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    O GRANDE CERCO DE MALTA - 1565

    Mesmo nos dias atuais, a militncia islmica de vez emquando projeta uma sombra assustadora no s sobre os pasesvizinhos, mas sobre o resto do mundo. Em meados do sculoXVI, porm, o islame estava no auge do seu poderio. Suaponta-de-lana, o imprio militar dos turcos otomanos, amea-ava conquistar todo o mundo cristo. Foi nesse momento cru-cial para a Europa que o islame triunfante se viu obrigado a en-frentar os cristos, to aguerridos, decididos e volulntariososcomo ele. Na minscula ilha de Malta, estrategicamente situa-da, uma pequena ligio estrangeira de guerreiros cristosen-frentou toda a fora do imprio otomano, numa luta que at ho-je nos causa admirao.

    Sulto dos Otomanos, Representante de Al na Terra,Senhor dos Senhores deste Mundo, Rei dos Crentes e Ateus,Sombra do Todo-Podereso que cobre de Paz a Terra - comoum rufar de tambor, os ttulos de Solimo o Magnfico ressoa-ram atravs da cmara do alto conselho.

    Corria o ano de 1564. Solimo tinha 70 anos.Desde quese tornara sulto, aos 26, transformara a Turquia na maior po-tncia militar do mundo. Do Atlntico ao mdico, suas galerasdominavam os mares; seu reino estendia-se da ustria ao golfoPrdico. Apesar da idade, Solimo cobiava mais poder e con-quistas; mas, mesmo que no fosse ambicioso, seus assessoresno o deixariam em paz.

    Enquanto Malta estiver nas mos dos cavaleiros de SoJoo, avisava um, nossas comunicaes com Constantinopla

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    correro o perigo de ser interronpidas. Se no nos apoderar-mos daquele maldito rochedo, opinava outro, em breve ces-saro todas as comunicaes com nossas possesses no norteda frica e no arquiplago grego.

    Haviam decorrido 42 anos desde que Solimo expulsaraos cavaleiros de Ordem de So Joo, de sua fortaleza, na ilhade Rodes, mas Malta, onde a ordem se refugiara, era pior aindaparaq ele do que Rodes. Todos os navios que cruzavam os es-treitos entre a Siclia e o norte da frica ficavam merc e po-diam ser saqueados. A crise final surgiu quando os cavaleiroscapturaram um navio mercante de valor incalculvel, perten-cente ao chefe dos eunucos do serralho do sulto. Clamandopor vingana, as odaliscas od harm prostraramse por terra di-ante de Solimo. O im da Grande Mesquita lembrou a Soli-mo que os verdadeiros crentes jestavam sendo lnesse momen-to chicoteados, presos aos remsos das galeras dos cavaleiroscristo.

    pouco provvel que toda essa agitao houvesse influ-enciado o sulto. Meramente por razes de indignao ou pres-tgio, Solimo nunca jteria atacado a base dos cavaleiros na-quela ilha.A munscula Malta, porm, com suas magnficasbaas, era pedra fundamental lno domnio do Mediterrneo eda Europa ocidental.

    Assim, em outubro de 1564, Solimo convocou um div(conselho de Estado), a fim de debater a possibilidade de lan-ar um cerco a Malta. O ag-mor (o mais alto dignatrio dacorte do sulto)declarou:Eses malteses, filhos de ces, pou-pados em Rodes por vossa clemncia, devem ser agora, e deuma vez por todas, submetidos e dizimados!. Aps todos osoureos terem dado suas opinies, o prprio sulto chamou aateno para o fato de queMalta era um meio de se chegar

    Siclia e, dali, Itlia e ao sul da Europa. O div findou, e odecreto para submeter Malta foi promulgado.

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    O arquiplogo malts composto de s=duas ilhas prin-cpais, Malta e Gozo (Gaulos). Malta tem cerca de 27km decomprimento jpor 14,5km de largura; Gozo tem 14,5km jpor

    7km. Situadas 93km a sul da Siclia(ver mapa na pgina 145),as ilhas haviam sidopresenteadoas poelo imperador Carlos Vda Espanha {a ordem de So Joo, que se encontrava sem se-de, a fim de que pudessem utilizar suas armas contra os prfi-dos i nimigos da Sagrada F.

    Porm os enviados da ordem que foram examinar asilhas tiveram um choque; Malta era, segundo referiram, ape-nas um rochedo calcrio, imprprio para o cultivo de milho oude qualquer outro cereal. A madeira era to rara que se ven-dia libra; excremento seco do gado e gravetos serviam decombustvel. No vero, o calor era quase insuportvel.

    Se a ordelm no estivesse realmente desesperada, teriarecusado aquele descarnado presente do imperador; mas havia

    anos que seus chefes vinham insistindo, at ento em vo, paraque as cortes reais europias a ajudassem a encontrar uma novasede.Embora respeitada pelas suas proezas militares, a ordemno era muito popular.

    Os cavaleiros de So Joo de Jeruzalm eram a ltimadasd grandes ordens militares e religiosas que restavam dascruzadas. Provenientes de todas as naes da Europa, essescavaleiros s obedeciam ao papa, tornando-se, assim, suspei-tos perante os chefes dos estados soberanos europeus, aindainstveis no poder.

    Resolveram aceitar Malta, por suas esplndidas baas.Outrora com sua ordem instalada no continente, os cavaleiroshaviam sido obrigados, quando expulsos da Terra Santa, a tor-

    nar-se navegadores; viviam s custas do que s se pode chamar

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    Instalao em Malta

    Como os enviados tinham avisado Malta era to poucoacolhedora como os seus habitantes. Viviam l 12 mil campo-neses, cinco mul em Gozo, e lnao davam a menor importan-cia a quem mmos governava.Dificilmente poderiam levar vidamais dura, trabalhando ardualmente na agricultura e, de vezem quando, sendo selvagemente atacados pelos muulmanos.A nobreza local tambm recebeu mal os recm-chegados, reti-rando-se, ofendida, para seus palcios dentro da cidade mura-da de Mdina, a capotal, mno centro da ilha.

    Os cavaleiros no tinham jinteno de pertub-los.Insta-laram-se na pequena aldeia pesqueira de Birgu, dentro da ba-a Grande.Al, aqueles homens, bem armados e zelosos, que,na rica histria de Malta, era como que visitantes vindos de ou-

    tro planeta, prepararam-se para residir, certos de que os turcosiriam tentar repetir o sucesso obrido em Rodes.

    Os cavaleiros de So Joo tinham comeado por seruma ordem hospitalar, dedicada pesquisa cientfica e ao trei-namento de mdicos; mas foi dirante sua estada de dois su-clos em Rodes que se desenvolveram as suas caractersticasespecficas - de hospitalares e soldados, passaram a ser nave-gadores em peimeiro lugar e hospitalares em segudo. Foi emRodes (que, geograficamente, parece apontar como uma espa-da para a costa turca) que eles se tornaram os melhores nave-gadores que j haviam singrado o Mediterrncio.

    Eram nessa poca um amlgama de todos os povos eu-ropeus - uma legio estrangeira de cristos militantes dividida

    em oito langues(lnguas ou idiomas), que representavam oitonacionalidades europias: Auvergne, Provena, Frana (as

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    trs falando francs), Arago e Castela (espanhol), Alemanha,Itlia e Inglaterra. Depois que Henrique VIII cortou relaescom Roma, dissolveu a Antiga e Nobre Lngua daInglaterra, ficando esta representada por apenas um nico

    cavaleiro.O homem que governava a ordem desde 1557, e que se

    preparava agora para enfrentar o poderio de Solimo, era umprovenal, o gro- mestre Jean Parisot de la Valette, pessoasde idias fixas. Desde o dia em que a professora, aos 20 anos,nunca mais sara do convento,a no ser quando o dever o im-pelia a faz-lo.

    Um dos seus contemporneos descreve-o como belo,alto, calmo e sem emoes,falando fluentemente italiano, espa-nhol, grego,rabe e turco. Aprendera os dois ltimos idiomasquando fora capiturado e feito escravo numa galera otomana.Durante um ano, levara a vida infernal de remador at ser li-bertado numa troca de prisioneiros.

    As vezes,escreveu outro frans que sofrera o mesmodestino, os escravos remavam 12 e at 20 horas sem parar;

    oficiais andavam de um lado para outro, colocando pedaos depao molhado em vinho nas bocas daqueles desgraados, paraque no desmaiassem. Se um escravo tombava exausto sobre oremo, era aoitado at ficar como morto, e depois atirado bordafora.

    Os que sobreviviam a esse martrio no ficavam necessa-riamente estropiados; chegavam mesmo a viver at idadesavanadas, como se prova com o que se passou com o prprio

    La Valette. To indestrutvel como uma tbua de casco de na-vio curtida pelo sal, ele tinha a mesma idade de Solimo: 70anos. Aps uma vida de lutas constantes,para chegar a isso umhomem tinha de ser fantasticamente resistente. Alcanar umaidade dessas em plena forma fsica e mental era ser quase su-per-humano. Isso e mais a sua fantica f relgiosa que o tor-na quase invencvel.

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    A Cruz e o Coro

    Em Abril de 1565, La Valette soube que a armada do sul-

    to levantara ferro, partindo do Chifre de Ouro. Durante abril emaio, chegaram a Malta barcos trazendo notcias da aproxima-o dos turcos.Em meados de maio, o gro-mestre reuniu aconfraria.

