O flautista

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Peça infanto-juvenil, livre adaptação do conto "O flautista de Hamelin", de Grimm

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O flautista

Veronica Diaz

Livre adaptação do Conto “O flautista de Hamelin”, de Grimm

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O flautista

Veronica Diaz

Livre adaptação do Conto “O flautista de Hamelin”, de Grimm

Personagens:

Antonio int. pelo mesmo ator FlautistaAvô int. pelo mesmo atorPrefeito RivaldoRosaRosaMãLalaTato

Cena 1 – Casa de Avô

Antonio (entra) Não adianta, vô, eu não quero nunca mais. Eu odeio essa porcaria

de flauta !

Avô (entra) Tá bom, Antonio, você odeia. Mas não é a flauta nem é a música.

Você está é com raiva porque eles não puderam ir...

Antonio Não puderam...Eles nunca podem. E você também.

Avô Eu ? Mas eu fui lá assistir, aplaudi de pé ! Como é que eu ía faltar...

Antonio Você fica aí: “toca a flauta, Antonio, você é artista, pega lá a flauta”...Que

saco !

Avô Yaghhh!

Antonio É isso mesmo ! O meu pai diz que a aula é cara, minha mãe, que eu não

toco as músicas que ela gosta: “fosse um pandeiro, pelo menos!” Eu vou

tocar prá quê, me diz ?

Avô Antonio, os seus pais... você não pode tocar... Eu quero dizer, você... Não

dá prá tocar pensando assim, o que é que eles vão achar... A arte é...

Antonio Você não respondeu. Tocar prá quê ?

Avô Prá quê ? Você está me perguntando prá quê ?

Antonio Tô. Mas tô perguntando só prá você me responder, porque eu não vou mais

tocar porcaria nenhuma, ouviu ?

Avô (suspira) Olha, Antonio. Tem uma história...eu vou contar.

Antonio Não adianta, eu não quero.

Avô Uma história que eu nunca te contei. O meu avô é que vivia falando “vamos

acabar com esses ratos daqui ! pega lá a flauta ! “... Háhá...coitado...meu

avô...

Antonio Tá louco, vô ? O que é que tem uma coisa a ver com a outra ?

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Avô Olha o tom ! O respeito !

Antonio Ah, desculpa...tá, eu desafinei...Mas ainda não entendi o que é que uma

coisa tem a ver com a outra...

Avô Você fez uma pergunta, tô te respondendo.

Antonio Então você tá dizendo prá eu tocar flauta que é prá matar rato, é isso?

Avô É... de certa forma...na cabeça...

Antonio Ah, que ótimo ! Bom, muito bom !

Avô Eu não vou contar mais história nenhuma.

Antonio Então não conta. (Pausa) Desculpa. Era o meu bisavô ? Ele é que falava

isso ?

Avô Não, o meu avô. O seu tataravô.

Antonio O da Alemanha ?

Avô Iá.

Antonio Conta, vô, conta !

Avô Aconteceu faz muito tempo.

Antonio Antes de eu nascer ?

Avô Muito antes de eu nascer !

Antonio Então foi no século passado !

Avô Antes ! Naquele tempo não tinha nem luz elétrica.

Antonio Nem computador ?

Avô Nem televisão.

Antonio Nem celular ?

Avô Nem telefone.

Antonio Nem avião ?

Avô Nem automóvel. Nada disso tinha sido inventado. E as pessoas também

não tinham muito cuidado com a higiene..

Antonio Não tomavam banho, vô ?

Avô Pouco...elas não gostavam muito...como alguns garotos que eu conheço...

Antonio E o que é que tem uma coisa a ver com a outra ?

Avô Olha o tom !

Antonio Ah, mas foi você que desafinou ! Vai contar a história ou vai ficar dando

bronca ?...

Avô Tá, desculpa...(pausa)

Antonio Conta, vô !

Avô Então. Foi em Hamelin, a cidade do meu avô. Só que foi muito antes dele

nascer. As pessoas naquele tempo não tinham muito como guardar a

comida.

Antonio Claro, não tinha geladeira !

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Avô E nem sabiam o que fazer com o lixo.

Antonio Já sei ! Deu bicho !

Avô Então. Aconteceu que os ratos foram gostando, foram chegando e cada vez

tinha mais ratos naquela cidade.

Antonio Eca !

Cena 2 – Situações em Hamelin

Tato Ai, ai, socorro ! Tem um bicho enorme aqui !

Lala É um cachorro !

Tato Ai, não, é um rato !

Rosa Mãe, os ratos comeram nosso almoço !

RosaMã Corre, eles estão entrando na horta !

