O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO LUMA SANTANA DE SOUZA DÓREA O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro. 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

LUMA SANTANA DE SOUZA DÓREA

O Cr ime , a r e l a ção de causa l i dade , a cu lpab i l i dade e sua s t eo r i a s

em ca sos p r á t i cos no D i r e i t o Pena l b r a s i l e i ro .

SALVADOR

2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

LUMA SANTANA DE SOUZA DÓREA

O Cr ime , a r e l a ção de causa l i dade , a cu lpab i l i dade e sua s t eo r i a s

em ca sos p r á t i cos no D i r e i t o Pena l b r a s i l e i ro .

Trabalho apresentado ao Curso da disciplina Direito Penal I da Universidade Federal da Bahia – UFBA , como requisito avaliação para conclusão desta disciplina, sob a orientação do Professor Mestre Sérgio Habib.

SALVADOR

2012

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SUMÁRIO

1. Cr ime . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2 . Re lação de Causa l idade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

3 . A Re lação de Causa l idade Ap l i cada ao Caso Prá t i co no

D ire i to Pena l Bras i l e i ro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

4 . Cu lpab i l idade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

5 . A Re lação de Cu lpab i l idade Ap l i cada ao Caso Prá t i co no

D ire i to Pena l Bras i l e i ro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

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O CRIME

O c r ime é t oda condu t a humana t í p i ca , cu lpáve l e an t i j u r í d i ca .

É Condu t a l a t o s enso – no s en t i do amp lo – po rque ab range ação

( f ace r e ) e omi s são (non f ace r e ) .

Os s eus componen t e s – condu t a , t i p i c i dade i l i c i t ude e

cu lpab i l i dade – comuns a t odo i l í c i t o pena l , pos s ib i l i t am uma

ju r i sp rudênc i a , r a c iona l ob j e t i va e i gua l i t á r i a , t o rna - se pos s íve l

en t ão so luc iona r o s p rob l emas que s e ap re sen t am na ap l i c ação da

l e i pena l ao ca so conc re to , e s e r de s se modo cumpr ida a f i na l i dade

p r á t i c a da c i ênc i a do D i r e i t o Pena l .

Condu t a t í p i c a : Ação que s e enca ixa em um t i po pena l

f a zendo - se ex i s t en t e uma t i p i c idade e uma adequação t í p i ca de

condu t a , um c r ime de sc r i t o e p r ev i s t o pos i t i vamen te na Le i do qua l

de co r r e uma sanção pun i t i va l ega l . E s t á na condu t a do agen t e . A

t i p i c idade pena l pode s e r de f i n ida como o encon t ro en t r e a condu t a

e o t i po . É o encon t ro da condu t a p ro ib ida p r a t i c ada pe lo agen t e e o

t i po pena l de sc r i t o na l e i . É t i po da ação . Sendo e s t a condu t a

cons ide rada t í p i c a va i oco r r e r o p roce s so de adequação t i í p i c a pe lo

qua l va i oco r r e r o encon t ro de uma de t e rminada condu t a com um

de t e rminado t i po pena l .

A a t i p i c idade da condu t a pode subd iv id i r - s e em:

- Condu t a a t í p i ca abso lu t a : Condu t a que não s e amo lda a nenhum

t i po pena l .

- Condu t a a t í p i ca r e l a t i va : Embora não s e enca ixe nos mo ldes

pena i s s e enca ixa em ou t r a compe t ênc i a .

Condu t a An t i j u r í d i ca : A condu t a é an t i j u r í d i ca não po rque

o f ende a l e i , mas po rque o f ende ao d i r e i t o . A condu t a pa r a s e r

c r im inosa t em que con t r a r i a r o D i r e i t o , t em se como exemplo

c l á s s i co o homic íd io em l eg i t ima de fe sa o qua l o f ende a l e i , mas

não o f ende ao d i r e i t o . Es t á p r ev i s t o no Ar t . 23 do cód igo pena l e

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são chamados t i pos pena i s pe rmi s s ivos , a condu t a é t í p i c a ma i s não

é cu lpáve l .

Condu t a cu lpáve l : A ten t a - s e a í a p r ev i s i b i l i dade do c r ime

pa ra en t ão s e de f i n i r s e a condu t a s e r á cons ide rada cu lpáve l ou não

e s e o r éu deve rá r e sponde r pe lo c r ime e s e r pun ido .

No Cód igo Pena l a t ua l não ex i s t e uma de f i n i ção de c r ime .

En t ão a dou t r i na de senvo lveu a lguns conce i t o s . Ex i s t em t r ê s t i pos

de fo rma de conce i t ua r o c r ime , s egundo Mi rabe t e e Fe rnando

Capez , que s ão o conce i t o fo rma l , ma t e r i a l e ana l í t i co :

Aspec to Ma te r i a l : Busca a e s sênc i a do conce i t o , onde o c r ime

pode s e r de f i n ido como todo f a to humano que p ropos i t ada ou

de scu idadamen te , l e s a ou expõe em pe r igo bens j u r í d i cos de a l t a

r e l evânc i a a co l e t i v idade , paz e o rdem soc i a l .

Aspec to Fo rma l : Mera subsunção do t i po l ega l , é c r ime t udo

aqu i l o que e s t á de sc r i t o na l e i , ou s e j a , t udo aqu i l o que o

l eg i s l ado r de sc r eve r como t a l , pouco impor t ando s eu con t eúdo .

Aspec to Ana l í t i co : Busca sob p r i sma j u r í d i co e s t abe l ece r nos

e l emen tos e s t ru tu r a i s do c r ime . U t i l i z ando - se de t a l t é cn i ca t en t a -

s e p rop i c i a r a co r r e t a e ma i s j u s t a dec i s ão sob re a a ção i n f r ação

pena l e s eu au to r , f a zendo com que o j u lgado r ou i n t e rp r e t e

de senvo lva s eu r ac ioc ín io em e t apas . Sob e s se ângu lo c r ime é t odo

f a to t í p i co e i l í c i t o aonde p r ime i ro va i s e ana l i s a r a t i p i c i dade ,

s egundo a i l i c i t ude e a i nda a cu lpab i l i dade pa r a depo i s p ro fe r i r um

ju í zo de r ep rovação .

