mas não

conseguiu.

Nota-se que a polarização159 entre a DC e a UP, no caso exemplificado pelo

discurso do PC, demonstra que uma possível colaboração entre os dois blocos seria cada

157 CORVALAN LEPEZ,L. Intervención de resumen del Pleno del Comite Central del Partido Comunista, 7 de marzo de 1971,p.715. 158 Comparando com os resultados das eleições de 1969 o PS obteve 22,89% dos votos aumentando sua votação em 10,66%. O PC obteve 17,35% aumentando em 1,45%. Os radicais diminuíram sua votação em 1,06%, atingindo 12,09%. A DC obteve 25,21% diminuindo em 6%, o PN obteve 18,53% diminuindo 1,47%. Entretanto o eleitorado havia crescido 5% em relação a eleição municipal de 1967 e 13,58 em relação à eleição presidencial. 159 Em setembro de 1971 as relações entre DC e UP iriam tornar-se cada vez mais difícil pelo assassinato de Edmundo Pérez Zujovic que havia sido ministro do presidente Eduardo Frei e responsabilizado por ações repressivas contra as mobilizações populares no governo da DC. O assassinato foi assumido pelo grupo de extrema esquerda chamado Vanguarda Organizada do Povo (VOP). A DC criticou a passividade do governo

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vez mais difícil. O próprio PC insistia na necessidade de se fazer um pacto de

governabilidade com a DC, ou mesmo de trazer setores mais avançados desse partido para

próximo da UP, mas era algo que se configurava irreal, na prática. Poderia surtir algum

efeito no discurso, porém parecia não ter reflexo nenhum no cotidiano.

O MIR apoiou a UP nas vésperas da eleição, conclamando o povo a votar no PS e

no PC, justificando que as eleições constituíam uma conjuntura tática do enfrentamento de

classes.

No artigo de 26 de junho, Mário Zamorano escreve um artigo que foi apresentado

ao pleno do Comitê Central com o intuito de comemorar os 95 anos de nascimento de Luis

Emílio Recabarren, fundador do Partido Obrero Socialista, organizador do movimento dos

trabalhadores.

Mario Zamorano faz um levantamento das dificuldades percorridas pelo PC ao

estabelecer uma linha política clara para a revolução no Chile, entretanto declara que foi

por meio da análise do marxismo leninismo e sua aplicação de acordo com as

características chilenas, que se conseguiu chegar à formulação da via pacífica. A teoria foi

vista, não como um dogma, porém como instrumento para formulações mais condizentes

com outras realidades. Por isso, ele dizia que as teses de Lênin estavam muito vivas e que

norteavam a disciplina partidária a partir de três questões fundamentais: 1) pela consciência

da vanguarda proletária e sua fidelidade à revolução, sua firmeza, espírito de sacrifício e

heroísmo; 2) por sua capacidade de vincular-se, aproximar-se das maiores massas

trabalhadoras, proletárias ou não; 3) pela correta direção política que levava a cabo esta

vanguarda e pelo acerto de sua estratégia e tática política.

O artigo ressalta também que o PC tinha crescido e fortalecido a constante luta

contra as tendências oportunistas de direita e de esquerda, incluindo a ideologia burguesa

da ultra-esquerda que, por sua vez, era uma colaboradora assídua da política da direita e da

contra-revolução.

Para o partido, a melhor maneira de saudar o aniversário do líder Recabarren seria

ajudar a derrotar as forças de reação contra o governo. Para isso, era preciso entender que,

frente à organizações e grupos armados de esquerda. A UP se explicava a partir da justificativa que eram ações provocadas para desestabilizar o governo.

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em um novo momento, os avanços dos movimentos populares implicavam em novas

exigências e na elevação de suas premissas principais. Destacava neste sentido: 1)

Trabalhar mais com a linha política partidária, que traçava uma perspectiva para continuar

apontando a luta antiimperialista e antioligárquica no Chile; 2) Contribuir mais para a

organização e unidade do povo, pilares fundamentais para assegurar novas vitórias; 3)

Assegurar um maior fortalecimento ideológico e orgânico do PC como maneira eficaz de

contribuir para a participação dos comunistas no grande combate que estava se desenhando.

Destaca ainda que, neste período, o PC contava com algo em torno de 160 mil

filiados, tendo como tarefas prioritárias estruturar o crescimento do partido e fortalecer o

trabalho da célula partidária. Também era lembrada a necessidade de se reforçar e de criar

novos organismos intermediários, como a formação política dos militantes e a propaganda

partidária. Era prioridade, também, filiar mais trabalhadores, camponeses, mulheres

profissionais e intelectuais.

Estava sendo preparada uma grande campanha financeira para a compra de sedes,

de veículos, de meios para propaganda audiovisual, recursos para a formação etc. As

Juventudes Comunistas também elaboraram uma campanha de filiação de 25 mil novos

jovens, sob o lema da promoção do quinquagésimo aniversário do PC. Era, sem dúvida, um

novo momento de crescimento, organização e amadurecimento político.

Em 26 de junho, foi Luis Figueroa quem fez uma intervenção, alertando para a

necessidade do partido esclarecer, aos trabalhadores, as dificuldades e sabotagens que o

governo vinha sofrendo.

A batalha por uma produção160 e abastecimento constantes era destacada como a

mais importante e, só seria vitoriosa, se fosse ampliada à educação política das massas

trabalhadoras e incorporadas efetivamente na direção das empresas da área social e da área

mista.

160 O problema do desabastecimento atingia gravemente o povo chileno. A UP apresentou as JAPs (Junta de Abastecimento e Preço) como uma possível solução de organização popular vinculada ao governo. Entretanto elas se envolveram em inúmeros conflitos por causa da ascendência do mercado negro. No final de 1971, um grande protesto de mulheres contra o desabastecimento, que ficou conhecida como “panelas vazias” marcou a ofensiva de massas da oposição. Esse ato acabou por desdobrar em violentos atos de enfrentamento nas ruas que duraram uma semana. Houve depredações, barricadas em ruas, incêndios de veículos, ataque às sedes dos partidos da UP etc, o que provocou o governo a decretar estado de emergência, em Santiago.

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Seriam publicadas as normas de participação dos trabalhadores, a partir do acordo

firmado entre o governo e a CUT, que consistia em: 1) Assembléia dos trabalhadores da

empresa, convocada pelo sindicato único ou por uma comissão indicada por todas as

diretivas sindicais; 2) Assembléia da Unidade Produtiva composta por seções,

departamentos etc. Estas nomeariam o Comitê de Produção da Seção que teria no mínimo

três e no máximo sete membros. Esses comitês trabalhariam assessorando o Chefe de Seção

ou departamento respectivo; 3) Seria criado o Comitê Coordenador dos trabalhadores da

empresa, que se constituiria de cinco representantes dos trabalhadores, perante o Conselho

de Administração, do diretório do sindicato único ou de uma comissão de representantes

dos diretórios dos sindicatos, caso houvesse mais de um, e ainda, um representante por

cada comitê de produção da seção e departamento da empresa correspondente.

O Comitê Coordenador deveria ser o organismo que coordenasse a ação sindical

junto aos Comitês de Produção e, também, que orientasse, impulsionasse a produção e

encarasse os problemas que por ventura aparecessem na empresa. Era frisado que os papéis

dos Comitês não podiam ocorrer no sentido de liquidar os sindicatos e, por isso, era

incompatível acumular o cargo de diretor sindical e de representante do Conselho.

O principal, para o governo e para o PC, era de impulsionar a formação dos Comitês

de Produção, para que os trabalhadores pudessem obter o controle da produção e, também,

modificar as relações de trabalho.

Por tanto, era o momento do PC repensar o estilo de trabalho das organizações

sindicais, de criar sindicatos únicos por ramos de atividade, mais dinâmicos e vinculados à

base. Os sindicatos precisavam passar de requerentes para construtores, precisavam se

tornar organismos autenticamente revolucionários que assumissem a responsabilidade de

ser a base fundamental de respaldo ao governo.

Era visível a preocupação do PC em fortalecer a CUT como único sindicato

nacional dos trabalhadores. A apreensão, em relação aos Comitês, era de que esses se

tornassem órgãos autônomos em relação à CUT, já que o seu potencial de organização dos

trabalhadores em seu local de trabalho era a razão de sua existência, sob uma ação concreta

de tomar, à frente, o processo da produção. O PC via essa questão com cautela e, por isso,

tentava reforçar seu trabalho entre os trabalhadores para garantir sua inserção de forma

decisiva nesses comitês.

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Ainda, neste dia, Cláudio Alemany, responsável pela comissão sindical do PC

também fez um informe, ressaltando as tarefas e dificuldades neste período de transição. O

documento publicado sobre a participação dos trabalhadores nas empresas da área social,,

feito pelo governo e pela CUT, era apresentado sob alguns aspectos principais: a) em todas

as empresas do Estado existiria um Conselho Administrativo constituído por cinco

representantes do governo e cinco eleitos por todos os trabalhadores da mesma empresa; b)

existiria uma autoridade máxima designada pelo governo; c) os representantes deveriam ser

eleitos por votação secreta e por pessoa. Destes cinco, três deles seriam ligados ao setor

produtivo, um ao setor administrativo e outro ao setor técnico; d) os chefes da empresa não

participariam dos Comitês de Produção; e) seria estabelecida a incompatibilidade entre o

cargo de dirigente sindical com o de dirigente dos conselhos para impedir que o sindicato

perdesse sua independência ou desaparecesse.

O intuito desses desafios era de evitar as dificuldades que se produziam no aparato

estatal de direção da economia de eliminar a sabotagem e ganhar a adesão dos técnicos das

empresas para o projeto da UP.

Em outubro, é realizada a convocação para a Conferência Nacional do PC. Este era

um momento privilegiado para a reflexão da atuação do PC e sua linha partidária e do

desempenho do governo. Também queriam utilizar o espaço para denunciar as sabotagens e

a ingerência do governo norte-americano.

Já na conferência, em primeiro de outubro, o deputado Orlando Millas era o

responsável por apresentar o texto base para o plenário. Inicia sua fala destacando que o

momento atual, vivido no Chile, era importante no sentido em que abria caminho para a

consolidação das mudanças estruturais necessárias para um país socialista. Dizia também

que ou se consolidavam as mudanças e o governo obtinha êxito, ou o triunfo da contra

revolução se concretizaria.

Orlando Millas afirmava que a oligarquia chilena sempre foi esperta e aristocrática,

não tinha escrúpulos e confabulava contra governos para manter-se no poder. Ele

exemplificava com dois fatos da história do Chile, para comprovar tal questão: derrubada

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do primeiro governo de Arturo Alessandri; trinta e dois anos depois abriram uma cruzada

anticomunista que culminou numa ofensiva contra o governo da Frente Popular.

Neste sentido, ele citava as várias declarações feitas pelo Partido Nacional, com o

intuito de desestabilizar o governo e desacreditá-lo em âmbito internacional. Falava-se que

Allende projetava uma boa imagem do Chile no exterior para obter credibilidade e em

seguida transformar o país em um estado comunista e totalitário, abrindo caminho para a

penetração soviética. Dizia o presidente do Partido Nacional, Sergio Onofre Jarpa:

Trata de projetar uma boa imagem do Chile no exterior, afirmando sua devoção a

democracia e seu respeito as leis e aos direitos das pessoas, mas cada passo que se

dá, cada medida que se toma, cada informação que se entrega, cada programa do

governo que se transmite, tem um só propósito: transformar lentamente o Chile em

um estado comunista totalitário, abrir caminho a penetração soviética na América

Latina. Na política externa, fazem declarações líricas sobre a não intervenção, mas

se segue apoiando e respaldando a ação desordenada que realiza a ditadura

cubana em diversos países do continente para abrir caminho a influência

soviética.161

Orlando Millas também descreve a luta contra as grandes empresas dominadas pelo

capitalismo norte-americano, como a companhia de telefones ITT. Ao mesmo tempo,

também era denunciada a destinação pela CIA de 14 milhões de dólares com o objetivo de

por em prática planos para derrubar os governos da Bolívia, Peru, Argentina e Chile e,

ainda, impedir o estabelecimento de governos de esquerda no Uruguai e na Colômbia.

Ele prossegue dizendo que o governo da UP era o mais democrático em toda

história do país porque, para eles, a democracia consistia em um governo com a

participação dos trabalhadores. A UP havia chegado à presidência como conseqüência de

combates das massas por garantias individuais e sociais, por direitos e liberdade. A essência

do governo era o pluralismo, o respeito ao livre jogo das opiniões democráticas, o exercício

da crítica e a participação do povo na solução dos problemas chilenos.

161 MILLAS, O . Informe a la Conferencia Nacional del Partido Comunissta del Chile, 1º de octubre de 1971,p.1108.

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Entretanto, Orlando Millas, afirmava que pelo grau de dependência e

comprometimento de setores políticos e da sociedade na, então, atual situação chilena, não

seria fácil consolidar as necessárias mudanças para que o país realizasse o seu programa

popular:

Também tem que ter em conta que toda transformação social, por qualquer via que

se realize, tem que dar lugar, em seus começos, a uma série de transtornos. Assim,

sucedeu, por exemplo, com a Revolução Francesa, com nosso processo de

Independência nacional no começo do século passado e com a Revolução Soviética

que, qual força locomotora, conduziu os povos até o progresso, onde não se

desenvolveram nem podiam desenvolver em condições iguais. Mas também, no

quadro de nossas dificuldades entram alguns erros, debilidades, incompreensões

que surgem no próprio seio do povo, ações desorbitadas de determinados grupos,

tendências de conciliação, tentações de certos elementos de deixar-se levar pelo

jogo politiqueiro, assim como até o peso de hábitos nocivos formados nas

condições do capitalismo.162

O PC, que completaria 50 anos, em 1972, colocava-se como um partido forte, mas

suscetível de erros. Era destacado o papel da classe trabalhadora como motor principal para

as mudanças. Para isso, era preciso que o PC se desenvolvesse em cada local de trabalho.

O governo popular, que estava completando seu primeiro ano, a etapa inicial de sua

ação, segundo o PC, entrava para a segunda etapa, visando o cumprimento integral do

Programa Básico. Na primeira etapa, estava conseguindo reativar a economia, aumentar o

poder aquisitivo dos trabalhadores, reduzir o ritmo do processo inflacionário, diminuir o

desemprego e aumentar a produção. A Reforma Agrária, a nacionalização do cobre e a

estatização dos bancos estavam sendo encaminhadas e estas ações seriam definitivas para

atacar mortalmente o imperialismo e a aristocracia chilena. Completados esses passos, o

objetivo seria a formulação e a aplicação de uma nova política financeira nacional, sempre

com a participação ativa dos trabalhadores.

162 Ibid., p. 1115.

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Ainda na Conferência Nacional, Victor Galleguillos faz um informe buscando

analisar o trabalho de massas do PC.

Inicialmente, ele diz que era preciso melhorar muito o trabalho de massas e

orgânico, principalmente pela importância de organizar o povo, de estar à frente deles,

inserindo-os no movimento social. Em 1970, a média mensal de crescimento do partido foi

de 4.500 novos militantes. O desafio para o ano de 1971 era de se atingir uma média de

5.500 a 6.000 novos militantes por mês. Os Comitês regionais eram saudados por quase

todos terem cumprido suas metas, com destaque para Linares, que havia crescido 103,8%,

Talca, com 104%, Curicó, com 104,3%, Concepción e Talcahuano, com 106,8%, Arica,

107%, Valdivia, 112,5%, Orsono, 123,4% e Maule, com 232%. Porém, alguns comitês

regionais não tiveram muito êxito como Aysén, Nuble e Carbón.

Em contrapartida às propagandas anti-comunistas e à ofensiva antipatriótica, era

colocado o desafio de se aperfeiçoar a ação do partido a fim de permitir o fortalecimento

ideológico e orgânico para dinamizar e aprofundar o vínculo com as massas. Para tal, foram

criados dois novos Comitês Regionais: Santiago Oeste e Talcahuano e mais outros quatro

estavam em fase de criação: Ovalle, Viña Del Mar, O´Higgens Sur e El Loa. Foram criados

também cinco comitês departamentais: Chañaral, Ovalle, San Antonio, San Bernardo e

Angol, além de realizadas 189 Conferências de comitês locais. Outro ponto bastante

ressaltado era o enraizamento do PC, nos setores agrários, com a criação de comitês locais

em Paihuano, San Bernardo Sur, Coínco, Quirihue, Pemuco, Teno. Foram criados 51

comitês de sector e 69 comitês de empresa.

Também era dado destaque para os comitês de empresa que eram considerados

como espaço que permitia o funcionamento do partido com um método leninista de direção,

terminando com as células gigantes,, tipo assembléia. Esses comitês impulsionavam a

constituição dos comitês de produção e, por sua vez, constituíam o comitê de vigilância.

Era importante que o partido crescesse nas áreas de produção, por entender que

naquele momento, a batalha da produção e a política econômica do país, iriam consolidar a

vitória do governo e do socialismo. Por isso, era preciso corrigir condutas erradas de alguns

comitês, que subestimavam o trabalho sindical, apesar de ser uma área de extrema

relevância para o PC em seu programa partidário.

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Em 22 de outubro, Luis Corvalan faz discurso no ato do PC realizado no teatro

Caupolican, e o inicia fazendo referência ao sub-secretário geral, Oscar Astudillo, que

estava desaparecido. Ele denuncia também as investidas norte-americanas, sob a

presidência de Nixon, para cancelar ajudas financeiras de organismos internacionais, ao

Chile, como a do Exibank, por causa da política de nacionalizações de muitas empresas.

As Juntas de Abastecimento eram apresentadas como possível solução ao problema

do abastecimento e seriam integradas por representantes dos Centros de Madres, das Juntas

de Vecinos, sindicatos e comerciantes em cada bairro. O governo teria, assim, uma

radiografia dos problemas de abastecimentos e das possíveis medidas para contorná-los.

Para o PC, o ano de 1971 significou internamente a afirmação do seu projeto

político aprovado em 1969. O coletivo partidário acreditava ser possível tornar o Chile

socialista com o apoio e trabalho dos “obreros y del pueblo”. Mesmo com as ações ainda

pouco tímidas em relação às ofensivas no ano de 1972, o PC acreditava que, tentando

ampliar o campo político, principalmente com a DC, seria possível continuar as mudanças.

