O Feminismo No Plural

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    Estudos Feministas, Florianpolis, 14(3): 819-841, setembro-dezembro/2006 829

    O feminismo no plural: para pensar aO feminismo no plural: para pensar aO feminismo no plural: para pensar aO feminismo no plural: para pensar aO feminismo no plural: para pensar adiversidade constitutiva das mulheresdiversidade constitutiva das mulheresdiversidade constitutiva das mulheresdiversidade constitutiva das mulheresdiversidade constitutiva das mulheresFminisme(s) Penser la pluralit.Cahiers du Genre, n. 39.

    FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, Dominique;LPINARD, lonore; VARIKAS, Eleni(Coordonn).

    Paris: LHarmattan, 2005. 264 p.

    A revista Ca de rnos de Gnero umapublicao que tem a colaborao do CentroNacional da Pesquisa Cientfica/CNRS/Frana; doServio de Direitos das Mulheres e da Igualdade;do Centro Nacional do Livro e do LaboratrioGnero, Trabalho, Mobilidades/IRESCO/CNRS Universidades Paris 10 e Paris 8 ex-GERS.

    Esse nmero se prope a trazer estudossobre a diversidade constitutiva das mulheres, apartir da problematizao de uma de suasdimenses, que se refere imbricao dasdominaes sexistas e racistas. Nesse sentido, o

    Cadernotraz anlises tericas e polticas a partirde experincias do blac k feminism americano,que se coloca no campo central dos debates dofeminismo americano, nos ltimos tempos, a partirde provocaes das feministas afro-americanase de mulheres de grupos minoritrios.

    Esse trabalho compreende que a luta pelapluralidade humana no se limita compreensoda existncia da bicategorizao hierrquica desexo, mas deve tratar da construohomogeneizadora e da categoria normativa dasmulheres, para expor as diversas experincias dasmulheres, as diferentes formas de assujeitamentodas mesmas, a diversidade das condies devida e das relaes de poder das mulheres queas faz alcanar a liberdade de forma desigual.

    O primeiro texto de DominiqueFougeyrollas-Schwebel, sociloga, pesquisadorado CNRS/Frana, e membro do comit deredao da revista Ca de rnos de Gne ro.Dominique analisa as divises no interior dofeminismo francs a partir das escolhas dasestratgias polticas. Traz a centralidade dasreferncias marxistas nos anos 1970 e consideraessa determinante para promover rupturas comas prticas de dominao.

    Nancy Fraser professora de Filosofia nodoutorado da Nova Escola para Pesquisa Socialde Nova York. No seu texto aprofunda e trazesclarecimentos sobre a questo da diferena,categoria tratada pelo movimento feministadesde os anos 1960, que hoje enfrenta impassese para a qual Fraser indica algumaspossibilidades. Se no incio tratava-se de trabalharcom a oposio igualdadediferena, depoiscom as diferenas entre mulheres, agora sereflete sobre diferenas cruzadas mltiplas, paraincorporar o debate sobre gnero, raa, etnia,classe e sexualidade. Fraser afirma que, noterreno mais amplo da sociedade civil, mltiploseixos das lutas de gnero se expem com ainterseco dos movimentos sociais e analisa oslimites das correntes anti-essencialistas emulticulturalistas que ora se defrontam nos EstadosUnidos e que podem colocar num mesmo sacotoda identidade. Prope no seu texto relacionara busca de identidades e de afirmao dediferenas a partir da exigncia de justia social,de alargamento da democracia, da igualdadesocial. Fraser traz ainda reflexes sobre asignificao do termo democrac ia rad ica l, que

    passa por desafios atuais, quando os movimentosfeministas se voltam basicamente paradesenvolver uma poltica cultural dereconhecimento. Tanto o anti-essencialismo comoo multiculturalismo se voltam mais prioritariamentepara os efeitos nefastos do no-reconhecimentocultural e relevam a importncia da desigualdiviso poltico-econmica. Para Fraser, oprincpio da igualdade e justia social deve sertratado pelos movimentos na mesma medida queo reconhecimento cultural.

    Segue-se ento o texto de Kimberl W.Crenshaw, considerado clssico. Kimberl professora de Direito na UCLA e na UniversidadeColumbia. Seu trabalho trata das violnciasconjugais nas comunidades afro-americanas esugere a criao de instrumentos tericos parapensar essa realidade. Apresenta o conceito deinterseccionalidade, para analisar a intersecoentre as dominaes de sexo e de raa. ParaKimberl, as relaes de dominao encontradasnas anlises das categorias de sexo e de raadevem ser pensadas tambm como estruturas dedominao. Destaca o cuidado e a ateno paraos estudos no se fecharem nessa interpretao(de sexo e raa), mas tambm apostarem nas

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    reflexes sobre a pluralidade e a diversidadeconstitutiva das mulheres, que podem articularrelaes sociais de carter e de origens diversas,como de c lasse e sexo, cujos trabalhos na Franaso exemplares. Kimberl trata, num primeiromomento, da interseccionalidade estrutural paraexplicar a posio das mulheres de cor diantedas suas experincias concretas de violnciaconjugal. A autora faz um estudo emcomunidades de mulheres refugiadas em LosAngeles e identifica um quadro de subordinaoem que elas vivem. A maioria desempregada,ou com subemprego, so pobres, so asresponsveis pelas atividades familiares, e nopossuem competncias profissionais. Estudar arelao entre raa, gnero e classe fundamental para compreender as suasinterseces. No segundo momento, Kimberltrata da interseccionalidade poltica, em queanalisa a marginalizao da questo da violnciacontra as mulheres de cor nas polticas feministase anti-racistas. Parte da reflexo de que a mulherde cor no vive as dimenses de sexo e de raacomo os homens negros e as mulheres brancas.Para isso, serve-se do conceito de raa e depatriarcado para analisar a dupla marginalizaodas mulheres de cor.

