O FENÔMENO DOS BLOGS STREET-STYLE: do flâneur ao “star blogger”

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    DANIELA ALINE HINERASKY

    O FENMENO DOS BLOGS STREET-STYLE :do flneur ao star blogger

    Tese apresentada como requisito parcial paraobteno do ttulo de Doutor pelo Programa dePs-graduao em Comunicao Social daPontifcia Universidade Catlica do Rio Grandedo Sul PUC/RS.

    Orientador: Prof. Dra. Mgda R. Cunha

    Porto Alegre

    2012

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    H662f Hinerasky, Daniela AlineO fenmeno dos blogs street-style : do flneur ao star

    blogger/ Daniela Aline Hinerasky. Porto Alegre, 2012. 289 f.

    Tese (Doutorado) Faculdade de Comunicao Social, PUCRS.Orientador:

    Prof. Dr Mgda R. Cunha

    1. Comunicao Social. 2. Blogs. 3. Moda. I. Cunha, MgdaR. II. Ttulo.

    CDD 301.14

    Ficha Catalogrfica elaborada por Loiva Duarte Novak CRB10/2079

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    DANIELA ALINE HINERASKY

    O FENMENO DOS BLOGS STREET-STYLE :do flneur ao star blogger

    Tese apresentada como requisito parcial paraobteno do ttulo de Doutor pelo Programa de

    Ps-graduao em Comunicao Social daPontifcia Universidade Catlica do Rio Grandedo Sul PUC/RS.

    Aprovado em 10 de janeiro de 2013

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________________Profa Dra. Renata Pitombo Cidreira UFRB

    ____________________________________________Profa. Dra. Adriana Amaral Unisinos

    ______________________________________________Prof. Dr. Airton Luiz Jungblut PUCRS

    _____________________________________________Profa Dra. Cristiane Freitas Gutfreind PUCRS

    ______________________________________________

    Prof. Dra. Mgda R. Cunha PUCRS

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    A meus pais,Carmen e Natahnael

    que abriram ruas inteiras para mim

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    AGRADECIMENTOS

    Essa jornada de quatro anos merece muitas citaes e lembranas, porque inspirado na exuberncia do trabalho e da vivncia de muitos profissionais que trabalham com street-style em Porto Alegre, no Brasile no mundo, e tambm em amigos que me inspiram todos os diasatravs do estilo de viver e de vestir. Nem todos vo estar citadosnominalmente, mas esto contemplados no meu reconhecimento porque

    foram os responsveis por manter viva minha discusso e meu interesse pela problemtica da moda de rua e dos blogs.Quero agradecer, em particular, aos incentivadores fundamentais

    para a execuo dessa pesquisa, como a CAPES (Coordenao deAperfeioamento Pessoal de Nvel Superior), pela bolsa concedida parao Estgio Doutoral no exterior; o aporte inteiro dos meus pais; o debatecom minha orientadora Mgda R. Cunha, sua postura leal e seu apoionas minhas tomadas de deciso; o incentivo inicial (e constante) docolega Andr Pase e as trocas com minha amiga Liliane Brignol, meuexemplo de pesquisadora.

    No teria concludo esta pequisa sem uma frente de trabalho paradar conta das demandas de professora. Os colegas da Unifra se tornaram

    os principais companheiros dessa empreitada, me socorrendo eestendendo a mo sempre, sempre. Meu abrao bem apertado para:urea, Iuri, Sibila, Rosana, Kytta, Tas, Maicon. E um agradecimentoespecial aos alunos e ex-alunos que compreenderam meus momentos eme socorrem sempre que peo. Em especial, Ana Marta, Elisa, Paula M.

    Na travessia desse percurso de trabalho, muita gente que no se ligano street-style nem em blogs foi fundamental. Meus amigos queflanaram comigo por avenidas, fotografando ou divagando, ou ainda meconsolando ou me distraindo nas mesas de caf... ou comemorando pequenas vitrias, como a Qualificao e a conquista da Bolsa a Parisno telefone, no whatsapp, chats... ou DM. Todo meu amor para LuFrana, Eliza, Alana, Lu Quintine, Lili, Dbora, Henrique. Mas claro,foi por causa da minha famlia que torce por mim e me acompanha (aLela que foi pro Rio e Paris! As ligaes e conversas com a tia Cleusa!As mensagens no Facebook da tia Clarisse!) e por ter energiasreabastecidas com meus pais, irmo, cunhada e sobrinhos Pedro eMaria, nos almoos s quartas-feiras, que tive disposio pra tudo.Obrigada, Obrigada, Obrigada. Dani.

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    Il faut oser. Il faut oser parler .

    [numa conversa com uma Madame,num Caf em Saint-Germain-des-Prs,

    naquele outono de 2011]

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    RESUMO

    A pesquisa investiga, na sociedade narcisista digital, o fenmeno dosblogs street-style, a fim decompreender suas lgicas e interlocutores, em particular, o imaginrio coletivo da moda de rua eas dinmicas do blogueiro como um flneur da contemporaneidade e uma figura de modaemblemtica. Entre os objetivos, explora-se e descreve-se o movimento do street-style digital do ponto de vista histrico e do vis estrutural-editorial e prope-se uma sistematizao para ognero blogs street-style por meio de uma tipologia. Partimos do estudo dos aspectos tcnicosdos blogs e da conformao dos estilos a partir dos traos da urbanidade moderna e ps-moderna para compreender esses blogs no somente como veculos de comunicaoestratgicos, mas como ambientes de interao e espaos de projeo para sujeitos e grupossociais que buscam reconhecimento e fama. Tomando o eixo da Sociologia Compreensiva, paradar conta do mapeamento do fenmeno da blogagem street-style, realizou-se uma pesquisaquanti-qualitativa que inclui um conjunto de procedimentos, como amplo levantamento dos blogs, processos de coleta e observao netnogrfica do corpus (The Sartorialist, The Face Hunter, Garance Dore, Easy Fashion Paris, RIOetc, My Little Fashion Diary, Art Of TheTrench), em maio e outubro de 2011, observao participante e registro em dirio de campoacerca das dinmicas da captao dos blogueiros e entrevistas. Nesse processo, diferenciamoscinco tipos de blogs: street-style locativos; street-style cool-hunters; os street-style diary (ouego-blogs); os corporativos; e os mistos, os quais traduzem um texto cultural da moda, doconsumo e do cotidiano urbano. Os blogs street-style so a calada virtual onde a rua representao universo simblico das passarelas e seu entorno. Destaca-se que qualquer verso de blog street-style editado e, portanto, sempre um ponto de vista, seja em nvel pessoal, profissional-estrutural ou mercadolgico. Nessa discusso, a rua ultrapassa a dimenso doambiente fsico. Trata-se de um espao relacional, da travessia e da exuberncia entre umacalada e outra, um laboratrio de construo de estilos, o dilogo e a ponte entre as pessoas, o palco para o espetculo, e porta para o estrelato dessesbloggers, intermediadores culturais.

    Palavras-chave:comunicao, blogs street-style, moda de rua, flneur , imaginrio

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    ABSTRACT

    This research investigates the street style blog phenomenon, in the narcissistic digital society, inorder to comprehend its logic and its interlocutors, and in particular, to understand thecollective imaginary of street fashion and blogger dynamics, as they are flneurs ofcontemporaneity and emblematic fashion icons. Amongst the objectives aimed, the digital streetstyle movement is explored and described from a historical and editorial structure perspective.A systematization through typology is also proposed for the street style blogs genre in thisresearch.We have started the investigation with a study of technical aspects of blogs and theformation of styles from traits traced in modern and postmodern urbanity to better recognizethese blogs not only as a strategic communication vehicles but as environments of interactionand projection spaces for individuals and social groups that target acknowledgment andfame. From a Comprehensive Sociology approach to map the street style blogging phenomenon,a quanti-qualitative research was realized, in which included a wide collection of blogs,gathering of data and netnographic observation of the corpus (The Sartorialist, The Face Hunter, Garance Dore, Easy Fashion Paris, RIOetc, My Little Fashion Diary, Art Of TheTrench), during the months of May and October 2011, participant observation and a field logupdated daily about the dynamics of data gathering on the bloggers and the interviews. In this process, we distinguished five types of blogs: locative street style; street style cool hunters;street style diary (or ego blogs); corporate and mixed, which are blogs that translate a culturaltext about fashion, consumption and daily urban life. Street style blogs are a virtual roadwaywhere the street represents the symbolic universe of the runways and its surroundings. It isnoteworthy that any version of a street style blog is edited, therefore, it could represent a personal, structural professional or marketer point of view. In this discussion, the street exceedsthe dimensions of physical places. Its all about a relational space, the exuberance of crossing toone sidewalk to another, a laboratory of style construction, a dialogue between persons, thestage of an spectacle and the gateway to stardom for these bloggers and cultural intermediators.

    Keywords: communication, streetstyle blogs, street fashion, flneur, imaginary

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Painel na ExposioWalter Benjamin Archives, Paris (2011) ....................................85Figura 2: Primeiras notas de Benjamin sobre as passagens parisienses (1927)...........................85Figura 3: Painel da ExposioWalter Benjamin Archives, Paris (2011).....................................86Figura 4: Fotos Edward Linley Sambourne (1906 e 1908) Street Potography ..................123Figura 5: Moda de rua, 1983 Jornal do Brasil ........................................................................125Figura 6: ColunaOn The Street Bill Cunningham .................................................................127Figura 7: Bill Cunningham na Paris Fashion Week /Setembro 2011 ........................................128Figura 8: Fashion Week Street Style Fotos dos Leitores ( Readers Photos) NYT...........133Figura 9: O blogueiro como uma marca? The Face Hunter ..................................................137Figura 10: Advanced Search (Busca Avanada) The Sartorialist......................................168Figura 11: On The Street ... The Sartorialist.........................................................................172Figura 12: Post personagem Giovanna Battaglia The Sartorialist.........................................173

    Figura 13: On The Scene... The Sartorialist....................................................................... 175Figura 14: Garance Dor na srie All The Pretty Photographers The Sartorialist ................176Figura 15:Mature Women, Old Man Style The Sartorialist ...................................................180Figura 16: Schuman fotografa a escolhida aps orientaes sobre posturaThe Sartorialist182 Figura 17: Post do lanamento de sapato criado pelo autor do blog The Face Hunter.......185Figura 18: Post locativo The Face Hunter ..............................................................................187Figura 19: Post personagem elayout blog The Face Hunter ..................................................189