Segundo Corvalan, o Chile estava mudando para melhor e o povo sentia. O reflexo

disso seria a ida voluntária de técnicos para Chuquicamata e em El Teniente para ajudar a

melhorar a produção. Estava em curso o que chamavam de “marcha pela reconstrução do

Chile”.

Entretanto, tornava-se necessário corrigir erros nos serviços públicos. Era urgente o

estabelecimento de incentivos materiais que favorecessem uma maior produção e

aumentasse a participação dos trabalhadores na direção das empresas. Era preciso ampliar

também a área da propriedade social. A situação impunha atitude de combate, ação e

mobilização das massas para que o avanço das mudanças pudessem continuar.

Corvalan destaca que nos dias 29 de agosto a 3 de setembro aconteceria em

Santiago o Encontro Juvenil de toda América, em solidariedade ao Vietnan, Chile e Cuba.

Jovens de toda América, combatentes vietnamitas e representantes da URSS e de outros

países socialistas participariam.

Por fim, Corvalan apresenta Victor Díaz como novo subsecretário geral do partido.

Sem dúvida, o ano de 1971 foi um período de grande euforia para os partidários da

UP. Parecia que o projeto para abrir caminho ao socialismo estava dando certo. A economia

crescia, os trabalhadores estavam ganhando mais, o movimento cultural alternativo se

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destacava, havia um grande envolvimento do povo com o programa da UP. Allende em

seus discursos requisitava a atuação dos trabalhadores e estes davam respostas concretas e

imediatas.

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3.4 – Os documentos do PC de 1972: Crise econômica e política, batalha da produção

e ultra-esquerda.

No ano de 1972 a luta política se acirrava a cada dia. Em 02 de janeiro, é publicada

a intervenção de Luís Corvalan no órgão do Comitê Central do PCURSS, sobre os 50 anos

do partido comunista no Chile.

Depois de fazer um histórico do surgimento até os dias atuais e de reafirmar o

compromisso com o proletariado e o desenvolvimento da sua consciência enquanto classe,

Corvalán afirma que o PC era um partido homogêneo, de massa, com profundo

conhecimento da realidade chilena e, por isso, capaz de exercer uma vasta influência na

vida política do país.

Ele pondera que a política do partido de unir a esquerda ajudou na constituição da

UP, assim como a formulação da possibilidade de se conquistar o governo, por uma via não

armada serviu para construir um país socialista. Além de enfrentar as posições dogmáticas

da ultra-esquerda, sua tarefa principal foi organizar e elevar a consciência política das

massas, permitindo a eleição de Allende em conjunto com os partidos da coalizão.

Corvalan pontua que as mudanças já haviam sido iniciadas com a nacionalização163

da indústria do cobre e das minas, que pertenciam aos consórcios norte-americanos, com a

expropriação de latifúndios e com a reforma agrária. Isso estava sendo realizado com apoio,

em certa medida, da Democracia Cristã, já que a UP não possuía maioria no Congresso.

Algumas limitações, como o “status jurídico” vigente, eram problemas que teriam de ser

enfrentados. Outra dificuldade, era a ofensiva norte-americana contra o Chile, como por

exemplo, as ações da CIA financiando grupos e partidos contra o governo.

Ainda afirmava que achava reacionárias, para aquele momento, as teses da

inevitabilidade do enfrentamento armado, por terem que fazer parar a luta de massas,

debilitar os enfrentamentos cotidianos, na espera e preparação de um combate final.

Segundo eles, a via escolhida para o Chile não negava, em absoluto, os princípios gerais da

163 Segundo Bitar, o projeto de nacionalização proposta por Allende, das 91 empresas que seriam nacionalizadas e estatizadas, 52 fariam parte da APS e 39 da área mista. Já no final de 1971, das 52 previstas, 20 já estavam sob controle do Estado e 10 das 39 já faziam parte da área mista.

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luta de classes e sua concretização, mas era concebida por meio de formas variadas e

originais.

A UP, segundo Corvalan, tomaria medidas enérgicas para reprimir as manifestações

fascistas que passavam a ser cada vez mais freqüentes, principalmente com o agravamento

da crise econômica e política164. O esforço para aumentar a produção era ilimitado e se

dava pelo trabalho voluntário, pelas metas de produção, ou seja, pela ação direta do

trabalhador nas empresas, principalmente aquelas nacionalizadas. O povo, segundo ele,

estava a favor da revolução e lutava por ela a cada dia, no trabalho e nas grandes

mobilizações de massa.

O partido, dizia ele, estava convencido de que, para lutar pelas transformações

antiimperialistas e antioligárquicas e para abrir o caminho para uma sociedade socialista,

era preciso estabelecer uma maioria nacional, por meio da qual deveriam “colaborar todos

os partidos e correntes que representam os interesses do povo e atuam em conseqüência,

mantendo a tradição chilena de respeito à lei e, sem prejuízo, de buscar a própria

modificação da lei”.

Para encerrar, disse que muitos avanços no Chile eram irreversíveis e a grande

tarefa era fazer irreversível todo o processo.

Em 3 de fevereiro, é publicado um importante informe interno sobre a situação

política por causa da derrota dos candidatos da UP nas eleições complementares em

O`Higgins, Colchagua e Linares.

Em O´Higgins, a perda foi de 3,5%, em Colchagua, de 3% e em Linares, 6,7%, em

relação às eleições de abril. Nesta eleição, o PS se envolveu mais em relação ao PC pelo

fato desse estar envolvido com o seu cinquentenário. Outro fato grave165 nas avaliações era

de que a UP havia perdido as eleições entre as mulheres, chegando a se ter em O`Higgins e

164 O desabastecimento era um problema concreto e que tomava grandes proporções. No plano político os enfrentamentos nas ruas eram cada vez mais constantes, e a DC liderou ainda no Congresso uma acusação contra o ministro do interior José Tohá por não respeitar a ordem pública e deixar assim o caos instalado ventilando a possibilidade de ruptura institucional. Estava explícito pela primeira vez a oposição da DC em relação ao governo da UP. 165 Mas talvez o mais grave nesta eleição foi o fato da DC e do PN se aliarem para conseguirem vencer os candidatos da UP. Em Linhares a esquerda lançou uma temática rupturista em relação ao programa da UP com uma forte presença do MIR. Essa eleição já indicava a possível aproximação da DC com o PN e as situações difíceis que estariam por vir no interior da UP.

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Colchagua uma diferença de 12.266 votos femininos. Entre os homens, nas zonas agrárias,

em particular, também houve uma média de descenso no desempenho eleitoral.

Diante da derrota, o PC orienta o aprofundamento da participação dos trabalhadores

e do povo nas tarefas de transformação social, a intensificação da luta política e ideológica

contra o adversário, a tomada de medidas para erradicar o burocratismo, combater o

sectarismo, estabelecer disciplina social de todos os que queriam contribuir com o processo

revolucionário, esclarecendo, de maneira sistemática, as posições ideológicas a fim de

desmontar o jogo do inimigo.

O resultado eleitoral mostrava que o PC, o governo e a UP, não tinham sido capazes

de corrigir os desacertos do governo, já identificados pela Conferência do PC. Na direção

partidária, a avaliação que se fazia era de que, desde julho de 71, a situação estava se

agravando, a oposição questionava as medidas fundamentais do governo e este por sua vez,

não dava respostas à altura.

Também foi dito que, apesar dos problemas, existia saída para as dificuldades.

Neste sentido, o PC propunha a revisão do seu trabalho no governo. Ao mesmo tempo, era

preciso falar mais claro com a população sobre as dificuldades e defeitos enfrentados pelo

governo. Era certo que a tática da oposição de desgastar e de criar dificuldades de ação para

o governo se agravaria. O impacto dessas eleições foi grande entre alguns setores da UP e,

tinha-se certo receio da forma como reagiriam os partidos, que compunham a coalizão, e o

próprio governo.

Entretanto, o que se afirmava era a consolidação da aliança da direita, setores

freístas da DC com o PN. Para se opor a isso, o partido ponderava que o conjunto da UP

havia abandonado, em certa medida, a política de isolar ou neutralizar o inimigo. De acordo

com suas avaliações, foi isso que proporcionou, na eleição presidencial, a não unidade de

Tomic e Alessandri. Assim, uma das questões centrais era neutralizar e ganhar a base social

da DC166, aquela que era a favor da reforma agrária e das expropriações e, ao mesmo

tempo, tentar abrir diálogo com a direção partidária da DC.

166 O diálogo com a DC era cada vez mais complicado. De março a junho de 1972 houve intensas negociações entre a UP e a DC diante do agravamento da crise e da desestabilização. Por outro lado, a direita fora das conversas, lançava uma nova ofensiva contra o governo alegando que ele era ilegal. Foi lançada a palavra de ordem “desobediência civil” levada adiante principalmente pelo grupo fascista “Pátria e Liberdade” que defendia abertamente um governo militar e nacionalista como saída para a crise no país. O MIR também se mostrava cada vez mais radical em suas atitudes, ocupando terras na província de Nuble e se envolvendo em

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Para apresentar, com mais convicção, a necessidade de se estabelecer o diálogo com

a base social da DC, ato que desagradava alguns setores da UP, era citada uma fala de

Lênin para que as posições fossem reafirmadas:

Imaginamos que um representante comunista deve penetrar em um local em

que os mandatários da burguesia fazem propaganda diante de uma reunião

de trabalhadores bastante concorrida. Imaginamos que a burguesia nos

exige um alto preço da entrada em dito local. Se pagamos muito caro para

entrar no local, cometeremos sem dúvida um erro. Mas vale mais pagar

caro – pelo menos enquanto não aprendemos a “pechinchar” como é

devido, que renunciar a possibilidade de falar à operários que se tem

encontrado até agora em poder exclusivo por assim dizer, dos reformistas,

ou seja dos mais fiéis amigos da burguesia.167

O partido dizia que era preciso corrigir os erros, mas de forma coerente. Por isso,

havia sido contra a proposta, levantada dentro da UP, de renuncia por parte de todo o

gabinete. Era preciso mudar, sem dúvida, algumas pastas. A demissão de todo gabinete

seria uma prova, para o PC, de que o governo estava no caminho errado, o que daria mais

argumentos às posições direitistas.

Allende havia pedido poder especial para fazer a correção administrativa, apesar do

PC não comungar a idéia do presidente ter “excessivas” atribuições internamente, mas

naquele momento achava correto. Para o PC, valia a máxima anterior à eleição de que,

dentro da UP, não havia um partido hegemônico, porém um conjunto que deveria

encaminhar as questões discutidas amplamente. Todos sabiam que nem sempre isso

acontecia. O momento pedia saídas rápidas e respostas enérgicas, pois chegar a um

consenso dentro da UP estava cada vez mais difícil e demorado.

Outra questão que o PC destacava era a necessidade de reforçar a unidade da UP e,

em especial, do OS porque o resultado eleitoral indicava a ofensiva de setores ultra-

esquerdistas dentro do PS. É dito que Carlos Altamirano e outros líderes estavam criticando

enfrentamentos em Melipa. Esses fatos por outro lado, exigiam uma atitude do governo que apresentava dificuldades em lidar com a situação, principalmente em relação aos grupos de esquerda. 167 Informe interno sobre la situación política, 1972,p.1889.

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o governo por estar se aproximando da pequena e média burguesia. Criticavam a postura da

UP na batalha da produção por achar “prematuro exigir da classe trabalhadora uma maior

produtividade e formas elevadas de disciplina no trabalho, sem que tenha resolvido a

conquista do poder”. Para o PC, não havia nada mais revolucionário, naquele momento,

que atuar em defesa e pelo êxito do governo Allende. Também citam novamente Lênin para

contrapor posições que chamam de ultraesquerdistas:

O maior perigo, e talvez o único, para um autêntico revolucionário, consiste em

exagerar o revolucionarismo, em duvidar dos limites das condições para o

emprego adequado e eficaz dos métodos revolucionários. É aí onde os autênticos

revolucionários se “estilhaçam” com mais freqüência.... de que se deduz que a

revolução, grande vitoriosa e mundial, pode e deve empregar unicamente métodos

revolucionários. De nada. Isso é absolutamente e totalmente falso.168

Era necessário reforçar as posições contra o ultraesquerdismo. O partido tinha

convicção que era preciso resolver os problemas concretos das massas para melhorar a ação

do governo e achava que podia se materializar de duas formas: primeiro ganhar e convencer

os demais da necessidade de corrigir e, segundo os comunistas, de realizarem

concretamente certas medidas claras, maduras, assumindo claramente a responsabilidades

por elas.

Também era preciso definir uma política para reforçar os vínculos com a pequena e

média burguesia, assim como estabelecer ações do governo para a juventude,

principalmente em conjunto com o ministério da educação.169

A impressão que se tem, lendo esses documentos, é de que qualquer ataque à linha

política delineada pelo PC, é encarada como desvios revolucionários e ultra-esquerdistas. O

PC citava Lênin para demonstrar determinadas opiniões, mas, às vezes, nelas não cabia a

realidade chilena ou, então, tinha-se uma interpretação diferente vinda de outros partidos,

como o PS, que também se dizia marxista-leninista. O que ficava visível era que existia

168 Informe interno sobre la situación política, 1972. 169 Esse documento teve uma resposta dura do MIR por achar que o PC estava perdendo a condução política dentro da UP e por isso estava atacando o MIR e parte do PS denominando-os de ultraesquerdistas. Ainda reafirmam que eram contra a conversa com o PN e com a DC, mas eram a favor da unidade para avançar

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uma tensão política dentro da UP pela busca da hegemonia de uma linha partidária. Essa

disputa é bem identificada entre PC e PS, salvo o presidente Allende que parecia acima

disso tudo. Também era explícito o caráter cada vez mais conciliador do PC, enquanto

setores do PS, MAPU e MIR já pediam a preparação dos trabalhadores para um possível

enfrentamento armado. Dentro do PC, nem se cogitava esta hipótese.

Em 28 de maio, é publicado um texto de Orlando Millas reconhecendo que havia

uma profunda crise dentro da UP. Muitas declarações assinadas em conjunto por direções

provinciais do MAPU, PS, MIR, PR e Izquierda Cristiana estavam sendo realizadas, a

principal delas ficou conhecida como “Documento de Concepción”170:

Na medida que as massas não reconhecem na oposição política outra coisa que a

contra-revolução em cerne, entram em contradição com o aparato do Estado

construído pela burguesia em seus largos anos de dominação política e social. É

dizer que em sua luta para afastar a contra-revolução, que se reveste de oposição,

as massas chocam permanentemente contra um estado construído basicamente

para resguardar os interesses da reação burguesa171.

O Documento esclarecia que tal aliança buscava a discussão e a colocação prática

de uma linha que assegurasse a irreversibilidade do processo revolucionário. Entretanto,

foram desautorizados pelas direções nacionais de todos eles, com exceção do MIR.

Orlando Millas, de forma tensa, explica que só poderia existir uma coalizão: a UP

que tinha um programa básico a ser implantado, muito diferente do programa exposto no

documento de Concepción, que segundo sua avaliação, esbarrava no anarquismo. Criticava

o fato de parte de secções dos partidos que compunham a UP terem se reunido para se

oporem ao governo, fazendo coro inclusive, aos partidos de direita.

superando as limitações que impunham o “parlamento fascista, a justiça de classes e a legalidade dos patrões”. 170 Em julho parte dos partidos da UP, com exceção do PC, aliadas ao MIR se reuniram em Concepción para se contraporem a política do governo. Esse acontecimento ficou conhecido como a Assembléia do Povo de Concepción. Essa assembléia propôs a dissolução do Congresso Nacional e sua substituição por uma Assembléia do Povo. Segundo Alberto Aggio, à primeira vista parecia uma reedição do projeto apresentado pela UP que pretendia suprimir as duas casas legislativas pela Câmara Única. Entretanto, a Assembléia de Concepción mostrava que parte das forças de esquerda queriam intervir na crise política através da instituição de um duplo poder. A ruptura com a política do governo era explícita e provocou a condenação pública por parte do presidente Allende e do PC. 171 MILLAS, O . Informe del Partido Comunista, 28 de mayo de 1972,pg.2444.

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Dizia Millas:

Nós, comunistas, consideramos que na política de governo e da UP tem

características reformistas. Isso é outra coisa. Mas, diga-se o que se quer do

governo e da UP, o certo é que sob o governo da UP se tem feito grandes coisas,

grandes transformações revolucionárias, e este governo está sob o assédio do

imperialismo e da reação, porque tem ferido profundamente seus interesses.... Nem

o presidente da República, Salvador Allende, nem os partidos da UP e, em primeiro

lugar, o PC, pensamos que devemos tomar medidas repressivas contra aqueles

grupos de trabalhadores, camponeses e estudantes que sobre passam a legalidade.

Isto sabe o MIR e por isso abusa... A unidade da esquerda chilena é patrimônio

fundamental que deve ser resguardado.172

O Partido Comunista pronuncia-se pela unidade, assim como a direção nacional do

PS, que por meio do seu secretário geral Carlos Altamirano, e o dirigente da Comissão

Política, Rolando Calderón, criticaram a dispersão da esquerda e reafirmaram a linha do

programa da UP. Para o PC, a melhor saída era de que cada partido que compunha a UP

buscasse o seu entendimento interno e reafirmasse o programa elaborado em conjunto.

Em entrevista à imprensa, Corvalan mostra-se muito preocupado com a “assembléia

em Concepción”. Era um duro golpe na unidade dos partido da UP e também no governo.

Segundo ele, as críticas feitas pelo MIR, anterior à eleição, à linha política do PC, já era

algo dado e não esperavam que houvesse uma mudança de posição apesar das vitórias do

governo. Ainda dizia que havia triunfado a política do PC, compartilhada pelos demais

partidos da UP e que esta política teve como resultado a vitória da Unidade Popular e a

eleição de Allende.

Ele ressalta que as explicações da Comissão Política do PS sobre a reunião de

Concepción foram boas, mas insuficientes porque “a festa segue em Concepción e ademais

já expressei que estamos convencidos que aquelas atitudes e posições também têm suas

ramificações no país. Não podemos dar por conforme com a declaração muito boa da

superestrutura como se diz, quando sabemos que o fenômeno subsiste.”

