O PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO DA COMUNIDADE DO … · Trabalho de Conclusão de Curso apresentado...
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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE
DO NORTE
HANIEL CARLOS DE SOUZA LIMA
O PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO DA COMUNIDADE DO MARUIM EM NATAL-RN:
UM EMBATE ENTRE A IDENTIDADE TERRITORIAL E O CRESCIMENTO ECONÔMICO
NATAL-RN
2015
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HANIEL CARLOS DE SOUZA LIMA
O PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO DA COMUNIDADE DO MARUIM EM NATAL-RN:
UM EMBATE ENTRE A IDENTIDADE TERRITORIAL E O CRESCIMENTO ECONÔMICO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Licenciatura Plena em Geografia do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte, em cumprimento às
exigências legais como requisito parcial à obtenção
do título de Licenciado em Geografia.
Orientadora: Mª Maria Luiza de Medeiros Galvão.
NATAL-RN
2015
8
Ficha elaborada pela Biblioteca Setorial Walfredo Brasil / IFRN.
Ficha elaborada pela Biblioteca Setorial Walfredo Brasil / IFRN.
A994s Lima, Haniel Carlos de Souza O Processo de desapropriação da comunidade do Maruim em
Natal-RN: um embate entre a identidade territorial e o crescimento econômico / Haniel Carlos de Souza Lima. – 2015. 110 f. Orientadora: Mª Maria Luiza de Medeiros Galvão.
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Geografia) - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, 2015.
1. Identidade territorial. 2. Desapropriação. 3. Comunidade do
Maruim/Natal-RN. I. Título.
CDU 911.375.632
8
HANIEL CARLOS DE SOUZA LIMA
O PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO DA COMUNIDADE DO MARUIM EM NATAL-RN:
UM EMBATE ENTRE A IDENTIDADE TERRITORIAL E O CRESCIMENTO ECONÔMICO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Licenciatura Plena em Geografia do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte, em cumprimento às
exigências legais como requisito parcial à obtenção
do título de Licenciado em Geografia.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado e aprovado em ____/____/_____, pela
seguinte banca examinadora:
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Maria Luiza de Medeiros Galvão, Mª. – Presidente
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
____________________________________________________
Maria Cristina Cavalcanti Araújo, Dra. – Examinadora
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
____________________________________________________
Marcos Antônio Alves de Araújo, Me. – Examinador
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
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Dedico esse trabalho aos meus familiares e
amigos mais próximos que me deram apoio
nos momentos que precisei.
8
AGRADECIMENTOS
Por tudo o que tens feito, por tudo o que vais fazer, por tuas promessas e tudo o que és,
eu quero te agradecer com todo o meu ser... Te agradeço meu Senhor [...]. BESSA, Ana Paula
Valadão.
Aos familiares e amigos, que acompanharam minha trajetória acadêmica e torceram por
mim nos dias difíceis, sempre me estimulando e dando forças para não desistir da caminhada.
Aos meus queridos pais, Ailton e Aurineide, pela educação, ensinamentos e valores
cristãos que me foi dado, além de incentivos a buscar através dos estudos dias melhores. Não
poderia ter nascido em outra família, pois vocês são os melhores pais que eu podia ter.
Aos meus “chatos” e “irritantes” irmãos, Aninha e Diego, pela amizade e convivência,
por vezes turbulentas, mas como diz uma música da minha cantora predileta, que vocês não
curtem muito: “Irmãos são feitos assim, tão diferentes, mas o amor que corre nas veias é
maior do que tudo”.
À minha querida e amada avó Ana (Nazinha) que durante o início da escrita dessa
pesquisa deu um susto em toda família sendo acometida de uma enfermidade grave, mas que
com a mão de Deus e sua vontade de viver deu a volta por cima. O amor que tenho por ti não
tem explicação, é inenarrável. Obrigado por existir.
À minha esposa, ai que emoção! E.S.P.O.S.A. a quem devo muita gratidão por não
desistir de mim nem do meu intento acadêmico, por me incentivar, cobrar, brigar e
principalmente me dar colo nos momentos mais difíceis, momentos que só ela sabe que
passei. Deus colocou esse anjo em forma de mulher em minha vida e sempre serei grato por
tua existência. “Eu te escolhi, não vou voltar atrás, vou me lembrar do que Deus fez por nós
Nosso amor é eterno, firmado em Deus [...] que nunca passará”.
Aos meus colegas da turma de Licenciatura em Geografia do IFRN, diante de tantas
“tertúlias” e “vivências” geográficas não há como esquecer a maioria de vocês tão cedo.
Especialmente, quero agradecer ao grupo das “Pacots girls” Rayane, Luciana, Glícia e a
agregada e intrigante Mayara, vulgo Mayke, vocês viraram mito em nossa turma e ao lado de
cada uma, as aulas noturnas no IFRN eram muito mais divertidas, sentirei muita falta daquela
convivência diária.
Aos amigos do interior, Cristiane, a quem tive a honra de testemunhar em seu
casamento, Carlos Gustavo e Raul, quanta coincidência me tornar amigo dos alunos que
moravam mais distante, vocês têm espaço reservado em meu coração.
8
À colega de turma Ana Carolina por facilitar o contato com a SEHARPE, foi uma ajuda
fundamental para o andamento dessa pesquisa.
Ao meu querido calouro Francisco (ou Chico, tão somente), já gostei de ter te
conhecido. Muito obrigado a você e a Raulzito pelo auxílio no trabalho de campo, sem a
grande ajuda de vocês o que seria de mim naquele dia? Vocês dispuseram de seus tempos
para ajudar um amigo, só Deus poderá recompensá-los.
Aos professores do curso de licenciatura em Geografia do IFRN que colaboraram direta
ou indiretamente para meu desenvolvimento e aprendizagem que serviram de porta de entrada
para meu aprimoramento profissional. Em especial aos professores Ednardo (Tio Ed),
Francisco Carlos e João Correia.
À professora Maria Cristina, por promover a atividade na disciplina de geografia da
população que norteou minha escolha ao tema sobre a desapropriação da Comunidade do
Maruim e por seu comprometimento e alegria em sala de aula.
Aos moradores da Comunidade do Maruim, por ter abrido as portas para que muitas
discussões e resultados dessa pesquisa se tornassem possíveis. Sempre atenciosos e
receptivos, nunca se negando a responder as perguntas.
Por último e não menos especial, muito pelo contrário, agradeço fervorosamente a
minha querida e admirável orientadora, a professora Ma Maria Luiza (Malu), cujo seu maior
atributo foi ser deveras paciente e atenciosa comigo. Nunca se negando a emprestar e indicar
livros que me ajudaram na construção desse trabalho. À ela, todo meu apreço.
[...] Não posso explicar, tudo o que sinto agora, nem mil palavras poderiam expressar.
És mais que uma canção, bem mais emoção, és mais que uma mera fantasia, és meu dia-a-dia,
és a minha vida, TUDO PARA MIM.
8
Natal tem, nas Rocas, bem escondida,
uma ferida, pequena chaga social,
chamada favela do Maruim.
Espremido entre o rio e a rua,
o Maruim é o lixo discreto,
é a dor calada do silêncio.
Na lama, caminham pés que
nunca chegarão à parte alguma.
Nesses pés caminham vidas que
de há muito foram apagadas.
Emanoel Barreto (2006).
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RESUMO
O estudo do conceito de Território tem se colocado como tarefa árdua para diversos
estudantes e pesquisadores das Ciências Sociais, sobretudo a Ciência Geográfica, pois desde
as primeiras escritas sobre o tema, os estudiosos não conseguiram encontrar um denominador
comum para identificar aquele conceito, devido às múltiplas problemáticas que ele carrega.
Diante disso, o expoente da Geografia brasileira Rogério Haesbaert, desenvolveu, pautado em
outros estudos sobre o tema, seus próprios conceitos, os quais são largamente utilizados na
academia. Dentro desse universo, estudamos a Identidade, a qual, atrelada a Geografia passa a
ser nomeada de Identidade Territorial, que é a identidade exercida quando há relação com o
território. É exatamente com a junção desses debates que nos deparamos com o estudo central
dessa pesquisa, a Comunidade do Maruim na Cidade do Natal e o projeto de desapropriação
por parte da Prefeitura, que como consequência, provocará a iminente perda da Identidade
Territorial presente na vida dos moradores daquela Comunidade, os quais vivem há décadas
no mesmo local e criou vínculos afetivos com este. Mirando o desenvolvimento econômico
para o Rio Grande do Norte, encontra-se o Porto de Natal, o qual busca através da expansão
de seu espaço, maior autonomia e o consequente crescimento econômico, no entanto, esbarra
na presença da Comunidade do Maruim em sua área adjacente, a qual, de acordo com a lei
municipal que definiu a Zona Especial Portuária-ZEP em 1992 é um espaço pertencente
aquele. Com base nisso, surge um relevante conflito fundiário em solo urbano, que há muitos
anos se apresenta na Cidade do Natal, mas apenas nas últimas décadas o Poder Público se
atentou para o problema e se articulou para tentar resolvê-lo, criando mecanismos e projetos
os quais serão mostrados nesse trabalho. Metodologicamente, essa pesquisa buscou fontes
bibliográficas pertinentes ao tema; visitas a órgãos da Prefeitura para colher dados oficiais do
projeto de desapropriação da Comunidade; apresenta resultados e dados estatísticos extraídos
da visita in loco a Comunidade estudada e mostra fotograficamente nuanças pertinentes ao
debate aqui levantado. O resultado acerca do projeto de desapropriação proposto pela
Prefeitura do Natal para a Comunidade do Maruim será demonstrado nas Considerações
finais, fato que nos ajudou a fundamentar ainda mais essa instigante pesquisa.
Palavras-Chave: Território. Identidade Territorial. Comunidade do Maruim. Desapropriação.
8
ABSTRACT
The study of the concept of Territory has been placed as an arduous task for many
students and researchers in the Social Sciences, especially the Geographical Science, because
since the first written on the subject, scholars have failed to find a common denominator to
identify the concept, due to many problems that it carries. Therefore, representative of the
Geography developed, based on other studies on the topic, their own concepts, which are
widely used in the academy. Within that universe, we studied the Identity, which linked to
Geography becomes named Territorial Identity, which is the identity exercised when there is
a relationship with the territory. It is exactly with the junction of those debates that we
encounter the central study of this research, the Community of Maruim in the City of Natal
and the project of expropriation by the City Hall, which as a result will cause the imminent
loss of Territorial Identity present in the lives of the residents of that Community, who have
lived for decades in the same location and created affective bonds with this. Targeting
economic development for the state of Rio Grande do Norte, lies the Port of Natal, which
seeks, through the expansion of its space, greater autonomy and the consequent economic
growth, however, stumbles in the presence of the Community of Maruim in its surrounding
area, which, according to the municipal law that defined the Special Area Port-SAP in 1992 is
a space belonging to the Port. Based on this, a relevant land conflict arises in urban ground
that for many years presents in the City of Natal, but only in the last few decades, the Public
Authorities has looked for the problem and articulated to try to resolve it by creating
mechanisms and projects which will be shown in this paper. Methodologically this research
sought relevant bibliographic sources to the theme; visits to organs of the City Hall to gather
official data of the project for the expropriation of the Community; presents results and
statistical data extracted from the on-site visit to the Community studied and shows
photographically relevant nuances to discussions here raised. The result about the
expropriation project proposed by the City of Natal to the Community of Maruim will be
shown in the final considerations, a fact which helped us to justify even more this exciting
research.
Keywords: Territory. Territorial Identity. Community of Maruim. Expropriation.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 -
Figura 2 -
Figura 3 -
Figura 4 -
Figura 5 -
Figura 6 -
Figura 7-
Figura 8 -
Figura 9 -
Fotografia 1 -
Crescimento do tecido urbano na Comunidade do Maruim.
Linha do tempo mostrando o Porto de Natal e a Comunidade do
Maruim com seus direitos na legislação municipal e na portaria
ministerial.
Situação fundiária da Comunidade do Maruim e do Porto de Natal
Maquetes em 3D do projeto inicial para o Residencial Maruim.
Planta baixa de unidades habitacionais a serem construídas no
Residencial Maruim.
Planta de situação proposta para intervenção urbanística na área
remanescente da Comunidade do Maruim.
Maquete em 3D proposta para intervenção urbanística na área
remanescente da Comunidade do Maruim.
Maquete em 3D proposta para intervenção urbanística na área
remanescente da Comunidade do Maruim e adjacência.
Layout do Porto de Natal com as novas áreas já integradas.
Vista aérea dos Bairros das Rocas e da Ribeira com destaque para a Comunidade do Maruim.
61
64
66
93
94
96
96
98
99
16
Fotografia 2 -
Fotografia 3 -
Fotografia 4 -
Vista aérea do Porto de Natal.
(A) e (B) Porto de Natal no início de sua operação.
Fachada da Colônia de Pesca da Comunidade do Maruim.
18
55
59
Fotografia 5 -
Fotografia 6 -
Fotografia 7 -
Canto do Mangue (Ribeira) na década de 1930.
Comunidade do Maruim em 1982.
Mulheres exercendo atividade pesqueira na Comunidade do Maruim.
60
60
72
Fotografia 8 - Minérios próximos às casas na Comunidade do Maruim. 79
Fotografia 9 - Esgotamento sanitário na Comunidade do Maruim. 80
Fotografia 10- Coleta de lixo na Comunidade do Maruim. 81
Fotografia 11- (A) encanação despejando efluentes domésticos no Rio Potengi;
(B) lixos e esgotos lançados no Rio Potengi.
82
8
Fotografia 12-
Fotografia 13-
Fotografia 14-
Fotografia 15-
Localização dos terrenos propostos para o reassentamento da
Comunidade do Maruim.
Distância entre o terreno escolhido para o reassentamento da
Comunidade do Maruim em relação a atual localidade da mesma.
Obras do Residencial Maruim 36% concluídas
Vista aérea dos setores do Porto de Natal.
91
92
95
99
Gráfico 1 - Grau de instrução da Comunidade do Maruim.
69
Gráfico 2 - Quantidade de anos que os moradores vivem na Comunidade do
Maruim.
70
Gráfico 3 - Principais características, que segundo os moradores da Comunidade
do Maruim, melhor definem a localidade.
71
Gráfico 4 - A importância do Rio Potengi e seu mangue para a vida dos moradores
da Comunidade do Maruim.
73
Gráfico 5 - Razões pelas quais, segundo os moradores da Comunidade do Maruim,
a mesma deve permanecer no Bairro da Ribeira.
74
Gráfico 6 - Fontes de renda ou ganhos das famílias da Comunidade do Maruim.
75
Gráfico 7 - De que maneira a administração pública vem conduzindo a saída dos
moradores da Comunidade do Maruim da atual localidade.
77
Gráfico 8 - Razões que segundo os moradores da Comunidade do Maruim são
apontadas pela Prefeitura do Natal como principais motivos para a
realocação.
78
Gráfico 9 - O que a Comunidade do Maruim propôs a Prefeitura do Natal como
contrapartida da desapropriação.
83
Gráfico 10 - O que a Comunidade do Maruim considera como inserto em relação à
desapropriação.
84
Mapa 1 - Aglomerações Subnormais na Cidade do Natal. 43
Mapa 2 -
Mapa 3 -
Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) na Cidade do Natal com
destaque para a Comunidade do Maruim.
Zona Especial Portuária (ZEP) da Cidade do Natal.
53
56
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 -
Tabela 2 -
Histórico da movimentação geral de cargas no Porto de Natal 2008-2014
(em ton.)
Projeção de movimentação de cargas no Porto de Natal para os anos de
2010-2017.
57
100
8
LISTA DE SIGLAS
AEIS
AERU
Área Especial de Interesse Social
Área Especial de Recuperação Urbana
BNH Banco Nacional de Habitação
CODERN Companhia Docas do Rio Grande do Norte
FCP Fundação da Casa Popular
HIS Habitação de Interesse Social
IAP‟s Instituto de Aposentadorias e Pensões
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
MC Ministério das Cidades
PDN Plano Diretor de Natal
PDZ Plano de Desenvolvimento e Zoneamento
PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida
PRAC Plano de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais
SEHARPE Secretaria Municipal de Habitação, Regularização Fundiária e Projetos
Estruturantes
SEMURB Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo
SEMTAS
SPU
Secretaria Municipal de Trabalho e Ação Social
Superintendência do Patrimônio da União
TDR Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização
U.H.s
ZEP
ZEPH
Unidades Habitacionais
Zona Especial Portuária
Zona Especial de Preservação Histórica
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
2 A CIDADE, O TERRITÓRIO, A IDENTIDADE E AS DINÂMICAS
TERRITORIAIS
23
2.1 A CIDADE COMO LÓCUS DAS COMUNIDADES 24
2.2 O TERRITÓRIO E A IDENTIDADE 26
2.3 AS DINÂMICAS TERRITORIAIS DE TERRITORIALIZAÇÃO,
DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO (TDR)
30
3
3.1
3.2
A QUESTÃO HABITACIONAL NO BRASIL E SUAS PROBLEMÁTICAS
INSERÇÃO DAS FAVELAS NO BRASIL – BREVES COMENTÁRIOS
DIREITO À MORADIA, HABITABILIDADE E HABITAÇÃO
38
39
44
3.3 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL (HIS) 47
3.3.1 Habitação de Interesse Social (HIS) na Cidade do Natal 50
4 PORTO DE NATAL X COMUNIDADE DO MARUIM 54
4.1 PORTO DE NATAL: HISTÓRIA E CONTEXTO ATUAL 55
4.2
4.3
COMUNIDADE DO MARUIM: HISTÓRIA E CONTEXTO ATUAL
CONFLITO FUNDIÁRIO URBANO
58
63
5
5.1
6
MARUIM: DO INÍCIO AO “FIM”
DISCUSSÕES ACERCA DA DESAPROPRIAÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS (PARA NÃO CONCLUIR)
67
68
87
REFERÊNCIAS 103
APÊNDICE A – Formulário aplicado aos moradores da Comunidade do Maruim 110
14
1 INTRODUÇÃO
15
Há muitos anos, conceituar e entender o significado de „território‟ para cada
concepção analisada, tem sido tarefa árdua para diversos estudiosos da Ciência Geográfica.
Em vista disso, esclarecemos desde já, que nossa pesquisa analisa o mesmo,
predominantemente, a partir dos entendimentos apresentados pelo geógrafo Rogério
Haesbaert, que estuda o território através de três dimensões: jurídico-política, simbólico-
cultural e econômica, no entanto, outros autores se farão presentes para auxiliá-lo no
entendimento daquele conceito tão complexo. A dimensão simbólico-cultural, representada
pela temática da Identidade Territorial, será sem dúvida a mais comentada nessa pesquisa
quando formos tratar acerca do território, contudo, não deixaremos de citar as demais
dimensões quando for conveniente.
A Identidade Territorial é algo intrínseco na vida de qualquer grupo de pessoas que
compartilham do mesmo território. Se levarmos em conta que o território apropriado foi
sendo construído ao longo de muito tempo por todos, onde gerações de famílias e estilos de
vida foram instituídos, as implicações são ainda maiores. Nesse sentido, Haesbaert (1999,
p.172) fala que “a identidade territorial é uma identidade social definida fundamentalmente
através do território, ou seja, dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo
das idéias quanto no da realidade concreta”, e:
É na trama de todos os dias, como fala Di Méo (1998, p. 48), “aquém e além do
político e do econômico, que se manifestam, realizam-se e concretizam-se os
mecanismos de identificação coletiva”. Esses mecanismos contribuem para a
manifestação identitária em termos de pertencimento a um território. (DI MÉO 1998
apud MORAIS, 2008, p.37).
É dessa forma que a Comunidade do Maruim (fotografia 1), localizada entre os
Bairros das Rocas e da Ribeira, Zona Leste da Cidade do Natal no Rio Grande do Norte (RN),
se encontra, dotada de identidade pelo território, o qual começou a se desenvolver a partir da
década de 1920 com a criação de uma colônia de pesca, posteriormente transformada em vila
de pescadores. Hoje, seus moradores precisam ser desapropriados para atender as
necessidades do Porto de Natal que requer mais espaço para suas operações em decorrência
das exigências do mercado econômico mundial.
16
Fotografia 1 - Vista aérea dos Bairros das Rocas e da Ribeira com destaque para a
Comunidade do Maruim.
Fonte: Google Earth adaptado (2013).
A necessidade de ampliação do Porto se dá pela falta de espaço na área em que o
mesmo se localiza, de modo que, segundo especialistas da Companhia Docas do Rio Grande
do Norte – CODERN1, seu crescimento só se tornaria possível a partir da remoção da
Comunidade do Maruim da área do seu entorno. Quanto a esse fato, o Plano de
Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ do Porto de Natal descreve que:
Esta ampliação é absolutamente exigível em decorrência da necessidade de
disponibilidade de espaços físicos para a movimentação de contêineres. A
integração do Pátio Norte com a área ocupada pela Comunidade do Maruim, que
possui cerca de 14.000m² [tamanho questionável], resultará numa área total de
aproximadamente 27.500m², o que representa um aumento na capacidade de
armazenamento [...] (COMPANHIA... 2010, p. 90).
E finaliza dizendo que “Do exposto, a execução do PDZ do Porto de Natal é um
desafio de gestão a ser enfrentado, cujo benefício maior é o desenvolvimento socioeconômico
do RN”. (COMPANHIA... 2010, p.100).
O PDZ é o instrumento de comunicação oficial do Porto de Natal que serve de base
para implantar e operacionalizar as ações e projetos de infraestrutura que serão desenvolvidas
1 A partir de 1983 [...] a administração do Porto de Natal passou a ser uma atribuição da Companhia Docas do
Rio Grande do Norte - CODERN. (COMPANHIA... 2010).
17
pelo mesmo ao longo do tempo. No entanto, há muitos anos esbarram na existência do
Conflito Fundiário Urbano com a Comunidade do Maruim para poder se apropriar de tal área,
e a partir daí executar o planejamento idealizado. O Porto está situado à margem direita do
Rio Potengi acerca de 3 km de sua foz.
É nítida a necessidade do crescimento do Porto de Natal em favor da economia do Rio
Grande do Norte, no entanto, desapropriar – ou em termos geográficos desterritorializar –
uma Comunidade com tantos anos consolidada, não é tarefa fácil, visto que inúmeras
imbricações estão presentes; o sentimento da perda da identidade pelo território é a principal
delas. Na nossa pesquisa, as dimensões do território que os moradores da Comunidade do
Maruim se apropriam, assumem um caráter material-simbólico, ou seja, estão ligados tanto ao
apego a “terra”, onde foram construídas suas casas, como aos recursos econômicos
disponíveis para suas sobrevivências nas proximidades da Comunidade, sobretudo pela
existência do Rio Potengi à margem das suas casas. É o que Haesbaert (2005, p. 6777) quer
mostrar quando diz que “para os “hegemonizados”2 o território adquire muitas vezes tamanha
força que combina com intensidades, iguais funcionalidades (“recurso”) e identidade
(“símbolo”)”. Desta forma:
“perder seu território é desaparecer”. O território, neste caso, “não diz respeito
apenas à função ou ao ter, mas ao ser”. [...] muitas vezes [...] é entre aqueles que
estão mais destituídos de seus recursos materiais que aparecem formas as mais radicais de apego às identidades territoriais. (BONNEMAISON; CAMBRÈZY,
1996 apud HAESBAERT, 2005, grifo nosso).
Em vista disso, no palco entre dominantes e dominados, a apropriação ao território
assume papéis diferenciados, onde, o primeiro privilegia seu caráter funcionalista-
mercantilista (o território como recurso), já o segundo, valoriza-o para que possa ter
“garantido” sua sobrevivência cotidiana (o território como abrigo e também como recurso).
(HAESBAERT, 2005, p. 6776-6777). Tais nuanças dão lugar à conhecida temática da
Desterritorialização, que no nosso caso, assume uma múltipla dimensão proposta por
Haesbaert (2004), uma vez que conjugam fatores de caráter econômico-político e simbólico-
cultural em sua problemática.
