O Demônio Branco

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    O DEMNIO BRANCO

    ROLANDO JNIOR

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    Dedico este conto primeiramente a DEUS pela luz recebida e pelodom me dado, a minha esposa Adriana que sempre me apia emcada palavra digitada e a J.R.R. Tolkien, que sem ele, nenhuma dasestrias medievais existentes, seriam to emocionantes.

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    O Demnio BrancoRolando Jnior

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    Copyright Rolando D. F. Jr. (Rolando Jnior), 2010O Demnio [email protected] http://mestre-book.blogspot.com/

    Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo total ou parcial desta obra atravsde quaisquer meios.

    Capa:Edio e Reviso

    Jnior, Rolando Dornelas Ferro. 1978O Demnio Branco / Rolando JniorBarbacena, MG

    294 pginas

    1 . Romance 2 . Fico 3 . Guerra 4 . Fantasia 5 . Medieval 6 . Suspense

    I . Ttulo II . Srie

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    ndice

    Lembranas.......................................................7Revelaes.......................................................25

    O Demnio Branco ..........................................32

    Refgio............................................................53

    Barbrie...........................................................79

    Renncias..........................................................97Ira......................................................................110

    Sobrevivncia .................................................126

    Alegrias e tristezas ..........................................136

    Preldio............................................................156

    Batizado...........................................................175Destino.............................................................192

    Treinamento Final ...........................................210

    Eles..................................................................226

    Sobrevivncia ..................................................242

    Uma nova chance .............................................248Cobia........ .....................................................271

    Eplogo ...........................................................288

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    Segue abaixo uma listagem dos principais nomes citados nesta estria. Como somuitos e incomuns, decidi adicionar este atalho para que leitura flua constantemente.Evite l-los antes da estria, pois nela contm algumas informaes sobre a mesma.

    NOME DOS PERSONAGENS

    ASKAFILHA ADOTIVA DE PERSAN

    KEYSHAMELHOR AMIGA DE ASKA

    PERSANPAI DE ASKA

    ANERYDEMNIO BRANCO

    RENTURFERREIRO DA VILA

    EFLIUSNOME DE UM MAR AO NORTEAZUL MARINHO

    ARTELOSREI DAS TERRAS DO BOSQUEPOLOMEUIRMO DE ARTELOS E PAI DE NLIZAN

    NLIZANFILHA DE POLOMEU E ME DE ASKA

    NNOMASCIDADE PORTE MDIO VIZINHA DA VILA DE ASKA

    VILA DE TNISVILA ONDE MOROU ASKA NA INFNCIA

    SR. TALIBEVELHO ESCLEROSADO, PAI DE AKONYA

    AKONIAFILHA DE TALIBE, EMPREGADA REAL

    APNCIOLDER DOS REFUGIADOS.

    FABIANESGRIMISTA CEGO QUE TRABALHOU NO CASTELO

    MADABUSCIDADE PORTURIA DE GRANDE PORTELAR DE FBIAN

    ALURDIS E LAMARDISIRMS GMEAS COZINHEIRAS DO SACERDOTE.

    CALIUSSACERDOTE DA CATEDRAL DE INX EM NNOMAS

    LUDRIELPAI BIOLGICO DE ASKA

    ZAMORAELFA ANCI QUE TREINOU A ME DE ASKA ANOS ATRS

    NADINEAMAZONA RUIVA DA CIDADE INVISVEL

    RAPHIAUM DOS ANJOS DE INX. COMO UM ESPRITO.OLIDRIELANJO DE INX QUE COSTUMA AUXILIAR OUTROS ANJOS.

    MITRYCIDADE DE PORTE MDIO, ONDE VIVE O PAI DE ASKA.

    ZUNNURYSUCCUBUS QUE CRIOU O ELMO DO DEMNIO BRANCO.

    DORLAVAX VASHMUNBARO DAS TARTREAS.

    TARTREASREINO LONGINCUO DE ONDE VEIO ANERY E O BARO.

    LMIARCIDADE MURADA ONDE ASKA CONHECEU O BARO.

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    Captulo 1Lembranas

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    Nestas eras de trevas em que nos encontramos, onde os

    mortos so incontveis e o cheiro de podrido torna-se

    parte de nossas vidas, nossos coraes ardem de tristezasempre que nos deparamos com este cenrio catico. Os

    corvos se multiplicaram muito desde que o cu se tornou

    vermelho e as nuvens negras. difcil distingui-los no

    cu mesmo ao dia. H muito tempo venho os observando

    e descobri que esto ficando mais inteligentes epresunosos. Eles no esperam mais suas vtimas

    morrerem como antigamente faziam, eles agora at

    ajudam o desventurado morte mais rpida. As moscas

    tambm cresceram de nmero absurdamente. So tantas,

    que em determinadas reas fica invivel caminhar semleno boca. Estes insetos eu acredito, que esto

    evoluindo, pois eu nunca vi em toda a minha vida um

    bando deles voarem em sinistra sincronia para atacar

    doentes e velhos, praticamente tentando devor-los assim

    como os corvos. O farto banquete de cadveres em todosos lugares facilitou a proliferao destas moscas sem

    alma e sedentas de sangue. Acredito que sua populao

    tenha crescido tanto, devido falta de seu mais temido

    predador, ao qual sempre desconheci, mas que acredito

    ter seu habitat na antiga e lmpida gua. Esta por sua

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    vez no tem outra cor seno a do cobre. Acredito que seja

    uma mistura do sangue dos mortos com sua carne

    decomposta que habita o seu interior. Somente a chuvaainda nos mantm vivos. Os tempos difceis infelizmente

    terminaram, agora, s nos resta o fim dos tempos. Nunca

    pensei que fosse dizer isso, mas, do jeito como vo as

    coisas, no acredito que pelo menos os humanos vivam

    por mais um ano. Se este sempre foi o desejo dos deuses,como nenhum profeta ou orculo previu isto? Ser que

    ento eles no esperavam por tanto mal? Ou ser que o

    grande panteo no seja preo contra ele? Se os deuses

    tm como alternativa a fuga, ns, meros mortais, o que

    temos de escolha? Onde poderamos esconder nossavelha esperana e morrer com dignidade se que temos

    direito a ela? E se pudssemos, mesmo que por um

    momento, desfrutar de uma chance de acabar com este

    preldio infernal em que estamos vivendo? E se essa

    possibilidade existe? Quem ser o abenoado dos deusespara acabar com todo o nosso sofrimento? Minha espada

    no mais busca morte e sangue, ela busca somente honra.

    Mas onde conseguir novamente nossa honra? Quando o

    pesadelo vivo cessar? Quando poderemos nos deitar e

    somente ter bons sonhos, sem nos preocupar com os

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    corvos, as moscas, o mau cheiro e o mau pressgio?

    Acho que no cabe a mim responder todas essas

    perguntas, mas sim, procur-las onde quer que estejam.

    H trs anos, um pouco antes da Era das Trevas, eu

    estava fazendo o meu dcimo quinto aniversrio. Meu

    pai ainda no concordava com o presente que eu havia

    lhe pedido, mas eu sabia que ele me presentearia comele. Eu o conhecia bem e sempre fomos muito ligados

    tambm. Acho que por causa da ausncia de minha

    me. Eu no me lembro dela nem um pouco. Meu pai me

    disse uma nica vez que ela morreu quando eu tinha trs

    anos de idade, mas acredito no ser verdade. No sei porque, s acredito. s vezes sonho que eu a vejo na

    floresta, sentada ao p de uma rvore bem antiga. Ela

    sempre olha pra mim com um semblante triste, chorando.

    Eu no consigo chegar perto dela, s fico parada.

    estranho. O meu pai evita falar sobre minha me paramim. Pra deix-lo chateado durante o dia todo, basta

    tocar nesse assunto. H um tempo que eu no toco no

    assunto, acredito que quando chegar a hora ele vai me

    falar. Neste dia eu havia acordado bem cedo, meu pai j

    havia sado pra lavoura. Estvamos no meio da

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    primavera e fazia um calor considervel. Eu e Keysha

    fomos colher algumas frutas porque a me dela iria

    preparar uma de suas deliciosas tortas pra comemorar omeu aniversrio. Sabamos que no devemos nos afastar

    muito da vila porque poderamos nos perder na floresta,

    mas este dia nos afastamos e muito. A cada passo dado,

    achvamos frutas melhores. Quando percebemos, j

    havamos perdido nossa trilha. Keysha tinha um ano amais que eu e estava tentando se manter calma para

    pensar em uma soluo. Eu reparei que ela estava aflita

    por dentro, mas no demonstrei saber. Estvamos

    literalmente no mato sem cachorro at que Keysha teve a

    idia de procurar uma rvore bem alta pra empoleirar-se nela e ver se consegue achar nossa localizao. Ento

    andamos um pouco e ela achou a tal rvore. Eu j estava

    meio cansada de andar e com fome, ento me sentei num

    velho tronco seco que servia muito bem como banco e

    peguei uma ma, que por sinal estava muito suculenta.Enquanto saboreava a ma mantive a minha mente

    vazia sem querer. No pensava em nada e parecia que

    nem escutava mais. Simplesmente entrei num estado de

    concentrao to grande que nem percebi. At o

    momento que veio um estalo em minha mente, uma coisa

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    da qual no havia percebido uma coisa que estava ali, o

    tempo todo e eu simplesmente a ignorava. A rvore em

    que Keysha subiu era exatamente a rvore dos meussonhos. Eu neste momento deixei minha ma de lado,

    que no parecia mais to suculenta e fui em direo da

    rvore. Era exatamente como no meu sonho, fiquei

    encantada com ela, sua casca velha e rstica com

    dezenas de outras plantas vivendo em sua volta. Eu atoquei com certo medo, pois ela era como se fosse um

    fantasma em minha frente. Eu andei em volta dela sem

    tirar minha mo, mesmo arrepiada dos ps cabea,

    continuei. Senti uma fora estranha correndo em mim,

    no conseguia ver nada, mas sentia. E era uma fora tointensa que eu no queria deixar de senti-la. Ento

    finalmente achei o canto em que sempre via minha me

    no sonho. Ela sempre chorando. Ento decidi sentar-me

    na mesma posio em que minha me no sonho. Fechei

    os olhos e me senti arrepiada, minhas mos formigavame uma leve brisa pairava por toda a floresta. De repente

    ouo um barulho no cho meio surdo, e passos se

    aproximando de mim. No sentia a necessidade de abrir

    meus olhos porque estava confiante de que o que quer

    que se aproxime de mim no poderia me fazer mal. Senti

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    os passos pararem em minha frente e depois parecia que

    algum havia se agachado. Senti um toque em minha

    perna que me fez abrir repentinamente os olhos. EraKeysha pensando que eu adormecera.

    _Aska, acorde menina. Diz ela com um lindo sorriso

    nos lbios.

    Keysha era uma garota muito bonita, tinha cabelo bem

    negro e liso, uma pele morena que entrava em contrastecom seus olhos. Estes por sua vez eram lindos, quase que

    nicos, eram amarelados, como os de um lobo. Mas que

    sempre transmitiam confiana. Eu a considerava como

    uma irm.