172 MILLAS, O., op.cit.,p.2445.

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Corvalan respondia ainda, às acusações feitas ao governo, por considerá-lo

reformista:

Nós, comunistas, consideramos que na política de governo e da Unidade Popular

tem traços reformistas. Isso é outra coisa. Mas fala-se o que se quer do governo e

da Unidade Popular, o certo é que sob o governo da UP se tem feito grandes

coisas, grandes transformações revolucionárias, e este governo está sob o assédio

do imperialismo e da reação, porque tem ferido profundamente seus interesses. E

nós acreditamos que o mais revolucionário é apoiar este governo. Pensamos que

qualquer que seja a fraseologia que se empregue por parte de alguma pessoa, tudo

aquilo que coloque em questão a autoridade deste governo favorece o imperialismo

e a reação173.

Estava exposta novamente a ferida no seio da UP. As divergências sobre o projeto

de governo da UP, que haviam sido debatidas muito antes da eleição que elegeu Allende,

estavam novamente em evidência. Publicamente, o PC responsabiliza o MIR, poupando o

PS, o que não impediu os dois partidos de trocarem cartas, muitas delas públicas, tirando

satisfação entre eles.

O próximo documento era o de 05 de junho174 de 1972, onde Orlando Millas tenta

explicar e resgatar a condução política da UP. Primeiramente, levanta a escolha do governo

em atuar por caminhos revolucionários e não reformistas. Segundo ele, isso não era uma

questão subjetiva. Esta era uma questão que se dava na forma em que se definia a posição

na sociedade da classe trabalhadora, na forma pela qual se resolveriam os problemas da

propriedade sobre os meios de produção, no caráter do processo de trabalho e nas alianças

de classe que dependiam da correlação de forças.

173 CORVALAN LEPEZ,L. Conferencia de Prensa, 24 de mayo de1972,p.2445. 174 Neste mês os protestos voltam a tencionar, o setor varejista procurava fechar as lojas ao meio dia. O governo passou a multar estabelecimentos e a oposição utilizava o argumento que o governo fortalecia as JAPs para estatizar inclusive o comércio.O governo demonstrava aqui, a dificuldade de estabelecer sua aliança com os setores médios. A inflação e o desabastecimento já tomavam grandes proporções. Nas eleições para direção da CUT, em que pela primeira vez todos seus filiado haviam votado, a esquerda reforça sua direção, mas a DC tem uma votação expressiva atingindo muito próximo o percentual do PS. Só para exemplificar, a votação somente desses três partidos foram: PC 30,90%; PS 26,46%; DC 26,35%.

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Pontua mais uma vez algumas questões indispensáveis para uma gestão

revolucionária, como a nacionalização do cobre, o controle dos bancos, a formação da área

social da economia e a reforma agrária. Entretanto, limitar as mudanças a um capitalismo

de Estado era muito perigoso, as possibilidades de retrocessos eram grandes. Por isso, a UP

deveria assumir um grande movimento social, principalmente entre a classe trabalhadora,

para dirigir integralmente a economia e, posteriormente, mudar as regras políticas.

O desafio da UP, dizia, era criar algo novo que funcionasse sob a base da

participação democrática, com a disciplina dos trabalhadores e, em cada uma das instâncias

do processo chileno, tornar realidade o programa da UP. Era preciso, urgentemente,

consolidar e fazer mais funcional as políticas relacionadas às áreas sociais.

Segundo o programa básico de governo, a área de propriedade social só se

constituiria com as seguintes atividades: a) grande mineria de cobre, salitre, iodo, ferro,

carbono mineral; b) o sistema financeiro do país em especial o banco privado e seguros; c)

o comércio exterior; d) as grandes empresas e monopólios de distribuição; e) os

monopólios industriais estratégicos; f) em geral, as atividades que condicionavam o

desenvolvimento econômico e social do país, tais como produção e distribuição de energia,

transporte, comunicação etc.

Para o PC, a participação dos trabalhadores era algo possível se houvesse eficácia

nos convênios de produção e salário, baseado em um plano econômico realista, onde se

propusesse aumento de produtividade e reprodução ampliada. Tudo isso seria construído

com a participação dos trabalhadores, empregados e técnicos. Eles teriam que se sentir

integrantes da direção da sociedade e não mais explorados. Só com as mudanças nas

relações de trabalho possibilitaria ir adiante a batalha da produção.

Algumas dificuldades entre representantes da CUT e os trabalhadores eleitos para

integrarem o Conselho de Administração precisavam ser resolvidas. Na avaliação do PC, os

antigos quadros sindicais precisavam se adequar à nova experiência e não atuarem apenas

no campo da reivindicação ou com base no corporativismo.

As discussões sobre transição ao socialismo e o ultraesquerdismo continuavam a

causar polêmica e, em junho de 1972, Jorge Texier escreve um artigo pontuando o assunto.

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A ultra-esquerda é caracterizada, de forma geral, como grupo que pregava uma

alternativa diferente da defendida pela UP e, por isso, tentava caracterizar o atual governo

como vacilante e reformista, procurando convencer os trabalhadores de que eles eram os

únicos que tinham uma perspectiva revolucionária. O MIR é tido como o grupo que

expressava de forma pública essa concepção, no ponto de vista do PC.

Inicialmente, a ultra-esquerda, apresentou o debate sobre a revolução chilena ter

apenas um caminho, que seria através do fuzil, o que não dava para conciliar com o

caminho do “reformismo e do legalismo” dos comunistas. A seguir, apresenta-se como a

autêntica alternativa revolucionária, além de dizer que estava em uma crescente influência

entre camponeses e setores da classe trabalhadora. Ela caracteriza o processo chileno como

mais uma forma capitalista de Estado e o governo da UP como vacilante e legalista.

Para o PC, um dos erros da análise da ultra-esquerda, era o fato de não considerar a

revolução democrática, antiimperialista, antimonopolista e antioligárquica que estava sendo

realizada pela UP, como parte do processo para conquista de um Chile socialista. Também

os acusam de não entenderem que o Chile passava por um momento de transição para o

socialismo. Já os miristas, acusavam o governo de conciliar com a burguesia e com os

donos de terras, o que era defendido pelo PC, já que se fazia necessário realizar concessões

para poder avançar um pouco mais à frente. Os ultra-esquerdistas pediam o socialismo

imediatamente, mas Jorge relembra que Lênin afirmava que o processo de transição na

Rússia continha elementos, fragmentos do capitalismo e do socialismo. Havia uma

diversidade de relações de produção, porém as socialistas eram predominantes. Para o PC

chileno, estava acontecendo o mesmo: em 1970, os monopólios privados eram maioria, em

1972, tendia-se à consolidação da área social.

Se perde de vista o mais importante, que no Chile dominava a economia e as

finanças de grandes oligarcas, de grandes monopólios estrangeiros e que é

precisamente ali onde deve golpear a classe trabalhadora e o governo para

assegurar o controle sobre o conjunto da economia, realiza uma aliança

econômica com as classes ou capas que correspondem aos demais tipos

econômicos (pequena e média produção e comércio). Permitir no Chile, quando

inclusive não se produzem as transformações essenciais na superestrutura política

e jurídica, necessárias para o socialismo, que exista um setor numeroso de

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pequenos e médios capitalistas, tanto na indústria como na agricultura e o

comércio, não é apenas ser fiel ao pensamento marxista, ao pensamento e a prática

de Lênin, mas à experiência de numerosos Estados socialistas.175

O PC citava Lênin para dizer da importância de se ter o controle dos bancos e o

controle dos trabalhadores na administração do setor produtivo, para se caminhar em

direção ao socialismo. No Chile, dizia o PC, já estavam acontecendo esses dois processos.

Por fim, afirmam que o mais grave, na ultra-esquerda, era que, pelas suas ações

extremadas ela contribuía com as ações da direita.

Em 14 de agosto, uma reunião especial sobre reforma agrária é realizada no PC,

onde foi publicada, em especial, a intervenção de Luis Corvalan. Ele inicia fazendo um

balanço positivo, apesar das dificuldades, das ações para realizar a reforma agrária. A

herança no setor agrário do governo da DC, foi de muita concentração de terras nas mãos

de poucos e baixa produção. O Chile havia se tornado um grande importador e, para

reverter a situação, era preciso aumentar a produção interna de alguns produtos como:

frutas, vinhos, hortaliças etc. O primeiro passo era eliminar o latifúndio, depois planificar e

organizar a agricultura, em terceiro, resolver questões importantes, como a participação

massiva dos camponeses e a organização transitória do abastecimento. Além de todas essas

dificuldades, pontuavam uma outra: a falta de infraestrutura. Faltavam tratores,

fertilizantes, sementes, profissionais veterinários e agrônomos.

Para tudo isso, o PC sabia que o governo precisava contar com o apoio dos

camponeses, o que não era tão simples, devido à influência da DC e, também, pelo fato de

serem contra muitas propostas da UP para o campo. Por exemplo, doar o excedente de

produção para um fundo comum. Na tentativa de burlar os obstáculos, o governo

conclamava os comunistas a fortalecer a estrutura partidária no campo, os trabalhadores das

empresas estatizadas de prestarem ajuda aos camponeses e os partidos da UP a abraçarem

com mais vigor o problema do campo. Resolver o problema da produção no campo

significava resolver parte da questão do desabastecimento para o PC. Entretanto, outra

questão que influía no desabastecimento era o boicote e o mercado negro, onde produtores,

175 TEXIER,J. Informe del Partido Comunista, mayo-junio de 1972,p.2469.

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donos de empresas, caminhoneiros etc, faziam com que os produtos não chegassem às

prateleiras dos supermercados e mercearias. Neste ano de 1972, chegou-se a ter

racionamento de inúmeros produtos, causando enormes filas nos postos de venda de

determinados produtos.

Em 31 de agosto, Corvalan publica a resposta do PC à carta que o presidente

Allende havia enviado a todos os partidos da UP. Nessa carta, Allende pedia mais unidade,

clareza e definição do caminho revolucionário, que o movimento popular estava tomando.

Também tentava esclarecer a necessidade que aquele momento impunha de elevar o nível

ideológico e a disciplina dos militantes para impulsionar a estratégia comum da UP.

Condenava os que “publicamente e oportunamente de modo deliberado” buscavam alterar a

linha política e programática do governo. O presidente Allende não diz claramente, mas

condena nesta carta a reunião de Concepción: “é preciso elevar o nível ideológico de seus

militantes, de sua disciplina e impulsionar a estratégia comum da Unidade Popular,

rechaçando com resolução e energia os sucessivos ensaios divisionistas”.

Entretanto, Corvalan alerta para as ações da oposição com a escalada de violência

que o Chile estava vivendo. A ITT agia em conjunto com a oposição e, após descoberto

planos para um possível golpe, o PC ainda achava que a DC estava contra uma ação desse

tipo. O papel da UP era o de impedir a guerra civil e continuar o processo revolucionário.

Para o PC, era preciso aplicar a lei aos que a descumprisse. Também era a favor que

autorizassem os atos públicos dos partidos de oposição para comprovar que a UP primava

pela democracia. Fez novamente duras críticas ao que chamou de “manobra divisionista” -

a reunião ocorrida em Concepción – que teve o nome de Assembléia Popular. Os

patrocinadores do evento falaram que não pretendiam estabelecer um duplo poder, um

poder paralelo ao atual parlamento e ao executivo. O PC dizia que, apesar da distinta

formação política dos partidos da UP, era necessário consolidar a unidade, principalmente

entre comunistas e socialistas, porque o papel dos inimigos era tentar separá-los.

A Unidade Popular é uma coalizão de vários partidos enraizados em diversas

classes e distinta formação política. É uma coalizão pluralista. Isso explica o

direito de que cada uma das forças que integram a UP tenha seu próprio perfil.

Isto é natural. Mas também devemos cuidar e fortalecer esta unidade e em especial

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o entendimento socialista-comunista, porque o inimigo trata de nos separar, de

lançarmos uns contra outros, de nos separarmos do próprio chefe de estado e sobre

tudo, porque unidos não nos poderão derrotar. Representamos os interesses

autênticos do povo e da pátria e atuando em um só bloco, somos capazes de faze-

los prevalecer176.

Corvalan defendia que ser preciso pensar novas formas de organização do povo em

apoio ao governo e era a favor de estruturar o Partido Federado da UP, em todos os níveis.

Por fim, ele chama a atenção para o que se deveria dar nas eleições para o parlamento e

resume as tarefas principais para modificar a correlação de forças no país: aplicar uma

política firme contra a oposição; fazer novos esforços para aumentar a produção; conseguir

que todos os trabalhadores e setores médios apoiassem a política econômica e financeira do

governo.

Em entrevista cedida ao jornalista Eduardo Labarca, Corvalan explicita algumas

questões sobre a atualidade chilena e o seu processo de revolução. Quando questionado

sobre a forma em que se daria a resistência do povo se houvesse tentativa de golpe,

Corvalan dizia que a principal arma de resistência era a greve geral. Se houvesse

necessidade de recursos bélicos, os explosivos eram os escolhidos por já serem parte do

equipamento de trabalho dos chilenos, que o empregavam nas minas. Mas achava

plenamente possível não haver o enfrentamento e resolver as questões pelas vias

institucionais. Dizia que os militares estavam dando provas de suas posições

constitucionalistas. Acreditava ainda, que, ao longo da história, as Forças Armadas que,

acreditava ser o braço armado do povo, sofreriam mudanças no sentido de se identificar

com os ideais de um país socialista, ou seja, seus objetivos patrióticos se identificariam com

os objetivos revolucionários do povo. Para tentar demonstrar esse raciocínio, ele dizia que

desde a criação das Forças Armadas seu objetivo foi tornando mais completo: defesa,

soberania nacional, ordem interna etc. Esses conceitos estariam também ligados ao

desenvolvimento econômico do país. Corvalan também acreditava que a composição social

176 CORVALAN LEPEZ,L. Respuesta del Partido Comunista a la carta del Presidente Salvador Allende del 31 de julio sobre la Asamblea del Pueblo en Concepción, 31 de agosto de 1972,p.3006.

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do exército estava mudando e que era necessário incentivar os filhos dos trabalhadores e

camponeses a entrarem para o serviço militar.

Quanto à DC, este partido era caracterizado como uma “arca de Noé”, por sua

composição social abarcar extratos sociais diversos, o que aumentava as possibilidades de

uma possível abertura para conversas políticas. Por isso, analisavam que sua posição era tão

difícil: não podia opor-se a algumas mudanças por causa da sua base social, mas precisava

do fracasso do governo da UP para voltar ao poder. Na análise de Corvalan, o que também

atrapalhava as negociações era a falta de amplitude política de integrantes da UP, na

administração pública, para lidar com setores da DC, PN e até com a população. Mas, na

maioria das vezes, a intransigência, a prepotência e o sectarismo de grande parcela da

direção da DC impossibilitava acordos.

Sobre um possível golpe legal ou jurídico para depor177 Allende, Corvalan achava

difícil acontecer na situação em que o Chile se encontrava, porque o povo apoiava o

governo e a igreja e as Forças Armadas estavam dando sinais importantes a favor da

institucionalidade e da democracia.

No dia 2 de outubro178, dois informes aparecem com aspectos importantes sobre o

governo e a UP. O primeiro é de José Oyarce, conclamando os militantes do partido a

iniciarem a campanha eleitoral de março de 1973, melhorando suas ações políticas e

buscando incentivar novos eleitores a se inscreverem para estarem aptos a votar. Comunica

177 E janeiro e fevereiro de 1973, a oposição tentava obter a maioria de 2/3 no Congresso para submeter Allende ao processo de impeachment. 178 O mês de outubro ficou conhecido pela sua intensa dificuldade e representou a ofensiva mais incisiva e geral da oposição ao governo Allende. O Chile viveu uma paralisação quase integral de suas atividades conduzidas por organizações patronais que tinham um claro e perceptível apoio externo. A paralisação iniciou-se a partir de reivindicações pontuais e coorporativas de setores da classe média e setores empresariais, e somente depois tomou dimensões nacionais. Houve neste período uma série de greves organizadas pela direita. Aos poucos o movimento passou a ganhar um caráter contra a política econômica para inclusive atrair a Democracia Cristã. Em meados de outubro, é decretada a paralisação dos caminhoneiros em todo o país, provocando uma reação enérgica por parte do governo que instituiu o Estado de Emergência em dez províncias. Os estudantes e trabalhadores também organizaram protestos e atos de massa a favor (a partir da CUT e das JAP´s) e contra o governo tomando as ruas e ocasionando enfrentamentos entre os dois setores e a polícia. Mas, foi na segunda quinzena de outubro que governo e oposição passaram a se enfrentar de maneira mais dura, com a greve dos médicos e a recusa dos presidentes da Câmara e do Senado em dialogar com Allende. A oposição lança um documento chamado “Pliego en Chile” que visava nortear as negociações com o governo para alcançar uma solução para a crise. Entretanto, este documento expõe a autoridade do presidente. Neste momento, as greves já evidenciam momento de cansaço e muitos já procuravam o governo para negociar a parte. A UP conseguiu neste período neutralizar as Forças Armadas.

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também que havia sido criado o Partido Federado da UP e que ele já era reconhecido por

lei. Esse partido agrupava os partidos da UP, mas não interferia em suas diversas filosofias

e princípios. Assim, explicava que o partido federado tinha como militante o conjunto de

pessoas que faziam parte dos partidos da UP. A estrutura orgânica continuava sendo as

mesmas dos Comitês da UP, ou seja, provincial, regional, comunal, local, empresa,

população e serviço. Nas eleições, os candidatos seriam apresentados pelo Partido Federado

e não mais por cada partido, em separado. Achavam mais fácil, dessa forma, eleger mais

candidatos e manter a unidade interna.

O outro artigo de Mario Zamorano fala da necessidade de organização o movimento

social para que a luta entre o novo e o velho, o combate entre as forças progressistas e

setores reacionários, resultasse na vitória da nova sociedade que estava em construção. Para

ele, um dos mecanismos principais para a vitória era superar os boicotes econômicos e,

nesse sentido, destacava o papel das Juntas de Abastecimento e Preço (JAP). Havia se

constituído 1.200 Juntas no país, sendo que, em Santiago, eram 720 mantendo contato com

cerca de 7.000 comerciantes.

