O Microbioma Humano
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Vanesa Marques Cardoso
O Microbioma Humano
Universidade Fernando Pessoa
Faculdade de Ciências da Saúde
Porto 2015
O Microbioma Humano
______________________________________ Vanesa Marques Cardoso
Projeto de Pós Graduação apresentado à Universidade
Fernando Pessoa como parte dos requisitos para obtenção
do grau de Mestre em Ciências Farmacêuticas.
Orientador: Professor Doutor José Cabeda
O Microbioma Humano
O Microbioma Humano
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Resumo
O organismo humano encontra-se colonizado por uma complexa diversidade de
microrganismos. O conjunto destes microrganismos, que incluem as bactérias, fungos,
vírus e protozoários, no homem denomina- se microbioma humano. Estima-se que entre
a superfície interna e externa, o microbioma humano seja composto por 100 triliões de
microrganismos.
O microbioma humano varia muito nas mais diversas regiões do nosso corpo,
dependendo de condições ambientais. Sabe-se, por exemplo, que nas regiões mais
húmidas e quentes encontram-se uma maior concentração de microrganismos, enquanto
que nas regiões menos húmidas, existe uma quantidade menor de microrganismos.
O microbioma é de vital importância para a saúde humana, e o seu estudo conduz a um
melhor conhecimento da sua complexa dinâmica, podendo conduzir ao
desenvolvimento de novas formas de diagnóstico e até mesmo de tratamento de certas
patologias. Assim sendo, a compreensão da diversidade fisiológica humana, bem como
a de outros animais, passa pelo conhecimento da distribuição destes microrganismos
nos diferentes órgãos e seu papel biológico.
O desenvolvimento de técnicas de genética permitiram o estudo metagenómico
importante para descrever a diversidade do microbioma humano, que não seria possível
através da cultura das espécies pois um grande número destas não é cultivável.
Esta dissertação tem como principal objetivo descrever o microbioma humano e de que
forma esta influência o sistema imunitário. E numa segunda parte dar uma visão sobre a
importância da análise metagenómica na identificação e caraterização do microbioma
Humano.
Palavras-chaves: Microbioma, Microbioma humano, Hospede, Hospedeiro, Análises
Metagenómica.
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Abstract
The human body is colonized by a complex diversity of microorganisms. The set of all
these microorganisms, including bacteria, fungi, viruses and protozoa in man is
designated the human microbiome. This set of microorganisms inhabiting the inner and
outer surface of the human body total about 100 trillion cells.
The human microbiome varies greatly in various regions of the body, depending on
environmental conditions. For example, in rich and warm regions a higher concentration
of microorganisms is usually found, whereas less humid regions harbour a smaller
amount of microorganisms.
The microbiome is of vital importance to human health, and it´s study leads to a better
understanding of it´s complex dynamics, which may lead to the development of new
forms of diagnosis and even treatment of certain pathologies. Therefore, the
understanding of human and animal physiological diversity depends on the knowledge
of the distribution of microorganisms in various organs and their biological role.
The development of genetic techniques allowed the important metagenomic study to
describe the diversity of the human microbiome, which would not be possible through
the culture of the species because a lot of these are not cultivable.
This thesis aims to describe the human microbiome and how this influences the immune
system. The second part gives an insight into the importance of metagenomics analysis
in the identification and characterization of the human microbiome.
Keywords: Microbiome, Human Microbiome, Host, Guest, Analysis metagenómic.
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Metodologia
O presente trabalho baseia-se numa revisão bibliográfica acerca do Microbioma
Humano. Assim sendo, esta dissertação é de índole teórica, estando isenta de qualquer
tipo de trabalho prático experimental.
Tendo por base os objetivos delineados, procedeu-se à pesquisa bibliográfica de artigos
científicos e outras publicações, num período compreendido entre os meses de setembro
de 2014 e julho de 2015, em fontes de pesquisa científicas, tais como: o PubMed, o
Science Direct e a b-On. A utilização das mesmas deve-se ao facto de serem as bases de
dados que procedem à compilação dos artigos científicos mais recentes publicados na
área da saúde. As palavras utilizadas na pesquisa foram: microbioma, microbioma
humano, hospede, hospedeiro, análise metagenómica.
Na seleção dos artigos resultantes da pesquisa científica usaram-se critérios tais como, o
interesse para o tema, os artigos científicos e estudos escritos em inglês, português e
espanhol, com data de publicação nos últimos 10 anos ou de ano anteriores se o
conteúdo fosse relevante e ainda com evidências experimentais acerca do tema dos
quais de retirou a informação e os dados que conduziram à escrita desta tese.
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Agradecimentos
Ao Professor Doutor José Cabeda, pela sua total disponibilidade incentivo e apoio
durante a escrita desta tese.
Aos meus amigos, por todo os bons momentos passados e pela vossa amizade.
Aos meus pais, pela motivação, pelo carinho incondicional e por serem exemplos de
coragem.
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Índice geral
Resumo
Abstract
Metodologia
Agradecimentos
Índice de Figuras
Índice de Tabelas
Abreviaturas
1. Introdução
1.1. Microbioma autóctone e alóctone
2. Tipos de microbioma
2.1. Microbioma da conjuntiva e ocular
2.2. Microbioma do esófago
2.3. Microbioma da cavidade oral
2.3.1. Placa bacteriana
2.4. Microbioma da nasofaringe
2.5. Microbioma do trato urinário
2.6. Microbioma da pele
2.7. Microbioma do trato gastro intestinal
2.7.1. Efeito protetor do microbioma intestinal
2.8. Microbioma do trato vaginal
2.8.1. Efeito protetor do microbioma do trato vaginal
3. O microbioma e o sistema imunológico
4. Estratégias de estudo do microbioma
4.1. Métodos dependentes de cultura
4.2. Métodos independentes de cultura
4.2.1. Metagenómica
4.2.2. Análise funcional
4.2.3. Análise baseada em sequências
4.2.4. O Código de Barras de DNA (DNA Barcode)
4.2.5. Desafio computacional
5. Conclusão
6. Bibliografia
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Índice de Figuras
Figura 1. Localização do microbioma humano.
Figura 2. Variabilidade do microbioma nos diversos ambientes da anatomia
humana.
Figura 3. Desenvolvimento do microbioma.
Figura 4. Representação esquemática dos constituintes do olho.
Figura 5. Constituição da placa bacteriana.
Figura 6. Micrografia eletrónica de transmissão de Streptococcus mutans
sobre superfície dental.
Figura 7. Fatores que contribuem para a variação no microbioma da pele.
Figura 8. Diagrama do pH das várias regiões da pele humana.
Figura 9. Valores típicos de temperatura de várias regiões da pele em
adultos.
Figura 10. Distribuição topográfica de bactérias em diversos locais da pele.
Figura 11. Composição do microbioma do trato gastrointestinal humano.
Figura 12. Interação microbioma/hospedeiro na hemóstase intestinal e no
desenvolvimento de IBD.
Figura 13. Fases do processo inflamatório.
Figura 14. Promoção da imunidade pelo microbioma.
Figura 15. Ação do microbioma na imunidade adaptativa do hospedeiro.
Figura 16. Organograma das diferentes etapas de um projeto em
metagenómica.
Figura 17. Modelo esquemático de um estudo com abordagem
metagenómica.
Figura 18. Esquema geral para uma análise por PCR.
Figura 19. Desenvolvimento do código de barras de DNA.
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Índice de Tabelas
Tabela 1. Géneros bacterianos predominantemente associados à
conjuntiva.
Tabela 2. Géneros bacterianos predominantemente associados à cavidade
oral.
Tabela 3. Bactérias predominantes na placa bacteriana.
Tabela 4. Principais fatores que afetam a sobrevivência e o crescimento
microbiano na pele.
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Abreviaturas
COI - Citocromo c Oxidase Subunidade I
DAMPs - Damage-associated molecular pattern molecules
DNA – Ácido desoxirribonucleico
DSS - Sulfato de sódio dextrano
GPCRs - G protein–coupled receptors
H2O2 - Peróxido de hidrogénio
HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana
HMP - Projeto Microbioma Humano
IBD - Doença inflamatória intestinal
IgG - Imunoglobulinas
IL – Isoleucina
LPS - Lipopolissacarídeo
NLR - NOD-like receptors (Recetor do tipo NOD)
PAMPs - Pathogen-associated molecular patterns
PCR- Polymerase Chain Reaction
pH - Potencial de hidrogénio
PSA - Polissacarídeo A
PTGN - Peptidoglicano
RNA - Ácido ribonucleico
SFB - Bactérias filamentosas segmentadas
TGF - Transforming growth factor
TLR - Toll-like receptor (Recetores do tipo Toll)
Treg- Linfócito T regulador
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1. Introdução
O reconhecimento científico da importância do microbioma para a saúde humana
iniciou-se com os estudos de Louis Pasteur que afirmou, em 1877, que "os
microrganismos são necessários para uma vida humana normal". Em 1886, outro
conhecido cientista, Theodor Escherich, afirmou que "a interação entre o hospedeiro e
as bactérias é muito importante" e que "a composição do microbioma intestinal é
essencial para a saúde e bem-estar do ser humano". No entanto, foi o cientista russo Elie
Metchnikoff, vencedor em 1908 do Prémio Nobel de medicina/fisiologia conjuntamente
com Paul Ehrlich, que se dedicou ao estudo da importância dos probióticos na
alimentação e sua relação com a saúde humana (Machado, 2008).
O corpo humano é “habitado” (Figura 1) por bactérias cuja população é dez vezes
superior ao número de células humanas; a maioria dessas bactérias encontra-se no trato
gastrointestinal humano. Estima-se que o corpo humano contenha cerca de 10 triliões de
células e que seja portador de aproximadamente 100 triliões de bactérias, fungos e vírus
(Jenkinson e Lamont, 2005).
O microbioma normal humano desenvolve-se desde o nascimento até as diversas fases
da vida adulta, dando origem a comunidades bacterianas estáveis.
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Figura 1. Localização do microbioma humano. Adaptado de:
http://www.nature.com/nature/journal/v486/n7402/fig_tab/486194a_F1.html).
A existência destas comunidades de microorganismos é conhecida desde que o holandês
Antonie van Leeuwenhoek (1632-1723) observou em amostras de saliva e fezes um
grande número de minúsculos seres vivos, com as mais variadas formas chamando-lhes
“animálculos”. A partir destas observações desenhou a morfologia das bactérias,
protozoários e outros microrganismos (Cho e Blaser, 2012; Turnbaugh et al., 2007).
No ano de 2000, Joshua Lederberg introduziu o termo “microbioma” para definir a
“comunidade ecológica de microrganismos comensal, simbiótica e patogénica que,
literalmente partilha o nosso corpo e que funciona como um determinante da saúde e da
doença" (Consortium HMP, 2012). Assim, o microbioma humano refere-se à
comunidade de microrganismos que vivem nos diversos habitats do corpo humano,
estes microrganismos vivem em todas as partes do corpo e desempenham papéis
fundamentais quer na saúde humana quer nas doenças (Murray, 2000).