    _Eu estava acordada, s que meio que em um transe. -Disse colocando-me em p Esta rvore idntica a

    rvore dos meus sonhos. A rvore em que minha me

    chora.

    _Aska, isso deve ser s uma coincidncia, voc deve j

    ter vindo nesta parte da floresta e visto essa rvore._Tenho certeza que no estou errada. Eu senti uma coisa

    estranha me chamando a ateno nesta rvore.

    _Eu no senti nada, subi nela, vi o caminho e desci. E

    nada de mais.

    _Voc achou a trilha?

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    Keysha riu balanando a cabea num sim.

    _E deu at pra ver a vila, essa rvore bem alta.

    _Que bom, eu fico mais tranqila. Keysha ser que vocme espera um pouco? Gostaria de rezar pra minha me

    ao p desta rvore.

    _Claro Aska, claro.Keysha se afasta um pouco pra me

    dar um pouco de privacidade. Ento eu me ajoelho para

    iniciar a reza e sinto algo machucar meu joelho, algomeio pontiagudo. Vejo que no poderia ser uma pedra,

    pois quase me cortou. Desenterrei e descobri que se

    tratava de uma flecha. Mas no era uma flecha comum,

    ela parecia ser toda de prata, mas era muito leve pra ser

    desse material. Parecia ser o peso de uma flecha comum.Ela no tinha nenhum detalhe a mais a no ser que

    parecia estar nova.

    _Keysha, olha o que eu achei. Levantei o objeto para

    mostr-la.

    Keysha veio em minha direo e ficou surpresa quandodisse como a achara.

    _ linda. Parece que foi feita agora e no parece ter o

    peso da prata. Como pode?

    Contrai os ombros sem ter a resposta de sua pergunta.

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    _V conversar com Rentur, ele faz armas h muito

    tempo, deve saber de onde veio essa flecha.

    Eu concordei com a cabea e um sorriso, pois pelomenos parte do presente de aniversrio eu j havia

    ganhado. Faltava somente o arco que eu pedira para

    meu pai como presente. Mesmo ele no concordando,

    coitado, sempre fez tudo para me deixar feliz e completa

    com ele. Sei que era para suprir a falta que minha mefazia. Ele sempre foi um bom homem e eu sempre

    admirei isso nele. Quando chegamos notamos certa

    preocupao de alguns em relao ao nosso sumio,

    principalmente meu pai, que queria saber de tudo o que

    aconteceu, menos da flecha. Eu me despedi de Keysha efui procura de Rentur, o ferreiro da vila. Ele o tipo de

    pessoa em que se pode confiar, amvel e com um bom

    corao. J ouvi dizer que antes de ser ferreiro ele era

    poeta e era casado com uma linda mulher que morreu ao

    completar o segundo ano de casamento. Desde esse diaele parou de fazer poemas para fazer armas e

    ferramentas. Sua vida particular um mistrio. Sua loja

    ficava no lugar de um antigo cmodo de sua casa que foi

    adaptado para suportar a fornalha. Rentur era bem

    velho, mas muito forte, era bem bronzeado e tinha um

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    cabelo branco na altura dos ombros. Esses por sua vez

    eram completos com uma barba espessa com duas

    pequenas tranas feitas a eras atrs no queixo. Seusolhos eram to azuis quanto o mar de Eflius.

    _Bom dia Rentur.

    _Oh! Bom dia Aska, como vai o seu pai?

    _Bem obrigada.

    _Em que posso ser til?_Gostaria que voc me dissesse o que isto.

    Eu tirei a flecha de baixo de minha blusa, pois no

    queria levantar suspeitas sobre ela. Rentur olhou-a como

    se fosse a ltima flecha do mundo.

    _Onde a achou?_Em nossa floresta.

    _ magnfica. E muito mais leve do que aparenta.

    _Trouxe para ver se o senhor a conhece.

    _Pelos deuses. Essa flecha... acredito que ela foi forjada

    a muitos milnios por ferreiros dominadores da magia.Uma raa j extinta.

    _E o que ela tem de mais?

    _H muito tempo atrs, quando os drages voavam com

    freqncia nos cus, uma criatura gigantesca havia

    despertado e trazia terror a todos que ficavam em seu

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    caminho. Um rei que j perdeu seu nome nos dias de

    hoje, ordenou ao Orculo que lhe dissesse como matar o

    gigantesco tit eficientemente antes que invadisse suasterras. O Orculo ento lhe disse que nas costas da

    besta, havia uma prece, e que se qualquer coisa a ferisse

    naquela regio, a grande fera cairia nos braos da

    morte. O rei ento pediu para que o seu ferreiro mgico

    criasse algo com esta finalidade. Depois de trs dias semmesmo dormir, eis que o ferreiro apresenta ao seu rei

    uma nica flecha mgica. Segundo a lenda, o prprio rei

    com seu arco, mirou na criatura do alto de uma das

    torres bem no meio da prece que havia nas costas do

    animal. Foi um tiro certeiro. A flecha mgica, e somenteela, conseguiu deitar um Tit. O rei, sabendo que a

    flecha na verdade no matou o animal e sim o

    adormeceu, ordenou a seus soldados que atiassem fogo

    a ela. O animal nunca acordou, mesmo ardendo em

    chamas. Sua carne queimou at virar uma montanha decinzas. Depois que o fogo extinguiu-se o rei ordenou uma

    busca flecha que matara o animal. Mas nada foi

    encontrado. Com certeza, ela foi jogada fora no meio das

    cinzas do Tit. Seu paradeiro at ento estava um

    mistrio

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    _Uau! Que estria incrvel. Foi verdade?

    _Eu acredito que voc carrega consigo a prova de que a

    lenda na verdade, um fato._Quer dizer que esta flecha pode acertar qualquer alvo,

    mas como?

    _Vamos fazer um teste. Rentur ento entrega a Aska

    um arco comum. - Tente acertar esta maa bem aqui.

    Rentur faz um x com uma faca na ma._Mas dessa distncia vai ser fcil. Voc j colocou alvos

    bem mais difceis pra mim.

    Ento Aska surpreendida com um pedao de pano em

    seus olhos, tampando toda sua viso.

    _Vamos experimentar dessa forma._Rentur, assim j demais.

    _Voc se lembra da ma que eu coloquei?

    _Sim.

    _Concentre-se nela agora, especialmente no x que eu

    fiz._Tudo bem. Vamos ver se essa flecha realmente isso

    tudo mesmo.

    Aska se concentra na ma mirando a um metro de

    diferena do alvo sem saber, puxa a corda com a flecha

    at o final e solta. A flecha zune e faz seu clere percurso

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    exatamente no meio do x que na ma havia sem

    mesmo despeda-la.

    Rentur ri e bate palmas de alegria._Acertei?

    _Na mosca minha cara.Com sorriso no rosto

    Aska retira a flecha da ma e a limpa na roupa.

    _ inacreditvel.

    _Este mundo cheio de surpresas Aska. Tanto boasquanto ruins. A pessoa sbia sabe aceitar um bom

    presente quando lhe dado. E no aceitar outro se for de

    mau desgnio.

    Esta foi a ltima vez que vi o pobre Rentur. Ele era umaboa pessoa. Soube me ensinar a arte do arco desde os

    meus sete anos de idade. Eu adorava de verdade suas

    aulas. Ele cuidava de mim como sua filha. At hoje no

    tive chance de descobrir seu passado secreto. De acordo

    como ele me tratava, deve ter perdido de forma trgicasua famlia. Eh Rentur... sinto saudades de suas

    gargalhadas entusiasmadas. Ele fazia de tudo uma grande

    festa. E hoje essa palavra no mais existe em nosso

    mundo. Acho que j me esqueci de como se ri. E aprendi

    duramente em como nunca chorar. Principalmente pela

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    escassez de gua desses tempos. Em que me tornei? Que

    espcie de ser eu sou? Que espcie de mundo este se

    tornou? A minha raiva nada mais do que o apelodaqueles que j se foram de forma bruta e covarde. Que

    reclamam da lotao do mundo inferior de Atrodeon, o

    deus das sombras. Malditos sejam todos aqueles que

    contriburam para o inferno na terra dos homens. O que

    eu no daria para ver o cu azul novamente, como no diado meu aniversrio de quinze anos...

    Eu lembro que assim que sa da loja de Rentur com

    aquela magnfica flecha ouvi meu pai me chamando. Ele

    sempre foi muito preocupado comigo. Eu sempre gosteidisso nele. Na verdade eu gostava de tudo no meu pai.

    Seus ombros largos, sua careca sempre suada de tanto

    trabalho, seus braos robustos e pernas torneadas, seus

    olhos tenros e azuis como o cu que fazia nesse dia. Ele

    poderia ser um bom guerreiro com todo esse fsico, masele sempre foi de paz. Sempre mexendo com a terra.

    Sempre me disse que derramamento de sangue causa

    derramamento de sangue. Que em uma guerra, nunca

    existem vencedores, pois se perde muito dos dois lados.

    Por isso ele no queria me dar um arco de aniversrio.

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    _Aska minha filha, estou te procurando, o almoo est

    pronto.

    _Desculpe pai, que eu estava conversando um poucocom Rentur.

    _Sei, olha antes de almoarmos queria te dar uma coisa,

    feche os olhos. Aska fecha os olhos ansiosa. Pode

    abrir!

    Nos meus quinze anos de vida nunca havia visto algo tolindo. Meu pai segurava na minha frente um belo arco,

    longo e robusto. Suas lminas possuam a forma de asas

    e sua empunhadura possua cavidades ideais para os

    dedos. Ele era prateado, assim como a flecha que eu

    achara aos ps da rvore. Ele era to lindo, grande eao mesmo tempo leve. Sua corda desconheo at hoje de

    que feita, mas nunca precisei saber, pois nunca me deu

    problema algum. Estava to feliz que nem conseguia

    sequer me mover ou dizer algo.

    _Feliz aniversrio Aska._Pai, lindo.

    Dei um forte abrao nele. Aquele momento significava

    muito pra mim. Era como se fosse um comeo de uma

    nova vida. Era meu sonho.

    _Espero que tenha gostado.

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    _Pai, ele maravilhoso. Quem o fez? Rentur?

    _No, depois te conto a histria toda. Vamos almoar.

    Eu concordei, mas no conseguia desviar o olhar paraoutra coisa seno o arco. Meu pai ficou muito contente

    por eu ter gostado do presente, mas eu sabia que alguma

    coisa o incomodava, talvez seja pelo fato dele considerar

    o arco como uma ameaa para mim.

    At hoje ele me acompanha. J faz quase trs anos desde

    esse dia. Foi o dia mais feliz de minha vida. Sei que

    nestes tempos difceis chorar torna-se um desperdcio de

    gua, mas meu pai digno de cada lgrima derramada

    neste solo estril. J deve ter umas duas horas que estouno topo deste penhasco apoiando meu brao na espada

    que um dia rematar toda minha dor. Sentada, esperando

    uma oportunidade para agir. Uma leve brisa me avisa que

    notcias ruins esto por vir, como se alguma coisa boa

    pudesse acontecer nestes dias. Tanta dor, tantosofrimento e tantas perdas. Para qu? Qual propsito?