Apesar dessa grande participação, a ofensiva da direita era grande, por isso a batalha

da produção era a preocupação fundamental. Cidades como Taparacá, Antofagasta e o

Atacama estavam sem alimentos. A inflação também era preocupante. A reação de direita

contra o governo estava se dando, principalmente no que se referia à economia, justamente

para afetar a questão mais sensível do trabalhador.

É lembrado também que o General Alfredo Canales havia feito críticas ao governo,

mas fora respondido pelo General Prats, que era o Comandante em Chefe do Exército.

Segundo eles, os soldados não cometeriam nenhum crime que pudesse lesar a pátria. Eram

também visíveis as diferenças de opiniões e condutas dentro dos órgãos armados do Estado.

Em outubro de 1972, o PS e o PC lançam documento em conjunto no sentido de

esclarecer e coordenar ações para dar respostas às ofensivas políticas da direita, em curso.

Frisavam que qualquer erro ou conciliação do governo introduziria elementos de

contradição no meio da classe trabalhadora e de desconfiança em relação ao governo.

Diziam que era chegada a hora de contra golpear com firmeza, aproveitando as debilidades

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do inimigo e o fortalecimento da frente de classes. Foi neste sentido que fizeram um

documento, em conjunto com, 11 pontos:

1) Ofensiva de massa: propunham a criação dos Comandos Comunales que seriam

organismos de poder que canalizassem as inquietudes, os problemas dos

trabalhadores e do povo em geral. A idéia era de que esses comandos pudessem

resolver situações de emergências como, por exemplo, de transporte, controle do

mercado negro de alimentos, ato de massas, jornadas de trabalho voluntário etc.

2) Ofensiva antiimperialista: propunha que se realizasse uma grande denúncia das

ações imperialistas contra o Chile para todo o mundo, incluindo as Nações Unidas.

A UP, em conjunto com a CUT, denunciariam as empresas multinacionais norte-

americanas que estavam envolvidas nos planos de boicote ao governo e esperavam

o apoio dos trabalhadores no âmbito internacional para resistirem a essa ofensiva. A

CUT deveria realizar encontros com diversos organismos de trabalhadores

internacionais.

3) Parlamento: neste ponto, propunham pressionar a direita no sentido de fazer com

que ela se manifestasse sobre os projetos de lei propostos pela UP. Assim, dar-se-ia

urgência aos projetos relacionados à economia, probidade administrativa, criação do

sistema nacional de auto gestão, garantias da pequena e média indústria e a

participação dos trabalhadores. Seriam aceleradas, também, as discussões dentro da

UP sobre a lei de Reforma Agrária, para que ela pudesse ser enviada rapidamente ao

congresso.

4) Transporte: O intuito era tomar medidas repressivas contra os empresários grevistas

dos transportes, pela aplicação da Lei de Seguridade interior do Estado e

rompimento dos contratos.

5) Comércio: também criariam medidas de repressão aos comerciantes e empresas que

aderissem aos boicotes e, ao mesmo tempo, estabeleceriam políticas que os

dificultassem e promovesse os comerciantes que continuassem a cumprir suas

obrigações normalmente. Era anunciada a formação de uma frente de comerciantes

sob a base dos sindicatos, câmaras e associações para constituir a nova

Confederação do Comércio.

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6) Abastecimento: Este era um problema sério por causa do boicote, do mercado negro

e do aumento do poder aquisitivo do trabalhador. Propunham medidas para maior

controle do Estado e incentivo à criação de cooperativas, supermercados etc.

7) Estudo de medidas repressivas: propunha criar uma comissão para estudar um

esquema ofensivo contra a burguesia monopólica;

8) Fábrica de papéis: o intuito era passar para a área mista as propriedades florestais e

as fixas para as empresas de obrigações, em relação à distribuição e produção;

9) Área Social: era preciso ampliar esta área e não devolver nenhum monopólio, nem

empresas requisitadas para devolução;

10) Ofensiva administrativa: Propunha uma reordenação na administração Pública e nos

organismos autônomos para dificultar ação de elementos contra revolucionários e

sabotadores;

11) Ofensiva propagandista: Era necessário realizar uma grande ofensiva na mídia e

entre o povo. Para pensar como seria essa campanha, propunham a formação de

uma comissão especial para formular as ações.

Durante este período nasceram os Cordões Industriais, que eram organizações de

trabalhadores com o objetivo de “atuar rápida e eficazmente contra as manobras da direita”.

Os Cordões seriam um novo organismo de luta dos trabalhadores e pressionavam o governo

para, principalmente, passar para a área de propriedade social uma série de empresas. O

primeiro Cordão Industrial foi o de Cerrillos, que agrupava trabalhadores de 30 indústrias.

Para Nicolas Miranda179, eles se transformariam em um órgão de poder dos trabalhadores

pela sua base. Novos Cordões foram nascendo durante o ano de 1972. O governo da UP e o

PC os criticaram e pediram inclusive a devolução das empresas tomadas pelos

trabalhadores dos seus proprietários, ocorrendo o primeiro choque entre governo e Cordões,

em janeiro e fevereiro de 1973. Eles criticavam a atuação da CUT por acharem que ela

estava alheia às verdadeiras aspirações da classe trabalhadora.

179 MIRANDA, N. Los cordones industriales, la revolución chilena y el Frente populista, Sítio Clase contra clase,19 de novembro de 2004.

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No dia 12 de novembro, vários pequenos artigos são publicados comemorando dois

anos de governo popular e refletindo sobre as dificuldades e saídas para a crise. Uma das

questões importantes levantadas está na constituição do gabinete cívico militar com a

participação de três generais das Forças Armadas. O PC reafirmava que elas tinham

politicamente uma importância grande, assim como um caráter patriótico e democrático,

atuando junto ao povo, apoiando os trabalhadores contra a exploração burguesa e

respaldando o desafio da libertação do Chile em relação ao imperialismo. Essa era uma das

saídas encontradas pela UP para incorporarem as FFAA no processo democrático e tentar

neutralizar alguns campos que já demonstravam contrários à política da UP.

O MIR havia lançado documento contra esse gabinete militar e denominou o

governo de “governo UP-Generais” que, nesta nova fase, queria paralisar a luta do povo. O

PC criticou duramente as declarações e atitudes do MIR, chamando-o de irresponsável e de

aliado da direita. Os Cordões Industriais criticaram as posições da UP em incorporar

militares no governo.

A direita também reagiu contra a incorporação de militares no governo e começou a

agir no sentido de separar os quadros militares que formavam o governo do seu restante. O

general Prats, que passou a compor o governo, esclarecia que o papel do novo gabinete era

o de assegurar a paz social. Ele tinha a função de comandante em chefe do Estado Maior e

o General Augusto Pinochet o de general do Exército. Dizia ainda que aplicaria com

autoridade as normas legais vigentes.

Em 16 de novembro, o PC comenta o editorial do pleno do PS, que assinalou a

importância da unidade interna para fortalecer o governo, assim como a unidade da UP.

Deixa explícito que o PS deveria lutar conjuntamente para a aplicação de todas as medidas

do programa da Unidade Popular.

Todos os partidos da UP estavam realizando reuniões para avaliar a situação chilena

e segundo o PC: “Todos coincidiam no fundamental. Não há fenda na UP. Pelo contrário:

fortalece a unidade para encarar juntos a batalha eleitoral de março próximo e conquistar

um Parlamento para o povo. Traz o êxito dessa tarefa se mobilizarem os trabalhadores

todos os chilenos patriotas, que são os motores de um processo até o socialismo que é

irreversível.” Entretanto, por mais que tentassem passar a imagem de unidade, eram nítidos

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e públicos as divergências entre os partidos, que chegavam até causar uma paralisia no

governo, no sentido de se ter mais agilidade na contra ofensiva à direita.

No mês de novembro, houve reunião do pleno do Comitê Central para discutir os

rumos da política chilena. A luta política entre esquerda e direita, o aumento dos boicotes

na produção e no abastecimento, chegava no limite. A direita estava conseguindo se

aproximar e ganhar a opinião da classe média. Entretanto, o PC dava mostras que os

trabalhadores reagiam: várias indústrias passaram a funcionar 24 horas para aumentar a

produção, os trabalhadores passaram a dirigir caminhões de grandes empresas, assim como

colocaram tratores, seus próprios caminhões para transportar outros trabalhadores, a fim de

conseguirem burlar a greve patronal e não deixar parar a produção e a distribuição. A

juventude, no período de 14 de outubro a 4 de novembro (chamado de período de

emergência) permitiu a distribuição de farinha, a fabricação de pães e o abastecimento das

populações. Os trabalhadores fizeram, a partir do trabalho voluntário, que esse período de

emergência não se tornasse um caos. Para isso, revezaram no trabalho 24 horas por dia,

através de turnos. Dias depois, seria fundado o movimento “Voluntários da Pátria”.

Também destacava-se que muitos jovens democrata-cristãos de base ajudaram nesses

trabalhos voluntários. O PC, pelo menos nestes documentos, não falava no trabalho

realizado pelos Cordões Industriais.

O PC apresenta, então, oito conclusões sobre a crise de outubro: 1) a ofensiva

política de outubro puxada pela burguesia e pelo imperialismo encontrou forte resistência

dos setores que apoiavam a UP; 2) demonstrou o grau de combatividade e consciência do

povo; 3) demonstrou o nível de organização do proletariado diante das responsabilidades

essenciais e complexas; 4) reafirmou o papel do trabalhador como motor das mudanças

revolucionárias e pilar de sustentação do governo; 5) pôs em relevo o poder de criatividade,

organização e amplitude das massas; 6) demonstrou que o povo chileno estava disposto a

defender o processo revolucionário iniciado pela UP; 7) reafirmou a unidade de todos os

partidos da UP na base; 8) revelou a necessidade de readequar formas e estruturas orgânicas

para dar conseqüência ao ímpeto renovado das massas.

Diante da crise de outubro, era necessário ajustar algumas políticas do governo, mas

principalmente não desmobilizar os trabalhadores, fortalecer os organismos como a JAP,

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Junta de Vecinos, Centro de Madres etc, cuidar da unidade do proletariado, consolidar e

aumentar a participação e a direção das massas. Ainda demonstrar a grande

responsabilidade que cada um deveria ter durante a campanha eleitoral de março. A ordem

era conquistar a maioria dos votos para acelerar a aplicação do programa em suas diversas

áreas e superar a crise.

O parlamento eleito, em 1969, era integrado por 94 deputados e 32 senadores de

oposição e 56 deputados e 18 senadores das forças populares. O PC tinha 22 deputados e 6

senadores, sendo que desses, quatro tinham mandato até 1977 (Corvalan, Contreras,

Montes e Valente). Nas eleições de março seriam eleitos 150 deputados e 25 senadores. Na

lista disponibilizada pelo Partido Federado da UP, foram apresentados 05 candidatos a

senador e 34 a deputados pelo PC. Nas últimas eleições o PC obteve 17% do eleitorado, o

que significava por volta de 480 mil votos.

Nas eleições de março estavam inscritos aptos a votar 4,5 milhões de chilenos,

dentre os quais, mais ou menos 700, iriam votar pela primeira vez. Os jovens maiores de 18

anos e analfabetos participariam do processo eleitoral pela primeira vez. Também era

destaque no PC, os quatros jovens comunistas militantes da JJCC que seriam candidatos ao

cargo de deputado.

Jorge Insunza inicia sua intervenção que encerra a reunião do pleno do Comitê

Central, relembrando os objetivos dos ataques da direita:

...pretendem instaurar uma ditadura reacionária, a fim de estabelecer os

privilégios do passado, terminar com os processos de mudança... Queriam e

querem impor a contra-reforma agrária, propunham terminar com a área

social de produção. Seu plano era e é desconhecer, negar as massas

populares toda participação na condução do Estado, ilegalizar a CUT, os

sindicatos... Seu plano era e é terminar com as JAPs... não ocultam a

necessidade de terminar com os comitês de vigilância, com os organismo de

controle e participação dos trabalhadores,com tudo o que está relacionado

com o povo, com as mudanças e com a revolução180.

180 INSUNZA,J.Informe, noviembre de 1972,p.3626.

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A sua avaliação, feita em relação ao governo e ao enfrentamento com a direita, era

positiva. Insunza acreditava que a experiência vivida na crise de outubro havia dado

mostras de que o movimento popular estava mais organizado, consciente, sólido, amplo,

unindo a classe trabalhadora com o povo e ainda cita de forma positiva a colaboração das

Forças Armadas. O mês de outubro deu demonstrações, segundo Insunza, de organização e

patriotismo.

O desabastecimento e o mercado negro eram levantados como um dos principais

problemas. As JAPs eram pensadas como uma forma de organizar e fiscalizar a distribuição

e, ao mesmo tempo, de envolver os trabalhadores no processo de enfrentamento do governo

com setores conservadores.

Na questão econômica, dizia-se que o principal era revisar a fundo tudo o que

entorpecia o desenvolvimento da produção e da produtividade na área social. A partir daí,

as novas diretivas deveriam ser postas em prática por todo o partido e, principalmente, por

aqueles que tinham responsabilidades na direção das empresas e nas frentes de produção.

Para continuar as mudanças e enfrentar esses problemas, era necessário que se

obtivesse êxito nas eleições de março. Essa não era uma tarefa fácil, pela tensão existente

na sociedade chilena e também pelo fato de 64% dos meios de comunicação estarem

vinculados à grande burguesia. Por isso, ressaltava-se que a principal atividade dos

comunistas era trabalhar unidos desde já para mudar a composição do parlamento. A meta

era reunir 500 mil pessoas para fazer campanha e constituir os comitês de base. Dizia-se

que: “o triunfo dos candidatos comunistas, a vitória da UP era a garantia do

desenvolvimento democrático e da revolução”.

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3.5 – Os documentos do PC de 1973: Transição, eleições, crise e golpe militar.

Em janeiro de 1973, Orlando Millas181 redige um artigo analisando dois anos do

governo Allende, tanto as conquistas, as dificuldades, no período de transição.

As mudanças econômicas foram resumidas em sete questões principais: 1) a área de

mineração, que representava 55% das divisas que dispunha anualmente o país e deixou de

ser explorada pelas empresas do grupo de monopólios americanos Anaconda e Kenecott.

Também foram nacionalizadas as áreas de exploração de ferro e de salitre; 2) a

expropriação de algumas indústrias monopólicas, a aquisição, intervenção e requisição de

outras havia conduzido, sob a direção da área social da economia, quase mais da metade da

produção mineral-industrial; 3) os bancos particulares, que concentravam em suas mãos

45% dos depósitos e 53% dos créditos, em moeda nacional, haviam passado para direção

estatal; 4) durante o ano de 1972, foi completada a expropriação e a transferência para os

camponeses, de 35% do terreno agrícola do país; 5) houve modificação da correlação de

forças em setores sociais ligados ao desenvolvimento econômico, em função da prioridade

estatal dada pelo governo; 6) foi feita a assinatura de convênios para constituição de

sociedades mistas automotrizes com empresas francesas e espanholas para garantir a

produção de automóveis, caminhões, ônibus etc. 7) a diversificação do comércio exterior

chileno diminuiu de 37% para 12% o total das importações provenientes dos EUA,

aumentando o comércio com a América Latina de 20% para 34% e com países socialistas

de 0,5% para 12%.

O desafio naquele momento era que as áreas nacionalizadas e incorporadas à área

social passassem a trabalhar mais e melhor. E, apesar da crise, o discurso utilizado pela UP

era o de que o país precisava continuar a ter um balanço positivo da economia. Alguns

181 O chamado “Plano Millas” propunha enfrentar os efeitos negativos gerados pela política econômica imposta no primeiro ano. Sua estratégia era aumentar a produção da área social, em especial na agricultura e cobre, e por isso pedia maior disciplina no trabalho e defesa de hierarquia, o que para muitos contrapunha a idéia de administração direta dos trabalhadores. Ainda propunha um ajuste de preços das empresas estatizadas para diminuir o déficits do Estado e controlar as remunerações. No plano externo, priorizava ao máximo a poupança de divisas. Esse plano gerou muita discussão, inclusive dentro da UP. Na análise de Aggio, o plano tentava reverter o quadro desfavorável através de mecanismos econômicos, separando-o da esfera política. A

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argumentos para tentar convencer os chilenos, que sofriam com sério problema do

desabastecimento, eram apresentados: - o crescimento do produto bruto no governo

Alessandri foi de 1,9%, no governo de Eduardo Frei de 6% e no de Allende de 7%; - a

produção industrial havia crescido de 3,8% para 10,7%, em 1971; - a taxa de desocupação,

em Santiago, havia caído de 8% para 3%, em Concepción e Talcahuano, de 10 para 6%; -

houve melhora substancial no poder de compra dos trabalhadores; - a taxa de crescimento

no ensino básico e médio foi de 18% e, do ensino superior, de 35%. Entre as crianças de 6 a

14 anos, houve aumento de 99% das matrículas e a taxa de analfabetismo havia caído de

12% para 10,8%; - procurava-se diversificar as linhas de crédito a curto prazo etc.

Muitas dificuldades ainda existiam, principalmente referentes à produção e à

inflação. Mas essas dificuldades de uma economia em transição eram, para o ministro,

absolutamente normal. Citava Lênin para demonstrar as dificuldades que a URSS havia

passado em sua revolução e concordava que o problema principal residia no plano

econômico: controlar, produzir e distribuir a produção. Para a revolução chilena continuar

avançando era preciso sanear e consolidar a economia, atravessar as dificuldades com pulso

e, acima de tudo, lembrar que a mudança fazia parte de um processo.