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Em indivíduos saudáveis, a maioria dos microrganismos que habitam no corpo humano
não provocam doenças, mas tem funções importantes para o hospedeiro, tais como,
favorecer a digestão dos alimentos, induzir a produção de vitaminas e proteger o
hospedeiro contra microrganismos patogénicos (Faust, K. et al., 2012; Murray, 2000;
Weber e Polanco, 2012).
O hospedeiro, nomeadamente os fatores genéticos do hospedeiro, e os fatores
ambientais determinam a constituição, a diversidade e a estabilidade do microbioma.
Fatores como: temperatura, humidade, nutrição, recetores do hospedeiro, stress
oxidativo, resposta imunológica inata e específica contra os microrganismos e a
competição entre os microrganismos e respetiva resistência aos produtos de secreção
dos mesmos são fatores determinantes para a composição do microbioma de cada
indivíduo (Cho e Blaser, 2012; Gevers, et al. 2012). Assim cada microbioma é
específico, podendo variar com a alteração dos fatores que o determinam, por exemplo,
o microbioma da nasofaringe em crianças é sazonal, e o microbioma do trato vaginal
varia ao longo do ciclo menstrual (Cho e Blaser, 2012; Murray, 2000). Assim sendo,
são encontradas diferentes comunidades microbianas em cada um dos variados
ambientes da anatomia humana (Figura 2) e para cada pessoa, o microbioma pode variar
ao longo do tempo, como é o caso da atrofia gástrica que aparece com a idade e altera o
microbioma gástrico (Cho e Blaser, 2012).
A necessidade de compreender a diversidade das comunidades microbianas nos
diferentes ambientes da anatomia humana e a sua relação com a saúde do ser humano
deu origem ao Projeto Microbioma Humano do National Institutes of Health em 2007
Este projeto tem como objetivo estudar o microbioma humano nos diferentes ambientes
para que no futuro o microbioma humano possa ser utilizado como ferramenta de
diagnóstico médico e terapêutico e conduzir a uma otimização da saúde do indivíduo
(Peterson, 2009).
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Figura 2. Variabilidade do microbioma nos diversos ambientes da anatomia humana.
(http://www.scientificamerican.com/article/microbiome-graphic-explore-human-
microbiome/).
Diversos estudos analisaram as variações temporárias da população microbiana durante
o curso de uma doença (Murray, 2000). Por exemplo, a vaginose, é uma patologia
resultante da perturbação da flora vaginal: a flora da vagina é habitualmente composta
por Lactobacillus, a diminuição desta bactéria é acompanhada pela proliferação de uma
flora de espécies anaeróbias que produz no meio vaginal aminas voláteis que explicam
as manifestações clínicas da doença como o mau cheiro e alergias. No caso da doença
de Crohn, a redução da diversidade bacteriana anaeróbia, especialmente das Firmicutes
é relevante para o início e a cronicidade da doença (Cho e Blaser, 2012, Manichanh et
al., 2006).
O ser humano nasce sem microrganismos e a aquisição do microbioma envolve uma
transmissão horizontal ou colonização por microrganismos (Figura 3). A colonização
das superfícies expostas tais como: o trato respiratório superior, a pele, o sistema
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geniturinário inferior e o trato digestivo, inicia-se logo a seguir ao nascimento. A
alimentação láctea, tratamento com antibióticos, hospitalização e o ambiente (rural ou
urbano) são fatores que afetam a composição da microbioma nas crianças. As diversas
partes do corpo humano apresentam condições ambientais favoráveis ou desfavoráveis
para a colonização por diferentes espécies de microrganismos. Os fatores que controlam
a composição do microbioma das diversas partes do corpo estão relacionados com a
natureza do ambiente local, tal como a temperatura, pH, água, oxigenação, nutrientes e
fatores mais complexos como a ação de componentes do sistema imunológico (Nicoli,
2002).
Figura 3. Desenvolvimento do microbioma. (Adaptado de Chan et al., 2013).
Os microrganismos que constituem o microbioma humana podem funcionar como:
Mutualistas: quando protegem o hospedeiro competindo pelos microambientes de
forma mais eficiente que os microrganismos patogénicos comuns (resistência à
colonização), produzindo nutrientes importantes e contribuindo para o desenvolvimento
do sistema imunológico;
Comensais: quando a associação entre o microrganismo e o hospedeiro é
aparentemente neutra sem benefícios ou malefícios detetáveis;
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Oportunistas: quando provocam patologias aos hospedeiros imunossuprimidos
resultante de uma infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, uma terapia
imunossupressora, radioterapia, quimioterapia, queimaduras extensas ou perfurações
das mucosas.
Embora os microrganismos que constituem o microbioma normal sejam inofensivos
para hospedeiros saudáveis, este pode constituir um reservatório de bactérias
potencialmente patogénicas. Muitas bactérias do microbioma podem ser oportunistas e
nestas condições o microbioma não é capaz de eliminar os patogénicos transitórios. Por
outro lado, alguns membros do microbioma podem invadir os tecidos do hospedeiro
causando doenças muitas vezes graves. Por exemplo, algumas espécies de bactérias do
microbioma oral causam cáries em 80% da população (Chan et al., 2013).
Contudo, o microbioma exerce um papel importante na proteção contra agentes
infeciosos por mecanismos ecológicos e imunológicos, além de contribuir para a
nutrição do hospedeiro e os distúrbios no microbioma provocam alterações na saúde do
hospedeiro.
1.1. Microbioma autóctone e alóctone
O microbioma autóctone também designado por microbioma residente, normal ou
indígena, é constituído pelos microrganismos em níveis populacionais estáveis num
local anatómico específico e numa determinada época da vida do hospedeiro. O
microbioma autóctone oferece barreiras contra colonização por diferentes patogénicos,
produz substâncias utilizáveis pelo hospedeiro, degrada produtos tóxicos e participa da
modulação do sistema imune do hospedeiro. O microbioma alóctone também designado
de transiente ou não-indígena é constituído por microrganismos temporários e
acidentais que ocorrem em locais anatómicos não específicos. Estes microrganismos são
transportados para um local anatómico através dos alimentos, bebidas ou ar, ou podem
ser provenientes da pele ou das membranas respiratórias superiores. Os microrganismos
patogénicos podem ser alóctones ou autóctones. No caso dos agentes patogénicos
fazerem parte do microbioma autóctone a potencial doença resulta do desequilíbrio do
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ecossistema ou destes microrganismos acederem a locais habitualmente estéreis do
hospedeiro (Nicoli e Vieira, 2000; Trabulsi e Sampaio, 2000).
2. Tipos de microbioma
2.1. Microbioma da conjuntiva e ocular
A conjuntiva também chamada de túnica conjuntiva é uma membrana mucosa presente
nos olhos dos vertebrados que reveste a parte interna da pálpebra e a superfície exposta
da córnea, revestindo igualmente a parte posterior da pálpebra que se prolonga para trás
para recobrir a esclera (Figura 4) e tem como função ajudar na proteção do olho de
corpos estranhos e infeções
Figura 4. Representação esquemática dos constituintes do olho
(http://noticias.r7.com/saude/noticias/veja-como-identificar-e-tratar-a-conjuntivite-
20120312.html).
A conjuntiva é praticamente estéril, contudo, algumas bactérias fazem parte do
microbioma transitório da conjuntiva. Assim o microbioma da conjuntiva apresenta uma
baixa densidade populacional, consistida por um número reduzido de espécies, na sua
superfície (Libório, et al., 2005).Na Tabela 1 encontram-se os géneros bacterianos
normalmente associados ao bioma da conjuntiva.
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Tabela 1. Géneros bacterianos predominantemente associados à conjuntiva (Libório, et
al., 2005).
Cocos de Gram-positivo facultativos
Cocos de Gram-positivo anaeróbios estritos
Cocos de Gram-negativo facultativos
Bacilos de Gram-positivo facultativos
Bacilos de Gram-positivo anaeróbios estritos
Bacilos de Gram-negativo facultativos
Staphylococcus, Streptococcus
Peptococcus, Peptostreptococcus
Neisseria
Corynebacterium
Clostridium, Propionibacterium
Haemophilus
Em virtude da constante exposição ao meio externo, a conjuntiva está sujeita a variadas
contaminações microbianas pelo que apresenta um sistema de proteção bastante eficaz,
nomeadamente pela ação de limpeza das lágrimas e movimentos das pálpebras que
removem os pós e os microrganismos que entram em contato com a conjuntiva. As
lágrimas são um meio de cultura pobre que na sua constituição contém
imunoglobulinas, lactoferrina e lisozima. A ação sinergística destes componentes é um
fator importante no controle das bactérias, uma vez que as imunoglobulinas (IgG) têm a
capacidade de inativar bactérias, a lactoferrina atua como sequestrador de ferro que é
um nutriente mineral essencial para o metabolismo bacteriano e a lisozima é uma
enzima que destrói a parede celular das bactérias. Quando algum fator altera o equilíbrio
entre o microbioma residente e o transitório, pode desencadear-se a doença (Libório, et
al., 2005).
Os fatores que podem alterar este equilíbrio são as alterações do sistema imunológico, o
uso indiscriminado de colírios contendo agentes antimicrobianos ou o uso de
glucocorticoides. Os glucocorticoides ao diminuírem a resistência do hospedeiro podem
aumentar a virulência das espécies patogénicas e permitir que microrganismos
normalmente comensais se comportem como patogénicos (Libório, et al., 2005).
Em 2009, Shestopalov iniciou o projeto do Microbioma Ocular. A sua equipa descobriu
aproximadamente uma dúzia de géneros de bactérias na conjuntiva do olho, um terço
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das quais não puderam ser classificadas por não crescerem nos meios de cultura
existentes. Na superfície da córnea o tipo de bactérias são diferentes. Também
descobriram que, durante as ceratites (infeções da córnea), apenas cerca de metade do
número de variedades de bactérias estavam presentes, com prevalência de estirpes de
Pseudomonas aerruginosa. As alterações do microbioma normalmente ocorreram antes
do diagnóstico da infeção ocular, sugerindo que as alterações do microbioma ocular
possam no futuro ser uma forma de diagnóstico. Um fator que pode alterar a
composição do microbioma ocular é a utilização de lentes de contacto. A degradação
das lentes de contato é um dos maiores fatores que levam à infeção da córnea. É
habitualmente aceite que as lentes de contacto facilitam a colonização da superfície do
olho por agentes microbiológicos. Com efeito, a sequênciação de genes de RNA dos
biofilmes de lentes de contato usadas, a equipa de Shestopalov encontrou evidências de
comunidades microbianas diferentes das encontradas no microbioma ocular de pessoas
que não utilizam lentes de contacto e menor diversidade. Por outro lado, muitos dos
géneros de bactérias que dominam o microbioma da conjuntiva e córnea desapareceram
e os Staphylococcus predominam. Para evitar o problema do potencial de infeção
resultante das lentes de contacto, Mark Willcox, um microbiologista de medicina na
Universidade de New South Wales, na Austrália, desenvolveu lentes de contato
antimicrobianas ligando um peptídeo antimicrobiano que ocorre naturalmente, a
melimina. Os testes pré-clínicos em coelhos revelaram que as lentes antimicrobianas
pareciam ser seguras na utilização como as lentes regulares acrescida da atividade
antimicrobiana contra os dois principais patogénicos, Pseudomonas aeruginosa e
Staphylococcus aureus sem interferir com as bactérias normais comensais no olho
(Shaikh-Lesko, 2014).
