O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO ... · Obrigada por acreditarem no meu trabalho e...
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ELISA DE CAMPOS BORGES
O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO COMUNISTA
CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM
REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo - 2005
ii
ELISA DE CAMPOS BORGES
O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO
COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO,
NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica – PUC de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em História Social, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Rago Filho.
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo - 2005
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iv
À minha mãe, poetisa, guerreira que muito me
ensinou a lutar pelos meus sonhos.
À memória do meu pai, Dirceu Borges Ramos,
militante estudantil que chorava quando nos
contava a luta contra a ditadura brasileira.
À todos aqueles que acreditaram num novo projeto
e resistiram aos canhões e porões da ditadura
chilena.
v
AGRADECIMENTOS
Ao final de cada trabalho parece que temos ainda muito mais a contribuir, a
pesquisar e a questionar. É com esse sentimento que escrevo esse agradecimento, tendo a
certeza que este trabalho terá continuidade, quem sabe, num futuro próximo.
Gostaria de agradecer inicialmente à CAPES pela bolsa concedida, pois sem ela não
seria possível a realização dessa pesquisa.
Ao Professor Dr. Antonio Rago Filho, meu orientador, por acolher uma
“estrangeira” e desde o primeiro momento incentivar e apoiar a realização deste trabalho.
Obrigada pela paciência.
À Professora Dra. Vera Lucia Vieira e à Professora Dra. Maria Aparecida de Souza
Lopes por comporem a Banca de Qualificação, oferecendo sugestões importantes a esta
pesquisa.
A minha mãe, poetisa Heloisa, que foi sempre minha maior incentivadora a
aprofundar meus estudos. Obrigada pelas correções dos meus textos que sempre chegavam
muito em cima da hora!
Aos meus irmãos Rogério e Carolina.
Aos amigos do Partido Comunista do Brasil que sempre torceram por mim, com
destaque para Ricardo Abreu, sempre a me incentivar e ajudar a concretizar a possibilidade
de me tornar mestra; ao José Reinaldo que fez contato com o PC Chileno; ao professor
Augusto Buonicori pelas sugestões.
À União da Juventude Socialista, que possibilitou minha ida à Santiago.
Ao Partido Comunista Chileno e às Juventudes Comunistas do Chile pela forma
carinhosa que me acolheram neste fantástico país, tão marcado e ferido pela ditadura militar
e ainda com um povo surpreendentemente lutador!
Meus agradecimentos especiais à Marcela Spíndola, Sergio Sepulvida, César,
Mônica, Cecília e tantos outros. Obrigada por me apresentar à obra de Vitor Jara, Violeta
Parra, as empanadas Chilenas, pelas discussões no Café Brasil, pelas ajudas nos Arquivos,
na articulação das entrevistas, nas visitas aos museus, ao Cemitério Central, parques etc.
Sem vocês, esse trabalho não seria possível e tenho muita consciência disso.
Aos dirigentes partidários Luis Corvalan e Eliana Aranivar pela entrevista.
vi
Ao Instituto de Ciências Alejandro Lipschutz, que mesmo tendo sua sede em
reforma, possibilitou a consulta de parte de seu acervo para minha pesquisa.
Às minhas amigas de apartamento, Carla, Daniela, Kathia, Fabiana, que agüentaram
por dois anos (no mínimo) a minha obsessão pelo Chile, meu mau humor, as angústias, as
alegrias e tristezas. Obrigada por acreditarem no meu trabalho e me ajudarem a nunca
desistir.
Às amigas de muito tempo Alessandra, Juliana, Luiza e Fabiana Pinto.
Agradeço sinceramente aos amigos André (que me cedeu a passagem de ida e volta
para o Chile, nunca vou me esquecer disso), Wadson, George, Julio, Fernando e Luciano,
por compreenderem o momento especial que é o de cursar um mestrado com a necessária
dedicação que ele requer, saibam que vocês também são responsáveis por esse caminhar.
A todos aqueles que de forma direta ou indireta tiveram sua contribuição neste
trabalho, às vezes sem nem saber o quanto estavam ajudando.
Àqueles que lutaram ou que ainda lutam pela construção de uma sociedade mais
justa e não poupam esforços e nem a vida na luta em defesa de um novo projeto, contra a
ditadura e à punição daqueles que tiraram e tiram a esperança de tanta gente.
vii
RESUMO
Este trabalho tem como proposta conhecer, compreender e acompanhar o esforço
para a implantação do projeto “via chilena ao socialismo”, idealizado pelo Partido
Comunista do Chile. Este projeto propunha a passagem do regime capitalista chileno para o
socialista a partir da manutenção da institucionalidade, sem insurreições ou luta armada.
Essa formulação teve uma grande repercussão no projeto político da Unidade Popular que
levou à Presidência da República Salvador Allende em 1970.
Para realizar essa pesquisa foram utilizadas como fonte uma bibliografia sobre a
Unidade Popular, sobre o nosso objeto de pesquisa, diversos documentos do PC, assim
como depoimentos pessoais que se constituem fonte oral para estudos da História.
Na introdução, realizamos uma caracterização do PC e do projeto que se desdobrará
no primeiro e segundo capítulo, assim como uma contextualização do sistema econômico e
político chileno. No Capítulo I levantamos algumas discussões realizadas sobre a via
“pacífica” ao socialismo. Também procuramos identificar o desenvolvimento político do
Partido Comunista através da sua política de alianças e seus fundamentos em diversas
eleições presidenciais.
Procuramos no Capítulo II refletir como as questões apontadas no capítulo anterior
vão influenciar na formulação da Revolução Chilena, sua repercussão entre os partidos de
esquerda e a consolidação da Unidade Popular para disputar as eleições de 1970.
No Capítulo III procuramos então, analisar a partir dos documentos partidários do
PC escrito entre 1970 e 1973, o comportamento político desse partido no cotidiano do
governo Allende.
PALAVRAS CHAVES: Partido Comunista do Chile, Socialismo, Unidade Popular, Via chilena ao Socialismo.
viii
ABSTRACT
This work have as purpose to know, to comprehend and to attend the effort for the
introduction of the project “the chilean way to socialism” idealized by the Communist Party
of Chile. This project has purposed the passage from chilean capitalist regime to socialism
based on the maintance of the establishment, without insurrections or armed conflicts. Such
formulation had a great repercussion in the political project of the Popular Unity, wich had
conducted Salvador Allende to Presidency of the Republic in 1970.
To accomplish this research it was made use of a bibliography as source about the
Popular Unity and about the subject of our research, many documents from the Communist
Party, and personal witness by the same way, which constitutes oral source for the studies
in History.
In the Introduction, we had made a characterization from the Communist Party and
from the original project of this research, that will be separated into the first and the second
chapters, such as a chilean political and economical contextualization. In Chapter I we had
upraised some arguments occurred about the “peaceful” way to socialism. We had tried
even to identify the political development of the Comunist Party along it’s policy of
alliances and it’s fundaments in several presidential elections.
In Chapter II we looked forward to reflect how the mentioned questions from the
past Chapter will influence the formulation of The Chilean Revolution, it’s repercussions
among the left-side parties and the for the Popular Unity consolidation to face the 1970´s
elections.
In Chapter III then we looked forward to analyze, from the Communist Party
documents written between 1970 and 1973, the political behavior of the Party in the
Alludes government quotidian.
KEY-WORDS: Communist Party of Chile; Socialism; Popular Unity; Chilean Way to
Socialism.
ix
SUMÁRIO
Lista de Ilustrações______________________________________________________________x
Lista de Tabelas ________________________________________________________________xi
Lista de siglas _________________________________________________________________ xii
INTRODUÇÃO________________________________________________________________16
CAPÍTULO I__________________________________________________________________27
1.1 - Algumas considerações sobre a história do Chile __________________________________27
1.2 - A fundação do Partido Comunista Chileno e suas primeiras dificuldades teóricas e
práticas________________________________________________________________________38
1.3 - O XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e a política da via pacífica.
______________________________________________________________________________54
1.4 - A repercussão do XX Congresso no Partido Comunista Chileno e a formulação teórica da
Revolução Chilena ______________________________________________________________69
CAPÍTULO II________________________________________________________________ 79
2.1 - Algumas reflexões do PC sobre a realidade Chilena para elaboração do programa de 1969
______________________________________________________________________________79
2.2 - O programa político do Partido Comunista Chileno de 1969 ________________________96
2.3 - As divergências entre PC e PS quanto ao projeto da via chilena _____________________111
2.4 - O programa da Unidade Popular _____________________________________________126
CAPÍTULO III ______________________________________________________________137
3.1 – Análise dos documentos do PC (1970-1973) – Breves Considerações _______________137
3.2 - Os documentos do PC de 1970 : Unidade, classe operária e mobilização social _______ 142
3.3 - Os documentos do PC de 1971: Mudanças econômicas, resistência, Comitês de Produção
____________________________________________________________________________ 159
3.4 - Os documentos do PC de 1972: Crise econômica, Batalha da Produção, Ultra-esquerda _ 173
3.5 - Os documentos do PC de 1973: Transição, eleições, crise e golpe militar ____________ 194
CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________________________ 213
BIBLIOGRAFIA_____________________________________________________________ 228
x
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 –Mapa do Chile _______________________________________________________xiv
xi
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – INVERSÃO E TAXA DE RETORNO DAS COMPANHIAS NORTE
AMERICANAS MULTINACIONAIS DO COBRE ANACONDA E KENNECOTT – 1945 –
1965 _________________________________________________________________________ 29
TABELA 2 – QUADRO DE VOTANTES E POPULAÇÃO CHILENA _________________ 33
TABELA 3 – QUADRO DOS RESULTADOS ELEITORAIS PARLAMENTARES
CHILENAS DURANTE O PERÍODO DE 1912 A 1969______________________________ 34
TABELA 4 – QUADRO DA EVOLUÇÃO DA SINDICALIZAÇÃO NO CHILE: 1932 – 1970
_____________________________________________________________________________ 99
TABELA 5 – RESULTADO DAS ELEIÇÕES SINDICAIS NACIONAIS DA CUT – 1972
____________________________________________________________________________ 100
TABELA 6 – PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NA ECONOMIA CHILENA ________ 103
xii
LISTA DE SIGLAS
ACHA – Ação Chilena Anticomunista
API – Ação Popular Independente
CAP - Companhia de Aço do Pacífico
CC – Comitê Central
CEN – Comitê Executivo Nacional
CORA – Corporação de Reforma Agrária
CORFO – Corporação de Fomento à Produção
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DC – Democracia Cristã
ENAP – Empresa Nacional de Eletricidade
EUA – Estados Unidos
FOCH – Federação dos Operários do Chile
FRAP – Frente de Ação Popular
FTR – Frente de Trabalhadores Revolucionários
GMC – Grande Mineração de Cobre
IANSA – Indústria Açucareira Nacional
IC – Internacional Comunista
MAPU – Movimento da Ação Popular Unificado
MIR- Movimento de Esquerda Revolucionária
PC – Partido Comunista do Chile
PCC – Partido Comunista Chinês
PCR – Partido Comunista Revolucionário
PCUS- Partido Comunista da União Soviética
PDC – Partido Democrata Cristão
PIR – Partido da Esquerda Radical
POS – Partido Operário Socialista
PR – Partido Radical
PS – Partido Socialista
xiii
PSP – Partido Socialista Popular
PSD – Partido Social Democrata
UP – Unidade Popular
URSS – União Soviética
USOPO – União Socialista Popular
VOP – Vanguarda Organizada do Povo
xiv
Fonte: http://nossochile.vilabol.uol.com.br
xv
“Meu povo tem sido o mais atraiçoado deste tempo. Dos desertos do salitre, das
minas submarinas do carvão, das alturas terríveis onde jaz o cobre e onde as mãos de meu
povo os extraem com trabalho desumano, surgiu um movimento libertador de importância
grandiosa. Esse movimento levou à presidência da República do Chile um homem
chamado Salvador Allende para que realizasse reformas e medidas de justiça inadiáveis,
para resgatar nossas riquezas nacionais das garras estrangeiras.”
Pablo Neruda, Confesso que vivi.
16
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa pretende estudar um dos acontecimentos mais intrigantes e
singulares da história política em “Nuestra América”: o projeto de tornar o Chile um país
socialista por meio da via institucional, que se concretizou em um programa político
desenvolvido por alguns partidos chilenos, cuja efetuação foi possível com a vitória de
Salvador Allende para presidente em 1970. Portanto, a discussão da via chilena ao
socialismo será apresentada a partir das discussões formuladas pelo Partido Comunista
Chileno (PC) para depois entender como essa discussão influenciou no programa da
Unidade Popular (UP) e no governo de Allende.
A via chilena ao socialismo, era a formulação de como deveria ser a Revolução
Chilena, entendendo assim, como seria a mudança do sistema capitalista para o socialista, a
ascensão do proletariado na nova sociedade que se construiria, o rompimento com as velhas
instituições, a edificação de novas forças produtivas, as novas formas de democracia, etc.
A América Latina, nos anos 60 e 70, passava por um momento de muita
efervescência política, principalmente entre os partidos de esquerda, bastante influenciados
pelo significado da Revolução Cubana e pela difusão da filosofia marxista.
Por outro lado, havia uma intencional barreira por parte dos Estados Unidos para
conter a disseminação de idéias socialistas, principalmente a da ascensão de possíveis
governos de esquerda e movimentos revolucionários.
Com todas essas peculiaridades, o Chile em 1970 elegia pela coalizão de partidos, a
Unidade Popular (UP), da qual faziam parte: o Partido Socialista (PS), o Partido Comunista
(PC), o Partido Radical (PR), o Movimento da Ação Popular Unificado (MAPU), Partido
Social Democrata (PSD), Ação Popular Independente (API). Em 1971, o Partido de
Esquerda Radical ingressou na UP permanecendo até 1972 e o Movimento de Esquerda
Cristã (IC) se incorpora à UP em 1971. Cada um desses partidos tinham uma filosofia
política e em torno dela se organizavam classes sociais, frações de classe, etc.
17
A construção da Unidade Popular e do seu projeto político foi um longo processo
histórico que envolveu diversos partidos e movimentos sociais chilenos. Foi necessária a
maturação de ideários políticos dentro principalmente do PC e do PS; a discussão de táticas
e de estratégias montadas por esses partidos, visando sua consolidação na vida política
chilena; a tentativa de se estabelecer um bloco de esquerda unificado para a disputa das
eleições chilenas e uma ação para retirar antigos setores tradicionais do comando do país,
além do debate de questões colocadas pelo movimento comunista e socialista internacional
e, ainda, todas as diversas variáveis e ramificações que a essas questões nos remetem.
A formulação da via não armada ou da “via pacífica” enfrentou muitos obstáculos,
sobretudo preconceitos por parte de diversos partidos políticos. A apresentação de uma via
alternativa à via armada, sem perder o seu caráter revolucionário e suas justificativas na
teoria marxista, foi um desafio grande, porém, defendido entusiasticamente pelo Partido
Comunista e por parte do Partido Socialista, destacando a figura de Salvador Allende.
Nesta pesquisa, procuramos remontar a discussão sobre a via pacífica, partindo do
pensamento do Partido Comunista Chileno, que apontamos como um dos principais
formuladores do projeto da via não-armada para o Chile incorporado como um dos
principais pontos no programa político da UP.
Para tanto, apresentaremos sua história, sua composição social, mas,
principalmente, o desenvolvimento de sua política para o país, utilizando resoluções
partidárias, documentos, panfletos, entrevistas e publicações, no sentido de compreender a
sua formulação e justificativa para achar possível uma via institucional para a
transformação do Chile em um país socialista por meio do sufrágio universal.
Portanto, a questão central deste trabalho é apresentar como a “revolução chilena”
foi pensada pelo Partido Comunista do Chile e como essa formulação influenciou no
programa da Unidade Popular e posteriormente no governo de Salvador Allende.
Foi com bastante surpresa que nos deparamos com justificativas baseadas nas
interpretações de leituras de Marx e Lênin e com a refutação de que o projeto não estava
relacionado com as polêmicas revisionistas. Por isso, no texto, procuramos apenas situar
algumas similaridades dessa discussão. As fontes também nos foram revelando com
bastante clareza que o PS, enquanto partido (apesar de haver discordâncias internas
18
polarizada principalmente por Allende), não acreditava na possibilidade de uma revolução
sem armas.
A “via chilena” ou via não-armada foi uma formulação que propunha a passagem do
regime capitalista chileno para o socialista a partir da manutenção da institucionalidade,
sem insurreições ou luta armada, contando com a conquista do poder executivo. Daí,
aconteceriam mudanças no sistema econômico com a nacionalização de setores da
produção principalmente daquelas ligadas a extração de minérios (cobre, ferro, salitre),
seria promovida a reforma agrária, o gasto público com saúde, habitação, educação e obras
públicas seria incrementado; o setor bancário nacionalizado e, também, haveria a
substituição do parlamento pela Assembléia do Povo como órgão nacional, ao lado do qual
seriam criadas ainda outras instâncias de participação popular. Como a mudança do sistema
capitalista para o socialista dar-se ia a partir da transformação do caráter privado da
economia e da democratização da estrutura de poder na sociedade e no estado, a “via
chilena” não previa o estabelecimento da ditadura do proletariado a priori, pois afirmava o
pluripartidarismo.
Salvador Allende expôs em entrevista à imprensa chilena o objetivo democrático,
institucional e a tentativa de unir as forças progressistas. Ele pedia a colaboração de todos
os setores que estavam decididos a conseguir a superação do atraso, da miséria e do
sofrimento dos chilenos. Reafirmava que seu governo iria se situar dentro das leis vigentes
até que se pudesse estabelecer novas leis, assegurando ao país um estado de direito.
Allende assim se pronunciou no discurso da vitória, no dia 04 de setembro de 1970,
aos partidários da Unidade Popular, na Federação de Estudantes (FECH):
A Vitória não era fácil, difícil será consolidar nosso triunfo e construir a nova
sociedade, a nova convivência social, a nova moral e a nova pátria. Mas eu sei que
vocês, que fizeram possível para que o povo seja governo, terão a responsabilidade
histórica de realizar o que o Chile deseja para converter a nossa pátria em um país
inserido no progresso, na justiça social, nos direitos de cada homem, de cada
mulher, de cada jovem da nossa terra. Não basta falar da revolução. ... Juntos com
o esforço de vocês vamos realizar as mudanças que o Chile reclama e necessita.
Vamos fazer um governo revolucionário. A revolução não implica destruir, e sim
19
construir, não implica arrasar, e sim edificar; o povo do Chile está preparado para
essa grande tarefa nesta hora transcendente de nossa vida.1
O Partido Comunista toma relevância em nossa pesquisa porque me intrigava muito
a forma como a formulação do projeto da “via pacífica” vinha sendo discutida pela
historiografia. O projeto da UP era analisado como um projeto repleto de divergências, mas
elas eram pouco explicitadas ainda no momento de formulação do projeto da UP, ou eram
utilizadas apenas para justificar os erros do governo. Pouco se falou nas diferenças internas
do Partido Socialista, e desse partido com o PC enquanto articuladores de uma nova
transição ao socialismo; pouco se falou na forma em que uma revolução sem armas fazia
parte da estruturação ideológica de um partido comunista e de outras questões que
perpassam essa discussão, sobre a maneira como foi construída a tática do PC, ponto que se
apresentava como uma de suas características fundamentais e que permitiu em
determinados momentos um caminho para alianças políticas mais amplas e, até mesmo, a
consolidação da via não armada em seu programa político.
O historiador Alberto Aggio2 enfatizava, que apesar do conservadorismo do PC em
relação à ortodoxia marxista-leninista, não se podia dizer que havia um “seguidismo
automático do PC chileno em relação aos Partido Comunista da União Soviética”, pois
desde a década de 1950, os comunistas seguiam uma lógica própria em relação à temática
de sua via nacional revolucionária, e que o XX Congresso do PCUS acabou por validar a
estratégia das “vias nacionais”.
Luis Corvalan, então presidente do Partido Comunista, dizia que os comunistas
foram os primeiros a propiciar no Chile a via chilena, não a retendo apenas na sua mera
formulação3. O autor Jorge Arrate dizia que a “força política que teve uma visão mais
próxima do que era o projeto da UP e a postura frente a esse projeto foi o PC”.4
Estas questões me instigaram ao trabalho da pesquisa: poder dialogar com o objeto
estudado e nele mesmo encontrar as pistas da discussão sobre o desenvolvimento da
1 QUIROGA,P.(orgs). Salvador Allende – Obras Escogidas 1970-1973.Santiago: crítica,1989, p.57-58. 2AGGIO, A. Democracia e Socialismo: a experiência chilena. São Paulo:Unesp,1993,p.83. 3 CORVALAN LEPEZ,L. El gobierno de Salvador Allende.Santiago de Chile:Lom,2003,p.124. 4 ARRATE, J. Protagonistas y Encrucijadas de la Unidad Popular. In: La Unidad Popular treinta años después. Santiago de Chile:Lom,2003,p.145
20
possibilidade de construção da via chilena, que foi anterior ao processo de 1970 e de sua
atuação política durante o governo Allende.
O Chile, em 1970, estava passando por um processo iniciado mais ou menos há
quinze anos, de desenvolvimento econômico tecnológico extremamente concentrador e
excludente. A economia crescia de forma desigual. Em determinados setores crescia de 4 a
5 %, já no setor moderno, o crescimento chegava a 8%. Esse processo acentuava as
diferenças regionais, interferindo na estratificação social, na composição de classe e no
aprofundamento de suas diferenças. Era possível distinguir o proletariado industrial
moderno do outro tradicional, os setores médios ligados à burocracia estatal dos ligados à
burocracia privada, sem contar com a presença de uma burguesia moderna, ligada a setores
de maior concentração e dinamismo da economia. O sistema político chileno5,
pluripartidarista e com representação proporcional desde 1925, era caracterizado pelo
presidencialismo. Na década de 60, já era possível observar a divisão dos pólos políticos: a
esquerda, onde se aliavam comunistas e socialistas; a direita que unia liberais e
conservadores; e o centro geralmente se encontrava dividido em dois pólos,
respectivamente o Partido Radical com uma trajetória anti-clero e os Democratas Cristãos.
Uma observação: nenhum desses blocos sozinhos superava um terço do eleitorado.
No Chile, a política de coalizão perpassa toda a sua história política, não só nas
disputas governamentais, mas também nos movimentos sociais. Essas coalizões se dão
principalmente em articulações polarizadas pela esquerda e com forte caráter de discutir
programa e projeto político. Podemos dar como exemplo a construção da Frente Popular
em 1936, a Aliança Democrática em 1946, a Frente do Povo em 1951, a FRAP em 1956, a
UP em 1970. Cada uma dessas coalizões tem um caráter e uma concepção de aliança que
acabaria por determinar se dela participariam os partidos do centro e da própria esquerda de
forma unificada. Para o PC, sustentar, desenvolver e vencer, a revolução deveria contar
com uma correlação de forças que fosse favorável e se basear em uma ampla política de
alianças que pudesse incluir acordos e compromissos entre os mais vastos setores
5 Segundo reflexão de Manuel Castells, no Chile, o capitalismo dependente (em relação inicialmente à Inglaterra e depois das empresas norte americana) não interferiu de forma decisiva na autonomia política do país pelo menos até 1970, já que a grande maioria da população chilena não era requisitada para obtenção dos recursos minerais. Isso segundo ele, não quer dizer que não houve constantes interferências na política chilena, para inclusive manter sua exploração no setor de minérios, mas que em relação a outros países latino americanos foi relativamente pequena a interferência.
21
partidários do “progresso social”. Essa política de coalizão seria rompida pelo golpe militar
em 1973, quando da instalação da ditadura militar.
A expressão eleitoral do PC, assim como sua inserção social, sofria influência do
desenvolvimento econômico, social e político. Nas zonas mineiras, onde as condições de
trabalho eram terríveis havia uma elevada politização dos trabalhadores e uma forte
tradição do Partido Comunista que nasceu fruto desses movimentos, principalmente nas
zonas de mineração, a sua atuação eleitoral se destacava. Isso também foi fruto da sua
proposta política que tinha uma profunda conexão com os conflitos e reivindicações de
classe produzidos nos setores de extração de minérios e na indústria.
Assim, o Partido Comunista era bastante enraizado entre os trabalhadores de regiões
mineiras e industriais. Tinha grande destaque eleitoral nas províncias de Tarapacá,
Concepción, Arauco Antofagasta e Valparaíso, tendo ainda bom aproveitamento em regiões
como Atacama, Coquimbo, Santiago e Talca. Já em regiões agrárias como Osorno,
Valdivia, Chiloé, Cutín, Colchagua, Nuble, Maule e Linhares tinha pouca inserção.
O PC como resultante da sua atuação política, da sua inserção no movimento dos
trabalhadores, da sua historicidade, do seu desenvolvimento teórico, acreditava na
possibilidade da via não-armada para se chegar ao socialismo. Assim, quatro questões
podem ser ressaltadas como de extrema importância para a formulação do PC: a primeira
está relacionada com o fato de que o movimento dos trabalhadores mais organizados e
politizados estarem agrupados em torno de dois partidos marxistas: o socialista e o
comunista e de ser orientado politicamente pela Central Única dos Trabalhadores,
diferentemente dos sindicatos de camponeses que se constituíram e foram patrocinados
durante os governos da Democracia Cristã. A segunda seria a sua possibilidade real de
aproximação com setores médios e a pequena burguesia, especialmente do setor terciário e
parte da classe média. A terceira, era o papel das Forças Armadas que tinha um histórico de
respeito à institucionalidade e a quarta, era a estabilidade política no sentido de respeito aos
resultados eleitorais. Resumidamente, essas questões seriam fundamentais para a
elaboração de um caminho em que se considerava possível a revolução para o socialismo
com pluralismo, democracia e liberdade6.
6 GARCES, J,Chile: el camino político hacia el socialismo, Barcelona:Ariel,1972,p.11
22
Dividimos nossa pesquisa em três capítulos. No primeiro, o objetivo é realizar um
resgate da história do PC chileno, sua trajetória desde a filiação à Internacional Comunista,
de como isso influenciou em sua formulação política, tanto nos caminhos articulados para o
desenvolvimento da revolução chilena, quanto nos campos teórico e prático.
Procuramos discutir o fato do Partido Comunista ser filiado à IC, e a sua
composição social bastante expressiva no âmago do proletariado chileno, e de que modo
estes aspectos ajudaram a delimitar e a forjar um pensamento comunista voltado para a
realidade chilena. Por mais que o PC procurasse implementar as políticas apresentadas pela
IC, sempre criticou algumas das orientações em sua análise, como não condizentes com a
realidade específica do país. Poderíamos citar, para exemplificar, o fato do PC, em diversas
ocasiões, procurar consolidar uma aliança ampla entre os partidos políticos, incluindo os de
centro, por entender que essa tática traduziria a composição social chilena.
Neste primeiro capítulo ainda, levantamos algumas discussões realizadas no
importante XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, e os seus
reflexos para a consolidação, no Chile, da discussão de uma saída não armada para a
Revolução, inclusive do ponto de vista da fundamentação teórica.
No segundo capítulo, procuramos refletir sobre como todas aquelas discussões
anteriores, juntamente com a análise da sociedade chilena, foram fundamentais para a
formulação do programa do PC de 1969. Esse importante documento, talvez um marco na
história política chilena, propôs concretamente os caminhos a serem percorridos pela
revolução, assim como os seus limites e possibilidades.
É um documento ousado, que transgride muitos conceitos e muitos exemplos de
revoluções. Ele percorre o limiar de um caminho eleitoral, parlamentar e, ao mesmo tempo,
que contém rupturas e se apresenta como via revolucionária.
A política de aliança eleitoral do PC para as eleições de 1970, passa a ser
intermediado pelo documento de 1969. É baseado nele que o PC negocia a sua aliança
eleitoral para as eleições de 1970. Assim, este documento torna-se também referência para
uma proposta de um governo popular.
Apresentamos, então, as diferenças entre o posicionamento do PC e do PS sobre o
processo revolucionário que deveria ser engendrado no Chile. São nítidas as diferenças de
algumas das concepções fundamentais do projeto, o que acabaria por dificultar o
23
desenvolvimento das ações do governo Allende. As diferenças começavam pela leitura da
realidade chilena, passavam pela política de alianças, e ainda, tocavam talvez no que fosse
a questão principal no projeto do PC: não se acreditava na possibilidade de uma via não
armada para a revolução no Chile. Tentamos entender como, com tantas diferenças, houve
a formulação de um programa conjunto, defendido, pelo menos inicialmente, pelo PS e pelo
PC e levado à população como um novo caminho para o país.
No terceiro capítulo, propusemo-nos a analisar, a partir de documentos partidários
do PC, escritos entre 1970 e 1973, o seu comportamento político no cotidiano do governo,
levando em conta toda sua trajetória anterior e seus desafios para se construir a “via” da
revolução chilena.
Para constituir a opinião política do PC, utilizamos como fonte bibliográfica obras
já escritas por historiadores, cientistas sociais, economistas, etc, documentos partidários que
relatavam as reuniões políticas do partido, entrevistas com o presidente do PC, o senhor
Luis Corvalan e com a deputada eleita, em 1972, Eliana Aranivar, além disso,
acrescentamos músicas, poemas de Plabo Neruda etc.
As fontes utilizadas, como bem lembra Jacques Ozouf7, são opiniões esclarecidas
que quiseram exprimir-se por escrito e de conhecimento público. A ideologia política, no
caso do PC, unificava sujeitos, grupos sociais, frações de classe em torno de uma série de
aspirações, idéias, prática política, conferindo uma identidade a este grupo. Apresentamos o
ideário político de um partido, construído a partir de seus sujeitos sociais, conferindo ao
espaço político como um lugar de conflito e de disputas pelo poder.
A história política aqui em questão, não está restrita à organização partidária ou à
instituições do estado, mas apresenta-se no seu sentido amplo, na compreensão dos
conflitos dos seus sujeitos sociais, as diferentes raízes, a relação do ser social com sua
consciência e identidade, resultando na prática política. A partir do nosso sujeito, o PC, que
ao mesmo tempo é composto por sujeitos sociais com vivências particulares e coletivas, é
que vamos analisar os escritos e discuti-los em relação à via chilena.
Assim, propomos que este trabalho seja visto como a releitura de um determinado
fato histórico, com a intenção de reconstituir a memória e opiniões de um partido que
7 OZOUF,J. A opinião pública. IN: História: Novos Objetos, Rio de Janeiro: Francisco Alves,1998,pp.186-198.
24
participou dos debates, tensões e decisões da formulação e desenvolvimento da via chilena.
Cabe grifar: esse partido se apresenta como o primeiro a levantar a possibilidade de uma
revolução sem armas no país.
Além dos documentos escritos, também utilizamos como fonte a memória oral, a
partir da metodologia da história oral. Isso foi feito para se obter, por meio de
documentação oral, pontos de vista diferentes ou recuperar questões que os documentos
escritos pudessem estar omitindo ou desprezando. Buscamos resgatar do esquecimento a
memória de duas pessoas importantes para o processo estudado: Luís Corvalan Lepez,
secretário geral do PC e Eliana Aranivar, jovem deputada do PC de então.
Os desafios não foram poucos, mas de inegável significação para a compreensão das
lutas sociais contemporâneas e o papel da esquerda nos processos revolucionários.
Trajetória da Pesquisa
A paixão pela história latino-americana foi algo despertado pelos professores da
graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Apesar das dificuldades,
principalmente o acesso às fontes de estudos em outros países, senti-me mais e mais
desafiada a estudar a experiência chilena.
Desta maneira, a aproximação do tema escolhido ocorreu em 2000, por ocasião de
uma participação em um seminário realizado na Universidade Federal de Goiás. A partir
daí, iniciou-se a trajetória de pesquisas e leituras que culminou no trabalho de monografia
para a conclusão do curso de graduação e, posteriormente, nessa dissertação de mestrado.
No final das minhas leituras ainda no ano de 2000, sentia-me intrigada pela maneira
de como alguns autores apresentavam a forma como havia sido pensada a “via pacífica”.
Mostravam-na em suas diferenças somente a partir das crises institucionais, ou seja, depois
do governo Allende já eleito; ou tratavam-na de modo a dar pouco relevo aos outros
partidos que não fosse o PS.
25
Ficava, por isso, o questionamento de como um Partido Comunista que se dizia não
revisionista, pudesse se envolver com um projeto tão inusitado e novo para o movimento
comunista, pois que negava os preceitos de um processo revolucionário de acordo com
Marx e Lênin.
Para responder a essas indagações era preciso perpassar por questões e discussões
levantadas pelos comunistas e, com surpresa, percebi estar diante de um dos principais
formuladores da possibilidade de desenvolvimento pacífico para a revolução.
Assim, com o desafio de tentar analisar a via chilena a partir do olhar do PC,
obstáculos foram surgindo. À princípio, questionamentos sobre o aspecto de que o tema já
era muito estudado, apesar de que nas pesquisas feitas o PC não recebeu relevância de
protagonista. Ainda o constante desafio de desvendar as pistas que me levariam às fontes.
Mas como o historiador tem uma ligação essencial com os arquivos, foram eles, já aqui em
São Paulo, que me fizeram aproximar dos primeiros documentos. E, então, quanto mais me
debruçava sobre eles, maior a certeza da riqueza deste tema e da necessidade de ir ao Chile
para uma visita investigativa.
Em oportunidade única, consegui chegar ao destino do meu objeto. Pude ir aos
Arquivos da Biblioteca Nacional, da Fundação Salvador Allende, às casas de Pablo Neruda,
ao palácio La Moneda, mas não consultei todo o arquivo do PC, porque estava fechado em
decorrência de reformas na sede do Instituto de Ciências Alejandro Lipschutz. Mesmo
assim, alguns comunistas responsáveis pelo acervo puderam me emprestar alguns
documentos para fotocopiá-los. Entretanto, muitos dos Boletins, Atas, documentos em
geral foram destruídos pela ditadura militar de Pinochet.
Ainda em Santiago, pude conversar e entrevistar Luís Corvalan Lepez, secretário
geral do PC no período estudado e Eliana Aranivar, jovem deputada eleita pelo PC, no
governo Allende.
Tive contato com livros, pesquisas, músicas, com a realidade da esquerda chilena
(muito diferente da brasileira), que muito me ajudaram a pensar sobre a peculiaridade dos
processos políticos latino-americanos.
Nos materiais trazidos estão discos, livros de historiadores e sociólogos chilenos e
sobretudo, documentos do PC. Por meio deles, inteirei-me das discussões apresentadas na
revista La Izquierda Chilena (cerca de seis volumes) e em parte dos Boletins Informativos,
26
datados de 1969 a 1973, cujo volume com o registro das discussões corresponde ao ano de
1972, ano em que as articulações da direita para derrubar o governo ganharam grandes
proporções.
Essas fontes foram me revelando um lado formulador e conciliador do partido
enquanto sujeito histórico ainda pouco explorado no Brasil, e que daí em diante tornou-se
para mim um desafio.
Essa pesquisa também se dá num momento importante para história chilena, já que
o governo dá mostras de que quer apurar as atrocidades cometidas durante o regime militar.
Segundo o presidente Ricardo Lagos, pedir desculpas em nome do Estado às pessoas
torturadas e aos familiares daquelas que morreram é pouco. O principal para ele é certificar
de que esse tipo de coisa nunca mais aconteça no Chile. Uma longa batalha judicial para
identificação das vítimas, dos métodos de tortura, assim como a punição dos culpados
(incluindo Pinochet) e indenizações daqueles que sofreram com a ditadura, está ocorrendo
no país.
27
CAPÍTULO I – O PROJETO DA VIA CHILENA DO PARTIDO COMUNISTA
CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM
REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”
1.1 – Algumas considerações sobre a história chilena
O Chile teve proclamada sua independência em 18 de setembro de 1810. Apesar de
proclamada, os espanhóis contra-atacaram e enviaram tropas para tentar recuperar o
território chileno. Após inúmeros combates, em 1814, os espanhóis acabaram vitoriosos e,
por isso contaram com a ajuda de setores conservadores das elites e também de alguns
grupos indígenas. Somente em 1817, houve uma contra ofensiva que terminou em 1818,
expulsando definitivamente os espanhóis. O Chile passou, então, pelo que o sociólogo Emir
Sader8, chama de período de anarquia, até a construção do aparelho de Estado nacional e do
sistema político do país.
Neste período, chamava-se de república conservadora, período que se estendeu de
1830 a 1860 e foi gestada pelo ministro Diego Portales. O direito de voto era limitado aos
proprietários de terras e a economia caracterizada como agrária de exportação. Sader ainda
afirma, que os objetivos dos governos conservadores no Chile, foi o de “pacificar” o país e
ainda desenvolve-lo a partir da atração de capital estrangeiro.
Os recursos minerais sempre tiveram papel importante na economia chilena, seja na
conquista e colônia com o ouro e a prata, seja nos séculos XVIII e XIX com o cobre. A
produção e exportação desses minérios e principalmente de salitre, modificou o caráter da
economia chilena.
Segundo Patrício Meller9, a história econômica do Chile sempre foi marcada pela
exportação de matéria prima sob controle estrangeiro. Entre 1880 e 1930, as exportações de
salitre eram a principal fonte econômica do país e estava dominada pelo capital britânico.
8 SADER, E.Chile (1818-1990) Da independência à redemocratização. São Paulo:Brasiliense,1991,p.15 9 MELLER, P. Um siglo de economia política chilena – 1890-1990.Santiago de Chile:Andrés Bello,1998,p.21
28
Entre 1940 e 1971, o cobre era o principal produto de exportação e as principais minas
eram de propriedade norte-americana.
O ciclo do salitre no Chile durou de 1880 e 1930, tendo suas grandes reservas nas
províncias de Tarapacá e Antofagasta, que só foram pertencer ao Chile após a Guerra do
Pacífico (1879-1884). A exploração, em grande escala, estava sob controle majoritário dos
britânicos.
O fácil acesso ao mar possibilitou ao Chile tornar-se o maior produtor também de
nitrato, já que sua grande concentração estava ao norte. Entretanto, o salitre sem dúvida
alguma era o principal produto exportado, sendo em 1890 o responsável, sozinho, pela
metade das exportações chilenas até a primeira Guerra Mundial.
O governo chileno passou a participar da produção salitreira, por meio da tributação
das exportações, o que possibilitou o gasto público com obras de infraestrutura e
educação10.
Foi justamente no período de Guerra Mundial e com a Grande Depressão que as
exportações caíram substancialmente. A crise afetou a economia chilena, totalmente
dependente não só do mercado externo, mas de todo o processo da produção, desde técnicas
específicas como conhecimentos bancários e de comercialização, questões operacionais e
administrativas etc, dominados por empresários estrangeiros.
Para o autor Patrício Meller, parece estar claro que para o governo chileno, a
principal política do governo em relação ao setor de salitre foi o de extrair o excedente
através da tributação. O auge das exportações possibilitou um grande impulso ao setor
externo, transformando as estruturas fundamentais da economia inclusive no setor de bens
de consumo, mas esse desenvolvimento dependia de mercado e tecnologia estrangeira.
O cobre passa a ser explorado em grande escala, tornando-se um dos principais
produtos de exportação, a partir de 1920 a 1971. A produção vinha de inúmeras minas
pequenas, com baixa tecnologia e grande exploração do trabalho humano. As empresas
norte americanas iniciaram sua exploração, a partir de 1904, na maior mina subterrânea do
mundo, El Teniente e na maior mina a “céu aberto” do mundo, Chuquicamata. As empresas
10 Para se ter uma idéia, o número de estudantes da escola básica aumentou de 18.000 para 157.000; as ferrovias públicas passaram de 1.106km em 1890 para 4.579 km em 1920, diminuindo o percentual em relação às ferrovias sob controle estrangeiro: em 1890 chegava a 60% e em 1920 a 44%. Para mais informações ver MELLER, 1998.
29
estrangeiras detinham tecnologia moderna para a exploração do cobre, e, além disso, capital
suficiente para esperar a lucratividade da exploração, pois esta não vinha de imediato. Para
se ter uma idéia do retorno obtido pelas principais companhias norte americanas na
exploração do cobre, a Anaconda e a Kennecott, apresentamos o quadro abaixo com uma
comparação entre o retorno para o Chile e para o resto do mundo. Não foi por acaso que
durante o governo Allende, essas duas empresas patrocinaram os boicotes ao governo
socialista.
TABELA 1 : Inversão e taxa de retorno das Companhias norte americanas multinacionais
de cobre – Anaconda e Kennecott, 1945-1965
Retorno sobre ativos (media anual %) Inversão (total do período US$ milhões)
Chile Resto do mundo Chile Total Mundial
1945-50 - - 35 195
1950-55 19,0 9,0 115 344
1955-60 25,9 9,5 168 519
1960-65 14,8 4,8 82 422
Fonte: Meller, p.39
Foi apenas em 1960, portanto quase quarenta anos após o início do chamado “ciclo
do cobre”, que o governo chileno começou a utilizar mecanismos para incrementar sua
participação na produção do cobre. Aumentaram os impostos à produção da Grande
Mineração de Cobre (GMC), o que possibilitou na captação de 61% das utilidades brutas
das exportações, aumentando inclusive as negociações entre governo e firmas norte-
americanas.
A tributação continuou sendo o principal mecanismo de participação do governo na
produção do cobre realizado pelas empresas estrangeiras, o que tornava cada vez mais
frágil a economia chilena. Toda técnica de produção era praticamente desconhecida pelos
chilenos. Mesmo com a criação em 1955 do departamento do cobre, que buscava fiscalizar
as operações das firmas norte-americanas da GMC, o que acabou gerando um corpo de
30
profissionais chilenos como engenheiros, economistas, advogados, contadores, etc, que
analisavam as informações econômicas, mas tinham pouco acesso às informações vitais da
produção.
A crise ocorrida durante as guerras mundiais e a grande depressão ajudou a
demonstrar como a economia chilena era vulnerável, e seu conjunto de implicações, era
determinada pela conveniência da economia norte americana. Entretanto, os reflexos da
crise no Chile, ajudaram o desenvolvimento interno, ou seja, a industrialização interna
passou a ser o principal fator para o desenvolvimento da economia nacional, baseada no
crescimento e na substituição de importação. A indústria manufatureira teve grande
destaque, chegando ao índice de 24% na participação econômica, em 1970. Essa estratégia
de substituição de importação como instrumento de desenvolvimento nacional foi muito
criticada nos anos sessenta porque não estava se apresentando como alternativa à
dependência da economia em relação ao setor externo.
Anterior ao ciclo do salitre, o regime econômico era uma mescla de oligarquia
latifundiária e mercantilista. A oligarquia agrária controlava o governo e a maior parte da
população vivia em áreas rurais. Durante a expansão do salitre, a influência econômica da
agricultura começou a diminuir e os impostos das exportações de salitre aumentaram a
capacidade e tamanho organizativo do Estado.
Em 1883, criou-se a Sociedade de Fomento Fabril (SOFOFA), que utilizou desde o
princípio sua influência política para proteger indústrias nacionais incipientes. Alguns dos
novos empresários eram estrangeiros (imigrantes) vinculados a bancos estrangeiros. Mas a
maior parte eram capitalistas nacionais cuja riqueza vinha do minério ou da agricultura e
mantinham laços estreitos com a oligarquia agrária. O Estado, para Meller11, durante o
melhor período de produção salitreira, agiu como intermediário entre estrangeiros e a
sociedade chilena, se utilizando para captar excedentes das exportações e ainda gerar
empregos executivos para classe média.
Apenas em 1939, o governo apresentou a proposta de criar a Corporação de
Fomento da Produção (CORFO) que foi a primeira instituição pública no país que contava
com recursos para financiar atividades de inversão. Os empresários industriais estavam de
acordo com o papel mais ativo que o Estado estava tomando em relação a proteção da
11 MELLER, op.cit.,p.56
31
produção nacional e estavam de acordo com a maturação de um programa nacional de
desenvolvimento. Entretanto, eram contra a criação de empresas estatais. As oligarquias
apoiaram a criação da CORFO, mas sob a promessa de que o governo não pressionaria a
criação de sindicatos na agricultura.
A CORFO foi tornando assim, o principal instrumento para promover o crescimento
através de políticas de desenvolvimento. Foram criadas as principais empresas estatais,
como a ENDESA (Empresa Nacional de Eletricidade - 1944), CAP (Companhia de Aço do
Pacífico – 1946), ENAP (Empresa Nacional de Petróleo – 1950), IANSA (Indústria
Açucareira Nacional – 1952) e durante o período de 1939 a 1973 dominou a vida
econômica chilena através da inversão direta em suas empresas estatais. Segundo dados
apresentados por Meller, a CORFO entre 1939 e 1954 controlava 30% da inversão total em
bens de capital, mais de 25% da inversão pública e 18% da inversão bruta total.12
Assim, aos poucos, durante os anos de 1940 a 1970, o Estado chileno adquiriu um
caráter de impulsor do crescimento econômico, aplicando reformas sociais de caráter
diverso, deixando nítido algumas das grandes contradições do processo de desenvolvimento
chileno, ou seja, uma grande e rápida evolução política e um lento desenvolvimento
econômico que refletiria na melhoria das condições de vida de grande parte da população
chilena.
Sintetizando, Meller13 define a trajetória do Estado chileno durante os anos de 1940-
1970 inicialmente, como “um Estado – promotor, que proporcionava o crédito para a
inversão industrial privada; logo Estado-empresário, através das empresas estatais; e
finalmente Estado-programador, que definia o horizonte de largo prazo do padrão chileno
de desenvolvimento e especificava aonde devia ir a inversão futura, fosse pública ou
privada, utilizando incentivos especiais de crédito impostos e subsídios”.
Durante a maior parte do séc. XIX, a economia chilena é fundamentalmente
agrícola. Até 1930, a população rural é superior que a urbana. Na agricultura predomina o
latifúndio que estabelece relações sociais de forma semi-medieval: existe o senhor-patrão
dono da terra, latifundiário e os inquilinos ou campesinos que produzem as terras do patrão.
Estão isolados da vida urbana, cultural, educacional e política e ainda possuem um nível de
12 MELLER, op.cit.,p.59 13 Ibid.,p.59
32
vida bastante precário. A estrutura social do Chile se estabeleceu sobre bases agrárias. A
vida no campo era difícil e organizada para manter o poder dos latifundiários, não tendo os
trabalhadores direitos, mas apenas deveres.
O latifúndio dificultava o desenvolvimento econômico, social e político do Chile.
No econômico, utilizava-se tecnologia primitiva para a exploração da terra. Devido aos
baixos salários não havia incentivos para a introdução da tecnologia moderna; no social, era
um regime semipatriarcal e no político, uma reduzida oligarquia latifundista controlava a
grande massa dos campesinos. Menos de 10% dos proprietários eram donos de 90% da
terra.
Segundo Patrício Meller, a questão agrária na metade do século XX podia se
resumir da seguinte forma: das 400.000 famílias campesinas, 5% eram donas dos grandes
latifúndios; 3% era minifundista; 30% era proprietária de fundos de tamanho mediano e
35% não tinham terras.
O setor agrícola, o que menos crescia no Chile, apresentava uma taxa decrescente de
geração de emprego, com a produtividade em baixa, sendo necessário importar produtos
agrícolas.
Os trabalhadores urbanos também possuíam sérios problemas, pelo crescimento
acelerado das populações urbanas, gerando problemas habitacionais. Em 1910, 25% da
população (cerca de 100 mil pessoas) viviam em cortiços. A taxa de mortalidade infantil
chegava a 30%. Até 1920, as condições de trabalho eram precárias: não havia convênios
coletivos, todos os acordos eram individuais e verbais; não existia indenização por
acidentes, nem normas de higiene e segurança nas minas e nas fábricas, não havia jornada
máxima de trabalho regulamentado, não era obrigado ter o descanso aos domingos, e o
trabalho infantil representava 8,5% do emprego total em 1908.
As primeiras greves surgem depois de 1880. Mais tarde, a questão social se
transforma na bandeira de luta dos partidos de esquerda, não aceitando uma legislação
reformista como solução definitiva. Alguns acreditavam que a industrialização por si só
levaria o Chile ao desenvolvimento. De 1830 a 1920, prevalece no Chile o domínio de um
grupo ligado a terra, conservadora e católica.
A direita defendia o estabelecimento do que chamavam de voto plural, onde
algumas pessoas que tinham determinadas condições sociais deveriam ter direito a mais de
33
um voto; defendiam a propriedade privada sem limitações; a intervenção do estado na
economia seria admitido apenas para defender a propriedade privada; e ainda achavam que
a pobreza era algo inevitável e até natural.
A partir de 1920, com o investimento do Estado oriundo das taxas de exportação do
setor de minérios, a classe média vai obtendo maior espaço na vida política do país. Neste
mesmo ano, começa a gerar um desequilíbrio crescente entre a incorporação de grupos
sociais ao processo político e o lento melhoramento econômico de parcela da população.
Há um aumento significativo no número de votantes nas eleições, fruto do lento processo
de urbanização e da maior pressão exercida por grupos sociais menos privilegiados.
Considerando a população em idade para votar, o percentual de votantes era igual ou
inferior aos 9%. O aumento do poder político do centro traz um aumento representativo no
número de votantes atingindo14 15%, principalmente com sua vitória eleitoral em 1938, do
centro e com o reconhecimento do voto feminino em 1947, os chilenos se sentem
estimulados a irem às urnas votarem, diminuindo o poder político da direita, ou daqueles
latifundiários que costumavam fazer alianças entre si e ainda utilizar atributos familiares
para escolherem ministros, parlamentares, etc. É neste contexto que se associa o
desenvolvimento econômico com a expansão dos partidos do centro e da esquerda.
TABELA 2: Quadro de votantes e população chilena (mil pessoas)
Participação relativa de votantes em Pop. total Pop. em idade de votar Votantes Pop. total Pop. em idade de votar
(1) (2) (3) (%) (%)
(4)=(3)/(1) (5)=(3)/(2)
1870 1.943 919 31 1,6 3,3
1876 2.116 1.026 80 3,8 7,8
1885 2.507 1.180 79 3,1 6,7
1894 2.676 1.304 114 4.3 8,7
1915 3.530 1.738 150 4,2 8,6
1920 3.730 1.839 167 4,5 9,1
1932 4.425 2.287 343 7,8 15,0
14 MELLER, op.cit.p,101.
34
1942 5.219 2.666 465 8,9 17,4
1952 5.933 3.278 954 16,1 29,1
1958 7.851 3.654 1.236 15,7 33,8
1964 8.387 4.088 2.512 30,0 61,4
1970 9.504 5.202 2.923 30,8 56,2
1989 12.961 8.240 7.142 55,1 86,7
Fonte: Meller,p.102.
TABELA 3: Quadro dos resultados eleitorais parlamentares chilenas durante o período de
1912 a 1969 (em percentuais)
Direita Centro Esquerda
1912 75,6 16,6 0,0
1918 65,7 24,7 0,3
1921 54,6 30,4 1,4
1925 52,2 21,4 0,0
1932 32,7 18,2 5,7
1937 42,0 28,1 15,3
1941 31,2 32,1 28,5
1945 43,7 27,9 23,0
1949 42,0 46,7 9,4
1953 25,3 43,0 14,2
1957 33,0 44,3 10,7
1961 30,4 43,7 22,1
1965 12,5 49,0 29,4
1969 20,0 36,3 34,6
Fonte: Meller,p.102
Assim, ainda segundo análise de Meller, a expansão dos partidos do centro e de
esquerda estão relacionadas com a forma de desenvolvimento e com o papel protagonista
35
que o Estado foi adquirindo, principalmente quando nota-se que o setor público vinculado
ao Estado constitui base importante de apoio para o centro, enquanto os trabalhadores
mineiros se tornam base de apoio da esquerda, e os latifundiários para a direita.
A concentração econômica e de propriedade no Chile continuava atingindo índices
altíssimo. Em 1965, 2% das propriedades englobavam 55,4% da superfície. No setor
mineiro, o controle estava sob direção de três companhias estrangeiras que dominavam a
produção do cobre. Em 1963, 3% dos estabelecimentos industriais controlavam 51% do
valor agregado, 44% da ocupação e 58% do capital de todo o setor. Das 271 sociedades
anônimas os dez maiores acionistas controlavam pelo menos 50% da propriedade e em 230
delas. No setor de comercialização atacadista12 firmas distribuidoras controlavam 44% das
vendas em 196715.
Como resultado das características econômicas chilenas, estava a concentração da
renda: em 1970, 25% da população encontrava-se em condições de extrema pobreza, sendo
que dois terços viviam em área urbana. Segundo Bitar, os 10% mais pobres da população
recebedora de renda receberam em 1967 1,5% da renda total, enquanto que os 10% mais
ricos obtiveram 40,2%.16 Assim, conclui Bitar, a distribuição desigual da renda reforçava o
círculo automantido: concentração econômica, concentração da propriedade e concentração
de renda.
Ele destaca ainda que inclusive a industrialização chilena foi moldada pelo padrão
de industrialização dos Estados Unidos, com a expansão acelerada das grandes corporações
transnacionais do setor industrial. O predomínio tecnológico e financeiro das empresas
internacionais possibilitou a imposição de formas de produção e de consumo, o que
significava que o setor industrial não era um componente com dinâmica própria, mas um
apêndice do sistema internacional. Esta característica resultou na elaboração e produção de
produtos de consumo duráveis destinados aos grupos de maiores renda, inserindo assim,
apenas uma parte pequena da população ao consumo médio de países desenvolvidos.
Passando rapidamente por dois governos anteriores ao de Allende, podemos
destacar a vitória de Jorge Alessandri (1958-1964) com apoio da direita, e com um
programa que dava prioridade ao controle da inflação e para o crescimento econômico
15 BITAR, S.Transição, Socialismo e Democracia. Chile com Allende.São Paulo: Paz e Terra,1989, p.34 16 Ibid.,p.35.
36
como forma de erradicar a pobreza. O governo de Eduardo Frei (1964-1970), democrata
cristão, foi eleito com um programa que propunha reformas estruturais básicas, como a
reforma agrária e a participação chilena na propriedade da GMC. A proposta era crescer
para redistribuir. Foi em seu governo que houve a compra de 51% das minas de El Teniente
e Chuquicamata, iniciando o processo que foi chamado pelo governo de “chilenização” da
GMC. Esse fato gerou muitos protestos por parte da esquerda, já que entendiam que o Chile
não deveria comprar as minas, mas sim tomar posse das riquezas do país, já que durante
muitos anos tais empresas tiveram lucros muito altos, o que já compensaria a destituição
dos territórios no momento. Frei também inicia o processo de reforma agrária, prometendo
a industrialização da produção no campo e promove a sindicalização dos camponeses.
Nesta perspectiva de aprofundamento das contradições entre as classes sociais, da
organização dos trabalhadores, fortalecimento dos partidos de esquerda e da expansão das
atividades econômicas do estado, com o aumento da intervenção estatal, mas ao mesmo
tempo com uma dependência alarmante em relação aos norte-americanos, houve a tentativa
de se formar a Unidade Popular em 1970, precedida por três alianças políticas importantes:
a Frente Popular em 1938, com a coalizão entre os Partidos Radical, Comunista e
Socialista, atingindo a vitória eleitoral, mas fracassando em seu projeto; a Frente do Povo,
em 1952, que agrupou o PC parte do PS e o Partido Democrático, que lançaram pela
primeira vez a candidatura de Allende; e a Frente de Ação Popular (FRAP), criada em 1956
no qual faziam parte os partidos socialista e comunista, lançando Allende também em 1958
e 1964. Diferenças à parte de cada uma dessas coalizões, o importante é observar como o
desenvolvimento econômico, político e social foi gerando características e dinâmicas
importantes que iriam, aos poucos, desenvolvendo a possibilidade de se pensar um outro
projeto, que pudesse romper com as características desenvolvidas historicamente, algo
alternativo ao que as elites apresentavam ao Chile.
A avaliação principal que os partidos que se aglomeraram em torno da UP faziam
era de que a concentração econômica, da propriedade e a penetração estrangeira, deixavam
o poder em mãos de poucos, principalmente dos centros estratégicos de decisão. A relação
entre poder econômico e poder político dava origem a um núcleo que reproduzia a situação
atual do país. O predomínio tecnológico e financeiro das empresas internacionais deram a
elas o poder para impor formas de produção e de consumo. Era preciso romper com essa
37
lógica e, para isso, segundo o PC, somente um novo sistema econômico e político: o
socialismo.
38
1.2 - A fundação do Partido Comunista Chileno e suas primeiras dificuldades teóricas
e práticas
Neste capítulo, pretendemos abordar a questão do ideário político do Partido
Comunista Chileno, especificamente como foi formulado e pensado o projeto da via chilena
ao socialismo, e de que maneira se tornou um projeto da Unidade Popular, levada com
muita convicção pelo Partido Comunista e também por Salvador Allende durante seu
governo em 1970.
O local e as forças sociais que participam desse partido desde a sua criação vão
estabelecer ou pelo menos delinear seu ideário político, tornando-se, por isso muito
importante analisar as condições, desde o surgimento do Partido dos Operários, que
posteriormente, se transformaria no Partido Comunista. É a partir daí, efetivamente, que os
ideais desse partido vão começar a se traduzir em ação concreta e com um objetivo maior
do que apenas melhorar as condições de vida dos trabalhadores.
O Chile, pelo menos de 1891 aos anos seguintes da Primeira Guerra Mundial, é
marcado por uma economia oligárquica e mono exportadora, sustentada principalmente
pela exportação do salitre. Sua estrutura social era extremamente polarizada e
hegemonizada por uma forte oligarquia e excludente dos setores médios e baixos. O Chile
era “civilizado para consumir e primitivo para produzir”.17
Este modelo econômico no qual o Chile estava inserido, entrou em crise na Primeira
Guerra Mundial, o que proporcionou um contexto de mudanças na realidade política e
econômica. Na política, houve a emergência de novos sujeitos sociais como a classe média
e trabalhadora, o fim do regime parlamentar e das formas tradicionais das oligarquias. Na
economia, principalmente depois da crise de 29, o Chile passou a desenvolver-se “para
dentro”, empenhado em um projeto de industrialização, de substituição de importação e da
implementação de um capitalismo regulado que previa a intervenção do Estado. No social,
a classe alta foi se modernizando, os setores médios e os trabalhadores passaram a se
organizarem melhor, o que fortaleceu sua capacidade de negociação dentro do sistema. No
plano internacional, se configurava sua dependência em relação aos Estados Unidos.
17 PINTO, A. Et al. Chile Hoy. México: Siglo XXI,1970,p.17
39
A população rural chilena passa a migrar para as cidades e o fenômeno de
urbanização e industrialização se acentua. Muitos homens e mulheres abandonam o campo
e se desligam do regime agrário em busca de melhores expectativas e salários. As grandes
cidades e centros urbanos aumentam a sua população. Com isso, o proletariado também
cresce, como resultado da intensificação do comércio, do estabelecimento de novas
indústrias e do desenvolvimento existente. Esse aumento da classe trabalhadora significa a
diminuição dos camponeses e o crescimento da classe média18.
Nesta época, no início do século XX, como no Chile não existia uma legislação
nacional sobre o trabalho, os empregados se sujeitavam aos abusos e à exploração da sua
força de trabalho. Foi, então, que eles sentiram a necessidade de se organizarem para
expressar suas opiniões, para lutarem contra as péssimas condições de trabalho, contra os
baixos salários, em defesa da criação de uma legislação que favorecesse o trabalhador
dentre outras reivindicações.
Essas organizações de trabalhadores e os novos partidos políticos tornaram-se
referência desta época, como por exemplo, a “Federação Operária de Chile”, FOCH,
fundada em 1919 e que, em 1922, registrava cem mil filiados.
Nesse período, pode-se apontar como características da estrutura social chilena: o
deslocamento demográfico da população para as províncias centrais; aumento da
imigração, sobretudo, latino-americano; a polarização das classes sociais; a debilidade do
poder executivo; a penetração do capital inglês e norte-americano na exploração mineira; a
decadência da produção agropecuária e déficit alimentício; a organização do movimento de
trabalhadores, etc.