Rivaldo Fecha a porta da cozinha !

Rosa Não adianta, eles já viraram a lata de biscoitos !

Lala Olha, os ratos estão subindo as escadas do palácio !

Tato Mergulharam no reservatório de água !

RosaMã Mas o que é isso, comem até livro !

Lala Tem rato em tudo que é canto !

Rosa Ou será que as pessoas estão virando ratos ?

Cena 3 – Casa de Avô

Antonio E aí, vô ? (vê que ele está dormindo) Vô !

Avô (gritando) As pessoas estão virando ratos ! Temos que acabar com os ratos

daqui !

Antonio Acorda, vô ! Isso é na história !

Avô É...é que o meu avô vivia falando....

Antonio Mas e depois ? Continua !

Avô Não, eu não quero mais contar essa história. Isso foi há muito tempo e...e é

melhor esquecer. Chega, já passou.

Antonio Ah, não, vô. Começou, agora tem que continuar. Você ainda nem

respondeu minha pergunta !

Avô Pergunta ? (Antonio finge que vai quebrar a flauta) Ah...Bom, aí as pessoas

foram reclamar com o prefeito...

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Cena 4 – Prefeitura de Hamelin

Entram Tato, Lala, Rosa, RosaMã e Rivaldo, reclamando em direção ao Avô. Antonio

se esconde atrás dele.

Tato Tem que reclamar, mesmo! Assim não dá mais ! Os ratos estão acabando

com a nossa cidade!

Rivaldo Eles estão contaminando tudo.

Lala (para vários pontos da platéia) Eles ficam aí, escondidos, no escuro...

Tato O senhor não vai fazer nada ?

RosaMã Arrasaram a minha horta !

Rosa Comeram a minha torta !

Rivaldo Não sobrou nem um biscoito ! (os outros olham para ele) Ah, os ratos

roeram... roeram até a porta !

Antonio (cutucando, soprando) Faz alguma coisa, vô !

Avô (pedindo cola ao Antonio) Fazer o quê ? Dá uma idéia !

Antonio (soprando) Manda colocar veneno !

Avô (assume o lugar do prefeito) Então é isso, está decidido ! Vamos dar

veneno pros ratos !

Lala Veneno ! Ótima solução !

Rosa Por que ninguém pensou nisso antes ?

Tato Mas como vai ser ?

Rivaldo Na boquinha de cada um ?

Rosa Não dá. São muitos !

RosaMã Vai acabar é matando todo mundo !

Avô De modo algum, o meu governo não permite ! (pedindo cola) Dá outra idéia!

Lala Ai, socorro, tem um rato aí, atrás do senhor ! (apontando para Antonio)

Todos correm assustados. Antonio fica encolhido num canto.

RosaMã Ah, não, é só um menino !

Rivaldo Meio grandinho prá um camundongo...(espanta Antonio, que corre

novamente para detrás do avô)

Lala (vasculhando) Eu sei que eles estão por aqui...

Tato Mas e então, senhor Prefeito ?

Avô Pois então...vamos ver...(para Antonio) Dá outra idéia, rápido !

Antonio Ah, não sei ... fala prás pessoas pensarem também, ora !

Avô Isso, o que eu disse foi que um governo democrático pede a participação

de todos. Faremos um concurso de sugestões populares!

Lala Ótimo, muito bom !

Avô A melhor proposta será colocada em prática. Claro, depois que os

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secretários estudarem a viabilidade logística, tática e estratégica, e os

tesoureiros verificarem o lastro e a fluidez dos recursos disponíveis...

(tirando o povo de cena) Aí a gente cria uma comissão com representantes

dignamente eleitos entre os melhores membros da nossa sociedade que,

com certeza, saberá conduzir a questão e...

Antonio Ô, vô, que difícil !...mas e aí ?

Avô (voltando a assumir o avô) Ah, aí foram aparecendo as propostas mais

loucas e estapafúrdias...háháhá...

Cena 5 – Praça de Hamelin

Lala Joga água fervendo neles.

Tato Vai acabar com a água toda!

Lala Manda eles prá Disneylândia !

RosaMã Já sei ! Vamos arranjar um monte de gatos.

Lala Ih, tá em falta !

Rosa Acho que os gatos fugiram, com medo de vingança.

Rivaldo Faz um queijo de Tróia !

Lala Como é ?

Rivaldo A gente dá um queijo enorme, de presente prá eles.

Tato E depois ?

Rivaldo Ah, não lembro, tem que por uns gregos dentro...

Lala Então faz uma ratoeira.

RosaMã Só se a cidade inteira for uma armadilha.

Rosa A gente já caiu na ratoeira, não reparou ?

