O Processo Decisorio de Politica Economica
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Laboratrio de Estudos sobre Militares e Poltica - LEMP
O processo decisrio de poltica econmica na ditadura militar brasileira e o
papel das Foras Armadas
Adriano Nervo Codato [email protected]
Universidade Federal do Paran
Ncleo de Pesquisa em Sociologia Poltica Brasileira
Conferncia proferida no Laboratrio de Estudos sobre Militares e Poltica/UFRJ
(verso preliminar para discusso; favor no citar)
Setembro
2005
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Adriano Nervo Codato
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Advertncia
Este ensaio foi escrito com base no captulo 2 de meu livro, Sistema estatal e poltica econmica no Brasil ps-64. So Paulo: Hucitec/ANPOCS/Ed. da UFPR, 1997. Retomei algumas idias e passagens, literalmente, do artigo Militares, sistema decisrio e Estado ditatorial no Brasil: apontamentos sobre o governo Geisel. Premissas, v. 17/18, p. 111-137, 1998. A revista Premissas era uma publicao do Ncleo de Estudos Estratgicos da Universidade Estadual de Campinas, NEE/Unicamp. Parte da seo 1 deste texto que o leitor tem em mos (O sistema decisrio) eu aproveitei da comunicao intitulada Estado, desenho institucional e poltica econmica no Brasil: 1964-1985. O trabalho foi apresentado no III Congresso Brasileiro de Histria Econmica/IV Conferncia Internacional de Histria de Empresas, da Associao Brasileira de Pesquisadores em Histria Econmica (ABPHE). Universidade Federal do Paran, Curitiba - PR, 29 de agosto a 1 de setembro de 1999. Algumas outras teses contidas aqui eu desenvolvi a partir de trs fontes: da resenha do livro de Suzeley Kalil Mathias, A militarizao da burocracia. A participao militar na administrao federal das Comunicaes e da Educao, 1963-1990. So Paulo: Ed. UNESP/Fapesp, 2004; do trabalho apresentado no XXIII Simpsio Nacional de Histria, Quando falam os documentos: anlise das concepes de estado, poltica e planejamento da ditadura militar brasileira. Associao Nacional de Histria (ANPUH). Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina - PR, 17-22 de julho de 2005; e da resenha do livro de Celso Castro & Maria Celina DArajo, Tempos modernos: Joo Paulo dos Reis Velloso, memrias do desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004.
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O processo decisrio de poltica econmica na ditadura militar brasileira e o papel das Foras Armadas
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A mim cabia essencialmente o planejamento e a orientao das viagens do Presidente e, de acordo com o que era necessrio ou recomendado, a apurao e apreciao de fatos nas reas econmica e social. Quando os problemas se configuravam, eu me antecipava e informava o Presidente. Tambm o acompanhava s reunies dos conselhos de Desenvolvimento Econmico e de Desenvolvimento Social, embora condenado mudez bvia e evidente do meu cargo. ramos eu e o assessor de imprensa, o Ludwig, que assistamos a essas reunies, para ficarmos a par do que se desenvolvia [...].
Tenente-Coronel Gleuber Vieira, Assessor Especial da Presidncia da Repblica durante o governo Geisel1.
Introduo
Estudos do regime ditatorial-militar no Brasil tm contornado uma questo
fundamental para uma caracterizao mais precisa do regime poltico brasileiro. Ela diz
respeito relao concreta entre militares e civis e seu vnculo com o arranjo
institucional do sistema decisrio de poltica econmica.
Um problema importante presente aqui o problema da delegao de poderes dos
militares aos civis. Trs questes resumem esse tema: (i) qual o grau de autonomia da alta
burocracia econmica diante da tutela militar sobre o sistema poltico e do controle que as
Foras Armadas exerciam sobre as posies-chave do aparelho do Estado?; (ii) qual a
natureza (e a eficcia) da autoridade que as Foras Armadas impunham ao sistema estatal
como um todo? e (iii) como tudo isso se relacionava com a capacidade efetiva de influncia das
elites (econmicas, sociais, polticas) sobre o sistema decisrio?
O texto que se segue uma tentativa, ainda muito provisria, de oferecer algumas
pistas para o entendimento dessas questes.
1. O sistema decisrio: a organizao do aparelho do Estado e as agncias de
poltica econmica no ps-64
Para melhor entender a configurao do sistema decisrio do regime ditatorial-
militar til estabelecer, ainda que esquematicamente, um panorama evolutivo do processo
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de regulao estatal da economia brasileira atravs dos diferentes perodos de governo at o
incio dos anos setenta. Essa histria retm a instituio de agncias especializadas em
manipular os principais instrumentos de poltica econmica e que tambm exerceram,
formal ou informalmente, as funes de planejamento estratgico.
Entre 1964 e 1974 no foi criado formalmente qualquer aparelho para deliberar
expressamente sobre o conjunto da economia. As agncias de cpula que influram na
utilizao de todos os instrumentos de poltica econmica s o fizeram enquanto rgos de
assessoramento e informao. O caso do Conselho Consultivo de Planejamento
(CONSPLAN), institudo pelo Decreto 55722 de 02/02/1965, ilustra bem, no curto
perodo de funcionamento da agncia, essa deficincia organizacional. Criado inicialmente
como a entidade gestora do PAEG, o CONSPLAN rapidamente converteu-se mais numa
cmara de ressonncia das diferentes vises sobre o processo de ajustamento da economia
brasileira do que num aparelho com funes deliberativas ou executivas. Segundo seu
secretrio-executivo, o Ministro Roberto Campos, tratava-se fundamentalmente de "um
mecanismo participativo baseado na consulta a setores e grupos de interesse, os quais
passariam, por assim dizer, a fazer contnuas avaliaes crticas do processo de
implementao" do Plano de Ao Econmica do Governo2.