O trabalho de revelar o microbioma ocular está apenas no início, mas os resultados
preliminares sugerem que é diferente do resto da comunidade bacteriana que habita no
organismo humano.
2.2. Microbioma do esófago
O esófago normal é um órgão praticamente estéril e as bactérias quando presentes, são
apenas transitórias. Contudo, as patologias do esófago podem alterar a anatomia deste e
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predispor o órgão a um microbioma residente, constituído por microrganismos
potencialmente patogénicos, nomeadamente, Streptococcus, Lactobacillus,
Fusobacterium, Velionella, Neisseria, Treponema, Candida, Staphylococcus e
Mycoplasma (Pajeki, et al., 2003).
2.3. Microbioma da cavidade oral
A flora oral é complexa e diversificada e a cavidade oral de indivíduos saudáveis é
colonizada por centenas de diferentes espécies bacterianas, virais e fúngicas (Chardin, et
al., 2006). Os dentes, a gengiva, a língua, a garganta e a mucosa bucal proporcionam
diferentes superfícies favoráveis à colonização microbiana (Lamont e Jenkinson, 2010).
A produção de saliva e o consumo de açúcares e aminoácidos dos alimentos fornecem
os nutrientes para o crescimento microbiano (Jenkinson e Lamont, 2005).
Por outro lado os fatores ambientais da cavidade oral, tais como: a humidade, a
temperatura relativamente constante (34 °C a 36 °C), o pH próximo da neutralidade
permitem o estabelecimento de um microbioma com cerca de 700 grupos bacterianos
que habitam nas diversas áreas da boca. Algumas dessas bactérias estão associadas à
formação da placa bacteriana e consequentemente á origem de cáries dentárias bem
como o desenvolvimento de doenças. A composição do microbioma oral varia com a
hábitos alimentares, a idade, a função hormonal, o fluxo salivar, as condições
imunológicas, a higienização e o alcoolismo. A colonização da cavidade oral por
microrganismos inicia-se seis a dez horas após o nascimento. Mais de 60% dos
colonizadores primários no microbioma oral para as superfícies mucosas e dentes são
Streptococcus proveniente principalmente da mãe. Outros géneros de bactérias que se
encontram entre os primeiros colonizadores incluem: Actinomyces, Veillonella e
Neisseria (Jenkinson e Lamont, 2005). Os géneros bacterianos mais comuns na
cavidade oral encontram-se na Tabela 2.
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Tabela 2. Géneros bacterianos predominantemente associados à cavidade oral.
Cocos de Gram-positivo facultativos
Enterococcus, Micrococcus,
Staphylococcus, Streptococcus
Cocos de Gram-positivo anaeróbios estritos Peptococcus,
Peptostreptococcus
Cocos de Gram-negativo facultativos Neisseria
Cocos de Gram-negativo anaeróbios estritos Veillonella
Bacilos de Gram-positivo facultativos
Actinomyces, Corynebacterium,
Lactobacillus
Bacilos Gram-positivo anaeróbios estritos
Bifidobacterium, Eubacterium,
Propionibacterium
Bacilos de Gram-negativo facultativos
Actinobacillus, Campylobacter,
Capnocytophaga,
Eikenella, Haemophilus
Bacilos de Gram-negativo anaeróbios estritos
Bacteroides, Fusobacterium,
Porphyromonas;
Prevotella, Wolinella
Espiroquetas de Gram-negativo anaeróbios estritos Treponema denticola
A distribuição das bactérias na cavidade oral varia qualitativa e quantitativamente de
acordo com o ambiente, as bactérias do grupo Streptococcus mutans (S. mutans, S.
sobrinus, S. cricetus e S. rattus) e Streptococcus sanguis encontram-se em grande
número nos dentes enquanto as Streptococcus salivarius encontram-se principalmente
na língua. As espécies S. mutans e S. sanguis aparecem na cavidade oral somente após a
erupção dos dentes (Avila et al., 2009; Chardin et al., 2006).
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Os organismos predominantes nas membranas mucosas provavelmente serão S. oralis e
S. sanguis, contudo, existe pouca informação a respeito do microbioma das mucosas
devido à alta descamação das suas células superficiais (Avila et al., 2009; Chardin et al.,
2006).
A língua é uma região colonizada por uma densa e diversificada população bacteriana
com predomínio de S. salivarius e S. mitis e Veillonella spp. Pensa-se que a língua atue
como reservatório de bactérias associadas a doenças periodontais uma vez que as
bactérias Porphyromonas spp. e Prevotella spp. são passíveis de ser isoladas nesta
região (Avila et al., 2009; Chardin et al., 2006). Na sua maioria, estas bactérias também
são espécies comensais, contudo, podem tornar-se patogénicas em resposta às mudanças
do ambiente da cavidade oral, nomeadamente com a deficitária higiene oral do
indivíduo. Por outro lado, muitas destas espécies podem associar-se e formar biofilmes
resistentes à tensão mecânica ou tratamento antibiótico (Avila et al., 2009; Chardin et
al., 2006; Zainal-Abidin et al., 2012).
Os microrganismos da cavidade oral existem, geralmente na forma de biofilmes sobre
as superfícies dos dentes, gengiva, língua, próteses (quando presentes), e restaurações.
Estes biofilmes dentários consistem numa comunidade microbiana organizada numa
matriz extracelular complexa, constituída por produtos extracelulares microbianos e
compostos salivares (Jenkinson e Lamont, 2005; Lamont e Jenkinson, 2010).
A fixação de bactérias pioneiras é a etapa inicial na formação do biofilme dentário
envolvendo a ligação das bactérias aos componentes da saliva, que são posteriormente
adsorvidos nas superfícies da cavidade oral à qual se chama de película adquirida
(Jakubovics e Kolenbrander, 2010). Os componentes específicos adsorvidos dependem
da composição da superfície, o que significa que diferentes superfícies da cavidade oral
apresentam diferentes recetores salivares (Chardin et al., 2006). São as adesinas
microbianas que permitem a ligação da bactéria à pelicula salivar, às células do
hospedeiro e à dentina radicular exposta. Por exemplo, umas das mais importantes
adesinas de Streptococcus são os polipéptidos da família dos antigénios I/II, estes que se
ligam à gp340, à fibronectina e ao colagénio (Avila et al., 2009; Jenkinson e Lamont,
2005).
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Após a ligação primária, os microrganismos pioneiros proporcionam uma nova
superfície para a colonização dando origem á colonização secundária (Lamont e
Jenkinson, 2010; Jakubovics e Kolenbrander, 2010). Os colonizadores secundários são
na sua maioria bactérias de Gram-negativo que são incapazes de ligar à película aderida
mas capazes de ligar-se à superfície dos colonizadores primários por coagregação. Os
Streptococcus e os Actinomyces são exemplos deste tipo de ligação, uma vez que as
fímbrias do tipo 2 dos Actinomyces ligam-se aos recetores de polissacarídeos dos
Streptococcus (Chardin et al., 2006; Lamont e Jenkinson, 2010).
Quando há homeostasia microbiana opõe-se à colonização por agentes patogénicos
exógenos ou ao desenvolvimento de microrganismos endógenos patogénicos
oportunistas. A rutura desse equilíbrio origina patologias, tais como, as cáries dentárias
ou as doenças periodontais (Grover et al. 2013; Lamont e Jenkinson, 2010; Sbordone e
Bortolaia, 2003).
2.3.1. Placa bacteriana
Como foi referido anteriormente, os microrganismos que colonizam os dentes,
nomeadamente os do género Streptococcus, produzem um polissacarídeo de aderência
que permite desenvolver um biofilme bacteriano que adere à superfície dos dentes,
formando comunidades microbianas organizadas e complexas, constituídas por produtos
extracelulares microbianos, restos alimentares, constituintes salivares e células mortas
denominada de placa bacteriana (Figura 5) (Jessica et al., 2014).
A placa bacteriana é a principal causa das cáries e das doenças periodontais. As doenças
periodontais quando não tratadas podem causar mau hálito, sangramento nas gengivas,
cáries, abscessos gengivais, perda dos dentes e perda óssea (Jessica et al., 2014).
O Microbioma Humano
14
Figura 5. Constituição da placa bacteriana (Jessica et al., 2014).
Os organismos predominantes da placa bacteriana encontram-se na Tabela 3.
Tabela 3. Bactérias predominantes na placa bacteriana.
Cocos Gram-positivos facultativos
Streptococcus (S. mutans, S.
sobrinus, S. cricetus)
Bacilos Gram-positivos facultativos
Actinomyces
Bacilos Gram-negativos anaeróbios estritos Porphyromonas (P. gingivalis, P.
endodontalis), Prevotella (P.
melaninogenica, P. intermédia, P.
loescheii, P. denticola)
O Microbioma Humano
15
As bactérias Porphyromonas gingivalis, Porphyromonas endodontalis, Prevotella
melaninogenica, Prevotella intermedia, Prevotella loescheii e Prevotella denticola
raramente são isoladas de gengivas de indivíduos saudáveis (Jessica et al., 2014).
A complexidade das comunidades bacterianas nas placas bacterianas dificulta a
determinação de um agente responsável pela cárie dentária. No entanto, bactérias tais
como a S. mutans, a S. sobrinus e a L. acidophilus estejam potencialmente envolvidas
na iniciação e progressão das cáries. Estas bactérias metabolizam os hidratos de carbono
em ácidos (primariamente ácido lático) tolerando o pH baixo. Contudo, grandes
quantidades de S. mutans podem ser encontradas em placas bacterianas sem evidência
de cáries (Figura 6) (Jessica et al., 2014).
As dietas ricas em sacarose contribuem para a formação de caries dentárias, uma vez
que a bactéria S. mutans produz um polissacarídeo de aderência especificamente a partir
da sacarose que é o substrato para a produção do ácido lático. Por outro lado, as
bactérias láticas como a L. acidophilus ao produzirem o ácido lático permitem que este
dissolva o fosfato de cálcio do esmalte dos dentes. A S. mutans também pode causar
endocardite subaguda (Lamont e Jenkinson, 2010; Jakubovics e Kolenbrander, 2010;
Sbordone e Bortolaia, 2003; Marsh, 2006).
Figura 6. Microfotografia eletrónica de transmissão de Streptococcus mutans sobre a
superfície dental. (http://www.thedentalelf.net/2015/02/26/mutans-streptococci-
maternal-child-transmission-confirmed-by-review/).
O Microbioma Humano
16
O desenvolvimento do biofilme, também designado de “hipótese da placa ecológica”,
permite explicar as doenças mediadas pela placa bacteriana. Estas doenças podem
resultar de desequilíbrios na microflora residente que por sua vez resulta num aumento
dos microrganismos patogénicos orais dentro do biofilme. Assim, estes microrganismos
patogénicos podem estar presentes em situações sadias, mas em menor quantidade
(Lamont e Jenkinson, 2010).