Lala (correndo) Aonde ? Você viu algum ?

Tato Desiste ! Tira todo o mundo da cidade.

Lala Nunca ! Matar ou morrer !

Rosa Mas o problema é como matar !

Lala Então conta uma piada bem engraçada.

Rivaldo Não entendi.

Lala Prá matar eles de rir !

Rivaldo Melhor jogar uma bomba.

Tato Tá maluco ? Explodir a cidade ?

Rosa Matar todo mundo ?

RosaMã Melhor calar a boca !

Avô Ai, não agüento mais (como prefeito) Ótimo, que beleza, povo mais criativo

é este de Hamelin ! Então as sugestões podem ser encaminhadas para o

presidente da comissão, que irá examiná-las e levar aos demais membros...

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(vai despachando todo mundo)

Cena 6 – Casa de Avô

Avô (reassumindo o avô) Cansei. Preciso dar uma dormidinha...

Antonio Mas bem no meio da história ?

Avô É...é que esse assunto é muito complicado. Na minha idade, eu

esqueço...é...eu penso melhor dormindo...

Antonio Essa não ! Você vem com uma história maluca cheia de ratos horríveis e

agora quer esquecer tudo ? Não gostei.

Avô Então continua, vai. Agora tem uma parte que dá prá eu tirar uma

soneca...você faz...

Antonio Eu ? Mas e os ratos ?

Avô É...Tinha uma menina linda, linda, Rosa...Rosa, se chamava... (quase

dormindo)

Antonio Eu ? mas...

Avô E tinha um ninguém...

Antonio Quem, eu ?

Avô Um rapaz, um ninguém que tocava como esperto... uma flauta, que tocava

um rapaz como ninguém...

Cena 7 – Praça de Hamelin

Rosa (entrando) Era um rapaz esperto que tocava uma flauta como ninguém !

(entrega-lhe a flauta)

Antonio reluta, mas acaba assumindo o flautista. Toca em seresta prá ela, que dança.

Antonio (quando ela termina) E agora, o que é que eu faço ?

Rosa Você me dá um presente.

Antonio Quem, eu ? Mas...o quê ?

Da coxia alguém lhe entrega uma partitura, ele entrega prá ela, que lê cantarolando a

música que ele acabou de tocar. Ele fica encantado.

Cena 8 – Praça de Hamelin

Rivaldo (entrando e expulsando Antonio para um canto) E agora você sai, pequeno

roedor de bambu ! Chispa ! (para a platéia) Minha gata manhosa! (para ela)

Rosa, querida flor do meu coração, meu amor mais puro, todo o meu

tesouro, carinho encarnado, amore mio !

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Rosa Ah, oi, Rivaldo.

Rivaldo Hummm! O perfume que exala de suas pétalas me atinge em cheio.

Rosa Ai, isso de “exala” me faz sentir como um gambá !

Rivaldo Nunca, nunca, jóia única de meu tesouro. (para a platéia) Uma gamboa, tão

boa !

Rosa Ué, se eu sou a jóia única, você não tem tesouro nenhum.

Rivaldo Como não ? Então não ? E minhas terras, meus castelos ? Mas você vale

mais do que cem anéis, do que mil colares (aparte) Não duvide, eu compro

você... Meu bibelô!

Rosa Quanto ao meu valor, claro que ele é enorme. A questão é que eu não

estou à venda, não vem que não tem.

Rivaldo (aparte) Você não me tente... (para ela) Minha formosa Rosa, eu não vejo a

hora de tê-la entre meus braços. Vem, gatosa...

Rosa Ai, você está me machucando ! Espera !

Rivaldo (irritado) A Rosa com seus espinhos é que está machucando o meu sofrido

coração. Até quando ? Já não basta a desgraça que arrasa a cidade, todo

esse prejuízo nos campos, e ainda devo resistir ao deserto que assola o

meu peito ? Eu pergunto: até quando ? (pausa)

Rosa (afastando-se) Eu...eu preciso pensar...

Rivaldo (irritadíssimo) Pensar ? Pensar ?! Eu pergunto: até quando ? (pausa)

Rosa Até...até que se acabe essa confusão...até a vida voltar ao normal...até

logo... até loguinho ! (sai)

Rivaldo Voltar ao normal...com todos esses ratos ? Essa gata me tira do sério!

Cena 9 – Casa de Avô

Avô (sonhando) Brincadeira, nada, as pessoas estão virando ratos ! Há ratos

por toda a Alemanha, eles estão entrando, vão tomar conta de tudo... foge,

corre, não olha, menino, não olha ! Ahhhh!! (acorda gritando) Vô, vovô !

