O Contrato de Concessão e a Indemnização de Clientela do Concessionário
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Mestrado em Solicitadoria de Empresa
O Contrato de Concessão Comercial e a Indemnização
de Clientela do Concessionário
Ana Margarida Duro de Azevedo
Trabalho escrito realizado sob a orientação da Doutora Susana Almeida, Professora da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria.
Leiria, Outubro de 2013
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Lista de Abreviaturas e Siglas
Ac Acórdão
CC Código Civil
CCom Código Comercial
CCP Código dos Contratos Públicos
CSC Código das Sociedades Comerciais
DL Decreto-Lei
ROA Revista da Ordem dos Advogados
STJ Supremo Tribunal de Justiça
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Índice
Lista de abreviaturas e siglas 2
Introdução 4
Parte I - O contrato de concessão comercial 1. Breve enquadramento histórico 5
2. Conceito 5
2.1. Elementos caracterizadores 6
2.2. Elementos essenciais 8 2.3. As obrigações de exclusividade 8
2.4. Noção 9
3. Enquadramento jurídico 9 3.1. Contrato de concessão comercial: como contrato comercial 10
3.2. Contrato de concessão comercial: como contrato socialmente típico 11
3.3. Contrato de concessão comercial: como contrato de distribuição 12
3.4. Contrato de concessão comercial: como contrato quadro 13 3.5. Contrato de concessão comercial: como contrato de cooperação 15
3.6. Figuras afins 15
4. Regime jurídico 17 4.1. Forma 17
4.2. Cessação 17
Parte II - A indemnização de clientela do concessionário 1. Conceito 19
2. Caducidade 20
3. A indemnização de clientela e o contrato de concessão comercial 20
3.1. Direito comparado 21 Conclusão 22
Bibliografia 23
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Introdução
No âmbito da unidade curricular ˗ “Contratos Comerciais” ˗, inserida no plano de Mestrado
em Solicitadoria de Empresa, leccionado na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, do
Instituto Politécnico de Leiria, foi proposto, pela docente Professora Doutora Susana
Almeida, a elaboração de um trabalho escrito, cujo tema, previamente escolhido, incidiria
sobre uma figura contratual ligada ao universo empresarial.
Das opções apresentadas, elegemos o contrato de concessão comercial, competindo-nos
caracterizar a figura contratual e considerar como esta se articula com a indemnização de
clientela, prevista para o contrato de agência.
Depressa nos apercebemos que sobre o contrato de concessão comercial, apesar de legalmente
atípico, há imenso do que “falar”.
Neste trabalho, tentámos explorar aquilo que, no nosso entender, era fundamental para a boa
compreensão da figura, ou seja: a sua contextualização histórica; os elementos que a definem
(onde, além do mais, se levanta o problema da responsabilidade do produtor perante o
consumidor, face à desconformidade do bem); o enquadramento jurídico; como se distingue
de outras figuras contratuais; o regime jurídico e, finalmente, a aplicação analógica da
indemnização de clientela.
Esperamos, assim, que o presente trabalho consiga transmitir uma ideia geral do que é
actualmente o contrato de concessão comercial, tão usual na praxis mercantil.
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PARTE I - O Contrato de Concessão Comercial
1. Breve enquadramento histórico Não sabemos ao certo quando surgiram os primeiros contratos de concessão comercial.
Contudo, os seus “contornos” começaram a “desenhar-se” durante o século XIX, com os
“contratos de cerveja”.
Antes das descobertas de PASTEUR, que demonstraram ser possível a conservação de
alimentos através da pasteurização, o processo de produção de cerveja, além de demorado,
requeria vigilância constante, exigindo um acondicionamento adequado do produto, num
ambiente fresco, a fim de evitar a sua deterioração.
Essa situação reclamava o desenvolvimento de estratégias de venda que permitissem escoar a
cerveja produzida, de forma regular.
Com esse fim, os fabricantes de cerveja de alguns países de Europa passaram a celebrar com
os seus distribuidores “contratos de cerveja”, em que, estes, com o auxílio financeiro
daqueles, se vinculavam na compra de certas quantidades do produto, para efeitos de revenda,
assegurando o seu armazenamento durante a fermentação.
Além dos “contratos de cerveja”, também as obrigações de exclusividade, presentes em alguns
contratos do século XIX, são apontadas como estando na origem da concessão comercial.
Essas obrigações impunham ao comerciante a compra exclusiva dos produtos do fabricante e
a obrigação de não concorrência. Em contrapartida, o comerciante, obtinha o direito à venda
exclusiva em determinada zona [1].
2. Conceito Não é fácil chegarmos a uma definição de contrato de concessão comercial, desde logo,
porque este não se encontra tipificado na lei.
Impõe-se, assim, uma análise prévia dos elementos que caracterizam esta figura contratual.
Sendo que, tais elementos, por falta de diploma legal que os concretize, só podem ser obtidos
através de exame e estudo dos contratos de concessão comercial que circulam no mercado.
Tal pesquisa tem vindo a ser efectuada por inúmeros jurisconsultos, entre eles, MARIA HELENA
BRITO [2], que aponta oito elementos caracterizadores do contrato de concessão comercial.
[1] Cfr. BRITO, Maria Helena, O Contrato de Concessão Comercial, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 33, ss. [2] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 178 ss;
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2.1. Elementos caracterizadores
Carácter duradouro do contrato
O carácter duradouro é um elemento caracterizador de todos os contratos de distribuição e,
por conseguinte, também do contrato de concessão comercial. Mais não seja, porque a
efectivação das obrigações de celebração de sucessivos contratos de compra, de venda e de
revenda (que de seguida analisaremos) apenas se torna possível mediante uma relação
contratual estável entre concedente e concessionário.
Actuação do concessionário em nome próprio e por conta própria
No contrato de concessão comercial, o concessionário age por sua conta, sujeitando-se às regras
do mercado e assumindo os riscos de comercialização dos produtos que adquiriu ao concedente.
