O Popular Na Cancão

34
Diálogos (Maringá. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014. DOI 10.4025/dialogos.v18i3.939 O popular na canção: carreira musical, regionalismo e cultura afro- religiosa na trajetória artística de Ari Lobo (1955-1980) * Antonio Maurício Dias da Costa ** Resumo. Este é um estudo sobre a carreira do cantor e compositor Ari Lobo. Sua trajetória profissional é analisada como representativa de uma vertente popular regionalista que se desenvolveu no cenário musical brasileiro nas décadas de 1950, 1960 e 1970. A carreira de Ari Lobo é considerada como reveladora das formas de ajustamento ao mercado musical promovidas e experimentadas por cantores, em iguais condições, que alcançaram o sucesso como estrelas da canção regional brasileira. Ari Lobo e outros cantores- compositores do norte e do nordeste do país promoveram uma versão do “popular”, que se tornou característico da música brasileira. Palavras-chave: Música regional; Canção popular; Ari Lobo; Carreira; Cultura afro-religiosa; Música nordestina. The popular stance in songs: The musical profession, regionalism and African religious culture in the artistic life of Ari Lobo (1955- 1980) Abstract. Current paper deals with the life of the singer and composer Ari Lobo and his professional trajectory is investigated as a popular and regional stance that developed within the Brazilian musical scenario of the 1950s, 1960s and 1970s. Ari Lobo´s life reveals the adjustment forms to the musical market established and experimented by singers who, in similar conditions, became successful as stars of the Brazilian regional songs. Ari Lobo and other singers and composers of the Brazilian northern and northeastern regions triggered a ´popular´ version of the song which became characteristic of Brazilian music. Keywords: Regional music; Popular songs; Ari Lobo; Profession; African religious culture; Music of the northeastern region of Brazil. * Artigo recebido em 29/06/2014. Aprovado em 21/11/2014. Pesquisa financiada pelo CNPq. ** Professor da Faculdade de História da UFPA, Belém/PA, Brasil. E-mail: [email protected]

description

Estudo sobre a trajetória artística do cantor e compositor paraense Ari Lobo.

Transcript of O Popular Na Cancão

  • Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014. DOI 10.4025/dialogos.v18i3.939

    O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa na trajetria artstica de Ari Lobo (1955-1980)*

    Antonio Maurcio Dias da Costa**

    Resumo. Este um estudo sobre a carreira do cantor e compositor Ari Lobo. Sua trajetria profissional analisada como representativa de uma vertente popular regionalista que se desenvolveu no cenrio musical brasileiro nas dcadas de 1950, 1960 e 1970. A carreira de Ari Lobo considerada como reveladora das formas de ajustamento ao mercado musical promovidas e experimentadas por cantores, em iguais condies, que alcanaram o sucesso como estrelas da cano regional brasileira. Ari Lobo e outros cantores-compositores do norte e do nordeste do pas promoveram uma verso do popular, que se tornou caracterstico da msica brasileira.

    Palavras-chave: Msica regional; Cano popular; Ari Lobo; Carreira; Cultura afro-religiosa; Msica nordestina.

    The popular stance in songs: The musical profession, regionalism and African religious culture in the artistic life of Ari Lobo (1955-

    1980)

    Abstract. Current paper deals with the life of the singer and composer Ari Lobo and his professional trajectory is investigated as a popular and regional stance that developed within the Brazilian musical scenario of the 1950s, 1960s and 1970s. Ari Lobos life reveals the adjustment forms to the musical market established and experimented by singers who, in similar conditions, became successful as stars of the Brazilian regional songs. Ari Lobo and other singers and composers of the Brazilian northern and northeastern regions triggered a popular version of the song which became characteristic of Brazilian music.

    Keywords: Regional music; Popular songs; Ari Lobo; Profession; African religious culture; Music of the northeastern region of Brazil.

    * Artigo recebido em 29/06/2014. Aprovado em 21/11/2014. Pesquisa financiada pelo CNPq. ** Professor da Faculdade de Histria da UFPA, Belm/PA, Brasil. E-mail: [email protected]

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1252

    Lo popular en la cancin: Carrera musical, regionalismo y cultura afro-religiosa en la trayectoria artstica de Ari Lobo (1955-1980)

    Resumen. Este es un estudio sobre la carrera del cantor y compositor Ari Lobo. Su trayectoria profesional es analizada como representativa de una vertiente popular regionalista que se desarroll en el escenario musical brasileo entre las dcadas de 1950 y 1970. La carrera de Ari Lobo es considerada como reveladora de las formas de ajuste al mercado musical por parte de cantores que alcanzaron el xito como estrellas de la cancin regional brasilea. Ari Lobo y otros cantores del norte y del noreste del pas promovieron una versin de lo popular que se transform en lo caracterstico de la msica brasilea.

    Palabras Clave: Msica regional; Cancin popular; Ari Lobo; Carrera; Cultura afro-religiosa; Msica nordestina.

    Introduo1

    A Revista Amaznia, conhecido peridico de variedades que circulava

    em Belm do Par nos anos 1950, anunciava em sua edio de outubro de 1955

    a concretizao de um sonho2: a transferncia do cantor e compositor Ari

    Lobo para o Rio de Janeiro. Surgido no meio radiofnico local, o artista fora

    descoberto num programa de calouros no ano anterior. A matria destaca a

    rpida ascenso no rdio local, marcada pelos muitos fs e pela parceria em

    composies com artistas de projeo nacional (como a dupla Venncio e

    Corumb) e com o produtor de rdio e compositor paraibano, Pires

    Cavalcante. Alis, segundo a nota, a busca de maior fama e popularidade no

    Rio tornara-se possvel pela intermediao do prprio Cavalcante. O desafio era

    1 Este artigo um resultado parcial do projeto de pesquisa Na Periferia do Sucesso: rdio e msica popular de massa em Belm em meados do sculo XX, financiado pelo Edital Universal 14/2013, do CNPq. 2 Revista Amaznia, Ano 1, n. 10, out. 1955, Coluna: Aqui se fala de rdio, Ttulo: Um sonho se concretizar. Revista de variedades dirigida por um empresrio local do ramo editorial de livros e de servios grficos. O peridico tinha publicao mensal e contava com as contribuies de escritores ligados Academia Paraense de Letras, alm de jornalistas vinculados aos dirios locais. As colunas permanentes da revista eram as de artes, cultura, cincias, economia, rdio, cinema e esportes. Amaznia foi publicada entre os anos de 1955 e 1962.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1253

    introduzir no cenrio musical radiofnico carioca o cantor local, cujas

    interpretaes musicais foram anunciadas na matria como verdadeiras

    criaes.

    Gabriel Eusbio dos Santos Lobo assumiu o nome artstico de Ari

    Lobo a partir do primeiro contrato em emissora de rdio. Aps atuar com

    sucesso nas emissoras paraenses Rdio Clube e Rdio Marajoara,

    respectivamente nos anos de 1954 e 1955, Ari Lobo seguiu para uma profcua

    carreira nacional baseada no Rio de Janeiro. Sua figura artstica passou a ser

    ento a do artista de msica nordestina, produzindo vrios sucessos com o

    registro de baies, cocos e rojes, na maioria.

    Dentre os cantores/compositores paraenses da poca, a repercusso

    nacional de Ari Lobo foi um caso parte. Com a exceo do cantor Osvaldo

    Oliveira, no houve artista local da mesma poca que tenha se aproximado de

    marcas como a gravao de nove long plays, alcanado o registro de mais 700

    msicas e se mantido no sucesso nacional radiofnico e de venda de discos por

    quase trs dcadas.

    Mas, por outro lado, esta foi uma histria semelhante vivida por

    outros cantores descobertos em outras regies marginais ao centro do mercado

    da msica popular no pas entre os anos 1940 e 1970. Cantores como

    Gordurinha, Joo do Vale, Jackson do Pandeiro e Osvaldo Oliveira, por

    exemplo, alcanaram destaque no mercado musical brasileiro com atuaes que

    combinavam elementos artsticos regionais e populares. Estes eram

    empregados em suas performances musicais como expresses associadas ao

    sucesso de massa.

    A adoo de tais referncias artstico-culturais, bem como as trocas e

    interaes entre os aspirantes ao estrelato musical no Rio de Janeiro,

    contriburam para a conformao de um repertrio simblico identificado pelo

    pblico como uma verso do popular, entendido como caracterstico da

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1254

    msica brasileira. No caso de Ari Lobo e dos demais artistas citados, tratava-se

    do popular regionalista, associado ao que era concebido como musicalidade

    nordestina e, em momentos especficos, como cultura afro-religiosa.

    O estudo de alguns aspectos da carreira de Ari Lobo aqui

    considerado como revelador do processo de difuso de uma expresso artstica

    popular regionalista no cenrio musical brasileiro nas dcadas de 1950, 1960 e

    1970. Neste perodo, por sinal, ocorreu a transio do foco miditico no Brasil

    do rdio para a televiso. Ao mesmo tempo, consolidou-se a indstria

    fonogrfica no pas com a instalao de gravadoras estrangeiras em territrio

    nacional (DIAS, 2000, p. 73).