2.4. Microbioma da nasofaringe
A faringe aprisiona o maior número das bactérias que são inaladas. O microbioma da
nasofaringe contêm primariamente os mesmos géneros bacterianos encontrados no
microbioma oral, juntamente com anaeróbios estritos dos géneros Staphylococcus,
Neisseria e Corynebacterium. Os potenciais patogénicos são o Haemophilus ssp, os
micoplasmas e os pneumococos passíveis de serem encontrados na faringe. O trato
respiratório superior é a porta de entrada para a colonização inicial de muitos
patogénicos, tais como, Neisseria meningitidis, Corynebacterium diphtheriae,
Bordetella pertussis e Streptococcus spp. O trato respiratório inferior, brônquios e
alvéolos, é normalmente estéril uma vez que as partículas do tamanho de bactérias não o
conseguem atingir facilmente. Se conseguirem atingir o trato respiratório, encontram-se
com a primeira linha de defesa, os macrófagos alveolares, ausentes na faringe, que
inibem a colonização (Ribeiro, 2012).
Por outro lado, as vias aéreas superiores são protegidas por um microbioma residente
que evita a colonização destas vias áreas por agentes patogénicos. Os cocos Gram-
positivos são os mais comuns nesta zona anatómica.
2.5. Microbioma do trato urinário
O trato urinário é normalmente estéril exceto no primeiro centímetro distal da uretra
onde se podem encontrar microrganismos, como, Staphylococcus epidermidis,
Enterococcus spp., Corynebacterium spp, Escherichia coli, Proteus spp., e linhagens
não-patogénicas de Neisseria. A bexiga e os rins em regra também são locais estéreis
ou, na maioria das vezes, transitoriamente colonizados por baixas populações de
O Microbioma Humano
17
bactérias. Estes órgãos estão protegidos da colonização por parte das bactérias da vagina
ou da superfície do pénis pela ação do esfíncter da abertura da uretra, que funciona
como barreira física à entrada dos microrganismos. As bactérias que entram na bexiga
são habitualmente removidas na micção. A importância destas duas defesas é visível
pelo facto dos pacientes com cateteres urinários ao manterem aberta a entrada da uretra
e drenarem constantemente a urina apresentarem uma incidência maior de infeções do
trato urinário (Trabulsi e Alterthum, 2008).
De referir que devido à presença de um microbioma residente na primeira porção da
uretra, as análises clínicas da urina devem ser interpretadas com algum cuidado e a
amostra de urina nunca deve incluir urina do primeiro jato.
2.6. Microbioma da pele
A pele é um ecossistema composto por diversos tipos de microambientes com uma
abundância de dobras, invaginações e nichos que são colonizados por uma variedade de
microrganismos. O primeiro papel da pele é servir como uma barreira física, protegendo
o nosso corpo contra agressões de organismos externos ou xenobióticos. A pele é a
interface com o meio externo podendo ser colonizada por diversos microrganismos,
como bactérias, fungos e vírus, bem como ácaros (Grice e Segre, 2011).
A comunidade científica tem estudado estes microambientes da pele para caracterizar de
forma mais completa o seu microbioma e como este interage com o hospedeiro (Figura
7) (Grice e Segre, 2011).
O Microbioma Humano
18
Figura 7. Fatores que contribuem para a variação no microbioma da pele. (Adaptado de
Grice et al., 2011).
Fatores específicos relacionados com o hospedeiro, tais como, idade, sexo, sistema
imunitário e ambiente externo (por exemplo, clima e localização geográfica) contribuem
para as variações observadas no microbioma da pele humana (Grice e Segre, 2011).
Tal como já foi referido a maioria dos microrganismos são simbióticos ocupando vários
locais da pele e protegendo-a contra a invasão de microrganismos patogénicos. Estes
desempenham um importante papel no desenvolvimento das células de Langerhans da
pele, preparando-as para responder à presença de outros microrganismos patogénicos
(Grice e Segre, 2011).
Assim, um dos principais mecanismos antimicrobianos de defesa à superfície da pele
para impedir a colonização por microrganismos é a pressão por seleção, influenciando
os tipos de micro-organismos que podem sobreviver na pele (Grice e Segre, 2011).
O fluxo de ar nas superfícies do corpo constitui a primeira linha de defesa contra a
colonização microbiana, pois impede a adesão dos microrganismos e remove os
microrganismos quando da descamação da pele (Wilson, 2008).
Por outro lado, o pH baixo da pele (Figura 8), resultante da produção de ácidos durante
o processo de queratinização, e de ácidos excretados por células epiteliais e
microrganismos, inibe a sobrevivência de microrganismos não adaptados a ambientes
O Microbioma Humano
19
com pH baixo. Além do efeito de diminuição de pH, muitas das substâncias presentes
na superfície da pele são diretamente tóxicas para os micro-organismos (Wilson, 2008).
Figura 8. Diagrama do pH das várias regiões da pele humana. (Adaptado de Wilson,
2008).
Também a evaporação do suor à superfície da pele aumenta a salinidade desta, evitando
que certos microrganismos, especialmente bactérias de Gram- negativo se consigam
desenvolver (Wilson, 2008).
A temperatura é outro fator que pode influenciar o microbioma quer diretamente quer
indiretamente devido aos seus efeitos sobre a produção de suor que altera a humidade,
modifica a concentração de nutrientes, aumenta as substâncias antimicrobianas e altera a
salinidade e o pH (Wilson, 2008). A temperatura da pele varia de acordo com a
localização anatómica (Figura 9), por exemplo as axilas e virilha apresentam
O Microbioma Humano
20
temperaturas mais elevadas, enquanto os dedos dos pés e das mãos têm temperaturas
mais baixas. As temperaturas entre 25 °C e 35 °C são ideais para o crescimento de
mesófilos, enquanto psicrófilos e termófilos não sobrevivem facilmente a estas
temperaturas apresentando uma população reduzida nas áreas com estes valores de
temperatura (Wilson, 2008).
Figura 9. Valores típicos de temperatura de várias regiões da pele em adultos
(Adaptado de Wilson, 2008).
Na Tabela 4 resumem-se os principais fatores que afetam o crescimento e a
sobrevivência de microrganismos na pele.
O Microbioma Humano
21
Tabela 4. Principais fatores que afetam a sobrevivência e o crescimento microbiano na
pele (Holland e Bojar, 2002; Faergemann e Larko, 1987).
Fator Efeito
Temperatura Permite o crescimento de
mesófilos, porém impede o
crescimento de termófilos e
psicrófilos.
Baixa humidade Impede a sobrevivência ou
crescimento de muitas espécies,
especialmente bactérias Gram-
negativas
Alta salinidade Impede a sobrevivência ou
crescimento de muitas espécies,
especialmente bactérias Gram-
negativas
Baixo pH Impede a sobrevivência ou o
crescimento de muitas espécies
Concentração de oxigénio Geralmente elevados, impedindo
a sobrevivência e crescimento de
anaeróbios. É baixa nos folículos
pilosos, permitindo assim o
crescimento de anaeróbios e
microaerófilos.
Disponibilidade de nutrientes Abundante, porém consiste
essencialmente em polímeros do
hospedeiro.
Interação com outros micro-organismos Agonistas e antagonistas
Sistema de defesa do hospedeiro
Impede a adesão e a
sobrevivência de muitos tipos de
micro-organismos
Assim devido aos diferentes fatores descritos e aos diversos tipos de microambientes, a
pele apresenta diferentes populações bacterianas nas várias regiões, (Figura 10). Nas
regiões mais húmidas, como axilas, virilhas, espaço entre os dedos dos pés, genitália e
períneo, predominam organismos Gram-positivos, tais como: Staphylococcus aureus e
Corynebacterium spp. Nessas regiões a humidade, a temperatura maior e concentração
de lipídios cutâneos favorecem o crescimento bacteriano. Nas áreas com menor
O Microbioma Humano
22
percentagem de humidade predominam as bactérias Staphylococcus epidermidis e
Propionibacterium acnes. No entanto, é a bactéria S. epidermidis a que apresenta maior
população correspondendo a cerca de 90% do microbioma residente em algumas áreas
(Holland e Bojar, 2002; Faergemann e Larko, 1987).
Em determinadas situações que originam alteração do equilíbrio entre o hospedeiro e as
bactérias S. aureus e S. epidermidis estas podem provocar doenças de pele e afeções nos
cílios denominadas de blefarites, as quais podem evoluir para conjuntivites bacterianas
(Holland e Bojar, 2002; Faergemann e Larko, 1987).
A quantidade de bactérias na pele de um indivíduo é relativamente constante e a
extensão das áreas colonizadas depende da exposição da pele a diferentes fatores e à
atividade bactericida desta.
Figura 10. Distribuição topográfica de bactérias em diversos locais da pele (Adaptado
de Grice & Segreet al., 2011).
O Microbioma Humano
23
2.7. Microbioma do trato gastro intestinal
O microbioma digestivo consiste numa biomassa alojada no trato gastro intestinal do
hospedeiro humano com a capacidade de interferir nos diversos mecanismos biológicos
e consequentemente na saúde e na doença do hospedeiro (por exemplo produção de
substâncias carcinogénicas ou provocando infeções oportunistas durante perturbações
do ecossistema) (Nicoli, 1995).
Geralmente, os microrganismos do estômago são transitórios e sua taxa populacional é
mantida baixa resultante das condições ambientais adversas. Estima-se que a quantidade
de bactérias logo após as refeições seja de cerca de 101 a 10
2 bactérias por grama de
conteúdo estomacal, e após a digestão praticamente indetetável (Costello et al., 2009).
A bactéria Helicobacter pylori habita o estômago de 50% da população mundial e
provavelmente co-evoluiu com o seu hospedeiro de forma a adaptar-se ao meio gástrico.
Na maioria dos hospedeiros esta bactéria comporta-se como comensal, mas em
determinados hospedeiros, a bactéria pode provocar gastrite crónica ativa, úlcera péptica
e até neoplasias (Wolvers et al., 2010).
O microbioma intestinal, em termos qualitativos e quantitativos é diverso e dinâmico,
sendo um dos ecossistemas mais complexos e menos conhecido (Figura 11). Este
microbioma pode sofrer facilmente alterações resultantes de certas patologias, da
composição da dieta e dos distúrbios gastrointestinais (Sartor, 2008).
Numa fase inicial do crescimento bacteriano, quando o espaço e os nutrientes não são
fatores limitantes, as bactérias com as maiores taxas de crescimento predominam no
meio, mas à medida que as populações bacterianas aumentam e diminui o espaço e os
nutrientes, o trato intestinal torna-se habitado por espécies mais especializadas e a
complexidade do microbioma aumenta. Nos recém-nascidos e durante a amamentação
predominam bactérias como E. coli e as dos géneros Lactobacillus, Clostridium,
Enterococcus, Bacteroides e Bifidobacterium. Contudo, as crianças de diferentes
regiões geográficas apresentam microbiomas fecais distintos refletindo, em parte, o
impacto ambiental e as condições sanitárias. O tipo de dieta da criança, nomeadamente,
O Microbioma Humano
24
a composição do leite materno e suas imunoglobulinas é um dos principais fatores de
controlo do microbioma (Gerritsen et al., 2011; Prakash, 2011).
A estabilidade funcional das comunidades bacterianas intestinais é constantemente
desafiada por diversos fatores, tais como: o epitélio intestinal e a camada de muco
renovam-se rápida e incessantemente, a atividade peristáltica que expõe os diversos
segmentos do intestino a uma variedade de bactérias alóctones, macromoléculas da dieta
e secreções gástricas, pancreáticas e biliares, entre outros (Gerritsen et al., 2011;
Prakash, 2011).
