O DESAFIO DA ALFABETIZAÇÃO E DA LEITURA NO CONTEXTO ... · alfabetização e o ensino da leitura...
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O DESAFIO DA ALFABETIZAÇÃO E DA LEITURA NO CONTEXTO
CONTEMPORÂNEO
Apresentam-se alguns resultados parciais de uma pesquisa longitudinal realizada no
período de 2011 a 2014 em três polos: São Paulo (SP), na Escola de Aplicação da USP
(FEUSP); Belém (PA), na Escola de Aplicação da *UFPA-Letras); em Pau dos Ferros-
RN (UERN), na Escola Municipal Nila Rego. A pesquisa tomou como tema e objeto
uma das maiores demandas brasileiras da atualidade: a entrada na escrita de crianças do
Ensino Fundamental I (F1) – no contexto contemporâneo das novas tecnologias e do
regime de ciclos – demanda esta oriunda do edital 38/2010/CAPES/INEP/OBEDUC. O
presente painel apresentará de forma panorâmica a pesquisa como um todo, mas
centrará seu foco em dois objetivos: (1) estudar o fluxo das turmas e a articulação entre
os anos e os ciclos do ensino fundamental; (2) experimentar manejos metodológicos
para as situações de heterogeneidade presentes nas salas de aula das escolas públicas
brasileiras. A pesquisa, realizada em rede, optou por uma metodologia de ação-
participante com intervenções durante as quais os pesquisadores assumiam
responsabilidades e aceitavam desafios diante dos resultados obtidos nas avaliações e
diagnósticos que se realizavam constantemente ao longo do fluxo escolar. A pesquisa
iniciou com as turmas de primeiro ano, ingressantes em 2011, entretanto só assumiu a
análise e a responsabilidade pelas intervenções a partir das turmas de 2012, cujo
acompanhamento longitudinal foi realizado até 2014. Os três polos apresentam seus
resultados, que já estão sendo cotejados com avaliações oficiais do MEC e evidenciam
que as intervenções e reelaborações metodológicas propostas pela equipe, sobretudo no
que diz respeito aos cuidados com o manejo da heterogeneidade e às possibilidades do
trabalho coletivo na escola, reúnem potenciais para instruir políticas públicas diante
dessa grande demanda brasileira.
Palavras-Chave: Alfabetização, Leitura, Regime de Ciclo
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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O DESAFIO DO ENSINO DA LEITURA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO
Claudemir Belintane
Universidade de São Paulo – FEUSP
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é apresentar resultados parciais de uma pesquisa
longitudinal (2011-2014), financiada pela CAPES/OBEDUC, cujo tema é a
alfabetização e o ensino da leitura no Fundamental I, levando em conta o regime de
ciclos e suas “dobradiças”. A pesquisa estruturou-se em rede (São Paulo, Belém e Pau
dos Ferros-RN) e contou com a colaboração de três universidades (USP, UFPA,
UERN). Com metodologia de pesquisa-ação, os pesquisadores se inseriram no cotidiano
escolar procurando monitorar turmas durante quatro anos, intervindo sempre que
possível, em função dos resultados de diagnósticos aplicados desde o primeiro ano. Os
resultados mostram três pontos cruciais para a área: (1) a importância do regime de
ciclos e do trabalho coletivo, sobretudo quando se tem como missão trabalhar o
fenômeno da heterogeneidade e das imensas defasagens de nível de leitura ao longo do
fluxo; (2) a relevância de se considerar a oralidade (corporalidade) como um dos eixos
dinâmicos que se relacionam com a escrita e com outras linguagens; (3) a importância
da substituição, no programa escolar, de textos prosaicos do cotidiano por textos
literários e oriundos da cultura oral infantil. O plano executado pelo grupo passou por
discussões e adaptações, mas acabou sendo aceito pelas professoras como concepções e
estratégias mais adequadas a um currículo que leve em conta o regime de ciclo e o
contexto brasileiro. Os resultados aqui apresentados, apesar de parciais, são importantes
para subsidiar políticas sob essa temática do desafio de alfabetizar e formar leitores
proficientes. Dos sessenta alunos acompanhados desde 2012 (primeiro ano), mais de
setenta por cento mostraram-se leitores proficientes em testes de leitura aplicados pelos
pesquisadores em 2015 (quando estavam no quarto ano). Quando essas mesmas turmas
foram submetidas a avaliações do MEC, os resultados mostraram-se ainda melhores.
Palavras-chave: alfabetização, leitura, regime de ciclos.
Apresentamos aqui alguns resultados de uma pesquisa em rede realizada no período de
2011 a 2014 em três polos: São Paulo (SP), na Escola de Aplicação da USP (FEUSP);
Belém (PA), na Escola de Aplicação da UFPA; Escola Municipal Nila Rego, em Pau
dos Ferros (RN) (UERN). Neste texto e em sua apresentação, abordaremos
exclusivamente os resultados obtidos no polo de São Paulo, uma vez que as duas outras
apresentações e respectivos textos deverão abordar os resultados dos outros dois polos.
O projeto da pesquisa teve como ponto de partida três motivações: (1) uma pesquisa
anterior realizada em uma escola pública de São Paulo (Projeto FAPESP/2008), no qual
pretendíamos constatar que, com um manejo didático-pedagógico mais cuidadoso nos
anos iniciais associado a um programa que pusesse em primeiro plano a relação
oralidade-escrita e cujo foco não perdesse de vista a heterogeneidade das turmas,
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poderíamos garantir resultados mais interessantes quanto aos níveis de leitura e de
letramento em geral; (2) O edital CAPES/OBEDUC 038/2010, que abria a possibilidade
de projetos em rede e por um período suficiente para uma pesquisa longitudinal de
longa duração (quatro anos); (3) as parcerias já existentes entre alguns pesquisadores
das três universidades que constituem essa rede.
O novo projeto, intitulado O desafio de ensinar a leitura no contexto do Fundamental
de nove anos (doravante Projeto Desafio), manteve então, entre outras, duas hipóteses
integradas que foram parcialmente constatadas no projeto FAPESP/2008, quais sejam:
(1) o monitoramento criterioso da heterogeneidade, a partir de uma reorganização do
trabalho escolar, pode melhorar muito o rendimento das turmas em leitura e, ao mesmo
tempo, fornecer dados para uma base curricular que leve rigorosamente em conta o
regime de ciclos e suas relações com as singularidades sociais e culturais da escola
pública brasileira; (2) a projeção de novos conceitos de oralidade e de infância pode
permitir maior inclusão dos alunos que apresentam dificuldades em sua entrada na
escrita e, ao mesmo tempo, dinamizar a fluência e a apreensão de sentidos na leitura e
na produção escrita de quase todos os alunos das turmas de fundamental I.
Essas duas hipóteses foram estendidas em três amplos objetivos, entretanto, nesta
apresentação, em razão dos limites da modalidade do evento e dos limites deste texto,
vamos focar apenas o segundo objetivo do projeto, que assim foi formulado: A partir
da inserção de pesquisadores no cotidiano das salas de aula do ano final da Educação
Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental I, reunir elementos para um
programa de ensino mais adequado à realidade brasileira (diversidade e
heterogeneidade) que leve em conta a possibilidade e as potencialidades de um
trabalho em equipe – ou seja, contribuir para a busca de um modelo de ensino que
atribua a grupos de profissionais com formação direcionada para o ensino de língua
(Pedagogos, licenciados em Letras/Linguística e outros), responsabilidade ética e
capacidade pedagógica para lidar, de forma mais inclusiva possível, com a inserção
da criança brasileira no mundo letrado contemporâneo.
A metodologia pode ser definida como “qualitativa-participante”, com intervenções
consentidas no trabalho escolar sempre que as evidências trazidas pela pesquisa e pelas
reflexões dos pesquisadores fossem acatadas e assumidas pelas professoras da escola
parceira. A estratégia básica para isso foi inserir no cotidiano escolar nossos pós-
graduandos (mestrandos e doutorandos) e alunos bolsistas de graduação, que além de
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colher dados, atuavam como professores auxiliares e como produtores de conteúdos
para as novas estratégias. Todo o trabalho era organizado em uma reunião semanal de
três horas de duração nas quais a participação de todos os envolvidos era obrigatória.
Nessas reuniões, sob a coordenação do pesquisador principal, avaliava-se o trabalho da
semana, projetavam-se novas estratégias e, sempre que possível, os temas passavam por
intensas reflexões e polêmicas. As reuniões eram registradas em atas e socializadas no
encontro seguinte. No andamento desse processo, produziam-se registros para as
pesquisas dos pós-graduandos e, ao mesmo tempo, subsidiavam-se mudanças no
programa e discutia-se a adequação de cada uma delas ao regime de ciclo. A palavra
“desafio” estabeleceu-se nesse cotidiano não apenas como uma meta do projeto, mas
também como um compromisso de todos para superar os problemas que as professoras
elencaram desde o momento em que aceitaram integrar a equipe e se predispuseram a
enfrentar tais problemas. Nesse sentido, estamos diante de uma pesquisa qualitativa,
participante e, mais ainda, mobilizadora/militante.
Tanto em São Paulo como em Belém, os interesses do projeto e o das duas escolas
convergiam para o “desafio” de construir um novo programa para o Fundamental de
nove anos. Essa convergência facilitou consensos e permitiu uma boa mobilização para
manter os quatro anos de trabalho, embora, podemos afirmar que o primeiro ano do
projeto, apesar da boa convivência do grupo, não foi suficiente para que os professores
assumissem os principais conceitos trazidos pelo grupo. Na EA-FEUSP, as professoras
são bem formadas, recebem influências também de outros professores da Universidade,
então, sabíamos que iríamos contar com uma boa resistência e até mesmo com debates
polêmicos, mas bem profícuos. Todos sabemos, os professores têm seus programas e os
sustentam com convicção. As mudanças curriculares ou das estratégias e do modo de
organizar o trabalho estão sempre sujeitas a complexas negociações, com concessões de
ambas as partes.
Na EA-FEUSP, como também nos dois outros polos, o projeto tinha como meta
questionar o conceito de cidadania aplicado à infância e com ele todo o modo de se
pensar o letramento e a alfabetização hegemônico na educação brasileira. Desde as
primeiras discussões encetadas em 2010, quando ainda estávamos elaborando o projeto
Desafio, um confronto foi se delineando.
As professoras organizavam seus programas a partir da concepção de gêneros do
discurso exposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Fundamental II (BRASIL,
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1998), que tem como fundamentação teórica geral o artigo de Bakhtin (2000) “Gêneros
do Discurso”, que no campo aplicado ao ensino recebeu também as influências de
inúmeros comentadores desse autor. Essa concepção de gênero, no Ensino Fundamental
I e até mesmo na Educação Infantil, era assumida juntamente com outras influências
teóricas advindas da Psicologia - o construtivismo de Ferreiro y Teberosky (1989) -; da
Linguística (conceitos de variação linguística, de língua enquanto uso; da Educação
(conceitos de letramento e de infância relacionado ao “brincar”, concepção de infância,
de criança etc.). Todas essas influências e até mesmo outras não citadas aqui punham
em jogo uma prática que, na opinião dos coordenadores e dos pós-graduandos do
projeto, contribuía para resultados não tão auspiciosos no final do ciclo, pois segundo as
próprias professoras da EA-FEUSP não eram nada satisfatórios, pois, no quinto ano
(fim do ciclo) havia sempre um número razoável de alunos com sérias dificuldades
tanto na leitura como na escrita. Da teoria dos gêneros do discurso, o programa da
escola tomava como referência a estratégia de assumir um gênero principal em cada ano
(o primeiro e o segundo, por exemplo, ficaram respectivamente com “contos de fada” e
“fábulas”) e uma certa diversidade de gêneros, cujos textos seguiam a orientação de
contemplar o universo de letramento da criança (logomarcas, propagandas, rótulos,
receitas, bilhetes, textos de jornais e revistas e outros) e, claramente, a ideia de usos da
língua e reconhecimento da função social da escrita.