    O perodo de expanso da atividade radiofnica, orientada para o

    mercado, iniciou-se com a redemocratizao poltica do pas em 1945 e

    continuou at a metade da dcada seguinte. As aes dos governos do intervalo

    democrtico entre 1945 e 1964 resultaram na ampliao do acesso a bens de

    consumo para as camadas mdias urbanas. Dentre estes produtos de consumo,

    destacaram-se discos e aparelhos de rdio, principalmente, como veculos de

    difuso de bens simblicos/culturais (ROCHA, 2007, p. 13).

    Neste contexto, a difuso musical era marcada por diversificado

    repertrio, estrelas da cano, programas de entretenimento e divulgao de

    produtos de consumo. A sociedade emergente com a fase democrtica ps

    1945 se projetou na cultura miditica promovida pelo rdio e, em seguida, pela

    televiso nas dcadas seguintes. O pblico de rdio dos anos 1940 e 1950 (e

    mais tarde, da televiso) assumia ritmos, canes e dolos musicais como cones

    agenciadores do consumo cultural (ROCHA, 2007, p. 16; 18; 19).

    A ideia aqui desenvolvida que o estudo da carreira musical de um

    artista como Ari Lobo seja revelador das formas de ajustamento ao mercado

    musical promovidas e experimentadas por cantores, em iguais condies, que

    alcanaram o sucesso como estrelas da cano regional brasileira. Portanto,

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1255

    carreira aqui concebida como formas de ajustamento mais ou menos

    promissoras a organizaes da sociedade (HALL, 1948, p. 327), tais como aos

    mercados fonogrfico e radiofnico. Estas formas de ajustamento so, por sua

    vez, praticadas como adequaes s posies ocupadas no mercado da msica

    de acordo com as possibilidades de realizao profissional (HUGHES, 1937, p.

    409).

    O estudo pormenorizado da carreira de cantores populares permite a

    compreenso das condies de trabalho enfrentadas e das solues particulares

    encontradas. Os percursos individuais apresentam vivos indcios dos

    mecanismos sociais que abarcam as escolhas e as prticas dos sujeitos

    (BECKER, 1986). justamente na interao entre sujeitos com projetos

    individuais coincidentes e/ou implicados entre si que se experimenta um

    processo permanente de negociao da realidade (VELHO, 1994). este

    processo de negociao que busco revelar a seguir.

    Calouro de rdio, cidado samba e cantor de Msica do Norte

    Raimundo Nonato Filho recorda a infncia passada ao lado do tio

    Gabriel Lobo numa casa no bairro do Guam, em Belm, nos anos 1930. A

    diferena de idade entre os dois era pequena: Gabriel tinha s trs anos a mais

    que Raimundo. Alm disso, os dois foram criados juntos na casa dos pais de

    Raimundo, soluo encontrada para diminuir as dificuldades econmicas da

    famlia numerosa de Gabriel.

    Estas informaes foram colhidas num relato nostlgico do sobrinho

    de Ari Lobo, atualmente com 82 anos e morador do mesmo bairro do Guam.

    O contato para a entrevista foi conseguido por acaso, aps tentativas anteriores

    de pouco sucesso na identificao de parentes do cantor em Belm.

    A descoberta deste interlocutor ocorreu numa conversa sobre meu

    tema de pesquisa com alunos do curso de histria da Universidade Federal do

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1256

    Par, onde trabalho. A sobrinha-neta de Raimundo Nonato me falou do tio-av

    e da sua disponibilidade para a realizao de uma entrevista. J neste momento

    foi me enfatizada a importncia da memria de juventude, perodo de grande

    proximidade entre tio e sobrinho, criados juntos como irmos.

    A situao de entrevista teve um sentido grave, j que a memria de

    Raimundo Nonato seria consultada por um pesquisador da universidade. E foi

    este o contexto em que transcorreu a conversa. A rememorao foi exercitada

    na troca entre um pesquisador com um objetivo de estudo pr-estabelecido e

    um senhor idoso comovido pela nostalgia familiar. Foi por este caminho que

    seguiu a produo do relato entre narrador e destinatrio (BOURDIEU, 2006,

    p. 189).

    As lembranas se concentraram primordialmente no perodo da

    juventude. Gabriel foi apresentado como um rapaz que no tinha sossego3 e

    que era extrovertido. Alis, essa caracterstica pessoal teria marcado sua

    poca de servio militar na aeronutica, quando desempenhou a funo de

    corneteiro, o que ajudou a livr-lo de algumas prises por indisciplina.

    Embora a personalidade expansiva no fosse exatamente apropriada

    para o servio militar, ela se encaixou perfeitamente no que era esperado de um

    calouro de programa musical de rdio. Raimundo Nonato conta que convidou

    Gabriel para ambos participarem de um programa do Rdio Clube do Par, a

    PRC-5, talvez por ter conhecimento do talento musical do tio.

    Primeira emissora surgida no Par e na Amaznia no final dos anos

    1920, a PRC-5 acompanhou o processo de profissionalizao da radiofonia no

    Brasil. A legislao federal, a partir dos anos 1930, passou a permitir a

    comercializao de anncios no rdio. Isto ajudou a promover a popularidade

    de vrios tipos de programas, especialmente humorsticos, teatrais e musicais.

    Os programas de auditrio tornaram-se efetivamente populares a partir de 3 Entrevista com Raimundo Nonato da Silveira Filho, funcionrio municipal aposentado, 82 anos, em janeiro de 2014.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1257

    1939, com a retirada do vidro dos estdios-aqurios (TINHORO, 1981, p.

    49-51). No dizer de Goldfeder (1980, p. 141), o auditrio de rdio tornou-se

    ento um espao de manifestao espontnea e autnoma do pblico.

    O auditrio da PRC-5 foi inaugurado em 1945 num complexo da

    emissora denominado Aldeia do Rdio, que inclua estdio e transmissores

    (VIEIRA; GOLALVES, 2003, p. 50). O complexo ficava no bairro

    suburbano do Jurunas e foi para l que seguiram Raimundo e Gabriel,

    provavelmente no incio dos anos 1950, para se apresentarem num programa

    de calouros perante um auditrio de 150 lugares.

    As apresentaes musicais ao vivo eram carros chefe da programao

    da emissora, especialmente populares em funo da proximidade entre os

    artistas (ou candidatos a artistas) e o pblico. Os concursos de calouros, a partir

    dos anos 1940, tornaram-se caminho eficiente para o ingresso no meio

    profissional de cantores de origem pobre, negros e mulatos, na maioria

    (PEREIRA, 1967, p. 107-108).

    Os pretendentes ao estrelato musical ocupavam, segundo Pereira, um

    espao intermedirio entre o mundo dos ouvintes e o dos radialistas, a maioria

    ex-ouvintes interessados em tornar-se gente de rdio (PEREIRA, 1967, p.

    29). A vitria no concurso e o ingresso na emissora representariam uma forma

    de ascenso social e de superao de barreiras (PEREIRA, 1967, p. 89; 129).

    Raimundo Nonato deu a entender na entrevista que ambos j eram

    frequentadores da Aldeia do Rdio e que, num certo momento, os dois jovens

    mulatos decidiram se apresentar como cantores. Raimundo no alcanou a nota

    mxima, 5, mas chegou perto com 3. J Gabriel, por ser presepeiro e

    extrovertido, segundo o entrevistado, conseguiu atrair as palmas do auditrio, o

    que lhe rendeu a nota 5.

    Neste ponto, a narrativa corrobora indiretamente (ou talvez

    involuntariamente) a tese do talento nato, do autodidatismo do cantor de

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1258

    msica popular, especialmente negro, vigente como representao dominante

    na sociedade brasileira. O perfil presepeiro e brincalho de Ari Lobo se

    ajustou ao quesito de talento prvio necessrio para a descoberta de cantores

    negros e mulatos (PEREIRA, 1967, p. 77).

    Para o entrevistado, foi exatamente neste momento que Gabriel

    descobriu o problema, isto , descobriu que era cantor. Mas h outra verso

    para este incio de carreira. O cantor Osvaldo Oliveira afirma que participou de

    algumas apresentaes em programas de calouro na Aldeia do Rdio,

    disputando o concurso com Gabriel Lobo. J nesse momento, o candidato se

    apresentava com o nome artstico Ari Lobo, que o acompanhou at o final da

    vida.

    Osvaldo Oliveira tambm conseguiu projeo no meio musical

    paraense no mesmo perodo e seguiu carreira, pouco tempo depois de Ari

    Lobo, para o Rio de Janeiro, nos anos 1960. Ao longo de sua trajetria, o artista

    passou a ser conhecido pela alcunha de Vav da Matinha, em referncia ao seu

    bairro de origem em Belm.

