O Feminismo Em Suas Novas Rotas e Visões

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  • Estudos Feministas, Florianpolis, 14(3): 272, setembro-dezembro/2006 801

    Copyright 2006 by RevistaEstudos Feministas.

    Matilde RibeiroSecretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial

    da Presidncia da Repblica do Brasil

    O feminismo em novas rotas eO feminismo em novas rotas eO feminismo em novas rotas eO feminismo em novas rotas eO feminismo em novas rotas evisesvisesvisesvisesvises

    RRRRResumoesumoesumoesumoesumo: O presente texto se baseia no debate proposto por Mary Hawkesworth no artigo Asemitica de um encontro prematuro: o feminismo em uma era ps-feminista, orientando-sepor um olhar latino-americano-caribenho sobre as transformaes do feminismo e as conquistasdas mulheres em momentos cruciais dessa articulao, relembrando fases memorveis comoa renovao dos ideais feministas, a autonomia do movimento de mulheres negras e sua inter-relao com o ativismo negro e feminista, articulaes internacionais sintonizados com arealidade/diversidade brasileira e a incorporao da agenda feminista nas instnciasgovernamentais. A autora expe o dinamismo e a capacidade de retroalimentao do feminismobrasileiro, caractersticas que possibilitam a fora necessria para sua sobrevivncia e inovaesharmonizadas com a evoluo de valores sociais diante das conquistas decorrentes de suaexistncia nos cenrios local, regional e global. Substancialmente, desenvolve o texto comnfase no ativismo local como desencadeador de uma ao efetiva de Estado para eqidadede gnero e raa.PPPPPalavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chave: feminismo; mulheres negras; racismo; polticas pblicas; aes governamentais.

    ... Essas que cantaram, danaram, pintaram e bordaramEssas que escreveram e traduziram sentimentos

    Essas que ocuparam ruas e praasEssas que assumiram os lugares at ento proibidos...1

    1 P1 P1 P1 P1 Para comeo de conversaara comeo de conversaara comeo de conversaara comeo de conversaara comeo de conversaComo se tivesse participando de uma rodada de

    dilogo, reflito em voz alta e elaboro possveis respostas sindagaes sobre os rumos do feminismo. Por puro exercciode imaginao, interagimos Mary Hawkesworth, autorado texto A semitica de um encontro prematuro: ofeminismo em uma era ps-feminista,2 algumas mulheresque citarei adiante, as colaboradoras deste artigo3 e eu.

    1 Frases do poema A essas etantas outras, publicado noDicionrio Mulheres do Brasil(Schuma SCHUMAHER e rico VitalBRAZIL, 2000). No decorrer dotexto sero utilizadas na introdu-o de cada captulo.2 HAWKESWORTH, 2006.3 Texto escrito com a colaboraode Angelita Garcia, sociloga eassistente de programa do Unifem(Fundo de Desenvolvimento dasNaes Unidas para a Mulher), eIsabel Clavelin, jornalista, s quaisagradeo pela inspirao epacincia no dilogo.

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    802 Estudos Feministas, Florianpolis, 14(3): 801-811, setembro-dezembro/2006

    Hawkesworth nos brinda com uma instigante anlisesobre as perspectivas do feminismo. De um lado, constataque o feminismo experimenta um visvel crescimento, sejaem suas bases organizativas, seja em seus reflexos em maresnunca antes navegados pelo menos com a intensidadecom que tem sido tratado pelos caminhos do gnero nosespaos multilaterais (em especial nas instncias da ONU),no interior de governos, na academia, entre outrosuniversos. Por outro vis, surgem as interrogaes de que ofeminismo est em sua fase terminal, afirmao saudadacom o advento da era ps-feminista.

