O livro branco da poesia

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O livro branco da poesia

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Poemas em branco

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O livro branco da poesia

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O livro branco da poesia

D i a s C ã e s

Por Inês Ruim

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4 Foram pássaros

5 A menina do cabelo de azeviche

6 Poema dos falhados

7 Oração aos que fodem

8 Albus Albus

9 Queria ser sábia

11 Pelo mar adentro

12 As palavras que não se leem

13 Desiste de ti mais uma vez

15 Culpa de um não-amor

16 O mar

17 O beijo que não me deste

18 O breu

20 Um dia fomos um

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Foram pássaros

Foram pássaros os homens que não amei.

Foram pássaros os homens que me deixaram.

Foram pássaros as pessoas com quem não mais me cruzei.

Foram pássaros aqueles em quem nunca acreditei.

Foram pássaros os que me pisaram os moldes do coração.

Foram pássaros os que me comeram as vísceras em bicadas.

Foram pássaros os que riram de me ver caída.

Foram pássaros os incultos que não me compreenderam.

Foram pássaros os intolerantes que nunca me ouviram.

Foram pássaros os tolos que pensavam agradar-me.

Foram pássaros as mãos porcas com quem me deixei deitar.

Larguei os homens que não amava por, simplesmente, não os amar.

Larguei os homens que me deixaram por não os poder agarrar.

Larguei as vistas de quem não mais vi por não ter para quem olhar.

Larguei os mentirosos por não me conseguir deixar enganar.

Larguei os criminosos por pisarem o que não lhes pertencia.

Larguei os canibais por comerem o que não lhes ofereci.

Larguei os idiotas que riram de mim por não perceberam que nunca me fizeram rir.

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A menina do cabelo de azeviche

A menina de cabelo de azeviche chora todos os dias.

Chora por não ser feliz.

Chora por não saber o que quer dizer a palavra feliz.

Chora por querer ser feliz e não o conseguir ser.

Chora porque ninguém a faz feliz.

A menina do cabelo de azeviche e olhos de mel finge que é feliz todos os dias.

Finge que é feliz porque gostava de o ser.

Finge que é feliz por ser feliz ao fingir sê-lo.

Finge que é feliz para ninguém lhe perguntar porque não o é.

Finge que é feliz para que outras pessoas felizes gostem dela.

A menina do cabelo de azeviche, olhos de mel, e lábios de jaspe sorri todos os dias.

Sorri para não se notar que chora enquanto finge que é feliz.

Sorri para perceber o que faz uma pessoa feliz nunca chorar.

Sorri porque quer mesmo ser feliz em vez de fingir quando lhe perguntam porque não o é.

Sorri para que alguém tenha mais vontade de a fazer sorrir e assim nunca mais ter de fingir que é feliz,

porque, finalmente, o é.

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Poema dos falhados

Condenaram-se os falhados por trabalhar,

Por trabalharem para um patrão que lhes falhou.

Não se entendia o que havia para ganhar,

Passaram-se dias a praguejar,

E assim o desemprego lá chegou.

Envergonharam-se os falhados que são felizes,

Proibida que é a felicidade de quem nunca chorou.

Castigaram-se os tolos risonhos,

Premiou-se a tristeza dos tristonhos,

Virou-se costas a quem algum dia gracejou.

Censurou-se o amor de dois falhados,

Falhados que andavam os princípios do amor.

Arrumaram-se os falhados a um canto,

Ignorou-se-lhes o seu encanto,

Nunca mais um falhado se enamorou.

Gozaram-se os falhados que são honestos,

Por não saberem intrujar.

Ensinou-se-lhes outra cartilha,

Juntaram-se mais cães à matilha,

Fez-se uma festa por ser mais um a roubar.

Contrariam-se os doentes que falharam,

Negado que lhes é o viver.

Retirou-se-lhes o oxigénio,

Empurram-se-lhes as carcaças para o cemitério,

Deu-se graças por finalmente alguém morrer.

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Oração aos que fodem

Fodei todos, senhores, fodei.

Fodei-vos a vós, a nós e aos outros.

Fodei com o corpo, a alma e os pensamentos.

Fodei os rabos, os nabos e os grelos.

Fodei com palavras, gritos e gemidos.

Levantei esses Santos entre pernas.

Penetrai damas, vadias e donzelas.

Abençoai todas as fodas em cadelas.

Não temeis as doenças venéreas.