    Figura 20: Agenda Yvan Rodic Junho 2011 The Face Hunter...............................................191Figura 21:Como escolher suas vtimas? The Face Hunter..................................................194Figura 22: Layout Easy Fashion Paris......................................................................................198Figura 23: Barra lateral direita do blog Easy Fashion Paris (About).......................................201Figura 24: Post Paris Fashion Week (FW) Easy Fashion Paris.............................................202Figura 25: Post pontos tursticos Easy Fashion Paris.............................................................203Figura 26: Postlifestyle carioca RIOetc ..................................................................................208 Figura 27: Dados de audincia do RIOetc..................................................................................209

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    Figura 28: Post Internacional Turquia RIOetc....................................................................211Figura 29: Post personagemlifestyle (SORRISO) RIOetc....................................................215Figura 30: Publipost RIOetc...................................................................................................219Figura 31: Post Lookbook Adidas RIOetc.............................................................................. 221Figura 32: Post Look do ms RIOetc......................................................................................222Figura 33: Search/ La Recherch Avance (Busca Avanada) Garance Dor................231 Figura 34: Seo Lifestyle Garance Dor............................................................................. 237Figura 35: Postdesfiles, Fashion Weeks Garance Dor .......................................................239Figura 36: Publipost Garance Dor.......................................................................................241Figura 37 : Scott e Garance, Casal 20 do street-style ................................................................243Figura 38: Layout blog My Little Fashion Diary.................................................................... 246Figura 39: Exemplo post Look PFW - My Little Fashion Diary..............................................248Figura 40: Exemplo post Cobertura PFW (parte inferior) My Little Fashion Diary............. 250Figura 41: Post Peas-desejo Publipost My Little Fashion Diary........................................251Figura 42: post Inspirao My Little Fashion Diary...............................................................251Figura 43: Post com destaque a Paris [em partes] My Little Fashion Diary..........................254

    Figura 44: Post Before Balmain My Little Fashion Diary.....................................................255Figura 45: Perfil do usurio Art of The Trench......................................................................259 Figura 46: Home/Categorias Art of The Trench.....................................................................259Figura 47: Formulrio para submeter a fotografia do Trench-coat Art of The Trench...........260Figura 48: Fotografia expandidalook Burberry, submetido por usuria Art of The Trench...262 Figura 49: View Details Art of The Trench..........................................................................262 Figura 50: Msicas do Burberry Acoustic Experience Art of The Trench..........................263

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    LISTA DE ANEXOS

    Anexo 1: Poema Une Passante, Charles Baudelaire, 2a ed. de Fleurs du Mal(1861) .......289

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    SUMRIO

    INTRODUO: ATRAVESSANDO RUAS...........................................................................1

    PARTE I: FOTOGRAFANDO UM MOVIMENTO ...........................................................30

    1 O FENMENO DA BLOGAGEM........................................................................................31

    1.1 DOS DIRIOS PROFISSIONALIZAO.......................................................................311.2 TIPOLOGIAS DE BLOGS .....................................................................................................391.3 AS DINMICAS DA BLOGAGEM: AUDINCIA, ANUNCIANTES EASSDIO.....................................................................................................................................421.3.1 Da aquisio da audincia notoriedade.............................................................................431.3.2 A blogagem como negcio e o blogueiro como celebridade...............................................501.3.3 O narcisismo coletivoblogger .............................................................................................55

    2 O FENMENO URBANO E A MODA ..............................................................................6 2.1 MODA E ESTILO: ASPECTOS CONCEITUAIS................................................................6 2.2 MODA E ESTILO NA METRPOLE ..............................................................................7 2.2.1 Das ruas cidade moderna: aspectos histricos..................................................................7 2.2.1.1 O flneur : registrando as modas passantes ......................................................................9 2.2.2 Das metrpoles s passarelas: a industrializao da moda .................................................9 2.3 A RUA COMO EXPRESSO DA MODA: OSTREET-STYLE ..........................................9 2.3.1 A moda de rua como tribalismo ........................................................................................10 2.3.2 Quando street-style rima com tendncia ...........................................................................10 2.4 LUGARES DE ESTILO ENTRE AWEB E A RUA: (RE)CONFIGURAES ...............11

    PARTE II: TRAVESSIA ..........................................................................................................11 3 O FENMENO DO STREET-STYLE DIGITAL..............................................................113.1 OSTREET-STYLE NA MDIA............................................................................................11

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    3.2 OSTREET-STYLE NAWEB...............................................................................................1 3.2.1Street-style business..........................................................................................................13 3.2.2 O blogueiro street-style: ator-chave no campo da moda ..................................................133.2.3 Os blogs street-style: proposta de uma tipologia...............................................................14 3.2.4Street-style view: o olhar dos blogueiros...........................................................................1

    4 ESTUDANDO O STREET-STYLE DIGITAL....................................................................1 4.1 THE SARTORIALIST AO THE FACE HUNTER: STREET-STYLE COOL-HUNTER BOOM DOSTREET-STYLE DIGITAL......................................................................................1 4.2 EASY FASHION PARIS : STREET-STYLE LOCATIVO......................................................19 4.3 RIOetc: O CASO BRASILEIRO DOSTREET-STYLE LOCATIVO .................................20 4.4THE GARANCE DOR : STREET-STYLE MISTO..............................................................22 4.5 MY LITTLE FASHION DIARY : STREET-STYLE DIARYOU EGO-BLOGS .......................24 4.6 ART OF THE TRENCH : STREET-STYLE CORPORATIVO..............................................25

    5 RUAS E BLOGS STREET-STYLE POR EXTENSO: ENTRE CALADAS EFASHION-

    WEEKS......................................................................................................................................26

    REFERNCIAS.........................................................................................................................27

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    INTRODUO: ATRAVESSANDO RUAS

    bastante bvio que as pessoas que gostam de moda queiram fazer parte disso. Euacho charmoso. Voc sabe, se voc gosta de esportes, voc pode ir a um jogo. Mesmonos Estados Unidos, temos uma coisa, eu no sei se vocs tm no Brasil, eles chamamde tailgating . Quando voc vai para o jogo e voc no pode entrar, ento, voc ficado lado de fora e aprecia a atmosfera de estar no jogo. Aqui o fashion tailgating ,voc sabe, as pessoas que... nossa assistente... conseguiu entrar em desfile daChanel eela estava chorando, ela estava feliz. Moda significa muito para muitas pessoas. E euacho que isso apenas mostra que a moda muito saudvel e viva. E as pessoas queremser parte deste mundo. Isso cria um pouco de confuso, mas eu acho que muitointeressante que as pessoas queiram fazer parte dela (Scott Schuman, outubro 2012)1

    As grandes metrpoles, a exemplo de So Paulo, Londres e Paris, esto lotadas defotgrafos e wannabe-blogguers2 buscando um espao ou a melhor imagem no burburinhodas ruas ou portas de desfiles, no ainda estigmatizado mundo da moda. Essa dinmica apontada pelo consagrado blogueiro Scott Schuman de tailgating , na qual circular e vivenciar aatmosfera dos eventos do setor e, ainda, querer tirar proveito disso, alm de ser interessante oucharmoso, pode revelar o desejo consciente e explcito dos indivduos em tornar-se famoso(a)como condio de felicidade. Nesse caso, a fama e a felicidade viriam atravs doreconhecimento como um blogueiro(a).

    1 Entrevista concedida ao blog Garotas Estpidas em outubro de 2012. Disponvel em:. Acesso em: 14 nov. 2012. Traduo livre da autora: Its pretty obvious that peoplewho loves fashion you want to be part of it. What I think its very charming. You know, If you love sports, you cango in a game. Even in America we have a thing, I dont know If they have it in Brazil, they call tailgating . Whenyou go to the game and you cant go in to the game, so, you stay just outside parting and enjoying the atmosphere being in the game. And its the fashion tailgating , you know, the people that, you know... our assistant was ableto get in at Chanel show and she was crying, she was happy. Fashion means a lot for a lot of people. And I think its just shows that fashion is very healthy and alive. And the people wants to be part of this world. This creates a little bit of a mess, but I think its very charming that people want to be part of it.2

    wannabe uma expresso da lngua inglesa, particularmente uma contrao de want to be = querer ser,significando desejo de ser blogueiro.

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    A concentrao e saturao de curiosos, amadores, fotgrafos ou profissionais da reaem eventos de moda revigoriza antigas questes em um gnero recente da comunicao digital o street-style. Nessa direo, o debate3 sobre essesblogs volta tona a partir do segundosemestre de 2011, aps a febre inicial do gnero, em 2006, e do consequente redesenho dacomunicao da moda e do mercado das tendncias. Por sua vez, as discusses avanam emdois aspectos. Primeiro, no que concerne proliferao desses sites, em diferentes formatos,decorrente do sucesso de alguns como veculos consagrados pela audincia e celebrizao dosseus autores. Segundo, com respeito publicidade nosblogs com a profissionalizao.

    Atrevo-me a dizer, por outro lado, que o embrio dessa Tese se insere num dos primeirosmovimentos do fenmeno da blogagem street-style, quando comecei a zanzar por alguns desses blogs (lembro doThe Sartorialist 4), entre o final de 2007 e o incio de 2008. poca, o principal sitede rede social era ainda oOrkut e conheci por essa rede uma designer, Helga Kern,que havia lanado em 2007 com outra amiga o blog street-style pioneiro da capital gacha5,Moda de Rua de Porto Alegre, que me chamou para experimentar o projeto por um tempo.Em 2008, o gnero conquistou mais espao na imprensa e especialmente naweb, com milharesde novos endereos. Resolvi trocar o trabalho exaustivo de blogueira-fotgrafa pelo de

    pesquisadora do fenmeno, dando continuidade aos meus estudos na rea da moda e dacomunicao.

    A exploso dosblogs street-style, conhecidos tambm comoblogs de moda de rua, que publicam posts de fotografias de pessoas comuns nas ruas e lugares pblicos de cidades,vestidas comlooks originais, junto com a febre dos sites de redes sociais e com a crescente publicizao de informaes que seriam de ordem privada, caracterizam comportamentos da

    3 As revistas so dirigidas pelo medo: elas t, que manter esses anunciantes e fazer coisas para eles. Mas agora os blogs tem crescido tanto they que eu recebo email todo tempo. Mas ns sabemos, Garance e eu, que a coisa parans o o nvel de integridade, ento ns apenas no fazemos isto. Seu argumento de que elas perderam acredibilidade por terem se transformado numa sequncia de pginas de anncios. Scott Schuman: Magazines aredriven by fearTHE TALKS . September, 28, 2011. Em entrevista revistaThe Talks Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2012.4 5 foi o primeiro blog street-style da capital, desativado desde2009. Em 2008, os publicitrios Vincius Chagas e Amanda Schmitz lanaram o Lookslikepoa: Moda, Tendncias e Badalao (), hoje dedicado a cobrir as festas noturnas(baladas) da capital. E em 2011 foram lanadosStreet-style POA: moda de rua e lifestyle na capital gacha (), vinculado agncia de comunicao Browse, sob curadoria de Baby

    Mattivy, Claudinha Palma, Luli Fedrizzi, Laura Madalosso, entre outros; eModaPoa: Estilo das Ruas de Porto Alegre (), da agncia de Mauren Motta.