    Do alto de suas preocupaes, Hawkesworthclassifica o fenmeno da expanso sem precedentes dofeminismo e sua morte prematura como estranho. Assim,pergunta-se: Como podemos interpretar tais notcias damorte do feminismo? Diante do entusiasmo e variedadedas formas proliferativas da teoria e da prtica feminista,qual o significado do enterro prematuro do feminismo?.4Com essas indagaes, inicia-se um interessante pulsar deidias. Na busca de respostas, destaca duas hipteses paraa suposta morte do feminismo: a) o obiturio, como umconjunto de idias que revelam mudanas no campofeminista como abandono do propsito original conscientizao, poltica confrontacional e afirmao debandeiras de luta. Como se o feminismo tivesse se esgotadocom o tempo; e b) extino evolucionria, demonstrandoa proposio de um processo de seleo natural, comose fosse fatalidade. Trata-se aqui da viso ps-feministacomo uma forte convico de que a viso feministaextinguiu-se ou logo se extinguir, ou que o ps-feminismo um marcador de tempo assim como de espao,sugerindo uma seqncia temporal na qual o feminismofoi transcendido, ocludo, ultrapassado [...] se foi, partiu,morreu.5

    Essa conversa nos remete a aprofundamentos eanlises orientadas pela viso e acmulo do ativismobrasileiro e latino-americano-caribenho. Somando-se vivncia internacional do feminismo, emergem certezas deque no hora de decretar o fim desse movimento. Alis,essa morte dificilmente ocorrer, pois esse movimento,como um fio condutor para mudanas, no deixa de existir;transforma-se e moderniza-se.

    Hawkesworth traz em seu texto uma formulao deSonia Alvarez6 no trecho em que evidencia a multiplicaodos espaos de atuao feminista. Partilho desseentendimento por perceber as vivacidades do feminismono Brasil, sua trajetria de reformulaes com implicaespositivas e inovadoras para a movimentao das ruas, dasorganizaes no-governamentais, dos setores

    6 ALVAREZ, 1998.

    5 HAWKESWORTH, 2006, p. 746.

    4 HAWKESWORTH, 2006, p. 739.

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    acadmicos, dos governos, dos movimentos sociais.Ademais, o feminismo alastra-se e traz novas personagense realidades para a cena poltica.

    2 F2 F2 F2 F2 Feminismo no Brasil, buscas e inovaeseminismo no Brasil, buscas e inovaeseminismo no Brasil, buscas e inovaeseminismo no Brasil, buscas e inovaeseminismo no Brasil, buscas e inovaes

    ... E as que fizeram sem pedir licena,Essas que desafiaram o coro do destino

    E as que com isso abriram as alas e as asas...

    Abrir alas e as asas o intuito do movimentofeminista! Confrontamo-nos a seguir com muitascompreenses sobre feminismo em suas incidnciaspolticas e institucionais. Para Vera Soares,7 o feminismoEngloba teoria, pratica tica e toma as mulheres comosujeitos histricos da transformao da sua prpriacondio social. Prope que as mulheres partam paratransformar a si mesmas e ao mundo.

    A articulao feminista prope-se como umcatalisador das mudanas sociais para as mulheres etambm para toda a sociedade. No entanto, no ummovimento homogneo. Contm uma srie de dificuldadesde estruturao e de orquestrao de sua multiplicidade,como no tratamento da diversidade entre as mulheres(racial, tnica, condio socioeconmica, orientaosexual, gerao ou cultural), e tambm abordagempluralista nos espaos polticos conquistados na sociedade.Em debates e formulaes, so demonstradas controvrsiasquanto ao crescimento da participao e ao surgimentode novas atrizes fatores totalmente benficos , poisrecolocam em pauta ser ou no ser feminista, os efeitos dapopularizao do feminismo e, at mesmo, a incorporaodas temticas raciais e tnicas, com seu cunho histricode questionamento da estrutura da sociedade e tambmdo feminismo tradicional branco. Segundo SandraAzeredo,8 devido forma como o movimento feminista temse organizado, a imagem da feminista tem sidocaracterizada como branca, de classe mdia eintelectualizada.