Entre os possíveis riscos encontram-se as vicissitudes emergentes dos contratos de consumo
[3]. Significa isso que o consumidor apenas poderá reclamar a desconformidade de um bem
perante o vendedor-concessionário?
Responsabilidade do produtor:
Em Julho de 1999, a Directiva 1999/44/CE veio estabelecer que: “O vendedor responde
perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o
bem lhe é entregue”, podendo o consumidor exigir ao vendedor (concessionário) a reparação,
substituição, redução adequada do preço [4] ou rescisão do contrato [5].
Finalmente, previa a Directiva que, ao vendedor, cabia o direito de regresso sobre o produtor.
Através do DL 67/2003, de 8 de Abril, o direito nacional foi conformado com a
supramencionada Directiva.
Mas não só, o legislador português foi mais longe, permitindo ao consumidor reclamar
directamente, também, junto do próprio produtor do bem ou seu representante (ou
simultaneamente ao vendedor [concessionário] e ao produtor [fabricante/representante], uma
vez que a responsabilidade destes é solidária).
Isso não significa que a responsabilidade do vendedor e produtor seja idêntica. O produtor
apenas pode ser responsabilizado pela qualidade e segurança do bem (pressupõe-se a
existência de um defeito originário – de fabrico ou concepção), exigindo-se-lhe unicamente a
reparação ou substituição deste, mas já não a redução do preço ou resolução do contrato.
Por outro lado, o produtor pode opor-se às pretensões do consumidor se se verificar algum
[3] Cfr. ANTUNES, J. Engrácia, Direito dos Contratos Comerciais, reimpressão da edição de Setembro/2009, Almedina, Coimbra, pág. 448. [4] No caso de não haver direito à reparação ou substituição; ou no caso de o vendedor não ter encontrado uma solução em prazo razoável ou de, a solução encontrada, ser gravemente inconveniente para o consumidor. [5] Desde que a falta de conformidade não seja insignificante.
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dos seguintes factos [6]:
Resultar o defeito exclusivamente de declarações do vendedor sobre a coisa e sua
utilização, ou de má utilização;
Não ter colocado a coisa em circulação;
Poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que o defeito não existia no
momento em que colocou a coisa em circulação;
Não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra forma de
distribuição com fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou distribuído no quadro da
sua actividade profissional;
Terem decorrido mais de dez anos sobre a colocação da coisa em circulação.
A sanação do defeito, pelo vendedor, liberta o produtor, e vice-versa, sem prejuízo do
correspondente direito de regresso [7].
Porém, o produtor pode eximir-se da responsabilidade de ressarcir o vendedor, se provar que
o defeito não existia à data em que forneceu o bem; ou que o defeito, posterior à entrega, não
foi causado por si; ou, ainda, se houver excluído ou limitado contratualmente a sua
responsabilidade (desde que haja sido estabelecida uma compensação adequada) [8].
Ter como objecto mediato bens produzidos ou distribuídos pelo concedente
O contrato de concessão comercial visa a distribuição de bens (e não de serviços), produzidos
ou distribuídos pelo concedente.
Obrigação do concessionário de promover a revenda dos produtos que constituem o objecto
do contrato, na zona a que o mesmo se refere
No contrato de concessão comercial, o distribuidor (concessionário) tem a obrigação de promover
a revenda dos produtos, através da celebração de contratos de venda (distinguindo-se de outros
contratos de distribuição, a que apenas compete a orientação da clientela para os produtos).
Obrigação do concessionário de celebrar, no futuro, sucessivos contratos de compra
O concessionário obriga-se a celebrar sucessivos contratos de compra, diferidos no tempo,
adquirindo ao concedente os produtos deste, nas condições previamente fixadas no contrato
de concessão comercial.
Obrigação do concedente de celebrar, no futuro, sucessivos contratos de venda
O concedente obriga-se a vender ao concessionário os seus produtos, celebrando, para esse
[6] Ver art.º 6.º DL 67/2003, de 8 de Abril [7] Ver art.º 7.º DL 67/2003, de 8 de Abril [8] Cfr. Direcção Geral do Consumidor, “Guia das Garantias de Compra e Venda (versão actualizada)”, 2009, in www.netconsumo.com, último acesso em 06/10/2013.
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efeito, sucessivos contratos de venda, nas condições previamente fixadas no contrato de
concessão comercial.
Obrigação do concessionário de orientar a sua actividade empresarial em função das
finalidades do contrato
O concessionário obriga-se a adaptar a sua actividade empresarial de acordo com o fim do
contrato de concessão comercial.
Pelo que deverá informar o concedente sobre a forma como decorre a actividade, subordinar a
organização administrativa e financeira da empresa ao modelo indicado pelo concedente,
aplicar os métodos de venda e publicidade deste, e, ainda, assegurar o serviço pós-venda [9].
Obrigação do concedente de fornecer ao concessionário os meios necessários ao exercício
da sua actividade
O concedente deve facilitar o exercício da actividade do concessionário.
Essa obrigação poderá incluir o dever de informar o concessionário sobre as características
dos produtos (v.g. listas de preços, prospectos para distribuição à clientela), bem como, todas
as informações técnicas e comerciais inerentes à exploração da concessão; participar ou
financiar despesas do concessionário; fornecer o material publicitário e prestação de
assistência técnica [10].
2.2. Elementos essenciais
Não é necessário que todos os elementos acima descritos figurem no contrato de concessão
comercial. Efectivamente, o contrato de concessão comercial só deixará de ser tipificado
como tal, se lhe faltarem os elementos essenciais, que são: o carácter duradouro do contrato;
a compra para revenda; o objecto mediato do contrato - produtos [11].
2.3. As obrigações de exclusividade
Existem contratos de concessão comercial em que o concessionário beneficia de
exclusividade de revenda em determinada zona e/ou assume perante o concedente obrigações
de exclusividade, na compra e/ou revenda.
