O encontro inesperado - Zibia Gasparetto.pdf

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  • Em um relacionamento amoroso, uma mulher exigente e intratvel, ciumenta,apegada, sufocou o companheiro que, depois de sete anos de convivncia, nosuportando mais, saiu de casa. Ela tentara o suicdio uma vez e ameaava faz-lo denovo caso ele no voltasse.

    Os pais dela a julgavam fraca e queriam proteg-la, mas a vida os impediu desocorr-la. Quando todos pensavam que aconteceria o pior, a vida intercedeu a seu favor.

    Trs irmos Franco, Gisele e Carlos surgem nesta histria e os fatos comeam amudar. Ento aconteceu

    O ENCONTRO INESPERADO.No h nada mais gratificante do que dirigir a prpria vida.

  • 2013 por Zibia Gasparetto Swetta/Getty ImagesCoordenao de arte: Priscila Noberto Projeto grfico: Priscila Noberto Diagramao:

    Priscilla Andrade Reviso: Editorial Vida & Conscincia1 edio 1 impresso

    205.000 exemplares outubro 2013Tiragem total: 205.000 exemplares

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro,SP, Brasil)

    Lucius (Esprito).O encontro inesperado / pelo esprito Lucius ; [psicografado por] Zibia Gasparetto.

    So Paulo : Centro de Estudos Vida & Conscincia Editora, 2013.ISBN 978-85-7722-256-8

    ISBN 978-85-7722-255-1 (capa dura)1. Espiritismo 2. Psicografia 3. Romance esprita I. Gasparetto, Zibia. II. Ttulo.

    13-11750CDD-133.93

    ndices para catlogo sistemtico:1. Romances espritas psicografados: Espiritismo 133.93

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edio pode ser utilizada oureproduzida, por qualquer forma ou meio, seja ele mecnico ou eletrnico, fotocpia,

    gravao etc, tampouco apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem aexpressa autorizao da editora (Lei n2 5.988, de 14/12/1973).

    Este livro adota as regras do novo acordo ortogrfico (2009).Editora Vida & Conscincia

    Rua Agostinho Gomes, 2.312 - So Paulo - SP - Brasil CEP [email protected] www.vidaeconsciencia.com.br

  • No h nada mais gratificante do que dirigir a prpria vida.

  • CAPITULO 1O relgio deu trs badaladas despertando Gisele, que abriu os olhos assustada.

    Sentou-se no sof, apanhou o livro que escorregara no tapete, ajeitou os cabelos,tentando recordar-se do sonho estranho que tivera.

    No apartamento vazio, o sol entrando pela fresta da cortina, ela foi aos poucosrelaxando e adormeceu quase sem sentir.

    Seus dois irmos tinham ido almoar fora e ela no quis acompanh-los, antegozandoo prazer de deixar-se ficar sozinha e poder ler, sem ser interrompida a cada pouco porum deles, que a qualquer pretexto lhe pediam alguma coisa.

    Com o livro fechado entre as mos, ela pensou no sonho de momentos antes comemoo. Que saudade! No queria ter acordado.

    Seus pais tinham morrido em um acidente de carro havia mais de cinco anos e pelaprimeira vez sonhara com eles. Ao abra-los, foi tomada de forte emoo, chegou asentir o leve perfume de alfazema que sua me costumava usar. Eles estavam ali, vivos,como se nunca tivessem morrido.

    Ainda um pouco perturbada, ela questionou: Ser que nada aconteceu e que elesainda esto aqui?

    Mas bastou um olhar a sua volta para ter certeza de que fora mesmo um sonho.Aquele pequeno apartamento era muito diferente da bela casa onde eles moravamantes.

    Ela se recordou da vida que levava ao lado deles e que fora interrompida peloacidente naquela madrugada terrvel. Eles tinham ido visitar um sobrinho que estavapassando por srios problemas no casamento. Quando regressavam, chovia muito. Umcarro desgovernado surgiu, seu pai tentou, mas no conseguiu evitar o acidente. Ambosmorreram na hora.

    Na ocasio, Gisele estava com dezesseis anos, Carlos com dezoito e Franco com vintee trs. Todos eram estudantes. Jos Luiz, seu pai, formara-se em Direito, mas nuncaexercera essa profisso. Preferiu tornar-se comerciante. Alugou um depsito, abriu umaempresa, ganhou dinheiro comprando e vendendo mercadorias, proporcionando confortoe bem-estar famlia. Isaura, sua esposa, era professora concursada, dava aulas naprimeira srie de uma escola estadual.

    Gisele recordava-se de como aquele tempo tinha sido bom. Depois da morte dos pais,muitas vezes ela se revoltava pensando no casal que eles tinham ido visitar. Culpava-ospelo acidente. Tratava-se do filho de sua tia Olga, irm de seu pai, que se casara e viviase desentendendo com a esposa.

    Muito ciumenta, ela brigava por qualquer coisa e ameaava suicidar-se, alarmando

  • toda a famlia. Era uma jovem mimada e, por conta disso, seus pais tinham perdido avida.

    Depois que eles morreram os trs irmos se reuniram para decidir como tocar a vidaadiante. Nunca tinham trabalhado e no sabiam o que fazer.

    Tia Olga, desolada com a morte do irmo e da cunhada, que tinham ido casa de seufilho a pedido dela, fez o que pde para ajud-los. Cuidou do enterro, confortou ossobrinhos como pde, mas a verdade que Jos Luiz, apesar de ganhar muito dinheiro,gastava tudo com a famlia, dando-lhes uma vida boa. Por isso, no lhes deixou nada,nem mesmo a casa onde moravam, que era alugada.

    Franco pensou em deixar a faculdade de psicologia e assumir a empresa do pai. Masos tios no permitiram, alegando que ele no tinha experincia para assumir o negcio eseria uma pena deixar a faculdade no ltimo ano. Seria melhor vender a empresa,colocar o dinheiro na poupana e viver com os juros.

    Teriam de se conformar com uma vida mais modesta, mas, com economia, estariambem at Franco se formar. Davi, marido de Olga, ajudou-os a alugar um apartamento dedois quartos na Mooca e eles se mudaram para l.

    A venda da empresa rendeu menos do que eles esperavam. O depsito era alugado emais da metade do dinheiro das mercadorias vendidas e dos mveis foi gasto comdespesas trabalhistas e com o advogado que tratou das questes legais.

    Carlos e Gisele deixaram as escolas particulares em que estudavam e transferiram-separa escolas pblicas.

    A tragdia dos pais fez com que os trs irmos se unissem mais.Gisele lembrou-se da primeira noite que passaram no novo apartamento. Reunidos na

    pequena cozinha, ao redor da mesa, depois de terem como jantar um cachorro quentecom guaran, Gisele disse:

    No sei se fizemos bem em aceitar a opinio dos tios. Deveramos ter pensadomais. Talvez tivesse sido melhor tentar tocar a empresa.

    Franco suspirou triste: Bem que eu queria... Mas ns n temos experincia. Fiquei com medo de perder

    tudo e termos de parar de estudar. Mame sempre dizia que nunca deveramos deixar os estudos tornou Carlos. Eu sei. Por isso aceitei os conselhos do tio Davi. Gisele meneou a cabea dizendo: Ele nos ajudou, mas no sei por que, quando penso nele, sinto um aperto ruim no

    peito. Por que isso agora? Ele um pouco limitado, mas teve boa inteno. Eu sei, Franco, mas sinto que ele no sincero, no olha a gente nos olhos...

  • Isso verdade! ajuntou Carlos sorrindo. Mame costumava dizer que ele eraum cara dissimulado.

    Voc quer dizer falso. o que eu sinto quando ele fala.Foi a vez de Franco dizer: Seja como for, ele nos ajudou. Vocs dois deveriam ser gratos. Mas daqui para a frente, vamos tocar nossa vida, fazer escolhas do nosso jeito. Os

    trs juntos. Est certo, Gisele. Vamos aprender a cuidar de ns e fazer como os trs

    mosqueteiros... Um por todos e todos por um concordou Gisele estendendo a mo com a palma

    para cima, qual os outros dois juntaram as suas.A partir da, eles no pediram mais opinio para os tios, que se sentiram aliviados por

    no terem de se incomodar com eles.No incio foi difcil adaptar-se nova vida. Os pais cuidavam de tudo e eles no

    sabiam lidar com a manuteno da casa. Mas aos poucos foram aprendendo. Giselecomprou um caderno onde anotava as despesas. Era ela quem fazia as compras ecuidava da arrumao. Quanto cozinha, os trs cooperavam.

    Enquanto Franco era bom em fazer sanduches, Carlos, que tinha muito bom apetite,interessou-se por receitas que experimentava nos fins de semana. Gisele no gostava deir para o fogo, mas cuidava da higiene da casa e das roupas com capricho.

    Logo nos primeiros meses eles perceberam que o dinheiro era pouco e no dava paramuita coisa, por mais que economizassem.

    Decidiram estudar noite e procurar emprego. At se formar, Franco deu aulasparticulares de ingls, idioma que falava fluentemente. Depois de formado, alugou umasala que dividia com um colega, atendendo pessoas como psiclogo.

    Carlos teve mais dificuldade. Nunca tinha trabalhado. Comeou como vendedor deenciclopdias, mas foi desanimador. Em dois meses no vendeu nada.

    Acabou desistindo. Vendo-o desanimado, um colega de escola sugeriu: Voc gosta de cozinhar... Por que no procura emprego nessa rea?A princpio ele no gostou e continuou procurando outro emprego. Gisele conseguiu

    emprego em uma loja como balconista. Carlos continuava desempregado. Seus irmosganhavam pouco, mas pelo menos estavam trabalhando, enquanto ele continuava sendoum peso para a famlia.

    Ento decidiu: foi a um restaurante e conseguiu emprego de ajudante de cozinha. Nahora do almoo, o lugar ficava lotado e o corre-corre era intenso. Mas ele gostou domovimento. Adorava ver os pratos sendo criados, enfeitados e degustados com prazer

  • pelos clientes.Ele estava terminando o ensino mdio e queria cursar uma faculdade, mas qual? Teria

    de ser uma que pudesse frequentar sem deixar o trabalho. O salrio era baixo, masajudava nas despesas. Ele queria mais, por isso dedicou-se ao trabalho comdeterminao.

    Colecionou receitas, anotou as que viram o cozinheiro fazer e achou boa, fez o quepde para agradar o patro e, embora tenha conseguido, o salrio continuava o mesmo.

    Resolveu procurar um emprego melhor. Comprou o jornal, recortou os anncios doshotis cinco estrelas e foi atrs das vagas. Assim conseguiu um emprego melhor em umhotel de luxo, como camareiro.

    O salrio no era muito melhor do que o anterior, mas havia as gorjetas, que faziamtoda a diferena.

    Gisele fazia um retrospecto dos cinco anos decorridos da morte dos pais. Carlosconseguira entrar na faculdade de Administrao de Empresas e faltavam dois anos parase formar. De camareiro, acabou trabalhando na administrao do hotel. Franco sefirmara na profisso, se mudara para um lugar maior e mais bem situado.

    J ela, depois de trabalhar na loja, entrou em uma empresa como auxiliar deescritrio. Matriculou-se em um curso de secretariado e foi estudar ingls.

    Os trs irmos pensavam em juntar esforos e um dia abrir uma empresa, como ospais fizeram.

    Gisele lembrou-se do que acontecera no sonho. Ela entrara no antigo escritrio naempresa do pai e eles estavam l. Vendo-a chegar, abraaram-na com alegria.

    Ambos estavam bem-dispostos e alegres. Me, pai, que saudade! disse ela emocionada. muito bom recordar o tempo

    em que vocs estavam aqui. Nossa vida era to diferente! To melhor! No diga isso, minha filha. Ns estamos orgulhosos de vocs disse Jos Luiz.Gisele no concordou. Tudo ficou mais difcil. Tem dias em que me revolto com a Miriam. Ela foi a culpada

    pelo acidente.Isaura colocou a mo na boca da filha: No diga isso! Ela no teve nada a ver com o que aconteceu. Tinha chegado a

    nossa hora, era fatal. No se podia evitar. Ns no fomos bons pais. Viemos pedir-lhes perdo disse Jos Luiz.Gisele abraou o pai surpreendida. No diga isso, pai! Vocs foram os melhores pais do mundo. Nos deram amor,

    respeito e uma vida boa.