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    ps-modernidade, nos quais os indivduos percebem o mundo e eles prprios por meio dasrelaes que estabelecem como outro e com a imagem que esseoutro cria deles.

    Trata-se de um momento contemporneo que denominamos de cultura narcisistadigital, caracterizado por experincias socioculturais e narrativas ligadas comunho deemoes e sensaes e s diferentes aspiraes e preocupaes dos indivduos, estimuladas,conscientes ou involuntrias, efeito e consequncia das novas formas de socializao. SegundoMaffesoli (2006, 2009), a mediao das tecnologias contribui para diferentes formas deinteraes que (re)configuram as organizaes sociais em torno de interesses comuns; uma predisposio ao gregarismo viaweb em substituio ao discurso do individualismo. Por maisque isso horrorize os crticos politicamente corretos, as pessoas no querem s informao namdia, mas tambm e fundamentalmente ver-se, ouvir-se, participar, contar o prprio cotidiano para si mesmas e para aqueles com quem convivem (MAFFESOLI, 2003, p. 15).

    Nesse cenrio, temos um cotidiano mais documentado, mais fotografado, maiscomentado, mais exposto e, por conseguinte, com reconfiguraes comunicacionais e sociaisdiversificadas, processos identitrios, histricos e mercadolgicos, em particular nos campos dacomunicao e da moda. Foi a partir da dcada de 1990 que a consolidada, mas tmida

    comunicao de moda para revista, jornal e TV agregou a Internet como aliada de peso,responsvel por alterar dinmicas e prticas nas fases do processo. A descentralizao da produo de contedos na sociedade em rede e o potencial de sua dinmica, cujos atributoscontemplam velocidade, multiplicidade e abrangncia, e na qual os fluxos de mensagens eimagens entre as redes constituem o encadeamento bsico (CASTELLS, 2000, p. 505),modificaram as engrenagens do mercado da moda ao possibilitar a democratizao do setor.

    A internet e a moda se aproximam pelas particularidades e semelhanas entre suas

    dinmicas: individualismo efemeridade, atualizao e multiplicidade (LIPOVETSKY, 1989;AMARAL; FERREIRA; FIEDLER, 2006). De um lado, nosblogs e sites de redes sociais, osusurios utilizam-se das ferramentas disponveis para criar um perfil, demarcando, por meio dasinformaes e imagens publicadas (pessoais, mas no somente), a personalizao do territrio pessoal naweb. De outro lado, a apropriao da moda fortalece a individualizao porque asescolhas do vesturio indicam a outrem estilos, personalidade e pertena a tribos (BARNARD,2003).

    Nesse encadeamento, a popularizao das mdias digitais, o desenvolvimento da

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    indstria da moda e a consolidao das fashion-weeks alavancaram o fenmeno dosblogs street- style em 2006, aps o sucesso de audincia de alguns, desde Nova York. comum a maioriadeles conter o nome da cidade de origem no ttulo, situando-os, como StreetStyle POA6 , Easy Fashion in Paris7, Stil In Berlin8; porm h diversos outros, tambm consagrados, com ttulosdiversificados, mas anloga proposta, comoMr. Newton9, Altamira Modelsoffdutty10, StyleClicker 11 e Hanneli12.

    A despeito da heterogeneidade de cores, modelos e marcas mostradas, os acessos (aaudincia) e as conversaes apontam uma esttica comum compartilhada entre blogs, blogueiros e leitores, unidos por um ideal comunitrio, que Maffesoli (1990) resume em duas palavras: o estilo e a imagem. Ela consiste em uma proliferao demicro-histrias orientadassobre este objeto central da vida cotidiana: o objeto da moda, um objeto que, como mostrado pelosblogs, constitui um verdadeirovetor de comunho.

    Na construo do street-style digital, o sentido no est somente naquilo que se usa e publicado, mas nos efeitos que as escolhas provocam, nos estilos, na exuberncia e naefervescncia dos gestos e das ruas, na vitalidade das relaes sociais, conversaes e suascomplementaridades. Em uma palavra, no vitalismo, conforme Maffesoli (2008). Isso porque o

    poderoso conformismo lgico, emprestando de Durkheim uma expresso mais acadmica, osegredo da moda. Conformismo em relao aos vnculos que a mesma proporciona. Quer sejasobre vesturio, linguagem ou intelecto, no importa, o essencial o sentimento de pertena que a causa e o efeito (MAFFESOLI, 2008, p. 04). explcito: o visvel, o esttico e ademonstrao que a moda evidenciam que, em algum momento, a profundidade (osignificado) est na superfcie das coisas e nas suas relaes. Nessa via, o significado da modaest no enraizamento dinmico da vida social, que a causa e o efeito de uma inegvelviridit

    existencial, mesmo onde o espao digital e social se confundem.Assim, os blogs street-style servem de fundamento existncia social, algo que permite

    identificao/reconhecimento entre os interlocutores autores e leitores ao (re)produzirimaginrios sobre a cultura jovem urbana. Da emerge a figura emblemtica dos blogueiros (no

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    verdadeira novamente) nomtier da moda, os quais, como autores, so peas-chave naconstituio da moda de rua. Eles tornaram-se formadores de opinio fundamentais no mercado,mesmo sem experincia profissional em funo do alcance e audincia dessesblogs. Tendo emvista suas referncias de gosto e senso esttico e o trabalho no restrito e badalado meio da moda,ser blogueiro tornou-se profisso desejada e de status, no mesmo nvel das celebridades da TV edo cinema, com milhares e fs e seguidores no mundoonline e tambmoffline.

    Aqui, o blogueiro street-style, um ator-social fundamental no circuito da moda, atuacomo um flneur do sculo XXI, cujas vivncias e relatos urbanos, traduzidos no mundo digitalso dotados de dimenses materiais, socioculturais, econmicas, imaginrias, histricas e, portanto, atualiza a flnerie do sculo XIX (BAUDELAIRE, 1996, 1988; BENJAMIN, 2000).Trata-se de uma experincia narrativa13 no espao urbano fsico e social e tambm naweb, noqual o autor-blogueiro um interagente, como consumidor e produtor de imagens-relatos docotidiano, efetivadas a partir das interaes originadas e ramificadas com os leitores.

    Nesse sentido, a escolha dosblogs street-style como objeto de estudo acontece pelarelevncia e atualidade do tema, cujas transformaes econmicas e comunicacionais resultaramem contextos recentes complexos no que se refere ao setor. Todos esses processos, embora j

    comentados de forma efusiva, ainda so pouco estudados com o rigor necessrio. O nmero de pesquisas sobreblogs de moda e street-style tm sido crescente no Brasil e no exterior, emcursos de Graduao e Ps-graduao de Comunicao e Moda, mas as publicaes14 so aindarestritas e a viso do fenmeno est em discusso. A despeito dos diversos livros ilustradoslanados pelos blogueiros com as melhores imagens de seus blogs (como o caso dos blogsTheSartorialist , The Face Hunter 15, O Alfaiate Lisboeta16, RioETC 17), as principais discusses sobreo tema so autorreferentes emblogs da rea ou anguladas pela imprensa em geral, doThe New

    York Times RevistaGalileu, passando por revistas especializadas de moda e comportamentodo mundo inteiro e suas versesonline.

    13 Consideramos as narrativas como relatos organizados pelas diferentes linguagens e contedos estticos(smbolos, imagens e referncias) no seio da produo dos repertrios compartilhados cada dia pelos indivduos.14 J foram lanados os livros: Fashion Blogs, de Kirstin Hanssen (2010), com o objetivo de ser um panoramageral, com a descrio dos mesmos e depoimento das blogueiras, no Hemisfrio Norte;Gnration Blogueuses, deMiss Phit (2012), um guia deblogs franceses de moda, beleza, cultura, culinria e comportamento, com algumasreflexes sobre o cenrio.15 16

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    Dessa forma, buscamos complementar as pesquisas existentes no Brasil sobre o gneronas dimenses da conformao da moda e dos estilos e aprofundar o debate recente sobre o papel dos blogueiros. Tomamos o argumento de Maffesoli (1990, p. 55) acerca da importnciados lugares emblemticos e emocionalmente vividos na cidade contempornea, cujosfragmentos unidos delimitam imaginrios sociais, fazendo da cidade o espao da socialidadeuma referncia para o observador social. Nesse universo, o social e o miditico transitam.Ademais, ressaltamos, conforme Lipovetsky (2004), que a moda se oferece ao investigadorenquanto sistema simblico e, tambm, enquanto atividade socialmente significativa para que possamos estud-la do ponto de vista de seus produtos e, tambm, do ponto de vista dosintegrantes da sua cadeia produtiva, em todos os nveis, inclusive a divulgao.

    Partindo, pois, da mediao dosblogs na construo dos imaginrios e na difuso dastendncias, a proposta da Tese investigar na sociedade narcisista digital o fenmeno dosblogs street-style, a fim de compreender suas lgicas e interlocutores, em particular, o imaginriocoletivo da moda de rua e as dinmicas do blogueiro por manter vivos aspectos do flneur dosculo XIX, como o esprito do observador.

    Especificamente, a pesquisa abrange os seguintes objetivos: a) explorar e descrever o

    fenmeno da blogagem street-style, do ponto de vista histrico e do vis editorial, no intuito dedesenvolver reflexes sobre as reconfiguraes do street-style digital no mercado e nacomunicao de moda, como o surgimento do blogueiro como figura de moda emblemtica; b) propor uma sistematizao para o gnero blogs street-style atravs de uma tipologia; c)investigar o imaginrio coletivo do street-style partindo do estudo do papel da constituio dascidades e da vida urbana no advento dos estilos de vida e da compreenso do papel blogueiro street-style na profissionalizao do fenmeno.