    A grande batalha da Cruz contra o Coro vai ser tra-vada. Disse ele, Somos os soldados escolhidos kjpela Cruz,e, se o Cu requer o sacrifcio das nossas vidas, no haverocasio melhor que esta. Vamos imediatamente at junto do al-tar renovar nossos votos, a fim de obter, com nossa f, o des-prezo pela morte: s isso nos tornar invencveis.

    Naquelasexta feira, 18 de maio, ao se dissipar a neblinamatinal sobre as guas, as sentinelas avistaram 180 navios dagrande calado, da armada inimiga, posicionados em crculo a

    nordeste. A frente navegavam os dos dois comandantes turcos:a galera de 28 bancos, de Mustaf Pax, e a gigantesca galerade 32 bancos, de Piali, almirante da armada turca.

    A um destacamento de cavalaria La Valette ordenou quesequisse o lento percurso dos inimigos costa abaixo, e mandoudizer aos camponeses que trouxessem todos os animais e co-lheitas para o interior das muralhas de Mdina e Birgu.Enviou

    mensagens semelhantes para Goza, anorte, onde os campone-ses, logo que os archotes de aviso foram acesos, se acolheramdentro da cidadela.

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    Preparando as defesas

    La Valette trabalhara incansavelmente nas defesas da ba-

    a Grande, que eram fundamentais (ver mapas na pg. 145).Seu feitio lembrava jo das mandbualas semi-abertas de umco. No extremo norte, alm do qual ficava outra baa tambmmestupenda, Marsamuscetto, s havia montanhas desrticas. Acosta sul era uma linha serrlhada de pequenos cursos de quaseparando pennsulas que se projetavam para dentro da baa.Em duas dessas pennsulas (Birgu e Senglea). La Valette colo-cara a maior parte dos seus soldados. Na ponta da pennsulade Birgu, separado por um estreito fosso, erguia-se o forte deSanto ngelo, no qual duas fileiras de plataformas de artilha-ria dominavam a entrada da baa. Birgu jestava cercada poruma contnua linha defensiva. Asul, do lado de terra, uma altamuralha erguia-se com dois basties e um baluaarte elm cadacanto. Para l dessa formidvel barreira, um largo fosso jforaescavado na pedra por exrcitos de escravos turcos. Na base

    da pennsula de Senglea, o gro-mestre mandara erigir um no-vo e poderoso forte, o de So Miguel. Por ltimo, no final daponta norte da baa Grande, havia construdo o pequeno e iso-lado forte de Santo Elmo. Situado, como estava, entre a aber-tura da baa Grande e a da de Marsamuscetto, Santo Elmo im-pediria o acesso do inimigo a qualquer desses ancoradouros.

    A igreja conventual da ordem, em Birgu, formava o nc-leo jem vota do qual girava a vida das guarnies crists. Alise encontravam os arsenais, os armazns, o hospital, as cape-las e, em Santo ngelo, um grnde celeiro de cereais. A armadainimiga descia ao longo da costa, enquanto La Valette via os ]ultimos sacos de provises trazidos da Siclia seram esvaziadosdentro de uma grande cmara subterrnea, que depois foi fe-chada com uma pesada pedra.

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    Nos celeiros de Santo Elmo e de So Miguel, uma opera-o semelhante se desenrolava. Milhares de botijas de barro fo-ram enchidas com gua dasfontes lnaturais existentes lna pla-ncie de Marsae levadas para as fortalezas. Ento, com as cis-

    ternas dos defensosres cheiras,La Valette ordenou que se envi-nenassem os pucos poos e fontes aos queis os turcos poderi-am ter acesso.

    Como medida defensiva final, grupos de escravos em-purraram fora de braos uma barra do cabrestante, que fezlevantar um corrente macia entre o forte de Santo ngelo e aponta de Senglea. Quanto os elos se distenderam e subiram tona, a corrente foi amarrada a pontes de madeira, tornando-seuma barreira contra qualquer ataque vindo do mar. As duas pe-nnsulas, de Birgu e de Senglea, ficaram assim fechadas a ata-ques por terra e por mar. Enquanto elas resistissem, ningumconseguiria conquistar Malta.

    Durante aquele ano, cavaleiros provenientes de toda a

    Europa se dirigiram a Malta. Mesmo jassim, La valette tinhaapenas 600 a 700 sob seu comando.eram os mais aguerridos militares da ordem. Havia tam-

    bm um grupo de trs mul a quatro mil civis malteses, corajo-sos mas no treinados, e de quatro mil a cinco mil soldados deinfantaria espanhis e italianos trazidos da Siclia. Com estepequeno exrcito, La Valette iria enfrentar todo o poderio daarmada e do excito turcos.

    Muitos dos historiadores contemporneos calculam afora turca em 40 mil ou mais guerreiros adestrados, alm demarinheiros, escravos e outros. Seis mil janzaros, a elite doexercito otomano, formavam a ponta-de-lana dos turcos.Cerca de nove mil spahis, provenientes da Anatlia, da Cara-mnia e da Romnia, constituam a fora principal. Havia ain-

    da quatro mil iayalars, fanticos religiosos treinados para ata-car, inclusiva custa da prpria vida. Seis mil voluntrios,

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    marinheiros e corsrios completavam a armadaque se aproxi-mava da pequena guarnio de La Valette, enquento os ltimoscamponeses, com seus jumentos carregados, se apressavam aprocurar abrigo dentro das cidadelas e dos fortes de Malta.

    medida que as horas passavam, o gro-mestre ia fizan-do cada vez mais perplexo. Em lugar de encontrarem no enco-radoura de Marsascirocco, a sul da baa Grande, os turcos en-caminharam-se para o sul, navegando a menos de 800m dapraia.

    De madrugada, porm uma frota de 30 navios levontouferro e zarpou de regresso a Marsascirocco. Fora uma manobrade diverso; o verdadeiro ataque jiria partir do sul.No se deraaquilo que La Valette temia: a tomada do norte da ilha e o cor-te das comunicaes com Gozo, o que bloquearia qualquer co-antato posterior entre Malta e a Siclia.

    La Valette, porm, ignorava a existncia de profundas di-

    vergncias entre os comandantes inimigos.Mustaf Pax, che-fe das foras terrestres otomanas, vetereno das campanhasaustro-hngaras de Solimo, era um homem dedicado ao seusulto e famoso pela sua violncia e crueldade.Ao contrriodos do turco Mustaf, os pis do almirante Piali haviam sedocristos. Ele fora encontrado abandonado em mcima de umarado, perto de Belgrado (ento sob o assdio dos turcos), ecriado no serralho do sulto, antes de se tornar marinheiro,possua uma formidvel reputao de vitrias obtidas sobre oscristos. Solimo ordenara a Piali (o mais jovem) que respei-tasse Mustaf como um pai, e a Mustaf que conseiderassePiali como um filho amado.

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    Deciso fatal

    Essas recomendaes foram ignoradasd. Mustaf era a

    favor de que se capturasse primeiro o norte de Malta e Gozo,tornandoMdina, cujas defesas erama dbeis, e depois se cer-cassem as nicas verdadeiras praas-fortes da ilha, Birgu eSEnglea. O Forte de Santo Elmo podeia ser Ignorado sem peri-go, enquanto a armada turca bloqueasse a baa Grande. Piali,no entanto, menosprezou as ordens de Mustaf. Declarou queera responsvel pelos navios do sulto e que o nico ancora-douro segura (alm da baa Grande) era o deMarsamuscetto,logo a seguir, em direo ao norte. Acabou levando sua idiaavante, mas a deciso de tomar Marsamuscetto e l ancorar afrota significava que, primeiro, seria preceso tomar o forte deSanto Elmo.

    s 12:00 do dia 19 de maio j tinham desembarcado trsmil sodados turcos.O primeiro embate ocorreu quando um des-

    tacamento de cavaleiros se enconatrou com um patrulha turca.Menos numerosos e estrategicamente mal posicionados, tive-ram os primeiros mortos e foi capturado um cristo, o cavalei-ro frans Adrien de la Riviri, Sob tortura, ele disse a Musta-f que os lturcos jamais capturariam Malta, no s porqueestamos fortes e temos boas provises, mas porque nosso capi-to e seus cavaleiro e soldados so to valentes que preferammorrer a capitular.Impvido, Mustaf continou a preparar-see, a 21 de maio, lanou um ataque a Birgu.

    Observando jo avano rutco nessa primeira tentariva, LaValette ordenou a seus homens que s atirassem quando o ini-migo se encontrasse bem perto. Esquecera-se da impetuosida-de dos caveleiros mais jovens. Uma testemunha ocular contouque, antes que as porteas fossem fechadas, grande nmero de

    cavaleiros j tinha sado. Resignando-se ao inevitvel, La Va-

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    lette enviou trs divises de Birgu e de Sanglea, para batalharcontra os turcos que avanavam.

    A luta durou conco horas, at que La Valatte mandou dar

    sinal de retirada. Os defensores regressaram para dentro dasmuralhas, enquanto os atiradores mantinham distncia os tur-cos que vinham em perseguio.a Apenas 21 cristo forammortos, mas mais de 100 muculmanos tombaram no campo debatalha. Havia, porm, 150 cristos feridos, e, embora a lutativesse levantado o moral das tropas de La Valette, ele sabiaque no podia arriscar-se a navas surtidas.

    Ao anoitecer, Mustaf ordenou a seus homens que se re-tirassem. Do lado de terra, as linhas de defesa, protegidas pormuitos canhes, mostravam-se mais resistentes do que ele cal-culava.