O que se pretende avaliar é se tais obrigações de exclusividade constituem, ou não, um
elemento caracterizador do contrato de concessão comercial.
[9] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 68 ss. [10] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 70 ss. [11] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 184; Nesse sentido, Ac. TRP de 30/06/2011, proc. n.º 3977/04.3TBMTS.P1, in www.dgsi.pt , último acesso em 06/10/2013; ANTUNES, J. Engrácia entende que são quatro as características essenciais: obrigações recíprocas de compra e venda, actuação em nome e por conta próprios, autonomia e estabilidade in ob. cit., pág. 448.
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A doutrina não é unânime no que respeita a esta matéria.
A nosso ver, o cerne da questão reside em saber se a introdução de uma cláusula de
exclusividade modifica a natureza do contrato ou se, pelo contrário, actua como elemento
neutro, não produzindo qualquer efeito ao nível da sua tipicidade.
Pois bem, a inclusão de uma cláusula de exclusividade pode resultar num benefício
económico relevante, uma vez que estabelece um limite à concorrência, mas, na verdade, não
transforma um contrato típico em contrato misto ou atípico.
Além disso, existem outras vantagens, que não sendo obrigação de exclusividade (vg.
imposição do preço de revenda; limitação deliberada do número de intermediários), podem
beneficiar o concessionário, não constituindo, contudo, elementos caracterizadores do
contrato de concessão comercial.
O que nos leva a concordar com a posição defendida por MARIA HELENA BRITO, que
entende que as obrigações de exclusividade não são indispensáveis ao fim económico-social
do contrato e, portanto, não constituem elemento caracterizador deste.
Este é também o entendimento da maioria da doutrina europeia (com a excepção da doutrina
francesa, que inclui a exclusividade como elemento caracterizador do contrato de concessão
comercial) [12][13].
2.4. Noção
Uma vez analisados os elementos que caracterizam o contrato de concessão comercial,
podemos avançar para a sua definição.
Assim, o contrato de concessão comercial é um contrato duradouro, em que o concedente se
obriga a vender ao concessionário e, este, se obriga a comprar e a revender, em condições
previamente fixadas e por sua conta e risco, bens (produtos) produzidos ou distribuídos por
aquele [14].
3. Enquadramento Jurídico
O contrato de concessão comercial não se encontra materializado no nosso ordenamento
jurídico, “a sua regulamentação própria resulta da prática dos negócios e encontra-se fixada
por via doutrinária e jurisprudencial”[15].
[12] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 177 ss. Nesse sentido, também, o Ac. STJ, de 21/03/2000: sumário, in ww.pgdlisboa.pt, último acesso em 19/10/2013, entendendo que “a exclusividade é elemento meramente acidental nos contratos de concessão comercial”. [13] APCE, “Contrat de concession exclusiveˮ, 2013 [14] Cfr. ABREU, J. Coutinho, Curso de Direito Comercial, Vol I, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág.80, ss.; Antunes, J. Engrácia, ob. cit, pág. 446. [15] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit, pág. 185.
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Ainda assim, podemos classificá-lo como: contrato comercial; contrato socialmente típico;
contrato de distribuição e contrato quadro.
Passamos, então, a analisar como este contrato se insere em cada uma dessas categorias
contratuais.
3.1. Contrato de Concessão Comercial: Como contrato comercial
O art.º 2.º CCom classifica como actos de comércio “todos aqueles que se acharem
especialmente regulados neste Código” – acto de comércio objectivo - e, ainda, “todos os
contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se
o contrário do próprio acto não resultar” – acto de comércio subjectivo [16].
Como atrás se referiu, o contrato de concessão comercial não se encontra regulado no Código
Comercial, nem em qualquer outra legislação nacional. Significa isso que não podemos
considerá-lo um acto de comércio objectivo?
Não é esse o entendimento de COUTINHO DE ABREU. Na verdade, o contrato de concessão
comercial “é fonte da celebração de vários e sucessivos contratos de compra e venda” embora
contendo em si mesmo “um conjunto de direitos e obrigações mais complexo que o do
simples contrato de compra e venda”.
Assim, “pode dizer-se que o contrato de concessão comercial (…) consubstancia um acto de
interposição de trocas”, devendo, por isso, ser qualificado como acto de comércio objectivo,
por recurso à analogia juris [17].
São ainda classificados como actos de comércio, os praticados por comerciantes, desde que
conexionáveis com o comércio e com a actividade mercantil destes.
O concedente, num contrato de concessão comercial, pode referir-se ao fabricante dos
produtos a que o contrato alude (concedente-fabricante) ou ao distribuidor desses produtos
(concedente-distribuidor).
Quanto à actividade comercial, esta, poderá ser exercida através de uma sociedade (pessoa
colectiva), ou através de empresário em nome individual (pessoa singular).
[16] Em sentido diferente, ANTUNES, J. Engrácia, ob. cit., pág. 30 ss., que entende que a figura tradicional do comerciante terá sido suplantada pela figura do empresário, pois, “ressalvando casos pontuais (…) a exploração de actividades económicas, sejam elas civis ou comerciais, é hoje sempre realizada através de uma organização empresarial, por mínima ou rudimentar que seja”. Assim, considera que os contratos comerciais são os contratos de empresa. Não perfilhamos desta posição. Concordarmos que o actual Código Comercial “representa hoje essencialmente uma venerável relíquia do passado”, mas entender como contratos comerciais apenas os “contratos que são celebrados pelo empresário no âmbito da sua actividade empresarial” significaria reconduzir os chamados “casos pontuais” a um “vácuo” jurídico, criando lacunas quanto à sua classificação. Não sendo comerciais, seriam civis? Não sendo civis, seriam o quê? [17] Cfr. ABREU, J. Coutinho, ob. cit, pág. 80 e 81. No mesmo sentido, BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 187.