Em Belintane (2013), despendemos todo o capítulo II para analisar esse cruzamento de
teorias e evidenciar que essa dispersão de gêneros e de tipos textuais está presente nos
programas do Ministério da Educação e nos documentos e avaliações das redes
estaduais e municipais de ensino, bem como nos livros didáticos selecionados pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Como tais teorias vieram se gestando
na segunda metade do século passado e impactando o ensino desde a década de oitenta
(Marinho, 1998) e o entrecruzamento delas não chegou a ser razoavelmente analisado, o
resultado tem sido bem caótico (BELINTANE, 2013; BATTAGLIA, 2013; NANCI,
2013; BORTOLACI, 2015). Na EA-FEUSP, graças ao bom nível das professoras, o
efeito não chegou a ser tão deletério como temos constatado nas escolas públicas da
capital (tanto na rede municipal como na estadual). Sabemos bem que as influências
dessas teorias necessitam de um reposicionamento, sobretudo quanto às faixas etárias -
alguns exemplos, notar que o conceito de cidadania (sempre requerido pela Educação)
para a criança não é o mesmo do que o aplicável ao mundo adulto; os gêneros e textos
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que circundam a criança não podem ser localizados com tanta obviedade, aqueles que
verdadeiramente encantam e entusiasmam as crianças ao ponto de elas desejarem
assumir o posicionamento de leitor, não sãos os textos e fatos prosaicos do cotidiano
(ORTEGA Y GASSET, 1993; BELINTANE, 2013); contemplar a diversidade de
gêneros pode ser consentâneo a criar uma dispersão textual e isso não vai bem com a
infância, que precisa da repetição de padrões – uma criança de seis anos ainda pede para
contar a mesma história várias vezes; língua oral é diferente de oralidade – contemplar a
fala cotidiana pode até ser interessante do ponto de vista dos sociolinguistas, mas na
alfabetização resulta em estratégias pouco eficazes.
Passamos boa parte do período letivo de 2011 discutindo programas e cotidiano da
escola em nossas reuniões. Abaixo, descreveremos os pontos mais importantes dessa
atuação, de forma sintética em razão dos limites de página.
CONSOLIDAÇÃO DA EQUIPE PARA ENFRENTAR OS DESAFIOS DE UM
REGIME DE CICLO
O modelo de atuação do projeto de alguma forma previa também em sua progressão
anual as “dobradiças de entre-anos e de entre-ciclos” – o esquema abaixo ilustra o
modelo do fundamental I e suas articulações com o Educação Infantil (EI) e com o
Fundamental II (6º)
Legenda: DC : Dobradiça de Entre-Ciclos; DA : Dobradiça de Entre-Anos
Como a EA não tem turmas de Educação Infantil (aba verde, EI), a dobradiça (DC1) foi
feita a partir da análise dos port-folios das crianças egressas das diversas escolas infantis
(aqui já temos uma primeira exigência do regime de ciclos, iniciar o fundamental I,
conhecendo os port-folios de cada criança, não fazer tabula rasa de sua
escolarização anterior!) – Essa análise e o aproveitamento dos resultados constituiu a
D1 – Dobradiça 1. Os resultados dos diversos portfólios recolhidos passaram a
EI 1º. a 4º. 3º. 2º. 5º.
6º.
DC1 DA1 DA2 DC 2
c
DA4 DC3
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constituir um arquivo de documentos para professores, pesquisadores e estagiários, que
tomaram o tema como uma demanda emergente para a FEUSP e para a escola pública
em geral.
Essas dobradiças consistiam em uma série de interações programadas ou emergentes ao
longo do ano, nas quais as professoras conheciam a heterogeneidade das turmas e as
estratégias de que as professoras lançavam mão sobretudo para lidar com os casos mais
complexos, alunos que desde o início do ano apresentavam dificuldades para, no campo
da Oralidade, ouvir e recontar histórias, memorizar pequenos textos lúdicos etc. e, no da
Leitura, para reconhecer letras e entender suas funções, ler imagens, decifrar rébus,
palavra-valises1 etc.). Como já experimentado no projeto, as dobradiças implicam uma
série de interações entre professores e até possíveis lidas com re-agrumentos de turmas
ao longo do ano e no seu final, de tal modo que, na passagem de uma série a outra,
fiquem garantidos um amplo conhecimento sobre a situação de cada aluno e um
conjunto de estratégias que contemplem a heterogeneidade de todas as turmas
implicadas. Levando em conta os ciclos da EA, teríamos a primeira dobradiça DC1 no
primeiro ano, depois a DA1 (entre primeiro e segundo) e na sequência, a DA2 (primeiro
e terceiro) e outra de ciclo, DC3 (entre terceiro e quarto anos). De DC1 a DC3, os
objetivos e consolidações do programa devem ser bem claros. Não é preciso dizer que
as capacidades de avaliar, diagnosticar, escutar os alunos, discernir diferenças
constituíam o eixo qualitativo da pesquisa e do trabalho que se implementava com as
professoras.
A atribuição de aula/de turmas em cada ano deveria levar em conta a consolidação dessa
experiência e não seguir apenas a ideia de que os professores simplesmente tenham que
se diversificar em suas atuações. Experiências bem consolidadas em cada dobradiça
ajudam a constituir uma equipe de trabalho com consciência e domínio do fluxo ao
longo dos anos e ciclos. Um regime de ciclo é consentâneo a uma equipe bem
articulada. Seria muito interessante que o grupo de cada ciclo fosse se especializando,
estudando cada vez mais as questões principais de suas dobradiças (ingresso e egresso).
Infelizmente neste ponto não fomos ouvidos, a atribuição das turmas continua sendo
feita a partir de outros critérios.
A partir de 2012, a equipe se efetivou, as professoras começaram a atuar de forma mais
solidária, a responsabilidade antes individualizada, focada na turma, no ano, passou a
1 Não é possível explicar aqui todos os itens curriculares, veja em Belintane, 2013
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ser mais extensa. Chegamos a recombinar turmas de acordo com resultados de
diagnósticos, ou seja, as três turmas do primeiro ano e as duas do segundo, eram
reagrupadas momentaneamente (por dez ou quinze aulas) a partir de objetivos não
efetivados por este ou aquele grupo, por exemplo, os alunos do primeiro ano que ainda
não dominavam a sílaba simples, passaram a constituir um grupo com este objetivo e
este grupo poderia receber até mesmo alunos do segundo ano, que estavam na mesma
situação. Em outras turmas, agrupavam-se até mesmo os alunos que estavam ali para
enfrentar desafios, aprender mais, pois estes em geral tinham cumprido todos os
objetivos para o ano e a idade. Esse trabalho apresentou ótimo rendimento tanto em São
Paulo como em Belém.
O mais relevante dessa experiência é que a ideia de equipe se efetivou de forma
diferente do trabalho de sempre, agora, as responsabilidades se tornaram coletivas, o
esforço deixou de ser solitário, mesmo a ideia de formação continuada mudou, pois
passou-se a enxergar com mais clareza a necessidade de formações pontuais, por
exemplo: aprender a contar história; a praticar leitura em voz alta, reunir acervos de
textos orais; preparar materiais didáticos específicos para esta ou aquela dificuldade;
diagnosticar oralidade-leitura-escrita e não apenas a partira da escrita; exercer uma
escuta mais acurada das singularidades de cada aluno – sobre este último tópico
chegamos a elaborar um capítulo de livro que está no prelo. Essas experiências foram
relatadas com muito sucesso pelas próprias professoras nas aulas de graduação em
Pedagogia também foram por elas apresentados em eventos ocorridos nos três polos do
projeto (Belém em 2012, Pau dos Ferros, em 2013, São Paulo, em 2014).
ALTERAÇÕES NO PROGRAMA E ARTICULAÇÕES CURRICULARES
A partir de 2012, as professoras do primeiro ano fizeram grandes mudanças em seus
programas, deixaram de adotar a concepção de gênero (“um gênero principal e outros de
fundo”) e assumiram a concepção de oralidade-escrita do projeto (BELINTANE,
op.cit). Puseram em primeiro plano a cultura oral brasileira (contos e ludismos orais das
diversas regiões brasileiras) e de imediato perceberam que o rendimento era outro, que
até mesmo era possível manter a proposta de um programa lúdico para o primeiro ano,
mas ao mesmo tempo com tópicos avaliáveis e com controle da aprendizagem. Outra
perspectiva curricular que se efetivou foi a ideia de identificar a infância com o que
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chamávamos “palavra esperta” ou mais precisamente “função poética” e conceber a
entrada na escrita em paralelo e articulada com a oralidade formular – o programa
passou a distinguir oralidade de conversa cotidiana ou roda de conversa, para nós,
oralidade se refere a processos de textualização oriundos da cultura oral, que
lançam mão de recursos estéticos (ritmo, métrica, rima, paralelismos e outros
elementos da função poética, além da função narrativa). A escolha do texto passou a
levar em conta outros elementos que não apenas o gênero: tamanho do texto (fizemos
questão de que os alunos lidassem também com textos de maior volume, tanto orais
como escritos), sua origem (se da oralidade ou da escrita), a qualidade estética da
textualização e outros. No segundo ano de 2013, essas mesmas turmas deram a volta ao
mundo a partir de contos de diversas regiões – as professoras fizeram uma bela
interdisciplinaridade da literatura de origem oral com geografia e história).
Também enfrentamos um desafio a que os professores não estavam habituados em razão
da influência construtivista: lidar com os elementos menores do código (letras, fonemas,
sílabas, dígrafos, rébus etc.). Adotamos aqui algumas estratégias que buscamos na
própria história da escrita, o uso do rébus, da imagem, da palavra valise e dos ludismos
orais para ajudar a criança a dar conta da sílaba oral e escrita. Segundo elas, o resultado
foi bem diferente dos outros anos, o número de alunos que terminou o primeiro ano
lendo foi bem maior. De fato, o desempenho desses alunos na Provinha Brasil mostrou
isso, como se verá adiante. O esquema do programa estabelece um jogo dinâmico da
seguinte forma:
CORPORALIDADE
TRANSIÇÃO
ORALIDADE-
ESCRITA
LEITURA/ESCRITA
Acrofonia oral Acrofonia oral a partir
de imagens.
Acrofonia a partir da escrita.
Palavra-valise oral Palavra-valise oral a
partir de imagens
Palavra-valise a partir da escrita
Cantigas: de ninar, de roda; brincos,
parlendas, mnemonias, fórmulas de
jogar, adivinhas, trava-línguas,
quadrinhas populares etc.