  • verdade reconheceu Isaura , ns os amamos muito. Mas o amor, para sereficiente, deve ser inteligente. No os ensinamos a cuidar melhor de si mesmos.

    Ela tem razo. No preparamos vocs para enfrentar a vida. Vocs no sabiam o que ia acontecer. Nunca imaginaram que iriam morrer num

    acidente. Por isso mesmo, minha filha acrescentou Isaura. Quem est vivendo na Terra

    ignora o momento em que ser chamado de volta. E, quem ama seus filhos, precisaensin-los a vencer os problemas com coragem.

    Jos Luiz interveio: Ns no os ensinamos a assumir a responsabilidade pela prpria vida. Ao

    chegarmos aqui, percebemos isso e sofremos muito por no podermos ajud-los comosempre fazamos.

    No estou entendendo por que esto me dizendo isso. Vocs foram os melhorespais do mundo!

    Ns erramos muito. Eu tinha muito orgulho de haver prosperado, construdo aquelaempresa, de criar empregos dando chance a outras famlias de se manterem. De queadiantou? Assim que viemos embora, tudo acabou. Quem comprou a empresa noconseguiu lev-la adiante e fechou. Meus funcionrios, que se tornaram meus amigos,perderam o emprego.

    Foi a vez de Isaura intervir: Esquea. No se amargure mais. Voc no teve culpa de nada.Ao que ele respondeu: Se eu tivesse colocado Franco e Carlos para trabalhar na empresa, eles teriam

    mantido o negcio. Eu sei que eles sentiram muito por ter de vender tudo por um preoirrisrio. S o nosso ativo valia mais do que lhes pagaram pela empresa toda.

    Ao dizer isso, Jos Luiz ficou plido e Isaura amparou-o pedindo: Voc sabe que no deve mais voltar a esse assunto. Ele lhe faz mal. No d para

    voltarmos atrs e voc sabe disso. Foi difcil conseguir este encontro. Lembre--se de queprometemos s lembrar das coisas boas.

    Jos Luiz fechou os olhos durante alguns segundos e, quando os abriu, seu rostovoltara ao normal. Ele sorriu:

    verdade. Ns viemos dizer-lhes que estamos bem e felizes por vocs terem sidoto corajosos, estarem trabalhando, estudando, aprendendo a viver.

    Precisamos ir tornou Isaura. Gisele abraou-a: No vo embora. Vamos para casa e tudo voltar a ser como antes.Jos Luiz juntou-se ao abrao, dizendo:

  • Temos de ir. Mas lembre-se de que o amor que nos une est vivo em nossoscoraes. Diga a seus irmos que esto indo muito bem e que continuem a se esforar.Estou certo de que vocs trs ainda vo conseguir realizar o que desejam.

    D um beijo em cada um por mim. Eu amo muito todos vocs.Em seguida Gisele acordou, e as ltimas palavras de Isaura ainda ecoavam em seus

    ouvidos.Tanto ela como seus irmos tinham dos pais as melhores lembranas. Por que Jos

    Luiz lhes pedira perdo? No conseguia entender."Um sonho pode ser fruto de uma fantasia", pensou ela. S podia ser isso. Mas tudo

    foi to forte que parecia verdade. No se lembrava de ter tido um sonho que lhedespertasse tanta emoo. Teria sido por causa da saudade que sentia deles?Reencontr-los, ainda que em sonho, foi como se estivessem vivos. Falavam como semorassem distante e tivessem vindo visit-la. Como que um sonho pode ser assim toforte?

    Gostaria que seus irmos estivessem em casa para contar-lhes. Mas precisava contera ansiedade, porque eles no iriam voltar to cedo. Tinham comentado que depois doalmoo cada um iria para outro lugar.

    Gisele decidiu estudar um pouco de ingls, pois tinha prova no dia seguinte. Apanhouo livro, abriu na lio que teria de traduzir e tentou comear a escrever o texto. Mas noconseguia se concentrar. Seu pensamento ia para o sonho e a emoo reaparecia forte.

    O que estava acontecendo? Por que um sonho lhe provocava tantas emoes?Momentos havia em que lhe parecia estar sentindo o perfume delicado de sua me evendo seus olhos, que se apertavam quando ela sorria.

    Tentava voltar ao estudo, mas logo via a fisionomia do pai, plido, culpando-se e lhepedindo perdo. Ento sentia um aperto no peito e pensava: "Foi s um sonho! Umafantasia! Isso no aconteceu de verdade".

    A calma voltava e ela tentava concentrar-se na traduo. Mas as lembranas do sonhono lhe davam trgua. Por fim desistiu. No ia conseguir estudar.

    O tempo custava a passar. Apesar de ser alegre e dar-se bem com as pessoas,preservava sua intimidade. No tinha amigas. Sempre que tinha algum problema, eracom os irmos que se aconselhava.

    Carlos vivia dizendo que ela precisava ter amigas, sair para passear nos fins desemana, divertir-se. Ao que ela respondia:

    Nunca conheci algum em quem eu pudesse confiar e com quem pudesse dividirminha intimidade.

    Voc muito exigente. Desse jeito, estar sempre s. No ter companhia para sedivertir como a maioria das meninas da sua idade.

  • Tenho algumas colegas no escritrio, convivo bem com elas todos os dias. Massinto que esto mais interessadas em levar vantagens, no so sinceras umas com asoutras. Voc sabe como eu sou. Sinto quando uma pessoa est mentindo, sendomaldosa. Ento no me envolvo. Sou amvel com todas, mas no confio na sinceridadedelas.

    L vem voc com essa mania de achar que sente como as pessoas so. No serapenas um ponto de vista seu? Como sabe que o que sente verdade?

    Eu sei que verdade. Tenho observado que, quando sinto isso de uma pessoa,acabo sempre notando uma atitude nela que comprova meus sentimentos. Quer saber?Voc deveria prestar ateno ao que sente. Estou certa de que se livraria de muitosaborrecimentos. Lembra-se do Joo?

    Aquele mau carter. Como poderia esquecer? Parecia muito meu amigo, mas,quando fez besteira e deu errado, no hesitou em jogar a culpa em cima de mim. Se nofosse o testemunho de outros colegas provando que ele era o culpado, eu poderia terperdido o emprego e, o que pior, ter ficado malvisto na empresa.

    Voc precisa prestar mais ateno no que sento. Quando conheci o Joo, pedi quevoc fizesse isso. Senti que ele no era confivel.

    Mas eu no sou como voc. Muitos pensamentos passam pela minha cabea. Noquero ser injusto, julgar mal as pessoas.

    Prefere ser prejudicado? Claro que no. Mas prejulgar errado. maldade. No isso que eu fao. s vezes, quando converso ou conheo algum,

    sinto que devo prestar ateno e ser cautelosa. uma coisa natural, sem julgamento.Algum tempo depois, acabo sabendo que ela no era confivel.

    Carlos insistia que ela precisava fazer amizades, sair, divertir-se. E Gisele prometia: Se aparecer algum com quem eu me sinta bem, estreitarei a amizade.Olhando o livro de ingls aberto sobre a mesa, ela decidiu retomar a traduo e,

    quando se pegava pensando no sonho, esforava-se para voltar a ateno para o livro.J havia escurecido e Gisele sentiu fome. Preparou um sanduche. Estava comeando

    a comer quando Carlos chegou carregando um pacote que colocou sobre a mesa: Cheguei na hora! Trouxe aquele doce de creme de que voc gosta. Que bom! Voc voltou cedo! Eu tinha programado ir ao cinema com a Luciana, mas mudei de idia. Aconteceu alguma coisa? No. Estive pensando... No sei se vale a pena continuar saindo com ela. uma moa bonita, elegante e muito apaixonada por voc.

  • Esse o problema. Ela cola em mim, sinto que quer controlar at meuspensamentos.

    Gisele riu gostosamente: Logo voc, que odeia ser controlado! Isso mesmo. Sou livre. No gosto de rotina nem de ser escravo das regras. Sabe o

    que ela me disse ontem?Gisele abanou a cabea negativamente e ele continuou: Veio com uma conversa de que eu deveria trocar de emprego. Que o pai dela

    influente e poderia me arranjar outro muito melhor. Ela j conversou com ele, que querme conhecer.

    Ela gosta de voc, mas no da sua profisso, e quer casar. Deus me livre! O que ela quer botar a coleira em mim. Isso nunca vai acontecer!

    Ela que v procurar outro!Gisele ria sem parar da cara de susto que ele fazia. Fui trabalhar no hotel e gostei porque, quando cheguei, me deram um uniforme e a

    lista das minhas obrigaes. Achei justo. Eles me pagam e eu fao o que querem. umaboa troca. E agora estou como eu quero: sou o chefe da administrao, deixo tudo emordem, eles esto satisfeitos e eu tambm.

    Voc se deu bem l.Os donos so pessoas educadas. Temos um relacionamento respeitoso. Isso

    fundamental. De fato.Mas apesar disso, continuo com meu projeto do montar um negcio prprio. Do meu

    jeito. Voc fala igual ao papai.Ela ficou pensativa e ele notou: Voc falou do papai e seu rosto ficou diferente. Gisele concordou e contou

    minuciosamente o sonho que tivera com os pais. E finalizou: Foi um sonho diferente. Eles pareciam vivos, falavam como que tivessem voltado

    de uma viagem. Fiquei impressionada. Cheguei a esquecer que tinham morrido! Comopode ser isso?

    Os olhos de Carlos brilharam quando disse: Eu adoraria sonhar com eles! Sinto muita saudade! Foi maravilhoso! Nos abraamos, cheguei a sentir o perfume que mame usava. S

    no entendi por que eles nos pediram perdo. Mas sonho sonho. Foi uma fantasia. Talvez no. Um amigo meu costuma dizer que quem morre vai viver em outra

    dimenso e volta para conversar com os que ficaram. Ele diz ter provas de que isso

  • verdade.Gisele ficou pensativa durante alguns segundos, depois disse: Tambm j ouvi essa teoria. Se isso for verdade, eles vo voltar. Se eu sonhar de

    novo com eles, vou perguntar-lhes isso.Eles continuaram conversando mais algum tempo, comentando o assunto at a hora

    de dormir.

  • CAPITULO 2Gisele trabalhava em uma empresa de engenharia, que ficava no centro da cidade. s

    cinco e meia da tarde, como de costume, deixou o trabalho e decidiu dar uma volta, olharas vitrines.

    A tarde estava bonita e ela gostava de caminhar pelas ruas movimentadas, parandoquando via alguma coisa que lhe chamava a ateno. Parou diante de uma livraria eentrou.

    A leitura era seu passatempo preferido. Sempre que recebia, ia l para comprar umlivro. Percorreu a loja, parando aqui e ali, quando uma capa ou um ttulo chamava suaateno.

    Ficou olhando alguns romances, pegando ora um ora outro, indecisa.Leve este livro. Voc vai gostar. Ela olhou e viu um rapaz do seu lado sorrindo. Voc

    vendedor da loja? No. Mas um amigo meu, ainda ontem, comentou comigo que leu esselivro e adorou.

    Gisele fixou-o e correspondeu ao sorriso. Era um rapaz bem-vestido, simptico. Obrigada. Vou levar este.Ela afastou-se, comprou o livro e se dirigia para a porta quando ele a interceptou,

    curvando-se levemente e estendendo a mo: Gostaria de me apresentar. Meu nome Gino Gouveia. Eu sou Gisele. Muito prazer. Obrigada. Mas tenho que ir. At outro dia e saiu apressada, sem olhar para trs.Ela notou que ele desejava estender a conversa, mas, apesar de ter simpatizado com

    ele, Gisele no tinha o hbito de conversar com desconhecidos.No ponto do nibus, enquanto esperava, olhou furtivamente para a porta da livraria e

    Gino continuava l, observando-a.Notou que Gino a olhara com admirao, mas no queria envolver-se com ningum.

    Bonita, elegante, Gisele chamava ateno, os admiradores surgiam, mas ela nunca seinteressara por nenhum deles.