Figura 11. Composição do microbioma do trato gastrointestinal humano (Sartor, 2008).
A quantidade de bactérias e o número de espécies presentes nos segmentos do trato
gastrintestinal são afetadas pelo pH e tempo de retenção de seu conteúdo. Se por um
lado, o fluxo rápido do conteúdo do intestino delgado proximal tende a inibir o
crescimento de muitas bactérias, por outro a prolongada retenção do conteúdo no
intestino grosso e o pH neutro promovem o desenvolvimento de comunidades
microbianas complexas compostas por centenas de distintas espécies de bactérias
(Harris et al., 2012).
O Microbioma Humano
25
Em indivíduos sadios, o duodeno e as bactérias mais frequentemente encontradas no
duodeno são dos géneros Streptococcus e Lactobacillus. Os níveis superiores de
bactérias no duodeno (105 a 10
7 por grama) podem resultar de uma anomalia a nível do
sistema digestivo, nomeadamente, a redução do trânsito intestinal. Também a atividade
peristáltica e a presença de bílis podem explicar a escassez de microrganismos no trato
gastrintestinal superior (Prakash, 2011).
O íleo apresenta um microbioma moderado de cerca de 106 a 10
8 bactérias por grama de
conteúdo com predomínio dos géneros Enterococcus, Lactobacillus, Bacteroides e
Bifidobacterium (Prakash, 2011).
Já o cólon é colonizado por uma população maior e mais complexa de bactéria com
cerca de 109 a 10
11 bactérias por grama de conteúdo. Atualmente foram identificadas
cerca de 400 espécies bacterianas sendo 99% dessas bactérias anaeróbias estritas, com
predomínio dos géneros Bacteroides, Bifidobacterium, Eubacterium e Clostridium
(Prakash, 2011).
As bactérias do cólon são responsáveis por sintetizar vitaminas, sobretudo, a tiamina, a
B12, a biotina, o ácido fólico, e a vitamina K e fermentam carbohidratos indigeríveis
(fibras) em ácidos gordos de cadeia curta que constituem fontes de energia para o
hospedeiro (Gerritsen et al., 2011; Prakash, 2011). As bactérias residentes do trato
gastrintestinal contribuem para preservar parte da energia contida nos carbohidratos
indigeríveis da dieta como a celulose, hemicelulose e pectina, metabolizando os
mesmos em ácidos gordos que são fontes de energia para as células do epitélio intestinal
e facilitam a absorção de sódio e água, além de sintetizarem proteínas e vitaminas do
complexo B (Prakash, 2011).
A composição do microbioma normal em uma dada região do trato intestinal é de difícil
caraterização, uma vez que, é difícil distinguir os microrganismos residentes e os
transitórios. A maioria destes microrganismos não é cultivável em meios de laboratório,
de tal forma que permanecem não detetáveis pelos métodos convencionais de
isolamento e identificação. As modernas técnicas de ribotipagem in situ podem fornecer
O Microbioma Humano
26
um novo panorama da composição do microbioma gastrintestinal humana, assunto que
abordarei no capítulo 4.2.
2.7.1. Efeito protetor do microbioma intestinal
O trato intestinal é protegido por diversos mecanismos, nomeadamente, o ambiente
ácido do estômago e as enzimas proteolíticas secretadas pelas células gástricas que
matam diversas bactérias que são ingeridas.
Os estudos comparando animais isentos de microrganismos com animais com
microbioma demonstraram que o microbioma influencia a anatomia, a fisiologia e a
longevidade. Nesses estudos, animais sem germes apresentam uma longevidade duas
vezes maior que seus pares convencionais. Também as causas de morte eram diferentes
nos dois grupos. Por outro lado, as infeções que geralmente causavam morte entre os
animais convencionais, nas atonias intestinais frequentemente matavam os sem germes
(Turnbaugh, 2007).
Estes estudos também demonstraram que animais sem germes têm características
anatómicas, fisiológicas e imunológicas distintas das dos animais convencionais. Nos
animais sem germes, a membrana mucosa do intestino é subdesenvolvida, a quantidade
de imunoglobulinas presente no soro ou secreções é reduzida, a mobilidade intestinal é
diminuta e a taxa de renovação das células da mucosa intestinal é de quatro dias vs dois
nos animais convencionais (Turnbaugh, 2007).
Em contrapartida, o microbioma residente compete com invasores potenciais pelos
nutrientes e locais de adesão. Os estudos com animais tratados com antibióticos
demonstraram que o microbioma os protege contra a infeção por agentes patogénicos.
Já os animais tratados com estreptomicina, para reduzir o microbioma normal, foram
infetados com salmonela resistente a este antibiótico. Nos animais convencionais são
necessários cerca de 106 organismos para se estabelecer uma infeção gastrintestinal, no
entanto, nos organismos germ free apenas cerca de 10 organismos são suficientes para o
mesmo fim (Rodrigues, 2011).
O Microbioma Humano
27
2.8. Microbioma do trato vaginal
A população bacteriana que coloniza a vagina é predominantemente do género
Lactobacillus podendo variar de pessoa para pessoa, com a idade, o pH do trato vaginal
e os níveis hormonais. Contudo, as maiores alterações ocorrem quando de uma infeção
bacteriana da vagina (Linhares et al., 2010).
No primeiro mês de vida, bactérias do género Lactobacillus predominam, mantendo o
pH vaginal em torno de 5. A partir do primeiro mês até a puberdade predominam a S.
epidermidis, Streptococcus spp e E. coli e o pH vaginal passa para cerca de 7. No
período entre a puberdade e a menopausa por ação do estrogénio, segrega-se no trato
reprodutivo feminino glicogénio que altera o microbioma e os membros do microbioma
vaginal nesta fase são dos géneros Lactobacillus, Corynebacterium, Staphylococcus,
Streptococcus e Bacteroides, sendo que as bactérias do género Lactobacillus
correspondem a 90% da composição do microbioma vaginal, alcançando níveis 107 a
108 bactérias por grama de fluido vaginal e o pH do trato vaginal decresce e estabiliza a
5 (Schwebke, et al., 1999; Linhares et al., 2010).
Após a menopausa, com a diminuição da produção de estrogénio e da secreção de
glicogénio o pH vaginal sobe para cerca de 7 e a composição do microbioma retoma à
da pré-puberdade. Apesar da vagina e do cérvix serem intensamente colonizados por
bactérias, o útero e as trompas de Falópio não apresentam uma população significativa.
Relativamente ao útero este poderá ser completamente esterilizado ou não, uma vez que
o tampão de muco impede que as bactérias ascendam do cérvix para o útero e às
trompas de Falópio. No entanto, situações como um aborto, trabalho de parto
prolongado podem aumentar a incidência de infeções do útero e das trompas de Falópio
(Schwebke, et al., 1999; Linhares et al., 2010).
2.8.1. Efeito protetor do microbioma do trato vaginal
Alguns estudos sugerem que o microbioma bacteriano do trato vaginal diminui a
probabilidade de certos agentes patogénicos como as bactérias, os protozoários
parasitas, as leveduras como a Candida albicans ou vírus colonizem o trato vaginal.
O Microbioma Humano
28
As linhagens de Lactobacillus vaginais podem ser as responsáveis por inibir a
colonização da vagina por agentes patogénicos causadores de doenças sexualmente
transmissíveis, tais como, a Neisseria gonorrhoeae, a Trichomonas vaginalis, a
Candida albicans e o HIV, ou por patogénicos causadores de infeções do trato urinário,
tais como Ureaplasma urealyticum e linhagens uropatogénicas de E. coli. Os
lactobacilos vaginais produzem ácido lático que mantém o pH das secreções vaginais
baixo o que desfavorece o crescimento de muitas bactérias. Simultaneamente competem
pelos recetores de aderência no epitélio vaginal, produzem substâncias antimicrobianas
como peróxido de hidrogênio e bactericidas, co-agregam-se com outras bactérias e
estimulam o sistema imune vaginal estimulando os mecanismos de defesa locais contra
bactérias não-residentes. Por outro lado, as bactérias do microbioma formam um
biofilme que evita o acesso dos agentes patogénicos à mucosa vaginal e ao cérvix
(Linhares et al., 2010).
Uma das propriedades mais importantes das linhagens de lactobacilos vaginais é a sua
capacidade de libertar peróxido de hidrogénio (H2O2) em quantidades que permitem que
este funcione como antimicrobiano podendo inibir a propagação de vírus e o
crescimento de bactérias e fungos, nomeadamente, o vírus HIV, as bactérias E. coli,
Gardnerella vaginalis, Chlamydia trachomatis e Ureaplasma urealyticum e a levedura
Candida albicans (Sobel, 1999).
3. O microbioma e o sistema imunológico
Ao longo dos tempos, o sistema imunitário tem-se adaptado e co-evoluído de forma a
viver e controlar a população de microrganismos. É geralmente aceite que a principal
função do sistema imunitário é proteção do hospedeiro contra as invasões microbianas e
as lesões por reações adversas. Similarmente os microrganismos não patogénicos
necessitam de proteção contra microrganismos competitivos e contra a própria resposta
imune do hospedeiro. A mucosa intestinal participa ativamente no processo de
reconhecimento do microbioma, funcionando como uma barreira física que impede a
invasão dos microrganismos e mantém a integridade do microbioma no lúmen
intestinal. Esta mucosa sintetiza substâncias, nomeadamente, peptídeos antimicrobianos,
defensinas, imunoglobulina A e muco que inibem o crescimento de bactérias
O Microbioma Humano
29
indesejáveis e, controlam a resposta contra os microrganismos do microbioma
permitindo com que estes colonizem o trato gastrointestinal (Backhed et al., 2005;
Chung e Kasper, 2010; Hooper e Macpherson, 2010). Contudo, o facto de o organismo
humano ser constituído por uma densa e complexa população de microrganismos, torna
difícil para o sistema imunológico reconhecer e lidar com os microrganismos
comensais, mutualistas e mesmo os agentes patogénicos oportunistas. Neste contexto, as
células epiteliais são fundamentais para a manutenção da integridade epitelial e na
comunicação com o sistema imune. Alguns dos mecanismos de comunicação são
mediados por meio do reconhecimento de sinais provenientes das bactérias, como, os
componentes da parede celular e os segmentos de DNA ou os metabólitos que são
reconhecidos por uma variedade de pattern-recognition receptors (PRRs) expressos
tanto nas células mieloides, quanto nas células epiteliais (Pull et al., 2005; Rakoff-
Nahoum et al., 2004; Rimoldi et al., 2005).