Deste modo, temos, de um lado, o Porto de Natal, amparado pela lei municipal que
criou a Zona Especial Portuária (ZEP) em 1992, que confere direitos sobre áreas adjacentes ao
mesmo e a lei Federal dos Portos de 2013, que defende, entre outras coisas, a expansão dos
2 Termo usado por Milton Santos em suas escritas para descrever as pessoas que estão aquém do poder do Estado
(“ator hegemônico”). (SANTOS, et al. 2000 apud HAESBAERT, 2005).
18
portos, desde que seja comprovada a eficiência para a operação portuária. Do outro, a
Comunidade do Maruim defendida por leis Federal e Municipal que garantem o direito a
habitação por situar em uma Área Especial de Habitação de Interesse Social (AEIS); Zona
Especial de Preservação Histórica (ZEPH), por se localizar no Bairro da Ribeira; pela própria
ZEP, pois faz parte da área próxima ao Porto e por se inserir numa área de vulnerabilidade
social, rodeada por diferentes implicações a serem comentadas ao decorrer desta pesquisa.
Diante desses fatos, este trabalho estuda o processo de desapropriação da Comunidade
do Maruim a partir da análise do embate entre a identidade territorial presente na vida dos
moradores daquela e a busca pelo crescimento econômico do Rio Grande do Norte,
evidenciado pela ampliação do porto da Cidade do Natal (Fotografia 2).
Fotografia 2 - Vista aérea do Porto de Natal.
Fonte: Alex Régis (2012).
A Comunidade do Maruim me foi “apresentada” no quarto período do curso de
licenciatura em Geografia do IFRN, em um projeto integrado entre as disciplinas, com o
objetivo de investigar a existência de projetos de educação ambiental entre as escolas que
atendiam estudantes de comunidades ribeirinhas. O segundo contato, esse de cunho mais
explorador, foi requisito parcial da avaliação final na disciplina de Geografia da População,
no quinto período do curso. O objetivo da atividade era fazer um diagnóstico socioambiental
19
em alguma comunidade ribeirinha e posteriormente apresentar os resultados para a turma,
imediatamente a Comunidade do Maruim apareceu como nossa principal opção. Foi a partir
desses contatos que me interessei em estudar aquela Comunidade de maneira mais intensa,
pois por observar que a mesma apresentava diversas problemáticas com contextos “geo-
históricos” me deixou deveras instigado.
Metodologicamente o trabalho buscou fontes bibliográficas pertinentes ao tema, como
livros e revistas científicas em bibliotecas e acervo próprio; pesquisas em sites com temáticas
acadêmicas e periódicos oficiais com assuntos relacionados à pesquisa; visita a órgãos oficiais
da Prefeitura do Natal como à secretaria responsável por problemas habitacionais; visita in
loco a Comunidade estudada, onde podemos conversar e fazer aplicações de formulários para
traçar o perfil populacional, identitário e social daquela comunidade além de registros
fotográficos e fonográficos de aspectos importantes que serão discutidos ao longo do trabalho.
Para realização dessa pesquisa elaboramos um formulário que foi aplicado com uma
parcela da população da Comunidade do Maruim escolhida aleatoriamente, a fim de
quantificar e qualificar, concomitantemente, àquela. O formulário contém oito perguntas
indiretas e fechadas3, onde a população entrevistada poderia indagar sobre as questões, algo
típico da coleta de dados via formulário. Para justificar o uso do formulário como instrumento
de pesquisa de campo, Andrade (2005, p. 151) explica que “O formulário é usado quando se
pretende obter respostas mais amplas, com maior número de informações”. Dentre algumas
vantagens em se aplicar os formulários Andrade (2005, p. 151) relata que o mesmo:
[...] pode ser aplicado para qualquer tipo de informante, seja ou não alfabetizado,
uma vez que pode ser preenchido pelo pesquisador; apresenta mais flexibilidade,
pois o pesquisador pode reformular perguntas, adaptando-as a cada situação, modificando itens ou tornando a linguagem mais clara; o pesquisador pode explicar
melhor os objetivos da pesquisa, esclarecer o significado de termos ou explicar
melhor o objeto da questão; o formulário possibilita a coleta de dados mais
complexos e mais numerosos que o questionário; o pesquisador preenche ou orienta
o preenchimento, proporcionando mais uniformidade na anotação das respostas.
Diehl e Tatim (2004, p. 70) confirmam a importância no uso do formulário dizendo
que “[...] é um dos instrumentos essenciais para a investigação social, e seu sistema de coleta
de dados consiste em obter informações diretamente do entrevistado”. Podemos verificar na
coleta de dados a maioria das vantagens elencadas por Andrade, uma vez que, apesar de ser
um instrumento de pesquisa que requer maior tempo para execução, as perguntas puderam ser
adaptadas ou reformuladas a depender da situação encontrada ou de determinado entrevistado,
3 Perguntas fechadas são aquelas que indicam três ou quatro opções de resposta ou se limitam à resposta
afirmativa ou negativa, e já trazem espaços destinados à marcação da escolha (ANDRADE, 2005).
20
fazendo com que a entrevista se tornasse mais elucidativa e o formulário fosse preenchido
com maior rigor, tornando as respostas mais verossímeis possíveis. Para escrever as questões
presentes no formulário da pesquisa foram necessários estudos prévios acerca da Comunidade
do Maruim, para entender a temática pela qual a mesma está inserida e a partir daí aproximar
as opções de respostas do formulário de acordo com os acontecimentos pelos quais aquela
Comunidade passa e estará sujeita a passar nos próximos anos. Julgamos a escolha de
perguntas pré-definidas através de formulários, porque são melhores para tabular e explicar os
resultados, uma vez que, se utilizássemos o recurso entrevista, por exemplo, as respostas
seriam variadas e em nosso caso seriam difíceis de serem esmiuçadas na presente pesquisa.
Apesar de escolhermos a técnica do formulário, foram feitas perguntas extras a fim de buscar
mais informações com relação à identidade dos moradores da Comunidade do Maruim para
com o local onde vivem, além de termos ouvido diversos relatos que também serão descritos
nesse trabalho.
No total foram entrevistadas 36 pessoas adultas, sendo 34 acima de 18 anos e apenas
duas com 14 e 16 anos, mas que já fazem parte da classe trabalhadora da Comunidade,
executando atividades no ramo da pesca. A escolha de 36 formulários se deu a partir de
estatística básica, de acordo com o total de moradores existentes na Comunidade estudada,
por volta de 700. Para selecionar certa parte da população de determinado lugar, faz-se
necessário se atentar para quais tipos de procedimentos serão mais apropriados para atender a
pesquisa, no nosso caso, a amostragem probabilística aleatória simples foi a mais adequada,
visto que atende aos critérios propostos para a temática do trabalho. De acordo com Diehl e
Tatim (2004, p.64) a amostragem probabilística aleatória simples se constitui por:
[...] poder ser submetida a tratamento estatístico, o que permite compensar erros
amostrais e outros aspectos relevantes para representatividade e a significância da
amostra [...] A escolha dos participantes da amostra é feita ao acaso (ou seja, é
aleatória), podendo ser utilizadas diferentes formas de sorteio dos participantes
quando cada membro da população tem a mesma probabilidade de ser escolhido.
Por compensar erros amostrais e qualquer pessoa da Comunidade ter a mesma
probabilidade de ser escolhido para os questionamentos, esse tipo de procedimento se torna
vantajoso, pois não há distinção entre as pessoas, tornando o trabalho mais verossímil e isento
de proselitismos.
De acordo com a abordagem do problema, essa pesquisa pode ser classificada segundo
definições de Diehl e Tatim (2004, p. 51-52) tanto qualitativamente como quantitativamente,
uma vez que, procuramos tratar as informações por meio de técnicas estatísticas (pesquisa
21
quantitativa) e descrever, compreender e classificar os processos dinâmicos vividos por
grupos sociais, fatores típicos da pesquisa qualitativa. O dado qualitativo é empregado em
questões onde queremos saber sobre a identidade territorial dos moradores da Comunidade do
Maruim, o emprego desse tipo de abordagem auxilia o pesquisador a entender melhor os
fenômenos estudados, já que é feita através da análise direta e interativa com o objeto de
estudo.
As indagações feitas aos moradores da Comunidade do Maruim têm cunhos
exploratório-descritivos, ou seja, buscamos encontrar nas respostas dos entrevistados, dilemas
e situações vivenciados pelos mesmos em relação à proposta de realocação da comunidade,
Procuramos adquirir ainda, informações acerca da identidade da população do Maruim para
com o local os quais vivem (na Ribeira do Rio Potengi) e quantificá-los para com seus graus
de escolaridade, renda familiar e tempo de vivência na comunidade, questões muito
importantes para definição de alguns aspectos visualizados na pesquisa de campo e postos a
discussões neste trabalho.
Essa pesquisa está dividida em 5 seções: na Introdução, apresentamos resumidamente
os temas que nortearão essa pesquisa, tais como o Território, a Identidade Territorial, a
dinâmica territorial da Desterritorialização e sua implicação na Comunidade do Maruim e
mostramos a situação do Porto de Natal, da Comunidade do Maruim e seus direitos garantidos
por lei, o que ocasiona o Conflito Fundiário Urbano existente. Na segunda seção, de natureza
teórica, teceremos discussões acerca dos principais conceitos utilizados ao longo do trabalho,
como a Cidade, o Território, a Identidade e as Dinâmicas territoriais. Em seguida, na terceira
seção, faremos breves considerações em relação ao surgimento das Comunidades no Brasil e
especificamente na Cidade do Natal; mostraremos leis que garantem o direito à moradia;
conceituaremos a Habitabilidade e a Habitação e por fim, contextualizaremos historicamente
a Habitação de Interesse Social no Brasil e em Natal. Na quarta seção, apresentaremos o Porto
natalense, a Comunidade do Maruim, seus devidos contextos históricos e suas condições
estruturais e sociais. Além disso, traremos um debate acerca do Conflito Fundiário Urbano
pelo qual aqueles enfrentam há muitos anos. Já na quinta seção, de natureza empírica,
exibiremos e discutiremos os resultados gerados da análise dos dados coletados na visita in
loco, sobre os aspectos socioeconômicos e estruturais da Comunidade do Maruim. Para
finalizar esta pesquisa, nas Considerações finais – as quais acrescentamos a nomenclatura
“para não concluir” de Rogério Haesbaert4 – traremos as impressões e inquietudes durante o
4 Em muitas de suas escritas o geógrafo Rogério Haesbaert prefere terminar seu texto com a nomenclatura “Para
não concluir”.
22
estudo e construção desta pesquisa; acrescentaremos informações com relação a pesquisa de
campo, como comentários extras de moradores que as perguntas do formulário não
conseguiram abarcar, mas que são pertinentes a pesquisa; visões pessoais quanto a demais
aspectos sociais existentes na Comunidade do Maruim e ainda mostraremos o projeto atual
da Prefeitura do Natal em relação a construção do denominado “Residencial Maruim”, local
para onde as famílias daquela Comunidade serão realocadas.
23
2 A CIDADE, O TERRITÓRIO, A IDENTIDADE E AS DINÂMICAS TERRITORIAIS
24
2.1 A CIDADE COMO LÓCUS DAS COMUNIDADES
Antes de começar tecer quaisquer comentários sobre determinada temática urbana, faz-
se necessário conceituar o que se entende por Cidade; quais os atores sociais presentes nela; o
que a mesma carrega em si, levando-se em conta as contradições e/ou coerências. De fronte a
isso, Souza (2005, p. 28) diz que:
[…] uma cidade é um local onde pessoas se organizam e interagem com base em interesses e valores os mais diversos, formando grupos de afinidade e de interesse,
menos ou mais bem definidos territorialmente com base na identificação entre certos
recursos cobiçados e o espaço, ou na base de identidades territoriais que os
indivíduos buscam manter e preservar […]
A Cidade, acima conceituada, abrange muitas relações cotidianas do homem no espaço
geográfico. Em nosso caso, o espaço da Cidade suscitará toda a discussão da pesquisa, pois é
nela que ocorrem os conflitos que serão abordados circunstancialmente. Algo bastante
interessante descrito pelo autor e que ocasionará comentários posteriores nesse trabalho, é o
fato da Cidade ser também um lugar de formação de identidade territorial, onde as pessoas
buscam preservá-la e manter relações por muito tempo. Se valendo de outra definição sobre
Cidade, Braga e Carvalho (2004, p. 2) relatam que:
[...] a cidade, ao mesmo tempo em que favorece o processo civilizatório, pois demanda, na difícil tarefa de construir espaços amigáveis, relações sociais solidárias,
exige uma ação social cada vez mais sofisticada, em que os conflitos possam ser
resolvidos progressivamente de forma mais democrática, mais justa, mais rica,
sobretudo culturalmente, mais sadia e sustentável.
É importante destacar um aspecto novo mostrado no conceito de Braga e Carvalho,
pois trazem à tona a questão dos conflitos existentes nas cidades, tais acontecimentos podem
surgir das mais diferentes formas e por diferentes setores da sociedade, visto que a dinâmica
do espaço na cidade ocorre de forma mais rápida e constante que no campo. De posse dessa
situação, Corrêa (1997, p. 171) descreve que:
[a dinâmica da cidade] trata-se de um espaço complexo, simultaneamente
fragmentado e articulado, reflexo e condição social, campo simbólico e campo de
lutas. Sua complexidade torna-se maior em razão da poderosa inércia que suas
formas possuem [...].
É sabido que, quanto maior for a cidade ou núcleo urbano, maior será sua
complexidade, fragmentação e articulação do espaço, visto que conforme Corrêa (1997),
certas transformações nas cidades são, em grande parte, condicionadas por sua dimensão
25
demográfica. Algumas transformações virão a surgir em decorrência do aumento populacional
de determinada cidade, sendo importante observar, no entanto, cada singularidade inerente a
dado lugar, seja pelo contexto histórico urbano ou regional mais consolidado ou pela inserção
mais rápida aos processos urbano-capitalistas. Natal, no Rio Grande do Norte, considerada
uma Capital Regional nível 2A5 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
passa por várias transformações inerentes ao recorrente aumento populacional ao longo dos
anos. De acordo com Corrêa (1997), a descentralização e seu impacto no núcleo central, a
ratificação de setores residenciais seletivos, a “explosão” da periferia popular e os novos
territórios que surgem, são as principais transformações que ocorrem nas cidades em
constante crescimento.
Entre as transformações elencadas por Corrêa, as mais pertinentes para a construção
dessa pesquisa são as questões ligadas à afirmação e segregação residencial e o vertiginoso
crescimento da periferia popular (formada por comunidades próximas ou afastadas das áreas
centrais). Esses fatos são discutidos por Souza (2005, p 82), onde argumenta que:
[Os] dois grandes conjuntos de problemas, ou duas grandes problemáticas,
associam-se fortemente às grandes cidades: a da pobreza e a da segregação
residencial. A pobreza, obviamente, nada parece ter de típica ou especificamente
urbano, à primeira vista [...] Contudo, a pobreza urbana se reveste de
peculiaridades, tanto por conta de suas formas e expressão espacial características
(favelas, periferias pobres, áreas de obsolescência), quanto por causa das estratégias
de sobrevivência, legais e ilegais, que a elas se vinculam [...]
Além da pobreza está atrelada ao aparecimento de favelas e periferias, a segregação
residencial também está diretamente ligada ao seu surgimento, de modo que, segundo Souza
(2005, p. 83-84):
A segregação residencial é um fenômeno urbano, e da grande cidade muito mais que
das cidades pequenas [...] é um resultado de vários fatores, os quais, entre si, são
altamente problemáticos: da pobreza (e do racismo...) ao papel do Estado na criação
de disparidades espaciais em matéria de infra-estrutura e no favorecimento dos
moradores da elite [...]
Todas estas questões apresentadas pelos autores citados, contribuem para nos
esclarecer algumas nuanças presentes em uma cidade grande ou em uma metrópole, pois cada
5 [As capitais regionais] como as metrópoles, também se relacionam com o estrato superior da rede urbana. Com
capacidade de gestão no nível imediatamente inferior ao das metrópoles, têm área de influência de âmbito
regional, sendo referidas como destino, para um conjunto de atividades, por grande número de municípios. [...]
este nível [...] tem três subdivisões [A, B, C]. O primeiro grupo [onde Natal se enquadra] inclui as capitais
estaduais não classificadas no nível metropolitano e Campinas. (IBGE, 2008).
26
vez mais cidades brasileiras tendem a passar por transformações inerentes ao crescimento
urbano acelerado e a falta de planejamento.
2.2 O TERRITÓRIO E A IDENTIDADE
Durante muitos anos a temática sobre “território” foi negligenciada pelas Ciências
Sociais, as quais deveriam deter total domínio acerca daquele conceito, uma vez estudam o
homem e suas múltiplas espacialidades na natureza. Aquelas ciências começaram a se
apropriar dos conceitos de território e territorialidade a partir da década de 1960 nas escritas
dos sociólogos Lyman e Scott. Na Ciência Geográfica, a primeira grande obra que tratava
especificamente sobre o território foi escrita por Torsten Malmberg em 19806, denominada de
Territorialidade Humana, que embora tenha recebido diversas críticas por ter fundamentação
teórica de cunho behaviorista, se tornou uma obra de referência para a Geografia e estreitou
os laços de comunicações entre as demais ciências da área social, fato até então pouco
difundido (HAESBAERT, 2004, p. 36).
Por ser um conceito amplo, o território pode incorporar diferentes significados a
depender da ciência que o estude, assim, o que é dado mais foco na Geografia, pode passar
despercebido na Sociologia ou na Psicologia, por exemplos. Na nossa pesquisa, focalizamos o
estudo do Território a partir do viés Geográfico e para um melhor entendimento delimitamos
suas definições de acordo com as obras do geógrafo brasileiro Rogério Haesbaert, no entanto,
também nos valeremos de auxílios de outros pesquisadores.
Para Haesbaert (2004, p. 40), três dimensões ajudam a definir o território, a dimensão
político-jurídica, a econômica e a simbólico-cultural. As primeiras dimensões se identificam
quanto as suas ideologias material-concreta (o território como interesse e exercício do poder),
já a última tem caráter subjetivo, onde o território é visto como produto da
apropriação/valorização simbólica, algo que não se ver apenas se sente, o que também é
conhecido por “Identidade Territorial”. Na maioria das vezes, um só território pode engendrar
todas essas dimensões em sua composição, seja por imposição dos agentes hegemônicos ou
pelo contexto histórico de formação e consolidação do território dos hegemonizados, acerca
disso Haesbaert (1997) conclui que o território abarca:
[...] sempre, ao mesmo tempo, mas em diferentes graus de correspondência e
intensidade, uma dimensão simbólico-cultural, através de uma identidade territorial
atribuída pelos grupos sociais como forma de „controle simbólico‟ sobre o espaço
6 Jean Gottman já havia escrito sobre a temática do território nos anos de 1952, 1973 e 1975, no entanto, foram
contribuições pontuais, sem grandes aprofundamentos. (HAESBAERT, 2004).
27
onde vivem e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a
apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos
indivíduos. (HAESBAERT, 1997, p. 42).
Na visão de Haesbaert, por menor que sejam as interações, as dimensões do território
nunca se manifestam completamente separadas uma da outra, dessa forma, sempre há um
pouco de cada dimensão no universo da outra. Essa definição é apoiada por Di Méo (1998
apud COELHO NETO, 2013, p. 46) quando fala que a edificação do território:
[...] combina as dimensões concretas, materiais, aquelas dos objetos e dos espaços,
aquelas das práticas e das experiências sociais, mas também as dimensões ideais das
representações (ideias, imagens, símbolos) e dos poderes. Acrescentamos que esses
diferentes registros encontram seu princípio unificador e sua coerência no sentido que os indivíduos conferem a sua existência terrestre, através do espaço que eles se
apropriam e do qual eles fazem um valor existencial central
Nesse sentido, observamos a presença da prática do “poder” – agora não associado
somente ao poder político – em todas as dimensões que um território pode tomar, deste modo,
seja num sentido mais concreto de “dominação” ou de sentido mais simbólico de
“apropriação”, as relações de poder entram em cena. Os processos de “apropriação” e
“dominação” são distinguidos por Henri Lefebvre, onde descreve que o primeiro é muito mais
simbólico e impregnado das marcas do “vivido”, do valor sentimental de uso, já o segundo é
mais funcional, concreto e atrelado ao valor de troca. (LEFEBVRE, 1986, p. 411-412 apud
HAESBAERT, 2005, p. 6774-6775). Desta forma, podemos inferir que o território é
desenvolvido “a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material
das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais
estritamente cultural” (HAESBAERT, 2004, p.79).
É exatamente nessa direção que a presente pesquisa encontra seu principal problema a
ser destrinchado, pois, no território da Comunidade do Maruim, objeto de estudo central desta
monografia, reside atualmente cerca de 700 pessoas que desde a formação da Comunidade,
datada da década de 1920, nasceram, cresceram e viram centenas de famílias se instalarem na
localidade ao longo do tempo. Além disso, muitos moradores retiram seus sustentos através
da pesca oriunda do Rio Potengi que fica às margens de suas casas, fato que contribui
substancialmente para manter a ligação dos mesmos ao ambiente no qual ainda vivem. A
partir desse fato, entendemos que o território representa para os habitantes desta Comunidade
mais que um espaço de terra, um abrigo para se proteger das chuvas, ou um “ganha-pão”, o
território é marcado por memórias, símbolos e heranças do passado. Desta forma constatamos
a presença de uma proeminente “Identidade Territorial”. No entanto, visando o crescimento
28
econômico do Estado do Rio Grande do Norte, a Prefeitura do Natal propôs a desapropriação
da Comunidade do Maruim em contrapartida ao aumento na área do Porto da cidade, fato que
coloca em evidência um Conflito Fundiário Urbano de difícil resolução, uma vez que, tanto o
Porto quanto a Comunidade têm seus direitos pela terra e por habitação garantidos por leis.
Nesse contexto, voltamos a nos referir a Haesbaert e sua discussão acerca das dimensões que
um mesmo território pode assumir. Em nosso caso, a problemática apresentada nos remete às
dimensões “simbólico-cultural” e “político-disciplinar”, onde a primeira diz respeito ao
“controle simbólico” dos grupos sociais ao espaço onde vivem a partir da sua Identidade
Territorial (Comunidade do Maruim) e a segunda refere-se ao exercício do poder político
(Prefeitura) para o controle e delimitação do espaço e de seus indivíduos através da
desapropriação da já referida Comunidade.
Conforme podemos perceber, a temática da identidade aparece em nosso trabalho pelo
olhar geográfico, ou seja, como Identidade Territorial, a qual é compreendida como a
identidade estabelecida em sua relação com o território, pois conforme Haesbaert (1999, p.
179) “as identidades só são territoriais quando sua estruturação depende da apropriação
simbólica no/com o território”.
Os geógrafos franceses Joel Bonnemaison e Luc Cambrèzy concedem atenção especial
ao estudo da dimensão simbólica do território. Para eles, o território é “o lugar fundador das
identidades locais e a mola secreta de sua sobrevivência” (BONNEMAISON; CAMBRÈZY,
1996, p. 9 apud MORAIS, 2008, p. 34). Aqueles geógrafos acreditam que todo grupo de
pessoas tem indispensável necessidade de se relacionar com o lugar os quais vivem;
acrescentam que o “poder do laço territorial revela que o espaço é investido de valores não
apenas materiais, mas também éticos, espirituais, simbólicos, e afetivos” e finalizam dizendo
que o território é, consequentemente, “um construtor de identidade, talvez o mais eficaz de
todos”. (BONNEMAISON; CAMBRÈZY, 1996, p. 10-14 apud HAESBAERT, 2004, p. 72-
73, grifo nosso). Nesse sentido, observamos a articulação entre o poder simbólico, a
identidade e o território. Tal questão é elucidada por Haesbaert (1997), o qual diz que:
[...] esse poder simbólico, ao se manifestar pode fazer uso de elementos espaciais,
representações ou símbolos, constituindo assim uma identidade territorial, ou seja,
um conjunto concatenado de representações socioespaciais que dão ou reconhecem
uma certa homogeneidade em relação ao espaço ao qual se referem, atribuindo
coesão e força (simbólica) ao grupo que ali vive e que com ele se identifica.