    Namorar no estava em seus planos. Antes de envolver-se com algum, desejavarealizar os projetos que tinha com os irmos. Era ainda muito jovem, desejava fazermuitas coisas antes de pensar em dividir a vida com outra pessoa.

    O nibus chegou em seguida. A fila de passageiros era curta, ela subiu e acomodou-seperto da janela. Voltou a cabea, olhou para a porta da livraria e viu que Gino ainda

  • estava parado l, olhando para ela.O nibus comeou a andar, ela abriu o livro e comeou a ler. A histria era to

    envolvente que ela passou do ponto para descer. Quando olhou em volta e notou o quetinha acontecido, tocou o sinal e, assim que o nibus parou, desceu apressada.

    Foi forada a andar alguns quarteires. Pensando que ainda teria de fazer o jantar,apressou o passo. Carlos tinha horrio e ela queria que ele jantasse antes de ir para afaculdade.

    Ao entrar no prdio, o porteiro chamou-a: Sua tia Olga esteve aqui e deixou um recado. O que foi? Precisa falar com voc. No podia esperar. Ficou de voltar mais tarde.Gisele agradeceu e subiu ao apartamento, tentando imaginar o que sua tia queria.

    Fazia um bom tempo que ela no aparecia.Assim que entrou em casa, cuidou de preparar o jantar e deixou a mesa posta.

    Apanhou o livro e sentou--se no sof para ler, mas no teve tempo de comear a leituraporque o interfone tocou e o porteiro avisou que sua tia estava subindo.

    Gisele abriu a porta e, assim que Olga entrou, percebeu que a tia estava plida enervosa.

    Tia, aconteceu alguma coisa? Ainda no, mas pode acontecer. Quero falar com o Franco. Ele no chegou ainda. Mas sente-se, tia. Acalme-se. Quer uma gua, um caf? Uma gua.Gisele apressou-se a levar-lhe um copo com gua. Ela sorveu alguns goles, depois

    disse: Vou esperar por ele. A que horas ele vai chegar? No sei. No tem horrio certo. Depende do nmero de clientes. Posso ajudar em

    alguma coisa? s com ele. Hoje, por acaso, estive conversando com a esposa de um amigo do

    patro de Davi e ela me contou que sua filha Neide melhorou muito desde que comeoua fazer terapia com o Franco.

    Ele bom no que faz. Tem muitos clientes. Pois . meu sobrinho e eu nem sabia disso. Vocs nunca aparecem. Sabe como , tia, ns trabalhamos e estudamos. No sobra tempo para visitar os

    parentes. A vida tem sido difcil.

  • Eu sei minha filha. No fcil para ningum. A porta da sala abriu e Carlos entrou.Olga havia

    se levantado pensando ser Franco, mas, vendo que no era, sentou-se novamente.Carlos aproximou-se abraando-a: Que bom v-la, tia. Como vai? Mais ou menos. A tia veio para conversar com Franco. Fique vontade, tia. Vou me trocar porque tenho que sair em seguida. Com

    licena.Ele foi para o quarto e Gisele informou: Vou ver a comida. Quero que ele jante antes de ir para a faculdade. No seria mais fcil ele comer um lanche l? No. Quem trabalha o dia inteiro precisa alimentar-se bem.Ela foi para a cozinha e Olga seguiu-a admirada. O cheiro est bom. voc quem cozinha? Carlos cozinha melhor do que eu. Nos fins de semana, ele quem faz a comida.

    Mas durante a semana, sou eu. Estou vendo que vocs esto se esforando. Precisamos tocar a vida pra frente. Olga fixou-a pensativa, depois tornou: Em vista das circunstncias, at que vocs se ajeitaram bem. Jos Luiz trabalhou

    muito, mas nunca guardou dinheiro. Gastava demais. Vocs ficaram com pouco dinheiro.Gisele olhou-a sria: Ele deu-nos conforto, bons momentos. Quando ele estava vivo, tnhamos uma vida

    muito boa. , mas se ele tivesse economizado, hoje vocs estariam melhor. Ns estamos aprendendo a viver, tia. muito bom trabalhar, ter o prprio dinheiro.

    Nada nos falta. Temos uma vida boa. Somos jovens, saudveis. Fazemos planos para terum futuro melhor. questo de tempo.

    Olga fez um gesto vago, ia falar, mas Carlos aproximou-se e ela no disse nada.Carlos sentou-se mesa e convidou: Quer jantar comigo, tia? No, filho. Obrigada. Tomei um lanche antes de sair de casa. Jantem vocs. No quer tomar nada? indagou Gisele.

  • No, obrigada. Estou sem fome. Mais tarde vou tomar um caf com leite. Venha, tia, vamos nos

    sentar na sala. L ficaremos mais confortveis.Depois de acomodadas lado a lado no sof, Gisele perguntou: Como vai o tio? Mais ou menos. Tem andado nervoso nos ltimos dias. Aconteceu alguma coisa? Nada de mais. Problemas na repartio. Sabe como ele . Quer tudo perfeito e nem

    sempre os colegas gostam. Ser que Franco vai demorar? Como eu disse, ele no tem hora para chegar. Depende do nmero de clientes.Olga ficou calada durante alguns segundos, depois avaliou: Deve estar ganhando bem, tem muitos clientes. Tem mesmo. Mas tem despesas. Carlos aproximou-se: Vou para a faculdade. At outro dia, tia. Um abrao para tio Davi.Olga levantou-se, deu um beijo na face do sobrinho: V com Deus, meu filho.Depois que Carlos saiu, ela sentou-se novamente e perguntou: Ele est fazendo faculdade do qu? Administrao de empresas, tia. Est no terceiro ano.Elas continuaram conversando, mas Olga no mencionou o nome do seu filho Ivo nem

    de Miriam, sua nora. Gisele achou bom, porquanto temia deixar escapar o que pensavadeles e aborrecer a tia. No tocou no assunto.

    Uma hora depois, quando Franco chegou, ela sentiu-se aliviada. Olga no pareciadisposta a confidencias, mas Gisele notou que ela estava preocupada. Imaginou que osproblemas de Ivo continuassem acontecendo, como sempre fora.

    Olga levantou-se, abraou o sobrinho e comentou: Voc mudou muito, ganhou corpo, est bonito, elegante.Franco sorriu e Gisele sentiu-se orgulhosa do irmo. De fato, ele era um rapaz bonito,

    alto, cabelos castanhos ondulados, olhos cor de mel e, quando sorria, exibindo os dentesalvos e bem distribudos, duas covi-nhas apareciam em sua face.

    A tia estava sua espera havia mais de duas horas. Quer conversar com voc. Quero sim. Mas voc deve estar com fome e eu no tenho pressa. Posso esperar

    voc jantar.

  • Eu j comi. Estou sua disposio. Sente-se, por favor. Fiquem vontade. Vou para meu quarto estudar. Gisele apanhou seu caderno, os

    livros e retirou-se.Olga comeou: Tenho ouvido falar bem de voc, do seu trabalho. Fiquei orgulhosa. H momentos

    na vida em que no sei o que fazer. As pessoas so difceis, sem juzo. Fazem besteira eno aceitam quando d errado. No sei mais o que fazer para ajudar o Ivo. Tenho feitode tudo, mas a vida dele um inferno. Nada d certo. Tambm, com aquela mulher queele tem...

    Franco observava calado e ela fez uma pequena pausa. Depois continuou: A eu pensei... Voc meu sobrinho, tem ajudado muitas pessoas, que eu sei.

    Ento, decidi vir aqui para pedir-lhe uma orientao. Voc conhece o problema daMiriam. Ela atormenta o Ivo por qualquer coisa. muito ciumenta! Eu e Davi sofremosvendo a vida perturbada deles. Gostaramos que eles fossem felizes. Ivo nosso nicofilho!

    Olga suspirou triste e perguntou: O que devo fazer para ajud-los? Miriam nunca procurou ajuda psicolgica? Por insistncia de amigos, duas vezes ela foi procurar ajuda. Mas no deu certo. Como foi isso? Primeiro foi a um psiquiatra, mas saiu de l injuriada. No sei o que foi que ele lhe

    disse, s sei que ela nunca mais quis voltar l. Na segunda vez foi consultar umapsicloga, mas tambm no quis fazer terapia.

    Sei que voc e o tio desejam ajudar, mas no vai adiantar. Miriam ainda no seconvenceu de que precisa se tratar. S quando ela aceitar isso e desejar se esforar paramelhorar que vai obter bom resultado.

    Isso no pode ser assim. desanimador. Nesse caso, ela no vai melhorar nunca. Tambm no assim. A vida age e ensina a todos ns. Um dia ela vai cansar de

    sofrer e vai buscar ajuda. No posso aceitar isso! At quando meu filho vai sofrer com os destemperos dela?

    Ele no merece! Voc que pensa dessa forma. Ele poderia se separar dela. Mas se no o faz

    porque prefere viver com ela, apesar de seus destemperos.Olga olhou-o admirada: Voc acredita mesmo nisso?

  • Talvez ele no esteja vendo essa situao como insuportvel. J conversou com elesobre isso?

    Olga hesitou um pouco, depois disse: Ele no gosta que eu me envolva, mas quando ela entra em crise, me pede ajuda.

    E l vamos ns, eu e Davi, tentar fazer com que ela saia da depresso.Franco olhou-a e disse srio: Ela arma a confuso, incomoda vocs porque sabe que ele ir pedir-lhes ajuda. Estou cansada. No sei por que ela faz tudo isso. Afinal, Ivo tem sido bom marido. Ela est brincando com a sorte. Um dia, ele vai se cansar e acabar com o

    casamento. Ningum tolera uma situao dessas por muito tempo. Ele j pensou em separar-se, mas tem medo. Ela ameaa suicidar-se. J tentou

    uma vez. Ento, ele cede e tudo continua igual.Franco ficou pensativo durante alguns segundos, depois tornou: Tia, se ela levasse o tratamento a srio, encontraria a soluo. Mas como ela se

    recusa, vocs precisam mudar de atitude. Como assim? Voc e o tio precisam ter uma conversa sria com os dois e se colocar com

    sinceridade, em vez de pr panos quentes e confort-la. Devem dizer que no vo fazermais nada para ajud-la. Que ela no mais criana, uma mulher, precisa assumir aprpria vida e no incomodar a famlia.

    Olga assustou-se: No posso fazer isso! Seria desumano. Desumano o que ela est fazendo com todos. Ela no tem o direito de incomod-

    los. Precisa entender que os problemas que tem com o marido devem ser resolvidosentre eles.

    Ela no tem maturidade para isso! Alm disso, seria perigoso. Ela poderia suicidar-se e eu morreria de remorso.

    Ao contrrio. Vocs esto alimentando suas fraquezas, impedindo que ela cresa eassuma sua responsabilidade. Em vez de ajud-la, esto fazendo com que ela fique cadadia mais dependente e fraca.

    Olga meneou a cabea, pensativa. Depois disse triste: No posso fazer isso. Vim aqui esperando encontrar uma boa soluo, mas estou

    vendo que foi intil. Nem vou falar com Davi. Estou decepcionada. Sinto muito, tia, mas o que eu disse verdade. S quando ela entender que est

    agindo de forma inadequada e aceitar o tratamento, poder vir a melhorar. Miriam tem

  • srios problemas emocionais, olha os fatos de maneira equivocada. bom que ela aceiteo tratamento, se esforce para mudar. No adianta vocs aconselharem. ela quemprecisa tomar conscincia e agir. Esse um trabalho que ningum poder fazer por ela.

    Olga levantou-se, estendeu a mo para o sobrinho e disse triste: J vi que voc no pode me ajudar. Ela est muito frgil. Como poderei dizer-lhe

    que a nica culpada da situao? Isso ir derrub-la de vez! No vou fazer o que meaconselha. Desculpe t-lo incomodado com nossos problemas.

    Foi um prazer v-la, tia. Lamento no poder dizer-lhe algo melhor. Mas saiba quefui sincero. Sempre que precisar estarei disposio.

    Obrigada. At outro dia. Despea-se de Gisele por mim.- Vou acompanh-la at a porta.Depois que ela saiu, Franco sentou-se na sala pensativo. Gisele aproximou-se: A tia j foi? J. Aposto que veio falar da Miriam. verdade. A situao l continua igual. Pelo que ouvi, pode at piorar. No sei por que eles tm tanta pacincia com ela. uma mimada destrambelhada.