    Em entrevista concedida ao cantor e compositor paraense Alan

    Carvalho em novembro de 2011, Vav destacou seu incio de carreira na

    companhia de Ari Lobo. Segundo ele, os dois costumavam cantar sambas e

    cocos no programa de calouros da PRC-5: E ele ainda chegou a perder pra

    mim uma vez cantando msica de Jackson do Pandeiro, e eu cantando um

    samba gravado por Alcides Gerais e eu tirei o primeiro lugar... barrei o Ari,

    ganhei dele.4

    4 Entrevista com Osvaldo Oliveira Vav da Matinha. Disponvel em , postada por Felipe Batista em 23 nov. 2011. A entrevista foi motivada pela realizao de um projeto musical do grupo Quaderna, do qual faz parte o msico Alan Carvalho. O projeto buscava destacar a importncia da obra de Ari Lobo para a msica paraense (Ver http://grupoquaderna.blogspot.com.br/). O local da gravao sugere ao espectador do vdeo os bastidores de um show com os artistas em questo. A entrevista curta e s duas perguntas foram feitas.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1259

    Raimundo Nonato lembra da contratao do tio para o elenco da PRC-

    5 e, logo em seguida, de sua transferncia para a Rdio Marajoara, ocorrida em

    1955. A EYZ-20 foi inaugurada em Belm em 1954 e fazia parte da rede

    nacional de Dirios e Emissoras Associadas de Assis Chateaubriand. A criao

    da emissora representava a ampliao da presena da rede no Par, que j

    contava com os jornais A Vanguarda e A Provncia do Par (COSTA;

    VIEIRA, 2011, p. 122).

    A transferncia de Ari Lobo para a Marajoara significou, por certo, um

    passo frente em sua carreira. Na revista Amaznia h registros de shows de Ari

    Lobo no auditrio da Marajoara em 1955, inclusive com a apresentao de

    composies em parceria com artistas de projeo nacional, como Venncio e

    Corumb, alm do seu parceiro mais prximo nesta fase: o compositor

    paraibano Pires Cavalcante.5

    Raimundo Nonato recorda a existncia de um funcionrio da base

    area que teria sido o compositor responsvel por impulsionar a carreira de Ari

    Lobo: Ele fez as msicas para que ele levasse quando ele foi pro Rio.6 Mas

    talvez o distanciamento gradativo entre os parentes neste ponto inicial da

    carreira do tio tenha confundido a memria de Raimundo.7 Vav da Matinha,

    de forma mais precisa, destaca que Pires Cavalcante e o pianista Gad, mas

    especialmente o primeiro, foram responsveis pela aventura carioca de Ari

    Lobo. 8 Eles foram, alis, os compositores das msicas gravadas em seu

    5 Revista Amaznia, Ano 1, n. 10, out. 1955, Coluna: Aqui se fala de rdio, Ttulo: Um sonho se concretizar. 6 Entrevista com Raimundo Nonato da Silveira Filho, funcionrio municipal aposentado, 82 anos, em janeiro de 2014. 7 H outra verso desta histria divulgada numa curta matria do jornal O Liberal (23 ago. 1980, p. 2) que informa sobre a morte de Ari Lobo. O texto aponta que a carreira do cantor comeou em um programa do Rdio Clube do Par denominado A sorte encontrou o seu endereo e que foi levado para o Rio aps ter sido descoberto por um empresrio do sul. 8 Entrevista com Osvaldo Oliveira Vav da Matinha. Disponvel em , postada por Felipe Batista em 23 nov. 2011.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1260

    compacto simples de estreia em junho de 1956: o rojo Atchim e o coco

    Renda d.9

    No entanto, a memria de Raimundo inequvoca quando reporta as

    dificuldades encontradas pelo tio nos primeiros anos de Rio de Janeiro. As

    privaes econmicas e as poucas chances de trabalho realaram o que

    resultaria numa vitria: a gravao de discos, o espao ocupado entre os

    artistas de sucesso da msica popular e a chance de ganhar muito dinheiro.

    Nos primeiros anos de capital federal, Ari Lobo ingressou na Rdio

    Nacional, certamente em funo dos contatos de Pires Cavalcante 10 e da

    projeo obtida com o seu primeiro compacto de msicas nordestinas. J no

    final da dcada de 1950, Ari Lobo transferiu-se para outra emissora carioca, a

    Mayrink Veiga, levado pelo humorista Chico Anysio (OLIVEIRA, 2000, p.

    248).

    No meio radiofnico carioca, no era mais atribudo a Ari Lobo o

    epteto de Cidado Samba, invocado quando de suas apresentaes na Rdio

    Marajoara. Cidado Samba era um ttulo conferido pela Unio Geral das

    Escolas de Samba do Brasil a sambistas de grande destaque no desfile

    carnavalesco do Rio de Janeiro (LOPES, 2005, p. 5). A designao era

    concedida pela unio desde os anos 1930, mas em Belm, nos anos 1950, ela

    passou a representar o sucesso de cantores do rdio identificados com o samba.

    O fato que, no Rio de Janeiro, o Cidado Samba paraense tornou-se

    cantor de coco, baio, rojo e de outros ritmos nordestinos, alis, j cantados

    por ele desde a poca de calouro de auditrio em Belm. A estratgia de

    insero no mercado musical seguiu pelo caminho trilhado por outras jovens

    9 Revista Amaznia, Ano 2, n. 18, jun. 1956, Coluna: Aqui se fala de rdio, Ttulo: Sorriso de um vitorioso: o de Ary Lobo. 10 Pires Cavalcante, conceituado compositor paraibano, encontrou no Cidado Samba paraense um creador inimitvel de suas msicas e entusiasmou-se a orient-lo no Rio, onde dispe de amigos ligados muito de perto ao crculo radiofnico da capital federal. Revista Amaznia, Ano 1, n. 10, out. 1955, Coluna: Aqui se fala de rdio, Ttulo: Um sonho se concretizar.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1261

    estrelas como Gordurinha, Jackson do Pandeiro, Joo do Vale, dentre outros.

    Para isso, os mediadores desempenharam papel destacado na carreira de Ari

    Lobo, pelo menos em sua fase inicial.

    Para Lusa Lamaro (2011, p. 1-2), mediadores culturais podem ser

    crticos, produtores e empresrios miditicos responsveis pelo intercmbio

    entre o mundo das artes e do consumo. Seu papel, portanto, seria o de canalizar

    a circulao das obras entre artistas e pblico (VELHO, 2001, p. 25-27). Mais

    ainda, os mediadores, em geral, orientam os artistas quanto performance nos

    palcos, o figurino e a forma de apresentao imprensa (LAMARO, 2011, p.

    4). nesta interface entre mediador e pblico que o artista promove o seu

    personagem caracterstico.

    A trajetria de Luiz Gonzaga exemplar de um padro interativo com

    mediadores responsveis pela orientao das carreiras de expoentes da msica

    regional do norte-nordeste. Gonzaga tambm comeou sua carreira em um

    concurso de calouros, particularmente o promovido pela Rdio Nacional nos

    anos 1940. Com a adoo de um personagem artstico identificado com a ento

    denominada Msica do Norte, Gonzaga gravou seu primeiro disco pela

    Victor, em 1945, apresentando-se como msico e cantor de sotaque nordestino

    (VIANNA, 2001, p. 68-70).

    A orientao regionalista de sua carreira teve certamente relao com a

    receptividade do pblico, uma vez que estava em ascenso nos anos 1940 a

    onda migratria de trabalhadores dos Estados setentrionais para o sudeste do

    pas (VIANNA, 2001, p. 64). Mais ainda, a escolha da Msica do Norte pode

    ter sido enfatizada pela parceria musical estabelecida com o advogado cearense

    Humberto Teixeira, que dirigia o Departamento de Msica Brasileira da Rdio

    Nacional, criado em 1951. Segundo Barreto, o departamento assumia uma

    postura esttico-nacionalista e patrimonial relativa a gneros musicais

    tradicionais ou folclricos (BARRETO, 2012, p. 54).

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1262

    O sucesso do baio nos anos 1940 e 1950 se fez junto ao grande

    pblico da capital federal e das restantes capitais do pas. Por exemplo, a

    Revista Amaznia, de maio de 1955, destacava o sucesso das popularssimas

    audies do rei do baio e do xaxado no Rdio Clube do Par. Luiz

    Gonzaga fazia ento uma excurso por vrios Estados brasileiros com a sua

    embaixada do baio e foi anunciado pela revista como o cantor das coisas e

    da gente do Nordeste.11

    A trajetria de Ari Lobo est ligada consolidao deste campo de

    atuao profissional para os artistas da msica popular oriundos do norte e do

    nordeste. Isto foi destacado, em grande medida, pelos relatos de dois filhos de

    Ari Lobo entrevistados para esta pesquisa. Lucy Martins e Gabriel Lobo

    gravaram entrevista comigo em maro de 2013, na praia do Calhau, em So

    Lus do Maranho. O contato inicial com Gabriel Lobo foi feito pela internet,

    com a ajuda do msico Alan Carvalho. A entrevista gravitou em torno das

    lembranas de infncia e da memria herdada 12 da me, recorrentemente

    invocada no relato.

    Primeiramente, Lucy Martins destacou as dificuldades encontradas pelo

    pai no incio da carreira, como ter morado em penso e ter feito apresentaes

    inexpressivas em praas e em bares. Estes seriam, de acordo com a

    entrevistada, contratempos comuns enfrentados por artistas nordestinos na

    divulgao de sua msica diferente.13

    Para Gabriel Lobo, o pai fazia parte de um grupo de cantores e

    compositores do norte e nordeste do pas que, portanto, faziam msicas

    oriundas de um repertrio comum s duas regies. Trata-se de um sentido

    amplo de gnero musical que contrasta os ritmos de alcance nacional

    11 Revista Amaznia, Ano 1, n. 5, maio. 1955, Coluna: Aqui se fala de rdio, Ttulo: Rdio Cronicando. 12 Sobre a noo de memria herdada, ver Pollak (1992, p. 202). 13 Entrevista com Lucy Lobo Martins (47 anos, empresria) e com Gabriel Carlos Alves Lobo (43 anos, tcnico em eletrnica), em maro de 2013, em So Lus do Maranho.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1263

    difundidos a partir do sudeste do pas com aqueles caractersticos dos Estados

    setentrionais.