(HAESBAERT, 1997, p. 50, grifo nosso).
Podemos inferir, então, que é a partir da ação do poder simbólico atribuído histórico e
culturalmente com o território, de determinada população, que surge a Identidade Territorial,
29
que por sua vez, se revela como a principal “arma” dos hegemonizados frente ao poder
político dos agentes hegemônicos.
As Identidades Territoriais consolidadas por um grupo de pessoas que compartilham
de um mesmo território, se apresentam tanto nas memórias construídas no passado, quanto
nos dilemas sociais contemporâneos. Para confirmar esse comentário, Haesbaert (2007a apud
MORAIS, 2008, p. 36) relata que:
A construção das identidades territoriais possui duas dimensões, uma ancorada na
memória coletiva, construída em torno do passado para confirmar uma diferenciação
e construir, com maior sucesso, uma identidade. E outra ancorada nos referenciais
espaciais, tanto do passado como do presente que podem ter várias origens.
Os referenciais espaciais que o autor fala muda de acordo com cada território
estudado, desta forma, tais referenciais podem estar ligados à existência de elementos da
natureza como: um rio, uma praia, um parque ecológico e/ou também pela presença de
conjunturas que facilitem a vida dos habitantes do lugar, como o acesso mais rápido a
serviços públicos e privados essenciais, a exemplos de escolas, hospitais, delegacias e meios
de transporte. Para reforçar o entendimento da temática sobre a Identidade Territorial atrelada
a memória coletiva, acrescentamos o que explana Morais (2008, p. 36), onde diz que:
A identidade territorial é construída valendo-se do reconhecimento de alguma
origem comum, ou de características que são partilhadas com [outras] pessoas, ou
ainda, com base em um mesmo ideal. O que significa dizer que o passado
transforma-se em uma narrativa não fixa e [influenciada] pelos interesses do
presente [...].
Vale destacar que, para consolidação de uma Identidade pelo território, os
“protagonistas” guardam em suas memórias coletivas, fatos importantes que reafirmam o
apego ao território ao longo do tempo, esses fatos arquivados na memória, manifesta o que Di
Méo (1998 apud Morais 2008, p. 37) chama de “ancestralidade da identidade” e que
interpretamos como algo que passa de geração a geração e que continua sendo lembrado nos
dias atuais, servindo para reforçar a identificação coletiva com o território. Di Méo (1998
apud Morais 2008, p. 37) reflete acerca da importância da coletividade em relação à produção
do território dizendo que “[...] não apenas as experiências comuns vividas em um passado
fundam a coletividade como entidade [social e territorial], mas também, o fato da coletividade
se esforçando em produzir um passado comum e, freqüentemente, um território”.
30
2.3 AS DINÂMICAS TERRITORIAIS DE TERRITORIALIZAÇÃO,
DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO (TDR).
Para anteceder a discussão a cerca das dinâmicas territoriais, devemos entender o
papel da “Territorialidade” nesse contexto. De fronte a isso, utilizando-se de uma visão
otimista, Haesbaert (2007b, p. 7) diz que a Territorialidade se torna mais ampla que o
território, uma vez que, “a todo território corresponde uma territorialidade, mas nem toda
territorialidade implica na existência de um território”, com isso, enquanto o Território
necessita de uma base material, concreta, a Territorialidade pressupõe um “[...] referencial
territorial (simbólico) para a construção de um território [...]” (HAESBAERT, 2007b, p. 7).
Isso significa dizer que a Territorialidade pode existir no imaginário de um grupo social,
mesmo que um território não exista de fato, como por exemplo, com os Judeus e a “Terra
Prometida”. A partir disso, podemos confirmar a força que a Territorialidade exerce sobre
determinado estrato da população e constatar sua importância para nossa pesquisa.
Como forma de complementar o entendimento sobre o tema, Saquet (2007, p. 127)
infere que:
A territorialidade é o acontecer de todas as atividades cotidianas, seja no espaço do
trabalho, do lazer, da igreja, da família, da escola etc., resultado e determinante do
processo de produção de cada território, de cada lugar; é múltipla, e por isso, os territórios também o são, revelando a complexidade social e, ao mesmo tempo, as
relações de dominação de indivíduos ou grupos sociais com uma parcela do espaço
geográfico, outros indivíduos, objetos, relações [...].
Entendemos, portanto, que as práticas sociais cotidianas de utilização e produção do
território se efetivam a partir da proclamação de uma territorialidade, onde a mesma é inerente
à formação e consolidação dos indivíduos e dos grupos sociais transformadores do território.
É ancorado por essa definição que surge a discussão sobre as dinâmicas territoriais as quais
suas ideologias se apresentam na maioria – ou talvez em todos – dos territórios da atualidade.
A partir do avanço da globalização se acentuaram as relações de poder no campo
econômico, político e simbólico entre a sociedade e o espaço, com isso, o estudo das
dinâmicas territoriais tem sido fundamental para interpretar as transformações que acontecem
nos territórios ao redor do mundo, uma vez que, “O território [...] pode ser caracterizado a
partir da indissociabilidade entre a prevalência de um tipo de combinação do movimento de
territorialização-desterritorialização-reterritorialização (processos) e suas respectivas
territorialidades (práticas)” (DAL POZZO, 2012, p.12). Portanto, simplificando o
31
entendimento acerca das dinâmicas da (TDR) temos que “a criação de territórios seria
representada pela Territorialização, a sua destruição (por mais que seja temporária) pela
Desterritorialização e a sua recriação pelos processos de Reterritorialização”. (CHELOTTI,
2013, p. 5).
O geógrafo brasileiro Roni Blume, resume o entendimento sobre a temática da
Territorialização (T) conforme as acepções feitas por Claude Raffestin no livro “Por uma
Geografia do poder” de 1993. Raffestin apoia a ideia de que a dinâmica da Territorialização
ocorre de duas maneiras, de forma concreta – quando os limites (do território) são
representados e efetivados – ou abstratamente, quando os mesmos são apenas idealizados
(RAFFESTIN, 1993, apud BLUME, 2004). De posse disso “a territorialização pode ser
compreendida através da maneira pela qual o espaço passa pela gênese da apropriação para se
transformar em território, através da ação” (BLUME, 2004, p. 155), e neste sentido, “a
„apropriação‟ cria uma ligação entre o executante e o espaço, formalizando o domínio”
(BLUME, 2004, p. 155). Desta maneira:
A apropriação condiciona a territorialização, sendo esta configurada a partir das
transformações determinadas pela comunidade, na tentativa de generalizar sobre o
espaço a sua permanência. Desse modo, o ato de efetivar a permanência deve visar
além da reprodução sob determinado território, a sua posse. (BLUME, 2004, p.156,
grifo nosso).
Assim, podemos depreender que a Comunidade exerce certo tipo de “Poder”, pois se
apropria (toma posse) de determinado Espaço e a partir dele constrói um Território. Diante
disso, Haesbaert (2002, p. 45) aduz que a Territorialização é:
O conjunto das múltiplas formas de construção/apropriação (concreta e/ou simbólica) do espaço social, em sua interação com elementos como o poder
(político/disciplinar), os interesses econômicos, as necessidades ecológicas e o
desejo/a subjetividade.
O Poder acrescentado por Haesbaert é o exercido pelo Estado, o qual é apontado por
Raffestin como o poder mais fácil de visualizar, uma vez que, se apresenta de forma explícita,
tornando mais simples sua identificação. Tal Poder, com inicial maiúscula, “[...] se manifesta
por intermédio dos aparelhos complexos que encerram o território, controlam a população
e dominam recursos” (RAFFESTIN, 1993, p. 52, grifo nosso). No entanto, “como
consequência [...] inspira a desconfiança pela própria ameaça que representa” (RAFFESTIN,
1993, p. 52). Compreendemos, então, que tal desconfiança provém dos agentes
hegemonizados – já citados por nós anteriormente – em contrapartida as ações de controle e
domínio dos recursos nos territórios por parte do Estado (agente hegemônico). Aparece aí o
32
poder (nome comum) com inicial minúscula, citado por Raffestin. Este poder está presente em
todos os lugares, em cada relação, na curva de cada ação e vem de todos os lugares, é aquele
poder que não se ver, é astuto, ou como prefere Raffestin é insidioso. Haesbaert (2004, p.198)
fala sobre a ambiguidade do papel reterritorializador ou desterritorializador do Estado dizendo
que o mesmo “carrega sempre, indissociavelmente, o papel destruidor de territorialidades
previamente existentes, mais diversificadas, e a fundação de novas, em torno de um padrão
político-administrativo mais universalizante”. Nesse caminho, Haesbaert continua a discorrer
sobre o poder e as dinâmicas territoriais, para ele:
[...] Se territorializar-se envolve sempre uma relação de poder, ao mesmo tempo
concreto e simbólico, e uma relação de poder mediada pelo espaço, ou seja, um
controlar o espaço e, através deste controle, um controlar de processos sociais, é
evidente que, como toda relação de poder, a territorialização é desigualmente distribuída entre seus sujeitos e/ou classes sociais e, como tal, haverá sempre, lado a
lado, ganhadores e perdedores, controladores e controlados, territorializados que
desterritorializam por uma reterritorialização sob seu comando e desterritorializados
em busca de uma outra reterritorialização, de resistência e, portanto, distinta daquela
imposta pelos seus desterritorializadores. Esta constatação, muito mais do que um
mero jogo de palavras, é extremamente importante, pois implica identificar e colocar
em primeiro plano os sujeitos da des-re-territorialização, ou seja, quem des-
territorializa quem e com que objetivos. Permite também perceber o sentido
relacional desses processos, mergulhados em teias múltiplas onde se conjugam
permanentemente distintos pontos de vista e ações que promovem aquilo que
podemos chamar de territorializações desterritorializantes e desterritorializações
reterritorializadoras (HAESBAERT, 2004, p. 259, grifo nosso).
Inferimos que até mesmo para efetivar uma territorialização as relações de poder estão
presentes, colocando em jogo os agentes hegemônicos “versus” os agentes hegemonizados.
As diferenças entre esses agentes estão visíveis quando nos detemos a enxergar quem
realmente controla determinado território. No nosso caso – o estudo sobre uma Comunidade a
beira de sua desapropriação (agente hegemonizado) – se configura um ótimo exemplo dessa
discussão, tendo em vista sua posição como “objeto” controlado pelo poder do Estado (agente
hegemônico).
Para ajudar na compreensão dessa problemática acerca dos territórios dominados
como expressão da territorialização desterritorializadora a qual nosso objeto de estudo central
está mergulhada, Dal Pozzo (2012, p.10) simplifica que tal expressão é uma:
Combinação processual em que grupos ou classes sociais, de forma induzida, submetem-se a um precário controle sobre o território e, portanto, tendem a estar
numa condição de subalternidade frente aos territórios dominantes. Além disso,
assume-se, nesses territórios, o risco de desterritorialização como perda das
condições materiais [ou identitárias] do território e/ou indução a um processo de
circunscrição territorial mais acentuado remetendo-se, portanto, às noções de
inclusão social precária ou de segregação socioespacial, impostas por uma
correlação desigual de forças entre dominantes e dominados.
33
Essas considerações enriquecem o conceito de que as relações que se estabelecem num
território dominado pelo poder concreto (poder hegemônico) são baseadas no que Raffestin
aponta como relação dissimétrica, a qual ocorre quando “favorece o crescimento de uma
estrutura em detrimento de outra e, num extremo, a destruição de uma estrutura por outra”
(RAFFESTIN, 1993, p.36). Resumimos, então, que aquelas relações “tendem a favorecer o
desenvolvimento dos territórios dominantes (pela ênfase ao reconhecimento de suas próprias
necessidades) em detrimento dos territórios dominados” (DAL POZZO, 2012, p. 59). Essa
relação de dominância do poder concreto frente ao poder simbólico levanta o debate acerca da
dinâmica da Desterritorialização (D).
Em seus estudos em relação à dinâmica territorial da Desterritorialização (D), Rogério
Haesbaert, por vezes, alista proposições sobre o tema como forma de simplificar o
entendimento do leitor. Em Haesbaert (2002), são enumeradas cinco teorias em relação àquela
dinâmica do território, para o autor, dependendo da ênfase que damos a determinado aspecto,
temos uma “Desterritorialização baseada numa leitura econômica (deslocalização),
cartográfica (superação das distâncias), “técnico-informacional” (desmaterialização das
conexões), política (superação das fronteiras políticas) e cultural (desenraizamento simbólico-
cultural)” (HAESBAERT, 2002, p. 132). Em resumo, o mesmo complementa o raciocínio
dizendo que:
Na verdade, parece claro, são processos concomitantes: a economia se multilocaliza,
tentando superar o entrave distância, na medida em que se difundem conexões
instantâneas que relativizam o controle físico das fronteiras políticas, promovendo,
assim, um certo desenraizamento das pessoas em relação aos seus espaços imediatos
de vida. Mas o que se vê, na realidade, são relações muito complexas. [...] A desterritorialização que ocorre numa escala geográfica geralmente implica uma
reterritorialização em outra [...] (HAESBAERT, 2002, p. 132-133).
Induzimos que a Desterritorialização pode apresentar vertentes diferenciadas a
depender do estudo que faremos acerca do território, dado que a realidade socioespacial da
contemporaneidade se mostra um tanto complexa, pois num mesmo território podemos situar
distintas situações e imbróglios com difíceis soluções.
Para nosso estudo a respeito de uma Comunidade dotada de simbolismos, adquiridos
ao longo dos anos coletivamente, a visão culturalista da Desterritorialização apontada por
Haesbaert (2002) é a que nos responde com maior rigor o que estamos propondo nesta
pesquisa. Para aquele autor:
34
[...] uma desterritorialização culturalista [é aquela] percebida a partir de uma leitura
do território como fonte de identificação cultural, referência simbólica que perde
sentido e se transforma em um “não-lugar”. Estes “não-territórios”, culturalmente
falando, perdem o sentido/o valor de espaços aglutinadores de identidades, na
medida em que as pessoas não mais se identificam simbólica e afetivamente com os
lugares em que vivem, ou se identificam com vários deles ao mesmo tempo e podem
mudar de referência espacial-identitária com relativa facilidade. (HAESBAERT,
2002, p. 131).
Nos últimos tempos, o principal agente causador da Desterritorialização culturalista
citada por Haesbaert é o fenômeno da globalização, a qual é centrada – primordialmente – em
interesses e práticas econômicas. Blume (2005, p.8) confirma esse argumento inferindo que
“A desterritorialização com sentido de exclusão sócio espacial se constitui em uma das mais
perversas imposições geradas pelo resultado da globalização econômica” e Haesbaert (2007c,
p.68) acrescenta dizendo que:
A Desterritorialização, [...] antes de significar desmaterialização, dissolução das
distâncias, deslocalização de firmas ou debilitação dos controles fronteiriços, é um
processo de exclusão social, ou melhor, de exclusão socioespacial. [...] Na sociedade
contemporânea, com toda sua diversidade, não resta dúvida de que o processo de
“exclusão”, ou melhor, de precarização socioespacial, promovido por um sistema econômico altamente concentrador, é o principal responsável pela
desterritorialização.
De posse desses argumentos, verificamos que o poder econômico estimulado pela
globalização vem dominando cada vez mais os processos socioespaciais ao redor do mundo,
modificando hábitos, imprimindo costumes e impondo transformações no espaço geográfico.
De fronte a tamanho poderio advindo das relações econômicas, sobretudo a pedido das
grandes corporações mundiais, as populações com poucos recursos ficam à margem da
sociedade e a única fonte de poder que conseguem recorrer é ao apego simbólico-afetivo com
o lugar/território os quais vivem. Não estamos querendo, com isso, minimizar a influência do
poder simbólico frente ao poder econômico, no entanto, se voltarmos a lembrar dos termos
“controladores” e “controlados” ou “agentes hegemônicos” e “agentes hegemonizados”, já
citados nessa pesquisa, conseguiremos entender qual exerce maior comando no “jogo” das
relações do cotidiano atual.
Medeiros (2007) fomenta nosso comentário e acrescenta um novo dado a esse
processo “globalizador-economicista” em que estamos envolvidos, expondo que:
De certa forma, o processo de desterritorialização apresenta um viés econômico
muito forte à medida que nega a reprodução de um determinado grupo em uma
porção específica do território, fazendo com que ocorra seu deslocamento e a
tentativa de re-territorialização (econômica, política, social, cultural) em outro
lugar. Em ambos os processos (desterritorialização/re-territorialização), forças
35
sociais, econômicas, políticas atuam como elementos de manutenção, expulsão ou
atração (quando no processo de re-territorialização) de grupos envolvidos.
(MEDEIROS, 2007, p. 4, grifo nosso).
A autora apresenta ao nosso debate acerca das dinâmicas territoriais a
Reterritorialização (R), a qual também é proveniente das artimanhas que o poder econômico-
político exerce sobre os territórios.
Sabendo que a Reterritorialização tem como indicativo analítico a construção de novos
localismos, estes podem ocorrer pela “reapropriação política ou simbólica do espaço”
(HAESBAERT, 1997, p. 117) e conforme Blume (2004, p. 161), o processo de se
reterritorializar “além de promover o debate no sentido de reforçar certas práticas territoriais,
também surge como uma resistência ao processo desterritorializante”. Referente a essas
afirmações, Chelotti (2013, p. 18-19) fala que:
O processo de reterritorialização não é um processo simples, pois implica mudança
de vida, de lugar de morada, enfrentar o novo, o desconhecido. A (re)adaptação ao
novo lugar tende a ser mais difícil quando se trata de um lugar totalmente diferente
do de origem, tanto no que se refere à cultura quanto ao ambiente. Mas a
reterritorialização não modifica apenas a vidas das pessoas que estão chegando,
modifica também o novo lugar, na medida em que novas relações necessitam de ser
(re)estabelecidas, num constante processo de aprendizagem e descobertas.
Toda mudança na vida de qualquer pessoa gera consequências, essas podem ser boas
ou más, isso irá depender do que ocasionou tal mudança e com qual intenção. Em nossa
pesquisa, estamos estudando uma Comunidade que reside num mesmo local acerca de 90
anos e em virtude de um planejamento entre a Prefeitura do Natal e o Porto da Cidade a
mesma será desapropriada. Com isso, só em sabermos desse fato, já conseguiremos identificar
que a mudança pela qual aquela Comunidade passará não terá fácil desdobramento, uma vez
que, diversas nuanças estão presentes na discussão. Nessa temática sobre desapropriações
promovidas pelo poder político e o processo de Reterritorialização por um grupo social, Alves
(2011, p. 40) argumenta que:
[...] no caso das áreas pobres dos centros urbanos, objeto de intervenção do Estado
através de políticas e programas de infraestrutura, constata-se a ação sobre territórios
que passam a se fragmentar, no processo de desterritorialização. Por sua vez, a
intervenção com uma proposta de reterritorializar esse assentamento em outra base
espacial, tem expectativas de que haja uma acomodação, uma aceitação por parte
dos assentados. Entretanto, do lado deles há um movimento de reterritorialização.
Depreendemos dessa afirmação que, diante dos projetos de desapropriações, embora o
poder político se preocupe em disponibilizar uma nova base territorial para os assentados
36
(Comunidade), muitas vezes, não é levado em conta o apego simbólico-afetivo dos habitantes
daquela localidade em relação ao território os quais vivem, e é exatamente por causa dessa
falta de entendimento daquele poder frente à Comunidade que ocasiona o retorno das pessoas
as bases territoriais as quais se identificavam, pois:
O encontro com uma nova realidade certamente provocará uma desterritorialização
dos processos simbólicos, quebrando muitas vezes as coleções organizadas pelos
sistemas culturais com novas ressignificações e redimensionamento dos objetos,
coisas e comportamentos e isso tudo, certamente, imbricado de conflitos. (MEDEIROS, 2007, p. 3).
A “quebra” nos processos simbólicos provocada pela Desterritorialização a um grupo
social (Comunidade) poderá ocasionar novas problemáticas, as quais atingirão – mesmo que
com forças diferenciadas – tanto os agentes desterritorializantes como os agentes
desterritorializados e certamente conferirá ao “novo” e ao “antigo” Território daquele grupo
social, novas significâncias, visto que:
[...] quando se observa que a reterritorialização ocorre pelo sentimento de
pertencimento a um lugar, pela reapropriação simbólica do espaço, ao se trabalhar
aspectos ligados com a identidade da comunidade. Esta confere ao espaço
geográfico uma propriedade que o distingue de outros territórios, sendo a distinção
proporcionada pelo entendimento das particularidades e pela valorização da
diversidade territorial. (ALVES, 2011, p. 40).
Medeiros (2007), explanando acerca de agricultores assentados na condição de
migrantes na Campanha Gaúcha, descreve um caminho com o qual entendemos que a
Comunidade do Maruim pode vir a passar quando de sua efetiva Desapropriação e posterior
Reterritorialização. Segundo a autora:
Ao partir, [do seu lugar de origem] este agricultor sem terra saiu de um universo que recebeu como herança ao nascer e que agora vai se confrontar com o que é lhe dado
neste momento. O que ocorre aqui é um duplo processo inserido neste ato de sair e
de chegar, pois, ao mesmo tempo em que expressa as ilusões daqueles que saem,
expressa também o sofrimento daqueles que atravessam a fronteira do desconhecido.
É partir de então que uma nova necessidade se impõe, ou seja, que é preciso mudar o
modo de ver o mundo interno e o mundo externo dando espaço para o surgimento
de novos valores que lhe orientarão e lhe permitirão organizar-se no novo ambiente.
Neste preciso momento é fundamental contar com a cooperação de amigos, parentes
o que lhes dará uma segurança para viver como grupo em terra desconhecida. O
viver em grupo lhes permitirá assim um enraizamento não tão doloroso quanto foi o
desenraizamento e assim a construção da sua identidade com o novo7. 7 Deveremos observar que nosso referente espacial se situa na Cidade e não no campo Rural, como no caso do
estudo de Medeiros. Também precisamos distinguir que o processo de reterritorialização mostrado pela autora é
pautado na migração dos agricultores e em nosso caso tratamos da desapropriação de uma Comunidade. Mesmo
apresentando semelhanças a respeito do processo de Reterritorialização a que estão/serão submetidos, se diferem
pelo contexto histórico que ambas construíram ao longo do tempo.
37
As semelhanças entre os agricultores assentados da Campanha Gaúcha e os moradores
da Comunidade do Maruim vão além da questão da Reterritorialização. Mesmo ainda não
tendo sido efetivada as desapropriações da Comunidade do Maruim, ouvimos em nossa
pesquisa de campo comentários sobre as incertezas acerca do futuro que permeiam a vida dos
moradores daquela Comunidade e pudemos constatar que muitos se valem do apego coletivo
e familiar para encontrar coragem em enfrentar os dias vindouros.
Em Chelotti et. al (2012) encontramos uma conclusão para esse debate acerca das
dinâmicas de Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (TDR), de forma a
compreendermos sua dinamicidade nos territórios e sua contínua perpetuação doutrinária.
Os processos geográficos de T-D-R não são estanques, pelo contrário, configuram-
se como processos dinâmicos inerentes à própria sociedade. Assim, não quer dizer
que um trabalhador sem-terra assentado (reterritorializado) tenha encerrado esse
processo. [...] muitos desistem do lote e tornam-se novamente desterritorializados.
Por isso é que os processos geográficos de T-D-R não são encarados como uma
fórmula matemática, na qual o somatório de fatores gera um resultado definitivo.
(CHELOTTI et. al, 2012, p. 79).
Além de estarem suscetíveis a qualquer uma das dinâmicas territoriais apresentadas
nessa seção, os territórios existentes no mundo contemporâneo estão dominados por um
processo de inserção em redes, ou como fala Haesbaert, territórios-rede e suas multiplicidades
de territórios. Em nosso trabalho não se fez necessário adentrar nessa discussão, pois, o objeto
de estudo central de nossa pesquisa se encontra inserida prioritariamente nos debates acerca
de territórios simbólicos e suas problemáticas frente ao poder político-concreto amparado pelo
Estado, temáticas as quais foram amplamente explicadas anteriormente.
