O Granito da Panasqueira (Cúpula da Barroca Grande ... · 187 O Granito da Panasqueira (Cúpula da...

4
187 O Granito da Panasqueira (Cúpula da Barroca Grande). Estudo de um sistema granítico associado a mineralizações de estanho The Panasqueira granite (Barroca Grande cupola). Study of a Granite system associated with tin lodes Alexandre Lourenço Centro de Geologia da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre 687, 4169- 007Porto, Portugal [email protected] SUMÁRIO O presente trabalho apresenta um estudo petrográfico da cúpula granítica da Barroca Grande à qual se encontra geneticamente associada a mineralização (tardia) de Sn do Jazigo da Panasqueira. O estudo revelou que a referida cúpula não é constituída por um “greisen” mas sim por um granito peraluminoso “greisenizado”. O granito apresenta textura de tipo sequencial, seguida de albitização e de”greisenização” Palavras-chave: Jazigo da Panasqueira; granito peraluminoso; mineralização de Sn; alinhamento Vale Ermida-Barroca Grande-Argemela SUMMARY In the present work, a petrographic study of the Barroca Grande granitic cupola genetically associated with the late Sn mineralization of Panasqueira ore deposit was performed. The study showed that the cupola is not made of a greisen but, instead, it consists of a peraluminous granite subjected to a greisenization process. This granite shows a sequential type texture, followed by albitization and greisenization.." Key-words: Panasqueira ore deposit; peraluminous granite; Sn mineralization; Vale Ermida-Barroca Grande- Argemela alignment Introdução No decurso dos trabalhos subterrâneos de exploração dos filões de quartzo mineralizados em W-Sn-Cu das Minas da Panasqueira, foi encontrada, em 1948, uma intrusão de natureza granítica [1] (figura 1). A parte superior da intrusão granítica regista os efeitos da acção de processos conducentes a transformações mineralógicas e texturais do tipo “greisen” [1-6]. A intrusão granítica consiste numa apófise de direcção NW-SE, mergulhando suavemente para SE, estando assim em concordância com a mancha aflorante de xistos argilosos mosqueados [1]. O primeiro estudo petrográfico desta rocha descreve-a como um granito com textura hipautomórmica granular, contendo quartzo, feldspato potássico (ortoclase), duas gerações de plagiclase (oligoclase e andesina) e apatite [1]. Um estudo mais pormenorizado [3], revelou a presença de uma associação mineral mais complexa, análoga à da rocha granítica da Panasqueira, permitindo definir a seguinte sequência de depoisção: - Fase magmática: zircão, apatite, monazite, ilmenite, pirite, quartzo (euédrico), moscovite, biotite e plagioclase (An5-10) ligeiramente mais tardia. - Fase de transição, endoblástica: feldspato potássico, moscovite, quartzo. Observam-se nesta fase reacções complexas entre o feldspato potássico e a plagioclase, dando origem a mirmequites, albite secundária e pertites.

Transcript of O Granito da Panasqueira (Cúpula da Barroca Grande ... · 187 O Granito da Panasqueira (Cúpula da...

187

O Granito da Panasqueira (Cúpula da Barroca Grande). Estudo de um

sistema granítico associado a mineralizações de estanho

The Panasqueira granite (Barroca Grande cupola). Study of a Granite

system associated with tin lodes

Alexandre Lourenço

Centro de Geologia da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre 687, 4169-

007Porto, Portugal

[email protected]

SUMÁRIO

O presente trabalho apresenta um estudo petrográfico da cúpula granítica da Barroca Grande à qual se encontra geneticamente associada a mineralização (tardia) de Sn do Jazigo da Panasqueira. O estudo revelou que a referida cúpula não é constituída por um “greisen” mas sim por um granito peraluminoso “greisenizado”. O granito apresenta textura de tipo sequencial, seguida de albitização e de”greisenização”

Palavras-chave: Jazigo da Panasqueira; granito peraluminoso; mineralização de Sn; alinhamento Vale Ermida-Barroca Grande-Argemela

SUMMARY In the present work, a petrographic study of the Barroca Grande granitic cupola genetically associated with the late Sn mineralization of Panasqueira ore deposit was performed. The study showed that the cupola is not made of a greisen but, instead, it consists of a peraluminous granite subjected to a greisenization process. This granite shows a sequential type texture, followed by albitization and greisenization.."

Key-words: Panasqueira ore deposit; peraluminous granite; Sn mineralization; Vale Ermida-Barroca Grande-Argemela alignment

Introdução No decurso dos trabalhos subterrâneos de exploração dos filões de quartzo mineralizados em W-Sn-Cu das Minas da Panasqueira, foi encontrada, em 1948, uma intrusão de natureza granítica [1] (figura 1). A parte superior da intrusão granítica regista os efeitos da acção de processos conducentes a transformações mineralógicas e texturais do tipo “greisen” [1-6]. A intrusão granítica consiste numa apófise de direcção NW-SE, mergulhando suavemente para SE, estando assim em concordância com a mancha aflorante de xistos argilosos mosqueados [1]. O primeiro estudo petrográfico desta rocha descreve-a como um granito com textura hipautomórmica granular, contendo quartzo,

feldspato potássico (ortoclase), duas gerações de plagiclase (oligoclase e andesina) e apatite [1]. Um estudo mais pormenorizado [3], revelou a presença de uma associação mineral mais complexa, análoga à da rocha granítica da Panasqueira, permitindo definir a seguinte sequência de depoisção: - Fase magmática: zircão, apatite, monazite, ilmenite, pirite, quartzo (euédrico), moscovite, biotite e plagioclase (An5-10) ligeiramente mais tardia. - Fase de transição, endoblástica: feldspato potássico, moscovite, quartzo. Observam-se nesta fase reacções complexas entre o feldspato potássico e a plagioclase, dando origem a mirmequites, albite secundária e pertites.