Atuação performática
do professor com seus
alunos (brincadeiras)
Audição de CD de
música e de
brincadeiras;
filmes em DVD ou na
Internet
Reaproveitar os textos da
corporalidade para atividades de
leitura, de compreensão e de
produção de textos.
Homofonias (associar, por meio de
jogos linguísticos, palavras com sons
semelhantes)
Leitura e produção de
Rébus a partir de
imagens
Leitura e produção de rébus a
partir de imagens e de escrita.
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Brincar corporalmente com sílabas
complexas a partir de trava-línguas
Brincar com sílabas
complexas a partir de
imagens
Jogar com sílabas complexas
usando a escrita.
Contos de fada, causos, contos
acumulativos – contação de história,
com oportunidades para recontos feitos
pelos alunos
Leitura de imagens, por
exemplo, as ilustrações
feitas por Gustave Doré
para a obra “Contos de
Perrault” ou de
ilustrações de contos
brasileiros.
Usar esses contos para atividades
de leitura escrita, a paródia pode
ser a atividade principal.
Este esboço inicial permitiu também um planejamento que se expandiu ano a ano. O
resultado deste trabalho está presente na dissertação de mestrado de Natália Bortolaci
(2015), professora da EA, que se tornou mestranda durante o andamento do projeto.
A consolidação progressiva deste programa, feita ano a ano, ainda continua na EA-
FEUSP, as discussões das bases curriculares de Língua Portuguesa e continuam sendo
orientadas pelo coordenador do projeto.
ACOMPANHAMENTO LONGITUDINAL E SEUS RESULTADOS
O acompanhamento de todos os alunos, sobretudo daqueles que apresentam defasagem
ao longo do ano e dos ciclos é um compromisso fundamental da construção deste
currículo. A lida com heterogeneidade é cotidiana e integra a própria dinâmica das
turmas, não é mais relegada aos períodos de “recuperação”. As dificuldades do manejo
cotidiano dos agrupamentos de alunos ou mesmo o atendimento individualizado a esta
ou aquela criança levou-nos a confirmar uma hipótese que já trazíamos desde o projeto
anterior: não é possível praticar o regime de ciclo, garantindo o direito de
aprendizagem de todos os alunos, mantendo apenas um professor por turma. Na EA, a
importância dos bolsistas foi crucial para que todos os alunos pudessem ser
acompanhados e nos mostra que a alfabetização e o ensino das bases da matemática
exigem um trabalho em equipe, com professores de diversas áreas (letras, linguística,
pedagogia e outras) em uma proporção de ao menos 3 x 1, ou seja, para cada três
turmas, um profissional a mais. Na EA esse profissional passou a existir a partir de 2013
com o nome de “professor de ciclo”, cuja função era a de ajudar na lida com a
heterogeneidade.
Para finalizar, apresentaremos os resultados gerais deste acompanhamento seguidos dos
comentários finais.
Dos sessenta alunos ingressantes em 2012, vinte e cinco alunos necessitaram de
acompanhamento. Aparentemente é um número razoavelmente alto, 41%, mas muitos
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deles entram com questões sazonais, mas muitas vezes cruciais. Diante da constatação
de três alunos que apresentavam dificuldades para compreender o funcionamento da
sílaba, cujas situações foram resolvidas rápida e pontualmente a tal ponto de, na
avaliação final no quarto ano, eles aparecerem entre os melhores leitores da classe
(acertam por volta de 90% de nossos testes), isolamos a pergunta: estariam eles nesta
situação se não tivesse passado por intervenções pontuais?
Além das avaliações praticadas ordinariamente pelas professoras, a equipe do projeto
aplicou diversas avaliações de leitura, recobrindo tópicos que vão desde a compreensão
geral do texto, compreensão parcial (parágrafos), compreensão episódicas, inferência de
palavras desconhecidas, função dos dêiticos etc. Diferentemente das avaliações do
SAEB (Provinha Brasil e Prova Brasil), do SARESP e das avaliações da rede municipal
de São Paulo, nossa equipe avalia a compreensão de apenas um texto relativamente
longo (de 1,5 a 2,5) como um todo. Na avaliação final aplicada ao quarto ano (alunos
que foram acompanhados desde 2012), realizada no final de 2015, obtivemos os
seguintes resultados da turma em geral:
Níveis Meninos Meninas Total % Média
De 10 a 15 respostas certas 15 13 28 46,66 76,33
De 07 a 09 09 09 18 30,00
De 05 a 06 01 05 06 10,00 23,33
Abaixo de 5,0 06 02 08 13,33
Total das duas turmas 30 30 60 100 99,66
Quadro 1 – tabela da avaliação final do projeto.
Quando analisamos a produção escrita destes alunos, sobretudo a reescrita de textos
ouvidos, podemos afirmar que, com exceção de dois alunos de inclusão, que escrevem
frases curtas (iniciaram muito tardiamente o processo e aprendem muito devagar com a
ajuda nos atendimentos), notamos que os 58 alunos são capazes de produzir textos, mas
há de fato (comprovado no relatório das professoras destas turmas), um grupo (próximo
deste percentual de 20% que ainda possui dificuldades para enfrentar textos mais longos
e complexos como o da avaliação que fizemos). Este nível, no depoimento das
professoras, nunca foi atingido por turmas anteriores.
Essas duas turmas se submeterão à Prova Brasil neste ano de 2016, nossas expetativas é
que alcancem ótimos resultados. Na “Provinha Brasil” e na ANA – Avaliação Nacional
de Alfabetização” essas turmas mostraram um excelente rendimento. Vejamos
Tabela 2 – Provinha Brasil 2013 (2º ano, turmas de 2012)
Níveis Faixa de acertos %
Nível 5 de 19 a 20 acertos 44,82
Nível 4 de 14 a 18 acertos 48,27
Nível 3 de 9 a 13 acertos 06,89
Nível 2 de 4 a 8 acertos 00,00
Nível 1 até 3 acertos 00,00
Tabela 3 - ANA – 2015 (3º. Ano, turmas de 2012)
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Níveis LEITURA PRODUÇÃO TEXTUAL
Nível 5 35,59%
Nível 4 42,37% 62,71%
Nível 3 42,37% 1,69%
Nível 2 13,56% Zero
Nível 1 1,69% Zero
Obs.: A coluna “LEITURA” é formada por quatro níveis apenas
Como se pode ver, tanto em leitura como em produção de texto, tanto em uma prova
como em outra, os alunos das turmas de 2012 apresentam nítidas diferenças. Somando
os percentuais das faixas que seriam as desejadas pelo Ministério da Educação,
teríamos: Provinha Brasil/2013 = 93,09%; ANA/2014/LEITURA: 84,74%; ANA2014
PRODUÇÃO DE TEXTOS: 98,03%. Apesar desse bom desempenho nas provas
oficiais, acreditamos que a melhor avaliação de leitura é a que realizamos (tabela 1),
pois esta exige uma visão mais integral do texto, pois para a nossa perspectiva, um bom
leitor tem que ser capaz de ler um texto longo (para a sua idade), de forma mais
completa possível e não ler fragmentos e obter o escore final a partir de somas de itens
ou de habilidades parcializadas.
Os dados ainda serão analisados mais detalhadamente, mas o que salta à vista desde já é
que o monitoramento das turmas associado a um currículo que valorize a relação
oralidade escrita tal como acima descrita, não resultam em uma turma homogênea, pois
as diferenças tendem a se manter, mas melhora muito o nível de leitura da escola.
Referências bibliográficas
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Paulo: Martins Fontes, 2000. (pp. 277-326)
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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REPENSANDO O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: DAS
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS À PROPOSTA ESCOLAR
Maria da Conceição Costa
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
RESUMO
Resultantes de parcerias entre a UERN, a UFPA e a USP, as experiências apresentadas
neste artigo referem-se a práticas pedagógicas desenvolvidas no polo da UERN no
decorrer de quatro anos – 2011 a 2014, que tratam do acompanhamento do processo de
alfabetização de crianças visando inseri-las na leitura e escrita. Serão discutidas
experiências desenvolvidas em uma escola pública da rede municipal de ensino no
estado do Rio Grande do Norte em turmas dos anos iniciais do ensino fundamental – 1º
ao 4º ano. A construção dos dados se deu com base nas ações desenvolvidas no projeto
“O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental de nove
anos”, com foco em três áreas de investigação: Alfabetização, letramento, oralidade,
leitura e escrita; enfrentamento de dificuldades de aprendizagem no campo da
linguagem e novas possibilidades de diagnósticos preventivos e produção de materiais
didáticos. Os resultados revelam que 90% das crianças acompanhadas em suas
aprendizagens ingressaram na leitura e escrita tendo condições de darem
prosseguimento aos seus estudos. Esses dados apontam a alfabetização como um
processo contínuo e permanente que necessita de estratégias assíduas de
acompanhamento e que a aprendizagem da leitura e da escrita perpassa por manejos
pedagógicos transversalizados por traquejos orais que engajam a criança na
alfabetização. Ao final de 2014, essa pesquisa culminou na elaboração de uma proposta
curricular no campo da linguagem nos anos iniciais do ensino fundamental, que atenda
às demandas postas nesse nível de ensino, respeitando-se as heterogeneidades
apresentadas pelos alunos em seu processo de alfabetização.
Palavras-chave: Oralidade. Leitura. Escrita.
Introdução
Neste artigo apresentamos experiências desenvolvidas pelos membros da
Pesquisa "O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental
de nove anos”, 1focando especificamente, o desempenho desta no pólo da Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, em uma escola pública da rede municipal
de ensino. Nesta escola, acompanhamos turmas de alunos do 1º ao 4º ano investigados
em seus processos de aprendizagem. Nosso foco era a aposta em uma abordagem da
oralidade, leitura e escrita que resultasse em uma proposta curricular que atendesse às
heterogeneidades dos alunos no contexto do ensino fundamental de nove anos. Nessa
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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aposta, optamos pela concepção de uma “subjetividade de permeio”, termo forjado por
Claudemir Belintane (2013), assentado nos traquejos e jogos orais e, principalmente, no
uso do texto literário em sala de aula. Essa concepção ajudou-nos a construir estratégias
que inserissem a criança na leitura e escrita, unindo discussões no campo da psicanálise,
linguística e educação. Reforçamos ainda, que nossa opção teórica está atrelada a uma
abordagem de escuta atenta aos pormenores da linguagem, fundamentada teoricamente
na escuta do equívoco, apresentada por Cláudia de Lemos (2002), que propicia
discussões acerca da alfabetização infantil.
O locus desta pesquisa caracteriza-se como uma escola de pequeno porte, com
estrutura para acoplar seis turmas em cada turno, atendendo a crianças da Educação
Infantil ao 5° ano do ensino fundamental, em sua maioria, oriundas de famílias de baixa
renda familiar, participantes de programas sociais como Bolsa Família.