Fodei todos, senhores, fodei.

Fodei-vos a vós, a nós e aos outros.

Fodei com o corpo, a alma e os pensamentos.

Fodei os rabos, os nabos e os grelos.

Fodei com palavras, gritos e gemidos.

Comei-vos à grande e sem receio.

Descubrais a beleza de um traseiro.

Batei punhetas quando não tenhais um grelo.

Metei dedos quando vos faltar o fuzileiro.

Fodei todos, senhores, fodei.

Fodei-vos a vós, a nós e aos outros.

Fodei com o corpo, a alma e os pensamentos.

Fodei os rabos, os nabos e os grelos.

Fodei com palavras, gritos e gemidos.

Conspurcai as mentes puritanas e papais.

Caiam barreiras e filosofias morais.

Coroai-vos reis e senhores da devassidão.

Amai-vos e fodei-vos no esplendor do tesão.

Fodei todos, senhores, fodei.

Fodei-vos a vós, a nós e aos outros.

Fodei com o corpo, a alma e os pensamentos.

Fodei os rabos, os nabos e os grelos.

Fodei com palavras, gritos e gemidos.

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Albus Albus

Desta paz que assalta os tempos,

Adormecem-se as vontades,

Esclarecem-se as verdades,

Erguem-se muros de calma,

Abrem-se os olhos da alma,

Vive-se livre em pensamento.

Deste vida que se crê presa,

Que se soltem as amarras.

Que se baixem retaguardas,

Que se viva sem amparos,

Que se adocem os amargos,

Que se caminhe sem represas.

Desta calmaria branca e estéril,

Feita para sossegar os seres,

Destinando-os aos prazeres,

Que se assumem as paciências,

Que se respeitem as divergências,

Caiam muros e paredes.

Augure-se apenas o que é são.

Escale-se a liberdade com paixão .

Abram-se os homens para amar.

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Queria ser sábia

Gostava de ser sábia.

De saber tudo.

De conhecer o bom e o mau.

O difícil e o fácil.

Mas saber tudo.

Não precisava de me servir do conhecimento para nada.

Gostava tão somente de me sentir cheia dele.

Para sentir que sabia tudo.

Gostava de ser sábia para saber tudo.

Queria ter tempo para aprender e para ver tudo.

Queria conhecer todos os países do mundo.

Todos os lugares.

Gostava de poder ler todos os livros do planeta.

Queria conhecer todas as pessoas.

Queria ouvir todas as conversas.

Não interferir nem dar opiniões.

Apenas ouvir para saber tudo o que se fala.

Saber como são todas as mentes.

Todos os labirintos que existem dentro de cada pessoa.

As maldades da alma.

Os amores de todos os corações.

Saber que gosto têm todas as comidas.

Conhecer todos os cheiros.

Poder falar todas as línguas.

Conhecer todas as músicas e sons.

Ver todas as guerras.

Ver todas as mortes.

Saber porque se morre.

Saber porque se vive.

Saber porque uns são felizes e outros sacrificados.

Conhecer os caprichos do planeta.

Entender porque vamos de novos para velhos e não de velhos para novos.

Queria saber porque se enruga a pele com a velhice.

E porque é que a velhice nos alisa a sabedoria.

Queria confirmar que ser velho é saber mais.

É ser maior.

É ser mais sábio.

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Queria estudar o espaço entre as coisas e as pessoas.

Estudar as interferências e os ruídos.

Compreender os silêncios entre as pessoas.

Simplesmente, compreender todos os silêncios.

Queria ser sábia para poder viver sem dizer uma palavra.

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Pelo mar adentro

Foi-se pelo mar adentro,

Como sombras que falecem,

Por entre almas que se perderam.

Foi-se pelo mar adentro,

Como uma dor que não acaba.

Como um tormento e um enfado,

Foi-se pelo mar adentro.

Perdeu-se num desalento.

Caíram lágrimas de sofrimento,

Chorou-se a vida e o lamento.

Sofreram-se perguntas e indignações,

Aramaram-se teias de multidões.

Cortaram-se pulsos,

Tentaram-se segredos,

Foi-se pelo mar adentro.

Morreram-se-lhe os medos.

O chão dobrou-se sobre os pés.

Abriu-se um fosso sobre o mar.

O horizonte findou-se num despertar.

Não mais se avistou um revés.

Foi-se pelo mar adentro.

Morreu sem lamentar.

Entregou-se mar adentro.