    H muito deveriam t-la internado. No julgue o que no conhece. Voc no sabe o que se passa na cabea dela. Ela sempre foi assim. Acha que todos precisam fazer o que ela quer.Franco olhou firme nos olhos dela quando respondeu: Ela no tem culpa pelo que aconteceu com nossos pais. O acidente foi uma

    fatalidade. Se ela no os tivesse chamado naquela noite, eles ainda estariam aqui, vivos! Eles

    morreram por causa dela! Voc est sendo injusta. O destino das pessoas est nas mos de Deus. Miriam

    muito infeliz. No jogue essa culpa sobre ela, nem carregue esse sentimento no corao. No posso evitar, o que sinto. Experimente olhar a situao por outros lados. Para mim est muito claro, a culpa dela evidente. Franco olhou-a srio: Para seu bem-estar, seria muito bom voc tentar entender o que se passa com ela.

    A mgoa acaba destruindo sua imunidade e se transformando em doena. isso quevoc quer?

    Gisele admirou-se:

  • Claro que no. Mas o que sinto justo. Perdemos nossos pais, nossas vidas viraramde pernas para o ar.

    Mas estamos crescendo com tudo isso. Amadurecemos, esse o lado bom. O quenos aconteceu, fez com que assumssemos nossas vidas.

    Sinto muita saudade dos nossos pas. Acha que eu no? Gostaria que procurasse entender o caso da Miriam. Acredite, ela

    no est em condies de fazer melhor. uma pessoa frgil, que tem medo da vida. insegura, no confia em si mesma. Vive fora da realidade. Nesse estado, pequenas coisasassumem para ela propores assustadoras.

    Acho que ela est fingindo. No creio. Est sofrendo. Deveria procurar ajuda, submeter-se a um tratamento

    psicolgico. Mas com os pais que tem, fica difcil.Gisele ficou sria: . Eles sempre a mimaram muito. A superproteo enfraquece. A pessoa no sabe o que quer, tem medo de tomar

    decises. O que voc disse para tia Olga? Ela foi embora e nem se despediu de mim. Eu disse a verdade. Voc acha que os pais dela so culpados por ela ter ficado assim? No chego a tanto. Miriam parece ter um temperamento frgil. Os pais dela a

    protegeram demais e isso a deixou pior. Tia Olga no gostou do que eu disse, mas asituao vai piorar e um dia eles tero que convencer Miriam a aceitar tratamento.

    Quer dizer que Miriam est mesmo doente? Est. E s vai comear a melhorar quando entender isso e aceitar um tratamento. Nesse caso... Seria melhor voc perceber que est sendo injusta cobrando atitudes sensatas de

    algum que no momento no consegue t-las. Pense no assunto e livre-se dessa mgoade uma vez. Nossos pais morreram naquele acidente porque chegou a hora deles.

    Gisele baixou a cabea pensativa. Pela primeira vez comeou a perceber que poderiaestar enganada com relao a Miriam.

  • CAPITULO 3Olga deixou o apartamento dos sobrinhos sentindo o corao oprimido. Fora at l

    cheia de esperanas, mas sara decepcionada. Ela queria muito que o filho fosse feliz.Miriam era diferente das outras moas. Olga percebia que ela era muito frgil. Talvez

    fosse por isso que Flora a superprotegia. Um simples resfriado da filha fazia com queFlora se desesperasse, rezasse pedindo a Deus que no deixasse a filha sofrer. Uma vezlhe dissera que vivia pedindo a Deus que transferisse para ela todas as doenas edesgostos da filha.

    Olga notava que Miriam no fazia nada sem pedir opinio me. S fazia o que eladizia. Ela criara Ivo de outra forma, ensinara-o a assumir a prpria vida e, desde ocomeo do namoro, temera que no desse certo.

    Muitas vezes conversara com o filho sobre o assunto, mas ele alegava que Miriam eraainda muito jovem e mudaria depois do casamento. Mas isso no aconteceu.

    Ela notava que Ivo no era mais o mesmo. Perdera a loquacidade, tornara-se maissrio, no tinha o mesmo entusiasmo de antes. Nos ltimos tempos, as crises de Miriamtinham se tornado mais freqentes e Ivo mais irritadio.

    O filho no estava feliz e Olga no aceitava a situao. Desabafava com o marido, quetentava confort-la, dizendo que ela estava exagerando e as coisas no eram assim toruins. Mas em seu ntimo pensava que o filho estava sendo muito condescendente com aesposa. Miriam parecia-lhe muito infantil e Ivo devia exigir que ela mudasse.

    Ao deixar a casa dos sobrinhos, Olga foi at a loja de armarinhos em que Ivotrabalhava como gerente.

    Ele estava atendendo dois fornecedores e ela ficou olhando as mercadorias expostas,esperando que ele terminasse.

    Minutos depois, Ivo aproximou-se a beijando na face: Que surpresa, me! Voc no costuma aparecer por aqui. Est tudo bem? Est mentiu ela. Fui visitar Gisele e decidi vir at aqui para saber se est tudo

    bem com vocs.Ivo balanou a cabea indeciso: Est como sempre. Miriam agora deu para insistir que quer engravidar. Voc sabe,

    ns nunca evitamos. Por trs vezes ela engravidou e perdeu. Voc lembra como ela ficouno ltimo aborto?

    Lembro. Quase morreu com aquela hemorragia. Depois disso, temos evitado. Mas agora ela deu para voltar ao assunto. Chora, diz

    que no uma mulher normal porque no consegue me dar um filho.

  • Olga suspirou:Eu sei que voc j se conformou.Mas ela no. Est fazendo drama por esse motivo. Gostaria de poder fazer alguma coisa para ajudar. Voc no pode fazer nada. As coisas so como so e preciso aceitar. Vamos

    tomar um caf em minha sala. Venha, me. Voc est trabalhando, no quero atrapalhar. J estamos fechando. No se preocupe. Uma vez l, sentados no sof, enquanto

    tomavamcaf, Olga tornou: No justo. Voc tem se esforado para aceitar, sido muito paciente, mas noto que

    mudou, perdeu a alegria. Isso me entristece.Ivo ficou srio, olhou-a nos olhos, pensou um pouco e respondeu: s vezes, me pergunto por que atra em minha vida uma pessoa desequilibrada

    como ela. Do jeito que voc fala, d impresso de que a culpa de tudo sua.Voc a escolheu sem saber que ela, depois do casamento, se tornaria to perturbada. Durante o tempo de namoro, muitas vezes ela teve crises de cime, de depresso.

    Eu me casei sabendo dos pontos fracos dela.Fui ingnuo imaginando que, depois do casamento, ela se sentiria mais segura e

    mudaria. Mas me enganei. Ela acha que tem razo em ser como . Acha que sou euquem tem de mudar.

    Franco me disse quase a mesma coisa hoje. Conversou com ele sobre ns? . Voc sabe... ele psiclogo, entende desses problemas. Perguntei-lhe o que

    poderia fazer para ajudar Miriam a melhorar. E ele respondeu o que eu j sei. Ela no percebe que seus cimes, sua insegurana,

    esto nos tornando infelizes. Imagina que tenho outras mulheres e sou culpado pelosnossos problemas. H momentos em que tenho vontade de me separar. Estou no meulimite. Olga colocou a mo sobre a dele, dizendo assustada:

    Se fizer isso, ela pode acabar com a vida. Poder empurr-la para o suicdio. Esse receio que est me segurando. Mas no sei at quando suportarei. No

    tenho um momento de paz. Ela insiste em ter um filho e eu no quero. Pode ser que um filho a faa mudar. Uma criana sempre uma bno.

  • No para ela. Os mdicos no garantem que, a esta altura, uma gravidez possa serbem-sucedida. Eu no quero passar novamente por tudo que j passamos. Ela no temestrutura para suportar novo fracasso, nem para criar uma criana, caso consiga ir at ofim. Preciso de paz. s o que eu quero.

    Olga suspirou triste. Tentou dissimular o que sentia para no deix-lo pior.Permaneceu calada durante alguns segundos. Ivo levantou-se e colocou a mo sobre oombro dela dizendo:

    No fique assim, me. No quero que se preocupe por nossa causa. Pode ser queum dia ela perceba que est errada e mude. minha nica esperana.

    , filho. Tem razo. Devemos ter esperana. Olga levantou-se: Tenho que ir. Faz tempo que voc no vai em casa. Estamos com saudade. V

    almoar conosco um dia destes, mas me avise. Vou fazer aquela carne assada que vocgosta.

    Hum! Ningum faz uma carne assada como voc. Irei mesmo. Pode esperar.Ele acompanhou-a at a porta da loja, ela despediu-se e saiu. Durante o trajeto de

    volta para casa, Olga sentia-se deprimida, triste. Seu nico filho! Tinha sonhado para eletantas coisas e dera tudo errado. Ele se apaixonou por Miriam, largou a faculdade deDireito para se casar com ela e assumir a maior das lojas do sogro.

    Ele ganhava bem, tinha uma vida boa, mas tornara-se dependente da famlia dela.Olga suspeitava que isso tambm estava infelicitando Ivo. Quando entrou na faculdade,ele conversava com Davi fazendo planos e o pai o apoiava com entusiasmo. Forammomentos de alegria e progresso.

    Mas apaixonou-se por Miriam e tudo mudou. Desde o incio do namoro, tanto elacomo Davi tinham notado o quanto Miriam era mimada. Os pais faziam-lhe todas asvontades.

    Ela apaixonou-se por Ivo e no queria esperar que ele se formasse, trabalhasse eganhasse o suficiente para se casar. Para satisfazer a filha, Jorge o chamou e pediu:

    Quero que venha trabalhar comigo, que seja gerente da minha maior loja. Pagareimuito bem. No tem cabimento voc se casar com minha filha e ter de comear umacarreira que vai demorar para dar-lhe condies de manter uma famlia. Assim, noprecisam esperar mais para se casar.

    Olga se recordava de que no incio no gostou da ideia. Foi completamente contra etentou convencer o filho a no aceitar. Mas tanto Flora e Jorge insistiram que Davicomeou a achar que seria melhor mesmo concordar.

    Revivendo aquele tempo, Olga lamentava no ter feito tudo para impedir ocasamento. J nos primeiros tempos as brigas comearam. Estavam casados havia seteanos e Olga no tinha esperana de que a nora mudasse.

    Ela chegou em casa desanimada. Davi estava na sala assistindo televiso e, vendo-

  • a entrar, levantou-se: Estava preocupado. Aonde foi? Aconteceu alguma coisa com Miriam?Olga sentou-se, respirou fundo e respondeu: No. Est tudo na mesma. Estive na casa dos nossos sobrinhos. Fui conversar com

    Franco. Eles esto bem? Melhor do que pensei. Encontrei com Maristela e ela me contou que sua filha Neide,

    uma moa muito perturbada, melhorou muito depois que fez terapia com o Franco. Fuiprocur-lo para ver se ele poderia dar um jeito na Miriam.

    No foi uma boa ideia. Terapia conversa e no cura ningum. Ela deveria ir a umpsiquiatra.

    No caso dela isso tambm no vai funcionar. Franco me explicou que Miriam s vaimelhorar no dia em que entender que est errada e quiser mudar.

    Bela resposta! Nesse caso ela nunca vai melhorar. Foi o que pensei. Estou desanimada. Faz tempo que no os visitamos. Como ele a recebeu? Muito bem. Tanto Gisele como Carlos tambm foram muito gentis. Eles trabalham e

    estudam e no nos procuraram por falta de tempo. Vamos mandar servir o jantar. V voc. Estou sem fome. No fique assim. Vamos pedir a Rosa que sirva o jantar. Voc vai comer sim. No

    deve se preocupar com os problemas de Ivo, nem perder a esperana. Um dia tudo podemudar.

    Depois que conversei com Franco, fui at a loja ver o Ivo. Ele j estava fechando,mas deu para conversarmos um pouco. As coisas entre eles vo de mal a pior. Ele temvontade de se separar, s no o faz com medo de que ela se suicide.

