O Jornal Impresso - As várias fases da mesma história
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CAPÍTULO 1. O JORNAL IMPRESSO
1
A imprensa oficial no Brasil foi instalada na casa de Antônio de Araújo2,
futuro conde da Barca3 (SODRÉ 1999, p. 19), ou seja, nossos periódicos tiveram
início em 10 de setembro de 1808, como resultado de uma confusa fuga de Portugal:
a vinda da corte de D. João VI para o Brasil, na pressa de escapar das tropas
francesas, trouxe o prelo e a tipografia, mas não uma sustentabilidade para o
desenvolvimento do jornal.
Enquanto colônia, o Brasil foi mantido sob a tutela da ignorância. Nas
palavras de Moreira de Azevedo via Sodré (1999, p. 18), “não convinha a Portugal
que houvesse civilização no Brasil. Desejando colocar essa colônia atada ao seu
domínio, não queria arrancá-la das trevas da ignorância”.
1 Brasil rotário on-line. Disponível em : http://www2.brasil-rotario.com.br/revista/materias/rev922/ e922_p18.html. Acessado em 2 de outubro de 2006. 2 “Um ato do Príncipe Regente inaugura a Impressão Régia, com dois prelos e 28 volumes de material tipográfico que Antônio de Araújo, [...] Secretário de Estrangeiros e da Guerra, trouxe de Portugal no navio Medusa. Antecessora da Imprensa Oficial, a gráfica que funcionava na Rua do Passeio, 44, no Centro do Rio, tinha a finalidade de imprimir com exclusividade os atos normativos e administrativos” (BARBOSA, 2004, on-line. Acessado em 2 de outubro de 2006). 3 “Conde da Barca foi um título criado por D. Maria I, por decreto de 27 de dezembro de 1815 a favor de António de Araújo e Azevedo, um importante político da época do Reinado de Dom João VI no Brasil” Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Conde_da_Barca. Acessado em 2 de outubro de 2006.
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Os primeiros colonizadores lusitanos chegaram como um mal cultural,
afetando tanto a saúde dos índios, nada imunes às doenças dos recém-chegados,
quanto a estrutura sócio-econômica e ético-cultural. Como se a “destruição das bases
da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro”4
não bastassem, os missionários se incumbiam de doutrinar os índios conforme os
dogmas católicos. Perante essas restrições, a religião era o único assunto amplamente
difundido e incontestável.
Tal era a importância da Igreja que o primeiro livro publicado por Gutenberg5
foi a Bíblia. E no que foi possível à reprodução de obras, ou seja, de conhecimento e
cultura, a Igreja instituiu juntamente com o Estado, em Portugal, “três censuras: a
Episcopal, ou do Ordinário, a da Inquisição, e a Régia, exercida pelo Desembargo do
Paço, desde 1576, cuja superioridade firmava-se nas Ordenações Filipinas, que
proibiam a impressão de qualquer obra ‘sem primeiro ser vista e examinada pelos
desembargadores do Paço, depois de vista e aprovada pelos oficiais do Santo Oficio
da Inquisição’”. A partir de 1624, os livros dependiam de autoridades reconhecida
pelo Estado para serem impressos, o que incluía a Igreja, e da Cúria romana para
circularem. “Pombal, em 1768, encerrou esse regime, substituindo-o pelo da Real
Mesa Censória, que vigorou até 1787” (SODRÉ ,1999, p. 9-10).
Mesmo os holandeses no nordeste, “parte mais rica da colônia, no séc XVII
[...], apesar de lhe terem dado singular desenvolvimento, na área metropolitana [...],
não se empenharam em trazer ao seu novo domínio americano a arte tipográfica”
(idem, p. 16). Além dos impedimentos oficiais dos portugueses, as condições
econômica e social da colônia, em razão ao escravismo dominante, não geravam as
exigências necessárias à instalação da imprensa. Ignorância justificada pela Igreja em
que as pessoas deveriam se contentar com o que têm em vida, pois os males só terão
cura no reino do céu.