Dizia ainda:

Nossa transição é imensamente mais fácil que a dirigida por Lênin, porque estamos

em uma conjuntura muito mais favorável, que deriva da criação socialista iniciada

na URSS e das gigantescas lutas sustentadas nestes 55 anos por todos os povos do

mundo, entre eles pelo nosso. Mas com tudo, a transição não deixa de ser difícil, de

ter momentos em que aumentam as dificuldades e que requerer a firmeza

necessária que não se demonstra com poses ou frases eloqüentes, nem com

consignas negativas, mas abordando com tenacidade o aumento da produtividade

do trabalho, da contabilidade e do controle mais rigoroso da produção e da

distribuição, além do estabelecimento de uma forma superior de organização do

trabalho182.

direção dos Cordões industriais e parte do PS também criticavam o plano Millas. Queriam atitudes mais radicais, que pudessem organizar o povo e tomar a frente do processo produtivo do país. 182 MILLAS, O. Hay que ganar la batalla en el tereno de la economia, enero-febrero de 1973,p.3799.

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A crise de outubro para o ministro era um exemplo das dificuldades e, segundo ele,

foram geradas pelos imperialistas, que haviam perdido os altos lucros com as

nacionalizações. Fizeram em outubro a “conspiração da fome”, atingindo a maioria dos

chilenos. Entretanto, o inimigo havia fracassado, enquanto a classe trabalhadora, as frentes

patrióticas mantiveram o país funcionando e as Forças Armadas resguardaram a ordem

pública.

O artigo de Millas dizia que para avançar até o socialismo e mais adiante construir

uma sociedade realmente socialista, era preciso desenvolver a produção em todos os

campos da economia nacional. Quanto à melhoria das condições de vida e de trabalho dos

chilenos, o essencial era que pudessem ter uma remuneração maior para terem acesso ao

poder de compra de produtos de qualidade. Outras medidas econômicas também

precisavam ser realizadas como o equilíbrio fiscal, política tributária mais ativa e moderna

para que pudesse derrotar a inflação.

A área social da economia era destacada como uma obra de incalculável

perspectiva. A maioria parlamentária de oposição havia negado o estabelecimento de um

estatuto legal de incorporação das empresas monopólicas à área social. Porém, na área do

comércio exterior, 90% das exportações e 50% das importações realizavam-se diretamente

por meio das empresas da área social. Por isso, achava-se que ela estava em condições de

exercer a direção e de determinar o curso do desenvolvimento econômico. Mas para isso,

era preciso burlar algumas dificuldades.

A área social era vista como o alicerce para a construção do socialismo, sem a qual

não dava para impor a consigna “construir o socialismo agora mesmo.” Não havia ainda no

Chile as condições econômicas e nem políticas para consolidar o socialismo. Era necessário

que o controle dos meios de produção estivessem nas mãos dos trabalhadores. A

responsabilidade naquele momento era fortificar a área de Propriedade social e seu triunfo

sobre a economia capitalista era o que iria permitir a sua transformação. O apoio da maioria

daria forças para se passar para uma nova etapa.

Explicava-se que no Chile, neste período de transição, coexistiam simultaneamente

três tipos de economia: 1) Economia burguesa não monopólica representada pelas fazendas,

fábricas, negócios comerciais e serviços que exploravam mão de obra; 2) Economia

pequeno-burguesa: formada pelos pequenos agricultores, artesãos e trabalhadores

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autônomos do comércio e serviços (pequenos comerciantes, ambulantes, taxistas,

caminhoneiros etc), todos trabalhavam sem empregar assalariados; 3) Área social: que

incluía as empresas do Estado ou dirigidas pelo governo popular e pelos trabalhadores, as

economias da área reformada no campo, sejam cooperativas, assentamentos ou comitês de

camponeses.

O período de transição, para o PC, estava acontecendo, desde a tomada do poder

pelo proletariado até a construção completa do socialismo. Citavam, por meio da

intervenção de Cademartori, que, na URSS, o período de transição havia durado 20 anos

(1917-1937) e, nos países da Europa Oriental, ainda acontecia.

No Chile, o PC dizia que o período de transição poderia ser dividido em duas

etapas: a primeira desde a conquista do governo popular em 1970 e que duraria até a

conquista do poder total pela classe trabalhadora em aliança com os camponeses e a classe

média; a segunda começaria com a conquista do poder e duraria até o triunfo definitivo do

novo modo de produção, o socialismo.

O que se destacava, como característico do processo chileno, era o fato de que,

apesar de não se ter conquistado todo o poder para o proletariado e sua coalizão popular,

poderia ser dito que já se iniciava a primeira das etapas de transição, pois as forças

populares contavam com a parte decisiva do poder: o poder executivo. Outra característica

importante era a socialização dos meios fundamentais da produção e sua conversão em

propriedade social. Por essas duas questões, acreditava o PC que já estava na primeira fase

de transição.

O Período de Transição começa com a socialização dos meios fundamentais da

produção e a conversão deles em propriedade social. No Chile a constituição de

uma ampla e poderosa área de propriedade social, da área mista e da área

reformada da agricultura davam o fundamento para sustentar que em nosso país já

se iniciou o período de transição do capitalismo ao socialismo183.

183 CADEMÁRTORI,J.Perspectivas y tareas revolucionarias en el frente economico, enero-febrero de 1973,p.3811.

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Entretanto, o imperialismo e a oligarquia eram os principais opositores do novo

poder que estava tentando se solidificar. Neste momento de transição, de um lado estavam

as forças populares e patrióticas encabeçadas pela classe trabalhadora e, do outro lado, o

imperialismo, os monopólios e os latifundiários. Apesar destes setores não terem o respaldo

do poder executivo, os imperialistas contavam com o poder judiciário, com grande parte do

parlamento e com o chamado “quarto poder”, isto é, os meios de comunicação de massas.

Na economia, mesmo que estivesse enfraquecidos no controle em setores importantes,

ainda conservavam relevantes posições como na indústria de celulose e papel, refino do

açúcar, no comércio atacadista, distribuição de combustível, transporte marítimo,

navegação petroleira, indústria química, indústria de construção. O capital monopolista

internacional controlava alguns centros importantes como monopólio de fósforo e tabaco,

distribuição de combustíveis, detergentes, artigos eletrônicos etc.

Assim, para continuar e fortalecer o período de transição era preciso “ganhar a

burguesia e a pequena burguesia”, pois, ou estariam do lado da contra-revolução, ajudando

nas sabotagens, ou estariam cooperando com o processo revolucionário. Para José, era

difícil, mas não impossível atrair a burguesia nacional para a causa do socialismo, mas

indicava os erros cometidos por funcionários e dirigentes sindicais da UP que exageravam

no trato com a burguesia, como possível empecilho para a aliança. Ele relembra ainda, que

no programa da UP não se falava em liquidação imediata ou violenta da propriedade

privada, pois muitas delas cumpriam uma importante função na economia nacional.

Portanto, conclui que o terceiro ano do governo Allende era importante e definitivo

para o processo revolucionário chileno, e por isso, esforços não poderiam ser poupados.

Já em dois posteriores documentos datados de final de janeiro e início de fevereiro,

o PC envia carta ao PS, não entendendo sua reação quanto ao projeto de lei que propunha

uma resolução jurídica ao problema da propriedade de algumas empresas que deveriam

integrar a área social.O PS alegava que desconhecia o projeto e que o sub secretário de

economia, que era socialista, iria pedir demissão ao presidente. O PC afirmava, por outro

lado, que alguns partidos da UP em conjunto com o MIR, pediam que Orlando Millas

(comunista e ministro da economia) pedisse demissão ou que fosse afastado por Salvador

Allende. A crise entre PC e PS era pública e visível, poucos dias antes das eleições

parlamentares.

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Durante algumas semanas, nós comunistas temos suportado todo tipo de ataque.

Mas nos estranhou que depois da reunião que houve no La Moneda e de havermos

nos comprometido diante do país e diante de nós mesmos a chegar a um acordo

sobre esta e outras questões que tiveram em discussão, se tenha realizado, no dia

seguinte, em frente ao Palácio de Governo uma manifestação em que se pedia a

cabeça de Orlando Millas, se atacava ao Partido Comunista e em tal ato haviam

participado setores da Unidade Popular184.

Em março, Volodia Teitelboim cede algumas entrevistas em que reafirma o perigo

de um possível golpe de direita. Em nenhum momento ele colocava em questão o apoio das

Forças Armadas, como se o seu não envolvimento em uma possível ação contra a UP se

resolvesse apenas pelo fato de estarem presentes no governo.

As eleições de março seriam um termômetro para os próximos passos a serem dados

pela direita. Se a UP ganhasse a maioria dos votos, certamente iriam endurecer sua política

em relação ao governo. Para o senador do PC, depois de março o país seguiria seu caminho

e independente de vitória ou derrota, só então se definiria o ritmo das mudanças. Volodia

achava que o povo iria respaldar a UP.

Volodia e Corvalan pediam a todos que votassem bem cedo no dia 4 de março e que

ficassem atentos às provocações da direita. Também estavam apreensivos porque os

principais representantes do PN estavam dizendo que essas eleições eram como um

plebiscito e se a UP não tivesse 51% dos votos, Allende deveria renunciar. Tal entrevista

gerou muito debate, porque isso não estava previsto na constituição e, ao mesmo tempo,

tornava ainda mais claro os objetivos da direita.

Em seis de março, o PC lança nota dizendo da vitória alcançada pela UP em

conquistar 42% dos votos nas eleições. Era algo para se comemorar, porque a oposição, que

tinha uma meta de atingir 2/3 dos votos para o senado com intuito de continuar a estratégia

de utilizar uma acusação constitucional contra Allende para afastá-lo do governo, não

conseguira atingir o estipulado.

A vitória também era comemorada pelo fato da UP, a cada eleição, ter aumentado

sua votação. Parecia se confirmar que a população, em geral, aprovava o governo Allende.

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Corvalan, em discurso no ato promovido pelas Juventudes Comunistas no dia 7 de

março, dizia que três surpresas haviam sido lançadas contra os inimigos: a primeira foi a

celebração do segundo aniversário da vitória eleitoral da UP, onde se realizaram

gigantescas passeatas por todo país, em especial em Santiago; a segunda foi a resposta do

povo e das forças Armadas aos atos criminais dos donos dos transportes, que pararam suas

atividades e incentivaram greve nas fábricas e indústrias. Os trabalhadores haviam dado,

como resposta, a ida à pé até o seu local de trabalho para que a produção não parasse; a

terceira, os resultados das eleições de março dado que comprovou o aumento de votos da

UP.

Encerrado os números, Corvalan anunciou que a UP havia conquistado 43,39% dos

votos, mas com os sufrágios da União Socialista Popular a esquerda chegava a 43.67% dos

votos e a oposição havia obtido 54,7%.

Muitos pensavam que pela crise do abastecimento e dificuldades pelas quais o país

passava, o governo seria derrotado, apesar do fato da direita ter obtido maioria na votação.

Isso não aconteceu porque, segundo o PC, o povo chileno havia demonstrado

responsabilidade social, patriotismo e consciência. Mais uma vez deixava claro que a classe

trabalhadora era o pilar da revolução e a principal base do governo da UP. Entre os

camponeses houve aumento dos votos no governo, mas a questão mais comentada foi a

marcante vitória dos votos das mulheres.

Dos quatro candidatos da JJCC, que estavam na lista do partido, duas haviam sido

eleitas: Eliana Araníbar e Gladys Marín. E, entre as candidatas mulheres, mais quatro se

elegeram, dando ao PC o posto de partido de esquerda que tinha no parlamento o maior

número de mulheres e jovens da esquerda.

Em entrevista, durante a viagem para realizar esta pesquisa, Eliana Araníbar contou

como foi difícil aquela campanha pela tensão política existente no país. Sua candidatura

apoiou-se muito no trabalho da juventude comunista, a chamada Jota (JJCC) que ao total

tinha 80 mil filiados e contou com o apoio do músico Victor Jara. Eliana conta que teve 52

mil votos sendo a segunda candidata mais votada. “Tive uma excelente votação, era a

primeira vez que me candidatava. Percorremos o país inteiro, incentivada muito pelo

trabalho da juventude. Adorava sempre estar em movimento. Quando soube que o partido

184 CORVALAN,L. Carta al Partido Socialista, 7 de febrero de 1973,p.4187.

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queria que eu fosse candidata, chorei,chorei porque não queria ser. Mas o partido me

pedia que fosse e precisava como militante ajudá-lo. Então fui. A juventude, em especial a

JJCC ficou muito animada e assim foi a campanha”185

Segundo Corvalan, a cada 100 votos do PC, 42 haviam sido femininos, um

crescimento importante para os comunistas. Outro crescimento importante havia acontecido

nas zonas agrárias, onde a votação do PC havia aumentado 78%, Elegendo 09

representantes. O PC se tornou o partido com maior representação pela UP, no senado.

O PC havia, segundo suas avaliações, aumentado sua votação de 383mil 49 votos,

em 1969, para 477 mil 868 votos, em 1971, e 627 mil 712, em 1973. Para Corvalan, o êxito

eleitoral provava na prática a justeza da linha política não só da UP, mas do PC. Também

não se duvidava mais de que o povo estava apoiando a revolução, o que possibilitava que o

governo aplicasse seu programa e tivesse uma ação mais enérgica contra a direita.

O PC obteve uma vitória importante. Com um crescimento, segundo o Comitê

Central, de 17,1%, ele se manteve sua tradição de aumentar os números de votos nos

últimos 15 anos. Volodia havia obtido, em Santiago, a segunda maioria e a primeira dentro

da UP. Esses resultados davam ao PC a análise de que sua linha política era correta e de sua

importância na condução da revolução. Acreditava-se ainda, que o governo deveria adotar

medidas mais intensas para aplicação do programa e que era indispensável à unidade das

forças populares. Para isso, o PC continuaria a rechaçar a proposta do MIR de “criação de

um poder popular independente do governo”, que só traria divisões entre as forças

populares.

Em abril, Sergio Ovale chamava a atenção da UP para a necessidade de aumentar o

ritmo das mudanças dos rumos do país. Ele pedia maior empenho para que os problemas de

infra-estrutura fossem resolvidos e a centralização do controle dos bens de consumo para

solucionar o problema do desabastecimento e do mercado negro, por meio da Secretaria

Nacional de Distribuição. Era preciso controlar a área de propriedade social e a área

privada no que dizia respeito à produção e a importação. Fazia-se urgente assegurar, a cada

família, o abastecimento mínimo necessário.

185 Entrevista cedida à autora na cidade de Santiago em fevereiro de 2004.

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Sérgio Ovale também propunha, a criação de secretarias regionais de

comercialização e distribuição em cada uma das províncias do país com a participação da

CUT provincial, JAP, Centros de Madres. As empresas distribuidoras do Estado deveriam

acatar e por em prática os programas elaborados pela secretaria.

O papel dos comunistas, segundo Ovalle, era o de ter conhecimento concreto dos

problemas da economia, produção, financiamento e rentabilidade, elevação da

produtividade do trabalho das principais empresas. Deveriam assumir responsabilidades

políticas quanto ao transporte, ao abastecimento e à aliança com setores médios. Tudo isso

requeria de seus quadros dirigentes e militantes sério esforço para obter esses

conhecimentos, estudar os fenômenos e processos da economia, ter participação ativa em

conjunto com os partidários da UP.

As eleições, segundo ele, haviam confirmado que o PC e o PS eram os pilares

fundamentais do movimento popular e que o entendimento entre esses dois partidos era a

chave para levar adiante a revolução chilena.

Allende se manifestava a favor da realização de um Congresso Nacional do partido

da UP para acertar as divergências internas. O PC, que também era a favor, criticava as

posições de alguns partidos, que acertavam decisões na esfera dos dirigentes, mas que as

cumpriam na base.

Para o PC, até o momento, portanto início de 1973, não havia sido criada uma

direção econômica claramente estruturada e definida. Inúmeros administradores e

interventores de empresas e bancos estatizados atuavam por contra própria, sem prestar

contas da gestão a ninguém. Assim, salários, contratações etc, eram pensados de acordo

com as conveniências dos partidos aos quais se pertencia ou por razões pessoais. Também

critica a forma que o governo havia designado seus representantes nos Conselhos de

Administração das empresas na área social. Muitos deles nunca tinham trabalhado em tais

empresas, mesmo depois de serem nomeados representantes, muitos o faziam de outra

cidade. Nem sequer estavam nos locais de trabalho.

Segundo o PC, a maioria das empresas da área social ou mista não se observava

uma mudança real nas relações de produção. Era preciso rever urgentemente esses

problemas. Propunha que os sindicatos e dirigentes sindicais, em conjunto com os

executivos designados pelo governo, assumissem a direção das indústrias.

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O PC, para impulsionar a batalha da produção, apresentava 10 pontos que dizia ser

possível acatar de imediato:

1 – Obter organização do trabalho de modo que assegurasse o aproveitamento total das

equipes e matéria prima da qual se dispunha. Existiam fábricas que poderiam estabelecer

até três turnos;

2- Em cada unidade produtiva estatal, mista ou particular não deveria haver nenhuma

inversão adicional para que fosse possível esgotar a capacidade de produção existente. As

inversões deveriam facilitar o uso pleno das equipes de trabalho;

3- Deveria ser estabelecida uma relação cotidiana que, em conjunto, permitisse discutir e

resolver questões para melhorar a produção e tomar novas iniciativas, fruto dessa

convivência;

4- Obrigar os administradores, interventores e chefes de empresas e serviços a considerar

posições que surgissem dos trabalhadores e responder por escrito e, no máximo, em 15

dias, às suas sugestões;

5- Estabelecer contato entre trabalhadores de distintas unidades produtivas com a finalidade

de trocar de experiências e resolução de problemas comuns;

6- Oferecer, em cada unidade produtiva, estímulos morais e materiais em razão das

iniciativas positivas que surgissem;

7- Aproveitar as equipes, matérias primas, iniciativas dos trabalhadores etc, o que resultaria

em aumento da rentabilidade das empresas;

8- Firmar convênios que ligassem produção e produtividade com salários, créditos etc;

9- Outra questão decisiva era o caráter obrigatório do cumprimento das decisões adotadas;

10- Os executivos deveriam prestar contas do seu desempenho, periodicamente aos seus

superiores e, também, para a assembléia dos trabalhadores de suas empresas.

Estas idéias deveriam servir de base para a organização de um estatuto de normas

comuns de administração das empresas da área social e mista.