    Davi meneou a cabea negativamente enquanto dizia: Aquela maluca pode fazer isso mesmo. Ele s no se separa por isso.Davi passou os braos sobre os ombros dela: Esquea isso agora, Olga. Vamos pensar em ns. s o que podemos fazer.Ela concordou com a cabea e os dois foram para a copa, onde o cheiro gostoso que

    sentiram indicava que o jantar estava servido.Depois que a me se foi, Ivo sentou-se em sua sala pensativo. s vezes tinha vontade

  • de largar tudo, emprego, mulher, famlia. Mas controlava-se, temendo a reao deMiriam. At quando teria de suportar aquela situao?

    A cada dia ficava mais difcil voltar para casa. Ele no sentia mais atrao por ela eisso fazia com que ela se queixasse ainda mais. O pior que reclamava com a me, quetomava as dores dela, falava com o marido e, no dia seguinte, ele chamava sua ateno,dizendo que a filha era doente, tinha sade delicada e ele precisava ser mais carinhoso.

    Por isso o relacionamento dele com o sogro no estava bom. Criticava tudo que elefazia, implicava com as menores coisas, a ponto de no sentir vontade de trabalhar. svezes desejava que a loja fosse mal e tivesse de fechar. Assim ele poderia ver-se livredaquele emprego humilhante.

    A loja encerrou o expediente, os empregados se foram, Ivo apagou a luz e saiu depoisde verificar se tudo estava em ordem. Foi caminhando devagar at o estacionamento,pegou o carro e saiu. Mas parou um pouco adiante.

    A ideia de chegar em casa e encontrar a esposa com cara de vtima, deprimida echorosa, o incomodou. O que tinha feito de sua vida? Por que se casara com Miriam?Vria vez Olga lhe falara sobre as infantilidades dela, pedira para refletir melhor, mas eleachava que ela era muito jovem e com o tempo aprenderia. Mas no foi isso queaconteceu.

    Lembrou-se de alguns amigos do tempo de faculdade e decidiu ir at a lanchoneteonde eles, quando estudantes, costumavam reunir-se para conversar. Precisava esfriar acabea, esquecer, ainda que por alguns momentos, as preocupaes.

    Deixou o carro estacionado na esquina e caminhou at a lanchonete observando comprazer o movimento. Entrou, olhou por todos os lados procurando um rosto conhecido,mas no encontrou nenhum. Com dificuldade conseguiu um lugar junto ao balco,sentou--se, pediu uma cerveja e um sanduche.

    Enquanto comia, pensava como gostaria de ser um daqueles jovens que riam,brincavam, namoravam. Naquele momento, arrependeu-se muito de ter deixado afaculdade. Sentiu-se velho, esquecido de que tinha apenas trinta anos.

    Acabou de comer, mas no teve vontade de ir embora. Pediu um caf e deixou-seficar, observando o movimento. Depois de uma hora foi que decidiu sair. Pagou a contae, ao chegar na porta, deu de cara com Incio, que estava chegando:

    Incio! H quanto tempo! Ivo! Seu sumido! O que est fazendo aqui? Depois do abrao forte, Ivo respondeu: Bateu saudade dos amigos e do nosso tempo de faculdade. Pois ! Voc desistiu, largou os estudos, se casou, sumiu, nunca mais nos vimos.

    Mas eu nunca deixei de vir aqui. No sei ir para casa sem antes passar aqui. Vamoscomemorar tomar alguma coisa.

    Eu j estava saindo, mas no vou perder esta oportunidade.

  • Eles entraram e Incio, que era conhecido do garom, conseguiu arranjar uma mesaonde eles se sentaram. Ivo sentia-se alegre e relaxado. Enquanto tomavam uma cervejae comiam alguns bolinhos de carne, relembravam os tempos de estudante.

    Ivo quis saber notcias de mais dois amigos que faziam parte do grupo. Um deles foraao exterior tentar a sorte e nunca mais dera notcias; j o Renato se formara junto comele, estava advogando no Rio de Janeiro.

    Ivo perguntou: E voc, como vai a vida?Incio pensou um pouco e respondeu:Bem, mas no tive a sorte que voc teve. No encontrei uma mulher que me

    suportasse, um sogrorico e continuo batalhando para fazer uma carreira, mas sabe como , advogar no

    fcil. H muita concorrncia. Voc sabe, minha famlia pobre e at agora no tivecondies de montar um escritrio.

    Mas voc se formou, deve estar trabalhando. Estou. Mas comear do nada foi difcil e eu optei por trabalhar com dois advogados

    famosos para ganhar experincia e ter dinheiro para montar o meu escritrio. Estou l hcinco anos e ainda no consegui realizar meu sonho. s vezes penso que deveria terescolhido outra profisso.

    Invejo voc, que no precisa esquentar a cabea para sobreviver.Ivo olhou-o srio: Pois eu daria alguns anos da minha vida para estar na sua situao.Incio arregalou os olhos admirado: O qu! Vai me dizer que no est feliz? Ivo pensou um pouco e desabafou: Nem um pouco. Daria tudo para poder voltar atrs! Incio passou a mo pelo

    queixo e no respondeulogo. Ivo aproveitou o momento e em poucas palavras resumiu o que lhe estava

    acontecendo. Quando terminou, Incio comentou: Desculpe ter tocado nesse assunto, eu no imaginava.Ivo meneou a cabea negativamente: No se preocupe. Eu estava mesmo precisando desabafar. Foi bom. Sinto-me

    aliviado. Estou contente por t-lo encontrado. Espero que daqui para a frente ns possamos

    nos ver mais vezes e trocar ideias sobre nossas vidas. Tenho me sentido muito s.Encontr-lo foi muito bom.

  • Eles ficaram conversando algum tempo mais e Ivo assustou-se ao olhar o relgio e verque passava das dez.

    Preciso ir embora. Eu no costumo chegar tarde em casa. Miriam deve estar aflita.Incio tirou um carto da carteira e deu-o a Ivo: Vamos nos encontrar mais vezes. Ligue pra mim. Ivo concordou, deu-lhe um carto

    da loja e pouco depois se despediram. Aquele encontro f-lo sentir-se muito bem, maislivre, mais dono de si.

    Ao chegar em casa, viu as luzes todas acesas e o carro de Jorge parado na porta. Apreocupao reapareceu.

    Respirou fundo tentando se acalmar e entrou. Foi at a sala, onde viu Miriam deitadano sof, Flora segurando a mo dela e Jorge acomodado na poltrona ao lado. Vendo-oentrar, Miriam sentou-se, rosto contrado de aflio, enquanto Flora sentou-se ao ladodela e Jorge o olhava com o cenho franzido.

    O que aconteceu, por que demorou tanto? indagou Miriam nervosa. Nada de mais. Encontrei um colega de faculdade que no via desde aquele tempo.

    Ficamos conversando.Ela olhou para a me e disse: Est vendo, mame, ele no liga para mim. Enquanto eu me acabava de

    preocupao, imaginando que tivesse acontecido algum acidente grave, ele estava sconversando com um colega. Para ele, qualquer um mais importante que eu.

    Jorge fulminou Ivo com o olhar, enquanto Flora tentava confortar a filha:No chore minha querida. Ns te amamos, estamos aqui. No h motivo para voc incomodar seus pais e fazer toda essa cena. Eu fiquei

    conversando, me distra, no vi o tempo passar. No imaginei que voc fosse ficar toalterada.

    Jorge interferiu: Voc sabe que Miriam sensvel, no deveria ter feito isso.Ivo sentiu uma onda de indignao e teve de fazer muita fora para se controlar. Teve

    vontade de gritar, mand-los embora, dizer o quanto estavam prejudicando a filha. Masconteve-se. Sabia por experincia prpria que se o fizesse a situao ficaria ainda pior.Tentou contemporizar.

    Aproximou-se da esposa, olhou-a nos olhos e disse: Voc est exagerando. No aconteceu nada, eu estou bem, melhor voc se

    acalmar para no passar mal. Voc bebeu! Onde foi que esteve de fato? Ser que foi com um colega mesmo?

    Estou sentindo um cheiro diferente. Voc esteve com alguma mulher!

  • Dessa vez Ivo no conseguiu controlar-se. Levantou-se irritado e respondeu: No d para conversar com voc! Eu estive com um amigo para esfriar a cabea.

    No estou suportando mais seu descontrole. Desse jeito no vai dar mais para continuar!Trabalhei o dia inteiro, estou cansado, preciso de paz. Vou dormir no quarto de hspedes.

    E, olhando o sogro, continuou: Em vez de vocs ficarem aqui apoiando os caprichos dela, deveriam lev-la a um

    psiquiatra. A cada dia ela fica pior e eu no sei onde isso vai parar. Boa noite.Enquanto Miriam caa no choro, os sogros olharam Ivo indignados e abraaram a filha

    que no parava de chorar.Ivo foi para o quarto, trancou a porta chave, tomou um banho e deitou-se. Sabia

    que sua atitude teria conseqncias desagradveis, mas, apesar disso, sentia-se aliviado.Virou-se para o lado, relaxou e pouco depois adormeceu.

  • CAPITULO 4Na manh seguinte, quando o despertador tocou, Ivo abriu os olhos, sentou-se na

    cama lembrando-se dos acontecimentos da vspera. Tocou a cabea indeciso. No sentianenhuma vontade de ir loja e enfrentar as reclamaes do sogro. Mas se nocomparecesse, seria ainda pior. Decidiu ir. Arrumou-se e desceu.

    Ao chegar copa, sentiu-se aliviado por Miriam no estar sua espera. Havia apenasuma xcara e ele deduziu que ela estivesse no quarto, esperando que ele fosse pedir-lheperdo. Naquele momento, Ivo no tinha vontade de v-la, ouvir suas queixas e muitomenos de desculpar-se.

    Vendo-o chegar, Claudete colocou o bule de caf sobre a mesa. Ele serviu-se,terminou de comer e, antes de sair, vendo Claudete retirando a mesa, recomendou:

    Quando Miriam acordar, diga-lhe que hoje voltarei um pouco mais tarde. Dona Miriam no est. Dona Flora convidou-a para ir dormir na casa deles. Ela foi.Ivo pensou um pouco, depois perguntou: Ela deixou algum recado para mim? No, senhor. Est bem. Se na hora do jantar ela ainda no estiver em casa, voc no precisa me

    esperar. Deixe tudo pronto que eu mesmo esquento. Pode descansar. Nada disso. meu servio e fao com gosto. Eu no durmo cedo mesmo.Ivo sorriu e disse: Obrigado, Claudete.Ele saiu e ela sacudiu a cabea negativamente, dizendo a si mesma: No sei o que essa menina tem na cabea. Se eu tivesse tido um marido bonito e

    bom como ele, saberia dar valor. Por que para mim s tem aparecido homem malvado efeio?

    Ivo saiu de casa sem vontade de ir loja. Jorge deveria estar sua espera paracolocar o dedo em riste em sua cara e cobrar suas atitudes. Era inconcebvel que umhomem vivido como ele fosse to cego e no percebesse que ele e Flora estavamimpedindo a filha de crescer.

    Miriam no tinha outro interesse na vida que no fosse ele. Era apegada demais. Seuassunto era sempre o mesmo. Vivia colada nele. s vezes, ele lhe sugeria que arranjassealgumas amigas, aproveitasse os momentos de lazer, se interessasse por aprender algo,distrair-se. Mas ela recusava.

    Dizia que no existe amizade sincera e ela queria ser apenas dona de casa e esposa.

  • Ivo estava no limite de sua resistncia, no aguentava mais. Sentia-se preso,humilhado, derrotado. Ao parar o carro na frente da loja, viu, atravs da vitrine,

    Jorge atrs do balco, rosto carrancudo, cenho franzido e no suportou. Deu partidano carro e saiu.

    Rodou durante algum tempo sem saber aonde ir. Depois, sentiu vontade de andar umpouco. Talvez isso o ajudasse a relaxar. Deixou o carro em um estacionamento ecaminhou sem destino, sem incomodar-se com a hora. Queria sentir-se livre, acabar coma tenso dos ltimos tempos. Quando sentiu fome, tomou um lanche, depois andou atuma praa, observando os pssaros que passavam sua volta, e sentou-se.