Inicialmente, ao que tudo indica, o Ministrio do Planejamento e Coordenao
Geral (MINIPLAN) deteve grande parte da capacidade decisria e "boa dose de fora
poltica, especialmente por suas funes bastante abrangentes, entre elas a elaborao
oramentria e de planos governamentais" de emergncia. Contudo, no sub-perodo
1967/1974 houve, progressivamente, uma descaracterizao do MINIPLAN como o rgo
central de administrao da poltica econmica e "a organizao do planejamento no Brasil
passou a ter contornos sui generis, coexistindo uma estrutura formal (centralizada no
Ministrio), ao lado de uma original estrutura de tomada de decises [...] (em que o
Ministrio do Planejamento era [apenas] um dos componentes)3: assistiu-se ento ascenso
dos colegiados de ministros.
Com efeito, essa [foi] talvez a caracterstica mais importante da administrao da poltica econmica no Brasil nos anos 60-70. Foi efetivamente nesses colegiados que se process[ou] a troca de informaes, a avaliao de posies e a aquiescncia em ceder informalmente atribuies. Em sntese, coordena[va]-se a tomada de decises de curto e longo prazos4.
Os rgos colegiados que proliferaram a partir de 1964 no estavam subordinados
formalmente unidade central de planejamento; possuam importantes atribuies
executivas (e no simplesmente consultivas ou informativas) a respeito de temas especficos
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O processo decisrio de poltica econmica na ditadura militar brasileira e o papel das Foras Armadas
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da economia: o Conselho Monetrio Nacional (CMN) tratou da poltica monetria, o
Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) regulou a poltica de incentivo
industrializao, o Conselho Interministerial de Preos (CIP) tinha como atribuio
fundamental a poltica de controle de preos, o Conselho Nacional de Comrcio Exterior
(CONCEX), a poltica de comrcio exterior etc. Contudo, preciso reparar, o Conselho
Monetrio Nacional cumpriu um papel destacado no interior dessa organizao estatal.
"Mais do que qualquer outro rgo colegiado", ele foi o "rgo normativo de,
praticamente, toda a poltica econmica do governo. E mais, o rgo de acompanhamento
global dos efeitos dessa poltica"5. Assim, a partir da sua criao em fins de 1964 (Lei 4595),
ele passou, progressivamente, "a dominar a administrao de poltica econmica"6.
A figura a seguir permite entender melhor os quatro "nveis de deciso" que
compuseram a organizao de poltica econmica no Brasil ps-64.
FIGURA 1.
Arranjo organizacional do processo decisrio no Brasil (1967/1974)
nvel 1 CMN
nvel 2 PLENRIOS DE MINISTROS
nvel 3 MINISTRIOS
nvel 4 AGNCIAS EXECUTIVAS
Fonte: Elaborado a partir de: Jorge Vianna Monteiro, "Sobre a teoria da organizao econmica". In: Fernando Rezende et al.
Aspectos da participao do governo na economia. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1976, p. 23.
Esses quatro nveis, dispostos aqui grosseiramente, possuam uma hierarquia rgida
que obedecia seguinte lgica organizacional: no nvel 1, o CMN surgia como a
organizao central de poltica econmica, dominando informalmente o sistema decisrio em
funo da extrapolao de suas funes ordinrias originais. Entretanto, a complexidade
tanto do fluxo de informaes a serem processadas quanto das decises de governo a
serem tomadas conduziu formao de um segundo nvel de deciso: no nvel 2 a
organizao predominante foi a dos "colegiados de ministros" (CDI, CIP, CPA, CONCEX
etc.) e sua funo era detalhar e especificar as medidas decididas no primeiro nvel.
Conseqentemente, nesse arranjo institucional, "observou-se uma perda de autonomia dos
ministros per se" (nvel 3) que cederam suas prerrogativas para o nvel 2. Se isso poderia ser
visto, em princpio, como a "formalizao de contatos horizontais informais" entre os
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diferentes policy-makers, na verdade cumpriu o objetivo da centralizao das decises no
nvel 1 com o conseqente desprestgio dos ministrios perifricos e do controle da
poltica econmica por um colegiado em especial. O nvel 4, por sua vez, era bem mais
operacional e englobava as atividades executivas das decises formuladas seja nos
colegiados, seja nos ministrios, como por exemplo: BC, BNDE, SUNAB, IBC, IAA, BB
etc.7.
Contudo, a defasagem caracterstica do perodo 1964/1974 entre a organizao
formal do planejamento e o locus efetivo de administrao da poltica econmica acabou por
introduzir no sistema disfunes importantes. A dupla tarefa que o CMN assumiu no
perodo, de agncia governamental de formulao e gesto da poltica econmica e de
instncia de intermediao de interesses econmicos e sociais esteve tambm na origem do
perfil excessivamente informal que dominou a organizao.
Assim, a fim de solucionar esses impasses institucionais que acabaram por
comprometer a racionalidade e eficincia do sistema decisrio foi institudo, em meados
de 1974, o Conselho de Desenvolvimento Econmico. Pode-se dizer que o CDE
representaria o resultado mais elaborado de dcadas de experincias da administrao
pblica brasileira a fim de encontrar um formato institucional adequado para coordenar a
poltica econmica do Estado com relativa autonomia face aos interesses em presena8.