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De acordo com o art.º 230.º, n.º 1, do CCom, consideram-se “comerciais as empresas, singulares
ou colectivas, que se propuserem transformar, por meio de fábricas ou manufacturas, matérias-
primas (…)”, aferindo-se, assim, a qualidade de comerciante do concedente-fabricante.
Quanto ao concedente-distribuidor, a sua qualidade de comerciante, depende da verificação
dos pressupostos vertidos no art.º 13.º, do CCom.
Portanto, o concedente-distribuidor que “tenha por objecto a prática de actos de comércio” e
adopte um dos tipos previstos no art.º 1.º, n.º 2 do CSC, será considerado comerciante.
Também, tratando-se, este, de pessoa singular, desde que pratique profissionalmente actos de
comércio, adquirirá a qualidade de comerciante.
De acordo com o previsto no art.º 463.º, n.º 3, do CCom, a venda de coisas móveis, adquiridas
com o fim de serem revendidas, consubstancia acto de comércio
Podemos, então, afirmar que, tanto o concedente-fabricante como o concedente-distribuidor,
podem ser correctamente qualificados de comerciantes, sendo os actos (contratos), por eles
praticados, subjectivamente comerciais.
Quanto ao concessionário, este, compra coisas móveis para revenda, praticando habitualmente
actos de comércio, conforme estatui o art.º 463.º, n.º 1, do CCom, podendo ser qualificado
igualmente como comerciante e os contratos por si celebrados, com tal finalidade, de
contratos comerciais [18].
Assim, se conclui que o contrato de concessão é, também, um acto de comércio subjectivo e,
por conseguinte, um contrato comercial.
3.2. Contrato de Concessão Comercial: Como contrato socialmente típico
A resolução do problema da tipicidade do contrato de concessão comercial não é de todo
pacífica.
Numa tentativa de determinação da sua natureza jurídica encontrámos várias doutrinas: as que
pugnam pela sua tipicidade (procurando subsumi-lo numa figura legalmente típica, como seja,
contrato de compra e venda; contrato de fornecimento; contrato de mandato; contrato de
prestação de serviços, entre outros [19]), outras, que, não conseguindo subsumi-lo em qualquer
figura legalmente típica, optam por caracterizá-lo como atípico, e, finalmente, aquelas que o
classificam como um contrato socialmente típico (assente no princípio da autonomia privada)
[20]. Concordamos com última posição.
[18] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 188, ss; [19] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 131, ss; [20] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 155, ss; no mesmo sentido, ANTUNES, J. Engrácia, ob. cit., pág. 446
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De facto, PAIS DE VASCONCELOS [21] diz-nos que os tipos contratuais: “são modelos de
contratos que se celebram reiteradamente e que são por vezes recolhidos pelo legislador na
lei, e constituem paradigmas para a contratação e para a disciplina contratual” (nosso
sublinhado).
Ninguém duvida que o contrato de concessão é celebrado reiteradamente, ao nível da prática
dos negócios, e que contém, em si mesmo, um conjunto de elementos que o individualizam
como um tipo contratual, pese embora não haja sido, ainda, “recolhido” na lei pelo legislador.
Ou, como afirma MOTA PINTO [22], “com o intuito de facilitar o exercício da autonomia
privada (…) o legislador prevê e regulamenta certos modelos ou arquétipos de contratos mais
correntes na vida social” (nosso sublinhado).
Mais uma vez, não se questiona o facto de o contrato de concessão comercial ser um modelo
contratual abundantemente utilizado na vida social, sendo, como de facto é, socialmente
típico. Assim, embora não seja um “tipo legal”, é, efectivamente, um “tipo contratual”.
Na verdade, a “tipicidade contratual” não se esgota com “tipicidade legal”, antes, ela está
contida naquela, ao lado da “tipicidade social”. Deste modo, “só poderá falar-se de contratos
atípicos em relação a contratos absolutamente novos, que não correspondam, nem aos tipos
legais, nem a qualquer dos tipos sociais aceites em determinada ordem jurídica” [23].
3.3. Contrato de Concessão Comercial: Como contrato de distribuição
Os contratos de distribuição comercial são aqueles que regulam as relações jurídicas
estabelecidas entre o produtor e o distribuidor, tendo por finalidade a comercialização dos
produtos (ou serviços) daquele.
Tais contratos surgiram “de mãos dadas” com a revolução industrial. O aumento da produção
exigia, então, uma maior e melhor capacidade de escoamento, obrigando o fabricante a
“delegar” em distribuidores a tarefa de colocar os seus produtos mais perto dos consumidores,
quer quanto à distância geográfica, quer quanto ao tempo [24].
Dentro desta categoria de contratos podemos distinguir aqueles cuja distribuição é realizada
directamente (passando directamente do produtor para o consumidor) daqueles em que a
distribuição se realiza indirectamente (através de cadeia de distribuidores, sobre os quais o
[21] Cfr. VASCONCELOS, Pedro Pais, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 437, ss; Nesse sentido, também, TELLES, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 85 [22] Cfr. PINTO, Carlos Alberto da Mota Pinto; MONTEIRO, António Pinto; PINTO, Paulo Mota, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 121. [23] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 168, ss.; [24] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 1, ss; ANTUNES, J. Engrácia, ob. cit., pág. 435 ss;
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produtor não exerce controlo) [25]. Por sua vez, a distribuição indirecta pode ser simples (não
há coordenação entre a produção e a distribuição) ou integrada (há coordenação, sendo o
distribuidor integrado na rede de distribuição concebida pelo produtor) [26].
No contrato de concessão comercial, o concessionário obriga-se a comprar os produtos do
concedente e a revendê-los, sendo aquele um canal de distribuição deste.