Estes recetores, tais como, TLRs, NOD-like receptors (NLRs) e mesmo os GPCRs estão
relacionados com o reconhecimento dos microrganismos (PAMPs), os danos do
hospedeiro (DAMPs) e são essenciais para a regeneração e reparação do tecido do
intestino (Lavelle et al., 2010). A sinalização por meio destes recetores pode
desencadear uma resposta inflamatória fisiológica que favorece a proliferação de células
progenitoras e a sobrevivência das células epiteliais contribuindo para a integridade
intestinal (Salch e Trinchieri, 2011). Quando estes mecanismos falham ocorre uma
resposta não controlada desencadeando-se um processo inflamatório inadequado (Figura
12). Nos indivíduos saudáveis, o estado de equilíbrio mantem-se, permitindo que
bactérias não patogénicas vivam no intestino com uma resposta imune controlada. No
entanto, quando a barreira epitelial é comprometida, as bactérias comensais invadem a
mucosa interagindo com os macrófagos, as células dendríticas e os neutrófilos por via
da ativação de recetores da imunidade inata tais quais como os TLRs e os NLRs A
ativação desses recetores induz a produção de citosinas pro-inflamatórias recrutando
mais células inflamatórias e desencadeando o desenvolvimento da doença inflamatória
intestinal (IBD) (Fava e Danese, 2011).
Nos estudos de colite induzida por Sulfato de sódio dextrano (DSS) verificou-se que
este composto apresenta um efeito citotóxico sobre os enterócitos produzindo a lesão da
O Microbioma Humano
30
barreira epitelial e permitindo a translocação bacteriana (Dieleman et al., 1994). Vários
estudos utilizando o modelo de colite ulcerativa induzida por sulfato de sódio dextrano
têm evidenciado a importância dos TLRs (Rakoff-Nahoum et al., 2004), dos NLPRs
(Nlrp3, Nlpr6) incluindo as moléculas do inflamassoma (caspase-1, L-18-IL-18R e
MyD88), na proteção da colite e na reparação do tecidual do intestino lesionado
(Dupaul-Chicoine et al., 2010; Elinav et al., 2011; Zaki et al., 2011). Estes estudos
demonstraram a importância do reconhecimento microbiano pelo sistema imune na
hemóstase intestinal, uma vez que a depleção do microbioma intestinal por meio de
antibióticos e subsequente indução de colite por DSS aumenta as lesões do tecido do
intestino (Maslowski et al., 2009; Saleh e Trinchieri, 2011).
Figura 12. Interação microbioma/hospedeiro na hemostase intestinal e no
desenvolvimento de IBD (Zaki et al., 2011).
Os mecanismos pelos quais se induz a resposta inflamatória para uma determinada
doença são diferentes, contudo, a progressão da doença é mediada por mecanismos
similares através das células da imunidade inata, nomeadamente, os neutrófilos
polimorfonucleares que são recrutados e se acumulam no tecido lesado.
Consequentemente são libertadas grandes quantidades de mediadores inflamatórios,
espécies reativas de oxigénio, metaloproteinases e citosinas pro-inflamatórias que
podem causar a degradação da matriz extracelular e aumentar a resposta inflamatória.
O Microbioma Humano
31
Neste sentido, o processo de resposta inflamatória é fundamental uma vez que a fase da
resolução (apoptose do neutrófilo e fagocitose por macrófagos, libertação de
mediadores anti-inflamatórios) promove a homeostasia tecidual (Figura 13) (Maloy e
Powrie, 2011; Tanouc et al., 2010).
Figura 13. Fases do processo inflamatório. Na primeira fase sinais de alerta estimulam
a liberação de citosinas e quimosinas e recrutamento de células inflamatórias. Na
segunda, neutrófilos e monócitos são recrutados. A partir da terceira e da quarta fase, as
células inflamatórias entram em processo apoptótico e de libertação de mediadores pró-
resolutivos impedindo que os neutrófilos continuem a infiltrar-se, retomando ao estado
de repouso. (Soehnlein e Lindbom, 2010).
A regulação da resposta imunológica contra as infeções é fundamental, pois uma
resposta exacerbada pode conduzir a uma inflamação crónica originando várias
doenças, inclusive, as autoimunes, como doença de Crohn (Maloy e Powrie, 2011;
Tanouc et al., 2010).
O Microbioma Humano
32
Dos diversos mediadores inflamatórios, as citosinas tem um papel essencial na
hemóstase intestinal, se por um lado as citosinas pro-inflamatórias, tais quais, IFN-, IL-
17, IL-1, IL-6, IL-18 e TNF- estimulam a eliminação dos microrganismos invasores,
a proliferação e a sobrevivência das células epiteliais, as citosinas anti-inflamatórias IL-
10 e TGF-, diminuem a área da inflamação e favorecem a produção e secreção de
imunoglobulina A, que é fundamental na imunidade da mucosa (Macpherson et al.,
2000; Peterson et al., 2007).
O microbioma, nomeadamente, as bactérias comensais regulam a produção dos
mediadores anteriormente referidos, ou seja, espécies comensais de Clostridum induzem
a produção de TGF-, promovendo a acumulação de células Treg no cólon e,
consequentemente a resistência à colite (Atarashi et al., 2011).
A simbiose entre o microbioma e o hospedeiro resulta de múltiplas relações, incluindo
mutualismo, parasitismo e comensalismo. A capacidade de um determinado
microrganismo, incluindo os que compõem o microbioma, para provocar ou promover a
doença é altamente contextual, e alguns microrganismos podem passar de mutualistas
para comensais de acordo com o estado de saúde do hospedeiro, a coinfecção, ou a
localização. Ou seja, os microrganismos comensais podem controlar microrganismos
com potencial patogénico, através de mecanismos distintos. Os microrganismos
comensais podem competir pelos nutrientes e produzir moléculas de antimicrobianas e
metabolitos que afetam a sobrevivência e virulência dos microrganismos peptógenos.
Por conseguinte, podem promover a produção de peptídeos antimicrobianos pelas
células epiteliais e reforçar junções apertadas. Finalmente, os microrganismos
comensais podem modular as funções das células dendríticas e outras células do sistema
inato induzindo a ação das células T e B contra os agentes patogénicos (Figura 14).
Alguns estudos sugerem a participação de células T CD4+, incluindo Th1, Th17 e as
Foxp-3+ T reguladoras (Treg), como sendo fundamentais para a homeostasia intestinal
na presença de bactérias comensais (Figura 15) (Barnes e Powrie, 2009). Por exemplo,
as células Th17, e as Th1, estão presentes quando da existência do microbioma,
contudo, estão ausentes em animais germ free (isentos de microorganismo) (Ivanov et
al., 2009).
O Microbioma Humano
33
Figura 14. Promoção da imunidade pelo microbioma (Belkaid e Hand, 2014).
Figura 15. Ação do microbioma na imunidade adaptativa do hospedeiro. A Francicella
prustnitz (FP), algumas estirpes de Bifidobacterium (BF) induzem Treg. As bactérias
filamentosas segmentadas (SFB) favorecem a resposta por Th17 enquanto a Citrobacter
rodentium (CR) induz a resposta por Th1 (Stephani et al., 2011).
O Microbioma Humano
34
Estudos com animais monocolonizados demonstram que determinadas espécies de
bactérias filamentosas segmentadas (SFB) são importantes indutoras de células Th17
intestinais que participam na proteção das células epiteliais das invasões microbianas
(Gaboriau-Routhiau et al., 2009; Ivanov et al., 2008). Também, os componentes
microbianos isolados, como por exemplo, o polissacarídeo A (PSA) de Bacteroides
fragilis estimula o sistema imune suprimindo a produção de IL-17 e promovendo a
produção de IL-10 pelas células CD4+ (Mazmanian et al., 2008; Round e Mazmanian,
2010). Nos últimos anos, as pesquisas centradas no papel do microbioma têm destacado
a importância deste nas respostas imunes sistêmicas. Apesar do microbioma estar
focalizado no lúmen do intestino este poderá afetar a imunidade periférica. Os estudos
com animais germ free sugerem que o microbioma influencia a atividade das células
imunes periféricas. Muitas doenças inflamatórias são mais agressivas nos animais germ
free que nos animais com microbioma (Chervonsky, 2010; Chinen et al., 2010).
Contudo, algumas doenças não se manifestaram nos animais germ free e este fenótipo
caracteriza o microbioma como patogénico e estimulador da progressão dessas doenças.
Porém alguns estudos sugerem que estes fenótipos de animais germ free estão
associados à deficiência destes animais em desenvolver uma resposta imune adaptativa
resultante de defeitos na sua imunidade inata e não pela ausência da microbioma em si
(Amaral et al., 2008; Souza et al., 2004; Chervonsky, 2010).
Um outro estudo demonstrou que o peptidoglicano (PTGN) derivado do microbioma
pode modular a resposta imune periférica (Clarke et al., 2010). Estes PTGN, presentes
predominantemente em bactérias de Gram-negativo, via sinalização de Nod-1 entram na
circulação sanguínea e tornam os neutrófilos mais eficientes na eliminação das bactérias
tais como: a Streptococcus pneumoniae e a Staphylococcus aureus. Outro fator
importante na regulação do sistema imune derivado do microbioma é o polissacarídeo A
(PSA) de Bacteroides fragilis, uma espécie anaeróbica abundante no intestino dos
mamíferos, expressa diferentes cápsulas de polissacarídeos capazes de induzir linfócitos
T (Liu et al., 2008). O PSA purificado, quando administrado oralmente ou por injeção
intraperitoneal, induz efeitos positivos na células T e na microarquitectura do baço,
além de aumentar a expressão de MHC II em células dendríticas. Além disso,
demonstrou-se que animais germ free são mais suscetíveis à infeção pulmonar induzida
por Klebsiela pneumoniae; todavia, quando previamente injetados com
O Microbioma Humano
35
lipopolissacarídeo (LPS) estes polissacarídeos protegem os animais germ free da
infeção (Fagundes et al., 2011).
A relação entre microbioma e o sistema imune do hospedeiro é complexa/dinâmica e
repleta de benefícios mútuos, sendo importante salientar que muitos desses benefícios
não se restringem apenas ao intestino, mas sim, a todo o hospedeiro.
4. Estratégias de estudo do microbioma
O estudo do microbioma é interdisciplinar e translacional e requer a simbiose entre as
áreas da biologia molecular, da genética, da fisiologia celular, da imunologia e da
ecologia. A ecologia desenvolveu ferramentas metodológicas e computacionais que
permitem compreender as estruturas comunitárias: a diversidade, composição e
abundância relativa de espécies. Estes estudos precisam ir além das abordagens
estatísticas habituais e devem incorporar modelos matemáticos dinâmicos com sistemas
de feedback, que são comuns na ecologia e o clássico modelo “um patogénico uma
doença” é limitado para compreender estas interações entre o hóspede e o hospedeiro
(Foxman, e Goldberg, 2010; Rhee, 2011).
As duas abordagens principais no estudo da diversidade microbiana incluem as análises
dependentes e independentes de cultura que são consideradas complementares na
caraterização da diversidade. Atualmente apenas 1% dos microrganismos é detetado por
meio de cultura em placas em condições seletivas (Torsvik et al., 1990; Torsvik et al.,
2002; Whitman et al., 1998). Assim sendo, a análise independente de cultura é a
responsável pela caraterização do maior número de espécies não cultivadas (Schloss e
Handelsman, 2004).
