O desafio das Relacoes Internacionais, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011)
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Desafios das
Relações
InternacionaisProf. Doutor Rui Teixeira Santos
2011
Desglobalização
• Depois de cerca de duas décadas de Globalização o mundoenfrenta o risco de voltar às economias fechadas com barreirasalfandegárias e sem comércio internacional relevante e guerracambial.
• A vantagem da Globalização é a vantagem do comercio – a melhor maneira de criar crescimento económico, comosabemos desde Adam Smith.
• A Globalização financeira permitiu que as poupanças de unspaíses alimentassem o consumo de outros num modelo queNiall Fergunson chamou de “China-América”
• O regresso ao dólar e aos títulos americanos (Setembros de 2011) como único refúgio credível das poupanças mundiaisdefinem uma tendencia de crise da globalização e no mundomultipolar
Periodo de redefinição
geoestratégica
• Com a crise de 2007/2009 acelerou-se o processo de reajustamento geoestratégico com um papel maisrelevante a ser dado a novos atores como os BRICS.
• Do G7 ao G20 e a integração nos foruns da governançamundial dos BRICS (Brasil, Russia, Índia, China e Africa do Sul).
• Papel do G2 (América e China) e a reenergenica da Turquia no âmbito da redefinição do papel da NATO e da estabilização do mundo árabe.
• Redefinição do protagonismo do FMI no equilibriomundial e na crise da divída soberana na Europa.
O Estudo das Relações
Internacionais (RI)
• As Relações Internacionais (RI) surgem como disciplinaacadêmica logo após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914–1918). É um campo que lida com a ausência de um podercentralizado e por isso confronta-se com o tema da multiplicidade de poderes que incidem na vida internacional.
• O pensador italiano Norberto Bobbio destacava a importânciadas lições dos clássicos da filosofia para as RI,
• Historicamente os principais autores que ajudam a entenderdos desafios da área foram Maquiavel, Hobbes, Grócio e Kant (auxiliam no entendimento da sociedade internacional e do direito que emerge dela).
Hobbes
• Hobbes (1588–1679) realça o significado da anarquia e
do risco permanente da guerra de todos contra todos.
“Para seus seguidores, o direito internacional não é capaz
de conter esse risco”, diz Lafer. É do paradigma
hobbesiano que provém por analogia o paradigma da
visão realista no trato das RI, continua o professor, visão
essa que tem na obra de Maquiavel (1469–1527) e em sua
análise da verità effetuale delle cose uma permanente
fonte inspiradora.
Grócio
• Grócio (1583–1645), por sua vez, articula a ideia de uma
sociedade internacional e nela identifica um ingrediente
positivo de sociabilidade que permite lidar, através do
Direito, com a cooperação entre os Estados que compõem
o sistema internacional. “Nesse paradigma o direito tem
condições de conter o ímpeto da política do poder,
alargando, pela criação de instituições como as
organizações intergovernamentais, os horizontes do
possível na tessitura de uma visão mais construtiva,
comunicativa e comunitária da vida internacional”.
Kant
• Já Kant (1724–1804) introduz a conjetura de uma
operativa razão abrangente da humanidade, que pode
levar ao direito cosmopolita,traduzido no direito à
hospitalidade universal e que abre espaço para a
articulação de um internacionalismo que diz respeito aos
homens e aos Estados nas suas relações exteriores e de
interdependência como cidadãos de um mundo comum.
A Máquina do Mundo
• Nos Lusíadas, os portugueses que encontraram novas terras e novos céus deram início à unificação da história mundial. “Essa unificação é um dos antecedentes do atual processo de globalização”.
• No épico, uma das recompensas que Camões concede a Vasco da Gama é o acesso à máquina do mundo, para que o navegante pudesse saber para onde ir numa história quepassara a ter horizontes mais largos.
• “Esquivo e hermético tem sido o entendimento da máquina” –Carlos Drummond de Andrade repete o escritor português.
• Entendê-la, porém, é o campo de excelência dos estudos das RI e é ingrediente indispensável de conhecimento para a condução da política internacional de um país.