Acresce que existem obrigações que demandam a integração do concessionário na organização
comercial do concedente-fabricante. Por exemplo, a obrigação de prestar assistência técnica ao
concessionário; ou a subordinação da organização administrativa e financeira da empresa, do
concessionário, ao modelo indicado pelo concedente [27].
Sendo assim, podemos correctamente classificar o contrato de concessão comercial como um
subtipo do contrato de distribuição indirecta integrada.
3.4. Contrato de Concessão Comercial: Como contrato quadro
O “contrato quadro” tem por função estabelecer a disciplina pela qual se irão reger as futuras
relações contratuais entre as partes, e entre estas e terceiros.
A análise do contrato de concessão comercial permite-nos constatar a assumpção pelas partes
contraentes de obrigações de contratar e obrigações de acatar determinada disciplina na
celebração dos contratos futuros.
Dentro da obrigação de contratar, encontramos:
Obrigação do concessionário de celebrar sucessivos contratos de compra, com o
concedente, para aquisição dos produtos deste;
Obrigação do concedente de celebrar sucessivos contratos de venda, dos seus
produtos, com o concessionário;
Obrigação do concessionário de celebrar com terceiros sucessivos contratos de venda,
para revenda dos produtos adquiridos ao concedente.
Por sua vez, dentro da obrigação de acatar determinada disciplina na celebração de contratos
futuros, encontramos:
Obrigação de inserção de cláusulas pré-definidas, nos futuros contratos de compra e
venda a celebrar entre concedente e concessionário; [25] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 2, ss; CORDEIRO, António Menezes, ob. cit., pág. 598; ANTUNES, J. Engrácia, ob. cit., pág. 436, ss. [26] Cfr. CORDEIRO, António Menezes, “Do contrato de concessão comercial”, ROA, 2000, pág. 597, ss [27] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 15, ss
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Obrigação de inserção de cláusulas pré-definidas, nos sucessivos contratos de revenda
a celebrar entre o concessionário e terceiros;
Obrigação do concedente de, em contratos celebrados com outros concessionários,
inserir uma cláusula na qual estes se obriguem a não vender na zona de exclusividade
de concessionário que é parte no contrato.
Daqui se conclui que os contratos que surgem do cumprimento das obrigações
supramencionadas são contratos dependentes/instrumentais do contrato de concessão
comercial, uma vez que apenas concretizam o programa previamente definido por este [28].
Podemos, assim, classificar o contrato de concessão comercial como “contrato quadro”.
O uso de cláusulas contratuais gerais nos contratos de concessão comercial
Como acabámos de analisar, o contrato de concessão comercial pré-determina o conteúdo dos
contratos, dele, dependentes, obrigando, as partes, a inserirem cláusulas fixadas quer nos
contratos de compra e venda, a celebrar entre concedente e concessionário, quer nos contratos
de revenda, a celebrar entre concessionário e terceiros.
Por outro lado, o próprio contrato de concessão comercial, por si só, poderá conter cláusulas
contratuais gerais ou, até mesmo, corresponder a um verdadeiro contrato de adesão [29], tendo
em vista a uniformização dos canais de distribuição do concedente.
O contrato de concessão comercial é um contrato comutativo (existe equilíbrio na atribuição
patrimonial da prestação e contraprestação). Quando ocorre um desequilíbrio, gerando um
benefício excessivo e injustificado para uma das partes, estaremos perante um negócio
usurário [30].
A detenção de uma marca de prestígio, bem como, a existência de um sistema de distribuição
uniformizado, normalmente, colocará o concedente numa posição de superioridade em
relação ao concessionário, podendo levá-lo a ceder à “tentação” de recorrer a cláusulas
contratuais gerais abusivas.
Também, o concessionário, em cumprimento do acordado no contrato de concessão
comercial, poderá inserir nos seus contratos de revenda, cláusulas contratuais gerais abusivas.
[28] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 197, ss. [29] Cfr. ANTUNES, J. Engrácia, ob. cit., pág. 448. [30] Ver 282.º CC.
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Com o intuito de controlar a inserção, nos contratos, destas cláusulas contratuais gerais
abusivas, surgiu o DL 446/85, de 25/10 (actualizado pelos DL 220/95, de 31/8; DL 249/99, de
7/7 e DL 323/01, de 17/12).
Este diploma legal prevê no seu art.º 15.º, que são proibidas as cláusulas contratuais gerais
contrárias à boa-fé.
De seguida, distingue as cláusulas contratuais gerais emergentes das relações entre
empresários (ou entidades equiparadas) e as emergentes das relações com consumidores
finais. Para qualquer destas classes, enumera cláusulas, absoluta e relativamente, proibidas.
As cláusulas contratuais gerais proibidas são nulas, podendo a nulidade ser invocada a todo o
tempo, nos termos gerais (ou reduzidas, se essa for a vontade do aderente) [31].
3.5. Contrato de concessão comercial: como contrato de cooperação
No contrato de cooperação, as partes colaboram entre si com vista a prosseguir um interesse
comum.
O objectivo por detrás do contrato de concessão comercial é a concertação da actividade do
concedente e concessionário de forma a organizar a distribuição dos produtos do concedente.
Uma distribuição eficiente é vantajosa para ambas as partes.
Por um lado, o concedente, além de conseguir escoar os seus produtos de forma estável e com
menor custo, transfere os riscos da comercialização para o concessionário, permitindo-lhe
concentrar-se unicamente na actividade produtiva.
Por outro lado, o concessionário, distribuirá produtos de qualidade (usualmente conexionados
com uma marca reconhecida, que por si só oferece a perspectiva de lucro), eliminará a
concorrência (principalmente se beneficiar do regime de exclusividade) [32].
O acima exposto permite-nos, então, concluir que o contrato de concessão comercial constitui
um contrato de cooperação.