    Ser que Demnio Branco quer tornar este mundo o reino

    de Atrodeon? So tantas as perguntas que nunca sero

    respondidas. Porque Inx com todo o seu poder no

    impediu que tudo ficasse dessa forma? s vezes penso

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    que talvez os deuses nunca vo se importar conosco.

    Neste momento outra brisa mais forte e gelada me

    arrepia. O dia chega trazendo o sol dourado e atemperatura comea a crescer drasticamente. Vejo

    medida que o sol sobe o mar de mortos no cho, as

    nuvens de moscas se formando e o grasnar dos corvos

    que acordam para mais um dia de banquete. Levanto-

    me finalmente depois de passar mais uma noite acordadavigiando minha vida da morte certa. Decido ento descer

    at o campo onde esto os mortos, pois so eles que eu

    tenho que seguir. E todos os dias eu rezo para que tenha

    mais mortos, no pelo amargor que minha vida, muito

    pelo contrrio. Enquanto eu os estiver encontrando sinal de que ainda h esperana de vida. Enquanto deso

    por um caminho estreito e ngreme observo os

    predadores que esto logo frente, mas parece que esto

    satisfeitos a tal ponto que chegam a ter preguia de

    tentarem me caar. Uma vez nos campos, geralmenteando a uma boa distncia dos corpos. Alm deles no me

    oferecerem nada, o cheiro terrvel e os predadores

    podem resolver variar de refeio comigo. E pensar que

    cada uma dessas pessoas no passa de vtimas do acaso

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    como meu pai. Naquele dia que ele me dera o arco, era o

    ltimo. Se eu pudesse prever pelo menos...

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    Captulo 2Revelaes

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    Naquele mesmo dia eu havia ficado muito pouco com ele

    porque eu e Keysha resolvemos brincar de tiro ao alvo.

    Ela nunca soube realmente porque eu acertava todos osalvos com aquela flecha prata, se bem que eu acho que

    ela desconfiava. Hoje eu entendo que aquela tarde foi

    separada para nos despedir, mesmo sem saber do futuro,

    eu naquele dia desconfiei disso. Como em casa, mais

    noite, tomando um caldo delicioso que s meu pai sabiapreparar, sem mais nem menos decidi que a hora da

    verdade havia chegado.

    _Pai!

    Ele a olha enquanto toma um pouco do caldo

    diretamente de uma cumbuca._Gostaria que me falasse sobre mame.

    _Ns j conversamos sobre isso, Aska.

    _Eu quero a verdade pai.

    Eu senti um pesar em seu olhar e me preparei para no

    perder nenhum detalhe._, eu acho que j est na hora de voc saber a verdade

    sobre sua me. H quinze anos eu estava seguindo em

    direo a Escola de Hulmeer, uma das mais

    conceituadas escolas de formao de guerreiros reais.

    Eu tinha o intuito de me tornar um grande guerreiro e

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    flecha do peito de sua me para poder enterr-la

    dignamente. Porm, veio o inesperado, assim que tirei a

    flecha, ela gritou de dor rangendo os dentes. Ela estavaviva e j em trabalho de parto.

    _Me ajude jovem, ou perderei minha criana. Disse ela

    ofegante.

    _O que devo fazer, nunca participei de um parto antes?

    _Faa com que a criana nasa a qualquer preo. Desembainhou uma adaga e me entregou.

    _Mas vai morrer se fizer isso.

    _No temas, sou forte, viverei ainda para dar um nome

    criana.

    _Faa uma fora pelo menos._No posso, estou morrendo. D chance para quem est

    em meu ventre de viver em meu lugar. Faa! disse com

    suas ltimas foras.

    _Morda isso. Entregando um pequeno galho para

    morder._Eu fiz o que ela me pediu, cortei-lhe o ventre de fora a

    fora para lhe retirar. Ela foi mais forte do que eu

    esperava. Logo em seguida ela te tomou nos braos,

    beijou sua testa e disse:

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    _Tu se chamars Aska e em nome do rei Artelos, eu te

    abeno com a graa divina de que viestes.

    Ela olhou para mim com muita preocupao nos olhos eme disse:

    _Cuide dela por mim, como um verdadeiro pai, mas no

    conte a ela desse ocorrido enquanto ela no estiver

    pronta.

    _Quem voc? Qual o seu nome?_Eu sou Nlizan, filha de Polomeu, irmo de Artelos, rei

    dessas terras. Fui trada...tossindo sangue

    _Descanse, voc precisa descansar.

    _Entregue meus pertences a ela quando for a hora, ela

    far de seu sonho, o destino dela..._Ela agarrou-me pelo brao em seu ltimo suspiro e

    morreu com os olhos em voc. Eu a enterrei logo em

    seguida ao p daquela rvore junto com aquela flecha

    estranha. O buraco foi meio raso, pois no tinha

    ferramentas para abrir uma cova. Enrolei voc em umcasaco que sua me estava usando para que no

    morresse de frio. Logo em seguida vim andando s

    pressas para esta vila para te dar leite. No foi difcil

    achar uma ama de leite por aqui, mas tive que contar a

    histria para vrias pessoas que nos cercavam naquela

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    ocasio, pois acharam muito estranho um desconhecido

    com um recm nascido no colo. Alguns acreditaram e

    outros no, mas independente disso tive apoio deles,vindo mais tarde, provando a histria ser verdadeira.

    _Como ela era pai?

    _Voc muito parecida com sua me Aska. Sua beleza,

    sua coragem e inteligncia. s vezes penso que o esprito

    dela est sempre perto de voc, te ensinando, em sonhostalvez, mesmo que voc no se lembre tudo o que ela

    queria te ensinar em vida.

    _Eu acho que sempre desconfiei disso pai. Eu sempre

    sonhei com ela, perto de uma rvore na floresta. E foi l

    que eu achei isso. Tirando a flecha que guardavadebaixo da roupa.

    _Pelos deuses, onde encontrou isto? observava

    abismado para a flecha

    _De acordo com o que voc me contou, acho que foi no

    tmulo de minha me._Mas como?

    _Hoje, quando sa com Keysha, nos perdemos por um

    momento e eu vi a grande rvore que sempre sonho com

    ela. No meu sonho, vejo minha me triste, sentada, me

    olhando. Eu senti coisas estranhas pai, coisas que nunca

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    havia antes experimentado, foras invisveis, calafrios.

    Parecia que o vento queria me dizer algo, mas eu no

    conseguia ouvir, mas sentia._O que sentia?

    _Que alguma coisa muito ruim iria acontecer.

    _No seja boba, nada vai nos acontecer. Eu acho que

    devamos dormir isso sim.

    _Pai, ser que eu poderia algum dia procurar mais sobreminha me. Eu gostaria de ir onde ela morava.

    _Claro minha filha, segundo sua me, voc far de meu

    sonho, o seu destino. Se isso for verdade, um dia voc se

    tornar uma grande guerreira, assim como sua me.

    _Obrigado pai. Dando um beijo em seu rosto edesejando-lhe boa noite.

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    Captulo 3O Demnio Branco

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    Uma fria manh chega, com um ar gelado e um denso

    nevoeiro cobrindo toda a vida. Ela aos poucos vai se

    renovando da fria noite que passara. O cho estava bemmido e o cheiro de terra molhada era facilmente

    reconhecido por Aska assim que acorda. Ela ainda est

    muito sonolenta e resolve se revirar na cama um pouco

    mais. Persan j acordara e preparava um belo desjejum

    com pes, sucos e frutas. Ele se preparava para mais umdia de trabalho rduo na lavoura.

    _Persan...

    Ao se virar no encontra ningum e se assusta. Procura

    com os olhos atentos em toda a cozinha pensando ser

    Aska, mas sabia, em seu mago, que era outra presena.Uma forte sensao de aperto no peito tomou conta dele.

    Ele se sentiu muito agoniado e suou frio. Sentiu algum

    tocar-lhe os ombros e ao se virar se deparou com a

    janela da cozinha aberta e do lado de fora vindo uma

    forte brisa gelada. O barulho das folhas das rvores quecaam se misturam com algum outro tipo de voz fraca

    que vinha de l. Persan no entendia direito, mas

    parecia que seu nome fora repetido vrias vezes. Sabia

    que aquilo era algum tipo de aviso, mas no conseguia

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    adivinhar de quem e pra qu. Ao ouvir Aska se

    aproximando respirou fundo e disfarou.

    _Estou com tanta fome, hum, quanta coisa gostosa pai?_Hoje eu resolvi caprichar um pouco, acordei mais cedo

    e a est o resultado.

    _Voc vai pra Capital hoje?

    _Aska, Nnomas no a capital de nosso reino.

    _Mas l to grande! Eu me perderia por l._ porque voc ainda no conhece, tudo aquilo que

    desconhecemos temos medo de encarar nas primeiras

    vezes. Quando voc comear a ir mais vezes pra l ver

    que s um pouco maior que esta vila. Mas, porque est

    perguntando se eu vou pra l hoje?_ que eu queria que voc comprasse pra mim algumas

    flechas, para que eu possa treinar um pouco.

    Persan ri da sede de Aska em aprender o manejo com o

    arco.

    _Querida, no seja por isso, acredito que Rentur possafazer algumas flechas pra voc caso no tenha.

    _Hum, ento t. No vejo a hora de praticar. Podemos ir

    agora?

    _Mas j? Voc no comeu nada.

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    Aska pega uma ma do tamanho de sua mo e d uma

    bela mordida que faz um grande barulho.

    _T certo. Vamos l. Rindo da euforia da filha eentregando sua mo dela.

    Aquele momento se eternizou em minha memria. O dia,

    as conversas, os risos. Eu e meu pai nunca havamos tido

    tanto sincronismo, tanta harmonia como neste dia. Eleestava como sempre me escondendo coisas, seu olhar

    ainda me transmitia um pouco de melancolia. Os dias

    quando passam, parecem que levaram segundos para

    terminar, mas vivendo no inferno em que estou, vejo que

    o nosso passado tem a durao do tempo que queremosou podemos lembrar-nos dele. J deve haver

    aproximadamente uns oito meses que no encontro

    sequer um ser humano vivo. E pensar que uma nica

    criatura foi capaz de tal atrocidade. O Demnio Branco,

    aquele que me transformou no que eu sou hoje, umaguerreira com um passado tenebroso e dramtico que

    vive em busca de um futuro de vingana e morte. Maldito

    seja Demnio Branco. Eu hei de descobrir mais sobre

    voc e usar isso contra tu, peste ftida. Ainda me lembro

    do dia em que nos encontramos...

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    Aquela manh quando eu e meu pai samos de casa,

    tivemos uma viso incomum. Descendo as colinas que

    cercavam nosso vilarejo ao oeste, vimos uma enormequantidade de pessoas descendo em direo a nossa vila.

    O povo ficou meio que paralisado porque haviam

    milhares de pessoas vindo pra nossa vila que mal

    suportava seus poucos moradores. Na turba havia s

    homens, dentre eles camponeses como ns, guardas dediferentes emblemas, meninos, alguns bem jovens. Todos

    eles carregavam algum tipo de arma como pedaos de

    pau, ferramentas de fazendeiro e at armas bem mortais.