4.1. Métodos dependentes de cultura
As técnicas de cultura tradicionais desenvolvidas por Pasteur, Koch, Beijerinck e
Winogradsky em 1885 foram muito utilizadas durante o século passado e mostraram-se
eficientes perante a inexistência de metodologias alternativas para o estudo da
diversidade microbiana. Os métodos tradicionais de análise da diversidade de bactérias
O Microbioma Humano
36
envolvem a caracterização de culturas puras isoladas em laboratório. O isolamento em
meio de cultura necessita de um meio cuja composição satisfaça as necessidades
metabólicas dos microrganismos. A preparação dos meios de cultura é uma das
principais dificuldades para o estudo de diversidade microbiana, uma vez que a
diversidade metabólica dos procariontes é diversa. Assim sendo, é fundamental adequar
as condições de cultura para conseguir detetar organismos inicialmente não cultivados e
que são abundantes no ambiente (Torsvik et al., 1990).
Um exemplo da interdependência é o caso das Archaeas metanogénicas, cujo principal
nicho ecológico é o cólon distal (Conway de Macario e Macario, 2009; Levitt et al.,
2006). Estas bactérias só poderam ser analisadas por meio de cultura após o
desenvolvimento dos métodos baseados em elevadas pressões atmosféricas (2 bar) de
H2/CO2. Os avanços técnicos deste tipo também possibilitaram o crescimento de
bactérias acetogénicas in vitro (Doré, 2006). Porém a necessidade de meios de cultura
específicos para realizar análise sistemática das espécies subestimou a existência de
diversas populações, fenômeno conhecido como counting error. Facto este confirmado
pela percentagem de microbioma fecal cultivável in vitro ao longo dos anos, nos anos
60 considerava-se que 99% do microbioma era cultivável, nos anos 70 reduziu para
94% e nos anos 90 apenas 30% (Doré, 2006; Zubrzycki e Spaulding, 1962).
Com todas estas limitações, os métodos baseados em cultura in vitro acrescentaram, ao
longo de cinquenta anos informações fundamentais relativamente ao ecossistema e
apesar do desenvolvimento dos modernos sistemas filogenéticos baseados em biologia
molecular, pelo International Systematics Committee, os métodos de cultura
permanecem como o padrão fundamental para identificar e descrever formalmente as
novas espécies (Doré, 2006).
Devido à elevada complexidade na interação entre o microbioma e o hospedeiro, os
métodos de cultura possibilitam o estudo de aspetos que vão além da identificação,
quantificação e taxonomia das técnicas moleculares, estes permitem inferir acerca da
capacidade de sobrevivência dos microrganismos em ambientes específicos, como a
aderência às células intestinais de acordo com o pH, ou as interações da microflora com
O Microbioma Humano
37
infeções entéricas e extra-digestivas (Conway, et al., 1987; Monreal, et al., 2005;
Sannasiddappa. et al., 2011).
4.2. Métodos independentes de cultura
Como já foi referido, a diversidade do microbioma identificado pelos meios de cultura
representa apenas uma pequena quantidade da sua diversidade genética. As análises
independentes de cultura permitem ter acesso a uma maior diversidade da comunidade
microbiana de uma amostra (Handelsman, 2004). As técnicas moleculares têm-se
mostrado bastante eficientes na identificação e caracterização de taxa presentes nas
comunidades. Atualmente, as técnicas de sequenciamento são amplamente aplicadas ao
estudo da diversidade microbiana. O desenvolvimento e aprimoramento dos
sequenciadores permitiram o sequenciamento massivo de amostras, os sequenciadores
de primeira geração, através do sequenciamento de bibliotecas de clones e os de
segunda, terceira e quarta geração por evitarem a distorção inerente à construção das
bibliotecas. Com estas metodologias foi possível o estudo das populações microbianas a
partir de amostras ambientais (Handelsman, 2004).
4.2.1. Metagenómica
O termo metagenómica descrito pela primeira vez por Jo Handelsman, da Universidade
de Wisconsin (EUA), refere-se às metodologias independente de cultura e baseadas na
investigação das moléculas de DNA de uma mistura de populações microbianas, ou
seja, na análise genómica do DNA microbiano extraído diretamente das amostras
(Handelsman et al., 1998). O prefixo grego meta significa transcendente, ou seja
significa que esta abordagem vai para além das análises genómicas aplicadas em
microrganismos cultivados. O estudo da diversidade de comunidades microbianas
sofreu uma revolução com o estabelecimento da metagenómica e os investigadores
poderam ter acesso ao genoma de uma maior variedade de microrganismos que não
podiam ser isolados em meio de cultura em laboratório. A metagenómica representa um
conjunto de técnicas, que inclui muitas abordagens e métodos relacionados à genómica
como a sequenciação. Neste sentido, a metagenómica permitiu colmatar as dificuldades
dos meios de cultura e aumentar a capacidade de análise da diversidade microbiana
O Microbioma Humano
38
(Handelsman, 2005). Por outo lado, a metagenómica procura compreender a biologia a
nível de comunidades para além do organismo individual focando-se nos genes e nos
seus efeitos na própria comunidade. Com a metagenómica houve necessidade de
desenvolver métodos computacionais que maximizem a capacidade de compreender a
composição genética e as atividades de comunidades por vezes tão complexas que só
podem ser avaliadas por amostragem, e nunca completamente caracterizadas tornando-
se desta forma uma importante ferramenta para o estudo do microbioma (Research
Council (U.S.), 2007).
Em linhas gerais, as análises metagenómicas utilizando técnicas de sequenciação de
primeira geração consistem no isolamento de DNA proveniente de uma amostra,
fragmentação e clonagem desse DNA em um vetor adequado, inserção dos clones em
um hospedeiro bacteriano, e screening das células transformadas. Os clones podem ser
avaliados quanto à presença de marcadores filogenéticos (conhecidos como âncoras),
tais como o próprio gene rRNA 16S ou o gene recA, ou de outros genes conservados.
Também podem ser testados quanto à expressão de fenótipos ou características
específicas, tais como atividades enzimáticas ou a produção de antibióticos. Por fim,
outra possibilidade é a sequenciação aleatória de clones em bibliotecas de base de dados
(Handelsman, 2004). Na Figura 16, apresenta-se o organograma clássico em projetos de
metagenómica.
Assim sendo, as duas estratégias comummente utilizadas na descoberta de alvos
funcionais presentes em bibliotecas metagenómicas podem dividir os estudos nos
seguintes tipos de abordagens: os screenings baseados em análise funcional e os
screenings baseados em sequenciação (Figura 17).
Por outro lado, os avanços na bioinformática têm sido determinantes para a
metagenómica pois permitem o processamento e análise da extremamente vasta
quantidade de dados gerada pelas técnicas de sequenciamento de segunda, terceira e
quarta geração.
O Microbioma Humano
39
Figura 16. Organograma das diferentes etapas de um projeto em
metagenómica.(Adaptado de Research Council (US), 2007).
Figura 17. Modelo esquemático de um estudo com abordagem metagenómica
(Adaptado de Handelsman, 2004).
O Microbioma Humano
40
4.2.2. Análise funcional
A metagenómica baseada em análise funcional oferece a possibilidade de localizar e
caracterizar uma ampla variedade de enzimas e proteínas a partir de amostras
ambientais. A deteção destas moléculas permite uma triagem funcional que necessita da
expressão heteróloga dos genes seguida da sequenciação dos fragmentos isolados. As
linhagens de E. coli são amplamente utilizadas neste tipo de abordagem uma vez que o
conhecimento existente acerca da fisiologia e do genoma desta espécie é grande. Os
estudos de Daniel (Daniel, 2004) permitiram obter um conjunto alargado de moléculas
bioativas tais como: a agarase, a lípase, a amilase, a protéase, através triagem funcional
em bibliotecas metagenómicas. A frequência de clones que são capazes de expressar
uma atividade, de maneira geral é baixa e a dificuldade para aumentar a eficiência na
identificação de clones raros em bibliotecas continua a ser elevada. Em alguns casos é
necessário analisar uma biblioteca com aproximadamente 1 milhão de genes o que
implica um trabalho moroso. Poder-se-á realizar uma triagem prévia utilizando meios
indicadores da atividade, onde os clones ativos possam ser facilmente identificados. A
descoberta, da expressão e da caracterização de um novo antimicrobiano, a partir de
DNA metagenómico, foi o primeiro exemplo da utilização com sucesso da
metagenómica para a descoberta de novas moléculas e atividades (Gillespie et al.,
2002). O antibiótico turbomicina foi isolado através da expressão heteróloga do DNA
extraído diretamente do solo por 25.000 clones de uma biblioteca metagenómica de
microrganismos para obter 3 clones apresentando níveis detetáveis de atividade
antimicrobiana. Este trabalho representou uma mudança no paradigma na procura de
novas moléculas bioativas. A utilização de sistemas de clonagem permite a separação e
amplificação individual de fragmentos de DNA clonados, a partir de uma mistura de
genes frequentemente desconhecidos e heterogêneos, oriunda de microrganismos.
Existe uma grande variedade de sistemas de clonagem disponíveis para acomodar
diferentes tipos e tamanhos de fragmentos de DNA em linhagens hospedeiras. Os
plasmídeos são utilizados para inserção de fragmentos pequenos (< 10kb), assim como
os bacteriófagos (7-10kb), tendo grande aplicação na construção de bibliotecas de
fragmentos de genes ou genes específicos (Henne et al., 1999; Knietsch et al., 2003).
Contudo, estes vetores não permitem a deteção de clusters genéticos nem operões,
O Microbioma Humano
41
utilizando-se nestes casos cosmídeos (25-35kb) e fosmídeos (até 40 kb) (Handelsman,
2004).
A utilização de promotores génicos permite o controlo da expressão de um gene em
condições controladas. O desenvolvimento de novas tecnologias que promovam a
expressão e identificação eficiente de clones representará um grande avanço na
genómica funcional.
4.2.3. Análise baseada em sequências
A reação em cadeia da polimerase (PCR- Polymerase Chain Reaction) permitiu o
rápido desenvolvimento do estudo de sequências de ácidos nucleicos (Molina e Tobo,
2011). O PCRé uma técnica de biologia molecular que consiste na síntese enzimática de
cópias de ácidos nucleicos, e que promove, por meio de etapas de variação de
temperatura, a duplicação de cadeias de DNA in vitro. A reação de amplificação de
DNA por PCR envolve a utilização dos quatro nucleotídeos do DNA, sequências
iniciadoras, os primers, e uma enzima DNA polimerase termoestável (Figura 18).
Assim, é possível obter milhares de milhões de cópias de uma sequência específica de
ácido nucleico, a partir de uma cadeia molde. Esta reação permite a amplificação de
qualquer sequência de DNA de uma amostra de material biológico como o sangue, a
urina, outros fluidos corporais, o cabelo e fragmentos teciduais (Costa, 2010).
Com a introdução da técnica de PCR, observou-se um grande desenvolvimento nas
técnicas de genética molecular que revolucionaram a prática da patologia, da anatomia e
das análises clínicas (Costa, 2010).
Os estudos de genética molecular têm sido cada vez mais utilizados nos diagnósticos,
nas análises patológicas e, mais recentemente, na identificação do microbioma humano
e animal (Molina e Tobo, 2011).