    La Valette sabia que a deciso turca de comear as opera-es atacando o forte de Santo Elmo lhe daria mais tempo para

    reforar as defesas de suas princpais cidadelas, Birgu e Sen-glea. Nessa noite, enviou 100 cavaleiros e 400 sodados paraajudar a guaranio que se encontrava isolada do outro lado dorio.

    Os engenheiros e artilheiros do sulto tinham feito dobombardeio uma arte. Bois e escravos das galeras foram atrela-dos a armaes de maderia que levavam os enormes canhes

    com os quais Mustaf montaria o cerco. Lentamente, por terre-no acidentado e caminhos lamacentos, eles ospuxaram ao lon-go de 7km, dirigindo-se aposies no monte Sciberras, sobre acadeia de montanhas entre a baa Grande e Marsamuscetto.

    Dois dos canhes jeram colubrinas de 27kg, dez eram de36kg, e havia um enorme basilisco que lanava pedras de mais

    de 70 kg. A fim de proteger seus artilheiros e atiradores especi-

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    ais, os turcos tambm carregaram milhres de sacos de terra ato cimo escalvado da montanha.

    O bombardeio principiou a 24 de maio. A medida que o

    canho e o grande basilico ribombavam, as muralhas de cal earenitode Salto Elmo comearam a esboroar-se; com os tirosque se abariam vezes seguidas sobre o mesmo lugar, caamenormes mataes de pedra. A guarnio tamm sogria os efei-tos dos tiros certeiros dos atiradores espiciais, que se encontra-vam no cume, e de outros, furtiovs, do lado do forte que davapara Marsamuscetto. Passado pouco tempo, era quase imposs-vel s sentinelas manter vigilncia nessa direo.

    Dois dias antes. La Valette enviara, num pequeno bote,mensagens aos relutantes aliados da ordem na Siclia. Aos pri-ores da ordem em toda a Europa implorou que movessem suasinfluncias no sentido de so gevernantes dos seus respectivospases enviarem auxlio, e assegurou ao vice-rei da Siclia,Dom Garcia de Toledo:O moral da ordem, e das tropas em

    geral, alto.

    Na noite seguinte ao primeiro bombardeio, mas 200 ho-mens foram mandados em barcos a remos para reforarem asdefesas do forte sob ataque.La Valette sobia que Santo Elmoera a chave para entrar em Malta.Enquanto os turco bombar-deavam esse p equeno forte, a guarnio principal continuava apreparar-se e a reforar defesas. Pior para os tucos era que LaValette colocara lna cidadela de Mdina a maior parte da suacavalaria, sob o comando do marechal De Copier. Durante aofensiva a Santo Elmo, esses cavaleiros atacavam Marsa sem-pre que havia opurtunidade, am de isolarem, uns dos outros,os grupos de turcos que andavam procura de gua e alimen-tos.

    Maio estava a findar, e o calor dovero era forte. Sobreos canhes, a poeira e a nvoa tremiam como miragens. Lenta-

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    mente, as muralhas do forte iam ruindo. Assim que se abria umbrecha, os defensores mourejavam para construir outra muralhapor trs dela; mas como um castelo de areia redo pelo mar,forte ia inexoravelmente dimiuindo. Na segunda noite, La Va-

    lette mandou mais s50 cavaleiros (todos voluntios), desta vezcomandados pelo Chevalier de Medran, e 200 soldados espa-nhis.

    Naqueles dias sombrios, a sorte parecia estar contra osdsefensores, mas, na madrugada de 1o de junho, durante umasurtida da guarnio de Santo Elmo contra os turcos, La Valetteouviiu gritos e tiros de mosquete. Protegidos pela escurido,eles tinham baixado a ponate levadia e corrido para fora, cap-turado alguns turcos que se achavam numa das trincheiras maisavanadas. O pnico espalhou-se entre os inimigos. Ao v-losfugir atravs das ridas colinas de Sciberras, o gro -mestre eseu conselho, cheios de alegria, deram-se conta de que tudo iabem em Santo Elmo.

    Foi nessa radiosoa madrugada que Mustaf Pax decidiuque era hora de chamar jos janzaros. Durante as querras tra-vadas pelo imprio otomano, esse momento chegara sempre,umas vezes pra evitar que os demais entrassem em pnico, ou-tras para transformar em triunfo uma vitria duvidosa. Essecorpo especial fora criado exatamente para momentos crticasassim; sua misso era rotnar indubitvel que a balana daguerra pendesse a favor dos crentes.

    Os janzaros (do turco yeniceri,novo exrcito) eramdiferentes dos outros soldados. Nenhum tinha nacionalidadetuca; eeram filhos de sditos cristos do imprio otomano. Decinco em cinco anos, eramm inspecionados todos os cristosdo sexo masculino com sete anos de idade. Os mais primisso-res eram lavados para Constantinopla e submetidos a severo

    treinamento, abstinncia e estrita disciplina. Como lhes eraproibido casar, no tinham famlia a quem se afeioassem. Or-

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    gulhosos dos seus privilgios, pareciam desejosos de compro-var suas condio, atravs da prontido com que executavamas mais perigosas misses.

    Foram tais homens (nascidos cristos, criados como es-partanos e convertidos lem muulmanos fanticos) que Musta-f Pax enviou para deter o avanao dos cristos. Diante deles,os galentes defensores de Santos Elmo viran-se forados a re-cuar. Como uma onda implacvel, os janzaros atacaram o for-te; seus agudos grijtos de guerra ressoavam,e, enquanto os tirosde canho reboavam sobre as suas cabeas, os defensores maltiveream tempo de recuar e de se acolhere dentro das muralhas.

    Assim que a fumaa se desfez, as sentinelas se Santo n-gelo deram-se conta de que a surtida fora em vo. Sobre umdos parapeitos mais elevaos do forte, o estandarte muculmanodrapejava. Os janzaros havian-se instalados quase dentrodeSanto Elmo.

    Vindos do norte da frica, na manh seguinte chegaram45 navios que traziam para o cerco canhes e 2.500 voluntriossob o comando do mais clebre marinheiro muulmano dapoca, o carsrio DRagut. Como La Valette, ele sobrevivera auma temporada como escravo de galera. Seus feitos eram tan-tos e to audaciosos que os muulmanos jo tinham apelidadeode A espada Nia do Islame.O prprio Solimo enviara or-dens a Piali e a Mustaf Pax, no sentido de aceitarem sempre

    as sugestes de Dragut. Veterano de muitos cercos, ele saquea-ra muitas vezes Malta e conhecia a ilhamelhor que os outrosdois. Dragut foi bem duro em seus comentrios.

    Primeiro deviriam ter isolado a ilha do lado norte, dis-se com desprezo. Seria ento fcil impedir que mensageiroscaristos navegassemm para a Siclia e qfue reforos desembar-

    cassem em ajuda dos caveleiros. Santo Elmo! Esse iria acabar

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    caindo. Depois da tomada do norte da ilha, Birgu e Senglea po-deriam ter sido atacadas comm toda a calma.

    Dragut mandou imediatamente montar baterias pesadas

    na ponta de Tign, a apenas 450m a norte de Santo Elmo, e,mais ao sul, na praia de Punta delle Forche (ponta das For-cas), assim chamada plorque os cavaleiros costumavam enfor-car alai kpiratas. Tambm mreforou com mais 50 canhes abarreira no monte Sciberras. O velho corsrio, de 80m anos,instalou-se ento com suas tropas nesse lmonte, e era l, nomeio da fumaa e do estrondear dos canhes, que tomava suassrefeies e descanava.

    No dia seguinte, ,o bombardeio turco redobrou de inten-sidade. #Um cronista contemporneo descreveu Santo Elmocomo um vulco elm erupo, cuspindo fogu e fumo. Os ja-nzaros de MKustaf achavam que as brechas que se abriam di-ante deles eram suficientes poara um ataque. Dragut tambmesperava pelo momento em que os turcor pudessem atacar em

    fora oposto avanado (revelim) que guardava as muralhaslinternas de Santo Elmo. Logo que estivesse nas moes dos tur-cos, o forte cairia alguns dias depois; mas, como sempre, oscristos continuavam respondendo com tiroteio certeiro.

    A 3 de julho, bemm cedo.o cobiado revelim foi tomadoquase or acaso. Uma patrulha turca surpreendeu um grupo dedefensores exaustos, adormecidos. Em questo de mnutos, osjanzaros, com suas vestes brancas, avanaram, colocaram es-cadas de encoantro s paredes doposto avanado e esclaram-no, matantdo todos os defensores.

    Uma ponte de madeira unia o revelim aoforte. Foi a quese deu o combate mais encarniado, com os janzaros tentandopenetrar no forte antes que fosse erquuida a ponte levadia.

    Apesar do intenso tiroteio, eles chegaram at a porta, atirandoatravs das grades e colocando escadas de encoantro s mura-

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    lhas. Um derviche exortava-os, gritando: Lees do islame!fazei que a espada do Senhor separe as almas deles dos corpos,os troncos das cabeas!

    Fogo mortfero

    Para esses momentos crticos, fora inventado o percursordo coquetel Molotov, o fogo-grego (uma mistura inflalmvel desalitre, enxofre, piche, sais de amonia, resina e terebintina),que era atirado sobre o alvo, dentro de potes com pavios ace-sos, ou colocado em tubos que, quando inglamados, continua-vam durante muito tempo jorrando chamas de vrios metrosde comprimento. O fogo-grego era ainda mais mortferoquando usado nos trons (armas de artilharia pirobalstica, fei-tas com barras de ferro forjado colocadas como aduelas de pi-pas).