    De acordo com Gabriel Lobo, artistas do crculo de amizade e

    profissional paterno como Gordurinha, Jackson do Pandeiro, Joo do Vale,

    Genival Lacerda, dentre outros, fariam parte desta vertente musical regionalista,

    norte-nordestina, sediada no Rio de Janeiro. Segundo Lucy Martins, o modelo

    de sucesso, para todos eles, era a carreira de Luiz Gonzaga.

    O exemplo do rei do baio alcanou a muitos destes artistas em sua

    fase inicial na profisso e abriu espao para outros cantores que buscaram as

    emissoras de rdio e as gravadoras do sudeste (VIANNA, 2001, p. 65). Como

    destaca o msico e memorialista paraense Alfredo Oliveira, 14 antes da

    transferncia para o Rio, Ari Lobo costumava cantar cocos e rojes nas rdios

    paraenses. Apesar disso, foram as interpretaes e composies de samba que

    lhe renderam maior popularidade localmente.

    tambm provvel que a antiga dana do baio, surgida no sculo

    XIX (CASCUDO, 1972, p. 111), e que o rojo de viola, trecho musical de

    repentes (CASCUDO, 1972, p. 769-770), tenham se difundido no Par desde o

    incio do sculo XX. As levas de migrantes oriundos do nordeste para trabalhar

    na extrao da borracha trouxeram artistas que estimularam a produo de

    cordis e a difuso de repentes no Estado de destino (SALLES, 1985). Por

    exemplo, h registros histricos sobre a execuo de cocos em folias devotas

    no subrbio de Belm nos anos 1930, como informa Leal (2011, p. 58). Por

    isso, as expresses musicais aproximadas destes ritmos certamente

    acompanharam e passaram a integrar as referncias musicais reconhecidas pelos

    compositores locais.

    14 O autor mdico e compositor ligado ao mundo da msica popular, do samba e do carnaval. Teve discos produzidos e gravados pela Secretaria de Cultura do Estado do Par. Seu livro um trabalho de compilao memorialstica, baseado em levantamento bibliogrfico, pesquisa em colees de discos antigos, conversas com instrumentistas, compositores e cantores. A obra foi escrita no incio dos anos 1990.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1264

    Importante considerar aqui a contribuio do historiador Durval

    Albuquerque Jr. para o entendimento da formao histrica do discurso

    regionalista sobre o nordeste. Segundo o autor, em termos polticos, intelectuais

    e artsticos, o Nordeste, como regio brasileira, foi uma inveno do sculo XX.

    Ele substituiu a dualidade antiga do espao nacional entre norte e sul

    (ALBUQUERQUE Jr., 1994, p. 18).

    De um lado, este discurso surgiu a partir da iniciativa de uma elite

    regional tradicional, herdeira do tempo dos engenhos, que se viu ameaada pela

    modernizao do pas em termos polticos (maior participao popular no campo

    poltico) e econmicos (introduo de relaes sociais capitalistas). De outro lado,

    o discurso regionalista ganhou corpo com a reorientao do movimento

    migratrio dos Estados setentrionais para o sudeste a partir dos anos 1920,

    especialmente para So Paulo. Assim, os encontros norte e sul ajudaram no

    surgimento de esteretipos regionalistas (ALBUQUERQUE Jr., 1994, p. 19-37).

    Em acrscimo a estes elementos, Albuquerque Jr. identifica o baio

    como a msica que foi historicamente associada ao discurso regional

    nordestino (ALBUQUERQUE Jr., 1994, p. 217). Observe-se, no entanto, que

    o autor se refere ao baio recriado por Luiz Gonzaga, que combina a matriz

    instrumental sertaneja, originalmente tocada viola, com elementos do samba

    urbano carioca. Alm disso, Cascudo identifica a presena da conga cubana na

    criao hbrida de Gonzaga, associada s tradicionais clulas rtmicas e

    meldicas dos cocos, tpicas do baio antigo (CASCUDO, 1972, p. 111).

    Para Albuquerque Jr., o sucesso do baio no eixo Rio-So Paulo e nas

    demais capitais do pas nos anos 1940 e 1950 fruto da sensibilidade regional

    que havia emergido nas dcadas anteriores (1994, p. 217). Para isso, foram

    decisivos os programas musicais de rdio, a difuso de discos e a abertura de

    espao para o desenvolvimento de carreiras de aspirantes ao sucesso sob o

    signo da msica nordestina.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1265

    A sensibilidade regional referida por Albuquerque Jr. certamente

    possua relao com a moda regionalista na cano popular, surgida nos

    grandes centros urbanos brasileiros nas dcadas de 1910 e 1920. Temas

    folclricos musicais passaram a ser comumente recriados por compositores

    populares para as orquestras tpicas ou caractersticas, neste perodo inicial da

    expanso urbana do pas (BESSA, 2010, p. 168-169). A atuao destas

    orquestras e dos conjuntos regionais estimulou a combinao de tradies

    folclricas com sonoridades urbanas e com a msica popular estrangeira. O

    baio urbano e hbrido de Luiz Gonzaga um desdobramento deste processo

    criativo.

    Torres afirma que o baio colocou o Nordeste no mapa do Brasil, j

    que antes dele o Nordeste era o Norte (2008, p. 34-49). 15 Podemos

    acrescentar a este outro ponto de vista: ao mesmo tempo, a produo e a

    difuso do discurso regionalista nordestino abriu amplo espao para que o

    baio passasse a ocupar um lugar no mapa da msica popular no pas. No

    sentido de Albuquerque Jr., a expanso da sensibilidade regionalista no

    urbana, em termos musicais, favoreceu a popularizao de outros gneros, em

    meados do sculo XX, como cocos, emboladas e modas de viola (VIANNA,

    2001, p. 68).

    Este foi o contexto em que floresceu a produo musical de Ari Lobo

    e dos colegas de profisso de seu crculo de relaes. Os acordos para a

    gravao de novas composies demarcavam a fora do compromisso

    profissional entre artistas desta gerao. Ari Lobo, inserido nessa rede de

    trocas, gravou vrias composies de Gordurinha em fins dos anos 1950 e

    15 Roberto Torres produtor musical pernambucano e autor de obras sobre a histria musical contempornea da Bahia. Seu livro sobre Gordurinha foi publicado pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, integrante da Coleo Gente da Bahia. O livro apresentado pelo presidente da Assembleia Legislativa como prestao de servio pblico e como preenchimento de lacuna no campo cultural. O trabalho tem um cunho basicamente descritivo, memorialstico e comemorativo da trajetria de Gordurinha. No texto, no so identificveis claramente as fontes de pesquisa e as entrevistas realizadas.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1266

    incio da dcada seguinte, como Paulo Afonso, Quixeramobim,

    Homenagem a JK, Uma Prece para os Homens sem Deus, Vendedor de

    Caranguejo e Splica Cearense (TORRES, 2008, p. 66).

    Vendedor de Caranguejo, por sinal, foi um grande sucesso de Ari

    Lobo, mas a deciso de Gordurinha de gravar posteriormente sua prpria

    composio no foi bem recebida pelo artista paraense. A maior vendagem da

    gravao de Gordurinha em relao de Ari Lobo desagradou aquele que fora

    escolhido como seu intrprete inicial (TORRES, 2008, p. 73). Neste caso,

    aparentemente, houve uma espcie de rompimento de compromisso.

    Coisa diversa sucedeu com a gravao de Splica Cearense.

    Gordurinha apresentou sua composio num programa de auditrio de

    televiso, aps t-la criado nos bastidores da mesma atrao em parceria com o

    acordeonista Nelinho. A cano fora composta para estimular a campanha de

    doaes aos flagelados de uma grande enchente ocorrida no Cear em 1960,

    aps um perodo de seca extrema (TORRES, 2008, p. 74-75).

    A apresentao na emissora paulista foi importante para a campanha de

    solidariedade. Mas foi a gravao de Ari Lobo no disco homnimo de 1966

    (lanado pela gravadora Cantagalo) que tornou esta cano uma obra clebre do

    cancioneiro nordestino. Do lado do intrprete, o sucesso da gravao tornou-se

    o ponto alto de sua carreira. Lucy Martins, por exemplo, destaca ter conhecido

    muitas pessoas que pensavam que Ari Lobo fosse cearense por conta da

    cano. Ela recorda ter a composio alcanado imenso sucesso no Cear,

    por ter sido a msica incorporada ao imaginrio local como uma homenagem

    ao povo cearense.

    Vav da Matinha destacou, na entrevista a Alan Carvalho, que tambm

    repassava composies para o registro de Ari Lobo. Ele menciona a cano

    No Chora Ningum, que um baio de homenagem cidade de Fortaleza.

    Quando Vav foi perguntado o porqu da preferncia de Ari Lobo por temas

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1267

    nordestinos, surgiu como justificativa a exclusividade da atuao do artista

    como intrprete16. Esta observao, alis, feita tambm na entrevista de

    Raimundo Nonato, que justifica parcialmente o declnio do sucesso do tio na

    dcada de 1970 em funo do suposto falecimento de seu parceiro compositor.