4 RIBEIRO, 1995, p.30 – 43 5 Em 1450, Gutenberg se propõe a imprimir a Bíblia com um empréstimo de 800 florins de João Füst e Pedro Schaeffer. Gutenberg precisou de mais dinheiro emprestado. Como garantia, a penhora da própria oficina. Em 1455, Füst executa o crédito; Gutenberg sem como saldar a dívida, perde a oficina sem terminar o serviço. Füst e Schaeffer, em 1456, imprimem a “Bíblia de 42 linhas”. (Fundação Museu da Tecnologia de São Paulo Disponível, on-line. Acessado em 2 de outubro de 2006).
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Quanto aos brasileiros letrados, não tinham interesse algum em assuntos
oficiais que serviam apenas para agradar a Coroa. A Gazeta do Rio de Janeiro era
um diário e agenda da monarquia européia6. Mesmo o Correio Brasiliense fora
criticado por não tratar do Brasil dentro de uma ótica nacionalista7 (SODRÉ, 1999).
A Gazeta era noticiosa, sem interesse de conquistar opiniões. Já o Correio era
mais doutrinário que informativo. No entanto, ambos não tinham interesses
revolucionários. Por mais que o Correio atacasse a administração brasileira, possuía
um caráter moralizador e não modificador. Ainda assim, a entrada do jornal de
Hipólito da Costa, no Brasil, fora barrada pela Corte do Rio de Janeiro. “Já a 27 de
março de 1809, o conde de Linhares determinava ao juiz da Alfândega, José Ribeiro
Freire a apreensão do material impresso no exterior” por conter calúnias contra o
governo inglês e material ilusório a gente superficial e ignorante. Ou seja, por conter
assuntos de economia política, tema proibido em Portugal8 (SODRÉ 1999).
Com a revolução do Porto, em 1820, o Correio Brasiliense passa a circular
normalmente. Neste momento, notícias começaram a ser produzidas no próprio
Brasil. Em razão da natureza perecível da informação jornalística e a necessidade de
proximidade com os fatos, Hipólito da Costa já não mais conseguia sustentar um
jornal feito na Inglaterra – sem mencionar a questão financeira.
O Correio Brasiliense publicou a última edição em 1822, enquanto, no Brasil,
a Gazeta do Rio de Janeiro durou até 1821. Dada a austeridade da Corte, a Gazeta e
a Idade d’Ouro do Brasil – impressa na Bahia ao gozo lusitano de 1811 a 1823 –
“foram os únicos jornais brasileiros num período de seis anos, entre 1814 e 20. Até o
ano de 1821, o Rio de Janeiro não contava com outra tipografia senão a da Imprensa
Régia” (BAHIA, 1972, p. 15). . 6 “Por meio dela só se informava ao público, com toda a fidelidade, do estado de saúde de todos os príncipes da Europa e, de quando em quando, as suas páginas eram ilustradas com alguns documentos de ofício, notícias dos dias natalícios, odes e panegíricos da família reinante. Não se manchavam estas páginas com as efervescências da democracia, nem a exposição de agravos. A julgar-se do Brasil pelo seu único periódico, devia ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado um só queixume” (ARMITAGE, 1914 apud SODRÉ, 1999). 7 Por ser produzido na Inglaterra, sem proximidade direta com os fatos no Brasil. 8 Portugal queria evitar que os princípios da Revolução Francesa prejudicassem a estabilidade do poder da corte lusitana. A Revolução Francesa, “deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais na França e proclamou os princípios universais de ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’ [...]”. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_ Francesa. Acessado em 2 de outubro de 2006.
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1.1 As várias fases da mesma história
A imprensa periódica brasileira foi retardatária. Na América Hispânica, o
jornalismo teve início em 1722, enquanto colônia, já no Brasil, só foi possível
quando tornou-se Reino Unido a Portugal. “Os governantes portugueses [...]
providenciaram a instalação de prelos e tipografias, ensejando a circulação do
primeiro jornal em língua portuguesa na América”9.
Para Sodré (1999), a imprensa está ligada ao capitalismo e seu atraso no
Brasil é relacionado com a ausência de burguesia. Somente depois da abertura dos
portos, os jornais se manifestaram. Bahia (1972), apresenta o Diário de
Pernambuco10, inaugurado por Antônio José de Miranda e depois dirigido por
Manuel Figueirôa, como testemunha de três fases do jornalismo brasileiro: “a inicial,
a da consolidação e a moderna”.