Quanto aos participantes da pesquisa esses eram distribuídos entre alunos de
graduação dos cursos de Pedagogia e Letras do Campus Avançado Professora Maria
Elisa de Albuquerque - CAMEAM/UERN, um coordenador pedagógico da escola locus
de pesquisa e cerca de dois a três professores por ano que lecionavam nas turmas
acompanhadas pelos referidos bolsistas. Esses bolsistas atuavam semanalmente nas
turmas acima citadas realizando diagnósticos de aprendizagem das crianças mediante
observações, registros e atendimentos individuais e/ou coletivos que correspondessem
às demandas específicas de cada criança.
As crianças que também participaram desta pesquisa compunham um grupo
que variava entre 64 (sessenta e quatro) a 84 (oitenta e quatro) alunos por ano
distribuídos entre duas ou três turmas. No entanto, os dados que resultaram na
constatação de práticas exitosas na consolidação da alfabetização dos alunos referem-se
à duas turmas que contabilizavam 75 (setenta e cinco) alunos: Os ingressantes no 1º ano
em 2011 – 34 alunos e os matriculados no 1º ano em 2012 – 41 alunos –, respectivos 4º
e 3º ano em 2014, considerando que esses foram acompanhados interruptamente em
suas aprendizagens. Desse total de alunos, 50 (cinquenta) chegaram a ser acompanhados
até 2014, o equivalente a 66,6% - 22 (vinte e dois) no 4º e 28 (vinte e oito) distribuídos
entre 3º ano A e B. Os 25 (vinte e cinco) alunos que não concluíram se distribuem entre
4 (quatro) evadidos e 21 (vinte e um) transferidos. Do acompanhamento desses alunos
surgiram direcionamentos teórico-práticos acerca do manejo com a heterogeneidade em
sala de aula com impactos na alfabetização infantil, uma vez que cerca de 90% das
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crianças acompanhadas interruptamente em suas aprendizagens ingressaram na leitura e
escrita, possibilitando dessa forma, (re)dimensionamentos na proposta curricular da
escola campo de pesquisa.
1. O manejo com a heterogeneidade em sala de aula
Primamos por um trabalho desenvolvido em sala de aula distribuído entre dois
profissionais − um docente institucionalmente responsável pela turma e um
bolsista/pesquisador, ambos trabalhando na perspectiva de diagnósticos mais precisos e
detalhados acerca das necessidades de cada criança em relação à oralidade, à leitura e à
escrita.
Esses diagnósticos eram elaborados cotidianamente e discutidos pelos
membros da pesquisa, uma vez que não dispúnhamos de módulos previamente
elaborados, todo o trabalho foi construído mediante demandas que surgiam nas próprias
salas de aula em consonância com o planejamento semanal realizado pela escola na
definição de seus propósitos pedagógicos.
De forma comparativa, os diagnósticos eram tabulados e discutidos na
perspectiva de melhor traçarmos um perfil dos alunos que frequentavam cada turma,
identificando suas dificuldades e avanços em relação à oralidade, leitura e escrita. Esses
diagnósticos se desdobravam em sistematizações acerca do desempenho das crianças ao
realizarem atividades com rebus,1 palavras-valise, revestrés, dentre outras possibilidades
que envolviam partículas menores da fala e elaborações textuais mais complexas.
Os bolsistas por sua vez, eram distribuídos por turmas, seja realizando
atendimentos individuais ou coletivos com as crianças. Esses acontecimentos não eram
pensadas como as tão conhecidas aulas de reforço, aconteciam no turno em que as
crianças estavam em sala de aula e partiam de dificuldades reais identificadas na
aprendizagem das mesmas. O fragmento1 abaixo extraído do relatório anual de pesquisa
mostra a sistematização de registros com avanços contínuos na aprendizagem de uma
criança que no ano de 2012 frequentava o segundo ano:
Em março, o aluno parecia conhecer todo o alfabeto pela sequência,
não reconhecendo o R, o S, o T e o V. Quando indagado sobre o
alfabeto alternadamente, ele trocava letras, tais como: P por Q, M por
N e R por S. Não conseguia diferenciar letras maiúsculas de
minúsculas, porém, percebia que chutava um nome para a letra.
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Somente conseguia ler textos curtos com ajuda, soletrava as sílabas,
enrolando-se e perdendo-se quando apareciam sílabas complexas.
Em 21 de junho, a atividade do dia consistia em formar palavras
referentes ao São João da escola, com as sílabas destacadas de outras
palavras, como por exemplo: QUAdro + laDRIlha + moLHA =
quadrilha. O aluno conseguiu ler rapidamente a palavra formada.
Conseguiu ler palavras simples como COCADA, BOLO. Já no 2º
diagnóstico realizado em Agosto, teve dificuldades na leitura de
palavras, silabando em várias palavras, no entanto, apresentava maior
dificuldade nas palavras de sílabas complexas.
No dia 25 de setembro, enquanto a professora recebia a tarefa do dia
anterior, leitura compartilhada do texto informativo TRÂNSITO NAS
RUAS – Livro Didático de Geografia, percebemos que o aluno lia
acompanhando bem a leitura e algumas vezes, respondia algumas
palavras primeiro que a professora, então neste mesmo momento,
fomos analisando se a leitura era de memorização, já que tinha sido a
tarefa de casa. O mesmo foi conduzido para outra sala e solicitamos a
leitura do texto com o qual não sentiu dificuldade. Sua leitura era com
fonética aberta (QUE/QUI), soletrava quando encontrava palavras
maiores e às vezes, voltava às palavras anteriores. Na palavra
ALGUMAS soletrou letra por letra, depois juntou e conseguiu ler.
Colocamos para ler outro texto, Quem está no comando? Do livro
história de Cinco Minutos – Disney, o aluno leu o parágrafo inteiro da
história. Portanto, o aluno vem nos surpreendendo em sua
aprendizagem1 (RELATÓRIO ANUAL DE PESQUISA, 2012).
Esse registro ilustra como se efetivava o processo de acompanhamento da
aprendizagem dos alunos, em uma perspectiva contínua de trabalho, em que os registros
escritos se constituíam uma imprescindível fonte de dados comparativos de desempenho
de uma mesma criança em momentos diferentes. Ressaltamos ainda, que dispomos de
acervos bem mais extensos e pontuados acerca das crianças, em que o foco na
observação e sistematização dos dados realça o trabalho pedagógico e seus
direcionamentos cotidianos, no entanto, nossa escuta está mais voltada à aprendizagem
do que à prática docente em sala de aula.
Esses diagnósticos contínuos fizeram-nos identificar que os registros
elaborados permitiram certa autonomia seja por parte dos bolsistas alunos de graduação
ou pós-graduação, ou em relação ao professor, quanto ao domínio das situações de
aprendizagem em sala de aula, uma vez que diagnosticavam detalhadamente o
desempenho de cada criança. Esse detalhamento está atravessado por uma escuta
aguçada aos pormenores da linguagem, apresentada por De Lemos (2002) e reforçada
por Belintane (2013) caracterizada pelo manuseio com traquejos com a oralidade, que
não atende estritamente aos critérios de uma escuta psicanalítica, embora com esta
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podemos estabelecer pontes teóricas, principalmente quando tentamos acionar
memórias nas crianças acerca de narrativas trabalhadas e quase sempre, ouvimos
repetições expressando não lembrarem das histórias. A respeito do discurso nem sempre
expressar o que o sujeito quer dizer de fato, Lacan (1987, p. 275) reconstruindo a teoria
freudiana afirma: “[...] atrás do que diz um discurso, há o que ele quer dizer e, atrás do
que quer dizer, há ainda outro querer dizer e nada será nunca esgotado.” Nesse sentido,
a fala das crianças pode representar memórias nem sempre acionadas pelo sujeito, como
se o não necessariamente não representasse uma negatividade. Essa escuta por sua vez,
atende a critérios pedagógicos de direcionamentos de atividades, mediante dados que as
próprias crianças fazem surgir em suas falas ou em seu silêncio cotidiano através da
resistência às atividades.
É imprescindível destacarmos que, ao lidarmos com as crianças, diversas
situações instigam-nos a pensar a heterogeneidade como algo a ser manejado
pedagogicamente e implica em estratégias diversificadas de trabalho. Essa
heterogeneidade historicamente debatida em educação, passa a ser vista não somente do
ponto de vista cultural ou de acesso à educação, mas possibilita momentos de
discussões e elaboração de estratégias que possibilitem a inclusão das crianças nas aulas
respeitando-as em seus diferentes processos de entrada na alfabetização.
Realçamos ainda, que o atendimento às demandas de continuidade na
aprendizagem infantil entre etapas de ensino e em um mesmo ano letivo sistematiza um
conjunto de informações sobre as crianças em que são retomadas atividades
desenvolvidas na Educação Infantil, dentre outras formas de registros da aprendizagem
das crianças, considerando-as como parte de um processo contínuo independente das
mudanças entre etapas de escolaridade a que são submetidas. Essa preocupação de
manter a perspectiva contínua da aprendizagem das crianças, perpassa as mudanças
entre os anos iniciais do ensino fundamental, de forma que no início de cada ano letivo,
sejam retomados os registros do ano anterior, em uma perspectiva cíclica de
aprendizagem.
2. Impactos diretos na alfabetização infantil
Dos 50 (cinquenta) alunos acompanhados interruptamente em suas
aprendizagens, apresentados na introdução deste artigo, cerca de 45 ao final de 2014,
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apresentaram condições satisfatórias de darem continuidade a seus estudos, o que
caracteriza aproximadamente, 90% de entrada das crianças na escrita e na leitura. Quase
a totalidade desses alunos lê fluentemente, respeitando a pontuação e interpretando o
texto, independente de lidarem com palavras conhecidas ou desconhecidas. Uma
pequena parcela, equivalente a 10 alunos, ainda encontra dificuldade na leitura de
palavras desconhecidas, embora todos tenham ingressado na escrita. Cerca de 5 alunos
ainda se deparam com entraves na leitura e na escrita, embora todos tenham avançado
em suas aprendizagens, compõem as crianças que caracterizamos como especiais por
necessitarem de acompanhamentos em seus processos de aprendizagem, mesmo
avançando nesses processos.
Para além desses dados significativos que impactam diretamente nos resultados
finais das turmas, consideramos ainda, o amplo repertório que as crianças adquiriram no
decorrer desses anos com narrativas locais, regionais e universais, fortemente enfocadas
na pesquisa. A relação de enamoramento com os contos, principalmente acumulativos, é
visível na expressão da linguagem infantil, o encantamento com as narrativas parece
despertar nas crianças experiências únicas ao deleitarem-se sobre cenários, enredos e
personagens que as embalam em um mundo de encantamento que também envolve os
docentes que conduzem esse processo.
O rebus, ao possibilitar um contínuo jogo entre som, imagem e palavras tem
possibilitado às crianças um esforçoso trabalho mental, porém, prazeroso quando
iniciam seus processos de retroação à sílaba inicial das palavras, acrofonia e
brincadeiras envolvendo palavras, até mesmo em situações que extrapolam as paredes
da sala de aula e invadem momentos como o intervalo. As palavras-valises por sua vez,
se fez presente no cotidiano das salas de aula. Brincadeiras como “a palavra secreta1”
tem entusiasmado as crianças a adivinharem a junção de palavras que constituem outras,
em um contexto de brincadeiras e jogos direcionados pelos professores em salas de aula.
