O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: … · analysis of the phenomenon of outsourcing...
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O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: “CA SO UERJ”
Fernanda Sofieti Netto1
Milena Carlos Lacerda2
Samyra Rodrigues da Cruz3
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as transformações do mundo trabalho em tempos de mundialização do capital, acumulação flexível e ofensiva neoliberal, pensando o projeto de mercantilização da educação na sociedade capitalista. Nas universidades, nota-se que o avanço epidêmico da terceirização e a desqualificação do trabalho coaduna com a educação aligeirada e funcional a sociabilidade capitalista. Ancoradas nas categorias ontológicas de Marx (totalidade, mediação, contradição e historicidade) e principalmente do seu arcabouço teórico-crítico, iremos projetar uma análise de conjuntura do fenômeno da terceirização na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
PALAVRAS – CHAVE: Trabalho; Capitalismo; Terceirização; Ensino Superior. ABSTRACT: This article aims to analyze the transformations of the working world, in times of globalization of capital, flexible accumulation and neoliberal offensive, thinking the project of commodification of education in capitalist society. In the universities, it is noticed that the epidemic advance of outsourcing and the disqualification of work, coupled with education, lightened and functional the capitalist sociability. Anchored in the ontological categories of Marx (totality, mediation, contradiction and historicity) and especially of its theoretical-critical framework, we will project a conjuncture analysis of the phenomenon of outsourcing at the University of the State of Rio de Janeiro (UERJ).
KEYWORDS: Work; Capitalism; Outsourcing; Higher education
1 Assistente Social graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. E-mail: [email protected] 2 Assistente Social graduada pela Universidade Federal do Tocantins - UFT. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. E-mail: [email protected] 3 Assistente Social graduada pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Servidora do quadro efetivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. E-mail: [email protected]
1. INTRODUÇÃO
As reflexões sobre a terceirização na política de educação e a atual configuração
dos centros universitários requerem o resgate dos nexos causais e da legalidade histórico
social do caráter retardatário da constituição do capitalismo no Brasil, advindo do sistema de
colonização e exploração.
A origem senhorial e colonial na América Latina, conforme situa Florestan
Fernandes (2009) difere da modernização burguesa das economias centrais (Inglaterra,
França e Estados Unidos), ocasionando a situação de subordinação e dependência, a partir
da dialética entre arcaico e moderno. Nesse contexto, a hegemonia estadunidense
influencia coercitivamente vetores econômicos, sociais, políticos, culturais e ideológicos no
Brasil, induzindo a modernização do arcaico, perpetuando o poder nas mãos de grupos
exclusivos, conjugando privilégios internos com a exploração externa.
O atual projeto educacional no Brasil está submetido aos ditames dos
organismos multilaterais, que acabam por influenciarem decisivamente a política de
educação no Brasil (ALMEIDA, 2011, p.14). Dentre estes, citamos o Banco Mundial, o
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para a
Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), representando as agências de financiamento;
os órgãos de cooperação técnica, como o Programa das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Assim, diante desse contexto histórico em face da dinâmica da realidade,
visualizamos um Estado que prioriza a relação de maior investimento nas pesquisas e
disciplinas que contribuem para o processo mecanizado da difusão da produtividade
tecnocrática e funcionalista no fazer acadêmico. Para além desse aspecto ideológico,
observamos que a gestão das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) acaba sendo
perpassada pelos fenômenos sociais atinentes ao mundo do trabalho, que são exclusivos ao
modo de produção capitalista, como por exemplo, a terceirização.