2. O papel dos militares diante da poltica econmica
Como se deve observar, a ausncia mais significativa nesses aparelhos econmicos
mencionados acima a dos militares (cf. Quadro 2 do Anexo.).
Exceto no CDI, onde se garantia a participao formal do Ministro-Chefe do
Estado-Maior das Foras Armadas, de resto um "rgo relativamente pequeno e pouco
influente"9, com funes mais corporativas do que polticas, e no Conselho de
Desenvolvimento Econmico e Conselho de Desenvolvimento Social, onde um militar
comparecia, mas na qualidade de Presidente da Repblica e no representando propriamente
sua instituio "de origem", o processo decisrio de poltica econmica era
predominantemente civil, embora representantes das Foras Armadas ou ministros
militares sempre pudessem ser convocados seja como observadores, informantes ou, em
menor medida, decisores para as reunies deliberativas dos rgos colegiados. Nesse
contexto, cabe perguntar: qual a relao entre as principais "partes" que compunham a
cpula poltico-administrativa do Estado ditatorial? Que tipo de "diviso do trabalho" se
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estabeleceu, se que se estabeleceu, entre militares e tcnicos civis no mbito da
administrao pblica no Brasil ps-64? O quo militarizado foi o processo decisrio de
poltica econmica?
Uma explicao: por militarizao, entenda-se trs coisas. Em primeiro lugar, a
participao direta ou a ocupao de cargos pelos militares na administrao pblica civil
(ou em postos tradicionalmente reservados a civis); a abordagem aqui meramente
quantitativa, mas importante como instrumento de medida. Em seguida, a influncia das
doutrinas militares nas decises de governo (o impacto, por exemplo, da Doutrina de
Segurana Nacional na formulao de polticas pblicas). Por fim, militarizao designa a
transferncia de normas e valores das Foras Armadas para o sistema decisrio e para o
sistema poltico como um todo; a avaliao dos efeitos objetivos do ethos militar sobre o
ethos burocrtico s se consegue atravs de um estudo qualitativo do comportamento da
administrao civil10.
Evidentemente a base emprica que se dispe aqui bastante limitada para
responder a essas questes. Ao lado do carter legal (portanto formalista) desses dados,
baseados exclusivamente na composio (burocraticamente definida) das principais
agncias do aparelho econmico do Estado, nem de longe se pode pretender circunscrever
o papel poltico do estabelecimento militar no interior do regime ditatorial to-somente em
funo da sua participao oficial no processo decisrio de poltica econmica. Em que
pese todas essas dificuldades, possvel sustentar, entretanto, em funo de outras
evidncias, bem mais genricas, que se o sistema poltico era dominado pelas Foras Armadas,
o sistema decisrio strictu sensu no se tornou, necessria e automaticamente, militarizado. Esse
o meu argumento. (Contudo, permanece ainda a pergunta: por qu isso ocorreu assim?)
Essa afirmao possui, de imediato, duas conseqncias. Em primeiro lugar, no
um detalhe sem importncia as (altas) prerrogativas das Foras Armadas sobre o sistema
poltico brasileiro no ps-64 e ao longo de todo o processo de transio democrtica11.
Seria extremamente difcil imaginar a concentrao de um leque to amplo de poderes no
Executivo federal e, ademais, a existncia de um aparelho com as funes centralizadoras
do Conselho de Desenvolvimento Econmico durante o governo Geisel, por exemplo
em outro contexto institucional. O regime ditatorial12 e os princpios de organizao e
exerccio do poder que ele implica exerceram um impacto decisivo quer sobre a
distribuio de foras entre o Estado e a sociedade, quer no interior do prprio Estado,
entre seus diferentes aparelhos, sendo o declnio do Legislativo e a militarizao (em
sentido amplo) do Executivo a face mais saliente desse processo. Por outro lado, e
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preciso insistir nesse ponto, o controle dos principais recursos polticos, ideolgicos,
organizacionais etc. do sistema poltico no fez do aparelho militar, ipso facto, a instituio-
chave do sistema decisrio13.
Embora os militares tivessem ocupado posies relevantes no interior do aparelho
do Estado, quer em pastas ministeriais importantes, quer na direo de empresas estatais
estratgicas ou, ainda, em postos destacados no governo federal, a relao entre o
Executivo e o aparelho militar nesse perodo sempre foi bastante complexa e, de resto,
fonte de conflitos e tenses.
Como notou Fernando Henrique Cardoso, sob o "regime autoritrio" brasileiro, as
"Foras Armadas, como tal, no determina[vam] as polticas do Estado ou as
implementa[vam]", como seria lcito supor. De acordo com o autor, "os militares [tinham]
poder de veto" somente no que poderamos chamar de "'grandes decises' [...], mas no
[estavam] necessariamente envolvidos na tomada de decises com relao economia ou
outras questes importantes"14. O depoimento de Mrio Henrique Simonsen a Loureno
Dantas Mota, reconhecendo que as interferncias diretas de militares na gesto da poltica
econmica no incluam o varejo da administrao quotidiana, somente o atacado do
grande poder, tende a confirmar esse padro15.
De uma forma geral, o processo de formulao de poltica econmica era uma
tarefa assumida prioritariamente pelos civis e envolvia, dependendo do caso, uma
articulao estreita com a "comunidade empresarial", que garantia sua presena no sistema
decisrio seja atravs da representao corporativa nos principais conselhos de poltica
econmica, seja atravs do mecanismo dos "anis burocrticos"16. Assim, ainda que a
corporao militar tivesse controlado "o ncleo superior da atividade do Estado" (isto , a
Presidncia da Repblica e seus ramos correlatos) e, em especial, assumido funes
repressivas (num processo descrito eufemisticamente como ampliao de papis), ela no
tomou a si, necessariamente, "o ncleo central ou mesmo as pastas governamentais
cruciais", como os Ministrios da Fazenda ou do Planejamento, por exemplo17.