As adivinhas e as rimas também encontraram espaço nos planos de ensino
semanalmente elaborados pelos professores e bolsistas. Propositalmente, apostamos nos
jogos de palavras próprios da linguagem oral que encantam e fazem parte da cultura
local que constitui o entorno escolar. O trabalho com a informática envolvendo
atividades com jogos oriundos de aplicativos instalados nos tablets se consolidou, além
de um recurso instigante para os alunos que se rendem ao trabalho pedagógico, como
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uma ferramenta que aguça o interesse e motiva os alunos a se inserirem na realidade
escrita, conforme suas diferentes formas de entrada.
Em relação à impactos desta pesquisa nas avaliações externas, provocamos
discussões profícuas acerca dos formatos e do nível de complexidade que estas tem
provocado, de forma a desconsiderar as particularidades locais/regionais que compõem
o entorno das escolas que trabalham com os anos iniciais. Tais discussões
desembocaram na sistematização de testes de leitura, escrita, interpretação e produção
textual por parte dos membros da pesquisa Desafios que revelaram dados acerca do
nível de complexidade das atividades elaboradas para as aulas e a necessidade da
interpretação textual ser explorada desde os primeiros anos de escolaridade das crianças.
Para além dessas discussões, temos como amostra ilustrativa os resultados da Provinha
Brasil, durante os anos de 2012, em que as turmas de 2º ano, com as quais trabalhamos,
garantiu nível 04 em leitura, com números bem próximos do nível 05. Em relação à
matemática, as crianças alcançaram nível 05, esse último, correspondente ao
quantitativo máximo exigido.
Quanto ao resultado de outras avaliações externas como o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica − IDEB, a escola tem atendido à projeção de
metas, mas isso já vinha se consolidando antes mesmo da entrada do projeto na escola
em 2011, conforme dados abaixo. Acreditamos em impactos qualitativos desta pesquisa
no IDEB, porém, outros fatores como a diminuição no índice de evasão e reprovação
nas turmas favoreceu tais resultados, conforme abaixo apresentados:
Tabela 1 – IDEB – Escolas envolvidas no Projeto Desafios
ESCOLA
ANOS
2007 2009 2011 2013
ESCOLA CAMPO DE
PESQUISA
2.6 3.5 3.8 4.9
Fonte: Elaborada pela autora com base em dados disponíveis no site do MEC, conforme Brasil (2013).
Em relação a outros resultados como a Avaliação Nacional da Alfabetização –
ANA, esta aponta índices que oscilam entre os anos 2013 e 2014 em que os alunos não
se mantem em níveis satisfatórios. Averiguando esses resultados, diagnosticamos que
grande parte das crianças avaliadas, em função de um número elevado de fluxo nas
turmas, não era acompanhada pelos membros da pesquisa, algumas turmas chegavam a
ter quase 50% de alunos que não eram acompanhadas desde o 1º ano. Tais dados
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apontam que fatores como o fluxo de alunos nas turmas e na escola afetam a
continuidade da aprendizagem e contribuem para resultados nacionais nem sempre
satisfatórios. Outro fator que diagnosticamos na realização da prova ANA diz respeito à
questões de cunho atitudinal, ou seja, alguns alunos respondem as provas,
apressadamente, na intenção de não se prenderem à atividade ou à sala de aula, de
forma que a motivação do professor para a realização da avaliação torna-se
imprescindível nesse processo.
3. Apontamentos acerca do (re)dimensionamento curricular
No que se refere ao processo de redimensionamento curricular discutimos
coletivamente entre os pesquisadores/bolsistas concepções de subjetividade, oralidade e
escrita pautadas em estudos de Belintane (2008, 2010, 2013), Havelock (1995 e 1996),
Kleiman (1995) e Tfouni (2001) conectados à referências legais para a Educação Básica
e o Ensino Fundamental de Nove Anos.
No intuito de repensarmos propostas conectadas às já existentes na escola
campo de pesquisa, pontuamos ainda, reflexões acerca do Projeto Pedagógico da escola,
a proposta de Educação Infantil, do 1° ao 5° ano e o Regimento Escolar até então
vigentes. Discutimos ainda, sobre os Programas dos quais a escola participava, dentre
eles: o Plano de Desenvolvimento da Educação − PDE; o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa − PNAIC, além de Projetos como Trilhas Potiguares,
Justiça e Escola e o Projeto Desafios ao qual nos reportamos neste artigo.
Os estudos apontaram a necessidade de redimensionamentos em aspectos, tais
como: O trabalho pedagógico - observações, diagnósticos e estratégias de ensino;
Estrutura, organização e funcionamento dos anos iniciais do ensino fundamental e A
dobradiça entre educação infantil e o 1º ano e os anos posteriores. Essa discussão
culminou na elaboração de objetivos, conteúdos, estratégias de trabalho e avaliação da
aprendizagem inerentes aos anos iniciais do ensino fundamental.
Incorporamos aos objetivos mínimos e de transição, discussões sobre a letra
nos anos iniciais enfocada sob o ponto de vista pedagógico. A acrofonia foi considerada
quando discutida a necessidade de os professores terem clareza acerca de um olhar e
uma escuta aguçada aos desencontros acrofônicos no início do processo de
alfabetização das crianças. As palavras-valises e o revestrés, não constantes nas práticas
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das professoras antes de ingressarem na pesquisa, facilitaram muitos processos de
aquisição da língua escrita por parte das crianças, de jogos de palavras à criação de
histórias fictícias com nomes elaborados pelos alunos no cotidiano escolar. O rébus,
possibilitou um trabalho com imagens, sons e palavras escritas para além das sílabas
iniciais das palavras. No manejo com a oralidade, destacamos ainda, os trabalhos com
as narrativas orais, desde as africanas às regionais. Para além das narrativas, outros
traquejos orais possibilitados pelo uso dos trava-línguas, parlendas, quadrinhas,
adivinhas, provérbios, textos rimados e cantigas de rodas, que compõem a cultura oral,
fizeram-se presentes na dinâmica semanal das crianças. Essa presença materializava-se
na facilitação do processo de alfabetização, seja construindo relações entre as
singularidades infantis e as narrativas orais, seja permitindo um encontro com gerações
e fantasias, propiciado por textos dessa natureza. O reconto foi incorporado à prática das
professoras envolvidas na pesquisa. Nesses recontos, analisamos a compreensão das
etapas presentes na narrativa, incluindo noções de início, meio e fim. Ainda, houve a
troca de palavras por expressões/confusão entre palavras com a mesma sonoridade.
Avaliava-se se os personagens existentes no reconto eram os mesmos que apareciam na
narrativa. Critérios como intertextualidade e criatividade eram acrescidos a análises dos
recontos feitos pelas crianças, fossem transcritos de forma literal ou não. Ressaltamos
ainda que, até então, o diagnóstico não era utilizado pela escola como atividade
diagnóstica.
Em termos de hipótese de escrita, sentimos a necessidade de defini-la desde o
1º ano, na perspectiva de nortear o trabalho docente, sempre reforçando que o
imprescindível ao avaliarmos a aquisição da escrita infantil é a descrição do que a
criança realiza, posto que muitas crianças acabam por sinalizar características que
pertencem a mais de uma fase de hipótese da escrita. Optamos por denominar a leitura
significativa como a ser atingida pelas crianças, compreendida como interpretativa,
inferencial, retroativa e compreensiva. Esse tipo de leitura compreende a leitura para
além da decodificação de códigos linguísticos. Perpassa a leitura de imagens através do
reconhecimento de ilustrações, que representam cenas de histórias conhecidas, a
descrição de personagens, as ações, o cenário até a leitura compreensiva, inferencial,
interpretativa e retroativa. Vai do domínio da sílaba simples à complexa, da leitura de
palavras às frases, aos parágrafos e aos textos
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Quanto à compreensão textual, esta foi explorada desde o 1º ano, partindo da
análise das respostas emitidas pelas crianças a questões básicas acerca do texto, embora
com desorganização de ideias e fuga da centralidade do conteúdo, bem como com ideias
escritas sob forma textual mais longas e organizadas. Convém ainda ressaltarmos que,
identificamos a necessidade de projetos de demandas que atendessem às lacunas na
aprendizagem das crianças surgindo a partir das dificuldades apresentadas pelas
próprias crianças.
Esses encontros também fizeram emergir alguns fatores que merecem ser
destacados, dentre eles: a insegurança dos profissionais da escola ao elaborar sua
própria proposta. Tal insegurança parece surgir como fruto de uma história da educação
movida por modelos, em que os módulos de trabalho são previamente elaborados e
determinam o que será operacionalizado pelos professores, quando não o são, sentimos
a insegurança dos profissionais, movidos pela vontade, porém revestidos de insegurança
perante o novo elaborado à várias mãos num contexto de dúvidas geradas pelo Ensino
Fundamental de Nove Anos.
Associada à essa insegurança é também diagnosticável, no campo da formação
profissional, a autonomia docente adquirida quando os professores participam de
processos de tomadas de decisões, de elaboração coletiva de propostas curriculares. Os
discursos expressados demonstram maior interesse em se aprofundar de discussões
sobre a aprendizagem infantil e questões políticas da educação.
Algumas considerações
No decorrer deste trabalho investigativo sentimos as dificuldades que as
escolas encontram no seu trabalho cotidiano, bem como, diagnosticamos a urgência de
direcionamentos pedagógicos que partam das demandas reais das escolas como
princípio norteador de uma educação que atenda às heterogeneidades dos alunos em
salas de aula. Trabalhos direcionados às heterogeneidades das turmas atestaram que é
possível atingirmos não somente números satisfatórios na aprendizagem infantil, mas
acima de tudo, contribuirmos diretamente para a inclusão social a partir da escola.
Sempre teremos alunos que denominamos especiais, que necessitam de
acompanhamento em suas aprendizagens, no entanto, é necessário que sejam incluídos
na dinâmica do ensino da oralidade, leitura e escrita, mesmo nem sempre apresentando
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um desempenho satisfatório. Os objetivos, conteúdos e procedimentos de ensino
necessitam abarcá-los em suas diferentes entradas na alfabetização.
Temos diagnosticado inúmeros objetos de estudos que fluem de um trabalho
como esse e necessitaríamos de muitos diários de campo para registrar os desafios que
afloram do cotidiano escolar, porém, as experiências significativas que surgem no calor
das relações estabelecidas em sala de aula merecem ser registradas. O prazer de
presenciarmos o encantamento das crianças quando inseridas na realidade letrada
apresenta-se como algo fantástico para nós pesquisadores. Não é só um excluído
socialmente que a escola passa a ganhar, mas acima de tudo, um ser pensante, com seu
mundo de experiências que passa a nos contagiar e acima de tudo, nos ensinar que
insistir em uma educação que respeite as singularidades em meio às heterogeneidades
vale a pena.
Também temos observado o quanto as experiências formativas dos bolsistas
tem contribuído para seu crescimento acadêmico. A escuta tanto às crianças quanto aos
que com elas se deixam aprender, tem muito nos ensinado sobre a aprendizagem nos
anos iniciais do ensino fundamental e a necessidade de estar atento aos apelos
silenciosos das mesmas. Os próprios registros de aprendizagem elaborados tem, com o
passar do tempo, modificado seu formato: De registros gerais para sistematizações
minuciosas e detalhadas acerca da aprendizagem do aluno.