Morreu sem esperar.

Mergulhou asas e pensamentos.

Submergiu-se num ritmo lento.

Despediu-se sem ninguém ver.

Não viveu nem quis viver.

Afundou-se num hino frio.

Foi-se morta pelo mar adentro.

Não lutou nem se ergueu.

Entregou-se e não venceu.

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As palavras que não se leem

As saudades cruas matam-me os olhos do espírito.

Cegos de nunca te terem visto, sofrem amarguradamente essa ausência.

Os pulmões que secam de desgosto, mirraram-me a pele.

Saudades mortais, de desejo de te ter, sem nunca te ter visto.

Inexplicavelmente entregue à tua imagem, os meus olhos não se cansam de sorrir as tuas letras.

insensatez a minha de amar quem nunca vi.

Fosses tu como eu e morreríamos.

Morreriam em mim as vergonhas e os dós.

Morreriam as vontades que nunca se consumaram de medo.

Avançaria para ti na segurança de quem corre para uns braços abertos.

Sonharia vezes infinitas que o amor que te tenho também o sentes por mim.

Gracejas neste instante a tolice de te amar esta mulher que nunca te viu.

Derrotada por dolorosas certezas, rendo-me ao fado findo deste amor.

Baixo a cabeça de resignação pelos sentimentos que entre nós não se coseram.

Denuncio a fraqueza desta triste figura que muito escreve mas não se vê.

Aceito-te a altivez de não quereres desmascarar os olhos por trás desta prosa simples.

Esperam-te poesias intrincadas mais além e, porque o sabes, ris agora de mim.

Insensatez a minha de amar quem nunca vi.

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Desiste de ti mais uma vez

Por vezes nascem começos.

Outras vezes morrem fins.

Firmam-se virtuosismos de alma.

Desmascaram-se fraquezas de corpo.

Engana-se a verdade.

Desiste-se das mentiras da boca.

Mostra-se o medo com os olhos.

Chora-se para dentro.

Grita-se sem pulmões.

Amarga-se a voz.

Por entre dias em que em tudo se crê.

Por entre noites onde se matam os sonhos.

Percebem-se as ilusões.

Aterram-se nelas de joelhos.

Arfa-se a dor do não-entender.

Cede-se.

E cede-se outra vez.

Os ombros caem de rendição.

O peito aquieta a pulsação.

A boca seca sem sabor.

Pulula a dor sozinha de quem se entregou.

Os olhos esvaziam-se do passado.

O passado desiste de o ser.

Acabam-se as memórias claras.

Abre-se os olhos de aceitação.

Recosta-se a nuca no pescoço.

Olha-se o céu.

Aceita-se o que se é.

A vida segue sem encanto.

Aquele encanto que lá se findou.

Tem-se vontade de desaparecer.

Desaparece-se por uns tempos.

Sente-se falta mas esquece-se.

Finge-se que se é duro.

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Finge-se quase até acreditar.

Morre-se a tentar.

Mas tenta-se mais uma vez.

Sabe-se que nem vale a pena forçar.

Mas desiste-se mais uma vez.

Desiste de ti só mais uma vez.

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Culpa de um não - amor

Agoniada paixão que finjo sentir,

Exorto sentimentos que não tenho.

Alimento ninhos ocos que morreram.

Reprimo desejos desfasados.

Olho nuns olhos negros de remendos.

Tenho instantes longos de um não-amor.

Malogrado momento em que te vi.

Desesperei por coisas que não tinha.

Fui fingindo eflorescências que não o eram.

Combati bateres de asas que viviam.

Matei cantares que entoaste para mim.

Calei amarguras lindas que não sentia.

Morreu o beijo desesperado por sentir.

O toque irado da pele nunca o chegou a ser.

A vontade negra de sorrir nunca se coloriu.

Os brilhantes lacrimejares foram de culpa.

Dormências senti mas não de amor.

Desmoronei a verdade de te amar por nunca te ter amado.

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O mar

Mar calmo.

Chão morto.

Ondas que se arrastam sobre si,

Como num namoro condescendente.

Calmas onde que se beijam,

Se almejam sem fulgor.

Horizonte cristalino,

Sobre o mar azul parado.

Sobre jade envidraçado.

Calmo amor entre ondas e mar.

Arrebatado abraço entre horizonte a deslumbrar.

Vida viva, inerte.

Batimentos de arrebatar.