A nova dinâmica na economia chilena causou reflexos profundos em todos os
aspectos da sociedade, inclusive o ideológico. Com isso, os trabalhadores passaram cada
vez mais a se organizarem em sindicatos e partidos para lutarem por melhorias nas
condições de trabalho e de vida. Foi um período de intensas greves, rebeliões e como
resposta, o uso da violência por parte dos patrões e dos governos ligados às oligarquias.
Não havia leis que dessem garantias aos trabalhadores.
Em 1907 existiam relatos de episódios de violência, profundamente brutais, em
decorrência de manifestações dos trabalhadores ligados à produção do salitre:
18 CASTELLS, M. La lucha de clases em Chile.Argentina: Siglo XXI,1974, p.10 et seq.
40
Uma manhã, de imediato, 20.000 grevistas das oficinas de salitre do árido pampa
desceram pelas dunas amareladas até Iquique e tomaram a cidade. Não havia
tropas disponíveis para fazer frente à situação. Os cidadãos estavam condenados a
serem assassinados e se ia incendiar a cidade de forma simultânea, em vários
lugares diferentes. Neste momento foram enviados mais tropas por um barco
Iquique, mandadas por um oficial de grande decisão. Os militares anunciaram que
abririam fogo as 4 horas se não se dispersassem. Deram mais cinco minutos para
retirarem-se e logo começou o zumbido da metralhadora. Em poucos momentos se
amontoaram mortos e feridos. Houve 200 mortos e 300 feridos e o resto escapou
através das dunas.19
É neste contexto de lutas sociais e mudanças nas características econômicas do
Chile que, no mês de junho de 1912, em um lugar conhecido como “El Despertar de los
Trabajadores” (que era o local onde funcionava um periódico homônimo) reúnem-se mais
ou menos trinta pessoas encabeçadas pelo líder Luis Emilio Recabarren Serrano20, para
fundar um partido político da classe trabalhadora, denominado Partido Operário
Socialista.21.
Neste mesmo ano, é publicado o primeiro programa e estatuto desse Partido22 que
explicitava seu objetivo:
O Partido Operário Socialista expõe que o fim de suas aspirações é a emancipação
total da humanidade, abolindo as diferenças de classes e convertendo a todos em
19 GODOY, H. Estructura social de Chile.Santiago de Chile:Universitária,1971,p.260. 20 Luis Emilio Recabarren Serrano era tipógrafo e em 1894 ingressa no Partido Democrata, única organização política popular na época. Em 1906 é eleito deputado por Antofagasta, é perseguido politicamente por ser dirigente do sindicato Macomunal de Tocopilla e por escrever no periódico “La Democracia”. Vai para Argentina e tem contato com o Partido Socialista da Argentina e com o movimento sindical. 21 Segundo o autor Ivan Ljubetic Vargas, o Chile no seu processo de Independência, em 1810-1818, rompeu com a dependência do sistema colonial espanhol. A partir daí, houve uma intensa organização e mudança no sistema econômico e social. Aumenta-se a produção para melhorar a exportação com a Europa e os trabalhadores, agora livres vão se constituindo enquanto uma nova classe social. Em 1850, são mais ou menos trinta mil trabalhadores no Chile. Em 1900, o Chile tinha uma população por volta de 3 milhões de habitantes dos quais duzentos e cinqüenta mil eram trabalhadores. Segundo o autor, essas condições fazem com que, já em 1900, crie-se a primeira organização sindical: A Mancomunal de Operários do Chile. 22 VARGAS, I. Breve História Del Partido Comunista de Chile,p.12
41
uma só classe de trabalhadores, donos do fruto do seu trabalho, livres, iguais,
honrados e inteligentes, e a implantação de um regime em que a produção seja um
fator comum e comum também ao prazer de seus produtos.23
Assim, a dura exploração do proletariado mineiro, que segundo Castells24, estavam
geograficamente e socialmente concentrados e foram influenciados por correntes
ideológicas revolucionárias, tiveram papel decisivo para a formação do POS e
posteriormente do PC. Esse proletariado, em seus diversos setores (minas de ferro, carbono,
prata etc) em algumas regiões do país desenvolveu uma classe trabalhadora diferenciada e
combativa. Esse movimento se estabeleceu desde o primeiro momento dentro de uma
acirrada luta de classe e com uma forte luta ideológica entre as diversas tendências
comunistas, socialistas, anarquistas trotskistas, etc. Esses trabalhadores fizeram numerosas
greves e foram objeto de muitas repressões por parte do estado, sob o controle da
oligarquia até 1920.
Em março de 1919, é fundada a III Internacional Comunista25 (IC). Em janeiro de
1922 o POS aceita as condições para participar da IC e modifica seu nome para Partido
Comunista de Chile26, já que desde a revolução soviética já se mostrava simpatizante
23 VARGAS.,op.cit.,p12. 24 CASTELS, M., op.cit,p.129. 25 A III Internacional Comunista foi criada por iniciativa de Lênin, inspirada na práxis de Marx e Engels e na necessidade de assegurar e ampliar a Revolução Russa. Ela continuou a projeto da Liga dos Comunistas, em especial, e da I Internacional que era chamada de Associação Internacional de trabalhadores durante o período de 1864 a 1872 e foi encabeçada principalmente por Marx. A II Internacional que funcionou durante 1889 a 1914 mas, com a participação de Engels até 1895 o de sua morte, tentou continuar o trabalho de dar coesão aos proletários e ampliar a propaganda do marxismo. Sua ruína esteve ligada aos esforços de guerra dos diversos países no sentido de colaborarem com a burguesia para recuperação do capitalismo e pela degeneração da maioria dos partidos participantes. A III Internacional Comunista criada em 1919 a 1943, tinha como objetivo principal intensificar a expressão da crescente internacionalização da luta de classe do proletariado nas condições da crise do capitalismo e da divisão do mundo em dois sistemas – o socialista e o capitalista e no seu enfrentamento. Como nosso objetivo não é entrar na discussão das Internacionais Comunistas, mas apenas apresentar algumas discussões que tiveram influência nos debates do Partido Comunista Chileno. 26 Apesar do Partido Comunista ter sido fundado em 1922 para todo movimento comunista internacional, porque é nesta data que ele entra na III IC e modifica o seu nome para Partido Comunista, na Conferência Nacional de junho de 1990 em Santiago, tomou-se a decisão de mudar a data de fundação do PC para a data de criação do POS em 4 de junho de 1912. A justificativa é de que mesmo mudando o nome, os militantes, os dirigentes, programa, estatuto e estrutura continuavam sendo a mesma. Por isso aqui neste trabalho, vamos nos referir aos congressos do PC pelas datas em que eles aconteceram e não pelos números porque ainda há diferença quanto a compreensão dos números dos Congressos, alguns autores tratam a fundação em 1922 e outros em 1912.
42
daquele país. A entrada do PC Chileno na internacional comunista provoca uma série de
mudanças na sua forma de organização, assumindo uma estrutura centralizada e
hierarquizada e também na sua condução política, que passa a ser orientada de acordo com
as discussões internacionais. Como coloca Aldo Agosti27, cada partido era produto único de
um encontro dos dois contextos: o movimento comunista internacional e o sistema político
nacional. O problema é que isso pouco aconteceu até a Revolução Chinesa, e o que se via
até então, era uma prática contínua que reduzia o que havia de nacional em cada tática e em
cada Partido Comunista em algo universal.
Em 1928, a Internacional Comunista deu uma guinada em suas orientações,
aprovando o que ficou conhecido como 3º período ou da tática da classe contra classe.
Nesta fase, negou-se a Frente Única colocando as alianças políticas dos comunistas com
camponeses e trabalhadores como ponto central.
Para o historiador Ivan Vargas28, essa linha era adequada para a Rússia ou para a
Alemanha, mas muito contraditória para a realidade histórica do Chile, pois havia sido
adotada uma linha ultra-esquerdista, que para ele significava, colocar como objetivo
imediato a Revolução Socialista.
Apesar desse questionamento, o texto sobre as perspectivas e tarefas, aprovado no
VI Congresso da Internacional Comunista, deixava claro que o desenvolvimento da
revolução proletária não podia se dar dentro de uma orientação dogmática, nem na
obrigação de levar a revolução adiante, de forma rígida:
O desenvolvimento da Internacional Comunista na revolução proletária não
implica na determinação dogmática de uma data determinada no calendário da
revolução, nem a obrigação de levar a cabo mecanicamente a revolução em uma
data fixa. A revolução era e segue sendo uma luta de forças vivas sobre bases
históricas dadas. A destruição do equilíbrio capitalista devido à guerra em escala
mundial criou condições favoráveis para as forças fundamentais da revolução para
o proletariado. Todos os esforços da Internacional Comunista estavam e seguem
estando dirigidos até o aproveitamento total desta situação29.
27 AGOSTI, Aldo. O mundo da III Internacional Comunista: os estados maiores. In: História do Marxismo -
vol.6.São Paulo:Paz e Terra,s/d, pg.114. 28 VARGAS,I. op.cit,p.16 29 A Internacional Comunista – vol.II,p.103.
43
Entretanto, se de um lado a revolução proletária não podia se dar dentro do
“dogmatismo”, constantemente eram “sugeridas” as linhas a serem adotado pelos PCs.
Segundo José de Aricó30, até pelo menos 1926, (a maioria dos partidos que ganham o nome
de comunista é formada próximo ao ano de 1922), a América Latina teve papel secundária
na estratégia do Comitern, principalmente porque se conhecia pouco a nossa realidade. E
isso levava a orientações pouco reais para esses países. Segundo ele, foi a partir de 1929,
com a I Conferência dos Partidos Comunistas latino-americanos, que houve reais condições
para um maior desenvolvimento das organizações comunistas, e também em uma
orientação mais condizente com a realidade de cada país.
Em 1924, é realizado o Congresso do PC do Chile e com ele sua primeira crise. Um
grupo dissidente da província de Santiago consegue eleger quatro dos sete membros do
Comitê Executivo Nacional e isolam Luis Emilio Recabarren. Essa disputa envolvia
também o apoio ou não à junta militar considerada progressista que tinha a direção de
Ibañez, para assumir a presidência no Chile. Recabarrem foi contra e acabou sendo muito
criticado. Ele denuncia o grupo na imprensa partidária. Um novo Comitê Executivo é eleito
e, em 1924, Recabarren se suicida.
Um ano após, apesar da sinalização que mais tarde iria se consolidar na linha da
Frente Única Proletária (extraídas das teses da Internacional Comunista), se constrói uma
coalizão para disputar a eleição presidencial, em que participam operários, profissionais,
comerciantes e industriais, tendo à frente a candidatura do médico do Exército José dos
Santos Salas, que obteve 80.000 votos. A direita apresenta como candidato Emiliano
Figueroa que, mesmo sob acusações de fraudes, obteve 180.000 votos.
Em 1925, discute-se muito a necessidade de mudar a estrutura partidária e os
métodos de seu funcionamento. Decidem, então, adotar a forma de organização e o método
de trabalho leninista31. Criam-se comitês locais e regionais, transformam o CEN (Comitê
30 ARICÓ, J. O marxismo latinoamericano nos anos da III Internacional Comunista. In: História do Marxismo – Vol. 8,São Paulo:Paz e Terra,1985,p. 436. 31 Lênin foi um dos principais teóricos sobre a organização do partido bolchevique. Segundo ele, o partido era um instrumento a serviço da revolução e não tinha um fim em si mesmo. Levando em consideração o momento histórico que a Rússia passava, definiu alguns princípios nos quais muitos partidos comunistas no mundo passaram a ter como referência no momento de sua organização. Podemos citar alguns pontos principais como: um partido de vanguarda, orientado pelo marxismo e vinculado organicamente ao
44
Executivo Nacional) em Comitê Central e adotam o método do centralismo democrático.
Ele era definido como método que ordenava a discussão, a direção e ação dos comunistas
para desenvolver seus princípios e cumprir com seus objetivos políticos. Para eles, eram
quatro os elementos essenciais do centralismo democrático: a democracia interna, a direção
coletiva, a unidade de ação e sua relação permanente com o povo.
Neste mesmo ano, segundo Vargas32, o então Ministro do Interior Emiliano
Figueroa inicia uma voraz repressão contra o Partido Comunista, que se intensifica, em
1927, com a ditadura do General Carlos Ibáñez. Assim, as divergências quanto à ação do
partido tornam-se uma polêmica interna: de um lado, alguns defendem somente a luta
clandestina, deslegitimando o trabalho em algumas organizações ainda legais e, de um
outro, defendia-se tão somente a atuação nas organizações legais contra a ditadura,
abandonando, portanto, a ação clandestina.
Prevaleceu a posição de combinar a luta legal com a clandestina. Os sindicatos e
federações faziam um amplo movimento pela redemocratização do país, enquanto alguns
comunistas partiam para lutar na clandestinidade. Dessa forma, a direção partidária tentava
fortalecer o partido e intensificar a luta contra a ditadura.
Segundo o historiador Luis Márquez33, com a devastadora crise de 1929, o então
modelo oligárquico mono-exportador, com uma economia voltada para o mercado externo,
principalmente devido à exportação de salitre, a estrutura social sob hegemonia de
oligarquias e o regime político institucional parlamentar que expressava o predomínio das
elites oligárquicas, entrou em crise.
Economicamente, a sociedade chilena passou a se desenvolver internamente a partir
de uma estratégia de substituição de importações e com um capitalismo regulado que
requeria uma alta intervenção do estado. No campo social, houve uma diversificação e
modernização da classe dominante, mas também uma maior organização e aumento da
capacidade de negociação dentro do sistema por parte dos setores médios e dos
trabalhadores. No campo político, houve a consagração do regime presidencialista. Na
movimento proletário, comprometido com a ruptura em relação à ordem capitalista e com a conquista do poder político para os trabalhadores, através da revolução. 32VARGAS, I., op.cit,p.18. 33Cf:MARQUEZ, L. Del anticapitalismo al neoliberalismo en Chile, p.14 É bom o leitor atentar que o historiador em questão, não é o dirigente do Partido Comunista que possui o nome de Luis Corvalan Lepez.
45
cultura, o pensamento liberal deu lugar para visões socializantes e internacionalmente
continuou dependente dos Estados Unidos. Diante desses fatos, o autor diz que se
constituiu um consenso34 majoritário no país em torno da industrialização e um estado
regulador, fazendo com que setores de trabalhadores e das classes médias pudessem
também ter uma participação institucionalizada. Desse modo os grupos oligárquicos
reformularam as suas formas de dominação e as classes médias se inseriram em um
crescente na gestação dessa política de Estado. As organizações dos trabalhadores
ganharam reconhecimento político e jurídico e aumentaram sua capacidade de pressionar.
O autor mostra que essa mudança no Estado aconteceu também na mudança da estratégia
dos partidos de esquerda, especialmente o Partido Comunista, que passaram a dar ênfase na
revolução centrada na democratização e tendo como núcleo principal os “sujeitos
populares” que, de algum modo, poderiam passar a negociar dentro do estado suas
reivindicações.
Em 1933, é fundado o Partido Socialista35 (que sempre teve uma postura
questionadora ao stalinismo36, da sociedade que estava se instalando na URSS e não quis se
filiar a internacional) e, em julho deste mesmo ano, é realizada uma importante Conferência
Nacional do PC. Nesta conferência, aprova-se uma linha política mais ampla denominada
de Revolução democrático-burguesa, que tinha como objetivo central unir todos os setores
democráticos do Chile para derrotar o imperialismo dos Estados Unidos, o latifúndio e as
oligarquias nacionais. Portanto, não teria imediatamente um processo de revolução
socialista. Esta seria fruto de um desenvolvimento gradual, onde deveria primeiro
desenvolver várias etapas através de amplas alianças. Esta posição é levada ao VII
34 O autor Luis Marquez também destaca que esse consenso fortaleceu a ordem institucional que teve como expressão a constituição de 1925 que foi reconhecida por diferentes atores, que além de reconhecer os sujeitos sociais e políticos (da direita aos comunistas e socialistas, com exceção dos grupos ligados ideologicamente com modelos nazi-fascistas), também instituiu seus limites constitucionais. 35 O Partido Socialista, no momento da sua formação era um conjunto de grupos ideológicos que vinham de outras organizações como o Partido Radical, o democrático, grupos anarquistas, células comunistas, ex-militares, intelectuais etc. Em sua primeira Declaração de Princípios indicava sua aceitação pelos fundamentos do marxismo e da luta de classes, sua organização deveria ser por núcleos pequenos, na qual deveriam adotar o método do centralismo democrático. A partir do ano de 1946, as lutas internas no PS são intensas e em 1948 ele se divide em Partido Socialista Popular e Partido Socialista de Chile.Esta divisão durou mais ou menos dez anos.
46
Congresso da Internacional Comunista realizado em 1935, que traça uma linha de união dos
partidos de esquerda para se opor ao fascismo37.
Essa visão foi chamada de etapista pelo PS e foi muito criticada, já que ele não via o
socialismo como algo imediato. Entretanto, segundo Luis Márquez, o PS, na prática, se
contradiz no momento em que ingressa em governos a partir de 1938 e deixa para construir
uma sociedade socialista, no futuro. Esse fato gerou muita discussão e dissidências dentro
do Partido Socialista, pois setores mais radicais acusavam a direção de colaborar com a
burguesia e acomodar-se nos postos da burocracia. Alguns setores chegavam a dizer que o
PS deveria adotar uma política que abolisse a aliança com setores da burguesia.
Dentro dessas novas balizas, em março de 1936, é construída, no Chile, a Frente
Popular em que participam o Partido Radical38 (sendo este controlado pela burguesia), o
Partido Socialista, o Partido Democrático e o Partido Comunista, dando assim seguimento
prático às políticas adotadas pela Internacional Comunista.
Nas eleições de 1938, a Frente Popular conhece o seu primeiro êxito. O radical
Pedro Aguirre Cerda derrota o candidato da direita Gustavo Ross Santa Maria. O Chile foi
o único país da América Latina a conquistar o governo sob forma de Frente Popular
seguindo as orientações da III Internacional Comunista. A Frente Popular no Chile tornou-
37 A análise que a Internacional Comunista fazia era a de que, a década de 30, configurava-se sob influência de dois fatores importantes: a da edificação do socialismo na URSS e a ofensiva do fascismo e da reação imperialista nos países capitalistas. Na década de 30, essa ofensiva fascista cresceu muito em resposta ao agravamento da crise do capitalismo e ao avanço socialista. A vitória dos hitlerianos na Alemanha levou a uma situação propícia para expansão do fascismo. Parte da burguesia européia queria aprovar medidas contra-revolucionárias como, por exemplo, a limitação das prerrogativas parlamentares, restrição e anulação das liberdades democráticas, abolição do direito a greve, etc. O fascismo ameaçava se alastrar por toda Europa e até a outros continentes. Como ele dirigia seu terror à classe trabalhadora principalmente, procurava também instaurar o medo nos partidos comunistas e em outras organizações operárias e impedir a coesão do proletariado como classe. Também era hostil a todas as camadas democráticas, inclusive burguesas. Diante desse quadro, o movimento comunista internacional orientou a lutarem pela frente única inclusive com os social-democratas contra o fascismo. 38 O Partido Radical emergiu na década de sessenta expressando pontos de vista da burguesia mineira, acreditavam nas idéias de progresso e liberdade. Ele atuava contra os setores mais tradicionais da oligarquia, apresentando proximidade com aqueles capitalistas mais modernos. Seu ideário modernizante o aproximou das classes médias urbanas. Sua retórica tende para a esquerda, mas suas ações tendem para a direita. Na sua convenção, em 1931, adotou um programa socialista e declarou que o sistema capitalista estava em crise e deveria ser substituído por um regime no qual os meios de produção fossem propriedade da comunidade, baseado na solidariedade social. Para eles, a classe assalariada precisava de liberdade econômica no sistema atual, e a atividade sindical era uma maneira de lutar por liberdade econômica. Também se declararam opositores a qualquer tipo de ditadura, seja militar, capitalista ou proletária. O Partido Radical tinha uma tendência de inclinar-se para a direita ou para a esquerda conforme seu interesse na conjuntura política: é definido por alguns autores como social-democrata. Para exemplificar essa dinamicidade de posições: em 1947 caçam os direitos dos comunistas, mas em 1970 participam da coalizão de esquerda da Unidade Popular.
47
se uma importante coalizão de esquerda e se materializou também no movimento social.Em
1940, o PS sob forte divisão, desliga-se da Frente Popular. O PC continua na sua linha de
criar frentes contra o fascismo e contra a direita, colocando sempre a necessidade de
impulsionar uma Revolução Democrático-burguesa39. O Partido Socialista dizia que a
Frente Popular era uma transposição da proposta lançada por Dimitrov no VII Congresso
da IC e também utilizadas pela Espanha e França.
Segundo análises de Emir Sader, o fato da Frente Popular está sob direção do
Partido Radical cuja formação era heterogênea e passava da classe média à setores
latifundiários, debilitou as reformas propostas pelo programa de Aguirre Cerda. Um dos
pontos mais afetados foi o do adiamento da reforma agrária. A aliança com os
trabalhadores era sacrificada em favor de pactos com a classe dominante. Para Sader,
apesar de na América Latina nesse momento, o fascismo não se constituir em uma força
importante, sua base social se constituía por aqueles que recebiam concessões da Frente
Popular que era o latifúndio.
Em 1942, é formada a “Alianza Democrática” composta pelos partidos que
participaram da Frente Popular e ainda a Falange Nacional40 e setores liberais. Lançam,
então, um outro candidato radical, Juan Antonio Rios, que vence as eleições presidenciais41
de 1942 e morre em 1946, assumindo seu vice Alfredo Duhalde (radical com posições mais
ligadas à direita).
39 Lênin refletia nas condições da Rússia no período da sua revolução o seu caráter burguês. Ele dizia que a revolução burguesa não saía do quadro do regime econômico e social burguês, ou seja, do quadro capitalista. Ela representava as necessidades do capitalismo em desenvolvimento, além de ampliar e se consolidar. Mas exprimia menos os interesses do proletariado do que o da burguesia, já que no regime capitalista a dominação da burguesia sobre o proletariado era inevitável.Para Lênin, a revolução burguesa eliminava os vestígios da “feudalidade” e assegurava o desenvolvimento do capitalismo e de suas relações de classe, aumentando sua diferenciação. Lênin ainda enfatizava que quanto mais completa e decisiva fosse a revolução burguesa mais se teria a possibilidade do proletariado lutar pelo socialismo e, portanto, a concretização da ditadura democrática revolucionária do proletariado e dos camponeses. 40 A Falange Nacional foi um movimento que se apoiou na tradição de sacerdotes e católicos preocupados com as condições de vida da classe trabalhadora, encabeçado por um grupo de jovens intelectuais católicos. Criticavam a atitude de liberalismo do laissez-faire do partido conservador e era hostil ao marxismo, ao comunismo e ao socialismo. Era a favor de um conceito comunitário ou corporativo da sociedade. Achavam que era preciso rever o sistema político, social e econômico e a partir daí reorganizá-lo à luz de novas idéias. A proximidade com essas posições são rompidas no período de 1938, anterior as eleições. A partir daí, tornou-se mais de esquerda, perdendo suas características próximas do falangismo de tipo espanhol. 41 A eleição da Alianza Democrática em 1942 também estava ligada ao contexto internacional, onde no período da II Guerra Mundial, havia um clima de horror ao nazi-fascismo e ao mesmo tempo um apelo à democracia e a um mundo sem guerras. A derrota da Alemanha para Rússia e a entrada dos norte americanos na guerra também foi fator importante para que houvesse um clima mais propício para que um campo mais democrático vencesse as eleições no Chile.
48
Neste governo, os sindicatos, os partidos de esquerda, os trabalhadores, são
perseguidos e sofrem intensa repressão. O PC novamente levanta a necessidade de se
reconstruir a “Alianza Democrática” para lançar uma candidatura à presidência da
República. Gabriel González Videla é o candidato da chapa e vence as eleições de 1946. O
Partido Comunista é convidado a participar do governo para ocupar três ministérios. Com
essa política, o PC passa a ter uma intervenção cada vez maior no cenário político do Chile.
Em 1943, acontece o fechamento da III Internacional Comunista. Segundo o texto
do comunicado do Presidium do Comitê Executivo, 28 partidos comunistas aprovaram o
encerramento da IC e ainda, nenhuma secção internacional havia se manifestado
contrariamente. Portanto, estaria sendo dissolvida a IC, assim como os comitês executivos,
e os assuntos pendentes seriam resolvidos por uma comissão na qual faziam parte Dimitrov,
Ercoli, Manuilski e Pieck.
Stalin dizia que a dissolução da IC era correto porque facilitava “o assalto comum
de todos os povos amantes da liberdade contra o inimigo comum, o hitlerismo” além de
desmistificar que Moscou interferia na vida de outras nações para bolchevizá-las; e que os
comunistas não agiam em interesse do povo, mas sob ordens estrangeiras. Essas eram
algumas das justificativas oficiais.
Alguns autores como Fernando Claudin42, afirmam que Stalin usava tais
justificativas apenas para não revelar que a IC necessitava dar garantias aos Estados
capitalistas acerca dos objetivos políticos da URSS, ou seja, era decisivo dar sinais ao
presidente Roosevelt para fechar acordos importantes neste momento de guerra. O
fechamento da III Internacional Comunista seria exigência importante para a abertura das
negociações com aliados.
Para o historiador Eric Hobsbawm43, Stalin havia reduzido a IC em “um
instrumento da política de Estado soviético, sob o estrito controle do Partido Comunista
Soviético, expurgando, dissolvendo e reformando seus componentes à vontade”. A
revolução mundial, sob a égide de Stalin, não passava de retórica, pois ela só seria
considerada se não houvesse conflito com o interesse do Estado soviético e se pudesse estar
sob seu controle direto. Ele ainda ressalta que a URSS desencorajou as investidas de outros
42 CLAUDÍN, F. A crise do movimento comunista vol.II. São Paulo:Global,1985,p.421 43 HOBSBAWM, E. A era dos extremos,São Paulo:Companhia das Letras,1995,pp.167-169
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países que queriam estabelecer governos revolucionários, no pós-guerra. Tanto que as
revoluções da Iugoslávia, Albânia e China se deram contra a opinião de Stalin. Para ele, a
política do pós-guerra deveria ser abrangente, anti-fascista, buscando uma coexistência de
sistemas capitalistas e comunistas e de uma maior mudança social e política através de
transformações dentro do “novo tipo de democracia”. Isso fica muito perceptível para
Hobsbawm, quando foram dissolvidos o Comitern em 1943 e o Partido Comunista dos
EUA em 1944.
Hobsbawm ainda levanta que “o socialismo se limitaria na URSS à área destinada
por negociações diplomática como sua zona de influência, isto é, basicamente ocupada pelo
exército vermelho no fim da guerra”.
Nas eleições municipais de 1947 no Chile, os comunistas já se destacavam muito
enquanto força política organizada do país, além disso, se colocavam à frente das lutas
sindicais que a cada momento se intensificava. O fato não agradava às elites chilenas e nem
ao imperialismo norte-americano, dentro de um universo marcado pelo cenário da Guerra
Fria e da disputa de hegemonia com os comunistas. Os Estados Unidos adotam a doutrina
Truman44 que significou para o Chile a ruptura da aliança entre o centro radical e a
esquerda, principalmente no que dizia respeito ao Partido Comunista.
A pressão sobre o governo é intensa e o presidente González Videla obriga a
renúncia dos ministros comunistas, optando por uma linha pouco popular e mais ligada às
elites, chegando mais tarde a denunciar um plano do comunismo internacional, no Chile.
Recomeçam, então, as perseguições contra os comunistas por meio da censura nos meios de
comunicação do Partido, da cassação dos registros eleitorais de mais ou menos quarenta mil
chilenos, da exoneração de trabalhadores ligados ao PC, dentre outras sanções.
Carlos Altamirano, ex-presidente do PS, expressa a importante experiência das
Frentes Populares, destacando que os PC´s do Chile, França, Itália, Finlândia e Bélgica
foram num mesmo período expulsos dos governos em que participavam. Em 1947 Videla
no Chile, Spack na Bélgica, Ramadier na França e mais tarde De Gaspari na Itália.
44 A Doutrina Truman foi pronunciada em 1947 pelo presidente norte-americano Henry Truman no Congresso Nacional dos Estados Unidos sob um discurso assumindo o compromisso de defender o mundo capitalista contra a ameaça comunista. Juntamente com a Guerra Fria propagavam para o mundo o antagonismo entre os blocos capitalista e comunista.
50
Mesmo com a vitória da Frente Popular, não havia unidade no interior do governo
pela abrangência de representatividade das esferas sociais em que os partidos que
compunham a Frente representavam. O fim da Segunda Guerra Mundial impôs também
uma nova estratégia norte-americana em relação aos partidos comunistas. Todos eles são
colocados na ilegalidade na América Latina e Videla decreta então, a “Lei de Defesa da
Democracia” tornando o PC do Chile ilegal. Parte dos socialistas rompem com o governo e
outros permanecem. Dessa forma é rompida a unidade entre os principais partidos de
esquerda.
O Partido Socialista encontrava-se dividido internamente, e algumas facções
internas chegaram a apoiar a chamada “proscripción” dos comunistas, e inclusive
ingressam na Ação Chilena Anticomunista, ACHA, mostrando, assim, como era tensa a
relação entre os dois principais partidos de esquerda do Chile: o Partido Comunista e o
Partido Socialista.
Essas experiências geradas nos governos de Duhalde e de Videla, fazem o PC
refletir sobre a tática adotada de se realizar alianças mais amplas com setores da burguesia
da sociedade chilena e, sobretudo, em tê-las como força hegemônica. Os partidos mais
progressistas ficavam reféns das tensões geradas pelos setores mais conservadores e os
radicais, por sua vez, eram vulneráveis às pressões do imperialismo norte-americano. O
esforço para unir campos de aliados, democraticamente, e vencer as eleições não estava
dando muito certo, principalmente a união de partidos não tão comprometidos com os
ideais de mudança e, ainda mais, ocupando os principais espaços nas alianças.
O PC transplantou, para o Chile, a política da “Frente de Libertação Nacional” que
havia sido formulada no início dos anos cinqüenta, como uma resposta da URSS à doutrina
Truman. De acordo com essa política, o mundo estava dividido em dois campos
antagônicos: o imperialista e o socialista, sendo o imperialismo, dirigido pelos norte-
americanos, tinha características antidemocráticas e bélicas, enquanto o socialismo,
liderado pela União Soviética, tinha características com sentido democrático e pacifista.
Também insistia na unidade com setores da burguesia, mas sob um núcleo que era
constituído pelo proletariado coeso, o que dava a entender que, no Chile, teriam como
aliados, prioritariamente, o Partido Socialista.
51
A partir daí, o PC tenta consolidar essa aliança. Ele se aproxima (apesar da
clandestinidade) bastante do PS que já tem como liderança, Salvador Allende45. E, em
1951, é criada a Frente do Povo que apresenta um programa mais ofensivo contra o
imperialismo, que, inclusive, falava na nacionalização das riquezas básicas, na reforma
agrária e no fim do domínio da oligarquia financeira.
Em 1952, Allende é candidato à presidência do Chile, pela primeira vez, pela Frente
do Povo e consegue apenas um quarto lugar. Em 1953 é criada a CUT (Central Única dos
Trabalhadores), que tentou unificar a maioria do movimento sindical. Neste mesmo
período, destaca-se o processo de unificação do Partido Socialista. Esses passos seriam,
sem dúvida, o início de um caminho que levaria à formação da Unidade Popular. Com o
empenho do PC e, agora de Salvador Allende é fundada a Frente de Ação Popular (FRAP),
em 1956. Dessa vez, conseguindo agregar mais partidos, sendo o PS, o PC, o Partido do
Trabalho, o Partido Democrata de Chile e o Partido Democrata do Povo. Estavam dessa
forma, “convidados” a participar enquanto sujeitos sociais, o proletariado, camponeses,
pequena burguesia progressista, intelectuais e estudantes. A burguesia nacional havia ficado
de fora, por acharem que ela era muito dependente do imperialismo, o que lhe tirava a
capacidade de ser autônoma.
Neste mesmo ano, o Congresso Nacional do Partido Comunista (realizado ainda na
clandestinidade no mês de abril em Cartagena) aprova um novo programa que reflete as
discussões geradas pelo campo comunista e também pela experiência prática de formação
das coalizões políticas para disputar o poder. O programa tem como base a libertação
nacional, a aliança com setores democráticos e em torno da classe trabalhadora. Em suas
principais linhas de ação, a nacionalização das riquezas básicas, a reforma agrária, a
estatização dos bancos e das grandes indústrias. É neste congresso que foi sustentada a
possibilidade de avançar ao socialismo pela via não-armada a partir da conquista do
45 Salvador Allende Gossens nasceu em 1908 em Valparaíso, era médico, foi presidente do Centro de Estudantes de Medicina, vice-presidente da Federação de Estudantes do Chile (FECH), em 1926. Em 1937é eleito, aos 29 anos, deputado e depois assume o cargo de ministro da saúde do governo Pedro Aguirre Cerda. Em 1946,1952 e 1969 foi eleito Senador, sendo em 1966 presidente do senado. Teve papel destacado na fundação do Partido Socialista em 1933 assumindo inclusive a secretaria regional de Valparaíso e em1943 é eleito secretário geral do PS. No interior do partido, Allende lutou pela unidade da esquerda, inclusive para se concretizar a Frente Popular e mais tarde a Unidade Popular. Foi candidato presidencial nas eleições de 1952, 1958, 1964 e 1970.
52
governo pelo movimento popular. Em 1958, o Secretário Geral do PC falece e Luis
Corvalan Lepez46 assume o partido, ficando no cargo principal até 1989.
Para o PS, a FRAP era um bloco político revolucionário sólido, ideologicamente
estável e compacto. Ela orientou a luta da classe trabalhadora durante 14 anos, ajudou na
criação da CUT, o que possibilitou a se ter no Chile uma única entidade que expressava a
classe operária e seus interesses. A FRAP é tida como uma experiência muito importante e
o embrião de uma unidade verdadeiramente coesa da esquerda.
Nas eleições presidenciais de 1958 e de 1964, Salvador Allende, candidato pela
FRAP, ocupa o segundo lugar das eleições, mostrando um crescimento importante para o
PC47 e também para o PS. O democrata cristão48 Frei Montalva49 é eleito presidente e
declara realizar uma “revolução em liberdade”: é uma espécie de “façamos a revolução
antes que o povo a faça” e assume algumas reivindicações da esquerda, por exemplo, a
reforma agrária50, como uma importante política a ser desenvolvida durante o seu governo.
46 Luis Corvalan Lepez nasceu em 1916 em Puerto Montt, foi professor, trabalhou no diário da Frente Popular e também foi um dos fundadores do diário El Siglo. Em 1932 entrou no Partido Comunista no qual foi secretário geral de 1958 a 1989. Foi senador da República por dois mandatos, sendo o último interrompido pelo golpe militar em 1973. Durante a ditadura militar ficou preso em Dawson e passou pelos campos de prisioneiros de Ritoque e Três Álamos. 47 Somente para exemplificar, nas eleições legislativas de 1961 o PC teve 11,8% dos votos, em 1965 12,7%, em 1969 15,9% e em 1973 17,4%. Nesta eleição chega a obter 672 mil 712 votos. E ainda em 1970, dos 14.800 Comitês da Unidade Popular, 80% deles tiveram a participação dos comunistas. Esses dados são apresentados por Luis Corvalan Lepez. 48 O Partido Democrata Cristão surge a partir da união da Falange Nacional com os Conservadores Social Cristianos e alguns grupos provenientes do “Agrário Laborismo”. O PDC recebeu o apoio das classes médias altamente qualificada, profissionais técnicos de universidades, ou seja, estratos ligados de algum modo ao recente processo de modernização, grupos marginais que não estavam ligados a nenhum partido, e jovens atraídos pelo discurso de modernização, ética e renovação. A DC se opunha tanto à direita liberal capitalista quanto aos partidos socialista e comunista. Apresentavam como alternativa a terceira via. Defendiam então a unidade entre capital e trabalho, propondo que os donos do capital deveriam ser os trabalhadores e estes deveriam controlar administradores e gestores de suas empresas. O PDC dava ênfase na idéia da participação da comunidade. 49 A Igreja Católica apoiou a candidatura de Frei, pois via na DC um instrumento de contenção do avanço do marxismo. A Igreja Chilena, após o concílio Vaticano II que buscava renovar e se inserir no mundo mais ativamente, comprometendo-se inclusive com seus problemas, passou a apoiar a DC por ser uma alternativa ao socialismo e à direita. A preocupação do clero chileno com a força que os movimentos sociais de esquerda tomavam e com o avanço nas eleições dos partidos marxistas, chama 1957, um jesuíta belga Roger Vekemans para ajudar a deter o avanço marxista e difundir a doutrina social da Igreja. No governo Allende, nos momentos mais críticos a igreja chegou a pedir publicamente que a DC fizesse um acordo com a UP para evitar o aprofundamento do caos que se encontrava o país. 50 A reforma agrária do governo de Frei tinha como objetivo dar dinamicidade ao capitalismo, dada as características do bloco dominante no Chile que tinha como perspectiva as recomendações da Aliança para o Progresso do presidente Kennedy. Por isso, a reforma agrária foi fundamental para a reestruturação do bloco dominante e a constituição da classe de apoio sob direção da burguesia monopólica industrial. O caráter da Reforma agrária teve seus efeitos sobre a relação entre as classes. Tentava-se estabelecer com os camponeses
53
Frei procurou afastar o “perigo comunista” da vitória eleitoral e possibilitou o triunfo da
política da “Aliança para o Progresso”, apresentando um programa baseado em reformas
estruturais e assumiu para si o discurso da justiça social, retirando da esquerda o monopólio
sobre essa questão. Frei foi muito apoiado pelo departamento de estado norte americano,
pela direito e também pela direita apesar desta durante o governo acusar Frei de estar
“pavimentando o caminho” dos partidos de esquerda, através de suas reformas estruturais.
Assim, a proposta da DC vinha no sentido de conciliar a sociedade chilena, mas rompendo
com os setores tradicionais da oligarquia agrária51.
Já em 1969, no seu XVIII Congresso Nacional, o PC já adota um discurso de lutar
por um governo realmente popular, utilizando o lema “Unidade Popular para conquistar um
Governo Popular”. E, em janeiro de 1970, é anunciada a candidatura de Salvador Allende
pela Unidade Popular.
uma nova hegemonia burguesa como criação de uma aliança política do proletariado do campo e a cidade. Assim, a lei de reforma agrária, promulgada em 1967, derivava de uma combinação das dimensões modernizantes , capitalista e reformista-popular. 51 CORVAN MARQUEZ,L.,op.cit., p.73-79.
54
1.3 – O XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e a política da via
pacífica.
A linha e o programa adotado pela Unidade Popular da via pacífica ao socialismo52,
faziam parte de anos de acúmulo e discussão interna do PC, e foi ratificada no Congresso
de 1969. Foram publicados panfletos para serem distribuídos à população chilena, com
importantes questões teóricas que justificavam a via pacífica. Esta via foi construída,
principalmente, a partir das teses do XX Congresso da União Soviética, realizado em
195653, após a morte de Stalin em 1953. Foi neste congresso que Krushov apresentou o
relatório contra Stalin, mostrando os abusos do uso da autoridade e de violência e desvios
no caráter da revolução, além de pautar alguns debates que iriam dividir o mundo
comunista principalmente entre os dois principais Partidos Comunistas: o da URSS e o da
China54. Vamos nos ater aqui, principalmente à questão do aprofundamento das discussões
sobre a via pacífica.
Neste XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (P.C.U.S), as
reflexões acerca da via pacífica ao socialismo foram feitas de maneira muito contundente.
A partir da análise do plano internacional, em que o mundo estava dividido em
regimes sociais diferentes, o Congresso desenvolveu o princípio da coexistência pacífica55
52 Mesmo sendo adotada como estratégia a via pacífica ao socialismo o Partido Socialista, apesar de ter sido um partido formado por setores da pequena burguesia e de intelectuais, declarava ser necessário a luta armada. Essa decisão foi ratificada no Congresso de Chillán, e, por isso, depois da eleição de Allende não tomou definições que pudessem levar à materialização da via pacífica. Essa era uma questão muito polêmica dentro do PS, pois, o próprio Salvador Allende achava que o melhor caminho era o pacífico. 53 O relatório apontava o “culto à personalidade”, tirania, vaidade, abusos contra seus adversários políticos, extrema centralização de poder, violência, regalias à alguns funcionários públicos, crimes políticos, imposição de trabalho forçado aos camponeses o que levou a milhares de mortes, dentre outros. A conduta política de Stalin,vinha causando muita polêmica também na maneira em que queria impor a subordinação aos outros Partidos Comunistas. Alguns autores como Eric Hobsbawm, Jean Baby e Fernando Claudin analisam esse momento com ênfases diversas, mas que permite, quem queria aprofundar o assunto ter um panorama de diferentes leituras. 54 Essas divergências tomariam proporções mais profundas, a partir do XXII Congresso do PCUS em 1961. Em 1963 o Partido Comunista Chinês escreve uma carta de 25 itens criticando abertamente as posições soviéticas e dos países ligado a elas. Por sua vez, o Partido Comunista da União Soviética escreve uma carta respondendo e atacando duramente o teor do documento chinês. 55 No XXII Congresso Kruschov definiu melhor o conceito de coexistência pacífica: “ela não é simplesmente a ausência de guerra, não se trata de uma trégua provisória e precária entre duas guerras; é a coexistência de dois sistemas sociais opostos baseada na recusa mútua em empregar a guerra como meio de acertar as questões entre os Estados”. Cf: BABY, J. op.cit.,p.92
55
dos países de diferentes sistemas sociais. Falava-se em desenvolver melhor as relações
entre a URSS e os EUA sob alguns princípios: respeito mútuo da integridade territorial e da
soberania, não agressão, não ingerência nos assuntos internos de outros países, igualdade e
vantagens mútuas, coexistência pacífica e colaboração econômica. Esses eram os princípios
básicos da política exterior soviética e, na época, para Kruschov, primeiro secretário do
Comitê Central do Partido Comunista da URSS, só existiam dois caminhos: a coexistência
pacífica ou a guerra. A coexistência era vista como um grande caminho nas relações
internacionais entre países socialistas e países capitalistas.
Esse importante Congresso do Partido Comunista Soviético, realizado em fevereiro
de 1956, havia levantado questões importantes que teriam repercussões em todo mundo e,
principalmente, no movimento comunista internacional. O relatório sustentava que a guerra
não era algo inevitável mesmo com toda ofensiva imperialista, e, sendo possível, sem
revolução violenta, países capitalistas passarem para o socialismo.
Essa questão ligada à paz internacional, que foi um dos princípios para que se
apresentasse a via pacífica como uma possibilidade, estava contida dentro de uma análise
do momento específico de um mundo que acabara de sair de uma guerra mundial, onde o
clamor pela paz era muito forte. A maioria da humanidade repelia a política “de posições de
força”, diz o relatório, por ser uma política aventureira e antipopular e que poderia agravar
o perigo da guerra. Também ficava claro que era impossível encontrar um período como o
que se passava, em que se tinha amplitude e organização da luta das camadas populares
contra o perigo de guerra. E ainda colocam a classe operária como uma das principais
forças motrizes para evitar a guerra, mas desde que ela atuasse como força organizada e
unida.
Conforme o autor Jean Baby a coexistência pacífica para Lênin56 era a afirmação de
que o Estado socialista não poderia ser por natureza agressor. O estado socialista não
poderia manter com outros países uma relação de ameaça e sim manter relações de
coexistência dentro de interesses recíprocos. Mas, também, pondera que para consolidar
essa coexistência pacífica era necessário reunir, em torno da União Soviética, todos os
países que sofressem a exploração capitalista. Não imaginava ser a coexistência pacífica
mais do que uma forma de defender da agressividade permanente, inevitável e fundamental
56 BABY, J.,op.cit., p.44.
56
do sistema capitalista. Portanto, falar no sentido de se ter dois mundos de essências
diferentes convivendo sob um acordo de não guerra, de convivência mútua sem violência,
era impossível. Segundo ele, esses dois blocos, de alguma maneira, se confrontariam em
algum momento e as guerras seriam, assim, inevitáveis.
No XX Congresso, a coexistência pacífica apresentada por Krushov tinha o sentido
de uma aproximação com os Estados Unidos para tentar manter a paz mundial, e, portanto,
completamente diferente do sentido que Lênin tinha dado em tempos anteriores. Isso
ratificava a idéia de que os conflitos que pudessem surgir entre as áreas de influência e de
dominação dos dois países, esses poderiam ser resolvidos por acordos. Além disso,
deixavam explícita a possibilidade de países com diferentes sistemas sociais poderem
existir uns ao lado dos outros, como também de se estabelecer uma relação de confiança
entre eles. Isso porque, agora, existiam poderosas forças sociais e políticas que disporiam
de grandes meios para impedir conflitos ou guerras e estariam vigilantes e mobilizadas.
Para alguns críticos, tomando como exemplo o Partido Comunista Chinês, isso
desanimaria muitos movimentos revolucionários de tentarem a tomada de poder em alguns
países, pois tudo acabaria em um acordo feito entre os dois principais países dos blocos
capitalista e socialista. Para eles, no campo imperialista, os norte-americanos eram o
principal adversário e sobre eles deveriam concentrar todos os ataques.
Outra explicação revolucionária teria que ser tomada para apresentar como poderia
haver revoluções nos países que tivessem condições de tornar-se um país socialista. Então,
Kruschov expõe a “competição pacífica”, onde a URSS apresentaria um desenvolvimento
rápido, que traria melhores condições de vida à população, graças ao planejamento da
economia e à propriedade coletiva dos meios de produção. Dessa forma, os oprimidos dos
países capitalistas, vendo todo desenvolvimento e superioridade do mundo socialista, iriam
pressionar para mudança de sistema em seus países. Com esse raciocínio e dentro de uma
perspectiva de coexistência pacífica, resolviam-se os questionamentos sobre os possíveis
levantes das classes exploradas contra os governos dos países capitalistas. Parece-me aqui
que todo esse discurso também era uma forma de tentar diminuir os riscos de um possível
ataque aos países socialistas pelos países capitalistas, em especial, pelos Estados Unidos.
Era uma forma de dizer que os russos não queriam guerra. Qualquer ataque que pudesse
acontecer seria contra sua vontade, pois eles apenas reagiriam se fossem provocados. Essa
57
era também uma estratégia da URSS, para consolidar os estados socialistas e tentar
diminuir as chances de um possível ataque ou envolvimento em guerras que pudessem
desestabilizar o regime socialista, tanto política, quanto economicamente.
Como os russos também desenvolveram a bomba atômica no caso de uma guerra,
esse fato os colocavam em mais condições de igualdade para com os norte-americanos,
fazendo com que as questões levantadas no XX Congresso passassem a ter repercussão na
atuação política de muitos partidos comunistas. Apesar disso, houve muita reação contrária
a tais orientações, como foi o caso do Partido Comunista Chinês que a denominou de
revisionista. E foi, principalmente a partir dessas discussões que, nos anos sessenta, houve
uma divisão no movimento comunista internacional.
O fato da URSS ter aprovado e estar empenhada na política de coexistência pacífica,
não significava que via no Chile um país de grande importância e com um processo
revolucionário a se preservar. Os russos não estavam dispostos a colocar em risco a
coexistência pacífica por causa de um país pequeno como o Chile. Por outro lado, o PC
adotou uma postura de adesão à URSS e ao socialismo real, sem muita possibilidade de
críticas, o que influiu nos momentos de aproximação com o Partido Democrata Cristão57.
O Partido Comunista Chinês, que já apresentara sua discordância58 em relação à via
pacífica, criticou duramente o Partido Comunista do Chile, o que provocou uma reação
enfática. Segundo o documento “El pleno de agosto de 1957”, os chilenos acusaram os
chineses de não procurar o comitê central para formalizar suas críticas e sim, os próprios
militantes. O PC chileno que tinha relações de cooperação com os chineses, onde
mandavam para a China pessoas ligadas ou militantes comunistas para ensinarem lá o
idioma espanhol, acusavam chineses de aproveitarem disso para criticar e convencê-los do
erro histórico que significava a via pacífica.
Mais tarde, o Partido Comunista chinês criticou a via pacífica em uma carta dirigida
ao Comitê Central do PC chileno, onde dizia que o caminho escolhido era um marco
contrastante com o caminho revolucionário de Fidel Castro. Tal crítica foi contestada. Por
sua vez, os chilenos diziam que as posições sustentadas pelo partido tinham como suporte
as “teses marxistas-leninistas” da via pacífica, e que seria errado sustentar dogmas
57Cf: CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit.,p.32
58
sectários59. Entretanto, a escolha dos caminhos acerca da revolução deveria ser assunto
interno dos revolucionários de cada nação. Os que achavam que podiam indagar sobre
questões subjetivas de outros países, tendo em vista a sua experiência, poderiam cometer
erros, tanto na elaboração, quanto na aplicação de sua linha. E ainda, argumentavam que os
dirigentes do Partido Comunista da China estavam fazendo uma desonesta contraposição ao
apresentar os fatos, pois eles declaravam a oposição da via armada para com a via pacífica,
como se os mais tendenciosos pela via pacífica rechaçassem a via armada. Astutamente e
ao mesmo tempo, jogavam o processo revolucionário chileno contra o cubano. Por fim,
diziam que a China tinha um desconhecimento do valor teórico-prático das teses da via
pacífica.
No documento do Congresso Nacional do Partido Comunista Chileno, realizado em
1969, na análise da conjuntura internacional, diziam que as posições da China eram
perigosas, pois adotaram o nacionalismo e o anti-sovietismo como balizas de sua política. E
se, por um lado, reclamava-se da interferência dos chineses no processo chileno, por outro,
diziam que a revolução cultural não tinha nada a ver com o comunismo e que causavam a
todos um grande prejuízo, principalmente ao regime socialista e ao povo chinês.
As críticas às condutas da URSS eram gigantescas por parte de alguns partidos
comunistas, o que não era o caso do Chile. As discussões e as divergências entre os países
socialistas e entre os partidos comunistas no mundo tomaram grandes proporções, mas na
Declaração dos 8160, no ano de 1957, tentou-se unificar ou melhorar as divergências entre
os partidos participantes da Conferência para que se pudesse aprovar uma resolução que
levasse em conta os debates que haviam acontecido.
...a coexistência pacífica dos Estados não significa de maneira alguma, como
afirmam os revisionistas, o abandono da luta de classes... Todos os partidos
59 O PC chileno dizia fundamentar a tese da via pacífica às teses marxistas-leninistas, assim como fez o XX Congresso do PCURSS, entretanto, sua linha prática se aproximava das levantadas no XX Congresso, tendo como forte sustentáculo a crença na possibilidade da coexistência pacífica entre capitalistas e socialistas, mesmo na América Latina. 60 A declaração dos 81 partidos comunistas foi fruto da Conferência realizada em 1960 para acertar as diferenças sino-soviéticas. Segundo Jean Baby, essa declaração significava um compromisso entre as teses de Kruschov e as teses chinesas, limitando a política de aproximação com os norte-americanos, a propaganda em favor do caminho pacífico para o socialismo, da coexistência pacífica e da competição pacífica separada de seu caráter de classe. Entretanto, a maioria dos países presentes se colocou à favor da URSS, mas sem dúvida
59
marxista-leninistas são independentes e iguais em direitos; cada um elabora sua
política partindo das condições concretas do seu país e inspirando-se nos
princípios do marxismo leninismo; eles prestam-se apoio mútuo. Os sucessos da
causa da classe operária em cada país exigem a solidariedade internacional de
todos os partidos marxista-leninistas. Cada partido é responsável diante da classe
operária, diante dos trabalhadores de seu país, diante do movimento comunista e
operário internacional.61
Para o relatório62 apresentado no XX Congresso, as condições contemporâneas, as
modificações radicais produzidas no mundo, a existência e o fortalecimento do poderoso
campo socialista, o aumento da sua força de atração, o desenvolvimento do movimento dos
trabalhadores e da libertação nacional e a debilitação do sistema capitalista, haviam criado
uma situação nova, propícia para se dar o passo em direção ao socialismo naqueles países,
onde ainda predominava o capitalismo. Segundo o congresso, a posição leninista havia
considerado, como uma possibilidade, o desenvolvimento pacífico da revolução em
determinadas condições, como em abril de 1917:
A conquista de uma sólida maioria parlamentar que se apóie no movimento
revolucionário de massas do proletariado, dos trabalhadores, criaria para a classe
operária de alguns países capitalistas e antigas colônias condições que
garantiriam a realização de transformações sociais radicais.
Naturalmente, nos países onde o capitalismo é ainda forte, onde tem em suas mãos
um enorme aparelho militar e policial, é inevitável uma acirrada resistência das
forças reacionárias. A transição ao socialismo transcorrerá aí em meio a uma
aguda luta revolucionária de classes.
É plenamente possível que as formas de transição ao socialismo sejam cada vez
mais variadas. Não é obrigatório que todas sejam através da guerra civil. Há
diferentes formas de revolução social. Dizer que reconhecemos a violência e a
nenhuma havia necessidade de uma mediação no texto final mesmo que não significasse a correlação de forças apresentadas na conferência. 61 BABY,J., op.cit., p.75. 62 Estamos utilizando aqui a Revista “Problemas” organizado por Diógenes Arruda que traduziu o Informe de Kruschov, assim como as atividades do Comitê Central do PCUS e as falas dos membros efetivos e suplentes do Presidium do PCUS. Também utilizamos trechos reproduzidos por Fernando Claudín e Jean Baby.
60
guerra civil como único caminho de transformação da sociedade não corresponde
à realidade.63
O historiador Augusto Buonicori, em artigo publicado, analisou o processo da
revolução Russa e a proposta de desenvolvimento pacífico da revolução elaborada por
Lênin. Ele que, em fevereiro de 1917 estava exilado na Suíça, afirmava que estava
acontecendo na Rússia a primeira etapa da revolução, em que a burguesia e os
latifundiários, ou seja, uma nova classe estava no poder. Dizia que a revolução
democrático-burguesa estava consumada, mas o fato era de que existia naquele momento
duas ditaduras, a burguesa e a do proletariado e do camponeses. Lênin também achava que
não era possível implementar o socialismo imediatamente. Era necessário um período de
transição inclusive no que se referia à derrubada do governo provisório.
Segundo análise de Buonicori, Lênin havia anunciado uma tática que se baseava no
processo de acumulação de forças e de “desenvolvimento pacífico da revolução” através da
conquista da maioria pelos sovietes, aprovado na 7º Conferência nacional dos
bolcheviques. Essa tática se expressava na frase “todo poder aos sovietes!” e criticou os que
falavam “Abaixo o governo provisório”. Continuou também defender um processo de
transição ao socialismo apresentando um programa para a Rússia: nacionalização da terra,
controle do Estado sobre os bancos e sua fusão num banco central único, controle sobre os
maiores consórcios capitalistas, sistema mais justo de impostos progressivos sobre
rendimentos e bens. Reafirmava que mesmo durante a aplicação dessas medidas era preciso
prudência e conquistar a maioria da população. Estas questões levantadas por Lênin
tiveram grande influência no estabelecimento da “via chilena” e os caminhos que a
revolução pacífica deveria trilhar, apesar das propostas de Lênin e do PC serem diferentes.
Os reveses da política na Rússia durante o governo provisório dirigido por
Kerensky, resultou em uma mudança de tática do caminho do desenvolvimento pacífico.
Lênin dizia naquele momento de intensa repressão que ou ganhava a ditadura militar ou a
insurreição armada dos operários. A palavra de ordem que simbolizava a via pacífica de
desenvolvimento da revolução “Todo poder aos sovietes” foi deixada de lado e começou a
preparar a insurreição armada.
63 Revista Problemas. XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética: Informes e Resoluções.
61
Segundo Buonicori, o desenvolvimento pacífico da revolução não tinha relação com
a tese da “via pacífica para o socialismo”. Para ele, a proposta de Lênin não era a de
conquista gradual de posições dentro da institucionalidade burguesa. Dizia:
O pressuposto de Lênin era a existência de um duplo poder, no qual o poder
operário e popular (os sovietes) possuía força política, moral e militar reais –
superior mesmo às do governo provisório burguês. Não se tratava, assim, de
chegar ao socialismo respeitando a lógica e as regras do jogo eleitoral – criados
para manter a dominação de classe da burguesia – e sim rompendo com elas e
construindo e fortalecendo uma outra institucionalidade mais avançada e mais
democrática: a institucionalidade operária e popular. Esta era a condição para o
“desenvolvimento pacífico da revolução russa.64
A via pacífica foi debatida exaustivamente pelo XX Congresso. Nas intervenções
dos membros do Comitê Central, a fala do A. I. Mikoian foi o que mais refletiu sobre esse
assunto. Segundo ele, o que se via ali era a prova concreta de que não se havia limitado
apenas em repetir conhecidas teses teóricas do marxismo-leninismo. Para ele, a
coexistência pacífica sólida não podia ser concebida sem o comércio vantajoso entre todos
os países. Para exemplificar, ele também cita “As teses de Abril”, já que, ali, falava-se na
tomada do poder através da conquista da maioria de sovietes. E dizia que Lênin não havia
pensado em um partido de dogmas: “toda palavra de ordem adquire capacidade de perdurar
mais do que hoje”. Também cita Marx, que falava que na Inglaterra e em outros países, a
classe operária podia chegar ao poder por meios pacíficos através da conquista parlamentar:
Sabemos ser necessário levar em conta as instituições, os costumes e as tradições
de certos países. E não negamos existirem países como a América, a Inglaterra, e
se eu conhecesse melhor vossas instituições talvez acrescentasse também a
Holanda, nos quais os operários poderão chegar a seus objetivos por meios
pacíficos.
Discursos dos membros efetivos e suplentes do Presidium do P.C.U.S. Editor Diógenes Arruda, 1956, p.43. 64 BUONICORI, A. Lênin e os dilemas da Revolução Russa de 1917, Sítio Vermelho, 10 e 17 de novembro de 2004.
62
No entanto, se assim é, devemos também reconhecer que na maioria dos países do
continente, a força deve servir de alavanca para a nossa revolução é justamente à
força a que deveremos recorrer em determinado momento para estabelecer
definitivamente o domínio do trabalho65.
Justificava ainda que devido ao fato de Lênin ter escrito em 1917, e que na situação
em que se encontrava o capitalismo, conforme a descrição acima feita por Marx sua opinião
desapareceria. E criticava aqueles que procuravam exaltar “o caminho pacífico” para todos
os países e épocas, dizendo que isso afastaria o proletariado da luta revolucionária pelo
poder.
Aqui me parece um ponto importante da análise: será que com o desenvolvimento
capitalista, o fortalecimento dos Estados Unidos, principalmente depois da segunda guerra
mundial, com o estabelecimento da guerra fria, a Revolução Cubana, em 1959, todos esses
acontecimentos tornariam realmente possível uma “transição pela via pacífica”?
Lendo as justificativas dos membros do CC do PCURRS, parece-nos pouco
provável do ponto de vista da sua viabilidade, porém com argumentos construídos no
sentido de que, a coexistência pacífica entre capitalistas e socialistas, levaria ao
desenvolvimento pacífico do socialismo naqueles países que optassem por mudar seu
sistema. Assim, os EUA principalmente, não interfeririam nos problemas internos dos
países, respeitando sua auto-determinação. No Chile, parece-me que esse raciocínio
juntamente com a expectativa do apoio em massa da população ao governo popular, tornou
um dos principais argumentos em defesa da possibilidade da implementação do projeto da
UP.
Mikoian ainda ressalta em sua interpretação que, para Lênin, a classe operária
preferia tomar pacificamente o poder, mas não podia restar dúvidas de que a violência
revolucionária representou o modelo necessário e legítimo para a revolução em
determinados momentos, pois mais determinante para a vitória do processo socialista é a
organização dos trabalhadores.