    Nesse processo, cumpre destacar que o imaginrio coletivo configura as representaes,narrativas e concepes de mundo. O imaginrio um conjunto de produes mentais oumaterializadas em linguagens (visuais, smbolos, relatos, etc.) que contempla o coletivo.Significa que determinado pela ideia de fazer parte de algo, que vai alm do indivduo, aindaque se possa falar em meu ou teu imaginrio. Por seu turno, o imaginrio do outrocorresponde sempre ao de um grupo social do qual faz parte e cada sujeito est apto a l-lo comcerta autonomia. Assim, o imaginrio o esprito de um grupo, de um pas, de um estado-nao, de uma comunidade, segundo Maffesoli (2004, p. 76) e, por isso, estabelece vnculo e

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    cimento social; logo, no pode ser individual, mas grupal. Na concretizao do imaginrio peloolhar do outro, as tecnologias e suportes de mdia (osblogs, por exemplos) bebem em fontesimaginrias para aliment-los, constituindo uma rede inconstante de valores e de sensaes partilhadas, seja de forma concreta ou virtual. Isso significa que o imaginrio alimentadotambm pelas tecnologias.

    a existncia desse imaginrio que determina a existncia de conjuntos de imagens. Oimaginrio das coisas e conceitos gera uma forma particular de pensar a respeito, conformeMaffesoli (2001). A existncia do imaginrio do street-style (do autor e dos espectadores), porexemplo, o que determina a existncia daa esttica da moda urbana nessesblogs. Trata-se deum conjunto de imagens que correspondem ao resultado de uma construo histrica, urbana, deuma atmosfera, do que bem vestir-se, do que executar um estilo nas ruas e, nesse sentido,continua a produzir novas imagens.

    Por sua vez, mesmo sendo uma construo mental, o imaginrio no se trata apenas deum conjunto de imagens mentais preexistente, no um mero lbum de fotografias mentaisnem um museu da memria individual ou social, ou se restringe ao exerccio artstico daimaginao sobre o mundo, como explica Silva (2001). Ou seja, as imagens (de todos os tipos

    cinematogrficas, pictricas, esculturais, tecnolgicas), que existem em profuso, no so osuporte, mas o resultado.

    Reconhecendo a complexidade do conceito de imaginrio e suas ambiguidades tericas j que se trata de uma narrativa inacabada, um processo, uma teia, um hipertexto, umaconstruo partilhada, annima e sem inteno, vamos s origens do conceito, que o toma comoum reservatrio arcaico de imagens anteriores cultura (SILVA, 2004). A cultura, no seusentido antropolgico, contm uma parte do imaginrio, mas no se reduz a ele, conforme

    Maffesoli (2001). H proximidade entre ambos os conceitos.Pode-se dizer que o imaginrio a cultura de um grupo; contudo, ao mesmo tempo, a

    transcende. O imaginrio mais do que a cultura de um grupo, por meio da qual possvelcompreend-lo, segundo Durand (2002), uma fora social de ordem espiritual, uma aura que aultrapassa e alimenta. Enquanto a cultura um conjunto de elementos e fenmenos passveis dedescrio, o imaginrio perceptvel, mas no quantificvel, pois tem, alm disso, algo deimpondervel.

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    Durand enfatiza que os homens so capazes de se compreender mutuamente por meio dadistncia fsica e temporal atravs da literatura, poesia e mitos, por exemplo, traduzveis paraqualquer idioma porque possuem um patrimnio inalienvel e fraterno que constitui o impriodo imaginrio (DURAND, 1996, p. 69). Assim, so capazes por (de)formar imagens esmbolos elementos configuradores desse imprio por meio de experincias sensoriais. Ficaclaro, pois, que o estado de esprito que caracteriza um povo. No se trata de algosimplesmente racional, sociolgico ou psicolgico, pois carrega tambm algo de impondervel,um certo mistrio da criao ou da transfigurao, elucida Maffesoli (2001, p. 76).

    Na medida em que procuramos de modo reflexivo apreender e discutir sobre como osblogs podem ser articuladores de imaginrios sociais de estilos de rua e tendncias de moda,tomamos o eixo da Sociologia Compreensiva de Maffesoli (2007), no sentido de evidenciarfisionomias estruturais e histricas das formas sociais e culturais do objeto e privilegiar aorganicidade, a temporalidade e as ambiguidades. Epistemologicamente, o mtodo sugereintegrar no e pelo conhecimento tudo o que est prximo: inventar (no sentido de in-venire),ressaltar todos os fragmentos, as situaes minsculas, essas banalidades que por sedimentaoconstituem o essencial da existncia (MAFFESOLI, 2009, p. 102).

    Em outros termos, pressupe trazer o conhecimento do fenmeno para a escala docotidiano, e construir um relato dinmico sobre um objeto em transformao, destacando amultiplicidade de aspectos e dinamicidade dos blogs street-style, mas no uma verdadedefinitiva. Isso tende a contribuir para evitar anlises superficiais, tendenciosas, parciais, ou baseadas em esteretipos das narrativas da moda de rua.

    Para tanto, se faz necessrio empregar o formismo18 presente nas obras de Maffesoli,inspirado nos estudos de Simmel. Este autor argumenta que a vida se impe contra os limites da

    forma, j que normalmente as formas de uma cultura visam regul-la e control-la. A vida18 A sociologia compreensiva no se detm nas ideologias individualistas, mas nas especificidades da formacoletiva, do todo social, de um lado, porque este todo que determina as partes, e de outro, porque partimos daconcepo de existncia social (em redes), do gregarismo, potencialidade das tecnologias digitais. De qualquermaneira, o principal interesse da acentuao da forma mostrar sua complexidade, a diversidade de valores, omovimento, o que a sociologia clssica denomina de holismo e que jamais privilegia um aspecto em particular,mas a multipilicidade dos aspectos (a globalidade da questo e do objeto). Ao ser menos cientificista, no significaque o formismo seja menos rigoroso, mas, como Maffesoli delineia, prope uma cientificidade mais generosa,que insere a pesquisa em parmetros e perspectivas tradicionais j postos de lado. Enquanto o conceito encerrauma funo de excluso, a forma agrega. Ela germina; d origem a uma multiplicidade de radculas, que por suavez se disseminam infinitamente (MAFFESOLI, 2007, p. 112-114). Conforme Simmel (1988), a forma seria uma

    matriz que preside o nascimento e a morte de diversos elementos da vida em sociedade. A forma seria entoformante. Isto , as formas sociais so os aspectos que modelam os fenmenos sociais.

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    necessita da forma para ex-istir, da mesma maneira em que ela deve estar expandindo-se paraalm das formas. nesse embate, nesse conflito entre formas e contedos que enraza-se otrgico da sociedade (SIMMEL,1988). Significa dizer que as coisas (da escrita vida social)existem porque se inscrevem numa forma (logo, obedecem a regras) e esto em relao soutras, condicionando sua existncia e interferindo implicaes estticas, ticas, econmicas, polticas.

    Assim, ao trazer para nossa problemtica, o formismo sugere verificar e reconhecer taisimplicaes por meio dos signos, no nvel do produto (fotografias, textos, imagens) e do autor(blogueiro). Alm disso, considera os regramentos dos contextos especficos e as manifestaese expresses dos sujeitos entre si, prezando pela acuidade na observao dos elementosestticos, mercadolgicos e subjetivos (as relaes, interaes, emoes, reaes, expresses).

    Nessa direo, o processo da pesquisa quanti-qualitativa inclui um conjunto de procedimentos, como a observao sistemtica dosblogs por um longo perodo, a observao participante e o registro em dirio de campo acerca das dinmicas da captao dos blogueiros,entrevistas, a produo de texto com reflexividade por parte do pesquisador, at chegarmos aum mapeamento do fenmeno da blogagem street-style.

    A entrada emprica em contexto brasileiro e francs, aps a reviso bibliogrfico-terica,foi pontuada por duas perspectivas: uma aproximaoonline, ou seja, a observao e coleta dedados dosblogs de street-style em si; e a pesquisa de campo de aproximao ao circuito damoda e dosblogs (e seus autores) no Brasil e em Paris (durante a Paris Fashion Week , nosegundo semestre de 2011, que ocorre entre a ltima semana de setembro e incio de outubro).

    Entendemos a fase de observao, mapeamento e recolhimento de dados dosblogs comouma etnografia virtual, tambm chamada de netnografias das redes digitais de computador19

    (S, 2002; KOZINETS, 2002). O conceito de netnografias tem os pressupostos na etnografiatradicional, a qual exige que o pesquisador mergulhe no universo do(s) pesquisado(s). Oneologismo netnografia (nethnography = net + ethnography) foi cunhado por um grupo de pesquisadores norte-americanos em 1995 para descrever o desafio metodolgico de preservardetalhes ricos usando o meio eletrnico para seguir os atores (BRAGA, 2007).

    19 Trata-se de um aporte promissor para lidar com objetos de pesquisa das TCIs, porm necessita ajustes eadaptaes da tcnica etnogrfica conforme aspectos e exigncias dos objetos, e tambm de acordo com contextos

    que modificam suas caractersticas e dinmicas na observao participante (relaes face a face com o pesquisador)da qual se origina (BRAGA, 2007).

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    Neste trabalho no nos detemos nas audincias dosblogs, mas nos atores-autores dosmesmos, inseridos naweb na produo dos seusblogs. Nesse caso, as tcnicas bsicas sugeridas por Kozinets (2002) para a netnografia entre cultural; coleta de dados e anlise; interpretaoconfivel20; tica da pesquisa; checagem de informaes foram fundamentais para nossos procedimentos de anlise. Em primeiro lugar, aentre cultural ocorreu atravs do contato eaproximao a blogueiras (por comentrios,e-mails, presena em locais onde costumamfotografar); da realizao de cursos sobreblogs, moda e imagem em Porto Alegre e So Paulo( Blogs de moda: autopublicaes e informao alternativa em moda21, em outubro de 2008,com as autoras do blogOficina de Estilo, por exemplo) para (re)conhecer as dinmicas da modae dosblogs; e da participao em eventos do setor, facilitadas pelo fato ser uma entusiasta dotema.

    Do ponto de vista da observao e mapeamento, a netnografia inclui tambm a busca dedocumentos relacionados pesquisa e, dessa forma, atualizamos a problemtica, por meio da procura de reportagens (agosto 2010, setembro 2011, julho 2012 checagem e atualizao deinformaes) sobre osblogs e blogueiros em revistas especializadas, e de livros j lanadossobre o assunto. Foi realizado um levantamento de material (impresso e digital) sobre o tema em

    matrias, entrevistas e vdeos de revistasonline, sites e blogs e redes sociaisonline.Consideramos oGoogle.com atravs da busca pelas palavras-chave streetstyle blogs, moda derua (e tambmmode de rue, blogues mode de rue, em francs) cujos resultados registraramlinks de textos que categorizam a moda de rua na internet.