3.6. Figuras afins
Não é incomum ver o contrato de concessão comercial ser confundido com figuras jurídicas
com as quais têm afinidade. É o caso, por exemplo, do contrato de agência; contrato de
mandato; contrato de comissão; contrato de mediação; contrato de concessão de serviço
público, entre outros. Tentaremos, de forma sucinta, distingui-los [33]:
[31] Ver 12.º, 14.º e 24.º do DL 446/85 (actualizado). [32] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 212, ss. [33] Cfr. CORDEIRO, António Menezes, ob. cit, pág. 602 ss.
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Contrato de concessão comercial vs. contrato de agência
No contrato de agência, o agente obriga-se a promover, por conta da outra parte, a celebração
de contratos numa zona delimitada ou a determinados clientes. Por seu turno, no contrato de
concessão o concessionário age por conta própria.
Contrato de concessão comercial vs. contrato de mandato
No contrato de mandato, o mandatário obriga-se a praticar acto(s) jurídico(s) por conta de
outrem. Também neste caso, o contrato de concessão comercial se distingue porque o
concessionário age por conta própria e, ainda, porque a sua actividade não se limita à
prática de actos jurídicos.
Contrato de concessão comercial vs. contrato de comissão
A diferença entre o contrato de comissão (mandato sem representação) e o contrato de
mandato (mandato com representação), é que, no primeiro, ao contrário do que acontece no
segundo, o comissário executa o mandato sem que se faça alusão ao comitente, ou seja,
contrata em seu próprio nome, mas por conta e risco daquele.
De qualquer modo, persistem no contrato de comissão a acção por conta de outrem e a
limitação a actos jurídicos, distinguindo-o, assim, do contrato de concessão comercial.
Contrato de concessão comercial vs. contrato de mediação
No contrato de mediação, o mediador obriga-se a pôr em contacto duas ou mais pessoas tendo
em vista a conclusão de um negócio, sem que a elas esteja vinculado. O concessionário não
aproxima o concedente de terceiros, para que estes celebrem entre si qualquer negócio, antes,
ele contrata directamente com o terceiro, assumindo todos os riscos do negócio.
Contrato de concessão comercial vs. contrato de concessão de serviço público
O contrato de concessão de serviços públicos é o “o contrato pelo qual o co-contratante se
obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma actividade de serviço
público, durante um determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros
dessa gestão ou, directamente, pelo contraente público” [34].
Tal concessão realiza-se através de um acto ou de um contrato administrativo, sujeitando-se
ao regime de direito público. Diferentemente, o contrato de concessão comercial é um
contrato comercial e, de como assim, sujeito às regras do direito privado.
Por outro lado, na concessão comercial, ao contrário do que acontece com a concessão
[34] Ver 407.º/2 CCP.
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administrativa, não se considera haver uma posição de desigualdade ou necessidade de uma
relação de exclusividade entre os contraentes [35].
4. Regime Jurídico
Por ser um contrato legalmente atípico (ainda que socialmente típico), o contrato de
concessão comercial não se encontra disciplinado na lei.
O seu regime jurídico deverá, assim, ser extraído, primariamente, da vontade das partes,
conforme conste do conteúdo do próprio contrato [36], sendo que, na falta de acordo destas e
nada havendo sido estipulado, dever-se-ão aplicar as normas gerais que regulam as obrigações
contratuais e, subsidiária e analogicamente, a disciplina jurídica do contrato de agência [37] [38],
desde que não lhe seja exclusiva e se adeqúe ao caso concreto [39].
4.1. Forma
O contrato de concessão comercial não está sujeito a forma especial, aplicando-se a liberdade
de forma prevista no art.º 219.º, do CC.
Todavia, não devemos esquecer-nos de que estamos perante uma relação comercial que se
prolonga no tempo, e em cujas partes se vinculam a múltiplas obrigações.
Portanto, por uma questão de segurança, recomenda-se a sua redução a escrito.
4.2. Cessação
O regime do contrato de agência é aplicado “sobretudo em matéria de cessação de contrato” [40].
A extinção dos contratos pode ocorrer por revogação, caducidade, resolução ou denúncia [41]:
Revogação
O contrato de concessão comercial pode cessar da mesma forma como foi iniciado – por
acordo das partes – ou seja, revogação.
Neste caso, têm legitimidade para revogar as pessoas que se encontrem vinculadas
(concedente e concessionário), por acordo mútuo.
A revogação deverá obedecer à mesma forma usada na celebração do contrato de concessão
comercial e não tem efeito retroactivo.
[35] Cfr. BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 51 ss. [36] Ver 405.º/1 CC. [37] Ver DL 178/86, de 7 de Julho, alterado pelo DL 118, de 13 de Abril. [38] Ver Ac. TRL de 14/02/2006, proc. n.º 10878/2005-7, in www.dgsi.pt , último acesso em 06/10/2013. [39] Cfr. DAVID, Mariana Soares, “A Aplicação Analógica do Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Agência aos Contratos de Concessão Comercial: Tradição ou Verdadeira Analogia?”, ROA, Ano 71, Vol. III, 2011. [40] Ver Preâmbulo do DL n.º 178/86, ponto 4, §§ 4 e 5 [41] Cfr. VASCONCELOS, Pedro Pais, ob. cit., pág. 771 ss
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Caducidade
A caducidade é a cessação automática do contrato, sem necessidade de qualquer manifestação
de vontade pelas partes nesse sentido ou cumprimento de qualquer formalidade [42].
O contrato de concessão comercial poderá, assim, caducar, entre outras razões, pelo decurso
do prazo (no caso de contrato celebrado por tempo determinado), pela verificação de uma
condição resolutiva ou pela certeza de não verificação de uma condição suspensiva, a que as
partes o tenham subordinado.
Resolução
A resolução do contrato de concessão comercial é uma declaração unilateral, no sentido de
pôr termo ao contrato, emitida pelo concedente ou pelo concessionário, fundada na lei ou
assente na convenção das partes, que decidem “ab initio” as situações que, a verificar-se,
permitem a sua desvinculação [43].