Ainda destaca que a situação no mundo havia se modificado e como a teoria não era
algo permanente, viável à todas as situações, o CC do PCUS apontou novas maneiras de
65 Revista Problemas,1956,p.308.
63
transição ao socialismo, principalmente a partir do crescimento do “ poderoso campo do
socialismo” que mudou a situação internacional. A conclusão que se chegava é de que em
determinados países, onde existisse correlação entre as forças de classe no país e à situação
geral favorável, a classe operária, em aliança com os camponeses, chegaria ao poder através
das instituições parlamentares.
A via pacífica era citada, pelo Partido Comunista do Chile, a partir de experiências
de democracia popular e davam exemplos como a Tchecoslováquia66, onde segundo a
interpretação chilena, a derrota do fascismo e daqueles que colaboravam com o governo foi
fundamental para instaurar um governo de coalizão democrática que ia do proletariado à
burguesia e que, perante mobilização e as pressões populares, sem guerra civil e sem
insurreição popular, o país estava se transformando em uma democracia popular e em um
governo do proletariado. A democracia popular teria que ser utilizada em consonância com
as condições históricas e econômico-sociais concretas, e com as peculiaridades de cada
país. Acreditava-se que na conquista de posições importantes, o estado democrático
popular, no curso do desenvolvimento da revolução socialista seguia o caminho para
transformar pacificamente a indústria e o comércio privados em parte integrante da
economia socialista.
Entretanto, o que houve na Tchecoslováquia não teve a ver com a via pacífica. O
poder militar da URSS ajudou em muitos momentos nas tentativas de realização da
transição de uma democracia popular para o socialismo, por meio do uso da força.
Inclusive, dentro das divergências entre o Partido Comunista e o Partido Socialista, estava o
fato do PS nunca ter apoiado a intervenção da URSS na Tchecoslováquia. De forma
alguma, na visão deles, não se poderia ver a situação daquele país como um exemplo
histórico.
Os informes do XX Congresso ainda refletiam que o emprego da violência durante a
transição ao socialismo não dependia do proletariado e sim da resistência dos exploradores.
Outra questão importante era o de aproveitar o caminho parlamentar para a transição ao
socialismo. Mas, para isso, era necessário o apoio da classe operária, pois a conquista da
maioria do Parlamento poderia significar a sua transformação em um instrumento da
verdadeira vontade popular e, assim, ser convertido em um órgão da autêntica democracia
66CORVALAN LEPEZ, L. Camino de Victoria.Santiago de Chile:1971, p.26.
64
para os trabalhadores, que daria condições para a realização de transformações radicais na
sociedade. Esse era mais um argumento do Partido Chileno, que analisava sua realidade, de
uma democracia já consolidada para acreditar que era possível a vitória de uma coalizão de
esquerda em conjunto com a eleição de muitos parlamentares, o que poderia significar um
importante avanço rumo à revolução chilena.
Assim, a partir do XX Congresso da URSS, defendia-se então que nos países
subdesenvolvidos e dependentes teria que se articular a luta antiimperialista,
antimonopolista e contra as oligarquias locais, vinculando também à defesa nacional, a paz
e a coexistência pacífica. Essas lutas seriam um passo intermediário ao sistema socialista, e
deveria ocorrer de preferência dentro de uma via pacífica.
No XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética as teses sobre a via
pacífica continuaram sendo debatidas como uma possibilidade não muito excepcional. Mas,
era preciso que os trabalhadores desenvolvessem uma ampla luta de massas fora do
Parlamento para vencer as forças reacionárias e criar as condições necessárias para fazer a
revolução socialista pela via pacífica.
Segundo Luis Corvalán, o Partido Comunista Chileno, desde sua formação
percorreu o caminho de unificar os trabalhadores e, posteriormente, convenceu-se da
necessidade da própria construção de um projeto que extrapolasse a via eleitoral,
mostrando, de fato, um caráter de mudança em relação aos rumos que a sociedade chilena
vinha tomando, ou seja, do capitalismo extremamente dependente do imperialismo norte
americano. Entretanto, o rompimento com o capitalismo, não poderia significar pelo menos
inicialmente, rupturas no sistema democrático já consolidado e muito menos na economia67
pelo grau de dependência e pela própria constituição social chilena. O PC, pelo menos
inicialmente, não queria se afastar de parte da burguesia chilena e foi desenvolvendo a sua
política de acumular forças para estabelecer novas bases. Toda estratégia montada pelo
Partido Comunista de participar e formar frentes, era no sentido de que só se poderia
construir um projeto genuinamente chileno se as condições internas fossem as
predominantes. Seria somente a partir de uma análise das condições reais do momento
67 O programa de 1969 do PC representa na parte econômica essa idéia de não haver rupturas na economia de forma imediata. Para tal, estabelece três níveis econômicos para preparar a transição ao socialismo: a economia estatal, mista e privada. No desenvolvimento desta pesquisa vamos desenvolver melhor esta questão.
65
vivido no Chile, que se poderia traçar um rumo político próprio, claramente fundamentado
em teorias marxistas e de acordo com as suas interpretações. Dizia ele:
O triunfo da Frente Popular em 1938 e a Aliança Democrática em 1946
demonstraram, precisamente, a possibilidade de que a classe trabalhadora e o
povo do Chile conquistem o governo por uma via que não é a da insurreição.
Certamente não é fácil que o povo ganhe as eleições em nosso país. Mas os feitos
indicam que tem sido capaz de ganhá-las uma vez e poderá ganhar com menos
dificuldades no futuro, na medida que se fortaleça e se desenvolva mais o
movimento popular e este possa impor novas e mais profundas ampliações de seus
direitos políticos eleitorais.68
Dessa forma, não há dúvida de que ao se referir à via pacífica era preciso buscar
fundamentação nos clássicos do marxismo, e faziam isso citando as “Teses de Abril”69
escritas por Lênin70, em 1917. A escolha por essa obra não foi de maneira aleatória, em
várias falas de dirigentes do pleno do CC do PCUS também se reportavam a ela para
justificar a teoria. Exemplo foi o discurso de A. I. Mikoian que, segundo sua interpretação,
dizia que, nas “Teses de Abril”, Lênin formulou a tomada do poder pela classe operária e a
realização da revolução por meio pacífico, através da conquista da maioria nos Sovietes. E
foi somente em julho de 1917 depois de um enfrentamento de operários com o governo
68 CORVALAN LEPEZ, L.,op.cit,p.29 et seq. 69 As Teses de Abril foram escritas e apresentadas por Lênin, em abril de 1917. Ele apresentou as tarefas do proletariado, no dia 04 de abril, além de analisar o momento histórico no qual a Rússia passava e o papel do partido e dos operários em todas essas questões. Lênin definia a particularidade do momento, na Rússia, como o período de transição da primeira etapa da revolução burguesa (passagem do poder do estado para a burguesia) para a segunda, proletária, (dominação do proletariado e dos camponeses). Queria preparar o proletariado para derrotar o czarismo e implantar a ditadura do proletariado. 70 As questões colocadas tanto por Marx quanto por Lênin enquanto uma remota possibilidade de tomada de poder pela via não armada pela classe operária e em circunstâncias totalmente atípicas, não tem haver com o raciocínio proposto pelo XX congresso do PCURSS e da proposta do PC Chileno. Este, afirmava ser possível coexistir o sistema capitalista e socialista e que, se as massas quisessem realmente o socialismo, os capitalistas iriam respeitar a opinião e o processo interno de cada país. Lênin e Marx falavam em rompimento com o capitalismo, não postulavam que através de uma vitória no executivo ou no âmbito parlamentar pudessem modificar o estado e a partir disso abrir caminho ao socialismo. O XX Congresso apresentou resoluções que nos parece ter um sentido de dividir o mundo em áreas de influência e dar uma trégua às guerras entre as duas potências do que propriamente ter um sentido de desenvolvimento de um processo revolucionário.
66
provisório que o desenvolvimento pacífico da revolução foi retirada, pois a situação já não
permitia. Em entrevista cedida à autora, Corvalán explica que:
A possibilidade de conquistar o poder através da via pacífica foi considerada por
Marx já em 1872 quando falou sobre o tema em Amsterdan. Ele recordou que
jamais tinha afirmado que a conquista do poder político para construir o
socialismo conduzem necessariamente por formas iguais e que sempre se deveria
considerar as instituições, os costumes, tradições dos diferentes países. Lênin em
suas famosas Teses de Abril de 1917, nos primeiros meses que seguiram desde a
queda do império czarista, estimou a possibilidade de que a revolução socialista se
realizara na Rússia através de um caminho pacífico mediante a conquista da
maioria dos soviets. Abandonou esta opinião quando mataram os trabalhadores em
Petrogrado e a contra-revolução dava seus primeiros passos. Depois as teses
cairam em esquecimento por muito tempo. E foi restabelecida pelo XX Congresso
do partido da URSS.71
Segundo o Partido Comunista chileno, se faziam considerações sobre uma possível
revolução socialista na Rússia, por meio de uma via pacífica, mediante a conquista no
parlamento e nos espaços do governo burguês, análise essa feita sobre a passagem do
estado capitalista ao estado socialista. Somente quando estava em marcha a contra-
revolução de Kornilov que Lênin e o Partido Bolchevique se lançaram para preparar a
insurreição. Isso não significava que o caminho pacífico não teria condições de se
concretizar, mas porque naquelas circunstâncias não existiam as condições objetivas para
que ela se desenvolvesse. Segundo as interpretações do Partido Comunista Chileno, tanto
Marx como Lênin conceberam a via pacífica como uma possibilidade excepcional para se
chegar ao socialismo, enquanto a via violenta era a mais aderida.
Entretanto, essa excepcionalidade, segundo leitura do PC estava posta para o Chile e
alguns fatores sempre eram ressaltados: o desenvolvimento de um forte movimento
operário, com sindicatos atuantes e participativos; o histórico democrático e a sólida
consolidação da institucionalidade; as dificuldades de romper com o imperialismo norte-
americano e portanto, com as bases que a sociedade chilena se desenvolveu; a dificuldade
71 Entrevista de Luis Corvalan Lepez cedido à autora em Santiago, fevereiro de 2004.
67
também de romper com a burguesia em detrimento de um projeto de poder para o
proletariado; eram questões postas na reflexão do PC. A Rússia, apesar de agrária, tinha um
situação social, econômica e política totalmente diferente do Chile. Lá não havia sido
possível a transição sem armas, mas no Chile, para o PC as condições estavam dadas.
Lênin, no seu texto, referia-se à particularidade do momento que a Rússia passava.
Haveria de ter tido por parte do Partido Chileno a preocupação de historicisar o momento
em que Lênin estava escrevendo o texto. Não fica claro para quem lê “As teses de Abril”,
que ali ele está defendendo a via não armada, fica explícito que falava de não adotar
modelos, de não achar que a teoria é um dogma e de dar todo poder aos sovietes. Para
Lenin, já acontecia a passagem da primeira etapa da revolução para uma segunda, sendo
que a primeira deu o poder à burguesia porque o proletariado não tinha consciência e
organização necessárias. Na segunda etapa, o poder seria passado para as mãos do
proletariado e camadas pobres do campesinato. Assim, essa transição se caracterizaria
“pelo máximo de legalidade (a Rússia é hoje o país mais livre dos países beligerantes); por
outro lado, pela ausência da violência sobre as massas, e finalmente pela confiança
inconsciente das massas no governo dos capitalistas, dos piores inimigos da paz e do
socialismo”.72 Cabia, portanto, ao Partido explicar às massas que os Sovietes de deputados
operários eram a única forma possível de governo revolucionário e ainda denunciar o
Governo Provisório.
Lênin não defendia uma república parlamentar e sim uma de deputados operários,
assalariados, agrícolas e camponeses de todo o país. Propunha um programa agrário com
intuito de transferir o centro para os Sovietes, confisco de terras, fusão de bancos, mas isso
ainda não seria o socialismo, mas apenas um passo. Para ele não era correto naquele
momento implantar o socialismo de forma imediata, mas passar para o controle dos
sovietes a produção social e distribuição dos produtos, o que era de extrema importância
para o trânsito à segunda etapa da revolução. Lênin ainda afirmava no documento que para
aquela época de transição de uma dominação burguesa para uma dominação proletária,
defendia a necessidade da existência do Estado, mas não de tipo burguês parlamentar, mas
de um Estado sem exército permanente, sem polícia contra o povo e sem burocracia acima
do povo. Entretanto, levanta questões importantes sobre a teoria. Fala em fórmulas já
72LENIN,V. As teses de Abril,1974, p4.
68
envelhecidas, que se modificam de acordo com os acontecimentos da realidade, levantando
inclusive que um marxista deve sempre levar em conta a própria vida, os fatos da realidade
e não somente continuar apegado à cristalização teórica. Para exemplificar, citava Goethe:
“a vida é verde, a teoria é cinzenta”. Deixava claro, então, que era importante para um
marxista não querer aplicar sua teoria sem uma profunda análise da realidade concreta,
como um esquema abstrato:
A nossa teoria não é um dogma, mas sim um guia para a ação, diziam sempre
Marx e Engels, zombando com justeza dos que decoravam e repetiam, sem as
digerir, fórmulas que, no melhor dos casos só podiam delinear as tarefas gerais,
que necessariamente mudam em correspondência com a situação econômica e a
política de concreta de cada período particular do processo histórico.
Agora é necessário compenetrar-se da indiscutível verdade de que os marxistas
devem ter em conta à própria vida, os fatos exatos da realidade, e não continuar apegado à teoria de ontem, que, como toda a teoria, unicamente traça, no melhor
dos casos, o fundamental, o geral, e só de um modo aproximado abarca toda a
complexidade da vida.73
Florestan Fernandes74, que organizou coletâneas e analisou textos de Lenin sobre a
extinção do estado e a revolução violenta, chega a ser categórico em dizer que Marx e
Engels afirmaram como um dos princípios de suas teorias de que a revolução violenta era
necessária e inelutável. Para ele, “está claramente dito que sem a revolução violenta, é
impossível substituir o Estado Burguês pelo Estado proletário”.
73 LENIN, V., op. cit. p.10. 74FERNANDES, F.(org.). Lênin – Política. São Paulo: Ática,1989,p.152.
69
1.4 – A repercussão do XX Congresso no Partido Comunista Chileno e a formulação
teórica da Revolução Chilena
O Partido Comunista Chileno enfatiza como o grande mérito do XX Congresso o
restabelecimento da validez da tese da via pacífica que, desde a morte de Lênin tinha-se
deixado de ser uma saída. Após este congresso, considerava a via pacífica como a via mais
provável de mudança do capitalismo para o socialismo. Aqui, o PC do Chile comungava
desta opinião.
O PC compreendia que no Chile não havia espaço para uma ditadura do
proletariado, pelo menos a priori, pela história de democracia no país. O PC não propunha
inicialmente romper nem com o imperialismo, nem com setores da burguesia
imediatamente. Dizia que era necessário um momento de transição para que o operariado
fosse assumindo o setor produtivo e por isso, tomando a liderança do Estado. Para o PC,
não havia espaço para rompimentos abruptos, justamente pela forma pelo qual, as bases
econômicas chilenas foram construídas. Por isso via como central o sufrágio universal, a
escolha do projeto político para o país através das urnas e do candidato para depois da
eleição, iniciar a tomada hegemônica do Estado. O sufrágio universal era entendido como
ponto de partida para a democracia, mas para que ela fosse “plena” não poderia apenas ser
representativa, mas deveria ser direta, através da participação popular, do controle dos
órgãos de decisão política e econômica. Inicialmente teria-se a vitória no executivo para
depois trilhar a conquista do parlamento. Achavam importante primeiro obter a Presidência
da República e, depois o parlamento, para modificar a natureza do Estado chileno.
O PC achava que para implementar um projeto político das proporções que era a via
chilena ao socialismo, teria que se apoiar na posição da maioria da sociedade. A idéia era a
de que para criar algo e principalmente se lutar pelo socialismo, o povo tinha que ter
consenso enquanto ao projeto e em relação à sua construção. Tratava-se de utilizar a
democracia burguesa para modificá-la e iniciar a democracia proletária, onde quem iria ter
o poder de mando seria principalmente o operariado.(Nelson Coutinho75 alertava para a
75 COUTINHO, N. Gramsci: Socialismo e democracia. A atualidade de Gramsci. IN: Gramsci a vitalidade de um pensamento. São Paulo:Unesp,1998,p.29.
70
concessão da “democracia como um caminho para o socialismo e não como o caminho para
o socialismo”).
O socialismo seria então instituído a partir da conquista, conservação e
aprofundamento da democracia política. No discurso do PC a democracia se torna o meio e
o fim para o socialismo, seria através dela que ocorreria a passagem do capitalismo para o
socialismo e, ao mesmo tempo, a democracia só significaria o seu conceito filosófico pleno
se houvesse o socialismo. Essa democracia no futuro seria mais que pluralista, seria
hegemonizada pelos trabalhadores. Por isso, o discurso da responsabilidade dos
trabalhadores para o desenvolvimento da revolução, foi apropriado pelo partido chileno que
colocou uma grande parcela da responsabilidade da viabilidade desta via na classe
trabalhadora, não dando a devida importância ao jogo político travado com setores mais
reacionários chilenos e que utilizavam recursos violentos e muito sofisticados. Talvez o
exemplo mais claro disso teria sido no próprio governo do presidente Salvador Allende, em
que a direita tinha um aparato psicológico e mobilizador de parte dos trabalhadores, que,
então, cobrava outras posturas do governo, inclusive apoiando o golpe militar mais tarde.
As tramas políticas parecem-nos muito mais complicadas e cheia de armadilhas que
extrapolam as dinâmicas do movimento social.
Mas em tempo, dizia-se que a via não dependia apenas do proletariado. Alguns
partidários defendiam que, ao mesmo tempo, era preciso preparar-se para situações difíceis
no percorrer da via pacífica. Para isso, o PC tinha grande responsabilidade, pois era capaz
de apreciar situações que obrigassem uma mudança de tática e até optar pela utilização das
armas. Isso significaria ter uma dupla linha, em que os dois caminhos teriam que ser
percorridos ao mesmo tempo, mas sem dispersão e exposição do movimento popular.
O artigo do então presidente do PC, Luis Corvalán76, ressaltava o poder da classe
trabalhadora. Segundo ele, as experiências da França, Espanha e Chile na época das Frentes
Populares contra a guerra e o fascismo, deixavam claro que a classe trabalhadora tinha
grande destaque pelo seu caráter de vanguarda, podia forjar uma frente de trabalhadores e
popular ampla, criando condições de colaboração política com outros setores sociais e, por
este caminho, agrupar a maioria do povo e conquistar o poder pela via pacífica. Ressaltava
76 Esse artigo cujo título é “Acerca de la via pacífica” foi publicado em janeiro de 1961 na Revista Princípios, também órgão de imprensa do Partido Comunista Chileno.
71
ainda, que para se formular uma via pacífica para o Chile não era necessariamente
obrigatório contar com exemplos históricos concretos anteriores, até porque não existiam.
Não era preciso ter uma prova prática de que poderia dar certo, mas era um caminho a
trilhar, mesmo que formulando teorias para tal.
As teses sobre a possibilidade da via pacífica não se referem apenas aqueles países
que já estavam fazendo a transição do capitalismo para o socialismo, mas, também, para
aqueles onde existia uma revolução democrática ou, simplesmente, uma revolução nacional
libertadora. Utilizavam a declaração de Moscou aos 81 Partidos Comunistas e de
Trabalhadores para corroborar desse pensamento:
Em caso das classes exploradoras recorram à violência contra o povo, tem que se
ter em conta outra possibilidade: o passo ao socialismo por via não pacífica. O
leninismo ensina e a experiência histórica o confirma, que as classes dominantes
não cedem voluntariamente o poder. A dureza e as formas da luta de classes em
tais condições não dependem tanto do proletariado, como da resistência que os
círculos reacionários sobrepõem a vontade da imensa maioria do povo, do
emprego da violência por esses círculos em uma ou outra etapa da luta pelo
socialismo77.
Está claro na interpretação do PC, que em alguns países não se tinha a possibilidade
de marchar pela via pacífica, inclusive porque eram obrigados pelos que queriam manter a
ordem capitalista, mas, em outros, essa possibilidade existia. Porém, de qualquer forma,
todos que optassem por uma via violenta teriam, mais tarde, de prosseguir pela via pacífica.
E esta, poderia se fazer um caminho longo e contínuo.
Dessa forma, tiravam as seguintes conclusões sobre o processo revolucionário:
primeiro, em alguns países não havia ainda as condições e possibilidades de se seguir por
um caminho pacífico, pois ele dependia de uma série de fatores internos; segundo, que em
outros países, a revolução poderia se iniciar pela via pacífica e posteriormente optar pela
via violenta sem que as classes inimigas obrigassem a isso, e então consolidar a ditadura do
proletariado; em terceiro, que a revolução podia caminhar pela via violenta e depois passar
77 CORVALAN LEPEZ,L., op.cit.,p.27.
72
para a via pacífica; em quarto, que a via pacífica poderia ser um caminho contínuo. Ou seja,
cada realidade teria uma condição própria para o seu desenvolvimento e sua consolidação.
Para isso, os partidos comunistas teriam que ter uma análise da sua realidade muito
aprofundada para possibilitar o desenvolvimento e a consolidação da revolução. No Chile,
segundo avaliações, desde os tempos de Frente Popular, vinha se desenvolvendo a via
pacífica, sob intensas análises das condições da realidade.
Assim, segundo Luis Marquez78, a possibilidade da via pacífica, a partir das análises
de discussões do movimento comunista internacional e da leitura realizada a partir da
realidade chilena, principalmente por aqueles que defendiam tal projeto, davam elementos
decisivos que permitiram o aprofundamento e a defesa por parte do Partido Comunista da
premissa de uma revolução sem armas: 1) a existência da FRAP como um exemplo de
frente política apresentava-se como forma de instigar o apoio da população para vencer as
eleições; 2) a existência de um sistema eleitoral em que se houvesse apoio popular e
mobilização de massas poderia constituir um conjuntura para eleição de um governo
popular; 3) a vontade que animaria a maioria nacional relacionada a idéia de vitória,
passando pela conquista de um poder popular sem ser através da via armada; 4) as tradições
políticas do país, através do desenvolvimento da democracia burguesa e sua consolidação
diante de pressões populares que reivindicavam a defesa e a ampliação das liberdades
democráticas e que favoreciam a luta contra tentativas golpistas. Para o autor, apresentava-
se então a via não armada como uma necessidade histórica.
Parece-nos aqui que a fundamentação da via pacífica enquanto teoria não estava tão
bem solidificada, mas em contraposição, estava melhor argumentada a fundamentação
política partindo da interpretação da história chilena para consolidar o projeto da via não
armada.
Dentro do próprio PC e da esquerda chilena havia questões teóricas importantes que
provocaram muitos debates, principalmente pelo fato de se estar formulando uma teoria da
via pacífica para o Chile. Essas discussões estão condensadas em um texto publicado pelo
PC em 1964 e que refletia os paradoxos vividos dentro dos Partidos Comunistas,
principalmente depois do polêmico XX Congresso do PCUS. Inicialmente, podemos citar o
próprio conceito de via pacífica: era uma via revolucionária, tendo como base a vontade e a
78 CORVALAN MARQUEZ,L.,op.cit., p.55
73
luta da população. O termo “pacífico” sugestivo de passividade parecia como algo distinto
da revolução. Por isso, era importante utilizar termos que não dessem essa dubiedade de
sentidos. Assim, falava-se em substituir o termo via pacífica por via não armada.
Outra questão muito discutida está no teor revolucionário da via pacífica que,
partidos como o MIR79 e parte do PS, achavam não ser ela uma via revolucionária. Ela se
identificaria mais com uma via legal ou constitucional. No entanto, o PC defendia que
mesmo sendo via pacífica, ela deveria infringir o tempo, o legalismo e a constituição
burguesa. Uma nova legislação deveria ser feita, mas sob interesses da classe trabalhadora.
Outro debate que se fazia no interior do partido, era o de que a via pacífica não seria
obrigatoriamente uma via parlamentar, visto ser o Chile um país presidencialista e,
portanto, sua conquista do poder passava também pelo executivo. Portanto, a via pacífica
muito mais que uma via que iria modificar o Estado pelo parlamento, se instituiu como uma
via identificada com a conquista do executivo através de eleições. A realidade política e
social do Chile, segundo o PC, permitiam que se ganhasse as eleições presidenciais e a
partir daí imprimir mudanças de fundo na sociedade, sendo que as eleições de 1958
apresentaram como a materialização política dessa linha traçada pelo Partido Comunista.
As confusões sobre a definição de via pacífica eram grandes, e tentavam combater
os chamados “esquerdistas chilenos” que não conseguiam vislumbrar um caminho sem
guerra armada para se construir uma nação de fato socialista. O PC utilizava a política de
coexistência pacífica no plano internacional, que era entendido como uma forma de luta de
classes (limitada no plano econômico, político e ideológico), tentando estabelecer o
compromisso entre capitalistas e socialistas de que cada povo fosse determinado por suas
questões internas, ou seja, fosse auto-determinado, e, utilizava a via pacífica, referindo-se
ao plano interno, com o sentido de não se ter uma existência amigável entre exploradores e
explorados, e, caso fosse preciso, que se utilizasse as armas para a conquista do poder. O
slogan utilizado pelo partido comunista no Chile era “nem revisionismo, nem
evolucionismo, nem reformismo e nem cópias mecânicas”.
79 O Movimento de Esquerda Revolucionaria foi criado em 15 de agosto de 1965 quando foi aprovado sua declaração de princípios no congresso de fundação. Ele se define como a vanguarda marxista-leninista da classe trabalhadora e dos oprimidos e é regido pelo princípio do centralismo democrático. Sua estratégia de luta é orientada pela tática da luta de classe contra classe e tem como objetivo preparar e organizar a Revolução Socialista chilena. Critica claramente a via pacífica, a teoria das etapas para se construir a revolução e a política de alianças com a burguesia.
74
Realmente, tentavam elaborar diretrizes políticas que dessem consistência à teoria
da transição ao socialismo que estava sendo pensada, entretanto, ainda sob um debate muito
confuso entre a esquerda chilena e o próprio Partido Comunista. Era importante que todos
assimilassem que a via pacífica nada tinha a ver com as concepções revisionistas que
possuíam uma visão evolucionista do capitalismo para o socialismo, nem com a política
dos reformistas que, na verdade, lutavam por reformas no interior do estado e do sistema
vistos como o fim de sua ação, não mais vislumbrando a revolução adiante. Entretanto, esse
discurso parece aproximar muito da realidade da experiência chilena, por mais que o PC
quisesse negar.
Neste debate sobre a via pacífica, o que mais era enfatizado talvez fosse o fato de tal
via não ser um caminho obrigatoriamente eleitoral, porém, que abrigava diversas formas e
situações. Essas, por sua vez, produziriam outras formas de luta, inclusive algumas mais
intensas, que usariam, se fossem preciso, da violência ou da insurreição armada.
Neste sentido, o documento do PC fala:
A greve geral, a tomada de terrenos pelos colonos, as lutas nas ruas e inclusive a
conquista de terra pelos camponeses em algumas partes também são formas de
violência e elas, por certo, se tem dado e se dão no caso chileno. Poderíamos dizer
que, pelo contrario, tais tipos de violência formam também parte de um processo
revolucionário que se desenvolve pela via pacífica80.
E ainda em outros documentos, o partido expunha questões importantes sobre a
realidade chilena, como por exemplo, o da importância de se disputar uma eleição
presidencial de forma articulada, através de um campo amplo, com chances de vitórias
para, depois, disputar eleições parlamentares ou municipais. O poder executivo teria mais
atribuições que o legislativo e, uma vez tendo sido conquistado, seriam muito melhores as
condições de se obter uma maioria absoluta no parlamento. O poder executivo deveria
utilizar o regime presidencial para realizar importantes trocas de toda ordem, prevendo
passar para um regime parlamentar de novo tipo, que seria uma das formas de se
80 CORVALAN LEPEZ,L.,op.cit.,p.34.
75
desenvolver a revolução chilena. Não necessariamente que os caminhos cubanos tivessem
de se estender a toda América Latina, mas, por outro lado, que a via pacífica também não
fosse vista pela posteridade apenas como uma eleição parlamentar ou como uma eleição
presidencial.
Aliás, a questão cubana se tornava um desafio, quanto à explicação da via pacífica.
O fervor causado na esquerda da América Latina pelo triunfo da Revolução Cubana81,
através da via armada, e que implantou o socialismo no chamado “quintal do
imperialismo”, voltava as atenções para o debate sobre a questão da revolução na América.
O Partido Comunista Chileno se via na obrigação não só de explicar a via chilena, mas de
fundamentá-la e, assim, insistir na necessidade de não se adotar modelos. Até porque, os
que defenderam a via institucional, a reforma do sistema burguês incluindo aqui o Estado, o
sufrágio universal e discordaram da necessidade da ditadura do proletariado, foram
denominados de reformistas e revisionistas. O PC chileno queria demonstrar que suas
teorias sobre a revolução chilena estavam fundamentadas nas discussões apresentadas por
Marx, mas principalmente por Lênin.
As desconfianças e, num primeiro momento, o estranhamento da via não armada era
considerado até normal por causa das experiências da URSS e, principalmente, de Cuba.
Por isso, o partido se debruçou profundamente para reforçar os argumentos pró-via
pacífica. Segundo ele, o estudo das experiências enriquecia e abria novas perspectivas, mas
tais experiências não tinham validez prática para todos os países latino-americanos:
...nunca apresentamos a chamada via pacífica ou via chilena como um caminho
oposto ao que seguiu a revolução em Cuba. Sustentávamos e sustentamos ainda
81 A Revolução Cubana, foi um dos processos mais significativo e importantes que ocorreu na América Latina. Ela foi conduzida por Fidel Castro e Che Guevara, sem inicialmente propor uma transformação socialista, mas visando o desmantelamento do governo de Fulgencio Batista. O movimento se iniciou com objetivo antioligárquico em Sierra Maestra, a partir do “foco guerrilheiro”, ou seja, através da criação de um movimento armado por parte de um grupo de pessoas que desencadeava um processo de integração entre a luta armada e a população camponesa da região escolhida. Com a vitória em 1959, iniciou-se um programa de reformas com confisco dos bens de Batista, expropriação de latifúndios, distribuição de terras, reforma monetária, nacionalização de algumas empresas, etc. A resposta norte-americana foi cortar o petróleo que fornecia a Cuba e mais tarde o embargo econômico à Cuba de uma série de países. Isso fez com que Cuba se aproximasse de novos parceiros procurando o bloco socialista, em especial a URSS para ajuda, levando ao movimento em se converter em uma Revolução Socialista. Cf:C. Guazzeli. História Contemporânea da América Latina.
76
que todos os povos da América Latina, uns primeiros e outros depois, que cada
qual de acordo com suas próprias condições, com suas próprias características
romperiam com a opressão imperialista, da dominação de oligarquias e
marchariam ou marcharão até o socialismo... nunca tentamos converter o Chile e o
movimento popular chileno em algo como o centro das atenções que tornassem
orientações que pudesse parecer contraditório com a revolução Cubana.82
Dentre as conclusões, vale apenas ressaltar que o exemplo de Cuba abria
possibilidades de demonstrar a possibilidade real de se fazer revolução no continente.
Porém, o apoio de outras nações socialistas era fundamental para que se enfrentasse a
reação imperialista.
Para o Partido Comunista do Chile, por mais que as justificativas de Kruschov na
necessidade da via pacífica não fossem nenhum pouco satisfatória para alguns, e que aquele
congresso por uma série de questões tornou o debate entre os partidos comunistas bastante
acirrado, não justificava que o outros partidos quisessem fazer valer que a experiência
Cubana teria que ser tida como um modelo para os outros países da América Latina. O
Partido Chileno criticava a interferência nos seus debates internos, o que também não tirava
a fragilidade da tese construída para justificar a via pacífica no Chile, e mais tarde no
Governo de Allende, o não preparo da via armada como uma das formas de resistência a
uma possível articulação de golpe militar.
O Partido Comunista do Chile, em 1961, alertava para necessidade de se debruçar
mais sobre a teoria e as formas práticas da revolução. Deixava claro que a via chilena só
excluía a guerra civil ou a insurreição armada como forma de luta principal, e que as outras
formas de luta poderiam se desenvolver no curso da experiência chilena. Mas, mesmo
assim, era importante, no centro da via chilena, também preparar alguns destacamentos
armados em caso de alguma reação contra o possível governo ou contra os trabalhadores.
Portanto, era uma via que primava pelo institucional, mas que previa também uma
estratégia armada para se defender de possíveis oposições e garantir a seguridade do partido
e do seu trabalho de massas em qualquer instante.
A Revolução Chilena, de qualquer forma que se desenvolvesse, teria de percorrer
determinados aspectos da luta social para se concretizar. Por exemplo, impulsionar a frente
82 Luis Corvalan Lepez em entrevista cedida à autora em Santiago, fevereiro de 2004.
77
da luta de massas, fortalecer a unidade e a luta da classe trabalhadora, avançar na aliança
entre trabalhadores e camponeses e trabalhar para agrupar a maioria da nação chilena em
torno do proletariado e dos objetivos antiimperialistas e antioligárquicos. Era preciso
compreender e assimilar que a revolução não estaria completa apenas com a conquista do
poder. Esta seria uma primeira parte onde a luta de classes no âmbito econômico, político e
ideológico teria que se aprofundar. Mas, sem impulsionar a luta das massas, nem mesmo
essa primeira etapa poderia consolidar-se, muito menos uma revolução no seu termo pleno.
Certos pontos das reflexões do PC são importantes, pois demonstram algumas das
discussões no campo teórico e como foi pensada a Revolução Chilena: se no Chile fosse
aberto o caminho para uma revolução violenta, ela talvez começasse na cidade, por meio de
um levante do proletariado com uma combinação: de luta armada e apoio das massas no
campo. Isso não duraria muito tempo, pois, tendo em conta os fatos das tradições da luta de
classe da classe trabalhadora, no Chile, nenhum governo se sustentaria durante a
interrupção das atividades econômicas que estavam sob controle da burguesia internacional
e dos latifundiários.
Segundo comentários do PC, isso não significaria uma subestimação da luta no
campo, mas não seria como em Cuba, onde a revolução se iniciou no campo com a guerra
de guerrilha e, depois, ganhou as cidades. Não parecia correto afirmar que a revolução
social, obrigatoriamente, seguiria o caminho da violência nos países que não tivessem uma
tradição democrático-burguesa e onde imperassem ditaduras. Ou também que teria um
caminho pacífico naqueles países, onde existissem governos constitucionais. Se isso fosse
levado em consideração, o Chile, necessariamente, teria de adotar a via pacífica, o que
poderia paralisar a classe trabalhadora nos momentos em que fosse importante desenvolver
outras estratégias.
A mudança do sistema capitalista para o socialismo não podia estar aparado por
esquemas e dogmatismos. Ela obedeceria a leis e riscos gerais comuns a todas as
revoluções. Era importante que não se incorresse em ações oportunistas e em erros
revisionistas. O andamento do processo revolucionário residia no caráter de massa que seus
movimentos deveriam ter: o papel da classe trabalhadora e do partido de vanguarda. Dentro
dessas balizas, torna-se fundamental lembrar que o conceito de revolução apresentado, era
o de que ela só poderia ser resultado da obra de um gigantesco esforço da organização dos
78
trabalhadores e da luta das massas, caso o proletariado conquiste a direção do movimento.
A via chilena só seria possível se houvesse o desenvolvimento da consciência
política do proletariado e mais amplamente das massas populares que se agrupariam em
torno de um amplo programa de reformas democráticas que iam contra a dominação do
imperialismo e da burguesia monopolista. Para tal, o isolamento dos inimigos principais e a
neutralização de setores vacilantes era no mínimo uma demonstração de que a revolução
era possível. Assim como o desenvolvimento de uma política de entendimento, de unidade,
de aliança da classe trabalhadora com outras classes, capaz de neutralizar setores vacilantes
e de isolamento dos inimigos: a unidade comunista-socialista, também se fazia
fundamental. As diferenças entre os dois partidos deveriam ser discutidas, mas não
deveriam emperrar o desenvolvimento das lutas dos trabalhadores. Segundo o PC, o que
unia os socialistas e os comunistas deveria ser mais forte do que as divergências.
O grande desafio para os comunistas seria o de continuar sendo um partido da classe
trabalhadora e estar enraizado nas massas. Ser um partido proletário, grande, com
experiência e capacidade de luta, sempre atento às armadilhas da burguesia, educada em
uma ideologia ‘marxista-leninista’ e com marco forte do internacionalismo proletário, tudo
isso seria força principal do movimento popular.
Essas questões, levantadas pelo Partido Comunista no ano de 1964, explicitam o
objetivo de reforçar a peculiaridade de cada processo histórico, a partir de uma leitura da
importância da via pacífica, discussão essa ainda anterior à experiência da Unidade Popular
sobre o importante papel dos trabalhadores e a necessária harmonia entre comunistas e
socialistas, que mais tarde se tornaria um apelo para a unidade de toda esquerda chilena.
79
CAPÍTULO II
2.1-Algumas reflexões do PC sobre a realidade chilena para a elaboração do
programa de 1969
Diante das discussões relevantes que estavam sendo ressaltadas no mundo
comunista, principalmente depois do XX Congresso do Partido Comunista da União
Soviética, das críticas principalmente feitas pela China à revolução pacífica e, à
coexistência pacífica, o Congresso do Partido Comunista Chileno adotou linhas claras de
atuação: o projeto da via pacífica era cada vez mais enfatizado e dissecado na sua imensa
variante.
Assim, algumas questões eram salientadas. Era importante a visibilidade que ela só
seria possível se houvesse uma política de unidade do seu principal sujeito: a classe
trabalhadora. Ela teria que se agrupar com a maioria do povo em torno de questões que
passavam por: reformas democráticas, contra a dominação do imperialismo83 e da
burguesia monopolista84. Era a chamada aliança de classes para neutralizar inimigos e
setores mais vulneráveis. Para consolidar a via pacífica, a política de unidade, de aliança
entre comunistas, socialistas e parte da burguesia, e para isso o entendimento entre eles era
algo vital, tanto que o partido alertava para que fosse dada a essa questão muita atenção,
pois ela poderia sepultar a possibilidade de revolução. As coalizões para disputar as
eleições, eram encaradas pelo PC como um definidor do desenvolvimento de um processo
que culminaria na possibilidade de abrir caminho para o socialismo.
83 Para Lênin, o imperialismo era a fase monopolista do capitalismo. Este só se transforma em imperialismo quando, do ponto de vista econômico, ocorre a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A livre concorrência converte-se em monopólio, criando nela a grande produção, eliminando dela a pequena, substituindo a grande por uma maior ainda, levando a concentração da produção e do capital a um ponto tal que fez surgir os monopólios: cartéis, sindicatos, patronais, trustes, fundindo com eles os capitais de poucos bancos que passam a reunir bilhões. Para Lênin, o imperialismo tende, de maneira geral para a violência e a reação. Ele caracteriza-se pela tendência de anexar não só regiões agrárias mas também industrializadas, pois constitui em sua nova essência uma nova partilha de territórios e a rivalidade entre grandes potências com vistas à hegemonia. Cf: Lênin-O imperialismo: fase superior do capitalismo. 84 A burguesia monopolista, era entendida pelo Partido Comunista Chileno como a classe dominante que era portadora do poder econômico e do poder político. Era a burguesia financeiro-industrial formado por grupos estrangeiros principalmente, que estavam assumindo o controle da economia chilena. A dependência era tal, que segundo Alberto Martinez, o domínio imperialista transformou-se no “aporte externo” na extração de excedentes e do desenvolvimento nacional. O processo de industrialização havia perdido o seu caráter nacional, assumido por empresas estrangeiras. Cf: Chile Hoy, p. 208
80
A Frente de Ação Popular (FRAP) é muito lembrada no sentido de se ter
conseguido uma unidade histórica entre os partidos de esquerda, principalmente entre
comunistas e socialistas não apenas por um programa comum, mas também no sentido de
se ter consolidado um conjunto de relações de igualdade e respeito.
Segundo análises de Eva Luna85, a unidade comunista-socialista abria possibilidade
de um projeto único de mudanças. Muitos olhares se voltaram para o Chile, que estava
tentando trilhar seu próprio caminho no momento em que a esquerda ia aumentando a cada
eleição o seu eleitorado e sua base de apoio com o envolvimento dos trabalhadores e
sindicatos. Dessa forma, a evolução do eleitorado chileno desde 1958 culminaria na vitória
em 1970, observando que na eleição da FRAP Allende ficou em segundo lugar com 28,6%,
tendo Allessandri em primeiro com 31,2%, diferença de 2,6%. Diante desse quadro, o
Partido Comunista insistia na continuação da aliança para as eleições de 1964. Entretanto,
para que isso ocorresse no futuro, um enorme esforço teria que se realizar, pois havia
grandes divergências entre o PC e o PS que teriam que ser resolvidas, dentre elas a essência
do governo, o programa de governo, o candidato, etc.
Sobre a unidade entre o PS e o PC estava claro que para tentar articular qualquer
programa de governo para lançar um candidato à presidência da república, era preciso que
esses dois maiores partidos de esquerda estivessem juntos e afinados em relação à política
de mudanças. O secretário geral do PC em 1956, Galo González, por ocasião do X
Congresso afirmava:
No Chile, digo, começou desde um certo tempo, uma nova etapa nas relações entre
os comunistas e os socialistas. No passado lutamos juntos muitas vezes. Mas
também em certas ocasiões nos demos um pouco menos que as mãos. Não é o caso
de discutir quem teria razão. Mas sim recordar que cada vez que caminhamos
unidos a classe trabalhadora saiu ganhando e cada vez que nos separamos ou
brigamos, o inimigo obteve vantagens. Em 1938 esteve o PS no governo. O PC não.
Em 1946 estivemos no governo e o PS não. Outra coisa teria sido se comunistas e
socialistas estivessem estado juntos tanto no governo como fora dele. Nosso
partido tem o mais veemente desejo de estreitar sua amizade com os partidos
85 LUNA, E. Estúdios y materiales para la historia da América Latina – 1955-1990. Valencia:Universidad de Valencia,1998, p.162.
81
socialistas. Não queremos rivalizar com eles, disputarmos os sindicatos ou nada
parecido. Desejamos um grande Partido Comunista, lutamos por nossos pontos de
vista. Mas desejamos também um grande Partido Socialista e nos parece saudável
que eles lutem como nós por seus pontos de vista. Ma,s todavia, olhamos com
simpatia a idéia lançada para fundir os partidos socialistas em um só. Somos
partidários de tudo isso no bom entendimento, claro está, que de outra parte haja
sentimentos recíprocos e que todos juntos, comunistas e socialistas lutaremos pelo
socialismo e um dia pela libertação nacional.86
Nesta fala do secretário geral do PC, torna-se claro que a política de entendimento
com o PS tinha que ser levado adiante, porém existiam dificuldades grandes principalmente
no que se refere às disputas nos movimentos sociais.Para que se consolidasse uma unidade
desses dois partidos e principalmente entre seus militantes de base, se teria que distensionar
na política e ter de fato um grande projeto a ser levado adiante.
Além dessa dificuldade, tanto os movimentos sociais quanto o MIR atacavam
duramente as teses da via pacífica, o que ficava cada vez mais difícil obter uma unidade
entre a esquerda em torno dessa possibilidade e, principalmente com o aliado prioritário
que era o PS por alguns de seus setores também criticarem a via não armada. Por essas
questões em 1964 lançou um documento chamado “Aseguremos el camino pacífico”. Esse
documento buscava além de justificar a via pacífica, apontar algumas discussões que
grupos e partidos contrários realizavam. Levantavam inclusive a possibilidade de que se
houvesse um golpe contra o povo, haveria uma reação armada para garantir a democracia.
Em 1964 houve novas eleições e a FRAP obteve nova derrota. Esse fato abriu
caminhos para que, dentro do PS, houvesse novas discussões sobre a utilização das eleições
dentro da legalidade, tendo como horizonte à revolução socialista. Assim, os socialistas da
chamada “ala de esquerda”, refletiram após as eleições de 1964 na necessidade de
estabelecer posições mais claras sobre os caminhos da revolução no Chile, já que tinham
um crescente apoio dos trabalhadores e camponeses87. Por sua vez, os socialistas
moderados continuaram a defender que era preciso ampliar a coalizão de forças, inclusive
86 CORVALAN LEPEZ, L. El gobierno de Salvador Allende.Santiago de Chile:Lom,2003, p.7. 87 Cf: GARCÉS, J. 1970. La pugna política por la presidencia en Chile.
82
com partidos ou lideranças mais progressistas de centro, para chegar a uma vitória eleitoral.
Esse debate perdurou até o final do governo Allende.
Por ocasião da Conferência Internacional dos Partidos Comunistas e Trabalhadores
em Moscou na data de junho de 1969, o Partido Comunista do Chile que já vinha mantendo
discussões para consolidar a Unidade Popular - que no outro ano elegeria Salvador
Allende- frisou muito a questão do internacionalismo proletário, assim como da unidade de
todos os partidos progressistas. Um dos debates levantados foi a propaganda anti-soviética
e anti-comunista adotada pelos norte-americanos principalmente na América Latina, e que
mais tarde no governo Salvador Allende chega ao seu ápice no Chile. Dentro dessa
discussão apresentava como era importante a unidade comunista. Dentro dessa perspectiva,
também dava explicações sobre discursos que diziam que o partido chileno era
extremamente dependente do partido na União Soviética. A resposta era direta:
...sobre alguns assuntos os comunistas soviéticos podem não gostar de nossas
posições, mas tem que se reconhecer a importância deles para o mundo bipolar que
existia em 1969, e como joga papel o seu desenvolvimento econômico e militar, seu
peso político no mundo88.
Nessa reunião, o Chile também expressava que mesmo não tendo sido incorporadas
suas emendas no documento final da Conferência achava que a questão das possibilidades
de caminhos para a revolução precisava ter sido melhor abordada. Para eles, como este
documento buscava diminuir as arestas existentes entre a URSS e a China, não se abordou
este assunto para não causar mais polêmicas entre esses dois principais partidos. A
preocupação principal da delegação do PC do Chile que participava da conferência era a
respeito da via pacífica, termo, que para não deixar dúvidas quanto ao seu caráter
revolucionário, os comunistas chilenos preferiram utilizar a terminologia não armada.
Segundo sua argumentação, no Chile não havia mais espaço para chamar o momento de
pacífico, pois além das pessoas estarem recorrendo a greves, ocupações, dentre outras
formas de luta, também estavam acontecendo confrontos com a polícia, sem dizer na
violenta reação da direita naquele país.O enfrentamento com o governo burguês e, portanto,
88 CORVALAN LEPEZ,L., op.cit.,p.270
83
com o capitalismo, já era um fato. E ainda, colocaram como necessidade o estreitamento do
vínculo com os Cubanos.
Chegando da União Soviética, a direção do Partido Chileno lança então o poeta
Pablo Neruda89 para presidente da República, adotando uma postura de chamar os partidos
de esquerda para debater um programa socialista e, depois, unificar o nome do candidato.
Nesta ocasião, o projeto da via não armada, era caracterizado, no sentido de que um
possível governo de esquerda deveria assegurar a independência econômica, mudar as
estruturas para abrir o caminho para uma democracia mais real, onde o Chile seria a pátria
de todos e não de apenas alguns. Chamam também a responsabilidade da esquerda para
discutir projetos e unidos chegarem a um candidato que fosse toda essa expressão e ao
mesmo tempo se colocam na disputa para encabeçar a coalizão:
Temos direito como os que mais desejam que o nosso candidato seja o da Unidade
Popular. O Partido Comunista se tem convertido, por vontade do povo no primeiro
partido da esquerda chilena. Ainda que, desde 1938 vimos apoiando candidatos
radicais, socialistas e não seria mal que agora apoiassem o nosso. Entretanto, é
claro, este legítimo desejo com o sentido de nossa responsabilidade total, com o
dever de fazer todo o possível para forjar um triunfo do povo, por criar a Unidade
Popular e levá-la a vitória. Isto quer dizer que também neste aspecto temos uma
conduta unitária não só nas palavras. Não decidimos: Pablo Neruda ou nenhum
outro. Não decidimos: ou o nosso candidato ou não há unidade90.
Por ocasião do Congresso Nacional do Partido Comunista, realizado em 23 de
novembro de 1969, portanto num importante momento já que se deu às vésperas da
consolidação da UP e também seria um importante espaço para reflexões e de tomada de
diretrizes que iriam nortear a ação partidária, a análise que se fazia era de um profundo
89 Pablo Neruda, pseudônimo de Nefatli Ricardo Reys Basoaldo, nasceu em 12 de julho de 1904 em Parral no Chile. Começou a escrever ainda menino, em 1971 ganhou o Prêmio Nobel de literatura. Foi cônsul na Espanha de 1934 a 1938. Em 1969 foi indicado à Presidência da República pelo Partido Comunista, mas retirou sua candidatura em favor de Salvador Allende, participando ativamente de sua campanha. Com a vitória da UP, foi nomeado embaixador do Chile na França. Neruda dizia ter se definido como comunista durante a guerra da Espanha. Durante o governo da Frente Popular foi encaminhado pelo governo à França para tirar espanhóis da prisão e leva-los para o Chile. No Governo de González Videla teve-se uma forte repressão anticomunista e Neruda também teve que “cair” na clandestinidade. 90CORVALAN LEPEZ, L. Camino de Victoria. Santiago de Chile,1971, p.282
84
acirramento entre os movimentos populares e o governo de Frei. Para sua eleição, havia-se
falado em uma verdadeira “revolução em liberdade”, que seria na essência um governo que
havia prometido mudanças importantes para os setores mais pobres da população. Alguns
setores populares caíram na descrença e diziam que não havia saída para os problemas do
Chile.
O PC parte então, para denúncias de que o governo Frei queria era salvar o
capitalismo e por isso não iria realizar as mudanças necessárias para melhorar as condições
de vida, e ainda iria impedir a revolução popular e o socialismo. Mas reconheceu que havia
diferenças internas dentro da DC chamando-a de pluriclassista, o que demonstrava uma
habilidade para jogar politicamente com setores mais progressistas da DC. De um lado
estava parte da população e militantes importantes que haviam votado em Frei com intuito
de que o seu governo tivesse a disposição de aplicar o que ele havia prometido nas eleições,
ou seja, as chamadas mudanças estruturais e, por outro lado, estavam partidários da DC que
tinham posições bem mais conservadoras e à direita, que pressionavam no sentido de que
não se realizassem as promessas eleitorais. Diziam também, que não concordavam com os
caminhos escolhidos por Frei. Declarava-se oposição ao governo, mas não uma oposição
cega e sim ativa. Entretanto aprovou internamente, um documento cauteloso em relação ao
governo, afirmando que era necessário isolar os inimigos principais e considerar as
contradições internas no governo. Assim, a principal questão não passava entre governo e
oposição, mas entre os inimigos principais, devendo inclusive apoiar o governo se servir
para derrotar interesses dos inimigos. Aqui, tentava-se continuar o relacionamento de
diálogo com a DC, principalmente com os setores mais avançados e por isso, o PC foi
chamado várias vezes de colaborador do governo Frei. O jogo político que o PC tentava
fazer era o de não isolar setores mais progressistas da DC, pensando inclusive nas eleições
de 1970. Sua política de alianças sempre foi alvo de muita crítica por parte de setores da
esquerda chilena.91
O PS teve uma postura extremamente crítica em relação à vitória de Frei. O
documento aprovado na reunião do comitê central ia no sentido de mostrar que a coalizão
de esquerda, portanto a FRAP não conseguiu denunciar a DC enquanto força atrasada,
defensora da ordem e aliada ao imperialismo. E ainda apontava como mais grave a
91 Me refiro aqui, as críticas que partiam do PS e do MIR.
85
penetração que a DC obteve nas grandes massas, a partir de um discurso com roupagem
popular. Nesta reunião ainda definiram impulsionar uma luta aberta contra a DC se
negando a colaborar com o governo. Allende também teve uma postura de oposição ao
governo Frei. Denunciava a lentidão dos processos de reforma agrária, o alto custo da
nacionalização do cobre, o déficit habitacional, o aumento da inflação, etc. Também se
colocava ativamente contra os inúmeros conflitos políticos que estavam acontecendo em
“poblaciones” mais humildes.
Neste congresso de 1969, é aprovado o enraizamento cada vez maior do Partido nos
movimentos populares, principalmente na Central Única dos Trabalhadores, pois estavam
diante de um governo que pelo menos no discurso, falava em mudanças estruturais:
Estamos diante de um desafio de quem ganha as massas: a burguesia para o
reformismo e a colaboração de classe ou o proletariado para uma política
independente e a verdadeira revolução chilena. A uma orientação e um trabalho de
massas de nossos adversários que corresponde a uma orientação e um trabalho de
massas do Partido em uma escala mil vezes superior a que temos aplicado até
agora. Esta é a grande tarefa, e aqui está o central da questão92.
Segundo Luis Corvalan, a situação do Chile era difícil, pois se tinha um governo
que era reformista conservador, utilizava o discurso da mudança, e tinha apoio de vários
setores populares. Por outro lado, apontava a necessidade de estabelecer parâmetros para
tentar ganhar as eleições de 1970, sem adotar posturas que isolassem o campo da esquerda
com os Democratas Cristãos93. Além disso, denunciava que o Estado com apoio financeiro
de organizações internacionais e da Igreja Católica combatiam o comunismo
principalmente entre mulheres e jovens. Por isso era importante liderar o combate
ideológico, tanto contra a direita e parte do centro, como com os partidos de esquerda que
acreditavam apenas na luta armada e que, por muitas vezes, atacavam o Partido Comunista.
Ao mesmo tempo, era preciso consolidar a tentativa de reunir a esquerda em um só bloco
92CORVALAN LEPEZ,L., op.cit,p.295. 93 Sobre a política de alianças, o PC achava que para a eleição de 1970 era importante tentar estabelecer uma composição mais ampla com partidos de centro que tivessem ou em sua totalidade ou em grupos internos setores mais progressistas. Estavam se referindo ao PR e a DC. O PS contestou tal posicionamento dizendo
86
para disputar as eleições. Com os chamados esquerdistas como o MIR, as atenções
deveriam ser constantes principalmente porque vários deles atuavam juntos no movimento
camponês, dos trabalhadores, estudantis, o que podia ser muito perigoso para o PC perder
espaço para eles. Por isso, o documento deste congresso se ateve muito na crítica a esses
grupos:
O Partido considera seu dever livrar o combate ideológico contra todo tipo de
oportunismo. Daí que, junto com a luta contra o reformismo burguês, tem tido que
fazer frente as tendências sectárias de esquerda. Este esquerdismo se expressa em
fraseologia revolucionária, na conciliação com os grupelhos anticomunistas de
esquerda, em posições irresponsáveis a luta armada, na tendência de restringir
arbitrariamente o campo de aliança do proletariado...
A experiência internacional e nacional, incluída a de nosso próprio Partido, indica
que muitos deles podem evolucionar a posições corretas, assimilar a ideologia do
proletariado e transformá-los em revolucionários conseqüentes. De outra parte, um
plano ultra-esquerdista, operam grupos e grupelhos anticomunistas que recebem o
esforço dos inimigos de classe do proletariado. Estes grupos atuam a margem das
massas e recorrem ao terrorismo, método que favorece os propósitos dos
reacionários e que por isso tem sido condenado desde muitos anos pelo movimento
dos trabalhadores revolucionários.94
O MIR atuava politicamente nos mesmos setores sociais do PC, que eram
prioritariamente com os trabalhadores que exploravam minério. O MIR crescendo em sua
atuação política podia inclusive ter um maior espaço dentro da CUT, disputando a
condução política de muitas organizações sociais, com uma opinião completamente distinta
do PC, que era a possibilidade da constituição da luta armada para a tomada de poder. Para
o PC, também era importante conduzir esses espaços, ter influência sob esta parcela dos
trabalhadores porque estes seriam os protagonistas da revolução.
não apoiar a incorporação de setores da pequena burguesia porque desconfiguraria o projeto político, apesar deste não ser objeto de unidade nem entre PS e PC. 94CORVALAN LEPEZ,L., op.cit., p.301
87
Essas dificuldades com os chamados grupos de esquerda, também vão ter eco no
governo de Salvador Allende, talvez de forma mais difícil pelo fato do que representava o
governo da Unidade Popular. Uma das principais dificuldades do governo popular seria o
diálogo com o Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR), pois tinham uma opinião
mais radical dos rumos que a Unidade Popular deveria caminhar, além da sua inserção no
movimento popular e de ser contrário a via pacífica.
Também houve neste congresso um balanço do perfil dos militantes do PC. Pelo
tempo na ilegalidade, não se sabia precisamente o seu tamanho, mas tinha-se uma idéia dos
números dos militantes mais antigos e outros que haviam filiado ha pouco tempo, sendo
entre eles 12.000 novos, 660 militavam há mais de 40 anos, 2.800 mais de trinta e 5.388 a
mais de vinte anos. O número de mulheres havia crescido, chegando em alguns comitês
locais como era o caso de Barrancas com 49% de mulheres. Do total de militantes, 66,6%
eram trabalhadores ligados à mineração. 7,7% camponeses, e 20% eram comerciantes,
industriais, artesãos, intelectuais, dentre outros. Dava-se destaque no fato do reitor da
Universidade do Chile ser um comunista. Todos os militantes estavam organizados em
3.618 células95.
E de maneira contundente demonstravam com os números de que as críticas sobre a
passividade e o conservadorismo dos comunistas eram apenas discursos de parte da
burguesia, já que a maioria dos filiados encontrava-se no meio dos trabalhadores, que era
uma parcela importante e prioritária da atuação do Partido Comunista do Chile, pois
achavam que eles teriam papel relevante no processo Revolucionário. Por outro lado,
também suscitavam análises do êxito da linha política partidária, já que atingiram um
número alto de filiados e acreditavam assim ser o maior partido de esquerda do Chile.
Para eles, mesmo diante desse crescimento, do papel que jogavam para o
desenvolvimento de novos rumos para o país, o aumento do entendimento de todas as
forças antiimperialistas e antioligárquicas nacionais não seria fácil ganhar as eleições. Os
reacionários também se agrupavam, se uniam para manter seu domínio e não mediam
esforços para tal, inclusive se precisasse recorrer a um golpe de Estado e também à ajuda
estrangeira dentre outras artimanhas.
95Ibid.,p.308
88
E, ainda no programa de 1969, descreve-se que o PC deveria ser de massa,
combativo, compacto, homogêneo, firme, disciplinado, atento às necessidades dos distintos
setores do povo. Ele determina, pelos seus organismos, a orientação das formas e métodos
de luta.
Quanto à revolução chilena deixava-se claro que o objetivo era alcançar o poder e
fazer a transição ao socialismo, dentro de uma concepção de que não daria para realizar as
mudanças para o socialismo sem antes preparar um processo em que se realizaria uma série
de modificações de forma planejada na estrutura econômica e política do Estado,
respeitando o caráter democrático do sistema chileno. Todas as discussões já realizadas nos
congressos anteriores foram reforçadas como o caráter antiimperialista e antimonopolista, o
não estabelecimento de esquemas artificiais, a aliança com os trabalhadores, a inserção
internacional do processo chileno que deveria espelhar na sua realidade, etc. Avançam no
sentido de já proporem mudanças na economia como, por exemplo, estipular a criação de
seus diversos tipos como a pequena produção mercantil, o capitalismo privado, o
“capitalismo de Estado”.
A reflexão para transição era de estabelecer principalmente nos setores estratégicos
(área de exploração norte americana) uma participação mais efetiva do Estado, conservando
ainda uma parte sob exploração de setores privados para iniciar uma inversão na economia.
Aqui, pensava-se claramente em aumentar o controle do Estado em relação à sua economia
que era muito débil. Essa questão era importante par o PC porque via a possibilidade de
abrir caminho ao socialismo, principalmente a partir das mudanças das estruturas
econômicas do país. Era visível para o PC as diferenças entre o sistema político
institucional e a economia.