Malditos ratos! Covardes! (chora)

Antonio Vô ! Calma, vô ! Tá chorando ? Você estava sonhando...

Avô Não era um sonho. Antes fosse ! Foi um pesadelo. A pior coisa que já

aconteceu.

Antonio Mas é só uma historinha ! Não aconteceu de verdade, né ?

Avô O que aconteceu de verdade, Antonio, é que os soldados entraram

destruindo tudo.

Antonio Ué, então não entendi. É o seu sonho ou é a história ?

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Avô Eu estava sonhando. Ou melhor, eu tive um pesadelo com uma coisa que

aconteceu de verdade. Com o meu avô.

Antonio O meu tataravô da Alemanha ?

Avô É, Antonio. Eles mataram o meu avô.

Antonio Mas então...os ratos eram soldados ?

Avô A gente dizia que eram soldados-ratos... Eu tinha a tua idade, mais ou

menos... a gente brincava, porque o chefe deles tinha um bigode assim,

ficava um focinho, parecia um rato ! háháhá...

Antonio Ah, eu conheço, vi num filme: é o Rato Riter ! (faz a saudação nazista)

Avô É boa, háhá..

Antonio Mas e a Rosa ?

Avô A Rosa ? Ah, é, a Rosa ! ...Os ratos, eu sempre lembro... há tanto tempo...

bom, agora chega.

Antonio Vô, a Rosa ! Eu toquei prá ela. Acho que ela gostou, vô, ela até dançou !

Avô Hamelin. Os ratos. É melhor esquecer.

Antonio Vô ! A história ! A Rosa, ela cantou !

Avô Ah, a Rosa ! Hummm...Onde é que eu parei ?

Antonio Todo mundo aqui deu um monte de idéias prá acabar com os ratos, depois

veio a Rosa e...

Avô Ah, tá, lembrei ! (assume o prefeito) Atenção, povo de Hamelin ! (para

Antonio) Então você tocou prá ela, hein ?

Cena 10 - Praça de Hamelin

Vão entrando Tato, Lala e Rivaldo, Rosa e RosaMã.

Avô Depois de muitos estudos e discussões, o resultado da comissão

encarregada é que...é que...a conclusão é que este é um problema,

digamos assim, virtual...

Rosa O que é que é virtual ?

Avô Os ratos, é... na realidade, ahn... não existem, basta parar de pensar

neles...

Antonio Como é ?

Avô Quer dizer, eles estão superestimados, ou melhor, há um certo exagero, um

tom um pouco melodramático...a conclusão é que as pessoas devem

procurar voltar à sua vida normal...

Rosa Vamos embora, mãe. (as duas saem)

Rivaldo Espera aí. Mas o que é que é normal ?

Lala (olhando em volta) Quantos ? Quantos ratos são “o normal” ?

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Avô Normal...normal, mesmo ? Bem, eu...não tenho certeza...eu não sei...

Antonio Essa comissão é de mentira !

Tato É isso mesmo !

Lala Eu não estou entendendo nada.

Rivaldo Mas é prá isso mesmo, prá não entender.

Tato Como é ?

Rivaldo É marmelada.

Lala Tira esse prefeito, ele não vale nada !

Antonio (para Avô) E agora ?

Avô Agora eu vou então...Claro, agora é a hora. (assumindo-se prefeito), Bom,

acho que não tem outro jeito. Bravo povo de Hamelin, neste difícil

momento, quero comunicar que eu resolvi...quero dizer, a comissão...Nós

vamos dar um prêmio ! Mil dinheiros ! Em moedas de ouro !

Lala Ótimo, gostei, tá aí. Muito bom !

Rivaldo Mil ! Até que não é mal.

Tato Um prêmio ? Mas prá quem ?

Rivaldo Só se for pros ratos, que eles é que estão ganhando o jogo ! Háhá...

Avô Um prêmio prá quem acabar com os ratos, evidente!

Rivaldo Acho que nós somos o prêmio deles, háháhá...(Sai)

Tato É um bom prêmio...só tem que descobrir como...

Lala Ganho mais lavando roupa. Com a sujeira que esses ratos fazem ! (Sai,

Tato atrás, ambos se assustam. Saem)

Cena 11 – Prefeitura de Hamelin

Avô (voltando a ser avô) Bom, aí foram aparecendo vários candidatos, mas

nenhum tinha uma idéia nova prá acabar de vez com os ratos. Até que

apareceu um rapazinho esperto, um flautista.

Antonio Eu ! Deixa eu fazer, vô, deixa eu !

Avô Háháhá...eu sabia que você ía gostar...Vamos lá, pega a sua querida

flauta !...(assume o prefeito) Então o jovem senhor acha que pode livrar a

cidade de Hamelin desta peste ?