Por aplicação analógica do regime previsto para o contrato de agência, existem dois
fundamentos legais para a resolução do contrato de concessão comercial: incumprimento, por
qualquer das partes, das obrigações a que se vincularam ou existência de alguma circunstância
que impossibilite ou prejudique gravemente o fim do contrato [44].
Daqui se retira que, não será uma mera situação de incumprimento, de uma ou outra
obrigação, que fundamentará o direito à resolução pela parte, mas terá de ser um
incumprimento que, pela sua gravidade, reiteração e essencialidade, justifique que não se
exija à outra parte a manutenção do vínculo contratual [45].
Nos termos gerais, a extinção da relação contratual, operada através de resolução, importa a
restituição do que haja sido prestado.
Todavia, a regra da retroactividade nos contratos duradouros de execução continuada ou
periódica, como é o caso do contrato de concessão comercial (cujo cumprimento não se
esgota num só acto), não abrange as prestações já efectuadas.
Denúncia
Caso não se verificasse qualquer incumprimento nos contratos de concessão comercial
celebrados por tempo indeterminado, e configurando, estes, contratos de execução
continuada, isso resultaria numa vigência “ad eternum”.
[42] Cfr. VASCONCELOS, Pedro Pais, ob. cit., pág. 775 ss.; MONTEIRO, Pinto, Contrato de Agência, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 112, ss. [43] Cfr. CORREIA, Rui Tavares, Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Maio de 2006 – Resolução e Exclusão da Indemnização de Clientela, ROA, 2012, pág. 697 [44] Ver.º 30.º DL 178/86, de 7 de Julho, alterado pelo DL 118, de 13 de Abril. [45] Cfr. MONTEIRO, Pinto, ob. cit., pág. 126.
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Ora, a perpetuação de obrigações contratuais não é admitida na ordem jurídica [46]. Daí que se
permita às partes desvincular-se de uma relação contratual, sem que para isso tenham
necessidade de invocar qualquer motivo válido [47].
No contrato de concessão comercial, o regime aplicável à denúncia é extraído da disciplina
que regula os contratos de agência.
Assim, só há lugar a denúncia nos contratos de concessão comercial celebrados por tempo
indeterminado, devendo ser comunicada com certa antecedência, não o sendo, haverá lugar a
indemnização por danos e lucros cessantes [48].
Parte II - A Indemnização de clientela
1. Conceito
A indemnização de clientela, conforme definida por PINTO MONTEIRO [49]:
“(…) trata-se, no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do
contrato – seja qual for a forma por que se lhe põe termo ou o tempo por que o
contrato foi celebrado (por tempo determinado ou por tempo indeterminado) e que
acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar -, pelos benefícios de que o
principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente.”
A indemnização de clientela está dependente da verificação cumulativa dos seguintes
requisitos [50]:
Angariação de novos clientes para o principal ou aumento substancial do volume de
negócios com clientela já existente;
Benefícios consideráveis para o principal, após cessação do contrato e devido à
actividade prosseguida pelo agente;
Ausência de qualquer retribuição ao agente por contratos negociados ou concluídos,
após a cessação do contrato com os clientes que tenha angariado.
A indemnização de clientela é, no entanto, excluída se a cessação se dever por facto imputável
ao agente ou quando, este, com acordo do principal, ceder a sua posição contratual a terceiro.
[46] Cfr. BARATA, Carlos Lacerda, Sobre o contrato de agência, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 85 [47] Cfr. CORREIA, Rui Tavares, ob. cit. , pág. 690 [48] Cfr. CORDEIRO, António Menezes, ob. cit, pág. 611 [49] Cfr. MONTEIRO, Pinto, ob. cit., pág. 132 ss. [50] Ver.º 30.º DL 178/86, de 7 de Julho, alterado pelo DL 118, de 13 de Abril.
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2. Caducidade
O direito à indemnização de clientela extingue-se, no prazo de um ano a contar da cessação do
contrato, se o agente ou os seus herdeiros (no caso de falecimento) não comunicarem ao
principal a sua pretensão em recebê-la, podendo a competente acção judicial ser instaurada
dentro de um ano a contar dessa comunicação.
3. A Indemnização de Clientela e o Contrato de Concessão Comercial
Interessa agora saber se a indemnização de clientela pode aplicar-se analogicamente ao
contrato de concessão comercial.
Embora a jurisprudência e doutrina, na sua maioria, aceitem que as regras da indemnização de
clientela são extensíveis ao contrato de concessão comercial, a solução não é imediata.
Com efeito, RUI DUARTE [51] defende que, para que a aplicação analógica da indemnização
de clientela seja possível, a norma estatutária não poderá ser qualificada como excepcional,
sob pena de estar abrangida pela proibição do art.º 11.º, do CC – “As normas excepcionais
não comportam aplicação analógica (…)”.
Ora, a obrigação de indemnização por factos ilícitos não culposos apenas é permitida nos
casos especificados na lei [52], ou seja, através de norma excepcional.
Assim, para que as regras da indemnização de clientela possam aplicar-se a outras figuras
contratuais, como é o caso do contrato de concessão comercial, terão de aproximar-se do
instituto do enriquecimento sem causa (que não consubstancia qualquer regra excepcional) e
afastar-se do da responsabilidade civil [53].
Essa aproximação do instituto do enriquecimento sem causa faz todo o sentido, uma vez que a
indemnização de clientela visa compensar o agente pela actividade de promoção e angariação de
clientela e não “propriamente o ressarcimento de quaisquer danos” [54].