A aplicação de primers (iniciadores) universais para amplificação direta de sequências
do rRNA 16S, através de PCR do DNA total de uma comunidade microbiana
combinada com tecnologias de clonagem e sequenciação permitiu obter uma quantidade
O Microbioma Humano
42
de dados sobre a diversidade de procariotas (Woese e Fox, 1977). A sequenciação do
gene rRNA 16S permitiu identificar células, mesmo em pequenas quantidades e obter
informações acerca da composição taxonómica da comunidade. Assim, a construção de
bibliotecas genómicas de rRNA 16S representaram uma ferramenta para a análise da
diversidade molecular de comunidades de microrganismos.
Figura 18. Esquema geral para uma análise por PCR.
(http://scienceblogs.com.br/synbiobrasil/files/2014/02/pcr.jpg)
O Microbioma Humano
43
O conjunto de clones bem como a análise de suas frequências dentro de uma biblioteca
pode representar de maneira geral, uma correlação com as unidades taxonómicas
predominantes (Janssen, 2006; Nogales et al., 2001). Schloss em 2004 avaliou a
diversidade taxonómica de diversos procariotas a partir de 56.215 sequências curadas do
gene rRNA 16S depositadas no banco de dados de genes ribossómicos RDP (Ribosomal
Database Project) tendo sido identificados mais de 50 filos, dos quais cerca de 50% não
eram passiveis de serem cultivados (Schloss e Handelsman, 2004).
Por outro lado, a abordagem metagenómica tem permitido a identificação de taxa de
frequência reduzida (Elshahed et al., 2008).
A metagenómica comparativa possibilita a determinação de habitats preferidos pelos
taxa microbianos de diferentes ecossistemas. A comparação em diferentes escalas ajuda
a definir as especificidades dos ecossistemas. A análise quantitativa do conteúdo
genético dos diferentes habitats refletem as características específicas de uma amostra
ambiental. A composição taxonómica das comunidades ambientais é um indicador
importante da sua patogenicidade e função. Isto permite comparar a complexidade das
comunidades e distingui-las em função do conteúdo metabólico das sequências dos
metagenomas (von Mering et al., 2007). Desta forma, podemos correlacionar as
características ambientais dos microbiomas com os padrões de distribuição dos taxa
microbianos (Raes et al., 2011).
O ecossistema microbiano humano desempenha um papel fundamental na saúde
humana e também em relação às doenças desenvolvidas pelos hospedeiros. Cada
indivíduo pode ser visto como um ecossistema ocupado por comunidades microbianas
formadas pelos processos fundamentais da ecologia de comunidades: dispersão,
diversificação local, seleção ambiental, e deriva ecológica. A teoria das comunidades, e
a teoria da metacomunidade permite compreender a dinâmica ecológica do microbioma
humano. A aplicação criteriosa da teoria ecológica permitirá desenvolver estratégias que
visem restaurar e manter o microbioma, de forma a manter o estado de saúde e permitir
adaptar a prática clínica e os tratamentos de doenças infeciosas ou desordens
inflamatórias crónicas (Costello et al., 2012).
O Microbioma Humano
44
Com o Projeto Microbioma Humano iniciado no ano de 2008 (HMP) perspetiva-se
caracterizar as comunidades microbianas encontradas nas várias zonas do corpo
humano, incluindo passagens nasais, cavidade oral, pele, trato gastrointestinal e do trato
urogenital, e analisar o papel desses microrganismos na saúde humana e nas patologias.
Este projeto de vários anos envolve vários centros de investigação e gera recursos para
que a comunidade científica promova investigações relacionadas com o microbioma. O
resultado é um conjunto de amostras biológicas: 11.174 espécie que representam o
microbioma humano, bem como as amostras de sangue que estão a ser analisadas para
criar uma futura uma base de dados biológicos (HMP, 2012).
4.2.4. O Código de Barras de DNA (DNA Barcode)
Em 2003 foi proposto o Código de Barras de DNA, pelo investigador Paul Hebert da
Universidade de Guelph, em Ontário, Canadá, como forma de identificar espécies
conhecidas e descobrir novas espécies, utilizando variações em sequências curtas (800
pares de bases) de DNA. Assim, cada espécie estudada por Hebert e colaboradores
apresentou uma sequência específica de DNA que em indivíduos da mesma espécie
eram idênticas ou muito semelhantes entre si em relação às sequências de outros
organismos. A análise de espécies do mesmo género revelou que a média da distância
máxima entre indivíduos da mesma espécie era de 0,29% e a média da distância mínima
entre espécies do mesmo género era de 7,05%. Por outro lado, a média geral de
distância máxima entre indivíduos da mesma espécie foi de 0,27%. Com estes
resultados os autores propuseram usar uma divergência mínima de 2,7% (10 vezes
maior do que a distância máxima intraespecífica) para diferenciar potenciais espécies
(Hebert et al., 2003).
Assim, o código de barras de DNA, também conhecido como DNA barcode, consiste
na identificação de organismos, possibilitando o diagnóstico de espécies com base em
pequenas sequências de DNA (Figura 19). Este método é relativamente rápido, fiável e
de baixo custo, e permite identificar os organismos de forma objetiva e rigorosa, em
diferentes estágios do seu desenvolvimento, na presença ou ausência de estruturas
morfológicas distintivas mesmo quando os organismos se encontram fragmentados
(Hebert et al., 2003).
O Microbioma Humano
45
Figura 19. Desenvolvimento do código de barras de DNA.
Neste sentido, o código de barras de DNA representa uma ferramenta extremamente
promissora para o diagnóstico da biodiversidade, bem como para os estudos na área da
biologia designadamente na área da ecologia, da biogeografia e da genética, permitido
igualmente ser aplicada em diversas atividades socioeconómicas como, por exemplo:
monitorização de espécies invasoras; fiscalização da atividade pesqueira e avaliação de
stocks; prevenção de doenças e mesmo na investigação do microbioma humano
(Parente, 2012).
Para os organismos animais, foi proposto como código de barras a região de um gene
mitocondrial denominado de Citocromo c Oxidase Subunidade I (COI). A utilização do
gene mitocondrial baseou-se nas propriedades apresentadas pelo genoma mitocondrial
nomeadamente: ser amplamente distribuído entre os animais, apresentar um grande
número de cópias por célula, apresentar uma taxa de mutação diferente entre espécies,
não sofrer recombinação, ter uma herança predominantemente materna além de possuir
baixo polimorfismo ancestral. Para as plantas não há consenso na escolha de uma região
específica para representar o DNA Barcode e o DNA mitocondrial, não pode ser
utilizado em plantas uma vez que o genoma mitocondrial vegetal apresenta uma baixa
variação nas sequências, para ser utilizado como código de barras. De acordo com
alguns autores, os genes ou as regiões do genoma específico dos plastídios na região
nuclear ITS, poderá ser um dos candidatos mais promissores para o DNA Barcode das
plantas (Chase, 2005).
O Microbioma Humano
46
Para os fungos e de acordo com os estudos da diversidade de fungos endofíticos
isolados de plantas através da análise filogenética de sequências de rDNA nas regiões
ITS1-5,8S-ITS2 realizados por Rhoden e colaboradores estes autores propõe a
utilização desta região como o código de barras dos fungos endofíticos (Rhoden, et al.,
2013).
Em suma, a utilização da técnica do DNA Barcode em estudos do microbioma permitirá
propor novas formas de investigação e identificação de um maior número de
microrganismos de forma ainda mais precisa, aumentando assim, a eficiência no
tratamento de certas patologias e corroborar os estudos do microbioma animal humano.
4.2.5. Desafio computacional
Os estudos em metagenómica são ricos em dados, quer em quantidade quer em
complexidade. Após duas décadas de experiência e análise de dados das sequências de
DNA baseados no estudo de genomas de organismos cultivados, os biólogos têm que
trabalhar com uma grande quantidade de dados gerados pela abordagem metagenómica.
As novas tecnologias de sequenciação permitem aumentar substancialmente a
transferência de dados e representam novos desafios específicos de plataformas de
armazenamento de dados. O armazenamento das sequências geradas pelos projetos
atuais que utilizam abordagem metagenómica será um desafio para os bancos de dados
(GenBank, EMBL-Bank, DDBJ e outros). Paralelamente ao desafio de arquivamento é
necessário desenvolver novos bancos de dados para que os dados possam ser utilizados
de forma mais eficaz. A análise de sequências metagenómicas exige programas
computacionais robustos, eficientes e especializados, como, por exemplo, programas
para o agrupamento de sequências ou para análise de séries temporais e os dados
metagenómicos devem ser integrados com dados de diferentes projetos, tais como dados
do Projeto Microbioma Humano (Sun et al., 2011).
O Microbioma Humano
47
5. Conclusão
Falar em biodiversidade, na maioria das vezes é falar das plantas e animais que habitam
nos diferentes ecossistemas do nosso planeta, esquecendo-nos que o nosso organismo e
o organismo das outras espécies de animais estão colonizados por uma complexa e
diversa população de microrganismos. O conjunto destes microrganismos incluem as
bactérias, fungos, vírus e protozoários, e no organismo humano designa-se de
microbioma humano.
Apesar do microbioma ser uma parte importante do nosso organismo, este era uma das
grandes incógnitas para a biologia. Até há pouco tempo não tinha sido estudado
intensivamente e a sua influência sobre a fisiologia e funções do nosso organismo
permanecia desconhecida.
A microbiologia tradicional baseava o estudo de microrganismos como espécies
isoladas. No entanto, a maioria dos microrganismos no nosso organismo não pode
considerado um sistema isolado uma vez que o seu crescimento é sujeito a um
microambiente muito específico que na maioria das vezes não pode ser reproduzido em
condições de laboratório. Com a análise metagenómica baseado na mais recente
tecnologia de sequenciação de DNA permitiu a análise de populações inteiras de
microrganismos sem isolar cada um separadamente. A análise metagenómica em vez de
estudar separadamente o genoma de cada um dos microrganismos de uma população,
analisa o genoma de todos os organismos de uma população. A metagenómica também
permite estudar a resposta de uma comunidade de microrganismos a determinados
fatores externos e verificar como todo o genoma de uma comunidade responde a
diferentes estímulos e mudanças.
Os estudos atuais revelaram que estas comunidades microbianas e seus genes do corpo
humano apresentam papéis fundamentais na saúde humana. O Consórcio Projeto
Microbioma Humano, financiando pelo National Institutes of Health (NIH) o,
desenvolveu protocolos metagenómicos que resultaram em métodos padronizados para
a criação, processamento e interpretação de diferentes tipos de dados metagenómicos de
O Microbioma Humano
48
alto rendimento, resultando num banco de espécimes do microbioma humano,
considerado de valor inestimável.
Diversos projetos têm sido financiados com o objetivo principal de demonstrar o papel
do microbioma humano nas patologias e na saúde. Estes projetos têm permitido grandes
avanços no Projeto Microbioma Humano, pois desenvolvem ferramentas e tecnologias
para a otimização e padronização de protocolos, com o fim de se examinar a relação
entre as mudanças no microbioma humano com o aparecimento de determinadas
patologias.
A identificação do microbioma Humano e a melhor compreensão da complexa interação
dos microrganismos, principalmente bactérias, e o homem e a interação dos
microrganismos benéficos com os patogénicos poderá, num futuro, promover benefícios
para a população humana. Assim, é factível o desenvolvimento e a adoção de novas
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