    A maioria deles estava bem ferida e abatida, porm, no

    demonstravam isso ao andarem, pois seguiam seu mestrecom afinco. Todos esses homens e crianas seguiam uma

    nica figura. Tratava-se de uma mulher montada num

    belo cavalo branco. Seu rosto era levemente fino, seu

    cabelo de um loiro quase que branco e liso. Dava pra ver

    que enquanto cavalgava que seu cabelo chegava at omeio das costas. Apesar da distncia, consegui reparar

    em seus olhos e vi que nunca piscavam. Estes por sua vez

    eram azuis, mas um azul muito claro, quase cinza claro.

    Seu nariz acompanhava o contorno de seu rosto e

    tambm era bem fino, sua boca era bem carnuda e

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    sempre fechada, sem expresso. Ela era uma linda

    mulher, com uma beleza at meio que fora do comum.

    Mas para uma mulher to bela sua expresso facial eracomo de algum sem alma. Sem emoo alguma. Sua

    roupa ento, era fora do comum, pra comear pelo seu

    elmo, que parecia ser a cabea de um demnio, s que

    branco. Ela possua tambm uma grande capa branca,

    com ombreiras que a deixavam maior do que erarealmente. Sua armadura parecia de couro branco com

    desenhos feitos de prata no contorno dos seios e na

    definio do abdmen. Este parecia ser ligado a uma

    saia de tecido mais solto que chegava at o meio de seus

    joelhos. Ela tambm possua um par de botas bem alta,toda branca. Parecia que no havia sequer descido de

    seu cavalo, pois parecia impecvel. A tirar pela sua

    espada, j em mos, que estava completamente suja de

    sangue. No demorou muito pra que ela e seu exrcito

    chegasse aos limites de nossa vila, at que acontece oimprevisvel. O meu pai, comea a apertar minha mo e

    eu a dele, s que ele comea a apertar cada vez mais

    forte e quando olho pra ele, vejo que sua fisionomia

    tambm mudara como da moa que chegava perto.

    Reparei ento que todos os maridos e filhos estavam

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    matando sem piedade suas esposas, filhas e mes. E meu

    pai, que tanto amo, pela primeira vez me bate com um

    forte murro no rosto fazendo-me cair e deixando-me umpouco tonta. Tento chamar seu nome, mas vejo que ele

    no me escuta, ele continua com a mesma fisionomia

    plida que aquela mulher. Corro ento para o meu

    quarto e tranco a porta. Murros e chutes so dados por

    ele tentando arrombar a porta insistentemente. Comeoa chorar, no pela pancada, mas por aquele pesadelo

    estar acontecendo. A porta do quarto resistente, mas

    meu pai continua a dar socos e pontaps cada vez mais

    fortes. Eu comeo a pensar em algo, e logo, porque a

    porta no vai parar todos que resolverem arromb-la.Peo ajuda a minha me que nunca cheguei a conhecer.

    A porta se racha e comea a despencar aos poucos, pego

    meu arco e minha nica flecha e miro em papai. Grito

    seu nome e isso s o enfurece cada vez mais, seu olhar de

    dio mostra que ele j se fora, por causa de algumacoisa que aquela estranha mulher trouxe consigo. Rezo

    para que esse momento seja eterno porque no quero

    fazer o que estou prestes a fazer. Penso em seu corao e

    fecho os olhos. Desculpo-me no momento em que a porta

    se quebra e atiro. Ouo ainda dois passos em minha

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    direo e o corpo cai, sem nenhum grito ou grunhido de

    dor. Finalmente acho coragem para abrir os olhos e o

    vejo pela ltima vez. O momento da despedida foi curtoat que Rentur entra em minha casa e me encara com o

    mesmo dio de papai. No havia tempo para pegar a

    flecha ou ele me acertaria uma martelada de ferreiro na

    cabea. Ento corri em direo da janela que era a

    nica alternativa e pulei pra rua caindo no meio delaperto de um cavalo. Para o meu azar o cavalo empina e

    me afasto um pouco at que percebo que o cavalo era da

    mulher do elmo do Demnio Branco. Seu exrcito logo

    atrs pronto para passar por cima de mim. Rentur pula

    pela janela e passa bem perto e se junta aos outros. Amulher me encara e eu a encaro. Ela embainha sua

    espada ao cavalo e desmonta do animal. Todos os seus

    seguidores se ajoelham perante ela. De onde vem tanto

    poder? Seria ela filha de um deus maligno? Eu no me

    importava, porque de qualquer forma, meu fim chegara.Ela de perto era muito mais aterrorizadora do que se

    podia imaginar. Sua armadura no estava to limpa de

    perto e suas mos tinham o cheiro de carne podre. Suas

    unhas eram curtas e negras de sangue coagulado. Ela

    tinha a face da morte e carregava consigo a alma de

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    todos os que matou, porque quando ela chegou perto de

    mim, todo o meu corpo arrepiou, literalmente, dos ps a

    cabea. Ela puxou seu lbio para a esquerda como sinalde um sorriso sarcstico e sem graa. Eu no tinha como

    fazer nada naquele instante. Enquanto ela me olhava eu

    pensava em alguma forma de acabar com ela, mas s

    tinha em mos o arco de minha me sem flechas. Ela

    finalmente fez um movimento com o brao to rpido quequando dei por mim s sentia a dor dos meus cabelos

    sendo puxados por ela. Ela conseguiu segurar bem perto

    do couro cabeludo e doa muito. Mas se sua inteno era

    me fazer chorar ou pedir clemncia, ela falhou. Eu no

    soltei nenhum grito ou lgrima e nem pedi clemncia,pois de onde ela veio no deve ser conhecida tal palavra.

    Ento ela inclinou sua cabea perto do meu pescoo,

    apertou mais meu cabelo e chegou at o meu ouvido.

    _Garota de coragem. - Sua voz era rouca e sem emoo

    _ Matou o prprio pai.Ela respirou com um pouco de dificuldade e continuou:

    _Voc tem cheiro de vingana e olhos de assassino. Eu

    gosto disso.

    _Ento porque no me mata de uma vez se sou um

    problema pra voc?Respondi com dio

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    Ela me puxou pra mais perto e com muita fora, dessa

    vez fazendo com que eu soltasse algumas lgrimas de dor

    e sorriu com um pouco mais de emoo._Porque pessoas como voc so raras de se encontrar, e

    o mundo, precisar de gente como voc. Com garra.

    Deu-me um murro no rosto com a mo esquerda que me

    deixou bamba.

    _Determinao.Um tapa com as costas da mo que estalou bem alto.

    _Coragem.

    Comeou a me arrastar pelos cabelos at seu cavalo.

    _Ousadia.

    Desembainhou sua espada do cavalo fazendo um barulhobem alto de metal deslizando.

    _E acima de tudo, fora!

    Deferiu em mim um ligeiro golpe de espada contra

    minha cabea, enquanto esticava meus cabelos,

    cortando-o por inteiro. Eu ca no cho meio sentada emcima do meu arco. Ferida, triste e sem perspectiva

    alguma de futuro.

    _Parabns garota, voc acaba de se tornar uma

    Tartariana como eu, de hoje em diante, esse o dia do

    seu nascimento. Ela finalmente sobe em seu cavalo e

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    todos se levantam. Ela segue viagem e o exrcito vai

    botando fogo em tudo, enquanto caminham atrs dela.

    Os homens passam pela garota como se fosse um animalmorto. As chamas comeam a estalar e a ficarem cada

    vez mais altas soltando uma fumaa negra que quase

    tampava o sol. E eu ali, imvel, desiludida, revoltada,

    acabada e recriada. Passavam ali em minha cabea

    milhares de sentimentos ao mesmo tempo, deixando-meatordoada at que eu caio e tudo se apaga de repente.

    Acordo no meio da floresta perto da vila, defronte

    antiga rvore. Minha me estava sentada em uma de

    suas razes e me olhava chorando, mas no de tristeza,de alegria. Ela estendeu seus braos para mim e me

    abraou.

    _Como voc est grande? Vejo que seu pai um homem

    de palavra.

    _Me? O que aconteceu?_Nada minha filha, mas vai acontecer. E so coisas

    muito ruins.

    _Uma mulher de branco dizimou minha vila e eu matei

    meu pai.

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    Lgrimas comeam a rolar por meu rosto. Minha me as

    limpa com o polegar e segura levemente meu rosto com

    suas mos. To tenras._Minha filha, a morte um processo natural da vida,

    no foi sua culpa ter matado seu pai. Aquele no era ele.

    _Quem aquela mulher?

    Pssaros voam em retirada fazendo um grande escarcu

    na floresta._No h muito tempo minha filha, ento me oua. Antes

    de fazer o que eu vou te pedir, ache seu pai, e leve

    consigo seu corao, ele lhe dar as foras que precisar

    e depois, procure por seu av verdadeiro. Ele a ajudar

    nesta fase difcil._Mas me?

    Uma escurido repentina toma conta de todo o lugar e

    eu perco minha me em todos os sentidos. Eu a chamo,

    mas no consigo nem sequer escutar mais minha prpria

    voz. Um frio denso percorre minha alma e mata minhador, meu sossego se vai e minha esperana perece. O

    gosto de terra na boca me faz pensar que talvez j tenha

    sido enterrada, confundida entre centenas de mulheres e

    crianas. Ser que o inferno se parece com isso? Dor,

    frio e dio? Talvez esteja mesmo, destinada a viver no

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    inferno. Um forte trovo me assusta e me faz acordar.

    Estava ainda no mesmo lugar, deitada, enquanto chovia

    forte. Tento levantar-me mesmo sentindo-me fraca.Estivera deitada aqui talvez o dia todo. Lembro-me

    agora por que. E isso me d foras para ficar de p

    novamente. Pego meu arco e o coloco em minhas costas.

    Tento ver a minha volta, mas a noite chuvosa impede que

    eu veja atravs das sombras at que um relmpago memostra o que realmente sobrara por um nico segundo.

    A verdade que, agora, eu estava sozinha e sem destino.

    Caminhando na lama e tropeando em alguns mortos

    chego ao que at hoje de manh era minha casa. J no

    existia nada l a no ser entulho. Decido mesmo noescuro achar meu antigo quarto. Tinha tanto obstculo

    que estava impossvel definir onde era o qu. Decidi

    ento achar um abrigo pra noite que parecia no ter

    mais fim. Com muito custo, encontrei o que restara da

    carroa de papai e fiz uma cabana improvisada com ela.Passei a noite em claro, pensando em tudo o que eu vivi

    naquele dia que nunca se apagar de minha mente. Logo

    de manh a chuva j cessara e havia deixado um grande

    lamaal na vila. Eu levantei para dar uma ltima olhada

    em tudo, mas j no havia nada, a no ser escombros e

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    gente morta. Amigos, vizinhos, conhecidos, nenhum deles

    merecia isso, morrer pelas mos dos que mais amavam.