Antonio Claro, só eu posso resolver o caso.

Avô É mesmo ? E como é que o senhor pensa fazer isso ?

Antonio Eu...Ahn...(puxa o avô para um canto, sussurra) O que é que eu falo

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agora ?

Avô (sussurrando) Ah, que graça ! Você não queria fazer o flautista ? Agora se

vira, improvisa ! (trazendo-o de volta, reassumindo o prefeito) E então,

rapaz ? Vamos ficar aqui o dia inteiro ? O povo está pagando, não tem essa

paciência toda, não ! E eu, menos ainda !

Antonio Eu, ahn...eu sei como é que vou acabar com os ratos, eu já sei...

Avô E será que o senhor faria a enorme gentileza de nos explicar ?

Antonio Não.

Avô Não ? Mas como, não ? (puxa Antonio para um canto, sussurra) Assim não

vale, a gente tem que contar a história !

Antonio (livrando-se) Eu só vou dizer uma coisa: é com a minha flauta que eu vou

acabar com os ratos.

Avô Ah, muito bem, ótimo. Mais um... Mas aviso logo: se ficar tocando alto e

deixar todo mundo surdo, eu vou jogar essa flauta na fogueira. E o dono vai

junto !

Antonio Senhor prefeito, guarde suas ameaças e comece a contar as mil moedas...

Avô (reassume o avô) Taí, gostei de ver a firmeza!

Antonio (reassume o neto) Pegou pesado, hein, vô ? Duvido, você ía ter coragem

de jogar uma flauta na fogueira ?

Avô Háháhá...claro que não, todo mundo sabe que uma flauta vale muito! Já o

meu neto...só eu sei ! (saem rindo)

Cena 12 - Casa de Rosa

Rosa Ah, mãe, eu acho ele simpático, sim. Mas ele também é meio bobo...

RosaMã Bobo ? Minha filha, você ainda não percebeu...

Rosa Mãe, ele só fica passeando aqui na praça !

RosaMã É ? E o outro, faz o quê ?

Rosa Ué, ele não precisa...às vezes ele ajuda aqui na horta.

RosaMã Muito de vez em quando, e de mentirinha, só tentando me agradar.

Rosa É mesmo...háháhá.. e o pior é que ele tem medo de alface, lembra ?

RosaMã Háhá (imitando) Socorro, tem uma cobra aqui dentro, cuidado, Rosa!

háháhá...era uma minhoca...Imagina! uma minhoca!...

Rosa Coitado do Rivaldo ! Ele ficou branco, em pânico ! Nunca mais quis saber

de alface, só porque um dia apareceu uma minhoquinha...A cobra !...

háháhá...E o medo que ele tem dos ratos ? (imita)

RosaMã Então.

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Rosa Então o quê, mãe ?

RosaMã Então que você tem que decidir, se não é um, é o outro, dona Rosa!

Rosa Ah, mãe, mas o outro é artista !

RosaMã Ué, e isso não é lindo ?

Rosa Mãe, e viver de quê ?

RosaMã Ué, ele, da arte dele, e a gente, do que a gente sempre viveu, ora: de

plantar e colher da horta.

Rosa Esqueceu que agora tem os ratos ? Eles arrasaram com a horta !

RosaMã É verdade. Meu Deus ! Fiquei com aquilo de “voltar à vida normal...”

Rosa Normal, sei...o que sobrou de comida está nessa lata enferrujada. Só

porque os ratos não conseguiram abrir. Ainda !

RosaMã Mas então... então está decidido. Amanhã mesmo !

Rosa O quê, mãe ?

RosaMã Ah, eu quero dizer...é que você tem que decidir logo. É isso.

Rosa Não entendi. Por quê ?

RosaMã Você precisa ter uma companhia para começar a vida em outro lugar.

Rosa Ué, e você ?

RosaMã Faz tempo que a sua tia está me convidando prá ir morar lá em Bremen.

Agora, com essa rataria e o fim da comida, chega. “Caí na real”. Vou

cantar com os músicos de Bremen !

Rosa Qual deles, mãe ?

RosaMã Os quatro amigos: o gato, o cachorro, o burro e o galo, não lembra dessa

história ?

Rosa Me ajuda a decidir, mãe: qual deles ?

RosaMã O que canta de galo ?

Rosa O que parece meio burro ?

RosaMã O que é um cachorro manso ?

Rosa O que arranha como um gato ?

RosaMã O que faz mundos com sua arte ?

Rosa O que vê lucro em toda parte ?