O PC também propunha a elaboração imediata do plano econômico para 1974 e o

estabelecimento de um plano financeiro para o segundo semestre de 1973. O setor estatal

para o PC, jogava papel decisivo na estruturação da nova economia. Assim, ele dizia:

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A luta entre o velho e o novo se expressa no terreno da economia como o

fortalecimento do setor estatal e seu predomínio crescente. Isto não supõem a

desaparição do setor privado, sem que, ao contrário, sua manutenção em uma

dependência harmônica e não contraditória com a área social. Os pequenos e

médios produtores têm um papel importante em jogar na batalha da produção

e do desenvolvimento geral da economia. A única forma cientificamente

correta de combinar as relações entre setor estatal e privado, de estabelecer as

proporções adequadas entre os diversos ramos da economia, de assegurar

movimentos financeiros proporcionais as necessidades da produção e sobre

tudo de orientar e definir com precisão as metas e diretrizes para o

desenvolvimento econômico, se encontra na confecção e aplicação de um

plano186.

Reiteravam, neste documento, que a tarefa principal era o aumento da produção

agrícola, mineira e industrial. Sobre a via da revolução chilena, que ela jamais foi

considerada como uma via exclusivamente eleitoral e sim como um caminho de constantes

enfrentamentos, de aguda luta de classes, onde o fundamental era a mobilização, das

massas e a crescente elevação da consciência revolucionária. Entretanto, apresentava a

perspectiva da UP ganhar a maioria do país e dos eleitores.

Este documento também convoca o 15º Congresso Nacional do PC no período de 25

de novembro a 1º de dezembro de 1973, em Santiago, além de informar que, conforme

anúncio em 25 de janeiro, havia sido feito uma revisão dos militantes recrutados para

trabalhar na administração pública ou que se filiaram no PC durante o governo, para que

igualmente participassem da administração. Foram revistos 215 casos. Deles, 5 foram

expulsos, 10 afastados das filas do partido e 4 foram removidos de cargos de

responsabilidade administrativa. Durante o ano de 1972, foram realizadas várias mudanças

em postos de responsabilidade em organismos do governo e nas empresas da área social.

Em entrevista ao jornal Chile Hoy, no mês de abril, Luis Corvalan fala sobre o PC e

o governo. Primeiro, afirma que o PC estava assinalando como obrigações fundamentais de

seus filiados sustentar o governo, aprofundar o processo revolucionário e chegar às eleições

186 CORVALAN LEPEZ,L. Informe al pleno, 29 de marzo de 1973,p.4375.

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de 1976, elegendo um novo governo popular. Para ele, essas três questões eram

imprescindíveis para realizar a revolução antiimperialista e antioligárquica e construir o

socialismo sem necessidade de enfrentamento armado. Os comunistas, dizia Corvalan, fazia

muitos anos que sustentavam esta tese, e a vitória, em 1970, em conjunto com as

transformações revolucionárias realizadas no Chile, neste período, mais confirmavam a

aplicabilidade e a possibilidade real da via não armada.

Corvalan explicava que era possível ganhar as próximas eleições porque, pelo

estudo que estava fazendo dos resultados eleitorais de março, a UP não só aumentara a sua

votação, mas obtivera 49,7% dos votos de novos inscritos que, em sua maioria, eram jovens

de 15 e 18 anos.

O governo de Allende era visto como o construtor das bases materiais, criando

condições sociais e políticas para a construção do socialismo.

O aprofundamento do processo chileno se daria com uma combinação do uso da lei

com a ação de massas. O novo parlamento ajudaria a UP a obter maioria para aprovar

algumas leis, como a da nacionalização da ITT. Entretanto, afirmava que, para conseguir

êxitos no parlamento, era preciso ganhar a opinião da população sobre alguns assuntos,

como foi feito no caso da nacionalização do cobre, o que ocasionou, no parlamento, a

aprovação por unanimidade do projeto.

Indagado sobre a impressão de que o PC havia descartado a necessidade de

desenvolver organismos de poder popular independente do governo e ficado apenas com a

conquista do Estado burguês, Corvalan nega esta visão. Ele diz que achava salutar a criação

dos comandos “comunales”, dos conselhos campesinos, das JAPs, dos cordões industriais

etc. Para ele, o problema estava quando esses organismos queriam constituir-se sob

orientação de oposição à política do governo e para substituir outras organizações já

historicamente constituídas como a CUT, as Juntas de Vecinos, Centros de Madres etc.

Para ele, as ações dos organismos deveriam estar ligadas aos sindicatos. Por exemplo, os

Cordões Industriais trabalhariam integrados à CUT.

Quanto ao estado burguês, dizia Corvalan ser necessário se ter outro poder

legislativo e outro judicial, porque eles travavam o desenvolvimento social. Mas, para isso,

era preciso uma reforma constitucional que conduzisse à realização de um plebiscito, o que

ocorreria num momento preparado pela UP, porque o embate com a direita não seria fácil.

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Sobre o PS, apesar de grandes divergências em questões importantes como o limite

da área social, a distribuição e a política de alianças, Corvalan apenas dizia que o diálogo

era a melhor forma para se chegar a um consenso e ressaltava a importância da união entre

comunistas e socialistas.

Em relação ao MIR, ele afirma que era um fator de divisão do movimento popular e

o acusa de utilizar os cordões industriais como organizações paralelas à da CUT. Corvalan

definia o MIR como um setor revolucionário equivocado, com uma política também

equivocada, divisionista e que nada quase favorecia ao povo, porém ajudava os seus

inimigos.

Sobre a reforma ministerial proposta por Allende187 e a saída dos militares do

governo, considerava tudo estar dentro da normalidade de um governo. Segundo Corvalan,

os ajustes nos ministérios visavam melhorar o desempenho do governo. Já, os militares,

esses haviam sido integrados a um ministério, quando houve a crise de outubro, para que

garantissem a ordem e as eleições de março. Finalizado esse processo e com o

fortalecimento do governo nas eleições, Corvalan achava que se poderia voltar à forma

tradicional dos governos, onde alguns altos oficiais das FFAA tinham importantes tarefas

na Administração.

Estou seguro de que as FFAA, formando ou não parte do governo, seguirão

mantendo sua defesa e respeito ao governo legitimamente constituído e por tanto, pensam errado aqueles que acham que a saída dos militares do gabinete deixam as

187 Na crise de outubro, Allende incorporou militares no ministério para enfrentar a crise. Após a eleição de março ele reorganiza a composição dos espaços políticos no governo tirando os militares do então ministério. Em abril de 1973, o governo enfrentou uma ofensiva de massas da direita contrária a reforma universitária apresentada pela UP. Esses atos acabaram tornando-se atos contra toda a política do governo. Os embates ideológicos entre oposição e governo eram cada vez mais violentos, e em muitas vezes tanto a igreja quanto as Forças Armadas (não em sua totalidade) se manifestaram em favor da direita. O Congresso, a Controladoria da República e os vetos presidenciais à matérias constitucionais, causavam discordância entre essas três esferas. Havia um confronto entre o executivo e a Controladoria. No campo, os Cordões Industriais e os Comandos Comunales aumentavam o nível de mobilização em defesa do governo inicialmente, mas também expressou a tensão existente entre esquerda e governo, o que foi chamado na época de pólo revolucionário. Esse pólo levou essas organizações se expressarem contra o poder central, o que não inviabilizou seu caráter autônomo. Em maio, a disputa interna da DC possibilitou dentro desse partido a ascensão do campo direitista, o que só aumentou as polarizações com a UP. A greve da mina de El Teniente também aumentou o desgaste do governo. Em 29 de junho, com o acirramento do clima político, houve uma tentativa de golpe militar conhecida como Tancazo. Uma unidade de Santiago atacou o Ministério da Defesa e cercou o palácio do governo, o general Prats agiu com energia para reprimir e dissolver os rebeldes. Neste momento, os cordões industriais foram importantes na defesa do governo, organizando grandes mobilização de massas.

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portas abertas para lançarem, um movimento sedicioso como o de outubro. Se tal

coisa ocorrer, encontrarão de novo com uma resposta mais enérgica dos

trabalhadores e do povo, com a adesão das Forças Armadas ao governo do país.188

Em 30 de junho e 1º de julho, são publicados comunicados do PC e do Partido

Federado da UP, condenando o levante encabeçado pelo Coronel Souper, que foi reprimido

com a ajuda do Comandante em Chefe General Prats. Segundo os comunicados, a ação de

pequena parte dos setores militares havia sido estimulada pelo PN e não representava a

maioria da Instituição. Entretanto, alertavam para possíveis tentativas de golpes financiados

pela CIA e arquitetados pela direita.

O povo deveria se organizar e a CUT deveria estar vigilante, fortalecendo os

comitês de proteção das indústrias e os cordões industriais, sob sua direção, com muita

disciplina. Todos deveriam também estar preparados para combaterem em todos os níveis,

inclusive no campo da luta armada. Nesta situação, não desejavam e queriam evitar o

confronto, mas se fosse necessário, diziam que “não restaria nada, nem uma pedra que não

usemos como arma de combate”. Neste caso, era preciso derrotar os reacionários com

energia e rapidez, conclamava Corvalan.

Em agosto, Mario Zamorano convoca o XV Congresso Nacional do PC. A

convocatória dizia que as principais tarefas do conjunto da militância para alcançar a vitória

sobre o imperialismo, para vencer os monopólios e a oligarquia nacional eram: impedir a

guerra civil, ganhar a maioria da população para mudanças revolucionárias, realizar uma

efetiva participação das massas na vida política, aumentar a participação dos trabalhadores

na direção das empresas, obter uma direção econômica única, ganhar a batalha da

produção, e no terreno da cultura e da educação implementar mudanças substanciais etc.

No Congresso anterior, a proposição era de levar adiante o processo de unidade de

todas as forças populares para uma possível conquista do governo popular. Esse objetivo já

estava cumprido: a classe trabalhadora e o povo haviam conquistado um governo popular.

O PC tinha a tarefa e a responsabilidade de contribuir na direção, junto aos outros partidos

da UP.

188 CORVALAN LEPEZ,L. Entrevista,1973,p.4513

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Neste XV congresso, destacava-se a importância, para o processo revolucionário, de

se ganhar a maioria da população para a causa da libertação e para fazer efetivas

transformações nos trilhos do socialismo. O Congresso deveria se realizar quando o

governo popular completasse três anos de mandato, num clima de enfrentamento com a

direita e com o imperialismo. Entretanto, o PC e o PS unidos com a classe trabalhadora, a

classe camponesa e outros setores podiam ganhar essa batalha. Portanto, o Congresso vivia

um momento ímpar da história chilena e também serviria para ajustar as opiniões políticas

do PC.

Dessa forma, o objetivo do PC era transformar o seu Congresso em uma tribuna do

povo, da classe trabalhadora e das forças patrióticas. Assim, as opiniões, críticas e

sugestões do PC diante do processo vivido no Chile, deveriam ser questões fundamentais a

serem debatidas não só entre os comunistas, mas com toda a sociedade, o que ajudaria no

processo de conscientização dos trabalhadores.

Por esta razão, as assembléias das células deveriam ser abertas, pois o que se queria

era realizar uma discussão pública dos documentos para atingir à meta de um milhão de

participantes do processo partidário. O ato de encerramento estava marcado para o dia

primeiro de dezembro, no Estádio Nacional.

Os debates do congresso deveriam abarcar a questão da batalha da produção com

exemplos e tarefas concretas para melhorar a economia, a discussão de uma reforma

educacional e o fortalecimento do PC em todos os âmbitos, inclusive na sua estruturação.

Em 11 de agosto de 1973, sob um clima de tensão189, o PC e o PS lançam uma

declaração conjunta apoiando o novo gabinete e deixando transparecer a unidade

189 Com ambiente acirrado, agora perceptível no interior das FFAA, a autoridade do general Prats é colocada em discussão, insuflada principalmente pelos setores golpistas e pela direita. Os setores extremistas também atacavam Prats pela Lei de Controle de Armas e pelas invasões militares às fábricas ocupadas. Em 27 de agosto Prats renuncia. Nestes embates políticos, aumentavam as manifestações contra e a favor do governo (neste caso principalmente dos cordões e dos comandos comunales), gerando um alto grau de violência e radicalização. Em julho são computados 140 atentados. As greves contra o governo já deixavam claro, qual era a reivindicação principal: a renúncia do presidente e a intervenção das FFAA. Nas últimas tentativas de conversa com a DC, esta exigia que o governo reconhecesse sua atuação fora da legalidade e a formação de um novo gabinete sem a presença dos representantes dos partidos marxistas. A DC inviabilizaria um acordo. Em 22 de agosto o Parlamento anunciava a ilegalidade do governo, que já não tinha uma boa interlocução com as FFAA desde a saída do general Prats.

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comunista-socialista, destacando que alguns setores das Forças Armadas havia se rendido

aos golpistas, mas numericamente eram poucos.

Em 16 de agosto, uma nota do Comitê executivo da UP também é publicada para

denunciar as investidas articuladas por Eduardo Frei, então presidente do Senado, contra o

governo. Ele queria que Allende fosse retirado do seu cargo por manobras no parlamento.

Foram denunciam ainda conspirações da DC com o PN, assim como outras

articulações em curso com a finalidade de criar divergências entre governos e militares e de

criticar a greve dos empresários de caminhões. Convoca-se a todos a ficar em Estado de

Alerta.

Dia 27, é publicado o resumo do informe de Luis Corvalan ao pleno do Comitê

Central do PC que se inicia informando o assassinato do comandante Arturo Araya –

capitão de Navio, chefe da Casa Militar, ajudante naval do Presidente da República. Esse

ato é destacado como uma escalada dos planos terroristas que querem derrubar o

governo.Denunciam que muitas pessoas, sindicatos, jornais estavam recebendo cartas com

ameaças de morte com o intuito de criar pânico social.

Nova greve de transporte havia paralisado 14 mil caminhões com pretexto de que

não se tinha cumprido os acordos feitos na greve de outubro, mas todos sabiam, segundo o

PC, que se tratava de uma greve para tentar derrubar o governo. O PC conclamava a todos

para colocarem em prática a experiência de outubro e que assumissem a produção e a

distribuição dos produtos chilenos. Os trabalhadores precisavam se manter unidos e

mobilizados e, para isso, era preciso fortalecer a CUT190.

O presidente informava que estava buscando diálogo com a DC para evitar uma

guerra civil. O PC acreditava ser possível acordos com a DC se houvesse respeito mútuo,

sem renúncia de seus princípios partidários. Tentavam ganhar a DC para a governabilidade.

Entretanto, um acordo não seria nada fácil, até porque o PN também se aproximava da DC

para conversar.

190 A CUT havia chamado (mesmo sem conhecimento do PC, mas posteriormente apoiado por ele e pelo PS) a formação das comissões de defesa das industrias. O objetivo era de defender as fábricas das sabotagens e atos terroristas que aconteciam com intuito de piorar o problema do abastecimento. Chegou a se organizar nessas comissões 10 mil trabalhadores.

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Por fim, o informe ratifica a validez da linha política do PC e diz que no XV

Congresso ela deveria ser novamente aprovada.

Corvalan levanta a preocupação para com alguns militantes que tinham participado

de ações incompatíveis com a linha política partidária. Ele diz que isso não era fruto de

correntes divergentes, mas de debilidades internas pelo fato do partido ter crescido muito e

não ter organizado suficientemente seus muitos novos filiados, comitês locais, regionais.

Daí, as deficiências na transmissão da linha partidária. Ressalta, pois que era preciso estar

atento para essas dificuldades porque os militantes deveriam atuar sob a mesma orientação.

Por fim, diz que o pleno deveria sair consciente da seriedade do momento e da

capacidade de modificar a situação a favor do processo revolucionário.

Temos ainda a entrevista de Volodia Teitelboim, no dia 11 de setembro, dia do

golpe militar, para um jornal italiano. Ele inicia a entrevista dizendo que a experiência

chilena deveria ser estudada em sua totalidade, porque foi a primeira vez que foi realizada

uma experiência como a da UP, que propunha o caminho socialista sem revolução armada.

Era preciso extrair lições principalmente teóricas, mas, acima de tudo, acreditava-se que a

experiência chilena confirmava as “verdades” conhecidas do marxismo, entretanto, de um

modo por ele caracterizado como dramático. A linha partidária demonstrava que o campo

reacionário, que se dizia “democrático”, “libertário” e “respeitoso aos direitos humanos”,

não aceitava que o povo pudesse se aproximar do socialismo pela via das eleições, da

democracia, aproveitando o que as instituições democráticas pudessem lhe oferecer.

Volodia diz que não acreditava que o inimigo de classe pudesse aceitar a

legitimidade constitucional representada pelo movimento popular, mas, por outro lado, a

direita trabalhou com o crime, com complôs e com o imperialismo. Por fim, atacavam a

igreja, o Cardeal Raul Silva Henríquez, que havia feito inúmeros pedidos para que se

abrisse um canal de conversação entre o governo e os partidos políticos chilenos de centro e

de direita.

Volodia dizia que, para quem não estava participando do processo, era difícil

imaginar a atmosfera de terrorismo promovida pela direita para tornar insustentável a vida

dos chilenos. Porém, o povo chileno não queria guerra civil, nem golpe de estado, dizia

Volodia. Exemplificava isso com a marcha do dia 4 de setembro, a maior realizada em

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frente ao palácio La Moneda. Esse apoio, para ele, é resultado da política da UP, da

implantação de um programa que tornou o Chile um país livre dos Estados Unidos e que

dava prova de seus grandes avanços internos.

Hoje o cobre, o salitre, o ferro, tudo o que estava em mãos americanas tem

terminado por estarem em mãos do povo chileno. Para o imperialismo é um golpe

grave, um precedente muito preocupante. A nacionalização tem sido feita

constitucionalmente, segundo o principio de recuperar as ganâncias excessivas

realizadas pelas companhias estrangeiras que não têm obtido um centavo. O

imperialismo está preocupado porque pensa no petróleo da Venezuela, em todas

suas possessões na América Central e do Sul, na África, Ásia e em vários países da

Europa. De verdade, é um mal precedente. Um representante norte-americano tem

dito faz pouco, que ele estaria contemplado em receber um só dólar porque com

isso estaria salvo o princípio da indenização191.

