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1. Apresentação
Num momento de intensos desafios para aEducação Pré-Escolar, propomo-nos re-flectir sobre alguns percursos da formação ini-cial dos educadores de infância no quadro uni-versitário.
Com os constrangimentos resultantes doacademismo desviado (atomização disciplinar,intelectualismo dos percursos, pobreza de in-teracções), contar-vos-emos a experiência de-senvolvida no âmbito de uma cadeira semes-tral denominada «Prática Pedagógica», únicomomento de confronto significativo das futu-ras educadoras com o contexto de intervençãodo jardim de infância.
É nosso objectivo partilhar a organizaçãoque imprimimos à cadeira, tentando transfor-mar a rigidez e o formalismo processual, as re-lações de poder e a aridez reflexiva que carac-terizam o estágio clássico, em tempos e per-cursos de desenvolvimento para os formandos,para os contextos onde intervêm e para a pró-pria casa de formação.
Deste percurso, infelizmente muito curto eisolado, faremos pretexto para sublinhar algu-mas linhas gerais que hoje se perfilam comoreferências incontornáveis nos percursos deformação inicial, evidenciando implicitamentea modernidade e o carácter percursor das pro-postas do modelo de formação do Movimentoda Escola Moderna Portuguesa.
2. Formação Inicial e Construçãoda Profissionalidade
A formação inicial constitui-se quase sem-pre como o primeiro momento de construçãointencional da profissionalidade dos educado-res. E, como tudo o que é de origens, esta «ini-ciação» pode ser determinante para o desen-volvimento da profissão, apesar da consciênciade que «a parte mais eficaz da construção daprofissionalidade se faz ao longo do exercícioda profissão» (NIZA, S. 1997).
Uma visão abrangente e interactiva da for-mação inicial dos educadores implica a com-preensão de que este tempo e os processosque nele ocorrem podem ser valiosos para oavanço das instituições de formação e para oavanço das escolas e dos educadores profissio-nais que cooperam na formação inicial. Umaformação inicial de qualidade é consequênciae tem efeitos intensos sobre uma multifacto-riedade de contextos e de sujeitos, consti-tuindo-se referente importante para a mu-dança.
É neste pressuposto que tentámos imprimirum carácter mais científico e mais interpela-tivo a uma pequena parte do percurso de for-mação inicial de uma turma de formandas doCurso de Formação de Educadores de Infância(ainda, ao tempo, bacharelato), mais precisa-mente no âmbito da disciplina de Prática Pe-dagógica IV.
O papel das práticasna formação inicial doseducadores de infância
Américo Peças
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Moveram-nos três propósitos fundamen-tais:
a) Acentuar a importância das práticas nocurrículo de formação inicial, utilizandoesse tempo de confronto com o real daprofissão não como uma simples (?) apli-cação de conhecimentos teóricos mas,fundamentalmente, utilizando o valorepistemológico das práticas, isto é, a im-portância e o significado dessa experiên-cia para o questionamento do próprioprocesso de formação, bem como o seucontributo para o melhor conhecimentosobre as condições da profissionalidade.
b) Facilitar a consciencialização sobre acomplexidade dos processos educacio-nais, tentando contrariar as análises di-cotómicas e redutoras que, perversa-mente, são consequência de percursosformativos magistocêntricos, transmissi-vos e centrípetos. Num apelo constanteao discurso sobre o que os formandosviam e sobre como intervinham no con-texto das práticas, quisemos promoveras condições para um exercício efectivode comunicação entre os vários sujeitos(formandos-formandos, formandos-edu-cadores cooperantes, formandos-educa-dores cooperantes-docentes), fazendoavançar os processos metacognitivos so-bre os amplexos da profissionalidade deeducador.
c) Quisemos ainda que as práticas se de-senvolvessem em torno de e referencia-das a um projecto: projecto de formaçãoque deveria emergir, integradamente, dodiálogo contratual entre sujeitos e sinaisde procedência diversa (instituição deformação, docentes, instituições de aco-lhimento, educadores cooperantes, con-texto de intervenção, grupo de crian-ças...). Projecto forjado na tensãocriadora entre visões, entre sentidos, en-tre interesses, entre necessidades, a que-rer facilitar o entendimento de que é estaconflitualidade que melhor caracteriza e
mais avança a profissão e os profissio-nais. O projecto quis-se assim «instru-mento ordenador da intervenção, porajustamentos progressivos, e um pro-cesso de desenvolvimento pessoal e pro-fissional pela resolução continuada deproblemas reais e pelo aperfeiçoamentodas formas de operar» (NIZA, S. 1997 a.).