Ouve-se ao longe o som da flauta, as duas param, maravilhadas

Cena 13 – Casa de Rosa

Lala (entrando) Rosinha, D. RosaMã ! Ai, meu Deus, que coisa !

Rosa O que foi, D. Lala ? O que aconteceu ?

RosaMã Nossa, que cara, senta um pouquinho (olhando em volta) descansa!

Lala (olhando em volta – não há cadeira alguma) Não, tá bom assim, é que eu

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vim correndo contar...

Rosa Pelo amor de deus, mais desgraça do que a rataria na cidade...

Lala É, os ratos...

RosaMã Ai, não fala, não conta que eu não quero nem ouvir!

Lala A coisa mais incrível, se eu não tivesse visto!

Rosa A gente viu tanta coisa incrível nestes dias... e depois vem alguém dizer

que não existe... que é virtual !

Lala Mas agora acabou !

RosaMã Acabou o quê, Lala ?

Lala Os ratos. Ele acabou com os ratos!

Rosa Como é ?

RosaMã Ele, quem ?

Lala O garoto da flauta.

RosaMã Não te falei ? Ah, os artistas...fazem coisa que até deus duvida ! Háhá...

Como foi ?

Rosa Conta, D. Lala, como foi que ele fez ?

Lala Então. Ai, eu posso sentar agora ?

Rosa Não, agora conta !

RosaMã Claro que pode, Lala. (para Rosa) Peraí ! (para a coxia) Oi, uma cadeira prá

ela ! Ou será que os ratos já roeram o cenário todo ?

Lala (entra a cadeira, ela senta) Então. Eu tava lá no rio lavando umas pecinhas

de roupa, coisa de nada, 6 calças, 5 blusas, 7 saias e mais uns 2, 3

lenços..não, acho que eram 4...deixa eu contar...

Rosa D. Lala, conta logo !

Lala Mas eu tô contando...um azul, outro estampado, mais um de flores...

Rosa Os ratos, D. Lala !

Ela sai correndo, tentando fugir e se esconder

RosaMã Mas o que é isso, Lala ? É mímica ? É prá gente adivinhar ?

Lala Ai, que susto ! Eu pensei...os ratos...

RosaMã Mas então o garoto não acabou com eles ?

Lala A senhora está duvidando ?

RosaMã Não. Eu estou é enlouquecendo. A gente pode começar tudo de novo?

Rosa Não, mãe, por favor. D. Lala, a senhora estava no rio lavando roupa...

Lala A senhorita está duvidando ?

RosaMã (para Rosa) Quem está enlouquecendo sou eu. Vá em frente !

Rosa Ninguém está duvidando, D. Lala, a gente só quer saber o que aconteceu.

Não foi prá isso que a senhora veio até aqui ?

Lala Foi ?

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Rosa Prá contar como é que o flautista acabou com os ratos.

Lala Ah, mas então vocês já sabem ?

Rosa Mãe, socorro !

RosaMã Continua, Lala: você estava no rio, o menino chegou...

Lala Ele estava tocando a flauta dele. Mas de um jeito tão lindo, tão doce, que

eu até parei de lavar as peças...(faz que vai contar nos dedos)

RosaMã E aí você viu...

Ao longo do final desta cena, o flautista atravessa na diagonal, de um lado a outro,

tocando e levando os ratinhos de papel enfileirados, até sair do palco.

Lala Eu virei a cabeça e vi o menino. Daí eu fui olhando mais, e vi o monte de

ratos que vinha atrás...Eles estavam seguindo o garoto... Aí eu levantei,

fiquei com medo. Eles nem aí prá mim, vinham prá perto do rio. Cada vez

mais. E tinha rato saindo do esconderijo, só prá ir atrás do

menino...era...era como se...como se os sons que saíam da flauta fossem

feitos de queijo...(pausa)

RosaMã ...de queijo...E depois...

Lala O menino foi atravessando o rio, e enquanto ele andava pisando nas

pedras, os ratos caíam na água, morrendo afogados.

Rosa Só isso ?

Lala Ele ía fazendo a arte dele, e ía andando, só cuidando de pisar sempre

sólido...

Rosa E os monstrinhos caindo no líquido...

Lala Acabou, não sobrou nenhum.

Rosa É mágica!

RosaMã É música!

Lala Ai, larguei as roupas lá no rio ! (sai correndo)

Cena 14 – Prefeitura de Hamelin

Antonio Pois foi assim. Acabou, não sobrou nenhum. Eu vim receber as mil moedas

de ouro que o senhor prometeu.

Avô Como é ?

Antonio O prêmio !

Avô Você acha que eu vou pagar mil dinheiros só porque você tocou um pouco

de flauta ?