En t r e t an to , r e s t a a f i rma r , que o c r ime é um a to uno e

i nd iv i s í ve l , como bem adve r t e o P ro f . Lu i z A lbe r to MACHADO:

"Não s i gn i f i c a que o s e l emen tos encon t r ados na sua de f i n i ção

ana l í t i c a oco r r am sequenc i a lmen t e , de fo rma c rono log i camen te

o rdenada ; em ve rdade acon t ecem todos no mesmo momen to

h i s t ó r i co , no mesmo in s t an t e , t a l como o i n s t an t e da j unção de duas

pa r t í cu l a s de h id rogên io com uma de ox igên io p roduz a mo lécu l a da

água" .

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Ass im sendo , o f a t o dos e l emen tos cons t i t u t i vos do c r ime ,

s e r em ana l i s ados i nd iv idua lmen t e , não de sca rac t e r i z am o a to

c r im inoso que c r i ou , a l t e rou ou p roduz iu e f e i t o s no mundo j u r í d i co ,

mas , un i camen te f a c i l i t am a t a r e f a de ave r i gua r a condu t a humana

c r im inosa , pa r a uma j u s t a ap l i c ação da r ep r imenda .

A lém do ma i s , o c r ime não pode s e r cons ide rado como um

" f a to j u r í d i co" , o c r ime nada ma i s é do que um a to ( c r im inoso ) que

p rovoca um f a to j u r í d i co que vem a a l t e r a r ; c r i a r ou ex t i ngu i r

d i r e i t o s . O f a to , ou s i t uação ex i s t en t e após a p r á t i c a do c r ime , é a

consequênc i a do a to c r im inoso .

Pode - se conc lu i r que o conce i t o de c r ime a inda e s t á em

evo lução e que o a tua l conce i t o ado t ado pe l a dou t r i na p r eva l en t e

não pe rdu ra r á po r mu i to t empo . Logo o c r ime a s s im como o d i r e i t o

e s t a r á s empre pa s sando po r mod i f i c ações e " r e fo rmas" .

Relação de Causa l idade

A causa pode s e r de f i n ida como tudo aqu i l o que ge r a um

r e su l t ado . No d i r e i t o pena l só r e sponde pe lo c r ime quem dese jou

causa - l o , po r i s so d i z - s e que causa em ma té r i a em Di r e i t o Pena l é

apenas aqu i l o que ge rou o r e su l t ado consc i en t emen te ,

vo lun t a r i amen te ou cu lposamen te , a s s im , ne s se s t e rmos , o D i r e i t o

B ra s i l e i ro de f i ne aqu i l o que s e r á cons ide rado causa pa r a f i n s de

impu tação de r e sponsab i l i dade ao agen t e .

Es t á de spos to no Ar t . 13 do cód igo pena l a r e l a ção de

causa l i dade :

Ar t . 13 . O re su l t ado , de que depende a ex i s t ênc ia do c r ime ,

somen te é impu táve l a quem lhe deu causa . Cons ide ra - se causa a

ação ou omi s são s em a qua l o r e su l t ado não t e r i a ocor r ido .

§ 1 º . A superven i ênc ia de causa r e la t i vamen te i ndependen t e

e xc lu i a impu tação quando , por s i só , p roduz iu o r e su l t ado ; o s

f a to s an t e r io re s , en t r e tan to , impu tam-se a quem os p ra t i cou .

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§ 2 º . A omi s são é pena lmen t e r e l evan t e quando o omi t en t e

dev ia e pod ia ag i r para ev i t a r o r e su l t ado . O deve r de ag i r

i ncumbe a quem: a ) t enha por l e i obr igação de cu idado , p ro t eção

ou v ig i l ânc ia ; b ) de ou t ra f o rma , a s sumiu a r e sponsab i l i dade de

imped i r o r e su l t ado ; c ) com seu compor tamen to an t e r io r , c r i ou o

r i s co da ocor rênc ia do r e su l t ado .

Tudo aqu i l o que e s t á den t ro da a lde i a c ausa l va i s e r

cons ide rada como causa do c r ime .

Pa ra o Cód igo Pena l t udo que s e r e l a c iona com o r e su l t ado

s ão causa – mesmo que s e j a concausa ; A concausa não pode exc lu i r

a c ausa ;

Den t ro da r e l a ção de causa l i dade do D i r e i t o Pena l s e podem

obse rva r a l guns e l emen tos em sua compos i ção t a i s como:

1 . O nexo causa l v íncu lo que va i un i r o agen t e ao r e su l t ado .

Toma- se o r e su l t ado e s e f a z um p roces so de e l im inação de

h ipo t é t i c a men t a l , p roce s so u t i l i z ado pe l a dou t r i na pena l pa r a

encon t r a r o l i ame en t r e o f a t o e sua consequênc i a .

2 . O v íncu lo p s i co lóg i co , o c a r á t e r sub j e t i vo do c r ime , é o

que va i un i r t odos o s pa r t i c i pan t e s a r e sponde r pe lo mesmo c r ime ,

au to r e s , co - au to r e s , pa r t i c i pe s e co -pa r t i c i pe s podem se r

cons i s t en t e s de :

2 .1 Ace r to p r év io aonde o s co - r éus an t e s de p r a t i c a r o c r ime f azem

um aco rdo .

2 .2 Adesão po i s , em mu i to s c a sos não oco r r e o a ce r t o p r év io , o

c r im inoso que não pa r t i c i pou do ace r t o p r év io , po rém, s e une ao

au to r ( e s ) no momen to em que e s t á s e p r a t i c ando o c r ime t ambém

cons ide ra - s e que ade r i u pa r a a co r robo ração do c r ime e pa r t i c i pou

a t i vamen te de l e .

3 . A co -au to r i a , t eo r i a un i t á r i a , d i spos t a no Ar t . 29 do Cód igo

Pena l :

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Ar t . 29 - Quem, de qua lquer modo , concor re para o c r ime

i nc ide nas penas a e s t e cominadas , na med ida de sua

cu lpab i l i dade .