3. As práticas pedagógicas na formaçãoinicial
É hoje consensual que «a formação do fu-turo educador deve incluir uma forte compo-nente de reflexão a partir de situações práticasreais» (ALARCÃO, I. 1991). As práticas peda-gógicas devem constituir o eixo central da for-mação, o ponto de partida e o referente do de-senvolvimento da identidade profissional eminício de construção. As práticas pedagógicasfacilitam ao formando o investimento no seupróprio processo de formação, gerando e re-criando sentidos para a inter e intradimensio-nalidade do percurso de formação.
O espaço da prática pedagógica dever-se-iaassim assumir como centro do design curricu-lar na formação inicial (ZEICHNER, 1993). In-felizmente esta centralidade está ainda longede ser vivenciada em muitos dos percursos deformação inicial que têm lugar nas nossas uni-versidades. Uma matriz permanentemente re-forçada no magistocentrismo determina umsistema isomórfico cristalizado que vem desdea Idade Média, reproduzindo modelos trans-missivos, atomistas, selectivos e intelectualis-tas (NIZA, S. 1998). Neste quadro, a disciplinade prática pedagógica dificilmente ultrapassa,para os formandos, o nível do desconfortoprovocado pela dualidade (percebida) entredois mundos: o da academia e o do jardim deinfância. Desconforto que os formandos ten-tam ultrapassar com a colagem possível ao«modelo» da educadora cooperante, não con-seguindo sequer traduzir algumas boas inten-ções que foram edificando, num permanentereforço do divórcio entre teoria e prática.
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Assumir as práticas como centralidade dodesign curricular na formação inicial, implicanecessariamente uma nova racionalidade so-bre as práticas pedagógicas, investindo-as decientificidade e significação para todo o per-curso da formação. Daqui decorrerá uma ou-tra epistemologia da formação, uma outra or-ganização curricular, novas tarefas, novascompetências, novos sentidos. É uma reflexãointensa (e urgente) mas que não é agora o pro-pósito deste escrito.
4. O contexto da intervenção
Delineadas algumas linhas gerais, sem pre-tensões de aprofundamento, sobre a questãodas práticas pedagógicas na formação inicialdos educadores profissionais, passamos agoraa descrever a breve experiência em que parti-cipámos no âmbito de uma cadeira semestral(6º semestre) do 3º ano do (então) bacharelatoem educação de infância da Universidade deÉvora.
A cadeira denomina-se Prática PedagógicaIV e corresponde à dimensão interventiva sis-temática (4 dias por semana, 5 horas por dia)das formandas numa sala de jardim de infân-cia com quem existe protocolo de cooperação.Durante esse semestre (sensivelmente deMarço a Junho) as formandas são responsáveispela organização do trabalho na turma, com a«supervisão» das educadoras cooperantes e oacompanhamento pontual dos docentes dauniversidade. Sobre que pressupostos assen-tava tradicionalmente a cadeira?
a) As alunas eram colocadas em salas dejardim de infância (uma por sala) sendoessa distribuição da exclusiva responsa-bilidade das docentes da universidade;
b) As duas primeiras semanas decorriam àvolta do que se designava por activida-des de observação, das quais deveria serproduzido um relatório de caracteriza-ção do contexto da intervenção. Este«conhecimento» inicial raramente eraconvocado para o desenvolvimento da
intervenção, sendo mais uma agregaçãode dados do que uma interpretação signi-ficante sobre os contextos.