A princípio, podemos dividir a imprensa em duas fases. A imprensa
artesanal, de Gutenberg, “que vivia da opinião dos leitores e buscava servi-la”, e a
imprensa industrial, em que “o jornal dispensa, no conjunto, a opinião dos leitores e
passa a servir aos anunciantes, predominantemente” (SODRÉ, 1999).
Ao falarmos de jornalismo como um todo, segundo Marcondes Filho (2000)
nossa divisão se estende a quatro fases.
O primeiro jornalismo, de 1789 à metade do século 19, foi, assim, o da “iluminação”, tanto o sentido de exposição do obscurismo à luz quanto de esclarecimento político e ideológico. O controle do saber e da informação funcionava como forma de dominação, de manutenção da autoridade e do poder, assim como facilitava a submissão e a servidão [...]. Desmoronado este poder, entra em colapso igualmente seu monopólio do segredo. A época burguesa invade o processo: agora tudo deve ser super exposto.11
Neste período, os jornais eram mais literários e “os fins econômicos vão para
segundo plano”. Tinham posicionamento político-partidário além de doutrinários.
9 MELO, 2003, p. 29 - 30 10 o Diário de Pernambuco passou pelo desenvolvimento gráfico dos mais rudimentares às linotipos e rotativas. Participou ativamente de embates políticos e nas lutas liberais do povo pernambucano, no Império e na República. (BAHIA, 1972, p. 26). 11 MARCONDES FILHO, 2000, p. 11
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Com as revoluções burguesas, após 1800, “os grandes partidos políticos, inclusive os
operários, reivindicam igualmente o poder da imprensa e meios de comunicação
mais efetivos para a conquista de adeptos”, eis o surgimento da esfera pública
proletária12, inicialmente na Inglaterra. A imprensa se difundia popularmente e “todo
o romantismo da primeira fase será substituído por uma máquina de produção de
notícias e de lucros com os jornais populares sensacionalistas” (MARCONDES
FILHO, 2000, p. 12-13).
O segundo jornal, o jornal como grande empresa capitalista, surge a partir da inovação tecnológica da metade do século 19 nos processos de produção de jornal. A transformação tecnológica irá exigir da empresa jornalística a capacidade financeira de auto-sustentação, pesados pagamentos periódicos para amortizar a modernização de suas máquinas; irá transformar uma atividade praticamente livre de pensar e de fazer política em uma operação que precisará vender muito para se autofinanciar (idem, p. 13).
As tiragens deste momento caracterizado como o da imprensa de massa,
subiram de 35 para 200 mil. Os jornais se mantêm através da economia da empresa
jornalística e precisam resultar em lucro. “A gradual implantação da imprensa como
negócio, iniciada após 1830 na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, impõe-se
plenamente por volta de 1875” (idem, p. 13-14). O jornalismo se profissionaliza13.
As manchetes aparecem, dentre outras formas de atrativo para o aumento das vendas,
e a notícia cede lugar à publicidade. “A tendência – como se verá até o século 20 – é
a de fazer do jornal progressivamente um amontoado de comunicações publicitárias
permeado de notícias” (ibidem, p. 14). Somente assim para garantir a
sustentabilidade do jornal impresso.
No século 20, o desenvolvimento e o crescimento das empresas jornalísticas desembocaram na constituição do terceiro jornalismo, e de monopólios, cuja sobrevivência só será ameaçada pelas guerras e pelos governos totalitários do período (ibidem).
12 Novelli resgata o conceito de esfera pública para interpretar o papel da imprensa nas sociedades contemporâneas por ser importante distingui-la da esfera econômica e do Estado na instituição de uma política democrática. “A noção de esfera púbica vai se enquadrar nessa perspectiva justamente na base de sua dupla função: colher e disseminar informações, de um lado e, de outro, fornecer um fórum para debate.” (Novelli apud MOTTA, 2002, p. 185). 13 “A reforma do estilo da imprensa brasileira começou na década de 1950” com o Diário Carioca que “foi um dos mais influentes jornais do País e o responsável pela modernização técnica da imprensa brasileira. Introduziu o lead nas matérias, criou o copidesque e lançou o primeiro manual de redação jornalística”. “O Diário Carioca foi um jornal tecnicamente revolucionário, que terminou com o lero-lero das reportagens intermináveis em que a estrela era o repórter, e não o assunto (Paulo Francis)” (Diário Carioca.com.br, on-line. Acessado em 02 de outubro de 2006).