    Na busca de ampliao da plataforma de aofeminista, as mulheres negras teceram inmeras crticasquanto invisibilidade de sua ao poltica. A contestaomais direta refere-se maneira secundarizada dotratamento de sua opresso e organizao, as quaisestiveram e esto submetidas pelo sistema. Isto , sejaatravs do discurso, seja da produo terica, as mulheresnegras aparecem como sujeitos implcitos. Historicamente,a sociedade tem absorvido de forma mais eficaz asreivindicaes das mulheres brancas como parte deum processo natural. A questo racial ainda um tabu; o

    8 AZEREDO, 1994, p. 203-216.

    7 SOARES, 2004, p. 162.

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    combate ao racismo, pela sua sutileza e mascaramento,no emplacou como tema socialmente relevante. Essavicissitude denunciada por Sonia Giacomini9 quandoelabora sobre a subalternidade dispensada s mulheresnegras desde a resistncia nos marcantes perodos daescravido. A autora aponta para uma viso crtica dahistria, condenando reducionismos como o trabalhoforado travestido de liberdade econmica, o estuproinstitucionalizado como sensualidade e liberdade sexualda negra e/ou mulata.

    Participantes do movimento negro e feminista, asmulheres negras, conscientes da importncia de seu papelna histria, visam a desmascarar situaes de conflito eexcluso. Com isso, no s contriburam para a conquistade visibilidade como sujeitos polticos, perante essesmovimentos e a sociedade, como tambm construram umcurso prprio atravs da constituio do movimentoautnomo de mulheres negras. Com isso, lutaram e lutampara garantir a subsistncia, direitos sociais e polticos, equalidade de vida para si, seus familiares e para acomunidade. Explicitamente, a agenda poltica dasmulheres negras transcende as questes de gnero,abarcando o combate ao racismo, discriminao e aopreconceito racial.

    De maneira geral, no incio do sculo XXI, asmulheres brasileiras anunciaram boas mudanas em suascondies de vida na pesquisa A mulher brasileira nosespaos pblico e privado, realizada pela Fundao PerseuAbramo em 2001.10 Diante dos cenrios da diversidade, apesquisa trouxe elementos para o debate sobre essesconceitos entre as mulheres do ponto de vista econmico,social e racial, em especial a situao da mulher negra. Atnica da diversidade ressaltada na apresentao doDicionrio Mulheres do Brasil, que atenta para o cultivo damemria das mulheres como fator de justia a ponto deno ser banalizado o esforo individual e coletivo demilhares de brasileiras que mudaram sua condio: foramndias contra a violncia dos colonizadores, negras contraa escravido, brancas contra os valores patriarcais vigentes,todas lutando pela transformao das regras impostas aofeminino.11 Vale ressaltar a insero das biografiasorientadas pelos prenomes das mulheres em vez dos nomesdas famlias, pois pela histria as negras e indgenas nonecessariamente possuem sobrenomes.

    Os processos de mudana e reviso do feminismoso vistos pelas prprias feministas, pelos setoresdemocrticos e pelos formadores de opinio comomomentos de vivacidade, de surgimento de novosconceitos e prticas. Est longe de qualquer especulao

    11 SCHUMAHER e BRAZIL, 2000, p.16.

    10 Gustavo VENTURINI, MarisolRECAMAN e Suely OLIVEIRA, 2004.

    9 GIACOMINI, 1988.

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    responsvel o apontamento de morte ou finalizao dejornada do movimento feminista. Em uma avaliao crtica,so passveis de reconhecimento os altos e baixos noprocesso de mobilizao e formulao feminista, assimcomo a sua capacidade de retomada e reinsero.

    A partir de 1985, notvel uma oxigenao nofeminismo. Daquele perodo aos dias atuais, foramrealizados 14 Encontros Nacionais Feministas (ENF) e um totalde dez Encontros Feministas Latino-Americanos e do Caribecom expressivo aumento do nmero de participantes namesma proporo da presena efetiva de setores comcapacidade de interferncia nesse movimento, como asmulheres oriundas da militncia sindical, popular e negra,elevando assim a gama de debates. Incorporada aoprocesso dessas transformaes, Sueli Carneiro12 enalteceo enegrecimento do movimento feminista, fortalecendo oprotagonismo das mulheres negras. A diversificaotemtica nos debates e aes no campo do movimentofeminista nacional passou a ter repercusso internacionalcom o advento das Conferncias Mundiais dos anos 1990,como a Conferncia de Direitos Humanos (Viena1993); aIII Conferncia de Populao e Desenvolvimento (Cairo1984); a IV Conferncia da Mulher (Beijing1995), entreoutras.