    Sabia que sua atitude havia criado um problema maior. Teria coragem de suportar asreclamaes de Jorge e as ameaas de Miriam sem reagir? Sentia que no. Naquelemomento, lembrou-se de que sua me lhe falara de Franco, afirmando que ele era umbom profissional. Fazia meses que no se encontrava com o primo. Como psiclogo,talvez pudesse aconselh-lo, dizer-lhe como lidar com essa situao.

    Subiu ao apartamento, tocou a campainha e, para sua surpresa, foi Franco mesmoquem o atendeu:

    Ivo! H quanto tempo! Como vai?disse sorrindo. Mais ou menos. Desculpe vir sem avisar. Um dos meus clientes desmarcou a sesso. Foi sorte ter me encontrado. Entre,

    fique vontade.Acomodou-o na sala e perguntou: Aceita uma gua, um caf? Obrigado, no preciso.Franco indicou uma poltrona para que ele se sentasse e acomodou-se na outra.Ivo ficou calado durante alguns segundos, sem saber por onde comear. Franco disse

    com naturalidade: Sua me esteve aqui ontem. sobre isso que deseja falar? Sim... mas no sei por onde comear. Comece expressando sua indignao, seu arrependimento, sua frustrao. De fato. Estou no auge da indignao. Frustrado, arrependido de no ter ouvido os

    conselhos de mame, ter me casado com uma mulher to despreparada para a vida. Opior que os pais dela a tratam como um beb o tempo todo! Eles esto tornando minhavida um inferno. Vivo pressionado, criticado, sem liberdade para nada. No sei como lidarcom isso, sinto vontade de largar tudo e sumir. No aguento mais essa presso.

    Ele se calou, respirou fundo, passou a mo pelos cabelos e baixou a cabea,envergonhado. Vendo que Franco continuava calado, ele continuou:

  • Desculpe. No consegui me conter. bom pr pra fora o que est sentindo. Alivia a presso. Deve ter boas razes para

    estar assim.Sentindo-se apoiado, Ivo ergueu a cabea com certa altivez e respondeu: Tenho mesmo. Eles me tratam conforme o humor de Miriam. Levo uma vida

    dedicada ao trabalho, me esforo para no criar motivo de queixa, tento agradar detodas as formas, mas Miriam ciumenta, mimada, cada dia exige mais provas do meuamor. Est sempre queixosa, chorosa, o que d motivo a que tanto Jorge como Flora mecobrem e me tratem como se eu fosse o mais perverso dos homens.

    Ele fez uma pausa e, como Franco continuasse calado, prosseguiu: No sei por que estou reclamando. A culpa foi minha, fiz tudo errado. Eu sabia que

    ela era mimada, ciumenta, que seus pais a superprotegiam e, mesmo assim, me casei,pensando que com o tempo ela amadureceria.

    Mas isso no aconteceu, no mesmo? . E agora estou perdido, no sei o que fazer para que eles mudem. Voc no pode fazer nada. As pessoas s mudam quando elas acham que precisam.

    Eles esto confortveis nesse estado de coisas. No pode ser. Nossa vida um inferno. No entendo como podem estar felizes

    nessa situao. Eu no disse que esto felizes, mas que esto confortveis. Acomodaram-se. Os

    pais so apegados filha e acreditam que precisam proteg-la. No fundo no acreditamque ela tenha condies de cuidar de si mesma. Acham que esto dando o melhor de si epensam que voc, como marido, deveria fazer o mesmo que eles.

    Ivo olhou-o admirado: Ser? Como podem ser to infantis? Miriam j est com vinte e seis anos! Eles no enxergam o mal que esto fazendo impedindo-a de cuidar da prpria vida.

    Ela, por sua vez, sente-se amada, protegida incondicionalmente, espera que voc, comomarido, a cubra de mimos como eles o fazem. Como voc no faz isso, ela duvida do seuamor. Para ela, amar fazer do jeito que seus pais fazem.

    Eu nunca faria isso. Eu a considero uma mulher, no um beb.Eles sentem-se confortveis agindo assim e no pensam em mudar, e voc, que

    percebe a vida de outra forma, no aceita. uma situao conflitante. isso mesmo. Eu no aceito mesmo o modo como eles vivem. Eu gosto de paz, sou

    carinhoso, gostava muito de Miriam quando nos casamos. Mas, nesses sete anos deconvivncia, esse amor quase desapareceu.

    Ivo passou a mo pela testa como querendo tirar da mente esse pensamento. Franco

  • pensou um pouco, olhou-o srio e disse: Voc est em crise. No momento no sabe o que quer fazer. Eu sei o que quero. Por mim no voltava mais para aquela loja nem para minha

    casa. Voc precisa arejar a cabea. Vamos tomar um caf e lembrar os velhos tempos,

    quando ramos crianas e jogvamos pelada no campinho, perto de casa. Voc eraterrvel, sempre rindo, fazendo piadas, roubando pedaos daquele bolo de cenoura quevov fazia e comamos escondido. Lembra-se?

    O rosto de Ivo distendeu-se e seus lbios abriram--se em largo sorriso: Bons tempos aqueles! No sei o que eu daria para voltar e poder direcionar minha

    vida de forma diferente. Voltar ao que foi impossvel, mas voc pode programar as coisas de uma forma

    melhor.Franco foi cozinha e Ivo o seguiu. Enquanto falava, relembrando coisas da infncia,

    ele colocou gua para ferver, apanhou xcaras, uma lata de bolachas, passou o caf eacomodaram-se na mesa.

    No sei se o caf ficou bom. Tenho me esforado, mas ainda no posso dizer quesei mexer no fogo, comentou ele enquanto servia o caf.

    Deve estar timo, tem o carinho da amizade.Franco olhou-o srio e respondeu: verdade. Ns sempre nos demos muito bem. Pena que a vida tenha nos separado

    todo este tempo. Ningum lamenta mais do que eu. Voc estudou, se formou, enquanto eu parei no

    meio do caminho. Estou muito arrependido de ter feito isso.Franco meneou a cabea negativamente, dizendo: No se culpe por isso. Voc fez o que julgou melhor. Mas voc pode recuperar o

    tempo perdido.Ivo olhou-o admirado: Voc est dizendo para eu voltar a estudar? Por que no? Voc jovem, tem muitos anos para viver. O importante querer. No sei... difcil, depois de tanto tempo, recomear... Voc no est satisfeito com sua vida. Sente--se desmotivado, angustiado, preso

    em um crculo vicioso que o est infelicitando. Isso mesmo, estou sufocado, me sinto preso.

  • Ningum o est obrigando a nada. Voc est apenas colhendo o resultado de suasescolhas. J sabe que esse caminho no o satisfaz. hora de mudar, reavaliar seussentimentos e escolher coisas que o satisfaam, lhe tragam alegria, realizao.

    Mas, fazendo isso, assumi responsabilidades, e hoje no sei como sair delas semmachucar as pessoas com as quais me envolvi.

    Sei que voc tem boa formao, no deseja magoar ningum. Mas at que ponto justo se magoar e suportar uma situao to infeliz? Voc ainda a ama?

    Ivo no respondeu logo, pensou um pouco, depois disse: No sei dizer. Ora a vejo como uma criana mimada, irresponsvel, ora como uma

    mulher ciumenta e controladora. Estou sempre me defendendo. No sinto vontade dedemonstrar amor e ela se ressente disso. Mas no posso fingir o que no sinto.

    Franco ficou calado durante alguns segundos esperando que Ivo continuasse. Mas eleno disse nada. Ento Franco comentou:

    Voc est muito tenso, precisa relaxar. Se continuar dessa forma, estar sujeito aperder o controle e cometer atos que no deseja.

    Ivo levantou os olhos e neles havia muita tristeza. Quase gritou ao responder: Como posso relaxar se tanto na loja como em casa sou pressionado? Ela j tentou

    suicdio uma vez e temo que um dia o faa de fato. Como posso lhe dizer que estouarrependido de ter me casado, de ter aceito o emprego que Jorge me ofereceu, que meuamor por ela acabou e que a cada dia fica mais difcil suportar a vida em comum?

    Lgrimas desciam pelo seu rosto. Franco levantou-se, apanhou uma caixa de lenosde papel, colocando-a ao alcance das mos dele, que rapidamente apanhou um eenxugou o rosto molhado.

    Franco esperou em silncio. Os soluos foram diminuindo at que pararam. EntoFranco apoiou a mo sobre o brao dele, sem dizer nada. Permaneceram assim durantealguns minutos, at que Ivo respirou fundo e disse:

    Desculpe. Eu no consegui me conter. Voc deve me achar um fraco. Ao contrrio, voc muito forte! Aguentar tanta presso, por tanto tempo, no

    para qualquer um. Foi bom desabafar, jogar fora as energias ruins. Obrigado por me escutar. No tenho ningum para desabafar. Minha me tentou

    me abrir os olhos antes do casamento, mas eu no lhe dei ouvidos. Sei que eles pensamque devo me separar, mas, tanto quanto eu, temem o pior.

    Voc est sendo pressionado constantemente, sua situao externa j estressante por si mesma. Voc no tem como fazer os outros mudarem, mas pode lidarcom isso um pouco melhor.

    De que forma?

  • Jogando fora a culpa. Naquele tempo voc agiu pensando estar fazendo seumelhor. Hoje, sabe que no foi uma boa escolha.

    Estou muito arrependido, sinto-me fracassado. No faa isso com voc. As coisas no saram como esperava, mas o poder de

    escolha ainda todo seu. Voc pode enfrentar os desafios com coragem, reverter asituao.

    Como?! Estou de mos amarradas. Miriam fraca. Se ela se suicidar, minha vidaestar destruda. No poderei suportar.

    J experimentou expor o que sente para seu sogro? Claro que no! Ele no me ouviria. No me respeita no se interessa pelo que

    penso ou sinto. Seria uma humilhao intil.Franco pensou um pouco e seus olhos fixaram os de Ivo quando afirmou: Ele no o respeita porque voc no se d ao respeito.Ivo olhou-o surpreendido e reclamou: Agora voc est me ofendendo! No, estou apenas lhe mostrando que voc quem no se valoriza. No estou entendendo... Desde o comeo, voc sempre fez tudo que ele quis, mesmo no gostando. Nunca

    se colocou nunca lhe disse no. Mesmo no querendo fazer, cedeu, aceitou semreclamar. Como queria que ele o respeitasse?

    Ivo ergueu a cabea admirado, pensou um pouco e considerou: Eu fiz isso por respeito a ele. Achei que discordar seria indelicado. Afinal, ele era o

    pai da Miriam, eu precisava respeit-lo. Voc est confundindo as coisas. O fato de se recusar a fazer algo contra seus

    verdadeiros sentimentos no falta de respeito a ningum, seja quem for. O sim e ono, ditos com sinceridade, valorizam suas atitudes, mostram quem voc . J apassividade absoluta revela uma personalidade fraca, incapaz de dirigir a prpria vida,faz com que os outros desejem monitor-la. Entendeu?

    Ivo passou a mo pela testa como querendo libertar-se do peso dos prpriospensamentos:

    Nunca tinha pensado nisso! Voc tem razo. Como tenho sido fraco todos essesanos! Estou aturdido.

    Abaixou a cabea pensativo e ficou alguns segundos em silncio. Franco sorriu elembrou:

    Mas voc no assim! Eu me recordo de que voc era lder no colgio, sabia o que

  • queria, se colocava com facilidade.Ivo levantou a cabea atento, seus olhos brilharam e seu rosto distendeu-se: Bons tempos aqueles! Mas voc ainda o mesmo! Tem vivido equivocado, no tem usado sua fora, mas

    ela continua dentro de voc e pode ser retomada quando achar conveniente. Bastaquerer!

    Eu adoraria me sentir bem como naquele tempo. Mas as circunstncias hoje sooutras. Se eu fosse agir conforme tenho vontade, jogaria tudo para o alto, casamento,emprego, mulher, e retomaria o controle da minha vida. Mas Miriam no suportaria!

    Voc pode fazer isso sem usar de violncia. Usando atitudes adequadas,sinalizando o que deseja, reassumindo assim o controle de sua vida.