Empiricamente, possvel demonstrar que a burocracia econmica brasileira foi
muito pouco "militarizada". Ben Schneider anota que, no intervalo 1964/1976, "os clculos
da proporo de oficiais militares nos ministrios civis variam de 11% a 25%", dependendo
da classificao dos aparelhos administrativos considerados18. Quando se olha esses dados
mais de perto, constata-se que nos "nveis inferiores" da administrao pblica, segundo
Alexandre Barros,
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"a participao militar vari[ou] fortemente entre os ministrios e setores, aproximando-se
das propores anteriores a 1964, e que, de modo geral, era bastante baixa. Para os 2 483
cargos civis nos primeiros quatro governos militares, a mdia de penetrao militar foi de
10,6%, um pouco acima dos 6,9% no governo Goulart"19.
Para cada governo tomado individualmente, as taxas de participao so as
seguintes:
QUADRO 1
Taxa de participao das Foras Armadas nos demais escales da administrao
durante os quatro primeiros governos militares
Governos militares Castello Branco (1964-1967)
Costa e Silva (1967-1969)
Mdici (1969-1974)
Geisel (1974-1979)
Taxa de participao 9,8% 11,8% 11,9% 8,6%
Fonte: A. Barros, ibid., apud B. Schneider, op. cit., p. 91, n. 61.
O levantamento de Schneider a respeito do preenchimento dos altos cargos da
burocracia econmica revelou a presena de ex-oficiais em apenas 15% das nomeaes nos
cinco governos militares. Esses dados contrastam fortemente com os casos do Peru ou do
Chile, por exemplo. "No Peru, [...] os oficiais se apropriaram de aproximadamente metade
dos mais altos cargos nas empresas estatais. No Chile, os oficiais militares
(predominantemente oficiais ativos do Exrcito) ocuparam 52% dos 237 mais altos cargos
executivos"20. Assim,
"ironicamente, alguns governos militares aumentaram a excluso de alguns interesses
militares [...] Castello Branco insulou os formuladores de polticas em relao opinio
majoritria das Foras Armadas e, em conseqncia, exerceu uma excluso maior do que
alguns governos civis anteriores"21.
Mathias informa que, descontado o cargo de ministro de Estado, o ndice de
militarizao dos ministrios ficou assim: a menor participao encontrada est no
Ministrio da Fazenda (3,2%) e a maior est nas Comunicaes (68,7%), seguido pelo
Ministrio dos Transportes (50%)22.
Ademais, a presena do mdio e alto oficialato em cargos de chefia no "segundo
escalo" das reparties pblicas, nos governos estaduais ou nas empresas do Estado
(principalmente na direo de companhias de eletricidade e siderrgicas), e as vantagens
materiais compensatrias que se poderia auferir da, s confirmava esse padro23.
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Adriano Nervo Codato
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De acordo com o estudo de Elizer Rizzo de Oliveira sobre o assunto, a presena
militar ocorreu principalmente nas reas ligadas diretamente ao aparelho repressivo. Isso
pode ser comprovado quando se olha, por exemplo, para
"a estrutura de informaes, as polcias militares estaduais, que passaram a ser
subordinadas ao Estado-Maior do Exrcito ao final do governo Castello Branco, o
comando destas polcias por oficiais superiores do Exrcito, o exerccio da funo de
secretrio de Segurana dos estados por oficiais militares etc."24.
Por outro lado, ainda que esses nmeros no possam dar uma idia precisa do poder
relativo das Foras Armadas, pois no permitem detectar as presses exercidas informalmente
sobre os decisores civis, os prprios "militares-administradores" sofreram um processo
importante de "civilizao", e no o contrrio25.
certo porm que, no que tange poltica de recrutamento da burocracia civil, o SNI
um aparelho inteiramente militarizado, mas que teve pouca ou nenhuma influncia sobre a
poltica econmica pde exercer, at um determinado momento, um veto
institucionalizado indicao de qualquer funcionrio para o setor pblico, alm de contar
com outras prerrogativas polticas e/ou institucionais relevantes. Alm de manter um
departamento em cada ministrio (as Divises de Segurana Interna DSIs), em cada
diviso governamental e em cada empresa estratgica (as Assessorias de Segurana e
Informaes ASIs), a fim de comandar o fluxo de informaes entre os diferentes
aparelhos do Estado, "o chefe do SNI [foi], de jure, um ministro de Estado e, de facto, o
membro do conselho poltico mais restrito, com possibilidade de acesso dirio ao
Presidente" da Repblica26. Aps 1974, embora o Executivo no tivesse estabelecido um
controle formalizado sobre suas atividades, nem desmontado num s golpe suas bases de
poder autnomo, o Servio Nacional de Informaes, no entanto, perdeu
significativamente seu prestgio e influncia. Por qu?