Finalmente, a aplicação da indemnização de clientela deverá atentar ao caso concreto,
analisando as relações comerciais estabelecidas entre o concessionário e concedente no âmbito
[51] Cfr. DUARTE, Rui Pinto, “A jurisprudência portuguesa sobre a aplicação da indemnização de clientela ao contrato de concessão comercial — Algumas observações”, Themis, n.º 3, 2001, pág. 316-332; “mais excepcional ainda é a responsabilidade por actos lícitos, incluindo a fundada no risco” [52] Ver 483.º/2 CC [53] Cfr. DUARTE, Rui Pinto, ob. cit., pág. 319. [54] Cfr. DAVID, Mariana Soares, ob. cit., pág. 899. Entende, porém, BRITO, Maria Helena, ob. cit., pág. 100, que a indemnização de clientela “não tem natureza reparadora (…) também não parece configurar uma pretensão fundada no injustificado enriquecimento de outrem (o principal); não é igualmente adequado pensar em protecção social do agente. Pelo contrário, trata-se de um direito à retribuição por serviços prestados: o originário direito à comissão transforma-se, por efeito da cessação do contrato, em direito de compensação, que tem em conta as retribuições esperadas pelo agente se o contrato não fosse interrompido” (itálico nosso).
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do contrato de concessão comercial, aplicando-se sempre que se possa concluir que essas
demandam protecção idêntica à conferida pelo legislador aos agentes comerciais [55].
O cálculo da indemnização de clientela terá de ser efectuado tendo em conta a medida em que o
concedente foi beneficiado. Tal benefício é patente nos casos em que o concedente tenha acesso
às fichas de clientes do concessionário ou quando os produtos por si distribuídos são de carácter
duradouro (vg. automóveis) [56].
A jurisprudência tem usado como base de cálculo os “volumes de negócios envolvidos através
da equidade” [57].
3.1. Direito comparado
No Reino Unido não existe base legal para o distribuidor (concessionário) reclamar uma
indemnização de clientela, tal compensação só existirá quando previamente estipulada no
contrato de concessão comercial.
Na Espanha, tal como acontece em Portugal, a lei que regula os contratos de agência é
aplicada analogicamente aos contratos de concessão comercial, sendo atribuída ao
concessionário uma compensação pelos benefícios que o concedente continua a usufruir com
a clientela angariada pelo concessionário. A razão de ser desta compensação assenta no
instituto do enriquecimento sem causa [58].
Na Bélgica, o contrato de concessão comercial tem o seu regime regulado, prevendo a lei
belga uma indemnização complementar de clientela quando a cessação do contrato surja por
iniciativa do concedente e desde que não tenha havido culpa grave por parte do
concessionário.
Na França não se prevê uma indemnização de clientela, no entanto, a jurisprudência tem
entendido que ao concessionário assiste o direito a uma indemnização nos casos de ruptura
abrupta da relação contratual (ex: não tenha sido feito um pré-aviso com a antecedência
razoável) ou quando esta seja considerada abusiva [59].
[55] Cfr. DAVID, Mariana Soares, ob. cit., pág. 901 e 907, que entende que a “racio legis” da indemnização de clientela “reside na dependência técnica e económica que o agente (tipicamente) apresenta face ao principal e que, após a cessação do contrato, o coloca numa posição de especial fragilidade”, dependência essa que nem sempre se verifica nos contratos de concessão comercial. [56] Cfr. CORDEIRO, António Menezes, ob. cit, pág. 611 [57] Cfr. NETO, Abílio, Contratos Comerciais, legislação doutrina e jurisprudência, 2.ª edição, Ediforum, Lisboa, 2004, pág. 167; CORDEIRO, António Menezes, ob. cit, pág. 613 [58] Cfr. PARK, Andrew; CAMPOS, José Antonio Moreno; HANSEBOUT, Alexander “Goodwill compensation for distributors in the EU”, International Sales Committee Newsletter. [59] Cfr.VERVA, Jacques; MESTDAGH, Tillo, Chambre De Commerce Franco-Belge Du Nord De La France; e, ainda, APCE, ob. cit.
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Conclusão
Pela breve referência histórica pudemos aperceber-nos que o contrato de concessão comercial,
desde cedo, reivindicou o seu lugar no domínio das relações comerciais.
Ao longo do tempo, porém, foi-se consolidando, sendo hoje possível tipificá-lo através de oito
elementos característicos: o carácter duradouro do contrato; a actuação autónoma do
concessionário; o objecto mediato – produtos do concedente; a obrigação de celebração de
sucessivos contratos de venda; a obrigação de celebração de sucessivos contratos de compra;
o dever de revenda do concessionário; obrigação de orientação da actividade empresarial do
concessionário em função das finalidades do contrato e, finalmente, a obrigação do
concedente de fornecer meios necessários ao exercício da actividade do concessionário.
Demonstrou-se que o contrato de concessão comercial é um contrato comercial (objectiva e
subjectivamente), que se insere na categoria dos contratos de distribuição, que, pese embora
não se encontre tipificado na lei, é um contrato socialmente típico, que é um contrato-quadro,
na medida em que prevê e regulamenta futuros contratos (venda, compra e revenda) e, ainda,
um contrato de cooperação, uma vez que as partes prosseguem um fim comum, agindo
concertadamente.
Acresce que, o contrato de concessão comercial se distingue claramente de outras figuras
contratuais, comummente utilizadas nas relações comerciais, como seja: o contrato de
agência, mandato, comissão, mediação.
O regime deste contrato é fundamentalmente definido pelas partes, ao abrigo do princípio da
autonomia da vontade (liberdade contratual), podendo, na falta de estipulação, aplicar-se as
regras gerais que regulam as obrigações contratuais e, subsidiária e analogicamente, a
disciplina jurídica do contrato de agência (designadamente, no que diz respeito às normas
para a cessação do contrato).
Finalmente, para que as regras da indemnização de clientela, se apliquem-se analogicamente
ao contrato de concessão comercial, dever-se-á poder concluir, tendo em conta o caso
concreto, que estamos perante situação análoga à do contrato de agência (designadamente,
dependência do concessionário em relação ao concedente).
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Bibliografia
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