§ 1 º - Se a par t i c i pação f o r de menor impor tânc ia , a pena

pode s e r d im inu ída de um sex to a um t e rço .

§ 2 º - Se a lgum dos concor ren t e s qu i s par t i c i par de c r ime

menos g rave , s e r - l he -á ap l i cada a pena de s t e ; e s sa pena s e rá

aumen tada a t é me tade , na h ipó t e se de t e r s i do p rev i s í v e l o

r e su l t ado ma i s g rave .

A l e i não f az d i s t i nção en t r e au to r e co -au to r , pa r t i c i pe s e co -

pa r t i c i pe s , t odos r e spondem pe lo mesmo c r ime . O que f az com que

t odos r e spondam pe lo mesmo c r ime é o v incu lo p s i co lóg i co , po rém

cada qua l r e sponde pe lo c r ime de aco rdo com a sua cu lpab i l i dade .

A r e l ação de pa r t i c i pação do c r ime é r e l evan t e na ho ra de

ap l i c ação da pena t ambém conhec ida como dos ime t r i a da pena .

Res sa lva - se que :

“Ar t . 22 - Se o f a to é come t ido sob coação i r r e s i s t í v e l ou em

e s t r i t a obed i ênc ia a o rdem, não man i f e s t amen t e i l ega l , de super io r

h i e rárqu i co , só é pun í ve l o au to r da coação ou da o rdem.”

Se o agen t e fo i coag ido a p r a t i c a r o c r ime e l e é coac to , e l e é

i ncubo e não r e sponde pe lo c r ime . Ta l pa r t i c i pação é cons ide rada

do lo samen te d i s t i n t a do a r t . 29 do cód igo pena l .

A inda a t en t a - s e que a co -au to r i a só oco r r e nos c r imes

monosub j e t i vos , ou s e j a c r imes o s c r imes que podem se r p r a t i c ados

po r apenas um agen t e não s endo nece s sá r i a a pa r t i c i pação de ou t ro s

pa r a conc re t i z ação de s eus r e su l t ados .

Os c r imes p lu r i sub j e t i vos s ão c r imes que deve rão s e r

nece s sa r i amen te p r a t i c ados po r uma quan t i dade mín ima de pe s soas

t endo a s s im ob r iga to r i amen te em sua execução ma i s de um agen t e .

A Concausa va i s e r uma causa conco r r en t e . Aqu i l o que

t ambém co l abo ra pa r a que oco r r a o r e su l t ado . O agen t e r e sponde

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pe l a consumação do c r ime po i s na dou t r i na pena l a concausa e a

cond i ção t ambém equ iva l em como causa .

Em v i r t ude do expos to no a r t i go 13 do cód igo pena l , a

ma io r i a da dou t r i na b r a s i l e i r a en t ende que o o rdenamen to j u r í d i co

b r a s i l e i ro aga sa lhou a Teo r i a da Cond i t i o S ine Qua Non , t ambém

chamada de t eo r i a da equ iva l ênc i a da s c ausa s .

A t eo r i a na tu r a l i s t a ou causa l , ma i s conhec ida como

t eo r i a c l á s s i c a , conceb ida po r F ranz von L i sz t , a qua l t eve E rnes t

von Be l i ng um de s eus ma io re s de f enso re s , dominou t odo o s éc .

XIX , fo r t emen te i n f l uenc i ado pe lo pos i t i v i smo ju r í d i co .

Pa ra s eus de f enso re s o do lo e a cu lpa s e r i am impre sc ind íve i s

pa r a a ex i s t ênc i a do c r ime , s ed i avam-se na cu lpab i l i dade , e e s t a

u l t ima , s e t o rnava nece s sá r i a pa r a i n t eg ra r o conce i t o de i n f r ação

pena l .

Es sa t eo r i a e s t abe l ece que t odas a s condu t a s que de qua lque r

fo rma con t r i bu í r em pa ra a oco r r ênc i a de um de t e rminado r e su l t ado

s ão causa s de l e . Cons ide ram-se causa t oda e qua lque r a ção ou

omi s são capaz de ge r a r um r e su l t ado .

Es t a é a t eo r i a que exp l i c a a r e l a ção causa l . Cond i ção s em a qua l o

c r ime não t e r i a oco r r i do . Tudo aqu i l o que en t r a na cade i a c ausa l é

ad i c ionado ao t i po pena l . Tudo aqu i l o que vem an t e s do r e su l t ado é

equ iva l en t e .

A inda den t ro de s t a t eo r i a t ambém se d i spõe sob re a

supe rven i ênc i a c ausa l , aque l a que su rge depo i s do f a to p r i nc ipa l .

Supe rven i en t e é a l go que vem após o f a t o , ou s e j a , após a

condu t a do agen t e . O Cód igo Pena l a lme j a s abe r a c ausa

supe rven i en t e como r e l a t i vamen te dependen t e ou abso lu t amen te

dependen t e t endo sua fundamen tação no Ar t . 13 §1 º do cód igo

pena l :

Superven i ênc ia de causa : § 1 º - A superven i ênc ia de causa

r e la t i vamen te i ndependen t e e xc lu i a impu tação quando , por s i só ,

p roduz iu o r e su l t ado ; o s f a to s an t e r io re s , en t r e tan to , impu tam-se a

quem os p ra t i cou .

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Pa ra ev i t a r uma r e l ação de causa l i dade i n f i n i t a ex i s t em duas

l im i t ações à Teo r i a da Cond i t i o S ine Qua Non :

A p r ime i r a l im i t ação à Teo r i a em ques t ão é o e l emen to

sub j e t i vo do t i po pena l : o do lo ou a cu lpa , po i s t an to o do lo como a

cu lpa aba rca na p r ev i s i b i l i dade do a to t í p i co .