E alertavam que precisavam ter uma maioria no parlamento e grande apoio popular
para vencer todos os obstáculos internos e externos que se colocassem contra as
transformações:
O Chile necessita de um governo popular antiimperialista e antioligárquico, que
tenha o apoio da maioria nacional, constituído por todos os partidos e correntes
que coincidam em um programa de transformações revolucionárias. Nele devem
estar os trabalhadores, os camponeses, os empregados, as mulheres, os jovens, os
pequenos e médios empresários, não só através dos partidos que os representam,
89
mas também com representantes de suas organizações de massas nas instituições e
escalões correspondentes da Administração do Estado96.
A revolução chilena era concebida no programa do PC como “movimento da classe
trabalhadora e do povo organizado que mediante a luta das massas, retira do poder as atuais
classes governantes, elimina o velho aparato do Estado, as relações de produção que
paralisavam o desenvolvimento das forças produtivas e introduz transformações de fundo
na estrutura econômica, social e política do país, abrindo caminho ao socialismo”97.
Também concebiam o socialismo como o único regime que poderia dar de fato
liberdade aos trabalhadores. Isso porque se eliminaria a exploração do homem pelo homem:
No regime burguês os trabalhadores não dispõem nem sequer da liberdade de
vender sua força de trabalho. Se encontram muito restringidos ou são letra morta
aos direitos à educação, cultura, à recreação, ao descanso e outros de que se tanto
se propagandea. A liberdade de imprensa se traduz no monopólio dos capitalistas
sobre os meios de difusão. A liberdade de opinião, de reunião, de associação e
todas em geral existem somente em poucos países capitalistas, com fortes
limitações e unicamente na medida em que os trabalhadores têm conquistado
através de suas lutas ao custo de sangue.98
Destacavam ainda que o socialismo, diferente do capitalismo, não estabeleceria
outras formas de opressão e, somente iria suprimir ou limitar as liberdades das classes que
deixariam o poder, em detrimento das novas relações de produção que passariam a vigorar.
Por outro lado, em função da criação de novas bases materiais e sociais haveria a ampliação
da liberdade em relação aqueles setores oprimidos pelo antigo regime. Era possível também
vislumbrar que na medida em que as transformações fossem avançando novos setores
podiam se somar com os setores revolucionários, inclusive porque no que diziam ser o
“socialismo chileno”, haveria um sistema pluripartidário, não iria se adotar o partido único
porque não cabia nas condições históricas do país. O Chile tinha uma longa trajetória
política consolidada em partidos políticos. Nos processos eleitorais já se tinha visto a
96Ibid.,p.325. 97 Programa Del Partido Comunista de Chile, 1969, pg. 14.
90
vitória da DC, da Frente Popular, da direita, do PR etc. Seria inviável pelo menos antes da
consolidação do socialismo o estabelecimento de um partido único.
Neste congresso, também se reafirma a linha vigente do partido comunista, mas se
reformula o programa no sentido de apresentar uma nova estrutura, tentando ser mais
concreto quanto ao possível funcionamento de um governo popular. Pensavam na
revolução “como um processo múltiplo vinculado a todas as lutas que vem livrando o
nosso povo e que suas vias se determinam em conformidade da situação histórica, mas
sempre tem que se basear nas atividades das massas”99.
Foi a partir de todas essas discussões que o Partido Comunista lançou propostas
iniciais para serem discutidas em conjunto com outras idéias da esquerda chilena, para
suscitar os debates a respeito da Unidade Popular e, sobretudo, assegurar a aliança com o
Partido Socialista.
Em determinados momentos, tem-se uma formulação quase que por completo,
antagônico ao da revolução pensada por Marx, não somente em sua trajetória, mas no
momento a posteriori da revolução, na configuração de uma sociedade socialista.
Segundo o Manifesto Comunista, a finalidade dos comunistas e dos partidos
proletários era a constituição do proletariado enquanto classe, a derrubada da dominação da
burguesia, e a conquista do poder político pelo proletariado. Chegando ao poder, o
proletariado iria acelerar o processo de desaparecimento de limites e antagonismos
nacionais, suprimindo a exploração do homem pelo homem e também de uma nação pela
outra.
Marx também falava que a passagem da ditadura da burguesia para a ditadura do
proletariado, não poderia acontecer apenas através da conquista do poder estatal, mas exigia
a destruição das instituições e sua substituição por outras muito diferentes. Neste período de
transição, o Estado não “poderia ser outro senão a ditadura do proletariado”, que era a
ditadura de uma maioria de oprimidos sobre uma minoria de opressores que desapareceriam
de forma gradual.
98 CORVALAN LEPEZ, L., op.cit., p.328 99 Ibid.,p.331.
91
Assim, Marx caracteriza o Estado de transição por dois elementos: apesar de
destruir o Estado burguês anterior não destrói o Estado como tal, mas constrói um Estado
novo, lançando as bases da sociedade sem Estado.
Para Marx100, o Estado era o produto e a manifestação do fato das contradições de
classe serem inconciliáveis. Ele era, portanto, um organismo de dominação de classe e de
opressão. É a criação de uma ordem que legaliza e consolida esta opressão moderando o
conflito de classes. Para ele, sem a revolução violenta era impossível a substituição do
aparelho de poder do Estado que foi criado pela classe dominante, e, portanto, também era
impossível a emancipação de classe. “O Estado burguês não pode ceder lugar ao Estado
proletário (à ditadura do proletariado) pela via da “extinção”, mas só, em regra geral, por
meio de uma revolução violenta.”101. A estrutura social e o Estado nascem para Marx,
constantemente a partir do processo de vida de indivíduos determinados tal como são, ou
seja, atuando e produzindo materialmente e desenvolvendo suas atividades sob
determinados limites, pressupostos e condições materiais. Portanto, a produção de idéias,
representação e da consciência estão ligadas com a atividade material, com o intercâmbio
material dos homens.
Era claro que o domínio político do proletariado e da sua ditadura, não poderia ser
partilhada com ninguém, e só poderia se apoiar na força armada das massas. A burguesia
então, só seria derrubada se o proletariado fosse transformado em classe dominante capaz
de reprimir a resistência inevitável da burguesia e também de organizar um novo regime
econômico das massas exploradas e trabalhadoras.
A Revolução para Marx, consistia assim, na destruição pelo proletariado do
aparelho administrativo e de todo o aparelho de Estado burguês, para substituir por um
novo que seria constituído pelos operários armados. A Revolução deveria conduzir depois
da destruição do Estado, que o proletariado comandasse e governasse com a ajuda de uma
máquina nova. Assim, a ditadura do proletariado seria um poder especial de repressão
exercido pelo proletariado contra a burguesia.
100 LENIN, V. O Estado e a Revolução, São Paulo:Democracia Proletária,s/d,p.32. 101 Ibid.,p.34.
92
O projeto da via pacífica102 do PC chileno, acreditava que existia a possibilidade de
continuar trilhando, através do sufrágio universal, em conjunto com seus aliados - a
coalizão da UP - para o socialismo. Acreditava que em conjunto com o Partido Socialista
principalmente, fariam as mudanças necessárias no país, e por isso, não caberia ter um
único partido e nem uma ditadura do proletariado, pelo menos a priori. A estrutura do
Estado seria modificada, mas não a ponto de destruí-lo como colocava Marx. O que
defendia o programa do PC e seus caminhos a serem percorridos para implementarem o que
chamavam de “socialismo chileno”, pouco tinha haver com essas discussões levantadas por
Marx, Engels e Lenin.
O discurso do PC parece-nos ter mais similaridades com as discussões levantadas
por Kautsky103, com quem Lênin teve uma grande discussão teórica.
Kautsky, socialista da Segunda Internacional Comunista, um dos porta-vozes do
revisionismo e do reformismo, admitia a conquista do poder sem a destruição da máquina
de Estado burguês. E a partir do aprofundamento da democracia burguesa e do sufrágio
universal, poderia se instituir o socialismo sem instalar a ditadura do proletariado. Essa era
a questão colocada pelo PC chileno sob a ressalva que a política de alianças seria
fundamental para a conquista do poder, e por isso, torna-se necessário nessa similaridade de
102 A Eleição e ascensão de um projeto socialista pela via eleitoral exerceram grande influência sobre o chamado eurocomunismo, mas principalmente sob a vida interna do Partido Comunista Italiano (PCI).Segundo Tom Bottomore, o eurocomunismo foi um movimento de mudança estratégica e teórica iniciado na década de 70 por vários partidos comunistas dos países capitalistas ocidentais como, por exemplo, o Partido Comunista Italiano, Espanhol (PCE) e Francês (PCF). Para o autor, o eurocomunismo significou uma resposta, inicialmente, ao XX Congresso do PCUS em 1956 e aos acontecimentos que o cercavam como a revolta húngara, polonesa dentre outras, além da cisão sino-soviética. O PCI foi o percussor desse movimento na Europa e acreditava que somente por meio de uma aliança com os democrata-cristãos é que se poderia se desencadear a trajetória de transição para o socialismo na Itália. Esta aliança se daria em torno de um vigoroso programa de reformas democráticas e ao mesmo tempo buscava adequar seu programa à hegemonia soviética no campo socialista e o sucesso da social democracia no ocidente. Tanto o PCF, PCE e o PCI buscavam organizar-se para uma reação frente ao movimento comunista internacional no sentido de se adequar às transformações na estrutura social do capitalismo avançado, que conquistou gradualmente o apoio da classe operária no pós-guerra, desmobilizando-a de seus propósitos de ruptura com o sistema democrático parlamentar. O eurocomunismo representou a busca de alguns partidos por um novo internacionalismo, a partir dos países de capitalismo avançado. Era a busca de um novo modelo que não fosse parecido com o soviético principalmente na questão econômica (da planificação) e na organização política da sociedade. Acreditava-se no sistema democrático representativo parlamentarista predominante na Europa Ocidental e no Welfare State, que dariam à classe operária, resultados sociais e direito à representação política. 103 Kautsky foi historiador e economista, teórico da social-democracia alemã e representante do socialismo democrático na Segunda Internacional. Ele foi contrário ao poder instaurado na URSS em 1917, classificando-o de poder usurpado por uma minoria de revolucionários profissionais. Defendia de forma genérica a democracia e liberdade e a emancipação do proletariado através do chamado “método democrático”.
93
pensamentos de projeto político, discorrer um pouco sobre o que Kautsky e os reformistas
pensavam e desenvolveram sobre essas questões.
Kautsky refletia que o socialismo sem democracia não era digno de consideração e
por isso entendia por socialismo não só a organização coletiva da produção mas também a
organização democrática da sociedade. Por isso, criticava os argumentos que diziam que o
proletariado só tomaria o poder político pela revolução, porque as classes dominantes não
hesitariam em recorrer a todos os meios de repressão para impedir a democracia no caso de
uma vitória eleitoral de esquerda. Pensava que se os setores dominantes recorreriam a todos
os meios para impedir que a democracia fosse respeitada era porque temiam pela
possibilidade da vitória do proletariado, e por isso, era importante defende-la. O Estado
democrático era formulado por ele, como algo que deveria se colocar acima das classes e,
portanto, ser neutro.
Ele afirmava, assim como o PC do Chile que, quanto mais o Estado é democrático,
mais seus instrumentos de dominação dependiam da vontade do povo. Principalmente em
lugares onde o proletariado era numeroso e poderoso para tomar o poder político através
das liberdades já existentes, como por exemplo, nas eleições. O sufrágio eleitoral permitia
as classes mais baixas tomar a palavra e ocupar cada vez mais um plano destacado. Num
regime onde existisse o sufrágio universal, que se caracterizava como uma democracia
completa, todas as classes e interesses seriam representados proporcionalmente numa
constituinte. Acreditava que as eleições unificariam os operários, trabalhadores e
camponeses contra um inimigo comum e tinha receio da ditadura do proletariado tornar-se
a ditadura de um partido.
Dentro dessa perspectiva de que o socialismo poderia ser instituído através da
eleição e da maioria parlamentar, Kautsky criticava o conceito de ditadura do proletariado
do partido bolchevique. Segundo ele, Marx não utilizava o termo ditadura enquanto poder
de uns e nem pela ausência de democracia. Dizia que Marx não tinha “querido qualificar
senão um estado político, e não uma forma de governo. Mas, presentemente, essa pequena
palavra é utilizada para qualificar uma forma de governo, precisamente a do governo dos
Sovietes.”
Kautsky interpretando Marx, afirma que ele jamais havia dito que em certas
circunstâncias pudesse realizar uma ditadura do proletariado, mas havia dito que era uma
94
etapa inevitável para a transição ao socialismo. Ainda faz a ressalva de que em países como
a Inglaterra e a América era possível uma transição pacífica, mas somente se fosse
construída sob uma base democrática. Pensava então, que o método da luta de classes, dito
pacífico, como as discussões no parlamento, greves, manifestações, discussões na imprensa
dentre outras formas, tinha maior probabilidade de persistirem nos países que tinham um
histórico democrático constituído.
Ele dizia assim, que poderia dar uma representação do conceito de revolução
política, por uma inversão das relações de força das classes no Estado, graças à qual uma
classe até então excluída do poder político, apodera-se do aparelho governamental. Quanto
mais consolidada a democracia e enraizada nas classes trabalhadoras, a possibilidade de
uma revolução política pacífica era maior.
Lênin criticou muito essa teoria de Kautsky que propunha reformar o Estado através
da vitória por sufrágio eleitoral, da classe trabalhadora. Expressava que para falar em
democracia deveria primeiro perguntar: “democracia para que classe”; e logo em seguida
também indagar se poderia haver igualdade entre explorado e explorador. Assim,
democracia nos marcos burgueses não poderia ser mais do que a opressão das massas e dos
operários. O parlamento burguês também se constituía enquanto um organismo de opressão
aos proletários e de perpetuação do poder da burguesia. O Estado era então, um instrumento
de dominação da classe dos exploradores sobre os explorados.
Segundo Marx, a comuna não devia ser um organismo parlamentar, mas um corpo
atuante. Em vez de decidir a cada espaço de anos que membro da classe dirigente
representará o povo no Parlamento, o sufrágio universal serviria para o povo constituído em
comunas recrutar operários, fiscais, contabilistas para estas empresas. O poder de Estado
parasita deveria ser “amputado, demolido e abolido”. Marx deduziu que o Estado deveria
desaparecer e que nesse momento de transição da passagem de um Estado para o não
Estado, o proletariado deveria ser organizado enquanto classe dominante.
Marx e Engels diziam que era necessário a ditadura do proletariado para destruir a
resistência da burguesia, aterrorizar os reacionários, manter a autoridade do povo armado
contra a burguesia e para que o proletariado pudesse derrotar a resistência de seus
adversários.
95
O Estado burguês, para Lênin, deveria ser destruído, nenhuma grande revolução se
efetivou sem a destruição dos aparatos de poder da antiga sociedade como o parlamento e o
exército por exemplo.
Nestes pontos, a “revolução chilena” se mostrou ineficiente porque manteve o
parlamento, o sistema judiciário e o exército da forma em que se encontravam. E não teve
força suficiente para implementar as mudanças na economia, que acabou tornando a
principal tática do PC, ou seja, reformar a economia para passar para as mãos do Estado as
riquezas, empresas e bancos principais, desestruturando as classes dominantes. A partir daí,
as mudanças políticas estariam na prioridade da ação do governo, até a instituição do
socialismo.
Apesar do PC chileno negar que seu projeto era reformista104, me parece bastante
razoável dizer que, essas discussões sobre reformismo e revisionismo tiveram influência na
construção dos argumentos e do projeto da “via pacífica chilena”. Se não queriam ser
rotulados de Kautkistas ou reformistas, não dá para negar a proximidade das discussões de
questões que foram relevantes na formulação do PC chileno como conceito de democracia,
sufrágio universal, ditadura do proletariado dentre outros termos. O que pareceu a partir das
análises do processo chileno, é que de 1970 a 1973, tentou-se realizar uma reforma dentro
do estado chileno nos marcos da democracia burguesa. E, como houve uma forte resistência
dos que estavam no poder, o governo se preocupou em não ceder às pressões e continuar o
mandato, mesmo que alguns pontos do programa da UP tivessem que ser sacrificados
diante das dificuldades institucionais.
104 Nos diversos textos escritos por Luis Corvalan Lepez, ele se refere com certa irritação com as tentativas de vincular o projeto da via chilena ao reformismo, como nos livro Camino de Victoria. Podemos citar ainda o lema do projeto: “nem revisionismo, nem evolucionismo, nem reformismo, nem cópias mecânicas.”
96
2.2- O programa político do Partido Comunista do Chile de 1969
O programa do Partido Comunista, aprovado em 1969 por ocasião do XIV
Congresso, fazia uma análise histórica do Chile e da necessidade da revolução: um país
capitalista, dependente dos norte-americanos, dominado pelo imperialismo, pelos
monopólios e latifúndios, cuja sociedade era marcada pela injustiça, pela fome, pelos
baixos salários e pela exploração105. Estava bem claro para eles, que o capitalismo se
mostrava incapaz de resolver os problemas do Chile e de libertá-lo do atraso. Apesar do
Chile, até hoje, ter uma das maiores riquezas de cobre do mundo, ser um grande país
hidroelétrico em potencial, riquezas marítimas, dentre outras, os chilenos viviam em
situação precária, pois não dominavam a tecnologia de produção do país, estava tudo sob
controle estrangeiro, como já mostramos anteriormente. Faltavam casas, água potável, luz,
comida, educação dentre outros problemas. Era colocado com muita importância tentar unir
a maioria do país para avançar, em uma primeira etapa, no caminho da revolução
antiimperialista e antioligárquica e, assim, abrir espaço para as novas relações de produção.
No plano internacional se destacava a edificação do socialismo na União Soviética,
a derrota do fascismo e do militarismo japonês na Segunda Guerra Mundial, o triunfo da
revolução na China e em países Europa e, principalmente, o aparecimento de Cuba como o
primeiro país socialista na América. Acreditava-se estar consolidando a formação de um
sistema socialista mundial que influenciava a luta mundial da classe trabalhadora e dava
como perspectiva a vitória do socialismo, agora já com outros exemplos, além da URSS.
Além disso, falavam na importância de três forças sociais na luta antiimperialista, que seria
o sistema socialista mundial, a classe trabalhadora internacional e o movimento de
libertação nacional. Tentavam aqui passar a idéia de que o mundo capitalista estava
ameaçado pelo sistema socialista, mas principalmente pelo seu sujeito histórico: a classe
trabalhadora que estava cada vez mais consciente e organizada.
Já neste programa, deixava-se claro que o objetivo do Partido Comunista era o de
abrir o caminho para a revolução. Para isso reafirmava que precisava de unidade em todas
as suas vertentes, ou seja, internamente, dos trabalhadores, de aliados políticos etc. Era uma
105CORVALAN LEPEZ,L., op.cit, p.330
97
conjunção de fatores que consolidaria o caminho para o socialismo. Os que se opunham a
isso, eram chamados de reformistas e aventureiros que não vislumbravam as condições
objetivas do processo revolucionário. O debate sobre a via armada ou não também estava
explícito ali.
Os comunistas sustentam que a revolução é um processo múltiplo vinculado a
todas as lutas que vem livrando nosso povo e que suas vias se determinam em
conformidade da situação histórica, mas sempre tendo como base a atividade das
massas.106
Para resolver os problemas de fundo político da sociedade chilena, o caminho
reformista para o PC era incompatível. O conceito de reformismo aqui não aparece de
forma clara. Parecem ser reformistas, todos os que não tivessem a mesma opinião em
relação tática e a estratégia do PC. O que se vê em vários outros partidos comunistas é
inserir o estigma de reformista, naqueles que optam por mudar o sistema de um país através
da conquista eleitoral, alcançando o socialismo pela reforma pacífica e gradual dentro do
estado burguês, menosprezando a revolução armada.
Defendia-se no programa o voto universal, direto e secreto para homens, mulheres,
civis e militares, analfabetos e maiores de 18 anos, assim como o estabelecimento de uma
câmara única, presidente, ministros e uma constituinte para redigir uma nova constituição
política. O respeito e as garantias individuais do povo deveriam ser assegurados de
qualquer maneira. Para isso, o governo popular e a construção do socialismo requereriam
um Estado de Direito. O programa, por isso, apresenta uma plataforma de mudanças, de
como o país poderia fazê-las acontecer:
Propiciamos que se modifiquem os códigos e leis, resguardando os direitos e
interesses do povo, e se dá garantias de uma justiça gratuita e ativa. A missão da
polícia deve ser atuar contra a delinqüência e demais fenômenos anti-sociais.
Propomos que os juízes dos tribunais inferiores sejam eleitos por votação popular
106 Programa do Partido Comunista do Chile, p.16
98
e se substitua integralmente o atual sistema carcerário estabelecendo outro com
um sentido de educação social.107
Por esse trecho do programa, se poderia falar que o PC realmente não só priorizava
o caminho institucional como já delimitava suas responsabilidades em um outro tipo de
Estado. A defesa da institucionalidade e do caminho eleitoral se dava também sob o
argumento do crescimento da desenvoltura da esquerda chilena, diga-se PS e PC que desde
1937 (interrompida nos períodos de clandestinidade do PC) tiveram nas eleições de 1965 e
1969 um aumento de 6% e 5%. Houve também uma maior participação de votantes,
chegando em 1964 a mais de 60% da população com idade para votar participando do
processo108.
A questão da democracia era muito discutida. Para eles, todo o novo momento teria
que se reger tendo em vista a democratização em todos os níveis. O Governo Popular e a
construção do socialismo requeriam um Estado de direito. A nova administração teria que
ser eficiente, ágil, atenta e sensível às necessidades das massas populares.As assembléias
provinciais, eleitas pelo voto direto, teriam atribuições e autoridade. Esta foi uma das
principais questões para desenvolver o sistema institucional chileno. No governo Allende
tinham a menção de fechar o Congresso e instituir uma Assembléia Popular. Suficiente para
cumprir a missão de atender as necessidades e problemas de sua jurisdição.Os municípios
também deveriam ter suas atribuições restabelecidas, o que facilitaria uma maior
interlocução com o governo, agilidade e orçamento próprio para resolver os problemas
locais.
Seria também impossível falar de governo popular sem assegurar o respeito às
garantias individuais de todo o povo como liberdade de consciência, palavra, imprensa,
reunião, inviolabilidade de domicílio, de direito de organização em sindicatos ou qualquer
tipo de associações, eleição democrática de todas as autoridades, com faculdade de revogar
seu mandato quando não respondessem a confiança. A propósito, também havia menção
para se modificar os códigos e as leis, dando garantias ao povo de uma justiça gratuita e
imparcial.
107 Ibid., p.21 108 MELLER, P.,op.cit.,p.103.
99
No programa do PC fica explícito que as forças motrizes da revolução são o
proletariado, os elementos avançados dos camponeses, os estudantes, a intelectualidade e
alguns setores da classe média. Com exceção dos camponeses, os outros já constituíam uma
parcela importante da sua composição social. Mas, era a classe trabalhadora a principal
impulsionadora da revolução. Ela deveria ser o centro de aglutinação de todo o povo, pois
suas lutas as fortaleceriam enquanto classe que, por missão histórica, encabeçaria a luta
contra o capitalismo para construir o socialismo. Por esse papel fundamental, era preciso
contribuir para elevar o seu papel, sua unidade, consciência de classe, combatividade e
capacidade de direção, além da estruturação do movimento sindical, o fortalecimento de
uma linha de classe própria e independente. O movimento sindical era muito forte, bastante
polarizado principalmente pela esquerda, e vinha em um crescente no Chile. Em 1967,
houve um crescimento de 144,4% de filiados nos sindicatos ligados à indústria. Os
mineiros eram também muito organizados e atuantes, fruto de suas condições precárias e
particulares de seu trabalho: concentração, isolamento geográfico, trabalho em equipe.
Essas características conduziam às lutas e pressões contínuas para obter melhores
remunerações e vantagens sociais. O programa também definia quem era o proletariado.
Eles seriam os trabalhadores da indústria e das minas, mas também englobariam os
assalariados de qualquer tipo.
TABELA 4: Quadro da Evolução da sindicalização no Chile, 1932-1970.
ANO Setor Minério e Indústria Setor Camponeses Total _____________________ __________________ _______________ n. de sindicatos n. de filiados n. de sindicatos n. filiados n. sindicatos n. filiados 1932 421 54.801 421 54.801
1952 1.982 283.383 15 1.035 1.997 284.418 1960 1.892 271.141 23 1.825 1.915 272.966
1965 2.026 290.535 33 2.126 2.059 292.661
1970 4001 436.974 510 114.112 4.511 551.086
Fonte: Meller,p.110.
100
O programa também ressalta a unidade, principalmente, entre socialistas e
comunistas, conseguindo, nesta união espaço para as transformações revolucionárias,
dentro de uma posição marxista-leninista. Esse entendimento também tinha o caráter de
unidade da classe trabalhadora, já que o PS e o PC tinham grande influência no movimento
dos trabalhadores.
Para exemplificar isso, a tabela abaixo demonstra o resultado das eleições sindicais
nacionais da CUT de maio a junho de 1972, por tendência política. Votaram nessas eleições
341.132 trabalhadores. Vamos notar que comunistas e socialistas sozinhos reúnem 61,65%
dos votos, contando com os outros partidos que compunham a UP esse percentual sobe para
72%, sendo que a direita conta com 24% e a oposição de esquerda conta com 4%.
Entretanto, não podemos deixar de notar a expressão de votos da DC respaldada pela direita
que chegou perto dos setenta e nove mil votos, o que demonstra que tinha a terceira maior
votação isolada e, portanto, também estava de alguma forma com bases importantes entre
os trabalhadores. Essa inserção se dava a partir do seu discurso de implementação de
reformas econômicas e agrárias tendo como questão fundamental a diminuição das
diferenças sociais e também o papel da Igreja chilena no apoio à DC. Só para se ter um
exemplo, a DC ganhou as eleições em Santiago e também obteve o cargo de primeiro vice-
presidente. Neste período das eleições da CUT, as ofensivas contra o governo com os
planos de desestabilização e a tentativa de se criar um clima de terror no país chegam a
grandes proporções. São greves de caminhoneiros, passeatas de mulheres, saques em
supermercados etc. Mesmo assim, nos trabalhadores sindicalizados, a UP tem ainda um
grande apoio, mas sem dúvida esses atos influíram principalmente no resultado das eleições
em Santiago.
TABELA 5: Resultado das eleições sindicais nacional da CUT - 1972
COMUNISTAS
SOCIALISTAS
MAPU
RADICAIS
ESQUERDA CRISTIANA
118.028
92.294
17.000
15.113
2.137
API 1.094
101
OPOSIÇÃO DE DIREITA
DC (juntamente com nacionais)
PIR
78.914
2.387
OPOSIÇÃO DE ESQUERDA
FTR
USOPO
PC revolucionário109
MSL
6.258
4.400
2.053
388
FONTE: Relatórios da CUT de 1972.
Ainda no programa de 69, havia um capítulo apenas para ressaltar a difícil luta
antiimperialista, principalmente pelo fato dos minérios, a telefonia, um vasto setor do
comércio interno, dentre outros estarem sob controle dos monopólios norte-americanos,
que, mais tarde, já no governo de Salvador Allende a maioria deles participariam de alguma
forma do golpe de Estado. Outra questão muito ressaltada era no fato do Chile ser um país
extremamente dependente. Além disso, também havia convênios militares com os norte-
americanos que segundo avaliações, eram lesivos à soberania, e tinham um caráter
inclusive de intervenção militar. Era o caso da chamada Força Interamericana de Paz, em
que utilizavam os Corpos de Paz para que diversos agentes da CIA, fizessem supostas
investigações sociológicas, para desenvolver uma intensa espionagem contra o movimento
popular. Segundo eles, a atuação norte-americana no Chile também incentivava a formação
de grupos aventureiros cuja missão seria combater os comunistas, dividir o movimento
popular e de trabalhadores, e ainda fomentar o anticomunismo de ultra-esquerda. Era tido
como principal arma ideológica e política do anticomunismo.
Num governo popular, seria necessário para alcançar a soberania, expropriação de
todas as empresas e capitais pertencentes aos consórcios norte-americanos que passariam
102
para a propriedade do Estado, além de estabelecer relações comerciais com variados países,
principalmente com os países socialistas. A relação comercial com os Estados Unidos não
deveria ser rompida, mas deveria se basear em novos princípios como a igualdade de
direitos, respeito à soberania nacional e mútua convivência. Nota-se mais uma vez que o
central para o PC era conseguir nacionalizar as maiores fontes de exploração do capital
internacional, para resolver um dos problemas mais sérios que o Chile tinha: a dependência
econômica. Entretanto, também nos parece exageradamente idealizada a idéia da
possibilidade de haver uma nova relação com o imperialismo norte americano dentro das
noções de respeito mútuo, que o XX Congresso do PCURSS postulou, por ir contra
inclusive à essência da acumulação imperialista. Neste sentido, frisavam:
Em resumo, exigimos uma política exterior que seja garantia em favor da
soberania e dos interesses do país, decididamente oposta ao colonialismo; de
amizade e solidariedade com todos os países socialistas, com todo os povos e de
manutenção da paz mundial. Apoiamos todo o que tenta resguardar a
autodeterminação das nações, a destruição de armas de extermínio massivo e o
desarmamento geral. Estamos pelo fortalecimento das Nações Unidas, porque
sejam reconhecido e incorporados a ela todos os países sem exclusão alguma e nos
opomos aos blocos regionais de caráter agressivo como a OEA.110
Fica claro que o projeto explicitado até aqui era algo muito difícil de se desenvolver
no Chile. Em um período onde os norte-americanos e russos tentavam implementar a
coexistência pacífica que já se mostrava desde o seu início nada provável de se
implementar na América Latina, Cuba desafiava o capitalismo tentando demonstrar que era
possível o sonho de uma América Latina socialista. O governo norte americano tinha uma
política de intervenção na política chilena111 mediante atores internos considerados como
seus aliados e puseram em prática operações de interferência na política interna chilena112,
109 O Partido Comunista Revolucionário foi uma cisão pró-maoísta do PC em 1966. Em junho de 1972 foi formado também o “Partido Comunista Bandera Roja” que era uma outra cisão do PCR e do MIR. Eles se proclamam marxista-leninistas e maoístas. 110 Programa do Partido Comunista do Chile,p.30. 111 Cf:Corvalan Marquez, L. Del anticapitalismo al neoliberalismo en Chile. p.146. 112 Durante a campanha eleitoral de 1970, a CIA desenvolveu diversas ações clandestinas no Chile, chegando a gastar quase dois milhões de dólares em operações secretas. Toda ação norte americana está em um
103
que iam de verbas para derrotar candidatos políticos à conspirações de assassinatos dentre
outros nos anos de 1963 a 1970. Parece-me uma leitura ingênua, para não dizer equivocada
da realidade mundial, pois, o Chile se tornar um país socialista na América Latina não era
algo simples que dependia apenas da vontade da população. Era o mesmo que afirmar que,
na “democracia” (já que muitos autores exemplificavam o Chile como uma referência de
democracia no continente até 1973) quase exemplar da América do Sul, o melhor caminho
não era o capitalismo, pelo contrário, era a adoção do socialismo pela via institucional e
sem grandes reações. Podia soar como exemplo para os demais países. Sem falar nos
grandes interesses que estavam em jogo, tendo muitas empresas norte-americanas quase
que dominando a produção do cobre, salitre, etc.
Manuel Castells113, em sua análise econômica do Chile antes da eleição de Salvador
Allende, publicou uma tabela com a participação estrangeira nas grandes empresas de
diversos setores da economia chilena. Esse quadro nos ajuda a vislumbrar a participação
dos norte-americanos na economia chilena, principalmente na exploração de minérios
quando chegam a ter 79,6 % de participação nas empresas responsáveis em explorar esse
tipo de riqueza e 87% na área de transporte e comunicação justamente onde Allende
encontrou grandes dificuldades em seu governo. Além disso, observando no total a
participação estrangeira chega a 53,6% e delas 63% o capital imperialista tinha o controle
maioritário:
TABELA 6: Participação Estrangeira na economia Chilena
%particip.
Estrangeira sem
controle
%particip.
Estrangeira com
controle
minoritário
%particip.
Estrangeira com
controle
maioritário
%particip.
Estrangeira com
controle total
Agricultura
40,9
21,7
66
12,3
-----
Minério
79,6
8,7
0,2
91,1
-----
documento chamado de “Acciones encubiertas en Chile” apresentadas ao senado e transcrito no livro de Márquez. 113 CASTELLS,M., op. cit,p.67
104
Indústria 42,4 9,4 49,9 27,8 12,8
Eletricidade,
Gás e Água
30,4 ----- ----- 100 -----
Comércio 52,5 6,5 14,1 3,5 75,9
Transportes e
comunicação
87,3 25,6 ----- 72,6 1,8
Serviços 19,3 ----- 34,7 46,6 18,7
TOTAL 53,6 10,2 16,9 63,7 9,2
FONTE: Castells, p.67.
A questão agrária também era fruto de muitos debates. Na avaliação do programa,
ele era um dos fatores determinantes do atraso e da miséria do povo chileno. A lei da
Reforma Agrária de 1967, apesar do avanço, não resolvia os problemas agrários e a questão
dos grandes latifúndios. Os donos das terras obtinham leis, preços especulativos, tarifas
ferroviárias mais baratas, melhores créditos, dentre outras regalias frente aos pequenos e
médios produtores. Por essas questões, a produção agropecuária era menor que o aumento
da população, além do Chile ser um país importador de carne, trigo, alimentos em geral e
até matérias-primas. Por esse motivo, o valor dos alimentos era muito alto e o poder
aquisitivo dos camponeses e dos trabalhadores baixo, gerando um alto índice de
desnutrição.
Propunha-se então, uma intensa reforma agrária, modificação da lei de 1967, a
participação das organizações de camponeses nos debates para se definir uma outra lógica
na política agrária, a expropriação e a organização114 de diversas formas de propriedade,
incluindo a individual, a coletiva, e o desenvolvimento de cooperativas. A política de
reforma agrária também requeria uma nova visão da atividade no campo, como a extensão
de crédito para financiar a pequena e média produção, ajuda técnica, fixar preços de
114 A sindicalização no campo foi proibida até o ano de 1947, mas de fato somente depôs de 1965 é que se iniciou com maior fôlego o processo de organização e filiação dos trabalhadores do campo nos sindicatos.
105
produtos e realizar obras para facilitar a plantação e o escoamento da produção. Prtanto, o
PC propunha mudar toda dinâmica imposta pela dependência econômica exacerbada e pela
oligarquia latifundiária. A pequena e média produção teriam prioridade em detrimento às
grandes extensões de terra.
Essa análise do PC se baseava na incapacidade da agricultura chilena em responder
às demandas do país. A lógica estabelecida de grandes propriedades, baixa produtividade e
pouco incentivo para aqueles que de fato produziam, precisava ser rompida. O que Jacques
Chonchol115 problematiza e que é corroborado pelo PC é que foi a junção da oligarquia
agrária e o capital estrangeiro que determinou a crise no campo, pois provocou o
financiamento de setores mais produtivos em detrimento de um deslocamento de capitais,
do deterioramento dos preços agrícolas e de um empobrecimento da classe trabalhadora. A
Aliança para o Progresso de Kennedy, uma nova etapa do imperialismo na América Latina,
procurou dinamizar as estruturas capitalistas agrária que teve reflexo na lei agrária de
Alesandri em 1962. Essa lei tinha como prioridade a tecnificação e o estímulo da produção
agrária, assim como previa a expropriação de terras pouco exploradas. Entretanto, havia
uma série de entraves legais que acabou por continuar a consolidar a dominação
oligárquica. Não é sem razão que desde 1928 a 1964 somente 5.000 camponeses116 haviam
recebido terra através de políticas do Estado.
No plano social, só haveria desenvolvimento se os rumos da política fossem
mudados. A lógica capitalista impunha uma realidade de injustiças e de aumento de
desigualdades, por isso fazia-se necessário que o Governo Popular tivesse a
responsabilidade de desenvolver uma economia planificada. Um novo Estado seria
construído com a participação dos trabalhadores na sua formulação e no cumprimento das
suas tarefas. O desenvolvimento econômico deveria afirmar-se sobre um impulso vigoroso
da eletrificação, ampliação e diversificação da indústria siderúrgica, exploração do
petróleo, racionalização da indústria carbonífera, intensificação da produção de ferro e
cimento, aumento do número de refinarias e plantas industrializadoras de cobre, além de
desenvolver a indústria química do salitre, petróleo e carbono, dentre outras. Por si só essas
115CONCHOL,J. Chile hoy,p.265-266. 116CASTELLS, M.,op.cit.,p.323.
106
questões aumentariam as ofertas de trabalho, reduzindo drasticamente o desemprego no
Chile.
A partir dessas condições de desenvolvimento, seria possível dar melhores
condições de vida para a população, como a extensão da seguridade social, médica,
garantias de subsídios de maternidade, assistência ao parto, funcionamento de jardins
infantis, seguro contra enfermidade, acidentes, invalidez, etc. Outra política essencial para o
novo estado, era o da moradia para toda a população. A revolução técnico-científica
também seria uma necessidade para que se desenvolvesse uma educação que atingisse toda
a população e que, de fato, planejasse o futuro do país sob novos princípios e uma cultura
que refletisse esse novo estado. Ela deveria ter um caráter científico, popular e democrático.
Um outro ponto que tomou grande destaque no Congresso e que também seria
decisivo no governo de Salvador Allende: as Forças Armadas. Elas eram vistas como parte
importante e constitutiva da política nacional. A crise econômica que o Chile passava,
havia atingido as Forças Armadas como um todo, ou seja, problemas de ordem técnico-
profissional.
Para o Congresso, as Forças Armadas estavam ultrapassadas, tanto na sua estrutura
como nos preceitos que regiam os institutos armados. Os soldados e sub-oficiais vinham
das classes modestas da população, enquanto os que tinham efetivamente poder de mando
dentro da estrutura provinham da burguesia e também da pequena burguesia. Na
configuração social e política mundial, fazia-se a denúncia de que os norte-americanos e
ingleses queriam educar e treiná-las para lutarem contra a subversão interna, contra o
comunismo e contra qualquer tipo de manifestação popular como greves, passeatas dentre
outros. Apesar disso, existiam também aqueles que, dentro das Forças Armadas eram
contra esse tipo de educação e que eram muito críticos a essa proposta de treinamento.
Para o Partido Comunista, uma das questões centrais residia justamente na forma
em que estavam sendo treinados os militares ideologicamente. Naquele momento achavam
que a educação que estavam recebendo tinham inspirações na luta contra subversão interna,
aumentando a distância entre as Forças Armadas e o povo, trazendo um prejuízo para a sua
unidade e também para capacidade de defesa da sua soberania. A nova preparação dos
oficiais deveria levar em conta os interesses de fato do Chile como a paz, a amizade entre
os povos e a independência nacional. A composição social da escola militar também
107
mudaria o seu caráter por isso achava necessário a inserção não só da classe média, mas da
população mais pobre. Propunham dessa forma quebrar a elitização do serviço militar.Ela
também não deveria se tornar um partido ou órgão político, mas um elemento para
consolidar a vontade popular.
O historiador Luiz Márquez117 enfoca que o respeito a institucionalidade por parte
das FFAA não era tão real assim. Segundo seu raciocínio alguns fatos poderiam demonstrar
essa questão: o processo de profissionalização do exército se baseava na influência
prusiana, o que possibilitou a formação de uma legião de simpatizantes à Alemanha de
Hitler, chegando a apoiar a Associação de Amigos da Alemanha; em 1939 o general
Ariosto Herrera organizou um golpe contra o presidente Pedro Aguirre Cerda; muitos
oficiais incorporaram na Ação Anti Comunista; durante o governo Gonzáles Videla houve
duas conspirações golpistas a partir de uma organização cívico militar chamada de
“Acción Chileno-Argentino”. Em 1954 formaram a “Línea Recta” para apoiar o auto golpe
de Ibañez que propunha fechar o Congresso e os partidos, dentre outros atos citados. Seu
raciocínio caminha no sentido de demonstrar que o ideologismo conservador alemão e
norte americano estavam impregnados na formação dos oficiais e que na história chilena,
em vários momentos se tinha elementos para não acreditar na cega defesa da
institucionalidade por parte dos órgãos oficiais armados.
No programa do Partido Comunista do Chile, ainda se tentava delimitar qual seria o
seu papel na mudança de um país capitalista para um país socialista. Segundo ele, a grande
arma seria acentuar a ofensiva de princípios da classe trabalhadora contra a ideologia
burguesa. Isso seria feito a partir da “doutrina marxista-leninista” muito conceituada ao
longo do documento e tendo como referência internacional a União Soviética. O
documento dizia:
O marxismo-leninismo é a grande doutrina revolucionária que guia a classe
trabalhadora e os trabalhadores do mundo em todas as etapas de sua batalha para
conquistar a paz, a liberdade e uma vida melhor: para construir uma sociedade
mais justa, o comunismo. Hoje não existe força no mundo mais influente que as
idéias do comunismo. O Partido pratica a coordenação voluntária das ações entre
os partidos para conjugar seus esforços na luta por objetivos comuns. É partidário
108
de intensificar o intercâmbio partidário de experiências entre os diferentes
partidos membros do movimento comunista, articulando as ações conjuntas contra
o imperialismo, a reação por reivindicações de massas, como uma parte
inseparável da luta pela revolução socialista e pela liquidação de exploração do
homem pelo homem. Valoriza os êxitos dos povos que constroem o socialismo e os
avanços na edificação do comunismo na União Soviética.118
É importante ressaltar que o programa de um partido, que tem tradição e tempo de
existência, resulta da construção histórica de um pensamento e de uma ideologia que foi se
desenvolvendo durante muito tempo com experiências internacionais, fazendo com que
esse programa exprima, então, o desenvolvimento da ideologia marxista, proveniente da
luta cotidiana desses sujeitos históricos, à luz de uma determinada interpretação da
realidade.
E dentro dessa atuação política, o Partido Comunista Chileno se colocava como um
elemento muito importante para que se consumasse de fato a “revolução chilena”. O papel
que o PC tinha era o de formular a política dentro de um viés marxista-leninista e, ao
mesmo tempo, organizar e canalizar a luta dos trabalhadores para a implementação, de fato,
das grandes mudanças. Mais uma vez, aponta para sua principal base social, que eram os
mineiros atuantes no movimento sindical, para serem agentes impulsionadores das
mudanças no governo. A convicção de que as massas seguiriam a condução do PC
constituía num grande desafio para esse partido.
Por fim, chama atenção o modo enfático como foi feita a defesa da via pacífica ou
via não armada, a partir de uma leitura histórica do Chile. Num texto publicado em 1977,
pela direção do Partido sobre os méritos e causas da derrota da Revolução Chilena, já em
plena ditadura militar, foi escrito: Cabe aqui uma reflexão geral. Havia algum outro
caminho possível para a revolução chilena nesse período e nessas condições? Estamos
convencidos que não. Dito de outra maneira, nesses momentos, a alternativa da via
pacífica não era a via armada. Não havia outra alternativa revolucionária possível119.
117CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.111. 118 Programa do Partido Comunista do Chile, p.61-62. 119 Partido Comunista de Chile - La Revolucion chilena:sus grandes méritos y las causas de su derrota, IN: Boletin Del exterior, nº 26/novembro-dezembro,1977.
109
O historiador Luis Márquez, citando um estudo sobre a questão soviética120 da
autora Olga Ulinova, diz que uma das conclusões que se podia tirar, era a falta de
compatibilidade entre as concepções da cúpula soviética e a via chilena. Ela foi muito
criticada quanto a sua possibilidade de êxito. Segundo Ulianova, os soviéticos expressavam
publicamente que achavam que aquela experiência não iria terminar bem, ao mesmo tempo
que, seus analistas diplomáticos que passavam para a URSS informes sobre a situação
interna chilena buscavam refletir também no seu sentido de reversibilidade, através
inclusive de um golpe militar.
Achavam que o fato de Allende firmar um pacto de garantias constitucionais com o
PDC, constituía um obstáculo ao desenvolvimento da revolução. Dizia o documento citado
por Olga:
... conservar a liberdade absoluta da imprensa, respeitar os direitos da oposição e
manter a lealdade a constituição. Na prática isto significa o compromisso de
conservar todas as instituições democrático-burguesa..., é dizer, repelir o
rompimento revolucionário do antigo aparato estatal, incluindo o exército, os
serviços de seguridade, etc121.
Também eram críticos em relação à idéia do PC chileno de transformar ao máximo
a economia antes de 1976, para que, independente de quem ganhasse as eleições
presidenciais, garantisse que não haveria retrocesso do processo conduzido. Exemplificava
esse pensamento, através das empresas nacionalizadas ligadas à extração de cobre. Não
acreditava que nenhum governo que viesse ganhar as próximas eleições, iria entregar tais
empresas novamente ao capital estrangeiro. Os soviéticos criticavam os comunistas
chilenos por pensarem dessa forma e diziam que, o movimento revolucionário não tomava
o poder para depois devolve-lo à burguesia. No fundo, era uma crítica a crença na
120 Luis Marquez ressalta que a relação entre o governo da Unidade Popular e a URSS foi pouco estudada. Ele cita, para fazer algumas ponderações, um estudo de Olga Ulianova, editada pelo Centro de Estudos chamado La Unidad Popular y el golpe militar em Chile: percepciones y análisis. Este estudo utilizou documentos reservados do partido soviético que estavam temporariamente desclassificados em Moscou, além de ter realizado entrevistas com algumas pessoas importantes do PCUS. Dessa forma, vamos utilizar o comentário deste estudo apenas para demonstrar o que era perceptível durante o governo Allende, que havia resistências por parte da URSS quanto a visualização do processo chileno, o que acabou interferindo na sua ajuda econômica ao Chile. 121 CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.167
110
democracia eleitoral. Para os russos era inadmissível pensar em entregar o poder numa
possível derrota nas eleições de 1974. Acreditavam ser preciso mudar as bases
institucionais para não depender do jogo eleitoral. Isso significaria além da derrota da
revolução, um respeito exacerbado a institucionalidade burguesa.
A desconfiança quanto ao projeto chileno se manteve nas relações comerciais entre
os dois países. Na crise de 1972, o governo da UP pensava que a URSS iria ajudar com
grandes quantidades de artigos de primeira necessidade, esperava que pudessem obter
créditos para serem pagos a longo prazo, e que a URSS fossem importar alguns produtos
chilenos além de pagarem de forma imediata.
A URSS não ofereceu mais do que ajudas que já haviam disponibilizado e recusou
os pleitos de novas colaborações econômicas para o Chile, sob a alegação de sofrerem
limitações econômicas. Entretanto, parecia claro que não seria nada vantajoso para a URSS
investir num projeto que achavam ser inviável.
Segundo Márquez “a falta de confiança no êxito da via chilena foi um dos fatores
que impediu a URSS de prestar um apoio maior ao governo da UP que efetivamente
brindara”. E conclui que as considerações da direita e dos militares, posterior ao golpe,
sobre eventuais propósitos da URSS instaurar sua hegemonia no país, mereceria um melhor
fundamento empírico e mais parece uma justificativa ideológica para a queda do governo e
dos direitos democráticos.
111
2.3 - As divergências entre PC e PS quanto ao projeto da via chilena
As discussões entre Partido Comunista e Partido Socialista não foram nada simples.
O PS havia aprovado a revolução armada como forma de mudar o sistema e valores da
sociedade chilena. Ele pregava que a institucionalidade democrática burguesa favorecia as
classes dominantes, corrompia os revolucionários e, sugeria a todos que renunciassem à
ilusão da legalidade vigente. Já, para o PC, dentro do sistema político havia espaços
democráticos que poderiam ser utilizados em favor dos interesses das classes menos
favorecidas e, por sua vez, chamava todos para se imbuírem da tarefa de,
institucionalmente, aprofundar essas possibilidades democráticas.
Para o PC, estava claro que só haveria condições para a proposta da via não armada,
ou seja, de que mudanças ocorressem sem o desencadeamento de uma guerra civil, se
houvesse um enfraquecimento do imperialismo e da oligarquia, isto é, dos inimigos
principais. Para tanto, era preciso fazer alianças com determinados setores da sociedade,
incluindo o PR e a DC, o que também causava muitas discussões com o PS.
O Congresso do Partido Socialista, em Chillán-1967, o definiu como um partido
marxista-leninista e apoiava a luta armada como única forma de se chegar ao socialismo.
Diziam em suas resoluções que “a violência revolucionária era inevitável e legítima”, que
resultava necessariamente do caráter repressivo e armado do estado de classe, e que se
constituía na única via que conduziria o Chile à retomada do poder político e econômico,
com a devida defesa e fortalecimento nacional. As formas pacíficas ou legais de luta não
conduzem por si mesma ao poder. O Partido Socialista as considera como “instrumentos
limitados de ação, incorporados ao processo político que nos leva a luta armada”. Ainda
mais. Estabeleceu-se Cuba como espelho para a América Latina e, assim, a luta guerrilheira
era a forma de se enfrentar o imperialismo e a burguesia. Era um processo único para a
Revolução Socialista.
Algumas análises, como a de Paul Drake122, afirmam que, neste congresso de
Chillán, há uma supervalorização da violência como estratégia para tomada de poder. Por
outro lado, não se valorizou a questão das alianças políticas como base para a destruição do
Estado-burguês. Essas duas questões remetiam para a adoção do modelo cubano de
122 LUNA,E.,op.cit.,p. 163.
112
revolução, com o argumento de que o processo revolucionário vinha se continentalizando,
desde o êxito de Fidel Castro e seus companheiros.
Para Eva Luna123, o giro para a esquerda, dado pelo PS nesse congresso, pelo menos
do ponto de vista teórico, deixava um vácuo entre a teoria radical e a prática reformista.
Sem dúvida alguma, a linha política mais moderada, como a de Allende, continuava
predominando nas alianças eleitorais.
Algumas questões sobre a posição do Partido Socialista nos ajudam a entender de
que maneira aconteceu o debate sobre a via chilena, o que não significa também que suas
idéias representavam as posições de Salvador Allende. O PS achava que a revolução
socialista deveria ser incorporada desde o início do processo, sem constituir uma fase
anterior, no período de mudanças antiimperialistas e antioligárquicas. A revolução
conformava uma aliança social e política da qual somente poderiam fazer parte aqueles que
realmente queriam o fim das relações capitalistas. Era a chamada Frente de Trabalhadores.
Por essas razões, aliar-se a setores da burguesia significava muito, visto que essa aliança
significava a mudança dos objetivos e do caráter de uma revolução.
O PC achava que a revolução possuía um caráter antiimperialista, antioligárquica e
agrária, com vistas ao socialismo. Assim, as alianças deveriam englobar todos os setores
que fossem contra ou que apresentasse contradições com o imperialismo. Ficariam de fora
os grupos oligárquicos e o capital estrangeiro, seus inimigos principais, assumindo
claramente uma divergência importante com o PS. Para o PC, criar-se-ia uma maioria
social e política para dar desenvolvimento às ações transformadoras, o que deveria ser o
ponto principal da Unidade Popular.
O Partido Socialista, que também estava enraizado na classe operária chilena,
aceitava com reservas o marxismo124 e preferia se identificar nas orientações em que
tinham em comum como o antiimperialismo e o seu caráter revolucionário. Ele não se aliou
nem à terceira, nem à segunda Internacional Comunista. Dizia-se contrário ao efeito
“colonizador” de tendências internacionais e que nunca aceitaria imposições ideológicas. E,
desde sua criação, segundo Carlos Altamirano125, atestava a inviabilidade da via pacífica.
Todas essas questões estão presentes na Declaração de Princípios que dizia:
123 Ibid.,p. 164. 124 O PS só foi se definir enquanto um partido marxista leninista no seu Congresso de 1967 em Chillán. 125 Cf: ALTAMIRANO,C. Chile: dialética de uma derrota, p.14
113
... aceitava o marxismo como método de análise da realidade enriquecido e
corrigido por todas as contribuições científicas integradas ao processo social.
Reconhecia-se a luta de classes, reconhecia o caráter de classe do Estado e aderia
ao internacionalismo proletário através de uma Federação de Repúblicas
Socialistas. A classe dominante organiza corpos civis armados e impõe sua própria
ditadura com o fim de manter os trabalhadores na miséria e impedir a sua
emancipação. A doutrina socialista possui um caráter internacional e exige uma
solidária e coordenada entre os trabalhadores do mundo. Para realizar este
postulado, o PS lutará pela unidade econômica e política dos povos da América
Latina, a fim de chegar à Federação das Repúblicas socialistas do continente.126
Assim, o PS tentava manter-se atuante em relação aos movimentos e partidos latino-
americanos. No plano internacional, optou por não participar da II Internacional social-
democrata e à III IC. Por isso também, sua relação com o Partido Comunista era bem
crítica, o que se torna bastante evidente em uma das cartas escritas à direção do PC:
Nós socialistas, recusamos a submissão a qualquer centro dirigente. Em troca,
oferecemos um intercâmbio ativo, democrático e multilateral de idéias e
experiências, entre todas as forças, movimentos, partidos e estados anticapitalistas.
Este intercâmbio baseia-se na mais rigorosa igualdade de direitos, para que cada
qual possa encontrar por si mesmo a via mais rápida, eficaz e menos dolorosa para
o socialismo.127
Portanto, parece-nos clara a leitura do PS sobre as posições políticas do PC. Seriam
elas submissas à III IC e também à União Soviética, podendo mesmo ser caracterizadas
fora da realidade do Chile, justamente por se tratar de orientações externas. O próprio
secretário do PS geral, em 1939, Oscar Schnake chegou a dizer que era preciso ser dado um
conteúdo nacional à prática política.
O PS também reivindicava para si o esforço de dar unidade à classe operária.
Argumentava que outros partidos socialistas na Europa e na América tornaram-se
126Ibid.,p.15. 127 Ibid.,p.16.
114
anticomunistas. No Chile, desde 1956, o partido sustentava a necessidade de um
entendimento estratégico entre os partidos operários. Esta prática seria a base para qualquer
política de alianças, tanto no plano sindical, quanto na totalidade da sua atuação.
A correlação de forças entre o operariado chileno estava muito ligada à interação
entre os partidos e a prática das massas determinada pelos diferentes níveis da luta de
classes. A expressão política do movimento dos trabalhadores chilenos foi sempre original
e diferenciada pela sua unidade e organização. A força dos partidos ligados aos
trabalhadores, seu desenvolvimento e a flexibilidade do sistema burguês levou esse
movimento para além do papel de apoiar os partidos políticos, mas ajudou na eliminação
das tendências ultra-esquerdistas. A classe trabalhadora via brechas no sistema institucional
para incorporação de suas reivindicações. Tanto o PC em maior proporção, quanto o PS
asseguraram o “monopólio da esquerda sob o movimento dos trabalhadores”. O MIR e o
PCR eram considerados ultra-esquerda e tiveram seu desenvolvimento no interior do
movimento principalmente a partir da eleição de Allende, com a polarização política do
país128.
Pelo menos nos discursos, o PS mostrava que tinha como política própria e
permanente a unidade com o Partido Comunista. Sem dúvida, as posições desses dois
partidos eram diferentes, pois cada um tinha o seu entendimento e concepção da realidade
chilena, mas pareciam convergir no sentido de buscar a aliança entre eles. O PC tentava se
livrar do rótulo de “seguidor fiel das orientações da URSS”. Para isso, dá como exemplo,
quando da constituição da Frente Popular, ele dizia encampar essa idéia, mesmo pouco
antes de ela se tornar orientação da IC, baseando sua ação na leitura da realidade chilena.
Mas, para os dois partidos, a consolidação da FRAP é que concretizou a aliança
socialista-comunista, levando em consideração até mesmo as divergências no próprio
movimento social.
Sobre o processo revolucionário no Chile, o PS dizia que esse se apresentava em
duas fases: a primeira, antiimperialista e democrática e, a segunda, quando se daria a
construção da sociedade socialista. Refutavam a idéia da Revolução Democrático-
Burguesa, pois achavam impossível que a burguesia se colocasse em contraposição às
oligarquias locais e também ao imperialismo.
128CASTELLS, M.,op.cit.,pp.140-141.
115
O PS também discordava da via pacífica. Era claro para os socialistas, que as
classes dominantes não assistiriam à sua própria expropriação sem utilizar a violência, e
para eles, os exemplos cotidianos da América Latina comprovavam isso. Foi no XXII
Congresso do PS, em 1967, que se reafirmou ser a via armada a saída correta dentro da
realidade chilena. Foi dito que:
A violência é legítima e inevitável. Resulta necessariamente do caráter repressivo e
armado do Estado de Classe. Constitui a única via que conduz à tomada de poder
político e econômico e à sua ulterior defesa e fortalecimento. A revolução
socialista só pode consolidar-se destruindo o aparelho burocrático e militar no
estado burguês. As formas pacíficas ou legais de luta (reivindicatórias,
ideológicas, eleitorais) não conduzem por si mesmas ao poder. O Partido
Socialista considera-as como instrumentos limitados de ação, incorporados ao
processo político que leva à luta armada.129
O PS foi muito criticado, principalmente pelo PC, em relação à linha política tirada
no congresso de Chillán. Segundo tais críticas, o caminho esquerdista escolhido ali
correspondia a um “infantilismo revolucionário”, além da adoção da tática de guerrilha, o
que para os comunistas não cabia para a realidade chilena.
Por outro lado, o PS rebate as críticas pontuando a via pacífica. Conforme sua
opinião, nenhum partido revolucionário deseja a violência por si só, entretanto a busca das
mudanças de uma sociedade e a sua transformação em socialista é fator que causa reações
nas classes privilegiadas. A violência torna-se um recurso a ser usado para garantir tais
transformações. Para eles, também, achar que seria possível construir pacificamente o
socialismo sem levar em consideração a possibilidade de mudanças táticas e a preparação
de uma possível luta armada era um equívoco.
Para Altamirano, era de suma importância o debate sobre qual a via a ser seguida
para se realizar a revolução no Chile e refletia a análise social concreta dos dois partidos. O
problema era não ter uma tática flexível o suficiente para mudar o curso radical dos
caminhos revolucionários.
116
Para ele, foi isso que aconteceu. A conduta do Partido Socialista desde os anos
sessenta sempre esteve baseada numa interpretação marxista-leninista da realidade nacional
e da estrutura dinâmica da luta de classes. Suas posições sempre foram a de tentar
“devolver ao proletariado o seu papel de protagonista na libertação econômica e social do
país; buscar esta libertação no contexto de uma verdadeira revolução que não separe as
tarefas democráticas e socialistas e finalmente concluir que não é possível a transição
pacífica ao socialismo, no âmbito da realidade nacional e continental.”
Em relação ao caminho pacífico, ou seja, não armado para a revolução, o ex-
secretário geral do PS levanta importantes discussões que também foram alvo de debates
intensos no interior do PC. Para ele, a base da via pacífica era a utilização de formas
pacíficas de luta, e por isso, a luta de massas, o emprego de métodos legais, a utilização da
institucionalidade burguesa eram entendidas enquanto constituinte desse processo. A
violência poderia até aparecer, mas em bases secundárias, não sendo o elemento gestor da
revolução. A via armada poderia utilizar, por vários anos, a institucionalidade burguesa e as
formas legais de luta. Por isso, a violência deveria ser prevista como recurso a ser utilizado
e, para isso, era preciso a preparação da vanguarda revolucionária.
A via pacífica somente seria possível quando as forças revolucionárias fossem
superiores às forças da burguesia e as fizessem desistir da violência. Altamirano levanta
que este “consenso” era discutido pelo PC Italiano: a superioridade de forças social e
política exigiria uma ruptura da burguesia antes da destruição do seu aparelho repressivo.
Dessa forma, haveria um deslocamento da maioria da classe média, reduzindo a classe
dominante à sua expressão ínfima e natural.
Ainda para Altamirano, os PC Francês, Italiano e Espanhol muito fizeram em
relação à contribuição para a sua reflexão sobre a via pacífica. Talvez a primeira questão a
ser colocada é a de que as condições objetivas ocorridas na Revolução Russa não se
reproduziriam na Europa. Por isso, a situação revolucionária poderia surgir a partir de
graves crises sociais e políticas. Os partidos comunistas e o conjunto das forças
revolucionárias deveriam constituir-se enquanto uma força preparada para equilibrar os
fatores objetivos e subjetivos.