38
3 A QUESTÃO HABITACIONAL NO BRASIL E SUAS PROBLEMÁTICAS
39
3.1 INSERÇÃO DAS FAVELAS8 NO BRASIL – BREVES COMENTÁRIOS
Em busca de entendermos, mesmo que em breves comentários, como aconteceu a
inserção das favelas no Brasil, temos que partir da definição do que é considerado Favela.
Muitos autores assinalam como características que definem aquelas, “a precariedade das
construções, a ausência de infra-estrutura e as irregularidades relativas à legislação edilícia,
uso e parcelamento do solo” (CORDEIRO, 2009, p.35). Para o Plano Diretor de Natal (PDN),
Favela é definida como:
Assentamento habitacional com situação fundiária e urbanística, total ou
parcialmente ilegal e/ou irregular, com forte precariedade na infraestrutura e no
padrão de habitabilidade, e com população de renda familiar menor ou igual a 3
(três) salários mínimos, sendo considerada como consolidada a partir do segundo
ano de sua existência. (PREFEITURA... 2007).
Desde o Censo de 1950, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apura
dados referentes às Favelas no país, no entanto, o Instituto utiliza outra denominação
conhecida como Aglomerado Subnormal para apresentar informações sobre a população
residente e o número de domicílios ocupados em “favelas, invasões, grotas, baixadas,
comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros assentamentos irregulares”.
(IBGE, 2010).
Para Santos (1980, p. 24) “As favelas surgiram desde o início do século [XX], mas sua
proliferação se dá com particular pujança nos Núcleos urbanos metropolitanos no período que
vai do começo dos anos de 1930 até o final da década de 1950”. Todavia, foi a partir do início
da década de 1940 que seu desenvolvimento se deu com maior intensidade quando foi
promulgada a Lei do Inquilinato9. Na verdade, a conhecida Lei do Inquilinato é um decreto-
lei, e sua promulgação constituiu uma das principais causas da transformação das formas de
provisão habitacional no Brasil, onde a mesma desestimulou a produção rentista e
consequentemente transferiu para o Estado e para os trabalhadores a tarefa de construir suas
moradias (BONDUKI, 2002, p. 209). A criação do Decreto-lei do Inquilinato aconteceu:
8 Excepcionalmente nessa seção utilizaremos o termo “Favela” em vez de “Comunidade”, pois, na maioria das
bibliografias que serviram de base para nossa pesquisa, a primeira expressão é mais comumente empregada. 9 A Lei do Inquilinato foi o decreto-lei promulgado em 1942 durante o governo de Getúlio Vargas que
determinava o congelamento dos aluguéis residenciais de qualquer natureza como forma de prover maior
quantidade de moradias para as populações de baixa renda e os trabalhadores operários residentes nas maiores
cidades brasileiras. Aquele decreto visava também regulamentar as relações entre os locadores e inquilinos e a
criação de Institutos voltados a construções de habitações sociais. (BONDUKI, 2002).
40
Em meio a uma das mais graves crises de moradia da história do país, provocando o
surgimento de formas alternativas de produção de moradias, baseadas no auto-
empreendimento em favelas, loteamentos periféricos e outros assentamentos
informais [...] além disso, no mesmo período consolidou-se a aceitação, pelo Estado
e pela população, de alternativas habitacionais precárias, ilegais e excluídas do
âmbito capitalista, como a favela e a casa própria em loteamentos clandestinos e
desprovidos de infraestrutura. Este processo ocorreu numa conjuntura dinâmica de
transformações políticas, urbanização, crescimento econômico, mobilização popular
e redesenho urbano. (BONDUKI, 2002, p. 209).
No meio dessas transformações, outras condições contribuíram consideravelmente
para “lotar” as cidades de formas habitacionais irregulares.
O crescimento demográfico – acentuado a partir da década de 1940 – e o êxodo rural
provocaram um intenso crescimento urbano, que, somados ao elevado preço da terra
urbanizada, levaram a parcela mais carente da população, incapaz de participar do
mercado formal de imóveis, a ocupar espaços urbanos vazios, públicos ou privados, na busca de estabelecer uma moradia. Esse processo descreve, de forma sucinta, a
formação dos assentamentos irregulares e das favelas, tão comuns no cenário urbano
brasileiro. (DANTAS, 2013, p. 22).
Por causa da crescente concentração populacional nas grandes cidades, as quais não
estavam preparadas para receber tão numerosos contingentes de pessoas num curto período de
tempo, ocasionou à falta de moradias e serviços urbanos. As periferias que começam a se
formar crescem sem infraestrutura adequada e com serviços como a rede de água, energia
elétrica e demais equipamentos públicos essenciais, funcionando de forma precária, com isso
os problemas de saúde pública apontaram em toda a parte.
Processos semelhantes aos descritos na citação acima também ocorreram na Cidade do
Natal, porém de maneira diferenciada do restante do país, os quais podemos verificá-los com
detalhes a partir da explicação de Almeida (2005, p. 106):
O papel desempenhado por Natal, na década de 1940 durante a II Guerra Mundial e
o rápido crescimento populacional conseqüente deste fato, representou um marco
deste momento que culminou na eclosão da primeira grande crise habitacional
representada pela escassez de moradias e elevações crescentes nos valores para
locação. Havia dessa forma, uma situação diferente da verificada no resto do país,
caracterizada pelo congelamento dos aluguéis através da Lei do Inquilinato (1942) e
pela crise dos materiais de construção que desapareceram do comércio e elevaram
de preço.
Mesmo passando por toda essa dificuldade apresentada, Natal seguiu na contramão
dos problemas e negligenciou a Lei do Inquilinato e os altos custos em materiais para
construir moradias usando a estratégia de incorporar os aumentos nos preços dos materiais aos
valores dos aluguéis e das vendas de imóveis, com isso, a partir de meados da década de 1940
intensificaram as construções de vilas operárias e militares na Cidade, empreendidas,
41
sobretudo, pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP‟s), a partir daí ocorre um
crescimento da atividade imobiliária. Almeida (2005) continua a discorrer sobre o contexto
histórico em que Natal está inserida com relação à crise na habitação, de acordo com a autora:
A crise social e econômica se estendeu até os anos de 1950, sendo intensificada
pelas diversas secas ocorridas. Em fins dessa década uma outra crise de moradias eclodiu na cidade, resultando no surgimento das primeiras ocupações irregulares
com casas precárias no espaço urbano, características do que naquele momento já se
denominavam favelas. Percebe-se então, que da mesma forma que na cidade de São
Paulo da década de 1940, as favelas que surgiram na capital norte-rio-grandense
foram frutos de uma crise habitacional. (ALMEIDA, 2005, p. 106).
É valido destacar que encontramos em nossas pesquisas outras formas de ocupações
irregulares na Cidade do Natal antes mesmo da década citada pela autora, inclusive a Favela
do Maruim – nosso objeto de estudo – é datada do início da década de 1920. Para justificar
essa espécie de contradição em relação ao início da inserção das Favelas em Natal, Almeida
(2005, p. 106) infere que:
Apesar de existirem anteriormente em Natal, as habitações precárias só passaram a
serem consideradas um “problema urbano” – não somente sanitário – pelas
autoridades, em meados da década de 1950 e início da década de 1960, quando se
mostraram um empecilho ao projeto de industrialização proposto pela elite política
na época.
Percebemos então, que as Favelas na Cidade do Natal começaram a surgir quando da
ineficiência do poder público em prover habitações para uma grande quantidade de pessoas
que chegavam para residir no espaço urbano, vimos ainda que os mesmos processos de
precarização das moradias pelos quais muitos habitantes de Natal foram submetidos também
puderam ser verificados de formas semelhantes em outras cidades do país, uma vez que, a
conjuntura política na época corroborava para tal acontecimento.
Dando um salto em nosso debate, pois aqui queremos enfatizar apenas o processo
inicial que se deu no tocante ao surgimento das Favelas nas cidades brasileiras, observaremos
dados referentes à quantidade de pessoas que residem atualmente em áreas de ocupações
irregulares ou, conforme o IBGE, em Aglomerados Subnormais.
Em 1953 o IBGE fez um estudo com base no Censo de 1950, denominado “As Favelas
do Distrito Federal e o Censo Demográfico de 1950”, até então, o Rio de Janeiro era a capital
do país, esse foi o primeiro levantamento em que as Favelas aparecem em seus dados. O
termo Aglomerado Subnormal passou a ser utilizado no Censo de 1991, no entanto, foi a
partir do ultimo Censo realizado, em 2010, que as pesquisas dos diversos tipos de
aglomerados puderam ser analisadas de maneira mais eficaz em virtude das inovações
42
tecnológicas e introdução de novos métodos de trabalho que aprimoraram a pesquisa, como
por exemplo, a utilização de imagens de satélite e GPS.
De acordo com os dados do Censo de 2010, o Brasil possui um total de 15 868
Aglomerados Subnormais, onde vivem 11 425 644 de pessoas. Essa quantidade de pessoas
equivale acerca de 6% do total da população do país. No entanto, se levarmos em conta que
para se constituir como um Aglomerado Subnormal é preciso ser caracterizado como “um
conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais” (IBGE, 2010), certamente
teremos no país uma quantidade muito maior de pessoas residindo em áreas irregulares, os
quais também necessitam de atenção por parte do poder público.
Em Natal, de acordo com os dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e
Urbanismo (SEMURB) atualizado no Anuário Natal de 2014, e em conformidade com a
nomenclatura proposta pelo IBGE, a Cidade possui 41 aglomerações subnormais das quais
estão distribuídas em suas quatro Zonas geográficas e onde residem 80 774 pessoas em 22
561 domicílios (IBGE, 2010). A Zona Oeste da Cidade é a região que concentra maior
quantidade de aglomerações subnormais, com um total de 16, no entanto, é na Zona Norte da
Cidade onde existe um maior número de pessoas residindo naquelas aglomerações, chegando
a um total de 31 686 habitantes. No geral, mais de 10% da população natalense vive em áreas
com algum tipo de irregularidade, fator que requer atenção do poder público na promoção de
uma gestão urbana que atenda aquelas localidades de forma eficaz. De posse disso, Castro
(2007, p.22) reflete que:
O processo de gestão urbana é fundamental para construção de uma política urbana e
habitacional e de ambiente saudável que iniba a ocupação de espaços como
assentamentos populares, construção nas encostas, áreas de risco, mananciais e áreas de preservação. É fundamental que os gestores urbanos utilizem o planejamento
urbano para buscar a habitabilidade urbana e o desenvolvimento local.
No mapa a seguir podemos visualizar os Aglomerados Subnormais presentes na
Cidade do Natal, bem como localizá-los em suas Zonas geográficas.
43
Mapa 1 - Aglomerações Subnormais na Cidade do Natal.
Mapa 1 – Aglomerados subnormais na Cidade do Natal.
Fonte: Prefeitura Municipal do Natal e SEMURB (2014).
44
3.2 DIREITO À MORADIA, HABITABILIDADE E HABITAÇÃO
Mesmo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, datado de 1948 e o
Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966 já tivessem
reconhecido o direito à moradia, no Brasil, esse direito só adquiriu força com a promulgação
da Constituição Federal de 1988. Desta feita, conforme o art. 6º da Constituição federal de
1988, retificada pela Emenda Constitucional nº 64 de 2010, são direitos sociais “a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados [...]”. (BRASIL, 1988,
grifo nosso).
Essa Lei Federal traz à tona diversos questionamentos acerca da questão do acesso à
moradia – aqui entendida como um lugar digno para morar com todas as infraestruturas
necessárias disponíveis – a todos os brasileiros sem distinção por nenhuma circunstância. Para
reforçar o que se entende por moradia digna, Fernandes (2003) por meio da Agenda Habitat
para os Municípios10
relata que:
[...] reconhecemos a obrigação dos Governos de permitir que as pessoas obtenham
um lar, protejam e melhorem suas moradias e bairros. Nós nos comprometemos com
a meta de melhorar as condições de vida e de trabalho em uma base igualitária e
sustentável, de forma que todos tenham moradias adequadas, que sejam sadias, seguras, acessíveis e a preços viáveis, que incluam serviços básicos, instalações e
áreas de lazer, e que estejam livres de qualquer tipo de discriminação no que se
refere à habitação ou à garantia legal da posse. Deveremos implementar e promover
esse objetivo em total conformidade com padrões de direitos humanos.
A incorporação do direito à moradia e dos princípios da política de desenvolvimento
urbano na Constituição significou um impulso decisivo para novas ações de qualificação e
ordenamento do território da cidade, pois com isso, os governos municipais passaram a tomar
iniciativas buscando criar instrumentos de gestão da política urbana a partir das referências do
texto constitucional (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010). De acordo com Dantas (2013,
p.12):
A dimensão prestacional do direito à moradia, por seu turno, pressupõe uma atuação
positiva do Poder Público, no sentido de fornecer substrato normativo e material
para a concretização da norma. São exemplos de medidas de ordem normativa
adotadas pelo Estado: a edição do Estatuto da Cidade e dos Planos Diretores. Já as
prestações materiais abrangem desde financiamentos a juros subsidiados para a
aquisição de moradias, até a efetiva construção, pelo Poder Público, de habitações
populares.
10 A Agenda Habitat para os municípios foi proposta na Segunda Conferência Global para os Assentamentos
Humanos – Habitat II, realizada em junho de 1996 em Istambul. Onde o Brasil e mais 170 países discutiram
temas e propostas acerca da temática de moraria e desenvolvimento sustentável.
45
A exemplo das prestações materiais citadas no comentário acima temos o Projeto
Minha Casa Minha Vida – PMCMV – do Governo Federal, instituído pela Lei nº 11.977/09,
que autoriza, entre outras benefícios, a concessão de subsídio econômico para facilitar a
aquisição, construção ou requalificação do imóvel residencial. Já em relação à construção de
habitações, nosso maior exemplo é o projeto de construção do Residencial Maruim, onde
detalharemos seu desenvolvimento nas considerações finais dessa pesquisa, pois faz parte do
nosso estudo.
O §1º da Constituição Federal quanto ao cumprimento de seu artigo 5º, prevê que as
normas de direto fundamental devem ser imediatamente aplicadas e cumpre ao Estado agir
com recursos à sua disposição, o que atribui a criação de medidas concretas para a efetivação
do direito à moradia. O não cumprimento desta norma pelo Estado, ou pelo menos seu
planejamento, no sentido de assegurar aquele direito, configura-se violação a direito
fundamental, sendo cabível tutela judicial, com a adoção de uma posição positiva pelo Poder
Judiciário. (DANTAS, 2013, p. 17-18). Concluindo essa discussão, Dantas (2013, p. 17) diz
que:
Do exposto, [...] a efetivação do direito a moradia, na sua dimensão positiva, deve ser constantemente buscada pelo Poder Público através de planejamentos
orçamentários estratégicos, que permitam a gradual concretização do direito, em
prazo razoável. Em isto não ocorrendo, estaria caracterizada uma omissão
inconstitucional dos órgãos estatais, merecedora de tutela judicial.
Com base nisso, verificamos através de estudos urbanos de algumas cidades
brasileiras, que o direito à moradia garantido pela constituição, não está sendo levado a sério
pela maioria dos gestores daquelas, uma vez que, encontramos diversos exemplos de cidades
que não contemplam projetos voltados às questões habitacionais e as que apresentam não o
fazem de maneira abrangente, limitando-se a criar conjuntos habitacionais em áreas
periféricas da cidade sem levar em conta as necessidades das pessoas de se relacionarem com
o núcleo urbano central onde seus trabalhos e ocupações estão localizados. Há, contudo,
cidades que começaram a ser preocupar com essa problemática, e desenvolvem projetos de
revitalização e/ou urbanização em Aglomerados Subnormais ou em áreas históricas centrais,
como é o caso de Natal e o Bairro da Ribeira, contemplado pelo Plano de Reabilitação de
Áreas Urbanas Centrais – PRAC – Ribeira do Ministério das Cidades.
O [PRAC-Ribeira] define áreas a serem reabilitadas e um conjunto de ações e
intervenções integradas, necessárias à requalificação dos espaços urbanos. Dentre os
principais objetivos do Programa destacam-se o estímulo e a consolidação da cultura
de reabilitação urbana e edilícia nas áreas urbanas centrais e a ocupação dos vazios
46
urbanos e da recuperação do acervo edilício, preferencialmente para o uso
residencial, articulando esse uso a outras funções urbanas. (TINOCO; BENTES
SOBRINHA; TRIGUEIRO; 2008, p. 24).
São projetos como estes que podem ajudar as grandes cidades a resolver ou pelo
menos minimizar os problemas habitacionais decorrentes do inchaço populacional urbano e
concede às áreas esvaziadas do espaço urbano, novas significâncias.
No entanto, para se lograr êxito em programas habitacionais que promovem o direito à
moradia é necessário se atentar para uma questão muito importante, o princípio da
habitabilidade, uma vez que, é a partir do entendimento e comprometimento para com esse
princípio que aqueles programas podem se tornar eficazes.
Para o PDN (2007) o termo Habitabilidade11
refere-se a “qualidade da habitação
adequada ao uso humano, com salubridade, segurança e acessibilidade de serviços e
infraestrutura urbana”. De forma mais abrangente e se detendo a assentamentos humanos,
Fernandes (2003, p. 118-119), diz que:
A habitabilidade, um atributo importante da qualidade de vida, está intimamente
relacionada às condições espaciais, sociais e ambientais das edificações.
Particularmente no caso da habitação, os projetos devem ser ecológica e
culturalmente adequados, proporcionando aos moradores um ambiente de vida
saudável, habitável e sustentável [...] A habitabilidade das áreas edificadas é um
aspecto muito importante na qualidade de vida dos assentamentos humanos.
Qualidade de vida supõe a existência de atributos que permitem atender às
aspirações diversificadas e crescentes dos cidadãos que vão além da satisfação de necessidades básicas. A habitabilidade se refere às características espaciais, sociais e
ambientais, bem como às qualidades que contribuem exclusivamente para que as
pessoas tenham um sentimento pessoal e coletivo de bem-estar e um sentimento de
satisfação por residirem em um assentamento em particular. As aspirações em
relação à habitabilidade variam de lugar para lugar e evoluem e se alteram com o
tempo. Além disso, diferem de acordo com os diversos grupos populacionais que
compõem as comunidades.
Desta forma, entendemos que muito mais que apenas garantir um espaço com paredes
levantadas e cercadas por muros, os programas habitacionais devem garantir moradias
atreladas à aspectos qualitativos de bem-estar social e assim promover o princípio da
habitabilidade de maneira efetiva.
Como estamos tratando de provisão de moradias na Cidade, o conceito de
habitabilidade urbana, mais específico que o anterior, deve ser lembrado. Para tanto,
utilizamos a ideia de Bonduki (2002, apud COHEN, 2004, p. 27-28), o qual infere que:
11 O termo habitabilidade pode ser empregado como habitabilidade na unidade habitacional ou habitabilidade
urbana, ambos conceitos serão explicados nessa seção. (CASTRO, 2007).
47
O conceito Habitabilidade Urbana parte do pressuposto de que habitação seria
entendida em seu sentido macro, conjugando-se ao direito à cidade, ou seja, de estar
inserida na malha urbana, baseada em sua relação com a rede de infra-estrutura e a
possibilidade de acesso aos equipamentos públicos. Este conceito diz respeito a
questão do pertencimento ao território urbano e da inclusão dentro de um amplo
contexto urbano. Por meio do desenvolvimento deste conceito, também poderia se
dar visibilidade ao pleno exercício de fruir, usufruir e construir um espaço com
qualidade saudável/habitável.
Nesse sentido, podemos identificar que no conceito de habitabilidade urbana a
população deve ser plenamente atendida pelos serviços de infraestrutura e equipamentos
urbanos, inclusão territorial e pertencimento a um espaço saudável.
Mais especificamente tratando de habitação, de acordo com o dicionário Houaiss da
língua portuguesa, aquele termo se refere ao: “ato ou efeito de habitar. [...] lugar ou casa onde
se habita; morada; vivenda. [...] (jur.) direito real que têm uma pessoa e sua família de ocupar
ou usar casa alheia [...]” (HOUAISS; VILLAR, 2009). Se detendo ao termo jurídico que o
dicionário traz, podemos intentar que a habitação, sugere um direito, o de ocupar ou tomar
posse de uma casa, essa definição se torna abrangente, pois leva em consideração diversos
fatores, sendo o mais óbvio, a falta da habitação e como consequência, a necessidade do
indivíduo em habitar-se.
O debate sobre a falta de habitações no país é bastante complexo, pois envolve toda
uma conjuntura histórica a qual explanaremos de forma resumida logo mais.
3.3 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL (HIS)
As primeiras referências que se tem acerca das habitações construídas visando o
interesse social no Brasil surgiram a partir do final do século XIX (1880), quando as
estruturas urbanas da época não conseguiram absorver o grande crescimento populacional que
fora proporcionado pela elevada quantidade de imigrantes que vieram ao país impulsionados
pela expansão das atividades agrícolas, especialmente a cafeicultura. Atrelado a isso, o
aparecimento de atividades tipicamente urbanas também fortaleceu o deslocamento de
pessoas para a Cidade, uma vez que, esta oferecia melhores condições de vida. Com isso, o
mercado de trabalho se expandiu e um grande contingente de pessoas passaram a habitar nas
cidades, no entanto, em péssimas condições higiene e com pouco saneamento básico.
(BONDUKI, 2002, p. 17).
Complementando esse entendimento Bonduki (2002, p. 20) fala que:
48
Os problemas que mais preocupavam as autoridades eram os que agravavam as
condições higiênicas das habitações, dado que no final do século [XIX] foram
inúmeros os surtos epidêmicos que atingiram as cidades brasileiras. Essa questão
passou a receber tratamento prioritário do Estado e pode-se dizer que a ação estatal
sobre a habitação popular se origina e permanece na Primeira República voltada
quase que apenas para esse problema.
O problema higiênico-sanitário tornou-se o principal instrumento para interferência
estatal na sociedade, e dentro dessa problemática a questão habitacional tomou evidência,
pois, com a regulamentação do Código Sanitário em 1894 foram criadas propostas de
intervenções em habitações precárias com o intuito de melhorar as condições de vida de seus
moradores os quais eram preponderantemente operários. Neste momento a habitação tornou-
se “o embrião da legislação” (BONDUKI, 2002, p.33).
Dando continuidade ao contexto histórico das HIS no Brasil se valendo das escritas de
Almeida (2005 apud SACHS, 1999), vemos que:
Os saberes e técnicas higienistas regraram as intervenções no campo da habitação em geral até a década de 1930, quando, após a “Revolução de 30” a política do país
conferiu um papel de destaque às massas urbanas, inserindo a habitação popular na
estratégia de desenvolvimento nacional durante a Ditadura Vargas (1930/45).
A partir do período citado (década de 1930), a habitação passou a ser vista como
condição básica de reprodução de força de trabalho e, portanto, como fator econômico na
estratégia de industrialização do país assim como elemento de formação ideológica, política e
moral do trabalhador. (ALMEIDA, 2005 apud BONDUKI, 2002). A partir desse momento
passou a ser de responsabilidade do Estado o intento de garantir moradia digna aos
trabalhadores e com isso foi preciso ocorrer investimentos públicos e se valer da utilização de
fundos sociais específicos, resultando no fortalecimento de órgãos estatais encarregados da
produção ou financiamento de habitações, como os IAP‟s e a Fundação da Casa Popular
(FCP). (ALMEIDA, 2005).
Na década de 1940, o avanço em relação à provisão de habitações sociais por parte do
Estado se firmou quando foi promulgado o já citado Decreto-lei do Inquilinato, que congelou
os aluguéis das moradias para atender as demandas dos trabalhadores operários nas cidades
que precisavam de moradias próximas aos locais de trabalho, no entanto, devido a manobras
de locatários e forças políticas, ocorreu um agravamento na crise habitacional, pois o mercado
de locação desacelerou promovendo muitos despejos. As pessoas ora despejadas procuravam
os locais periféricos das cidades para se instalar devido a segregação residencial por parte dos
49
mais abastados e com isso as cidades cresceram ainda mais e, por conseguinte, o número de
pessoas vivendo em favelas também.