    A listagem dos principais ttulos deblogs street-style internacional iniciou a partir deinmeras horas de pesquisa seguindo asblogrolls dos j consagrados (conforme nmero deacesso, reconhecimento da mdia tradicional e at livros publicados pelos autores), diversos

    conhecidos pela pesquisadora (ao longo da redao do Relatrio da Tese) e, tambm, aquelesque as editoras de moda do mundo todo costumam sugerir, entre os quais:The Sartorialist , The Face Hunter, Stil In Berlin22; e Garance Dor23.

    20 Providing Trustworthing Interpretatin ( KOZINETS, 2002, p. 07).21 22 - "Stil in Berlin" foi lanado Mary Scherpe e Benjamin Richter em maro de2006, inspirado no Hel-Looks. Segundo informao editorial no prprio site, um projeto de fotografiaonline publicado em formato deblog. Vem sendo realizado por uma equipe de pessoas espalhadas por diversas cidades

    desde 2009.23

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    De forma organizada, foi com base noblog de Yvan Rodic,The Face hunter (situadooriginalmente em Copenhagen e Londres), o qual disponibiliza umablogroll de dezenas deendereos (Street Style Sites) classificados por ordem alfabtica do nome da cidade e/ou pas,que a anlise exploratria foi consumada. Tambm foi referncia pesquisa a lista sugerida peloStill in Berlin, atualizado desde maro de 2006, outro entre os de maior prestgio. Um dosimportantes critrios de incluso dessesblogs, sobretudo, foi a recorrncia delinkagens viablogroll dos mesmos entre si, o que constitui a rede socialonline de street-style. Significadizer que consideramos, em particular, aqueles endossados entre si.

    Outro critrio para o levantamento dos principaisblogs street-styles foram as edies da pesquisaStyle99 realizada pelo siteSignature924, que destaca os 99 Most Influential Fashion Blogs and Beauty Blogs (maro 2012), realizada desde setembro de 2009. Aps esse trabalhosistemtico e exploratrio acerca dos principaisblogs e blogueiros em nvel internacional,evidenciamos particularidades e idiossincrasias dos mesmos quanto s propostas, ttulos e atformatos. Para alm dos street-style na forma genuna e dos mistos, ou seja, aquelesheterogneos e diversificados na abordagem (o estilo de rua uma das sees entre as demaiscontempladas); constatamos que h um significativo nmero deblogs do gnero que seguem a

    linha de mostrar o estilo pessoal do autor, no seu cotidiano, como entre a maioria dos listados nablogroll existente at 2011 no endereoGarance Dore, ainda, iniciativas de empresas.

    Nessa perspectiva, a sistematizao dosblogs se deu aps extensa observao dosblogs street-style, buscando contemplar especificidades e pluralidades dos mesmos. Pontuamosaspectos e atributos para estabelecer uma proposta de tipologia para o gnero, no intuito de criartipos e, assim, possibilitar uma maior compreenso e discusso a respeito. Vale ressaltar que os blogs tambm podem ser analisados de forma mais complexa, a exemplo de sistematizaes j

    propostas (SILVA, 2003; RECUERO, 2003; PRIMO, 2008).Ao mesmo tempo, a classificao dessesblogs em categorias nos levou delimitao da

    pesquisa: a escolha docorpus decorrente da tipologia sugerida, propondo analisar umblogs decada categoria especificada: street-syle locativo; street-style cool-hunter; street-style misto; street-style diary; e o street-style corporativo. Entre os critrios para a escolha dosblogs,

    24 Signature9 () um guia dirio de informaes de estilo, tecnologia,viagens, comida, design, decorao, com opinio, editoriais fotogrficos, etc. Realiza o mapeamento da blogosfera

    para localizao deblogs de contedo ligados moda e beleza, bem como do cruzamento dos dados do nmero devisitas, comentrios e nmero de referncias porhiperlinks em outros sites e blogs.

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    consideramos diversos aspectos, entre eles a importncia de contemplar ttulos e/ou experinciasque tenham, ao mesmo tempo, reconhecimento internacional e relevncia histrica. Adelimitao tambm circunda a Paris Fashion Week , cenrio da principal semana de moda domundo e, tambm, para onde vo os principais blogueiros.

    Nesse sentido, na categoria street-style cool-hunter , optamos pela anlise doThe Face Hunter , de Yvan Rodic, alm de apresentar reflexes acerca do consagradoblog TheSartorialist , de Scott Schuman, que foi o pioneiro da gerao recente de blogueiros. Como street-style locativo, tomamos o francs Easy Fashion Paris, de Fred Laphoto. Oblog carioca RIOetc, de Renata Abranchs e Tiago Petrik, tambm foi analisado por considerarmos pertinennte contrastar um caso brasileiro na Tese. Do tipo street-style misto,analisamos oblogGarance Dor, da principal blogueira do gnero no mundo. E na categoria street-style diary, optamos porMy Little Fashion Diary, de Emilie Higle. O projeto da marca Burberry, chamado Art of The Trench25, foi a escolha do tipo street-style corporativo por ser um dos primeiros,cujas atividades alcanam vrios pases.

    No que se refere coleta de dadosonline, a netnografia contribuiu inicialmente, com afacilidade de contnuo acesso aos dados arquivados (KOZINETS, 2002, p. 03), que podem ser

    salvos e organizados por meio de cpias e print-screens dos posts (em arquivos de Word)somente com o custo de conexo internet (a maioria dosblogs disponibiliza os arquivos naweb). Nesse caso, h a vantagens para a descrio e anlise criteriosa dos objetos posteriormentee ainda permite praticidade ao pesquisador e menos invaso e incmodo (tomada de tempo) aos pequisados os blogueiros.

    Quanto ao perodo de anlise dosblogs, definimos os meses de maio e outubro de 2011,escolhidos em funo da ocorrncia da semana de moda parisiense final de setembro e incio

    de outubro e, tambm, levando em conta o perodo do estgio no exterior, realizado nosegundo semestre 2011. Como base de comparao da pesquisa e para anlise sistemtica dosblogs foram utilizados processos observatrios qualitativos dos primeiros anos dosblogs eoutros mais recentes.

    Assim, para investigar a construo do imaginrio do street-style, levamos emconsiderao as distines dosblogs street-style enquanto gnero virtual, como os aspectos do

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    design26 , inerente a sua concepo enquanto estrutura e formato tcnico. Focamos em uma perspectiva sociocultural, a partir da observao da regularidade ou predominncia de traos etemticas para o estilo de rua ou para determinados lugares e outros aspectos relativos aosfotografados ou aos seuslooks. Logo, para operacionalizar a investigao, tomamos algumascategorias para verificar a existncia de eixos na configurao do street-style nos blogs: a)cidade/local (entendidos como cenrios da moda de rua); b) perfil dos atores sociais (presenaou no da identidade/dados dos fotografados: nome, profisso e/ou demais dados); c) ttulos(identificar os enfoques e os eixos da moda de rua); d)Tags27 ou marcadores (observar o queessas palavras definidas pelos autores informam acerca dos enfoques, temas, pessoasfotografados, marcas de moda).

    A etapa seguinte do estudo foi a participao no Estgio de Doutoramento (programaCAPES/PDEE) no perodo de seis meses (entre junho e novembro de 2011), no Laboratoire deRecherche doCentre d'tude sur l'Actuel et le Quotidien(CEAQ) - na Universit ParisDescartes , em Paris, sob orientao do Prof. Dr. Michel Maffesoli, que permitiu no somenteaprofundamento terico-metodolgico, como tambm um acompanhamento do universo damoda e dos blogueiros street-style, em particular, daqueles que participam da Paris Fashion

    Week (PFW), prt--porter , considerada a mais importante do mundo.Alm do levantamento e verificao dos principais cenrios de moda da capital,

    realizamos contato com a associao responsvel pela organizao das Semanas de Moda emParis, aChambre Syndicale De La Haute Couture e Fdration Franaise De La Couture, Du Prt--Porter E Des Createurs De Mode, na tentativa de viabilizar o credenciamento(enviamos cartas em nome doGEMODE Groupe dEtudes sur La Mode, Sorbonne, para 50marcas participantes da PFW). Embora o vnculo com a associao poderia facilitar a

    participao, os desfiles da Paris Fashion Week (PFW) so independentes e, cada marca temautonomia para convidar jornalistas, clientes e fornecedores, credenciados ou no.

    Como resultado, apenas trs marcas responderam de forma positiva ( Elie Saab, YohjiYamamoto, Ann Demeulemeester ), oferecendo convite pesquisadora; duas ( Dries Van Noten e Dior ) responderam solicitao viae-mail , mas explicaram que pelo fato de ser um evento

    26 no desenho tcnico que estaro delimitadas as fronteiras da potencialidade comunicativa (SILVA, 2007, p.09) dos blogs, cuja internet proporciona as condies de circulao e produo.27 As Tagsso palavras-chave definidas e geradas pelos autores dos textos-web que funcionam como etiquetas com

    o objetivo de descrever, resumir e classificar assuntos abordados nos posts ou matrias. Em portugus, costumamser traduzidas tambm como marcadores.

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    concorrido e planejado para clientes e imprensa, no seria possvel abrir lugares/vagas na plateia; e as demais sequer responderam.

    De qualquer modo, a insero no universo da produo dosblogs e dos blogueirosinternacionais aconteceu conforme previsto, atravs da observao participante das suasatividades e rotinas, com algumas entrevistas informais (Scott Schuman, Yvan Rodic e EmilieHigle) em portas e sadas dos desfiles, alm de entrevistas semiestruturadas com hora marcadaem cafs ou nos locais de trabalho dos blogueiros, em Paris (em 2011). Algumas entrevistasforam complementadas por contato viae-mail.Com alguns autores (Renata Abranchs e TiagoPetrik), o contato foi feito no Rio de Janeiro (2012). Nesses momentos, tambm tivemos aoportunidade de fotografar alguns movimentos de blogueiros, durante suas rotinas.

    Conhecer essas prticas, bem como o perfil e ponto de vista desses profissionais acercado street-stylee compreender questes sobre o que determina a relevncia de um contedosegundo eles foi fundamental para compreender as lgicas e estratgias subjetivas, econmicas esociais do street-style nos dias de hoje.

    A dinmica de articulao de significados em torno da concepo de street-style nocontexto dos suportes digitais e das ruas advm de fontes culturais plurais e in proccess e, por

    isso, no restritas ou definitivas. Portanto, com base no material analisado, no contexto pesquisado e nas interaes promovidas nas ruas, fashion weeks e porta dos desfiles e festas, osdados levam a uma leitura interpretativa da noo de street-style que acompanham oalargamento da moda enquanto sistema e as diferentes (re)significaes em cada ponto docircuito da comunicao que colaboram para identificar relaes e atributos com o contextosociocultural e econmico.