Meszáros (2008) argumenta que para reivindicar a transformação social radical
consciente e o rompimento com a desumanizante autoalienação é necessária à defesa da
universalização da educação de forma intrínseca e complementar a universalização do
trabalho, como atividade humana auto realizadora, sob a égide da igualdade e liberdade
substancial de todos/as.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Uma breve reflexão sobre a categoria trabalho n a sociedade capitalista
O trabalho é a atividade fundante do ser social, pois ao executá-la o homem age
movido pela teleologia, antecipando idealmente a finalidade da ação almejada. Assim,
somente o ser social é capaz de agir de forma teleológica, consciente e racional; comunicar-
se através da linguagem com os seus semelhantes; realizar escolhas baseadas em
avaliações; e viver socialmente em coletividade. É o trabalho que suscita todas estas ações,
e por isso esta categoria é constituinte do ser social e o distingue dos demais animais
(NETTO; BRAZ, 2012).
Porém, é certo que ao desenvolver o processo de trabalho o homem busca,
inicialmente, apenas suprir suas necessidades de reprodução. Todavia, para Marx, esta
categoria vai além desta dimensão, pois também faz referência ao modo de ser dos homens
e como vivem na sociedade.
Assim, vejamos:
Este modo de produção não deve ser considerado deste único ponto de vista, como mera reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, isso sim, de uma forma determinada de manifestar a sua vida, de um determinado modo de vida dos mesmos. A maneira como os indivíduos manifestam a sua vida reproduzem exatamente aquilo que são. Aquilo que são, coincide, portanto, com a sua produção, isto é, com aquilo que produzem e com a forma como o produzem. Aquilo que os indivíduos são dependem das condições materiais da sua produção. (MARX, 2005, p. 18).
Ocorre que em determinado estágio do processo sócio histórico, o trabalho além
de produzir os bens necessários à reprodução humana, se transforma em uma mercadoria a
ser explorada, passando a produzir um produto em que o homem não se reconhecerá nele,
tornando-se este objeto um ser estranho ao seu próprio produtor.
Essa inversão é nomeada de alienação, fenômeno típico da sociedade
capitalista, fundada na divisão social do trabalho e na privação dos meios de produção.
Desta forma, percebemos que a alienação corresponde a um fenômeno histórico, pois as
condições em que ela se processa não são naturais e podem sim ser superadas no curso da
história.
A despeito da gama e teorias de alienações, advogamos a alienação como
fenômeno concreto histórico calcado no trabalho assalariado. A desigualdade no acesso
aos bens culturais e da educação, objeto de nossa investigação, especialmente nos países
que vigora o capitalismo dependente, adquire centralidade na forma histórica do trabalho
inserido nas relações de produção, conforme denota Marx (2005).
Marx (2005) apreendeu a alienação do ponto de vista do trabalho, mas
reconhece suas diferentes formas de expressão na vida humana. “Há muitas formas nas
quais o homem aliena de si mesmo os produtos de sua atividade e faz deles um mundo de
objetos separado, independe e poderoso, com o qual se relaciona como um escravo,
impotente e dependente” (BOTTOMORE, 2011, p.6).
Nos processos educacionais, a alienação expropria o direito de pensar e
questionar para além do imediato, transformando os sujeitos em seres coisificados e
objetificados, no intuito de produzir um pensamento único, consensualmente hegemônico,
acrítico e útil à sociabilidade do capital. A “Lei da Mordaça” impulsionada pelo Projeto Escola
sem Partido (PL 193/2016; PL 1411/2015 e PL867/2015) se insere nessa perspectiva pela
censura ao pensamento crítico e reflexivo no espaço escolar com argumentos da suposta
doutrinação ideológica e pretensa neutralidade do conhecimento.
Essa proposta inconstitucional fere o princípio do pluralismo de ensino e da
liberdade política, com fins de manutenção ao status quo, disseminando concepções
discriminatórias e preconceituosas, figurada principalmente na “ideologia de gênero e
sexualidade”. Em geral, ela coaduna com o modelo de educação meritocrática,
mercadológica, sucateada, classista, racista e patriarcal. Esse cenário se insere na
expansiva socialização da mercadoria, na mercadorização da vida social, na coisificação
das relações sociais, na desumanização e na banalização da questão social, imanente ao
atual estágio do capitalismo.