Conforme Bonduki (2002) o final do governo de Vargas em 1945, resultou na
interrupção de um processo que caminhava para a criação de uma política habitacional
consolidada no país, uma vez que, dispunha de recursos e capacitação técnica através das
instituições voltadas as questões de moradia como exemplo os já citados IAP‟s. Conforme
Almeida (2005, p.18) a partir da década de 1950:
A intensificação da industrialização emanada pelo sonho de modernidade, representado pelo nacionalismo econômico e desenvolvimentista do governo
Juscelino Kubitschek, levou à criação de outros órgãos com o intuito de firmar uma
política habitacional no Brasil [...] incluindo uma subsecretaria para habitação e
favela [...]
Até 1964 nenhuma modificação significativa foi feita, no entanto, após o início de um
governo antipopulista ocorreu a extinção dos IAP‟s e a centralização da previdência no
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), e a partir daí as atribuições das carteiras
prediais e da Fundação da Casa Popular foram transferidas para o Banco Nacional de
Habitação (BNH), órgão recém criado, que passou a produzir e financiar empreendimentos
imobiliários até o ano de 1986 quando foi extinto e deu lugar a Caixa Econômica Federal, que
hoje, além de cumprir os papéis que o BNH cumpria, tem diversas outras atribuições.
De acordo com Bonduki (2002), na década de 1980, programas habitacionais
alternativos foram desenvolvidos por algumas prefeituras, num momento em que se ampliou a
crise do Estado brasileiro e houve uma instabilidade do Sistema Financeiro da Habitação. De
fronte a isso, mesmo que de maneira lenta, começaram a surgir novas propostas de gestão
urbana calcadas na:
Defesa do desenvolvimento sustentável, baseado na participação comunitária e no
respeito ao meio ambiente, buscando romper a idéia de crescimento e progresso a
qualquer custo [...] A necessidade de enfrentar o desafio da cidade real, com projetos
de urbanização de assentamentos precários, o desenvolvimento de novas formas de gestão dos empreendimentos habitacionais, como a autogestão e a cogestao,
incorporando a parceria com organizações não-governamentais, a adoção de
critérios sociais nos financiamentos e a valorização da arquitetura nos projetos
habitacionais passaram a ser defendidas ao lado de medidas como a descentralização
das políticas habitacional e urbana, ampliando-se a participação dos municícios e
das organizações não-governamentais, e a revisão da legislação urbanística elitista.
(BONDUKI, 2002, p. 321-322).
Espelhado nessa nova forma do “fazer” urbano podemos inferir que estamos vivendo
uma nova fase na história da habitação brasileira, uma vez que, novas ideias de políticas
50
urbanas foram formuladas e começam a aparecer nas cidades brasileiras. Contudo é “um
processo longo e demorado, que somente se consolidar-se-á depois que muitas experiências
ou práticas com outras perspectivas forem conhecidas, avaliadas e aperfeiçoadas”
(BONDUKI, 2002, p. 322).
3.3.1 Habitação de Interesse Social (HIS) na Cidade do Natal
Historicamente, a produção de habitações na Cidade do Natal ganhou força a partir da
Segunda Guerra Mundial, quando a cidade sediou a maior base americana fora dos Estados
Unidos. A participação no conflito acabou por atrair investimentos em infraestrutura e deu
início ao mercado de terras quando da criação do primeiro loteamento da cidade em 1946.
Com isso, Natal se expandiu em ritmo acelerado, onde como comparação temos que em 1950
a cidade possuía cerca de 10% da população do Estado, já no ano 2000 essa porcentagem
subiu para 25% e se mantêm nessa constância até hoje. (MORAES; VIVAS; BENTES
SOBRINHA, 2008 apud SILVA, 2003).
A década de 1940 é marcada pelo aparecimento dos primeiros assentamentos
informais e precários como o Passo da Pátria e a Comunidade de Mãe Luiza12
. Esses locais se
tornaram o abrigo de muitas pessoas que chegavam à cidade devido as secas que ocorriam no
interior do Estado e proporcionado pelo avanço da cidade em virtude do já comentado
contexto histórico atrelado a Segunda Guerra Mundial. Esse processo perdurou até início da
década de 1960, quando foi criado O BNH pelo Governo Federal e o processo de crescimento
imobiliário da cidade começou a se desenvolver, sobretudo pela incorporação de empresas de
construção civil a esse processo. (MORAES; VIVAS; BENTES SOBRINHA, 2008).
Outro momento importante para a habitação na Cidade do Natal se deu a partir da
década de 1980 quando o Estado passou a construir habitações em áreas periféricas da cidade.
Quanto a isso, Moraes; Vivas e Bentes Sobrinha (2008 apud SILVA, 2005) falam que:
A expansão habitacional ocorrida em Natal, notadamente a partir dos anos de 1980,
seguiu um modelo de urbanização periférica, primordialmente através da segregação
da população mais pobre em áreas específicas da cidade. A construção de conjuntos
habitacionais por parte do Estado e a abertura de loteamentos, na maioria ilegais,
consolidaram extensas áreas residenciais.
12 Nossa pesquisa mostra que anteriormente a essa data, por volta de 1920, deu-se a formação do que hoje é a
Comunidade do Maruim, a mesma pode ter sido a primeira forma de assentamento informal da Cidade.
51
As áreas residenciais que o Estado fez nascer tinham diversas contradições, pois
existiam carências em serviços e infraestrutura como: escolas, transporte público, saneamento
básico, segurança, direito fundiário e habitacional, entre outros.
Dentro dessas implicações as pesquisas sobre a formação do mercado imobiliário em
Natal evidenciaram que nos últimos 60 anos a Cidade passou a apresentar taxas de
crescimento populacional cada vez maior. Na década de 1980 sua área já era considerada
100% urbanizada13
de acordo com órgãos oficiais o que dificultou a ação do Poder Público
em atendar uma demanda tão numerosa de pessoas que chegavam à Cidade.
No entanto, a partir de meados da década de 1990, com a revisão do PDN de 1984 os
assentamentos irregulares da cidade passaram a figurar como Áreas Especiais de Interesse
Social (AEIS). Embora que o PDN de 1984 já houvesse contemplado aquelas áreas sob outra
denominação, as atuais AEIS, aparece com novas definições e regulamentos para facilitar a
ação por parte do Estado em prover melhoria ou intervenções nos assentamentos.
Mais tarde, no período de elaboração do atual PDN, que compreendeu os anos de 2004
a 2007, ocorreu uma reformulação nas regulamentações das AEIS como contrapartida de
priorizar as dimensões social e urbanística das populações e assentamentos, articulando-as em
observância ao processo de identificação das áreas de pobreza predominantes na cidade.
Dessa forma, a metodologia enunciada tomou como base a produção do Mapa
Social como um instrumento focalizador da pobreza da cidade, através da definição
da Mancha de Interesse Social (MIS). No interior da [MIS], identificou as [AEIS],
ampliadas em seu conceito e delimitação, através da incorporação das Áreas de
Risco. (MORAIS; VIVA; BENTES SOBRINHA, 2008).
Desta maneira, tais conceitos foram discutidos e incorporados no PDN de 2007 e as
AEIS ficaram assim definidas:
Art. 22 - Áreas Especiais de Interesse Social [...] são aquelas situadas em terrenos
públicos ou particulares destinadas à produção, manutenção e recuperação de
habitações e/ou regularização do solo urbano e à produção de alimentos com vistas à
segurança alimentar e nutricional, tudo em consonância com a política de habitação de interesse social para o Município de Natal, e compreende:
I - terrenos ocupados por favelas, e/ou vilas, loteamentos irregulares e
assentamentos que, não possuindo as características das tipologias citadas,
evidenciam fragilidades quanto aos níveis de habitabilidade, destinando-se à
implantação de programas de urbanização e/ou regularização fundiária;
II - terrenos ocupados por assentamentos com famílias de renda predominante de até
3 (três) salários mínimos, que se encontram em área de implantação ou de influência
13 É valido destacar alguns estudos acadêmicos que mostram áreas na Cidade do Natal que ainda apresentam
características rurais no espaço urbano, tais como o modo de viver e o trabalho voltado à agricultura familiar
onde sua produção é voltada para o mercado local ou para subsistência.
52
de empreendimentos de impacto econômico e submetidos a processos de valorização
imobiliária incompatíveis com as condições sócio-econômicas e culturais da
população residente;
III - terrenos com área mínima de 1.000 m2 (mil metros quadrados) destinados à
produção de alimentos de primeira necessidade voltada à população com renda
familiar predominante de até 3 (três) salários mínimos, com objetivo de garantir o
abastecimento destinado ao suprimento da cesta básica e ou da complementação
nutricional diária;
IV - glebas ou lotes urbanos, isolados ou contíguos, não edificados, subutilizados ou
não utilizados, com área superior a 400m² (quatrocentos metros quadrados),
necessários para a implantação de programas de habitação de interesse social.
V - os prédios desocupados ou subutilizados ou aqueles que possam causar risco ao
entorno pela sua condição de degradação, localizados em áreas centrais da cidade,
cujos projetos terão tratamento diferenciado, resguardando as características próprias
de cada imóvel e sua importância histórica. (PDN, 2007).
Quanto a Comunidade do Maruim, a mesma foi reconhecida com uma AEIS a partir
de 1984, quando a Lei 3.175/84 a instituiu como Área Especial de Recuperação Urbana
(AERU) e posteriormente incorporada às demais AEIS no PDN de 1994, a qual também se
encontrava inserida na Zona Especial Portuária (ZEP) de 1992.
No mapa a seguir poderemos visualizar as AEIS existentes na Cidade do Natal, no
entanto, em virtude de ter sido confeccionado em 2007, alguns dados podem estar
desatualizados dos atuais, contudo, é a única fonte de verificação dessas áreas até a próxima
atualização do PDN, previsto para ser publicado em 2016.
53
Mapa 2 - Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) na Cidade do Natal com destaque para a
Comunidade do Maruim.
Fonte: Prefeitura Municipal do Natal (2007).
54
4 PORTO DE NATAL X COMUNIDADE DO MARUIM
55
4.1 PORTO DE NATAL: HISTÓRIA E CONTEXTO ATUAL
Se valendo do documento oficial do Porto de Natal, o PDZ, o contexto histórico do
mesmo se deu da seguinte maneira:
O Porto de Natal, primeira instalação portuária potiguar, teve o seu projeto inicial
aprovado em 14 de dezembro de 1922, através de Decreto Presidencial. No entanto,
só dez anos depois, em 1932, o decreto de número 21.995, assinado pelo presidente
Getúlio Vargas, à frente do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do
Brasil, cria o Porto de Natal. No dia 21 de outubro desse mesmo ano o decreto é
publicado no Diário Oficial da União. De imediato começou a construção do Porto
de Natal. A obra foi gerenciada pelo engenheiro Hildebrando de Góis, que na época chefiava a extinta Inspetoria Fiscal dos Portos, Rios e Canais com sede no Rio de
Janeiro. O engenheiro Décio Fonseca foi o primeiro administrador do Porto de
Natal. (COMPANHIA... 2010).
Fotografia 3 - (A) e (B) Porto de Natal no início de sua operação.
Fonte: Prefeitura Municipal do Natal e SEMURB (2006).
A Lei municipal n° 4.069, de 21 de maio de 1992, institui a Zona Especial Portuária
(ZEP), referindo-se também a alterações nas prescrições gerais previstas no Plano Diretor de
1984, especificamente na área destacada. A ZEP é subdividida em duas áreas: subzona de
atividades portuárias e subzona de atividades múltiplas. Observemos o mapa a seguir:
(A) (B)
56
Mapa 3 - Zona Especial Portuária (ZEP) da Cidade do Natal.
Fonte: Instrumentos do Ordenamento Urbano de Natal (2009).
57
No que tange a administração portuária temos a CODERN como responsável por toda
a gerência e organização do mesmo. Atualmente aquela Companhia é responsável pela
administração dos Portos de Maceió, Areia Branca e do já citado Porto natalense. Conforme o
PDZ, as áreas de influência do Porto de Natal são constituídas:
Pelas instalações portuárias terrestres existentes na margem direita do Rio
Potengi, desde a Base Naval de Natal até o molhe leste, na interseção com o
arrecife de Natal, junto ao Forte dos Reis Magos, abrangendo todos os cais,
docas, pontes e píeres de atracação e de acostagem, armazéns, edificações em geral e vias internas de circulação rodoviária e ferroviária e ainda os terrenos ao
longo dessa faixa marginal e em suas adjacências pertencentes à União,
incorporadas ou não ao patrimônio do Porto de Natal ou sob sua guarda e
responsabilidade.
Pelos Serviços e Facilidades de proteção e acesso aquaviário, tais como áreas de
fundeio, bacias de evolução, canal de acesso e áreas adjacentes a esse até as
margens das instalações terrestres do porto organizado, conforme definido no
item [...] acima, existentes ou que venham a ser construídas e mantidas pela
Administração do porto ou por outro órgão do poder público. (COMPANHIA...
2010, p. 12-13).
Atualmente o Porto de Natal ganha importância por causa de sua localização
privilegiada próximo ao Continente Africano e Europeu. Com isso o fluxo de cargas neste
Porto tende a aumentar ao longo dos anos. Vejamos abaixo uma tabela informando o histórico
de movimentações de cargas no Porto entre os anos de 2008 a 201414
.
Tabela 1 - Histórico da movimentação geral de cargas no Porto de Natal 2008-2014 (em ton.).
Fonte: CODERN (2014).
14 A tabela apresenta dados até novembro de 2014, quando foi criada, por isso o resultado final das
movimentações de carga em 2014 certamente foi maior do que o apresentado nela, em virtude de não ter sido
computado o mês de dezembro.
58
De acordo com a tabela podemos verificar a importância do Porto para a economia da
Cidade do Natal, e mesmo apresentando variações entre suas movimentações é uma atividade
econômica fundamental em uma cidade litorânea.
No entanto, no meio dessa crescente produção e visões de crescimento econômico
através de suas atividades, o Porto de Natal esbarra em um Conflito Fundiário Urbano bem
complexo, pois, em virtude da comprovada necessidade em expandir sua área, para servir de
armazenagem para contêineres e outras atividades, a solução encontrada é a remoção da
Comunidade do Maruim que se localiza em área adjacente ao mesmo e consequentemente na
ZEP. Foi objetivando sua expansão que:
A CODERN solicitou em 1997 à Gerência Regional do Patrimônio da União
(GRPU/RN) a regularização das áreas que ocupava efetivamente e daquelas que
tinha interesse, inclusive a área correspondente à comunidade do Maruim [...]
Através do processo n. 04916.002804/2005 de 03 de outubro de 2005, a CODERN
solicita a regularização da área efetivamente ocupada, inclusive da antiga área da
Brasil Gás. Até a presente data não foi efetivada a cessão da área do Maruim pela
GRPU/RN a partir dessas solicitações. A complexidade da relocação da comunidade do Maruim, considerando-se os impactos sociais econômicos e culturais, constitui
uma das principais questões apontadas nos pareceres técnicos expedidos pelos
órgãos públicos nos processos de solicitação citados. (TINOCO; BENTES
SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008).
Os principais motivos que travam a desapropriação do Maruim foram muito bem
citados pelos autores, pois quando envolve o ser humano enquanto elemento do espaço,
aquelas razões devem ser ponderadas, pois os impactos decorrentes da quebra na Identidade
Territorial, por exemplo, podem ser muito prejudiciais.
4.2 COMUNIDADE DO MARUIM: HISTÓRIA E CONTEXTO ATUAL
Bibliograficamente, as informações da possível ocupação do que hoje seria a
Comunidade do Maruim datam do início da década de 1940, no entanto, em nossos estudos
mais aprofundados e em pesquisas feitas na própria Comunidade quando da visita in loco
podemos inferir novos dados.
A colônia de pesca José Bonifácio (fotografia 4), data em sua fachada o ano de 1922, o
qual pegamos como marco das primeiras ocupações do que posteriormente se tornaria a
Comunidade do Maruim. Naquele momento, os habitantes da localidade formaram uma vila
de pescadores e conforme o espaço foi se desenvolvendo e agregando novas famílias, aquela
passou a ser considerada como Favela, a qual, alguns estudiosos atribuem como sendo a
primeira existente na Cidade do Natal.
59
Fotografia 4 - Fachada da Colônia de Pesca da Comunidade do Maruim.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Se valendo dos estudos de Tinoco; Bentes Sobrinha; Trigueiro (2008) temos o início
da ocupação da Comunidade do Maruim narrado da seguinte forma:
As primeiras referências à comunidade do Maruim datam da década de 1940,
quando os principais bairros de Natal dividiam-se entre a Cidade Alta e a Ribeira. A
favela do Maruim formou-se à margem sul do Rio Potengi, tendo como um dos
marcos da sua ocupação a Colônia de Pescadores. O terreno, pertencente ao
Patrimônio da União foi sendo ocupado a princípio por casas de taipa e palha, em
precárias condições físico-ambientais, tendo sido ignorado seu risco de inundação
em função da proximidade com a área de mangue. Inicialmente os moradores eram
predominantemente pescadores humildes vindos em geral do interior do Estado, que
tinham o rio como fonte de sobrevivência a partir da pesca artesanal.
E complementamos com Moraes; Vivas; Bentes Sobrinha (2008) relatando que a
Comunidade do Maruim é:
Um assentamento formado predominantemente por pescadores com cerca de 100
famílias situadas em área contígua ao Porto de Natal. A Colônia de Pescadores tem
85 anos, estimando-se que a ocupação na área tenha ocorrido há mais de 100 anos.
Porém é a partir da década de 1940 que se identificam os primeiros registros sobre a comunidade do Maruim.
Em vista dessas considerações podemos observar algumas congruências entre elas,
sobretudo quando se referem ao início das primeiras referências sobre a existência efetiva da
Comunidade do Maruim, porém, o tempo estimado de existência da Comunidade em relação à
segunda citação está mais próximo do que mostramos no início dessa seção e, portanto, é por
ele que nos basearemos quando for necessário.
60
A fotografia 5 mostra o início das ocupações próximas ao Rio Potengi na década de
1930, levando-nos a crer que se trata das casas de pescadores do Maruim. Mesmo nomeada de
Canto do Mangue essa área é muito próxima de onde se encontra a Comunidade do Maruim
atualmente.
Fotografia 5 - Canto do Mangue (Ribeira) na década de 1930.
Fonte: Emerenciano (2007).
A fotografia 6 ilustra a Comunidade do Maruim em 1982, que mesmo já bem
consolidada, ainda apresentava casas construídas com taipa e materiais reciclados.
Fotografia 6 - Comunidade do Maruim em 1982.
Fonte: Tinoco; Bentes Sobrinha; Trigueiro (2008).
61
Devido existir poucas fontes bibliográficas referentes ao desenvolvimento da
Comunidade do Maruim ao longo dos anos, precisaremos nos reportar já para a década de
1980 quando a Comunidade foi mapeada para entrar no PDN de 1984 como ocupação
irregular e passou a fazer parte da AERU. Na figura abaixo podemos verificar o crescimento
do tecido urbano da Comunidade do Maruim, tendo como base três recortes temporais.
Figura 1 - Crescimento do tecido urbano na Comunidade do Maruim.
Fonte: Prefeitura Municipal do Natal e SEHARPE [2013a].
Olhando a figura percebemos o processo de adensamento pelo qual a Comunidade do
Maruim passou ao longo dos anos, fazendo com que os espaços ora vazios fossem sendo
ocupados e devido à alteração na configuração morfológica promovida pela construção de
muros para píeres da empresa Petrobrás em áreas próximas ao Rio Potengi, os acessos à
Comunidade pelas margens do Rio foram se estreitando e posteriormente tornaram-se
totalmente fechados, fazendo com que os acessos ao interior da Comunidade ficassem mais
limitados. (TINOCO; BENTES SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008).
Demograficamente a população da Comunidade do Maruim é composta por cerca de
700 moradores divididos em 165 famílias, de acordo com os dados coletados na visita a
SEHARPE, secretaria responsável por serviços de habitações e regularizações fundiárias na
Cidade do Natal. Bibliograficamente, encontramos dados demográficos referentes à
62
população da Comunidade do Maruim disponibilizados pela Secretaria Municipal de Trabalho
e Ação Social (SEMTAS) de 2002 e citados por Borges e Borges (2004), onde dizem que:
[...] o Maruim é apontado como uma favela ocupada por invasão de foreiros em área
de mangue, não sendo, porém, área de risco. De acordo com este relatório, possui
atualmente 140 habitações, onde moram 147 famílias que compreendem uma
população de 685 moradores. Trata-se de uma área sem saneamento, porém servida
de água e energia e com 95% de suas ruas pavimentadas.
Mesmo sendo datados de 2002, os dados divulgados pela SEMTAS é aproximado dos
repassados pela SEHARPE para nós em novembro de 2013, quando realizamos uma visita a
esta Secretaria a fim de colher dados para a presente pesquisa. Tais dados informam ainda que
das 165 unidades habitacionais (U.H.s) com famílias, 41 contam com algum tipo de comércio,
formalizando o uso misto da propriedade, e existem outros 16 espaços comerciais inseridos
fora das U.H.s.
A seguir apresentaremos dados referentes aos indicadores populacionais e sociais da
Comunidade do Maruim, extraídos do PRAC-Ribeira, o qual foi organizado por Tinoco;
Bentes Sobrinha; Trigueiro (2008).
A população é extremamente jovem com índice de envelhecimento de 13,3%, ou
seja, são apenas 13,3 pessoas com 65 anos e mais para cada 100 jovens de menos
que 15 anos. Quando se coteja essa estrutura etária da população do Maruim com a
estrutura etária da Ribeira Alta, verifica-se uma diferença impressionante, pois nesta
encontram-se 144,7 idosos com 65 anos e mais para cada 100 jovens com menos do
que 15 anos. Quanto aos indicadores sociais identificou-se que estes são
extremamente precários. A taxa de analfabetismo da população acima de 7 anos de
idade do Maruim é de impressionantes 27,8%, contra 7,4% da Ribeira como um todo. Dentre as crianças menores que 7 anos, apenas 28,4% estão em escola ou
creche. Por outro lado, das crianças entre 7 e 14 anos, 33,8% estão com defasagem
escolar. Esse indicador é ainda mais grave quando o enfoque é dado aos
adolescentes entre 15 e 17 anos, onde mais da metade estão com defasagem escolar.
No Maruim, 31,6% da população acima de 15 anos tem no máximo três anos de
estudo. Na Ribeira Alta esse percentual é de 4,7%. No que se refere à renda,
enquanto na Ribeira Alta e Ribeira Baixa a renda média, em salários mínimos, é de
3,6 e 3,5 respectivamente, no Maruim essa renda não chega a 0,5 salário mínimo, o
que caracteriza a situação de extrema pobreza [...] Quanto aos aspectos
socioeconômicos definidos pelos indicadores de educação, renda e trabalho,
constatou-se que no Maruim 62,1% dos ocupados são do sexo feminino, 71,2% são
não brancos e 59,1% possuem menos de 8 anos de estudo.
Esse panorama de baixos índices de empregos, baixa taxa de escolaridade, rendas
irrisórias e a violência urbana, certamente geram influencia na estrutura etária da população,
atuando como caráter decisivo para desencadear altas taxas de mortalidade que são
provocadas por doenças infecciosas e parasitárias, por causa da pouca infraestrutura existente
como o escoamento sanitário, o abastecimento de água e uma coleta de lixo mais adequada,
63
além do aumento da violência no interior da Comunidade advindo do pouco patrulhamento na
área. Essa questão da violência nos foi levantada na visita in loco, onde os moradores nos
informaram que pessoas de outras localidades chegam a Comunidade do Maruim para acertos
de contas com alguns moradores, uma vez que o tráfico de drogas se faz presente no ambiente
daquela, fazendo com que a violência seja inserida na Comunidade de forma quase que
irreparável e ceifando a vida de dezenas de moradores, sobretudo de jovens do sexo
masculino o que representa disparidades nos dados entre a quantidade de homens e mulheres
da Comunidade, conforme podemos verificar a seguir:
Quanto aos indicadores demográficos [...] existem 66,3 homens para cada 100
mulheres. Na terceira idade, a diferença entre homens e mulheres é bastante
significativa. No Maruim, existem 35,7 homens idosos para cada 100 mulheres
idosas. Esse fenômeno é conhecido como feminização do envelhecimento populacional, processo ocasionado pelos grandes diferenciais no volume de idosos
por sexo, ou seja, é muito maior o número de mulheres que sobrevivem até chegar
ao grupo etário idoso e uma vez fazendo parte dele, permanecem por muito mais
tempo do que os homens, pois possuem maior esperança de vida. Argumenta-se que
a principal causa para esse cenário é a sobre-mortalidade masculina, principalmente
nas idades adultas jovens devido a causas externas de morte, como acidentes de
trânsito e mortes violentas. (TINOCO; BENTES SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008).