Nosso discurso não se reveste de sonhos irrealizáveis, nem mesmo, assume
uma perspectiva redentora de educação, mas é aprendendo com as crianças, é
permitindo-nos conhecer seu mundo que nos despimos das grandes discussões teóricas e
deixamos falar as experiências nem sempre notadas ou anotadas, que se perdem em
meio aos IDEBs e morrem sufocadas nas grandes teorias que não deixam falar quem
pode nos ensinar muito: As crianças.
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______. A musa aprende a escrever: reflexões sobre a oralidade e a literacia da
Antiguidade ao presente. Lisboa: Trajectos 33, 1996.
KLEIMAN, Angela Del Carmen Bustos Romero de. Os significados do letramento:
uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras,
1995.
LACAN, Jacques. A função criativa da palavra. In: LACAN, Jacques. O Seminário,
livro 1: Os escritos técnicos de Freud. São Paulo: Jorge Zahar, 1987.
TFOUNI, Leda. Veridiani. Letramento e alfabetização. 8. ed. São Paulo: Cortez,
2006.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Relatório anual da
pesquisa: O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental
de nove anos. Relatório. Pau dos Ferros, 2012.
______________________
1 Projeto financiado pela CAPES, aprovado via Edital n. 038/2010/CAPES/INEP, desenvolvido entre os
anos 2011 e 2014 nas Escolas de Aplicação da USP e da UFPA e em uma escola da rede municipal de
ensino, na UERN. A partir de então, as referências a esse trabalho investigativo se reportarão a este como
Projeto Desafios.
1 Estratégia didática que oportuniza à criança a descoberta das relações quantitativa e qualitativa que
marcam o cotejo entre oralidade e escrita. Seu trabalho necessita ser precedido pelo princípio acrofônico
da leitura de imagens, com foco na primeira sílaba.
1 Jogo criado pelos bolsistas com embalagens e desenhos, em que cada criança ao voltar do
intervalo, terá que descobrir as palavras-valises contidas em cada desenho, sempre relacionadas
às narrativas trabalhadas no turno anterior, ou conforme a necessidade da criança. Caso não
acerte, cada criança irá novamente tentar outras palavras, para que sua entrada na sala seja
garantida.
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3006ISSN 2177-336X
26
CONSTRUINDO A PESQUISA NA ESCOLA: RESULTADOS DO PROJETO “O
DESAFIO” (2011-2014) NO POLO BELÉM (UFPA)
Thomas Massao Fairchild (UFPA)
Resumo: Neste trabalho apresentamos parte dos resultados finais do projeto “O desafio
de ensinar a leitura e a escrita no contexto do Ensino Fundamental de 9 anos”
(OBEDUC/2010 – projeto 20) obtidos pela equipe sediada na Universidade Federal do
Pará, em Belém. Levamos em consideração dois dos objetivos do projeto: a) a
coletivização do trabalho pedagógico e b) o manejo das heterogeneidades em sala de
aula. Apresentamos recortes de dados que mostram onde conseguimos e onde não
conseguimos alcançar esses objetivos. Com base nesses recortes procuramos discutir a
pergunta – pode-se construir uma pesquisa a partir de dentro da escola? Os recortes
trazidos para discussão consistem em: a) um fluxograma das turmas atendidas pela
equipe nos anos de 2011 a 2014; b) um fluxograma dos reagrupamentos semanais de
alunos por faixa de desempenho, que realizamos como estratégia pedagógica e
formativa; c) um quadro com resultados de uma avaliação de leitura realizada no ano
final do projeto. Embora esses dados não representem a totalidade das estratégias
adotadas pela equipe, acreditamos que eles sejam suficientes para mostrar o impacto
que o projeto teve na escola-parceira: obteve-se uma melhora sensível no desempenho
dos alunos que foram acompanhados de maneira ininterrupta por três anos, mas não se
conseguiu garantir a integralidade do trabalho com todos os alunos em virtude de
circunstâncias como trocas de professores e coordenadores, remanejamento de alunos
etc. A interferência recorrente de fatores dessa ordem sugere que o conhecimento
produzido pela pesquisa teve efeitos no âmbito didático (em sala de aula), mas não foi
suficiente para modificar as bases de algumas práticas da administração escolar que
poderiam ter levado a resultados melhores.
Palavras-chave: Alfabetização; Trabalho Docente; Formação de Professores
Introdução
O projeto “O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do Ensino
Fundamental de 9 anos”, financiado pelo programa Observatório da Educação
(OBEDUC/2010 – projeto 20), foi desenvolvido de 2011 a 2014 em três polos:
Universidade de São Paulo (São Paulo); Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (Pau dos Ferros); e Universidade Federal do Pará (Belém). Neste trabalho
apresentamos uma parte dos resultados do projeto obtidos pela equipe da UFPA,
sediada em Belém.
O projeto teve como problema de pesquisa as dificuldades de transição da
Educação Infantil ao Ensino Fundamental e as causas do desempenho fraco de alunos
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brasileiros nas avaliações de leitura nacionais. Baseando-se no acompanhamento
longitudinal de turmas do Ensino Fundamental nos três polos, o projeto visou à
proposição de modelos de organização do trabalho pedagógico e de ação didática que
levassem a uma melhoria dos resultados de desempenho em leitura e escrita,
especialmente considerando a reorganização desse nível de ensino em regime de ciclos.
Dentre as hipóteses do projeto incluem-se: a) que um investimento na oralidade pode
favorecer uma entrada mais dinâmica e significativa da criança na leitura; b) que parte
dos impasses enfrentados pelas crianças resulta do modo como sua subjetividade se
constrói nas relações com a escola; c) que um trabalho pedagógico em equipe, assumido
coletivamente pela escola, pode dar conta de diagnosticar, acompanhar e fazer o manejo
dos fatores complexos que estão envolvidos na entrada da criança na escrita.
Os resultados que apresentamos aqui foram dois dos objetivos específicos do
projeto: a) a criação de estratégias de coletivização do trabalho pedagógico e de
responsabilização compartilhada sobre as aprendizagens dos alunos; e b) o manejo das
heterogeneidades em sala de aula por meio de diagnósticos amplos e diversificados,
levando em conta tanto a aquisição de conhecimentos objetiváveis quanto as posições
subjetivas dos alunos.
O projeto desenvolveu-se essencialmente como uma pesquisa-ação de cunho
qualitativo e interventivo, que envolveu professores da escola parceira e pesquisadores
de graduação e pós-graduação. A equipe atuou em sala de aula, por meio de um regime
de co-docência (um professor “residente” e um pesquisador externo, assumindo papéis
simétricos) e também se constituiu como espaço de estudo, pesquisa e discussão de
temas variados – incluindo-se a leitura de textos teóricos, a discussão de projetos e
materiais didáticos adotados na escola etc. Para registro de dados, adotou-se uma linha
inspirada na etnografia escolar, coletando-se dados documentais (livros, “apostilas” e
outros materiais escolares; material de programas de formação de professores etc.) e
descrições densas do cotidiano escolar. Os registros diretos de sala de aula, na foram de
diários de campo, originaram diversos outros dados que resultaram da tabulação e
reorganização das informações coletadas dessa forma, como quadros, tabelas e
fluxogramas.
Apresentamos aqui três recortes de dados que consistem em instrumentos de
síntese de informações coletadas por outros meios. Com base neles discutimos como
procuramos cumprir os dois objetivos acima. O primeiro recorte consiste em um
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fluxograma das turmas atendidas pelo projeto, a partir do qual apontamos problemas
que afetaram a continuidade do acompanhamento de parte dos alunos. Esses problemas
mostram que nem sempre houve sintonia entre as propostas vindas da equipe do projeto
e as decisões da coordenação pedagógica da escola. O segundo recorte consiste em um
fluxograma da estratégia que chamamos de “reagrupamentos semanais”, por meio da
qual procuramos contornar alguns dos problemas mencionados acima. Esse fluxograma
mostra alguns critérios utilizados no diagnóstico dos alunos, e também como fizemos o
enfrentamento da tendência à individualização do professor alfabetizador no cotidiano
da escola. O terceiro recorte é em um quadro comparativo do desempenho das turmas
em um teste de leitura realizado em 2014. Embora o resultado se restrinja a um só eixo
de avaliação, utilizamo-lo para ilustrar o desempenho atingido pelos alunos
acompanhados pelo projeto e a diferença de resultado entre as turmas que foram
integralmente acompanhadas e as que tiveram descontinuidades em seu percurso
escolar.
Com esses recortes, além de expor parte das atividades desenvolvidas pela
equipe do projeto sediada em Belém, procuramos responder a uma pergunta que articula
diferentes aspectos de nossa experiência – pode-se construir uma pesquisa a partir de
dentro da escola? Não nos propomos a responder essa pergunta de forma propositiva ou
teórica; apresentamos como esboço de resposta a ela elementos concretos de nossa
própria experiência, tendo passado quatro anos à frente de uma proposta de pesquisa-
ação interventiva dentro da escola.
1. O pedagógico e o administrativo: desencontros na construção da pesquisa
No polo de Belém, o projeto foi desenvolvido em uma escola-parceira de médio
porte, que atende todos os níveis da Educação Básica (do Infantil ao Médio) e funciona
nos três turnos (matutino, vespertino e noturno). O IDEB em 2013 foi de 5,8 – o que a
coloca acima da média estadual (4,0) e nacional (5,2), e entre as mais bem avaliadas do
Pará. A escola recebe costumeiramente pesquisadores universitários, além de possuir
seus próprios projetos e também participar de programas governamentais (como o
PNAIC e o PARFOR). Ela possui uma coordenação de pesquisa e extensão própria, que
é responsável pelo registro e acompanhamento dos projetos desenvolvidos em seu
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âmbito. Os professores escola podem ter parte da carga horária de seu plano semanal de
trabalho alocada para atividades de pesquisa e extensão.
O Ensino Fundamental de 9 anos começou a ser implementado na escola em
2010, de modo que as turmas de 1º e 2º ano acompanhadas pelo projeto em 2011 foram
as primeiras inseridas no novo regime de ciclos. O quadro abaixo mostra as turmas
acompanhadas pelo projeto.
Quadro 1 – Fluxograma das turmas atendidas
Ano 2011 2012 2013 2014
Turmas Alunos Turmas Alunos Turmas Alunos Turmas Alunos
1º
ano
1001 18 1001 20 1001 10 1001 15
1002 18 1002 15 1002 15 1002 15
1003 18 1003 19 1003 15 1003 ?
Total 54 54/34 40/25 ?/30
2º
ano
2001 13 2001 15 2001 18/12 2001 13
2002 15 2002 19 2002 14/20 2002 13
2003 15 2003 18 2003 19 2003 13
2004 15
Total 58 52 51/39 39
3º
ano
3001 14
3002 14
3003 13
3004 10
Total 51
Total geral 112 106/86 91/64 95
Ao longo de quatro anos, em Belém, o projeto acompanhou um total de 22
turmas integralmente e 6 turmas parcialmente; apenas uma turma (1003/2014) não foi
acompanhada. Foram atendidos 404 alunos. Entre as turmas acompanhadas
parcialmente (em amarelo), três (1001/2012, 1003/2013 e 2001/2013) foram turmas que
o projeto deixou de acompanhar devido a problemas com trocas de professores durante
o ano letivo; as outras três (2003/2014, 3002/2014 e 3004/2014) não tinham professor
definido no início do ano letivo e só passaram a ser acompanhadas quando isso
aconteceu. A turma 1003 (em laranja) não foi acompanhada pelo projeto por decisão
nossa, já que a professora responsável não se disponibilizou a participar das reuniões da
equipe.