    Acha possvel isso? possvel. Mas para isso voc ter primeiro de aprender a lidar melhor consigo

    mesmo, com seus prprios sentimentos, saber o que importante para a conquista dasua felicidade. Depois ser mais fcil encontrar o melhor caminho, que poder ser naturale consequente.

    Voc poderia me ensinar a fazer isso? Posso apenas tentar mostrar-lhe o que faz um bom relacionamento, mas voc

    quem deve escolher por onde deseja ir. Conversar com voc fez-me olhar a situao de forma mais clara. Reconheo que

    no tenho me posicionado como deveria. No se culpe por isso, voc fez o que pensou ser melhor.---- verdade. Eu sou uma pessoa de paz, gosto de me dar bem com todos. Mas nem

    sempre consigo.Franco sorriu e considerou: Ao relacionar-se com os outros, a conquista da paz s acontece quando voc for

    capaz de expressar o que sente, dosando o sim e o no de forma adequada. Como fazer isso sem chocar as pessoas? Com naturalidade. Sendo sincero, negando--se a fazer coisas que no quer apenas

    para satisfazer os outros.Ivo ficou calado durante alguns segundos, pensando o que aconteceria se ele

    chegasse em casa e dissesse para Miriam que detestava ouvir o tom da voz dela quandoreclamava, ou ao sogro o quanto odiava a postura dele, o tom com o qual lhe falavaquando mencionava a fragilidade da filha, culpando-o pelos problemas dela. Depoisdisse:

    Se eu chegasse em casa e fosse dizer o que sinto, provocaria uma tragdia.

  • No se o fizesse no momento certo e de forma adequada.Ivo meneou a cabea negativamente: Voc diz isso porque no os conhece to bem como eu. Eles esto completamente

    fora da realidade. Pode ser, mas d para perceber que est acontecendo o mesmo com voc. Est

    paralisado pelo medo e incapaz de olhar os outros lados da situao. Vocs vivem em umcrculo vicioso onde todos esto iludidos e fora do mundo real.

    Ivo olhou-o srio e observou: s vezes penso que estamos vivendo um pesadelo. Confesso que no estou

    aguentando mais. Voc pode me ajudar? O que posso fazer para mudar isso? Voc est muito tenso. Precisa relaxar. Venha.Franco levou-o at o quarto e f-lo deitar-se. Feche os olhos e relaxe.Ele ligou o som e logo uma msica suave encheu o ar. Depois colocou a mo direita

    sobre a testa de Ivo, dizendo com suavidade: Respire lentamente. Este o seu momento. Esquea os problemas, relaxe. Voc

    est protegido. Nada de mau vai lhe acontecer. Imagine que est em um jardim florido,em um dia de sol. Sinta a brisa leve que passa acariciando seu rosto. Oua o cantaralegre dos pssaros que passam em bando, e sinta a beleza da vida cantando as glriasda natureza. A tempestade passou, a atmosfera est renovada, cheia de energia vital.

    Franco continuou falando suavemente, at que percebeu que Ivo tinha adormecido.Sem fazer rudo, deixou o quarto s escuras, fechou a porta e saiu.

  • CAPITULO 5Ivo acordou, olhou em volta estranhando por no estar em casa. Viu Franco

    adormecido na poltrona e levantou apressado, recordando-se de onde estava. O relgiosobre a mesa de cabeceira marcava trs horas. Era madrugada.

    Passou a mo pelo cabelo pensativo, sem saber o que fazer. Franco abriu os olhos e,vendo-o, perguntou:

    Como se sente? Envergonhado. Por que no me acordou? Eu estava na sua cama! No se preocupe com isso. Como est se sentindo? Bem... mais calmo. Estou mais calmo. Apesar dos problemas ainda serem os

    mesmos. Desculpe, estou abusando. Voc ficou mal acomodado.Carlos remexeu-se na cama e Ivo continuou em voz baixa: Vou embora. Carlos vai acordar. O que ele vai pensar de mim?Franco levantou-se e fez sinal para que Ivo o acompanhasse at a cozinha. Que voc demorou muito para aparecer. De ns trs Carlos quem sente mais

    falta do tempo em que nossos pais estavam vivos. Voc deveria ter me acordado. Voc precisava muito desse descanso. Fez-lhe muito bem. Sinto que est mais

    relaxado. Desabafar me fez bem. Mas fico arrepiado s em pensar que terei de voltar para

    casa e, o que pior, ir trabalhar naquela loja. Ser que vale a pena continuar trabalhando l? Voc est pagando um preo muito

    alto por isso. Voc acha que eu devo deixar a loja? voc quem deve sentir e decidir o que quer fazer. Talvez, olhando os outros lados

    da questo, mudando o enfoque, possa encontrar sadas menos drsticas. Pense nisso. Vou pensar. Agora tenho que ir. Obrigado por tudo. Voc me ajudou muito. Voc

    me aceitaria como cliente?Franco sorriu e respondeu: Ns somos primos, venha quando quiser. Eu me sentiria melhor se voc me atendesse como um cliente de forma regular. Eu

    gostaria de aprender a me colocar de forma adequada, de lidar melhor com as pessoas.Estou certo de que pode me ajudar muito.

  • Est bem. Vou ver meus horrios e ligarei marcando. No demore. As coisas l em casa no esto nada bem.- Amanh mesmo lhe darei uma resposta.Ivo despediu-se e saiu. Quando entrou no carro, lembrou-se de que Miriam tinha ido

    dormir na casa dos pais. Respirou aliviado. No tinha vontade de encontrar--se com ela.Foi para casa e, ao entrar, sentiu o corao apertado. E se ela tivesse voltado?

    Sempre que ela fazia isso, ele ia atrs para busc-la e acabava trazendo-a de volta. E seela, vendo que ele no aparecia, tivesse decidido voltar?

    Ao entrar no quarto, respirou aliviado. A cama estava arrumada.Lembrava-se das palavras de Franco e percebia o quanto estava sendo inbil para

    lidar com a situao. Por outro lado, o que fazer? Deveria ir trabalhar como se nohouvesse acontecido nada, ou ir logo cedo casa do sogro para ver Miriam?

    As duas coisas o incomodavam. De um lado, ele preferia ir loja, enfrentar o sogro edizer que Miriam fora mimada pelos pais e que, dali para frente, iria trat-la como umamulher adulta, sua esposa, e no como uma criana. Mas sentia medo da reao dele.No se sentia com coragem para tanto.

    Ficou pensando sem ter chegado a uma concluso. No horrio costumeiro, tomou umbanho, arrumou--se e desceu para o caf.

    Claudete j havia colocado o caf na mesa e, vendo-o, perguntou: Dona Miriam ainda est dormindo? No. Ela ainda no voltou da casa de dona Flora. Claudete olhou-o admirada, mas

    no disse nada.Conhecia bem como as coisas funcionavam naquela casa e nunca dava palpite para

    no se envolver.Ivo tomou caf e saiu. No carro, decidiu ir diretamente loja. Chegou antes do sogro,

    abriu e os funcionrios entraram. Pouco depois Jorge chegou, colocou seus pertences naoutra sala, e chamou Ivo.

    Vendo-o entrar, encarou-o e perguntou: Por que voc no foi buscar sua mulher em minha casa? Claudete no lhe deu meu

    recado? Ela disse que Miriam resolveu ir dormir l. Eu estava muito cansado e preferi ir

    dormir. Ah! Voc estava muito cansado e foi dormir! Como pode ser to insensvel? Voc

    sumiu, no voltou para casa no horrio de costume, ela ficou desesperada, imaginandoque tivesse lhe acontecido alguma coisa grave, um acidente, nos chamou e, quandochegamos, ela estava a ponto de ter uma crise. Ela no nos deixou dormir a noite inteira

  • por sua causa. Por que no foi busc-la como de costume? Porque eu sabia que ela no iria me deixar dormir. Eu no estava bem, precisava

    descansar para poder vir trabalhar. Voc no pensou em ns? A obrigao sua. Precisa cuidar da sua mulher.Ivo sentiu certo prazer por perceber que ele estava muito irritado e disse com

    naturalidade: Eu confio muito no senhor e na dona Flora. Vocs sabem melhor do que eu como

    cuidar dela. J notou como ela prefere cham-los todas as vezes que fica nervosa?Jorge considerou: Ela nos chama porque sabe que a apoiamos. J voc no tem para com ela o

    carinho que deveria. Miriam sempre foi muito frgil e voc sabe disso. Sua atitude imperdovel. V imediatamente l em casa e veja se pode remediar isso, antes que elatenha mais uma crise.

    Qualquer coisa no tom do sogro irritou Ivo, que no se conteve: Miriam precisa crescer comportar-se como uma mulher. Se continuarmos apoiando

    suas atitudes, ela nunca vai melhorar!O rosto de Jorge cobriu-se de rubor e ele disse entre dentes: Como pode ser to insensvel? Devia agradecer por ter como esposa uma moa to

    amorosa e dedicada. V at l e trate de se desculpar com ela. Talvez assim eu no levea srio suas palavras.

    Ivo sentiu a raiva aumentar. Jorge o tratava como um menino mal-educado, quando,na verdade, eles eram os responsveis pelos problemas da filha.

    Sinto que pense assim. No vou me desculpar. No fiz nada de que possa mearrepender. Encontrei um amigo que no via fazia anos. Ficamos conversando e no vi otempo passar. No era motivo para que ela os incomodasse, nem para ir dormir em suacasa. Se ela fosse uma pessoa equilibrada, teria me esperado, conversado comigo parasaber o que tinha acontecido e tudo ficaria em paz. Mas no. Ela precisava infernizar avida de todos ns.

    Os olhos de Jorge faiscavam de raiva quando disse: O que est acontecendo com voc? Por que est agindo assim? Parece que

    enlouqueceu! No o estou reconhecendo! O que foi que esse tal amigo lhe disse quevirou sua cabea? S pode ser isso. No pode estar falando srio!

    Ivo levantou a cabea com altivez e respondeu: H muito tempo eu devia ter tomado esta atitude. Estou cansado dessa situao

    humilhante a que estou submetido. Vocs s pensam nela e, enquanto ela se faz devtima, eu que sou o ruim. Cheguei ao meu limite. No suporto mais esta situao. Se

  • quiser, pode me demitir, mas no vou mais fazer coisas que me deprimem.De to surpreendido, Jorge, de pronto, no encontrou palavras para responder.

    Deixou-se cair na poltrona, passando as mos pelos cabelos, aflito. Parecia-lhe que omundo estava desabando diante dos seus olhos.

    Sinto muito que as coisas tenham chegado a este ponto. Com licena.Ivo deixou a sala sentindo-se triste, mas ao mesmo tempo aliviado.Jorge respirou fundo, tomou um pouco de gua, sentou-se novamente pensativo. No

    sabia o que fazer. Tinha vontade de demiti-lo pela insubordinao, mas, se o fizesse, oque diria para Miriam? Ela era muito apaixonada pelo marido e no suportaria viver semele. No. Ele no podia fazer isso. Seria muito perigoso.

    Apesar de muito contrariado, sentiu que o melhor seria contemporizar. Fingir que, poramor ao casal, no levaria em considerao suas palavras, se ele fosse buscar Miriam e alevasse para casa.

    Telefonou para Flora e perguntou: Como est Miriam? Ivo no apareceu at agora. Ela estava muito deprimida e agitada. Eu dei-lhe um

    daqueles comprimidos do doutor Norberto, fiquei conversando, tentando acalm-la, e elaacabou adormecendo. Por que ser que Ivo no veio?

    Ele veio trabalhar como se nada houvesse. Sabe o que ele teve o desplante dedizer?

    No... Que no fez nada de mais, atrasou-se porque ficou conversando com um amigo de

    infncia e no viu as horas passar. E que no ia busc-la nem desculpar-se.O inesperado emudeceu Flora durante alguns segundos. Depois disse: Ele teve coragem de dizer isso? Teve. Disse que Miriam no cresceu e que ns dois somos culpados por ela ser

    como . Que eu poderia demiti-lo, que no se importaria. Que desaforado! Certamente voc respondeu altura e colocou-o no devido lugar! Nem isso pude fazer. Estamos de mos amarradas. J pensou o que pode acontecer

    se eu o demitir? No quero nem pensar! Miriam pode fazer uma besteira. Nem diga uma coisa dessas! Jorge respirou fundo e continuou: Sabe, eu estive pensando... melhor eu usar a inteligncia, agir com bom senso... O que pensa fazer?