129 ALTAMIRANO,C., op.cit.,p.25
117
Assim, para a via pacífica se concretizar seria preciso muito além de obter os 51%
de votos e conquistar uma maioria eleitoral, inclusive no parlamento. Ela deveria, de fato,
impor-se de forma a assustar a burguesia para que esta desistisse do uso da violência, o que
Altamirano considerava muito difícil, principalmente nas eleições chilenas, onde os
partidos de direita e de centro sempre tiveram grande expressividade de votos.
Todas estas questões apresentavam diferenças em relação às discussões que o PC da
URSS apresentava, tendo em vista a via pacífica no período de Krushov. Porém, esta seria a
mais provável, se as condições favoráveis a esse caminho fossem de fato colocadas e a
vanguarda revolucionária se preparasse para alterar as formas de luta, se necessário fosse.
No Chile, essa preparação dos trabalhadores para a via armada não foi utilizada pela
direção da UP, mesmo nos momentos propícios em que a reação dos trabalhadores contra a
burguesia se radicalizava, sobretudo a partir do final de 1972. Um exemplo dessa falta de
preparação da UP foi a ação dos Cordones Industriales. Estes foram organizações de
trabalhadores organizados na greve de outubro de 1972 tinha como objetivo atuar de forma
rápida e eficaz contra as manobras da direita. Sua primeira ação declarava a favor do
controle dos trabalhadores à produção e pela implantação da Assembléia de Trabalhadores.
O Cordón Cerrillos-Maipú foi o primeiro de uma série de outros cordones. Neles
participariam integrantes do MIR, MAPU, PS, poucos do PC (que inclusive muitos se
afastaram do partido comunista por este ter criticado de forma exaustiva a criação desses
cordones por acreditarem ser um poder paralelo à CUT) e também trabalhadores não
filiados a partidos. Essas organizações através de seus trabalhadores assumiram a produção
em várias fábricas no “paro de 1972” dizendo inclusive que os trabalhadores não
necessitavam dos patrões para fazer funcionar a economia.
Após o término da greve, o governo pedia que esses trabalhadores devolvessem
algumas das empresas tomadas aos antigos donos. Os Cordones achavam errada a postura
do governo, pois tais empresas já estavam sob controle dos trabalhadores e deveriam no
mínimo, serem incorporadas à propriedade estatal. Tais trabalhadores, agora organizados
pelos cordones realizaram em resposta ao governo, novas ocupações, protestos e barricadas,
havendo enfrentamento entre polícia e trabalhadores. Em 5 de setembro de 1973,
escreveram um documento para Allende alertando do perigo do golpe militar que se
articulava. Eles insistiam na necessidade de armar os trabalhadores. Do que adiantaria um
118
povo organizado mas sem armas? Chegou-se a uma tal situação que apenas passeatas em
defesa do governo não bastava.
... conservar a liberdade absoluta da imprensa, respeitar os direitos da oposição e
manter a lealdade a constituição. Na prática isto significa o compromisso de
conservar todas as instituições democrático-burguesa..., é dizer, repelir o
rompimento revolucionário do antigo aparato estatal, incluindo o exército, os
serviços de seguridade, etc.130
No XXII Congresso do PS, em Chillán, no ano de 1967, o documento final deixava
clara a sua posição:
O partido não menospreza a utilização de métodos pacíficos e legais como as lutas
reivindicatórias, os trabalhos de conscientização, as atividades de massa, os
processos eleitorais etc. Considera, contudo que tais métodos por si não conduzem
à conquista do poder. São na verdade, fatores complementares de sua ação política
global, que visa a derrota definitiva das forças reacionárias internas e a destruição
de toda forma de penetração imperialista.131
Dessa forma ficava nítido, aqui, que conviviam duas concepções muito distintas a
respeito do processo revolucionário e que dificilmente se chegaria a um acordo para
engendrar o processo político chileno. Essa situação tornou-se relevante durante todo o
governo Allende. O próprio presidente se tornou o centro de pressões entre o seu partido e
o comunista.
Essa falta de unidade e de um projeto único da esquerda provocou desencontros no
plano político e muitas dificuldades na maneira de como se portar diante de alguns partidos
como a DC, o MIR e o PR, na tentativa de ampliação da frente política para garantir
inclusive a governabilidade e a institucionalidade. Todas essas questões iriam se agravar no
caminhar do governo Allende, até se transformar, já no final de 1972, conjuntamente com a
130 CORVALAN MARQUEZ, L.,op.cit, p.167 131 ALTAMIRANO,C., op.cit, p.63
119
campanha realizada pela direita e pelos EUA para desestruturar o governo, em uma crise
sem precedentes na história chilena.
Se pudéssemos reunir alguns dos principais lemas do Partido Chileno ditos por
ocasião de vários congressos e que impulsionaram o desenvolvimento da linha política do
PC de acordo com sua leitura da realidade chilena e fruto da política de alianças, para se
materializar na via pacífica e no governo da UP, poderíamos citar: inicialmente, já em
1962, “La conquista de um gobierno popular”, com o objetivo de construir uma aliança
ampla; depois “La classe obrera, centro de la unidade y motor de los câmbios
revolucionários” (que tinha como objetivo contribuir para evitar as divisões do povo,
principalmente, dos que estavam seduzidos pelo reformismo e facilitar a possibilidade de
promover alianças em torno da classe trabalhadora, justificando também a via pacífica, já
que os trabalhadores unidos seriam os responsáveis por favorecer as mudanças até se
estabelecer um estado socialista); e por último, em 1969, “Unidad Popular para conquistar
um gobierno popular”, já às vésperas das eleições de 1970.
Nas discussões entre PS e PC e ainda durante o governo de coalizão de partidos
políticos, que, contudo, indicam que tinha como projeto principal questões defendidas mais
pelos comunistas do que propriamente pelos socialistas, o presidente Salvador Allende
ocupava espaço fundamental. Era ele quem fazia a mediação política durante os vários
momentos de seu governo com as mais variadas forças políticas. Apesar de ter sido um dos
grandes lutadores pela escolha tática da via pacífica e também responsável pelo peso das
divergências dentro do PS, também possuía várias discordâncias com o PC. Ele dizia que
era necessário haver um partido marxista que não tivesse vinculação internacional.
Allende não gostava quando a mídia ou qualquer pessoa dizia que ele se parecia
mais com os comunistas. Em relação a isso, era categórico: “Sou socialista, tenho sido e
serei socialista”, pois para ele, havia diferenças importantes entre o PC e PS, como a
vinculação e o compromisso com a Internacional Comunista e com acordos firmados entre
os 81 PC do mundo; para Allende, o PS nasce como conseqüência de uma realidade social
evidente e aglutina setores como trabalhadores, camponeses e classes médias, orientado
essencialmente para lutar, para tornar possível conquistar a independência econômica e a
justiça social, no Chile; destaca também que o PS tinha como tática e estratégia a Frente de
120
Trabalhadores e o PC a luta pela libertação nacional. Apesar das divergências que gostava
de frisar, achava importante a aliança entre os dois partidos.
Para o presidente Allende, o importante e talvez principal, na Unidade Popular, era
o fato de não haver um partido hegemônico e sim uma classe hegemônica: a classe
trabalhadora. Isso era substancialmente diferente da Frente Popular, na qual havia um
partido hegemônico: o Partido Radical, que, por sua vez, atrelava seus interesses mais aos
da burguesia, do que propriamente aos dos trabalhadores.
Apesar de uma coalizão sem partidos preponderantes, pelo menos em tese, eram
constantes as divergências entre o PS e o PC, cabendo ao presidente ser o mediador de
todas essas tensões. Por ser a experiência chilena algo único, o presidente Allende era em
todo momento cobrado pelo fato de não ter escolhido o caminho da luta armada. Sobre esta
questão, dizia que entre os caminhos chilenos e cubanos certamente havia diferenças, mas
as questões de fundo eram iguais. Citava a esse respeito uma dedicatória que Che Guevara
havia escrito, dizendo: “Para Allende, que por outros caminhos trata de obter o mesmo”.
Dizia Allende em entrevista dada a Augusto Olivares132, por ocasião da visita de
Fidel Castro a Santiago:
Os povos que lutam por sua emancipação têm, logicamente, que adequar à sua
própria realidade as táticas e a estratégia que vai conduzi-las às transformações.
O Chile por suas características, por sua história, é um país onde a
institucionalidade burguesa tem funcionado a plenitude e onde dentro dessa
legalidade burguesa o povo sacrificadamente tem avançado e conseguindo
conquistas, tem se conscientizado, tem compreendido que não é dentro dos regimes
capitalistas e do reformismo que o Chile poderá alcançar a dimensão de país, dono
de sua independência e capaz de chegar a níveis superiores da vida e da
existência.133
Para ele, o que também fazia diferença nas discussões entre os partidos era a sua
confiança na tática escolhida, porque segundo ele foi traçada e escolhida com base na
132 Augusto Olivares era jornalista vinculado ao governo da Unidade Popular e entrevistou Salvador Allende e Fidel Castro durante uma visita do cubano em dezembro de 1971 ao Chile.
121
análise da realidade chilena. Além disso, o povo havia escolhido nas urnas que queria o
caminho da Revolução, mas desde o início da campanha deixava claro que o principal
naquele primeiro momento era mudar o regime e o sistema. Estavam “conquistando o
governo para conquistar o poder”, e, a partir daí realizar transformações revolucionários
como o rompimento da dependência econômica, política, cultural, a elaboração de uma
nova constituição, dentre outras.
Salvador Allende ainda dizia que o histórico do movimento operário, que surgiu no
Chile em zonas controladas pelo imperialismo, e que, portanto, desde o início tinha uma
consciência antiimperialista, ajudava a comprovar a possibilidade da via pacífica.
Entretanto, só isso não bastava, era preciso se obter a unidade comunista-socialista,
principalmente depois da unificação dos movimentos e sindicatos dos trabalhadores na
CUT em 1939. Em entrevista dizia:
... antes os campesinos, os trabalhadores haviam formado seus partidos de classe e
aí temos que o PC é o mais antigo da Am. Latina, um dos mais antigos do mundo e
por certo, com relação a filiados, um dos mais poderosos. De igual maneira o PS,
um partido de classe, um partido marxista, que tem pontos divergentes em relação
a aspectos internacionais, algumas vezes, tem mantido com o PC não só um
diálogo mas um entendimento para encarar juntos os problemas do Chile. Daí que,
desde 1951, o PC e o PS começaram a caminhar por processo de classe e com a
decisão de fazer possível um vasto e amplo movimento que permitiria as mudanças
estruturais na vida chilena e por isso, hoje em dia podemos dizer que a margem de
um pequeno critério, se tem tido êxito sobre a classe trabalhadora e no campo
sindical sob o pilar do PC e do PS...134
Dessa forma, para ele, o Chile se encontrava diante da necessidade de iniciar de
maneira inovadora a construção da sociedade socialista. Para isso, adotaria uma “via
chilena”, aplicada à sua realidade que também teria como característica marcante ser uma
via pluralista. Segundo ele, o mundo estava atento para essa nova dinâmica, jamais
133 LUNA,E.,op.cit.,167. 134Ibid.,p.167.
122
concretizada e, nunca se imaginou que o seu desenvolvimento pudesse ocorrer em nações
menos desenvolvidas. Allende sabia das dificuldades a serem encaradas, todavia, sob forte
euforia, dizia em sua primeira mensagem ao Congresso:
...Todos sabem ou intuem que aqui e agora a história começa dar um novo giro, na
medida que estamos conscientes da empreitada. Alguns entre nós, só vêm as
enormes dificuldades da tarefa. Outros, a maioria, buscamos a possibilidade de
enfrentá-la com êxito. Pela minha parte, estou seguro de que teremos a energia e a
capacidade necessárias para levar adiante nosso esforço, modelando a primeira
sociedade socialista edificada segundo um modelo democrático, pluralista e
libertário. Os céticos e catastrofistas dirão que não é possível. Dirão que um
parlamento que tão bem serviu as classes dominantes é incapaz de transfigurar-se
para chegar a ser o parlamento do povo chileno.135
Allende, otimista em seu discurso na Câmara, mostrava-se seguro e confiante
porque, além de acreditar decisivamente no projeto político da UP, precisava continuar
empolgando sua base de apoio, que ele mesmo se orgulhava chamar: “los obreros de
Chile”. Entretanto, parecia adivinhar o que sucederia mais tarde em seu governo em relação
à postura do parlamento.
Ele acreditava na possibilidade de criar sistemas produtivos para assegurar os bens
fundamentais que somente uma minoria desfrutava no Chile. E para isso, estava certo que
enfrentaria interesses diversos e esses seriam os verdadeiros obstáculos para a construção
de uma nova sociedade. Para mudar tudo isso, era necessário definir e por em prática um
novo modelo de estado, de economia e de sociedade, tendo agora como centro, o homem,
suas necessidades e suas aspirações. Portanto, seu objetivo era a edificação progressiva de
uma nova estrutura de poder fundida nas maiorias e centrada em satisfazer em curto prazo,
se possível, as expectativas mais urgentes das gerações atuais.
No discurso realizado em virtude do de 38º Aniversário do PS, Allende falou sobre
os caminhos para a revolução chilena, com o intuito de refletir sobre a forma como estava
sendo construído o caminho do Chile. Também estavam presentes inúmeros teóricos e
companheiros de partidos contrários à “via pacífica” como Carlos Altamirano, e fez
123
questão de citar Che Guevara, Engels e Lênin para demonstrar de certa forma a
consistência teórica e as justificativas para não adoção de dogmas ou receitas para
desenvolver um processo revolucionário. Dizia:
...Engels por exemplo, haveria dito que a doutrina não é um dogma, mas um guia
para a ação, e Lênin, o mais señero pensamento revolucionário do socialismo,
afirmou que a revolução não se exporta, mas obedece à realidade e às condições
determinadas da sociedade e que cada povo tem que buscar seu próprio caminho
para o socialismo, o qual, por certo, não excluiu jamais do pensamento de Lênin a
solidariedade proletária que transpassa a fronteira e que faz com que a luta de um
povo que busca o caminho de sua libertação seja a luta de todos os povos que
buscam também libertação136.
Além dessas questões, tinha o que achava principal para acreditar na defesa do
governo, que era a tradição de luta da classe trabalhadora chilena e ter, o Chile, um povo
consciente e organizado, politicamente. Como argumento, apresentava a fundação em 1909
da Federación Obrera, e em 1919 seu programa já falava em abolir o regime capitalista e
contava com a grande maioria de filiados no PS ou no PC.
Portanto, já existia uma ideologia de classe muito enraizada em setores que ele
achava que iriam defender o governo e, sob nenhuma hipótese, desestruturá-lo ou mesmo
derrubá-lo.
O historiador Luís Corvalán Márquez fez uma análise da proposta de Allende sobre
a via chilena. Ele acreditava que a liberdade burguesa e as suas reivindicações relativas às
garantias individuais, não estavam ligadas apenas a superestrutura do capitalismo e da
dominação burguesa, mas eram conquistas da humanidade. Elas se realizariam em sua
plenitude quando se livrasse das amarras que as impunha o capital. Ele era a favor da
construção de um consenso maioritário, político, social e ideológico que tornasse possível a
confluência entre o centro e a esquerda em torno de uma estratégia não capitalista. Isso
possibilitaria uma via gradualista, sem ruptura institucional, sustentada sob base jurídica e
derivada das maiorias política e social. A via chilena seria uma articulação entre
135 QUIROGA, P. (org.).Salvador Allende: Obras Escogidas 1970-1973,p.79 136 Ibid., p.287.
124
democracia e socialismo, seria uma sociedade construída sob a democracia, pluralismo e a
libertação.
Uma questão central para o PC era a ruptura com a propriedade privada e para que
ocorresse, não teria necessariamente que se ter rupturas no plano institucional. Essa questão
corroborava com a idéia de que as instituições políticas funcionavam segundo princípios
democráticos satisfatórios. Entretanto, havia um abismo em relação à economia e as
questões sociais.
Allende refutava a idéia de ditadura do proletariado e dizia não existir experiências
anteriores que pudessem ajudar como modelo, era preciso desenvolver a teoria e a prática
dessa nova forma de se chegar ao socialismo. Uma outra questão era a de que não haveria
ruptura institucional acreditando que a flexibilidade do sistema institucional chileno se
adaptaria às novas exigências que exigiam a substituição do capitalismo. Também
sustentava que a via chilena consistiria na manutenção e ampliação das liberdades públicas
além do seu caráter pacífico. Ele acreditava que o fato de se ter a unidade das forças
populares com alguns dos setores médios (UP) teria uma maioria social importante para
que os poucos privilegiados não recorresse facilmente a violência.
Em 1972, em reunião do pleno do Partido Socialista ficou decidido dentre várias
questões, que o Estado burguês não servia para construir o socialismo e que era necessário
a sua destruição. Essa posição, entretanto, era contrária ao caminho institucional
representado pela via chilena.
Em discurso em maio de 1972, Allende ao contrário da resolução do pleno do PS
manteve sua visão de que o aparato estatal chileno era resultado da evolução histórica da
ordem chilena. Dizia que naquele momento, o Estado atuava em favor dos trabalhadores e
não mais da classe dominante. E concluía:
... o caminho para o processo revolucionário não era a da via da violenta
destruição do atual regime institucional e constitucional... o poder da grande
burguesia não se baseava no dito regime, sem seus recursos econômicos e a
completa ramificação de relações sociais ligadas ao sistema de propriedade
capitalista.137
137 CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.160
125
Segundo historiador Luís Márquez, era possível caracterizar o projeto de “via
chilena” de Allende como uma via institucional, pluralista, pluripartidista, com pleno
respeito e desenvolvimento das garantias individuais, que por não ter precedente histórico,
era preciso desenvolver sua própria teoria.
126
2.4 – O programa da Unidade Popular
Mesmo com muitas divergências políticas no caráter que a coalizão de esquerda
deveria assumir, os partidos da UP se reuniram antes de resolver o nome que concorreria
pela coalizão para formular o programa básico de Governo, finalmente aprovado em 17 de
dezembro de 1969. Fizeram parte da construção do programa os seguintes Partidos:
Socialista, Comunista, Radical, Social Democrata, o Movimento de Ação Popular Unitária
(MAPU) e a Ação Popular Independente (API). Esse programa foi fruto de muita discussão
e mediação política, destacando o papel muito importante de Allende para conseguir que o
PS fizesse parte da UP. Os partidos, ali representados em que, cada qual tinha sua ideologia
e tentava fazer valer o que achava mais coerente em relação à sua representação, valores e
formação social, tiveram que ceder em inúmeros aspectos para se ter um projeto único.
A estratégia global colocada pela UP segundo Bitar138, era a transformação da base
econômica com a ampliação da democracia, dentro da institucionalidade. As condições
ideológicas e institucionais vigentes no Chile, deixava pelo menos em perspectiva a
possibilidade de introduzir modificações importantes na propriedade dos meios de
produção, principalmente se configurasse a aliança entre o proletariado e as camadas
médias, ou seja , entre o operário, empregados, trabalhadores independentes, profissionais e
pequenos empresários. A UP sustentava que o modelo de desenvolvimento chileno era
concentrador e excludente, e que a indústria que de certa forma havia crescido nos últimos
anos, foi gerada em torno de bens duráveis dos extratos de maiores rendas. As indústrias
estrangeiras impunham o padrão de consumo e a tecnologia de seu país de origem,
modelando a estrutura produtiva chilena.
Inicialmente, estava colocado o desafio da análise profunda das questões sociais,
econômicas e política da sociedade chilena. Esse não era um desafio simples, pois o Chile
estava passando por um processo de consolidação de um sistema capitalista moderno, no
qual a administração do governo Frei teve responsabilidade em seu desenvolvimento, como
a reforma agrária, mudanças na política tributária, controle estatal na política bancária e
138 BITAR,S., op.cit.,p.65.
127
também dos preços de inúmeros produtos. Todos esses pontos encontraram resistência e
crítica do Partido Nacional, de grandes empresários e latifundiários.
Entretanto, ao mesmo tempo em que Frei propunha uma “revolução em liberdade” e
de alguma forma estava implementando projetos de desenvolvimento nacional (mas
dependente internacionalmente) e se indispondo com setores da direita, os problemas
sociais, econômicos e políticos do Chile eram imensos.
O governo Frei teve grande importância no desenvolvimento dinâmico no campo,
favorecendo o grande proprietário e criando condições para o surgimento da pequena
burguesia agrária. Frei também promoveu a sindicalização dos camponeses, o que
possibilitou a formação de uma base de apoio político para o conjunto do projeto
reformista.
O processo engendrado de modernização capitalista no Chile provocou nas classes
médias uma contínua diferenciação das classes mais altas. Isso se deu também pelo
sentimento de radicalização, pela mobilização popular, além da crise econômica. Dessa
forma, partidos como o Radical, que tinha como principal base a classe média, se
incorporou na coalizão de partidos “proletários.” Assim, a UP ia se diferenciando da Frente
Popular porque tinha os partidos marxistas com um programa de governo formulada por
seus integrantes como principal eixo da coalizão.
Esse ponto para nós é uma das características fundamentais. O fato de haver,
anteriormente à escolha do candidato, a discussão do programa, só reforçou o sentido da
UP: ter uma maior discussão dos rumos que deveriam adotar para o Chile e também não
haver a preponderância de um partido da coalizão. Essa questão foi muito enaltecida por
Allende depois da sua eleição. Como já colocamos aqui, havia inúmeras divergências entre
os dois principais partidos que formariam a UP: o PS e o PC. A própria escolha do nome de
Allende como candidato não havia sido feita de forma unânime, ou mais unificada.
Entretanto conseguiu elaborar um programa que pontuava os principais problemas da
sociedade chilena. Durante a campanha, com nível de polarização e a possibilidade de
vitória foi animando setores do PS.
O programa de governo da Unidade Popular procurava também fazer uma análise
do momento atual do Chile, propunha iniciativas que o governo deveria ter para a
128
construção de um novo sistema e ainda apresentava além do pacto da UP quais seriam as
primeiras 40 medidas do governo popular.
É importante assinalar que o discurso vigente da UP era o de que as divergências
ainda existiam, que cada partido tinha sua filosofia, seu método de ação, mas que todos
estavam de acordo com aquele programa e lutariam para a sua implementação. Era uma
espécie de pacto entre os partidos da UP:
Os partidos e movimentos que integram o Comitê Coordenador da UP, sem
prejuízo de manter cada qual sua própria filosofia e seus próprios perfis políticos,
coincidem plenamente na caracterização da realidade nacional exposta na
continuação e nas preposições programáticas que seriam a base de nossa ação
comum e que entregamos a consideração do povo139.
A crítica do programa à crise econômica, social chilena era direta e apontava como
principal fator o fracasso do sistema capitalista, caracterizado pela dependência ao
imperialismo e dominado internamente por uma burguesia ligada ao capital estrangeiro, que
se traduzia no subdesenvolvimento, na concentração de riquezas, na exclusão das camadas
mais pobres. A crise se expressava então, nas baixas condições sócio-econômicas de vida,
distribuição desigual dos bens e limitações das possibilidades econômicas.
O governo Frei, que tinha proposto realizar uma “revolução em liberdade”, era
caracterizado como reformista e desenvolvimentista e não que passava de um governo da
burguesia a serviço do capitalismo internacional e nacional. Por isso, não poderia se ter
esperado do governo Frei as mudanças que tinha prometido140. O freqüente uso da violência
contra os trabalhadores e as classes mais baixas também foram destacados, assim como a
monopolização do ferro, salitre e cobre por parte de empresas estrangeiras, os empréstimos
ao FMI, as péssimas condições de vida dos mais pobres. Todas as críticas vão num sentido
de responsabilizar o sistema capitalista como grande impulsionador de todos os problemas
e também das políticas adotadas pelo governo, até então. Sem dúvida, a introdução do
139 Programa basico de gobierno de la Unidad Popular, p.4. 140 Nota-se aqui uma maior radicalidade no discurso dos partidos que participariam da UP, incluindo o PC.
129
programa de governo tratava de ir inserindo a discussão que seria central no governo da
UP: ou se muda o sistema e se constrói o socialismo, ou não há saída para superar a crise:
A única alternativa verdadeiramente popular e, portanto, a tarefa fundamental do
que o governo do povo tem diante de si, é terminar com o domínio dos
imperialistas, dos monopólios, da oligarquia latifundiária e iniciar a construção do
socialismo no Chile141.
Para as mudanças acontecerem de fato, era constantemente destacado o papel da
unidade e da ação do povo organizado, principalmente dos trabalhadores. É interessante
notar que, segundo a CUT, em 1964, havia 270 mil 542 trabalhadores sindicalizados,
sobretudo entre sindicatos industriais e sindicatos profissionais. Em 1970, decorrente
também de uma política dos partidos que estavam formando a UP, esse número chegou a
um total de 551 mil e 86 sindicalizados, destacando um grande crescimento nos sindicatos
industriais, nos sindicatos profissionais e nos sindicatos agrícolas. Estes últimos tiveram um
aumento significativo do número dos seus filiados, indo de 1658 para 114.112 mil
sindicalizados, o que também tem a ver com a política de Frei de estimular a sindicalização
no campo142, já comentada.
Essa orientação de sindicalizar o maior número de trabalhadores possível também
se dava nos Comitês da UP que foram articulados nos bairros e locais de trabalho,
principalmente. Posteriormente, esses comitês seriam transformados em um importante
instrumento de comunicação com o governo, pois ali seria igualmente um espaço de
discussão e apresentação de reivindicações mais imediatas, comportamento que seria
desenvolvido durante todo o governo. Eles seriam uma espécie de órgão extra-oficial de
interlocução e, sem dúvida, o PS e principalmente o PC o vislumbravam como além de
termômetro do governo da UP, um espaço importante para se organizar os trabalhadores.
Essa forma de atuação para o PC significava por em prática algumas discussões do
seu congresso de 1969, que dizia ser somente com o povo organizado e mediante a luta dos
trabalhadores é que se poderia levar adiante qualquer mudança de sistema. Esse programa
141 Programa basico de gobierno de la Unidade Popular,p.11
130
também contemplava a resolução das necessidades da população, na medida que
estabelecia, pelo menos teoricamente, um mecanismo ágil e sensível para escutá-la.
Nada melhor para isso do que disponibilizar um método em que fosse incentivado o
debate entre a população e as lideranças dos partidos integrantes da UP e também
consolidada a visão de um governo popular que conversa com o povo. O filme do cineasta
Patrício Gusmann, “La Batalla de Chile” mostra um pouco como funcionavam esses
comitês. Eles aparecem como um local de discussão e, de certa forma, como o exercício de
controle dos partidos da coalizão, porque ali, além de debates, havia também a tentativa de
consolidar as opiniões da UP, através de lideranças sindicais, estudantis, etc.
Outra discussão muito fomentada era a necessidade de preservar e de aprofundar os
direitos democráticos, as conquistas dos trabalhadores e transformar as instituições para a
instauração de um novo Estado, no qual os trabalhadores e o povo teriam real exercício do
poder.
O novo governo deveria se colocar enquanto pluripartidário. No governo, estariam
integrados os movimentos, correntes e partidos políticos. O povo, por meio da sua
organização sindical e social, elegeria representantes para compor os seus conselhos
diretivos, que também seriam um canal de participação e diálogo com o governo popular.
Este seria então, por concepção, um executor das decisões das prioridades do povo. Para
isso, todo aparato administrativo seria reorganizado para descentralizar e tornar eficiente o
governo. A polícia também seria reorganizada para agir, não como repressora, mas como
uma parceira da população.
Na política, merece destaque a proposta da criação da Assembléia do Povo que seria
o órgão superior do poder, a Câmara Única, onde se confluiria as diversas correntes de
opinião, item também discutido no programa de 1969 do PC.
A eleição da Assembléia seria por sufrágio universal, secreto e direto de homens e
mulheres, analfabetas e alfabetizadas maiores de 18 anos. A proposta era de incorporar o
povo no poder estatal. Os integrantes da Assembléia do Povo estariam sujeitos ao controle
dos eleitores, podendo inclusive ter o mandato revogado. A linha geral que rege o sistema
político dessa proposta de governo da UP é a partir de uma sociedade em transição para o
142 BITTAR,S., op.cit.,p.40.
131
socialismo, incorporar ao máximo a população, principalmente aqueles que estão reunidos
em algum tipo de organização, sindicatos etc.
A Assembléia do Povo também aprovaria os planos de ação da nova economia,
tendo em vista um sistema de planificação que seria coordenado e dirigido pelo estado. A
justiça e o sistema de defesa nacional precisariam ser reformulados para ir ao encontro da
nova realidade, em que a Assembléia do Povo seria a detentora do poder. Também seria
função dela a indicação dos componentes do Tribunal Supremo.
Em relação às Forças Armadas, elas teriam que passar por uma reformulação no que
concerne sua finalidade e formação. Ela teria o papel de defesa da soberania, integrando-se
em diversos aspectos da vida social, teria uma formação mais aberta e moderna com base
na independência nacional, na paz e amizade entre os povos. O sentido geral do programa
da UP, a propósito das Forças Armadas, é a de que elas teriam como objetivo a defesa
nacional, principalmente se ocorresse uma reação do imperialismo ou de quaisquer outros
setores internos da sociedade chilena, contra a instalação do regime socialista.
No plano mais geral, o programa econômico da UP, as mudanças econômicas são
complementares das mudanças sociais e políticas que afetariam toda estrutura básica do
sistema. Portanto, a mudança econômica por sua natureza estrutural, possibilitaria a
construção de um novo Estado através do aniquilamento dos monopólios da dependência
estrangeira, reafirmando a idéia de que somente políticas reformistas143 não mudariam os
rumos do Chile.A intenção era constituir uma área de propriedade social através da
passagem para o Estado dos meios de propriedade.
Sobre a nova economia propunha a nacionalização das riquezas básicas, como o
cobre, ferro, salitre, sistema financeiro, comércio exterior, grandes empresas e os
monopólios industriais estratégicos, distribuição de energia, transporte ferroviário, aéreo,
marítimo, a produção, refinação e distribuição do petróleo e seus derivados, a siderurgia,
cimento, petroquímica, celulose, química pesada e papel. Ou seja, a proposta era
nacionalizar aquelas atividades que julgavam ser de grande importância para o
desenvolvimento econômico e social.
143 A palavra reformista neste caso tem uma conotação de que realizar pequenas reformas que não viesse a confrontar os grandes monopólios que existiam no Chile não iria liberta-lo de fato. Essa era a idéia do Partido Comunista do Chile.
132
Teria-se três tipos de propriedade: estatal, mista (combinavam os capitais do Estado
e os particulares) e a privada. Neste sentido, o programa do PC, em 1969, também apontava
a criação dos três tipos de propriedade, mas com intuito de se conquistar uma maioria
nacional, para se ter o controle efetivo dos meios produtivos do país e, assim, obter
condições de possível transição para um estado socialista. Nesta fase, os três tipos de
propriedade teriam de coexistir para preparar o caminho para o socialismo, pois a UP sabia
que não poderia acabar com a propriedade privada de uma hora para outra, sem causar
largos estragos ao Chile.
Era visível a preocupação de se ter o domínio dos rumos da produção econômica do
país. Sem isso, qualquer tipo de poder para o PC seria ilusão porque tudo que poderia
impulsionar a um crescimento e a uma mudança efetiva estaria sob direção do capital
externo. E na polarização existente na época entre capitalistas e comunistas, obviamente
que as empresas capitalistas que dominavam a economia chilena iriam de qualquer maneira
sabotar o novo governo. Por isso, pensou-se como saída os três tipos de propriedade,
inclusive para preservar a burguesia nacional, que era prejudicada pelas grandes empresas
estrangeiras, mas, também, para não haver uma ruptura econômico-social tão abrupta. Aos
poucos a produção passaria para o controle do Estado.
Sobre a economia dizia os objetivos gerais do programa:
As forças populares unidas buscam como objetivo central de sua política substituir
a atual estrutura econômica, terminando com o poder do capital monopolista
nacional e estrangeiro e com latifúndio para iniciar a construção do socialismo.
Na nova economia de planificação jogará um papel importantíssimo. Seus órgãos centrais estarão em mais alto nível administrativo e suas decisões geradas
democraticamente, terão caráter executivo144.
Quanto à questão agrária, o principal era aprofundar e acelerar o seu processo de
reforma, organizando os novos agricultores em cooperativas. O programa agrário também
apresentava muita semelhança com o programa do PC, mostrava o mesmo teor de
mudanças.
144 Programa basico del gobierno de la Unidade Popular, p.20.
133
Ele igualmente estabeleceria profundas modificações na educação, cultura e ações
sociais do governo. Para a UP, a cultura e educação eram questões que se
complementavam. Elas teriam que ser reflexos das mudanças estruturais do país e, para
isso, o desenvolvimento de duas exigências seria fundamental: a integração nacional e a
democratização. Era preciso, assim, criar uma nova cultura diante da planificação e da
democratização da sociedade sob novos valores. A cultura seria produto da luta de classes e
suscitava novas formas como o da superação das contradições.
No plano internacional, a política a ser adotada, era a de se relacionar com todos os
países do mundo, independente da posição ideológica e política. Entretanto, aqueles países,
em que o povo lutava pela construção do socialismo, receberiam toda solidariedade
possível por parte do Chile.
Assim, a proposta de governo da UP caminhava no sentido de criar um pacto entre
representantes partidários e a população, principalmente a trabalhadora, para conquistar o
poder político e gerir as mudanças que levariam o Chile ao socialismo, pois só se teria força
suficiente para enfrentar os interesses monopolistas nacionais e estrangeiros se houvesse, de
fato, uma mobilização das forças populares.
Somente a radicalização dos movimentos sociais poderia dar ao governo o apoio
suficiente para pressionar o parlamento no sentido de aprovar as mudanças radicais
necessárias e, ao mesmo tempo, ajudar a paralisação das contra-ações da burguesia, as
quais seriam afetadas pelas mudanças. Todavia, o governo precisava também mostrar sua
eficácia e agilidade para as classes populares para elas, inclusive, continuarem acreditando
no governo popular. Portanto, a luta de classes é que conduziria as mudanças.
O programa da UP demonstra claramente a estratégia que seria adotada para a fase
de transição ao socialismo. Primeiramente, aconteceria a mudança econômica para reforçar
a mudança institucional e, depois, a ideológica. A base dessa estratégia de que através das
mudanças econômicas seria possível realizar a transição para o socialismo estava
“assegurada” no que se acreditava ser a flexibilização institucional. Pensava-se que o
regime institucional estava aberto para as forças revolucionárias e que, eleitoralmente, seria
possível obter o poder executivo e, com ele, o controle político total do país.
Diferentemente de outras experiências em que as mudanças iniciavam no plano
institucional porque as estruturas políticas impediam a transição econômica, no Chile, o
134
discurso da legalidade e, acima de tudo, da institucionalização ganhou uma cega conotação
de realidade concreta.
A crença nessa realidade em que a vontade popular através do voto por si próprio
bastava para que a contra revolução não ousasse nenhuma radicalização contra o governo,
era quase verdade absoluta para o PC e para Allende. O presidente eleito assim se
pronunciou no Congresso Nacional, em 1971:
De minha parte declaro, senhores membros do Congresso Nacional, que fundando-
se esta Instituição no voto popular, nada em sua própria natureza impede de
renovar-se para converter-se de fato no Parlamento do povo. E afirmo que as
Forças Armadas e o Corpo de Carabineiros, guardando fidelidade ao seu dever e à
sua tradição de não intervir no processo político serão o respaldo de uma ordem
social que corresponda a vontade popular expressa nos termos que a constituição
estabeleça145.
Era relevante para a UP ser sustentada pelo pluralismo, pela democracia e pelo
apoio popular. Fica claro que sem esses propósitos nem a própria UP resistiria aos seus mil
dias de vida, pois suas divergências enquanto projeto, alianças, táticas eram profundas. Isso
ficou mais que demonstrado no período das ofensivas contra o governo.
Também nos parece bastante visível que as proximidades entre o programa do PC e
da UP não são por acaso, mas demonstra que na realização do Congresso de 1969 (às
vésperas da eleição, já que as articulações começaram antes e no final de 1969 já se tinha o
programa de governo) consolidava traços e projetos políticos que o PC pensava para um
possível governo popular e que iria disputá-los nas discussões internas da coalizão. Parece-
nos que o Congresso do Partido Comunista foi uma prévia do que seria o projeto de um
governo que eles achavam caminhar para o socialismo. E, mesmo com Allende dizendo que
não havia um partido hegemônico, era visível que o PC e o PS, pelo seu peso político,
trajetória e enraizamento nos setores que a UP achava fundamental, acabavam polarizando
e direcionando muitos debates.
Os indícios nos levam a pensar que, num debate sobre o programa de governo
revolucionário no qual parte do PS já o encarava com ressalvas (pelo fato de parcelas deste
135
partido não acreditarem na “via pacífica”), existiam evidências de muita proximidade dos
projetos políticos do PC.
Luís Corvalán dizia que o êxito do programa da UP (pelo menos na teoria) era o
fato de ele ter uma leitura clara e acertada da realidade chilena. Essa caracterização
certamente ajudaria na escolha correta no objetivo principal que deveria enfrentar o
possível governo popular: o capital imperialista, a burguesia monopólica e os latifundiários
que constituíam o núcleo central e o centro de gravidade do sistema de dominação.
Acreditava-se que, destruindo o seu poder econômico e político, a burguesia não teria
condições de continuar implementando medidas capitalistas.
O PC junto com um setor do PS, o PR e Allende defendiam que o projeto da UP
deveria ter duas etapas. Uma, a principal, que tinha um caráter antioligárquico e
antiimperialista, que aconteceria através da socialização das riquezas básicas, bancos,
latifúndios e empresas monopólicas. Porém, sem ainda significar o início da construção
socialista, entretanto uma preparação para a segunda etapa, com controle amplo do Estado,
organização popular e consciência política. A partir daí, estaria pronto para se realizar todo
o projeto.
Contrariamente a essa posição estava parte do PS e o MIR (que não participava da
UP) que achavam que era preciso já de início ter o poder total do Estado e realizar a
transição para o socialismo urgentemente.
A importância de se chegar a um “reconhecimento acertado do inimigo” existia no
sentido de além de se ter claro com quem constituir uma aliança eleitoral, saber como fazer
para neutralizá-lo. O fundamento de sustentação da aliança para o PC era a unanimidade
construída na necessidade de se aniquilar o capitalismo monopólico dependente e também
de desenvolver uma economia de transição que acabava com a propriedade imperialista,
monopolista e latifundiária, dando, assim, um duro golpe na base de dominação burguesa.
O programa da UP, portanto, depois da análise política da situação do país,
apontava que era imprescindível para superar todas as contradições, ir além de políticas
reformistas. Essa era a diferença de fundo com as outras propostas de governo. Apenas a
solidariedade, a união entre classes e a ausência de tensão social não seriam possíveis para
superar os problemas do Chile, pois a crise não se resolveria com ações pontuais, mas com
145 BITAR,S.,op.cit., p.67.
136
uma mudança de sistema. Até porque para os dois principais partidos da UP, dentro de um
regime capitalista, não havia como se ter solidariedade e união de classes antagônicas.
Para a UP, o novo Estado, que seria democrático, pluralista, descentralizado,
autônomo institucionalmente falando, teria a presença de representantes do povo, das
empresas do setor público e de organismos de estado e, como questão fundamental, garantir
as conquistas das forças populares, através da Assembléia do povo.
O desafio de conquistar um projeto político único estava consolidado, sendo então a
questão de maior relevância para o momento, o convencimento da população chilena de
comparecerem as urnas e escolherem o candidato socialista e marxista da Unidade Popular,
Salvador Allende, e um futuro socialista para o Chile.
137
CAPÍTULO III –
3.1 - Análise dos documentos do Partido Comunista (1970-1973) – Breves
Considerações
Neste capítulo apresentaremos, para análise, dois tipos de documentos: textos
escritos como intervenções especiais apresentados nas reuniões do pleno do Comitê Central
do Partido Comunista e algumas entrevistas cedidas por membros do PC à jornais da época,
referentes ao período de 1970 a 1973.
Entretanto, a grande maioria dos documentos escolhidos para análise é constituída
de intervenções apresentadas pelos membros de direção do PC em reuniões importantes,
que buscavam fazer análise da situação política do país, além de constantes avaliações
sobre o governo.
É notável o desenvolvimento da tensão política durante os anos de governo Allende,
e também a freqüência de determinados temas que, de certa forma, têm o objetivo de
assegurar a estratégia montada pelo governo e pelo PC como: a confiança nos trabalhadores
para garantir a continuação da revolução chilena, a reafirmação dos feitos do governo, os
estranhamentos com o MIR, a prioridade que se dava para as mudanças econômicas,
deixando a esfera das mudanças políticas para um segundo plano. Por outro lado,
transparecem pouco as divergências com o PS, a não ser no ano de 1972 e parte de 73.O
termo “via pacífica ou via chilena”, é pouco utilizado, preferindo conceituar o processo
como revolução chilena, ainda mais porque, esse momento já era encarado como uma etapa
da revolução chilena, como o início do processo de transição ao socialismo.
Entretanto, no ano de 1973, diante das dificuldades, utiliza-se muito o discurso de
que o governo Allende estava apenas solidificando as raízes para a implementação do
socialismo. Luis Corvalan chegava a dizer que o próximo governo seria de fato uma
transição ao socialismo.
Para facilitar o reconhecimento e o discernimento das discussões apresentadas pelo
PC, dividiremos a análise por ano. Algumas delas são revisitadas em outros anos, como por
exemplo, o caso do debate sobre a “batalha da distribuição”, apontado pelo PC como uma
questão fundamental para enfrentar a reação da direita.
138
No ano de 1970, as análises se fazem no sentido de como estruturar a campanha
eleitoral dentro do PC. Depois do governo eleito, as questões apresentadas aparecem com o
sentido de reafirmar o caráter do governo, por meio de suas primeiras medidas, mas
também em outras que teria de realizar a longo prazo.
Os informes no CC, que foram publicados, buscavam ressaltar os pontos positivos
do governo, demonstrando o caminho acertado que se estava percorrendo. A partir de
junho, há uma certa alteração no tom da propaganda dos feitos do governo por causa dos
ataques promovidos pela direita. São apresentados alguns pontos em que era preciso
aprofundar as mudanças.
Também havia sido realizado um balanço do crescimento partidário, onde se
destacava a necessidade de ampliar o trabalho de organização e formação com os novos
filiados.
O ano de 1972 é marcado por grande dificuldade política vivida pelo governo,
principalmente por causa da derrota nas eleições complementares e da grande ofensiva da
direita respaldada pelo governo norte americano. Foi um momento em que os informes do
PC passaram a ser um pouco mais teóricos, refletindo o processo chileno do ponto de vista
do pensamento leninista. Também há o resgate de várias ações do governo analisadas a
partir do aprofundamento da implementação do programa básico do governo da UP e da
apresentação de alguns pontos que deveriam ser colocados em prática imediatamente, com
a finalidade de melhorar a situação do país. Há um destaque grande para o embate com os
chamados esquerdistas, tendo como seu representante principal o MIR e também com
alguns partidos da UP, por causa da reunião em Concepción.
Em 1973, no ápice da crise e também quando acontece o golpe militar, em
setembro, ocorreram eleições parlamentares, onde a UP saiu fortalecida no sentido de que,
apesar do aumento da crise, houve um aumento em sua votação, mas não o suficiente para
obter a maioria como se pensara. Foi neste momento que também se pontuou alguns erros
do governo principalmente, e quase que exclusivamente, no que se refere à economia.
Também é convocado o XV Congresso do PC que iria ocorrer no final do ano de 1973, com
o intuito de ser marcado por grandes debates, atos políticos e reafirmar as posições políticas
do PC, incluindo um caminho não armado como uma via já em andamento e com grande
êxito, apesar das dificuldades.
139
Por fim, a DC e o PN são denunciados pelas tentativas de golpe. Aliás, temos a
última declaração do Comitê Central no dia do golpe, um pouco antes da Rádio Magallanes
perder o seu sinal de transmissão por ordem dos golpistas.
É importante ressaltar a dificuldade de se conseguir estes textos na sua forma
original porque muitos deles foram destruídos pela ditadura e outros estão esperando serem
organizados pelo Instituto de Estudos e Pesquisa do Partido Comunista Chileno. Os
informes foram selecionados a partir da publicação de um livro que contém inúmeros
documentos de vários partidos chileno no período de 1969 a 1973, chamado La izquierda
chilena.
A eleição de Salvador Allende foi um processo muito difícil e violento. Sua vitória
nas urnas não significava que havia ganhado as eleições. Era preciso que o Congresso
ratificasse a sua vitória, porque não havia sido atingida a maioria dos votos, como exigia a
Constituição.
Entretanto, até haver a confirmação do Congresso, tornaram-se públicas as
articulações nos centros dominantes, que também envolviam o governo norte-americano,
para impedir a posse do presidente. O PN chegou a propor à DC que o Congresso desse a
vitória a Alessandri (PN) e em troca, assegurava que ele renunciaria ao cargo para, então,
serem realizadas novas eleições. Este acordo pré-estabelecido sinalizava que o PN apoiaria
um candidato da DC. Essa foi apenas uma das tentativas de não dar posse a Allende. Muitas
outras foram pensadas, todavia a DC foi ponto fundamental no apoio ao respeito ao
resultado eleitoral.
O novo presidente tomaria posse em novembro e seu governo enfrentaria muitas
dificuldades, já visíveis desde sua eleição. O ano de 1971 foi marcado pelo processo de
implantação da Área de Propriedade Social. O projeto de nacionalização do cobre,
apresentado em janeiro de 1971, só foi aprovado seis meses depois. Os embates entre a DC
e a UP eram constantes e, muitas vezes, paralisavam o congresso. Neste mesmo ano, foi
também apresentado ao parlamento o projeto de compra de ações de bancos e a
expropriação de empresas que também tiveram a oposição da DC.
A reforma agrária e a posição intervencionista do Estado também foram destaques e
contaram com muita oposição da direita, dos latifundiários, dos norte-americanos etc.
140
Nas eleições municipais de 1971, a UP teve um crescimento importante na sua
votação, uma ampliação política necessária e significativa para a continuidade da aplicação
do programa da UP.
Mas a reação da direita foi se revelando aos poucos: venceram as eleições para
Reitoria da Universidade do Chile; as organizações patronais deflagraram uma greve no
campo contra a reforma agrária; o crescimento da política de boicote ao governo aumentou
a crise da produção etc. Também houve o assassinato de Pérez Zujovic por grupos de
extrema esquerda etc.
O ano de 1972 foi marcado por uma extrema polarização entre a direita e a
esquerda, por desentendimentos entre os partidos que compunham a UP, pelo
financiamento por parte do governo norte-americano a grupos paramilitares e às ações
“terroristas”.
Neste ano, a economia entrou em crise. Houve boicote à produção e distribuição de
alimentos e mercadorias, causando problema sério de desabastecimento e, ainda, greve
geral em outubro, indicando crise com radicalização da política interna.
Com a desarticulação da greve de outubro e após vários dias de importante atuação
dos trabalhadores para garantir a produção, os conflitos passaram novamente ao plano
institucional, tendo como questões prioritárias os militares e as expropriações de empresas.
Era a tentativa clara de acabar com a aproximação do governo com as Forças Armadas,
pois que na greve de outubro o governo chegou a criar um gabinete cívico-militar,
incorporando o general Prats nos altos escalões governamentais.
Entre os próprios partidos de esquerda, que compunham a UP e também com o
MIR, o desentendimento era cada vez maior. Eles pediam a preparação de uma luta de
resistência mais ofensiva por parte do governo e dos partidos que participavam das
entidades do movimento social, como a CUT, por exemplo.
Em março de 1973, ocorreram eleições e a direita tentava se fazer maioria para
comprovar que a população não apoiava o governo, e, assim, fortalecer a tese da
possibilidade do impeachment.
A UP não obteve a maioria dos votos, mas ampliou seu eleitorado. A direita passa,
então, a se concentrar no caos econômico e na tentativa de ganhar a opinião das FFAA.
Para isso, precisava questionar a autoridade do general Prats. Neste sentido, foi organizada
141
uma estratégia para confrontar a UP e os setores militares, instigando os desentendimentos
e infiltrando pessoas na marinha. Prats renuncia, em agosto, depois de enfrentamentos
públicos com manifestantes de direita e um longo período de desgaste ‘programado’.
Em 22 de agosto, o Parlamento declarou a ilegalidade do governo que já estava sem
interlocução com as FFAA, mas apoiado por um amplo movimento do povo.
Em 29 de junho, houve uma tentativa frustrada de golpe militar, porém a situação
parecia insustentável. Depois de todas as articulações da direita, uma ofensiva brutal estava
a caminho. O 11 de setembro revelou para os chilenos a face mortal e repressora de um
processo arquitetado pela direita em conjunto com o estado norte americano: o golpe
militar.
142
3.2 – Os documentos de 1970: Unidade, Classe Operária e Mobilização Social
Foram lidos e analisados documentos escritos por integrantes partidários, que
pertenciam à direção do Comitê Central do Partido Comunista do Chile, neste período.
Esses documentos são datados de fevereiro a dezembro de 1970, portanto, incluindo
períodos anteriores à eleição de Salvador Allende, do período da campanha eleitoral e de
após a sua vitória.
O primeiro artigo, escrito em 7 de fevereiro, é do deputado Jorge Insuza e tinha o
objetivo de relatar a preparação da atuação do Partido Comunista na campanha eleitoral de
Salvador Allende. Ele destacava a importância de se ter a esquerda unida em torno de um
projeto político eleitoral consistente, apontando a unidade entre PS e PC como
fundamental, sem desconsiderar a participação do Partido Radical, MAPU e API. Essa
opinião, mesmo com toda imprensa de direita tentando provocar a ruptura entre eles, foi a
que mereceu maior destaque. A Unidade Popular era caracterizada pelo deputado, como
única capaz de resolver os problemas do Chile:
Desde 1938, o povo do Chile não conseguia reunir em uma só frente forças
políticas e setores sociais tão vastos. A Unidade Popular está cimentada em um
Programa definido e claro que propõe as mudanças revolucionárias que estão na
ordem do dia, em uma concepção de poder e em um acordo sobre governo que
garantisse a todas as forças políticas sua integração responsável pela condução
dos assuntos do país. É uma aliança com qualidades novas, mais avançadas que as
do passado, com um peso maior da classe trabalhadora e dos setores sociais e
políticos mais conseqüentes. É portanto, uma unidade que está de acordo com a
maturidade alcançada pelo movimento popular chileno, capaz de crescer e
ampliar-se, de transformar-se no centro de atração para a imensa maioria da
população.146
146 Cf:INSUNZA,J. Texto del informe rendido ayer por el miembro de la Comissión Política,1970,p.219.
143
O documento também busca fazer uma diferenciação das três candidaturas: Allende,
Alessandri e Tomic, discernindo os grupos políticos e as camadas sociais que apoiavam
cada uma delas. O objetivo era demonstrar que os responsáveis pela exclusão, pela pobreza
e pela má distribuição de renda não estavam do mesmo lado da Unidade Popular.
Allende era caracterizado como candidato ligado à luta do povo, às classes mais
baixas e aos revolucionários e, por isso, havia recebido apoio do povo chileno desde sua
primeira candidatura, apesar de não ter ganho. Ele na UP, era visto como um mandatário do
povo já que não existiria um partido hegemônico dentro da coalizão.
A candidatura de Alessandri era fruto do protótipo da representação da oligarquia,
portanto não poderia propor modificações profundas. Ele e sua família tinham participação
em 50 dos 150 grandes monopólios que existiam no país como: Codina, Copec, Papelera,
Importado Wall, dentre outras. Ele também era muito bem visto pelos grandes bancos do
Chile. Ora, a ligação e inserção de Alessandri neste setor da sociedade, era bastante
significativo, pois dizia-se que por ele estar ligado a setores que usufruíam de privilégios
econômicos, não romperia seus elos com eles.
O deputado Jorge Insuza responsabilizava Alessandri e o Partido Nacional pelas
políticas de incentivo aos grandes monopólios internacionais e pela política econômica
estabelecida no Chile que, por muitos anos, empobreceu o trabalhador, além de gerar caos
social.
Ele também alertava para o fato de que a propaganda de Alessandri tentava mostrar
independência frente aos interesses de empresários, dos latifundiários, das oligarquias, pois
queria se contrapor à idéia de que existiam setores internacionais interessados em sua
vitória, demonstrando o contrário. Segundo a sua compreensão, os países que integravam o
bloco comunista (Cuba, URSS, China) estavam não só interessados, mas ajudando na
eleição da UP para que, depois da vitória, fosse estabelecida a ditadura do proletariado para
a integração do bloco comunista na América do Sul.
Em contraposição, o deputado Insuza dizia que o governo da UP seria forte pela
profundidade de sua ação e pelo apoio das classes sociais na escolha do caminho
revolucionário. Portanto, um tipo de governo popular em antítese com o que seria um
governo de direita.
144
Tomic, que era o candidato que representava o governo de Eduardo Frei,
apresentava propostas para um possível mandato como, por exemplo, o aumento da
participação popular e a substituição do capitalismo por algo que não era o socialismo.
Tomic, segundo o PC, continuava a fazer promessas de mudanças, seguindo a mesma
compreensão de quando Eduardo Frei fora eleito com o projeto orientado pela máxima
“Revolução em liberdade”. Insuza afirmava que essa estratégia era para apresentar um
discurso parecido com o da UP mas, ao mesmo tempo, mostrando que não tinham ligações
com o comunismo.
A candidatura de Tomic analisava o PC e ajudava a candidatura de Alessandri.Era
uma estratégia importante porque mesmo não tendo chances de vencer, Tomic impedia os
setores populares que sofriam influência da DC a votarem na UP, caso houvesse a disputa
entre apenas as duas candidaturas. Apesar de não haver clima de polêmica entre Allende e
Alessandri, neste período de fevereiro de 1970, formava-se a polarização de esquerda X
direita.
Ao mesmo tempo em que o PC tentava refletir sobre as posições do PN e da DC, ele
precisava também responder aos debates levantados pelos chamados ultraizquerdistas que
atacavam o projeto da UP. Esse enfrentamento também se dava no movimento popular, já
que muitos deles tinham inserção em sindicatos, agremiações como o MIR, por exemplo.
Para o PC, a eleição era uma batalha de classes e as camadas populares precisavam
desenvolver ações, tanto para evidenciar suas reivindicações, quanto para mostrar
claramente suas posições. Portanto, a campanha deveria ganhar as ruas para denunciar o
atual governo e, ao mesmo tempo, apoiar a candidatura de Allende. Para isso, os comitês da
campanha deveriam desempenhar também o papel de organizadores da luta reivindicatória.
Dentro desses parâmetros, o papel do PC seria o de colocar no centro a classe trabalhadora,
porque ela seria o “motor da Revolução”. Assim, o partido convocava, em especial, as
regiões de grande concentração proletária como Santiago, Valparaíso, Concepción,
Antofagasta para dar respostas às demandas feitas pelo Comitê Central do partido: colocar
no centro e em atividade o movimento preparado pelo povo. E exemplificava algumas
ações como: as atividades organizadas pelo Comando Nacional Feminino no centro
proletário da povoação de La Victoria; as Brigadas Ramona Parra das Juventudes
145
Comunistas que estavam se mobilizando e pintando, nos muros das cidades, desenhos
relativos à luta do povo, ao ideário comunista e à campanha de Allende.
Desde a elaboração do programa do PC, em 1969, ficava claro que o centro do
poder deveria ser ocupado pelo proletariado e, numa possível vitória eleitoral, ele seria o
protagonista da campanha e posteriormente do governo. Essa questão sempre foi um
princípio levantado pelo conjunto partidário. Não seria uma ou duas vezes que nesses
documentos estariam destacados o papel da mobilização popular, o projeto da UP, fatores
sem os quais a socialização de um país não é possível.
Em outro informe, datado de oito de fevereiro de 1970, o destaque era a intervenção
de José Oyarce, membro do Comitê Central. O fundamental do seu enfoque era a
importância dos Comitês de campanha da UP como tônica determinante para uma
campanha de massas. Os comitês teriam de se converter em organismos vivos que
impulsionassem a luta dos trabalhadores, além de desenvolver uma campanha ágil e
vigorosa para desmascarar a DC e o PN. Para tanto, todos os organismos e militantes do PC
tinham que estar de todo voltados para a campanha.
Era preciso constituir os chamados comandos paralelos, principalmente nas frentes
de juventudes e mulheres, que tinham características muito próprias e especiais. A
orientação era preparar os comitês e a partir deles realizar atividades para conscientizar e
difundir o programa da UP.
Para conquistar o poder, é necessário que todos os partidos como requisito
essencial, desdobre a todo vento sua participação. Isto tornaria possível
incrementar a organização da campanha em níveis impressionantes. O que
permitiria cumprir a premissa fundamental de constituir comitês em cada fábrica,
fundo, serviço, população, escola, ruas, conjunto de casas, ou lugar onde se
desenvolva alguma atividade de qualquer natureza, até somar os milhares e
milhares que necessitam.147
147 OYARCE,J. Intervención en el Pleno del Comite Central del Partido Comunista, 8de febrero de 1970,p.235.
146
O organismo da campanha estava dividido na seguinte estrutura: Comando Nacional
da UP, o qual era integrado por três representantes de cada partido e movimento nacional
pró UP; Comandos provinciais, regionais e locais. Todos esses comandos seriam integrados
por representantes dos partidos e movimentos que formavam a UP e, se fosse necessário,
poderia ser incorporado nos vários comandos personalidades ou setores que eles julgassem
importantes. Ainda propunha-se a criação do Comitê de base, que determinaria o caráter
popular da campanha. Esses seriam os comitês da indústria, escola, hospital, bairro,
população, fundo, serviço etc.
As atividades desses comitês deveriam ser constantes e teriam como desafio
difundir o programa da UP em cada setor. A idéia era criar uma grande mobilização
nacional. O PC alertava para possíveis desentendimentos com a ultra-esquerda ou com
outros grupos. Enfatizava-se que os comitês não deveriam alimentar provocações quaisquer
que fossem. Também diziam que setores da UP queriam que os sindicatos, grêmios,
organizações diversas fossem integrados aos organismos da coalizão, mas o PC era
contrário. Para ele, se isso acontecesse, tais organismos perderiam sua independência frente
a UP, porque eram, antes de tudo, patrimônio de seus sócios, com idéias políticas
independentes. O principal, então, era organizar o povo e, em conjunto com os aliados,
serem os protagonistas decisivos.
Cabe aqui, uma reflexão interessante. Ao mesmo tempo em que o Partido
Comunista tinha um grande destaque no maior e importante sindicato de trabalhadores que
era a CUT, portanto em um importante espaço para garantir a vitória de Allende, o PC era
contrário à sua incorporação na campanha enquanto instituição. Isso não livrava seus
principais dirigentes sindicais, estudantis, agrários de atuarem destacadamente na
campanha eleitoral, participando inclusive nos comitês das respectivas áreas de atuação. A
entidade não falava publicamente no apoio a Allende, mas atuava de forma muito marcante
da sua campanha eleitoral. Entretanto, era quase impossível não caracterizar a CUT, por
exemplo, como apoiadora da UP, pelo nível de envolvimento de suas principais lideranças,
principalmente do PC e do PS, na campanha pela sua identidade, junto aos trabalhadores
das minas de extração de minérios.
147
No dia 7 de maio de 1970, o presidente Luis Corvalán faz seu informe sobre este
período da campanha eleitoral que se tornava cada vez mais intensa. Ele alertava que para
vencer era preciso conter a violência reacionária e passar para a ofensiva política.