    Mas o fato que Ari Lobo tambm produzia composies e sempre

    uma ou duas canes em seus discos tinham sua assinatura, todas em parceria.

    Apesar disso, as gravaes de maior repercusso na sua voz foram aquelas

    criadas por outros compositores. Este fato estava associado tanto existncia

    de uma rede de reciprocidade entre os artistas que interagiam entre si

    cotidianamente quanto estratgia empresarial das gravadoras.

    Isto explica o cuidado de Vav da Matinha em dar conhecimento de

    suas composies a colegas que pudessem alter-las na gravao ou

    simplesmente plagi-las. Vav menciona como exemplo a gravao de Caso de

    Polcia por Jackson do Pandeiro, cuja letra foi completamente modificada pelo

    cantor17 e registrada com o ttulo de Al Campina Grande, com o crdito da

    composio atribudo a Severino Ramos.

    Na maioria das vezes, a rede de relaes ajudava os artistas na

    obteno de espao para a divulgao de suas criaes e a realizao de

    apresentaes regulares. Na mesma entrevista citada acima, Vav da Matinha

    recorda o apoio de um produtor musical, denominado Leonel Cruz, que o

    convidou a integrar um disco-coletnea a ser lanado com duas faixas suas, em

    fins dos anos 1950. A participao na coletnea rendeu um contrato com a

    16 Entrevista com Osvaldo Oliveira Vav da Matinha. Disponvel em , postada por Felipe Batista em 23 nov. 2011. 17 Entrevista com Osvaldo Oliveira, Site Belm do Par. Disponvel em: www.belemdopara.com.br, acessado em 25 nov. 2013. A entrevista concedida ao jornalista Euclides Farias foi publicada em jornal dirio de Belm, sem identificao, em 18 de fevereiro de 2001. A divulgao estava relacionada ao lanamento de seu CD Osvaldo Oliveira Revisto e Ampliado pelo selo Cultura Paraensssima, patrocinado pela Secretaria de Cultura do Estado do Par. O lanamento ocorreu num show com artistas locais. O objetivo do selo, segundo a matria, era o de incentivar a obra de artistas paraenses que deram grande contribuio msica local, num trabalho de resgate cultural.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1268

    gravadora Chantecler para a produo de um disco 78 rotaes exclusivo e a

    presena na Caravana Pau-de-Sebo, que fazia uma excurso de divulgao

    musical saindo do Rio de Janeiro em direo aos Estados do norte e do

    nordeste.

    Mais importante a observar que a atuao desta gerao de cantores e

    compositores representantes da musicalidade do norte e do nordeste teve seu

    ponto alto exatamente no perodo de declnio de popularidade do baio no eixo

    Rio-So Paulo. Segundo Vianna, desde meados da dcada de 1950 ocorreu

    crescente desinteresse das camadas mdias urbanas cariocas e paulistas pelos

    ritmos regionais (VIANNA, 2001, p. 77-78). Esta tendncia foi acompanhada

    pela relativa diminuio de espao da msica nordestina nos programas de

    rdio e na produo fonogrfica.

    Albuquerque Jr. (1994, p. 221) fala tambm em marginalizao da msica

    nordestina pelo mercado da cano, inclusive frente a outros gneros populares

    como o samba. Mas este quadro de declnio no significou um desaparecimento

    do baio, do coco e do rojo dos discos, dos shows e dos programas musicais

    radiofnicos. A atividade da gerao de artistas do norte e nordeste sediados no

    Rio de Janeiro nos anos 1950 e 1960 demonstra que os gneros nordestinos

    passaram a ocupar um nicho especializado e relativamente menor no mercado

    musical, em comparao com a poca de apogeu do rei do baio.

    Ari Lobo, Gordurinha, Vav da Matinha, Jackson do Pandeiro, dentre

    outros vindos do norte e do nordeste, desenvolveram suas carreiras neste

    perodo e ganharam projeo nacional como representantes da cano regional

    exatamente por tomarem como base de atuao o centro do mercado musical

    brasileiro. Assim se explica porque a ida de Ari Lobo para o Rio de Janeiro em

    1955 em busca de maior fama e popularidade foi festejada pela imprensa

    paraense. Na mesma chave, pode se compreender porque a orientao

    regionalista era a mais vivel para a realizao do sonho de sucesso musical.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1269

    Vencendo na Maravilhosa: da msica do Norte aos temas afro-religiosos

    Apesar do incio de carreira no ter sido to promissor quanto foi

    divulgado pela imprensa local, o final dos anos 1950 e a dcada seguinte foram

    as fases culminantes da trajetria de Ari Lobo. E isso especialmente por sua

    insero artstica no mercado fonogrfico e por apresentaes musicais nas

    duas maiores capitais do pas.

    A filha Lucy Martins recorda que o perodo mais abundante

    financeiramente da famlia foi a poca em que o pai fazia muitos espetculos no

    eixo Rio-So Paulo. Mais tarde, a partir de meados dos anos 1960, a famlia

    mudou de residncia num priplo por diferentes capitais nordestinas, medida

    que o pai seguia em busca de oportunidades de trabalho, cada vez mais

    rarefeitas.18

    Reforava-se, neste perodo, a centralidade simblica do sucesso

    artstico no circuito Rio-So Paulo. Ao referir-se ao incio do sculo XX,

    Sevcenko (1998, p. 567) associa este fenmeno divulgao propagandstica e

    difuso de novas formas de comunicao social. No entanto, pode-se afirmar

    que o mesmo processo se tornou mais agudo em meados do mesmo sculo.

    Exemplar foi a notria convergncia de artistas vinculados ao regionalismo

    musical para este centro em busca de projeo nacional por meio da cano

    popular.

    Assim, possvel entender a nfase da imprensa paraense de fins dos

    anos 1950 em apresentar Ari Lobo como o nosso valor que venceu na

    Maravilhosa.19 A frase indica a formao de um modelo de sucesso para

    outros artistas locais, que ainda planejavam caminhos para a fama nacional

    poca.

    18 Entrevista com Lucy Lobo Martins (47 anos, empresria) e com Gabriel Carlos Alves Lobo (43 anos, tcnico em eletrnica), em maro de 2013, em So Lus do Maranho. 19 Revista Amaznia, Ano 4, n. 42, jun. 1958, Coluna: Rdio, Ttulo: Rdio em Revista.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1270

    Contudo, necessrio perguntar: do ponto de vista dos que

    acompanharam de forma mais prxima a trajetria de Ari Lobo, o que

    exatamente significou esta condio vitoriosa? Lucy Martins e Gabriel Lobo

    relembram que tanto os shows quanto as reunies do pai com os colegas de

    profisso em casa eram envoltos numa atmosfera bomia. Para eles, este

    ambiente profissional ligava-se a um estilo de vida marcado pela

    despreocupao com o futuro e com a obrigao de acumular bens e

    dinheiro.20

    Diz Lucy Martins: Eles eram maravilhados com aquilo.... Em outras

    palavras, a realizao profissional significava, em primeiro lugar, fazer parte do

    mundo do rdio, dos discos e dos shows. Porm, no se reduzia este

    comportamento a um sentido meramente materialista. Ele esteve associado a

    aspiraes de popularidade e respeitabilidade, no sentido que identificado por

    Pereira (1967, p. 131-137) em seu estudo sobre msicos e radialistas negros de

    So Paulo no incio dos anos 1960.

    Esta era uma conquista, de fato, mais ainda significante para artistas

    negros e mulatos, oriundos de segmentos pauperizados da sociedade brasileira.

    Assim, torna-se mais fcil compreender por que o dinheiro obtido por Ari

    Lobo com o sucesso musical tenha sido gasto de forma conspcua em funo

    do prazer em ser uma estrela da cano.

    A busca pela realizao profissional tende a significar, nestes casos,

    uma mudana quase completa do modo de vida. Ao mesmo tempo, ela pode se

    encaminhar para a incorporao de um projeto artstico-cultural que ganha

    corpo na performance artstica e nas interaes com os produtores, os colegas

    de profisso e o pblico.

    A constituio deste projeto, no caso de artistas da msica regional,

    tem relao com certas formas de intercmbio com o pblico, com a escolha 20 Entrevista com Lucy Lobo Martins (47 anos, empresria) e com Gabriel Carlos Alves Lobo (43 anos, tcnico em eletrnica), em maro de 2013, em So Lus do Maranho.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1271

    do gnero musical e do repertrio de canes definidor de seu personagem

    artstico, alm da forma como o artista se insere no campo de interao com

    seus pares de profisso. Este um sentido correlato ao que Velho (1994)

    denomina de negociao da realidade, em sua reflexo sobre a noo de

    projeto. Ao empregar as palavras de Goffman (1983, p. 40), possvel entender

    negociao como a prtica de ajustes dos sujeitos s expectativas do seu

    crculo social na forma de uma representao.

    Para entendermos como isto se processou na carreira de Ari Lobo,

    tomarei aqui como exemplo a presena regular nos seus discos de canes com

    temas afro-religiosos. Apesar de Raimundo Nonato destacar que o tio era

    quase como um ateu por no saber de qualquer hbito religioso que ele

    tivesse, a presena constante de canes com temas de religies afro-brasileiras

    em seus discos pode nos revelar alguns sentidos importantes de seu projeto

    artstico-cultural.