O quadro 1 indicia algumas dificuldades que encontramos na condução cotidiana
do projeto e que consideramos importante discutir, pois levantam questões sobre a
disponibilidade da escola para incorporar a pesquisa em seu dia-a-dia – especialmente,
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na tomada de decisões em âmbito administrativo que afetam as condições de
desenvolvimento do trabalho pedagógico.
Primeiramente, observamos que a quantidade de alunos atendidos pelo projeto
diminuiu ao longo do tempo – foram 112 em 2011, 86 em 2012, 64 em 2013 e 95 em
2014. A redução reflete tanto os problemas que houve com rotatividade de professores
(células em amarelo) quanto o fato de que a quantidade total de alunos diminuiu
gradualmente. Em particular, nos anos de 2013 e 2014 a entrada de alunos no 1º ano
sofreu uma redução brusca – se até então o ingresso era de mais de 50 alunos, a partir de
2013 passou a ser de cerca de 40. Essa redução nunca foi levada a debate nas reuniões
do projeto – quando detectada por nós, fomos informados de que a escola havia deixado
de fazer sorteio para preenchimento de vagas no 1º ano (os ingressantes no EF/9 seriam
apenas os alunos oriundos das turmas de Educação Infantil da própria escolai). A
redução da entrada responde a um anseio algumas vezes expresso pelas professoras de
trabalhar com turmas menores, mas não tem sustento nos resultados do projeto
(veremos que não há relação entre turmas menores e resultados melhores) e
politicamente nos parece problemática (pois restringe o acesso a uma escola pública).
Embora isso não seja diretamente visível no quadro 1, passaram pela equipe do
projeto em Belém 22 professores da Educação Básica, além de 23 estudantes de
graduação (Letras e Pedagogia) e 3 pós-graduandos. A cifra de 22 professores não nos
parece positiva, pois o número elevado mostra a rotatividade excessiva de docentes
dentro do ciclo. Apenas duas professoras permaneceram no projeto durante os 4 anos;
apenas cinco chegaram a atuar na mesma turma por mais de um ano e outras 4 atuaram
por exatamente um ano; 13 professoras tiveram passagens mais breves – o que significa
que deixaram ou assumiram turmas com o ano letivo em curso. Essa rotatividade esteve
relacionada com aposentadoria de professores efetivos, encerramento de contrato de
professores substitutos e dificuldades para designar professores especialmente para o 1º
ano.
Vale dizer que não encaramos a substituição de professores em si como um
problema, mas o modo como ela se deu concretamente ocasionou situações que
poderiam ser evitadas. Em todos os casos, mesmo quando a saída do professor podia ser
prevista, a escola não tinha uma solução pronta para a reposição do docente – as turmas
eram dispensadas ou ficavam sob responsabilidade de pessoas diferentes ao longo da
semana até que se alocasse um docente fixo (que, às vezes, era substituído semanas
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depois por um novo docente, agora “definitivo”). Situações desse tipo frequentemente
causavam apreensão e ansiedade entre os alunos; também não havia mecanismos – além
da própria equipe do projeto – para garantir que o trabalho iniciado por um professor
fosse continuado pelo seguinte.
Pode-se observar que a série mais atingida por problemas de rotatividade de
professores foi o 1º ano. Isso se deve em parte à dificuldade da coordenação de
encontrar professores para assumir essas turmas – os docentes que já atuavam no
Fundamental mostravam-se reticentes para assumir turmas de alunos mais novos, e os
da Educação Infantil, reticentes para assumir turmas do Fundamental. Por conta disso,
em alguns casos foram designados para essas turmas professores próximos de
aposentar-se ou substitutos. É provável que o projeto tenha ajudado a escola a discutir
internamente o currículo para esse ano inicial; mas a ausência de definições mais claras
da própria escola já mostra um problema. Em qualquer caso, as substituições nunca
foram motivadas por uma decisão pedagógica e não foram feitas tendo em vista a
melhoria das condições da turma, e sim por necessidade de se contornar uma situação
administrativa.
Problemas dessa ordem a nosso ver limitam o alcance das ações pedagógicas
desenvolvidas em sala de aula – razão pela qual passamos a interromper o
acompanhamento das turmas afetadas. Ao menos em parte, eles poderiam ser resolvidos
ou evitados por meio de ações simples. Por exemplo, retomando o quadro 1, se todos os
alunos ingressantes no 1º ano em 2013 e 2014 fossem agrupados em uma única turma,
essa turma ainda seria de um tamanho semelhante às que existem na escola Nila Rêgo,
em Pau dos Ferros; se isso fosse feito, um ou dois docentes ficariam disponíveis para
assumir outras turmas (resolvendo, por exemplo, o problema da contratação de
professores substitutos) ou mesmo para desempenhar funções em dupla docência, por
exemplo, a fim de auxiliar a integração das turmas do ciclo. Problemas desse tipo
mostram que, para além do debate epistemológico sobre o ensino e das ações didáticas
realizadas em sala, a condução concreta de pesquisa no dia-a-dia leva ao enfrentamento
de questões de natureza política (não é outra a natureza do problema) que estão
sustentadas em práticas cotidianas.
2. Do individual ao coletivo: o trabalho com reagrupamentos semanais
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Uma das estratégias mais bem-sucedidas no polo de Belém foi a proposta de
reagrupamentos semanais dos alunos, que visava, dentre outras coisas, instaurar rotinas
de trabalho coletivas, que levassem a um maior compartilhamento das experiências
entre membros da equipe. A proposta dos reagrupamentos consistia em, duas vezes por
semana, dissolver as turmas regulares e reunir alunos de turmas e séries diferentes em
novos grupos compostos conforme faixas de desempenho e dificuldades semelhantes. A
ideia seria a de se criar momentaneamente grupos mais homogêneos. Essa forma de
trabalho buscava cumprir dois objetivos que não vinham sendo facilmente alcançados
nas reuniões semanais: a) coletivizar o trabalho docente e compartilhar a
responsabilidade sobre o avanço dos alunos; e b) garantir a diversidade do trabalho
pedagógico e, ao mesmo tempo, o atendimento específico e direcionado das
dificuldades dos alunos.
Com relação ao primeiro ponto, considerávamos que as reuniões semanais da
equipe não eram suficientes para garantir a circulação de informações entre os
professores e a tomada de decisões coletivas. Com os reagrupamentos, os professores
passariam a trabalhar duas vezes por semana com alunos “de outros professores”; teriam
contato direto com eles em vez de apenas ouvir a respeito nas reuniões; além disso, se
tornariam co-responsáveis por ajuda-los a superar suas dificuldades. Inversamente, cada
professor teria parte de “seus alunos” enviada aos cuidados de outro professor, de modo
que passaria a haver dois olhares sobre eles, possivelmente dissonantes.
Com relação ao segundo objetivo, professores e graduandos vinham levantando
a dificuldade de elaborar semanalmente atividades que contemplassem a
heterogeneidade das turmas (em uma mesma sala podia haver, por exemplo, alunos que
já liam textos com certa autonomia e alunos que ainda não conheciam o alfabeto). A
tendência era que se elegesse um “perfil médio” da turma (ou às vezes dois: um dos
alunos “fortes” e outro dos “fracos”ii) e as atividades fossem elaboradas tendo essa
imagem generalizada em mente. Com isso, uma parte dos alunos corria o risco de ficar à
deriva, sem que suas dificuldades fossem endereçadas com precisão. Também
percebíamos que o trabalho às vezes se centrava em um único aspecto por muito tempo
(por exemplo, apenas atividades de rébus e escrita, mas nenhuma atividade de leitura na
semana etc.). O reagrupamento era uma forma de garantir que os alunos periodicamente
entrassem num grupo em que realizariam atividades voltadas de forma precisa para a
superação de suas dificuldades.
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Um último efeito pretendido era o de fazer com que os alunos circulassem,
convivessem com outras crianças além de sua turma e eventualmente também pudessem
reconstruir suas posições subjetivas ao se verem inseridos em grupos diferentes,
inclusive ao conviverem com professores diferentes (sem o improviso das trocas
forçadas pela saída de docentes da escola).
A proposta inicial era que os reagrupamentos reunissem alunos de séries
diferentes (1º e 2º anos); houve certa resistência a essa ideia e também dificuldade de se
conciliar os horários. Por conta disso, os reagrupamentos foram realizados apenas entre
turmas do mesmo ano, no 1º e no 2º anos (em 2014, também no 3º ano). A fim de
distribuir os alunos em grupos relativamente homogêneos do ponto de vista do processo
de entrada na escrita, foram criados “grupos de desempenho” associados a pequenos
conjuntos de descritores. Em sua forma final, o trabalho pressupunha seis “grupos de
desempenho” nomeados, para fins puramente discricionários, de G1 a G5, mais um GX
que não era um grupo em si, mas correspondia a alguns alunos que por diferentes razões
eram acompanhados individualmente. O quadro 2, a seguir, resume a situação dos
reagrupamentos ao longo do ano de 2013.
Quadro 2. Reagrupamentos no ano de 2013
Nível Descrição dos alunos Objetivos Ano Ago
2013
Nov.
2013
Fluxo
G1 Não dominam rébus; ou
Não conhecem perfeitamente o
alfabeto
Têm repertório oral restrito
(lembram só de partes dos textos,
misturam, não querem
dizer/recontar etc.)
Garantir o domínio do rébus
complexo e a expansão do
repertório oral
1º
ano
7 0 6 avançaram G2
1 avançou G3
2º
ano
1 0
G2
Dominaram o rébus, mas
precariamente (só com palavras
curtas, sílabas simples etc.); não
conseguem escrever
alfabeticamente
Garantir a transição do rébus
para a escrita alfabética
1º
ano
9 7
6 avançaram G3
2 avançaram G4
1 permaneceu G2
2º
ano
9 0 6 avançaram G3
3 avançaram G4
G3
Alfabetizaram-se mas têm uma
leitura silabada, mecânica,
subvocalizada ou acompanhada
com o dedo, pouco compreensiva
Garantir a leitura compreensiva e
autônoma
Aumentar o tamanho das
unidades lidas (da leitura palavra
por palavra para leitura de frases
inteiras, depois textos)
1º
ano
4 7 4 avançaram G4
2º
ano
10 6 6 avançaram G4
4 avançaram G5
G4
Leem com fluência e
compreensão; não precisam de
Interpretação de textos (conteúdo
mais explícito): ler histórias mais
1º
ano
4 10 4 permaneceram G4
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alguém do lado para ler um texto
inteiro
longas, com mais personagens,
enredos mais complexos etc.;
desenvolver a produção escrita
(ortografia, organização textual,
reescrita etc.); criar e escrever
histórias, partes de histórias etc.