    A Conferncia de Beijing possibilitou a abertura dadiscusso sobre o feminismo e as relaes raciais e tnicasem mbito mundial.13 A Conferncia produziu a Declaraode Beijing95, documento que reitera compromissos em proldos direitos humanos. O uso dos termos raa e etniagerou longa e dura divergncia sobre a qual o Brasil e osEstados Unidos se manifestaram a favor da meno deambos para fins de dados estatsticos que pudessem gerardocumentao acerca da injustia social. Constata-se quea IV Conferncia demonstrou a possibilidade de dilogo ede solidariedade entre as mulheres que vivem diferentessituaes sociais e raciais. Transcorridos dez anos,desenvolvem-se novas estratgias de monitoramento daspolticas pblicas voltadas para as mulheres, visando construo de novos patamares de vida para elas.

    Posteriormente, houve a ampliao dos debatesentre as mulheres negras, as feministas e as militantes anti-racistas na III Conferncia Mundial de Combate aoRacismo, Discriminao Racial, Xenofobia e IntolernciaCorrelata, em 2001.14 O protagonismo das organizaesnegras e das mulheres negras brasileiras, acrescentando-se aliana com o movimento feminista, foi fundamentalpara o debate de gnero e polticas anti-racismo no spara o Brasil, mas tambm para toda a Amrica Latina.

    14 ONU, 2002.

    13 Matilde RIBEIRO, 1995.

    12 CARNEIRO, 2003.

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    Recentemente, a Conferncia Regional dasAmricas: Avanos e Desafios no Plano de Ao contra oRacismo, Discriminao Racial, Xenofobia, e IntolernciasCorrelatas, em 2006, promoveu um dilogo entrerepresentantes de governos e da sociedade civilrelacionado ao combate a toda e qualquer distino,excluso, restrio ou preferncia baseada na raa, cor,ascendncia, origem tnica ou nacional. s vsperas daConferncia, militantes feministas/das mulheres, mulheresnegras e indgenas participaram do Dilogo entre Mulheresdas Amricas contra o Racismo e Todas as Formas deDiscriminao, propiciando um balano das principaisconquistas nos ltimos cinco anos e dos desafios para aefetivao da incluso das populaes negra, indgena eoutros grupos sociais vulnerveis pela discriminao,registrado em documento formulado pelas mulheres Conferncia.

    Na plenria final da Regional das Amricas, osparticipantes reconheceram ser esse um perodo oportunopara a tomada de decises e a formulao de polticasanti-discriminatrias, tendo em vista a discussointernacional acerca das realidades de cada nao e acapacidade de aglutinao de foras por meio dearticulaes regionais e globais. Governantes e sociedadecivil salientaram a criao de mecanismos de aferio daspolticas pblicas para mensurao da eficcia das aesgovernamentais mediante acordos e tratados internacionaisacerca das temticas de gnero e raa/etnia;estabeleceram as reas da educao, sade, habitao,emprego e renda e comunicao como avanos decisivosna proposta de desenvolvimento das polticas pblicas,para que contemplem a partir das especificidadesproblemas pertinentes s mulheres, idosos, crianas e jovensindgenas e afrodescendentes da regio.

    3 Quebrando barreiras governamentais3 Quebrando barreiras governamentais3 Quebrando barreiras governamentais3 Quebrando barreiras governamentais3 Quebrando barreiras governamentais

    ... E as que ultrapassaram o limite da chegada,Essas que levaram chibatadas e marcas de ferro quente

    Essas que vieram embaladas por sonhos...