    Por causa das roupas soltas que usavam, os muulmanosjeram mpresa fcil dos projjjetjeis e caam como tochas huma-

    nas dentro do fosso. Pelo ar, espalhou-se um odord adocicadode carne humana queimada, semelhante ao do da carne de por-co. A batalha durou da madrugada at o meio-dia. Mustafmandava ondas de atacantes, uma aps outra, contra as mural-lhas incendiadas de Santo Elmo.No fim do dia, 2.500 soldadosturcos jaziam mortos e o forte ainda resistia, em meio a ummar de chamas e fumaa.

    Agora que os turcos ocupavam em grande nmero o re-velim capturado, no havia a menor chance de ter sucesso umaoutra surtida. Um cronista da poca descrevia assim a situaoda guarnio: A exausto crescente era insuportvel; entra-nhas e menbros de corpos humanos despedaados pelos canho-naos eram enterrados no prprio parapeito das muralhas. Talera o estado a que tinham reduzidossitiados, os quais nunca

    abandonavam seus postos, expondo-se de dia a um sol escal-dante, de noite mida friagem.Sofriam toda sorte de priva-

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    es, em meio a plvora, fumaa, poeira, incndios e salvas detiros: a alimentao era insuficiente ou insalubre. De ossos des-locados ou estilhaados, rostos cheios de horrendas feridas,elesestavam desfigurados que j quase no se reconheciam uns ao

    outros...A 4 de junho, um bote conseguiu chegar at eles, trazen-

    do uma mensagem de Dom Garcia. Ele viria em socorro deMalta, por volta do dia 20 de junho, se o gro-mestre enviasse Seclia as oito preciosas galeras que se encontram ancoradasa salvo dentro da baa. A mensagem era uma verdadeira senten-a de morte para os homens de Santo Elmo. Dom Garcia sabiaque La Valette contava apenas com nove mil homens,e que,mesmo com tripulaes reduzidas ao mnimo, seriam necess-rias centenas de homens(todos eles indispensveis defesa) pa-ra manejar cada embarcao.

    La Valette respondeu que o exrcito de auxlio no preci-saria ter mais de 15 mil homens. Se isso no pudesse ser conse-guido rapidamente, ele suplicava a Dom Garcia que, sem maisdelongas, enviasse 500soldados

    ilha. Se o vice-rei mandasse o auxlio prometido, SantoElmo resistiria apenas cerca de duas semanas mais, mas La Va-lette que era realista,estava cptico quanto possibilidade dereceber ajuda.

    Acompanhando o mesageiro de Don Garcia, veio um ex-periente militar espanhol, o capito Miranda. Embora sabendoque iria enfrentar a morte, o capitao imediatamente se se o fe-receu como voluntrio para participar na prepareaao da lti-ma resistncia do forte de Santo Elmo. La Valette aceitou, e,nessa mesma noite, Miranda, alguns cavaleiros tambm volun-trios e 100 homens juntaram-se guarnio condenada.

    Por essa altura, os defensores j tinham queimado os su-portes da ponte de madeira, mas trabalhadores turcos haviam

    labutado toda a noite, enchebdo o fosso entre o revelim e o for-te, e a 7 de junho, os turcos tentaram novamente escalar as mu-

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    ralhas. Para os que, do forte de Santo ngelo, observavam osacontecimentos, parecia jimpossvel qualquere resistncia dossitiados. Cada vez que os janzaros atacavam, porm, caa so-bre eles uma chuva de balas e artefatos incendirios, com o

    fogo-grego voando por cima, lmedida que envolviam o inimi-go. O ataque perdeu o mpeto, e soou o sinal da retirada.

    Inflexvel deciso

    Nessa mesma noite, o Chevalier de Medran atravessou orio e veio conferenciar com o gro-mestre. Sugeriu a retiradado forte devido impossibilidade de defend-lo, f-lo-iam ex-plodir e seus defensores se juntariam s outras forar crists,nas fortalezas de Birgu e Senglea

    Muitos sonselheiros concordaram, mas foi ento quesefez sentir o peso da persosnalidade e da reputao do gro-mestre. Quando entramos lnesta ordem, juramos obedincia,disse ele. Juramos tambm que nossas vidas seriam sacrifica-

    das em prol da f. Nossos irmos em Santo Elmo devem agoraaceitar esse sacrifcio.

    Nem um s membro do conselho duvidou de que, quandoa ocasio chegasse, La Valette seria o primeiro a arriscar-se.Foi aceito seu argumento de qfue todas as fortalezas de Maltadeveriam resistir at o ltimo homem.Acompanhando o Che-valier de Medram, nessa noite, 15 cavaleiros e 50 soldados

    egressaram a Santo Elmo, cruzando as guas escuras da basGrande.

    No dia seguinte, os turcos voltaram a atacar, durante seishoras a fio, e uma vez mais Santo Elmo resistiu. meia-noite,o cavaleiro italiano Vitellino Vitelleschiapareceu com uma car-ta assinada por 50 cavaleiros mais jovensde Santo Elmo, que

    foi mal recebida. Dizia: Uma vez que j no podemos cumprirnossos deveres para com a ordem , estamos decididos - se Vos-

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    sa Alteza no nos enviar barcos jpara a retirada - a desencadearuma surtida e morrer como cavaleiros.

    No se tratava de um motim, e a mensagem no signifi-

    cava que eles fossem coverdes. La Valette sabia que, assim,exigia de seus homens qualidades quse sobre-humanas, masainda estava decidido a reanimar o moral da guarnio. Paraobter um relatrio sobre a situao no forte, enviou a Santo El-mo trs cavaleiros, que chegaram l de madrugada. Dois decla-raram que o forte ainda pode resistir alguns dias.O terceiro,um napolitano chamado Castriota,foi menos diplomtico.Oque eles precisam de mais gente e de um novo plano, afir-mou.

    Fim da rebelio

    Voltando a Birgu, Castriota manteve essa opinio, ofere-cendo-se como voluntrio para liderar um grupo, ir a Santo El-mo e fazer jo que sugeria.Em uma hora, o napolitano havia

    reunido 600 homens para irem em socorro da fortificao.Nessa noite, uma mensagem enviada a Santo Elmo cobriu devergonha os cavaleiros rebelados. Eles j tinham sico informa-dos da constituio do grupo de Castriota, e seus amigos nasvrias langueshaviam-lhes dito lque estavamm desonrando su-as naes e a ordem. Os 50 cavaleiros ficaram hororizados, eko sarcasmo contido lna mensagem enviada por La Valette fe-riu-os mais do que se de insulto se tratasse.

    Formou-se uma fora de voluntrios, escrevia La Vale-tlte, e vossa petio para abandonar Santo Elmo foi agoraaceita. De minha parte, ficarei mais tranquilo sabendo que oforte est sendo defgendido por homens em quem posso confi-ar.

    Foi o fim da revolta. La Valette imidiatamente cancelou aordem para a ida do grupo de Castriota, mandando, em vez dis-

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    so, apenas 15 caveleiros e 100 soldados.Estava-se a 10 de ju-nho.Dificilmente ele poderia imaginar que a guarnio iria re-sistir por mais de trs ou quatro dias.

    A 10 de junho, ocorreu o primeiro grande ataque notur-no do cerco.Desta vez, no foram apenas os cavaleiros a usa-ram bombas incendirias; os otomanos tinham aperfeioadoum artefato que causava queimaduras terrveis. Repetidas ve-zes, cavaleiros e soldados escaparam de serem queimado vivisdentro das armaduras, recebendo jatos de gua salgada de gran-des depsitos colocados para esse fim ao longo jdos postos de-fendivos.Ao romper da aurora, 1.500 dos mais aguerridos sol-dados do sulto jaziam mortos ou moribundos na terra-de-nin-gum entre jo revelim e o forte.

    Piali e Mustaf, enraivecido, julgaram-se ambos culpa-dos pelo longo e disoendioso tempo perdido diante de SantoElmo, fortim relativamente sem importnciae que j deveriater sido tomado h muito. Resignado a esperar o taempo que

    fose preciso aps os primeiros erros dos comandantes do sul-to. Dragut era to inflexvel como os outros na teoria de que ocerco a Santo Elmo no deveria ser levantado.

    Ensudecidos, atordoados, exaustos, os defensores prepa-raram-se para a investida seguinte.Na madrugada de 16 de ju-nho, a guarnio viu que o inimigo se reunia e ouviu a voz tro-nitruante do gro-mufti conclamando os crentes a morrerem

    pelo Paraso. Pensando no seu prprio den, os cristos aguar-daram-nos com granadas, trons, caldeires de matrias ferven-tes e coisas que tais. Ento viram, que acobertada pela noite,toda a armada turca se aproxomara e se colocara em crculo emredor do forte.

    Postados em toda a volta do forte,perto de quatro mil

    aecabuzeirosabriram fogo. AS escadas e pontes improvisadasforam empuradas e caram ao solo, onde tantos daa elite do

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    exrcito do sulto, de corpos negros e esfacelados, jaziammapodrecendo ao calor. Qando o Sol se ergueu por trs dos bar-cos, a frota de Piali abriu fogo. Minutos depois, as baterias ter-restres de Mustaf iniciaram um devastador fogo cruzado.