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Como reflexo da modernidade e da necessidade de promoção institucional
das empresas, desenvolvem-se a comunicação publicitária e as relações públicas. O
jornalismo entra num “processo de desintegração da atividade, seu enfraquecimento,
sua substituição por processos menos engajados” os quais Marcondes Filho (2000, p.
15) atribui àqueles que “não buscam a ‘verdade’, que já não questionam a política ou
os políticos, que já não apostam numa evolução para uma ‘sociedade mais humana’.
[Tal] transformação ou descaracterização da atividade [...] tem a ver com a crise da
cultura ocidental”.
O quanto e último jornalismo, o do fim do século 20, é o jornalismo da era tecnológica, um processo que tem seu início por volta dos anos 70. Aqui se acoplam dois processos. Primeiramente, a expansão da indústria da consciência no plano das estratégias de comunicação e persuasão dentro do noticiário e da informação. É a inflação de comunicados e de materiais de imprensa, que passam a ser fornecidos aos jornais por agentes empresariais e públicos (assessorias de imprensa) e que se misturam e se confundem com a informação jornalística (vinda da reportagem principalmente), depreciando-a “pela overdose”. Depois, a substituição do agente humano jornalista pelos sistemas de comunicação eletrônica, pelas redes, pelas formas interativas de criação, fornecimento e difusão de informações [...], que recolhem material de todos os lados e produzem notícias (idem, p. 30).
Para Dines (1986), a mídia internacional sofreu uma crise de identidade
perante os “desafios da tecnologia, da globalização e do perigoso convívio com o
entretenimento”. Esta crise “foi exportada para o Brasil, onde a concentração,
combinada à descapitalização da empresa jornalística, articulam um novo cenário e
uma nova pauta para a discussão da missão da imprensa” (p. 16).
Este autor vê o processo evolutivo do jornal como uma constante cíclica, por
apresenta a primeira fase da impressão como “totalmente plana; depois, quando se
pretendeu alcançar maior velocidade, adotou-se a rotativa, arredondamento, para
efeitos de velocidade, do processo industrial” (p. 44).
Quanto “a nossa imprensa, no que tinha de específico, não mudou com a
passagem do [...] Império à República. Mudou muito, entretanto, quanto ao
conteúdo, quanto ao papel desempenhado.” Em termos de divisão, Sodré (1999)
apresenta, ainda, como “a única repartição acorde com a realidade seria em imprensa
artesanal e imprensa industrial” – por nos ser recente a fase da imprensa industrial.
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Retomando às três fases que Bahia (1972) apresenta – além do jornalismo
contemporâneo –, a fase inicial correspondente ao período de 1808 a 1880. Momento
em que o Brasil começava a “usufruir os resultados positivos do espírito
autonomista, das conspirações pela liberdade e pela independência” (p. 33).
A consolidação ocorreu “setenta e dois anos passados da instalação do pesado
material com que se imprimia a Gazeta do Rio de Janeiro [...]. Depois de 1880 e no
fim do século XIX até princípios do século XX, a imprensa adquire expressão no
campo das atividades industriais” – transição tardia comparada a de outros países. A
nossa tipografia, de artesanal, passa a “conquistar a posição de indústria gráfica de
definida capacidade econômica”14.
Nesta fase, muitos jornais efêmeros desapareceram e “uma imprensa mais
participante e consciente é chamada a ocupar lugar fundamental na vida pública do
País” (idem). É entre 1920 e 1930 que surgem alguns dos grandes jornais brasileiros
– década em que aparece a radiodifusão. A partir de 1928, rotativas15 mais modernas
eram instaladas nos principais Estados16, com resultados próximos ao do offset, e em
1930 inicia a fase moderna, “consubstanciando o espírito renovador e a explosão de
sentimentos populares”. Jornais reapareciam “com nova disposição e maior empenho
na defesa dos direitos individuais”17.