    O trnsito de Ari Lobo do samba para o baio e o coco no significou

    uma ruptura, mas a ampliao de um repertrio compreendido como

    eminentemente popular. Particularmente nas canes com referncias afro-

    religiosas, elementos musicais do samba e dos ritmos nordestinos se fundem,

    situando-se de forma predominante no universo simblico da cultura negra

    brasileira.

    Nei Lopes (2005, p. 02) e Cmara Cascudo (1972, p. 109-110), por

    exemplo, destacam que o antigo baiano, msica sincopada de viola praticada

    no interior do nordeste brasileiro no sculo XIX, era uma modalidade de samba

    rural. O baiano foi a matriz a partir de onde foram desenvolvidos o rojo e o

    baio no sculo XX. Ao mesmo tempo, coco, calango, lundu e jongo teriam

    razes coligadas como modalidades de samba rural e que se urbanizaram

    paralelamente ao samba urbano carioca, criao situada na primeira metade do

    sculo XX.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1272

    Da a linha sequencial que explica a conexo entre o Cidado

    Samba do rdio paraense e o cantor de gneros nordestinos do mercado

    musical carioca. A sincopa e seus desdobramentos potico-musicais se

    expressaram com diferentes feies nas gravaes de Ari Lobo. A

    combinao entre o samba urbano e os ritmos nordestinos ganhou nfase

    especial nas canes de temtica afro-religiosa em seus discos, algo como

    uma marca tpica performtica, um dos emblemas da carreira do cantor

    mulato paraense que venceu na Maravilhosa.

    Alis, a macumba era tambm concebida como um gnero

    musical no mercado fonogrfico brasileiro em meados do sculo XX. A

    edio de maio de 1955 da Revista Amaznia, por exemplo, dava destaque

    macumba Meia Noite como composio da sambista morena Geruza

    Sousa, que a apresentou numa das festas de aniversrio do Rdio Clube do

    Par.21 A cantora era colega de trabalho de Ari Lobo e fazia parte do elenco

    sambista da emissora. Os dois, por sinal, compuseram o cast do programa

    musical Viva o Samba e eram, por isso, apresentados pela Revista

    Amaznia como festejados intrpretes de nossa msica popular.22

    Vale destacar o sentido de atenuao da marca/aspecto racial da

    cantora com o ttulo de sambista morena. Como nos lembra Nogueira

    (1955), esta prtica um componente caracterstico do preconceito racial

    brasileiro. No caso da divulgao miditica de uma estrela da cano

    radiofnica, a denominao se associa preconcepo de um suposto

    talento nato, jeito, autodidatismo dos artistas negros e mulatos para o samba

    e demais expresses musicais de raiz afro-brasileira.

    21 Revista Amaznia, Ano 1, n. 5, maio. 1955, Coluna: Aqui se fala de rdio, Ttulo: Voc Sabia.... 22 Revista Amaznia, Ano 1, n. 6, jul. 1955, Coluna: Aqui se fala de rdio, Ttulo: Rdio Acontecimentos.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1273

    No dizer de Pereira (1967, p. 138; 144; 147), o suposto discurso

    elogioso da aptido musical esconde a viso preconceituosa da inadequao do

    negro a outras funes de trabalho consideradas de maior responsabilidade.

    Alm disso, a lgica do racismo brasileiro supe sua interveno imperativa em

    situaes crticas de interao e/ou competio aberta entre negros e brancos.

    Um episdio narrado de forma jocosa por Gabriel Lobo sobre a

    situao em que seus pais se conheceram exemplifica esta potencialidade

    conflituosa das relaes raciais no Brasil. Segundo ele, o pai teria sido

    convidado para uma entrevista na rdio Gurupi de So Lus do Maranho,

    provavelmente no incio dos anos 1960, para divulgar seu show na cidade. Ao

    avistar a bela entrevistadora no saguo da emissora, Ari Lobo pronunciou um

    gracejo, que foi prontamente censurado com a frase: Que negro saliente!.23

    Logo em seguida, os dois se encontraram no estdio da rdio para a

    surpresa da entrevistadora. Pouco tempo depois, eles se casaram e deram incio

    famlia que se tornou o lar de Ari Lobo at o fim de sua vida em 1980. A

    convivncia desconfortvel dos cantores negros e mulatos com o preconceito

    pode ser, no entanto, grandemente atenuada por sua ascenso socioprofissional

    (CUNHA, 2004, p. 179), mesmo que esteja relacionada a expresses culturais

    negras como o samba e os temas musicais e poticos afro-religiosos.

    Importa destacar tambm que a msica de cunho afro-religioso j

    ocupava uma posio importante no mercado musical brasileiro de meados do

    sculo XX (CUNHA, 2004, p. 235). Segundo Bakke (2007, p. 85), alguns

    artistas da msica popular nos anos 1960 e 1970 aderiram aos valores das

    religies de matriz africana em sua performance e em suas gravaes sem se

    tornarem necessariamente adeptos. Neste perodo, a cano popular tornou-se

    definitivamente um veculo de divulgao de expresses afro-religiosas. Isto se

    23 Entrevista com Lucy Lobo Martins (47 anos, empresria) e com Gabriel Carlos Alves Lobo (43 anos, tcnico em eletrnica), em maro de 2013, em So Lus do Maranho.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1274

    daria, segundo Rachel Bakke, na forma de um imaginrio religioso positivado e

    diludo no universo amplo e diversificado da cultura brasileira.

    Vale lembrar, de acordo com a mesma autora, que samba e candombl

    se formaram e se expandiram no Rio de Janeiro a partir do incio do sculo XX

    de forma integrada, promovidos por um mesmo setor da sociedade carioca. No

    caso do mercado musical, a produo de uma imagem artstica associada ao

    tema afro-religioso estipulava uma via de diferenciao e de especializao

    (BAKKE, 2007, p. 88). Ao mesmo tempo, este caminho reivindicava uma

    pronta identificao com o popular, como uma esfera especfica do mercado

    fonogrfico.

    Entre os artistas cujas performances estiveram associadas ao tema afro-

    religioso nos anos 1960 e 1970, Bakke (2007, p. 98) separa os que gravavam

    pontos religiosos estilizados dos que registravam canes com letras genricas

    de temas religiosos. Ari Lobo se situa na segunda categoria. Embora a maior

    parte de seus registros com esses temas tenham sido compostos por outros

    artistas, como Paulo Vanzolini e Joo do Vale, por exemplo, a performance

    vocal de Ari Lobo promove uma recriao dessas obras, assim incorporadas ao

    seu personagem artstico de cantor popular.

    Seus registros em LP e em compacto para distribuio nacional foram

    em grande parte produzidos pela gravadora RCA Victor e esto, na maioria,

    disponveis atualmente na internet. 24 So baies e cocos, majoritariamente,

    alternando sempre no canto o solo do intrprete e o coro, prximo ao estilo de

    samba de roda e dos batuques rurais do norte e nordeste (LOPES, 2005, p. 02).

    O timbre instrumental de suas msicas marcado pela combinao entre

    tringulo, sanfona e zabumba, seguindo o padro estabelecido por Luiz

    Gonzaga.

    24 Ver por exemplo, o site Forr em Vinil, que pe disposio vrios discos de Ari Lobo para download. Consultar www.forroemvinil.com. As letras das canes esto acessveis para consulta em www.letras.com.br/ary-lobo.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1275

    Vejamos alguns exemplos. 25 Comecemos com a cano Visite o

    Terreiro, presente no primeiro disco de Ari Lobo gravado na RCA Victor em

    1958. O disco ltimo Pau de Arara tinha como carro chefe a cano

    homnima de Venncio, Corumb e J. Guimares. Destacam-se tambm no

    mesmo disco Vendedor de Caranguejo, de Gordurinha, e mais duas

    composies de Pires Cavalcante.

    Visite o Terreiro composio de Edgar Ferreira e foi apresentada

    no disco como batuque, repleto de elementos do baio. Tringulo, sanfona e

    zabumba so acompanhados na msica pelo agog, o instrumento de mltiplos

    sinos presente tambm em rituais afro-religiosos e que faz a introduo e o

    fechamento da cano. A alternncia entre canto e coro refora a sincopa do

    batuque, associada ao estilo de coco/repente combinado embolada.

    No longo texto de apresentao na contracapa do disco, o autor Elmo

    Barros destaca Ari Lobo como cantor representante do setor nortista, que

    associa o batuque ao rojo e ao coco, mencionados como gneros afins. Para

    Barros, aquele era o intrprete ideal das canes regionais do nosso Norte (da

    Bahia pra cima), apto a traduzir os ritmos do caboclo sertanejo.

    O discurso promocional planejado pela gravadora identifica perfeita

    integrao musical entre norte e nordeste, tomando como ponto de partida a

    Bahia, Estado nortista mais prximo do sudeste. No toa a cano Visite

    o Terreiro apresenta a Bahia como o centro afro-religioso brasileiro que irradia

    uma promessa de felicidade a partir da religio dos orixs. Vejamos a letra da

    cano:

    Voc vai Bahia / Visite o terreiro de Maria Orixal / Leve incenso e cravo branco / Pra jogar no mar de encanto / Antes de desembarcar / Os que falam porque no conhecem a razo / Da Bahia do meu corao / E do grande So Jorge

    25 Para alm das canes aqui citadas, h outras de temtica afro-religiosa no repertrio de Ari Lobo que no foram analisadas em funo dos limites deste artigo. Alguns exemplos so: Capoeira do Arnaldo (1972), Mais uma homenagem Bahia (sd) e Festa no Mar (1979).