Corvalán cita, como exemplo da violência da campanha eleitoral, as invasões nas
sedes CORA (Corporação da Reforma Agrária) e o assassinato de um de seus
representantes, o engenheiro Hermán Mery Fuenzalida. Ele alerta à constituição de grupos
anticomunistas de tipo terrorista, os ataques às sedes do Comitê Central do PC, do Comitê
Central das Juventudes Comunistas, da CUT, do Comitê Regional de San Miguel e dos
jornais Clarín e La Nación. Denuncia também o financiamento feito por empresas
imperialistas à campanha de Alessandri e Tomic, que, conjuntamente com a embaixada
norte-americana e agentes da CIA possibilitava desencadear campanhas de terror. Para
interferir nessas iniciativas de violência, Corvalán dizia que a maneira mais eficaz era
colocar o povo na rua, haja vista que:
As empresas imperialistas, os monopólios internos destinam milhões e milhões de
dólares e de escudos as candidaturas de Alessandri e de Tomic. Mediante
montanhas de dinheiro querem distorcer a vontade dos cidadãos. Apostam nos
dois, mas se reservam ao direito de decidir-se por um deles ou de pressionar a
favor de um entendimento entre os dois. Sabem que estão em jogo seus bastardos
interesses, seu domínio sobre esta pequena e grande nação latino-americana e com
a necessidade de defender seus interesses não trepidam em nada. Têm se dedicado
inclusive ao contrabando. Estão dispostos a tudo, a armar quem sabe que
provocações no futuro próximo, a desencadear o terror até o golpe de Estado, se
não encontrarem outro caminho mais viável.148
Ele destacava ainda que o governo de Frei também ajudava as outras candidaturas,
reprimindo as manifestações da UP. Era preciso colocar no centro das discussões políticas
as posições de classe de cada candidato, os seus respectivos problemas e a divulgação do
programa da Unidade Popular. Também era importante dar destaque às lutas
148 CORVALAN LEPEZ,L. Informe al Pleno del Comite Central del Partido Comuunista, 7 de mayo de 1970, p.252.
148
reivindicatórias das massas, como no momento estavam fazendo os trabalhadores do salitre,
o movimento juvenil, comerciantes e os aposentados das Forças Armadas.
Mais uma vez, neste documento, era reafirmado que a base da campanha deveria ser
os trabalhadores porque eles iriam garantir a vitória da UP e, posteriormente, ajudariam a
sustentar o governo eleito para realizar as transformações necessárias até chegar ao
socialismo. Portanto, os sindicatos tinham papel extremamente importante pela sua dupla
função: levar adiante as lutas reivindicatórias, denunciando as más condições de trabalho,
baixa remuneração etc, e também tomar parte ativa e dirigente das tarefas próprias desta
batalha eleitoral, sem colocar o sindicato propriamente como apoiador da UP. O
discernimento entre o apoio do sindicato a uma candidatura, o aprofundamento das lutas
por melhores condições de trabalho e o não apoio formal do sindicato, era uma situação
delicada que perdurou em toda campanha. Durante o governo, essa separação era difícil de
manter, pois fazia parte do programa de governo que os trabalhadores tomassem a frente da
produção e se organizassem para conduzir as direções das fábricas e das indústrias. Por sua
vez em grande parte, os trabalhadores estavam organizados nos sindicatos, e envolvidos nas
políticas do governo, nos comitês de produção e nos convênios entre governo e CUT, desde
o início.
Corvalan alertava para o caso dos pequenos e médios empresários, comerciantes e
mulheres. Era preciso ter um destaque especial com estes eleitores, pois a maioria estava
sob a influência da direita ou da DC.
Em relação aos intelectuais, Corvalan destaca com euforia o apoio da grande
maioria de escritores, artistas, técnicos etc. A esquerda havia ganho também as eleições da
Sociedade de Escritores, o que facilitou muito a obtenção do seu apoio.
Outro problema grave destacado na campanha era a desigualdade do financiamento
das três candidaturas. A publicidade na imprensa escrita e falada também era desfavorável
porque os principais meios de comunicação estavam ligados à DC ou à direita. As forças
políticas que compunham a UP deveriam resolver conjuntamente esses problemas. Os
comitês deveriam se auto financiar para as atividades, além de confeccionar materiais
próprios.
Outro ponto levantado por Corvalan era a respeito da atuação da ultra-esquerda
entre os trabalhadores, que, a todo momento, era estimulada pela direita com intuito de
149
atacar a UP. Os ataques se dirigiam sobretudo à via institucional para se construir o
socialismo, já que para eles só havia um caminho: o armado. Esta questão continuaria
fazendo parte dos discursos do PC, mesmo durante o governo Allende, quando chegavam a
denunciar o investimento estrangeiro em algumas organizações, com a finalidade de
desestabilizar o governo.
O debate sobre a “via pacífica” foi acirrado, após o Congresso do PC, que definiu
esta via como o seu referencial para a revolução chilena. Porém, mesmo após o XX
Congresso da URSS, onde esta idéia também foi muito discutida pela esquerda mundial, a
“via pacífica” era contestada por aqueles que, em 1970, aumentavam o tom do seu discurso
contrário.
Neste informe de Corvalan já era fácil de vislumbrar as dificuldades pelas quais
passaria a UP caso vencesse as eleições: as divergências entre a esquerda, a ofensiva da
direita e o financiamento da CIA para impedir o êxito do “governo dos marxistas”.
Salvador Allende tinha a consciência disso, mas não nas proporções que foram tomando os
fatos, tanto que em seu pronunciamento, após sua posse, afirmou que o processo de
campanha havia sido difícil, mas a consolidação do governo popular seria ainda mais.
No dia 11 de maio de 1970, Volodia Teitelboim destacava que para se ganhar as
eleições era preciso melhorar a campanha eleitoral já que o resultado deveria deixar
transparecer o difícil e polarizado processo que estava ocorrendo.
Para ganhar esse processo eleitoral, dizia-se ser necessário trabalhar e viver para a
vitória. Era preciso que o espírito do Congresso do PC, de 1969, fosse levado adiante. O PC
deveria estar em “pé de guerra” e com mobilizações permanentes. “Cada qual deve estar
em seu posto de combate”. E também, essa batalha deveria ser considerada de toda UP e,
para tanto, era fundamental melhorar a relação com os outros partidos que a compunham.
Também era destacado que o maior compromisso que se poderia ter naquele
momento era o de difundir a campanha nos lugares de trabalho e entre as populações de
trabalhadores, enfatizando a importância de Santiago, porque ali estava 38% dos eleitores, e
das outras cidades como Valparaíso, Concepción, Antofagasta e Cautín.
A possibilidade de vitória, segundo Volodia era real, mas para isso alguns pontos
deveriam ser destacados: 1 – Correta condução política, popularização do pacto político e
150
do documento sobre a condução da campanha. Era preciso divulgar massiçamente o
programa, assim como todos os materiais da UP fazendo reuniões com setores da sociedade
para explicar o que mudaria no seu cotidiano se a UP ganhasse as eleições; 2 – Dar forma
orgânica e expressão da acolhida e do sentimento favorável à vitória da esquerda,
imprimindo à campanha um caráter popular; 3 – Fazer mais propaganda, pintando mais
murais, realizando atividades por conta de cada comitê, fóruns, atos grandes e regulares,
etc; 4 – Estabelecer contato cotidiano entre os comitês e pessoas que os representasse.
Realizar visitas nas casas de cada morador sob responsabilidade desses comitês; 5 –
Realizar uma campanha documentadamente crítica às outras candidaturas, denunciando o
governo de Frei e a direita. Utilizar as rádios e meios de comunicação das massas; 6 –
Destruir cartazes e panfletos que fizessem parte da campanha do terror; 7 – Orientar o
esforço das campanhas nas capitais e entre as mulheres. Adaptar os comitês em estruturas
mais adequadas e flexíveis de organização com a participação de mulheres. Dar destaque à
iniciativa da criação do Ministério de Proteção à família; 8 – Estimular o impulso
revolucionário da juventude, desenvolvendo todas as iniciativas possíveis para que ela se
expressasse; 9 – Dar maior atenção aos camponeses, mantendo a vinculação de suas lutas
agrárias com a necessidade de sua incorporação na campanha (até porque Frei havia
iniciado a reforma agrária e também havia estimulado a sindicalização dos camponeses em
sindicatos ligados ao centro e a direita política do país); 10 – Melhorar a campanha nos
povoados e bairros; 11 – Trabalhar pelo convencimento dos setores médios, demonstrando
que o programa da UP não ia contra eles, como dizia a DC e a direita; 12 – Divulgar mais
as adesões da grande parte dos intelectuais, aproveitando a vitória da UP na sociedade de
escritores.
Para Volodia, cumprindo esses pontos, não haveria como ser derrotado nas eleições
e o PC sairia fortalecido e organizado em suas bases.
O próximo informe já era datado de 15 de setembro de 1970, portanto após a eleição
de Allende. O texto é de Orlando Millas para o Comitê Central do PC.
A importância da eleição da UP era vista como algo extraordinário e muito
representativo, com claro objetivo de que o Chile deixasse de ser um país dependente no
plano econômico, cultural e político, colocando as mudanças das classes dominantes
151
enquanto uma necessidade vital. Os representantes da dominação imperialista, os grandes
detentores de terras, as oligarquias haviam sido derrotadas, pelo menos nas urnas. Como já
estava previsto no programa da UP, as 40 medidas iniciais do governo iriam enfrentar
resistência de muitos setores tradicionais e do imperialismo norte-americano: a
nacionalização das riquezas do Chile, a eliminação do latifúndio, o incremento no setor
industrial, plano de emergência para construção de casas, meio litro de leite para cada
criança etc.
Entretanto, outro desafio era mais urgente: garantir a posse de Salvador Allende,
como presidente da República. Para isso, mais uma vez conclamava-se o povo para que o
resultado das urnas fosse respeitado. Na constituição chilena, o candidato que não obtivesse
maioria absoluta dos votos, precisaria de que o Congresso ratificasse sua vitória. Portanto,,
a posse de Allende dependia da posição positiva do parlamento chileno. Também era
desenvolvido no informe uma certa tendência de aproximação com a Democracia Cristã,
utilizando da premissa de que muitos que votaram em Tomic como, por exemplo, parcela
dos camponeses, não concordavam com a tentativa de não dar posse a Allende. Sabia-se
que muitos setores da DC, em especial aqueles que tinham uma posição mais progressista,
poderiam desempenhar um papel decisivo no comportamento do Congresso. Era também o
reconhecimento de gestos da DC em favor de Allende como, por exemplo, a ida do
candidato Tomic para cumprimentá-lo pela vitória. A atitude política em relação à DC foi
alvo de muitos debates no interior da UP. O PC, em especial, sempre defendeu uma postura
de aproximação e de diálogo. Para ele, não era possível pensar em mudanças estruturais no
Chile sem tentar fazer acordos políticos um pouco mais amplos, até porque não havia
maioria no congresso para garantir governabilidade. Parte do PS, sobretudo, sempre foi
crítico a essa postura do PC.
Allende obteve 1.075.616 votos, dos quais 631.863 de homens e 443.555 de
mulheres. Ele conseguiu ampla maioria nas províncias de Tarapacá, Antofagasta, Atacama,
Coquimbo, o`Higgins, Curicó, Talca, Concepción,Arauco e Magallanes e não atingiu sua
meta de ter maioria em Santiago, Valparaíso e Cautín. Outra tática utilizada para consolidar
o resultado eleitoral seria a divulgação das mensagens recebidas por países estrangeiros,
parabenizando Allende pela eleição. Era uma maneira de consumar a vitória e chamar a
atenção do mundo para o que acontecia ali.
152
Neste artigo, tentava-se ainda, esclarecer as articulações para impedir a posse de
Allende. Dizia-se que Alessandri tentava articular novas eleições para lançar Frei como
candidato do PN e de parte da DC. Mas a constituição não permitia a reeleição. A
articulação do Partido Nacional com representantes de multinacionais e com a CIA era
visível e denominada de plano antichileno e fascista. A tensão tomava conta da sociedade
chilena. Sabotagens, enfrentamentos corporais, boatos falsos sobre a esquerda, intrigas,
tentativas de desestabilizar o movimento popular. A CUT reagia energicamente contra
essas ofensivas e realizava uma série de passeatas a favor de Allende.
As Forças Armadas, segundo o PC, apresentavam uma “atitude profissional e
institucionalista”. Apesar das pressões, o Comandante em Chefe do Exército reiterou
fidelidade às normas constitucionais. Todavia, enquanto isso, os setores mais direitistas
tentavam articular outras saídas.
A ilusão com a posição das Forças Armadas já era algo perceptível em relação ao
PC, desde o congresso anterior ao de 1969, quando falavam que, historicamente, elas
permaneceram sem interferir diretamente na política chilena. Portanto, não parecia haver
motivo de se pensar que elas mudariam sua posição neste momento. Nota-se que o poder
das oligarquias e dos interesses internacionais, que não eram poucos, no país, foi
subestimado.
A orientação para os Comitês e movimento popular era de que continuassem
mobilizados, realizando atividades, conversando de casa em casa, unindo as massas para
que se tornasse mais difícil possíveis ações contra a UP.
Em outro informe do Pleno do Comitê Central de Luís Corvalan, já quando Allende
havia tomado posse como presidente da República, são relatados os primeiros feitos do
governo, todos eles com claro posicionamento de aproximação com o bloco soviético e
interferindo em algumas indústrias sob controle norte-americano: foram reatadas as
relações com Cuba, estabelecidas relações diplomáticas com a Nigéria, ampliadas relações
comerciais com a Coréia, votou-se a favor da China para que esta passasse a integrar a
ONU, foi acordada a gratuidade da atenção médica em postos e policlínicas, dissolvido o
grupo móvel dos Carabineiros, feita intervenção na indústria Purina e Nibsa, criado o
153
Conselho Nacional de Economia, garantindo participação de representantes das
organizações sindicais e sociais etc.
E, ainda, cogitou-se sobre a possibilidade de aumento de salário em 100% para os
chilenos com baixa renda. A idéia era redistribuir a renda a favor de setores assalariados,
conter a inflação, aumentar o poder de compra da população e utilizar toda a capacidade de
produção das indústrias instaladas no Chile. Essa era inclusive uma das estratégias
levantadas pelo programa político da UP com o objetivo de incluir milhares de chilenos no
mercado interno, por meio da redistribuição de renda. Entretanto, a principal ação do
governo era a nacionalização do cobre e dos bancos, a estatização de indústrias
monopólicas, a transformação profunda e acelerada das atividades no campo. Essas
questões eram vistas como o início da reestruturação da economia e como o quê
possibilitaria o Chile tornar-se um país socialista. As medidas eram prioridade no Programa
e, na opinião do PC, uma maneira de logo, no início do governo, interferir no processo de
produção do país.
A participação popular neste sentido era assinalada como fundamental. A CUT teria
a responsabilidade de apoiar a política econômica do governo e as organizações juvenis de
mobilizar jovens para atuar nos trabalhos voluntários de construção de casas, ruas, piscinas,
espaços para a realização de esportes, escolas etc; a Federação dos Estudantes teria de
participar massiçamente nas tarefas de alfabetização, e nas discussões da reforma do
ensino.
Assim, para o PC, o êxito do governo dependia da força das reivindicações da
população e do seu poder de mobilização. A estratégia utilizada durante a campanha
eleitoral, que primava pela não declaração de apoio dos sindicatos à UP, havia sido deixada
de lado. Agora, era primordial para o PC que houvesse o envolvimento de todos os
sindicatos ligados à UP no desenvolvimento do governo. Somente assim, ele poderia
superar as ameaças do poder econômico internacional.
Corvalan relembra o momento especial pelo qual o Chile passava e destaca a forte
ebulição política na América Latina, principalmente em relação à revolução Cubana. Ao
mesmo tempo, intensificava-se a política norte-americana de repressão à democracia no
continente, com ações e financiamento à direita em vários países, incluindo o Chile.
154
O PC faz notar que, para contrapor essas ofensivas, era preciso mobilizar o povo,
pois a constituição política, os códigos e a organização institucional ainda não haviam sido
mudados de acordo com os interesses da UP. Isso contribuía para a manutenção do poder
da direita no parlamento, no sistema jurídico e nos meios de comunicação. No Congresso
Nacional, a UP tinha apenas a maioria relativa, não a absoluta, ficando refém das posições
da DC para aprovar as ações contidas no seu programa.
Foi recordado também que o Presidente da República podia convocar um plebiscito
para dissolver o Parlamento, caso precisasse. É importante perceber que era um erro
minimizar as forças do inimigo e suas possibilidades de manobra, assim como subestimar a
capacidade de governar da UP e da resistência do povo.
Corvalan dizia que desde a instalação do governo, apesar da unidade da esquerda,
existiam, por parte de alguns movimentos ou grupos partidários, atitudes com o objetivo de
tentar impor posições unilaterais. Apesar de não citar de quem está falando, qual o partido
ou tendência, Corvalan critica duramente aqueles que atacam medidas tomadas por todo o
governo:
Em um movimento tão vasto e pluralista como é o da UP, pode dar-se o
caso de um ou outro de seus militantes tenham uma opinião particular e
divergente a respeito de uma ou outra decisão. Mas se estas têm sido
tomadas por todo o Governo, por todos os integrantes da UP não cabe mais
que compartilha-las ou acata-las. Esta disciplina política e social é
indispensável para o êxito do governo popular.149
A crítica parece ser feita novamente a algum dos partidos que compunham a UP.
Mal havia começado o governo, já com dificuldades e ameaças de golpe, parecia que a
esquerda não conseguia caminhar conjuntamente. Não se sabe para quem e o porquê das
críticas, mas já estavam delineadas as dificuldades que a UP iria atravessar.
Os comitês de base da UP eram muito elogiados. Foram formados mais ou menos
14.800, dentre os quais, muitos continuavam a existir com tarefas concretas para ajudar a
149 CORVALAN LEPEZ, L. Intervención al Pleno del Comite Central del Partido Comunista Chileno, 26 de noviembro de 1970,p.498
155
impulsionar a implementação do Programa da UP e órgãos populares. Também seria sua
função a vigilância contra as manobras e os planos de reação do imperialismo,
principalmente no setor produtivo.
Diante da nova realidade, Corvalan explicita com euforia de como a política do PC,
embora muito criticada por alguns partidos, estava correta quando, antes de 1969, buscava a
unidade da esquerda e mantinha o discurso da possibilidade de conquistar o governo e
tornar o Chile um país socialista, por meio da institucionalidade e sem a utilização da via
armada. Para o PC, se não fosse a unidade entre comunistas, socialistas, radicais e outras
forças de esquerda e a manutenção firme de não mediar o combate ideológico com os
ultraesquerdistas, não haveria UP.
Corvalan critica o MIR como principal grupo ultra-esquerdista que estava causando
danos à população com sua política, chamada de oportunista, de ser contra o entendimento
com os radicais, contra as eleições e a favor da luta armada. Ele analisa ainda que perto das
eleições, o MIR havia abandonado suas ações mais radicais, vendo a real possibilidade de
vitória da esquerda. Entretanto, depois de quatro de setembro, a linha política do MIR não
era muito clara. Denunciava os possíveis golpes da direita e, por outro lado, continuava a
criticar a UP, o que ajudava a enfraquecê-la na visão do PC.
Corvalan destaca, por último, a importância das eleições municipais, que
aconteceriam em abril, como passo fundamental para a consolidação do governo popular.
No dia 29 de novembro de 1970, Victor Díaz, secretário nacional de organização da
CUT e membro da comissão política do PC, faz sua intervenção na reunião do pleno. O seu
discurso era um dos mais esperados pelo fato de, no final do ano, ele abriria as discussões
para reajustes de salários, pensões etc. Claro era o papel que a CUT desempenhava naquele
momento, principalmente porque tinha como responsabilidade garantir os direitos e
reivindicações dos trabalhadores frente a um governo que, também, dizia-se popular e estar
preocupado com a situação difícil em que vivia a maioria dos trabalhadores chilenos.
Após reuniões com o ministro da Fazenda, Economia, Trabalho e com o próprio
presidente Allende, formulou-se um projeto ata CUT - Governo que seria levado às
Federações para ser aprovado ou não. Segundo Victor Díaz, o fato de o novo governo
disponibilizar, para os trabalhadores, políticas sociais como: meio litro de leite para as
156
crianças, medicamentos, uniformes, material escolar, matrículas, controle dos preços dos
produtos básicos, dentre outras medidas, demonstrava-se estar igualmente preocupado e
resolvido em valorizar o salário do trabalhador. Esses incentivos faziam com que parte da
remuneração do trabalhador com gastos essenciais fosse poupado, o que já ajudava muito
na vida cotidiana dos chilenos de baixa renda.
Díaz destacava que a direita iria atacar a postura da CUT, pois achava que os
sindicatos e as federações deveriam se radicalizar para desgastar o governo. A contra
resposta era no sentido de fazer cumprir as resoluções do V Congresso Nacional da CUT,
que aprovara a luta por um governo popular e por mudanças revolucionárias.
A posição da CUT era difícil, principalmente a dos militantes do PC que
trabalhavam na área sindical por causa da orientação partidária. O PC era governo e era
sindicato, e essa sua posição dual precisava estar clara o suficiente para não adotar políticas
no movimento sindical que fossem ajudar a direita a paralisar o governo. Todavia, ao
mesmo tempo, ela não podia negar o papel que tinham os sindicatos de reivindicar
melhorias aos trabalhadores.
O representante da CUT pedia calma aos sindicalistas que achavam que só pelo fato
de Allende assumir a presidência da república, tudo iria mudar em apenas alguns meses.
Para a CUT, os comunistas deveriam ser os sujeitos decisivos, junto às outras forças da UP,
para alcançar êxitos e não ficar apenas no campo das reivindicações. Era necessário fazer
propostas, mobilizar, organizar, ajudar na construção de uma nova sociedade.
No informe de 29 de novembro, Rodrigo Rojas faz sua intervenção ao pleno do PC,
concentrando-se principalmente nos ataques à ultra-esquerda. Primeiramente, criticou
aqueles que pensavam ou citavam ter, durante as eleições o MIR, dado algum tipo de
contribuição positiva às eleições. Rojas lembrou que o MIR, em fevereiro de 1969,
publicou o documento “No a las elecciones, único camino: lucha armada”. Neste
documento diziam ser oposição ativa às eleições:
...oposição ativa às eleições e não passiva... participar na eleição, processo
já desprestigiado no Chile, é dar apoio revolucionário, é reviver o que já
nada crê solução, e não entregar a alternativa distinta que trabalhadores e
157
campesinos esperam... devem rechaçar as eleições e desenvolver a margem
e contra ela, como expressão da legalidade que queremos destruir.
Participar das eleições hoje, é impedir o fato de poder sentar nas bases para
o início da luta armada no Chile, é seguir dando volta no círculo vicioso que
tem frustrado gerações de revolucionário.150
Além de todos esses ataques, lembra o dirigente do PC, o MIR sempre questionou a
formação da UP e a ampla aliança de todas as forças antiimperialistas dispostas a lutar pela
realização das mudanças no Chile. Segundo o MIR, a frente ampla era “colaboração de
classe” e iria levar a esquerda em geral a um retrocesso.
O MIR caracterizava os partidos que compunham a UP da seguinte forma: o PC era
o partido ligado à setores intelectuais, estudantis e acadêmicos, corroído por várias frações;
o PS passava por um período de crise interna motivado pela sua ambigüidade política e
estratégica. Ele era uma multidão de frações e feudos. E o PR era o mesmo partido que
decretou a lei contra os comunistas quando estava à frente do governo. Para o MIR, o
triunfo eleitoral aparecia como “evidência do fracasso da estratégia da luta armada para a
conquista do poder no Chile”. Um possível apoio ao governo da UP também era descartado
pelo fato de não acreditarem na via pacífica. O conjunto de atitudes do MIR era de
oposição, apesar de que, em alguns momentos, atuou em conjunto com a UP, como na
eleição da Federação dos Estudantes do Chile.
Por último, em 30 de novembro de 1970, Bernardo Araya falava sobre a
participação dos camponeses no desenvolvimento da produção e levantava questões já
colocadas sobre como ajudar o governo, sem perder a autonomia dos sindicatos e dos
movimentos sociais.
Para ele, uma das saídas era melhorar a qualidade orgânica e ideológica do PC,
porque a participação no governo não poderia significar uma colaboração cega, nem a
adoção de posições ultraesquerdistas ou direitistas. A atuação do PC deveria se apoiar na
realidade, na unidade dos trabalhadores, tornando a base aglutinadora das forças populares
150 ROJAS,R.Intervención en el pleno del Comité Central Del Partido Comunista, 29 de noviembre de1970, pg.513.
158
pelo cumprimento do programa. Era preciso criar um novo estilo de trabalho
revolucionário.
A reforma agrária teria que ser encarada com certa prioridade e com um sentido de
suprir os déficits alimentícios do povo, utilizando o seu próprio trabalho para produzir
trigo, azeite, batata, carne, leite e milho, produtos esses que eram importados. Fazia-se
urgente a necessidade de incorporar o povo Mapuche, no processo de Reforma Agrária.
Esse projeto, se levado adiante pela UP, poderia resolver o problema do latifúndio e da
produção de alimentos. A proposta era explorar ao máximo o potencial agrícola chileno.
Os camponeses também deveriam ser incorporados nos conselhos campesinos, que
teriam ter níveis diferentes: Nacional, Provincial e Comunal, com organizações
representativas de cada nível. Tais conselhos interfeririam diretamente nas decisões. Eles
corresponderiam a órgãos de poder popular no plano de desenvolvimento agropecuário, das
expropriações, da organização do trabalho em terras expropriadas, no aumento da
produtividade, nos créditos etc.
Esses conselhos também eram apresentados como um importante espaço de
organização de milhares de camponeses e de enraizamento do partido neste setor, já que o
Congresso de 1969 havia declarado que o PC tinha baixo nível orgânico de atuação no
campo.
159
3.3 – Os documentos de 1971: Mudanças econômicas, resistência e comitês de
produção
Neste ano, o artigo em destaque do mês de janeiro é a saudação do presidente do
PC, Luis Corvalan ao XXII Congresso do Partido Socialista. Ele reafirma a importância do
momento vivido pelo Chile e diz que os 90 dias de governo davam mostras de que, em
conjunto, comunistas, socialistas, radicais, social democratas, MAPU e a API, a ação
política estava sendo capaz de propor soluções para os principais problemas do povo mais
pobre do país e ainda de enfrentar a direita e os norte-americanos, os principais inimigos
do novo projeto.
Corvalan cita as medidas contra a inflação, os investimentos na indústria sem
geração de novos impostos, a permanência de uma política em favor da pequena e média
indústria, a nacionalização do cobre e do banco, a reforma agrária, a expropriação de
grandes monopólios etc. No plano internacional, ele afirma que a UP estava mantendo
relações políticas com inúmeros países, buscando a paz, o intercâmbio comercial, cultural e
científico de forma recíproca.
Entretanto, ele afirmava que as dificuldades e as resistências eram enormes e
também não ter dúvidas de que a reação iria utilizar todos os subterfúgios, incluindo a
violência, para derrotar o governo. Exemplifica esta última com o exemplo do assassinato
do general René Schneider151.
Mas seria suicida de nossa parte se não víssemos como o inimigo, incluindo certos
setores reacionários da Democracia Cristã, elaboram seus próprios planos para
aproveitar as necessidades mais urgentes da população em busca de uma base
popular para sua oposição ao governo. Devemos derrotar essas manobras,
desmascarando-os politicamente e apresentando a solução dos problemas.152
151 O Comandante em Chefe do Exército René Shneider foi assassinado durante um atentado a bala de extremistas de direita que queriam desestabilizar o governo. Foi neste momento que a direita estruturou-se em torno da organização Pátria e Liberdade. Esta organização organizou mobilizações violentas contra o governo e os partidos da UP, envolvendo-se em vários atentados e em tentativas golpistas. Ela teve atuação durante todo período que Allende governaria o país.
160
É destacado o papel de comunistas e socialistas por terem grande influência na
classe trabalhadora. Corvalan alerta que era fundamental para o êxito da política do
governo e para manter o apoio popular, busca realizar, com agilidade, políticas visando a
população mais carente, assim, política que absorvessem os desempregados e aumentasse a
produção.
Aponta também a importância das próximas eleições municipais para consolidar o
projeto da Unidade Popular.
Outro artigo em destaque, datado de 04 de março de 1971, é o de Victor Diaz. Ele,
inicialmente, levanta os feitos do governo para a melhoria da vida dos trabalhadores e
ressalta a importância das mudanças na economia para a implantação do socialismo.
Porém, a principal questão levantada por Victor era a resistência dos setores
internacionais em relação à nacionalização e à estatização dos bancos153. Para o PC, era
fundamental a estatização do setor bancário, pois que era visto como o centro de operações
da oligarquia financeira e centro de resistência dos grandes grupos. Não adiantaria muito
nacionalizar toda a produção chilena se o “coração” financeiro não estivesse sob controle
do estado.
A nacionalização está sendo impulsionada de acordo com as resoluções tiradas
conjuntamente pelo governo da Unidade Popular e pelos trabalhadores de banco
do país. Se trata de uma dura batalha. Tem sido imprescindível intervir naqueles
bancos surpreendidos em grandes fraudes, como é o caso em especial do Banco
Edwards. A superintendência de Bancos, pela primeira vez na história, está tendo
cautela nas operações creditícias, e está descobrindo e punindo os roubos das
gerências. A Corporação de Fomento está comprando as ações dos bancos e já é
dona de vários deles. Todo este processo seria impossível sem uma intervenção
dinâmica, patriótica e vigilante dos empregados bancários. Por isso para confundi-
152 CORVALAN LEPEZ,L. Saludo Comunista al Congreso Socialista,enero-febrero de 1971,p.636. 153 No primeiro ano de governo, a UP deu início à implantação da Área de Propriedade Social, a compra de ações dos bancos sofreu contestações no Parlamento. O projeto de nacionalização do cobre só foi aprovado após seis meses, e a reforma agrária também sofreu resistência de muitos donos de terras, apesar de a priori defenderem uma reforma agrária planificada, apelando para uma postura técnica para evitar a radicalização da reforma por parte do governo.
161
los e enganá-los se lançou uma campanha demagógica de cooperativizar os
bancos.154
Era ressaltado que nas empresas, onde havia ocorrido a intervenção do Estado, a
produção estava aumentando e empregando mais pessoas, além dos trabalhadores terem
assumido papel de dirigentes ativos. Entretanto, dizia-se que o governo precisava ter mais
pressa para constituir os Comitês de Produção em todas as empresas e serviços estatais,
passando a responsabilidade da produção para os trabalhadores, ao mesmo tempo que as
relações de trabalho se modificavam.
Toda questão ligada à produtividade, fosse no campo ou na cidade, estava
relacionada ao papel que o trabalhador iria desempenhar. O PC achava que assim teria
condições de sustentar, politicamente, o governo e a produtividade do país.
Outra questão fundamental levantada era o problema da reforma agrária. Os
números do governo falavam em 250 novos assentamentos, mais de 200 novas
expropriações e um recurso totalizando um milhão e trezentos mil liberados para esse fim.
Por causa dessa política, os donos de terra organizavam protestos e ações de resistências.
Entretanto, para que a questão agrária pudesse ser resolvida, era preciso que os Conselhos
Campesinos155 se transformassem em instrumentos mobilizadores. Também era necessário
obter o apoio dos proprietários pequenos e médios para a luta pela Reforma Agrária.
Notadamente, o PC falava implicitamente na importância de se estabelecer uma
aliança entre não só os agricultores, mas com os donos pequenos e médios de terra, que
também sofriam os reflexos do modelo de latifúndio historicamente imposto ao país pelas
elites agrárias. A concepção do PC era de que para que o governo pudesse aplicar suas
medidas de radicalidade no setor econômico, seria preciso ampliar sua base política para
além dos trabalhadores, os quais também eram atingidos pela exclusão. Seria necessário
fazer uma aliança com setores da burguesia nacional e médios produtores, já expresso no
programa de 1969, mas retomados em inúmeros documentos do Partido.
154 DÍAZ,V. Informe al Pleno Del Comitê Central del Partido Comunista, 4 de marzo de 1971,p.698. 155 Em dezembro de 1970, a UP lançou os conselhos campesinos comunales (em âmbito nacional e provincial) como forma de participação dos camponeses não só nas áreas reformadas. Segundo Castells houve algumas falhas fundamentais no início de sua instalação: a) a composição do conselho foi predeterminado pelo governo;b) tinham funções somente consultivas e de assessoria, sem possuir personalidade jurídica e financiamento; c) foram constituídos sobre a base da representação das organizações sindicais, de assentamentos e pequenos proprietários, deixando a margem do processo a massa campesina não organizada.
162
Em março, é publicado um resumo da intervenção de Luis Corvalan em reunião do
Pleno do Comitê Central. Inicialmente, ressalta o importante momento que o partido
passava, sua maturidade e capacidade de governar. Diante da nova situação de ser governo
e ter um peso político grande, novos desafios necessariamente iriam aparecer. As bandeiras
principais ainda continuavam as mesmas: nacionalização do cobre, estatização do banco e
reforma agrária. Em torno dessas questões é que estavam voltadas as energias partidárias
para enfrentar, assim, o imperialismo e a oligarquia.
Achava-se que dois problemas principais deveriam ser encarados com prioridade no
governo: o drama do desemprego e da falta de moradia própria para as populações mais
baixas. A falta de moradia era um problema que vinha se desenvolvendo ao longo da
história chilena, principalmente quando houve um desenvolvimento maior nas cidades que
recebiam a população, que havia abandonado o campo para tentar melhores condições de
vida na cidade. O desemprego e até a falta de moradia eram vistos como uma questão
relacionada com o sistema capitalista desenvolvido no Chile, o que não daria para esperar
por um Chile socialista para ver resolvidos, na sua essência, esses problemas. Fazia-se
necessário criar medidas paliativas para amenizar os grandes problemas chilenos156.
Corvalan dizia que a UP estava se esforçando para realizar uma redistribuição social
em favor dos trabalhadores, visando sobretudo o aumento do seu poder de compra, o que
estimularia a produção e geraria mais emprego.
Também expressava grande preocupação a respeito das eleições municipais. Suas
ponderações vinham no sentido de aumentar o percentual da UP de 36,3% para 50% da
votação, para que o programa revolucionário fosse acelerado. Estava na análise do PC, que
se a maioria da eleição fosse da UP, seria mais rápido encaminhar mudanças no Parlamento
e nos governos municipais.
156 Em 1971, a economia chilena através da política econômica expansiva, viveu um momento de muita euforia. Era visível a melhoria o das condições de vida das populações. A taxa de crescimento chegou a 8%, a inflação foi de 22,1% diminuindo 14% em relação ao ano anterior, o desemprego caiu de 5,7% para 3,8%. O salário mínimo dos trabalhadores que ganhavam baixos salários aumentou em 39%. O setor público iniciou um programa de construção de casas chegando ao número de 76.000 em 1971. Houve também controle dos preços dos produtos no setor privado e congelamento de tarifas e preços no setor público. Segundo P. Meller, já havia fortes indícios de um desequilíbrio que mais tarde ajudaria a gerar a forte crise econômica nos anos de 1972 e 1973, como o aumento do déficit público de 6,7 % para 15,3% e o déficit da balança comercial que chegou a U$ 90 milhões (nesta questão, o principal fator estava relacionado a violenta queda mundial do preço do cobre). Cf: Meller, p. 120-124.
163
Estamos a menos de um mês das eleições municipais, que estão se convertendo em
uma grande batalha política entre o governo e seus inimigos, entre os partidários e
os adversários da revolução. Os resultados destas eleições vão influir
decisivamente no desenvolvimento dos acontecimentos. Se tivermos um grande
avanço, se pudéssemos obter mais de 50% da votação ou algo próximo a isso, no
qual depende de como se trabalhe, então, como disse Volodia, outro galo cantaria,
cantaríamos e estaríamos em condições de golpear mais fortemente o inimigo e
acelerar o cumprimento do programa e passar das transformações econômicas e
sociais às mudanças institucionais157.
Em 5 de abril, o senador Volodia Teitelboim publicou a declaração do PC sobre as
eleições municipais158. Primeiramente, ressaltou que, apesar de não terem encerrado o
resultado total, já estava evidente a vitória da UP. Allende tinha confirmado seu respaldo
com os cidadãos, o que provava o fortalecimento do governo.
Para o senador, era impressionante o crescimento do Partido Socialista, o que,
entretanto, encarava como lógico e natural, por ser o partido do presidente da República. O
PC continuava o seu processo de desenvolvimento e crescimento constante, mesmo com
toda a campanha anticomunista.
A DC, segundo Volodia, havia errado politicamente nesta eleição. Pela utilização de
discursos histéricos contra o governo e a UP, acabou por disputar cada voto com o Partido
Nacional. Seu cálculo era o de se consolidar como única voz da oposição, mas não
conseguiu.
Nota-se que a polarização159 entre a DC e a UP, no caso exemplificado pelo
discurso do PC, demonstra que uma possível colaboração entre os dois blocos seria cada
157 CORVALAN LEPEZ,L. Intervención de resumen del Pleno del Comite Central del Partido Comunista, 7 de marzo de 1971,p.715. 158 Comparando com os resultados das eleições de 1969 o PS obteve 22,89% dos votos aumentando sua votação em 10,66%. O PC obteve 17,35% aumentando em 1,45%. Os radicais diminuíram sua votação em 1,06%, atingindo 12,09%. A DC obteve 25,21% diminuindo em 6%, o PN obteve 18,53% diminuindo 1,47%. Entretanto o eleitorado havia crescido 5% em relação a eleição municipal de 1967 e 13,58 em relação à eleição presidencial. 159 Em setembro de 1971 as relações entre DC e UP iriam tornar-se cada vez mais difícil pelo assassinato de Edmundo Pérez Zujovic que havia sido ministro do presidente Eduardo Frei e responsabilizado por ações repressivas contra as mobilizações populares no governo da DC. O assassinato foi assumido pelo grupo de extrema esquerda chamado Vanguarda Organizada do Povo (VOP). A DC criticou a passividade do governo
164
vez mais difícil. O próprio PC insistia na necessidade de se fazer um pacto de
governabilidade com a DC, ou mesmo de trazer setores mais avançados desse partido para
próximo da UP, mas era algo que se configurava irreal, na prática. Poderia surtir algum
efeito no discurso, porém parecia não ter reflexo nenhum no cotidiano.
O MIR apoiou a UP nas vésperas da eleição, conclamando o povo a votar no PS e
no PC, justificando que as eleições constituíam uma conjuntura tática do enfrentamento de
classes.
No artigo de 26 de junho, Mário Zamorano escreve um artigo que foi apresentado
ao pleno do Comitê Central com o intuito de comemorar os 95 anos de nascimento de Luis
Emílio Recabarren, fundador do Partido Obrero Socialista, organizador do movimento dos
trabalhadores.
Mario Zamorano faz um levantamento das dificuldades percorridas pelo PC ao
estabelecer uma linha política clara para a revolução no Chile, entretanto declara que foi
por meio da análise do marxismo leninismo e sua aplicação de acordo com as
características chilenas, que se conseguiu chegar à formulação da via pacífica. A teoria foi
vista, não como um dogma, porém como instrumento para formulações mais condizentes
com outras realidades. Por isso, ele dizia que as teses de Lênin estavam muito vivas e que
norteavam a disciplina partidária a partir de três questões fundamentais: 1) pela consciência
da vanguarda proletária e sua fidelidade à revolução, sua firmeza, espírito de sacrifício e
heroísmo; 2) por sua capacidade de vincular-se, aproximar-se das maiores massas
trabalhadoras, proletárias ou não; 3) pela correta direção política que levava a cabo esta
vanguarda e pelo acerto de sua estratégia e tática política.
O artigo ressalta também que o PC tinha crescido e fortalecido a constante luta
contra as tendências oportunistas de direita e de esquerda, incluindo a ideologia burguesa
da ultra-esquerda que, por sua vez, era uma colaboradora assídua da política da direita e da
contra-revolução.
Para o partido, a melhor maneira de saudar o aniversário do líder Recabarren seria
ajudar a derrotar as forças de reação contra o governo. Para isso, era preciso entender que,
frente à organizações e grupos armados de esquerda. A UP se explicava a partir da justificativa que eram ações provocadas para desestabilizar o governo.
165
em um novo momento, os avanços dos movimentos populares implicavam em novas
exigências e na elevação de suas premissas principais. Destacava neste sentido: 1)
Trabalhar mais com a linha política partidária, que traçava uma perspectiva para continuar
apontando a luta antiimperialista e antioligárquica no Chile; 2) Contribuir mais para a
organização e unidade do povo, pilares fundamentais para assegurar novas vitórias; 3)
Assegurar um maior fortalecimento ideológico e orgânico do PC como maneira eficaz de
contribuir para a participação dos comunistas no grande combate que estava se desenhando.
Destaca ainda que, neste período, o PC contava com algo em torno de 160 mil
filiados, tendo como tarefas prioritárias estruturar o crescimento do partido e fortalecer o
trabalho da célula partidária. Também era lembrada a necessidade de se reforçar e de criar
novos organismos intermediários, como a formação política dos militantes e a propaganda
partidária. Era prioridade, também, filiar mais trabalhadores, camponeses, mulheres
profissionais e intelectuais.
Estava sendo preparada uma grande campanha financeira para a compra de sedes,
de veículos, de meios para propaganda audiovisual, recursos para a formação etc. As
Juventudes Comunistas também elaboraram uma campanha de filiação de 25 mil novos
jovens, sob o lema da promoção do quinquagésimo aniversário do PC. Era, sem dúvida, um
novo momento de crescimento, organização e amadurecimento político.
Em 26 de junho, foi Luis Figueroa quem fez uma intervenção, alertando para a
necessidade do partido esclarecer, aos trabalhadores, as dificuldades e sabotagens que o
governo vinha sofrendo.
A batalha por uma produção160 e abastecimento constantes era destacada como a
mais importante e, só seria vitoriosa, se fosse ampliada à educação política das massas
trabalhadoras e incorporadas efetivamente na direção das empresas da área social e da área
mista.
160 O problema do desabastecimento atingia gravemente o povo chileno. A UP apresentou as JAPs (Junta de Abastecimento e Preço) como uma possível solução de organização popular vinculada ao governo. Entretanto elas se envolveram em inúmeros conflitos por causa da ascendência do mercado negro. No final de 1971, um grande protesto de mulheres contra o desabastecimento, que ficou conhecida como “panelas vazias” marcou a ofensiva de massas da oposição. Esse ato acabou por desdobrar em violentos atos de enfrentamento nas ruas que duraram uma semana. Houve depredações, barricadas em ruas, incêndios de veículos, ataque às sedes dos partidos da UP etc, o que provocou o governo a decretar estado de emergência, em Santiago.
166
Seriam publicadas as normas de participação dos trabalhadores, a partir do acordo
firmado entre o governo e a CUT, que consistia em: 1) Assembléia dos trabalhadores da
empresa, convocada pelo sindicato único ou por uma comissão indicada por todas as
diretivas sindicais; 2) Assembléia da Unidade Produtiva composta por seções,
departamentos etc. Estas nomeariam o Comitê de Produção da Seção que teria no mínimo
três e no máximo sete membros. Esses comitês trabalhariam assessorando o Chefe de Seção
ou departamento respectivo; 3) Seria criado o Comitê Coordenador dos trabalhadores da
empresa, que se constituiria de cinco representantes dos trabalhadores, perante o Conselho
de Administração, do diretório do sindicato único ou de uma comissão de representantes
dos diretórios dos sindicatos, caso houvesse mais de um, e ainda, um representante por
cada comitê de produção da seção e departamento da empresa correspondente.
O Comitê Coordenador deveria ser o organismo que coordenasse a ação sindical
junto aos Comitês de Produção e, também, que orientasse, impulsionasse a produção e
encarasse os problemas que por ventura aparecessem na empresa. Era frisado que os papéis
dos Comitês não podiam ocorrer no sentido de liquidar os sindicatos e, por isso, era
incompatível acumular o cargo de diretor sindical e de representante do Conselho.
O principal, para o governo e para o PC, era de impulsionar a formação dos Comitês
de Produção, para que os trabalhadores pudessem obter o controle da produção e, também,
modificar as relações de trabalho.
Por tanto, era o momento do PC repensar o estilo de trabalho das organizações
sindicais, de criar sindicatos únicos por ramos de atividade, mais dinâmicos e vinculados à
base. Os sindicatos precisavam passar de requerentes para construtores, precisavam se
tornar organismos autenticamente revolucionários que assumissem a responsabilidade de
ser a base fundamental de respaldo ao governo.
Era visível a preocupação do PC em fortalecer a CUT como único sindicato
nacional dos trabalhadores. A apreensão, em relação aos Comitês, era de que esses se
tornassem órgãos autônomos em relação à CUT, já que o seu potencial de organização dos
trabalhadores em seu local de trabalho era a razão de sua existência, sob uma ação concreta
de tomar, à frente, o processo da produção. O PC via essa questão com cautela e, por isso,
tentava reforçar seu trabalho entre os trabalhadores para garantir sua inserção de forma
decisiva nesses comitês.
167
Ainda, neste dia, Cláudio Alemany, responsável pela comissão sindical do PC
também fez um informe, ressaltando as tarefas e dificuldades neste período de transição. O
documento publicado sobre a participação dos trabalhadores nas empresas da área social,,
feito pelo governo e pela CUT, era apresentado sob alguns aspectos principais: a) em todas
as empresas do Estado existiria um Conselho Administrativo constituído por cinco
representantes do governo e cinco eleitos por todos os trabalhadores da mesma empresa; b)
existiria uma autoridade máxima designada pelo governo; c) os representantes deveriam ser
eleitos por votação secreta e por pessoa. Destes cinco, três deles seriam ligados ao setor
produtivo, um ao setor administrativo e outro ao setor técnico; d) os chefes da empresa não
participariam dos Comitês de Produção; e) seria estabelecida a incompatibilidade entre o
cargo de dirigente sindical com o de dirigente dos conselhos para impedir que o sindicato
perdesse sua independência ou desaparecesse.
O intuito desses desafios era de evitar as dificuldades que se produziam no aparato
estatal de direção da economia de eliminar a sabotagem e ganhar a adesão dos técnicos das
empresas para o projeto da UP.
Em outubro, é realizada a convocação para a Conferência Nacional do PC. Este era
um momento privilegiado para a reflexão da atuação do PC e sua linha partidária e do
desempenho do governo. Também queriam utilizar o espaço para denunciar as sabotagens e
a ingerência do governo norte-americano.
Já na conferência, em primeiro de outubro, o deputado Orlando Millas era o
responsável por apresentar o texto base para o plenário. Inicia sua fala destacando que o
momento atual, vivido no Chile, era importante no sentido em que abria caminho para a
consolidação das mudanças estruturais necessárias para um país socialista. Dizia também
que ou se consolidavam as mudanças e o governo obtinha êxito, ou o triunfo da contra
revolução se concretizaria.
Orlando Millas afirmava que a oligarquia chilena sempre foi esperta e aristocrática,
não tinha escrúpulos e confabulava contra governos para manter-se no poder. Ele
exemplificava com dois fatos da história do Chile, para comprovar tal questão: derrubada
168
do primeiro governo de Arturo Alessandri; trinta e dois anos depois abriram uma cruzada
anticomunista que culminou numa ofensiva contra o governo da Frente Popular.
Neste sentido, ele citava as várias declarações feitas pelo Partido Nacional, com o
intuito de desestabilizar o governo e desacreditá-lo em âmbito internacional. Falava-se que
Allende projetava uma boa imagem do Chile no exterior para obter credibilidade e em
seguida transformar o país em um estado comunista e totalitário, abrindo caminho para a
penetração soviética. Dizia o presidente do Partido Nacional, Sergio Onofre Jarpa:
Trata de projetar uma boa imagem do Chile no exterior, afirmando sua devoção a
democracia e seu respeito as leis e aos direitos das pessoas, mas cada passo que se
dá, cada medida que se toma, cada informação que se entrega, cada programa do
governo que se transmite, tem um só propósito: transformar lentamente o Chile em
um estado comunista totalitário, abrir caminho a penetração soviética na América
Latina. Na política externa, fazem declarações líricas sobre a não intervenção, mas
se segue apoiando e respaldando a ação desordenada que realiza a ditadura
cubana em diversos países do continente para abrir caminho a influência
soviética.161
Orlando Millas também descreve a luta contra as grandes empresas dominadas pelo
capitalismo norte-americano, como a companhia de telefones ITT. Ao mesmo tempo,
também era denunciada a destinação pela CIA de 14 milhões de dólares com o objetivo de
por em prática planos para derrubar os governos da Bolívia, Peru, Argentina e Chile e,
ainda, impedir o estabelecimento de governos de esquerda no Uruguai e na Colômbia.
Ele prossegue dizendo que o governo da UP era o mais democrático em toda
história do país porque, para eles, a democracia consistia em um governo com a
participação dos trabalhadores. A UP havia chegado à presidência como conseqüência de
combates das massas por garantias individuais e sociais, por direitos e liberdade. A essência
do governo era o pluralismo, o respeito ao livre jogo das opiniões democráticas, o exercício
da crítica e a participação do povo na solução dos problemas chilenos.
161 MILLAS, O . Informe a la Conferencia Nacional del Partido Comunissta del Chile, 1º de octubre de 1971,p.1108.
169
Entretanto, Orlando Millas, afirmava que pelo grau de dependência e
comprometimento de setores políticos e da sociedade na, então, atual situação chilena, não
seria fácil consolidar as necessárias mudanças para que o país realizasse o seu programa
popular:
Também tem que ter em conta que toda transformação social, por qualquer via que
se realize, tem que dar lugar, em seus começos, a uma série de transtornos. Assim,
sucedeu, por exemplo, com a Revolução Francesa, com nosso processo de
Independência nacional no começo do século passado e com a Revolução Soviética
que, qual força locomotora, conduziu os povos até o progresso, onde não se
desenvolveram nem podiam desenvolver em condições iguais. Mas também, no
quadro de nossas dificuldades entram alguns erros, debilidades, incompreensões
que surgem no próprio seio do povo, ações desorbitadas de determinados grupos,
tendências de conciliação, tentações de certos elementos de deixar-se levar pelo
jogo politiqueiro, assim como até o peso de hábitos nocivos formados nas
condições do capitalismo.162
O PC, que completaria 50 anos, em 1972, colocava-se como um partido forte, mas
suscetível de erros. Era destacado o papel da classe trabalhadora como motor principal para
as mudanças. Para isso, era preciso que o PC se desenvolvesse em cada local de trabalho.
O governo popular, que estava completando seu primeiro ano, a etapa inicial de sua
ação, segundo o PC, entrava para a segunda etapa, visando o cumprimento integral do
Programa Básico. Na primeira etapa, estava conseguindo reativar a economia, aumentar o
poder aquisitivo dos trabalhadores, reduzir o ritmo do processo inflacionário, diminuir o
desemprego e aumentar a produção. A Reforma Agrária, a nacionalização do cobre e a
estatização dos bancos estavam sendo encaminhadas e estas ações seriam definitivas para
atacar mortalmente o imperialismo e a aristocracia chilena. Completados esses passos, o
objetivo seria a formulação e a aplicação de uma nova política financeira nacional, sempre
com a participação ativa dos trabalhadores.
162 Ibid., p. 1115.
170
Ainda na Conferência Nacional, Victor Galleguillos faz um informe buscando
analisar o trabalho de massas do PC.
Inicialmente, ele diz que era preciso melhorar muito o trabalho de massas e
orgânico, principalmente pela importância de organizar o povo, de estar à frente deles,
inserindo-os no movimento social. Em 1970, a média mensal de crescimento do partido foi
de 4.500 novos militantes. O desafio para o ano de 1971 era de se atingir uma média de
5.500 a 6.000 novos militantes por mês. Os Comitês regionais eram saudados por quase
todos terem cumprido suas metas, com destaque para Linares, que havia crescido 103,8%,
Talca, com 104%, Curicó, com 104,3%, Concepción e Talcahuano, com 106,8%, Arica,
107%, Valdivia, 112,5%, Orsono, 123,4% e Maule, com 232%. Porém, alguns comitês
regionais não tiveram muito êxito como Aysén, Nuble e Carbón.
Em contrapartida às propagandas anti-comunistas e à ofensiva antipatriótica, era
colocado o desafio de se aperfeiçoar a ação do partido a fim de permitir o fortalecimento
ideológico e orgânico para dinamizar e aprofundar o vínculo com as massas. Para tal, foram
criados dois novos Comitês Regionais: Santiago Oeste e Talcahuano e mais outros quatro
estavam em fase de criação: Ovalle, Viña Del Mar, O´Higgens Sur e El Loa. Foram criados
também cinco comitês departamentais: Chañaral, Ovalle, San Antonio, San Bernardo e
Angol, além de realizadas 189 Conferências de comitês locais. Outro ponto bastante
ressaltado era o enraizamento do PC, nos setores agrários, com a criação de comitês locais
em Paihuano, San Bernardo Sur, Coínco, Quirihue, Pemuco, Teno. Foram criados 51
comitês de sector e 69 comitês de empresa.
Também era dado destaque para os comitês de empresa que eram considerados
como espaço que permitia o funcionamento do partido com um método leninista de direção,
terminando com as células gigantes,, tipo assembléia. Esses comitês impulsionavam a
constituição dos comitês de produção e, por sua vez, constituíam o comitê de vigilância.
Era importante que o partido crescesse nas áreas de produção, por entender que
naquele momento, a batalha da produção e a política econômica do país, iriam consolidar a
vitória do governo e do socialismo. Por isso, era preciso corrigir condutas erradas de alguns
comitês, que subestimavam o trabalho sindical, apesar de ser uma área de extrema
relevância para o PC em seu programa partidário.
171
Em 22 de outubro, Luis Corvalan faz discurso no ato do PC realizado no teatro
Caupolican, e o inicia fazendo referência ao sub-secretário geral, Oscar Astudillo, que
estava desaparecido. Ele denuncia também as investidas norte-americanas, sob a
presidência de Nixon, para cancelar ajudas financeiras de organismos internacionais, ao
Chile, como a do Exibank, por causa da política de nacionalizações de muitas empresas.
As Juntas de Abastecimento eram apresentadas como possível solução ao problema
do abastecimento e seriam integradas por representantes dos Centros de Madres, das Juntas
de Vecinos, sindicatos e comerciantes em cada bairro. O governo teria, assim, uma
radiografia dos problemas de abastecimentos e das possíveis medidas para contorná-los.
Para o PC, o ano de 1971 significou internamente a afirmação do seu projeto
político aprovado em 1969. O coletivo partidário acreditava ser possível tornar o Chile
socialista com o apoio e trabalho dos “obreros y del pueblo”. Mesmo com as ações ainda
pouco tímidas em relação às ofensivas no ano de 1972, o PC acreditava que, tentando
ampliar o campo político, principalmente com a DC, seria possível continuar as mudanças.
Segundo Corvalan, o Chile estava mudando para melhor e o povo sentia. O reflexo
disso seria a ida voluntária de técnicos para Chuquicamata e em El Teniente para ajudar a
melhorar a produção. Estava em curso o que chamavam de “marcha pela reconstrução do
Chile”.
Entretanto, tornava-se necessário corrigir erros nos serviços públicos. Era urgente o
estabelecimento de incentivos materiais que favorecessem uma maior produção e
aumentasse a participação dos trabalhadores na direção das empresas. Era preciso ampliar
também a área da propriedade social. A situação impunha atitude de combate, ação e
mobilização das massas para que o avanço das mudanças pudessem continuar.
Corvalan destaca que nos dias 29 de agosto a 3 de setembro aconteceria em
Santiago o Encontro Juvenil de toda América, em solidariedade ao Vietnan, Chile e Cuba.
Jovens de toda América, combatentes vietnamitas e representantes da URSS e de outros
países socialistas participariam.
Por fim, Corvalan apresenta Victor Díaz como novo subsecretário geral do partido.
Sem dúvida, o ano de 1971 foi um período de grande euforia para os partidários da
UP. Parecia que o projeto para abrir caminho ao socialismo estava dando certo. A economia
crescia, os trabalhadores estavam ganhando mais, o movimento cultural alternativo se
172
destacava, havia um grande envolvimento do povo com o programa da UP. Allende em
seus discursos requisitava a atuação dos trabalhadores e estes davam respostas concretas e
imediatas.
173
3.4 – Os documentos do PC de 1972: Crise econômica e política, batalha da produção
e ultra-esquerda.
No ano de 1972 a luta política se acirrava a cada dia. Em 02 de janeiro, é publicada
a intervenção de Luís Corvalan no órgão do Comitê Central do PCURSS, sobre os 50 anos
do partido comunista no Chile.
Depois de fazer um histórico do surgimento até os dias atuais e de reafirmar o
compromisso com o proletariado e o desenvolvimento da sua consciência enquanto classe,
Corvalán afirma que o PC era um partido homogêneo, de massa, com profundo
conhecimento da realidade chilena e, por isso, capaz de exercer uma vasta influência na
vida política do país.
Ele pondera que a política do partido de unir a esquerda ajudou na constituição da
UP, assim como a formulação da possibilidade de se conquistar o governo, por uma via não
armada serviu para construir um país socialista. Além de enfrentar as posições dogmáticas
da ultra-esquerda, sua tarefa principal foi organizar e elevar a consciência política das
massas, permitindo a eleição de Allende em conjunto com os partidos da coalizão.
Corvalan pontua que as mudanças já haviam sido iniciadas com a nacionalização163
da indústria do cobre e das minas, que pertenciam aos consórcios norte-americanos, com a
expropriação de latifúndios e com a reforma agrária. Isso estava sendo realizado com apoio,
em certa medida, da Democracia Cristã, já que a UP não possuía maioria no Congresso.
Algumas limitações, como o “status jurídico” vigente, eram problemas que teriam de ser
enfrentados. Outra dificuldade, era a ofensiva norte-americana contra o Chile, como por
exemplo, as ações da CIA financiando grupos e partidos contra o governo.
Ainda afirmava que achava reacionárias, para aquele momento, as teses da
inevitabilidade do enfrentamento armado, por terem que fazer parar a luta de massas,
debilitar os enfrentamentos cotidianos, na espera e preparação de um combate final.
Segundo eles, a via escolhida para o Chile não negava, em absoluto, os princípios gerais da
163 Segundo Bitar, o projeto de nacionalização proposta por Allende, das 91 empresas que seriam nacionalizadas e estatizadas, 52 fariam parte da APS e 39 da área mista. Já no final de 1971, das 52 previstas, 20 já estavam sob controle do Estado e 10 das 39 já faziam parte da área mista.
174
luta de classes e sua concretização, mas era concebida por meio de formas variadas e
originais.
A UP, segundo Corvalan, tomaria medidas enérgicas para reprimir as manifestações
fascistas que passavam a ser cada vez mais freqüentes, principalmente com o agravamento
da crise econômica e política164. O esforço para aumentar a produção era ilimitado e se
dava pelo trabalho voluntário, pelas metas de produção, ou seja, pela ação direta do
trabalhador nas empresas, principalmente aquelas nacionalizadas. O povo, segundo ele,
estava a favor da revolução e lutava por ela a cada dia, no trabalho e nas grandes
mobilizações de massa.
O partido, dizia ele, estava convencido de que, para lutar pelas transformações
antiimperialistas e antioligárquicas e para abrir o caminho para uma sociedade socialista,
era preciso estabelecer uma maioria nacional, por meio da qual deveriam “colaborar todos
os partidos e correntes que representam os interesses do povo e atuam em conseqüência,
mantendo a tradição chilena de respeito à lei e, sem prejuízo, de buscar a própria
modificação da lei”.
Para encerrar, disse que muitos avanços no Chile eram irreversíveis e a grande
tarefa era fazer irreversível todo o processo.
Em 3 de fevereiro, é publicado um importante informe interno sobre a situação
política por causa da derrota dos candidatos da UP nas eleições complementares em
O`Higgins, Colchagua e Linares.