  • Me fazer de vtima, falar do amor que sentimos pela nossa filha. Para evitar que elafaa uma loucura, estamos dispostos a esquecer o que ele disse. Pedir que v busc-lacomo sempre fez.

    ... Voc acha que ele vai voltar atrs? Acho. Afinal, ele tambm morre de medo de que ela faa alguma coisa ruim. Penso

    que, assim, tudo ficar resolvido. Mas que sujeitinho mal-agradecido. Se no fosse por ela, eu o poria para fora no

    s da loja, mas tambm de casa. Afinal, tudo que ele tem fomos ns que demos. Para voc ver, no se pode confiar em ningum, mesmo depois de termos feito

    tudo que pudemos para ajudar. Fale com ele e depois me ligue. Preciso ter o que lhe dizer quando ela acordar. Est bem. Vou esperar um pouco mais, preciso me acalmar para fazer bem a cena

    de tristeza. No demore muito. Sabe como ela . Quando pe uma coisa na cabea, no quer

    esperar. No vou demorar. Fique tranquila, vai dar tudo certo.Ele desligou e ficou imaginando como voltaria ao assunto com o genro.Enquanto ele pensava, Ivo se esforava para trabalhar como se nada houvesse.

    Sentia-se aliviado, o desabafo lhe fizera bem, mas, por outro lado, estava receoso decomo todos reagiriam. Percebera que a reao do sogro fora causada pela surpresa, maspelo que conhecia do seu temperamento, sabia que ele encontraria uma forma derevidar. No aceitaria sua atitude. Estava claro que s no fora demitido para pouparMiriam. Jorge temia contrari-la.

    No fundo no ficou satisfeito com a atitude dele. Teria preferido que ele o tivessemandado embora, o que lhe daria condies de escapar no s do detestvel emprego,como daquele casamento infeliz.

    De repente Ivo entendeu: ele controlara a raiva para que a situao continuassesendo mantida.

    Se o casamento acabasse, eles teriam de suportar o descontrole da filha sozinhos,sem ter quem aliviasse seus problemas.

    Ficou claro para ele: enquanto continuasse fazendo todas as vontades da esposa, lhesdaria menos preocupaes.

    A sensao de ser usado por eles o irritou e, apesar dos seus receios, resolveu noceder mais aos caprichos da mulher. No iria busc-la na casa dos sogros, como semprefizera. Desta vez, ela voltaria quando tivesse vontade.

    Pouco antes do horrio de almoo, Jorge chamou-o novamente. Ivo entrou na sala,

  • notou que ele estava com a fisionomia preocupada. Vendo-o, disse com voz triste: Sente-se, Ivo. Precisamos conversar.Ivo obedeceu e ele prosseguiu no mesmo tom: Liguei para Flora e ela me disse que Miriam est muito nervosa. Tomou um

    calmante, mas j deve estar acordando. Ela pediu que voc v busc-la o quanto antes, afim de evitar que ela fique pior.

    Ivo olhou-o srio e respondeu com voz calma: Eu no pretendo ir busc-la. Ela saiu de casa por sua livre vontade, sem me

    consultar ou me dar satisfaes. O casamento no aprisiona ningum, ela livre para ir evir. Portanto, estarei em casa para receb-la quando ela quiser voltar.

    Jorge, de to surpreso, de pronto no encontrou palavras para responder. Seu rostocobriu-se de rubor e ele levantou-se indignado. Ivo, apesar de sentir o corao baterdescompassado diante da reao dele, continuou com voz que procurou tornar firme:

    Eu sempre estive disposio dela com a maior pacincia e boa vontade, apesarde todas as infantilidades que ela comete. Mas eu sei que, enquanto continuar fazendotudo que ela quer, Miriam continuar a comportar-se como uma criana mimada, nosinfelicitando e sendo infeliz. Ela precisa entender assumir a prpria vida e crescer.

    Jorge empalideceu, deixou-se cair na cadeira, passou a mo nos cabelos, colocou-a nopeito e disse nervoso:

    Voc quer me matar! Estou sem ar... Como pode fazer isso comigo?Ivo apanhou um copo de gua e deu-o ao sogro, dizendo: No estou fazendo nada errado. S quero que minha mulher se torne uma esposa

    de verdade, porque at agora ela tem sido uma filha mal-educada que preciso suportar evocs no me tm dado a liberdade de ajud-la a crescer. Como o senhor pensa que eutenho me sentido? A cada dia sinto menos vontade de voltar para casa e dificuldade deter intimidade com ela.

    Jorge segurou o copo de gua que estava sua frente e bebeu alguns goles. Ivoprosseguiu:

    Desculpe-me, senhor Jorge. No tive nenhuma inteno de ofend-lo. Mas as coisasno podem continuar como esto. Todos estamos tensos, nervosos, infelizes, e Miriamtambm no feliz.

    Voc est sendo muito cruel! Pensei que o conhecesse bem, mas vejo que estavaenganado. Penso que voc no ama minha filha. Casou-se com ela por causa do meudinheiro. um preguioso, no queria estudar e eu fui um tolo em ajud-lo. No vousuportar que fale assim de todos ns. Se voc no for imediatamente em casa buscarMiriam, vou process-lo por difamao e faz-lo pagar caro pela sua atitude.

    Ivo empalideceu, endireitou o corpo e respondeu com altivez:

  • Faa isso, senhor Jorge. No me importo com mais nada. Hoje mesmo vou arrumarminhas malas e sair de casa e da vida de vocs.

    Ivo deixou a sala pisando firme, enquanto Jorge, com mos trmulas, bebia maisalguns goles de gua, tentando em vo se acalmar.

    Naquele momento Ivo no pensou nas consequncias do que fizera. Sentia-sealiviado, livre, como se tivesse acordado de um pesadelo. Foi para casa, arrumou todasas suas coisas e s ento pensou no que fazer.

    No queria voltar para a casa da me com as malas. Achou melhor ir para um hotelesfriar a cabea e depois decidir que rumo dar sua vida.

    Levou as malas para o carro, acomodou-se e s ento pensou aonde iria. Lembrou-sede um hotel em que estivera para conversar com um fornecedor da loja e decidiu ir atl. Era de nvel mediano, mas lhe pareceu adequado para o momento. Estavadesempregado e queria economizar. Era uma emergncia, se no gostasse, procurariaoutro no dia seguinte.

    O que ele queria era sair o mais rpido possvel dali, antes que o sogro ou Miriamaparecesse. Foi para o hotel e instalou-se. O quarto era simples, mas limpo e bemarejado. Sentiu-se bem l. Abriu a janela e respirou satisfeito. Sentia-se de bem com avida.

    Sentou-se diante da pequena mesa, pensando o que seria bom fazer, e decidiu nodizer a ningum onde estava. Queria que Miriam e os sogros soubessem que a decisodele era definitiva. S em pensar como estariam reagindo sua atitude sentia-se mal.

    Sabia que uma hora teria de enfrent-los e o faria, mas achava melhor esperar queeles refletissem, a poeira baixasse e aceitassem a separao deles.

    Naquele momento, foi inevitvel pensar que rumo daria sua vida dali para frente. Seao menos ele houvesse terminado os estudos, teria uma profisso.

    Pensando nisso, sentiu raiva do sogro, de si mesmo, arrependendo-se amargamentede haver aceitado a opinio dele. Com palavras convincentes, ele pintara as vantagens:deixar de "perder tempo na faculdade" e comear a ganhar muito dinheiro rapidamenteao lado dele.

    Respirou fundo e pensou: O culpado fui eu por fazer o que ele disse! Apesar de tudo, sentia-se livre e

    animado para recomear. Sentiu fome. Passava das quatro e ele no havia almoado. Ohorrio de refeio do hotel havia terminado. Ele saiu, foi at a banca na esquina,comprou o jornal e viu um restaurante do outro lado da rua.

    Foi at l, sentou-se, fez o pedido e, enquanto esperava, abriu na seo declassificados e comeou a ler as ofertas de emprego.

    No encontrou muita coisa, mas marcou duas empresas cujas ofertas poderiam lheinteressar. Comeu com apetite e voltou ao hotel.

  • Sentiu vontade de conversar com algum. Ligou para Franco, contou-lhe tudo, maspediu-lhe que no desse o endereo dele a ningum.

    Nem sua me? Nem a ela. Por enquanto, no. Conforme for, amanh eu mesmo ligo e falo com

    ela.Franco concordou e ele desligou satisfeito. Depois tirou o palet, os sapatos e

    estendeu-se na cama. Queria descansar um pouco. Mais tarde pensaria no que fazer.Dentro de poucos minutos ele adormeceu.

  • CAPITULO 6Gisele entrou no apartamento apressada, lavou as mos e viu Carlos na porta da

    cozinha: Estou atrasada disse , vou fritar um bife e fazer uma salada. No precisa. Eu j fiz um macarro com aquele molho branco que voc gosta.Gisele suspirou aliviada: Ainda bem. Eu estava me culpando por causa disso. Ponha mais um prato e venha me fazer companhia. Gisele obedeceu satisfeita,

    serviu-se e comeram com apetite. Depois, ela comentou: Adoro seu macarro. Ainda bem que deixamos um pouco para o Franco. Ele

    tambm gosta muito. Ainda vou ter um bom restaurante, voc vai ver! Eu acredito!Pouco depois que ele se foi, Franco chegou e, aps comer, ajudou Gisele na

    arrumao da cozinha. Estavam terminando quando a campainha tocou e ele foi abrir. Tia Olga! Como vai? Mais ou menos. Quero falar com voc! Entre, por favor. Vamos at a sala. Depois de acomodados, Franco perguntou: Ento, tia, em que posso ajudar? Estou muito nervosa por causa do Ivo. Ele largou tudo e desapareceu. Ningum

    sabe onde est.Franco no disse nada e ela continuou: Miriam est desesperada, Jorge me procurou para pedir ajuda, Flora no sai do

    lado dela um minuto. Hoje, no sei como, Miriam pegou um vidro de calmante e tomouinteirinho. Jorge culpou Ivo e ameaou de dar queixa polcia. Davi nem foi trabalhar,est l, tentando acalmar os nimos. No sei o que fazer. Vim pedir ajuda. Talvez vocpossa ir comigo l, tentar ajud-la... seria um grande favor.

    Eu posso ir, tia. Mas no sei se poderei fazer alguma coisa. Na semana passada,Ivo me procurou, conversamos, ele desabafou. No estava suportando mais a situao.

    Olga levantou-se aflita: Voc sabe por que ele fez isso? Sabe para onde ele foi? Sei, tia. Mas ele no quer ver ningum. Acalme--se. Vamos conversar.

  • Ele sempre foi calmo, o que aconteceu para ele tomar essa atitude? O de sempre. Desde que casou, Ivo tem vivido tenso, se esforando para no

    desagradar os sogros e a mulher, fazendo tudo que eles querem. Ningum pode suportarisso muito tempo. Chega um momento em que a pessoa surta e deixa de se importarcom as consequncias.

    Mas ele precisa reconsiderar pensar que Miriam uma moa frgil. Eu cansei defalar com ele sobre isso antes do casamento. Mas ele no quis me ouvir.

    Ele fez o que julgou melhor na poca. Estava apaixonado e imaginou que com otempo ela aprenderia. Est pagando caro por seu erro.

    Voc tem que me dar o endereo, vou falar com ele, convenc-lo a voltar atrs. Se fizer isso, tia, vai piorar ainda mais a situao. J pensou o que vai acontecer se essa louca acabar mesmo se matando? No quero

    que meu filho carregue essa culpa pelo resto da vida. No creio que ela pense mesmo em se matar. Est apenas fazendo o que sempre

    fez para conseguir manipular o marido e toda a famlia. Isso est muito claro. ... eu j notei que ela, s vezes, finge para que todos faam o que ela quer.

    Durante o namoro deles, percebi muitas vezes como ela o manipulava. Ele acabavasempre fazendo tudo que ela queria, ainda que fossem coisas que ele no go