Antonio Mas eu expulsei os ratos da cidade !

Avô Ora, assim é moleza, é só dar uma tocadinha, uma musiquinha... “atirei o

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pau no ra-to-to...” háháhá ...qualquer um podia ter feito isso!

Antonio Não podia, não. E quem fez fui eu. O senhor tem que pagar !

Avô O caso é que eu não vou pagar. É muito dinheiro para um menino como

você.

Antonio (sussurrando) Mas vô...assim não vale !

Avô E não me venha com essa de vô. Eu não vou a lugar nenhum. Se tem

alguém que vai é.... agora dá licença que eu tenho muito o que fazer.

Antonio vai saindo.

Avô (reassumindo o avô) Um calote, Antonio ! O prefeito quis passar a perna no

garoto. Muito feio. O pior de tudo, é que o povo da cidade concordou em

não pagar.

Antonio Mas todo mundo ?

Avô A maioria. E quando a maioria apoia umas idéias esquisitas...lembro do

meu avô: ”os ratos só tomam conta quando o povo deixa. Ou quando o

povo quer...”

Antonio Mas então todo mundo tava errado ?

Avô Esse negócio de maioria, Antonio... às vezes é um perigo. Se todo mundo

decide que você é uma galinha...

Antonio (imita uma galinha) Cócócó...

Avô ...você vai ter que botar ovo !

Antonio Ovo, acho que não vai dar...

Avô Pois é...

Antonio Mas acaba assim, no calote ? Então prá que serviu tocar a flauta, prá ser

enganado pelo povo todo? Ah, eu não gostei.

Avô Pois o garoto pegou a flauta de novo...

Antonio (assume o flautista) Eu não gostei. (pega a flauta)

Avô ...e começou a tocar. Mas de um jeito tão diferente e gostoso, que todas as

crianças foram prá rua e começaram a dançar, encantadas pela música.

Antonio Quem for criança que venha dançar, quem for da dança que acompanhe

esta ciranda !

Antonio sai para o fundo da platéia.

Cena 15 – Praça de Hamelin

Ouve-se burburinho vindo da coxia: pais procurando filhos.

Tato (entrando) Cadê a minha filha ?

Rivaldo Cadê o prefeito ? Seqüestraram a minha irmã !

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Lala (entrando do outro lado) Vocês não sabem o que eu vi. Eu mesma não

acredito !

Rosa O que é que aconteceu ?

Lala Pois eu não tinha ido lá no rio buscar as roupas ?

Tato O que é que você fez com a Fridinha ?

Lala Eu ? Eu não fiz nada, eu estava lá no rio lavando umas roupitas...

Rivaldo Você sabe alguma coisa ? Você viu a minha irmãzinha ?

RosaMã Pára com isso, todo o mundo aqui viu o garoto encantar as crianças! Elas

saíram dançando por aí, felizes, feito loucas ! háháhá...

Lala É, mas não viram foi ele chegando na beira do rio !

Rosa Ai, meu Deus, ele não seria capaz !

Tato A minha Fridinha nem sabe nadar !

Rivaldo Foi um seqüestro coletivo ?

RosaMã Eu não acredito. Aquele monte de crianças ? Em cativeiro ao ar livre?

Lala Olha lá, é ele ! O ladrão !

Antonio (vindo da platéia) Ora, vocês não concordaram com o prefeito ? Não

acharam muito bom isso de prometer e não cumprir ?

Rivaldo Mas este frangote é que é o ladrão ?

Rosa O que houve ? O prefeito não pagou, foi isso ?

Tato Cadê a minha filha ?

Antonio Se prá vocês as crianças não valem mil moedas de ouro...

Rivaldo Olha aqui, moleque, só a minha irmã vale muito mais do que a sua

maldita...

Tato A Fridinha nem se fala !

Rosa Segura ele !

RosaMã Afasta ! Pára com isso. A gente tem é que falar com o prefeito.

Lala Olha lá, é ele ! O ladrão !

Rivaldo Isso você já falou...

Lala Mas é outro !

Rivaldo Ah, é uma quadrilha ?

Tato É o prefeito !

Rosa Vamos dar uma chuva de vaias, assim que ele chegar !

Chinelos de espuma são distribuídos na platéia

RosaMã É, uma grande chinelada ! Todo mundo ! Agora !

Cena 16 – Praça de Hamelin

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Page 17: O flautista

O prefeito entra sob vaias e xingamentros: Ladrão, Corrupto, Mentiroso, etc., enquanto

a platéia atira nele chinelos de espuma e bolas de isopor.

Rivaldo O senhor é o culpado por tudo isso !