Logo nos anos 40, a nossa indústria gráfica já era tão bem aparelhada quanto
a dos Estados Unidos, Europa e Ásia. Contudo, a nossa imprensa não corresponde à
demanda de informação, dentro das expectativas do jornalismo, perante o público e a
sociedade, atingida por nações mais desenvolvidas. Tal desnível está relacionado ao
nosso passado histórico atrelado ao desenvolvimento do jornalismo – que ainda
enfrenta “sérios problemas, desde a instabilidade política à busca de modelos de
desenvolvimento, para a superação de suas deficiências”18.
14 BAHIA, 1972, p. 45 15 De exemplo o jornal A TARDE, de Salvador, instalado em 1912 com um impressora plana Marioni considerada obsoleta na Europa. Um ano depois é incorporada a impressora Koening-Bauer. Em 1920, A TARDE entra na era dos linotipos. Em quatro anos, passam para a Albert. Em 1930, foi trazida a rotativa alemã Man. Com ela, uma prensa elétrica, uma fundidora automática e uma fresa elétrica. (A Tarde, 15 de outubro de 2002, on-line. Acessado em 2 de outubro de 2006). 16 São Paulo; Rio de Janeiro; Minas Gerais; Rio Grande do Sul; Pernambuco (BAHIA, 1972, p. 67). 17 idem, p. 67 18 ibidem, p. 91
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A imprensa só tentará uma penetração nacional, alcançando às massas,
“muito mais tarde, na fase moderna, já no complexo quadro da comunicação que
comporta os veículos impressos, rádio e a televisão” (BAHIA, 1972, p. 68).
A expansão observada a partir de 1930 se deve a fatores econômicos, políticos e culturais. O jornalismo já entrara numa faixa de operação industrial, abandonado a projeção boemia, ativista, idealista da primeira fase. O jornal-mito, identificado com a visão individualista de seu proprietário, não raro o principal redator e administrador, cede lugar ao jornal-empresa (idem).
A revolução de 30 contribuiu para acabar com a marginalização do processo
educacional a qual as correntes populares eram submetidas na República Velha. O
número de interessados por informação aumentava de modo que a imprensa não
conseguia alcançar ou suprir19 até os anos 50.
Para Bahia (1972), o jornalismo contemporâneo, representa a adaptação do
jornalismo às necessidades da sociedade brasileira. Bahia refere-se ao novo
jornalismo surgido com o “despertar social, com a mobilização popular Constituinte,
a queda da ditadura Vargas, a ascensão das grandes parcelas operárias urbanas, a
expansão das indústrias de base” e assim, o tradicional “jornal mais se aproxima do
povo, passando a ser um intérprete mais eloqüente e vigoroso dos anseios populares”
(p. 92).
É na contemporaneidade atribuída ao jornalismo, por Bahia (idem, p. 92) em
sua época, que o Brasil “ingressa na idade da cultura de massa com uma participação
que, dos anos 50 em diante, é cada vez maior”. Isso só foi possível devido a
penetração do rádio e da TV20 na parcela analfabeta da população, que, em 1970,
representava 33% dos 80 milhões de brasileiros.
Não é por outro motivo que, apesar do esforço dos grandes jornais, nenhum cobre nacionalmente o território e poucos ultrapassam a marca dos 150 mil exemplares diários. Várias outras causas
19 em razão das “condições particulares do sistema de comunicação internas - desde os correios e telégrafos, as ferrovias e demais meios de transportes, ao telefone.” (BAHIA, 1972, p. 68). 20 Nesta fase, o jornal impresso atua em conjunto com as outras mídias. Mas com o surgimento da internet - no final da década de 80 com o desenvolvimento da ARPANET (Advanced Research Project Agency Network), que teve início 1969; o Brasil passa a usufruir desta rede mundial já nos anos 90 -, e seu desenvolvimento no Brasil, mudanças ocorreram no contexto do jornalismo de tal forma que dedicaremos o quarto capítulo, Para que jornal?, para abordar a relação do jornal impresso com as outras mídias.
