O Ideal Republicano e a Realidade Brasileira

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  • 7/26/2019 O Ideal Republicano e a Realidade Brasileira

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    O Ideal Republicano e sua aplicao anlise da realidade brasileira

    Antonio Oswaldo Storel Jnior

    Introduo

    Um grupo de notveis historiadores (Bailyn, 1967; Pocock, 197; Petit, 1997;

    !kinner, 199"# colocaram em $uest%o as origens da revolu&%o americana como resultado

    direto do pensamento li'eral e, a partir de suas pes$uisas, remontaram as inlu)ncias dos

    primeiros colonos americanos, ao repu'licanismo c*vico das revolu&+es inglesas do sculo

    -.// e da /tlia da poca do 0enascimento, pondo em relevo um aparato conceitual, a$uichamado indierentemente de humanismo c*vico ou repu'licanismo, $ue passou a ocupar,

    recentemente, uma parte signiicativa dos de'ates acad)micos tanto da rea da

    historiograia, como da sociologia, do direito e da ci)ncia pol*tica, de'ate esse girando,

    'asicamente, em torno do $ue este tesouro intelectual desenterrado2 teria a nos di3er so're

    a realidade atual4

    Podemos citar alguns dos autores mais signiicativos do 0enascimento /taliano5

    Petrarca, oluccio !alutati, eonardo Bruni, 8icolau a$uiavel e da poca das revolu&+esinglesas5 :ames arrington e :ohn ilton, todos eles pol*ticos prticos $ue tam'm

    orse os sinais do $ue poderia ser um

    novo per*odo da luta ideol=gica glo'al4

    8o Brasil, tam'm tem sido eito um esor&o de recuperar este patrim?nio

    intelectual do repu'licanismo para o tratamento de nossos pr=prios e peculiares pro'lemas

    de rela&%o entre @stado e !ociedade, $ue em geral se en$uadram muito mal nos modelos e

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    teorias pol*ticas mais disseminadas e aceitas (Bignotto, A; Bignotto, AC; ardoso,

    ACa#4

    8esse estudo n%o pretendemos a3er uma revis%o dos tra'alhos desses historiadores

    e pes$uisadores, nosso o'chave H na realidade atual do Brasil4

    O Ideal Republicano

    DRes Publica, a coisa pG'lica, remete ao $ue pertence ao povo, ao 'em pG'lico, ao

    $ue se reere ao interesse coletivo ou comum dos cidad%os4 I conceito, portanto, unda>se

    em oposi&%o a uma esera de coisas e assuntos privados, relativos J esera particular, de

    indiv*duos, grupos, ou associa&+es de indiv*duos4

    D idia de 0epG'lica pressup+e $ue esse espa&o ou esera da coisa pG'lica, dos

    interesses pG'licos, s= pode eEistir no seio de uma comunidade de cidad%os $ue partilham

    um destino comum, uma omunidade de Kestino2, onde os indiv*duos se reconhecem

    numa identidade coletiva, desenvolvem ativamente institui&+es e regras de conviv)ncia e

    ag)ncias de administra&%o e governo4 Ds leis de uma repG'lica, assim como seus valores e

    princ*pios, necessariamente derivam de um momento undacional, uma origem num

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    acontecimento hist=rico comum (a derru'ada de um governo ileg*timo, uma vit=ria so're

    uma amea&a militar ou um desastre natural, por eEemplo#, na $ual todos os cidad%os agem

    na transorma&%o e conorma&%o de seu pr=prio destino como comunidade4

    8o entanto, o momento undacional n%o suiciente para garantia da eEist)ncia de

    uma repG'lica4 @sta eEige a participa&%o cidad% permanente e cotidiana em todos os

    assuntos ou neg=cios pG'licos, sem a $ual a comunidade tende J su

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    isogoria (todos tem o mesmo direito a propor a&+esLcontri'uir com o governo# e a isocracia