    A partir de sua interveno crtica, o movimentofeminista ultrapassou os limites de chegada, recriandoparadigmas. A insero de ativistas com contedosfeminista e anti-racista nas esferas de deciso possibilitauma imediata mudana de discusso e viso poltica,favorecendo agendas determinantes para a promoodessas populaes renegadas pelo sistema hegemnico.Propicia uma proximidade e otimizao de interlocuo eresoluo dos pleitos por meio de reviso e/ou correo

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    O FEMINISMO EM NOVAS ROTAS E VISES

    das polticas existentes e, conseqentemente, elevao daspossibilidades da eficcia das polticas governamentais aopasso que fortalecido o dilogo com a sociedade civil.

    O comprometimento com o projeto poltico depromoo da igualdade de gnero e raa no significaapenas garantir a participao desses grupos nos espaosde poder e deciso, mas tambm fomentar a qualidade emultiplicao de quadros com acmulo terico, prtico etcnico para garantir aes consolidadas, densas e comrepercusso na propagao de rgos municipais,estaduais e federais parceiros para o desenvolvimento daagenda poltica governamental condizente com asdemandas os movimentos feminista, de mulheres e anti-racista. Compreende enfrentar um sistema polticoengessado pela prtica universalista que no d conta dasespecificidades, enviando, geralmente, comandosresistentes e preconceituosos diante da renovaoproposta pela ordem mundial contra o racismo e o sexismocomungada pelo pas em tratados internacionais e,paradoxalmente, entreposta no momento de sua execuointerna.

    Em consonncia com a construo histrica dosmovimentos sociais, as bases da poltica nacional e oscompromissos assumidos internacionalmente, o governobrasileiro criou trs instrumentos institucionais consideradosfundamentais para o enfrentamento das discriminaes: aSecretaria Especial de Polticas de Promoo da IgualdadeRacial (SEPPIR);15 a Secretaria Especial de Polticas para asMulheres (SPM);16 e a Secretaria Especial de DireitosHumanos (SEDH), todas vinculadas Presidncia daRepblica. Essas Secretarias inauguram uma pginasignificativa no tratamento dispensado pelo Estado brasileiros iniqidades resultantes do racismo, das discriminaese das desigualdades sociais histricas.

    Mais especificamente, pela constituio da SEPPIR,so declaradas as diretrizes governamentais para ocombate ao racismo e discriminao racial em reasdecisivas para a vida individual e coletiva. No arcabouodessa agenda poltica, incluem-se as estratgias desuperao do racismo e outros tipos de lutas sociais ocombate ao machismo, ao adultocentrismo e homofobia.Conseqentemente, saltam aos olhos aes conjugadasincidentes na vida dos negros, indgenas, mulheres,crianas, adolescentes, jovens e homossexuais visando asuperar situaes de vulnerabilidade, pobreza e violncia,havendo inter face com vrios movimentos sociais,sobretudo o feminista e o anti-racista.

    Como parte dessas estratgias, foram realizadas peloGoverno Federal concertaes significativas pela SEPPIR,

    15 Criada em 21 de maro de2003, Dia Internacional deCombate Discriminao Racial,a SEPPIR tem a incumbncia deacompanhar e coordenar pol-ticas, de forma transversal, comas demais pastas ministeriais decunho afirmativo e promotor deigualdade entre as raas/etniasdiscriminadas negra, indgena,cigana, judaica e rabe-palestina. Foi institucionalizadapela Lei n 10.678, de 23 de maiode 2003. Disponvel em: https://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.678.htm. Acessoem: 19 nov. 2006.16 A SPM foi criada atravs daMedida Provisria 103, de 1 dejaneiro de 2003, convertida na Lein 10.683, de 2003, para desen-volver aes conjuntas com todosos Ministrios e SecretariasEspeciais, tendo como desafio aincorporao das especifici-dades das mulheres nas polticaspblicas e o estabelecimento dascondies necessrias para asua plena cidadania. Disponvelem: https://www.planalto.gov.br/ccivi l_03/MPV/Antigas_2003/103.htm. Acesso em: 19 nov.2006.