Em O´Higgins, a perda foi de 3,5%, em Colchagua, de 3% e em Linares, 6,7%, em
relação às eleições de abril. Nesta eleição, o PS se envolveu mais em relação ao PC pelo
fato desse estar envolvido com o seu cinquentenário. Outro fato grave165 nas avaliações era
de que a UP havia perdido as eleições entre as mulheres, chegando a se ter em O`Higgins e
164 O desabastecimento era um problema concreto e que tomava grandes proporções. No plano político os enfrentamentos nas ruas eram cada vez mais constantes, e a DC liderou ainda no Congresso uma acusação contra o ministro do interior José Tohá por não respeitar a ordem pública e deixar assim o caos instalado ventilando a possibilidade de ruptura institucional. Estava explícito pela primeira vez a oposição da DC em relação ao governo da UP. 165 Mas talvez o mais grave nesta eleição foi o fato da DC e do PN se aliarem para conseguirem vencer os candidatos da UP. Em Linhares a esquerda lançou uma temática rupturista em relação ao programa da UP com uma forte presença do MIR. Essa eleição já indicava a possível aproximação da DC com o PN e as situações difíceis que estariam por vir no interior da UP.
175
Colchagua uma diferença de 12.266 votos femininos. Entre os homens, nas zonas agrárias,
em particular, também houve uma média de descenso no desempenho eleitoral.
Diante da derrota, o PC orienta o aprofundamento da participação dos trabalhadores
e do povo nas tarefas de transformação social, a intensificação da luta política e ideológica
contra o adversário, a tomada de medidas para erradicar o burocratismo, combater o
sectarismo, estabelecer disciplina social de todos os que queriam contribuir com o processo
revolucionário, esclarecendo, de maneira sistemática, as posições ideológicas a fim de
desmontar o jogo do inimigo.
O resultado eleitoral mostrava que o PC, o governo e a UP, não tinham sido capazes
de corrigir os desacertos do governo, já identificados pela Conferência do PC. Na direção
partidária, a avaliação que se fazia era de que, desde julho de 71, a situação estava se
agravando, a oposição questionava as medidas fundamentais do governo e este por sua vez,
não dava respostas à altura.
Também foi dito que, apesar dos problemas, existia saída para as dificuldades.
Neste sentido, o PC propunha a revisão do seu trabalho no governo. Ao mesmo tempo, era
preciso falar mais claro com a população sobre as dificuldades e defeitos enfrentados pelo
governo. Era certo que a tática da oposição de desgastar e de criar dificuldades de ação para
o governo se agravaria. O impacto dessas eleições foi grande entre alguns setores da UP e,
tinha-se certo receio da forma como reagiriam os partidos, que compunham a coalizão, e o
próprio governo.
Entretanto, o que se afirmava era a consolidação da aliança da direita, setores
freístas da DC com o PN. Para se opor a isso, o partido ponderava que o conjunto da UP
havia abandonado, em certa medida, a política de isolar ou neutralizar o inimigo. De acordo
com suas avaliações, foi isso que proporcionou, na eleição presidencial, a não unidade de
Tomic e Alessandri. Assim, uma das questões centrais era neutralizar e ganhar a base social
da DC166, aquela que era a favor da reforma agrária e das expropriações e, ao mesmo
tempo, tentar abrir diálogo com a direção partidária da DC.
166 O diálogo com a DC era cada vez mais complicado. De março a junho de 1972 houve intensas negociações entre a UP e a DC diante do agravamento da crise e da desestabilização. Por outro lado, a direita fora das conversas, lançava uma nova ofensiva contra o governo alegando que ele era ilegal. Foi lançada a palavra de ordem “desobediência civil” levada adiante principalmente pelo grupo fascista “Pátria e Liberdade” que defendia abertamente um governo militar e nacionalista como saída para a crise no país. O MIR também se mostrava cada vez mais radical em suas atitudes, ocupando terras na província de Nuble e se envolvendo em
176
Para apresentar, com mais convicção, a necessidade de se estabelecer o diálogo com
a base social da DC, ato que desagradava alguns setores da UP, era citada uma fala de
Lênin para que as posições fossem reafirmadas:
Imaginamos que um representante comunista deve penetrar em um local em
que os mandatários da burguesia fazem propaganda diante de uma reunião
de trabalhadores bastante concorrida. Imaginamos que a burguesia nos
exige um alto preço da entrada em dito local. Se pagamos muito caro para
entrar no local, cometeremos sem dúvida um erro. Mas vale mais pagar
caro – pelo menos enquanto não aprendemos a “pechinchar” como é
devido, que renunciar a possibilidade de falar à operários que se tem
encontrado até agora em poder exclusivo por assim dizer, dos reformistas,
ou seja dos mais fiéis amigos da burguesia.167
O partido dizia que era preciso corrigir os erros, mas de forma coerente. Por isso,
havia sido contra a proposta, levantada dentro da UP, de renuncia por parte de todo o
gabinete. Era preciso mudar, sem dúvida, algumas pastas. A demissão de todo gabinete
seria uma prova, para o PC, de que o governo estava no caminho errado, o que daria mais
argumentos às posições direitistas.
Allende havia pedido poder especial para fazer a correção administrativa, apesar do
PC não comungar a idéia do presidente ter “excessivas” atribuições internamente, mas
naquele momento achava correto. Para o PC, valia a máxima anterior à eleição de que,
dentro da UP, não havia um partido hegemônico, porém um conjunto que deveria
encaminhar as questões discutidas amplamente. Todos sabiam que nem sempre isso
acontecia. O momento pedia saídas rápidas e respostas enérgicas, pois chegar a um
consenso dentro da UP estava cada vez mais difícil e demorado.
Outra questão que o PC destacava era a necessidade de reforçar a unidade da UP e,
em especial, do OS porque o resultado eleitoral indicava a ofensiva de setores ultra-
esquerdistas dentro do PS. É dito que Carlos Altamirano e outros líderes estavam criticando
enfrentamentos em Melipa. Esses fatos por outro lado, exigiam uma atitude do governo que apresentava dificuldades em lidar com a situação, principalmente em relação aos grupos de esquerda. 167 Informe interno sobre la situación política, 1972,p.1889.
177
o governo por estar se aproximando da pequena e média burguesia. Criticavam a postura da
UP na batalha da produção por achar “prematuro exigir da classe trabalhadora uma maior
produtividade e formas elevadas de disciplina no trabalho, sem que tenha resolvido a
conquista do poder”. Para o PC, não havia nada mais revolucionário, naquele momento,
que atuar em defesa e pelo êxito do governo Allende. Também citam novamente Lênin para
contrapor posições que chamam de ultraesquerdistas:
O maior perigo, e talvez o único, para um autêntico revolucionário, consiste em
exagerar o revolucionarismo, em duvidar dos limites das condições para o
emprego adequado e eficaz dos métodos revolucionários. É aí onde os autênticos
revolucionários se “estilhaçam” com mais freqüência.... de que se deduz que a
revolução, grande vitoriosa e mundial, pode e deve empregar unicamente métodos
revolucionários. De nada. Isso é absolutamente e totalmente falso.168
Era necessário reforçar as posições contra o ultraesquerdismo. O partido tinha
convicção que era preciso resolver os problemas concretos das massas para melhorar a ação
do governo e achava que podia se materializar de duas formas: primeiro ganhar e convencer
os demais da necessidade de corrigir e, segundo os comunistas, de realizarem
concretamente certas medidas claras, maduras, assumindo claramente a responsabilidades
por elas.
Também era preciso definir uma política para reforçar os vínculos com a pequena e
média burguesia, assim como estabelecer ações do governo para a juventude,
principalmente em conjunto com o ministério da educação.169
A impressão que se tem, lendo esses documentos, é de que qualquer ataque à linha
política delineada pelo PC, é encarada como desvios revolucionários e ultra-esquerdistas. O
PC citava Lênin para demonstrar determinadas opiniões, mas, às vezes, nelas não cabia a
realidade chilena ou, então, tinha-se uma interpretação diferente vinda de outros partidos,
como o PS, que também se dizia marxista-leninista. O que ficava visível era que existia
168 Informe interno sobre la situación política, 1972. 169 Esse documento teve uma resposta dura do MIR por achar que o PC estava perdendo a condução política dentro da UP e por isso estava atacando o MIR e parte do PS denominando-os de ultraesquerdistas. Ainda reafirmam que eram contra a conversa com o PN e com a DC, mas eram a favor da unidade para avançar
178
uma tensão política dentro da UP pela busca da hegemonia de uma linha partidária. Essa
disputa é bem identificada entre PC e PS, salvo o presidente Allende que parecia acima
disso tudo. Também era explícito o caráter cada vez mais conciliador do PC, enquanto
setores do PS, MAPU e MIR já pediam a preparação dos trabalhadores para um possível
enfrentamento armado. Dentro do PC, nem se cogitava esta hipótese.
Em 28 de maio, é publicado um texto de Orlando Millas reconhecendo que havia
uma profunda crise dentro da UP. Muitas declarações assinadas em conjunto por direções
provinciais do MAPU, PS, MIR, PR e Izquierda Cristiana estavam sendo realizadas, a
principal delas ficou conhecida como “Documento de Concepción”170:
Na medida que as massas não reconhecem na oposição política outra coisa que a
contra-revolução em cerne, entram em contradição com o aparato do Estado
construído pela burguesia em seus largos anos de dominação política e social. É
dizer que em sua luta para afastar a contra-revolução, que se reveste de oposição,
as massas chocam permanentemente contra um estado construído basicamente
para resguardar os interesses da reação burguesa171.
O Documento esclarecia que tal aliança buscava a discussão e a colocação prática
de uma linha que assegurasse a irreversibilidade do processo revolucionário. Entretanto,
foram desautorizados pelas direções nacionais de todos eles, com exceção do MIR.
Orlando Millas, de forma tensa, explica que só poderia existir uma coalizão: a UP
que tinha um programa básico a ser implantado, muito diferente do programa exposto no
documento de Concepción, que segundo sua avaliação, esbarrava no anarquismo. Criticava
o fato de parte de secções dos partidos que compunham a UP terem se reunido para se
oporem ao governo, fazendo coro inclusive, aos partidos de direita.
superando as limitações que impunham o “parlamento fascista, a justiça de classes e a legalidade dos patrões”. 170 Em julho parte dos partidos da UP, com exceção do PC, aliadas ao MIR se reuniram em Concepción para se contraporem a política do governo. Esse acontecimento ficou conhecido como a Assembléia do Povo de Concepción. Essa assembléia propôs a dissolução do Congresso Nacional e sua substituição por uma Assembléia do Povo. Segundo Alberto Aggio, à primeira vista parecia uma reedição do projeto apresentado pela UP que pretendia suprimir as duas casas legislativas pela Câmara Única. Entretanto, a Assembléia de Concepción mostrava que parte das forças de esquerda queriam intervir na crise política através da instituição de um duplo poder. A ruptura com a política do governo era explícita e provocou a condenação pública por parte do presidente Allende e do PC. 171 MILLAS, O . Informe del Partido Comunista, 28 de mayo de 1972,pg.2444.
179
Dizia Millas:
Nós, comunistas, consideramos que na política de governo e da UP tem
características reformistas. Isso é outra coisa. Mas, diga-se o que se quer do
governo e da UP, o certo é que sob o governo da UP se tem feito grandes coisas,
grandes transformações revolucionárias, e este governo está sob o assédio do
imperialismo e da reação, porque tem ferido profundamente seus interesses.... Nem
o presidente da República, Salvador Allende, nem os partidos da UP e, em primeiro
lugar, o PC, pensamos que devemos tomar medidas repressivas contra aqueles
grupos de trabalhadores, camponeses e estudantes que sobre passam a legalidade.
Isto sabe o MIR e por isso abusa... A unidade da esquerda chilena é patrimônio
fundamental que deve ser resguardado.172
O Partido Comunista pronuncia-se pela unidade, assim como a direção nacional do
PS, que por meio do seu secretário geral Carlos Altamirano, e o dirigente da Comissão
Política, Rolando Calderón, criticaram a dispersão da esquerda e reafirmaram a linha do
programa da UP. Para o PC, a melhor saída era de que cada partido que compunha a UP
buscasse o seu entendimento interno e reafirmasse o programa elaborado em conjunto.
Em entrevista à imprensa, Corvalan mostra-se muito preocupado com a “assembléia
em Concepción”. Era um duro golpe na unidade dos partido da UP e também no governo.
Segundo ele, as críticas feitas pelo MIR, anterior à eleição, à linha política do PC, já era
algo dado e não esperavam que houvesse uma mudança de posição apesar das vitórias do
governo. Ainda dizia que havia triunfado a política do PC, compartilhada pelos demais
partidos da UP e que esta política teve como resultado a vitória da Unidade Popular e a
eleição de Allende.
Ele ressalta que as explicações da Comissão Política do PS sobre a reunião de
Concepción foram boas, mas insuficientes porque “a festa segue em Concepción e ademais
já expressei que estamos convencidos que aquelas atitudes e posições também têm suas
ramificações no país. Não podemos dar por conforme com a declaração muito boa da
superestrutura como se diz, quando sabemos que o fenômeno subsiste.”
172 MILLAS, O., op.cit.,p.2445.
180
Corvalan respondia ainda, às acusações feitas ao governo, por considerá-lo
reformista:
Nós, comunistas, consideramos que na política de governo e da Unidade Popular
tem traços reformistas. Isso é outra coisa. Mas fala-se o que se quer do governo e
da Unidade Popular, o certo é que sob o governo da UP se tem feito grandes
coisas, grandes transformações revolucionárias, e este governo está sob o assédio
do imperialismo e da reação, porque tem ferido profundamente seus interesses. E
nós acreditamos que o mais revolucionário é apoiar este governo. Pensamos que
qualquer que seja a fraseologia que se empregue por parte de alguma pessoa, tudo
aquilo que coloque em questão a autoridade deste governo favorece o imperialismo
e a reação173.
Estava exposta novamente a ferida no seio da UP. As divergências sobre o projeto
de governo da UP, que haviam sido debatidas muito antes da eleição que elegeu Allende,
estavam novamente em evidência. Publicamente, o PC responsabiliza o MIR, poupando o
PS, o que não impediu os dois partidos de trocarem cartas, muitas delas públicas, tirando
satisfação entre eles.
O próximo documento era o de 05 de junho174 de 1972, onde Orlando Millas tenta
explicar e resgatar a condução política da UP. Primeiramente, levanta a escolha do governo
em atuar por caminhos revolucionários e não reformistas. Segundo ele, isso não era uma
questão subjetiva. Esta era uma questão que se dava na forma em que se definia a posição
na sociedade da classe trabalhadora, na forma pela qual se resolveriam os problemas da
propriedade sobre os meios de produção, no caráter do processo de trabalho e nas alianças
de classe que dependiam da correlação de forças.
173 CORVALAN LEPEZ,L. Conferencia de Prensa, 24 de mayo de1972,p.2445. 174 Neste mês os protestos voltam a tencionar, o setor varejista procurava fechar as lojas ao meio dia. O governo passou a multar estabelecimentos e a oposição utilizava o argumento que o governo fortalecia as JAPs para estatizar inclusive o comércio.O governo demonstrava aqui, a dificuldade de estabelecer sua aliança com os setores médios. A inflação e o desabastecimento já tomavam grandes proporções. Nas eleições para direção da CUT, em que pela primeira vez todos seus filiado haviam votado, a esquerda reforça sua direção, mas a DC tem uma votação expressiva atingindo muito próximo o percentual do PS. Só para exemplificar, a votação somente desses três partidos foram: PC 30,90%; PS 26,46%; DC 26,35%.
181
Pontua mais uma vez algumas questões indispensáveis para uma gestão
revolucionária, como a nacionalização do cobre, o controle dos bancos, a formação da área
social da economia e a reforma agrária. Entretanto, limitar as mudanças a um capitalismo
de Estado era muito perigoso, as possibilidades de retrocessos eram grandes. Por isso, a UP
deveria assumir um grande movimento social, principalmente entre a classe trabalhadora,
para dirigir integralmente a economia e, posteriormente, mudar as regras políticas.
O desafio da UP, dizia, era criar algo novo que funcionasse sob a base da
participação democrática, com a disciplina dos trabalhadores e, em cada uma das instâncias
do processo chileno, tornar realidade o programa da UP. Era preciso, urgentemente,
consolidar e fazer mais funcional as políticas relacionadas às áreas sociais.
Segundo o programa básico de governo, a área de propriedade social só se
constituiria com as seguintes atividades: a) grande mineria de cobre, salitre, iodo, ferro,
carbono mineral; b) o sistema financeiro do país em especial o banco privado e seguros; c)
o comércio exterior; d) as grandes empresas e monopólios de distribuição; e) os
monopólios industriais estratégicos; f) em geral, as atividades que condicionavam o
desenvolvimento econômico e social do país, tais como produção e distribuição de energia,
transporte, comunicação etc.
Para o PC, a participação dos trabalhadores era algo possível se houvesse eficácia
nos convênios de produção e salário, baseado em um plano econômico realista, onde se
propusesse aumento de produtividade e reprodução ampliada. Tudo isso seria construído
com a participação dos trabalhadores, empregados e técnicos. Eles teriam que se sentir
integrantes da direção da sociedade e não mais explorados. Só com as mudanças nas
relações de trabalho possibilitaria ir adiante a batalha da produção.
Algumas dificuldades entre representantes da CUT e os trabalhadores eleitos para
integrarem o Conselho de Administração precisavam ser resolvidas. Na avaliação do PC, os
antigos quadros sindicais precisavam se adequar à nova experiência e não atuarem apenas
no campo da reivindicação ou com base no corporativismo.
As discussões sobre transição ao socialismo e o ultraesquerdismo continuavam a
causar polêmica e, em junho de 1972, Jorge Texier escreve um artigo pontuando o assunto.
182
A ultra-esquerda é caracterizada, de forma geral, como grupo que pregava uma
alternativa diferente da defendida pela UP e, por isso, tentava caracterizar o atual governo
como vacilante e reformista, procurando convencer os trabalhadores de que eles eram os
únicos que tinham uma perspectiva revolucionária. O MIR é tido como o grupo que
expressava de forma pública essa concepção, no ponto de vista do PC.
Inicialmente, a ultra-esquerda, apresentou o debate sobre a revolução chilena ter
apenas um caminho, que seria através do fuzil, o que não dava para conciliar com o
caminho do “reformismo e do legalismo” dos comunistas. A seguir, apresenta-se como a
autêntica alternativa revolucionária, além de dizer que estava em uma crescente influência
entre camponeses e setores da classe trabalhadora. Ela caracteriza o processo chileno como
mais uma forma capitalista de Estado e o governo da UP como vacilante e legalista.
Para o PC, um dos erros da análise da ultra-esquerda, era o fato de não considerar a
revolução democrática, antiimperialista, antimonopolista e antioligárquica que estava sendo
realizada pela UP, como parte do processo para conquista de um Chile socialista. Também
os acusam de não entenderem que o Chile passava por um momento de transição para o
socialismo. Já os miristas, acusavam o governo de conciliar com a burguesia e com os
donos de terras, o que era defendido pelo PC, já que se fazia necessário realizar concessões
para poder avançar um pouco mais à frente. Os ultra-esquerdistas pediam o socialismo
imediatamente, mas Jorge relembra que Lênin afirmava que o processo de transição na
Rússia continha elementos, fragmentos do capitalismo e do socialismo. Havia uma
diversidade de relações de produção, porém as socialistas eram predominantes. Para o PC
chileno, estava acontecendo o mesmo: em 1970, os monopólios privados eram maioria, em
1972, tendia-se à consolidação da área social.
Se perde de vista o mais importante, que no Chile dominava a economia e as
finanças de grandes oligarcas, de grandes monopólios estrangeiros e que é
precisamente ali onde deve golpear a classe trabalhadora e o governo para
assegurar o controle sobre o conjunto da economia, realiza uma aliança
econômica com as classes ou capas que correspondem aos demais tipos
econômicos (pequena e média produção e comércio). Permitir no Chile, quando
inclusive não se produzem as transformações essenciais na superestrutura política
e jurídica, necessárias para o socialismo, que exista um setor numeroso de
183
pequenos e médios capitalistas, tanto na indústria como na agricultura e o
comércio, não é apenas ser fiel ao pensamento marxista, ao pensamento e a prática
de Lênin, mas à experiência de numerosos Estados socialistas.175
O PC citava Lênin para dizer da importância de se ter o controle dos bancos e o
controle dos trabalhadores na administração do setor produtivo, para se caminhar em
direção ao socialismo. No Chile, dizia o PC, já estavam acontecendo esses dois processos.
Por fim, afirmam que o mais grave, na ultra-esquerda, era que, pelas suas ações
extremadas ela contribuía com as ações da direita.
Em 14 de agosto, uma reunião especial sobre reforma agrária é realizada no PC,
onde foi publicada, em especial, a intervenção de Luis Corvalan. Ele inicia fazendo um
balanço positivo, apesar das dificuldades, das ações para realizar a reforma agrária. A
herança no setor agrário do governo da DC, foi de muita concentração de terras nas mãos
de poucos e baixa produção. O Chile havia se tornado um grande importador e, para
reverter a situação, era preciso aumentar a produção interna de alguns produtos como:
frutas, vinhos, hortaliças etc. O primeiro passo era eliminar o latifúndio, depois planificar e
organizar a agricultura, em terceiro, resolver questões importantes, como a participação
massiva dos camponeses e a organização transitória do abastecimento. Além de todas essas
dificuldades, pontuavam uma outra: a falta de infraestrutura. Faltavam tratores,
fertilizantes, sementes, profissionais veterinários e agrônomos.
Para tudo isso, o PC sabia que o governo precisava contar com o apoio dos
camponeses, o que não era tão simples, devido à influência da DC e, também, pelo fato de
serem contra muitas propostas da UP para o campo. Por exemplo, doar o excedente de
produção para um fundo comum. Na tentativa de burlar os obstáculos, o governo
conclamava os comunistas a fortalecer a estrutura partidária no campo, os trabalhadores das
empresas estatizadas de prestarem ajuda aos camponeses e os partidos da UP a abraçarem
com mais vigor o problema do campo. Resolver o problema da produção no campo
significava resolver parte da questão do desabastecimento para o PC. Entretanto, outra
questão que influía no desabastecimento era o boicote e o mercado negro, onde produtores,
175 TEXIER,J. Informe del Partido Comunista, mayo-junio de 1972,p.2469.
184
donos de empresas, caminhoneiros etc, faziam com que os produtos não chegassem às
prateleiras dos supermercados e mercearias. Neste ano de 1972, chegou-se a ter
racionamento de inúmeros produtos, causando enormes filas nos postos de venda de
determinados produtos.
Em 31 de agosto, Corvalan publica a resposta do PC à carta que o presidente
Allende havia enviado a todos os partidos da UP. Nessa carta, Allende pedia mais unidade,
clareza e definição do caminho revolucionário, que o movimento popular estava tomando.
Também tentava esclarecer a necessidade que aquele momento impunha de elevar o nível
ideológico e a disciplina dos militantes para impulsionar a estratégia comum da UP.
Condenava os que “publicamente e oportunamente de modo deliberado” buscavam alterar a
linha política e programática do governo. O presidente Allende não diz claramente, mas
condena nesta carta a reunião de Concepción: “é preciso elevar o nível ideológico de seus
militantes, de sua disciplina e impulsionar a estratégia comum da Unidade Popular,
rechaçando com resolução e energia os sucessivos ensaios divisionistas”.
Entretanto, Corvalan alerta para as ações da oposição com a escalada de violência
que o Chile estava vivendo. A ITT agia em conjunto com a oposição e, após descoberto
planos para um possível golpe, o PC ainda achava que a DC estava contra uma ação desse
tipo. O papel da UP era o de impedir a guerra civil e continuar o processo revolucionário.
Para o PC, era preciso aplicar a lei aos que a descumprisse. Também era a favor que
autorizassem os atos públicos dos partidos de oposição para comprovar que a UP primava
pela democracia. Fez novamente duras críticas ao que chamou de “manobra divisionista” -
a reunião ocorrida em Concepción – que teve o nome de Assembléia Popular. Os
patrocinadores do evento falaram que não pretendiam estabelecer um duplo poder, um
poder paralelo ao atual parlamento e ao executivo. O PC dizia que, apesar da distinta
formação política dos partidos da UP, era necessário consolidar a unidade, principalmente
entre comunistas e socialistas, porque o papel dos inimigos era tentar separá-los.
A Unidade Popular é uma coalizão de vários partidos enraizados em diversas
classes e distinta formação política. É uma coalizão pluralista. Isso explica o
direito de que cada uma das forças que integram a UP tenha seu próprio perfil.
Isto é natural. Mas também devemos cuidar e fortalecer esta unidade e em especial
185
o entendimento socialista-comunista, porque o inimigo trata de nos separar, de
lançarmos uns contra outros, de nos separarmos do próprio chefe de estado e sobre
tudo, porque unidos não nos poderão derrotar. Representamos os interesses
autênticos do povo e da pátria e atuando em um só bloco, somos capazes de faze-
los prevalecer176.
Corvalan defendia que ser preciso pensar novas formas de organização do povo em
apoio ao governo e era a favor de estruturar o Partido Federado da UP, em todos os níveis.
Por fim, ele chama a atenção para o que se deveria dar nas eleições para o parlamento e
resume as tarefas principais para modificar a correlação de forças no país: aplicar uma
política firme contra a oposição; fazer novos esforços para aumentar a produção; conseguir
que todos os trabalhadores e setores médios apoiassem a política econômica e financeira do
governo.
Em entrevista cedida ao jornalista Eduardo Labarca, Corvalan explicita algumas
questões sobre a atualidade chilena e o seu processo de revolução. Quando questionado
sobre a forma em que se daria a resistência do povo se houvesse tentativa de golpe,
Corvalan dizia que a principal arma de resistência era a greve geral. Se houvesse
necessidade de recursos bélicos, os explosivos eram os escolhidos por já serem parte do
equipamento de trabalho dos chilenos, que o empregavam nas minas. Mas achava
plenamente possível não haver o enfrentamento e resolver as questões pelas vias
institucionais. Dizia que os militares estavam dando provas de suas posições
constitucionalistas. Acreditava ainda, que, ao longo da história, as Forças Armadas que,
acreditava ser o braço armado do povo, sofreriam mudanças no sentido de se identificar
com os ideais de um país socialista, ou seja, seus objetivos patrióticos se identificariam com
os objetivos revolucionários do povo. Para tentar demonstrar esse raciocínio, ele dizia que
desde a criação das Forças Armadas seu objetivo foi tornando mais completo: defesa,
soberania nacional, ordem interna etc. Esses conceitos estariam também ligados ao
desenvolvimento econômico do país. Corvalan também acreditava que a composição social
176 CORVALAN LEPEZ,L. Respuesta del Partido Comunista a la carta del Presidente Salvador Allende del 31 de julio sobre la Asamblea del Pueblo en Concepción, 31 de agosto de 1972,p.3006.
186
do exército estava mudando e que era necessário incentivar os filhos dos trabalhadores e
camponeses a entrarem para o serviço militar.
Quanto à DC, este partido era caracterizado como uma “arca de Noé”, por sua
composição social abarcar extratos sociais diversos, o que aumentava as possibilidades de
uma possível abertura para conversas políticas. Por isso, analisavam que sua posição era tão
difícil: não podia opor-se a algumas mudanças por causa da sua base social, mas precisava
do fracasso do governo da UP para voltar ao poder. Na análise de Corvalan, o que também
atrapalhava as negociações era a falta de amplitude política de integrantes da UP, na
administração pública, para lidar com setores da DC, PN e até com a população. Mas, na
maioria das vezes, a intransigência, a prepotência e o sectarismo de grande parcela da
direção da DC impossibilitava acordos.
Sobre um possível golpe legal ou jurídico para depor177 Allende, Corvalan achava
difícil acontecer na situação em que o Chile se encontrava, porque o povo apoiava o
governo e a igreja e as Forças Armadas estavam dando sinais importantes a favor da
institucionalidade e da democracia.
No dia 2 de outubro178, dois informes aparecem com aspectos importantes sobre o
governo e a UP. O primeiro é de José Oyarce, conclamando os militantes do partido a
iniciarem a campanha eleitoral de março de 1973, melhorando suas ações políticas e
buscando incentivar novos eleitores a se inscreverem para estarem aptos a votar. Comunica
177 E janeiro e fevereiro de 1973, a oposição tentava obter a maioria de 2/3 no Congresso para submeter Allende ao processo de impeachment. 178 O mês de outubro ficou conhecido pela sua intensa dificuldade e representou a ofensiva mais incisiva e geral da oposição ao governo Allende. O Chile viveu uma paralisação quase integral de suas atividades conduzidas por organizações patronais que tinham um claro e perceptível apoio externo. A paralisação iniciou-se a partir de reivindicações pontuais e coorporativas de setores da classe média e setores empresariais, e somente depois tomou dimensões nacionais. Houve neste período uma série de greves organizadas pela direita. Aos poucos o movimento passou a ganhar um caráter contra a política econômica para inclusive atrair a Democracia Cristã. Em meados de outubro, é decretada a paralisação dos caminhoneiros em todo o país, provocando uma reação enérgica por parte do governo que instituiu o Estado de Emergência em dez províncias. Os estudantes e trabalhadores também organizaram protestos e atos de massa a favor (a partir da CUT e das JAP´s) e contra o governo tomando as ruas e ocasionando enfrentamentos entre os dois setores e a polícia. Mas, foi na segunda quinzena de outubro que governo e oposição passaram a se enfrentar de maneira mais dura, com a greve dos médicos e a recusa dos presidentes da Câmara e do Senado em dialogar com Allende. A oposição lança um documento chamado “Pliego en Chile” que visava nortear as negociações com o governo para alcançar uma solução para a crise. Entretanto, este documento expõe a autoridade do presidente. Neste momento, as greves já evidenciam momento de cansaço e muitos já procuravam o governo para negociar a parte. A UP conseguiu neste período neutralizar as Forças Armadas.
187
também que havia sido criado o Partido Federado da UP e que ele já era reconhecido por
lei. Esse partido agrupava os partidos da UP, mas não interferia em suas diversas filosofias
e princípios. Assim, explicava que o partido federado tinha como militante o conjunto de
pessoas que faziam parte dos partidos da UP. A estrutura orgânica continuava sendo as
mesmas dos Comitês da UP, ou seja, provincial, regional, comunal, local, empresa,
população e serviço. Nas eleições, os candidatos seriam apresentados pelo Partido Federado
e não mais por cada partido, em separado. Achavam mais fácil, dessa forma, eleger mais
candidatos e manter a unidade interna.
O outro artigo de Mario Zamorano fala da necessidade de organização o movimento
social para que a luta entre o novo e o velho, o combate entre as forças progressistas e
setores reacionários, resultasse na vitória da nova sociedade que estava em construção. Para
ele, um dos mecanismos principais para a vitória era superar os boicotes econômicos e,
nesse sentido, destacava o papel das Juntas de Abastecimento e Preço (JAP). Havia se
constituído 1.200 Juntas no país, sendo que, em Santiago, eram 720 mantendo contato com
cerca de 7.000 comerciantes.
Apesar dessa grande participação, a ofensiva da direita era grande, por isso a batalha
da produção era a preocupação fundamental. Cidades como Taparacá, Antofagasta e o
Atacama estavam sem alimentos. A inflação também era preocupante. A reação de direita
contra o governo estava se dando, principalmente no que se referia à economia, justamente
para afetar a questão mais sensível do trabalhador.
É lembrado também que o General Alfredo Canales havia feito críticas ao governo,
mas fora respondido pelo General Prats, que era o Comandante em Chefe do Exército.
Segundo eles, os soldados não cometeriam nenhum crime que pudesse lesar a pátria. Eram
também visíveis as diferenças de opiniões e condutas dentro dos órgãos armados do Estado.
Em outubro de 1972, o PS e o PC lançam documento em conjunto no sentido de
esclarecer e coordenar ações para dar respostas às ofensivas políticas da direita, em curso.
Frisavam que qualquer erro ou conciliação do governo introduziria elementos de
contradição no meio da classe trabalhadora e de desconfiança em relação ao governo.
Diziam que era chegada a hora de contra golpear com firmeza, aproveitando as debilidades
188
do inimigo e o fortalecimento da frente de classes. Foi neste sentido que fizeram um
documento, em conjunto com, 11 pontos:
1) Ofensiva de massa: propunham a criação dos Comandos Comunales que seriam
organismos de poder que canalizassem as inquietudes, os problemas dos
trabalhadores e do povo em geral. A idéia era de que esses comandos pudessem
resolver situações de emergências como, por exemplo, de transporte, controle do
mercado negro de alimentos, ato de massas, jornadas de trabalho voluntário etc.
2) Ofensiva antiimperialista: propunha que se realizasse uma grande denúncia das
ações imperialistas contra o Chile para todo o mundo, incluindo as Nações Unidas.
A UP, em conjunto com a CUT, denunciariam as empresas multinacionais norte-
americanas que estavam envolvidas nos planos de boicote ao governo e esperavam
o apoio dos trabalhadores no âmbito internacional para resistirem a essa ofensiva. A
CUT deveria realizar encontros com diversos organismos de trabalhadores
internacionais.
3) Parlamento: neste ponto, propunham pressionar a direita no sentido de fazer com
que ela se manifestasse sobre os projetos de lei propostos pela UP. Assim, dar-se-ia
urgência aos projetos relacionados à economia, probidade administrativa, criação do
sistema nacional de auto gestão, garantias da pequena e média indústria e a
participação dos trabalhadores. Seriam aceleradas, também, as discussões dentro da
UP sobre a lei de Reforma Agrária, para que ela pudesse ser enviada rapidamente ao
congresso.
4) Transporte: O intuito era tomar medidas repressivas contra os empresários grevistas
dos transportes, pela aplicação da Lei de Seguridade interior do Estado e
rompimento dos contratos.
5) Comércio: também criariam medidas de repressão aos comerciantes e empresas que
aderissem aos boicotes e, ao mesmo tempo, estabeleceriam políticas que os
dificultassem e promovesse os comerciantes que continuassem a cumprir suas
obrigações normalmente. Era anunciada a formação de uma frente de comerciantes
sob a base dos sindicatos, câmaras e associações para constituir a nova
Confederação do Comércio.
189
6) Abastecimento: Este era um problema sério por causa do boicote, do mercado negro
e do aumento do poder aquisitivo do trabalhador. Propunham medidas para maior
controle do Estado e incentivo à criação de cooperativas, supermercados etc.
7) Estudo de medidas repressivas: propunha criar uma comissão para estudar um
esquema ofensivo contra a burguesia monopólica;
8) Fábrica de papéis: o intuito era passar para a área mista as propriedades florestais e
as fixas para as empresas de obrigações, em relação à distribuição e produção;
9) Área Social: era preciso ampliar esta área e não devolver nenhum monopólio, nem
empresas requisitadas para devolução;
10) Ofensiva administrativa: Propunha uma reordenação na administração Pública e nos
organismos autônomos para dificultar ação de elementos contra revolucionários e
sabotadores;
11) Ofensiva propagandista: Era necessário realizar uma grande ofensiva na mídia e
entre o povo. Para pensar como seria essa campanha, propunham a formação de
uma comissão especial para formular as ações.
Durante este período nasceram os Cordões Industriais, que eram organizações de
trabalhadores com o objetivo de “atuar rápida e eficazmente contra as manobras da direita”.
Os Cordões seriam um novo organismo de luta dos trabalhadores e pressionavam o governo
para, principalmente, passar para a área de propriedade social uma série de empresas. O
primeiro Cordão Industrial foi o de Cerrillos, que agrupava trabalhadores de 30 indústrias.
Para Nicolas Miranda179, eles se transformariam em um órgão de poder dos trabalhadores
pela sua base. Novos Cordões foram nascendo durante o ano de 1972. O governo da UP e o
PC os criticaram e pediram inclusive a devolução das empresas tomadas pelos
trabalhadores dos seus proprietários, ocorrendo o primeiro choque entre governo e Cordões,
em janeiro e fevereiro de 1973. Eles criticavam a atuação da CUT por acharem que ela
estava alheia às verdadeiras aspirações da classe trabalhadora.
179 MIRANDA, N. Los cordones industriales, la revolución chilena y el Frente populista, Sítio Clase contra clase,19 de novembro de 2004.
190
No dia 12 de novembro, vários pequenos artigos são publicados comemorando dois
anos de governo popular e refletindo sobre as dificuldades e saídas para a crise. Uma das
questões importantes levantadas está na constituição do gabinete cívico militar com a
participação de três generais das Forças Armadas. O PC reafirmava que elas tinham
politicamente uma importância grande, assim como um caráter patriótico e democrático,
atuando junto ao povo, apoiando os trabalhadores contra a exploração burguesa e
respaldando o desafio da libertação do Chile em relação ao imperialismo. Essa era uma das
saídas encontradas pela UP para incorporarem as FFAA no processo democrático e tentar
neutralizar alguns campos que já demonstravam contrários à política da UP.
O MIR havia lançado documento contra esse gabinete militar e denominou o
governo de “governo UP-Generais” que, nesta nova fase, queria paralisar a luta do povo. O
PC criticou duramente as declarações e atitudes do MIR, chamando-o de irresponsável e de
aliado da direita. Os Cordões Industriais criticaram as posições da UP em incorporar
militares no governo.
A direita também reagiu contra a incorporação de militares no governo e começou a
agir no sentido de separar os quadros militares que formavam o governo do seu restante. O
general Prats, que passou a compor o governo, esclarecia que o papel do novo gabinete era
o de assegurar a paz social. Ele tinha a função de comandante em chefe do Estado Maior e
o General Augusto Pinochet o de general do Exército. Dizia ainda que aplicaria com
autoridade as normas legais vigentes.
Em 16 de novembro, o PC comenta o editorial do pleno do PS, que assinalou a
importância da unidade interna para fortalecer o governo, assim como a unidade da UP.
Deixa explícito que o PS deveria lutar conjuntamente para a aplicação de todas as medidas
do programa da Unidade Popular.
Todos os partidos da UP estavam realizando reuniões para avaliar a situação chilena
e segundo o PC: “Todos coincidiam no fundamental. Não há fenda na UP. Pelo contrário:
fortalece a unidade para encarar juntos a batalha eleitoral de março próximo e conquistar
um Parlamento para o povo. Traz o êxito dessa tarefa se mobilizarem os trabalhadores
todos os chilenos patriotas, que são os motores de um processo até o socialismo que é
irreversível.” Entretanto, por mais que tentassem passar a imagem de unidade, eram nítidos
191
e públicos as divergências entre os partidos, que chegavam até causar uma paralisia no
governo, no sentido de se ter mais agilidade na contra ofensiva à direita.
No mês de novembro, houve reunião do pleno do Comitê Central para discutir os
rumos da política chilena. A luta política entre esquerda e direita, o aumento dos boicotes
na produção e no abastecimento, chegava no limite. A direita estava conseguindo se
aproximar e ganhar a opinião da classe média. Entretanto, o PC dava mostras que os
trabalhadores reagiam: várias indústrias passaram a funcionar 24 horas para aumentar a
produção, os trabalhadores passaram a dirigir caminhões de grandes empresas, assim como
colocaram tratores, seus próprios caminhões para transportar outros trabalhadores, a fim de
conseguirem burlar a greve patronal e não deixar parar a produção e a distribuição. A
juventude, no período de 14 de outubro a 4 de novembro (chamado de período de
emergência) permitiu a distribuição de farinha, a fabricação de pães e o abastecimento das
populações. Os trabalhadores fizeram, a partir do trabalho voluntário, que esse período de
emergência não se tornasse um caos. Para isso, revezaram no trabalho 24 horas por dia,
através de turnos. Dias depois, seria fundado o movimento “Voluntários da Pátria”.
Também destacava-se que muitos jovens democrata-cristãos de base ajudaram nesses
trabalhos voluntários. O PC, pelo menos nestes documentos, não falava no trabalho
realizado pelos Cordões Industriais.
O PC apresenta, então, oito conclusões sobre a crise de outubro: 1) a ofensiva
política de outubro puxada pela burguesia e pelo imperialismo encontrou forte resistência
dos setores que apoiavam a UP; 2) demonstrou o grau de combatividade e consciência do
povo; 3) demonstrou o nível de organização do proletariado diante das responsabilidades
essenciais e complexas; 4) reafirmou o papel do trabalhador como motor das mudanças
revolucionárias e pilar de sustentação do governo; 5) pôs em relevo o poder de criatividade,
organização e amplitude das massas; 6) demonstrou que o povo chileno estava disposto a
defender o processo revolucionário iniciado pela UP; 7) reafirmou a unidade de todos os
partidos da UP na base; 8) revelou a necessidade de readequar formas e estruturas orgânicas
para dar conseqüência ao ímpeto renovado das massas.
Diante da crise de outubro, era necessário ajustar algumas políticas do governo, mas
principalmente não desmobilizar os trabalhadores, fortalecer os organismos como a JAP,
192
Junta de Vecinos, Centro de Madres etc, cuidar da unidade do proletariado, consolidar e
aumentar a participação e a direção das massas. Ainda demonstrar a grande
responsabilidade que cada um deveria ter durante a campanha eleitoral de março. A ordem
era conquistar a maioria dos votos para acelerar a aplicação do programa em suas diversas
áreas e superar a crise.
O parlamento eleito, em 1969, era integrado por 94 deputados e 32 senadores de
oposição e 56 deputados e 18 senadores das forças populares. O PC tinha 22 deputados e 6
senadores, sendo que desses, quatro tinham mandato até 1977 (Corvalan, Contreras,
Montes e Valente). Nas eleições de março seriam eleitos 150 deputados e 25 senadores. Na
lista disponibilizada pelo Partido Federado da UP, foram apresentados 05 candidatos a
senador e 34 a deputados pelo PC. Nas últimas eleições o PC obteve 17% do eleitorado, o
que significava por volta de 480 mil votos.
Nas eleições de março estavam inscritos aptos a votar 4,5 milhões de chilenos,
dentre os quais, mais ou menos 700, iriam votar pela primeira vez. Os jovens maiores de 18
anos e analfabetos participariam do processo eleitoral pela primeira vez. Também era
destaque no PC, os quatros jovens comunistas militantes da JJCC que seriam candidatos ao
cargo de deputado.
Jorge Insunza inicia sua intervenção que encerra a reunião do pleno do Comitê
Central, relembrando os objetivos dos ataques da direita:
...pretendem instaurar uma ditadura reacionária, a fim de estabelecer os
privilégios do passado, terminar com os processos de mudança... Queriam e
querem impor a contra-reforma agrária, propunham terminar com a área
social de produção. Seu plano era e é desconhecer, negar as massas
populares toda participação na condução do Estado, ilegalizar a CUT, os
sindicatos... Seu plano era e é terminar com as JAPs... não ocultam a
necessidade de terminar com os comitês de vigilância, com os organismo de
controle e participação dos trabalhadores,com tudo o que está relacionado
com o povo, com as mudanças e com a revolução180.
180 INSUNZA,J.Informe, noviembre de 1972,p.3626.
193
A sua avaliação, feita em relação ao governo e ao enfrentamento com a direita, era
positiva. Insunza acreditava que a experiência vivida na crise de outubro havia dado
mostras de que o movimento popular estava mais organizado, consciente, sólido, amplo,
unindo a classe trabalhadora com o povo e ainda cita de forma positiva a colaboração das
Forças Armadas. O mês de outubro deu demonstrações, segundo Insunza, de organização e
patriotismo.
O desabastecimento e o mercado negro eram levantados como um dos principais
problemas. As JAPs eram pensadas como uma forma de organizar e fiscalizar a distribuição
e, ao mesmo tempo, de envolver os trabalhadores no processo de enfrentamento do governo
com setores conservadores.
Na questão econômica, dizia-se que o principal era revisar a fundo tudo o que
entorpecia o desenvolvimento da produção e da produtividade na área social. A partir daí,
as novas diretivas deveriam ser postas em prática por todo o partido e, principalmente, por
aqueles que tinham responsabilidades na direção das empresas e nas frentes de produção.
Para continuar as mudanças e enfrentar esses problemas, era necessário que se
obtivesse êxito nas eleições de março. Essa não era uma tarefa fácil, pela tensão existente
na sociedade chilena e também pelo fato de 64% dos meios de comunicação estarem
vinculados à grande burguesia. Por isso, ressaltava-se que a principal atividade dos
comunistas era trabalhar unidos desde já para mudar a composição do parlamento. A meta
era reunir 500 mil pessoas para fazer campanha e constituir os comitês de base. Dizia-se
que: “o triunfo dos candidatos comunistas, a vitória da UP era a garantia do
desenvolvimento democrático e da revolução”.
194
3.5 – Os documentos do PC de 1973: Transição, eleições, crise e golpe militar.
Em janeiro de 1973, Orlando Millas181 redige um artigo analisando dois anos do
governo Allende, tanto as conquistas, as dificuldades, no período de transição.
As mudanças econômicas foram resumidas em sete questões principais: 1) a área de
mineração, que representava 55% das divisas que dispunha anualmente o país e deixou de
ser explorada pelas empresas do grupo de monopólios americanos Anaconda e Kenecott.
Também foram nacionalizadas as áreas de exploração de ferro e de salitre; 2) a
expropriação de algumas indústrias monopólicas, a aquisição, intervenção e requisição de
outras havia conduzido, sob a direção da área social da economia, quase mais da metade da
produção mineral-industrial; 3) os bancos particulares, que concentravam em suas mãos
45% dos depósitos e 53% dos créditos, em moeda nacional, haviam passado para direção
estatal; 4) durante o ano de 1972, foi completada a expropriação e a transferência para os
camponeses, de 35% do terreno agrícola do país; 5) houve modificação da correlação de
forças em setores sociais ligados ao desenvolvimento econômico, em função da prioridade
estatal dada pelo governo; 6) foi feita a assinatura de convênios para constituição de
sociedades mistas automotrizes com empresas francesas e espanholas para garantir a
produção de automóveis, caminhões, ônibus etc. 7) a diversificação do comércio exterior
chileno diminuiu de 37% para 12% o total das importações provenientes dos EUA,
aumentando o comércio com a América Latina de 20% para 34% e com países socialistas
de 0,5% para 12%.
O desafio naquele momento era que as áreas nacionalizadas e incorporadas à área
social passassem a trabalhar mais e melhor. E, apesar da crise, o discurso utilizado pela UP
era o de que o país precisava continuar a ter um balanço positivo da economia. Alguns
181 O chamado “Plano Millas” propunha enfrentar os efeitos negativos gerados pela política econômica imposta no primeiro ano. Sua estratégia era aumentar a produção da área social, em especial na agricultura e cobre, e por isso pedia maior disciplina no trabalho e defesa de hierarquia, o que para muitos contrapunha a idéia de administração direta dos trabalhadores. Ainda propunha um ajuste de preços das empresas estatizadas para diminuir o déficits do Estado e controlar as remunerações. No plano externo, priorizava ao máximo a poupança de divisas. Esse plano gerou muita discussão, inclusive dentro da UP. Na análise de Aggio, o plano tentava reverter o quadro desfavorável através de mecanismos econômicos, separando-o da esfera política. A
195
argumentos para tentar convencer os chilenos, que sofriam com sério problema do
desabastecimento, eram apresentados: - o crescimento do produto bruto no governo
Alessandri foi de 1,9%, no governo de Eduardo Frei de 6% e no de Allende de 7%; - a
produção industrial havia crescido de 3,8% para 10,7%, em 1971; - a taxa de desocupação,
em Santiago, havia caído de 8% para 3%, em Concepción e Talcahuano, de 10 para 6%; -
houve melhora substancial no poder de compra dos trabalhadores; - a taxa de crescimento
no ensino básico e médio foi de 18% e, do ensino superior, de 35%. Entre as crianças de 6 a
14 anos, houve aumento de 99% das matrículas e a taxa de analfabetismo havia caído de
12% para 10,8%; - procurava-se diversificar as linhas de crédito a curto prazo etc.
Muitas dificuldades ainda existiam, principalmente referentes à produção e à
inflação. Mas essas dificuldades de uma economia em transição eram, para o ministro,
absolutamente normal. Citava Lênin para demonstrar as dificuldades que a URSS havia
passado em sua revolução e concordava que o problema principal residia no plano
econômico: controlar, produzir e distribuir a produção. Para a revolução chilena continuar
avançando era preciso sanear e consolidar a economia, atravessar as dificuldades com pulso
e, acima de tudo, lembrar que a mudança fazia parte de um processo.
Dizia ainda:
Nossa transição é imensamente mais fácil que a dirigida por Lênin, porque estamos
em uma conjuntura muito mais favorável, que deriva da criação socialista iniciada
na URSS e das gigantescas lutas sustentadas nestes 55 anos por todos os povos do
mundo, entre eles pelo nosso. Mas com tudo, a transição não deixa de ser difícil, de
ter momentos em que aumentam as dificuldades e que requerer a firmeza
necessária que não se demonstra com poses ou frases eloqüentes, nem com
consignas negativas, mas abordando com tenacidade o aumento da produtividade
do trabalho, da contabilidade e do controle mais rigoroso da produção e da
distribuição, além do estabelecimento de uma forma superior de organização do
trabalho182.
direção dos Cordões industriais e parte do PS também criticavam o plano Millas. Queriam atitudes mais radicais, que pudessem organizar o povo e tomar a frente do processo produtivo do país. 182 MILLAS, O. Hay que ganar la batalla en el tereno de la economia, enero-febrero de 1973,p.3799.
196
A crise de outubro para o ministro era um exemplo das dificuldades e, segundo ele,
foram geradas pelos imperialistas, que haviam perdido os altos lucros com as
nacionalizações. Fizeram em outubro a “conspiração da fome”, atingindo a maioria dos
chilenos. Entretanto, o inimigo havia fracassado, enquanto a classe trabalhadora, as frentes
patrióticas mantiveram o país funcionando e as Forças Armadas resguardaram a ordem
pública.
O artigo de Millas dizia que para avançar até o socialismo e mais adiante construir
uma sociedade realmente socialista, era preciso desenvolver a produção em todos os
campos da economia nacional. Quanto à melhoria das condições de vida e de trabalho dos
chilenos, o essencial era que pudessem ter uma remuneração maior para terem acesso ao
poder de compra de produtos de qualidade. Outras medidas econômicas também
precisavam ser realizadas como o equilíbrio fiscal, política tributária mais ativa e moderna
para que pudesse derrotar a inflação.
A área social da economia era destacada como uma obra de incalculável
perspectiva. A maioria parlamentária de oposição havia negado o estabelecimento de um
estatuto legal de incorporação das empresas monopólicas à área social. Porém, na área do
comércio exterior, 90% das exportações e 50% das importações realizavam-se diretamente
por meio das empresas da área social. Por isso, achava-se que ela estava em condições de
exercer a direção e de determinar o curso do desenvolvimento econômico. Mas para isso,
era preciso burlar algumas dificuldades.
A área social era vista como o alicerce para a construção do socialismo, sem a qual
não dava para impor a consigna “construir o socialismo agora mesmo.” Não havia ainda no
Chile as condições econômicas e nem políticas para consolidar o socialismo. Era necessário
que o controle dos meios de produção estivessem nas mãos dos trabalhadores. A
responsabilidade naquele momento era fortificar a área de Propriedade social e seu triunfo
sobre a economia capitalista era o que iria permitir a sua transformação. O apoio da maioria
daria forças para se passar para uma nova etapa.
Explicava-se que no Chile, neste período de transição, coexistiam simultaneamente
três tipos de economia: 1) Economia burguesa não monopólica representada pelas fazendas,
fábricas, negócios comerciais e serviços que exploravam mão de obra; 2) Economia
pequeno-burguesa: formada pelos pequenos agricultores, artesãos e trabalhadores
197
autônomos do comércio e serviços (pequenos comerciantes, ambulantes, taxistas,
caminhoneiros etc), todos trabalhavam sem empregar assalariados; 3) Área social: que
incluía as empresas do Estado ou dirigidas pelo governo popular e pelos trabalhadores, as
economias da área reformada no campo, sejam cooperativas, assentamentos ou comitês de
camponeses.
O período de transição, para o PC, estava acontecendo, desde a tomada do poder
pelo proletariado até a construção completa do socialismo. Citavam, por meio da
intervenção de Cademartori, que, na URSS, o período de transição havia durado 20 anos
(1917-1937) e, nos países da Europa Oriental, ainda acontecia.
No Chile, o PC dizia que o período de transição poderia ser dividido em duas
etapas: a primeira desde a conquista do governo popular em 1970 e que duraria até a
conquista do poder total pela classe trabalhadora em aliança com os camponeses e a classe
média; a segunda começaria com a conquista do poder e duraria até o triunfo definitivo do
novo modo de produção, o socialismo.
O que se destacava, como característico do processo chileno, era o fato de que,
apesar de não se ter conquistado todo o poder para o proletariado e sua coalizão popular,
poderia ser dito que já se iniciava a primeira das etapas de transição, pois as forças
populares contavam com a parte decisiva do poder: o poder executivo. Outra característica
importante era a socialização dos meios fundamentais da produção e sua conversão em
propriedade social. Por essas duas questões, acreditava o PC que já estava na primeira fase
de transição.
O Período de Transição começa com a socialização dos meios fundamentais da
produção e a conversão deles em propriedade social. No Chile a constituição de
uma ampla e poderosa área de propriedade social, da área mista e da área
reformada da agricultura davam o fundamento para sustentar que em nosso país já
se iniciou o período de transição do capitalismo ao socialismo183.
183 CADEMÁRTORI,J.Perspectivas y tareas revolucionarias en el frente economico, enero-febrero de 1973,p.3811.
198
Entretanto, o imperialismo e a oligarquia eram os principais opositores do novo
poder que estava tentando se solidificar. Neste momento de transição, de um lado estavam
as forças populares e patrióticas encabeçadas pela classe trabalhadora e, do outro lado, o
imperialismo, os monopólios e os latifundiários. Apesar destes setores não terem o respaldo
do poder executivo, os imperialistas contavam com o poder judiciário, com grande parte do
parlamento e com o chamado “quarto poder”, isto é, os meios de comunicação de massas.
Na economia, mesmo que estivesse enfraquecidos no controle em setores importantes,
ainda conservavam relevantes posições como na indústria de celulose e papel, refino do
açúcar, no comércio atacadista, distribuição de combustível, transporte marítimo,
navegação petroleira, indústria química, indústria de construção. O capital monopolista
internacional controlava alguns centros importantes como monopólio de fósforo e tabaco,
distribuição de combustíveis, detergentes, artigos eletrônicos etc.
Assim, para continuar e fortalecer o período de transição era preciso “ganhar a
burguesia e a pequena burguesia”, pois, ou estariam do lado da contra-revolução, ajudando
nas sabotagens, ou estariam cooperando com o processo revolucionário. Para José, era
difícil, mas não impossível atrair a burguesia nacional para a causa do socialismo, mas
indicava os erros cometidos por funcionários e dirigentes sindicais da UP que exageravam
no trato com a burguesia, como possível empecilho para a aliança. Ele relembra ainda, que
no programa da UP não se falava em liquidação imediata ou violenta da propriedade
privada, pois muitas delas cumpriam uma importante função na economia nacional.
Portanto, conclui que o terceiro ano do governo Allende era importante e definitivo
para o processo revolucionário chileno, e por isso, esforços não poderiam ser poupados.
Já em dois posteriores documentos datados de final de janeiro e início de fevereiro,
o PC envia carta ao PS, não entendendo sua reação quanto ao projeto de lei que propunha
uma resolução jurídica ao problema da propriedade de algumas empresas que deveriam
integrar a área social.O PS alegava que desconhecia o projeto e que o sub secretário de
economia, que era socialista, iria pedir demissão ao presidente. O PC afirmava, por outro
lado, que alguns partidos da UP em conjunto com o MIR, pediam que Orlando Millas
(comunista e ministro da economia) pedisse demissão ou que fosse afastado por Salvador
Allende. A crise entre PC e PS era pública e visível, poucos dias antes das eleições
parlamentares.
199
Durante algumas semanas, nós comunistas temos suportado todo tipo de ataque.
Mas nos estranhou que depois da reunião que houve no La Moneda e de havermos
nos comprometido diante do país e diante de nós mesmos a chegar a um acordo
sobre esta e outras questões que tiveram em discussão, se tenha realizado, no dia
seguinte, em frente ao Palácio de Governo uma manifestação em que se pedia a
cabeça de Orlando Millas, se atacava ao Partido Comunista e em tal ato haviam
participado setores da Unidade Popular184.
Em março, Volodia Teitelboim cede algumas entrevistas em que reafirma o perigo
de um possível golpe de direita. Em nenhum momento ele colocava em questão o apoio das
Forças Armadas, como se o seu não envolvimento em uma possível ação contra a UP se
resolvesse apenas pelo fato de estarem presentes no governo.
As eleições de março seriam um termômetro para os próximos passos a serem dados
pela direita. Se a UP ganhasse a maioria dos votos, certamente iriam endurecer sua política
em relação ao governo. Para o senador do PC, depois de março o país seguiria seu caminho
e independente de vitória ou derrota, só então se definiria o ritmo das mudanças. Volodia
achava que o povo iria respaldar a UP.
Volodia e Corvalan pediam a todos que votassem bem cedo no dia 4 de março e que
ficassem atentos às provocações da direita. Também estavam apreensivos porque os
principais representantes do PN estavam dizendo que essas eleições eram como um
plebiscito e se a UP não tivesse 51% dos votos, Allende deveria renunciar. Tal entrevista
gerou muito debate, porque isso não estava previsto na constituição e, ao mesmo tempo,
tornava ainda mais claro os objetivos da direita.
Em seis de março, o PC lança nota dizendo da vitória alcançada pela UP em
conquistar 42% dos votos nas eleições. Era algo para se comemorar, porque a oposição, que
tinha uma meta de atingir 2/3 dos votos para o senado com intuito de continuar a estratégia
de utilizar uma acusação constitucional contra Allende para afastá-lo do governo, não
conseguira atingir o estipulado.
A vitória também era comemorada pelo fato da UP, a cada eleição, ter aumentado
sua votação. Parecia se confirmar que a população, em geral, aprovava o governo Allende.
200
Corvalan, em discurso no ato promovido pelas Juventudes Comunistas no dia 7 de
março, dizia que três surpresas haviam sido lançadas contra os inimigos: a primeira foi a
celebração do segundo aniversário da vitória eleitoral da UP, onde se realizaram
gigantescas passeatas por todo país, em especial em Santiago; a segunda foi a resposta do
povo e das forças Armadas aos atos criminais dos donos dos transportes, que pararam suas
atividades e incentivaram greve nas fábricas e indústrias. Os trabalhadores haviam dado,
como resposta, a ida à pé até o seu local de trabalho para que a produção não parasse; a
terceira, os resultados das eleições de março dado que comprovou o aumento de votos da
UP.
Encerrado os números, Corvalan anunciou que a UP havia conquistado 43,39% dos
votos, mas com os sufrágios da União Socialista Popular a esquerda chegava a 43.67% dos
votos e a oposição havia obtido 54,7%.
Muitos pensavam que pela crise do abastecimento e dificuldades pelas quais o país
passava, o governo seria derrotado, apesar do fato da direita ter obtido maioria na votação.
Isso não aconteceu porque, segundo o PC, o povo chileno havia demonstrado
responsabilidade social, patriotismo e consciência. Mais uma vez deixava claro que a classe
trabalhadora era o pilar da revolução e a principal base do governo da UP. Entre os
camponeses houve aumento dos votos no governo, mas a questão mais comentada foi a
marcante vitória dos votos das mulheres.
Dos quatro candidatos da JJCC, que estavam na lista do partido, duas haviam sido
eleitas: Eliana Araníbar e Gladys Marín. E, entre as candidatas mulheres, mais quatro se
elegeram, dando ao PC o posto de partido de esquerda que tinha no parlamento o maior
número de mulheres e jovens da esquerda.
Em entrevista, durante a viagem para realizar esta pesquisa, Eliana Araníbar contou
como foi difícil aquela campanha pela tensão política existente no país. Sua candidatura
apoiou-se muito no trabalho da juventude comunista, a chamada Jota (JJCC) que ao total
tinha 80 mil filiados e contou com o apoio do músico Victor Jara. Eliana conta que teve 52
mil votos sendo a segunda candidata mais votada. “Tive uma excelente votação, era a
primeira vez que me candidatava. Percorremos o país inteiro, incentivada muito pelo
trabalho da juventude. Adorava sempre estar em movimento. Quando soube que o partido
184 CORVALAN,L. Carta al Partido Socialista, 7 de febrero de 1973,p.4187.
201
queria que eu fosse candidata, chorei,chorei porque não queria ser. Mas o partido me
pedia que fosse e precisava como militante ajudá-lo. Então fui. A juventude, em especial a
JJCC ficou muito animada e assim foi a campanha”185
Segundo Corvalan, a cada 100 votos do PC, 42 haviam sido femininos, um
crescimento importante para os comunistas. Outro crescimento importante havia acontecido
nas zonas agrárias, onde a votação do PC havia aumentado 78%, Elegendo 09
representantes. O PC se tornou o partido com maior representação pela UP, no senado.
