O Livro - Papel Pardo de Henrique Monteiro

1
Um andarilho no labirinto das leituras Quando me foi dada a oportunidade de escrever algumas linhas no Horizonte, dei comigo a meditar no contributo que podia dar para alimentar este jornal que fez no passado mês de Abril, um quarto de século. Num mundo cada vez mais globalizado, onde a informação circula digitalmente à velocidade da luz e nos mais diversos suportes, acessível a qualquer momento, qual o papel dos jornais locais? Ao ler alguns dos números do Horizonte e ao consultar a tabela dos assinantes, verifiquei que dela constam não só os residentes na região, mas também portugueses na diáspora, que certamente sorvem cada notícia, com a intensidade da saudade. Sendo eu também fruto dessa inevitável e eterna partida na busca do sustento além fronteiras, como luso-descendente, sempre procurei estruturar a minha identidade cultural, indo beber às minhas raízes beirãs, todo um conjunto de referências genuínas. Essas gentes que teimam em enraizar-se nas terras mais inóspitas, guardam nas suas histórias, linguajar, gastronomia e cantares, o sentimento de preservar as coisas belas legadas pelos seus antepassados. Essa preservação tanto está num pedaço de madeira talhado pelas mãos rudes de um pastor, na melodia do seu pífaro, nas suas rimas populares, nas suas canções, assim como nos seus adágios. Porém, os “ citadinos urbanos “ sempre criaram e expressaram as suas ideias, desvalorizando socialmente e culturalmente estes traços da cultura popular portuguesa. Contudo, as tendências do turismo cultural e de lazer, passam cada vez mais pelo mundo rural, pela sua riqueza patrimonial e equilíbrio com a natureza. Essa proximidade tem permitido a divulgação desse património imaterial, nas revistas de lazer, roteiros turísticos e na literatura contemporânea portuguesa. O grande público, esse confrontado com tudo isto, torna-se a semente que fará germinar a genuína transformação social, onde a cultura deverá ser a seiva que alimenta a coesão e a fraternidade entre o secular povo português. As minhas andanças de docente já me levaram a muitos lugares, porém tive a grande felicidade de conviver com as gentes do Alto Paiva e Terras do Demo, povoadas de personagens Aquilinianas, onde a rudeza da paisagem contrasta com a simplicidade e hospitalidade das gentes. Quando nos princípios deste século, li o livro “ Papel Pardo” do jornalista do Expresso e romancista Henrique Monteiro, também ele ligado às Terras do Demo, em cada página reconheci a genuína linguagem das personagens, a descrição pormenorizada dos lugares, o sabor do vinho e o cheiro da gastronomia tradicional desta região. Este romance alimenta-se da história conturbada do século XX, desde a 1ª República à Revolução de Abril, sendo de fácil leitura. Podemos encontrar nele personagens ficcionadas, mas bem reais para os dias que vivemos, cheias de sentimentos e angústias, à procura da sua identidade e lugar no mundo. Viseu, 4 de Maio de 2010 [email protected] Carlos Cruchinho

description

Papel Pardo

Transcript of O Livro - Papel Pardo de Henrique Monteiro

  • Um andarilho no labirinto das leituras

    Quando me foi dada a oportunidade de escrever algumas linhas no Horizonte, dei comigo a meditar no contributo que podia dar para alimentar este jornal que fez no passado ms de Abril, um quarto de sculo. Num mundo cada vez mais globalizado, onde a informao circula digitalmente velocidade da luz e nos mais diversos suportes, acessvel a qualquer momento, qual o papel dos jornais locais? Ao ler alguns dos nmeros do Horizonte e ao consultar a tabela dos assinantes, verifiquei que dela constam no s os residentes na regio, mas tambm portugueses na dispora, que certamente sorvem cada notcia, com a intensidade da saudade. Sendo eu tambm fruto dessa inevitvel e eterna partida na busca do sustento alm fronteiras, como luso-descendente, sempre procurei estruturar a minha identidade cultural, indo beber s minhas razes beirs, todo um conjunto de referncias genunas. Essas gentes que teimam em enraizar-se nas terras mais inspitas, guardam nas suas histrias, linguajar, gastronomia e cantares, o sentimento de preservar as coisas belas legadas pelos seus antepassados.

    Essa preservao tanto est num pedao de madeira talhado pelas mos rudes de um pastor, na melodia do seu pfaro, nas suas rimas populares, nas suas canes, assim como nos seus adgios. Porm, os citadinos urbanos sempre criaram e expressaram as suas ideias, desvalorizando socialmente e culturalmente estes traos da cultura popular portuguesa. Contudo, as tendncias do turismo cultural e de lazer, passam cada vez mais pelo mundo rural, pela sua riqueza patrimonial e equilbrio com a natureza. Essa proximidade tem permitido a divulgao desse patrimnio imaterial, nas revistas de lazer, roteiros tursticos e na literatura contempornea portuguesa. O grande pblico, esse confrontado com tudo isto, torna-se a semente que far germinar a genuna transformao social, onde a cultura dever ser a seiva que alimenta a coeso e a fraternidade entre o secular povo portugus.

    As minhas andanas de docente j me levaram a muitos lugares, porm tive a grande felicidade de conviver com as gentes do Alto Paiva e Terras do Demo, povoadas de personagens Aquilinianas, onde a rudeza da paisagem contrasta com a simplicidade e hospitalidade das gentes. Quando nos princpios deste sculo, li o livro Papel Pardo do jornalista do Expresso e romancista Henrique Monteiro, tambm ele ligado s Terras do Demo, em cada pgina reconheci a genuna linguagem das personagens, a descrio pormenorizada dos lugares, o sabor do vinho e o cheiro da gastronomia tradicional desta regio. Este romance alimenta-se da histria conturbada do sculo XX, desde a 1 Repblica Revoluo de Abril, sendo de fcil leitura. Podemos

    encontrar nele personagens ficcionadas, mas bem reais para os dias que vivemos, cheias de sentimentos e angstias, procura da sua identidade e lugar no mundo.

    Viseu, 4 de Maio de 2010

    [email protected]

    Carlos Cruchinho