De posse dessas informações podemos verificar que a Comunidade do Maruim, desde
seu surgimento até os dias atuais, se encontra inserida num ambiente rodeado de implicações
de ordens social, política e econômica. No entanto, acreditamos que o mais contundente de
todos os problemas está no fato daquela Comunidade se figurar num Conflito Fundiário
Urbano com o Porto de Natal, o qual detalharemos logo mais.
4.3 CONFLITO FUNDIÁRIO URBANO
O Ministério das Cidades (MC) por meio da Secretaria Nacional de Programas
Urbanos desenvolveu um material denominado “Prevenção e mediação de conflitos fundiários
urbanos”, disponível na internet, nesse material o termo Conflito Fundiário Urbano é definido
como a:
Disputa pela posse ou propriedade de imóvel urbano, bem como impacto de
empreendimentos públicos e privados, envolvendo famílias de baixa renda ou
grupos sociais vulneráveis que necessitem ou demandem a proteção do Estado na
garantia do direito humano à moradia e à cidade. (MINISTÉRIO... [2010]).
Para entendermos como se deu o Conflito Fundiário Urbano existente entre a
Comunidade do Maruim e o Porto de Natal, nos atentemos a figura abaixo representada por
64
uma linha do tempo onde poderemos verificar desde o surgimento do Porto e da Comunidade
até as nuanças presentes nas últimas décadas, onde foram criadas legislações e portarias na
tentativa de resolver tal conflito.
Figura 2 – Linha do Tempo mostrando o Porto de Natal e a Comunidade do Maruim15
com seus direitos na legislação municipal e na portaria ministerial.
Fonte: Tinoco; Bentes Sobrinha; Trigueiro (2008).
Conforme podemos visualizar acima, desde o início das obras do Porto natalense em
1922 até 2007, ano da criação do último Plano Diretor na Cidade do Natal, tanto a
Comunidade do Maruim quanto o Porto adquiriram direitos em comum com relação ao acesso
e ocupação do solo urbano16
. Com base nisso Tinoco; Bentes Sobrinha; Trigueiro (2008)
descrevem que:
Tanto a comunidade do Maruim quanto o Porto de Natal que ocupam áreas da União
situadas às margens do Rio Potengi desempenham função social, ainda que em
condições precárias no caso da comunidade do Maruim [...] Conclui-se portanto, que
a partir do processo de ocupação e do marco regulatório, o Porto organizado de
Natal e a comunidade do Maruim possuem a mesma condição de direito à
regularização fundiária junto ao Patrimônio da União.
15 Esclarecemos que a data do efetivo início da ocupação da Comunidade do Maruim se deu anteriormente ao
citado na figura 2, no entanto, foi a partir daquela data que se têm os primeiros registros bibliográficos em
relação à Comunidade. 16 As leis, portarias e marcos históricos mostrados na figura 2 já foram comentados e descritos em seções
anteriores dessa pesquisa.
65
Conforme citamos, em 1997 a CODERN solicitou a regularização da área que
ocupava e daquela a qual tinha interesse, que corresponde também ao espaço ocupado pela
Comunidade do Maruim, à Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU/RN), sem
lograr êxito, em dezembro de 2005, a Companhia solicita o mesmo pedido agora a
Superintendência do Patrimônio da União (SPU) de Brasília-DF, desta vez com novo texto,
no qual inferia que:
A ampliação das atividades do porto de Natal necessita da instalação de uma linha
da cabotagem e de linha(s) de longo curso de navios porta contêineres para a Europa
e para a costa leste os Estados Unidos. Para consolidar a linha de cabotagem é
necessária a construção de um armazém com área mínima de 5.000 m2, conforme
pleito de armadores, e para viabilizar linha(s) de longo curso precisa-se de uma área
mínima de 10.000 m2, para armazenagem e circulação de, no mínimo, 400
contêineres, requisitos que dão sustentação a este pleito. (TINOCO; BENTES
SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008).
Diante do exposto, cabe destacar o forte caráter econômico do pedido do Porto
natalense ao órgão federal responsável – dentre outras funções – pela regularização dos bens
da União, a SPU. A introdução da Europa e da costa leste dos Estados Unidos no pedido de
ampliação, aumenta a carga de importância do mesmo, pois mostra a versatilidade que o Porto
poderá vir a ter quando incrementar em sua pauta de exportações a inserção de outros países.
Do outro lado, temos a Comunidade do Maruim a qual possui tempo de ocupação da
área semelhante ao do Porto, cumpre função social de moradia, possui identidade territorial e
cultural com o Bairro da Ribeira, o Canto do Mangue, o Mercado do peixe, o Hospital dos
Pescadores, o Rio Potengi etc. e se insere na AEIS determinada pela lei 07/94 do PDN. Deste
modo, segundo Tinoco; Bentes Sobrinha; Trigueiro (2008) qualquer que seja a decisão sobre
o futuro da Comunidade do Maruim, o poder público deve observar os princípios
fundamentais do Estado brasileiro quanto o direito a proteção jurídica da moradia, tais como:
(i) Cidadania e dignidade da pessoa humana – preceitos do Estado; (ii) Principio da
igualdade; (iii) Construção de uma sociedade livre, justa, solidária, de erradicar a
pobreza e a marginalização e de reduzir as desigualdades sociais; (iv) O principio do
devido processo legal: caso de conflitos coletivos do direito à moradia, como
despejos forçados, deslocamento e remoções de grande impacto, proteção jurídica –
direito de defesa, acesso a todas as informações dos procedimentos adotados; (v) O
principio da defesa da paz: a busca de solução pacifica. (SAULE JÚNIOR, 2004
apud TINOCO; BENTES SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008).
A figura 3 sintetiza através de um esquema toda situação fundiária existente entre o
Porto de Natal e a Comunidade do Maruim explanada nessa pesquisa.
66
Figura 3 - Situação fundiária da Comunidade do Maruim e do Porto de Natal.
Fonte: Tinoco; Bentes Sobrinha; Trigueiro (2008).
Conforme podemos perceber para resolução de um Conflito Fundiário o papel do
Estado é fundamental. Corroborando com isso, Dantas (2013) infere que a atenção à
regularização dos assentamentos informais deve ser tratada como prioridade pelo poder
público, uma vez que:
Em regra, apresentam uma infraestrutura extremamente precária, necessitando de
melhoria estrutural das casas, as vias públicas e implantação de saneamento básico e
rede elétrica, além da regularização jurídica da posse. A precariedade dos referidos
assentamentos, nos quais incluímos as favelas, atenta contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, impossibilita a efetivação do direito à moradia
naquelas localidades.
Em vista desse fato, na próxima seção traremos uma discussão empírica com dados
estatísticos sobre a Comunidade do Maruim e seus moradores. Nela, serão mostradas as
opiniões e o grau de conhecimento dos habitantes daquela Comunidade com relação ao
projeto de desapropriação para a mesma, a qual, desde a década de 1980 através do PDN se
encontra inserida na AERU, fato que requer participação ativa do poder público para
resolução das problemáticas existentes.
67
5 MARUIM: DO INÍCIO AO “FIM”
68
5.1 DISCUSSÕES ACERCA DA DESAPROPRIAÇÃO
Compreendendo que todo estudo acadêmico requer o uso de métodos científicos para
sua construção, somos reafirmados por Marconi e Lakatos (2000) as quais explanam que “não
há ciência sem o emprego de métodos científicos”. A partir deste fato, verificamos a
importância daqueles no conceito de Trujillo (1974 apud MARCONI; LAKATOS, 2000,
p.44) onde diz que o:
Método é a forma de proceder ao longo do caminho. Na ciência os métodos
constituem os instrumentos básicos que ordenam de início o pensamento em
sistemas, traçam de modo ordenado a forma de proceder do cientista ao longo de um
percurso para alcançar um objetivo.
Dessa maneira, entendemos que o método científico auxilia o pesquisador desde a
hora da escolha do tema a ser estudado até a tomada de decisões para executar a pesquisa em
todas as suas dimensões, tornando fundamental sua utilização para que o resultado da
investigação seja satisfatório.
Entre os métodos científicos existentes, esta pesquisa se configura enquanto método
dialético, o qual segundo Diehl e Tatim (2004, p. 50) se fundamenta “na dialética proposta
por Hegel, em que as contradições transcendem, dando origem a novas contradições, que
passam a requerer solução. [...] os fatos não podem ser tomados fora de um contexto social,
político e econômico”.
Para tecer as discussões após a visita in loco, elaboramos ilustrações com gráficos
para facilitar a compreensão do leitor acerca do assunto tratado nessa seção. Os dados
recolhidos foram tabulados para mostrar os resultados em porcentagens, cabendo salientar que
nas perguntas em que os entrevistados deveriam escolher três opções entre as demais, as
porcentagens totais a serem observadas são de 300% e não de 100%, uma vez que,
consideramos cada opção de resposta no universo geral dos entrevistados, ou seja,
multiplicamos o número dos entrevistados por três. Vejamos a seguir os resultados da
pesquisa.
69
Gráfico 1 - Grau de instrução da Comunidade do Maruim.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Observando o gráfico, vemos que a grande maioria da população adulta pesquisada
(81%), encontra-se inserida no denominado ensino fundamental17
, contudo, muito dos
entrevistados não chegaram a concluir nem mesmo o ensino fundamental I, fazendo com que
o nível de escolaridade presente na comunidade, por parte dos adultos, seja pouco elevado. O
baixo índice no grau de instrução de uma população acarreta muitos problemas sociais como a
dificuldade em conseguir emprego (desemprego), o aumento do trabalho informal e pode
gerar segregação social, uma vez que, o indivíduo pode sentir-se desarticulado das imposições
que a atual sociedade capitalista e excludente possui em sua ideologia. Os moradores que se
enquadram no grau de escolaridade do ensino médio (11%) são em sua maioria jovens, que
mesmo fora da faixa de idade correta para aquele nível de ensino (normalmente dos 15 aos 18
anos) têm menos de 30 anos. Na pesquisa, foi encontrada apenas uma entrevistada que
possuía o nível técnico de ensino (antigo magistério integrado ao ensino médio) e nenhum
entrevistado tinha diploma de nível superior. No entanto, em conversas com os moradores,
tivemos informações que alguns jovens, que não participaram da pesquisa, conseguiram
ingressar no ensino superior nos últimos anos, algo relevante e comemorado pelos moradores
da comunidade.
Sabendo que a Comunidade do Maruim existe há pelo menos 90 anos no Bairro da
Ribeira, conforme já foi mostrado, buscamos saber a quantidade de anos que os atuais
moradores vivem ou convivem naquela, com isso encontramos os seguintes dados.
17
No Brasil, todo o ensino fundamental abarca as séries do 1º ao 9º ano, no entanto, o mesmo é subdividido em
outras duas categorias, o ensino fundamental I (1º ao 5º ano) e o ensino fundamental II (6º ao 9º ano).
5%
81%
11% 3% 0%
0
6
12
18
24
30
36
Não Estudou Ens.
Fundamental
Ensino Médio Ensino
Técnico
Ensino
Superior
Nú
mero
máxim
o d
e p
ess
oas
en
trev
ista
das
Grau de Instrução.
70
Gráfico 2 - Quantidade de anos que os moradores vivem na Comunidade do Maruim.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Em observância ao gráfico, percebemos que grande parte dos moradores residem na
comunidade há mais de 30 anos (55%), fato que corrobora para se entender o porque da forte
identidade daqueles para com o local no qual vivem, uma vez que, é sabido que quanto mais
tempo se reside em um dado lugar, mais identificação se cria com o mesmo. É valido salientar
que a maioria das pessoas que existem na comunidade, moram no local desde que nasceram, o
que justifica ainda mais o forte sentimento de pertencer em relação à área estudada. Segundo
os dados coletados, as pessoas que chegaram à comunidade há pelo menos dez anos (3%)
vieram impulsionados pela proximidade do centro da cidade e em busca de melhores
condições de trabalho, pois viam na pesca um modo de sobrevivência a partir de poucos
recursos, como também incentivados pela falta de moradia em outras regiões da Cidade do
Natal, encontrando numa favela próxima a um rio o local mais apropriado para satisfazer as
necessidades básicas dos mesmos.
Dando continuidade a pesquisa, pedimos que os entrevistados escolhessem três
principais características – entre cinco existentes – que melhor definem a Comunidade o qual
vivem, no gráfico a seguir podemos ver os resultados:
3%
28%
14%
55%
Há quantos anos reside na Comunidade?
01 a 10 anos
11 a 20 anos
21 a 30 anos
Mais de 30 anos
71
25%
88%
42%
66%
77%
0 6 12 18 24 30 36
Sua Relação com o ambiente
Obtenção da renda pela Natureza
Laços de amizade e convivência
A vida em família
Solidariedade entre os moradores
Número máximo de pessoas entrevistadas
Indique três características da Comunidade
do Maruim.
Gráfico 3 - Principais características, que segundo os moradores da Comunidade do Maruim,
melhor definem a localidade.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Conforme podemos observar, existe uma predominância da opção „obtenção da renda
pela natureza‟, com 88%, tal apontamento dado pelos entrevistados reforça, ainda mais, a
importância do Rio Potengi como fonte de renda para os moradores da comunidade, uma vez
que, é a partir do mesmo que a pesca é desenvolvida. Cabe destacar que no ramo da pesca
podem-se levar em conta outras atividades atreladas a ela e que são realizadas na comunidade,
quais sejam: descasca, limpeza, embalagem e armazenamento de frutos do mar, sobretudo
camarões e peixes. Essas atividades são feitas em sua maioria por mulheres em idades médias
e até mesmo por alguns jovens e adolescentes. A atividade é realizada de forma artesanal,
amadora e insalubre, pois os trabalhadores executam as funções de maneira inadequada e em
locais impróprios, conforme visualizamos na fotografia a seguir.
72
Fotografia 7 - Mulheres exercendo atividade pesqueira na Comunidade do Maruim.
Fonte: Patrícia Costa (2012).
Já a opção da „solidariedade entre os moradores‟ aparece como a segunda questão
mais lembrada pelos moradores com 77%, fato que vem confirmar a importância da
convivência entre as pessoas, sobretudo no local um tanto sitiado como a Comunidade do
Maruim.
Dessa forma, é valido destacar que pela maioria dos moradores residirem na
localidade há muitos anos, compartilhando das mesmas alegrias, frustações, promessas e
realizações, os laços de amizade e companheirismo são mais aguçados que em locais onde
mudanças ocorrem de forma mais corriqueira. Na entrevista da moradora identificada na
pesquisa como „entrevistada 26‟, percebemos no discurso da mesma a aproximação com seus
vizinhos, onde diz que: “morar aqui é bom porque quando a gente está precisando de alguma
coisa, vai lá na casa da „comadre‟ e pega um quilo de feijão, de açúcar [...] a maioria de nós
nos conhecemos há muito tempo e isso facilita nossa convivência”, finalizou.
Outra alternativa que merece destaque é a da „vida em família‟, sendo indicada por
66% dos entrevistados numa melhor de três escolhas, como já foi explicado, o que não a torna
menos importante, contudo, por se aproximar ideologicamente das demais opções colocadas
para os moradores na entrevista poderia ter sido deixada de lado, fato que não ocorreu e nos
ajuda a ratificar o sentimento da união e o espírito de solidariedade existente entre a maioria
dos moradores da comunidade, algo que culmina na hora das decisões acerca do futuro da
mesma. Os „laços de amizade e convivência‟ foi lembrado por 42% dos moradores e a
„relação com o ambiente‟ por 25% seguindo os critérios anteriormente definidos (melhor de
três escolhas).
73
Entendendo o Rio Potengi e seu mangue como arrimo da comunidade em vários
aspectos, indagamos a importância do mesmo para a vida dos moradores. O gráfico abaixo
nos mostra as respostas de tal questionamento.
Gráfico 4 - A importância do Rio Potengi e seu mangue para a vida dos moradores da
Comunidade do Maruim.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Para a grande maioria, 72% dos entrevistados, a obtenção da „fonte de renda‟ pelo Rio
Potengi e seu mangue é a principal importância deste para a comunidade, uma vez que,
conforme os próprios moradores, só existe a Comunidade naquela localidade devido à
presença do Rio Potengi para realização da pesca, que se configura a principal fonte de renda
do lugar.
A porcentagem de 11% aparece em duas alternativas, „riqueza natural‟ e „identidade
com a natureza‟, são opções semelhantes, mas que se diferem pela questão da identidade, ou
seja, a forma como o indivíduo cria vínculo com o espaço que vive.
O Rio Potengi visto como fonte de „abastecimento de água e alimentos‟ ou
promovedor de „lazer‟ só foi lembrado por iguais 3% dos entrevistados, fato que não reduz a
alegria desses três por cento que amam se banhar nas águas do Potengi pela manhã ou andar
de canoa ao pôr do sol.
Um dos principais receios por parte dos moradores da Comunidade do Maruim na
proposta da realocação da mesma era o fato de se afastar da área a qual está situada e perder
os benefícios que a localidade proporciona, em vista disto, propomos uma questão que está
11%
72%
3% 11%
3%
Indique a importância do Rio Potengi e seu
mangue para a vida no Maruim.
Riqueza Natural
Fonte de Renda
Abastecimento de
água e alimentos
Identidade com sua
natureza
Fonte de Lazer
74
baseada nessa preocupação, onde buscamos saber as razões pelas quais os moradores querem
a permanência da Comunidade no Bairro da Ribeira. Vejamos os resultados a seguir.
Gráfico 5 - Razões pelas quais, segundo os moradores da Comunidade do Maruim, a mesma
deve permanecer no Bairro da Ribeira18
.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Para 97% dos entrevistados, a „proximidade da Comunidade com o Rio Potengi‟ é o
principal fator para que a mesma permaneça no Bairro da Ribeira. Com isso, constatamos
novamente a identidade dos moradores com o Rio Potengi, desta vez, atrelada ao temor à
perda do acesso fácil ao maior provedor de renda da maioria das famílias daquela.
A opção do „transporte para as demais regiões da cidade‟ foi escolhida por 69% das
pessoas consultadas, fato facilmente compreendido se levarmos em consideração a
localização da Comunidade na Cidade do Natal, situada na região central da mesma, entre
importantes bairros históricos, Ribeira e Rocas, onde o acesso a linhas do transporte público
coletivo é mais fácil e conta com itinerários mais variados se comparados a outras regiões da
Cidade.
A localização da Comunidade do Maruim na Cidade do Natal pode ser vista como
estratégica, pois, tanto a oferta de transporte público como de outros serviços importantes
18 Voltamos a pedir a indicação de três opções entre cinco alternativas existentes. Portanto, a porcentagem total a
ser observada é de 300% e não de 100%.
97%
67%
42%
69%
25%
0
6
12
18
24
30
36
Sua
proximidade
com o Rio
(Fonte de
Renda)
Oferta de
serviços de
saúde e
educação
Importância
histórica e
cultural
Transporte
para as regiões
da cidade
As
organizações
dos moradores
situadas no
Bairro
Nú
mero m
áxim
o d
e p
ess
oas
en
trevis
tad
as
Indique três razões para a permanência da
Comunidade do Maruim no Bairro da Ribeira.
75
podem ser mais facilmente encontrados19
na região. De modo que, para 67% dos entrevistados
a „oferta de serviços de saúde e educação‟ nas proximidades da comunidade são importantes
razões para que a Comunidade não saia do bairro da Ribeira, corroborando com nossa
afirmação acima. Podemos verificar toda aquela importância na fala da „entrevistada 12‟,
onde explana que: “é muito bom morar aqui porque é perto de tudo, de hospital (dos
pescadores) e de escolas para os meninos pequenos e grandes (ensino fundamental I, II e
EJA), é só atravessar a rua e a gente está perto de tudo”, contou.
Para 42% dos entrevistados a „importância histórica e cultural‟ está entre as maiores
razões para que a Comunidade permaneça no bairro e outros 25% julgam que „as
organizações dos moradores situadas no bairro‟ é que fazem a diferença para que a
Comunidade permaneça inserida no mesmo local de origem.
Buscando analisar na pesquisa acerca do que sobrevivem as famílias residentes no
Maruim, a temática da fonte de renda familiar foi posta em questão. Desta vez, os
entrevistados deveriam escolher a resposta a partir de quatro alternativas pré-estabelecidas ou
uma quinta opção de livre escolha, desde que não convergisse com as demais já estabelecidas.
O gráfico seguinte nos mostrará os resultados obtidos:
Gráfico 6 - Fontes de renda ou ganhos das famílias da Comunidade do Maruim.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
19 Aqui estamos tratando a facilidade em encontrar o serviço em relação à distância percorrida pelo morador da
Comunidade do Maruim em direção ao acesso aos serviços, não levando em conta a efetivação da utilização
daqueles pelos moradores.
75%
11% 8%
3% 3%
0
6
12
18
24
30
36
Produção
pesqueira
Pensão ou
aposentadoria
Trabalho em
serviço ou
comércio
Artesanato OutrosNú
mero m
áxim
o d
e p
ess
oa
s en
trevis
tad
as Indique as fontes de renda ou ganhos da família.
76
Grande maioria dos que se submeteram a pesquisa (75%) relataram que a renda das
suas famílias advém da „produção pesqueira‟, essa atividade está associada à existência do
Rio Potengi as margens de suas moradias, cabendo relembrar que esse fator foi o maior
influenciador para a existência da Comunidade no local em que a mesma situa-se hoje20
. A
produção pesqueira na Comunidade do Maruim não está atrelada apenas a captura e
comercialização do peixe, conforme já relatamos, existem outras atividades provenientes
daquele ramo onde homens e mulheres trabalham a fim de adquirir algum tipo de renda para
suas famílias.
Conforme os dados coletados, 11% dos entrevistados recebem „pensão ou
aposentadoria‟, com isso se sustentam, ajudam a sustentar ou muitas vezes são a única fonte
de renda de suas famílias. A maioria dos beneficiários são idosos ou pessoas aposentadas por
invalidez, onde, segundo relatos, foram adquiridos na atividade pesqueira.
O „trabalho em serviço ou comércio‟ foi apontado por 8% dos moradores que se
submeteram a entrevista. Essas pessoas têm pequenos comércios21
dentro da Comunidade ou
trabalham na circunvizinhança em locais como o Mercado do peixe e mercearias, quase
sempre como empregados.
Na amostra da nossa pesquisa foram escolhidas 36 pessoas, com isso, 3% -
porcentagem dos que escolheram as opções „artesanato‟ e „outros‟ como fonte de renda -
representam apenas um entrevistado.
A „entrevistada 22‟ nos relatou que a atividade do artesanato é pouco explorada pelos
moradores da Comunidade, uma vez que julgam pouco lucrativa, no entanto, a mesma
defende sua ocupação por ter sido deixada de herança pelos pais e por considerar que obtêm
boa renda a partir de suas produções.
O „entrevistado 36‟ escolheu a opção „outros‟ e foi taxativo a nos informar que exerce
atividades relacionadas com o tráfico de drogas. Cabe ressaltar que outros moradores também
denunciaram que aquela atividade movimenta bastante dinheiro dentro da Comunidade e
muitos moradores sobrevivem dela, no entanto, temem falar abertamente do assunto, por
motivos óbvios de segurança.