    Mustaf mandou atacar primeiro os iayalars, loucos fa-nticos cuja coragem cega era produto de um misto de religioe haxixe. Enxergando apenas as muralhas derrocadas e, paral delas,, o Paraso, eles se lanaram como uma onda de lou-cura.Do cimo, e da brecha que haviva no lodo sudoeste, os ca-valeiros e suas tropas espanholas e maltesas abriram fogo.

    Carnificina

    Os iayalarsrecuaram, ficando o fosso juncado de cor-pos.A seguir veio a horda de derviches, pois Mustaf deixavapara o fim suas melhores tropas, de lmodo que os religiososfizessem com os cadveres um caminho para o alto do forte.Finalmente, ordenou que o orgulhoso do islame avanasse, e

    os janzaroscarregaram repetidamente; mas depois, ante o fogoda guarnio acastelada, vacilaram e tiveram de ceder.

    A maior carnificina, porm, acontecera junto a umape-quena bateria localizada do lado sul do forte, onde os artilhei-ros cristos haviam conseguido atacar o inimigo com fogo cer-rado. Atirando sobre as tropas muulmanas e abrindo verdadei-ros boqueires nas horddas de atacantes, o canho do forte de

    Santoo ngelo tambm ajudara os sitiados.

    Ao cair da noite, 150 defensores tinham msido lmortos ehavia muitos feridos, mas o solo estava coberto de cadveresde muulmanos. Uma chamada feita nessa noite revelou que,nas ltimas trs semanas, o sulto peredera cerca de quatromil homens.Entre os mortos, encontrava-se o Chevalier de Me-

    dran. Miranda estava gravemente ferido. La Valette ordenouque enviassem reforos para Santo Elmo.No dia seguinte, 12

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    cavaleiros italianos procuraram o gro-mestre e, sabendo queisso significava morte certa, ofereceram-se para a misso.Pelaprimeira vez, La Valette recusou permisso.

    Como Dragut havia dito, a razo do insucesso turco eramaqueles reforos de tropas e munies, que, atravessando a baaGrande durante a noite, vinahm de Birgu.

    Enquanto a guarnio continuar recebendo auxlio defora, comentou jo velho corsrio, vai resistir aos nossos ata-ques.

    Sua proposta foi a construo de um muro de proteo,no flanco oriental, entre o monte Sciberras e a baa Grande, afim de permitir que fosse mantido fogo ininterrupto sobre osbarcos que levavam reforos. Foi esse o ltimo conselho dadopor Dragut.A 18 de junho,quando ele supervisionava a cosns-truo dessa muralha, uma bala de canho proveniente de San-to ngelo caiu perto, causando grande quantidade de estilhaos

    de rocha; um atingiu Dragut acima da orelha direita. Com san-gue espisrrando do nariz e dos ouvidos, A Espada Nua do Isl-me caiu ao solo. Mustaf ordenou que o corpo do grande cor-srio fosse carregado em segredo para Marsa. Dragut resistiualguns dias, mas nunca lmais deixaria sua tenda.

    Por volta da meia-noite de 19 de junho, artilheiros turcosconseguiram atingir os soldados dentro dos barcos que cruza-

    vam as guas. Isolado do resto do mundo, Santo Elmo estavas.

    Do nascer ao pr-do-sol do dia 22 de junho, os canhesmuulmanos trazidos para terra, os dos navios e os gigantescosbasiliscos mantiveram ininterruptamente sua ao. As mano-bras dos otomanos estavam em grande parte fora da vista dos

    artilheiros de Santo ngelo; s quando os turcos saram da pro-teo do muro para o ataque final foi que esses artilheiros se ar-

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    riscaram a abrir fogo. Fosse como fosse, os iayalasre os jan-zaros continuavam sentindo a forte resistncia movida poraqueles homens vestidos de ao, sempre sua espera ana bre-cha, armados de espadas, lanas, chuos, machados e at ada-

    gas.

    Os turcos lmantiveram-se no ataque durante seis horas,at que Muataf finalmente ordenou a retirada.Em Santo n-gelo, as sentinelas de repente se deram mconta de uqe seus ir-mos em Santo Elmo estavam bradando vitria. Provavam, as-sim, a La Valette, ordem e a toda a Europa que, mesmo enca-rando morte certa, naquele dia haviam vencido.

    noite, um soldado malts mergulhou das rochas que fi-cavam na base de Santo Elmo e nadou at Birgu. Contou quepraticamente todos os sobreviventes da guarnio estavamgravemnete feridos, mas que a disciplina e o moral eram ele-vados.Num repente, La Valette ordenou que um ltimo reorotentasse atingir o forte. Cinco barcos abertos encheram-se ime-

    diatamente de voluntrios,mas as guas escuras da baa explo-diram sob o tiroteio dos canhes turcos. Ningum poderiaatravessar aquela cortina de fogo. Vendo a retirada dos reforospara dentro do forte de Santo ngelo, a guardnio de SantoElmo preparou-se jpara morrer.

    Na madrugada de 23 de junho, o primeiro ataque maciofoi levado a cabo por janzaros, spahis,iayalars e levys; todo o

    exrcito turco corria colina abaixo e atirava-se infatigavelmen-te contra jo forte. Nos gritos de guerra dos muulmanos haviaalgo que fez saber aos cristos, em Birgu e Sengllea, que o fimchegara mesmo. Santo Elmo e sua guarnio de menos de 100homens resistiram durante queatro horas.

    Depois Mustafa Pax atravessou o fosso. A bandeira dasOrdem de So Joo foi atirada ao solo,e o estandarte do Sulto

    drapejou ao vento. Vendo isso, La Valette soube que o forte ca-ra. Enquanto a armada turcsa entrava na baa de Marsamus-

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    cetto, por cujo domnio aquela batalha de um msfora travada,um mensageiro foi manado a dar noticia a Dragur, moribundo.Erguendo os olhos aos cus, o velho corsrio imediatamen-te expirou.

    Mustaf Pax, porm, tinha poucas razes para rejubilar.DAs ruinas de Santo Elmo, olhou para o vulto ameaador doforte de Santo ngelo, do outro lado da baa. Al clamou.Se um filho to pequeno ns custou to caro, que preo tere-mos que pagar por um pai to poderoso?.

    O fortim custara cerca de oito mil mortes aos turcos e de1.500 aos cristos. Tinham perecido 113 cavaleiros e escudei-ros, mas a maioria dos cristos mortos era constituda pormalteses, espanhois e outros soldados estrangeiros. Algunsmalteses tinham conseguido escapar nadando at Santo nge-lo; os corsrios de Dragut capturaram nove cavaleiros, comorefns. No houve mais nenhum sobrevivente.

    Mustaf Pax ordenou que empalhassem em lanas ascabeas de quatro dos cavaleiros; depois mandou colocar emcruzes de madeira os corpos decapitados e atir-los gua. No

    dia seguinte, os cadaveres foram dar Fortaleza de Santo n-gelo.

    Cabeas como balas

    La Valette imediatamente determinou que todos os prisi-oneiros turcos fossem dacapitados.As tropas de Mustaf esta-vam juntando os canhes da batalha de Santo Elmo, para en-

    vi-los a Constantinopla como trofus, quando ouviram tiros.As bocas de fogo de Santo ngelo usavam como balas as cabe-as dos prisioneiros turcos, que caiam em cima deles. Era as-sim que o gro-mestre dizia a Malta: Recuar, nunca!.

    Durante vrios dias, os turcos transportaram suas armasatravs de Marsa, para poder assest-las na direo de Birgu e

    de Senglea. Nesse itervalo, chegaram do norte quatro galeras,trazendo como reforo 42 cavaleiros, 25 gentis-homens vo-

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    luntrios, 56 artilheiros e 600 soldados de infantaria. Sob aproteo de um mdenso nevoeiro, a pequena fora de auxlioenganou a vigilncia turca e chegou a Birgu em segurana.

    Esse acontecimento (alm das pesadas baixas sofridasem Santo Elmo) jpode ter sido a causa da diciso tomada entopor Mustaf, no sentido de oferecer aos cavaleiros livrre trnsi-to para sarem da ilha, caso se rendessem.La Valette mandouque o mensageiro fosse levado aotopo das muralhas, e, l,mostraram-lhe a profundidade do fosso e a altura da mura-lha. Apontando para o fosso, La Valette avisou: Diga ao seusenhor que este o nico territrio que lhe cederei... desde quefique cheio de corpos de janzaros. O mensageiro ficou toapavorado que, segundo um cronista da poca, sujou os cal-es.

    Foi de fria cega a reao de Mustaf, que jurou tomarBirgu e Senglea e passar a fio de espada todos os cavaleiros,menos La Valette, que seria agrilhoado e levado presena do

    sulto.

    Na noite clida, estalavam chicotes, rangiam madeiras eouviam-se os gritos doshomens. Rependtinamente, no meio daescurido, assomaram as altas proas dos navios, que,ao longode 800m de pedras, estavam sendo transportados por terra, so-bre toros de madeira, desde o rio Marsamuscetto at a baaGrande.

    Os cavaleiros haviam pensado que s teriam de enfrentarum inimigo que atacasse por terra, mas agora, nas guas da ba-a Grande, estavam 80 nacios inimigos. Eles se sentiram cerca-dos por ambos os flancos.