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dificultam a circulação dos periódicos: deficiência do sistema de transportes; precariedade de comunicações; excessiva concentração de jornais diários nas metrópoles; incapacidade econômica; crises no fornecimento de papel etc.21
Mesmo as dificuldades econômicas não impediram o aumento da circulação
deste veículo em todo o mundo. “O público considera-o cada vez mais indispensável,
reiterando em termos de preferência a importância do meio impresso na ação sobre a
opinião”.22
Novelli23 apresenta a imprensa como uma “instituição por excelência da
esfera pública [que] atua numa área de intersecção24 entre o setor público e o
privado”, portanto, as “fases que representam a evolução da imprensa vão
demonstrar a própria evolução da esfera pública”, apresentada da seguinte forma:
Imprensa da informação - fase inicial: surge no século XIV conseguinte da
necessidade de troca de informações comerciais sobre circulação das
mercadorias. Desta forma, surge um elo entre indivíduos privados [mercado],
que sustenta a imprensa assim caracterizada por produzir informação perecível
de certa realidade, mas sem a acessibilidade - característica da imprensa
moderna.
Imprensa de opinião - fase seguinte: de forma literária, os jornais passam a ser
porta-vozes e condutores da opinião pública. Sendo um mecanismo de
publicidade argumentativa dos próprios donos - partidos políticos e escritores -,
cuja lucratibilidade fica em segundo plano. Movida pelo idealismo, operam na
falência, mas resguardam para suas redações uma espécie de liberdade típica da
comunicação das pessoas privadas caracterizadas com o público.
21 BAHIA, 1972, p. 93 22 idem, p. 153 23 MOTTA (org.), 2002, p. 184-185. 24 Segundo Novelli, a burguesia buscava ocupar um espaço entre o poder público do Estado e o poder privado do mercado, organizando-se na forma de sociedade civil. Esta organização deu origem, no século XVIII, a esfera pública burguesa composta por funcionários do Estado, profissionais autônomos, grandes proprietários e produtoras de mercadoria. A ideologia contida nesta esfera, que visava dominar os mecanismo de produção e troca, cai com a ascensão à categoria de classe dos indivíduos por ela dominados. Assim, o Estado, único legítimo no poder, regula os mecanismos de troca entre as pessoas privadas originando assim, as privatizações bem como a estatização da sociedade. Confunde-se aí, o setor público como o setor privado, originado uma nova esfera social intermediária a qual interpreta-se como setores estatizados da sociedade e setores socializados do Estado, ambos apartidários.
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Imprensa comercial - fase atual: surge quando o estabelecimento do Estado
burguês de direito e a legalização da esfera pública politicamente ativa libertam
a imprensa das obrigações críticas dando a ela a oportunidade de assumir o
lucro de uma empresa comercial.
Dentro da caracterização atual da imprensa, “como um típico
empreendimento capitalista avançado, que subordina a política empresarial a pontos
de vista da economia de mercado [...] o jornal passa a ser influenciado por interesses
estranhos aos seus objetivos primeiros” (MOTTA (org.), 2002, p. 185).
A imprensa, segundo Novelli, precisa de uma estrutura pública e autônoma,
separada da função de debate político. Para tal, é preciso ampliar o acesso dos vários
setores da sociedade civil, pois não há como garantir que a imprensa seja dotada de
isenção se é exclusiva a responsabilidade dos jornalistas para decisão do que entra ou
não na agenda pública.
1.2 Em memória dos que foram calados
O jornal impresso brasileiro nasceu sufocado pelo Estado e sofreu ao longo
de sua história inúmeras agressões para que permanecesse calado. Foi um processo
de manipulação política por meio da censura.
Os governantes sempre sonharam com uma imprensa submissa, que
funcionasse como um veículo de propaganda institucional. Getúlio Vargas contou
com um jornalista à sua disposição: Samuel Wainer. Este criou um jornal, A Última
Hora, cujo único objetivo era ser favorável a Getúlio.
O jornal foi criado graças a financiamentos concedidos pelo Banco do Brasil e à participação de alguns grandes empresários, como Walter Moreira Salles, Ricardo Jafet e o Conde Matarazzo. A Última Hora ganhou espaços de mercado graças a qualidade de seus jornalistas e a uma linguagem mais moderna que adotou. Isso incomodou duplamente os grandes empresários de comunicação: pela perda de espaços de mercado e pelas posições políticas que a linha editorial da Última Hora favorecia.25
25 O legado de Getúlio Vargas, on-line. Acessado em 4 de outubro de 2006.
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Uma imprensa sem liberdade significa um país sem democracia, mas era isso
que Getúlio desejava. Era isso que o autoritário D. Pedro I queria, conforme atesta a
História.