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1276

    Guerreiro / O Senhor do Bonfim padroeiro / E os filhos da grande nao / Veio Ogum fazer sua orao / Rezar e curar para o mundo inteiro / V a Bahia pra voc v / Que vive os irmos de f / Da grande lei de Orix / Voc v o Ogum baixar / Pega a lei de amor / Que entregou nosso senhor / Voc vai acreditar / Pois tem fim o seu azar / Voc vai viver feliz / O terreiro umbanda e l se diz / O presente, o passado e o futuro / Por isso amigo que eu juro / Que de santo voc vai se tornar.

    A cano se apresenta como um convite a visitar um centro afro-

    religioso e, ao mesmo tempo, a viver a devoo aos orixs na Bahia. Ao

    lanar mo da orientao sincrtica com o catolicismo, nas referncias ao

    Senhor do Bonfim e a So Jorge Guerreiro, a cano combate os que

    falam com preconceito das religies afro-brasileiras. Isto nos reporta, por

    paralelismo, aos esteretipos associados Mina do Par identificados Silva,

    que depreciam e inferiorizam a religio e seus adeptos (SILVA, 1976, p. 28).

    No discurso da cano, a oportunidade de assistir ao ritual ajuda a dissipar

    tais esteretipos: o transe e as revelaes orientam o nefito a encontrar a

    felicidade, a lei do amor, ao tornar-se filho de santo.

    Outra referncia direta aos orixs est presente na cano Sarav

    Cosme e Damio, gravada no compacto duplo Eu vou pra lua, lanado

    em 1962 pela RCA Victor. A msica de trabalho com ttulo homnimo ao

    do compacto foi a primeira composio de Ari Lobo (feita em parceria com

    Luiz Frana) lanada no mercado nacional. Na contracapa do disco, Ari

    Lobo apresentado como possuidor de uma inconfundvel bossa

    nordestina.

    Sarav Cosme e Damio musicalmente um tpico baio, em

    comunicao com o coco e acompanhado pela indefectvel alternncia entre

    canto e coro. A composio de Ansio Nazrio e de Nelinho uma

    homenagem s crianas na festa religiosa sincrtica que combina a devoo

    aos santos catlicos Cosme e Damio e aos orixs Ibejis, divindades infantis

    gmeas do culto iorubano. Vamos letra:

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1277

    Eu vou contar a papai / Eu vou contar a papai / Para vir ver quem chegou / Para vir ver quem chegou / Foi ibej e ibejada / Que fazem anos tambm / Ora vamos brincar com as crianas / Cosme e Damio lhe dou um / Andorinha que voa nos astros / Que chega pertinho do cu / Avise o papai Oxal / Que hoje dia das crianas.

    A homofonia do verbo beijar com o nome das divindades gmeas

    iorubanas, menino e menina, um destaque importante da letra. Ao mesmo

    tempo, feita a relao com os gmeos santos cristos curadores, Cosme e

    Damio. No entanto, a diferena entre o festejo catlico e a homenagem aos

    ers-orixs permanece, pois so os Ibejis que fazem anos na festa de Cosme e

    Damio.

    A relao sincrtica aqui se regula segundo o princpio identificado por

    Ferretti (1995, p. 143), em que as crenas religiosas so compartimentos

    paralelos, que se aproximam e no se confundem. A ltima estrofe indica

    outra combinao sincrtica, talvez inconsciente. O aviso sobre a festa dos

    Ibejis a papai Oxal, que est entre os astros do cu, se aproxima da

    referncia espacial do mito grego que indica a moradia dos gmeos celestes,

    Castor e Plux, em uma constelao (VERNANT, 2000, p. 90-91).

    J a cano Baio Macumba distanciou-se da linha de homenagens

    aos orixs. A gravao lanada pela RCA Victor em 1965 no disco Z Man

    no Cco mais uma espcie de splica, de orao. A composio de Evaldo

    Gouveia e Julinho um baio tpico bastante cadenciado, com solos de

    sanfona, acompanhada de zabumba e tringulo. Agog e pfanos tambm se

    destacam na gravao, tornando amplo o ambiente sonoro-musical em que se

    alternam o canto de Ari Lobo e o coro. Abaixo a letra:

    Fui fazer uma prece a meu pai Xang / Pra livrar-me das penas de um mal de amor / Macumba, feitio algum me botou / No posso com isso, me ajude Xang / Foi tanto panz no terreiro / Que at pai de santo correndo chegou / Oh luzes de Ogum de Il / Oh luzes de Ogum nag / Mas limpa meu corpo manchado / E tira teu filho da dor.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1278

    A letra fala de um pedido ao orix Xang para a soluo de um

    problema sentimental. Ento, a narrativa descreve de forma didtica a diferena

    entre macumba e religio de orixs: a macumba/feitio poder ser combatida

    com a ajuda de Xang. A cano distancia a prtica mgica (macumba) do

    universo propriamente religioso. no terreiro em que a prece e os rituais

    presididos pelo pai de santo podem convencer os orixs a tirar seus filhos da dor.

    O ltimo exemplo aqui apresentado a cano Aniversrio de So

    Benedito, composio de Joo do Vale e Adlio de Souza. A gravao foi

    lanada 1981 num disco pstumo, no formato de coletnea, produzido pela

    gravadora Polydisc. Seguindo a linha dos baies de Ari Lobo, no formato canto-

    coro, Aniversrio de So Benedito tem o destaque da introduo de viola,

    seguido do trio sanfona, zabumba e tringulo. Vejamos a seguir um trecho da

    longa letra da cano: Pedreiras, princesa do Mearim / Todo mundo

    festejando / bate tambor pra mim / Benedito completando / Seu primeiro

    centenrio / Parabns a Benedito / Pelo seu aniversrio.

    Os versos corroboram uma observao do antroplogo Srgio Ferretti

    em seu estudo sobre a religio da Casa das Minas em So Lus. Segundo ele,

    comum se dizer no Maranho que So Benedito gosta de tambor de crioula

    porque preto e teria sido o seu inventor (FERRETTI, 1995, p. 135). Por

    isso, o festejo do santo cristo estaria em consonncia com as manifestaes

    musicais negras e populares maranhenses.

    Mais do que isto, esta correspondncia se estenderia ao universo afro-

    religioso. O fato que a cidade de Pedreiras, bero do compositor Joo do

    Vale, est localizada no sudoeste do Maranho, regio pela qual se espraia a

    influncia do terec ou religio de encantados, praticada nos municpios

    vizinhos de Caxias e Cod. Segundo Vergolino, o culto de caboclos e

    encantados desta regio possui ligao com as tradies jeje-nag cultivadas na

    capital do Estado (VERGOLINO, 2002, p. 10).

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1279

    O Filho de Xang na luta pelo sucesso

    A etapa final da carreira de Ari Lobo avaliada por seus parentes como

    um perodo de declnio. Para Raimundo Nonato, isto teve relao com o

    dinheiro desperdiado na boemia. Para Lucy Martins e Gabriel Lobo, a

    despreocupao com o dinheiro contribuiu para o declnio, mas teria havido

    tambm uma reorientao do mercado musical que diminuiu o interesse do

    grande pblico pela msica regional do norte e nordeste. Gabriel Lobo acentua

    a projeo da Jovem Guarda nos anos 1970 como fator importante para isto,

    afetando o interesse das gravadoras em promover artistas como Ari Lobo.

    Mas alm do mercado musical, o sentido de cano popular e

    regionalista parece ter mudado naquela dcada. Mariana Barreto (2012, p. 56-

    58), por exemplo, demonstra que a carreira de Joo do Vale, antes associada ao

    modelo musical-regional dos anos 1950 no cenrio carioca, ganhou novo

    sentido nas dcadas seguintes. A participao no Show Opinio, em 1964 (ao

    lado de Nara Leo e Z Ketti), ajudou a transform-lo a partir de ento no

    poeta do povo. Esta designao o identificava como compositor popular, de

    razes populares, mas predominantemente apreciado por setores polticos e

    culturais de esquerda das camadas mdias urbanas brasileiras.

    Na dcada anterior, Joo do Vale fazia parte do crculo de relaes

    pessoais e profissionais de Ari Lobo. Neste momento, ambos partilhavam as

    referncias artsticas de um campo da msica regional-popular da poca dos

    auditrios de rdio, das excurses pelo interior, das apresentaes em boates,

    circos e em praas pblicas. provvel que a este perodo remonte a memria

    herdada de Gabriel Lobo sobre algumas incurses do pai a centros de umbanda

    em companhia de Joo do Vale.26

    Mas o artista maranhense parece ter se adaptado melhor s novas

    condies do mercado musical nos anos 1970, fase de predomnio da esfera

    26 Informao concedida em conversa posterior entrevista gravada em 2013.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1280

    tcnica na indstria fonogrfica e de novas estratgias empresariais na difuso

    musical. Segundo Dias (2000, p. 54; 67), a vendagem de LPs mais que triplicou

    em meados da dcada, resultado de novas prticas de produo musical e de

    marketing das gravadoras. Porm, em funo dos limites deste artigo, no h

    espao para avanar nestas questes. Encaminho esta reflexo final para

    algumas pistas indiretas sobre como Ari Lobo experimentou esta fase

    derradeira de sua trajetria. Vejamos mais dois exemplos de canes.