    Lembrei de meu pai e fui procur-lo, desta vez foi bemmais fcil. Ajoelhei ao seu lado e pedi perdo. Seu rosto

    estava praticamente negro por causa do fogo, assim

    como o resto do seu corpo. Vi tambm a flecha que

    atirara nele. Encravada at a metade de seu peito. Tirei-

    a com certo cuidado em respeito a ele. Nem mesmo foipreciso limp-la, ela estava como nova. Levantei-me e o

    tirei de l. Assim fiz com os que sobraram. Vi Keysha

    deitada ao lado de sua me, ambas mortas pelo homem

    da casa. Keysha e eu sempre dividamos nossos

    problemas, agora, eu me encarrego dos dois lados, serfirme enquanto carrego ela para o pequeno monte de

    mortos que fiz e dar-lhe um funeral digno de respeito

    pelo menos. Com muito custo reuni todos, banhei todos

    com querosene que recolhi de alguns lampies que

    ficaram inteiros e ateei fogo a eles. Rapidamente aschamas se espalharam dentre os corpos e uma forte brisa

    me desequilibrou um pouco me lembrando que precisava

    seguir e deixar as almas partirem. Chorei mais uma vez

    ao ver o corpo daqueles que amo, sendo consumidos

    rapidamente pelas labaredas. Abaixei a cabea e pedi

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    ajuda aos espritos dos grandes sbios que j viveram

    entre ns para me ajudarem a seguir em frente rumo ao

    meu destino. Vingar a destruio de minha vila e aantecipao da minha juventude que acabara no dia em

    que a vi. Viro minhas costas para aqueles que foram

    meus amigos, vizinhos e para meu pai, para que eu

    consiga sair de l antes que eu me junte a eles. Sigo em

    direo da floresta, que de onde devo comear minhajornada. A fogueira diminui de tamanho enquanto me

    afasto, mas a dor s aumenta com a distncia.

    Ando pela floresta do bosque a procura de frutas e gua.

    J me sinto fraca porque h dois dias que eu no como

    nada. Acho algumas amoras e mas. Esto maissaborosas e suculentas do que nunca. Levo umas trs em

    meus bolsos pra viagem e sigo at o fim da tarde, onde

    pego uns gravetos e comeo a fazer uma fogueira.

    Consigo me ajeitar ao p de uma rvore e caio no sono.

    No dia seguinte acordo e penso estar no meu quartoenquanto tudo no passou de um pesadelo, mas a

    verdade logo se revela quando acordo na floresta. Como

    uma das mas enquanto sigo caminho em direo a

    Nnomas, a cidade vizinha da vila. L eu terei que achar

    as respostas das perguntas que me atormentam. Chego

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    enfim num precipcio que me d a localizao exata de

    Nnomas, pois daqui a vejo inteira. Parece-me ser maior

    do que imaginava, talvez tenha crescido desde a ltimavez que vim aqui com papai. E o castelo se destacava de

    toda a cidade, imponente, acima de todas as casas. Era

    lindo. A cidade era toda cercada por uma redoma de

    precipcios onde a deixava bem vista para quem

    quisesse ver. Depois de algumas horas de caminhada,chego aos portes da cidade. Existia um murmrio

    constante e pessoas andando pra todos os lados. Alguns

    com pressa e outros nem um pouco. Havia algumas

    poucas pessoas a cavalo a maioria estava a p ou

    puxando burros e mulas de carga. Uma grande feira seformava mais a frente e poderia demorar horas para

    atravess-la ento decidi escolher outro caminho, mas

    teria que voltar um bocado. Talvez passando por esse

    beco entre essa taberna e essa casa eu consiga chegar do

    outro lado mais rpido. Era bem estreito e escuro, masdava pra passar tranqilamente. Um homem mal vestido

    aponta do outro lado e adentra no beco.

    _Vem c mocinha, sem fazer barulho. Ele ento puxa

    uma adaga oculta na roupa

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    Decido voltar pra no criar caso logo no incio e me

    deparo com outro, tambm armado com uma adaga j

    vindo em minha direo._Calma a garotinha, no tenha medo, cuidaremos bem

    de voc.

    Eu estava acuada e o pior, s com uma flecha. E eu

    tambm no poderia matar ningum numa cidade dessas

    com tantos guardas espalhados por a. Pena que notenha nenhum por aqui, mesmo se eu gritar,

    provavelmente no escutariam. A gritaria na feira

    abafaria meu pedido de socorro. Olho para um lado e

    para o outro pensando em como sair dessa enrascada

    que me meti. Os dois homens estavam se aproximandodevagar, sem chamar muito a ateno do lado de fora,

    mas sem tirar os olhos de mim. Cada um deles estava

    num espao de uns cinco a seis metros e eu no meio,

    pensando, o que fazer?De repente me veio uma idia,

    rodei meu arco das costas para o peito, coloquei minhascostas na parede da casa e forcei meus ps contra a

    taberna e subi rapidamente. Os dois como eram bem

    maiores do que eu tiveram certa dificuldade para

    chegarem at mim, mas quando isso aconteceu eu

    praticamente j estava no segundo andar. Estava com

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    medo, mas bastou no olhar pra baixo. Os dois homens

    no podiam gritar que poderiam chamar a ateno de

    algum guarda e desistiram de mim assim que cheguei aotelhado da casa. Isso deixou minhas costas totalmente

    arranhadas, mas salvou a minha vida. De cima do

    telhado eu consegui traar uma rota at uma igreja,

    acredito que l eu terei algum tipo de apoio. Agora o

    problema como descer?Aska deu uma boa olhada em volta e reparou que a parte

    de cima da taberna no possua telhas alm de possuir

    um alapo provavelmente para um sto. Acredito que

    se eu der um espao pra trs, posso dar uma corridinha

    antes de pular e...Neste momento um pedao do telhado cede e Aska cai

    dentro da casa criando uma enorme sujeira e um barulho

    infernal. Aska no se machuca, mas fica imunda e

    praticamente laranja, tossindo sem parar. O barulho

    cessa e Aska se levanta sentindo uma pequena dor decabea. Ela caiu num quarto de tralhas velhas, o lugar

    parecia j estar abandonado h muito tempo. Mas, pelo

    barulho de fechadura abrindo a porta, Aska notou que a

    casa no estava nem um pouco abandonada. A porta se

    abre e ela se depara com um senhor de boa idade,

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    estatura mediana e bem magro, um de seus olhos parecia

    estar fechado ou quase e o outro tinha um cacoete de

    ficar tremendo. Seu nariz era enorme e com formato debolota e bem vermelho. Sua boca j no parecia ter mais

    dente algum. Seus poucos cabelos eram bem brancos e

    atrapalhados, cada um seguia uma direo diferente. Ele

    vestia o que parecia ser um pijama todo marrom e estava

    com os ps descalos._Pelos deuses! Mas que baguna essa sua ladra sem

    servio?- gritava ele -

    _Senhor espere...

    _Voc vai ter que arrumar essa desordem toda que voc

    fez sua excomungada._Senhor eu...

    _E olha o que voc fez com o telhado, agora a droga da

    luz do dia vai entrar no meu santurio.

    _Me desculpe...

    _Calada! Neste aposento ningum deve falar seno eu!_Mas...

    _Eu vou chamar a guarda agora mesmo pra voc fazer

    essa baguna l no calabouo do castelo.

    _Calma...

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    _E tem mais, eu conheo o carcereiro e vou pedir pra ele

    te torturar toda a noite sua intil.

    Neste momento Aska percebe a aproximao de outrapessoa, desta vez uma jovem moa bem aparentada com

    os cabelos presos em um coque e uma vestimenta de

    servial real. Ela tinha um olhar brando e suas feies

    eram pequenas. Ela apoiou suas mos aos ombros do

    velho homem e sorriu mantendo uma calma contagiante._Senhor Talibe, um homem o procura l embaixo, parece

    ser da guarda real.

    O velho homem olha para Aska mais uma vez com

    inteno de dedur-la e vai para o andar inferior.

    Aska fica praticamente em pnico, mas no conseguedizer nada ao velho homem. A simptica moa mantm

    sua serenidade e entra no bagunado quarto fechando a

    porta.

    _No se preocupe minha criana, o Sr. Talibe meu pai,

    e ele j no pensa direito h alguns anos._Sinto muito pelo telhado, posso arrumar um jeito de

    consert-lo.

    _No se preocupe com isso, e nem se preocupe com meu

    pai, acredito que ele j at tenha se esquecido deste

    ocorrido. E ele no conhece carcereiro algum. Eu me

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    senti mais aliviada no momento em que aquela simptica

    senhora disse isso.

    _Qual o seu nome minha criana?_Eu me chamo Aska, e o seu?

    _Eu me chamo Akonya. Me acompanhe Aska, acredito

    que deva estar com fome, temos po fresco aqui em casa

    e ch de laranja.

    _Obrigado pela hospitalidade Akonya.Ela simplesmente sorriu. Comemos juntas o po feito por

    ela mesma acompanhado do excelente ch de laranja.

    Ns conversamos muito e ela queria saber cada vez mais

    de mim. Trocamos uma boa conversa e acabei cedendo

    s suas perguntas sobre meu passado sombrio e recente.Contei sobre o Demnio Branco e lhe dei notcias no

    muito agradveis. Ela por sua vez, trabalha como

    servial no castelo me disse que trabalha l h alguns

    anos, mas nunca conseguiu ver pessoalmente o rei ou a

    rainha. Ela disse que ele um bom rei, mas muitoautoritrio. A rainha, nunca se ope a ele, diz ela.

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    Captulo 4Refgio

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    Nunca mais tomei um ch como aquele, pensa enquanto

    v o calor subindo do cho. Ao longe Aska repara que

    existem algumas colinas e que alm delas, fumaa densa._ O Demnio Branco deve estar uns sete dias de

    vantagem de mim. Se eu tivesse pelo menos um cavalo,

    j ajudaria. Mas pelo que estou vendo, minha sorte j me

    abandonara h tempos. Minha sede s aumenta, mas a

    gua to escassa que s beberei um pouco quandoestiver tendo alucinaes. A plancie era extensa frente

    e no havia tantos mortos, assim poderia viajar sem me

    preocupar com corvos e moscas por um bom tempo. De

    tanto ficar calada j me peguei vrias vezes pensando

    alto. Espero no estar comeando a ficar como o senhorTalibe. Andei durante horas e ainda no sa destas

    plancies, o jeito vai ser acampar por aqui mesmo. O pior

    que nem gravetos existem por aqui. S pasto ralo e

    quase seco. Alimento-me um pouco e bebo a minha cota

    de gua do dia. Quase no sinto seu gosto quando acoloco na boca. A lngua a primeira a dren-la. Acho

    que vou dormir um pouco e sair mais cedo, assim o sol

    no me castiga tanto. Bem que eu poderia sonhar mais

    uma vez com minha me, mas nem sonhar ultimamente

    estou tendo tempo. A noite segue-se tranqila e a manh

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    comea a chegar. Aska escuta pssaros voando enquanto

    ainda est meio acordada. No abre os olhos e por um

    momento acha que tudo no passou de um grandepesadelo. At que escuta ao seu lado o grasnar de um

    corvo. Num susto, Aska faz uma girada de pernas que a

    faz levantar quase que instantaneamente e faz com que a

    maioria dos corvos que estavam ao seu lado voem. Ela

    finalmente abre os olhos e v sua volta um mar decorvos. Parecia que todos eles pensavam como um nico

    ser, pois a sincronia era perfeita. Eles a estavam rodeando

    como uma imensa nuvem viva, esperando a hora certa de

    dar seu bote. Aska mais que rapidamente empunha sua

    espada e mesmo assustada analisa sua situao girando-aao punho e mantendo um ponto de tenso na mo

    esquerda que estava mais frente.