    (todos tem o mesmo direito a serem escolhidos como governantes#4 I @stado pensado

    como um condom*nio, onde cada cidad%o um cond?mino, detendo o direito e o dever de

    ser um gestor das coisas e interesses da comunidade, igualmente responsvel pelas decis+es

    e a&+es do governo4

    Para os repu'licanos, s= poss*vel viver livre num @stado livre4 D vida c*vica ativa

    ou o Vivere Civile, a prtica da virtude c*vica, a a&%o pessoal no servi&o pG'lico, no

    servi&o do 'em comum, o atendimento pronto e imediato do cidad%o sempre $ue o

    interesse pG'lico convocar ou necessitar (!kinner, 199"#4

    I cidad%o repu'licano tende a agir, espontaneamente, como uma eEtens%o da a&%o

    social de carter secundrio t*pica da esera estatal4 M a$uela a&%o social voltada Js ocasi+es

    onde o interesse comum este

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    do con

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    @ntende>se, assim, por$ue os temas dos valores e da educa&%o, da prepara&%o do

    cidad%o para agir com a mEima Virt, era t%o importante para os repu'licanos $ue tinham

    uma preocupa&%o essencial com transmitir Js novas gera&+es um patrim?nio cultural,

    historicamente perec*vel se n%o cultivado, de conteGdos e princ*pios ormadores da

    comunidade, alm de capacidades tcnicas para o pleno eEerc*cio da Vita Ativa, como o

    dom*nio de matrias como a Nilosoia, a 0et=rica, a ist=ria e a Pol*tica, os studia

    humanitatis (Bignotto, A1#4

    I cidad%o dotado de Virt a$uele $ue, ao mesmo tempo, consegue ormular a

    melhor conigura&%o para a a&%o do @stado e dos idad%os para a deesa do 'em comum e

    tem a disposi&%o e a vontade para agir e age impondo essa orma deseparticipa&%o constante trar

    inevitavelmente a ru*na da comunidade $uando esta or conrontada com alguma

    adversidade e necessitar da a&%o c*vica cidad% de seus mem'ros4

    Kesde os primeiros humanistas c*vicos um pro'lema concreto sempre se colocou, o

    de como construir uma nova identidade de uma comunidade como repG'lica, como

    construir um consenso de undo so're o $ue o 'em comum, em uma sociedade

    mergulhada em clivagens sociais e em conlitos de ac&%o4 /sto , para a concreti3a&%o do

    /deal 0epu'licano, se a3 necessria n%o apenas a li'erdade pG'lica do cidad%o, mas

    undamental a articula&%o dessa li'erdade com a 'usca pela igualdade concreta entre os

    cidad%os e com mecanismos capa3es de eetiv>la na realidade social (Bignotto, AC#4

    8%o 'asta, apenas a eetiva&%o da igualdade pol*tica, sen%o $ue preciso construir

    as condi&+es da igualdade s=cio>econ?mica4 D preocupa&%o dos repu'licanos n%o apenas

    com a concess%o de direitos pol*ticos ao cidad%o, tam'm, e undamentalmente, a

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    preocupa&%o com as condi&+es e e$uipamentos $ue disp+e o cidad%o para usuruir e eEercer

    esses direitos (Bignotto, AC#4

    8esse sentido, o repu'licanismo conce'ia como modelo uma sociedade de elevada

    igualdade, composta de pe$uenos proprietrios, onde ressalta um ideal de rugalidade $ue

    condena os eEcessos tanto do luEo como da misria4

    8a /nglaterra do sculo -.//, o ressurgimento das idias repu'licanas correspondeu

    a um elogio das virtudes dos representantes do Country, identiicando o povo comum do

    interior rural como o locusdos cidad%os dotados de virtudes c*vicas e 'ase da legitimidade

    para o controle e su'ordina&%o da Court, tomada como o locusdos cidad%os supol*ticos de !hakespeare

    eEempliicam com vigor essas caracter*sticas do repu'licanismo c*vico (eliodora, A#4

    D Virt, portanto, n%o atri'uto individual do cidad%o, sen%o $ue s= se revela a

    posterioride sua a&%o na esera pG'lica pol*tica, ou se

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    cidad%os nos neg=cios do governo e a esta'ilidade das regras $ue regem essa participa&%o,

    como a necessidade de a&+es $ue necessariamente escapam aos contornos da legalidade

    para se opor e se antecipar Js conting)ncias dos processos hist=ricos criando, assim, em

    momentos especiais, novas ormas de socia'ilidade4

    Possibilidades da aplicao do aparato conceitual do republicanismo

    realidade brasileira

    8o livro 0etorno ao 0epu'licanismo2 (ardoso, AC'#, 8eOton Bignotto a3 a

    deesa da utili3a&%o do aparato conceitual ela'orado pelos chamados humanistas c*vicos,

    para a anlise das $uest+es so're a rela&%o @stadoL!ociedade no Brasil4

    @sse procedimento traria vantagens, em primeiro lugar por$ue uma sociedade comoa nossa, onde n%o podemos reivindicar um passado hist=rico repu'licano na conorma&%o

    de nossas institui&+es e em cuecon?mica como condi&%o para $ue cada

    cidad%o eEer&a sua li'erdade pG'lica (Bignotto, AC#4

    @sse recurso ao conceito de li'erdade dos repu'licanos a're um campo de

    compreens%o dos en?menos pol*ticos e institucionais 'rasileiros onde se pode tratar a