Com a criao do CDE, em especial, o acompanhamento das atividades dos
diferentes ministrios e departamentos tornou-se mais "tcnico" e "burocrtico" e os dados
e informaes que circulavam nessa esfera estrita de deciso, menos "politizados" isto ,
menos dependentes dos embates ideolgicos ou corporativos tal como presentes no (e
filtrados pelo) aparelho militar. A presena do prprio Ministro-Chefe do SNI nas sesses
formais do Conselho de Desenvolvimento Econmico, por exemplo, nunca foi expressiva,
a ponto de constituir-se, na verdade, em exceo durante o governo Geisel. Conforme as
informaes contidas nas "minutas de ata" do CDE consultadas por mim, as presenas dos
generais Figueiredo, Hugo Abreu ou Golbery como "membros convidados" s reunies do
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CDE so inversamente proporcionais ao seu papel poltico no regime e, quando
comparadas assiduidade do Ministro das Minas e Energia Ueki, chamam a ateno do
observador. Salvo engano, h pouqussimos registros da passagem deles pelo Conselho27.
Durante o governo Figueiredo, o General Golbery foi "incorporado" ao plenrio
do Conselho de Desenvolvimento, assim como diversos outros ministros civis e militares
no interior de um movimento muito mais amplo de "abertura do aparelho do Estado" e
"democratizao do sistema decisrio", segundo as expresses correntes. Contudo, o
processo decisrio permaneceu fundamentalmente civil, e o CDE perdeu sua centralidade
no interior do sistema, anulando assim uma possvel colonizao dos centros de poder real.
Em relao a outros ministros militares importantes, as evidncias de que se dispe
confirmam o mesmo padro de excluso/incluso.
Esse tipo particular de "diviso do trabalho" pode ser confirmado caso se observe
tambm que, embora como j se referiu, as atribuies militares no interior do sistema
poltico fossem expressivas, a operao quotidiana dos negcios do Estado ficava reservada
aos quadros civis do regime (os "tecnocratas"). Os militares, principalmente atravs da
chefia do Servio Nacional de Informaes e da Secretaria-Geral do Conselho de
Segurana Nacional, cargos exclusivamente preenchidos por oficiais, ocupavam-se de
questes polticas, mas "no da tomada de decises ordinrias ou das polticas pblicas do
regime", como por exemplo a poltica industrial, exceto quando consideravam que
determinadas solues poderiam estar "em conflito com a doutrina de segurana
nacional"28. Luciano Martins informa ainda que "De acordo com um general de quatro
estrelas, que foi membro do Alto Comando do Exrcito por mais de quatro anos na
metade dos anos 70, o Alto Comando jamais discutiu a poltica econmica ou qualquer
outra poltica pblica importante nem mesmo a poltica nuclear"29. Essa excluso
sistemtica fez o general Albuquerque Lima, j em 1968, no auge do processo de
militarizao do Estado, portanto, bater-se em nome de um "Conselho de
Desenvolvimento Nacional" que, segundo ele, "'permitiria aos membros das Foras
Armadas desempenhar um papel maior na elaborao da poltica de desenvolvimento,
contrapondo-se ao atual sistema, dominado por tcnicos civis'"30.
Concluso: seu papel era, portanto, mais "tutelar" em relao ao processo decisrio
e sua importncia muito mais relativa que a simples presena no primeiro plano da cena
poltica poderia sugerir31.
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Adriano Nervo Codato
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A funo de "superviso", exercida distncia por certos crculos castrenses,
decorria, por sua vez, da ideologia tpica assumida por parcelas considerveis das Foras
Armadas. Sua influncia ativa sobre as polticas industrial, energtica, de informtica etc.,
em que pese diferenas no desprezveis entre "nacionalistas" e "internacionalistas",
conforme a denominao da poca, variou em torno das prioridades polticas estabelecidas
pela "segurana nacional", porm unificadas por uma aspirao "desenvolvimentista"
comum. Em termos esquemticos, possvel sustentar que "os militares trouxeram para as polticas industriais uma viso estratgica e de longo alcance do Brasil.
Trata[va]-se de uma viso de superpotncia geopoltica e industrial [...]. O Brasil deveria ser no
apenas auto-suficiente, como tambm o controle da produo e da tecnologia deveria pertencer
aos brasileiros. A preferncia tpica [dos oficiais que se envolveram mais diretamente nessa questo
pode ser resumida em quatro itens: eles eram pr-industrialistas] (especialmente a indstria
pesada), pr-substituio das importaes, pr-nacional e a favor das tecnologias de ponta"32.
Na verdade, isso nem chega a ser, de fato, um projeto no sentido prprio do
termo e a importncia da Doutrina de Segurana Nacional sobre os decisores foi bastante
exagerada por alguns autores. Essa Doutrina fornecia apenas uma referncia simblica
genrica aos objetivos do regime, definindo, em termos amplos, os valores bsicos para a
atuao principalmente de parte dos setores militares33. Isso porque o corpo administrativo
do Estado ditatorial estava composto por cliques e faces burocrticas (civis e militares)
bastante distintas, de origens diversas e que freqentemente rivalizavam entre si34.
A coalizo poltico-militar que se apoderou do aparelho do Estado em 1964, como
se recorda, era bastante heterognea (polticos liberais, militares anticomunistas,
economistas ortodoxos) e suas relaes no eram reguladas por nenhum princpio poltico-
ideolgico ou burocrtico comum e previamente determinado, de forma a permitir uma circulao do
poder mais tranqila no seio do sistema estatal. Um exemplo notvel da falta de coerncia
ideolgica das cpulas do sistema estatal, em especial durante o governo Geisel, so as
diferentes posies assumidas pelo Ministro da Indstria e do Comrcio, Severo Gomes,
pelo Ministro da Fazenda, Mrio Henrique Simonsen, e pelo Secretrio do Planejamento,
Joo Paulo dos Reis Velloso, diante de uma srie de questes de poltica econmica. Tais
como: a participao do capital estrangeiro na economia nacional, a poltica de
investimento ou a questo do equilbrio do balano de pagamentos35.