No que se refere às questões mais específicas do objeto de estudo para nossa pesquisa,
indagamos aos moradores entrevistados questões que relacionam a ação do poder público com
20
Analisamos a história da inserção da Comunidade do Maruim as margens do Rio Potengi nesta pesquisa a
partir da página 55. 21 Os pequenos comércios da Comunidade do Maruim são formados por lanchonetes, armarinhos, ateliê de
costura e mercearias.
77
a vontade dos mesmos em serem ou não desapropriados da localidade os quais vivem
atualmente. Analisemos o gráfico que se segue:
Gráfico 7 - De que maneira a administração pública vem conduzindo a saída dos moradores
da Comunidade do Maruim da atual localidade.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Esse questionamento gerou inúmeras dúvidas, no entanto, auxiliamos22
alguns
entrevistados sobre o que seria uma habitação de interesse público, que alguns desconheciam,
e a partir disso as respostas fluíam mais rapidamente.
Afastando os entraves da pergunta, 53% dos entrevistados relataram que a
administração pública, representada pela Prefeitura do Natal, tenta „convencê-los que o
Maruim é de interesse público‟ e falam que parte da área servirá para o avanço do Porto de
Natal que há anos precisa ser ampliado para acompanhar o crescimento da economia.
39% das pessoas relataram que a prefeitura os propõe „trocar seus imóveis‟ por outros
em bairros mais distantes23
. Fato que não é visto com bons olhos pelos moradores
entrevistados, uma vez que, os tiram de próximo do local onde adquirem seus sustentos.
22 Cabe ressaltar que não influenciamos nas respostas dos entrevistados em nenhum momento, apenas
esclarecemos dúvidas pertinentes. 23 Vale lembrar que entre os anos de 2008 a 2010 a gestão anterior da prefeitura realocou, segundo dados da
mesma, 17 famílias para outros bairros da Cidade e isso pode ter sido um dado influenciador nas respostas dos
entrevistados. (TRIBUNA DO NORTE, 2012).
3%
53%
39%
5%
0
6
12
18
24
30
36
Através de
audiências
públicas
Convencem
que o Maruim
é de Interesse
Público
Troca de
imóveis
Indenização
em dinheiroNú
mero m
áxim
o d
e p
ess
oas
en
trevis
tad
as
De que maneira vem sendo conduzida pela
administração municipal a saída da população do
Maruim?
78
Para 5% dos moradores entrevistados, oferecer „indenização em dinheiro‟ as famílias é
a proposta da administração municipal para efetivar a desapropriação da Comunidade, já para
outros 3% são „através das audiências públicas‟ feitas na colônia de pescadores da localidade,
onde estão presentes somente alguns moradores, que são debatidos e decididos os destinos de
todos.
Observamos aqui o desconhecimento e descontentamento dos moradores para com a
temática em questão. Sabemos que há um novo projeto feito pela atual gestão municipal onde
todas as famílias serão beneficiadas e realocadas para um local próximo ao que vivem
atualmente, mas devido ao descrédito adquirido por anos de promessas não cumpridas as
desconfianças vêm à tona.
Continuando a pesquisa pedimos que os entrevistados indicassem três razões24
apontadas pelo órgão gestor municipal, sobre quais seriam os motivos, em ordem de
importância, para que ocorra a realocação da Comunidade. De acordo com os dados
coletados, os resultados conseguidos foram:
Gráfico 8 - Razões que segundo os moradores da Comunidade do Maruim são apontadas pela
Prefeitura do Natal como principais motivos para a realocação.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
24 Pedimos novamente que os entrevistados escolhessem três alternativas entre seis existentes, desta vez,
acrescida da opção outros, onde aqueles puderam acrescentar outras respostas à pergunta, desde que fossem
pertinentes ao questionamento feito.
100% 97%
75%
19% 6% 3%
0
6
12
18
24
30
36
Melhoria da
moradia
Ocupação
da área pelo
porto
Melhoria das
condições de
saneamento
Preservação
do Rio
Potengi
Reforma da
área
ocupada pela
Comunidade
Outros
Nú
mero m
áxim
o d
e p
ess
oa
s en
trevis
tad
as
Indique três razões apontadas pela Prefeitura para
realocá-los do Maruim.
79
Entre as opções apresentadas a „melhoria da moradia‟ foi apontada, independente da
ordem de preferência, por todas as pessoas entrevistadas. Com isso, aquela opção se
configurou como unânime, atingindo a porcentagem máxima de 100%. De acordo com os
moradores entrevistados a Prefeitura garantiu que suas casas serão trocadas por apartamentos
em condomínio e o ambiente será todo saneado e urbanizado, algo que na atual localidade
passa longe de ser. Sendo assim, a Comunidade estará ganhando melhores condições de
moradia e, consequentemente, de qualidade de vida.
Para 97% dos entrevistados, a „ocupação da área pelo porto‟ se constitui como o
principal motivo elencado pela Prefeitura do Natal para realocá-los do local os quais vivem
atualmente. Aquele órgão responsável vem conduzindo todo o processo para que parte da área
pertencente à Comunidade do Maruim seja repassada a CODERN ao fim de todo o trâmite da
realocação. No entanto, Durante a entrevista, alguns moradores apontaram possíveis
interferências por parte dos administradores do Porto de Natal em relação à Comunidade para
que o consentimento da desapropriação seja realizado mais rapidamente. A fala do
„entrevistado 21‟ resume essa situação:
Quase todos os dias sofremos pressões por parte da diretoria do Porto para que deixemos o Maruim, os minérios são amontoados próximos as nossas casas como
forma de nos expulsar, pois o peso das montanhas de materiais e a poeira provocam
rachaduras em nossas casas e problemas respiratórios em nós e em nossos filhos.
O problema externado pelo „entrevistado 21‟ não é um apontamento isolado, outros
moradores que foram entrevistados também relataram a mesma situação. Constatamos através
de fotografia o que foi falado pelo entrevistado.
Fotografia 8 - Minérios próximos às casas na Comunidade do Maruim.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
80
A alternativa da “melhoria das condições de saneamento” foi escolhida por 75% das
pessoas entrevistadas como sendo um dos motivos mais importantes para que a Prefeitura do
Natal decidisse realocá-los. Garantir saúde e consequentemente saneamento básico é dever
do órgão público, cabendo ao município assegurar aos seus cidadãos, entre outras coisas,
conforme o artigo 2º, inciso III, da lei federal 11.445, “abastecimento de água, esgotamento
sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à
saúde pública e à proteção do meio ambiente”.
A Comunidade do Maruim sofre pela ausência quase que total de saneamento básico.
Em vista do que observamos na visita in loco, podemos defender que esse é um dos maiores,
se não o maior problema enfrentado pelos moradores daquela. De acordo com Tinoco; Bentes
Sobrinha; Trigueiro (2008, p. 176):
A infra-estrutura [do Maruim] é bastante precária. Apenas 67,4% dos domicílios deste setor dispõem de abastecimento de água através da rede geral e 29% não tem
água canalizada para pelo menos um cômodo. No que se refere ao escoamento
sanitário, em quase 34% dos domicílios da comunidade do Maruim não existe
banheiro e somente 27,1% das residências são servidas por escoamento sanitário
adequado. Com isso, 44,8% dos domicílios escoam seus dejetos para o Rio Potengi.
Podemos verificar águas límpidas e sujas escoando pela comunidade sem nenhum
tratamento (fotografia 9), crianças brincando em meio a esgotos a céu aberto e próximos a
lixos com restos de alimento.
Fotografia 9 - Esgotamento sanitário na Comunidade do Maruim.
Fonte: Canindé Soares (2011).
Em relação ao serviço de coleta de lixo urbano da Comunidade do Maruim (fotografia
6), Tinoco; Bentes Sobrinha; Trigueiro (2008, p.176) pontuam que:
81
[...] apenas 3,1 dos imóveis residenciais do Maruim são atendidos pelo serviço de
coleta de lixo através do veículo coletor. Para 96,9% dos domicílios dessa região a
única alternativa é a caçamba coletora, o que além de não trazer comodidade, obriga
os moradores da região a conviver com o mau cheiro, sujeira, insetos e riscos à
saúde.
Fotografia 10 - Coleta de lixo na Comunidade do Maruim.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
As ilustrações acima mostram a precariedade no sistema de saneamento básico na
Comunidade do Maruim. Os esgotos e lixos expostos a céu aberto atraem animais e insetos
proliferadores de doenças, ocasionando problemas de saúde pública. Embora os dados
apresentados por Tinoco; Bentes Sobrinha; Trigueiro sejam de 2008, eles continuam atuais e
corriqueiros na vida dos moradores daquela Comunidade.
19% dos moradores entrevistados julgam que o cuidado com a „preservação do Rio
Potengi‟ é a maior razão apontada pelo órgão gestor da Cidade do Natal para conduzir a
desapropriação da Comunidade. O Rio Potengi é alvo diariamente de efluentes domésticos
oriundos de comunidades ribeirinhas presentes na Cidade, no Maruim a situação não é
diferente, por ser pouco saneada a maioria dos dejetos das residências dos moradores vão
parar no Rio Potengi. No estudo de Correa (2008, p.88) acerca dos impactos geoquímicos e
socioambientais no estuário do Rio Potengi é discorrido que:
A ocupação das margens do estuário [do Rio Potengi] tem ocasionado
transformações perceptíveis de serem analisadas, pois em locais onde antes estavam
presentes manguezais, hoje são ocupados por comunidades, empreendimentos de
carcinicultura, fábricas, etc. Estes fatores ocasionam o comprometimento das águas
do estuário por efluentes industriais e domésticos, bem como por outras fontes-
poluentes, provocando um maior incremento nos índices de coliformes fecais e
poluição por metais pesados, trazendo doenças e outros prejuízos para as
82
populações. Todos esses problemas vêm a reforçar que a população sente e sofre as
reações do meio ambiente às ações antrópicas indiscriminadas [...].
Na fotografia 11 podemos visualizar a situação comentada e avaliar, mesmo em
pequena dimensão, o grau de poluição em que se encontra o Rio Potengi na área do estudo em
questão, cabendo destacar que a situação apresentada neste trabalho não representa um caso
isolado da Comunidade do Maruim, outros pesquisadores mostram situações semelhantes em
diferentes comunidades ribeirinhas da Cidade do Natal25
, fatos que não cabem neste estudo.
Fotografia 11 - (A) encanação despejando efluentes domésticos no Rio Potengi; (B)
lixos e esgotos lançados no Rio Potengi.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
As ilustrações acima revelam uma situação preocupante de degradação do Rio Potengi
a partir do depósito indiscriminado de lixo, esgoto sanitário com resíduos sólidos e líquidos
que há anos são despejados diretamente no rio, onde se acumulam e causam danos ao meio
ambiente.
Para apenas 6% dos entrevistados a „reforma da área ocupada pela comunidade‟ é o
principal motivo para que ocorra a realocação da comunidade, tal reforma está atrelada a
futura ampliação do Porto de Natal.
A opção „outros‟ aparece novamente na pesquisa e foi escolhida por 3% dos
entrevistados, que conforme explicado anteriormente, representa apenas uma pessoa. O
„entrevistado 27‟ argumentou que a Prefeitura quer realocá-los para “embelezar” e
25
Tatiana de Lima Correa em seu estudo sobre os impactos geoquímicos e socioambientais no estuário do Rio
Potengi na Região Metropolitana da Grande Natal mostra a relação de cinco comunidades ribeirinhas (incluindo
o Maruim) com o Rio Potengi, trazendo informações e dados relevantes da poluição causada por descargas de
efluentes domésticos daquelas diretamente no estuário do mais importante rio da Cidade do Natal.
(A) (B
)
83
tranquilizar a área do Bairro da Ribeira que julgam feia e violenta por conta da presença da
Comunidade do Maruim no local.
Sabendo que a Prefeitura do Natal através da Secretaria Municipal de Habitação,
Regularização Fundiária e Projetos Estruturantes (SEHARPE) realiza reuniões periódicas com
representantes dos moradores da Comunidade do Maruim para debater a realocação desta, no
questionamento a seguir avaliamos o grau de interação entre as pessoas entrevistadas26
e os
agentes daquela secretaria. Com isso, foi perguntado sobre o que os moradores propuseram a
Prefeitura do Natal desde o início dos debates acerca das desapropriações, a partir disso
chegamos aos seguintes dados:
Gráfico 9 - O que a Comunidade do Maruim propôs a Prefeitura do Natal como contrapartida
da desapropriação.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Para 53% das pessoas que foram entrevistadas „construir moradias nas proximidades
do Maruim‟ foi a proposta apontada pelos representantes dos moradores frente aos agentes da
Prefeitura responsáveis pelo processo da desapropriação da Comunidade. De acordo com os
moradores aquela opção seria a mais viável, pois ainda permaneceriam próximos ao Rio
Potengi, local de onde a maioria da população da Comunidade tira seus sustentos.
26
Vale lembrar que nem todos os moradores que foram entrevistados participaram de assembleias ou reuniões
com os agentes da SEHARPE, com disso, algumas respostas dadas ao questionamento exerceu caráter pessoal,
que pode ter acontecido por desconhecimento do assunto atrelado ao pouco diálogo entre os moradores para
disseminar a informação repassada pelo órgão responsável pela desapropriação.
22% 6%
53%
8% 11%
0
6
12
18
24
30
36
Permanência
da Comunidade
no local
Reformar e
Sanear o local
da Comunidade
Construir
Moradias nas
Proximidades
do Maruim
Construir um
conjunto
habitacional
para as famílias
Indenizar as
famílias do
Maruim
Nú
mero m
áxim
o d
e p
ess
oa
s en
trevis
tad
as
O que a Comunidade propôs a Prefeitura?
84
A opção da „permanência da Comunidade no local‟ foi escolhida por 22% dos
moradores entrevistados como a melhor sugestão para a Prefeitura. A maioria dos que
optaram por essa alternativa são pessoas com idade mais elevada, entre 40 e 70 anos, que
nasceram e cresceram na Comunidade e não querem sair da mesma, ainda que seja para locais
próximos.
Conforme 11% dos moradores que se submeteram a pesquisa „indenizar as famílias do
Maruim‟ se constitui o melhor caminho a ser seguido pelo órgão gestor municipal, já para
outros 8% a melhor alternativa seria „construir um conjunto habitacional para as famílias‟ e
para os últimos 6%, „reformar e sanear o local da Comunidade‟ é a melhor saída para que a
Prefeitura do Natal possa solucionar de vez os problemas do Maruim.
No palco das incertezas que rondam a Comunidade do Maruim há anos em relação a
existência de um Conflito Fundiário Urbano e as tentativas do poder público em solucioná-lo,
questionamos aos moradores o que os mesmos consideram como inserto para a Comunidade
em relação a desapropriação. Segue os resultados:
Gráfico 10 - O que a Comunidade do Maruim considera como inserto em relação à
desapropriação.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013).
Observando os dados do gráfico, constatamos que 42% das pessoas que se
submeteram a pesquisa consideram incerto „acontecer a realocação‟ da Comunidade do
Maruim conforme prometido pela Prefeitura do Natal. De acordo com o „entrevistado 4‟:
42%
8%
19%
31%
0 6 12 18 24 30 36
Acontecer a realocação
Nem todos receberem moradias
O local para onde serão realocados
O poder Público cumpra o acordado
Número máximo de pessoas entrevistadas
O que considera como incerto para a Comunidade do
Maruim?
85
Eles [a Prefeitura do Natal] prometem tirar a gente daqui faz muitos anos, há pelo
menos uns 30 anos, que eu me lembre. Era criança quando já falavam nesse tal
projeto. Se um dia a gente sair daqui será com nossos próprios esforços, porque se
depender de governo, nunca sairemos.
O discurso rodeado por descrédito do „entrevistado 4‟ não é um caso isolado, muitos
moradores os quais participaram da pesquisa compartilham de sentimento semelhante. Por
esperar tanto tempo um acontecimento que nunca, até então, se concretizou, a frustação
inevitavelmente vem à tona.
31% dos moradores entrevistados desacreditam que „o poder público cumpra o
acordado‟ em solucionar o processo de realocação dos mesmos, uma vez que, conforme já
relatado, a promessa se arrasta há muitos anos, gerando desconfiança nos moradores.
Para 19% dos entrevistados a maior incerteza é saber „o local para onde serão
realocados‟27
. Muitos acreditam que será para áreas distantes da Comunidade, onde em 2008
foram realocadas algumas famílias. Fato que desagradam aqueles, pois ficariam distantes do
Rio Potengi, local onde a maioria dos moradores adquirem seus sustentos, e os afastam da
área central da Cidade, onde existe melhor qualidade de vida. A „entrevistada 19‟ diz que:
Não aceito sair daqui da Ribeira ou das Rocas. Moramos aqui há muito tempo e
gostamos da localidade, é perto de tudo. Se for pra mandar a gente pra onde
mandaram umas famílias uns anos atrás, não vamos! É muito longe, meu marido trabalha no mar e aqui podemos ver a hora certa dele ir pescar, sem falar que sou
marisqueira e tenho de acordar cedo pra ajudar minhas companheiras com os
trabalhos. Se formos pra longe vai ficar ruim.
A fala da entrevistada corrobora com a de todos que escolheram a mesma opção que
ela, uma vez que, não ter certeza do local onde serão realocados os deixam temerosos quanto
ao futuro.
Outra dúvida que permeia os pensamentos dos moradores entrevistados é o fato de
„nem todos receberem moradias‟, desta feita, essa alternativa foi apontada por 8% daqueles.
Quanto a isso a „entrevistada 8‟ explana que:
O que garante que eles [a Prefeitura do Natal] nos darão as casas prometidas? Se
estamos esperando há anos e até agora nada? Acredito que só alguns moradores que
receberão as casas, pois deve ser igual da outra vez, começaram a tirar umas famílias
e depois pararam. Então como acreditar neles?
27 Cabe lembrar que mesmo ocorrendo reuniões entre os agentes da SEHARPE e os moradores, muitos destes
não sabem o local escolhido pela prefeitura para realizar a desapropriação, fato que influenciou nas respostas a
esse quesito.
86
Novamente verificamos alto grau de desconfiança quanto à construção de moradias
prometidas pela Prefeitura do Natal aos moradores da Comunidade do Maruim, fato que nos
ajudar a entender a preocupação destes para com a incerteza do futuro, assunto que permeia as
rodas de conversas dos habitantes da Comunidade há anos, pois a cada gestão municipal que
passa são concedidas e retiradas as esperanças para que o Conflito Fundiário Urbano o qual
vive a Comunidade do Maruim seja resolvido de uma vez por todas.
87
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS (PARA NÃO CONCLUIR)
88
A Cidade, palco de lutas e conquistas diárias, tem atraído cada vez mais pessoas para
seu espaço. Essas pessoas vêm em busca de melhores condições de vida para suas famílias,
seja na expectativa de encontrar empregos, melhorar a renda ou também na tentativa de
adquirir uma moradia mais digna. No entanto, quando se deparam com a “cruel” realidade
que o núcleo citadino impõe, muitos projetos e sonhos, por vezes, são esquecidos ou
reformulados. Por outro lado, a Cidade também carrega em si a construção de espaços
amigáveis e relações solidárias, como falam Braga e Carvalho (2004), onde os indivíduos
buscam manter relações afetivas com o território a partir da identidade, que na Geografia
passa a ser vista como Identidade Territorial. Essa identidade específica busca através da
apropriação do território, um meio de exercer o poder, mas não o poder de cunho financeiro-
dominador, mas um poder através do “controle simbólico” do território onde vivem. Já o
outro Poder, o político-disciplinar, visa dominar os indivíduos e tomar posse do território para
exercer influência sobre o mesmo, e assim, modificá-lo como julgar necessário. A partir
desses fatos, aparecem as dinâmicas de Territorialização-Desterritorialização-
Reterritorialização (T.D.R) que perpassam o território a fim de transformá-lo e conceder
novos significados.
Diante do estudo das dinâmicas do território vemos que muitos núcleos urbanos
brasileiros têm passado por problemas causados pela inserção de Favelas em suas áreas
centrais e periféricas, em virtude da pouca oferta de habitações nessas localidades. Tal
problema não é novo, existe desde o início do século XX e teve seu apogeu no início da
década de 1940 quando o país passou por um grande crescimento demográfico. Aliado a isso,
o êxodo rural e o elevado preço da terra urbana, a população mais carente passou a ocupar
espaços vazios da Cidade e autoempreender suas próprias habitações. A partir disso, as
ocupações irregulares começaram a se alastrar de maneira mais intensa dentro das maiores
cidades brasileiras.
Nas Favelas, o índice de Habitabilidade normalmente é baixo e fora dos padrões
apontados pelos órgãos e/ou políticas nacionais e internacionais em defesa da Habitação de
qualidade como a Agenda Habitat, o Estatuto da Cidade28
, a Política Nacional de Habitação
etc. Para se obter a Habitabilidade desejada, o município que se propor a desenvolver projetos
que visem conceder o acesso à moradia a seus habitantes, faz-se necessário atender a critérios
que promovam além da construções de habitações, é imprescindível a interação de condições
28 O Estatuto da Cidade regulamenta o capítulo da política urbana da Constituição brasileira e seus princípios
básicos são o planejamento participativo e a função social da habitação.
89
espaciais, sociais, ambientais e culturais, onde as pessoas possam ter qualidade de vida e os
sentimentos pessoais e coletivos de bem-estar e satisfação sejam atingidos.
O acesso à moradia nas cidades brasileiras se tornou de tal forma uma problemática
com difícil resolução, pois devido à segregação residencial que afasta a população com menor
poder aquisitivo de áreas centrais e mais importantes das cidades, as pessoas se instalam em
locais irregulares ou se apossam de outros sem a devida tutela judicial. Pensando nisso, a
partir da promulgação da Constituição de 1988 o termo “moradia” ganhou efetiva atenção e
passou a figurar como direito social fundamental. Tal efetivação significou um impulso
crucial para que novas iniciativas de gestão urbana com relação à promoção de moradias
sociais fossem implementadas e geridas pelo poder público das esferas federal, estadual e
municipal, cada uma com suas devidas atribuições.
A Cidade do Natal, por exemplo, já a partir do seu Plano Diretor de 1984, mesmo que
de forma tímida, passou a mapear Áreas Especiais de Recuperação Urbana (AERU), essas
áreas são compostas por ocupações irregulares no solo urbano e foram delimitadas com o
intuito de reconhecer problemas de ordem socioeconômica dos seus habitantes e verificar as
situações habitacionais e ambientais das localidades e com isso criar mecanismos em busca de
solucionar tais problemas. No PDN de 1994 as AERU receberam uma nova denominação e
passaram a ser definidas como Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), pois adquiriram
novas definições e regulamentos. Em 2007, quando o novo PDN ficou pronto, as AEIS
receberam novo acréscimo em sua regulamentação, passando a priorizar as dimensões social e
urbanística das populações e assentamentos, articulando-as em observância ao processo de
identificação das áreas de pobreza predominantes na Cidade.
Dentro da definição de AEIS temos a Comunidade do Maruim, assentamento que
ocupa área irregular pertencente à União e se encontra instalada as margens do Rio Potengi,
localizada entre os Bairros das Rocas e da Ribeira, Zona Leste da Cidade do Natal. Aquela
Comunidade enfrenta uma grande problemática, pois a área a qual faz parte além de pertencer
a União se encontra inserida na Zona Especial Portuária (ZEP) delimitada em 1992 pela Lei
municipal n° 4.069, que concede a autoridade portuária o direito sobre a mesma. A partir
desses fatos, ficamos diante do Conflito Fundiário Urbano, onde ambas as partes adquiriam
direitos pelo uso do solo urbano ao longo dos anos e desde a década de 1980, quando foi
criado a AERU no PDN que tais situações estão em jogo e até então não haviam sido
encontradas soluções eficientes.