Volodia dizia que houve erros e insuficiências. Os erros, que poderiam ter sido

evitados, não haviam sido cometidos pelos comunistas ou pela UP e, sim, por ações de

gente estranha ao povo, com concepções subjetivistas e voluntaristas, que aboliram as leis

da economia política, que ignoravam a tática, que desconheciam as etapas da revolução.

Em geral, o país havia mudado muito, principalmente sua economia. Porém a

estrutura política e o poder judicial não haviam mudado, o que, na avaliação de Volodia,

dificultava as ações do governo, apesar da UP controlar o instrumento constitucional mais

forte que era o poder executivo.

Volodia dizia ser esta a última chance de uma ofensiva das forças reacionárias, que

já havia tornado público o fim da esperança em recuperar o governo por meio das eleições,

mas achava que, naquele momento, era preciso o governo ser muito amplo e continuar

tentando conversar com todos os partidos para tentar impedir a guerra civil, e, diga-se,

todos estavam cientes da importância da DC quanto a isso. Acreditava-se que as Forças

Armadas sofriam influências e pressão por parte da direita e por setores da igreja, mas

também acreditava-se que a grande maioria do exército era fiel ao sentido de sua missão

constitucional, obedecendo ao poder civil.

191 TEITELBOIM,V. Entrevista a L´Unaitá, 11 de septiembre de 1973,p.5030.

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Ele dizia que acreditava na resposta popular, na mobilização e na resistência, pois

pensava-se que o movimento reacionário estava declinando e que se preciso o fosse o povo

defenderia o poder com sua vida.

O povo enfrenta a ofensiva reacionária, não respondendo segundo o princípio do

‘olho por olho e dente por dente’, o qual significaria aceitar o desencadeamento da

guerra civil, sem manter-se no quadro de uma tática própria. Hoje todo o povo se

mobiliza para manter o país em movimento. Frente a greve da burguesia, não se

tem paralisado nem uma só fábrica, nem um só camponês tem deixado de

trabalhar. Diante da união dos proprietários de caminhões outros caminhoneiros

têm organizado seu próprio movimento para trabalhar; jovens voluntários,

estudantes que têm renunciado à suas férias, trabalham em todas as partes sem

pausa. Nos hospitais, 100% das enfermeiras e muitos médicos têm trabalhado.

Inclusive dois ou três turnos seguidos. Agora o movimento reacionário está

declinando, mas é necessário atuar com uma perspectiva mais ampla...192

O último documento que temos da Comissão Política do PC é uma declaração

publicada e lida pela Rádio Magallanes, na manhã do dia 11 de setembro.

O documento fazia um chamado aos trabalhadores da cidade e do campo, ao povo

chileno e às forças democráticas, com o fim de que cada um tomasse o seu posto de

combate para derrotar os golpistas.

O PC criticava duramente a DC, que havia declarado no dia 26 de julho, ser

necessário achar uma solução pacífica. Entretanto, ela aparecia ao lado dos golpistas, no dia

11 de setembro, pedindo a renúncia de Allende e seus parlamentares.

O Partido Comunista expressava ali que ainda achava possível uma saída

democrática, aceitando, inclusive realizar um plebiscito para que o povo pudesse escolher

os rumos do país. Dizia ainda que a mobilização das massas deveria acontecer todos os

dias, de modo a não paralisar o país. Pedia reforço das atividades nos sindicatos industriais,

profissionais, nos cordões industriais, nos comandos comunales, nas JAPs, nas Frentes

Patrióticas, em torno dos serviços para garantir a produção e a distribuição. Conclamava

192 TEITELBOIM, V. Entrevista a L´Unita, 11 de septiembre de1973,p.5034.

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ainda o povo a se mobilizar dia 15,16 e 17, além de acompanhar o presidente nas festas

pátrias.

Às 10:25 h, a transmissão da rádio foi interrompida.

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4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Salvador Allende venceu as eleições em 1970, apoiado em uma coalizão de partidos

políticos, com um projeto de tornar o Chile um país socialista, através da institucionalidade,

sem revolução armada, e por isso denominada de “via chilena ao socialismo”.

A discussão sobre o projeto da “via chilena” foi iniciada muito anteriormente à

eleição de 1970. Trata-se de um processo historicamente formulado, sendo que, nesta

pesquisa, procuramos desenvolver essa formulação dentro da perspectiva do Partido

Comunista Chileno.

O PC fazia a análise de que o país era extremamente dependente do imperialismo

norte-americano, submetido por mais de quatro séculos à exploração, com sistema agrário

precário, baseado no latifúndio, mas com alto nível de organização sindical. Apontava

como uma característica importante que possuía, o forte traço de respeito à

institucionalidade, democracia, e à mobilização popular. Ressaltavam que o Estado

Chileno, até 1970, tinha como referencial a democracia burguesa. Havia um

desenvolvimento das liberdades democráticas, os partidos de esquerda tinham

representações nos municípios e no parlamento, havia um processo de conquistas

progressistas na legislação e o sistema eleitoral era proporcional. Para o PC, era possível

desdobrar ao máximo as potencialidades democráticas e progressistas do sistema político,

desde que apoiada em uma ampla política de alianças.

A coalizão de partidos políticos, que compunha a UP, era sem dúvida mais ampla

do que a que concorreu às eleições pela FRAP, entretanto, diante do resultado eleitoral de

1970, já era visto que ela não garantiria a maioria. Pelo contrário, consolidou-se uma

maioria relativa e precária que não se resolvia apenas pela vitória eleitoral de Allende. As

dificuldades seriam grandes e os partidos da UP já tinham consciência disso. Então, tanto o

PC, quanto Allende tinham a convicção de que o governo teria de ser amplo suficiente para

trazer novos aliados políticos, mas ao mesmo tempo não poderia deixar de lado a

radicalidade do programa da UP.

O PC, apesar de na retórica contestar a incorporação das orientações das IC sem

levar em consideração a análise da realidade chilena, absorveu suas orientações como por

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exemplo, a Frente Única Proletária, Frente Popular, Aliança Democrática, a Frente de

Libertação Nacional, etc.

Mas, foi a partir da aprovação das teses da Frente Popular, no VII Congresso da III

Internacional Comunista que, segundo o historiador Luís Marquéz193, o PC, a partir de

1933, adota a tese de que a revolução chilena teria um caráter democrático burguês e não

seria imediatamente socialista. O PC adotou, então, uma concepção gradualista para a

passagem para o socialismo. Essa visão gradualista, por muitos foi chamada também de

etapista, modificou a política partidária, onde, agora, o socialismo poderia tornar algo mais

próximo e concreto a partir de alianças mais amplas, inclusive com setores da burguesia.

Já com a III IC fechada e a partir da orientação da Frente de Libertação Nacional, a

política partidária do PC vai se mostrando preocupada em consolidar um projeto político

mais amplo, com alianças partidárias que refletissem esse novo momento de pós-guerra e

doutrina Truman, porém sob um núcleo de direção prioritário que tivesse, no centro, os

partidos de orientação marxista: leia-se PC e PS. Essa análise é feita sob a reflexão do

sentido e da trajetória da aliança realizada com o Partido Radical, sendo esse o núcleo

principal da coalizão na experiência de 1938 com a Frente Popular e, em 1942, com a

Aliança Democrática, período em que o PC é até colocado na ilegalidade.

Em 1956, no XX Congresso do PCURSS, foi apresentado o relatório contra Stalin,

o princípio da coexistência pacífica e aberta a possibilidade da transição ao socialismo

naquele país ocorrer pela via não armada. O PC chileno, que também neste ano colocou em

evidência a possibilidade de uma revolução sem armas, buscou enriquecer, consolidar e

fundamentar no marxismo-leninismo essa possibilidade para o seu país.

Assim, os anos 50 foram marcados, no Chile, pela discussão acerca da possibilidade

do acesso ao poder das camadas populares com vistas ao socialismo, sem a utilização de

armas. Este debate se intensificou na década de sessenta e setenta.

Luís Corvalán194 defende que os eixos norteadores da via não armada já vinham

sendo trilhados desde a década dos anos 30, com a experiência da Frente Popular. O

historiador Luís Márquez aponta que, desde 1935, o PC “havia atuado segundo uma via

pacífica que foi sugerida com maior ênfase no seu X Congresso, em 1956. Dessa forma,

193CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit.,p. 44. 194CORVALAN LEPEZ, L., op.cit., p. 122.

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considerou-se que a tarefa de fazer mudanças de fundo no país supunha aperfeiçoar as

instituições do Estado no seu sentido democratizador, a fim de poder ser um instrumento

nas mãos do povo, ou seja, ser expressão dos interesses populares e não das classes

dominantes”.195

Ainda segundo Márquez, posteriormente Allende chamaria esta opção de “via

chilena ao socialismo” e a agregaria a uma série de outros elementos. O PC viu sua

elaboração, mesmo que sob balizas teóricas e práticas diferentes, respaldada a partir do XX

Congresso do PCURSS e converteu tal orientação em sua política oficial. Márquez destaca

ainda, que a FRAP foi a materialização da política do PC, demonstrando que a via eleitoral

era um caminho possível. A partir daí, o PC passa a qualificar sua política não mais como

Frente de Libertação Nacional, mas passa a falar de uma revolução antiimperialista,

antifeudal, antioligarquica e de perspectiva socialista. Nas conferências de 1957 e 1960, o

Movimento Comunista Internacional havia definido os monopólios como o grande inimigo

e, a necessidade de articular a luta contra as oligarquias locais, vinculando a defesa da paz

com a coexistência pacífica196. O PC, mais uma vez, assumiu as posições do MCI,

desenvolvendo-as para a realidade chilena.

As justificativas, nos clássicos marxistas, segundo o PC chileno, estavam

fundamentadas nos escritos de Marx (1872) quando ele dizia que não seria necessariamente

pelos meios idênticos que iria se dar à conquista do poder político para construir o

socialismo porém, nas Teses de Abril, escrita por Lênin, em 1917, quando “estimou

possível que a revolução socialista se realizara na Rússia através de um caminho pacífico

mediante a conquista da maioria dos soviets.”197

A partir dessa reflexão, Corvalan ainda afirma que os planejamentos sobre a via

chilena foram se desenvolvendo a cada dia e o que se tornava central era afirmar, no

cotidiano, que a unidade e a luta da classe trabalhadora, a mobilização das amplas massas

populares, o combate dos interesses e direitos do povo e a aliança entre as forças

democráticas eram imprescindíveis para a transformação de um Chile socialista.

Essas discussões e teorização acabaram por culminar no programa do PC, de 1969,

que julgo ser o mais importante documento de um partido. O programa é a expressão da

195CORVALAN MARQUEZ, L.op.cit., p. 47. 196 Ibid.,p. 48. 197CORVALAN LEPEZ, L.op.cit.,, p. 126.

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política partidária. Ali se encontra-se o extrato de uma discussão teórica sobre a realidade

chilena, sem falar nos referenciais estratégicos e táticos que conduzirão os rumos da

atuação do partido.

O programa propunha democratizar o Estado, ganhar o governo, e a partir daí,

realizar mudanças antiimperialistas e antioligárquicas, para mudar a correlação de forças e

avançar para o socialismo. Propunha para tal, a aliança entre camponeses, proletariado,

classe média, pequena burguesia e outros setores burgueses que tinham seus interesses

contrários à oligarquia e ao imperialismo.

O programa reafirma a linha estratégica vigente na política do partido, entretanto,

propõe uma nova redação e atualização frente ao “amadurecimento ideológico e político do

partido que permitem fazer formulações mais acertadas e científicas”. Ressalta ainda que a

“saída revolucionária” não estaria obrigatoriamente associada à uma via determinada.

Assim, o programa reafirma o caráter antiimperialista e antioligárquico da revolução

chilena, e analisa que a situação internacional estava propícia para tal batalha, pelo fato de

existir um sistema socialista mundial, uma classe trabalhadora internacional e um

movimento de libertação nacional. Nele, é explicitado ainda que um governo popular, se

conquistado, abriria o caminho para a construção do socialismo.

Para o PC, a possibilidade de chegar ao poder era algo real desde que fosse a partir

da união da maioria do país, ou seja, das vítimas do regime capitalista. O governo popular

possibilitaria realizar transformações que mudariam as relações de produção,

desenvolvendo o setor estatal e cooperativo e, assim, tornando possível a mudança para a

primeira etapa da fase da transição socialista.

O PC deixa claro que, ao contrário dos reformistas, sabia do papel dirigente da

revolução, por parte da classe trabalhadora e do Partido Comunista. Repudia também,

qualquer argumento que demonstrasse a possibilidade de conciliação entre as classes,

justamente pelo Chile se encontrar em uma aguda luta de classes. Entretanto, o PC,

propunha uma coalizão com setores da pequena burguesia (PR e parte da DC), mas dizia

que isso seria para consolidar um campo progressista que também queria realizar mudanças

estruturais no país. Todavia, para ele, isso não poderia significar ou se traduzir em acordos

que se colocasse em perspectiva a não implementação do processo revolucionário. Para o

PC, o “motor da revolução” era justamente a opressão de classe canalizada na luta e

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reivindicações dos trabalhadores. Entretanto, durante o governo e a partir dos documentos

do PC, de 1970 a 1973, nota-se uma forte tendência de conciliação, principalmente com a

DC.

O programa demonstra também, que o PC entendia que, naquele momento, a via

para a revolução se determinaria em conformidade com a situação histórica, mas deveria

sempre se basear nas atividades de massas.

Assim, nos parece claro que o PC entendia o governo popular, enquanto constituinte

de sua tática para chegar ao socialismo, não descartando inclusive, num segundo momento,

o estabelecimento da ditadura do proletariado. Para o PC, o pluralismo e o

pluripartidarismo eram importantes para essa primeira fase de acumulação de forças e

também para a transformação da economia, dependente do imperialismo, para uma

nacional conduzida pelos trabalhadores.

Segundo o cientista político Genaro Arraigada198, a polêmica do teor da “Revolução

Chilena” e a instalação da ditadura do proletariado eram, sem dúvida, a principal e talvez a

mais importante divergência entre Allende e o PC. Em sua primeira mensagem

presidencial, Allende deixava claro que a via escolhida pelo Chile, ou seja, a via não

armada já era a construção do socialismo, respeitando o pluralismo, a democracia e a

maioria.

Na Rússia... ali se aceitou e se edificou uma das formas de construção da

sociedade socialista que é a ditadura do proletariado... Como a Rússia

então, o Chile se encontra diante da necessidade de iniciar uma maneira

nova de construir a sociedade socialista: a via revolucionária nossa, a via

pluralista, antecipada pelos clássicos do marxismo, mas jamais antes

concretizada”...199

O PC discordava dessa visão de Allende e argumentava que haviam certas “leis

científicas” na passagem para o socialismo que não se poderia evitar, e uma delas era a

ditadura do proletariado. Entretanto, Corvalán não faz referência em seus discurso, durante

198 ARRAIGADA, G. La Crisis de la Unidad Popular y la República de 1925. IN: Unidad Popular 30 anos despues.Santiago de Chile:Lom,2003, p. 138. 199 QUIROGA, P.(org.).,op.cit., p. 78.

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a sua atuação, desde 1956, e no próprio programa de 1969, na forma como seria

estabelecida a ditadura do proletariado. Pelo contrário, também reafirmava a necessidade

do pluralismo e do pluripartidarismo pelo menos inicialmente.

Jorge Arrate200 apresenta que, apesar do PC ser naquele momento “uma grande

força, sólida, organizada, disciplinada, que tinha políticas claramente definidas e

largamente sustentadas e compartilhadas por todos os seus integrantes”, era prisioneiro de

um escolaticismo teórico de uma forte adesão a esquemas teóricos construídos nos debates

do MCI e por isso, nunca teve disposição de aceitar as teses de Allende de que o socialismo

poderia se construir sem a ditadura do proletariado.

O historiador Marquez201 pontua que as diferenças entre radicalizados e membros

do PS e moderados membros do PC geralmente são analisados enquanto meros

desencontros táticos, entretanto no fundo havia uma discordância nos projetos para

engendrar a revolução chilena.

O XXII Congresso do OS, em Chillán, no ano de 1967, conclamou a radicalização

da linha política desse partido, onde o PS se definiu enquanto um partido marxista-

leninista, assumindo a luta armada. Dizia ainda que se aproximava uma grande crise

nacional que iria acabar com o “equilíbrio instável de muitos anos” e a “coexistência entre

classes”, defendendo, assim, que havia viabilidade para a adoção da luta guerrilheira, tendo

Cuba como exemplo, como um processo continental único.

Todas essas formulações e, principalmente a adoção da tática de guerrilha,

chocavam frontalmente com a política pregada pelo PC, que seria ratificada pelo congresso

de 1969.

Ainda na reflexão de Marquez, enquanto o PS conclamava os trabalhadores a

renunciar à ilusão da legalidade vigente, o PC os chamava para aprofundar os elementos

democráticos e ganhar posições no interior das instituições.

O PS também não comungava com a visão etapista ou de transição ao socialismo,

portanto, não achava que haveria de se constituir uma fase à parte e prévia para o

desenvolvimento da revolução. Discordava, por isso, da inclusão de setores burgueses nas

alianças sociais e políticas, defendo a constituição de uma Frente de Trabalhadores.

200 ARRATE, J. Protagonistas y Encrucijadas de la Unidad Popular. IN: Unidad Popular 30 años despues. Santiago de Chile:Lom,2003,p. 146. 201CORVALAN MARQUEZ, L., op.cit., pp .51-53.

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Diante dessas profundas contradições acerca do projeto para a revolução chilena, o

PS realizou, em junho de 1969, uma importante reunião do CC, quando houve o debate da

posição do partido frente às eleições que viriam. Salvador Allende assumiu a defesa de uma

ampla aliança popular e Carlos Altamirano defendeu uma aliança de tipo Frente de

Trabalhadores, que excluía setores da burguesia e da pequena burguesia. O pleno do PS

concluiu-se pela linha radicalizada do partido, aprovando a necessidade de se estabelecer

um poder popular revolucionário, que iniciaria a construção socialista no Chile e se

apresentaria para as eleições de 1970.