Guerra Fria
• No final da década de 1960, as engrenagens perceptíveis quemoviam a máquina eram a Guerra Fria, a batalha ideológicaentre Ocidente e Oriente, as relações de conflito e coexistênciaentre as duas superpotências – Estados Unidos e UniãoSoviética –, a descolonização e o espaço que se abriu para a polaridade Norte-Sul.
• No final dos anos 80, porém, veio a inesperada queda do Murode Berlim, num contexto em que também se deram o fim do socialismo real e a desagregação da União Soviética.
• “A máquina do mundo moveu-se aparentemente nos anos 90 para o que parecia ser a conjuntura de uma leitura kantiana narealidade internacional”
OMC e a pós-guerra fria
• Os documentos resultantes da Conferência da ONU sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92 apontavam nessa direção. Foi a primeiragrande conferência da ONU sobre temas globais na década, e ela nãose pautou pela lógica diplomática das pluralidades definidas da Guerra Fria, a partir dos blocos do Leste e do Oeste ou de Norte e Sul. O mesmo se deu com as conferências das Nações Unidas nosanos seguintes.Outro exemplo dessa mudança de direção foi a conclusão do Uruguai Round do GATT em 1994, que levou à criaçãoda Organização Mundial do Comércio (OMC), primeira organizaçãointernacional pós-Guerra Fria com vocação universal.
• “A OMC conseguiu construir um inédito sistema de solução de controvérsias, alargando os horizontes do papel do direito e das normas da vida econômica internacional e ecoando uma leituragrociana de como administrar conflito e cooperação na vidainternacional”,
Terrorismo
• Porém, a primeira guerra do século XXI fez a máquina do mundo deslocar-se novamente, “desta vez de Kant paraHobbes”.
• Os ataques terroristas aos Estados Unidos em 2001 colocaramem novos termos o tema da paz e o desafio da segurança no próprio centro do poder mundial, e pela primeira vezinternalizaram em território norte-americano as tensões do mundo. Também mostraram que é possível fazer políticainternacional no campo estratégico-militar sem ser um Estado.
• “A ação terrorista no mundo globalizado viu-se facilitada pelapossibilidade de atuar por meio de redes que permitemtranspor fronteiras e territórios e através de relaçõesclandestinas, que tendem a evadir-se do controle dos serviçosde inteligência dos Estados, como é o caso das redes da criminalidade transnacional do tráfico de drogas e de armas”.
Neo-tribalismo pós-moderno
• O início do século XXI também viu as políticas de identidade e de reconhecimento e o “neotribalismo pós-moderno”, na definição de Thomas Franck, minarem emmuitas regiões o postulado da integridade territorial dos Estados, levando a processos e aspirações de secessão. Sinais dessa realidade estão na multiplicação do númerode refugiados em diversas partes do mundo – os expulsosda trindade povo-Estado-território.
• Ao lado dessa realidade, a xenofobia também indica que“a hipótese de uma leitura cosmopolita de respeito aopróximo baseada na hospitalidade universal não está se consolidando”
Mundo multipolar
• A primazia norte-americana que se esboçava com o
colapso do bloco soviético se viu minada, para o que
colaboraram os equívocos unilateralistas da guerra global
ao terrorismo declarada por George W. Bush e a perda de
foco dos Estados Unidos na complexidade do mundo.
Esses fatores explicam também a presente
multipolaridade política e económica do mundo, que está
dando novo espaço para a China, a Índia e o Brasil e
abrindo outras possibilidades para a Rússia pós-União
Soviética.
Ondas Schumpeterianas
e a massificação tecnoloógica
Unificação da Humanidade
• O sistema internacional ainda carece de governança apropriadae continua permeável a tensões de hegemonia e pelas forçascentrífugas que são parte das engrenagens da máquina do mundo. Uma das características do século XX foi conferir aocampo diplomático estratégico um alcance planetário, no qualos Estados passaram a conviver. As transformaçõestécnicas, económicas e intelectuais unificaram a humanidade –“para o bem e para o mal” –, resultando numa nova e abrangente experiência do tempo.