c) A intervenção propriamente dita organi-zava-se em três momentos:– um período em que as formandas ti-
nham que fazer planificações diáriaspara todas as actividades que se propu-nham realizar com a tuma (objectivosespecíficos, descrição pormenorizadadas actividades, tempos, organizaçãodo grupo e recursos necessários);
– um período em que as formandas ti-nham que fazer planificações sema-nais, decorrentes de um centro de inte-resse que deveria «integrar» as váriasactividades diárias;
– um período em que as formandas con-ceptualizavam um projecto e que emnada se diferenciava dos centros de in-teresse a não ser na temporalidade queera exigida a este «projecto» (normal-mente um mês);
d) Os modelos e os instrumentos que su-portavam o planeamento eram os avan-çados por uma outra cadeira (teórica),que tinha lugar num semestre anterior(denominada de Métodos e Técnicas deAcção Educativa), cadeira que não acom-panhava agora o desenvolvimento, nocontexto de intervenção, da aplicaçãodesses modelos e instrumentos;
e) As educadoras cooperantes assumiamfundamentalmente um papel de con-trolo, não havendo durante o período daPrática Pedagógica IV espaço e tradiçãode demonstração de práticas que pudes-sem constituir-se como referente para asformandas;
f) A avaliação das formandas era de natu-reza bastante subjectiva e impressionista,tendo como objectivo principal a dimen-são sumativa;
g) Diariamente era recomendado umtempo de reflexão entre educadora coo-perante e formanda, mas essa reflexão
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g) caía em apreciações pessoais que não fa-ziam avançar a consciência dos sujeitosnem os quadros organizativos;
h) A visita dos docentes da universidadeera feita de surpresa e dava lugar a umaavaliação quantitativa.
5. Outras premissas para a PráticaPedagógica
Quando nos coube assumir a coordenaçãoda cadeira de Prática Pedagógica IV decidimosintervir no sentido de aumentar a coerênciadeste tempo de formação enquanto percursode desenvolvimento para os formandos, paraos contextos e para a própria casa de forma-ção. Animava-nos o entendimento de que«formar-se (...), é antes de mais, reflectir, pen-sar numa experiência vivida (...) formar-se éaprender a construir uma distância face à suaprópria experiência de vida, é aprender acontá-la através de palavras, é ser capaz de aconceptualizar» (HESS citado por NIZA,1997).
5.1 Os objectivos
Com todos os constrangimentos decorren-tes de uma estrutura curricular desajustada, osnossos objectivos para a cadeira foram assimexplicitados:
«A Prática Pedagógica IV constitui-se comoum momento e uma experiência de síntese di-nâmica dos saberes adquiridos ao longo docurso e de novos saberes emergentes. Este ca-rácter de transversalidade e de contextualiza-ção dos saberes exige um processo ampla-mente participado e sublinhadamente coope-rado, desenvolvendo-se sempre sob umamatriz reflexiva que permita um avanço efec-tivo dos sujeitos e dos contextos de interven-ção. São objectivos da Disciplina:
1. Caracterizar a organização do ambienteeducativo prosseguida nos Jardins de In-fância e reflectir criticamente sobre asopções organizativas subjacentes.
2. Conhecer e experimentar propostasemergentes dos principais modelos curri-culares para a Educação Infantil.
3. Ensaiar (em contexto de intervenção)uma matriz organizacional que suporte eavance as práticas educativas no Jardimde Infância.
4. Experimentar práticas de autoscopia so-bre a intervenção pedagógica que os alu-nos desenvolvem nos Jardins de Infância,inscritas e potenciadas em circuitos decomunicação, de modo a potenciar a for-mação de profissionais reflexivos e críti-cos.»
5.2 A organização
A organização da cadeira procurou serviros princípios e os objectivos que explicitámos,para além de decorrer de uma relação educa-tiva democraticamente perspectivada, dialo-gante e obsessivamente contratuada.
A primeira mudança visível e socialmentepercepcionada pelas formandas foi a sua colo-cação nas salas de jardim de infância: essa dis-tribuição foi feita em grande grupo, depois derecolhido um inquérito com as preferências eas rejeições (fundamentadas), escutadas razõese ponderadas situações, sendo a distribuiçãodas formandas o resultado de um intenso (eviolento) processo negocial no grupo, exausti-vamente explicitado e colectivamente assu-mido.
A segunda mudança foi a organização daprática propriamente dita. Esta organizaçãoresultou já do encontro entre o grupo de for-mação: formandas, educadores cooperantes edocentes da universidade – avançou-se assimdecisivamente para uma «apropriação co-mum» dos sentidos e das acções que deve-riam enformar os projectos de formação, in-tensificando os níveis de implicação e decooperação tão fundamentais à acção educa-tiva e aos processos de formação. Aqui deixa-mos o resultado deste esforço de explicitação(ver fig. 1).