    Nesse contexto, a problemtica da Tese se sustenta em quatro eixos tericos centrais: os

    blogs; a compreenso do street-style como movimento cultural e tambm como fenmenodigital; a cultura narcisista daweb; e o sentido de lugar na cultura digital e na configurao dosestilos. Todos esto imbricados na tentativa de explicar a cultura blogueira street-style, ummovimento que dinmico e que somente nos ltimos trs anos (enquanto investigamos o tema)vem apresentando tendncias importantes, entre as quais a profissionalizao, a monetizao e aemergncia da figura do blogueiro de moda como figura emblemtica. Vale ressaltar aqui quefoi aps o estgio de Doutoramento em Paris (jun./dez. 2011), um trajeto do estudo, quandoevidenciamos pragmaticamente a fora do blogueiro de moda, que verticalizamos o debate

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    acerca das (micro)celebridades em rede e do narcisismo coletivo, entendidas no contexto dacultura narcisista digital da sociedade contempornea.

    A pesquisa reflete, portanto, um esforo de traduzir o cenrio de formas de comunicaoemergentes, os blogs street-style, cujos interlocutores, processos e estratgias, esto(re)definindo diferentes lgicas e gramticas de produo para o mercado e para a comunicaoe das tendncias. Nessa direo, para dar conta do fenmeno street-style digital, aps aIntroduo, na qual feita a exposio e contextualizao do tema, objetivos e procedimentosmetodolgicos, a Tese foi organizada em duas partes: uma predominantemente terica e outraque estuda as especificidades e verses dosblogs street-style, traduzindo as reflexes acerca dofenmeno aps quase quatro anos.

    Na primeira parte, denominada Fografando um movimento, os captulos buscam darsuporte bibliogrfico ao objeto de estudo da Tese e suas discusses, em transformao. OCaptulo 1 explica as caractersticas dosblogs, suas dinmicas, questes operacionais, tipos eformas de explorao comercial, a partir de autores que pesquisam o gnero e a cibercultura(BLOOD, 2000; LEMOS, 2002; MAFFESOLI, 2003; ROCHA, 2003; BARBOSA, 2003;RECUERO, 2003, 2004; SCHITTINNE, 2004, ORIHUELA, 2007; PRIMO, 2008, entre

    outros). No segundo captulo, para complementar as imbricaes tericas da cultura blogueira da

    moda de rua, problematizamos o papel da constituio da vida urbana no advento dos modos eestilos de vida (MAFFESOLI, 1990, 2003, 2006; POLHEMUS, 1994, FEATHERSTONE,1995). A trajetria histrica das cidades e dos homens intrnseca e, nesse vis, as concepes esentidos de ruas, cidades e bairros (SIMMEL, 1973; SENNET, 2008; CERTEAU, 2009)explicam os encontros e as interaes e introduzem as prticas de documentao do cotidiano, a

    exemplo da flnerie (BAUDELAIRE, 1988; BENJAMIN, 2000; RIO, 2008). Desenvolvemos,asim, uma espcie de histria da moda e da difuso das tendncias (SIMMEL, 1988;LIPOVETSKY, 1989; BRAGA, 2005; SVENDSEN, 2010) em torno das cidades paracompreender a moda de rua como fenmeno digital, com base nos vetores da socializao ps-moderna e do tribalismo.

    A segunda parte da Tese, que nomeamos Travessia por recuperar o percurso realizado,vai da busca de dados sobre esses sites s viagens de estudo e resulta da descoberta e construodo objeto emprico, do debruar-se na pesquisa. Traduz, portanto, uma trajetria de tempo

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    (desde 2009), lugares (Brasil, Frana, ruas,web), movimentos, sentimentos e, ao mesmo tempo,uma tentativa de afastar-se, por vezes, na busca do rigor metodolgico. Alm disso, traz acostura da flnerieentre a teoria e as reflexes, as conversas com os orientadores, as horas denavegao porblogs, a passagem entre uma rua e outra para observar os blogueiros,compreender suas motivaes e descrever suas dinmicas.

    A tcnica da netnografia na interpretao dos produtos e metodolgica dos blogueirosresponsveis pela divulgao de imagens delooks recolhidas nos centros urbanos pode serassociada ao conceito deciberflnerie, o qual podemos indicar que se aplica tambm pesquisadora, que, ao longo dos anos, foi uma andarilha na tentativa de realizar esta Tese: nos navegando ou zanzando pelos sites, mas tambm nas idas a campo e nas constantesobservaes. As escolhas metodolgicas e os procedimentos, portanto, so dimensionados aolongo da pesquisa, a partir da introduo, entendendo que tais processos no se tratam de algoestanque ou isolado, mas que permeiam todas as etapas da pesquisa.

    a partir do Captulo 3 que trazemos a abordagem histrica no que concernediretamente o street-style desde a sua expresso miditica at eclodir como fenmeno digital nosanos 2000. Dedicamos-nos tambm a conceituar e explicitar as lgicas e as dimenses do street-

    style na web, incluindo a problematizao acerca da notoriedade e celebrizao dos blogueiros,at a apresentao da proposta de uma tipologia para o gnero. No captulo seguinte, abordamosas verses dosblogs street-style, considerando exemplos em particular, como: The Sartorialist;The Face Hunter; Garance Dor, Rio ETC, Easy Fashion Paris; My Little Fashion Diary; Artof the Trench. Aps, tecemos as consideraes finais sobre o fenmeno da blogagem de modade rua, procurando apontar alguns desenlaces e tendncias.

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    PARTE I: FOTOGRAFANDO UM MOVIMENTO

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    1 O FENMENO DA BLOGAGEM

    Este captulo pretende estudar a cultura blogueira, no que tange a trajetria e evoluesdos blogs inseridos no contexto da produo autoral e democratizada da internet. Debruamo-nos nos aspectos histricos, na estrutura editorial e grfica do gnero, nas tipologias existentesmas, sobretudo, nas dinmicas e processualidades do fenmeno, com olhar particular para amoda e o street-style. Nesse vis, a problemtica que circunda a profissionalizao da blogagem, bem como sua celebrizao so aspectos centrais.

    1.1 DOS DIRIOS PROFISSIONALIZAO

    Enquanto fenmeno emergente e persistente da cibercultura, osblogs demonstram umsintoma (e consequncia) do desejo das pessoas de manter-se conectadas e em comunicao(MAFFESOLI, 2003; LEMOS, 2009). Considerados inicialmente diriosonline, ao longo dosanos, evoluram em termos de ferramentas e tendncias temticas at atingir a profissionalizao. De qualquer forma, a essncia dessas publicaes mobilizadora edemocrtica e contempla a divulgao e troca de ideias e discusses de interesse pessoal e/oucoletivo. Osblogs oportunizam coberturas jornalsticas mais extensas e atuam como estrutura de

    controle e crtica aos veculos de comunicao tradicionais (ORIHUELA, 2007).Segundo dados (Statics Report /2011-2015)28 da empresa californianaThe Radicati

    Group Inc, de Palo Alto, em 2011, havia mais de 100 milhes deblogs, e as estatsticas daState of the Blogsphere (Technorati, 2011)29 indicam em mdia 120 mil novos todos os dias,quinze anos depois em que o termoweblog foi cunhado pelo norte americano Jorn Barger (17

    28 Email Statics Report (2011-2015), The Radicati Group Inc, Palo Alto/CA Disponvel em:. Acesso em: 20 out. 2012.29

    State of the Blogosphere 2011: Introduction and Methodology CA Disponvel em:. Acesso em: 20 out. 2012.

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    de dezembro 1997) para se referir ao seu jornalonline RobotWisdom30. A expresso, de origemamericana, deriva da unio das palavras web (rede) e log (dirio de navegao).

    Web vem deWorld Wide Web (rede de alcance mundial). O termo utilizado para se referir parte grfica da Internet, o espao por onde circulam asinformaes hipertextuais distribudas em rede atravs do protocolo http. Jlog vem da prtica de se utilizar um bloco de madeira para marcar avelocidade dos navios. O termo foi apropriado pela informtica para se referir gravao sistemtica de informaes sobre o processamento de determinadosdados. (ZAGO, 2008, p. 02).

    A atividade logging the web restringia-se escrita naweb, fazendo referncia a umconjunto de sites que colecionavam e divulgavamlinks (BLOOD, 2000). O primeiro stioconsiderado umblog , antes de eles serem conhecidos por esse nome, inclusive, de janeiro de1992, criado pelo inventor daweb, Tim Berners-Lee, no CERN ( European Organization for Nuclear Research), com o ttulo de Whats new in9231. Outros endereos tidos como pioneiros so o Links.net , de janeiro de 1994, do estudante Justin Hall e oScripting News, deDave Winer, este o blog mais antigo ainda em funcionamento, desde abril de 1997 (ZAGO,2008).

    Entre 97 e 99, predominavam osblogs baseados emlinks, com dicas sobre o que haviade interessante em um determinado segmento, e assim funcionavam como uma espcie de filtro.O post-link foi o primeiro gnero narrativo dosweblogs, associado culturahacker da internet,de troca de informaes relevantes. Conduzia o usurio sempre a outros stios de informao,sem o desejo, ainda, de tornar o veculo um instrumento de formao de opinio (MALINI,2008, p. 03). A abreviao blog teria surgido apenas em maio de 1999, quando Peter Merholz

    divide o termo emwe-blog (ns blogamos) ou apenas blog , criando ao mesmo tempo a palavra (blog), o verbo (blogar) e o sujeito (blogueiro), segundo Malini (2008).

    30 O site RobotWisdom () est ainda disponvel e inclusive apresenta uma seocomo a Weblog resources FAQ. Ali, encontra-se a definio deblog de Jorn Barger, de setembro de 1999, comoa webpage where a weblogger (sometimes called a blogger, or a pre-surfer) logs all the other webpages she findsinteresting. The format is normally to add the newest entry at the top of the page, so that repeat visitors can catch up by simply reading down the page until they reach a link they saw on their last visit. Disponvel em:

    .31

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    Por sua vez, foi o surgimento de servios gratuitos de publicao32 que popularizou a blogagem ao possibilitar qualquer pessoa interessada a criar o prprioblog , gerir seus contedose o design. Os modelos semiprontos e autoexplicativos, entre os quais o pioneiro Pitas e Blogger (ambos de 1999) e WordPress (2003), prescindiram qualquer conhecimento de programao emhtml , requisito at ento indispensvel para postar.