O PC, então, no seu Congresso de 1969, propõe uma aliança ampla, mas tendo

como centro comunistas e socialistas e, tentando trazer para um bloco político os

socialistas, já com apoio de Allende. O PC chamava a “Unidade Popular para conquistar

um Governo Popular”.

Segundo Aggio202, o PS havia tirado, em sua linha partidária, o caráter da aliança

que deveria sustentar a candidatura de 1970: com características rupturistas e de

compromisso com a luta revolucionária. Entretanto, o PS indicou Allende como seu

candidato.203

Toda essa trajetória identifica como o projeto da UP já se iniciara dividida, desde a

teorização do processo revolucionário e seu desenvolvimento, até a escolha do nome a

candidato à presidência, pois a votação interna do PS já demonstrava a falta de unidade

dentro do partido político de Salvador Allende.

Todas essas questões nos remetem a apresentar as discussões analisadas por

Márquez, em que era visível o predomínio da concepção do PC no que diz respeito ao tipo

de aliança que se constitiu e também em boa parte do conteúdo programático do governo.

Segundo Marquéz, em pelo menos três pontos importantes se deu essa

incorporação: a) a caracterização da revolução, em que ficou refletido o tipo de mudanças

propostas – antiimperialista, antimonopolista e agrário – pelas quais propunham a

nacionalização das riquezas básicas do país, alvo da expropriação dos grandes monopólios,

formando uma Área de Propriedade Social, onde coexistiriam áreas mista e privada e ainda

202 AGGIO,A., op.cit.,pp.105-106. 203 Allende disputou com o secretário geral do PS a indicação interna para Presidência da República. Allende obteve 31 dos 34 votos regionais. Rodrigues retirou seu nome para ratificação da direção sobrando apenas o

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a proposta de acabar com os latifúndios. Outras questões que permeavam essas discussões,

como, por exemplo, a integração das organizações populares em toda a esfera do Estado, já

era consenso entre a esquerda. Assim, o programa não apresentava as transformações

estruturais com os seus objetivos socialistas, como também se limitava à concepção dos

socialistas. Mas, adequava-se à estratégia de etapas, como no programa comunista. b) o

programa defendia os interesses do capital monopolista expressado pelos pequenos e

médios empresários, comerciante, apresentando, dessa forma, a importância do pluralismo

ideológico e do pluripartidarismo, deixando explícito o caráter de Unidade Popular e não de

Frente de Trabalhadores como pregava o PS; c) outro ponto importante, estava no caráter

pacífico das mudanças, da via eleitoral institucional e da legalidade. Tratava-se de uma

visão que “não possuía o conceito de ruptura revolucionária”, apresentando distinção com a

via insurrecional, vinculada à revolução armada, postulada pelo PS.

Muitas questões levantadas pelo OS, principalmente aquelas que Allende defendia

também foram incorporadas como, por exemplo, a construção de um novo Estado e o

processo de iniciação do socialismo. Entretanto, parece claro que houve uma

preponderância das concepções do PC. Assim, tanto as concepções do PC, como as de

Allende, acabaram por prevalecer, em determinados momentos, na formulação do projeto

da UP e, mais tarde, no próprio governo.

Durante o governo Allende, o PC teve uma postura, de acordo com seus

documentos. Às vezes, conciliadora principalmente, no período de crise em relação à

Democracia Cristã. A radicalidade política aconteceu mais em relação ao MIR por este ser

um crítico à via chilena e à política do PC e estar identificado com a esquerda política

chilena.

O enfoque que se dava ao papel dos trabalhadores era consonante com o programa

de 69 que os via como grandes protagonistas da revolução chilena. Portanto, como na

política do PC as transformações econômicas eram fundamentais para consolidar o projeto

de transição e para se estabelecer uma sociedade socialista, pois eram os trabalhadores é

que estariam à frente da produção, nada mais previsível que o PC clamasse pela

participação popular e pela organização dos trabalhadores.

nome de Salvador Allende. Em uma votação que demonstrou a divisão interna dos dirigentes do PS Allende obteve 12 votos a favor contra 13 abstenções.

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Entretanto, o discurso da campanha não vinculava os sindicatos de trabalhadores,

em especial a CUT, e nem buscava a participação de sindicalistas, nas esferas

governamentais, o que não se traduziu após os primeiros meses de mandato, já que algumas

lideranças da CUT passaram a fazer parte do governo.

Logo após a vitória de Allende, o próprio presidente do PC, Luís Corvalan, credita à

CUT a responsabilidade de apoiar a política econômica do governo. Ela também teria o

papel de organizar a mobilização dos trabalhadores para ajudar na implementação do

programa da UP.

Mas, nestes documentos analisados, o principal ponto debatido e apresentado era

sobre os rumos da política econômica, entendida na política do PC como fundamental e

estratégico para abrir caminho ao socialismo. A base de toda formulação do partido era de

que somente com o desenvolvimento do setor estatal e coorporativo haveria possibilidade

de transposição da primeira fase rumo ao socialismo, pois que esse entendido enquanto um

processo contínuo e único.

Talvez isso explique porque, na composição dos ministérios204, o PC tenha desde o

início ficado com o Ministério da Fazenda, inicialmente composto por Américo Zorilla e,

posteriormente, na nova formação em 1972, com Orlando Millas. O Ministério da

Economia era composto inicialmente por Pedro Vuscovic, que era independente, e em

1972, por Fernando Flores do MAPU.

O PC via na viabilização da economia e na mobilização popular, os dois processos

fundamentais para a condução do Chile ao socialismo pela via não-armada. Por isso,

destacava em muitos documentos que a ação principal do governo deveria ser a

concretização da nacionalização do cobre, dos bancos, a estatização das empresas

monopólicas e a transformação profunda e acelerada no campo e a passagem das direções

da APS para as mãos dos trabalhadores.

Entretanto, a política econômica conduzida por Millas havia sofrido várias críticas

por parte dos dirigentes sindicais do partido comunista, em especial de Luis Figueroa,

presidente da CUT. O papel dos Conselhos dos Trabalhadores foi alvo de divergências

internas no PC. Figueroa defendia a autonomia desses conselhos frente ao governo. Os

204 O PC em 1970 ainda compunha o Gabinete do Trabalho e Previdência social com José Oyarce; Pascual Barras em Obas Públicas. Em 1972 além da Fazenda, o PC compunha o Trabalho com Luís Figueroa e Sérgio Insunza na Justiça.

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conselhos deveriam ser coordenadores e os impulsionadores das iniciativas de massa, sem

se submeter à dependência do governo, para, assim, o seu papel não ficar limitado pelas

regras do jogo imposto pela burguesia. Os conselhos trabalhistas seriam a consolidação de

uma nova fase de luta de classes, mais radicalizada e com o objetivo de instalar um novo

poder. Orlando Millas foi contrário a essa questão e passou a ser considerado pelos

sindicalistas como defensor de uma linha direitista hegemônica.205

As eleições municipais e complementares também tiveram destaque por parte dos

informes do PC, por entender que se fazia necessário a conquista gradual da

institucionalidade burguesa. O parlamento deveria estar cada vez mais sob a direção do

campo político da UP para garantir o avanço da aplicação do programa do governo.

Também fica muito nítida a preocupação para com a estruturação partidária, ou seja,

dever-se-ia aproveitar o governo popular para enraizar o PC nos setores em que sua

participação era débil, como no caso da atuação no campo, e fortalecer por meio de células

partidárias, principalmente entre os trabalhadores das empresas nacionalizadas.

Essa preocupação era proveniente da necessidade de fortalecer a opinião do PC

entre os sustentadores e apoiadores da política da UP e, estrategicamente pensando, seriam

eles que, de acordo com a política desenvolvida para a revolução chilena pelo PC, seriam

os protagonistas de todo o processo. O PC queria se ver fortalecido e ampliando o número

dos seus militantes para, mais à frente, dar sustentação ao seu projeto de revolução.

Os documentos destacavam a necessidade de aproximação com o campo socialista,

esperando inclusive muito apoio dele para o processo chileno. Aliás, para justificar a via

chilena sem armas, era apresentado como primordial o apoio material e político dos países

socialistas, pois que se acreditava que este apoio era importante e propício à condução da

via pacífica.

Em 1972, há o reconhecimento público, frente ao resultado eleitoral de abril, de que

os partidos da UP não estavam conseguindo corrigir os desacertos do governo. Fica claro o

receio em relação à algumas posturas de vários partidos políticos, posturas denominadas

pelo PC de ultraesquerdistas, por discordarem da política posta aos trabalhadores nos

comitês e da chamada “batalha de produção”.

205CASTELLS, M., op.cit., p. 433.

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Essa crítica vai atingir seu ápice depois da aprovação do documento de Concepcíon

onde as antigas discordâncias de projeto vão tornar-se mais que públicas. Essas

discordâncias se tornarão propostas mais radicais, que o governo deveria assumir.

O episódio de Concepción estava demonstrando que o projeto, desde o início, não

era único e muito menos tinha o apoio por completo do PS. Parte da direção dos partidos

que compunham a UP criticaram a postura de dirigentes e militantes. Agora, já não se tinha

dúvidas das profundas divergências que acabaram por paralisar o governo da UP. Retomar

a direção política do governo seria uma operação muito difícil e delicada para não expor

ainda mais o governo.

Neste sentido, para o PC, a ultra-esquerda, leia-se MIR, e a direita souberam

explorar as debilidades teóricas e práticas do governo e dos partidos que o compunham.

A crise de outubro de 1972 foi um reflexo dessas questões, ou seja, da crise política

em consonância com a crise econômica e exigiu da UP um plano próprio para superar

aquele processo. Ela demonstrou um alto teor de disposição dos trabalhadores que, mesmo

sem transporte, organizaram-se para chegarem aos locais de trabalho e darem continuidade

à produção para amenizar o problema do desabastecimento. Esse fato inclusive gerou

novamente divergências entre a esquerda e internamente no PC. Para muitos, a resposta dos

trabalhadores, em 1972, já demonstrava a possibilidade de se estabelecer atuações mais

radicais e, inclusive, preparar uma resistência armada.

O PS, MIR, e o próprio MAPU já colocavam que a ditadura do proletariado e a

destruição do estado burguês estavam na ordem do dia e era preciso, de imediato, o início

das reformas socialistas. O informe político do MAPU dizia, em 1972, que o que estava

posto naquele momento era que “não avançar não significava tão só ficar onde estavam,

mas significava retroceder” e que somente avançando seria consolidada a vitória. Havia

uma pressão, inclusive dos trabalhadores a partir dos Cordões Industriais, que foi muito

atacado pelo PC, por achar que se tratava de um paralelismo sindical. Esses Cordões

tiveram uma dimensão importante na mobilização dos trabalhadores, que queriam tomar

logo a direção das fábricas.

Tanto para o PC, quanto para Allende, não cabia ao Chile, naquele momento a

radicalidade proposta por esses segmentos, chegando a dizer, em documentos de 1972, que

a tese da inevitabilidade do enfrentamento armado era reacionário. Tratar a greve geral

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como instrumento capaz de derrotar o plano golpista da direita era no mínimo

desconsiderar a política implementada pelos norte-americanos para a América Latina.

Também fica claro aqui que a retórica da possibilidade de utilizar a via armada era apenas

mais um elemento do discurso do PC, que nunca se viabilizou na prática. Também torna-se

claro o caráter pragmático e conciliador desse partido.

Em 1973, diante da crise, o PC teorizava sobre o processo de transição ao

socialismo, apresentando como uma primeira etapa já conquistada o fato de ter ganho as

eleições de 1970, e que se chegaria à conquista do poder total pela classe trabalhadora em

aliança com camponeses e com a classe média. Uma segunda etapa começaria com a

conquista do poder e duraria até a transformação do modo de produção capitalista para o

socialista.

Como em sua avaliação o governo de Allende não conseguiria cumprir (apesar de

estar em andamento) a primeira etapa do processo revolucionário, o PC via a necessidade

de, nas próximas eleições presidenciais, ganhar novamente para continuar o processo de

mudança.

Mesmo com o acirramento político, as divergências entre PC e PS tornam-se cada

vez mais públicas, assim como os embates com o MIR, com a DC e com o PN. Nos últimos

momentos do governo, toda discussão partidária vai no sentido de denunciar o campo

reacionário e o golpe que a direita queria dar. O PC ainda achava possível evitá-lo,

conversando com todos os partidos, principalmente com a DC e acreditando que as FFAA,

em seu conjunto, não iriam romper com sua “missão constitucional”. Seu traço conciliador

só iria sendo reforçado, enquanto muitos trabalhadores organizados nas fábricas pediam

logo a resistência armada, principalmente nos criticados Cordões Industriais. No último

momento, pedia reforço do movimento de massas e achava possível uma saída democrática.

As insuficiências da UP são apresentadas pelo sociólogo e dirigente comunista

Oscar Azócar206, mas, em grande parte, elas são vistas também como deficiências da

formulação do PC. Azócar inicia sua avaliação, citando a crença no fato dos cidadãos

chilenos acharem que as classes dominantes e o imperialismo não iriam recorrer à violência

para se contrapor àqueles que questionavam o seu poder. Entretanto, essa crença pertencia

206 AZÓCAR, Oscar. La transformacion del Estado. La Unidad Popular, el Estado y el Poder Popular.IN:A 30 Años de la Unidad Popular:El imperativo de la Memória.Santiago de Chile:ICAL,2000.

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principalmente a Allende e ao PC, porque os outros partidos de esquerda, incluindo o PS, já

alertavam para o perigo que se aproximava.

Assim, a substituição do Estado burguês por um novo Estado democrático não era

um problema a posteriori. Era preciso enfrentar a burguesia com um poder alternativo a

partir do qual se fazia possível a destruição deste Estado. A fonte de poder alternativo

estava na iniciativa revolucionária direta das massas.

Para o sociólogo, a UP foi vítima do mito das particularidades da situação do Chile,

atribuindo ao sistema institucional ilimitadas potencialidades e às FFAA um corpo

profissional que não estava na disputa pelo poder. Essa formulação é, então, a negação do

princípio básico da via chilena por parte do PC e do próprio Allende. Ozcar chega a dizer

que era até ingenuidade achar que o enfrentamento seria possível de se evitar por vontade,

inclusive do inimigo.

Ele reconhece que faltava uma estratégia e um método para o avanço da conquista

do poder. A instalação do governo não resolveu os obstáculos que o Estado burguês

utilizou durante o processo. A estrutura burocrática, o aparato repressivo e a legislação

vigente não foram utilizados para reprimir e combater os atos de sabotagem ao governo da

UP. Em tempo, diz-se que a verdadeira peculiaridade do processo chileno não consistia em

validar a teoria marxista do Estado, sem criar alternativa popular.

Os Comitês da UP (CUP) surgiram durante a campanha eleitoral, segundo ele, como

gérmen do poder popular. Entretanto, deixaram de existir durante o governo pela falta de

vontade dos partidos desenvolvê-los. O poder popular era pensado como a mobilização

revolucionária do povo, que era capaz de articular-se e não se restringir apenas à

participação de decisões setoriais e sim, com um sentido global vinculado aos objetivos do

processo revolucionário, ter em perspectiva o avanço do processo revolucionário. Para ele,

houve fragilidade no aspecto das lutas de massa, não houve uma concepção estruturada e

coerente dentro da UP, que tinha um papel de orientação dos organismos de base composta

pelas massas. Azócar em nenhum momento cita a organização popular realizada pelos

Cordões Industriais e que mesmo a parte da estrutura sindical da CUT, foi uma experiência

relevante.

Assim, podemos demonstrar que existiam diferentes visões do papel dos

trabalhadores no processo: de um lado o PC e Allende que achavam que a partir da

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conquista do poder executivo ganhariam outros órgãos de poder do estado, juntamente com

a mobilização das massas, o que seria suficiente para impulsionar a revolução; e uma outra

opinião, que era a da gestação de dois poderes, pela participação dos trabalhadores em

organizações de camponeses, bairros etc, e que poderia se converter em um poder

alternativo ao estado burguês.

O que esta pesquisa tentou resgatar foi a importância da discussão política do

Partido Comunista do Chile para o desenvolvimento do que seria chamado de “via

pacífica” ou de “via chilena ao socialismo”, resguardando todos os debates contidos na

nomeação do processo, que já expusemos ao longo do trabalho. A “via chilena”, sem

dúvida, foi uma construção histórica muito anterior aos anos que precedem a eleição de

1970. Ela tem, pelo menos, raízes nas discussões do Partido Comunista, a partir de 1930,

acentuando-se na década de 50 e tornando-se o centro de sua política nos anos sessenta e

setenta.

O PC foi, por defender essa opinião, o que mais desenvolveu este tema enquanto

construção de um coletivo partidário, que mesmo apegado ou orientado pelo MCI, tentou

refletir sobre uma possibilidade para a revolução chilena. Assim, mesmo preso em seus

esquemas rígidos teórico, sem considerar o fluxo e refluxo do momento pelo qual passava o

governo da UP e a dimensão que a luta de classes tomava, não podem ser, em conjunto com

os outros partidos da UP, julgados como responsáveis pelo golpe militar e muito menos

pode-se ter uma leitura de que, desde o início, o processo da “via chilena” estava

condenado ao fracasso.

De certo modo, tentou-se novas alternativas ao modelo Cubano que muitos diziam

ser, naquele momento, a saída para a América Latina romper com o imperialismo e ter a

possibilidade de se tornar socialista.

O PC, por mais erros que tenha cometido, primou pelo menos no discurso e para

corroborar com as teses da via não armada, pelo questionamento da utilização da teoria

enquanto dogma. Parece-nos claro que nosso sujeito forjou uma retórica da combinação da

via não armada com a via armada que nunca foi preparada de fato. Parecia que não estava

convencido da possibilidade dos chilenos pegarem em armas.

Analisar e entender a via pacífica sob o prisma do PC, estabelecer sua relação com

os partidos da UP e com o MCI, permitiu-nos compreender a sua essência, enquanto

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formulação, a partir da análise econômica, política e social para um projeto que não se

concretizaria. Os dos canhões do exército, que não desfizeram laços com a burguesia e com

o imperialismo norte-americano, trataram de não correr o risco de ver não só seus interesses

suprimidos, mas de uma nova forma de transição ao socialismo para A América Latina.

BIBLIOGRAFIA

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