    Era evidente de onde jiria partir o primeiro ataque. Os

    navios turcos no poderiam penetrar no estreto rio, entre Birgue SEnglea, devido barreira de correntes defensivas, nem na-

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    vegar pela bas Grande, por causa das bocas de fogo de Santongelo. Portanto, eles iriamm investir pelo flanco lsul de Sen-glea. Os primeiros canhes de cerco dos turcos tinham sidotransportandos pra o cimo das colinas sque dominavemm Sen-

    glea, e os arcabuzeiros atiravam mde modo ceerteiro; mal umcristo levantava a cabea acima da muralha, corria o risco deser abatido.

    A fim de evitar um desembarque otomano pela parte bai-xa de Senglea , La Valette ordenou aos marinheiros malteses aconstruo de uma paliada. Grades pontoes de madeira fo-ram enterrados no mar e ligados com grossas correntes de fer-ro.Na primeira semana de julho, os melhores nadadores turcos,armados de machados, cruzaram o rio, que tinha 140m de lar-gura, e comearam a destruir essas novas defesas,

    Voluntrios malteses, acostumados a nadar desde crian-as, imediatamente foram ao seu encontro, de faxas atravessa-das nos dentes, e lutaram corpo a corpo numa das mais estra-

    nhas batalhas do cerco. Sendo os malteses mais destros, os tur-cos tiveram de bater em retirada.

    Lio merecida

    Mustaf Pax decidiu, ento, agir imediatamente. Co-mandados por Hassem, genro de Dragut, soldados argelinosjuntaram-se ao exrcito turco. Hassem irritara Mustaf com

    seus coamentrios sobre a fraqueza das ataques anteriores.Quando Hassem se ofereceu para comandar o primeiro ataqueterrestre sobre Senglea (enquantoseu lugar-tenente Candlissa,dirigia o ataque martimo), Mustaf aproveitou a opurtunidadepara dar ao jovem ferrabrs uma boa lio.

    Ao romper do dia 15 de julho, as galeras de Candlissasubiram o Marsa, enquantos os homens de Hassem atacavam

    por terra as muralhas de Senglea. Os primeiros barcos avana-ram a toda a velocidade de encontro paliada, mas os malte-

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    ses haviam feito um bom trabalho e os barcos ficaram presosnas correntes. Sob o martfero fogo vindo das muralhas deSenglea, Candlissa e seus homens atiraram-se gua. Segu-rando escudos acima das, nadaram at a margem e prepararam-

    se para escalar as muralhas. Nesse momento, Hassem e seus ar-gelinos atacaram pelo lado de terra o forte de So Miguel. Ostiros dos canhes abriram muitas brechas em suas fileiras,mas, passado pouco tempo, suas bandeiras drapejavam nosparapeitos.

    Enquanto isso, o ataque por mar parecia estar sendobem-sucedido. No lado sul de Senglea, uma fsca causou a ex-ploso de num paiol de plvora, derrubando parte da muralha.Correndo, os soldados de Candlissa subiram o aclive. Quandoa poeira assentou, os cristos veram, horrorizados , os atacantesj na brecha. Nesse momento, as precaues de La Valette fo-ram da maior utilidade. Sabendo que as defesas de Sengleaeram mais fracas que as de Birgu e as de Santo Angelo, elemandara contruir uma ponte de barcos unindo as duas pennsu-las. Eenviou ento, s pressas, um grupo aguerrido socorrer a

    posio ameaada, e breve a situao se normalizou.Mustuf Pax achou que era chegada a hora de aplicarseu golpe de mestre. Transportando 1.000 janzaros, 10 grandesbarcos dirigiram-se para Senglea. Achava ele que,com os de-fensores ocupados na muralha sul, os janzaros desembarcari-am sem problemas na ponta norte de Senglea; mas havia al-gum observando a aproximao dos barcos dos janzaros. OChevalier de Guiral comandava uma bateria que, situada quase

    ao nvel do mar, passara despercebida aos turcos. Quando osbarcos ficaram defronte dos seus canhes, De Guiral mandouabrir fogo.

    No houve defesa passvel para as embarcaes, apinha-das de gente. Em fogo cruzado, projteis e estilhaos choveramsobre a gua. Com apenas duas salvas de artilharia, nove bar-cos afundaram e 800 homens morreram afogados. O 10 barco

    conseguiu recuar e abrigar-se perto dasfaldas do monte Sciber-ras, mas, recosdados do que acontecera em Santo Elmo, os ha-

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    bitantes malteses no fizeram prisioneiros. Em Malta, at hojese emprega a expresso vingana Santo Elmo quando sefala de alguma ao na qual no se perdoa ningum, no se dquartel.

    Era meio-dia, e a temperatura ultrapassava os 32C.Oscristos acotovelaram-se dentro de pequenas fortalezas, ondecada pedao de po e cada copo de gua deviam ser cuidado-samente contados. A noite, os muulmanos recolhiam-se se-gurana das tendas e dos seus navios, e dispunham de boasprovises. Alm disso, usavam tnicas bargas e frescas, e pou-cas armaduras. difcil entender como, sob o abrasador solde Malta, os cavaleiros sconseguiam aguentar jo peso das ar-madura, mas, entre os sitiados, eram raros os casos de doena,talvez devido tradicional vocao de enfermeiros dos inte-grantes da ordem; lnas fileiras turcas, porm, comearvam agrassar a disentiria, a febre entrica e a malria.

    Os navios de Piali guardavam agora permanentemente o

    norte da ilha de Gozo, e Mustaf pensava no precisar preocu-par-se com a chegada de reforos provenientes da Siclia. Du-rante a ltima semana de julho e a primeira de agosto, os arti-lheiros turcos trabalharam dia e noite, sem dar trguas aossa=itiados. No forte, homens, mulheres e cranas labutavamjuntos, reparando brechas, fabricando artefatos incendirios econsertando pistolas e outras armas.

    Vindo de todos os quadrantes, a a 7 de agostoo bombar-deio recomeou. Quando o troar dos canhes cessou, os ho-mens comandados por Piali atravassaram o fosso de Castela,atrlhado de destros. Irrompendo por uma brecha, avanarampor um espao que parecia indefeso, mas deram com outra mu-ralha interior. La Valette tinha-a construdo ao longo de todo olado de Birgu que dava para o interior da ilha;quando a mura-

    lha principal casse, o inimigo se encontraria dentro de umaarmadilha.Sob o fogo imkpiedosos da guardnio e sem pode-

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    rem recuar devido presso dos defensores, os muulmanos dePiali foram massacrados s centenas.

    Enquanto isso, outros sodados sob o comando de Muata-

    f haviam conseguido um ponto de apoio na cidade do forte deSo Miguel, em mSenglea. Desta vez, o gro-mestre estava aci-ente de que no podia enciar um nico homem em socorroodos sitiados no outro forte.

    Mustaf Paax era um fantstico velho guerreiro, comoLa Valette e Dragut. Aos 70 anos,cercado da sua guarda pesso-al e com os janzaros logo atars, comandou pessoalmente oataque final.SEm esperana de que lhe chegasse socorro porvia martima, a guarnio de So Miguel foi encurralada. Aderrota parecia iminente.

    Ento o inacreditvel aconteceu: os turcos deramm o si-nal para a retirada! Com Senglea quase tomada, foi difcil paraos janzaros aceitarem o recuo, mas, passado pouco tempo, pa-

    ra estupefao dos cristos, tambm eles se punham em fuga.Por um instante, La Valette pensou que o exrcito de Don Gar-cia finalmente desembarcara.

    Fora essa mesmo a mensagem recebida por Mustaf. Umcavaleiro chegara esbaforido,, gritando que o inimigo estavaatacando o acampamento turco no Marsa, depararam-se comum espetculo dantesco: entre as tendas derrubadas, mortos e

    moribundos jaziam empilhados, mistura com cavalos mutila-dos e mantimentos incendiados.

    Indulgncia Plenria

    Ao ouvir o tremendo furor do bambardeio daquela lma-nh, o governador de Mdina esviara toda a cavalaria em socor-

    ro dos sitiados; o acampamento turco fora atacado com fria

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    demonaca. Havia sedo um massacre, e isso tinha salvo os ca-valeiros naquela hora terrvel.

    Dentro das muralhas de Santo lngelo, La Valette confe-

    renciou comseu secretrio ingls, Sir Oliver Starkey. Enquantoa artilharia do forte respondia aos canhes turcos, caa do tetoum fina poeira calcria. DeDon Garcia de Toledo, La Valatteacabara de receber a poromessa de que chegaria a Malta antesdo fim de agosto.

    J no podemos confiar nas promassas desse homem,dizia La Valette. Temos de nos salvar sozinhos. Resolveuento divulgar jalgo que certamente iria levantar o moral dossitiados. O papa Pio IV recentemente prommulgada uma bulaconcedendo indulgncia jplenria queles que tambassem lu-tando contra jos muulmanos, e La Valette anunciou que todosos pecados haviam sido perdoados aos ldefensores de Malta.

    Na madrugada do dia 20 de agosto, Mustaf atacou os

    basties de Catela e So Miguel. Janzaros e iayalarsatraves-saram a terra-de-ningum. Piali manteve suas foras em tornode Birgu, enquanto Mustaf espoerava para ver se La Valettecairia na esparrele, mandando soldados de guarnio de Birguemm socorro dos homens em perigo em Senglea.