2º
ano
19 13 4 permaneceram G4
15 avançaram G5
G5 Leem com fluência e
compreensão; dão conta de fazer
inferências, enfrentar textos com
dificuldades de maneira
autônoma.
Trabalhar com a leitura
inferencial: metáforas,
metonímias (deduções lógicas
não explícitas), recursos estéticos
(“climas” das histórias etc.);
desenvolver a produção escrita
(ortografia, organização textual,
reescrita etc.); desenvolver a
produção dos alunos (criar e
escrever histórias, partes de
histórias etc.)
2º
ano
0 19
GX Alunos que consitituem casos
muito particulares, seja por
deficiências diagnosticadas
clinicamente, seja por
dificuldades muito acentuadas ou
posturas muito resistentes.
Ampliar o vocabulário
Aprender de memória alguns
textos curtos e jogos
Ad
1002
??? Mi
1001
No quadro acima, a primeira coluna contém a designação de cada “grupo de
desempenho”; a segunda coluna traz os descritores que funcionavam como parâmetro
para inclusão dos alunos em cada grupo; a terceira coluna mostra os objetivos
estabelecidos para cada faixa de desempenho (o objetivo era sempre, em resumo, atingir
os descritores do nível seguinte); a quinta e a sexta coluna mostram, respectivamente, a
quantidade de alunos em cada grupo em dois momentos do ano letivo (os alunos são
contados separadamente por série, conforme a quarta coluna); a sétima e última coluna
contém anotações sobre o fluxo dos alunos ao longo do ano – quantos passaram de um
nível para outro e quantos permanceram.
Esse instrumento é bastante intuitivo e contém algumas simplificações – seu
objetivo era ser de fácil manejo e consulta no dia-a-dia, por professores, graduandos,
pós-graduandos e coordenação da equipe. Uma rápida leitura mostra, por exemplo, que
em meados do ano letivo (agosto/2013iii
) os alunos do 1º e do 2º estavam distribuídos
em todos os quatro primeiros grupos – no 2º ano ainda havia um aluno no G1, ainda não
alfabetizado, e no 1º ano havia quatro alunos no G4, já lendo de forma compreensiva e
relativamente autônoma. A diferença entre as duas séries estava na distribuição dos
alunos por grupo de desempenho. O quadro também mostra que, entre agosto e
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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novembro, houve avanços significativos que, de modo geral, acentuaram as diferenças
entre as séries: em novembro, todos os alunos do 1º ano estavam distribuídos entre G2 e
G4, e todos do 2º, entre G3 e G5. Houve alguns alunos que avançaram duas vezes (do
G2 para o G4); uma grande quantidade de alunos do 2º ano foi “re-descrita” como G5
por se perceber, ao longo do ano, que davam conta de leituras muito mais complexas do
que as que tinham sido feitas com eles até então (e que levaram a equipe, em agosto, a
descrevê-los no G4, de forma semelhante aos “leitores” um ano mais novosiv
).
3. Botando as cartas na mesa: resultado de um teste de leitura
Um dos instrumentos de diagnóstico e avaliação utilizados pela equipe foi um
teste de leitura elaborado pela equipe de São Paulo, baseado no texto “O roubo do
fogo”, de Henriqueta Lisboa. O teste consistia em 10 questões de múltipla escolha com
quatro alternativas cada. As questões eram variadas, exigindo a comparação entre
diferentes formas de resumir o texto, a realização de inferências ou a compreensão de
passagens com metáforas, palavras pouco comuns ou expressões idiomáticas. Embora o
teste tenha sido criado tendo em vista o 4º ano, optou-se por aplicá-lo aos alunos do 3º
ano a fim de se ter um parâmetro de comparação com os resultados dos outros polos. O
quadro 3 resume os resultados obtidos pelas turmas do 3º, 4º e 5º anos em 2014.
Quadro 3. Resultados do teste de leitura “O roubo do fogo”
3001 3002 3003 3004 4001 4002 4003 5001 5002 5003 5004
Média acertos 4,2 2,3 4,1 2,6 3,8 3,4 3,75 5,3% 6,4 5,1 5,9
Mais de 5
acertos (%)
4
28%
1
8%
6
50%
2
22%
6
30%
5
27%
7
35%
11
57%
15
83%
8
42%
12
70%
5 ou menos
acertos (%)
10
72%
11
92%
6
50%
7
68%
14
70%
13
63%
13
65%
8
43%
3
17%
11
58%
5
30%
Melhor result. 8 6 7 6 10 8 8 10 10 10 10
Pior result. 2 1 1 1 0 0 1 2 3 3 0
No quadro, mostra-se na primeira linha a média de acertos por turma; a seguir,
indica-se a quantidade e porcentagem de alunos em cada turma que acertaram mais da
metade (segunda linha) ou a metade ou menos (terceira linha); as duas últimas linhas
indicam a maior e a menor quantidade de acertos obtidas por um aluno em cada turma.
Os resultados do quadro são a nosso ver bastante expressivos. Primeiro, eles
mostram que, dentre as turmas acompanhadas pelo projeto em 2014, as turmas 3001 e
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3003 tiveram um desempenho substancialmente melhor que as turmas 3002 e 3004.
Estas duas últimas turmas, conforme visto no quadro 1, foram as turmas que iniciaram o
ano sem ter professor definido e só começaram a ser acompanhadas pela equipe cerca
de um mês após o início das aulas. Elas também são turmas que foram compostas por
alunos oriundos da turma 2001/2013, que no ano anterior passou por uma mudança de
professor e um remanejamento por meio do qual parte dos alunos foi “trocada” com a
turma 2002. Trata-se, portanto, de alunos que tiveram um percurso escolar marcado por
imprevistos e não foram acompanhados continuamente – não participaram, por
exemplo, dos reagrupamentos em 2013.
Observando-se os resultados do 3º ano, pode-se notar que a turma 3001 teve a
melhor média, mas também teve um resultado mais polarizado – a média foi alta porque
um número relativamente pequeno de alunos (apenas 4, ou 28% da turma) teve um
grande número de acertos; a maior nota obtida no 3º ano (8 acertos) também está nessa
turma. Comparativamente, a turma 3003, que também se saiu bem, teve uma
distribuição mais equilibrada dos resultados (50% da turma acertou mais da metade do
teste e 50% acertou metade ou menos). Pode-se observar ainda que, nas turmas 3002 e
3004, a fração dos alunos que conseguiram acertar mais da metade das perguntas foi
muito reduzida e os melhores resultados foram bastante baixos (6 acertos nas duas). O
tamanho das turmas mostrou-se um fator irrelevante para o desempenho – a turma 3004
era a mais reduzida, com apenas 10 alunos, e a turma 3002, com 14 alunos, tinha o
mesmo tamanho da 3001 e apenas um aluno a mais que a 3003. Essa correlação sugere
que um trabalho estável e contínuo é mais importante do que uma turma pouco
numerosa.
Outro resultado interessante é que as duas turmas que tiveram melhor
desempenho no 3º também tiveram médias de acerto maiores do que as das três turmas
do 4º ano (que passaram pelo projeto em 2012, quando estava no 2º ano). O quadro
também mostra que os resultados do 4º ano foram bastante polarizados – nas três
turmas, apenas cerca de um terço dos alunos conseguiram acertar mais da metade do
teste. Houve alunos que acertaram todo o teste em uma das turmas, mas nas outras duas
a quantidade máxima de acertos obtida foi igual à da turma 3001. Os piores resultados
também foram um pouco piores do que no 3º ano – em duas turmas houve alunos que
não acertaram nenhuma pergunta. Apenas no 5º ano é que se pode observar uma
mudança significativa nos resultados, com médias acima de 5 (que em todo caso ainda
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são baixas), porcentagens acima de 50% dos alunos acertando mais da metade do teste
(ainda com uma exceção), alunos “gabaritando” o teste em todas as turmas e resultados
mínimos melhores (embora em uma turma ainda haja alunos que não tiveram acerto
nenhum).
Como não houve um preparo específico para a realização do teste mesmo nas
turmas que estavam sendo acompanhadas pelo projeto (3º ano), esse resultado mostra
que o trabalho da equipe pode ter garantido, nas turmas acompanhadas continuamente,
alguns efeitos bastante positivos: o nível de leitura dos alunos, grosso modo, revelou-se
semelhante ao de alunos um ano mais velhos que não eram acompanhados pela equipe
há cerca de dois anos.
Considerações finais
Retomando a pergunta que orientou esta exposição – pode-se construir a
pesquisa a partir de dentro da escola? –, somos levados a responder com cautela. Os
efeitos obtidos pelo projeto em sala de aula se mostraram positivos – o desempenho em
leitura, como mostrado aqui, e também em outros eixos do ensino, como a oralidade e a
produção escrita, mostrou-se ao fim do projeto melhor do que os resultados que a escola
vinha obtendo. Ao longo de quatro anos obteve-se a adesão de um grupo de docentes e a
consolidação de algumas estratégias elaboradas pela equipe permitiu que elas passassem
a ser realizadas de forma autônoma (os reagrupamentos foram assumidos por esse grupo
de professoras após o término do projeto, por exemplo).
Por outro lado, o fato de uma parte das turmas ter sido acompanhada de forma
intermitente mostra que os efeitos desse trabalho não refluíram da sala de aula para
outros âmbitos da escola. Não nos parece que problemas como os que encontramos
sejam circunstanciais; os desencontros vividos pela equipe nos levam à conclusão de
que, ao longo de quatro anos, não conseguimos superar uma descontinuidade
fundamental entre os processos de produção de conhecimento sustentados pela pesquisa
em sala de aula e os processos que sustentam decisões tomadas no âmbito da
administração escolar (mesmo quando os mesmos indivíduos participam de ambas).
Isso sugere que pesquisas que visem à implantação de modelos de currículo ou
procedimentos metodológicos precisam elaborar estratégias específicas para fazer com
que o conhecimento produzido a partir do trabalho em campo (na sala de aula) circule
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nas esferas administrativas da escola e afete as práticas que se desenvolvem aí, em certa
medida autônomas em relação às práticas de ensino propriamente ditas, mas
fundamentais para o bom resultado destas – especialmente em uma perspectiva
longitudinal.
i Somos levados a crer, de todo modo, que ou aconteceu uma redução na entrada do Infantil, ou aconteceu grande evasão nesse período. ii Sabemos que os termos “forte” e “fraco” têm conotações políticas e epistemológicas delicadas no
campo da alfabetização. Não estamos defendendo o seu uso (por isso as aspas), mas constatando que, cotidianamente, pressentimos que categorias desse tipo começavam a se formar no trabalho da equipe. Toda a discussão seguinte ilustra nosso esforço para superar, definitivamente, uma visão dicotômica da criança em alfabetização. iii Devido à greve dos professores universitários das IFES ocorrida em 2012, o ano letivo de 2013 só
iniciou em abril. No mês de agosto estávamos encerrando o segundo bimestre. iv O nível G5 e sua descrição foram criados depois de agosto, à medida que se incentivou o trabalho com
leituras mais extensas e complexas. O deslocamento dos alunos na tabela provavelmente se deve mais a uma avaliação subestimativa em agosto do que a um avanço tão grande em quatro meses.
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