Ocorre que na sociedade capitalista, especialmente em tempos de avanço do
capital, o trabalho acaba sofrendo transformações para atender às necessidades deste
modo de produção, porém, suas consequências se estendem às diversas esferas da vida
social, dentre as quais podemos citar a política de educação, que vendo sofrendo com o
processo de mercantilização e tornando-se um mecanismo estratégico para consolidação do
projeto ideológico do capital. Dito isto, faremos um debate sucinto sobre alienação do
trabalho que reproduz a aparência e dissimula a experiência de classe, para em seguida,
questionar a configuração da terceirização das universidades, pensando o sucateamento
progressivo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), situando a tentativa de
“escolarização” e enfraquecimento da qualidade para fins de massificação.
2.2 Notas preliminares da formação socioeconômico d o Brasil
Para compreendermos as mudanças sofridas pelo trabalho em tempos de
avanço do capital, bem como se engendra o fenômeno da terceirização e suas
consequências no ensino superior, é importante considerarmos o processo em que o
trabalho adquiriu – e vem cotidianamente adquirindo - um novo sentido na sociedade
capitalista, atentando-se para o desenvolvimento deste sistema no Brasil, e suas
implicações no mundo do trabalho.
Segundo Netto e Braz (2012) o trabalho não é uma atividade linear e unívoca,
pois sofre transformações ao longo do processo histórico. Assim, na sociedade capitalista, a
qual tem a vigência da divisão social do trabalho e da propriedade privada dos meios de
produção, podemos dizer que o trabalho não se configura somente para subsistência do
homem, mas também para o enriquecimento de alguns – detentores dos meios de produção
- através da exploração da força de trabalho daqueles dependem de sua venda para viver.
Barbosa (2014) nos fala que a desumanização é intrínseca às relações sociais
no capitalismo, pois as leis gerais desta sociedade implicam na mercantilização das
relações, dos seus membros e das coisas. Desta forma, o trabalho também adquire um
novo sentido, se transformando em mercadoria, um mecanismo estratégico para os
detentores do capital.
Situamos que esse modo econômico de produção não se desenvolveu em todo
o mundo de maneira uniforme, adquirindo características específicas em cada país. De
acordo com Fernandes (2009), na América Latina o capitalismo e a sociedade de classes
não se desenvolveram como nos países centrais, pois não foram frutos de uma evolução
com condições de crescimento autossustentado e desenvolvimento autônomo, ou seja, o
capitalismo se desenvolveu na América Latina de maneira peculiar, dando um salto em
várias etapas intermediárias essenciais ao desenvolvimento equilibrado da ordem social
inerente ao capitalismo. A educação foi negligenciada, em favor das telecomunicações,
urbanização, industrialização, geralmente escamoteada pela via do “progresso”. Isto é, o
capitalismo dependente “evoluiu sem contar com condições de crescimento autossustentado
e desenvolvimento autônomo” (FLORESTAN, 2009, p.43).
Nesse sentido, o autor denomina o capitalismo latino americano de
dependente 4 , o qual combina um desenvolvimento econômico dual. Fernandes (2009)
advoga que o capitalismo dependente está sempre em constante transformação, seguindo
as evoluções das sociedades centrais hegemônicas, mesmo sem conseguir mudar o seu
4 Para mais informações ver “Capitalismo dependente e as classes sociais na América Latina” de Florestan Fernandes, SP, 2009.
padrão de transformação, passando do desenvolvimento dependente para o relativamente
autônomo. É importante destacar que padrão de acumulação de capital dependente
promove tanto a intensificação da dependência como também do subdesenvolvimento
econômico, social, cultural e político.
Francisco de Oliveira (2013) evidencia que no subdesenvolvimento não
corresponde a uma evolução ou etapa ao desenvolvimento capitalista, mas sim uma
produção da dependência econômica da expansão capitalista. Portanto, o discurso
disseminado pelo senso comum de que estaríamos seguindo um percurso econômico
evolutivo está desconectado a real natureza do capital.