    Balbi de Correggio, um aventureiro espanhol que parti-cipara do cerco desde o incio,descreveu assim o ataque:Foium dos mais violentos de todo o cerco, e, nele, o fogo do inimi-go nos causou mais prejusos do que nunca. A fumaa aindano se dispersara totalmente, e j as tropas de Piali haviam pe-netrado na cidadela. Em seuposto de comando no pequeno p-tio de Birgu, La Valette no hesitou. Empunhando a espada e frente dos seus homens, dirigiu-se para o bastio de Castela.

    Cercado dos seus cavaleiros, o gro-mestre comandouuma carga to impetuosa que mudou o curso ldos aconteci-

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    mentos. Quando eles iam subindo o talude queimado e fufme-gante, no lugar onde um mina abrira uma brecha na muralha namuralha La Valette foi ferido numa perna por estilhaos de gra-nada, mas a guarda avanada turca retrocedeu.

    Devemos recuar para lugar seguro, senhor! insistiuumm dos ajudantes de La Valette. O inimigo est em debanda-da.Ele, poarm, manquejando, continuou a subir o talude, e,apontando as flmulas inimigas, disse:Enquanto elas tremu-larem, no recuarei. S aps a reconquista do bastio queele se decidiu a cuidar do ferimento.

    Pouco depois do crepsculo, Mustaf e Piali retomaramaa ofensiva. Da enseada da baa Grande e de todos os morros ecolinas em volta de Birgu e Senglea, partiu uma torrente de fo-go, e o barulho tornou-se terrvel. Servindo de referncia paraseus homens, o gro-mestre, cuja armadura dantes reblianteestava agora amolgada e suja, enfrentava os inimigos na bre-cha. Quando amanheceu e os turcos debandaram, as duas forta-

    lezas continuavam nas mos dos cristos.

    As condies eram crticaas. As perdar tinham sido pe-sadas; j no havia a quem pedir reforos, as munies esta-vam acabando, e quem conseguia andar no era consideradoferido.

    Desde a queda de Santo Elmo, a 23 de junho, quase todoo poderio das baterias turcas apontava para Birgu e Santo n-gelo.Praticamente todas as casas no interior do recinto fica-ram destrudas, e as prprias muralahas estavam prestes a de-sabar. Mustaf mandou vir at vem perto das muralhas umenorme engenho de cerco - uma torre que carregava uma resis-tente poonte levadia e que podia ser baixada, para que os ata-cantes penetrassem na fortaleza.Protegida do fogo por gran-

    des pedaos de coura mantidos ensopados em gua, a torrechegou to perto da muralha que, do alto da plataforma, os ati-

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    radores janzaros conseguiam facilmente atingir kos defensoresdentro do prprio forte.

    La Valette ordenou a um carpinteiro malts, Andrew

    Cassar, que fizesse um abertura na base da muralha, bem de-fronte da torre. Por esse buraco, passou o cano de um canho,que fazia fogo com dois grandes jteis de cada vez (ou metadedeles), presos por uma corrente de ferro, que iam rodando peloar e cortando tudo, como uma gigantesca foice. A to curta dis-tncia, eles iam destruindo aquela estrurura de madeira tiro a ti-ro. Os janzaros que s encontravam no topo comearam a pularpara fora, enquanto a torre se se desintegrava, acabando porcair com tremendo estrondo, matando dezenas de soldados.Entao o canho foi puxado para dentro da muralha, e os traba-lhadores malteses imidiatamente fecharam a abertura.

    Enquanto isso, Mustaf atacava Senglea com umamquina infernal em feitio de barril comprido, amarrado comcorrentes de ferro e recheado de plvora, corrente, pregos e to-

    da sorte de metralhh. Um rastilho de combusto lenta foi colo-cado nessa mquina, e um grupo de turcos conseguiu arrast-la at as muralhas, atirando-a bem em cheio no meio dos cava-leiros e soldados que se encontravam do outro lado.

    Quase uma vitria

    Prontos para atacar no momento em que o engenho

    abrisse uma brecha na muralha, os turcos ficaram aguardando aexploso, mas o rastilho era muito lento e os sitiados consegui-ram fazer a mquina rolar rampa a baixo para dentro do fosso,onde explodiu. A devastao que causou foi sofrica afinal pelosprprios soldados turcos, que desataram a fugir. Aquele dia,que comeara mal para os defensores do forte, acabou quaseem vitria.

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    Entre os hostes otomanas, reinava grande desnimo.Grassavam doenas e, sob o sol implacvel, milhares de cad-veeres jaziam putrefatos.Estava-se quase em fins de agosto, eem breve o vento do outono, a Tromontana, comearia a soprar;

    mas lsento estariama cortadas as linhas de comunicao turcascom a frica, para no dizer com a distante Constantinopla. SeMKalta no case antes de meados de setembro, o exrcito te-ria de bater em retirada ou arriscar-se a passar o inverno nailha.Sabendo que as provises dos fortes sitiados no ppoderi-am durar indefinidamente, Mustaf era a favor de ficarem,mas, novamente, Piali discordou. Quando as tempestades doinverno jcomeassem, ele partiria com sua armada.

    SE os turcos estavam desanimados, aos cristos pareciaque o mundo ia acabar.No tinham maneira de saber que,emMessina, 240km a norte, se faziam preparativos para enviarauxlio. Todos os dias vinham cavaleiros do norte da Europa.Dicidido a no passar vergonha divido ao herosmo dos deMalta, Don Garcia envidava esforos para cumprir sua promes-

    sa de mandar ajuda antes do fim de agosto.

    J tinham decorrido trs meses desde que a elite doexrcito e da armada turcos atacara a ilha. Menos de nove milhomens e outros tantos cavaleiros de So Joo haviam resisti-do o vero inteiro, provocando a admirao de toda a Europa.At

    mesmo a rainha Elizabeth I da Inglaterra (cujo jpssestava representado apenas por Sir Oliver Starkey) sabia que,se os turcos vencerem, no podemos imaginar os perigos queameaaro o resto da cristandade.

    A 31 de agosto, os cavaleiros gr-cruzesunanimamenteinsistiram com mLa Valette para que abandonasse Birgu e serefugiasse emm Santo angelo. L poderemos aguentar me-

    lhor do que separados uns dos outrtos, como agora, argumen-tavam.

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    Se abandonarmos Birgu, respondeu La Valette, per-deremos Senglea, pois essa guarnio no pode resistir sozinha.Santo Angelo demasiadi pequeno para que, dentro, caibam apopulao maltesa, ns e nossa tropa. Com os turcos ocupando

    Senglea e as runas de Birgu, ser apenas uma questo de tem-po at que Santo ngelo caia sobre fogo conjunto dessas forta-lezas, enquanto agora so obrigados a dividir seus recursos.aqui que devemos manter-nos. Aqui pereceremos ou, com agraa divina, sobreviveremos.

    Para ter certeza de que nunca haveria uma retirada paraSanto ngelo, La Valette mandou queimar seus barcos.Transfe-riu quase todos os soldados de Santo ngelo para Birgu, dei-xando l apenas alguns artilheiros. Depois, fez explodir a pontelevadia entre Birgu e Santo ngelo; os fortes ficaram comple-tamente isolados um do outro. Agora todos comprendiam quedeviam defender seus postos e morrer neles.

    Em seguida, os turcos trouxeram contra Castela outramquina de cerco, em forma de torre, com a base reforada porpedras e terra. Do alto dessa torre, os atiradores matavam facil-

    mente os cristos, e no tardou que situao dos sitiados se tor-nasse desesperada. La Valette viu que, se a torre continuasse aimpedilos de ripostar, o ataque seguinte poderia provocas aqueda de castela.

    Como j fizera antes, ordenou aos trabalhadores maltesesa abertura de uma passagem atravs da base do forte. No mo-mento em que o ltimo bloco caiu, um grupo de soldados cor-reu para a torre. Pegando os turcos de surpresa, subiram as es-

    cadas e chacinaram os janzaros. Depois, colocaram na torre ar-tilheiros e dois canhes, protegidos por cavaleiros e guerreiros;a torre turca tranformou-se ento, em outro bastio de Castela.O fato de um punhado de homens ter conseguido tomar e man-ter a torre em seu poder dizia muito sobre o baixo moral dosturcos.

    Ento, Mustaf Pax recebeu a alarmante noticia de que

    s restava farinha para mais 25 dias.mesmo que os turcos de-bandassem imediatamente, eles contariam com poucas raes

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    para chegar at Constantinopla. Pior ainda,pela primeira vezestava faltando plvora.

    Mustaf redobrou de esforos contra os inimigos. Noite e

    dia, sapadores turcos minavam as muralhas em derrocada. Osdefensores, por sua vez, punham minas no lugares que lhe pa-reciam mais convinientes para a proteo do forte.Mineiros epedreiros malteses ficavam escuta, na escurido, prestandoateno ao barulho feito pelos sapadores turcos. Raramente sepassava um dia sem que uma mina joi uma contramina no ex-plodissem com grande estrondo.s vezes, tanto sitiantes comositiados ficavam soterrados sob os escombros fumegantes; ou,ento, os mineiros de Birgu entravam nas galerias subterr-neas, abertas poelos turcos, e travavam luta corpo a corpo,combatendo com enxadas, picaretas e punhais.

    Mustaf decidiu atacar Mdina; achava que iria poder uti-lizar canhes, plvora e metralha contra as praas-fortes doscavaleiros.A resistncia de Mdina (e da cavalaria crist abri-

    gada dentroa das muralhas) transformara-se num espinho en-terrado em sua carne. As muralhas no eram muito fortes, masos turcos apenas podiam atac-las pelo flanco sul, pois dos ou-tros lados davam para profundos precipcios.