188

- Fase hidrotermal: apatite, berilo, turmalina, fluorite, cassiterite, volframite, arsenopirite, pirite, molibdenite, calcopirite e esfalerite. Posteriormente, esta rocha granítica foi descrita como um granito de duas micas contendo megacristais de feldspato potássico que, na sua cúpula, regista diversas transformações mineralógicas e texturais, dando lugar a um leucogranito com albite e moscovite e, por último, um “greisen” com moscovite e quartzo [5]. Com base num estudo de índole geoquímica, Bussink [5] distinguiu aquilo que considerou ser uma alteração metassomática, posterior à cristalização do granito de duas micas da Panasqueira, do que é uma lixiviação do granito, durante um processo de ”greisenização”.

Fig.1: Corte geológico segundo o painel P4 onde é possível observar a cúpula granítica da Panasqueira.

Cúpula granítica da Barroca Grande No presente trabalho foi estudado unicamente a cúpula granítica (Granito da Barroca Grande), acedida pelo nível 2 (L2P4), sector actualmente desactivada (figura 2). O contacto entre o granito e o encaixante metassedimentar é brusco, não se notando macroscopicamente nenhum sinal de fusão ou de passagem gradual.

Inserir Figura

Fig.2: Contacto encaixante metassedimentar (χ) e o granito da Panasqueira (γ) no nível 2 (L2P4)

O estudo petrográfico (figura 3) desta rocha permitiu estabelecer um quadro simplificado da sucessão de cristalização e alterações posteriores: - a rocha apresenta uma textura de tipo sequencial, hipautomórfica granular, seguida de um ou mais estádios de substituição (figura 4); - o quartzo euédrico (Qz I) contém inclusões concêntricas de albite (Ab I) de pequenas dimensões

(figura 5) que marcam, por vezes, bordos do grão de quartzo (textura “snowball”); - raros cristais subédricos de feldspato potássico; - agregados moscovíticos de grandes dimensões, possivelmente resultantes da alteração de biotite; esta alteração é sugerida quer pela presença de “fantasmas” de halos pleocróicos associados a zircões metamíticos nas moscovites, (comummente observáveis na biotite), quer pela presença de hematite ao longo dos planos de clivagem da moscovite, consequência da disponibilidade local de ferro e da manutenção de condições de oxi-redução adequadas; - presença de agregados de albite II cujos grãos apresentam maclas em forma de lança e /ou baioneta (figura 6), estas últimas sugerindo que a albite resulta da transformação de um outro feldspato, provavelmente uma plagioclase;

Fig.3: Sucessão da cristalização do granito da Panasqueira da Barroca Grande e alterações tardi a pós-magmáticas

Fig.4: Textura de tipo sequencial, hipautomórfica granular seguida de alterações tardi a pós- magmáticas

- por último observa-se silicificação e moscovitização generalizada da rocha, com crescimento (intersticial) de quartzo II (por vezes em continuidade óptica com quartzo I) e de moscovite II; estes processos instabilizam localmente a albite II, permitindo o desenvolvimento de quartzo II segundo os planos de macla do primeiro tectossilicato. - presença de diversos minerais acessórios, (nomeadamente arsenopirite, esfalerite, apatite e cassiterite) que, possivelmente, serão contemporâneos da fase hidrotermal associada à mineralização de Sn-Cu

Segundo Bussink(1984)

γ χ

1 mm

Feldspato K

Hematite

Magmático

QuartzoAlbite

Plagioclase

Biotite I

II II

I

I

I I I

I II

EstádioMineral

II

Moscovite I

II II

II

II

I I II

I III I II I I II II

II

Albitização Graisenização

189

Fig.5: Quartzo euédrico (Qz I) com uma textura “snowball” na sua bordadura, constituída principalmente pela albite (Ab I). Discussão e conclusões Com base nas observações acima expostas poderemos concluir que estamos na presença de um granito com características semelhantes às descritas para o Granito da Argemela [7]. Neste granito foi registado um primeiro estádio caracterizado pela existência de uma geração de quartzo precoce indiciadora de uma cristalização a partir de um magma inicialmente saturado em sílica. Charoy & Noronha [7] registaram um segundo estádio de cristalização do granito de Argemela, caracterizado por enriquecimento em Li, o qual não foi identificado no Granito da Panasqueira.