A segunda l im i t ação a e s t a t eo r i a cons i s t e na concausa l i dade ,

e s t udo daque l a s s i t uações em que ex i s t em vá r i a s condu t a s s endo

ana l i s adas e envo lvendo a oco r r ênc i a de um de t e rminado r e su l t ado

t í p i co . O que s e busca ne s sa s s i t uações é s abe r qua i s a s condu t a s

s e r ão e f e t i vamen te cons ide radas como causa do r e su l t ado , e que

t í t u lo s e r á r e sponsab i l i z ado o agen t e .

Ass im pode de l im i t a r - s e na a lde i a c ausa l quando e f e t i vamen te

s e deu i n í c io à i l i c i t ude dos a to s de sp rend idos e qua l den t r e e l e s ,

f o r am de f a to i l í c i t o s e qua i s conc re t i z a r am o r e su l t ado f i na l .

A Re lação de Causa l idade Ap l i cada ao Caso Prá t i co no D ire i to

Pena l Bras i l e i ro

Pa ra d i spo r sob re a r e l a ção de causa l i dade , nexo causa l ,

supe rven i ênc i a c ausa l e concausa s , i l u s t r a - s e um ca so h ipo t é t i co e

como e l e s e r i a t r a t ado pe lo D i r e i t o Pena l b r a s i l e i ro , f undamen tando

a s dec i sõe s pau t adas no Cód igo Pena l V igen t e :

Bened i t a é e sposa de Manoe l i t o . Seu ca samen to vem pas sando

po r momen tos t u rbu l en to s que começa ram após a de scobe r t a da

e s t e r i l i dade de Bened i t a , que não pode r i a ge r a r f i l hos pa r a

Manoe l i t o .

Manoe l i t o f ru s t ado pe rde o gos to pe lo ca samen to , po i s sonha

em se r pa i e cons t i t u i r uma f amí l i a e começa a de se j a r e s t a r com

ou t r a s mu lhe re s . Seu de se jo é consumado quando e l e começa a s e

s en t i r a t r a í do po r uma co l ega de t r aba lho , An i t a , a qua l t em

conhec imen to de que Manoe l i t o é um homem casado po rém, mesmo

a s s im , demons t r a r e c ip roc idade e r e t r i bu i sua s i nves t i da s .

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Com rece io e pena de l a rga r a e sposa , quem hav i a man t i do

uma r e l ação amorosa , de amizade e cumpl i c idade du ran t e noves

anos de sua v ida , Manoe l i t o r e so lve man t e r um ca so s ec r e to com

An i t a depo i s do exped i en t e de t r aba lho , começando um c i c lo de

j u s t i f i c a t i va s pa r a o s s eus i números a t r a sos a d iminu i ção

cons ide ráve l da s r e l a ções i n t imas como t ambém ca r i nhosa s que

man t i nha com sua e sposa .

Descon f i ada e s en t i ndo - se menosp rezada Bened i t a con t r a t a

um inves t i gado r pa r t i cu l a r , Pe tún io pa r a ave r i gua r o que e s t á

a con t ecendo com o s eu mar ido que j á não a t r a t a da mesma fo rma .

Pe tún io é pago pa ra t r a ze r i n fo rmações pa r a Bened i t a e o f a z

em uma semana , l he de ixando c i en t e de que Manoe l i t o e s t á t endo

um ca so com An i t a po r me io de fo to s , g r avações e r e l a t o s que

consegu i r a pe r segu indo o mar ido .

A e sposa t r a í da en t r a um ace s so de r a iva de se j ando - se v inga r -

s e do mar ido , o qua l v inha s i do f i e l e l e a l du ran t e t odos o s anos de

ca samen to . Des t a mane i r a e l a e l abo ra um p l ano em que deve r i a

t en t a - l o f a ze - l o so f r e r a s s im como e l e a t e r i a f e i t o . E l a en t ão l i ga

pa r a uma amiga , F r anc i s ca , que a a conse lha , em tom de b r i ncade i r a ,

a j oga r água quen t e no ouv ido do mar ido enquan to e l e e s t i ve s se

do rmindo , pa r a a s s im , “ f e rve r o s m io lo s do s a f ado” .

A e sposa r e so lve en t ão po r o p l ano em p rá t i c a , co loca uma

quan t i dade de ca lman t e cons ide ráve l na sopa de Manoe l i t o pa r a que

s eu sono s e j a pe sado e o e spe ra j an t a r e do rmi r .

Quando pe rcebe que o ma r ido j á e s t á do rmindo a a l gum t empo

e começa a ronca r , Bened i t a f e rve água na pane l a e cu idadosamen te

j oga água f e rven t e den t ro do ouv ido do mar ido , que aco rda

de se spe rado s en t i ndo s eus t ímpanos f e rve rem.

Manoe l i t o chama a SAMU e é r ap idamen te a t end ido , chegando

ao hosp i t a l e s endo a lo j ado na UTI .

En t r e t an to , a l gumas ob ra s que v inha s endo r ea l i z adas em

luga r p róx imo ao p r éd io do hosp i t a l a cabam po r a f e t a r a sua

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Page 12: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

e s t ru tu r a . Em deco r r ênc i a d i s so , o t e t o do hosp i t a l a caba po r

de saba r sob re a c abeça de Manoe l i t o , e é dec l a r ado s eu ób i t o .

Ana l i s ando t odos o s pe r sonagens envo lv idos no nexo causa l o

qua l s e deco r r e r am os f a t o s s e cons t ró i o j u í zo h ipo t é t i co de

e l im inação :

- Manoe l i t o t r a i u Bened i t a , no en t an to , e l e não t e r i a como

p reve r que sua condu t a cons ide rada imora l po rém não t i do

pe lo D i r e i t o Pena l como i l í c i t a , l eva r i a a sua e sposa a

p r a t i c a r t a i s a t o s exce s s ivos .

- An i t a , a aman te , ape sa r t ambém de t e r conhec ido de que

Manoe l i t o é um homem casado e mesmo a s s im man tendo

r e l a ções i n t imas , pode rá s e r ma l v i s t a pe l a soc i edade mas

não pe lo D i r e i t o v i s t o que e l a não pode r i a p r eve r que t a i s

f a t o s pode r i am acon t ece r , po r t an to , e s t a i s en t a de cu lpa .