Todavia muitas vozes e consciências repudiando a cultura do silêncio
cumpriram o dever cívico de informar ao povo o que ocorria nos corredores do poder
público, desde a época do Brasil império. Infelizmente, algumas delas foram
silenciadas e outras violentadas, conforme podemos observar nos textos 1, 2, 3, e 4.
TEXTO 1
24 de outubro de 1975. Sexta-feira à tarde. Vladimir Herzog,
jornalista da TV Cultura, acompanhava a transmissão do telejornal
Hora da Notícia, antevendo um agradável final de semana com a
esposa e os filhos. Ao sair da redação, encontra dois agentes de
segurança do regime militar. Queriam levá-lo preso.
Após intermináveis barganhas, Vlado – como era chamado pelos
colegas de ofício – consegue convencer os homens a não levá-lo
àquela hora, devido a compromissos profissionais. Se compromete
a comparecer no dia seguinte ao DOI-Codi (Destacamento de
Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa do II
Exército). “Às 8h”, frisa o policial.
25 de outubro. Oito horas da manhã. Vladimir Herzog se apresenta
no DOI-Codi.
25 de outubro. Final da tarde. Vladimir Herzog está morto. Motivo:
Teria assinado confissão declarando-se militante do Partido
Comunista Brasileiro. Causa mortis: “Voluntário suicídio por
enforcamento.”26
26 Canal da Imprensa, on-line. Acessado em 4 de outubro de 2006.
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TEXTO 2
20 de novembro de 1830. Passa das 22h. O médico e jornalista
italiano João Batista Líbero Badaró caminha pelas ruas centrais da
capital paulista. Dois pistoleiros encapuzados aguardam-no na
esquina. Ouve-se o som de um revólver. A bala atinge em cheio
uma artéria, rompendo-a. Amigos o socorrem. Levam-no para casa,
cogitam uma operação. Em vão. O ferimento é fatal. Líbero morre
no dia seguinte.
Fundador do jornal Observador Constitucional, veículo de ataque
ao autoritarismo de dom Pedro I e aos desmandos do ouvidor
Cândido Japiaçu, Líbero tornou-se símbolo da luta pela
nacionalização do império brasileiro. Pouco antes de falecer,
desabafa: “Morre um liberal mas não morre a liberdade”. O boato a
respeito de sua morte tornou-se verdade absoluta: Líbero foi
assassinado a mando direto do imperador. Um tanto irônico para
alguém que declarou “Independência ou Morte!”.27
TEXTO 3
24 de março de 1990. Sábado, 15h30. Seis fiscais da Receita, um
delegado e dois agentes armados e uniformizados da Polícia
Federal invadem a sede da Folha de S. Paulo. Exigem ser levados
à presença de Octavio Frias de Oliveira, dono do grupo Folha. A
penetração forçada encontrava pretexto em eventuais
irregularidades econômicas. [O governo queria averiguar se a
empresa cobrava as faturas publicitárias em cruzados novos ou
cruzeiros.] Por trás estava a repressão política, um revide às
matérias negativas à candidatura de Fernando Collor.28
27 idem 28 ibidem.
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TEXTO 4
Recentemente, o jornal O Globo, (julho/2001) e o semanário Carta
Capital (maio/2002) tiveram seu conteúdo censurado previamente
– obras do presidenciável Anthony Garotinho. No mesmo maio, a
grande imprensa recebeu ordem judicial, proibindo qualquer
referência às denúncias de abuso sexual envolvendo juiz do TRT
paulista. Se veículos como a Folha e Último Segundo não
ousassem se pronunciar, o delato nunca chegaria ao grande
público.29
Assim a imprensa sabe que é dela própria a responsabilidade de manter estes
momentos vivos na memória do povo, como uma forma de resistência à ditadura
imposta aos veículos de informação ou à cultura do silêncio.
O resgate dos valores contidos nas figuras de Líbero Badaró, de Herzog e
outros tantos que foram calados, é indispensável para a imprensa mostrar à sociedade
que ela tem um compromisso com a liberdade de expressão. E a nossa imprensa foi
capaz deste gesto e sobreviveu como o símbolo da liberdade e da democracia.
29 Ibidem.
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