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5.3 Práticas de Planificação
Uma das nossas preocupações fundamen-tais foi a de ajudar a compreender que a peda-gogia é muito a ciência da organização de am-biências de aprendizagem estimulantes paratodos (NIZA,S. 1997 b.) e não a estruturaçãodidáctica de um conjunto de actividades pen-sadas pelo educador para aplicar sobre ascrianças. Os modelos tecnocráticos de planifi-cação reforçam esta vertente manipulativa eredutora da profissionalidade, confundindoaprendizagem com prescrição e exercícios va-zios de sentido, ainda que racionalmente per-feitos. Foi assim que fomos edificando umsentido de planificação que exigia outras com-petências (sobretudo de escuta e de comunica-ção) e outros instrumentos que captassem, or-ganizassem e potenciassem essa outra formade fazer pedagogia.
Em multiplicados e frutuosos encontros fo-mos construindo e afinando um conjunto denovos instrumentos, abertos e permanente-mente reformulados de acordo com os dadosda experimentação. Revelaram-se suportesfundamentais para a inovação dos procedi-mentos e atitudes e cumpriram uma função deorganizadores das práticas, facilitando a com-preensão sobre a emergência da pedagogia.Porque poderão ser úteis a outros colegas,aqui deixamos alguns exemplos:
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A um percurso de formação ainda quasetodo marcado pelo verbo, importava-nos asso-ciar esta vertente do «fazer», construir instru-mentos e produzir recursos para a organizaçãopedagógica. Assim foram surgindo fichas-guião para desenvolver propostas organizati-vas na classe.
Exemplo 1– Planificação SemanalToda a planificação deverá suportar-se em
três objectivos fundamentais:a) Ser o mais participada possível (técnicos,
crianças e famílias);b) Ser emergente, isto é, contemplar inte-
resses e sinais das crianças e dos contex-tos;
c) Constituir-se como factor de referência ede visibilidade social e educativa do J.I..
A sexta-feira à tarde e/ou a segunda-feirade manhã constituem-se como os momentosmais adequados para esse exercício democrá-tico e científico que é o planificar a vida dogrupo.
Sugere-se que a planificação seja registadaem folha grande (folha de papel kraft ou papelde cenário), em letras maiúsculas de imprensa,exposta durante a semana e avaliada em grupono final da semana. (ver fig. 8).
Estes registos semanais deverão ficar guar-dados na sala, organizados numa capa com onome do conteúdo (ilustrada com uma belepintura). São um instrumento pedagógico degrande valor para a reflexão sobre o currículopara o Jardim de Infância; são instrumentosprevilegiados de formação; são uma memória(uma história) do processo educativo. O PlanoSemanal deve ser assumido por todo o grupo;são por isso fundamentais os momentos se-manais de avaliação).
Exemplo 2 – Caracterização dosespaços/cantinhos/ateliers
A questão da acessibilidade com autono-mia aos «cantinhos» exige que as educadorasorganizem ajudas ao trabalho das crianças.Uma das ajudas fundamentais, para além daexposição clara dos materiais e instrumentos,é a organização de inventários de tarefas pos-síveis de concretizar em cada «cantinho». Eisuma proposta simples: (ver fig. 9).
Exemplo 3 – Cadernão/Livro de VidaO «cadernão» ou «livro de vida» constitui-
-se como a memória activa dos quotidianos noJardim de Infância. É o nosso «album de foto-grafias», o retrato fiel do pulsar da vida do
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Figura 8
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grupo. Organizado em folhas grandes (tipo pa-pel kraft), cada folha do «cadernão» corres-ponde normalmente a um dia de actividade,mas a periocidade «2 em 2 dias» ou até mesmosemanal pode, inicialmente, assumir-se comoo compromisso possível.
No «cadernão» surgem descritivos do pro-cesso, quase sempre da responsabilidade daseducadoras (embora partilhados com as crian-ças) e produtos/criações/afirmações/perguntasdas crianças: uma pintura, um texto, uma co-lagem, uma ficha, o registo de uma observa-ção significante, uma fotografia, a visita que ti-vémos, o passeio que fizémos, um incidente,uma pergunta, a carta dos correspondentes, oconto que adorámos, a lengalenga que a Ritacopiou, ilustrou e ofereceu para o «cadernão»,a receita do bolo de anos da Sofia, a notícia dodente que caiu ao Sérgio,...