    _Que azar justo num campo aberto que eu fui adormecer?

    E o problema que se eu tentar correr eles iro me

    devorar em segundos. Tenho que tentar afugent-los dealguma forma. Mas como? So tantos que nem me

    arrisco em adivinhar um nmero. Neste instante a grande

    nuvem envolve Aska como um furaco e comeam a

    aparecer as primeiras tentativas de ataque da parte deles.

    Aska se v num beco sem sada, impossibilitada at

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    mesmo de fugir. Assim que os corvos comeam a bic-la,

    Aska comea um ataque frentico a corvos aleatrios que

    de deparam com sua lmina. Parece mais a um bal desangue de onde no se sabe se o sangue que est em Aska

    dela mesma ou de seus inimigos. A nuvem no parece

    se cansar como ela. Mesmo sendo tima no manuseio da

    espada, Aska no d conta de se defender de todos os

    lados e recebe muitas bicadas, apesar da armadura decouro que traja proteg-la um pouco. Ela j sentia o

    cansao chegando e sabia que existia uma grande chance

    de sua jornada terminar ali. Aska comea a se ferir muito

    com as bicadas e se sente cada vez mais derrotada, at

    que se lembra por um momento do Demnio Brancoalguns anos atrs, que lhe cortou o cabelo a fora

    deixando-a desesperanosa.

    Ento, num sbito ataque de raiva Aska adquiri uma

    energia guerreira que a faz lutar com um vigor divino e

    as bicadas no mais fazem diferena, seu rosto secontorce num semblante um pouco demonaco e ela faz

    com que por um instante a enorme nuvem de corvos se

    desfaa descontrolada por tantas baixas. Ela ainda enche

    seu peito de ar e urra numa fria que no mais parece se

    acabar, sedenta de sangue de qualquer tipo, como um

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    vampiro que acaba de acordar. Ela faz com que os corvos

    se sintam inseguros pela sua fora de destruio. Por um

    momento os corvos comeam a ir embora, mas naverdade, comeam fazendo uma curva no ar e retornam

    como uma serpente voadora em busca de carne. Aska

    ainda em frenesi, roda a espada na mo direita e comea

    a correr na direo do impacto dos corvos, soltando mais

    um grito que parece vir de outra pessoa. Os corvos noparecem intimidados, assim como Aska e correm um ao

    encontro do outro. Quando finalmente se deparam cara a

    cara Aska gira sua espada num eixo do infinito to rpido

    que muitos dos corvos, no sobrevivem ao encontro, e os

    que atravessam o lindo golpe da morte, bicam com todasua fora num perodo de tempo mnino, mas suficiente

    para cort-la profundamente. A fila de corvos no parece

    acabar, at que os poucos que sobraram, saem em

    retirada e sem rumo, como se o lder deles, fosse morto.

    Aska, mais uma vez grita para eles, mas de nada adianta.S ela resta ali, entre as centenas de corvos que ela

    dizimou sem piedade. Sua pose diante daquele cenrio

    catico e apocaltico simplesmente some quando ela

    finalmente cai de joelhos, fincando sua espada no cho e

    caindo em lgrimas sutilmente. Ela aperta seus olhos para

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    que no derramem a valiosa gua, mas essa batalha, ela

    perde e se entrega ao sentimento de medo e dor que lhe

    invadiu logo no incio do dia.

    Akonya me ofereceu hospitalidade e tive que recusar

    diante das circunstncias, mas a agradeci bastante. J

    ao seu pai, no tive coragem de faz-lo, mas consegui

    num relance ver que ele me bisbilhotava por de trs deuma das janelas da casa.

    _Cuidado nesta parte da cidade, existem muitos ladres

    e assassinos por a. E em hiptese alguma, passe por um

    beco.

    _Obrigada Akonya, no sei como lhe agradecer. Vocfoi muito gentil em me ajudar.

    _No nada menina. Um dia voc vai encontrar algum

    que tambm precise de ajuda, faa como eu fiz, ajude

    sem pedir nada em troca. S assim vai conseguir a

    verdadeira recompensa na vida.Aska sorri e se simpatiza muito com Akonya e ela com

    Aska.

    _Aska, sobre a histria que me contou de sua me,

    procure a biblioteca do castelo, ela aberta ao pblico e

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    muito bem guardada tambm. Quem sabe voc no acha

    alguma referncia?

    _Obrigada pela dica, vou l agora mesmo. Muitoobrigada.

    _No tem de qu Aska. Que os deuses a acompanhem.

    Eu finalmente segui caminho pelas ruas sempre em

    direo do castelo, j que era fcil v-lo de praticamente

    toda a cidade. Eu vi muitas coisas que conhecia nestacidade e muito mais ainda de que nem pensava que

    existia. A aglomerao de pessoas era intensa. O cheiro

    de podre entrava at na minha alma, o calor escaldante,

    com suor de pessoas de todos os tipos misturados com

    peixes e frutas estragadas espalhadas no cho. Sem falarainda das fezes de cavalos, vacas, bodes e cachorros que

    transitavam quase que livremente entre todos. Havia

    guardas reais transitando em pequenos grupos, armados

    com espadas mdias e pequenas lanas com o braso

    real. Estes passavam empurrando a todos o que nosaam de seu caminho e levavam qualquer um que os

    olhasse indiferente ou infringisse a menor das leis

    possveis, sempre com muita violncia. Enquanto andava

    pelas ruas, sempre tateava meu arco e minha flecha. Mas

    como no possua nenhuma sacola pelo corpo, os

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    ladres nem procuravam reparar em mim. E sem falar

    que tambm no parei em nenhuma banca de comrcio.

    Andei um pouco mais e cheguei a uma pequena praa naqual no possua comrcio algum e decidi parar para

    comer uma ma e descansar um pouco minhas pernas.

    Sentei e um dos belos bancos que l havia. O ar era um

    pouco melhor ali, e as poucas rvores eram suficientes

    para me esconder do sol. Saboreei a ma, e como numfeitio, comecei a chorar, como se toda a minha fora

    acabara. Chorei por papai, por Keysha, por mim, pelo

    fato de estar sozinha no mundo. Neste dia deixei que a

    dor fosse embora pelo choro, mas ela s se transformou

    em dio...

    Aska respira profundamente e fecha os olhos novamente

    aproveitando a paz que retornara ao campo. As feridas

    comeam a latejar e doer. O que a dor perante a morte?

    Antes algumas cicatrizes de batalha do que virar almoode um bando de corvos. Ela sorri por um instante e logo

    em seguida ouve passos lentos na grama. Ela mantm os

    olhos fechados e tenta localizar de onde esto vindo.

    Logo percebe que a sua esquerda. No parece ser uma

    nica pessoa, e sim vrias. Talvez finalmente tenha

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    chegado meu fim, pois acredito no durar mais uma

    batalha. Estou muito fraca para vencer um grupo de

    guerreiros. Mas alguns eu levo comigo para o lar deAtrodeon, se que l tem vaga. Aska levanta e

    desencrava sua espada do cho ficando em posio de

    ataque. Ela repara que no se tratava de um exrcito, e

    sim de um grupo de camponeses bem sujos. Contive-me

    para no me assustar com suas aparncias. Apesar dissoeram at que bem nutridos para tempos como estes.

    Limpei minha lmina e guardei-a. Um homem que um

    dia j foi acima do peso, com cabelo at os ombros e

    barba j bem desenvolvida se aproxima com cuidado de

    mim e finalmente fala comigo com um olhar de piedade ecompaixo.

    _Vimos o que fez com os pssaros e queremos ajud-la...

    Fiquei muito desconfiada de todos, mas depois reparei

    que no passam de pobres coitados e segui com o

    dilogo._Tudo bem, eu aceitaria muito sua ajuda.

    _Venha conosco.

    O homem fez sinal para que todos voltassem de onde

    vieram e me acompanhou. Andamos um pouco pela

    plancie at chegar a uma casa queimada sem teto. Pensei

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    em como essa quantidade de pessoas poderiam morar

    aqui num lugar desses. At que descobri como. Uma das

    crianas arreda uma mesa que estava com as pernas pracima e descobre um alapo no qual todos ns descemos.

    Abaixo havia uma escada no muito grande que dava a

    um poro modificado. O lugar era incrivelmente amplo,

    tanto em dimetro, como em altura. Havia nos cantos

    panos que serviam de camas e ao redor delas algunspertences pessoais. As paredes e o cho eram de terra o

    que os deixava j com uma casca de sujeira anormal. O

    lugar era iluminado por pequenos fachos de luz que

    vinham da casa e passavam pelo cho e eram refletidos

    com espelhos para todos os cantos do grande cmodo.Havia tambm algumas lamparinas em cantos aleatrios.

    Provavelmente para a noite.

    _A propsito, me chamo Apncio. E esta a nossa casa.

    Seja bem vinda. Akonia vai ajud-la com seus

    ferimentos. Ela muito boa nisso. Eu a conheo h anos.Pensei comigo que talvez fosse s uma coincidncia do

    nome, mas estava errada. Aps trs anos depois por

    incrvel que parea eu me deparo com Akonia. A doce

    moa que me amparou.

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    _Bom dia menina. Disseram-me que lutou bravamente l

    no campo. Teve muita coragem em enfrent-los.

    _Akonia... Disse enquanto ela limpava minhas feridascom um pano escuro e um pouco de gua de uma tigela.

    Ela parecia mais abatida e com menos esperana no

    rosto, ela me olhou nos olhos e continuei a falar.

    _ ...Voc no deve se lembrar de mim, mas esta no a

    primeira vez que voc cuida de mim. Eu a fitei com osolhos j cheios de lgrimas e ela fitou com seus olhos

    amorosos novamente.

    _Aska? Ela sorriu e me deu um forte abrao e eu

    retribu Pensei que nunca mais fosse ver voc minha

    criana. Como conseguiu sobreviver a tudo o queaconteceu? S os deuses devem saber o que passou pra se

    tornar o que tornou. Uma guerreira forte e destemida.

    _, passei por maus bocados, mas sobrevivi. Que bom

    que est bem. E vosso pai?

    _Papai se foi com o Demnio Branco e depois de algunsdias quando passava por um descampado, vi o cadver

    dele em meio a tantos outros espalhados por l. J havia

    sido praticamente devorado pelos corvos e moscas. O

    reconheci pelo cabelo e suas vestimentas.

    _Eu sinto muito.

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    _Ele j no estava bem mesmo de sade. Acredito que

    nem tenha sentido nada. Mas esqueamos esse assunto.