Ao afunilamos para a situação brasileira, percebe-se que o desenvolvimento
capitalista aqui também se apresentou como uma unidade de opostos, em que o “moderno”
se desenvolveu ao lado do “ultrapassado”, caracterizando-se por uma desigualdade
combinada, na qual se introduziu relações novas no arcaico e se reproduziu relações
arcaicas no novo (OLIVEIRA, 2013).
A perspectiva de Marx (2005) é atestada no contexto de mundialização do
capital, em que a mercadoria encobre às características do trabalho5 e oculta a relação
social entre os trabalhos individuais dos produtores. “Através dessa dissimulação, os
produtos do trabalho se tornam mercadoria, coisas sociais com propriedades e
imperceptíveis aos sentidos” (ibidem, p.94).
Nesse contexto de crise estrutural, ocorre a reciprocidade dialética entre os
elementos de reificação6 e alienação, medular na constituição das relações sociais sob a
égide do capitalismo, de modo que quanto maior a expansão da mercadoria maior o
alheamento do homem a humanidade (MESZÁROS, 2006 apud BARBOSA, 2014, p.295).
Essa complexidade é estruturada pela lei geral da acumulação capitalista que
regula o predomínio do capital, principalmente ao remetermos a precarização do trabalho e
a configuração dos centros universitários, somada a lógica da acumulação flexível, no qual
iremos debater no próximo tópico.
5 “Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (MARX, 2005, p. 94). 6 Reificação: É o ato (ou resultado do ato) de transformação das propriedades, relações e ações humanas em propriedades, relações e ações de coisas produzidas pelo homem, que se tornaram independentes (e que são imaginadas como originalmente independentes) do homem e governam sua vida. Significa igualmente a transformação dos seres humanos em seres semelhantes a coisas, que não se comportam de forma humana, mas de acordo com as leis do mundo das coisas. A reificação é um caso “especial” de alienação, sua forma mais radical e generalizada, característica da moderna sociedade capitalista (BOTTOMORE, 2011, p.494).
2.3 O fenômeno da terceirização no Brasil
Passado alguns anos, mesmo tendo enfrentado poucas experiências socialistas,
o capitalismo vem imperando mundialmente, seja nas economias dos países mais
desenvolvidos (centrais), como também nos menos desenvolvidos (periféricos), tornando-se
um sistema planetário. Assim, mesmo com a legislação trabalhista em vigência e a luta da
classe trabalhadora, assistimos no cenário atual o desmonte dos direitos do trabalho em prol
do capital em todo o mundo.
Antunes e Druck (2014) pontuam que o capitalismo nos dias atuais vem
apresentando um movimento de destruição do trabalho regulamentado, de matriz taylorista
– fordista, sendo substituído pelos mais diversos modos de terceirização, informalidade e
precarização. Isto se desencadeou com a crise do padrão de acumulação fordista –
taylorista, que implicou no amplo processo de reestruturação produtiva, no qual o capital
buscou várias transformações por meio da acumulação flexível, almejando recuperar-se e
retomar a hegemonia.
Desta forma, os autores destacam que o modo de acumulação flexível se
caracteriza por combinar diversos elementos, como por exemplo: a associação ao avanço
tecnológico; introdução ampliada de computadores na produção, substituindo trabalho vivo
pelo morto; descentralização produtiva através da terceirização; diminuição da carga de
trabalho com a redução do salário; flexibilização dos contratos; discursos de trabalho em
equipe, trabalhador participativo, metas, dentre outras.
As implicações deste modo de acumulação capitalista no mundo do trabalho
são substanciais e significativas, pois corresponde à fragilização do movimento sindical,
desregulamentação dos direitos trabalhistas, a submissão dos trabalhadores a contratos
temporários, instáveis e precários, gerando maior desigualdade e exclusão social.