- Pe tún io fo i con t r a t ado po r Bened i t a pa r a s egu i r o s eu

mar ido e de scob r i r o que e l e andava f azendo após o

exped i en t e do t r aba lho , não t eve e l e pa r t i c i pação na s

p rov idênc i a s t omadas po r Bened i t a após l he s e r r eve l ada a

ve rdade .

- F r anc i s ca , a amiga , em tom de b r i ncade i r a a conse lhou

Bened i t a a j oga r água quen t e no ouv ido do mar ido não

t e r i a como p reve r que e l a a l eva r i a a s e r i o , não t i nha , e l a ,

a i n t enção de que a amiga conc re t i z a s se t a l f e i t o , não a

coag iu nem a ob r igou a t a l f a t o , Bened i t a o f e z po r l i v r e e

e spon t ânea von t ade , mesmo que , s e e l a não t i ve s se

so l i c i t ado o s conse lhos da amiga , t a l vez , o r e su l t ado não

t i ve s se oco r r i do .

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Page 13: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

- O de sabamen to do t e t o do hosp i t a l não cons t i t u i um

desdob ramen to causa l na tu r a l do p roce s so em que uma

pe s soa e s t a em a t end imen to na UTI . Po r i s so , pode - se

a f i rma r que o de sabamen to do t e t o , po r s i só , c ausou o

r e su l t ado . Abr iu - se um novo p roce s so causa l , que po r s i só

l evou ao r e su l t ado mor t e .

- Bened i t a , no en t an to , j ogou água quen t e no ouv ido do

mar ido , e s e e l a não o t i ve s se f e i t o s eu mar ido não e s t a r i a

na UTI naque l e exa to momen to , en t r e t an to não fo i sua

condu t a a que r e su l t ou a mor t e de Manoe l i t o .

- Con tudo , a e sposa não s a i r á em pune , po i s o s a t o s

p r a t i c ados an t e r i o rmen te a mor t e do mar ido cons t i t uem

uma condu t a t í p i c a , e e l a , deve rá r e sponde r po r homic íd io

t en t ado , po i s no Cód igo Pena l de t e rmina - se que , t endo a

c ausa r e l a t i vamen te i ndependen t e p roduz ido o r e su l t ado

po r s i só o agen t e r e sponde rá apenas pe lo s a t o s p r a t i c ados

an t e r i o rmen te ao r e su l t ado f i na l conc re to .

Culpab i l idade

A cu lpab i l i dade cons i s t e na pos s ib i l i dade de cons ide ra r

a l guém cu lpado pe l a p r á t i c a de uma i n f r ação pena l .

Ve r i f i c a - s e p r ime i r amen te s e o f a t o é t í p i co ou não ; em

segu ida em ca so a f i rma t i vo a sua i l i c i t ude ; só a pa r t i r de en t ão

cons t a t ada a p r a t i c a de um de l i t o , é que s e pa s sa ao exame da

pos s ib i l i dade de r e sponsab i l i z ação do au to r .

Na cu lpab i l i dade a f e r e - s e apenas s e o agen t e deve ou não

r e sponde r pe lo c r ime come t ido , t em s ido cons t a t ado que t a l a gen t e

deve rá r e sponde r pe lo c r ime , a cu lpab i l i dade nada t em que ve r com

o a to i l í c i t o , não podendo s e r qua l i f i c ado como o s eu e l emen to .

A dou t r i na d i t a pa r âme t ro s pa r a d i s t i ngu i r do lo de cu lpa :

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Page 14: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

Dolo : Nos c r imes do lo sos o agen t e p r a t i c a a condu t a po r

ego í smo po rque e l e não ab re mão da condu t a e e s t á a l he io e

i nd i f e r en t e ao r e su l t ado . O do lo a inda pode subd iv id i r - s e em duas

c a t ego r i a s :

O do lo d i r e to quando há i n t enção do agen t e ao p r a t i c a r a

a ção . O agen t e que r ob t e r o r e su l t ado e o do lo i nd i r e to quando não

há i n t enção , po rém o agen t e a s sume o r i s co de p roduz i r o r e su l t ado .

No en t an to , pa r a o cód igo pena l não ex i s t e d i s t i nção en t r e o

do lo d i r e to e o do lo i nd i r e to , não ex i s t e d i f e r ença on to lóg i ca , na

e s sênc i a do c r ime , a d i s t i nção que va i oco r r e r é em r e l ação a pena .

Uma vez condenado a pena s e r á d i f e r enc i ada .

A inda f a l a - s e sob re o do lo i nd i r e to a l t e rna t i vo onde o su j e i t o

a s sume o r i s co de ma t a r ou f e r i r e o do lo i nd i r e to even tua l onde o

su j e i t o a s sume o r i s co de p roduz i r um r e su l t ado .

No p re t e rdo lo , em t e rmos l i t e r a i s , a l ém da i n t enção , há do lo

na condu t a i n i c i a l do agen t e e o r e su l t ado de s t a é d ive r so do

a lme j ado . O agen t e age do lo samen te , mas o r e su l t a l e s i vo é

d i f e r en t e do a lme j ado . Não s e admi t e t en t a t i va nos c r imes

p r e t e rdo lo sos , ha j a em v i s t a que , o r e su l t ado l e s i vo g r avoso e s t á

f o r a do campo de von t ade do agen t e , s endo r e so lv ido de fo rma

cu lposa . Só pode have r o c r ime pe r t e rdo lo quando não houve r do lo

d i r e to nem ind i r e to . São chamados c r imes pe t e r i n t enc iona i s .

Cu lpa : Nos c r imes cu lposos o i nd iv iduo não p r a t i c a po r

ego í smo , mas s im po rque e l e con f i a p l enamen te que o r e su l t ado não

va i oco r r e r , en t r e t an to , e l e age de scu idadamen te , e l e age de ixando

de obse rva r o s dev idos cu idados – neg l i gênc i a , imprudênc i a e

impe r í c i a . “Dê no que de r , ha j a o que houve r eu não de ixo de ag i r ” .