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    a 1 Conferncia Nacional de Promoo da IgualdadeRacial (CONAPIR), em 2005, e pela SPM, a 1 ConfernciaNacional de Polticas para as Mulheres (CNPM), em 2004.Ambas configuram-se como instrumentos de continuidadedos debates nacionais e internacionais contra asdiscriminaes e ao efetiva do Brasil de cumprimentodos acordos internacionais, estabelecendo polticaspblicas que, diferentemente da legislao e dos direitosconstitucionais, priorizam, por meio dos planos nacionaisde Polticas para as Mulheres e da Igualdade Racial, rease setores com programas e projetos que promovem umareverso na situao de excluso de mulheres e grupostnicos/raciais discriminados.

    Ilustram esse compromisso do Governo Federal paraa promoo da igualdade de gnero e raa iniciativascomo o Programa de Fortalecimento Institucional paraIgualdade de Gnero e Raa, Erradicao da Pobreza eGerao de Emprego (GRPE), o qual prev um esforo paraimplementar uma agenda nacional de trabalho decenteno Brasil por meio do fomento das polticas pblicas decombate pobreza e gerao de trabalho e renda. Nomundo do trabalho, a SEPPIR, SPM, Ministrio do Trabalho,Federao Nacional dos Trabalhadores Domsticos eOrganizao Internacional do Trabalho so parcerias noPlano Trabalho Domstico Cidado, o qual visa elevaoda escolaridade, ampliao da proteo social,fortalecimento da representao das trabalhadorasdomsticas, melhoria das condies de trabalho e moradia,e garantia de direitos trabalhistas. Por meio do projetoGnero, Diversidade e Orientao Sexual na Escola,professores do ensino fundamental da rede pblica estosendo formados para combater o preconceito em sala deaula. A iniciativa desenvolvida pela SEPPIR, SPM, Ministrioda Educao e Conselho Britnico no Brasil.

    Cabe ressaltar que muitas dessas concretizaes sofruto das presses dos movimentos sociais nos seus eixosde atuao, das categorias profissionais conhecedoras dasdemandas polticas para um trabalho digno, docompromisso do Governo Federal em investir em reasfundamentais para o desenvolvimento humano e dacomunho dos rgos internacionais em intervir na soluodos problemas brasileiros. Enfim, o que se deseja comoresultado a igualdade de direitos para o exerccio dacidadania e o respeito diversidade em todas as suasexpresses.

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    O FEMINISMO EM NOVAS ROTAS E VISES

    4 P4 P4 P4 P4 Perspectivas com base em sonhos eerspectivas com base em sonhos eerspectivas com base em sonhos eerspectivas com base em sonhos eerspectivas com base em sonhos erealidadesrealidadesrealidadesrealidadesrealidades

    ... Essas que ficaram de foraE aquelas que ainda viro,E as que viveram por ns.

    A histria da humanidade se faz a partir das aesde pessoas e grupos que questionam o poder institudo elutam pelos seus ideais. longa a caminhada at o patamaralmejado de enraizamento do projeto poltico contra todasas formas de discriminao, mas certamente asexperincias dos ltimos anos nos remetem a horizontesotimistas. As mulheres negras estiveram certas em seuprocesso de luta: para serem condizentes com a histria,decidiram que poderiam incidir em todas as questessociais e polticas, mas principalmente, como disseCarneiro,17 demarcaram o toque de cor nas propostasde gnero e no feminismo.

    Para o conjunto das mulheres, cada vez mais temsido possvel deixar de lado a perspectiva revanchista ede guetizao da luta feminista. A ordem ocupar todosos espaos na sociedade o poder pblico, o parlamento,os meios acadmicos, as associaes, os partidos, osmovimentos sociais. Essa ocupao vem acompanhadade inmeras dificuldades, e nem sempre recheada depoder.