Dentro da precarização do trabalho o modo que mais tem se destacado nos
últimos anos é a terceirização. Para compreendermos melhor sobre esta noção é válido
apresentar a análise de Druck (2011):
(...) exige total flexibilidade em todos os níveis; ela institui um novo tipo de precarização que passa a dirigir a relação capital-trabalho em todas as suas dimensões. E, num quadro em que a economia é comandada pela lógica financeira sustentada no curtíssimo prazo, as empresas do setor industrial buscam garantir seus altos lucros, exigindo e transferindo aos trabalhadores a pressão pela maximização do tempo, pelas altas taxas de produtividade, pela redução dos custos com o trabalho e pela “volatilidade” nas formas de inserção e contratos (DRUCK, 2011 apud ANTUNES; DRUCK, 2014, p.16-17).
Deste modo, entendemos que a terceirização está imbricada na organização
capitalista, que visa lucros altos a partir da intensificação do trabalho e sua alta rotatividade,
na qual o capitalista vê a força de trabalho como uma mercadoria que pode ser facilmente
trocada por outra. Fato que torna- se menos trabalhoso com os contratos temporários de
trabalho, o exército industrial de reserva e a falta de fiscalização do Estado que não garante
que o trabalhador tenha seus direitos respeitados caso a empresa feche e não pague o que
deve.
A terceirização “encobre e oculta as relações de trabalho entre a empresa
contratante e os trabalhadores subcontratados, intermediadas por uma terceira” (ANTUNES;
DRUCK, 2014, p.18); ou seja, há um fetichismo dessas relações. A empresa que contrata
transfere a responsabilidade legal dos trabalhadores para a empresa “mediadora”, o que vai
contra a legislação trabalhista. Uma das consequências disto é que na falta de repasse à
terceirizada, seus funcionários são os maiores prejudicados.
Essa expansão da terceirização adentra ostensivamente nas universidades,
através dos serviços de limpeza, vigilância, alimentação, manutenção e em geral são
ocupados pela força de trabalho feminina.
2.4 Os impactos da terceirização e a educação: a cr ise da UERJ
A educação que deveria oferecer aporte para repensar a realidade e decifrar
criticamente os condicionantes políticos e sociais é reduzida à ferramenta do atual modelo
de produção e acumulação, tornando possível a reprodução desigual e assimétrica da
sociedade de classe, ou seja, a “educação significa o processo de ‘interiorização’ das
condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho como mercadoria, para induzi-
los à sua aceitação passiva” (SADER, 2008, p.17), a partir da internalização dos parâmetros
reprodutivos do sistema.
Nota-se a relativa ausência do Estado nos últimos anos, no que se refere ao
campo educacional no Brasil, principalmente na insuficiência de verbas públicas e na
precarização da infraestrutura das salas de aulas, ineficiência nas condições de acesso e
permanência, múltiplas reformas educacionais, currículo desconectado com a realidade e
influenciado pelas regras de mercado, burocracia em excesso, baixos salários, despreparo
dos/as profissionais, a concessão da exploração privada e a crescente terceirização da mão
de obra dos funcionários.
Assim, vejamos a crise que perdura por anos, que envolve os terceirizados da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é um dos exemplos da
irresponsabilidade dos gestores estaduais e nacionais no trato a educação. É importante
ressaltar que a UERJ possui 63 anos de trajetória na produção de conhecimento rigoroso e
científico, com 33 cursos de graduação, 54 mestrados, 42 doutorados, 142 especializações,
623 projetos de extensão, o Hospital Universitário Pedro Ernesto, Policlínica Piquet Carneiro
e o Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues distribuídos em 13 Unidades.