Há que estar atento à inclusão de trabalhosde todos os meninos, pois o «cadernão» é o re-
trato de todo o grupo. É um apelo ao bom-senso das educadoras. O cadernão pode estarorganizado com uma bela capa, duas molasgrandes, um fio, e fica pendurado num pregoda parede. Que interessante poder mostrar à«minha mãe» as coisas que fazemos!... Queóptimo instrumento para a formação contínuadas educadoras, para partilhar processos, refle-xões, aprendizagens!...Que belo contributopara edificar um currículo para o Jardim de In-fância!... Que belas páginas para fazer uma ex-posição sobre os sentidos do Jardim de Infân-cia!... Aqui fica um pequeno exemplo. (verfig. 10)
5.4 Práticas de Avaliação
A avaliação situa-se no cerne da organiza-ção pedagógica e, nos percursos de formaçãoacadémica, é efectivamente vivida com todo odramatismo que as idiossincrasias escolásticaslhe foram reforçando. Acresce o facto de que a
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nota da Prática Pedagógica costuma ser assu-mida, pelas formandas e pelos empregadores,como referencial no percurso de formação.Esta especificidade da avaliação das práticasexigiu-nos pois uma atenção redobrada, pro-curando que a luta por uma nota final não per-vertesse as premissas do processo.
Edificámos então, cooperadamente, umaestratégia de avaliação centrada em:
a) Registos e descritivos sobre a prática:fundamentalmente constituídos pelasplanificações e registos diversos sobre osquotidianos nos contextos de interven-ção;
b) Elementos reflexivos sobre o processo:eram os «diários de bordo» que todas asformandas construíam de natureza refle-xiva e crítica sobre o processo, partilha-dos nas sessões de formação em sala (nauniversidade) e potenciadores do apro-fundamente sobre a dimensão sistémicae intrapessoal das práticas;
c) Elementos de Avaliação das EducadorasCooperantes: elementos centrados na
análise de competências em situação ena organização do trabalho;
d) Elementos de Avaliação do Docente daUniversidade: elementos centrados naescuta e no acompanhamento do pro-cesso de intervenção, funcionando comofactor desbloqueador dos nós e tensõessurgidas aos vários níveis da interven-ção.
Este edifício permitiu construir três grandessentidos da avaliação:
a) Função de regulação, facilitando a cons-ciência permanente e progressiva sobre oprocesso e permitindo uma melhor ade-quação aos contextos;
b) Função de registo, construindo uma me-mória, uma história, capaz de funcionarcomo referência estruturante para o edi-ficar da profissionalidade;
c) Função de socialização, pondo em co-mum o que fizémos e aprendemos (orga-nizámos uma Semana Aberta expondotodos os percursos-ver figura 1), consti-tuindo-se como momento fundamentalpara a explicitação das práticas e para a
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visibilidade acrescida das práticas pedagógicasno currículo da formação inicial.
6. Algumas evidências finais
As marcas do percurso que fomos descre-vendo, e que as práticas pedagógicas nos per-mitiram, afastam-se decisivamente de qual-quer abordagem didactista e redutora daformação. Foi nossa preocupação ir clarifi-cando que o sentido do planeamento e da in-tervenção no Jardim de Infância é um exercí-cio científico e cívico, a enunciar-se napromoção activa dos direitos da criança, no di-reito à educação para todos os meninos, nostrajectos da descoberta cooperada da cultura,na alegria construtora do encontro entre pares,no respeito pelos tempos e modos diferentesde ser e sentir, a solicitarem uma visão abertae fraternal do homem e do mundo. Essas mar-cas enunciam também o Pré-Escolar como ins-tiuição de referência ao serviço da infância,com uma forte implicação social, associandoas famílias e as comunidades ao processo edu-cativo, promovendo as identidades e o res-peito pelos valores culturais comunitários.Essas marcas revelam por fim, e fundamental-mente, uma organização pedagógica que nãopode assentar em qualquer emanação intelec-tualista e académica ou, no outro extremo, empseudo-improvisos que mais não fazem doque mascarar a autocracia do adulto sobre oseducandos. Daí termos construído um quadroque nos lembrava, a todo o momento, os sen-tidos abertos, transversais e einteractivos doplaneamento no Jardim de Infância. (Ver pág.seguinte).