Os e l emen tos que i n t eg ram a cu lpab i l i dade , s egundo a t eo r i a

no rma t iva pu ra ( a concepção f i na l i s t a ) , s ão : a ) impu tab i l i dade ;

b ) pos s ib i l i dade de conhec imen to da i l i c i t ude do f a to ; c )

ex ig ib i l i dade de obed i ênc i a ao D i r e i t o .

A impu tab i l i dade cons i s t e na capac idade de en t ende r um

ca rá t e r c r im inoso de f a to ou i l í c i t o de f a t o e de s e de t e rmina r de

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Page 15: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

aco rdo com e s se en t end imen to , consequen t emen te e s sa s pe s soas

podem supo r t a r o g r avame da pena .

Os i n impu táve i s s e r ão t odos aque l e s que não t êm a capac idade

de en t end imen to ou de de t e rminação . O nos so a r t i go não de f i ne

d i r e t amen te a i n impu tab i l i dade .

Os i n impu táve i s s ão aque l e s i nd iv íduos que po r doença

men t a l ou de senvo lv imen to men t a l i ncomple to ou r e t a rdo e r am na

época do c r ime i ncapazes de en t ende r o c a r á t e r i l í c i t o de f a t o e de

s e de t e rmina r com e s se en t end imen to .

D i spõe o Ar t . 26 , Cód igo Pena l , pa r ág ra fo ún i co :

“In impu táve i s – Ar t . 26 - É i s en to de pena o agen t e que , por

doença men ta l ou de senvo l v imen to men ta l i ncomp le to ou r e ta rdado ,

e ra , ao t empo da ação ou da omi s são , i n t e i ramen te i ncapaz de

en t ender o cará t e r i l í c i t o do f a to ou de de t e rminar - se de acordo

com e s se en t end imen to .”

Conc lu i - s e en t ão de aco rdo com t eo r i a f i na l i s t a v igen t e ho j e

no s i s t ema pena l b r a s i l e i ro que a c apac idade de cu lpab i l i dade

ap re sen t a do i s momen tos e spec í f i cos : um cognosc ivo ou

i n t e l e c tua l , e ou t ro vo l i t i vo ou de von t ade , i s t o é , a c apac idade de

compreensão do i n ju s to e a de t e rminação da von t ade con fo rme

e s sa compreensão , a c r e scen t ando que somen te o s do i s momen tos

con jun t amen te cons t i t uem, po i s , a c apac idade de cu lpab i l i dade .

Es t á d i spos to no a r t . 18 do cód igo pena l :

Ar t . 18 - D i z - s e o c r ime :

Cr ime do lo so I - do lo so , quando o agen t e qu i s o r e su l t ado ou

a s sumiu o r i s co de p roduz i - l o ;

Cr ime cu lposo

I I - cu lposo , quando o agen t e deu causa ao r e su l t ado por

imprudênc ia , neg l i gênc ia ou imper í c ia .

Parágra fo ún i co - Sa l vo o s casos e xpre s sos em l e i , n i nguém pode

s e r pun ido por f a to p rev i s t o como c r ime , s enão quando o p ra t i ca

do lo samen te .

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Page 16: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

Pa ra o cód igo pena l não ex i s t e d i s t i nção en t r e o do lo d i r e to e

o do lo i nd i r e to , não ex i s t e d i f e r ença on to lóg i ca , na e s sênc i a do

c r ime , a d i s t i nção que va i oco r r e r é em r e l ação a pena , uma vez

condenado a pena s e r á d i f e r enc i ada .

No Bra s i l , a t é a década de s e t en t a , p r edominou a t eo r i a

c ausa l i s t a ou neokan t i s t a do de l i t o . Des sa época a t é r e cen t emen te

pa s sou a p r eponde ra r a t eo r i a f i na l i s t a . O cód igo pena l de 1940 ,

ado t ava a dou t r i na c l á s s i c a onde a cu lpa deco r r i a de uma t r i nômia

( imprudênc i a , impe r í c i a , neg l i gênc i a ) . So f r e uma mudança em

1984 com g rande r e fo rma pena l e ado t a a t eo r i a f i na l i s t a onde a

cu lpa deco r r e da i nobse rvânc i a de cu idados ob j e t i vos , a t r i nômia s e

r e sume na pa l av ra neg l i genc i a .

A de f i n i ção da cu lpa na dou t r i na c l á s s i c a c ausa l i s t a s e r e sume

no t r i nômio imprudênc i a , impe r í c i a e neg l i gênc i a . O f a to t í p i co

r eque r i a condu t a vo lun t á r i a e e s t a e r a neu t r a , de sves t i da de do lo ou

cu l pa . Reque r i a t ambém o r e su l t ado na tu r a l í s t i co nos c r imes

ma t e r i a i s ; nexo de causa l i dade en t r e a condu t a e o r e su l t ado ;

r e l a ção de t i p i c idade , adequação do f a to à l e t r a da l e i . O t i po

pena l , como se vê , de a co rdo com a co r r en t e c ausa l i s t a , con t a com

apenas uma d imensão : a ob j e t i va (ou fo rma l ) . Do lo ou cu lpa , ne s se

t empo , pe r t enc i am à cu lpab i l i dade ( e r am a s fo rmas da

cu lpab i l i dade ) .

A de f i n i ção da cu lpa na t eo r i a f i na l i s t a ( cupa s t r i c t u s ensu ) s e

cons t i t u í a po r s e r a i nobse rvânc i a de cu idados ob j e t i vos , a t r i nômia

an t e s u t i l i z ada na dou t r i na causa l i s t a , ago ra s e r e sumia em uma só

pa l av ra : neg l i gênc i a . Pa r a a dou t r i na f i na l i s t a de We lze l o f a t o

t í p i co r eque r i a : a condu t a do lo sa ou cu lposa , do lo e cu lpa pa s sam a

f a ze r pa r t e da condu t a ; r e su l t ado na tu r a l í s t i co , nos c r imes

ma t e r i a i s ; nexo de causa l i dade en t r e a condu t a e o r e su l t ado ;

adequação do f a to à l e t r a da l e i cons t i t u indo a r e l a ção de

t i p i c idade . O t i po pena l , a pa r t i r do f i na l i smo , pa s sa a con t a r com

duas d imensões : a ob j e t i va , ou fo rma l , e a sub j e t i va , o v incu lo

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Page 17: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

sub j e t i vo do agen t e com o c r ime , e s t a ú l t ima i n t eg rada pe lo do lo ou

pe l a cu lpa .