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O beijo que não me deste

O beijo que não me deste era o mais desejado por mim.

O beijo que não me deste foi aquele com que mais sonhei.

O beijo que não me deste foi aquele que mais esperei.

Fechava os olhos e via-te lançado a mim.

Corrias com os teus lábios para os meus.

Mostravas todo esse amor sem fim.

O beijo que não me deste queria eu que acontecesse.

O beijo que não me deste existiu porque não o querias.

O beijo que não me deste aconteceu por não ser eu quem vias.

Imaginavas-me noutra pele e deixava de ser eu.

Vias a mulher por quem morreste de amores.

Vias a mulher por quem a tua vida se fez num breu.

O beijo que não me deste trouxe-me lágrimas cinzentas.

O beijo que não me deste foi o mais triste dos meus dias.

O beijo que não me deste trouxe-me um mar de agonias.

Preenchi-te o vazio de quem um dia te abandonou.

Não me havias de amar sendo eu apenas quem sou.

Nunca estive à altura do amor que sentiste por quem te largou.

O beijo que não me deste irá para sempre em mim doer.

O beijo que não me deste também a ti fará sofrer.

O beijo que não me deste desgraçou-nos o amor que nem chegou a florescer.

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Um dia. Fomos um.

Houve um dia em que vivemos tudo.

Vivemos tudo apenas naquele dia.

Eu fui tua.

Tu, irremediavelmente, meu.

Um dia.

Vivemos juntos.

Caminhámos abraçados.

Beijámos os lábios.

Adormecemos lado a lado.

Acordámos um só.

Olhei-te para lá dos olhos.

Tu viste-me o fundo.

Eu disse-te palavras sem som.

Dei-te o corpo à paixão.

Deste-me o teu amor no silêncio.

Por dentro gritámos.

Tocámos a nossa pele em tempo lento.

Dedilhaste colcheias até ao meu coração.

Balbuciei-te gemidos de lábios rendidos.

Ofeguei choro de emoção.

Disse-te tudo sem falar.

Pousei-te o olhar.

Não fugiste.

Avançaste em mim.

Eu inspirei.

O mundo dissipou-se.

Demos mãos e sorrisos.

Gargalhámos para o ar.

Lambuzámos os rostos.

Contemplámos as expressões.

Entregámo-nos aos minutos.

Esperámos nunca acabar.

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Corremos juntos.

Nadámos nus.

Voámos alto.

Caímos duro.

Sofremos cortes.

Bifurcaram-se os caminhos.

Ficaram negros os olhares.

Pesaram-nos os pés.

Travaram-se as pernas.

O coração queria voar.

Não voou.

Eu olhei-te com dor.

Tu disseste apenas um som.

Não entendi a palavra.

Senti em ti o pesar.

Acenaste ao amor.

Foste em desespero.

Avancei a desmaiar.

Afastámo-nos dois.

Já não éramos só um.

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O Breu

Uma mulher prostrada.

O traje preto de mortificação.

O olhar vago no escuro.

A tristeza assombrada.

A vaguidão.

A vaguidão daquela alma.

A vaguidão desta mulher.

As sombras amaldiçoadas.

As outras almas sentidas.

O penar de quem não sabe.

O sentimento oco de quem não sente.

O pesar.

O pesar de quem a olha.

O pesar de quem não tem o que consolar.

O ébano da morte.

O bater de asas de corvos.

As roupas puídas de velho.

As mãos consumidas de sofrimento.

A pele.

A pele negra.

A pele morta.

Um caixão triste.

Uma morte esperada.

Um sonho que acabou.

A paixão não consumada.

O agror.

O agror de ter acreditado.

O agror de o sepultar.

O azeviche da noite.

O breu de um rastejar.

O medo de prosseguir.

O horror de quem desistiu de amar.

O caminho.

O caminho que perdeu.

O caminho que já não consegue encontrar.

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A escuridão dos pensamentos.

As incertezas do fim.

Um fim sem se esperar.

As lágrimas de saudade a rondar.

O negro do sofrer.

O apagar da luz.

O adeus.

O adeus que não se fez.

O amor que não se consumou.

O adeus que não se fez.

O amor que não se consumou.

O adeus que não se fez.

O amor que não se consumou.

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Créditos:

Título: O livro branco da poesia

Textos do Blog: “Dias Cães”

Endereço: http://diascaes.blogspot.com

Autora: Inês Ruim

Ano de publicação online: 2013, Abril

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