    A simplicidade na publicao e edio de textos e imagens alavancou o movimento nofinal da dcada de 1990 e incio dos anos 2000. At 1998, existiam apenas 20blogs (ROSA;ISLAS, 2009), j nos anos 2000, o crescimento foi exponencial. No final de 2001, a quantidadede blogs, muitos deles criados a partir de 11 de setembro33, ultrapassou dois milhes(ORDUA et al, 2007, p. 23). Mas a expresso blog foi inserida no dicionrioOxford dalngua inglesa apenas em 2003.

    Essas interfaces (em particular a Blogger , a mais popular) deram vazo emergncia da primeira tendncia entre osblogs: os dirios34 pessoais (LEMOS, 2002; SCHITTINNE, 2004,ROCHA, 2003) e uma nova linguagem. O aumento de usurios (principalmente os mais jovens)e do tempo deles na Internet, conjugado com a agilidade de publicar e, ainda, com a ausncia dedispositivos de censura do que estava sendo escrito, transformou osblogs em relatos de

    experincias e comentrios sobre variados temas da vida pessoal e do cotidiano, dasinquietaes e pensamentos dos autores. De certa forma, segundo Schittinne (2004), oblog surgiu como um sistema de disponibilizao de textos e fotos naweb, menos complexo e maisrpido, que facilitou a fabricao de pginas por indivduos com pouco conhecimento tcnico.

    A importncia desses dirios, no terreno da linguagem blogueira, que vai nelainstituir dois componentes ambos consequentes um do outro: a escrita informal e aconversao, expica Malini (2008, p. 05). Tal linguagem, por sua vez, somente se concretiza a

    partir das interaes entre os autores e a audincia que orbita em torno, e de caractersticasestruturais associadas presena/ausncia de um conjunto tpico de elementos (ZAGO, 2008,

    32 As ferramentas de publicao so conhecidas como sistemas de gerenciamento de contedo ou CMS (ContentManagement System) e baseiam-se na lgica aberta (open-source) daweb. Malini (2008) chama a ateno para ofato de que cabe ao usurio a realizao de apenas trs atividades: escrever o ttulo, o texto, e depois clicar empublicar para imediatamente o contedo estar no seu site. E ainda h a possibilidade de adio, j que oscontedos ficam arquivados.33 O atentado s Torres Gmeas, de 11 de setembro, em Nova York, foi primeiro acontecimento que mostrou afora da internet como fonte de informao.34 Os relatos de escrita ntima pressupem a atividade de registrar e narrar o cotidiano de forma organizada,

    exigindo uma certa disciplina, que ordena a vida. A narrao seria uma forma de colecionar os dias e, assim, o blogueiro uma espcie de arquivista (SCHITTINE, 2004).

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    p. 04) dependente de sua vinculao ou no a um sistema de gerenciamento de contedo. Esseselementos foram sendo incorporados ao conceito deblog conforme sua evoluo.

    Os blogs so, pois, formas de comunicao de contedos breves e hipertextualidade,com uma interface de edio simplificada e flexibilizada, com algumas ferramentas oferecidas por tais sistemas, que facilitam a personalizao e permitem as interaes entre osinterlocutores. Essa estrutura-padro de apresentao dosblogs, o Template (modelos pr-definidos), tem, basicamente, um cabealho (header ), que pode ser customizvel, no qual sugerida a localizao do ttulo ou nome doblog ; as barras laterais ( sidebars) ou apenas uma; ecoluna principal (main), cujo contedo ser a sequncia de publicaes - chamadas de posts.

    As mensagens so organizadas e postadas em ordem cronolgica inversa (privilegiam a publicao mais recente na abertura, com dia, data e hora), com atualizaes frequentes35. Aautoria pode ser individual ou coletiva, de acordo com o nmero de autores, entretanto aexpressiva maioria dosblogs existentes pertence categoria individual, segundo Recuero(2004). A descrio do perfil doblog e do(s) autor(es), chamada About , tambm inserida emuma das barras laterais.

    O processo da postagem contempla a publicao das fotos, vdeos e texto, ou seja, a

    postagem em si; em que um hospedeiro o blogueiro utiliza a ferramenta gratuita ohospedador capaz de produzir significao para os indivduos, a partir da esfera da moda e dacomunicao, no caso desta pesquisa, mas transcendendo-as em outros mbitos: sociocultural,econmico, poltico, tecnolgico, urbano e subjetivo.

    Tecnicamente, h recursos adicionais que osblogs podem apresentar, alguns so traoscomuns entre a maioria: comentrios em cada post ; listas comlinks de outrosblogs, aschamadasblogrolls36, dispostas nas sidebars; RSS 37; e trackbacks38, que so as notificaes

    automticas que umblog envia a outro, por meio de comentrios, informando sobre a realizao35 Os autores geralmente no especificam o quo frequente isso quer dizer, e alguns ainda substituem atualizaofrequente por atualizaes datadas (BRUNS, 2005).36 Blogroll disponibilizar a URL de outrosblogs na coluna no lado esquerdo ou direito da interface. A escolhadessesblogs segue critrios estabelecidos pelos prprios autores doblog e variam desde a afinidade ou amizade identificao com o tipo doblog linkado, etc.37 Sigla em ingls para Really Simple Syndication. Trata-se de um sistema para agregamento de contedo que permite a indexao das alteraes/atualizaes que ocorram em um determinado site. A maioria dos sites e blogs disponibilizam seu contedo em RSSe os assinantes podem reunir esse contedo em um nico local, atravs douso de um programa agregador, os readers (leitores), facilitando e qualificando a leitura.38 A ferramentatrackback permite que outros posts, em outrosblogs, que fizeram referncia a um mesmo texto

    sejam linkados junto a ele, de maneira a destacar para o usurio a discusso que est sendo realizada em torno doassunto tambm por outrosblogs (PRIMO; RECUERO, 2003).

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    de uma postagem em que umblog cita um post de outroblog . Mas a oferta dessas ferramentas aplicativos tecnicamente chamadoswidgets39 pode variar muito deblog parablog , conforme a personalizao de cada autor e, independente, do assunto do endereo.

    a interconexo entre todos os tipos deblogs, por meio dasblogrolls, suas hiperligaes(por meio dehiperlinks) que configuram um fenmeno social, um ente coletivo, batizado porWillian Quick, em 2001, como blogosfera (MALINI, 2008), caracterizada pelo esprito comunalque distingue preferncias, popularidades de estilos, produtos.

    Nessa direo, fica evidente o potencial dosblogs, j que as mltiplas possibilidades ediferentes compreenses levam, inclusive, a dissensos entre os autores na definio. Em ummapeamento, Amaral, Recuero e Montardo (2009) apontam trs perspectivas conceituais, aoconsiderar seus usos variados, quais sejam: a) definio estrutural (entendimento dosblogs enquanto formatos, de mltiplos usos e apropriaes); b) definio funcional (compreenso dosblogs desde sua funo primria como meio de comunicao com audincia prpria, os quais sediferem dos demais pelo carter conversacional); e c) definio cultural (olhar antropolgico-etnogrfico, que reconhece osblogs como artefatos culturais e os insere no contexto scio-histrico, considerando as motivaes dos autores, os usos e apropriaes da audincia e as

    trocas entre esses atores).Sobretudo, pensamos osblogs enquanto gnero emergente e nativo daweb que

    transmuta outros gneros do discurso eletrnico, a partir da discusso de Aquino e Souza(2008), Marcuschi (2005) e Primo (2008). A despeito de Marcuschi limitar o conceito de gneroweblog a dirios pessoais e escrita autobiogrfica, o que no contempla as heterogeneidades emultiplicidades das dinmicas da blogosfera atual, defendemos que eles constituem-se gnerosdigitais, em primeiro lugar, por estarem no interior de uma cultura (a cibercultura), e por

    ser[em] processado[s] cognitivamente como uma forma de ao social por parte daqueles queesto imersos nessa cultura (AQUINO; SOUZA, 2008, p. 34). E, tambm, por suas condiesespecficas de produo, sua composio e estilo, relativamente estvel do ponto de vista do

    39 Zago (2008, p. 06) explica quewidgetsso pequenos aplicativos fornecidos por outroswebsites que, ao seremincorporados aoblog , exibem algum tipo de informao externa, como um calendrio de eventos, por exemplo, ou

    a relao das msicas preferidas do blogueiro, a possibilidade de colocar imagens ou vdeos, inserir a pgina paraas redes sociais etc.

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    discurso40, haja vista que so constitudos de enunciados (BAKHTIN, 1997; AQUINO;SOUZA, 2008).

    Nesse caso, referimo-nos aosblogs como uma nova forma de escrita (LOVINK, 2008)e no uma simples extenso digital de tradies orais j existentes. Esses atributos referem-se sua estrutura particular como publicaesmultimdia (textos/ttulos/legendas, fotografias,vdeos, udios,hiperlinks, arquivos,design) e hbridas, que independente das temticas (nicasou plurais), so um misto de dirios, documentos fotogrficos, crnicas jornalsticas, relatosautobiogrficos e correspondncias, o que constitui uma comunicao diferenciada dos demaisveculos. Nosso entendimento dosblogs enquanto gnero, portanto, contempla a questofuncional, estrutural, tcnica, lingustica e, ainda, a dimenso sociocultural, conversacional emiditica, alm de consider-los espaos de conversao mediada por computador, devisibilidade, de personalizao e de autopromoo e, portanto, veculos de comunicao particulares.

    Vale ressaltar que Marcuschi (2005, p. 29) chama ateno para os aspectos centrais,sugerindo conhecer Qual a real novidade das prticas e no a simples estrutura interna ou anatureza da linguagem. Nesse vis, osblogs representam simultaneamente a individualidade e

    a coletividade, dimenses presentes no imaginrio da sociedade ps-moderna, como uma (nova)forma de comunicao e escrita, cuja principal distino o elogio subjetividade (ROCHA,2003).

    A trajetria histrica da blogagem ampliou enfoques e objetivos com relao a temas,dos mais especficos aos mais gerais (informao, entretenimento, mobilizao social). Aps afase de constituio inicial, que diz respeito aos dirios pessoais que consolidaram o gnero,como j destacamos, o fenmeno seguido da etapa em que profissionais41 ou no especialistas

    comearam a produzirblogs independentes das empresas de comunicao (atuando ou nonessas organizaes). Em seguida, surge uma terceira fase, na qual profissionais, aindavinculados aos veculos, produzem notcias para estes e, ao mesmo tempo, alimentam seus

    40 Bakhtin (1997, p. 279) destaca que denominamos gneros do discurso os tipos relativamente estveis deenunciados elaborados em qualquer esfera de utilizao da lngua.41 Cunha (2006) ressalta que esses profissionais construram sua credibilidade na mdia convencional e migraram para blogs particulares ou mesmo para outros organizados pelas empresas. Vo desdeblogs de respeitados

    jornalistas da imprensa em geral (Ricardo Noblat, Juca Kfouri, Paulo Markun) aos de profissionais de veculosespecializados ou da mdia de entretenimento, largamente citados pelos demais veculos convencionais.