    A assim a batucada Ei Pomba Gira, de lvaro Matos, parece se

    desenvolver na forma de um mantra, com duas nicas estrofes e muitas

    repeties. A cano foi gravada no disco A Mensagem de Ary Lobo,

    lanado pela Aladdin Records em 1979, um ano antes de sua morte. Em geral,

    as letras das canes deste disco apresentam mensagens de conotao espiritual.

    Segue o refro de Ei Pomba Gira: Pomba Gira / Me tira olho grande /

    Me tira a aflio / Pomba Gira / Me tira essa mgoa do meu corao.

    O coco Filho de Xang, de sua autoria e de Severino Ramos,

    lanado pela gravadora Beverly em 1974, fala de uma bruxaria feita por um

    amigo e que seria combatida com a ajuda de Xang: Malefcio e bruxaria /

    Que voc mandou fazer / Pra destruir seu amigo / Que tanto fez por voc /

    Sei que tudo vai e volta / Pelo mesmo cortador / Na f de pai Oxal / Com a

    ajuda de pai Xang / Xang, Xang, meu pai/ Seu filho se balana mas no

    cai.

    Nos versos das duas canes desponta a preocupao do personagem

    em se defender de aes espirituais malficas por meio da crena religiosa.

    certo que estes versos no tm necessariamente correspondncia com o que era

    vivido por Ari Lobo nos ltimos anos de sua carreira. Mas a seleo e a

    presena destas canes nos discos dos anos 1970 indicam uma nova forma de

    abordagem artstica da temtica afro-religiosa: mais pessoal e mais associada ao

    combate de infortnios.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1281

    Uma nova feio da performance musical de Ari Lobo desponta nestas

    canes de forma ntida. Letras mais circunspectas e menos festivas como as de

    Ei Pomba Gira e de Filho de Xang fazem par com uma roupagem

    musical mais convencional, de batuques e baies caractersticos, sem solos de

    introduo ou encerramento.

    Estes registros indicam, possivelmente, uma fase de esgotamento do

    projeto artstico-profissional de Ari Lobo, gerado ainda nos anos 1950. Sua

    carreira musical havia chegado a um ponto de instabilidade e, ao mesmo tempo,

    adentrava um novo momento da msica brasileira. A morte de Ari Lobo em

    agosto de 1980 impediu que ele acompanhasse esta nova etapa da msica

    popular.

    Sua obra, no entanto, se mantm como uma expresso importante do

    perodo de consolidao do sentido mercadolgico da msica popular no

    Brasil. Ela esteve associada expanso dos meios de comunicao e do

    mercado fonogrfico a partir dos grandes centros urbanos do pas. O sonho

    particular de sucesso do jovem paraense, calouro de rdio, contribuiu para a

    definio dos rumos da cano popular regional brasileira. Assim, podemos

    entender melhor o refro de Filho de Xang, quando o personagem da

    cano afirma divindade que seu filho se balana, mas no cai.

    Referncias

    ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz. O Engenho Anti-Moderno: a inveno do Nordeste e outras artes. Campinas, 1994. Tese (Doutorado em Histria) IFCH, Unicamp, 1994.

    BAKKE, Rachel Rua Baptista. Tem Orix no Samba: Clara Nunes e a presena do Candombl e da Umbanda na Msica Popular Brasileira. Religio e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 27, n. 2, p. 85-113, 2007.

    BARRETO, Mariana. A trajetria de Joo do Vale e os lugares de sua produo musical no mercado fonogrfico brasileiro. ArtCultura, Uberlndia, v. 14, n. 24, p. 47-60, jan./-jun. 2012.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1282

    BECKER, Howard S. Biographie et mosaque scientifique. Actes de la recherche em sciences sociales, v. 62-63, juin. 1986.

    BESSA, Virgnia de Almeida. Imagens da escuta: tradues sonoras de Pixinguinha. In: MORAES, J. G. V.; SALIBA, E. T. (Orgs.). Histria e Msica no Brasil. So Paulo: Alameda, 2010.

    BOURDIEU, Pierre. A Iluso Biogrfica. In: AMADO, Janana; FERREIRA, Marieta M. (Orgs.). Usos e Abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.

    CASCUDO, Lus da Cmara. Dicionrio do Folclore Brasileiro. 3 ed. Braslia: Instituto Nacional do Livro, 1972.

    COSTA, Antonio Maurcio; VIEIRA, Edimara Bianca. Na Periferia do Sucesso: rdio e msica popular de massa em Belm nas dcadas de 1940 e 1950. Projeto Histria, So Paulo, n. 43, dez. 2011.

    CUNHA, Fabiana Lopes da. Da Marginalidade ao Estrelato: o samba na construo da nacionalidade (1917-1945). So Paulo: Annablume, 2004.

    DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria fonogrfica brasileira e mundializao da cultura. So Paulo: Boitempo, 2000.

    FERRETTI, Srgio Figueiredo. Repensando o Sincretismo: estudo sobre a Casa das Minas. So Paulo; So Lus: Edusp/Fapema, 1995.

    GOFFMAN, Erving. A Representao do Eu na Vida Cotidiana. Petrpolis: Vozes, 1983.

    GOLDFEDER, Miriam. Por trs das ondas da Rdio Nacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

    HALL, Oswald. The Stages of a Medical Career. American Journal of Sociology, v. 53, n. 5, p. 327-336, mar. 1948.

    HUGHES, Everett. Institutional Office and the Person. American Journal of Sociology, v. 43, n. 3, p. 404-413, nov. 1937.

    LAMARO, Lusa Quarti. Entre o sagrado e o profano: os mediadores culturais da MPB. Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria. So Paulo: Anpuh, 2011.

    LEAL, Augusto Pinheiro. Nossos Intelectuais e os Chefes da Mandinga: represso, engajamento e liberdade de culto na Amaznia (1937-1951). Salvador, 2011. Tese (Doutorado em Estudos tnicos e Africanos) - Programa Multidisciplinar em Estudos tnicos e Africanos, UFBA, 2011.

    LOPES, Nei. A presena africana na msica popular brasileira. Espao Acadmico, Maring, n. 50, jul. 2005.

  • O popular na cano: carreira musical, regionalismo e cultura afro-religiosa...

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1283

    NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugesto de um quadro de referncia para a interpretao do material sobre relaes raciais no Brasil. Revista Anhembi, So Paulo, abr. 1955.

    OLIVEIRA, Alfredo. Ritmos e Cantares. Belm: Secult, 2000.

    PEREIRA, Joo Baptista Borges. Cor, Profisso e Mobilidade. O Negro e o Rdio de So Paulo. So Paulo: Livraria Pioneira/Edusp, 1967.

    POLLAK, Michael. Memria e Identidade Social. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.

    PRANDI, Reginaldo. Msica de f, msica de vida: a msica sacra do candombl e seu transbordamento na cultura popular brasileira. In: Segredos Guardados: orixs na alma brasileira. So Paulo: Cia das Letras, 2005.

    ROCHA, Amara. Nas Ondas da Modernizao: o rdio e a TV no Brasil de 1950 a 1970. Rio de Janeiro: Aeroplano/Faperj, 2007.

    SALLES, Vicente. Repente e Cordel: Literatura popular em versos na Amaznia. Rio de Janeiro: Funarte/Instituto Nacional do Folclore, 1985.

    SEVCENKO, Nicolau. A Capital Irradiante: tcnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). Histria da Vida Privada no Brasil. So Paulo: Cia das Letras, 1998.

    SILVA, Anaza Vergolino. O Tambor das Flores: uma anlise da Federao Esprita Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Par (1965-1975). Campinas, 1976. Dissertao (Mestrado em Antropologia) - Programa de Ps-Graduao em Antropologia, Unicamp, 1976.

    TINHORO, Jos Ramos. Msica Popular do Gramofone ao Rdio e TV. So Paulo: tica, 1981.

    TORRES, Roberto. Gordurinha: baiano burro nasce morto. Salvador: Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2008.

    VELHO, Gilberto. Biografia, Trajetria e Mediao. In: VELHO, Gilberto; KUSHNIR, Karina (Orgs). Mediao, Cultura e Poltica. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.

    VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das Sociedades Complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

    VERGOLINO, Anaza. Os Cultos Afro do Par. In: FONTES, Edilza (Org.). Contando a Histria do Par: dilogos entre Histria e Antropologia. Belm: E.Motion, 2002.

    VERNANT, Jean-Pierre. O Universo, os Deuses e os Homens. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.

  • Antonio Dias da Costa

    Dilogos (Maring. Online), v. 18, n.3, p. 1251-1284, set.-dez./2014.

    1284

    VIANNA, Letcia. O Rei do Meu Baio: mediao e inveno musical. In: VELHO, Gilberto; KUSHNIR, Karina (Orgs). Mediao, Cultura e Poltica. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.

    VIEIRA, Ruth; GONALVES, Ftima. Ligo o Rdio pra Sonhar. A histria do rdio no Par. Belm: Prefeitura Municipal, 2003.