Talvez que as palavras de Paulo Freire(1997) possam sintetizar o que tentámos edifi-car: «Eu continuo a dizer, homens e mulheresnão viemos para o mundo para ser treinados,fizemo-nos no mundo seres modificadores. Aadaptação ao mundo é apenas um momentodo processo histórico. Adapto-me hoje paraamanhã, desadaptando-me, corrigir o mundoe inserir-me nele. Uma pedagogia do purotreino não faz isso, insisto.»
Bibliografia:
ALARCÃO, I. (1991). «Reflexão crítica so-bre o pensamento de D. Schon e os programasde formação de professores» in Supervisão eFormação de Professores. Aveiro: Cidine.
FREIRE, P. (1997). «Nós somos seres dabriga» in Cadernos de Educação de Infância, nº42. Lisboa: A.P.E.I.
NIZA, S. (1997 a). Formação Cooperada.Lisboa:Educa
NIZA, S. (1997 b). «Para uma escola da ci-dadania» in Palavras, nº 12. Lisboa: AssociaçãoProfessores de Português.
NIZA, S. (1998). Conferência produzida noSeminário «Formação Inicial de Professores –Pré-Escolar/1º Ciclo». DEB, 28 e 29 Maio, ESEde Setúbal.
NÓVOA, A. (org) (1995). Profissão Profes-sor. Porto: Porto Editora.
PERRENOUD, P. (1993). Práticas pedagógi-cas, profissão docente e formação: perspecti-vas sociológicas. Lisboa: IIe e D. Quixote.
ZEICHNER (1993). A formação reflexiva deprofessores. Ideias e práticas. Lisboa: Educa.
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SENTIDOS DO PLANEAMENTO
CRIANÇAPromover os direitos da criança
Multiplicar/desenvolver serviços para a infânciaMinimizar situações de risco
ALUNODesenvolvimento de competências de aprendizagem
Facilitação de percursos de desenvolvimentoApoios e ajudas específicas
Desenvolvimento Sócio-Moral
CLASSEOrganizar uma ambiência de aprendizagem estimulante para todos
Diversificar os acessos e os processos de construção dos saberesPromover a democracia, a cooperação e a interajuda
Valorização sistemática dos vividos, dos saberes vários, alargando as mundivivências.
INSTITUIÇÃOPromover a instituição como referência na educação das crianças
Melhorar as respostas educativas – inovaçãoIncentivar o trabalho de equipa
Desenvolver/potenciar parcerias e redes de cooperação
COMUNIDADEPromover a identidade cultural e o respeito pelos valores comunitários
Associar a comunidade ao processo educativoDesenvolver estratégias de extensão educativa e educação ao longo da vida
Promover a cooperação e a corresponsabilizaçãonos percursos e nos processos educacionais
FAMÍLIAPromover a cooperação instituição-família: organização/participação
Apoiar as famílias no desempenho da sua função educativaAssociar as famílias ao processo educativo: ( aprofundar a clareza do que fazemos)
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Estou convencido de que a percepção da lin-guagem matemática passa pela capacidadede fixar a realidade observada num registo es-crito, como referem autores como John AllenPaulos ou Gerard Vergnaud.
Isto implica formulações e reformulaçõesmas também a análise cuidadosa de situaçõesvivenciadas.
Escolhi os dois relatos que seguem por quedescrevem acontecimentos que necessitaramde um tratamento aprofundado, o que impli-cou abordagens sucessivas do problema, ten-tando fixar pouco a pouco o seu significadomatemático. São duas situações vividas namesma turma: a primeira no 3º ano de escola-ridade, a outra um ano mais tarde. No se-gundo relato, o trabalho envolve dois grupos,pelo que o «nós» se refere à actuação conjuntacom a professora do outro grupo de crianças.
Investigar a frequência de letras paraconstruir um jogo.
Propus aos alunos a construção de umscrabble português para a sala, para o qual eutinha já desenhado e plastificado o tabuleiro.
Faltavam as letras. Sugeri que procurasse-mos uma distribuição das letras do alfabeto,no total de 100.
Como fazer?O P. pergunta quantas letras tem o alfabeto
e acrescenta: «Como são mais ou menos 25, 4letras de cada: 4 x 25 igual 100.»