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    blogs, normalmente hospedados no site da instituio (CUNHA, 2006), como no caso damoda42.

    Em 2004, o primeiro ano em que aTechnorati emitiu relatrio acerca do estado da blogosfera (State of the Blogsphere), a companhia rastreava em torno de quatro milblogs. A partir do contexto acima explicitado e da explorao financeira, o cenrio se modifica,configurando o incio da profissionalizao do setor. A ponte para a consolidao do movimentofoi a compra do Blogger 43 pelaGoogle naquele ano (2004). Ento, em 2005, o nmero subiu para 19,6 milhes, mas, entre 2% e 8% desses novos sites criados a cada dia, foram julgadosfalsos ou spam. Na poca, contudo, alguns blogueiros j passaram a sobreviver da atividade.

    Em 2006 (ano doboom do street-style na web), dados do mesmo relatrio State of the Blogsphere indicavam 57 milhes deblogs no mundo todo e a duplicao do nmero deblogs a cada 5,5 meses o que significava que umblog novo era criado a cada segundo. E em abril de2007 havia quase 70 milhes deblogs efetivamente indexados. As estatsticas do quintorelatrio anual sobre a blogosfera, em 2008, indicaram que a leitura deblogs estava tornando-secada vez mais comum e, portanto, eles tornaram-semainstream: j eram 133 milhescomputados, ou seja, em um ano o nmero quase dobrou. Enquanto milhares foram criados,

    outros milhares tambm foram abandonados por seus criadores, devido falta de interesse ou afalta de trfego.

    As mudanas tecnolgicas, a atualizao das ferramentas e a transformao das prticassocioeconmicas demonstram que o gnero resiste. Nos ltimos anos, acompanhamos umaconjuntura polmica na cultura blogueira, com discusses sobre o seu fim, em matrias44 emblogs e na imprensa em geral e, segundo Zago (2008, p. 06), houve uma espcie de crise noconceito, principalmente porque o fenmeno se reconfigurou. O advento das tecnologias de

    42 Os blogs de Vogue, Elle e de outras revistas especializadas nacionais (e tambm da maior parte dos pases aoredor do mundo) so escritos por figuras estabelecidas na moda, como editoras, produtoras, fashionistas ouempresrias. Alm disso, muitas blogueiras renomadas so trazidas para trabalhar nos sites e/ou redaes, como ocaso de Susie Bubble, que tambm trabalha para Dazed Digital ; Anna Dello Russo, que editora daVogue Japo;Garance Dor, que trabalha igualmente paraVogue.fr ; Graldine Dormoy, doCafMode, antes independente, quemigrou para o portal LExpress. No Brasil, tambm h diversos exemplos de blogueiras cujosblogs estohospedados em portais e/ou produzem contedos para veculos consolidados.43 44 KENSKI, Rafael. Os blogs ainda tm futuro? Revista Super Interessante, 16 de julho de 2010. Disponvel em. Acesso em: 20 jul. 2010; The evolving blogosphere - An empire gives way: Blogs are growing a lot more slowly. But specialists still thrive (Um impriocede. Osblogs esto crescendo muito mais lentamente. Mas os especialistas continuam a prosperar). Disponvel

    em: . Acesso em: 20 jul. 2010. TRSEL, Marcelo. Os blogs j eram.Martelada. 12 nov. 2007. . Acesso em: 21 jun. 2012.

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    informao e comunicao, na verdade, renovaram traos caractersticos dosblogs, ao permitir aincorporao de outros elementos aos mesmos, como no caso da possibilidade de atualizao por dispositivos mveis, ou o surgimento dewidgets e ferramentas especiais parablogs(ZAGO, 2008, p. 06) e insero de redes sociais de compartilhamento, enfatizando seu potencialinterativo.

    Nesse sentido, a presena ou predominncia de alguns desses aplicativos fizeram variaros formatos. Nem todos se incluem mais nas caractersticas iniciais, alguns agora semblogroll ou com posts em ordem reversa e at sem espao para comentrios. Essas diferenas acabaramderivando formatos mais simples, com base nos sistemas e dispositivos usados para cri-los,entre os quais, tumblelogs45 , videologs, fotologs, audioblogs, microblogs, entre outros, [almdos] moblogs, que so blogs escritos a partir de dispositivos mveis, como celular ou PDA(ZAGO, 2008). Alguns desses formatos recentes so adicionados ou vinculados aos da versotradicional, como forma de atualiz-los.

    Com a constante atualizao/renovao dosblogs, diversidade das interfaces e o fato dealgumas, como Blogger , no divulgar estatsticas pblicas sobre a quantidade de endereos quehospedam, raro encontrar dados precisos do tamanho da blogosfera, mas seguramente

    possvel assumir que so mais de 100 milhes deblogs ativos em 2012. H diversas pessoascom mais de umblog e ainda quem planeje criar o seu prprio ou outros. Pode se ter uma ideiado quadro atual, a partir das informaes mais recentes, do prprio site do WordPress, o qualinforma que so mais mais de 57,7 milhes deblogs46 (13 nov. 2012) e 80,6 milhes detumblogs noTumblr 47 (no final de 2011, esse nmero girava em torno de dez milhes apenas48).

    H milhes de outros provveis endereos hospedados por a em outros servios, como oMovable Type, TypePad, Expression Engine, alm deCMS s. Todas essas questes demonstram

    a consolidao da cultura blogueira e a heterogeneidade do gnero, discusso ampla quetranscende as questes estruturais. o que abordaremos a seguir.

    45 Os Tumbleblogsso blogs publicados a partir da ferramenta de publicaoTumblr,que no chega a ser umsistema de microblog, mas uma categoria intermediria entre oWordpress e o Blogger e o Twitter . Os usuriosso capazes de "seguir" outros usurios e ver seus posts em seu painel ( Dashboard ). Tambm possvel "gostar"(favoritar) ou "reblogar " (reproduo semelhante ao RT retwitt doTwitter ) outros blogs. A rapidez einstantaneidade desse sistema de reproduo dos posts, a reblogagem, um dos atrativos dos posts, que podemser textos, imagens, vdeos,links, citaes, udios.46 47 48

    Internet 2011 in numbers. Pingdom. Disponvel em: . Acesso em: 20 out. 2012.

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    1.2 TIPOLOGIAS DE BLOGS

    A diversidade de temticas e objetivos dosblogs traz junto a complexidade decategorizao dos mesmos. Vrios autores tm buscado definir e classificar os gneros pelo seucontedo, proposta, utilidade, apropriao ou autoria; no entanto, no existem tipologias precisas ou ideais que contemplem todo universo da blogosfera j que muitos se cruzam nascaractersticas e no apresentam limites exatos nesses traos. A quebra dessas barreiras pelos blogueiros talvez seja o maior desafio para sistematizar o fenmeno como um todo. Primeiro, porque ao mesmo tempo em que possuem heterogeneidades, pertencem a um gnero flexvel;segundo, porque o potencial para sua utilizao infinito e, finalmente, porque a representaode uma categoria pode pressupor a combinao de uma srie de variveis empricas(BARBOSA, 2003, p. 04).

    De qualquer forma, mesmo com a variedade de facetas e as fronteiras tnues, numa primeira categorizao, Recuero (2003) especifica cinco tipos, a partir das informaes que

    veiculam:blogs dirios (relatos e experincias da vida pessoal do autor),blogs publicaes (osquais se destinam principalmente informao geral ou temtica/especfica, de carteropinativo);blogs literrios (histrias ficcionais, contos, crnicas ou poesias);blogs clippings(grupo delinks cuja fonte so outras publicaes) eblogs mistos (aqueles que misturam posts pessoais e informativos). Herringet al. (2004), numa perspectiva semelhante Recuero, tipificaas seguintes categorias: dirio pessoal; filtro (com comentrios sobre atualidades);k-log 49 (comregistro e observaes sobre um domnio do conhecimento); e misto (mixed ).

    Amaral, Recuero e Montardo (2009) atualizam a classificao ao considerar a utilizaoque tem sido feita dosblogs pelas organizaes. H o tipo que se realiza com fins institucionais,em que uma variedade de prticas pode ser relacionada com o que se convencionou chamar deblogs corporativos. A proposta possibilitar o dilogo mais informal entre a organizao e seus pblicos, conferindo transparncia a essa relao (AMARAL; RECUERO; MONTARDO,2009, p. 08). E um segundo tipo, chamadosblogs promocionais, cujo nome designa um dos

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    Klog s soblogs (educativos ou corporativos, por exemplo) utilizados para o compartilhamento de conhecimentosentre grupos de pessoas (HERRINGet al., 2004).

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    objetivos, a promoo ou divulgao publicitria de determinados produtos e servios de umamarca ou empresa, mas que inclui tambm a realizao de pesquisas mercadolgicas junto ao pblico, por exemplo.

    Outro direcionamento comum propor uma categorizao por temticas predominantes,como no caso dosblogs sobre moda, street-style, educao, viagem, culinria, tecnologia e osblogs sobre poltica, por exemplo. Osblogs sobre guerra, bastante populares durante a Guerrado Iraque, em 2003, foram denominados dewarblogs (RECUERO, 2003a); e osblogs quetratam de assuntos relativos legislao so conhecidos comoblawgs (ZAGO, 2008). Chamam-se celeblogs (McFEDRIES, 2007) osblogs sobre celebridades eSpam blogs ou splogs aquelescriados com a finalidade de utilizar-se de contedo alheio produzido em outrosblogs paraadicionar anncios publicitrios e lucrar com a produo alheia (PHOEBE, 2007; ZAGO, 2008).

    Segundo Primo (2008, p. 02), ainda que seja importante observar a tematizao principal de umblog , tal procedimento no suficiente para analisar-se o fenmeno do blogarem sua profundidade. Justamente por isso o autor prope uma tipificao parablogs, com 16gneros, feita a partir de uma pesquisa em endereos brasileiros, na qual delimita quatro grandescategorias baseadas na autoria, quais sejam:blogs profissionais, pessoais, grupais

    organizacionais e, em cada uma delas, deriva os seguintes tipos: autorreflexivo, informativo-interno, informativo e reflexivo. Trata-se de uma sistematizao mais complexa, vlida do pontode vista da abordagem, dos autores e das dinmicas contextuais desse