De acordo com o Conselho de Curadores da UERJ7, o Poder Executivo do
Estado do Rio de Janeiro destinou apenas o valor de 10 milhões de reais em 2016 de um
montante de 65 milhões, comprometendo os serviços de manutenção, limpeza, segurança e
impedindo o seu funcionamento. A justificativa da crise financeira do estado compromete o
salário integral dos/as servidores, professores/as, terceirizados/as e estudantes.
Em junho de 2016 8 houve a demissão em massa de pelo menos 500
funcionários encarregados da limpeza, sem que ao menos os sete salários atrasados e a
segunda parcela do 13º fossem pagos pela contratante Construir Arquitetura. A mesma
informou que o atraso era devido à falta de pagamento do governo estadual e que os
trabalhadores deveriam recorrer à justiça para receber o que lhes é devido. É importante
frisar que mesmo sem salários e com várias dificuldades, os funcionários continuaram indo
trabalhar.
Conforme o Ministério Público do Trabalho (MPT)9, situação semelhante ocorreu
com 400 vigilantes que trabalhavam na universidade. A contratante Dinâmica Segurança
Patrimonial LTDA os demitiu sem pagar-lhes dois meses de salários atrasados.
Devido a estes fatores, o governo estadual, a UERJ e as empresas
terceirizadas, viraram réus no processo promovido pela procuradora, Sra. Valdenice Furtado
do MPT e, se condenadas, podem ter que pagar 130 milhões de reais, respectivamente aos
salários atrasados e indenização por dano moral aos funcionários.
Enquanto isso, algumas campanhas solidárias foram realizadas nos diversos
campus da universidade com intuito de arrecadar alimentos não perecíveis e materiais de
higiene e limpeza para os funcionários terceirizados. São atitudes de caráter assistencialista
e paliativo, porém foi a forma imediata encontrada para este momento tão difícil.
Desta forma, percebemos que há uma desresponsabilização das empresas
contratadas para com seus funcionários, expondo-os a precárias condições de trabalho, de
vida e ao desemprego sem qualquer tipo de amparo. Enquanto isso, o governador do Rio de
Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), quando se pronuncia, alega estar trabalhando para
7 Disponível em: http://www.uerj.br/lendo_noticia.php?id=1106 Acesso em 24 Jan. 2017. 8 Informação extraída do site < http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/sem-receber-repasse-do-estado-empresa-terceirizada-faz-demissao-em-massa-na-uerj-01062016>. Acesso em: 15/02/2017. 9SATRIANO, N. RJ pode ter que pagar 130 milhões por ‘calote’ a terceirizados da UERJ. Junho, 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/07/rj-pode-ter-que-pagar-r-130-milhoes-por-calote-terceirizados-da-uerj.html>. Acesso em: 15/02/2017.
contornar a situação. O que está acontecendo com os terceirizados da UERJ pode servir
como exemplo para evidenciar o perigo que o Projeto de Lei 4.330/2004 representa.
Este Projeto diz respeito aos “contratos de terceirização e as relações de
trabalho deles decorrentes” 10 visando liberação por completo da terceirização em empresas
privadas. Em abril de 2015 a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda por 230 votos e
o texto do Projeto seguiu para o Senado11 onde ainda espera ser votado.
Portanto, podemos observar que a terceirização faz parte do projeto neoliberal,
que encontra partidários dentro do Congresso Nacional dispostos a defendê-la, pois o
Estado e as outras esferas que atuam sobre as relações de trabalho ainda se mostram
como empecilhos para a exploração total do capital sobre o trabalhador.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão acerca do trabalho é fundamental para pensar o atual modelo de
gestão da acumulação flexível, somada as nuances epidêmicas de precarização da vida
social. O trabalho alienado e a reificação adquirem contornos de exploração massiva da
classe que vive da força de trabalho, principalmente nas economias dependentes. Nessa
conjuntura de crise estrutural, a educação transforma-se em mercadoria para cumprir as
demandas do sistema capitalista, sucumbindo debates sobre os direitos humanos, sociais,
políticos e trabalhistas, permeados por uma práxis mais questionadora.