Essa constatao a ausncia de uma ideologia unificadora permite discutir,
ainda que de passagem, um trao importante do "autoritarismo militar" brasileiro.
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O processo decisrio de poltica econmica na ditadura militar brasileira e o papel das Foras Armadas
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Nicos Poulantzas sustentou que as Foras Armadas so o aparelho dominante dos
regimes de ditadura militar em oposio ao "partido nico" e burocracia nas outras
formas de Estado de exceo (fascismo e bonapartismo, respectivamente) porque elas
controlam, seja diretamente, seja por procurao, seja enfim pelos limites estritos que elas
podem impor ao seu funcionamento regular, os postos de comando essenciais do Estado e, no seu
interior, os centros de poder real36.
No caso do regime brasileiro, contudo, no houve, ao longo das diversas fases do seu
desenvolvimento (constituio (1964-1968), consolidao (1968-1974), transformao
(1974-1985)), uma coincidncia absoluta entre o controle do poder formal a Presidncia da
Repblica e os ministrios a ela associados (SNI, EMFA, Casa Militar etc.) e o poder real.
Se os militares estiveram sempre "fisicamente" presentes em posies destacadas do
governo propriamente dito, esse fato no deve significar que as Foras Armadas ou suas
cpulas tivessem-no exercido "em nome prprio". Esse processo de "substituio" de elites
bastante complexo e seu tratamento sistemtico escapa dos limites deste ensaio.
Alm disso, nota o prprio Poulantzas,
"no se pense que esses regimes expulsaram do pessoal poltico [do Estado] os membros das
classes dominantes (os diversos 'notveis' e 'caciques' [do regime]) que, como em todo
Estado burgus, e aqui mais do que nunca, freqentemente participam de forma direta dos
postos dirigentes [...], atravs da presena nos diversos crculos, grupos de presso, cls e
faces"37.
Naturalmente, a Presidncia da Repblica sempre foi militar (e freqentemente
pertenceu ao Exrcito, excetuado o brevssimo perodo da Junta), tendo exercido um papel
no desprezvel em todas as macro decises polticas. Da que tenha sido atravs dela,
principalmente, que a "militarizao" do Estado tornou-se mais visvel, mas no
necessariamente mais profunda. Lembre-se que o peso especfico da Presidncia da
Repblica na cadeia decisria nunca foi uniforme, pois freqentemente dependia do seu
ocupante (e da forma pela qual ele havia chegado l), do arranjo institucional em vigor e,
conseqentemente, da distribuio de fora e influncia entre os diferentes aparelhos no
interior do sistema estatal.
O edifcio ditatorial, encimado pelo CDE durante o governo Geisel e regulado por
normas bastante rgidas de funcionamento e operao, soube garantir um afastamento
relativo do conjunto das Foras Armadas dos processos internos de formulao estrita das
polticas de Estado. A contrapartida desse fenmeno foi uma autonomizao crescente da
burocracia econmica aliada ao enrijecimento progressivo das rotinas administrativas
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Adriano Nervo Codato
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processo esse que j foi descrito, embora imprecisamente, como a irresistvel ascenso do
"poder tecnocrtico".
Todas essas constataes permitem discutir um ltimo problema, correlato a esses:
a fonte da autoridade burocrtica (e poltica) do Presidente da Repblica.
W Z Y
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O processo decisrio de poltica econmica na ditadura militar brasileira e o papel das Foras Armadas
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QUADRO 2
Composio, Ano de Criao e Vinculao Executiva dos Principais
rgos de Poltica Econmica no Brasil (1974/1979)
RGOS (e ano de criao)/POSTOS NO ESTADO
CDE (1974)
CDS (1974)
CDI (1969)
CMN (1964)
CIP (1968)
CONAB(1974)
CONCEX (1966)
CONSIDER(1968)
PRESIDENTE DA REPBLICA
P
P
MINISTROS
FAZENDA X X P P X X X
PLANEJAMENTO SG SG X VP X X X VP
INDSTRIA E COMRCIO X P X X P P
AGRICULTURA X X P X
INTERIOR X X X
MINAS E ENERGIA X X X
TRABALHO X
TRANSPORTES X X
RELAES EXTERIORES X
EDUCACO E CULTURA X
SADE X
PREVIDNCIA SOCIAL X
Estado Maior das Foras Amadas X
PRESIDENTES DE BANCOS
Banco do Brasil X X X
Banco Nacional de Desenv. Econ. X X
Banco Central X X X
Banco Nacional de Habitao X
OUTROS MEMBROS DO GOVERNO
Comisso de Valores Mobilirios X
Diretores do Banco Central 5
Diretores da CACEX X
REPRESENT. PRIVADA
EMPRESRIOS 3
Presidente da CNI 1
Presidente da CNC 1
TOTAL 6 7 11 16 4 4 10 4
VINCULAO EXECUTIVA PR PR MIC MF MF MA MIC MIC
Fonte: DOU