    $uest%o central da desigualdade social, coisa $ue o pensamento hegem?nico atual de matri3

    li'eral incapa3 de tratar, em virtude de seu conceito central de li'erdade negativa, de

    li'erdade como n%o interer)ncia na a&%o 'aseada na vontade do indiv*duo4

    Um segundo argumento para a deesa da utili3a&%o do aparato conceitual do

    repu'licanismo aos pro'lemas 'rasileiros se reere ao ato de $ue o Brasil n%o conheceu

    momentos undacionais no sentido repu'licano, momentos em $ue houve a participa&%o

    ativa do con

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    como uma perman)ncia no presente de institui&+es tradicionais constru*das pelos sculos

    de conviv)ncia com o escravismo, com o latiundismo e com o clientelismo pol*tico5 a 'ase

    daplantationcolonial agro>eEportadora (arcia, AQ#4

    D tradi&%o do mando pessoal e da troca de avores na pol*tica depende h muito tempo de seu

    aco'ertamento pelas eEterioridades e apar)ncias do moderno, do contratual4 D domina&%o pol*tica patrimonial,

    no Brasil, desde a proclama&%o da 0epG'lica, pelo menos, depende de um revestimento moderno $ue lhe d

    uma achada 'urocrtico>racional>legal4 /sto , a domina&%o patrimonial n%o se constitui, na tradi&%o

    'rasileira, em orma antag?nica de poder pol*tico em rela&%o J domina&%o racional>legal4 Do contrrio, nutre>

    se dela e a contamina (artins, 199C#4

    @sta sociedade de hist=ria lenta2 como a chamou (artins, 199C# pode nos a

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    Dssim, oi se constituindo, no Brasil, um @stado onde est%o 'orradas as ronteiras

    entre o pG'lico e o privado4 Um @stado voltado J manuten&%o de um neg=cio privado de

    propor&+es gigantescas, ao mesmo tempo $ue garante a reprodu&%o social do passado

    escravista e colonial no presente, garante o pr=prio inanciamento do aparato estatal

    esta'elecendo, assim, seu pr=prio ritmo hist=rico (artins, 199C#4

    Um @stado ormado pelo acordo entre os $ue s%o servos de seus dese

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    Referncias Bibliogrficas:

    Dlencastro, 4 N4 K4 I ardo dos 'acharis4 8ovos @studos, n419, de34, p46">7A4 19"74

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    University Press4 19674

    Bignotto, 84 Pensar a 0epG'lica5 @ditora da UN4 A4

    SSSSSS4 Irigens do repu'licanismo moderno4 Belo ori3onte5 UN4 A14 Q1 p4

    SSSSSS4 Pro'lemas atuais da teoria repu'licana4 /n5 !4 ardoso (@d4#4 0etorno ao repu'licanismo4

    Belo ori3onte5 @ditora da UN, AC4

    ardoso, !4 Por$ue 0epG'licaT 8otas so're o iderio democrtico e repu'licano4 /n5 !4 ardoso

    (@d4#4 0etorno ao repu'licanismo4 Belo ori3onte5 @ditora da UN, ACa4

    SSSSSS, (@d4#4 0etorno ao 0epu'licanismo4 Belo ori3onte5 UN; umanitas, p4AQ1ed4 AC'4

    Naoro, 04 Is donos do poder5 orma&%o do patronato pol*tico 'rasileiro4 !%o Paulo5

    lo'o;Pu'liolha, v4A4 A4 Q9A p4 (grandes nomes do pensamento 'rasileiro#

    arcia, D4 D !ociologia rural no Brasil5 entre escravos do passado e parceiros do uturo4

    !ociologias, v4, n41, 1"94 AQ4

    eliodora, B4 I homem pol*tico em !hakespeare4 0io de :aneiro5 Dgir4 A4 Q9Ap4

    artins, :4 K4 !4 I Poder do Dtraso5 ensaios de sociologia da hist=ria lenta4 !%o Paulo5 ucitec4

    199C4 17C p4

    Petit, P4 0epu'licanism4 IEord5 larendon Press4 19974

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    19964

    SSSSSS4 i'erdade antes do i'eralismo4 !%o Paulo5 @ditora da U8@!PLam'ridge University

    Press4 199"4 11A p4