• As interações económicas, culturais e políticas se aceleraramcomo fruto da integração propiciada pela informática.
• “Continuam a existir fronteiras, mas todas são porosas e porisso mesmo continuamente transpostas, oficial ouclandestinamente, pelas imagens, pelas ideias e pelos sereshumanos”.
Sociedade em rede
• Tempo on –line: Outra característica de nosso tempo é quecada vez mais o mundo internaliza-se na vida dos países, aindaque essa internalização tenha distintas modalidades e impactos. A maneira como o espaço e o tempo penetram na vida das pessoas foi profundamente alterada.
• “Basta lembrar o tempo on-line da circulação em rede das
Governança mundial
• A governança em escala mundial é difícil porque a
diplomacia em escala internacional precisa lidar com pelo
menos três grandes dimensões: captar interesses comuns
e compartilhados; administrar as desigualdades; mediar a
diversidade cultural e os conflitos de valores. É nesse
cenário – em que o Direito Internacional se caracteriza
como um direito em movimento, num estado mais
provisório do que consolidado – que se situam a
globalização e as suas assimetrias, bem como as ameaças
de desglobalização.
Descontinuidades
• A sociedade internacional é heterogénea por causa da distribuiçãodesigual do poder entre os Estados, dos desníveis de rendimentos entre populações, da concentração de poder económico num circunscritonúmero de empresas transnacionais de atuação planetária – as empresasglobais - e das diferenças na capacidade de produzir novosconhecimentos que determinam o controle que uma sociedade é capaz de exercer sobre seu destino.
• Atores governamentais e não-governamentais não têm uma mesma e única concepção sobre a organização da ordem mundial e dos Estadosnacionais.
• Há ainda descontinuidades que derivam dos muitos mundos que sãoparte integrante da ordem mundial. Em diferentes regiões podem sercriados subsistemas regionais que levem a um modelo de governança –como a integração europeia – ou, inversamente, que instiguem fortes tensões, caso do Oriente Médio.
• “É preciso avaliar de forma diferenciada as especificidades quecompõem o pluralismo ontológico da máquina do mundo”.
Cinco Blocos Temáticos
• Cinco blocos – O internacionalista Andrew Hurrell, autor
do livro On global order, aponta o que seriam os cinco
grandes blocos temáticos da agenda internacional.
Reemergência do
nacionalismo
• O primeiro é a intensidade atual das políticas de
identidade e reconhecimento que afloraram com o
término da Guerra Fria. Os exemplos estão no Médio
Oriente, nas aspirações dos bascos na Espanha, no
Quebec canadiano, no Tibete e nos desastres
humanitários de Darfur, com a secessão do Sudão. Na
América Latina, há reivindicações de reconhecimento por
grupos ou regiões no Peru e na Bolívia.
Direito entre Estados
• O segundo bloco envolve os desafios representados pelascrescentes ambições normativas presentes na vidainternacional, cujo marco é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. É uma política de direitoalicerçada na construção de uma sociedade internacionalconstituída não só de Estados igualmente soberanos, mas também de indivíduos livres e iguais. Ecoando Kant, éuma concepção de que um direito violado numa parte do mundo passe a ser sentida em toda parte, numa facetapositiva da internalização do mundo na vida dos paísestrazida pela globalização.
Segurança e desarmamento
Nova Ordem Económica
Mundial e Sustentabilidade
• O quarto bloco está vinculado ao desafio da gestão da economia globalizada num mundo caracterizado peladesigualdade. Países tradicionais estão vulneráveis, enquanto outros ascendem e os fluxos de investimentospelo globo se deslocam. A criação de blocos como o G-20, em substituição ao G-7, é expressão dessas mudanças.
• O quinto diz respeito ao desenvolvimento sustentávelnum cenário em que os temas ambientais, como as mudanças climáticas, são globais.
Fim
• É difícil fazer avaliação dos cenários futuros da máquina
do mundo, mas citando Guicciardini, contemporâneo de
Maquiavel, “entre os seres humanos, mais pode a
esperança do que o medo”.