Legenda: P= Presidente PR= Presidente da Repblica X= Membro efetivo MIC= Ministrio da Indstria e Comrcio VP= Vice-Presidente MA= Ministrio da Agricultura SG= Secretrio-Geral MF= Ministrio da Fazenda
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Notas
1 Citado a partir do depoimento do tenente-coronel em: Maria Celina DArajo, Glucio Ary Dillon Soares & Celso Castro, A volta aos quartis: a memria militar sobre a abertura. Rio de Janeiro, Relume-Dumar, 1995, p. 268-269, grifos meus. 2 Roberto Campos, A lanterna na popa: memrias. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 608. 3 Jorge Vianna Monteiro & Luiz Roberto Azevedo Cunha. "A organizao do planejamento econmico: o caso brasileiro". Pesquisa e Planejamento Econmico, v. 3 n. 4, dez. 1973, p. 1045-1064. 4 Id., ibid., p. 1050-1051. 5 Id., ibid., p. 1055. 6 Id., ibid., p. 1058. 7 Jorge Vianna Monteiro, "Sobre a teoria da organizao econmica", op. cit, p. 24-25 8 O Conselho de Desenvolvimento Econmico (CDE) foi institudo pela Lei 6036 de 01/05/1974 que tambm transformou o Ministrio do Planejamento e Coordenao Geral (MINIPLAN) em Secretaria de Planejamento da Presidncia da Repblica (SEPLAN), modificando os artigos 32, 35 e 36 do Decreto-lei n 200/67. Os dois seriam, a partir de ento, "rgos de assessoramento imediato do Presidente da Repblica" (art. 1). De acordo com esse documento, a funo essencial do CDE era, basicamente, auxiliar "o Presidente da Repblica na formulao da poltica econmica e, em especial, na coordenao dos ministrios" afins, segundo a orientao macroeconmica definida pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (art. 3). Esse Conselho, presidido diretamente por Geisel, seria integrado pelos Ministrios da Fazenda (Mrio Henrique Simonsen), Indstria e Comrcio (Severo Gomes), Agricultura (Alysson Paulinelli) e Interior (Rangel Reis), alm do Ministro-chefe da SEPLAN (Reis Velloso), que cumpriria as funes de secretrio-geral do CDE (art. 4). 9 Como assinalou Alfred Stepan, Os militares: da abertura nova repblica. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 58. 10 Cf. Suzeley Kalil Mathias, A militarizao da burocracia. A participao militar na administrao federal das Comunicaes e da Educao, 1963-1990. So Paulo: Ed. UNESP/Fapesp, 2004, p. 25-26. 11 Conforme demonstrou Alfred Stepan. V. "As prerrogativas militares nos regimes ps-autoritrios: Brasil, Argentina, Uruguai e Espanha". In: STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 521-562. De um outro ponto de vista, mas que sustenta igualmente a importncia dos militares e sua presena efetiva na cena poltica inclusive durante a Nova Repblica (1985-1989), v. Dcio Saes, O processo poltico brasileiro, da Abertura Nova Repblica: uma transio para a democracia (burguesa)?. Teoria & Poltica, n. 9, p. 11-28, 1988. 12 Utilizo a terminologia regime poltico ditatorial-militar para caracterizar o caso brasileiro ao invs das expresses, a meu ver equivocadas, tais como Estado burocrtico-autoritrio (proposta por ODonnell) ou regime autoritrio (de uso corrente pelos cientistas polticos; por exemplo, Fernando Henrique Cardoso). Mais esdrxula ainda a expresso, de uso comum na imprensa, Estado militar. Para uma discusso dos desacertos das duas primeiras, ver: Joo Roberto Martins Filho, State and Regime in Post-64 Brazil: Bureaucratic Authoritarianism or Military Dictatorship? In: Codato, Adriano Nervo (ed.). Political Transition and Democratic Consolidation: Studies on Contemporary Brazil. New York: Nova Science Publishers, Inc., 2005 13 Em nome da preciso, convm expor como utilizo aqui as noes de sistema poltico, sistema estatal e sistema decisrio. Por sistema poltico quero designar simplesmente o meio ambiente institucional que regula a distribuio dos recursos polticos e determina uma dada frmula de competio pelo poder poltico. Entendo por "sistema estatal" ou, mais propriamente, "sistema institucional dos aparelhos do Estado" o conjunto de instituies pblicas e suas ramificaes especficas (funcionais, setoriais e espaciais) encarregadas da administrao quotidiana dos assuntos de governo. Por "sistema decisrio", diferentemente, quero designar o circuito de aparelhos estatais que detm poder efetivo. 14 Fernando Henrique Cardoso, "Da caracterizao dos regimes autoritrios na Amrica Latina". In: David Collier (org.), O novo autoritarismo na Amrica Latina. Rio, Paz e Terra, 1982, p. 48. De acordo com Faucher, era atravs do Conselho de Segurana Nacional e do Estado Maior das Foras Armadas que o poder de veto dos militares era exercido. V. Philippe Faucher, Le Brsil des militaries: l'Etat et la structure du pouvoir dans un rgime autoritaire. Montreal: Les Presses de l'Universit de Montral, 1981.