A compreensão de educação para além do capital, defendido por Meszáros
(2008), reivindica uma perspectiva humanamente radical que nos conduza a emancipação
política e humana, com práticas educacionais mais abrangentes, envolvendo
simultaneamente a mudança qualitativa das condições objetivas de reprodução da
sociedade e afastando-se dos paradigmas educacionais do capitalismo avançado.
É importante destacar que a emancipação humana12 não é possível na atual
sociabilidade, ainda que os/as profissionais atuem de forma democrática. Por outro lado, a
10BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de lei nº 4.330-I de 2004 Dispõe sobre os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=BCE14EBF15CADA8D2BCF7DBCB45E98CF.proposicoesWebExterno1?codteor=1325350&filename=REDACAO+FINAL+-+PL+4330/2004>. Acesso em: 15/02/2017. 11 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/486413-CAMARA-APROVA-PROJETO-QUE-PERMITE-TERCEIRIZACAO-DA-ATIVIDADE-FIM-DE-EMPRESA.html. Acesso em: 15/02/2017. 12 Só quando o homem individual retoma em si o cidadão abstrato e, como homem individual – na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais-, se tornou ser genérico; só quando o homem reconheceu e organizou as suas forces propres [forças próprias] com forças sociais e, portanto, não separa mais de si a força social na figura da força política – [é] só então [que] está consumada a emancipação humana (MARX, 2009, p.71-72).
emancipação política não é incompatível com o modo de produção capitalista, ao contrário
da emancipação humana, que propõe a sua superação sistemática, pois é inconciliável com
o trabalho alienado.
Nos termos que está colocada, a política de educação é o lócus privilegiado de
distintas armadilhas políticas e ideológicas que conseguem formular um ethos de
internalização e reprodução do modelo neoliberal. O projeto educacional submetido aos
ditames dos organismos multilaterais relaciona-se com a lógica organizacional do Estado
brasileiro influenciado pelo ideário neoliberal, impondo a desresponsabilização do Estado no
trato das políticas públicas e o repasse à sociedade civil, mediante o incentivo a participação
comunitária, familiar e empresarial, em nome do solidarismo.
A lógica do capital, da mercadorização da educação e da precarização do trabalho
permite reformas pontuais e ajustes parciais imbricadas no metabolismo do capital. Essas
melhorias focalizadas e reduzidas em vários âmbitos das políticas sociais acontecem desde
que não interfira nas determinações estruturais da sociedade e altere o núcleo das
desigualdades.
Nesse sentido, quando fazemos uma breve análise da situação atual da UERJ,
percebemos todos estes aspectos elencados neste trabalho presente na dinâmica desta
universidade, que se encontra paralisada há meses e sem previsão de retorno, haja vista
que seus funcionários, tanto os efetivos quanto os terceirizados, encontram-se numa
situação bastante dramática, e buscam o respeito profissional, humano e o reconhecimento
enquanto classe trabalhadora por parte do Estado.
Contudo, a situação dos trabalhadores em regime de terceirização é mais
agudizante, pois estes se encontram a mercê da sorte, sem direção única de
representatividade política, pois como vimos a terceirização, fenômeno este deixa de ser
casual passando para comum, no modo de produção capitalista, acaba por fragilizar e dividir
a classe trabalhadora, confundido sua identidade enquanto classe.
4. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. Educação. Apontamentos sobre a política de educação no Brasil hoje e a inserção dos assistentes sociais. In: Subsídios para o Debate sobre o Serviço Social na Educação. Grupo de Estudos sobre o Serviço Social na Educação. Brasília-DF: CFESS, 2011. ANTUNES, R.; DRUCK, G. A epidemia da terceirização. 2014, p. 13 – 24. In ANTUNES, Ricardo. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III. São Paulo: Boitempo, 2014.
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