    Descanse um pouco ali.Apontou para um colcho feitode retalhos - onde durmo. Estava preparando um pouco

    de ch. J trago pra voc. Fique a e descanse, seno

    meus curativos no iro funcionar. Ela se afasta e vai

    atravessando os fechos de luz at que some da minha

    vista.Estava ansiosa por tomar mais uma vez aquele ch, mas

    instantes depois, vim adormecer...

    Ali, sozinha, chorando acabei me tornando alvo fcil

    para qualquer tipo de pessoa naquela praa. Enquantochorava um pequeno grupo de guardas chegou at mim

    me cercando.

    _O que houve garota? Algum judiou de voc?

    Perguntou um guarda mais velho do que os demais. Eu

    enxuguei minhas lgrimas e olhei pra ele. Seu olhar erade pena. Eu balancei a cabea positivamente.

    _Pode descrev-lo para ns?

    _No iria adiantar.

    _Ele a ameaou?

    _No ele, ela.

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    _ sua me? Irm?

    Balancei negativamente

    _Como ela era?Insistiu ele_Ela possui uma armadura branca e um elmo de um

    demnio branco. Ela anda sob um grande cavalo branco

    e comanda um exrcito de homens incontveis.

    _Minha criana, tenha certeza de que aqui, ela nunca se

    arriscaria a entrar. Somos uma das cidades mais bemarmadas das redondezas.

    _De nada adianta.Levantei-meEla de alguma forma

    enfeitia os homens e eles se voltam contra suas famlias.

    O meu pai tentou me matar assim que a viu.

    _Garotinha, quem seu pai?_O nome dele era Persan.

    _Era?Pergunta um dos guardas.

    _Ele morreu. Eu vivia com ele em Tnis.

    _E sua me?

    _Morreu assim que nasci.O velho homem estendeu sua mo para Aska e pediu que

    o acompanhasse. Ele parecia ser um homem ntegro

    ento no tive dvida de suas palavras. Passamos por

    algumas ruas at que bonitas, sem feiras ou fedor. At

    que entramos num templo enorme. Em seu interior havia

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    muitas cadeiras de madeira e era muito alto o teto. Era

    uma construo colossal. Ao fundo, havia uma enorme

    esttua de um deus com fisionomia humana e imponente.No teto havia grandes pinturas de batalhas santas e

    intervenes divinas. Nas laterais o brilho do sol

    atravessava os vitrais e iluminava todo o ambiente. Em

    todo o local havia tambm candelabros gigantes, com

    velas enormes que pareciam ter anos frente ainda. Maso que mais me chamou a ateno foi um sacerdote que

    possua uma batina de cor escura, que estava fazendo

    exerccio de barras justamente no dedo mindinho da

    imponente esttua da divindade. Ele estava bem suado e

    bufava sua contagem em particular, mas ouvira um centoe alguma coisa em seus sussurros cansados. Ele era

    completamente careca, mas possua uma tatuagem com

    smbolos estranhos que comeavam da cabea e

    pareciam cobrir vrias partes de seu corpo.

    Quando percebeu que nos aproximvamos dele, eleparou o exerccio, agradeceu em reverncia esttua,

    provavelmente por emprestar seu dedo a ele e nos

    cumprimentou.

    _Salve guarda real.Disse com um tom de respeito.

    _Salve vossa santidade.Todos o reverenciaram.

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    _J era hora de voc chegar Aska. Estava ansioso em

    encontr-la. Neste momento, simplesmente gelei. No

    tive como revidar. Ele acabara de me ver e j sabia omeu nome. Quem seria esse sacerdote, to jovem e com

    uma presena poderosa? No se preocupe minha

    pequena, est a salvo por aqui. Eu pedi que eles a

    trouxessem. Ele olha para eles e diz reverenciando.

    _Obrigado mais uma vez guardas.Eles simplesmente o reverenciaram e partiram sem dizer

    nada.

    _Voc deve estar cansada, por sorte j preparei seus

    aposentos, venha comigo. Eu simplesmente fiz o que ele

    pedia, parecia que eu j o conhecia. No sei dizer, masme sentia segura com ele. Esse era um mistrio que no

    podia deixar passar. Ele me levou por um comprido

    corredor com paredes de pedra que havia logo atrs do

    altar, e que possua vrios cmodos. Todos fechados,

    menos o que ele me levara. Neste quarto havia umaconfortvel cama, um ba e uma cmoda com espelho.

    Alm de alguns acessrios femininos como prendedores,

    arcos e pentes. O quarto era bem pequeno, era mais

    comprido que largo e possua uma grande janela com

    grades bem grossas.

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    _Pode descansar aqui Aska. Seja bem vinda e no se

    preocupe. As coisas esto acontecendo rapidamente para

    voc, mas como tudo na vida tem um tempo, aguarde.Durma um pouco, a porta tem chave, nica, ento no

    a perca, est na porta. Tranque-a para ter privacidade se

    assim desejar. noite eu fico na primeira porta do incio

    do corredor. Se precisar de algo, estarei l. Na ltima

    porta do corredor, possui a cozinha. Sempre tem algumpor l, ento, se sentir fome, no se acanhe. No mais s

    isso. Amanh conversaremos direito tudo certo?

    Eu simplesmente balancei a cabea que sim. Ele sorriu

    com a boca fechada e saiu do quarto. Eu logo fechei a

    porta e sentei na cama para pensar em tudo o que haviaacontecido e o que estaria por vir.

    _Aska... acorde Aska. Ela espera voc... Acordei de

    supeto como de um sonho acordado. Havia um silncio

    tremendo. Tanto l fora como aqui em baixo. Sentei-me

    um pouco, pois meu corpo j doa de tanto ficar deitada.De repente ouo algo bem sutil, como um passo, mas

    muito baixo mesmo. Decidi verificar por precauo e fui

    em direo a escada que leva ao andar superior.

    Surpreendi-me ao chegar l e encontrar Apncio com

    mais duas pessoas que no consegui distinguir. Ele

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    imediatamente fez sinal de silncio para mim. Chamou-

    me ao p do ouvido e disse bem baixinho:

    _Parece que tem algum l em cima. Mas est fazendopouco barulho, andando devagar h uns dez minutos j,

    por isso acho que sabe que estamos aqui em baixo.

    Os passos vagarosamente foram se afastando do assoalho

    da casa que estava acima de ns.

    _Vou verificar. Disse sussurrando no ouvido deApncio.

    _No! demasiadamente arriscado. Devemos ficar e

    aguardar.

    _No temas meu amigo. Quem quer que esteja l em

    cima, temos que verificar, pois esta a nossa nica sada.Tomarei cuidado redobrado.

    Ele no concordou muito, mas sabia que no poderia me

    segurar por muito tempo l embaixo. Fiz sinal para

    ficarem por l mesmo. Subi a escada como um gato, sem

    nenhum rudo perceptvel. O mais difcil foi tirar de cimado alapo, a mesa que o camuflava. J estava bem de

    noite e a lua iluminava praticamente como uma manh

    por surgir. Dei uma boa olhada antes de abrir o alapo e

    no parecia que o intruso estava por perto. Ento sa com

    cuidado, e fechei novamente a entrada. Andei sorrateira,

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    pois havia paredes que estavam quase inteiras, impedindo

    minha viso dos outros cmodos. Desembainhei minha

    espada com muito cuidado para no fazer sequer umrudo, mas o couro na lmina assovia sempre.

    Rapidamente saindo por de trs da parede minha frente

    uma rpida lmina em direo ao meu pescoo que

    desvio por pouco de sua trajetria com a minha lmina. O

    intruso defere outro golpe que me faz recuar e outro quedefendo. A cada rodada de espada que ele dava eu

    recuava cada vez mais, e isso foi at que bom, pois

    acabamos saindo da casa e ficando no campo. Ele parecia

    estar sozinho e j estava cansado antes de me atacar. Ele

    permanecia com os olhos quase que fechados para lutar,isso se no estavam.

    _Quem voc? Perguntei tentando entender o que se

    passava.

    Sua fisionomia se tornou uma mistura de dio e medo e

    de um berro ele me atacou novamente. Desta vez sualmina estava rpida e mal tive tempo de conter este

    golpe. Sua mo esquerda sempre ficava nas costas e a

    direita trabalhava como duas. Novamente ele veio, mas

    consegui esquivar-me e dei meu primeiro golpe que fora

    defendido com uma destreza incrvel. Ele me atacou com

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    um golpe quase que triplo. Digo isso, pois s consegui

    revidar depois de defender trs ataques dele.

    _Me diga com quem luto. Seno voc no ter uma lutade verdade. Disse desafiando. Ele mais uma vez veio

    para cima de mim, mas j estava lento e fraco. Defendi

    um de seus golpes e com toda a percia que j havia

    adquirido nestes trs ltimos anos consigo desarm-lo,

    jogando sua espada longe._Trouxe seus amigos com voc? Sabia que no estava

    lutando sozinha comigo. Caso perca a luta eles a

    defendem no ? Finalmente ele disse alguma coisa,

    pena ser algo de qual no fazia a mnima idia. At que

    decidi olhar para a casa e vi Apncio e alguns homenscom ele olhando meio que escondidos.

    _Eu no sei do que voc est falando.Menti. Ele sorriu.

    _Voc acha que eu no os ouo daqui. Dizendo vrias

    formas de me imobilizar para retirar respostas de mim?

    Pois eu ouo quase que os seus pensamentos minha cara.Disse com uma voz severa e se jogou no cho virando

    em cambalhotas at a espada. Ele se levantou

    rapidamente a empunhando com certo sorriso sarcstico

    no rosto me perguntando se eu estava surpresa, pois esta

    seria ltima vez que eu teria este e qualquer outro tipo de

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    pensamento. Fiquei realmente esttica frente a tanta

    destreza que ele possua.

    Desta vez ele corre em minha direo com a espada renteao rosto. Um grito de dor e desespero emitido por ele

    enquanto se aproxima. Sei que ele vai deferir um golpe

    fatal em mim se eu no o surpreender. O momento

    crtico e s terei uma chance. Mas no posso mat-lo

    tambm, pois ele acredita que sou outra pessoa. Corro emdireo a ele, gritando tambm, pois posso morrer sem

    nem mesmo ver onde ele me acertou. Nossas espadas se

    chocam a uma fora que nunca sentira antes. O segundo

    golpe foi feito por mim e ele o defendeu como que por

    encanto. Sua fria estava no auge e eu no teria a mnimachance lutando com ele na defensiva. Sua espada mais

    uma vez seguiu em minha direo com a inteno de me

    golpear vrias vezes, eu esquivei com o corpo, mais uma

    vez rapidamente. Ele atacou e por pouco no atinge

    minha cintura. Ele se preparou para dar o terceiro quecompletaria a seqncia do seu rpido golpe triplo e neste

    instante me jogo em cambalhota na direo de seu brao

    esquerdo que sempre fica para trs acertando de forma

    superficial sua bacia, justamente num ponto onde ele

    sentir maior dor. Com este golpe ele se desequilibra e

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    cai enquanto eu me levanto rapidamente. Ele geme de

    dor, e tenta levantar. Eu golpeio sua espada fortemente

    jogando-a para longe de sua mo e aponto minha armapara seu peito.