O R. sente que não deve ser tão fácil. Após
discussão constatámos que utilizamos mais a’sque x’s, para só ficar com este exemplo.
O Daniel propõe contar letras. Isto gera alguma discussão. Contar letras como? onde?Decidimos escolher um parágrafo do livro
que estou a ler para a turma e contar todas asletras daquele parágrafo.
Dividimos as letras do alfabeto por 6 gru-pos de crianças.
Tentámos que o trabalho fosse distribuídode forma mais ou menos igual. Isto revela al-gumas coisas interessantes:
– os alunos consideram que as vogais são asmais importantes e frequentes. Atribuem logouma vogal a cada grupo, ficando o sexto comduas consoantes que pensam serem as maisutilizadas.
– consideram s (aparecendo em todos osplurais) menos frequente que d ou n. Não con-sideram y, k e w, mas introduzem o ç.
Cada grupo procura a sua própria estratégiapara contar as letras que lhes foram distribuí-das:
– num grupo, os alunos distribuem as le-tras. Uma criança não recebe letras mas soletrao texto, e vai ditando as letras ao grupo. Cadaum aponta as letras que lhe couberam.
– noutro grupo, cada elemento circundaprimeiro as letras designadas, depois contamdois a dois as letras que escolheram.
– noutro grupo ainda, cada um aponta as le-
Investigações matemáticascomo base para a
construção de conceitos
Pascal Paulus
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tras conforme um código combinado entre oselementos do grupo para facilitar a contagemque cada um faz. Depois conferem resultados.
– em dois grupos utilizam 4 cores diferen-tes para realçar as letras, e depois cada ele-mento do grupo conta as letras numa das có-pias do texto.
– o último grupo pede uma cópia do textopara cada letra da qual faz o levantamento.Cada um dos elementos lê as quatro cópiascontrolando o que já está apontado e o que foiesquecido. No fim registam a frequência decada letra, contando por grupos de 5.
Após contagem, aparece o seguinte quadro:
Com este quadro já feito, peço os alunosuma estimativa do total das letras. Eis os re-sultados:entre 200 e 300 letras: 3 alunosentre 300 e 400 letras: 4 alunosentre 400 e 500 letras: 6 alunosentre 500 e 600 letras: 2 alunos e o professorentre 600 e 700 letras: 1 alunoentre 700 e 800 letras: 1 alunosem ideia: os outros
Controlámos a estimativa de duas manei-ras: dum lado, faz-se a soma de todos os totaisde letras apuradas, do outro lado, conta-se asletras de cada linha de texto, somando estessubtotais. Como por magia (entendida de ma-neira diferente por mim e pelos alunos) os doisvalores coincidem: 711 letras.
Abre-se nova discussão: já sabemos queneste texto de 711 letras há 127 a’s, 91 e’s, 50i’s, etc.
– Mas isto é mesmo assim? Isto é, qualquertexto de 711 letras dará esta distribuição? per-gunto eu.
A resposta é muito mais unânime do queeu estava à espera:
– Claro que não. Depende das palavras dotexto, disse um.
– Queres uma prova? Neste texto não hánenhum ç, mas sabemos que há textos com ç,senão não existia o ç, acrescenta outro.
Afirmo à turma que esta discussão é muitoimportante, e que a iremos retomar, mas queexiste ainda outra dificuldade: como saberquantas letras de cada é que temos que pôr nonosso jogo?
Um dos alunos propõe tirar letras «De 711para 100, tiramos 611 letras. Basta fazer amesma coisa para todas elas.»
Há logo um embate:– Assim, cada letra fica em 0.– Não, algumas ficam mais em 0 que as ou-
tras.– Mais em zero, quer dizer abaixo de 0,
como no termómetro.1
– Mas se todas as letras ficam abaixo de 0,então não temos letras no jogo!
É claro que algo está mal. Proponho que re-presentemos com o material MAB o que te-mos e o que queremos:
o que queremos o que temos
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ESCO
LA
MO
DERN
AN
º 4
•5
ª sé
rie•19
98
grupo 1 grupo 2 grupo 3 grupo 4 grupo 5 grupo 6a 127 e 91 i 50 o 82 u 20 d 27b 10 c 14 f 7 h 10 g 16 n 29j 1 l 14 m 36 p 24 q 6 r 46