Tato Se tiver acontecido alguma coisa com a Fridinha, eu...

Lala Cadê as nossas crianças ?

RosaMã Pague logo, seu prefeito !

Rosa O senhor prometeu !

Antonio Cadê o dinheiro ?

Avô Houve um mal-entendido, este garoto se precipitou. É claro que eu ía pagar

! Eu sou um homem de palavra !

Lala Que não vale nada...

Avô Eu só preciso tirar o dinheiro ...É...ah, que sorte ! Está bem aqui...Por acaso

eu acabei de passar no banco...Eu não... eu sabia que ía encontrar você,

rapaz. Afinal, ele é o nosso herói, não é mesmo ?

O prefeito paga, Antonio sai pela platéia

Rosa Não demora !

Rivaldo Rosa, você está falando isso por causa das crianças, ou ...

RosaMã Ele não ía fazer nada de mal com as crianças, garanto que elas estão se

divertindo muito.

Tato Como é que a senhora sabe ?

RosaMã Ele só queria o prêmio dele, mais do que justo

Ouve-se o som da flauta e logo chega Antonio

Lala Olha lá !

Rosa As crianças estão voltando !

Tato Fridinha ! Graças a deus ! (sai)

Rivaldo Maninha ! (acena)

Rosa Ainda bem.

RosaMã Esse garoto é um artista!

Lala Esse vale ouro !

Rivaldo Ô, espertinho, o que é que você pretendia fazer com elas, hein ?

Rosa Você não...você não ía fazer o mesmo que...

Antonio Claro que não ! (ri, mostrando o prêmio) Eu só queria era dar um susto.

Lala Esse vale !

Rosa dá um beijo em Antonio, Rivaldo sai irritado. Rosa, Lala e Rosamã saem.

Cena 17- Casa de Avô

Antonio (reassumindo como neto) Vô, ela me beijou, a Rosa me deu um beijo!

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Page 18: O flautista

Avô (como avô) Ô, Antonio, foi o flautista que ela beijou. (Pausa, eles se olham)

O de Hamelin...

Antonio Ah... Mas a bochecha era minha. Foi aqui, ó !

Avô É. Tudo muito bem. Só que na vida real nem tudo acaba no bem bom. Nem

sempre dá prá voltar atrás, e ninguém volta no tempo.

Antonio O que foi, vô ? Ficou bravo ?

Avô Iá. Lembrei do meu avô.

Antonio Meu tataravô da Alemanha, que os soldados mataram.

Avô Iá. Ele adorava essa história. Dizia assim: “Ah, precisamos de um novo

flautista prá tirar esses ratos daqui !” Ria, e me mandava tocar flauta.

Antonio Que nem você faz comigo!

Avô Iá...Depois ficava sério e falava: “nada, com esses daqui, não tem

encantamento que resolva, só com balas de fuzil”... Pois foi com fuzil que

mataram o meu avô. E ele não teve nem enterro nem música...

Antonio Por quê ?

Avô Porque a gente teve que fugir correndo dos soldados, escondido !...

háháhá... Como tinha ratos naquele navio !

Antonio E você não teve medo ?

Avô Iá. Claro que sim. (rindo) Mas tinha também a sua avó... ela ainda nem

sabia que um dia ía ser sua avó...mas era uma menina mais linda do que a

Rosa.

Antonio Duvido.

Rosa passa dançando ao fundo

Avô Faz tanto tempo !... Olha, mas tem uma coisa boa, isso da gente não voltar

no tempo...

Antonio Ô vô, mas o pesadelo dos ratos não pode voltar ?

Avô Não tem como saber. Depende...Mas nunca pense que um fuzil vai resolver

o problema. Um fuzil só cria muitos problemas...E depois... Você é um

artista ! Pega a flauta, Antonio !

Antonio Tá. A gente já matou os ratos, né ?

Avô Ia.

Antonio E o meu avô tá vivinho da silva...

Avô Taí, dois bons motivos prá gente tocar flauta. Traz a minha também !

Antonio (pega as duas flautas, entrega uma ao avô) Só tem uma coisa: eu não

gostei do final dessa história.

Avô Ah, é ? Então faz melhor que eu quero ver.

Antonio Faço, mesmo !

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Page 19: O flautista

Cena 18 - final

Quando eles tocam, há mudança de luz para uma atmosfera onírica. Antonio vai ao

fundo, dança com Rosa, vem para frente. Aparece RosaMã dançando ao fundo, Avô

vai até ela, dançam. Entram Tato, Lala, Rivaldo, cada um com um instrumento

musical. Há uma espécie de casamento dos 2 casais, todos dançam. Cai o pano.

F I M

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