    _Agora me escute seu louco. Eu no sou quem voc acha

    que sou. E aqueles que esto vindo, no so capangas.

    Meu nome Aska, filha de Nlizan, herdeira de Artelos.

    _Artelos? Rei das terras do bosque? Sua fisionomia setornou quase que amigvel.

    _Sim.Respondi desconfiada.

    _J trabalhei para eles. Mas isso foi h muito tempo.

    _Porque me atacou desse jeito?

    _Voc tirou sua arma naquelas runas e eu tive medo deque algum tivesse me seguido. Ento quando cheguei

    ouvi pessoas sussurrando eu fiquei desconfiado.

    _Seguido, como assim? De onde voc vem? E mais uma

    vez, quem voc?Perguntei meio sem pacincia.

    _Me chamo Fabian, venho de uma cidade porturiachamada Madabus. A mais ou menos dois dias a cidade

    foi atacada por uma criatura que eu no saberia

    descrever. Achvamos que essa coisa nunca se atreveria a

    entrar em Madabus, pois possuamos um exrcito

    enorme. Sem falar que em uma cidade porturia existem

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    muitos guerreiros de todas as partes. Estvamos eu e meu

    irmo no deque, quando ficamos sabendo que o inimigo

    estava chegando com um exrcito de incontveishomens. Eu estava escutando a situao da boca do meu

    irmo quando ele se levantou e sumiu na confuso. Eu

    gritei por ele, mas no tive resposta. Muitas mulheres

    gritavam, mas eu fiquei ali parado esperando ele retornar.

    Ele nunca havia feito isso. At que percebi que estavaprximo do exrcito desse inimigo. Saquei minha espada

    e ouvi uma mulher dizendo:

    _Ei, olhe para mim homem. O que h de errado com

    voc?Eu sabia que era com ar de sarcasmo, por isso me

    mantive imvel. Depois ouvi: _Voc, ele no me serve,mate-o.Algum veio em minha direo e eu no hesitei

    em mat-lo. At que ouvi uma risada diablica vindo

    dela. Em seguida vieram vrios homens, mas no todos,

    como se fosse um jogo que ela havia pensado para poder

    se divertir. Eu no tive outra escolha seno lutar comtodos que vinham em minha direo. At que eu percebi

    que era questo de tempo at me matarem e fugi, mesmo

    sem saber do paradeiro do meu irmo. Tive que fugir.

    Alguns vieram atrs de mim, mas acabei despistando-os e

    achando um cavalo para seguir adiante. No fim da tarde

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    ouvi alguns cavalos atrs de mim e tentei fugir, mas foi

    inevitvel, acabaram acertando o cavalo e eu ca. Tive

    que ficar e lutar. Assim que acabei com eles, decidi ir ap mesmo e achar um lugar para descansar. E quando

    isso finalmente acontece, comeo a ouvir sussurros. E

    aqui estamos ns...

    _Porque me confundiu com ela? No pareo nem um

    pouco com ela.Ele me encarou com os olhos quase fechados e disse:

    _Eu sinto muito, estava com medo. Se levantou com

    certa dificuldade. Eu possuo uma excelente audio,

    consigo escutar sussurros vindos do assoalho de uma

    casa a quatro metros de profundidade, mas no consigosequer enxergar minha mo na frente do meu rosto.

    Todos ficaram aturdidos com esta revelao. Apncio fez

    uma cara de no acreditar muito, porm, isso explica

    tudo.

    _Como algum com uma deficincia to grande capazde lutar com tamanha habilidade?Finalmente perguntou

    Apncio.

    Fabian baixou a cabea e sorriu de lado. _A viso nunca

    me fez falta, j nasci sem ela. Meu pai era um grande

    especialista com esse tipo de arma e desde cedo, me

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    ensinou tudo o que sei. Ele me mostrou como ouvir tudo

    o que est a minha volta. Como descobrir onde um

    inimigo se encontra sem ver? Basta seguir o barulho deseus ps, o som de sua voz e o enroscar de sua roupa.

    Sorri de lado para Apncio e fiz sinal com os ombros.

    _Ele precisa de cuidados meu amigo, posso contar com

    voc? Prontamente Fabian retruca:

    _No gostaria de atrapalhar, pelo que percebi por essasbandas a situao est bem escassa.

    _Isso no ser problema, desde que no use sua espada

    em ns. Diz Apncio rindo para descontrair um pouco.

    Fabian retorna com um sorriso meio sem jeito e um

    balanar de cabea positivo.Retornamos ao esconderijo. Apncio pediu a Akonia

    que cuidasse do ferimento de novo guerreiro. Eu disse a

    ela que poderia dormir, como sendo a autora dos cortes,

    sabia exatamente onde estavam e como trat-los. Ela

    sorriu docemente e se despediu de mim. Fabian estavasentado em minha cama, j que estava vazia, parece que

    algum o acomodou por l. No o informei sobre isso,

    pois posso me acomodar em praticamente qualquer lugar.

    O corte que fiz em sua cintura foi totalmente superficial.

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    Era quase que um arranho. Mas pegou um pouco no

    osso e isso sim, deve ter dodo um bocado.

    Avisei a ele que comearia a limpar e poderia doer umpouco e ele s balanava a cabea. Talvez j estivesse

    acostumado a dor ou ento, estava sentindo uma dor pior,

    a dor da perda.

    _Tambm perdi algum para o Demnio Branco.Disse

    enquanto limpava a ferida com uma bebida forte. Seusolhos s vezes se contraam pela ardncia causada na

    limpeza.

    _Eu no perdi ningum. Sei que meu irmo est vivo.

    _Espero que sim, mas se estiver com ela, no sobreviver

    nem uma semana._Ento esse Demnio Branco, o que ele quer?

    _ ela. Acho que ningum sabe o que ela quer. S sei

    que de alguma forma ela enfeitia homens e meninos. E

    estes a seguem cegamente.

    _Mas para que ela quer homens e crianas?_No sei, s sei que os homens matam suas esposas e os

    garotos, matam suas irms para seguirem seu cavalo.

    Basta olhar pra ela para ficar sobre seu comando.

    _Ento meu irmo est seguindo ela?

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    _Provavelmente, at que morra de fome e sede como

    todos os outros.

    _Ento a minha deficincia me salvou?_Com certeza. O fato de voc no a v-la, o salvou da

    escravido. A sua cidade no estava preparada para ela?

    No sabiam que ela um dia iria chegar at l?

    _A cidade tinha um rei desleixado. O crime dominava.

    Por isso meu pai desde cedo me ensinou a lutar, mesmono enxergando nada. Com certeza a realeza j havia

    deixado a cidade a merc do ataque dela, mesmo tendo

    um enorme exrcito.

    _O que de nada adiantaria pra ele j que ela enfeitia

    todo homem que a vislumbra. Pronto! Seu ferimento jest cuidado, acredito que dentro de poucos dias j estar

    pronto para outra.

    Ele riu rapidamente e deitou-se. Agradeceu e desejou-me

    boa noite.

    Fiz o mesmo e me ajeitei perto da escada, s por garantia.

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    Captulo 5Barbrie

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    Fiquei atordoada. Nem com sono estou. Estou curiosa

    em saber como aquele sacerdote conhece meu nome. Vou

    me levantar e dar uma checada por a. Aska se levantavagarosamente e abre a porta. Esta, como era muito

    antiga, avisava claramente que algum estava saindo

    com um rudo consideravelmente alto.

    _Pronto, l se vai o meu elemento surpresa.

    Uma luz vinha da ltima porta do corredor. Com certezadeve ser a cozinha. Segundo o sacerdote, sempre tem

    algum por l. Vou dar uma checada. Aska passa pelo

    corredor de pedras e aos poucos comea a escutar uma

    conversa que vinha de l. Ela no conseguiu entender

    sobre o que era o assunto e adentrou. Era uma cozinhaampla, com vrias mesas de madeira sem cadeiras,

    abarrotadas com massa de po. L dentro havia duas

    mulheres de costas para a porta, com certeza amassando

    massa. Ambas eram negras, gordas e falavam com um

    sotaque engraado e a voz fina._Com licena?Pedi meio sem jeito. As duas assustaram

    ao mesmo tempo virando cada uma em uma direo

    diferente. Mas deu para perceber que eram irms

    gmeas.

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    _ filha. As duas disseram como num coro. Faz isso

    no que voc mata a gente de susto. Disse uma.

    _, no so nem cinco da manh._Me desculpem, eu no queria assust-las.

    _Voc anda igual a um gato. Disse uma.

    _ verdade.Disse a outra.

    _ que eu no queria acordar as outras pessoas que

    devem estar dormindo._No tem mais ningum aqui alm da gente e do

    sacerdote.Disse uma.

    _Mais ningum.Disse a outra.

    _Eu no sabia. Qual o nome do sacerdote?

    _Ele no te falou?Disse uma._No! que a minha chegada foi to repentina que nem

    tive essa curiosidade.

    _Se ele no te falou no podemos tambm. Disse a

    outra.

    _Porque este mistrio? Ri um pouco por causa destemistrio em cima do nome dele.

    _Existem coisas que voc ainda no entende minha

    criana.Disse uma.

    _, mas vai entender.Disse a outra.

    _Afinal, o meu nome Aska.

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    _ Aska eu me chamo Alurdis.

    _E eu me chamo Lamardis. Somos as cozinheiras do

    sacerdote._E o que esto fazendo a essa hora na cozinha?Fazendo

    essa enorme quantidade de pes se s somos quatro

    nesta enorme catedral?

    _Estes pes fazemos todos os dias para aqueles que tm

    fome. O nosso sacerdote consegue doaes e com odinheiro ele compra material para darmos pes aos

    pobres.Diz Alurdis.

    _E voc minha criana? Tem fome?Diz Lamardis.

    _No. Vim mesmo de curiosidade. Acho que volto mais

    pela manh._Faa isso ento. No caf teremos mais pessoas para

    botar o papo em dia.

    _E sem falar que estar tudo arrumado e limpo.

    _, odeio comer em lugares sujos.

    _, eu tambm. horrvel._Se bem que... Interrompi a conversa e me despedi,

    elas sorriram e continuaram o assunto que parecia no

    ter mais fim. Volto para o meu quarto realmente

    cansada. Tranco a porta e deito na cama.

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    Acordo assustada com Apncio me chamando. Parecia

    que j estava tarde, pois os fachos de luz do sol estavam

    bem brilhantes. A movimentao de pessoas era grande._Calma Aska, sou eu. Venha fazer o seu desjejum.

    Agradeci e fui at uma mesa ao fundo do poro onde

    havia algumas pessoas que controlavam a entrega de

    comida. O cardpio era farto, com frutas e vinho, porm,

    bem limitado. Duas frutas pequenas e um copo de vinho.Salvo as crianas, que recebiam gua ao invs do vinho.

    Peguei duas maas, para relembrar das que comia perto

    de casa, que com certeza eram bem maiores e mais

    suculentas que estas, mas j esto de bom tamanho.

    Procuro por Fabian, mas no o encontro. Assim queterm