A t eo r i a ado t ada pe lo D i r e i t o Pena l b r a s i l e i ro é a t eo r i a l im i t ada

da cu lpab i l i dade . Depo i s de 1984 , an t e s da r e fo rma pena l , o s i s t ema

an t e s ado t ado no Bra s i l e r a dup lo -b iná r i o : cons i s t i a em

de t e rminação de pena em con jun to com a med ida de s egu rança ,

concomi t an t e s , não s e pod i a f r a c iona r o i nd iv íduo . O s i s t ema pena l

b r a s i l e i ro depo i s da r e fo rma de 1984 é o s i s t ema v i ca r i an t e ,

de t e rmina pena pa ra o s impu táve i s e pa r a o s s emi - impu táve i s e

med ida de s egu rança pa r a o s i n impu táve i s . As penas pos suem

t empos de t e rminados , a s med ida s de s egu rança s ão i nde t e rminadas ,

med i an t e a aná l i s e méd i ca , a t r avé s do exame de ve r i f i c ação de

ce s sação de pe r i cu lo s idade r ea l i z ado po r do i s p s iqu i a t r a s .

A Re lação de Cu lpab i l idade Ap l i cada ao Caso Prá t i co no D ire i to

Pena l Bras i l e i ro

Pa ra d i spo r sob re a r e l a ção de cu lpab i l i dade i l u s t r a - s e um

ca so h ipo t é t i co e como e l e pode r i a s e r s e r i a t r a t ado , pe lo v i é s da

de f e sa , com p re s supos to s do D i r e i t o Pena l , f undamen tado no

Cód igo Pena l b r a s i l e i ro v igen t e :

Te r tu l i ano na sceu em me io a uma anomia soc i a l , a s soc i ada a

cond i c ionan t e s f r áge i s no que s e r e f e r e aos cód igos mora i s . Logo

na t en ra i dade , v i a s eu pa i chega r em ca sa a l coo l i z ado , f l ag rou

a lgumas veze s sua mãe s endo ag red ida pe lo s eu pa i , s i t uação que

j u s t i f i cou a s epa ração do ca sa l quando Te r tu l i ano t i nha 14 anos .

Com a s epa ração da mãe Te r tu l i ano mudou pa ra uma ca sa menor ,

s i t uada em uma á r ea f ave l i z ada da g r ande Sa lvado r /BA.

Com o pa s sa r de a lguns mese s chega S r . Cesa r , que v i r i a s e r

pad ra s to do ga ro to , Te r tu l i ano de fo rma cons t an t e t e s t emunhava ,

s em que sua mãe pe rcebes se , uma ro t i na de compor t amen tos s exua i s

exp l í c i t o s e v io l en to s en t r e o c a sa l .

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Page 18: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

O ga ro to Te r tu l i ano s e t r ans fo rmou em S r . Te r tu l i ano ex ímio

mecân i co , pa i de t r ê s f i l hos , pad ra s to da men ina Ana C la r a de 8

anos , f i l ha de Dona Ana , companhe i r a que bana l i zou a fo rma

e s tup ida e a s veze s v io l en t a do S r . Te r t u l i ano s e r e l a c iona r com

e l a , o s v i z inhos comen tavam que e l e a i nda i a a caba r ma t ando -a .

Mas o “de s t i no” cu idou de imped i r t a l c r ime que ce r t amen te não

ve io a v i a de f a t o s , pe l a pena l i z ação de ou t ro c r ime .

Te r tu l i ano fo i i nd i c i ado e a cusado , po r t e r come t ido c r ime de

pe rve r são e pedo f i l i a r e i t e r ada , t endo v i t imado po r d ive r sa s veze s

sua en t eada , Ana C la r a de apenas o i t o anos de i dade .

Com re l ação à ques t ão sob re a condenação , ou não , do S r .

Te tu l i ano pe lo s c r imes de pe rve r são e pedo f i l i a , pa s samos a

ana l i s a r o a s sun to com a lgumas ponde rações que deve ram se r

ba s t an t e cons ide radas na ho ra da ap l i c ação da pena .

A lguns homens , quando come tem f a to s de f i n idos como c r ime ,

po r sua s pa r t i cu l a r e s cond i ções b iops i co lóg i ca s , não s abem nem

t êm a capac idade de s abe r que e s t ão r ea l i z ando compor t amen tos

p ro ib idos pe lo D i r e i t o . São abso lu t amen te i ncapazes de en t ende r

que s eu compor t amen to é i l í c i t o .

O S r . Te tu l i ano na sceu em me io a uma anomia soc i a l ,

a s soc i ada a cond i c ionan t e s f r áge i s no que s e r e f e r e aos cód igos

mora i s . Logo na t en ra i dade , v i a s eu pa i chega r em ca sa

a l coo l i z ado , f l ag rou a l gumas veze s sua mãe s endo ag red ida pe lo

s eu pa i , s i t uação que j u s t i f i cou á s epa ração do ca sa l quando

Te tu l i ano t i nha apenas 14 anos .

Ass im S r . Te tu l i ano adqu i r i u ao l ongo de sua i n f ânc i a uma

t a r a degene ra t i va que co r r e sponde uma pa to log i a men t a l adqu i r i da

du ran t e o t empo ou po r doença , choque ou t r auma .

Sem emba rgo , com a s epa ração da mãe de Te r tua l i ano mudou

pa ra uma ca sa menor , um ca seb re de pouco ma i s de 29m² , s i t uada

em uma á r ea f ave l i z ada da Grande Sa lvado r -BA. Com o pa s sa r de

a lguns mese s , chega o S r . Cesa r que v inha a s e r o pad ra s to do

ga ro to . Te r tu l i ano em sua ado l e scênc i a e f o rmação de

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Page 19: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

pe r sona l i dade de fo rma cons t an t e t e s t emunhava , s em que sua mãe

pe rcebes se uma ro t i na de compor t amen tos s exua i s exp l í c i t o s e

v io l en to s .