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15 Cf. Loureno Dantas Mota. Quem manda no Brasil. So Paulo, tica, 1987, p. 38, 16 "Anis burocrticos" so estruturas informais de representao de interesses que renem representantes da "grande empresa privada" e setores importantes da burocracia do Estado (empresas estatais, ministrios, divises e departamentos, "grupos executivos", conselhos burocrticos, comisses governamentais e parcelas do aparelho militar, inclusive) numa aliana transitria em torno de uma questo especfica (e que pode ser poltica ou econmica). Eles garantem assim, atravs de um intenso processo de barganha e negociao, a presena das fraes dominantes no processo decisrio. Cf. Fernando Henrique Cardoso, Autoritarismo e democratizao. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 182-184. 17 Cf. Ren Armand Dreifuss e Otvio Soares Dulci, "As Foras Armadas e a poltica". In: Bernardo Sorj e Maria Hermnia Tavares de Almeida (orgs.), Sociedade e poltica no Brasil ps-64. So Paulo, Brasiliense, 1983, p. 101. 18 Ben Schneider, Burocracia pblica e poltica industrial no Brasil. So Paulo: Sumar, 1994, p. 91. 19 Apud Ben Schneider, ibid., p. 91. O trabalho de A. Barros citado : The Brazilian Military: Professional Socialization, Political Performance and State Building. Ph.D. Thesis, Department of Political Science, University of Chicago, 1978, p. 221. 20 Ben Schneider, Burocracia pblica e poltica industrial no Brasil, op. cit., p. 92. 21 Id., ibid., p. 319. O autor refere-se poltica econmica ortodoxa adotada pela Fazenda e Planejamento a partir de 1964 tendo frente Campos e Bulhes. 22 Suzeley Kalil Mathias, A militarizao da burocracia, op. cit., p. 71. 23 Sobre esse ponto, v. Eugnio Gudin, O empreguismo civil e militar (24 mar. 1975). In: _____. O pensamento de Eugnio Gudin. Rio de Janeiro: Ed. Fundao Getlio Vargas, 1978, p. 240 e 242. 24 Elizer Rizzo de Oliveira, De Geisel a Collor: foras armadas, transio e democracia. Campinas: Papirus, 1994, p. 34. 25 Cf. Alexandre Barros, The Brazilian Military: Professional Socialization, Political Performance and State Building, op. cit., p. 207, apud Ben Schneider, Burocracia pblica e poltica industrial no Brasil, op. cit, p. 92. 26 Alfred Stepan, Os militares: da abertura nova repblica, op. cit., p. 30. Considerando-se a escassez de outros canais to diretos aos crculos decisrios mais altos, esse no um detalhe irrelevante. 27 Os trs ministros militares s compareceram ao mesmo tempo ao CDE em 20 dez. 1978, durante reunio para avaliao conjunta de todo o governo a respeito do II PND. V. Documentos CDE, Ministrio da Economia, Fazenda e Planejamento, Arquivo Central. 28 Luciano Martins, "A 'liberalizao' do regime autoritrio no Brasil". In: O'Donnell, Guillermo, Schmitter, Philippe & Whitehead, Laurence (orgs.). Transies do regime autoritrio: Amrica Latina. So Paulo: Vrtice/Revista dos Tribunais, 1988, p. 120. 29 Id., ibid., n. 9, p. 334-335. 30 Peter Flynn, "Class, Clientelism, and Coercion: Some Mechanisms of Internal Dependency and Control". Journal of Commonwealth and Comparative Politics, v. 12 n. 2, p. 133-156, July 1974. Apud Ben Schneider, Burocracia pblica e poltica industrial no Brasil, op. cit, p. 94. 31 Para uma viso diferente da aqui sustentada, cf. Joo Roberto Martins Filho, "Estado e regime no ps-64: autoritarismo burocrtico ou ditadura militar?" Revista de Sociologia e Poltica, n. 2, p. 7-23, 1994. Sua insistncia na dinmica castrense para uma compreenso mais adequada dos processos polticos do regime brasileiro ps-64 est ancorada numa crtica ao "elitismo burocrtico" e influncia exercida por esta matriz terica nos estudos de O'Donnell, Stepan e (em menor medida) de Fernando Henrique Cardoso sobre os "regimes autoritrios" latino-americanos. 32 Ben Schneider, Burocracia pblica e poltica industrial no Brasil, op. cit., p. 88, grifos meus. Essas opes tornaram-se, nesse modelo de diviso do trabalho no interior do aparelho do Estado, o padro de medida do desempenho dos tecnocratas. 33 A respeito da Doutrina de Segurana Nacional, v. Maria Helena Moreira Alves, Estado e oposio no Brasil (1964/1984). Petrpolis: Vozes, 1984, Cap. 1. Elio Gaspari tambm minimiza a influncia da DSN. 34 Cf. Juan J. Linz, "Regimes autoritrios". In: Pinheiro, Paulo Srgio (coord.). O Estado autoritrio e os movimentos populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 123-124.
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35 Sobre esses pontos especificamente, cf.: Severo Gomes, Tempo de mudar. Porto Alegre: Globo, 1977; Mrio Henrique Simonsen, Brasil 2001. Rio de Janeiro: APEC, 1969; e id., "O modelo brasileiro de desenvolvimento". In: Mrio Henrique Simonsen & Roberto de Oliveira Campos, A nova economia brasileira. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olympio Editora, 1974, p. 1-22; e Joo Paulo dos Reis Velloso, O ltimo trem para Paris de Getlio a Sarney: "milagres", choques e crises do Brasil moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 151 e ss. O pensamento de Simonsen durante sua passagem pela Fazenda pode ser bem avaliado pela publicao de suas Palestras e conferncias. Rio de Janeiro: Ministrio da Fazenda, 1974/1978. Sobre o sentido dos conflitos internos da equipe ministerial, cf. Adriano Nervo Codato, Sistema estatal e poltica econmica no Brasil ps-64. So Paulo: Hucitec/ANPOCS/Ed. da UFPR, 1997, cap. III. 36 Um centro de poder real (por oposio a centros formais de poder), ou mais simplificadamente, um "centro decisrio" o locus institucional para o qual as demandas de classes, fraes e grupos sociais so prioritariamente dirigidas e onde as decises fundamentais so efetivamente tomadas, no se subordinando hierarquicamente, nesse particular, a nenhuma outra agncia burocrtica no conjunto do sistema estatal. 37 Nicos Poulantzas, La crise des dictatures. Portugal, Grce, Espagne. Paris: Seuil, s.d., p. 122-123.