Inserir Figura

Fig.6: Cristal de Ab II com macla em forma de baioneta

Esta rocha granítica regista transformações metassomáticas/hidrotermais que, em geral, se traduzem por albitização e, posteriormente, silicificação e moscovitização. Os granitos da Argemela e Barroca Grande formam um alinhamento W-E que coincide com o alinhamento das mineralizações de Sn de Vale de Ermida-Barroca Grande-Pedra Alta [8]. A íntima relação entre estas mineralizações de estanho e estes granitos peraluminosos é indicadora da provável existência no sector do Vale da Ermida, pertencente ao Couto Mineiro da Panasqueira, de uma cúpula granítica da mesma natureza que a encontrada na Barroca Grande. Alguns autores ([9], [7]), defendem que os granitos peraluminosos e os granitos

biotíticos tiveram um magma comum que, por um processo de cristalização fraccionada, se individualizou no seu estádio final. A expulsão do líquido residual, segundo um processo de “filter pressing” [10], poderá ser facilitada pela presença de F e P que contribuem para a diminuição da viscosidade do magma. Deste modo, o granito da Panasqueira poderá ter derivado do Granito da Serra da Estrela (granito biotítico tardi a pós-F3) [11], à semelhança do modelo proposto para a génese do Granito da Argemela [7], instalado ou em fracturas de segunda ordem tardi-Variscas esquerdas geradas durante a compressão tardi-Varisca N-S [12] ou em fendas de tracção, mais tardias, geradas durante a compressão tardi-varisca W-E [13].

Agradecimentos O presente trabalho foi efectuado no âmbito de uma bolsa de doutoramento do Praxis XXI (ref.BD/2766). O presente artigo integra-se nas actividades do projecto Transmass do Centro de Geologia da Universidade do Porto.Um agradecimento à Beralt Tin and Wolfram Portugal por todo o apoio logístico e por ter permitido efectuar trabalho de campo na mina.

Referências Bibliográficas [1] Thadeu, D. (1951) Geologia do Couto Mineiro da Panasqueira. Comun. Serv. Geol. Portg., 32, pp. 5-64. [2] Bloot, C. & Wolf, L. (1953) Geological features of the Panasqueira tin-tungsten ore-ocurrence (Portugal). Bol. Soc. Geol. Portg., 11/1, pp. 2-75 [3] Clark, A. (1964) Preliminary of the temperatures and confining pressures of granite emplacement and mineralization, Panasqueira, Portugal. Trans. Inst. Min. Metallurg., 73, pp. 813-824. [4] Kelly, W. & Rye, R.O. (1979) Geologic, fluid inclusions and stable isotope studies of the tin-tungsten deposits of Panasqueira, Portugal. Econ.Geol., 74, pp. 1721-1822. [5] Bussink, R. (1984.) Geochemistry of the Panasqueira tungsten-tin deposit, Portugal. Geologica Ultraiectina, 33, 170 pp. Tese de doutoramento [6] Polya, 1987. Chemical behaviour of tungsten In hydrothermal fluids and genesis of the Panasqueira W-Cu-Sn deposit, Portugal. Na experimental, theoretical and field study. Universidade Manchester, 243pp. Tese de doutoramento. [7] Charoy, B. & Noronha, F. (1996). Multistage growth of a rare-element volatile-rich microgranite at Argemela (Portugal). J. Petrology, 37/1, pp. 73-94. [8] Lourenço, A. (2003) Mineralizações de estanho tardi-hercínicas: o alinhamento Panasqueira - Pedra Alta. Ciências da Terra (UNL), Lisboa, nº esp. V, CD-ROM, pp. F64-F67. [9] Pollard, P. & Taylor, R. (1991) Petrogenetic and metallogenetic implications of the occurrence of topaz, Li-mica granite at Yichun Ta-Nb-Li mine, Jiangxi Province, South China. In: Source, Transport and Deposition of Metals (eds. M. Pagel and J. L. Leroy), Balkema, pp. 789-791.

30 μm

10 μm

190

[10] Vigneresse, J. (1999) Should felsic magmas be considered as tectonic objects, just like faults or folds? J. Struct. Geol., 21, pp. 1125-1130. [11] Ferreira, N., Iglesias, M., Noronha, F., Pereira, E., Ribeiro, A. & Ribeiro, M.L. (1987) Granitóides da Zona Centro Ibérica e seu enquadramento geodinamica. In: Geologia de los Granitóides y Rocas asociadas del Macizo Hespérico. (eds Bea, et al.) (Libro Homenaje a L.C. Garcia de Figuerola), pp. 37-51. [12] Ribeiro, A. (1974) Contribution à l'étude de Trás-os-Montes Oriental. Mem. Serv. Geol. Portg., N.S., 24, 177pp. [13] Ribeiro, A. (1979) Éssai de reconstitution paléogéographique par cycles orogéniques. Le cycle hercynien. In: Introduction à la Géologie génerale du Portugal (eds. A. Ribeiro, M. T. Antunes, M. P. Ferreira, R. B. Rocha, A. F. Soares, G. Zbyszewsky, F. M., Almeida, D. Carvalho & J. H. Monteiro), pp. 31-45.