O PC havia, segundo suas avaliações, aumentado sua votação de 383mil 49 votos,
em 1969, para 477 mil 868 votos, em 1971, e 627 mil 712, em 1973. Para Corvalan, o êxito
eleitoral provava na prática a justeza da linha política não só da UP, mas do PC. Também
não se duvidava mais de que o povo estava apoiando a revolução, o que possibilitava que o
governo aplicasse seu programa e tivesse uma ação mais enérgica contra a direita.
O PC obteve uma vitória importante. Com um crescimento, segundo o Comitê
Central, de 17,1%, ele se manteve sua tradição de aumentar os números de votos nos
últimos 15 anos. Volodia havia obtido, em Santiago, a segunda maioria e a primeira dentro
da UP. Esses resultados davam ao PC a análise de que sua linha política era correta e de sua
importância na condução da revolução. Acreditava-se ainda, que o governo deveria adotar
medidas mais intensas para aplicação do programa e que era indispensável à unidade das
forças populares. Para isso, o PC continuaria a rechaçar a proposta do MIR de “criação de
um poder popular independente do governo”, que só traria divisões entre as forças
populares.
Em abril, Sergio Ovale chamava a atenção da UP para a necessidade de aumentar o
ritmo das mudanças dos rumos do país. Ele pedia maior empenho para que os problemas de
infra-estrutura fossem resolvidos e a centralização do controle dos bens de consumo para
solucionar o problema do desabastecimento e do mercado negro, por meio da Secretaria
Nacional de Distribuição. Era preciso controlar a área de propriedade social e a área
privada no que dizia respeito à produção e a importação. Fazia-se urgente assegurar, a cada
família, o abastecimento mínimo necessário.
185 Entrevista cedida à autora na cidade de Santiago em fevereiro de 2004.
202
Sérgio Ovale também propunha, a criação de secretarias regionais de
comercialização e distribuição em cada uma das províncias do país com a participação da
CUT provincial, JAP, Centros de Madres. As empresas distribuidoras do Estado deveriam
acatar e por em prática os programas elaborados pela secretaria.
O papel dos comunistas, segundo Ovalle, era o de ter conhecimento concreto dos
problemas da economia, produção, financiamento e rentabilidade, elevação da
produtividade do trabalho das principais empresas. Deveriam assumir responsabilidades
políticas quanto ao transporte, ao abastecimento e à aliança com setores médios. Tudo isso
requeria de seus quadros dirigentes e militantes sério esforço para obter esses
conhecimentos, estudar os fenômenos e processos da economia, ter participação ativa em
conjunto com os partidários da UP.
As eleições, segundo ele, haviam confirmado que o PC e o PS eram os pilares
fundamentais do movimento popular e que o entendimento entre esses dois partidos era a
chave para levar adiante a revolução chilena.
Allende se manifestava a favor da realização de um Congresso Nacional do partido
da UP para acertar as divergências internas. O PC, que também era a favor, criticava as
posições de alguns partidos, que acertavam decisões na esfera dos dirigentes, mas que as
cumpriam na base.
Para o PC, até o momento, portanto início de 1973, não havia sido criada uma
direção econômica claramente estruturada e definida. Inúmeros administradores e
interventores de empresas e bancos estatizados atuavam por contra própria, sem prestar
contas da gestão a ninguém. Assim, salários, contratações etc, eram pensados de acordo
com as conveniências dos partidos aos quais se pertencia ou por razões pessoais. Também
critica a forma que o governo havia designado seus representantes nos Conselhos de
Administração das empresas na área social. Muitos deles nunca tinham trabalhado em tais
empresas, mesmo depois de serem nomeados representantes, muitos o faziam de outra
cidade. Nem sequer estavam nos locais de trabalho.
Segundo o PC, a maioria das empresas da área social ou mista não se observava
uma mudança real nas relações de produção. Era preciso rever urgentemente esses
problemas. Propunha que os sindicatos e dirigentes sindicais, em conjunto com os
executivos designados pelo governo, assumissem a direção das indústrias.
203
O PC, para impulsionar a batalha da produção, apresentava 10 pontos que dizia ser
possível acatar de imediato:
1 – Obter organização do trabalho de modo que assegurasse o aproveitamento total das
equipes e matéria prima da qual se dispunha. Existiam fábricas que poderiam estabelecer
até três turnos;
2- Em cada unidade produtiva estatal, mista ou particular não deveria haver nenhuma
inversão adicional para que fosse possível esgotar a capacidade de produção existente. As
inversões deveriam facilitar o uso pleno das equipes de trabalho;
3- Deveria ser estabelecida uma relação cotidiana que, em conjunto, permitisse discutir e
resolver questões para melhorar a produção e tomar novas iniciativas, fruto dessa
convivência;
4- Obrigar os administradores, interventores e chefes de empresas e serviços a considerar
posições que surgissem dos trabalhadores e responder por escrito e, no máximo, em 15
dias, às suas sugestões;
5- Estabelecer contato entre trabalhadores de distintas unidades produtivas com a finalidade
de trocar de experiências e resolução de problemas comuns;
6- Oferecer, em cada unidade produtiva, estímulos morais e materiais em razão das
iniciativas positivas que surgissem;
7- Aproveitar as equipes, matérias primas, iniciativas dos trabalhadores etc, o que resultaria
em aumento da rentabilidade das empresas;
8- Firmar convênios que ligassem produção e produtividade com salários, créditos etc;
9- Outra questão decisiva era o caráter obrigatório do cumprimento das decisões adotadas;
10- Os executivos deveriam prestar contas do seu desempenho, periodicamente aos seus
superiores e, também, para a assembléia dos trabalhadores de suas empresas.
Estas idéias deveriam servir de base para a organização de um estatuto de normas
comuns de administração das empresas da área social e mista.
O PC também propunha a elaboração imediata do plano econômico para 1974 e o
estabelecimento de um plano financeiro para o segundo semestre de 1973. O setor estatal
para o PC, jogava papel decisivo na estruturação da nova economia. Assim, ele dizia:
204
A luta entre o velho e o novo se expressa no terreno da economia como o
fortalecimento do setor estatal e seu predomínio crescente. Isto não supõem a
desaparição do setor privado, sem que, ao contrário, sua manutenção em uma
dependência harmônica e não contraditória com a área social. Os pequenos e
médios produtores têm um papel importante em jogar na batalha da produção
e do desenvolvimento geral da economia. A única forma cientificamente
correta de combinar as relações entre setor estatal e privado, de estabelecer as
proporções adequadas entre os diversos ramos da economia, de assegurar
movimentos financeiros proporcionais as necessidades da produção e sobre
tudo de orientar e definir com precisão as metas e diretrizes para o
desenvolvimento econômico, se encontra na confecção e aplicação de um
plano186.
Reiteravam, neste documento, que a tarefa principal era o aumento da produção
agrícola, mineira e industrial. Sobre a via da revolução chilena, que ela jamais foi
considerada como uma via exclusivamente eleitoral e sim como um caminho de constantes
enfrentamentos, de aguda luta de classes, onde o fundamental era a mobilização, das
massas e a crescente elevação da consciência revolucionária. Entretanto, apresentava a
perspectiva da UP ganhar a maioria do país e dos eleitores.
Este documento também convoca o 15º Congresso Nacional do PC no período de 25
de novembro a 1º de dezembro de 1973, em Santiago, além de informar que, conforme
anúncio em 25 de janeiro, havia sido feito uma revisão dos militantes recrutados para
trabalhar na administração pública ou que se filiaram no PC durante o governo, para que
igualmente participassem da administração. Foram revistos 215 casos. Deles, 5 foram
expulsos, 10 afastados das filas do partido e 4 foram removidos de cargos de
responsabilidade administrativa. Durante o ano de 1972, foram realizadas várias mudanças
em postos de responsabilidade em organismos do governo e nas empresas da área social.
Em entrevista ao jornal Chile Hoy, no mês de abril, Luis Corvalan fala sobre o PC e
o governo. Primeiro, afirma que o PC estava assinalando como obrigações fundamentais de
seus filiados sustentar o governo, aprofundar o processo revolucionário e chegar às eleições
186 CORVALAN LEPEZ,L. Informe al pleno, 29 de marzo de 1973,p.4375.
205
de 1976, elegendo um novo governo popular. Para ele, essas três questões eram
imprescindíveis para realizar a revolução antiimperialista e antioligárquica e construir o
socialismo sem necessidade de enfrentamento armado. Os comunistas, dizia Corvalan, fazia
muitos anos que sustentavam esta tese, e a vitória, em 1970, em conjunto com as
transformações revolucionárias realizadas no Chile, neste período, mais confirmavam a
aplicabilidade e a possibilidade real da via não armada.
Corvalan explicava que era possível ganhar as próximas eleições porque, pelo
estudo que estava fazendo dos resultados eleitorais de março, a UP não só aumentara a sua
votação, mas obtivera 49,7% dos votos de novos inscritos que, em sua maioria, eram jovens
de 15 e 18 anos.
O governo de Allende era visto como o construtor das bases materiais, criando
condições sociais e políticas para a construção do socialismo.
O aprofundamento do processo chileno se daria com uma combinação do uso da lei
com a ação de massas. O novo parlamento ajudaria a UP a obter maioria para aprovar
algumas leis, como a da nacionalização da ITT. Entretanto, afirmava que, para conseguir
êxitos no parlamento, era preciso ganhar a opinião da população sobre alguns assuntos,
como foi feito no caso da nacionalização do cobre, o que ocasionou, no parlamento, a
aprovação por unanimidade do projeto.
Indagado sobre a impressão de que o PC havia descartado a necessidade de
desenvolver organismos de poder popular independente do governo e ficado apenas com a
conquista do Estado burguês, Corvalan nega esta visão. Ele diz que achava salutar a criação
dos comandos “comunales”, dos conselhos campesinos, das JAPs, dos cordões industriais
etc. Para ele, o problema estava quando esses organismos queriam constituir-se sob
orientação de oposição à política do governo e para substituir outras organizações já
historicamente constituídas como a CUT, as Juntas de Vecinos, Centros de Madres etc.
Para ele, as ações dos organismos deveriam estar ligadas aos sindicatos. Por exemplo, os
Cordões Industriais trabalhariam integrados à CUT.
Quanto ao estado burguês, dizia Corvalan ser necessário se ter outro poder
legislativo e outro judicial, porque eles travavam o desenvolvimento social. Mas, para isso,
era preciso uma reforma constitucional que conduzisse à realização de um plebiscito, o que
ocorreria num momento preparado pela UP, porque o embate com a direita não seria fácil.
206
Sobre o PS, apesar de grandes divergências em questões importantes como o limite
da área social, a distribuição e a política de alianças, Corvalan apenas dizia que o diálogo
era a melhor forma para se chegar a um consenso e ressaltava a importância da união entre
comunistas e socialistas.
Em relação ao MIR, ele afirma que era um fator de divisão do movimento popular e
o acusa de utilizar os cordões industriais como organizações paralelas à da CUT. Corvalan
definia o MIR como um setor revolucionário equivocado, com uma política também
equivocada, divisionista e que nada quase favorecia ao povo, porém ajudava os seus
inimigos.
Sobre a reforma ministerial proposta por Allende187 e a saída dos militares do
governo, considerava tudo estar dentro da normalidade de um governo. Segundo Corvalan,
os ajustes nos ministérios visavam melhorar o desempenho do governo. Já, os militares,
esses haviam sido integrados a um ministério, quando houve a crise de outubro, para que
garantissem a ordem e as eleições de março. Finalizado esse processo e com o
fortalecimento do governo nas eleições, Corvalan achava que se poderia voltar à forma
tradicional dos governos, onde alguns altos oficiais das FFAA tinham importantes tarefas
na Administração.
Estou seguro de que as FFAA, formando ou não parte do governo, seguirão
mantendo sua defesa e respeito ao governo legitimamente constituído e por tanto, pensam errado aqueles que acham que a saída dos militares do gabinete deixam as
187 Na crise de outubro, Allende incorporou militares no ministério para enfrentar a crise. Após a eleição de março ele reorganiza a composição dos espaços políticos no governo tirando os militares do então ministério. Em abril de 1973, o governo enfrentou uma ofensiva de massas da direita contrária a reforma universitária apresentada pela UP. Esses atos acabaram tornando-se atos contra toda a política do governo. Os embates ideológicos entre oposição e governo eram cada vez mais violentos, e em muitas vezes tanto a igreja quanto as Forças Armadas (não em sua totalidade) se manifestaram em favor da direita. O Congresso, a Controladoria da República e os vetos presidenciais à matérias constitucionais, causavam discordância entre essas três esferas. Havia um confronto entre o executivo e a Controladoria. No campo, os Cordões Industriais e os Comandos Comunales aumentavam o nível de mobilização em defesa do governo inicialmente, mas também expressou a tensão existente entre esquerda e governo, o que foi chamado na época de pólo revolucionário. Esse pólo levou essas organizações se expressarem contra o poder central, o que não inviabilizou seu caráter autônomo. Em maio, a disputa interna da DC possibilitou dentro desse partido a ascensão do campo direitista, o que só aumentou as polarizações com a UP. A greve da mina de El Teniente também aumentou o desgaste do governo. Em 29 de junho, com o acirramento do clima político, houve uma tentativa de golpe militar conhecida como Tancazo. Uma unidade de Santiago atacou o Ministério da Defesa e cercou o palácio do governo, o general Prats agiu com energia para reprimir e dissolver os rebeldes. Neste momento, os cordões industriais foram importantes na defesa do governo, organizando grandes mobilização de massas.
207
portas abertas para lançarem, um movimento sedicioso como o de outubro. Se tal
coisa ocorrer, encontrarão de novo com uma resposta mais enérgica dos
trabalhadores e do povo, com a adesão das Forças Armadas ao governo do país.188
Em 30 de junho e 1º de julho, são publicados comunicados do PC e do Partido
Federado da UP, condenando o levante encabeçado pelo Coronel Souper, que foi reprimido
com a ajuda do Comandante em Chefe General Prats. Segundo os comunicados, a ação de
pequena parte dos setores militares havia sido estimulada pelo PN e não representava a
maioria da Instituição. Entretanto, alertavam para possíveis tentativas de golpes financiados
pela CIA e arquitetados pela direita.
O povo deveria se organizar e a CUT deveria estar vigilante, fortalecendo os
comitês de proteção das indústrias e os cordões industriais, sob sua direção, com muita
disciplina. Todos deveriam também estar preparados para combaterem em todos os níveis,
inclusive no campo da luta armada. Nesta situação, não desejavam e queriam evitar o
confronto, mas se fosse necessário, diziam que “não restaria nada, nem uma pedra que não
usemos como arma de combate”. Neste caso, era preciso derrotar os reacionários com
energia e rapidez, conclamava Corvalan.
Em agosto, Mario Zamorano convoca o XV Congresso Nacional do PC. A
convocatória dizia que as principais tarefas do conjunto da militância para alcançar a vitória
sobre o imperialismo, para vencer os monopólios e a oligarquia nacional eram: impedir a
guerra civil, ganhar a maioria da população para mudanças revolucionárias, realizar uma
efetiva participação das massas na vida política, aumentar a participação dos trabalhadores
na direção das empresas, obter uma direção econômica única, ganhar a batalha da
produção, e no terreno da cultura e da educação implementar mudanças substanciais etc.
No Congresso anterior, a proposição era de levar adiante o processo de unidade de
todas as forças populares para uma possível conquista do governo popular. Esse objetivo já
estava cumprido: a classe trabalhadora e o povo haviam conquistado um governo popular.
O PC tinha a tarefa e a responsabilidade de contribuir na direção, junto aos outros partidos
da UP.
188 CORVALAN LEPEZ,L. Entrevista,1973,p.4513
208
Neste XV congresso, destacava-se a importância, para o processo revolucionário, de
se ganhar a maioria da população para a causa da libertação e para fazer efetivas
transformações nos trilhos do socialismo. O Congresso deveria se realizar quando o
governo popular completasse três anos de mandato, num clima de enfrentamento com a
direita e com o imperialismo. Entretanto, o PC e o PS unidos com a classe trabalhadora, a
classe camponesa e outros setores podiam ganhar essa batalha. Portanto, o Congresso vivia
um momento ímpar da história chilena e também serviria para ajustar as opiniões políticas
do PC.
Dessa forma, o objetivo do PC era transformar o seu Congresso em uma tribuna do
povo, da classe trabalhadora e das forças patrióticas. Assim, as opiniões, críticas e
sugestões do PC diante do processo vivido no Chile, deveriam ser questões fundamentais a
serem debatidas não só entre os comunistas, mas com toda a sociedade, o que ajudaria no
processo de conscientização dos trabalhadores.
Por esta razão, as assembléias das células deveriam ser abertas, pois o que se queria
era realizar uma discussão pública dos documentos para atingir à meta de um milhão de
participantes do processo partidário. O ato de encerramento estava marcado para o dia
primeiro de dezembro, no Estádio Nacional.
Os debates do congresso deveriam abarcar a questão da batalha da produção com
exemplos e tarefas concretas para melhorar a economia, a discussão de uma reforma
educacional e o fortalecimento do PC em todos os âmbitos, inclusive na sua estruturação.
Em 11 de agosto de 1973, sob um clima de tensão189, o PC e o PS lançam uma
declaração conjunta apoiando o novo gabinete e deixando transparecer a unidade
189 Com ambiente acirrado, agora perceptível no interior das FFAA, a autoridade do general Prats é colocada em discussão, insuflada principalmente pelos setores golpistas e pela direita. Os setores extremistas também atacavam Prats pela Lei de Controle de Armas e pelas invasões militares às fábricas ocupadas. Em 27 de agosto Prats renuncia. Nestes embates políticos, aumentavam as manifestações contra e a favor do governo (neste caso principalmente dos cordões e dos comandos comunales), gerando um alto grau de violência e radicalização. Em julho são computados 140 atentados. As greves contra o governo já deixavam claro, qual era a reivindicação principal: a renúncia do presidente e a intervenção das FFAA. Nas últimas tentativas de conversa com a DC, esta exigia que o governo reconhecesse sua atuação fora da legalidade e a formação de um novo gabinete sem a presença dos representantes dos partidos marxistas. A DC inviabilizaria um acordo. Em 22 de agosto o Parlamento anunciava a ilegalidade do governo, que já não tinha uma boa interlocução com as FFAA desde a saída do general Prats.
209
comunista-socialista, destacando que alguns setores das Forças Armadas havia se rendido
aos golpistas, mas numericamente eram poucos.
Em 16 de agosto, uma nota do Comitê executivo da UP também é publicada para
denunciar as investidas articuladas por Eduardo Frei, então presidente do Senado, contra o
governo. Ele queria que Allende fosse retirado do seu cargo por manobras no parlamento.
Foram denunciam ainda conspirações da DC com o PN, assim como outras
articulações em curso com a finalidade de criar divergências entre governos e militares e de
criticar a greve dos empresários de caminhões. Convoca-se a todos a ficar em Estado de
Alerta.
Dia 27, é publicado o resumo do informe de Luis Corvalan ao pleno do Comitê
Central do PC que se inicia informando o assassinato do comandante Arturo Araya –
capitão de Navio, chefe da Casa Militar, ajudante naval do Presidente da República. Esse
ato é destacado como uma escalada dos planos terroristas que querem derrubar o
governo.Denunciam que muitas pessoas, sindicatos, jornais estavam recebendo cartas com
ameaças de morte com o intuito de criar pânico social.
Nova greve de transporte havia paralisado 14 mil caminhões com pretexto de que
não se tinha cumprido os acordos feitos na greve de outubro, mas todos sabiam, segundo o
PC, que se tratava de uma greve para tentar derrubar o governo. O PC conclamava a todos
para colocarem em prática a experiência de outubro e que assumissem a produção e a
distribuição dos produtos chilenos. Os trabalhadores precisavam se manter unidos e
mobilizados e, para isso, era preciso fortalecer a CUT190.
O presidente informava que estava buscando diálogo com a DC para evitar uma
guerra civil. O PC acreditava ser possível acordos com a DC se houvesse respeito mútuo,
sem renúncia de seus princípios partidários. Tentavam ganhar a DC para a governabilidade.
Entretanto, um acordo não seria nada fácil, até porque o PN também se aproximava da DC
para conversar.
190 A CUT havia chamado (mesmo sem conhecimento do PC, mas posteriormente apoiado por ele e pelo PS) a formação das comissões de defesa das industrias. O objetivo era de defender as fábricas das sabotagens e atos terroristas que aconteciam com intuito de piorar o problema do abastecimento. Chegou a se organizar nessas comissões 10 mil trabalhadores.
210
Por fim, o informe ratifica a validez da linha política do PC e diz que no XV
Congresso ela deveria ser novamente aprovada.
Corvalan levanta a preocupação para com alguns militantes que tinham participado
de ações incompatíveis com a linha política partidária. Ele diz que isso não era fruto de
correntes divergentes, mas de debilidades internas pelo fato do partido ter crescido muito e
não ter organizado suficientemente seus muitos novos filiados, comitês locais, regionais.
Daí, as deficiências na transmissão da linha partidária. Ressalta, pois que era preciso estar
atento para essas dificuldades porque os militantes deveriam atuar sob a mesma orientação.
Por fim, diz que o pleno deveria sair consciente da seriedade do momento e da
capacidade de modificar a situação a favor do processo revolucionário.
Temos ainda a entrevista de Volodia Teitelboim, no dia 11 de setembro, dia do
golpe militar, para um jornal italiano. Ele inicia a entrevista dizendo que a experiência
chilena deveria ser estudada em sua totalidade, porque foi a primeira vez que foi realizada
uma experiência como a da UP, que propunha o caminho socialista sem revolução armada.
Era preciso extrair lições principalmente teóricas, mas, acima de tudo, acreditava-se que a
experiência chilena confirmava as “verdades” conhecidas do marxismo, entretanto, de um
modo por ele caracterizado como dramático. A linha partidária demonstrava que o campo
reacionário, que se dizia “democrático”, “libertário” e “respeitoso aos direitos humanos”,
não aceitava que o povo pudesse se aproximar do socialismo pela via das eleições, da
democracia, aproveitando o que as instituições democráticas pudessem lhe oferecer.
Volodia diz que não acreditava que o inimigo de classe pudesse aceitar a
legitimidade constitucional representada pelo movimento popular, mas, por outro lado, a
direita trabalhou com o crime, com complôs e com o imperialismo. Por fim, atacavam a
igreja, o Cardeal Raul Silva Henríquez, que havia feito inúmeros pedidos para que se
abrisse um canal de conversação entre o governo e os partidos políticos chilenos de centro e
de direita.
Volodia dizia que, para quem não estava participando do processo, era difícil
imaginar a atmosfera de terrorismo promovida pela direita para tornar insustentável a vida
dos chilenos. Porém, o povo chileno não queria guerra civil, nem golpe de estado, dizia
Volodia. Exemplificava isso com a marcha do dia 4 de setembro, a maior realizada em
211
frente ao palácio La Moneda. Esse apoio, para ele, é resultado da política da UP, da
implantação de um programa que tornou o Chile um país livre dos Estados Unidos e que
dava prova de seus grandes avanços internos.
Hoje o cobre, o salitre, o ferro, tudo o que estava em mãos americanas tem
terminado por estarem em mãos do povo chileno. Para o imperialismo é um golpe
grave, um precedente muito preocupante. A nacionalização tem sido feita
constitucionalmente, segundo o principio de recuperar as ganâncias excessivas
realizadas pelas companhias estrangeiras que não têm obtido um centavo. O
imperialismo está preocupado porque pensa no petróleo da Venezuela, em todas
suas possessões na América Central e do Sul, na África, Ásia e em vários países da
Europa. De verdade, é um mal precedente. Um representante norte-americano tem
dito faz pouco, que ele estaria contemplado em receber um só dólar porque com
isso estaria salvo o princípio da indenização191.
Volodia dizia que houve erros e insuficiências. Os erros, que poderiam ter sido
evitados, não haviam sido cometidos pelos comunistas ou pela UP e, sim, por ações de
gente estranha ao povo, com concepções subjetivistas e voluntaristas, que aboliram as leis
da economia política, que ignoravam a tática, que desconheciam as etapas da revolução.
Em geral, o país havia mudado muito, principalmente sua economia. Porém a
estrutura política e o poder judicial não haviam mudado, o que, na avaliação de Volodia,
dificultava as ações do governo, apesar da UP controlar o instrumento constitucional mais
forte que era o poder executivo.
Volodia dizia ser esta a última chance de uma ofensiva das forças reacionárias, que
já havia tornado público o fim da esperança em recuperar o governo por meio das eleições,
mas achava que, naquele momento, era preciso o governo ser muito amplo e continuar
tentando conversar com todos os partidos para tentar impedir a guerra civil, e, diga-se,
todos estavam cientes da importância da DC quanto a isso. Acreditava-se que as Forças
Armadas sofriam influências e pressão por parte da direita e por setores da igreja, mas
também acreditava-se que a grande maioria do exército era fiel ao sentido de sua missão
constitucional, obedecendo ao poder civil.
191 TEITELBOIM,V. Entrevista a L´Unaitá, 11 de septiembre de 1973,p.5030.
212
Ele dizia que acreditava na resposta popular, na mobilização e na resistência, pois
pensava-se que o movimento reacionário estava declinando e que se preciso o fosse o povo
defenderia o poder com sua vida.
O povo enfrenta a ofensiva reacionária, não respondendo segundo o princípio do
‘olho por olho e dente por dente’, o qual significaria aceitar o desencadeamento da
guerra civil, sem manter-se no quadro de uma tática própria. Hoje todo o povo se
mobiliza para manter o país em movimento. Frente a greve da burguesia, não se
tem paralisado nem uma só fábrica, nem um só camponês tem deixado de
trabalhar. Diante da união dos proprietários de caminhões outros caminhoneiros
têm organizado seu próprio movimento para trabalhar; jovens voluntários,
estudantes que têm renunciado à suas férias, trabalham em todas as partes sem
pausa. Nos hospitais, 100% das enfermeiras e muitos médicos têm trabalhado.
Inclusive dois ou três turnos seguidos. Agora o movimento reacionário está
declinando, mas é necessário atuar com uma perspectiva mais ampla...192
O último documento que temos da Comissão Política do PC é uma declaração
publicada e lida pela Rádio Magallanes, na manhã do dia 11 de setembro.
O documento fazia um chamado aos trabalhadores da cidade e do campo, ao povo
chileno e às forças democráticas, com o fim de que cada um tomasse o seu posto de
combate para derrotar os golpistas.
O PC criticava duramente a DC, que havia declarado no dia 26 de julho, ser
necessário achar uma solução pacífica. Entretanto, ela aparecia ao lado dos golpistas, no dia
11 de setembro, pedindo a renúncia de Allende e seus parlamentares.
O Partido Comunista expressava ali que ainda achava possível uma saída
democrática, aceitando, inclusive realizar um plebiscito para que o povo pudesse escolher
os rumos do país. Dizia ainda que a mobilização das massas deveria acontecer todos os
dias, de modo a não paralisar o país. Pedia reforço das atividades nos sindicatos industriais,
profissionais, nos cordões industriais, nos comandos comunales, nas JAPs, nas Frentes
Patrióticas, em torno dos serviços para garantir a produção e a distribuição. Conclamava
192 TEITELBOIM, V. Entrevista a L´Unita, 11 de septiembre de1973,p.5034.
213
ainda o povo a se mobilizar dia 15,16 e 17, além de acompanhar o presidente nas festas
pátrias.
Às 10:25 h, a transmissão da rádio foi interrompida.
214
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Salvador Allende venceu as eleições em 1970, apoiado em uma coalizão de partidos
políticos, com um projeto de tornar o Chile um país socialista, através da institucionalidade,
sem revolução armada, e por isso denominada de “via chilena ao socialismo”.
A discussão sobre o projeto da “via chilena” foi iniciada muito anteriormente à
eleição de 1970. Trata-se de um processo historicamente formulado, sendo que, nesta
pesquisa, procuramos desenvolver essa formulação dentro da perspectiva do Partido
Comunista Chileno.
O PC fazia a análise de que o país era extremamente dependente do imperialismo
norte-americano, submetido por mais de quatro séculos à exploração, com sistema agrário
precário, baseado no latifúndio, mas com alto nível de organização sindical. Apontava
como uma característica importante que possuía, o forte traço de respeito à
institucionalidade, democracia, e à mobilização popular. Ressaltavam que o Estado
Chileno, até 1970, tinha como referencial a democracia burguesa. Havia um
desenvolvimento das liberdades democráticas, os partidos de esquerda tinham
representações nos municípios e no parlamento, havia um processo de conquistas
progressistas na legislação e o sistema eleitoral era proporcional. Para o PC, era possível
desdobrar ao máximo as potencialidades democráticas e progressistas do sistema político,
desde que apoiada em uma ampla política de alianças.
A coalizão de partidos políticos, que compunha a UP, era sem dúvida mais ampla
do que a que concorreu às eleições pela FRAP, entretanto, diante do resultado eleitoral de
1970, já era visto que ela não garantiria a maioria. Pelo contrário, consolidou-se uma
maioria relativa e precária que não se resolvia apenas pela vitória eleitoral de Allende. As
dificuldades seriam grandes e os partidos da UP já tinham consciência disso. Então, tanto o
PC, quanto Allende tinham a convicção de que o governo teria de ser amplo suficiente para
trazer novos aliados políticos, mas ao mesmo tempo não poderia deixar de lado a
radicalidade do programa da UP.
O PC, apesar de na retórica contestar a incorporação das orientações das IC sem
levar em consideração a análise da realidade chilena, absorveu suas orientações como por
215
exemplo, a Frente Única Proletária, Frente Popular, Aliança Democrática, a Frente de
Libertação Nacional, etc.
Mas, foi a partir da aprovação das teses da Frente Popular, no VII Congresso da III
Internacional Comunista que, segundo o historiador Luís Marquéz193, o PC, a partir de
1933, adota a tese de que a revolução chilena teria um caráter democrático burguês e não
seria imediatamente socialista. O PC adotou, então, uma concepção gradualista para a
passagem para o socialismo. Essa visão gradualista, por muitos foi chamada também de
etapista, modificou a política partidária, onde, agora, o socialismo poderia tornar algo mais
próximo e concreto a partir de alianças mais amplas, inclusive com setores da burguesia.
Já com a III IC fechada e a partir da orientação da Frente de Libertação Nacional, a
política partidária do PC vai se mostrando preocupada em consolidar um projeto político
mais amplo, com alianças partidárias que refletissem esse novo momento de pós-guerra e
doutrina Truman, porém sob um núcleo de direção prioritário que tivesse, no centro, os
partidos de orientação marxista: leia-se PC e PS. Essa análise é feita sob a reflexão do
sentido e da trajetória da aliança realizada com o Partido Radical, sendo esse o núcleo
principal da coalizão na experiência de 1938 com a Frente Popular e, em 1942, com a
Aliança Democrática, período em que o PC é até colocado na ilegalidade.
Em 1956, no XX Congresso do PCURSS, foi apresentado o relatório contra Stalin,
o princípio da coexistência pacífica e aberta a possibilidade da transição ao socialismo
naquele país ocorrer pela via não armada. O PC chileno, que também neste ano colocou em
evidência a possibilidade de uma revolução sem armas, buscou enriquecer, consolidar e
fundamentar no marxismo-leninismo essa possibilidade para o seu país.
Assim, os anos 50 foram marcados, no Chile, pela discussão acerca da possibilidade
do acesso ao poder das camadas populares com vistas ao socialismo, sem a utilização de
armas. Este debate se intensificou na década de sessenta e setenta.
Luís Corvalán194 defende que os eixos norteadores da via não armada já vinham
sendo trilhados desde a década dos anos 30, com a experiência da Frente Popular. O
historiador Luís Márquez aponta que, desde 1935, o PC “havia atuado segundo uma via
pacífica que foi sugerida com maior ênfase no seu X Congresso, em 1956. Dessa forma,
193CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit.,p. 44. 194CORVALAN LEPEZ, L., op.cit., p. 122.
216
considerou-se que a tarefa de fazer mudanças de fundo no país supunha aperfeiçoar as
instituições do Estado no seu sentido democratizador, a fim de poder ser um instrumento
nas mãos do povo, ou seja, ser expressão dos interesses populares e não das classes
dominantes”.195
Ainda segundo Márquez, posteriormente Allende chamaria esta opção de “via
chilena ao socialismo” e a agregaria a uma série de outros elementos. O PC viu sua
elaboração, mesmo que sob balizas teóricas e práticas diferentes, respaldada a partir do XX
Congresso do PCURSS e converteu tal orientação em sua política oficial. Márquez destaca
ainda, que a FRAP foi a materialização da política do PC, demonstrando que a via eleitoral
era um caminho possível. A partir daí, o PC passa a qualificar sua política não mais como
Frente de Libertação Nacional, mas passa a falar de uma revolução antiimperialista,
antifeudal, antioligarquica e de perspectiva socialista. Nas conferências de 1957 e 1960, o
Movimento Comunista Internacional havia definido os monopólios como o grande inimigo
e, a necessidade de articular a luta contra as oligarquias locais, vinculando a defesa da paz
com a coexistência pacífica196. O PC, mais uma vez, assumiu as posições do MCI,
desenvolvendo-as para a realidade chilena.
As justificativas, nos clássicos marxistas, segundo o PC chileno, estavam
fundamentadas nos escritos de Marx (1872) quando ele dizia que não seria necessariamente
pelos meios idênticos que iria se dar à conquista do poder político para construir o
socialismo porém, nas Teses de Abril, escrita por Lênin, em 1917, quando “estimou
possível que a revolução socialista se realizara na Rússia através de um caminho pacífico
mediante a conquista da maioria dos soviets.”197
A partir dessa reflexão, Corvalan ainda afirma que os planejamentos sobre a via
chilena foram se desenvolvendo a cada dia e o que se tornava central era afirmar, no
cotidiano, que a unidade e a luta da classe trabalhadora, a mobilização das amplas massas
populares, o combate dos interesses e direitos do povo e a aliança entre as forças
democráticas eram imprescindíveis para a transformação de um Chile socialista.
Essas discussões e teorização acabaram por culminar no programa do PC, de 1969,
que julgo ser o mais importante documento de um partido. O programa é a expressão da
195CORVALAN MARQUEZ, L.op.cit., p. 47. 196 Ibid.,p. 48. 197CORVALAN LEPEZ, L.op.cit.,, p. 126.
217
política partidária. Ali se encontra-se o extrato de uma discussão teórica sobre a realidade
chilena, sem falar nos referenciais estratégicos e táticos que conduzirão os rumos da
atuação do partido.
O programa propunha democratizar o Estado, ganhar o governo, e a partir daí,
realizar mudanças antiimperialistas e antioligárquicas, para mudar a correlação de forças e
avançar para o socialismo. Propunha para tal, a aliança entre camponeses, proletariado,
classe média, pequena burguesia e outros setores burgueses que tinham seus interesses
contrários à oligarquia e ao imperialismo.
O programa reafirma a linha estratégica vigente na política do partido, entretanto,
propõe uma nova redação e atualização frente ao “amadurecimento ideológico e político do
partido que permitem fazer formulações mais acertadas e científicas”. Ressalta ainda que a
“saída revolucionária” não estaria obrigatoriamente associada à uma via determinada.
Assim, o programa reafirma o caráter antiimperialista e antioligárquico da revolução
chilena, e analisa que a situação internacional estava propícia para tal batalha, pelo fato de
existir um sistema socialista mundial, uma classe trabalhadora internacional e um
movimento de libertação nacional. Nele, é explicitado ainda que um governo popular, se
conquistado, abriria o caminho para a construção do socialismo.
Para o PC, a possibilidade de chegar ao poder era algo real desde que fosse a partir
da união da maioria do país, ou seja, das vítimas do regime capitalista. O governo popular
possibilitaria realizar transformações que mudariam as relações de produção,
desenvolvendo o setor estatal e cooperativo e, assim, tornando possível a mudança para a
primeira etapa da fase da transição socialista.
O PC deixa claro que, ao contrário dos reformistas, sabia do papel dirigente da
revolução, por parte da classe trabalhadora e do Partido Comunista. Repudia também,
qualquer argumento que demonstrasse a possibilidade de conciliação entre as classes,
justamente pelo Chile se encontrar em uma aguda luta de classes. Entretanto, o PC,
propunha uma coalizão com setores da pequena burguesia (PR e parte da DC), mas dizia
que isso seria para consolidar um campo progressista que também queria realizar mudanças
estruturais no país. Todavia, para ele, isso não poderia significar ou se traduzir em acordos
que se colocasse em perspectiva a não implementação do processo revolucionário. Para o
PC, o “motor da revolução” era justamente a opressão de classe canalizada na luta e
218
reivindicações dos trabalhadores. Entretanto, durante o governo e a partir dos documentos
do PC, de 1970 a 1973, nota-se uma forte tendência de conciliação, principalmente com a
DC.
O programa demonstra também, que o PC entendia que, naquele momento, a via
para a revolução se determinaria em conformidade com a situação histórica, mas deveria
sempre se basear nas atividades de massas.
Assim, nos parece claro que o PC entendia o governo popular, enquanto constituinte
de sua tática para chegar ao socialismo, não descartando inclusive, num segundo momento,
o estabelecimento da ditadura do proletariado. Para o PC, o pluralismo e o
pluripartidarismo eram importantes para essa primeira fase de acumulação de forças e
também para a transformação da economia, dependente do imperialismo, para uma
nacional conduzida pelos trabalhadores.
Segundo o cientista político Genaro Arraigada198, a polêmica do teor da “Revolução
Chilena” e a instalação da ditadura do proletariado eram, sem dúvida, a principal e talvez a
mais importante divergência entre Allende e o PC. Em sua primeira mensagem
presidencial, Allende deixava claro que a via escolhida pelo Chile, ou seja, a via não
armada já era a construção do socialismo, respeitando o pluralismo, a democracia e a
maioria.
Na Rússia... ali se aceitou e se edificou uma das formas de construção da
sociedade socialista que é a ditadura do proletariado... Como a Rússia
então, o Chile se encontra diante da necessidade de iniciar uma maneira
nova de construir a sociedade socialista: a via revolucionária nossa, a via
pluralista, antecipada pelos clássicos do marxismo, mas jamais antes
concretizada”...199
O PC discordava dessa visão de Allende e argumentava que haviam certas “leis
científicas” na passagem para o socialismo que não se poderia evitar, e uma delas era a
ditadura do proletariado. Entretanto, Corvalán não faz referência em seus discurso, durante
198 ARRAIGADA, G. La Crisis de la Unidad Popular y la República de 1925. IN: Unidad Popular 30 anos despues.Santiago de Chile:Lom,2003, p. 138. 199 QUIROGA, P.(org.).,op.cit., p. 78.
219
a sua atuação, desde 1956, e no próprio programa de 1969, na forma como seria
estabelecida a ditadura do proletariado. Pelo contrário, também reafirmava a necessidade
do pluralismo e do pluripartidarismo pelo menos inicialmente.
Jorge Arrate200 apresenta que, apesar do PC ser naquele momento “uma grande
força, sólida, organizada, disciplinada, que tinha políticas claramente definidas e
largamente sustentadas e compartilhadas por todos os seus integrantes”, era prisioneiro de
um escolaticismo teórico de uma forte adesão a esquemas teóricos construídos nos debates
do MCI e por isso, nunca teve disposição de aceitar as teses de Allende de que o socialismo
poderia se construir sem a ditadura do proletariado.
O historiador Marquez201 pontua que as diferenças entre radicalizados e membros
do PS e moderados membros do PC geralmente são analisados enquanto meros
desencontros táticos, entretanto no fundo havia uma discordância nos projetos para
engendrar a revolução chilena.
O XXII Congresso do OS, em Chillán, no ano de 1967, conclamou a radicalização
da linha política desse partido, onde o PS se definiu enquanto um partido marxista-
leninista, assumindo a luta armada. Dizia ainda que se aproximava uma grande crise
nacional que iria acabar com o “equilíbrio instável de muitos anos” e a “coexistência entre
classes”, defendendo, assim, que havia viabilidade para a adoção da luta guerrilheira, tendo
Cuba como exemplo, como um processo continental único.
Todas essas formulações e, principalmente a adoção da tática de guerrilha,
chocavam frontalmente com a política pregada pelo PC, que seria ratificada pelo congresso
de 1969.
Ainda na reflexão de Marquez, enquanto o PS conclamava os trabalhadores a
renunciar à ilusão da legalidade vigente, o PC os chamava para aprofundar os elementos
democráticos e ganhar posições no interior das instituições.
O PS também não comungava com a visão etapista ou de transição ao socialismo,
portanto, não achava que haveria de se constituir uma fase à parte e prévia para o
desenvolvimento da revolução. Discordava, por isso, da inclusão de setores burgueses nas
alianças sociais e políticas, defendo a constituição de uma Frente de Trabalhadores.
200 ARRATE, J. Protagonistas y Encrucijadas de la Unidad Popular. IN: Unidad Popular 30 años despues. Santiago de Chile:Lom,2003,p. 146. 201CORVALAN MARQUEZ, L., op.cit., pp .51-53.
220
Diante dessas profundas contradições acerca do projeto para a revolução chilena, o
PS realizou, em junho de 1969, uma importante reunião do CC, quando houve o debate da
posição do partido frente às eleições que viriam. Salvador Allende assumiu a defesa de uma
ampla aliança popular e Carlos Altamirano defendeu uma aliança de tipo Frente de
Trabalhadores, que excluía setores da burguesia e da pequena burguesia. O pleno do PS
concluiu-se pela linha radicalizada do partido, aprovando a necessidade de se estabelecer
um poder popular revolucionário, que iniciaria a construção socialista no Chile e se
apresentaria para as eleições de 1970.
O PC, então, no seu Congresso de 1969, propõe uma aliança ampla, mas tendo
como centro comunistas e socialistas e, tentando trazer para um bloco político os
socialistas, já com apoio de Allende. O PC chamava a “Unidade Popular para conquistar
um Governo Popular”.
Segundo Aggio202, o PS havia tirado, em sua linha partidária, o caráter da aliança
que deveria sustentar a candidatura de 1970: com características rupturistas e de
compromisso com a luta revolucionária. Entretanto, o PS indicou Allende como seu
candidato.203
Toda essa trajetória identifica como o projeto da UP já se iniciara dividida, desde a
teorização do processo revolucionário e seu desenvolvimento, até a escolha do nome a
candidato à presidência, pois a votação interna do PS já demonstrava a falta de unidade
dentro do partido político de Salvador Allende.
Todas essas questões nos remetem a apresentar as discussões analisadas por
Márquez, em que era visível o predomínio da concepção do PC no que diz respeito ao tipo
de aliança que se constitiu e também em boa parte do conteúdo programático do governo.
Segundo Marquéz, em pelo menos três pontos importantes se deu essa
incorporação: a) a caracterização da revolução, em que ficou refletido o tipo de mudanças
propostas – antiimperialista, antimonopolista e agrário – pelas quais propunham a
nacionalização das riquezas básicas do país, alvo da expropriação dos grandes monopólios,
formando uma Área de Propriedade Social, onde coexistiriam áreas mista e privada e ainda
202 AGGIO,A., op.cit.,pp.105-106. 203 Allende disputou com o secretário geral do PS a indicação interna para Presidência da República. Allende obteve 31 dos 34 votos regionais. Rodrigues retirou seu nome para ratificação da direção sobrando apenas o
221
a proposta de acabar com os latifúndios. Outras questões que permeavam essas discussões,
como, por exemplo, a integração das organizações populares em toda a esfera do Estado, já
era consenso entre a esquerda. Assim, o programa não apresentava as transformações
estruturais com os seus objetivos socialistas, como também se limitava à concepção dos
socialistas. Mas, adequava-se à estratégia de etapas, como no programa comunista. b) o
programa defendia os interesses do capital monopolista expressado pelos pequenos e
médios empresários, comerciante, apresentando, dessa forma, a importância do pluralismo
ideológico e do pluripartidarismo, deixando explícito o caráter de Unidade Popular e não de
Frente de Trabalhadores como pregava o PS; c) outro ponto importante, estava no caráter
pacífico das mudanças, da via eleitoral institucional e da legalidade. Tratava-se de uma
visão que “não possuía o conceito de ruptura revolucionária”, apresentando distinção com a
via insurrecional, vinculada à revolução armada, postulada pelo PS.
Muitas questões levantadas pelo OS, principalmente aquelas que Allende defendia
também foram incorporadas como, por exemplo, a construção de um novo Estado e o
processo de iniciação do socialismo. Entretanto, parece claro que houve uma
preponderância das concepções do PC. Assim, tanto as concepções do PC, como as de
Allende, acabaram por prevalecer, em determinados momentos, na formulação do projeto
da UP e, mais tarde, no próprio governo.
Durante o governo Allende, o PC teve uma postura, de acordo com seus
documentos. Às vezes, conciliadora principalmente, no período de crise em relação à
Democracia Cristã. A radicalidade política aconteceu mais em relação ao MIR por este ser
um crítico à via chilena e à política do PC e estar identificado com a esquerda política
chilena.
O enfoque que se dava ao papel dos trabalhadores era consonante com o programa
de 69 que os via como grandes protagonistas da revolução chilena. Portanto, como na
política do PC as transformações econômicas eram fundamentais para consolidar o projeto
de transição e para se estabelecer uma sociedade socialista, pois eram os trabalhadores é
que estariam à frente da produção, nada mais previsível que o PC clamasse pela
participação popular e pela organização dos trabalhadores.
nome de Salvador Allende. Em uma votação que demonstrou a divisão interna dos dirigentes do PS Allende obteve 12 votos a favor contra 13 abstenções.
222
Entretanto, o discurso da campanha não vinculava os sindicatos de trabalhadores,
em especial a CUT, e nem buscava a participação de sindicalistas, nas esferas
governamentais, o que não se traduziu após os primeiros meses de mandato, já que algumas
lideranças da CUT passaram a fazer parte do governo.
Logo após a vitória de Allende, o próprio presidente do PC, Luís Corvalan, credita à
CUT a responsabilidade de apoiar a política econômica do governo. Ela também teria o
papel de organizar a mobilização dos trabalhadores para ajudar na implementação do
programa da UP.
Mas, nestes documentos analisados, o principal ponto debatido e apresentado era
sobre os rumos da política econômica, entendida na política do PC como fundamental e
estratégico para abrir caminho ao socialismo. A base de toda formulação do partido era de
que somente com o desenvolvimento do setor estatal e coorporativo haveria possibilidade
de transposição da primeira fase rumo ao socialismo, pois que esse entendido enquanto um
processo contínuo e único.
Talvez isso explique porque, na composição dos ministérios204, o PC tenha desde o
início ficado com o Ministério da Fazenda, inicialmente composto por Américo Zorilla e,
posteriormente, na nova formação em 1972, com Orlando Millas. O Ministério da
Economia era composto inicialmente por Pedro Vuscovic, que era independente, e em
1972, por Fernando Flores do MAPU.
O PC via na viabilização da economia e na mobilização popular, os dois processos
fundamentais para a condução do Chile ao socialismo pela via não-armada. Por isso,
destacava em muitos documentos que a ação principal do governo deveria ser a
concretização da nacionalização do cobre, dos bancos, a estatização das empresas
monopólicas e a transformação profunda e acelerada no campo e a passagem das direções
da APS para as mãos dos trabalhadores.
Entretanto, a política econômica conduzida por Millas havia sofrido várias críticas
por parte dos dirigentes sindicais do partido comunista, em especial de Luis Figueroa,
presidente da CUT. O papel dos Conselhos dos Trabalhadores foi alvo de divergências
internas no PC. Figueroa defendia a autonomia desses conselhos frente ao governo. Os
204 O PC em 1970 ainda compunha o Gabinete do Trabalho e Previdência social com José Oyarce; Pascual Barras em Obas Públicas. Em 1972 além da Fazenda, o PC compunha o Trabalho com Luís Figueroa e Sérgio Insunza na Justiça.
223
conselhos deveriam ser coordenadores e os impulsionadores das iniciativas de massa, sem
se submeter à dependência do governo, para, assim, o seu papel não ficar limitado pelas
regras do jogo imposto pela burguesia. Os conselhos trabalhistas seriam a consolidação de
uma nova fase de luta de classes, mais radicalizada e com o objetivo de instalar um novo
poder. Orlando Millas foi contrário a essa questão e passou a ser considerado pelos
sindicalistas como defensor de uma linha direitista hegemônica.205
As eleições municipais e complementares também tiveram destaque por parte dos
informes do PC, por entender que se fazia necessário a conquista gradual da
institucionalidade burguesa. O parlamento deveria estar cada vez mais sob a direção do
campo político da UP para garantir o avanço da aplicação do programa do governo.
Também fica muito nítida a preocupação para com a estruturação partidária, ou seja,
dever-se-ia aproveitar o governo popular para enraizar o PC nos setores em que sua
participação era débil, como no caso da atuação no campo, e fortalecer por meio de células
partidárias, principalmente entre os trabalhadores das empresas nacionalizadas.
Essa preocupação era proveniente da necessidade de fortalecer a opinião do PC
entre os sustentadores e apoiadores da política da UP e, estrategicamente pensando, seriam
eles que, de acordo com a política desenvolvida para a revolução chilena pelo PC, seriam
os protagonistas de todo o processo. O PC queria se ver fortalecido e ampliando o número
dos seus militantes para, mais à frente, dar sustentação ao seu projeto de revolução.
Os documentos destacavam a necessidade de aproximação com o campo socialista,
esperando inclusive muito apoio dele para o processo chileno. Aliás, para justificar a via
chilena sem armas, era apresentado como primordial o apoio material e político dos países
socialistas, pois que se acreditava que este apoio era importante e propício à condução da
via pacífica.
Em 1972, há o reconhecimento público, frente ao resultado eleitoral de abril, de que
os partidos da UP não estavam conseguindo corrigir os desacertos do governo. Fica claro o
receio em relação à algumas posturas de vários partidos políticos, posturas denominadas
pelo PC de ultraesquerdistas, por discordarem da política posta aos trabalhadores nos
comitês e da chamada “batalha de produção”.
205CASTELLS, M., op.cit., p. 433.
224
Essa crítica vai atingir seu ápice depois da aprovação do documento de Concepcíon
onde as antigas discordâncias de projeto vão tornar-se mais que públicas. Essas
discordâncias se tornarão propostas mais radicais, que o governo deveria assumir.
O episódio de Concepción estava demonstrando que o projeto, desde o início, não
era único e muito menos tinha o apoio por completo do PS. Parte da direção dos partidos
que compunham a UP criticaram a postura de dirigentes e militantes. Agora, já não se tinha
dúvidas das profundas divergências que acabaram por paralisar o governo da UP. Retomar
a direção política do governo seria uma operação muito difícil e delicada para não expor
ainda mais o governo.
Neste sentido, para o PC, a ultra-esquerda, leia-se MIR, e a direita souberam
explorar as debilidades teóricas e práticas do governo e dos partidos que o compunham.
A crise de outubro de 1972 foi um reflexo dessas questões, ou seja, da crise política
em consonância com a crise econômica e exigiu da UP um plano próprio para superar
aquele processo. Ela demonstrou um alto teor de disposição dos trabalhadores que, mesmo
sem transporte, organizaram-se para chegarem aos locais de trabalho e darem continuidade
à produção para amenizar o problema do desabastecimento. Esse fato inclusive gerou
novamente divergências entre a esquerda e internamente no PC. Para muitos, a resposta dos
trabalhadores, em 1972, já demonstrava a possibilidade de se estabelecer atuações mais
radicais e, inclusive, preparar uma resistência armada.
O PS, MIR, e o próprio MAPU já colocavam que a ditadura do proletariado e a
destruição do estado burguês estavam na ordem do dia e era preciso, de imediato, o início
das reformas socialistas. O informe político do MAPU dizia, em 1972, que o que estava
posto naquele momento era que “não avançar não significava tão só ficar onde estavam,
mas significava retroceder” e que somente avançando seria consolidada a vitória. Havia
uma pressão, inclusive dos trabalhadores a partir dos Cordões Industriais, que foi muito
atacado pelo PC, por achar que se tratava de um paralelismo sindical. Esses Cordões
tiveram uma dimensão importante na mobilização dos trabalhadores, que queriam tomar
logo a direção das fábricas.
Tanto para o PC, quanto para Allende, não cabia ao Chile, naquele momento a
radicalidade proposta por esses segmentos, chegando a dizer, em documentos de 1972, que
a tese da inevitabilidade do enfrentamento armado era reacionário. Tratar a greve geral
225
como instrumento capaz de derrotar o plano golpista da direita era no mínimo
desconsiderar a política implementada pelos norte-americanos para a América Latina.
Também fica claro aqui que a retórica da possibilidade de utilizar a via armada era apenas
mais um elemento do discurso do PC, que nunca se viabilizou na prática. Também torna-se
claro o caráter pragmático e conciliador desse partido.
Em 1973, diante da crise, o PC teorizava sobre o processo de transição ao
socialismo, apresentando como uma primeira etapa já conquistada o fato de ter ganho as
eleições de 1970, e que se chegaria à conquista do poder total pela classe trabalhadora em
aliança com camponeses e com a classe média. Uma segunda etapa começaria com a
conquista do poder e duraria até a transformação do modo de produção capitalista para o
socialista.
Como em sua avaliação o governo de Allende não conseguiria cumprir (apesar de
estar em andamento) a primeira etapa do processo revolucionário, o PC via a necessidade
de, nas próximas eleições presidenciais, ganhar novamente para continuar o processo de
mudança.
Mesmo com o acirramento político, as divergências entre PC e PS tornam-se cada
vez mais públicas, assim como os embates com o MIR, com a DC e com o PN. Nos últimos
momentos do governo, toda discussão partidária vai no sentido de denunciar o campo
reacionário e o golpe que a direita queria dar. O PC ainda achava possível evitá-lo,
conversando com todos os partidos, principalmente com a DC e acreditando que as FFAA,
em seu conjunto, não iriam romper com sua “missão constitucional”. Seu traço conciliador
só iria sendo reforçado, enquanto muitos trabalhadores organizados nas fábricas pediam
logo a resistência armada, principalmente nos criticados Cordões Industriais. No último
momento, pedia reforço do movimento de massas e achava possível uma saída democrática.
As insuficiências da UP são apresentadas pelo sociólogo e dirigente comunista
Oscar Azócar206, mas, em grande parte, elas são vistas também como deficiências da
formulação do PC. Azócar inicia sua avaliação, citando a crença no fato dos cidadãos
chilenos acharem que as classes dominantes e o imperialismo não iriam recorrer à violência
para se contrapor àqueles que questionavam o seu poder. Entretanto, essa crença pertencia
206 AZÓCAR, Oscar. La transformacion del Estado. La Unidad Popular, el Estado y el Poder Popular.IN:A 30 Años de la Unidad Popular:El imperativo de la Memória.Santiago de Chile:ICAL,2000.
226
principalmente a Allende e ao PC, porque os outros partidos de esquerda, incluindo o PS, já
alertavam para o perigo que se aproximava.
Assim, a substituição do Estado burguês por um novo Estado democrático não era
um problema a posteriori. Era preciso enfrentar a burguesia com um poder alternativo a
partir do qual se fazia possível a destruição deste Estado. A fonte de poder alternativo
estava na iniciativa revolucionária direta das massas.
Para o sociólogo, a UP foi vítima do mito das particularidades da situação do Chile,
atribuindo ao sistema institucional ilimitadas potencialidades e às FFAA um corpo
profissional que não estava na disputa pelo poder. Essa formulação é, então, a negação do
princípio básico da via chilena por parte do PC e do próprio Allende. Ozcar chega a dizer
que era até ingenuidade achar que o enfrentamento seria possível de se evitar por vontade,
inclusive do inimigo.
Ele reconhece que faltava uma estratégia e um método para o avanço da conquista
do poder. A instalação do governo não resolveu os obstáculos que o Estado burguês
utilizou durante o processo. A estrutura burocrática, o aparato repressivo e a legislação
vigente não foram utilizados para reprimir e combater os atos de sabotagem ao governo da
UP. Em tempo, diz-se que a verdadeira peculiaridade do processo chileno não consistia em
validar a teoria marxista do Estado, sem criar alternativa popular.
Os Comitês da UP (CUP) surgiram durante a campanha eleitoral, segundo ele, como
gérmen do poder popular. Entretanto, deixaram de existir durante o governo pela falta de
vontade dos partidos desenvolvê-los. O poder popular era pensado como a mobilização
revolucionária do povo, que era capaz de articular-se e não se restringir apenas à
participação de decisões setoriais e sim, com um sentido global vinculado aos objetivos do
processo revolucionário, ter em perspectiva o avanço do processo revolucionário. Para ele,
houve fragilidade no aspecto das lutas de massa, não houve uma concepção estruturada e
coerente dentro da UP, que tinha um papel de orientação dos organismos de base composta
pelas massas. Azócar em nenhum momento cita a organização popular realizada pelos
Cordões Industriais e que mesmo a parte da estrutura sindical da CUT, foi uma experiência
relevante.
Assim, podemos demonstrar que existiam diferentes visões do papel dos
trabalhadores no processo: de um lado o PC e Allende que achavam que a partir da
227
conquista do poder executivo ganhariam outros órgãos de poder do estado, juntamente com
a mobilização das massas, o que seria suficiente para impulsionar a revolução; e uma outra
opinião, que era a da gestação de dois poderes, pela participação dos trabalhadores em
organizações de camponeses, bairros etc, e que poderia se converter em um poder
alternativo ao estado burguês.
O que esta pesquisa tentou resgatar foi a importância da discussão política do
Partido Comunista do Chile para o desenvolvimento do que seria chamado de “via
pacífica” ou de “via chilena ao socialismo”, resguardando todos os debates contidos na
nomeação do processo, que já expusemos ao longo do trabalho. A “via chilena”, sem
dúvida, foi uma construção histórica muito anterior aos anos que precedem a eleição de
1970. Ela tem, pelo menos, raízes nas discussões do Partido Comunista, a partir de 1930,
acentuando-se na década de 50 e tornando-se o centro de sua política nos anos sessenta e
setenta.
O PC foi, por defender essa opinião, o que mais desenvolveu este tema enquanto
construção de um coletivo partidário, que mesmo apegado ou orientado pelo MCI, tentou
refletir sobre uma possibilidade para a revolução chilena. Assim, mesmo preso em seus
esquemas rígidos teórico, sem considerar o fluxo e refluxo do momento pelo qual passava o
governo da UP e a dimensão que a luta de classes tomava, não podem ser, em conjunto com
os outros partidos da UP, julgados como responsáveis pelo golpe militar e muito menos
pode-se ter uma leitura de que, desde o início, o processo da “via chilena” estava
condenado ao fracasso.
De certo modo, tentou-se novas alternativas ao modelo Cubano que muitos diziam
ser, naquele momento, a saída para a América Latina romper com o imperialismo e ter a
possibilidade de se tornar socialista.
O PC, por mais erros que tenha cometido, primou pelo menos no discurso e para
corroborar com as teses da via não armada, pelo questionamento da utilização da teoria
enquanto dogma. Parece-nos claro que nosso sujeito forjou uma retórica da combinação da
via não armada com a via armada que nunca foi preparada de fato. Parecia que não estava
convencido da possibilidade dos chilenos pegarem em armas.
Analisar e entender a via pacífica sob o prisma do PC, estabelecer sua relação com
os partidos da UP e com o MCI, permitiu-nos compreender a sua essência, enquanto
228
formulação, a partir da análise econômica, política e social para um projeto que não se
concretizaria. Os dos canhões do exército, que não desfizeram laços com a burguesia e com
o imperialismo norte-americano, trataram de não correr o risco de ver não só seus interesses
suprimidos, mas de uma nova forma de transição ao socialismo para A América Latina.
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