    Elsa Dorlin mestre de conferncias emFilosofia na Universidade Paris I Pantheon-Sorbonne. Recuperando a historicidade das

    mulheres negras nos Estados Unidos, Dorlinproblematiza as colises entre sexo e raa efeminismo e racismo. Lembra ela que durante aluta pelo sufrgio feminino, quando asmobilizaes feministas americanas apontavampara uma nica campanha pelo sufrgio, asmulheres brancas reagiram defendendo a suacondio de mulher. A dimenso de dominaoparecia atravessar essa relao e foi decisiva nacriao de uma fronteira entre mulheres brancase negras, maior at que entre homens e mulheresbrancas. A prioridade da luta das mulheresbrancas obscureceu e anulou outros sujeitos dofeminismo a mulher negra. A partir dessaexperincia, Dorlin passa a problematizar adificuldade do feminismo de tratar, nos temposatuais, a questo do racismo e dos direitos damulher negra. Assim que nos Estados Unidos osurgimento do blac k feminism se constitui numaverdadeira revoluo. Questiona o sujeito mesmodo feminismo as mulheres e a suacategorizao homognea, mas o debate estse abrindo para a teoria anglo-saxnica. Aproduo de um conceito de subjetivaoparece ser um caminho para compreender osprocessos pelos quais os indivduos forjam uma

    identidade poltica por onde eles lutam e seafirmam como sujeitos de sua prpria libertao.A partir dessa anlise, o sujeito do feminismo estem constante produo e no se aprisiona emnenhuma definio normativa. Escavar as formasde dominao sobre as mulheres e as suas formasde luta e de resistncia para superar essadominao inveno de uma outra linguagempoltica.

    O texto de Eleonore Lpinard (doutora emSociologia/Canad) avalia que a categoria dadiferena central dentro do projeto feminista edeve ser enfrentada na sua dimenso terica epoltica. Lpinard analisa a impotncia da Franade pensar a configurao particular do sexismoe do racismo que se abate sobre as mulheresimigrantes ou francesas, frutos da escravido eda colonizao. O feminismo francs no temconstrudo instrumentos para compreender adiviso interna entre as mulheres.

    Para as francesas, apesar de reconhecerema existncia de anlises rigorosas sobre osmecanismos de categorizao de sexo e de raa,o dilema de desenvolver na Frana uma polticaanti-racista feminista ainda est presente.

    Historicamente, no seio do feminismoeuropeu trabalhou-se o sexo a partir de umaclivagem de classe, que resultou em inmerosestudos sobre o trabalho e a famlia, atransversalidade das relaes sociais de sexo e

    de classe, a relao entre capitalismo epatriarcado. O desafio ora colocado para asfeministas europias refere-se necessidade decompreender os interesses divergentes, senocontraditrios, entre mulheres diplomadas,mulheres no qualificadas, mulheres do Norte,mulheres do Sul, ou seja, de compreendersegundo quais modalidades certas mulheresparticipam dessas relaes de dominao (p.8).

    O feminismo ento trazido para serrefletido como um posicionamento, um modo deagir poltico, e nesse sentido deve ser pensadono plural, para garantir a incorporao dasdiferenas nas relaes de poder, vivenciadasentre mulheres que guardam interesses diversose at contraditrios.

    Sonia Dayan-Herzbrun faz reflexes a partirde seu locusde observao, le Proche-Orient,e das prticas de resistncia dos palestinos dosterritrios ocupados, como os campos do Lbano.Seu trabalho leva em conta os investimentospolticos do privado, suas prticas de resistnciae coloca-se na escuta do que falam e fazem ospalestinos e como so categorizados comodominados.

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    A questo do feminismo perpassa todos ostextos em uma perspectiva de trat-lo como umprojeto poltico, que no pressupe uma vianica, mas a reunio de solidariedades a seconstruir.

    A revista Ca de rnos de Gnerotraz aindatrs contribuies de autores sobre temas diversos:o texto que trata das transformaes das relaessociais de sexo e de suas novas problematizaespelas cincias sociais; o texto a respeito de umapesquisa realizada na Espanha sobre abusosexual em trs lugares de trabalho e os diferentescomportamentos das mulheres diante dasprticas masculinas que poderiam sercompreendidas como assdio sexual; e o texto

    em torno de uma outra pesquisa tambmrealizada na Espanha sobre as mais variadasdimenses do trabalho no remunerado na redefamiliar e assumidos pelas mulheres.

    No final nos brinda com algumas resenhasde livros como Ide ntidad e na ciona l e p roc riaono Bra sil: sexo , c la sse, r aa e e steriliza o

    feminina, de Valeria Ribeiro Corossacz; eCulturahip-hop , jovens das cid ad es e p oltica s pblica s,de Sylvia Faure e Marie-Carmen Garcia, dentreoutros trabalhos resenhados.

    Gema Galgani Silveira Leite EsmeraldoUniversidade Federal do Cear