    Como ao imediata, preciso identificar asdiferentes vertentes dos feminismos, explicitando asdiferenas, encontrando os nossos comuns. necessrioreforar o movimento feminista enquanto movimentoprodutor de idias e prticas inovadoras, que questionama estrutura social vigente os domnios entre as naes; osmandos e desmandos do capital; a cristalizao do podercomo sendo atribuio masculina e branca, entre outrosfatores. Torna-se tambm imperativo um eterno e sensvelolhar para o cotidiano e ao redor da casa, mas tambmpara a conjuntura nacional e internacional. Hoje as cercasentre os territrios esto cada vez mais tnues. imprescindvel um olhar planetrio, porm sem perder adimenso do cho. A infiltrao dos ideais feministas emtodos os espaos parece ser uma forma de quebrar inrciassociais.

    A entrada de ativistas feministas/mulheres nasestruturas de governos implica a interiorizao dos valoresfeministas/das mulheres para confronto dos distrbios sociaisque alijam a qualidade de vida das mulheres. Significa ainterveno direta e organizada em busca de polticaspblicas sintonizadas com os interesses da agenda e a

    17 CARNEIRO, 2003.

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    estruturao de pilares que promovam uma transformaoreal da ordem sociopoltica brasileira.

    Das conversas imaginrias iniciais deste artigo aoseu desfecho, minhas interlocutoras e eu reiteramos queno h morte e sim modernizao e definio de novosrumos e focos para o feminismo. Temos pela frente umaatualizao de pensamento sobre o alcance do feminismo,suas conseqncias para a sociedade, suas inseresinstitucionais, e tantas outras questes do cotidiano dasaes coletivas das mulheres que, conscientemente ouno, so feministas.

    Isso nos exige cada vez mais a capacidade deconviver com aes polticas na sociedade e com ainstitucionalizao desse feminismo, porm sem esquecerprincpios e autonomia. Faz-se urgente a ocupao de maisespaos de poder que possam ser assumidosindividualmente pelas mulheres e tambm por seus grupose organizaes. Mas igualmente importante eemergencial a visibilidade do movimento feminista comoum movimento de contestao, que sai s ruasdemarcando suas posies de rebeldia, ousadia e firmezana construo da to almejada justia social.

    RRRRReferncias bibliogrficaseferncias bibliogrficaseferncias bibliogrficaseferncias bibliogrficaseferncias bibliogrficasALVAREZ, Sonia. Feminismos latinoamericanos: reflexiones

    tericas y perspectivas comparativas. In: ROS TOBAR,Marcela (Org.). Reflexiones tericas y comparativassobre los feminismos en Chile y America Latina.Santiago: Notas del Conversatorio, 1998. p. 4-22.

    AZEREDO, Sandra. Teorizando sobre gnero e relaesraciais. Revista Estudos Feministas, nmero especial,p. 203-216, 2. sem. 1994.

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    O FEMINISMO EM NOVAS ROTAS E VISES

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    VENTURINI, Gustavo; RECAMAN, Marisol; OLIVEIRA, Suely(Orgs.). A mulher brasileira nos espaos pblico eprivado. 1. ed. So Paulo: Editora e Fundao PerseuAbramo, 2004.

    [Recebido em dezembro de 2006 e aceito para publicao em dezembro de 2006]

    FFFFFeminism on New Reminism on New Reminism on New Reminism on New Reminism on New Routes and Viewsoutes and Viewsoutes and Viewsoutes and Viewsoutes and ViewsAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This paper is based on the debate proposed by Mary Hawkesworth in The semiotics ofa Premature Burial: Feminism in a Post-Feminist Age. It is guided by a Latin-American andCaribbean view of the transformations of feminism and of womens achievements in criticalmoments of that articulation, recollecting outstanding periods such as the renovation of feministideals; the autonomy of the black womens movement and its inter-relation with black and feministactivism; and international articulations tuned with Brazilian reality/diversity and with theincorporation of the feminist agenda within governmental instances. The author portrays how theverve and retro-feeding capacity of Brazilian feminism provide the necessary strength for itssurvival, as well as for its innovations which are consonant with the evolution of social values,leading to its various achievements as they stem from local, regional and global arenas.Substantially, the author has developed this text with a sharp focus on local activism as the triggerfor effective governmental action towards achieving gender and race equity.Key WKey WKey WKey WKey Wordsordsordsordsords: Feminism; Black Women; Racism; Public Policy; Governmental Action.