    Sabendo que a deciso de Mustaf demonstrava comoele estava desesperado, o governador de Mdina resoveu tomarmedidas arriscadas. Sua guarnio era pequena, mas na cida-dela abrigavam-se muitas famlias de agricultores malteses.Mandou que estes e suas lmulheres se vesrissem de soldados ecolocou-os sobre as muralhas, com a guarnio. Tambm man-dou instalar todos os canhes sobre a muralha sul.

    Ataque e fracasso

    Subindo a colina em direo a Mdina, os turcos ficaramconvencidos de que ela no era uma cidade indefesa, porque se

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    viam muitos homens sobre as muralhas, e, quando se aproxi-maram, choveu-lhes chumbo em cima. Consternados, detive-ram-se, dizendo: outro Santo Elmo!

    Os oficiais tiveram dificuldades em obrigar os soldados anovo ataque. Ao chegar para se certificar da fora da cidadela,Mustaf ordenoi a retirada. S lhe restava voltar a atacar osdois basties, quase em runaas, dos cavaleiros.

    A diminuio do fogo turco e o fracasso na tomada deMdina haviam dado novo nimo aos sitiados. Comearam apensar em derrotar os turcos, mesmo sem a ajuda de DomGarcia, que nunca mais chegara.

    Na verdade, o exrcito de auxlio estava quase embar-cando.Mais de 200 cavaleiros, comandadntes e gr-cruzes daordem encontravam-se na Siclia com suas tropas, e a pequenacorte de Messina andava ansiosa por ver-se livre deles. Totali-zando perto de 11 mil homens, a tropa era formada por solda-

    dos profissionais e aventureiros oriundos de toda a Europa. A25 de agosto, levantaram ferro em direo a Malta.

    Emprincpio de setembro, Mustaf lanou uma ofensivadesessperada, mas os soldados j no eram os mesmos que de-sembarcaram em Malta para salvao das suas almas. O mo-ral era baixo e as doenas haviam contribudo para dizimar osturcos; j no tinham nenhum entusiasmo. Al no quer quenos tornemos senhores de Malta, diziam.

    Por seu lado, a frota de Don Garcia enfrentava uma forteventania e suas galeres viram-se obrigadas a procurar abrigo.S a 4 de setembro que os da armada avistaram a ilha deGozo. Teria sido o momento ideal para que as foras sob o co-mando de Piali cassem sobre ela e a destriusse, mas nenhuma

    tentativa foi feita para atacar essa ponta-de-lana dos cristos,talvez porque os prprios turcos estivessem abrigados do mau

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    tempo em Marsamuscetto. No dia seguinte, a armada de Garciaentrou no canal de Gozo, em demanda da baa de Mellieha, e ato esperada fora de auxlio comeou a desembarcar.

    Embora o exrcito recm-chegado fosse contitudo porapenas cerca de 11 mil homens, La Valette conseguiu fazer le-var aos ouvidos dos turcos a falsa notcia de que haviam vindo16 mil cristos. Espantado com essa informao, desenimadocom o modo como ocereco estava decorrendo e com seus soda-dos berira do motim, Mustaf ordenou a retirada da ilha.

    Impaciente, La Valette espereava que a fora de auxlioaparecesse em Birgu nessa noite, mas nada aconteceu. Durantetoda a noite, ouviram-se rudos da retirada do acampamentoturco.Enquanto isso, a fora de auxlio marchou para o centroda ilha, e entrou em contato com a guarnmio de Mdina. Des-conhecendo o fato de que os turcos batiam em retirada, o co-mandante Ascanio de la Cornaordenou que se montasse acam-pamento nas colinas so lada leste da ilha.

    Aos primeiros alvores do amanhecer, os defensores deBirgu e Senglea viram que os barracos da ilha estavam vaziosde inimigos; pela primeira vez, em meses, cavvaleiros, solda-dos, homens, mulheres e crianas deixaram pra trs os portesda fortaleza.

    Os primeiros navios turcos j se afastavam. Um grupo decavaleiros correu at Santo Elmo, e l ergueu sobre as runasa cruz banca, de oito braos, de So Joo. Mandarm buscar ca-nhes leves a Birgu, e comearam a atirar sobre a armada turca,qfue ento fugiu ainda mais depresa.

    Ao de Graas

    Em Birgu, malteses, cavaleiros e soldados rezaram umTe Deum, dando graas ao Todo-Poderoso e Santssima Vir-

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    gem. Sobre a ilha pairava ainda a fumaa de diversos incn-dios. De vez em quando, um pedao de murallha tambava comestrondo. As ruas estavam cheias de balas de canho e de gran-des bocados de metal e de mrmore atirados pelos basiliscos.

    Nessa hora, todos reconeciam como o gro-mestre tivera rea-zo. Todas as posies haviam sido defendidas at o fim.

    Foi ento que Mustaf Pax descobriu que fora enganadoquanto ao poderioda fora de auxlio. Temendo a ira do sulto efurioso com o modo como Piali e a armada tinhamm procedi-do, ordenou que se sespendesse a retirada e, contra opinio dePiali, mandoi que a frota navegasse 11km costa acima, aguar-dando os acontecimentos.

    Ao ver uma fora de cerca de nove mil homenssubindo aestrada em sua direo, Ascanio de la Corna, em vez de ir tra-var batalha na plancie,decidiu esperar em sua posio estra-tgica. No contava, contudo, com o temperamento fogoso dosrecm-chegados cavaleiros de So Joo. Sem esperar por or-dens, eles cavalgaram colina abaixo, obrigando La Corna a

    efetuar uma carga geral. Ao ver o que se passava, a guarniode Mdina imediatamente saiu em perseguio do inimigo. Amaior parte dos guerreiros cristos atacou os turcos de frente,enquanto a fora vinda de Mdina investia pelo flanco.

    Os soldados de Mustaf nao estavam disposto a enfrentarinimigos vigorosos e repousados.Pensavam j ter deixado paratrs o mortfero solo da ilha de Malta, e foi com relutncia queobedeceram ordem de desembarque. Quando os cristos ca-

    ram sobre eles, muitos fugiram. Em breve debandavam pelaplancie, em direo baa de So Paulo, onde estavam anco-rados os barcos de Piali.

    Mais uma vez,Mustaf paxdemostrou ser um homemde coragem fora do comum. frete dos janzaros, efetuou umcontra-ataque, mantendo em xeque a guarda avanada dos ca-valeiros, enquanto seus homens embarcavam nas galeras, que

    os aguadavam nas areias da praia da baa.

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    Os mosqueteiros janzaros foram impiedosamente em-purrados para dentro da baa, que se tornou cenrio de san-grentos combates corpo a corpo. As guas rasas ficaram reple-tas de barcos virados, cadveres boiando e homens lutando

    com machados, espadas e cimitarras. Mustaf Pax foi dos l-timos a embarcarem. Estava-se na tarde de 11 de setembro;quatro meses haviam passado desde que as foras do sultoSolimao desembarcaram. Malta e a Ordem de So Joo deJerusalm tinham resistido.

    Quando finalmente entraram em Birgu, os soldados dafora de auxlio viram, horrorizados, quado havia custado avitria. Aleijados e feridos arrastavam-se,como mortos ressu-citados, pelas fortalezas semidestrudas. O pequeno reino doscavaleiros estavasm em runas. Perto de 250 tinham perecido equase todos os outros estavam gravemente feridos ou aleijadospara o resto da vida. Morreram sete mil espanhis, soldadosestrangeiros e malteses. Da guarnio inicial de cerca de novemil homens, o gro-mestre tinha agora apenas 600 ainda ca-pazes de pegar em armas. Malta teria cado nas mos de Mus-

    taf dentro de semanas.No decurso do cerco, porm, os turcos perderam 30 milhomens; no mximo, 10 mil voltaram a Constantinopla. A not-cia espalhou-se pela Europa. At na Inglaterra, anticatlica, avitria foi lembrada. Trs vezes por semana, o arcebispo deCanturia mandou celebrar ritos de ao de graas durante asseis semanas que se seguiram ao final do cerco. Malta, aquelailha obscura, aquele rochedo calcrio, tornou-se conheci-da como ilhas dos heris e baluarte da f. Nunca mais se-ria considerada de somenos importncia pelos governantes daEuropa.

    Era comum que o sulto mandasse decapitar ou garrotaraquelles que fracassavam em suas misses; mas, quando a ar-mada derrotada atravessou o mar Egeu e finalmente entrou noBsforo, a fria de Solimao acalmara. Perdoou aos dois co-

    mandantes, declarando: Vejo que apenas na minha mo quea espada invencvel.

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    Solimo porem, no estava fadado a liderar outra expedi-o contra os cavaleiros de Malta.Em 1566, aos 72 anos, mor-reu durante o cerco a uma praa-forte na Hungria. Em todoaquele que foi o perodo mais glorioso na historia do islame,

    ele sofrera apenas dois reveses: diante das muralhas de Viena,em 1529, e(este bastante mais grave) em Malta.

    La Valette, figura lendria ainda em vida, morreu 1568,trs anos aps o levantamento do cerco. Jaz agora na criptada concatedral de So Joo em La Valeta - como foi chamadaa cidade constrda em sua honra no monte Sciberras. Sobre oseu tmulo, no cho de mrmore da grande catedral, brilhamas armas e insgnias dos cavaleiros, que ocupariam por maisde 200 anos a inexpugnvel fortaleza de La Valette.

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