No entanto, em busca de solucionar o citado Conflito Fundiário Urbano, a Prefeitura
do Natal através da secretaria responsável pela regularização fundiária na Cidade, a
90
SEHARPE, em algumas ocasiões propôs resolver o problema. Entre 2008 e 2010, a gestão da
prefeita Micarla Araújo de Sousa Weber, conseguiu transferir 17 famílias para outros Bairros
da Cidade a partir da aquisição de imóveis, contudo, segundo relatos de alguns moradores em
nossa visita in loco, algumas dessas famílias retornaram a Comunidade do Maruim em virtude
de não conseguirem se adaptar a nova vida, sobretudo devido à distância de onde encontram
seus sustentos, a atividade pesqueira proporcionada pelo Rio Potengi. Até o final do mandato
de Micarla de Sousa, em dezembro de 2012, nenhuma outra família foi realocada em virtude
da ineficácia do planejamento, pois esbarravam em problemas na aquisição das unidades
habitacionais pela ausência de imóveis titulados. Em 2013, quando uma nova gestão tomou
posse do executivo municipal, representado por Carlos Eduardo Nunes Alves, a preocupação
com a questão habitacional foi notória. Pouco tempo após chegar ao poder, as primeiras
providências já foram tomadas. A SEHARPE, representada por Homero Grec Cruz Sá e
demais profissionais especializados, desenvolveu projetos que visavam tanto o
reassentamento da Comunidade do Maruim como também promoviam melhorias urbanísticas
em áreas adjacentes onde a mesma se localiza atualmente. De início, foram mostrados três
projetos para o reassentamento a partir de terrenos distintos, mas todos localizados no Bairro
da Ribeira. Após a escolha do espaço mais adequado o mesmo seria doado a União como
contrapartida da proposta.
O Projeto Maruim foi revisto, sendo sua solução alterada para a modalidade
construção. Nesta perspectiva, o Município destinou um terreno de sua propriedade
localizado na Ribeira para construção de Habitações de Interesse Social – HIS
destinadas ao reassentamento do Maruim. Tal modificação no contrato foi acordada
em reunião entre a Caixa Econômica Federal, o Ministério das Cidades e a
Prefeitura de Natal no dia 14 de agosto de 2012, quando o projeto de Realocação da
Comunidade do Maruim teve autorização para revisar seu Plano de Trabalho com
vistas a conjugação do programa Minha Casa, Minha Vida 2 – PMCMV com o
Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. (PREFEITURA... 2013a).
Na fotografia 12 podemos visualizar os três terrenos estudados como proposta inicial
para o reassentamento da Comunidade do Maruim.
91
Fotografia 12 - Localização dos terrenos propostos para o reassentamento da Comunidade do
Maruim.
Fonte: Prefeitura do Natal e SEHARPE [2013a].
Conforme é perceptível, os espaços apontados como sugestões para o reassentamento
da Comunidade do Maruim são enumerados de 1 a 3. Todos se situam no Bairro da Ribeira,
próximos da atual localidade daquela Comunidade e também possuem pequenas distâncias
entre si.
O terreno 1 é de propriedade total da Prefeitura do Natal, tendo como responsável
direto pelo seu gerenciamento a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR).
Segundo dados da Prefeitura do Natal (2013a) aquele terreno mede 8.741,86m2 e pelo seu
tamanho, seria possível construir todas as 165 Unidades Habitacionais (U.H.s) necessárias
para o total reassentamento da Comunidade do Maruim além de uma quadra poliesportiva, um
centro comunitário e áreas verdes. O terreno 2, possui 3.509,79m2
(Prefeitura do Natal e
SEHARPE, [2013a]), contudo, apresenta titularidade duvidosa, pois nominalmente pertence a
massa falida da empresa Engequip (engenharia de equipamentos), mas existem dúvidas
quanto a parcela que pertencente a mesma e qual é de propriedade da União (TRIBUNA DO
NORTE, 2012). Pelos cálculos dos técnicos da SEHARPE, a extensão do terreno 2 ficaria
responsável por atender a demanda de 64 U.H.s. sem acréscimos de aparelhos esportivos e
comunitários. O terreno 3, de titularidade pertencente a Prefeitura do Natal, é dirigido pela
92
Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) e tem como extensão
territorial 2.754,63m2 (Prefeitura do Natal e SEHARPE, [2013a]) e da mesma maneira que o
terreno 2, abrigaria 64 U.H.s sem demais instrumentos de esporte e integração comunitária.
Diante das propostas, viu-se que o terreno 1 se encontrava com maior potencial
construtivo e possuía o melhor custo benefício, pois daria para construir todas as U.H.s
necessárias para atender as 165 famílias existentes na Comunidade do Maruim. Vejamos
detalhadamente outras informações acerca do terreno escolhido.
Fotografia 13 - Distância entre o terreno escolhido para o reassentamento da Comunidade do
Maruim em relação a atual localidade da mesma.
Fonte: Prefeitura do Natal (2013a).
O terreno escolhido para o reassentamento da Comunidade do Maruim fica localizado
na Rua General Glicério, Bairro da Ribeira, e conforme vemos na fotografia 13 se distancia da
atual localidade onde a mesma se encontra, há aproximadamente 650 metros, o que satisfaz os
anseios da Prefeitura do Natal e de muitos moradores daquela Comunidade, uma vez que,
para a Prefeitura é sinal de dever cumprido e para muitos moradores de alívio, pois
93
continuarão residindo próximos ao meio natural onde a maioria tiram seus sustentos através
da pesca, o Rio Potengi29
.
Inicialmente a ideia era que fossem edificadas 176 U.H.s em 22 blocos com 4 andares,
cada andar com 2 apartamentos, além da quadra poliesportiva, área de recreação, centro
comunitário e áreas verdes, contudo, através de novos cálculos verificou-se que era possível
construir 200 U.H.s e manter os aparelhos sociointerativos e ambientais, onde, além de
beneficiar as 165 famílias da Comunidade do Maruim, o excedente servirá de mitigação para
problemas habitacionais em outras Comunidades delimitadas na área de interesse social da
Cidade. O local que abrigará, pela última delimitação, 200 U.H.s subdivididos em 25 blocos,
cada um composto por 4 andares, cada andar com dois apartamentos, além dos complexos
esportivo-recreativo e comunitário, receberá o nome de “Residencial Maruim”, em
homenagem ao atual nome (PREFEITURA... 2013a). Dessa forma, o projeto para o terreno 1
fora arquitetado de acordo com o que mostra a figura abaixo.
Figura 4 - Maquetes em 3D do projeto inicial para o Residencial Maruim.
Fonte: Prefeitura do Natal e SEHARPE [2013a].
29 Mesmo satisfazendo boa parte dos moradores da Comunidade, o projeto de reassentamento não agrada a
todos. De acordo com os relatos que ouvimos na visita in loco, alguns moradores expuseram que a distância irá
atrapalhar em sua rotina, pois precisarão acordar ainda mais cedo para se preparar para a pesca e após a área da
Comunidade ser disponibilizada a autoridade portuária os acessos ao Rio Potengi diminuirão, pois a CODERN
cercará a área e os mesmos deverão se deslocar para ainda mais longe para ter contato com o Rio.
94
Cada apartamento terá dois quartos, um banheiro, cozinha, área de serviço e sala, com
uma área útil de 43,20m2, uma média maior que a utilizada nacionalmente para esse tipo de
moradia (TRIBUNA DO NORTE, 2013). As famílias beneficiadas receberão o imóvel
gratuitamente, no entanto, de acordo com informações de funcionários da SEHARPE, com
quem tivemos a oportunidade de conversar, os moradores não poderão vender seus
apartamentos para outras pessoas.
Com base no memorial descritivo do projeto de reassentamento da
Comunidade do Maruim confeccionado pela Prefeitura do Natal (2013a):
Será adotado projeto único para todas as Unidades Habitacionais e a variação entre
as unidades adaptadas e unidades tipo passíveis de adaptação serão restritas a
solução de ambientação e kits de adaptação. Todas as unidades permitem adaptações
posteriores diferenciadas de acordo com as necessidades e deficiências dos beneficiários. Para tal dimensionamento foi adotado o Módulo de Referência (MR)
da NBR 9050:2004 – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e
equipamentos urbanos.
Abaixo podemos ver a planta baixa de uma unidade habitacional comum (à esquerda)
e de uma unidade habitacional para pessoas com deficiência (à direita).
Figura 5 - Planta baixa de unidades habitacionais a serem construídas no Residencial Maruim.
Fonte: Prefeitura do Natal e SEHARPE [2013a].
95
Apenas a obra de reassentamento tem um custo inicial avaliado em R$ 12,2 milhões.
No dia 4 de agosto de 2014, deu início aos trabalhos de instalação do canteiro de obras e
limpeza do local, ações tidas como o pontapé inicial das construções que tem previsão de
conclusão para janeiro de 2016. (TRIBUNA DO NORTE, 2015).
Recentemente, o Jornal natalense Tribuna do Norte, disponível de formas impressa e
online, publicou uma notícia acerca do andamento nas obras do Residencial Maruim, as quais
no dia da publicação da notícia se encontravam 36% concluídas, conforme podemos
visualizar na fotografia abaixo, a qual foi divulgada pelo mesmo jornal.
Fotografia 14 - Obras do Residencial Maruim 36% concluídas.
Fonte: Magnus Nascimento (2015).
As obras promovidas pelo poder público para a Comunidade do Maruim se completam
com a proposta de urbanização da área remanescente do assentamento. Esse projeto objetiva
dividir o terreno entre a autoridade portuária, CODERN, e os comerciantes da Comunidade do
Maruim, conforme é relatado pelo “memorial30
descritivo do conjunto arquitetônico e
urbanístico: urbanização Maruim” sobre coordenação da Prefeitura do Natal:
30
Esse memorial tem como finalidade apresentar o conjunto de informações mais relevantes pertinentes à
intervenção urbanística a ser empreendida para a Comunidade do Maruim.
96
Na área remanescente do assentamento tem-se previsto a divisão do terreno, [...] em
6039,83m² para a Companhia Docas do Rio Grande do Norte a qual prevê a
ampliação da sua área de carga e descarga. E 5.820,74m² para a urbanização da área
lindeira do terreno conjugada à Praça Por do Sol. (PREFEITURA DO NATAL,
2013b).
Figura 6 - Planta de situação proposta para intervenção urbanística na área remanescente da
Comunidade do Maruim.
Fonte: Prefeitura do Natal (2013b).
Figura 7 - Maquete em 3D proposta para intervenção urbanística na área remanescente da
Comunidade do Maruim.
Fonte: Prefeitura do Natal e SEHARPE [2013b].
O memorial desenvolvido pela Prefeitura do Natal descreve que a proposta de
urbanização para a área remanescente da Comunidade do Maruim e adjacência fez-se
97
necessária após atualização do diagnóstico urbanístico e social, o qual considerou a situação
socioeconômica, cultural e histórica daquela comunidade (PREFEITURA DO NATAL,
2013b), e de acordo com os estudos feitos pela SEHARPE foi apontado que:
Para a sustentabilidade do Projeto Habitacional de Reassentamento era preciso dar
solução para os demais usos encontrados como os comerciais e de serviços. Além disso, tal diagnóstico revelou a necessidade de manutenção da atividade comercial
de descasque de camarão e pesca, os quais são característicos da localidade e
reconhecidos pela cidade do Natal. Outro aspecto observado foi à necessidade de
integração da área de urbanização com o entorno, considerando a praça e a malha
viária. Neste sentido, a referida proposta habitacional será promovida pela ação de
reassentamento e urbanização, as quais são interdependentes e necessitam ocorrer
concomitantemente com vistas à sustentabilidade da proposta habitacional que se
pretende. (PREFEITURA DO NATAL, 2013b).
O projeto urbanístico já citado, compreende as construções de 24 boxes comerciais, 6
quiosques, um centro de descasque de camarão, banheiros, alargamento da avenida
Engenheiro Hidelbrando de Góis, recuperação de calçadas, além do projeto paisagístico e de
compensação ambiental a ser realizado na Praça do Pôr do Sol, que fica localizada ao lado da
Comunidade do Maruim e próxima ao Mercado do Peixe. A preocupação em manter os
empreendimentos comerciais existentes atualmente na Comunidade do Maruim tem suas
descrições feitas no memorial elaborado pela Prefeitura do Natal, onde é explanado que:
[...] Foram projetados boxes comerciais destinados aos moradores do Maruim que
detenham algum tipo de atividade comercial relacionada à pesca ou não. Estes boxes
são pensados para a manutenção da renda familiar com vistas à sustentabilidade
socioeconômica do processo de reassentamento. O Centro de Descasque de camarão
foi proposto pela atualização do diagnóstico da área, o qual identificou esta prática
como principal atividade geradora de renda, haja vista que é ou complementa a
renda familiar da maioria das famílias do Maruim. Quanto aos quiosques, estes se
fizeram necessários para complementação de unidades comerciais, mas para serviços menores como: bar e mercearias de pequeno porte. Além disso, considerou-
se a pré-existência de uma unidade deste equipamento na praça, sendo preciso a sua
continuidade [...] O acesso ao local será feito tanto pela Avenida Engenheiro
Hildebrando de Góes, quanto pela Rua São João de Deus, onde se localizam os
estacionamentos. Estes contarão com 22 vagas para estacionamento de carros de
passeio, sendo duas para pessoas com deficiência. (PREFEITURA DO NATAL,
2013b).
Na figura 8 poderemos visualizar, através de uma maquete em três dimensões, como
será a obra de urbanização idealizada pela Prefeitura de Natal e SEHARPE que visa
beneficiar não só os moradores da Comunidade do Maruim, como também turistas e visitantes
que passam pelo local diariamente.
98
Figura 8 - Maquete em 3D proposta para intervenção urbanística na área remanescente da
Comunidade do Maruim e adjacência.
Fonte: Prefeitura do Natal e SEHARPE [2013b].
A obra custará cerca de R$ 3,9 milhões num levantamento inicial e também será paga
com recursos do Orçamento Geral da União (OGU) através do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), contudo, as obras não tem data determinada para serem iniciadas.
(TRIBUNA DO NORTE, 2014).
Quanto ao Porto de Natal, após a realocação da Comunidade do Maruim da área a qual
se encontra hoje, utilizará tal espaço para ampliação do que denominam “pátio norte”. Esta
área extra servirá para armazenamento e movimentação de contêineres e instalações de
equipamentos elétricos (COMPANHIA... 2010). A fotografia 15 exibe a configuração do
Porto natalense dividido em 21 setores e mostra também a área pertencente à Comunidade do
Maruim que futuramente será agregada a estrutura portuária.
99
Fotografia 15 - Vista aérea dos setores do Porto de Natal.
Fonte: CODERN (2010).
A área tracejada de laranja representa a Comunidade do Maruim, já a área marcada na
cor rosa, ilustra o local que será destinado para construção de um cais com 220 metros na
direção Norte e para ampliação da retroárea do Porto, a qual medirá aproximadamente
8.000m2 (COMPANHIA... 2010). Após a efetivação da integração das áreas tracejadas ao
espaço do Porto, o mesmo ficará configurado da seguinte forma:
Figura 9 - Layout do Porto de Natal com as novas áreas já integradas.
Fonte: CODERN (2010).
100
De acordo com o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento desenvolvido pela
CODERN, as nomenclaturas dos setores ficarão assim definidas:
a) Berços de atracação (01, 02 e 03);
b) Armazém frigorífico e armazém seco n° 03;
c) Pátio sul e sede administrativa da CODERN;
d) Pátio central, armazéns secos (01 e 02) e galpões (01 e 02);
e) Pátio norte;
f) Área arrendada ao grande moinho potiguar;
g) Centro de apoio operacional;
h) Expansão do pátio norte (sobre área ocupada pela comunidade do maruim);
i) Ampliação do berço 03;
j) Terminal múltiplo uso na margem esquerda do Rio Potengi; k) Terreno a ser integrado ao porto de natal. (CODERN, 2010)
Com a adição dos espaços da Comunidade do Maruim, o Porto de Natal espera
alavancar suas receitas financeiras e dessa forma consequentemente as receitas do Estado do
Rio Grande do Norte, conforme se confirma nas declarações abaixo.
O Porto de Natal vem ao longo desses últimos anos, elaborando projetos para
melhoria de sua infraestrutura e, a medida do possível, executando-os, para que
desta maneira, seja possível atrair novos clientes e aumentar sua receita. Dentre os
projetos podemos citar como exemplo o de ampliação do Pátio Norte através da
incorporação da área correspondente a Comunidade do Maruim, Dragagem e
Derrocagem do Rio Potengi [...] Calcula-se, em uma estimativa conservadora, que
este aumento venha a elevar o seu patamar de movimentação de cargas para aproximadamente 3 vezes o atual, superando 1.000.000 de toneladas anuais.
(COMPANHIA... 2010).
Na tabela a seguir poderemos vislumbrar as perspectivas de crescimento na
movimentação de cargas feitas pelos gestores do Porto, caso todos os projetos se concretizem.
Os dados compreendem os anos de 2010 a 2017.
Tabela 2 - Projeção de movimentação de cargas no Porto de Natal para os anos de 2010-2017.
Fonte: CODERN (2010).
101
Visando toda essa alavancada na movimentação de cargas, maior objetivo de uma
entidade portuária, a CODERN, não ver a hora de pode se apropriar da área que a pertencerá
para poder pôr em prática todo planejamento idealizado.
Por outro lado, na Comunidade do Maruim, por estar se tratando de um grupo de
pessoas que viveram em um local por várias décadas e lá construíram famílias e criaram laços
afetivos com o território – a Identidade Territorial tão comentada nessa pesquisa – a satisfação
pela saída do local não é unânime. Quando visitamos a Comunidade e ouvimos os moradores
nos foram apontadas algumas razões de descontentamento pela desapropriação. Certas razões
mencionadas dão conta do convívio com os vizinhos. Em muitos comentários, principalmente
de mulheres, a questão do comportamento diferenciado entre as famílias será uma
problemática recorrente no Residencial Maruim, dado que, os espaços entre os apartamentos
serão menores e, conforme os relatos, nem todas as donas de casa são zelosas e cuidadosas
com a limpeza de suas residências, fato que contribuirá para gerar desavenças entre as
mesmas. As reclamações não param por aí, outro fator bastante significativo apontado por
muitos moradores entrevistados é o da forte presença do tráfico de drogas dentro da
Comunidade, o qual, conforme os moradores a mudança para o convívio em apartamentos só
vai aumentar a influência e sensação de temor por parte dos que não se enveredam por tal
caminho, visto que, os acessos das possíveis rondas policiais serão dificultados, devido os
espaços no interior dos blocos de apartamentos serem mais estreitos que os habituais na
localidade atual. Um fato muito curioso apontado por um morador de mais idade nos chamou
atenção, pois na sua fala em relação à obtenção da renda pela maioria dos moradores, o
mesmo relata que não se configura unicamente através da atividade pesqueira, como muitos
informaram, mas sim do tráfico de drogas. De acordo com o entrevistado, centenas de pessoas
distribuem drogas em diversos locais da Cidade do Natal e ainda têm suas casas como ponto
para venda daquelas, “Existem famílias inteiras que sobrevivem do tráfico de drogas aqui na
comunidade” finalizou.
Os moradores mais antigos da Comunidade do Maruim são os que mais desaprovam e
desacreditam no projeto de desapropriação, dado que ao longo de suas vidas já ouviram
diversas promessas de intervenção por parte do poder público e nunca presenciaram
mudanças. No entanto, diante da concretude dos acontecimentos atuais, aquelas velhas
promessas tem tudo para serem cumpridas, e mesmo diante das incertezas do futuro, algo é
certo, a vida desses moradores nunca mais serão as mesmas. Contudo, isso serão “cenas” das
próximas “seções”, pois conforme o subtítulo que utilizamos nesse intento final estamos aqui
“para não concluir”, ou seja, ainda teremos muito o que estudar para tentar responder sobre as
102
novas problemáticas que certamente permearão a vida dos moradores da até então
Comunidade do Maruim, quando estiverem num novo “Território”.
Como autor dessa instigante e duradoura pesquisa, sinto-me honrado em está
contribuindo – creio eu que de forma significativa – para a Ciência Geográfica, Ciência essa
por quem sou declaradamente apaixonado.
O trabalho de campo foi fundamental para constatação dos estudos prévios e aquisição
de novos conhecimentos acerca do objeto de estudo central da pesquisa. Durante a visita, a
recepção dos moradores para comigo e com dois amigos que me auxiliaram na aplicação dos
formulários foi algo marcante. Sempre muito receptivos, sorridentes e felizes, nenhum
morador se recusou a responder as perguntas e mesmo os mais temerosos, aos poucos
conseguimos ganhar a confiança. São pessoas especiais!
Uma nota de pesar a qual não poderia deixar de externar, é que durante as pesquisas
para esse trabalho em sites e periódicos na internet, encontrei uma notícia acerca de uma
garota de 4 anos chamada Maria Eduarda, a qual foi morta por causa de um acerto de contas
entre um homem e sua mãe, que não era sua mãe biológica mas a criava como se fosse. Para
você entender melhor, a “mãe” da Maria Eduarda traficava drogas na Comunidade do Maruim
e devia dinheiro a um indivíduo, por não ter como pagar a dívida em dinheiro, pagaria com a
própria vida, contudo, não foi ela que pagou, mas sim uma criança linda e inocente. Se você
ficou curioso(a) em saber quem é a criança, é só olhar a epígrafe dessa pesquisa e certamente,
assim como eu, também se emocionará.
103
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APÊNDICE A – Formulário aplicado aos moradores da Comunidade do Maruim.
Há quanto tempo reside na Comunidade? 01 a 10 anos 11 a 20 anos 21 a 30 anos
Mais de 30 anos
Especificar Quantidade:________
QUESTÕES DE PESQUISA
1- Nas opções abaixo indique três características da Comunidade do Maruim
Sua relação com o ambiente Obtenção da renda pela Natureza Laços de amizade e convivência
A vida em família Solidariedade entre os moradores
2- Nas opções abaixo, indique a importância do Rio Potengi e seu mangue para a vida no Maruim.
Riqueza natural Fonte de renda
Abastecimento de água e alimentos Identidade com a sua natureza Fonte de lazer
3- Nas opções abaixo, indique três razões para a permanência da Comunidade do Maruim no bairro da Ribeira.
Sua proximidade do Rio (fonte de renda)
Oferta de serviços de saúde e educação
Importância histórica e cultural
Transportes para as regiões da cidade
As organizações dos moradores situadas no bairro
4- Indique as fontes de renda ou ganhos de dinheiro da família
Produção pesqueira Pensão e aposentadoria Trabalho em serviço ou comércio
Artesanato
Outros:______________________________
5- Desapropriar é um ato exercido pelo poder público. De que maneira vem sendo conduzida pela administração municipal a saída da população do Maruim?
Através de audiências públicas Procura convencer os moradores que o “Maruim” é de interesse público Troca de imóveis Indenização em dinheiro
6- Indique três razões apontadas pela Prefeitura para realocá-los do Maruim.
Melhoria da moradia Ocupação da área pelo porto Melhoria das condições de saneamento Preservação do Rio Potengi Reforma da área ocupada pela comunidade
Outros:______________________________ 7- O que a comunidade propôs a prefeitura?
Permanência da comunidade no local Reformar e sanear o local da comunidade Construir moradia nas proximidades do Maruim Construir um conjunto habitacional para as famílias Indenizar as famílias do Maruim
8- O que você considera como incerto para a população do Maruim?
Acontecer a realocação Nem todos receberem moradias O local para onde serão realocados O poder público cumpra o acordado
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RN
Av. Sen. Salgado Filho 1559 – Tirol – Natal/RN – Fones: (84) 4005-2668
CEP: 59.015-000 - CNPJ: 243703710001-23
____________________________________________________________________________________________
Este formulário é realizado no âmbito de uma pesquisa de conclusão do Curso de Licenciatura em Geografia do
IFRN – Campus Natal Central e é dirigido aos moradores da Comunidade do Maruim. Os dados são confidenciais e
as respostas serão indicativos importantes para analisarmos a relação de identidade dos participantes, que serão
realocados para um novo espaço por motivo da ampliação do Porto de Natal.
CARACTERIZAÇÃO DO PARTICIPANTE
Idade:____________ Gênero: Masculino Feminino Grau de Instrução: Fundamental Médio Curso Técnico Superior O trabalho está ligado ao Rio Potengi? Sim Não
Qual? ________________________________________