Des t a mane i r a , du ran t e t oda sua i n f ânc i a e ado l e scênc i a

Te r tu l i ano i n t e r i o r i zou de sde cedo aque l e e ro t i smo e s exua l i dade

não apenas p r a t i c ada pe lo s eu pa i , mas t ambém po r ou t ro homem, o

s eu pad ra s to .

Aprendeu e a s s im i lou ao l ongo de sua j uven tude e

amadurec imen to que e s t e t i po de t r a t amen to s e r i a o adequado ao s e

t r a t a r uma mu lhe r du ran t e sua s r e l a ções s exua i s , po i s f o i aque l e o

qua l t i ve r a con t a to du ran t e t oda a sua fo rmação , s em nunca

n inguém lhe ens ina r ou d i ze r que t a i s a t o s e s t avam e r r ados e não

deve r i am se r p r a t i c ados . Pa ra Te r tu l i ano t a i s a t o s s ão no rma i s e

co t i d i anas , s endo e s t a r e a l i dade a ún i ca que conhecem. Ass im

Te r tu l i ano não pos su i d i s ce rn imen to do ce r t o e do e r r ado quando s e

t ange a r e l a ções s exua i s dev ido a sua fo rmação con tu rbada .

De aco rdo com o a r t i go 26 do Cód igo Pena l B ra s i l e i ro , é

cons ide rado i n impu táve l , ou i s en to de pena , aque l e que , po r doença

men t a l ou de senvo lv imen to men t a l i ncomple to ou r e t a rdado , e r a , ao

t empo da ação ou da omi s são , i n t e i r amen te i ncapaz de en t ende r o

c a r á t e r i l í c i t o do f a to ou de de t e rmina r - s e de aco rdo com e s se

en t end imen to .

O pa rág ra fo ún i co do mesmo a r t i go de t e rmina a r edução de

pena , de um a do i s t e r ços , c a so o agen t e , em v i r t ude de pe r t u rbação

de s aúde men t a l ou po r de senvo lv imen to men t a l i ncomple to ou

r e t a rdado não e r a i n t e i r amen te c apaz de en t ende r o c a r á t e r i l í c i t o

do f a to ou de de t e rmina r - s e de aco rdo com e s se en t end imen to . Es se

pa r ág ra fo r e f e r e - s e aos s emi - impu táve i s .

Não obs t an t e o ga ro to Te r tu l i ano s e t r ans fo rmou no S r .

Te r t u l i ano , um ex ímio mecân i co , pa i de t r ê s f i l hos (Tadeu , Th i ago

e The r tu l i ano ) , pad ra s to da men ina Ana C la r a f i l ha de 8 anos de

dona Ana que bana l i zou a fo rma e s túp ida e a s veze s v io l en t a do S r .

Te r t u l i ano s e r e l a c iona r com e l e . Ta l a t i t ude de dona Ana r e fo r çou

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Page 20: O Crime, a relação de causalidade, a culpabilidade e suas teorias em casos práticos no Direito Penal brasileiro.

e na men t e do S r . Te r t u l i ano que t a l f o rma de r e l a ção s exua l , de

demons t r ação de amor e r a de f a t o l eg i t ima , e não i l í c i t a ,

con t i nuando a e l e a c r ed i t a r que e s t ava ag indo de aco rdo com a s

no rmas e com os cos tumes da soc i edade .

Nes t a h ipó t e se , a pena c r im ina l só é ap l i c ada ao que , c apaz de

en t ende r e de s e de t e rmina r , pod i a , quando s e compor tou , s abe r que

r ea l i z ava f a to p ro ib ido e que , na s c i r cuns t ânc i a s , pode r i a t e r ag ido

de ou t ro modo . São o s que come te r am f a to s t í p i cos , i l í c i t o s e

cu lpáve i s . O homem que , s em capac idade de en t end imen to e

de t e rminação , r e a l i zou f a to t í p i co e i l í c i t o , o i n ju s to pena l , não

pode s e r pun ido , apenado , mas deve rá r e cebe r ou t r a , ne s t e c a so ,

s e r ão de s t i nadas a e l e s a s med ida s de s egu rança .

O a r t i go 96 do cód igo pena l de t e rmina a s med ida s de

s egu rança . São e l a s : i n t e rnação em hosp i t a l de cus tód i a e

t r a t amen to p s iqu i á t r i co ou , à f a l t a , em ou t ro e s t abe l ec imen to

adequado e su j e i ç ão a t r a t amen to ambu la to r i a l .

O a r t i go 98 pe rmi t e a subs t i t u i ç ão da pena po r med ida de

s egu rança pa r a o s emi - impu táve l . Se o condenado nece s s i t a r de

e spec i a l t r a t amen to cu ra t i vo a pena pode s e r subs t i t u ída pe l a

i n t e rnação ou t r a t amen to ambu la to r i a l pe lo p r azo mín imo de um a

t r ê s anos .

De aco rdo com t a i s conc lu sões , s endo S r . Te r t u l i ano

t o t a lmen t e i ncapaz de en t ende r e de s e de t e rmina r cu lpado , não

pode s e r pun ido , mas , i gua lmen t e , não pode s e r de ixado em

l i be rdade , po i s que , de sconhecendo a d i f e r ença en t r e o c e r t o e o

e r r ado , ou não s abendo gove rna r - s e , t o rna - se , po r i s so mesmo ,

pe r i goso pa ra a s dema i s pe s soas . Em r azão d i s so , o d i r e i t o en t ende

que e s se i nd iv íduo que v io lou a no rma pena l i nc r im inado ra e o

o rdenamen to j u r í d i co , po r não pode r s e r r e sponsab i l i z ado e , po r s e

t r a t a r de um ind iv íduo pe r i goso a ou t ro s i nd iv íduos , deve rá

subme te r - s e a uma med ida de s egu rança e não a uma pena c r im ina l .

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