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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015 ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015 O CONSUMO ACELERADO DIRECIONANDO O SISTEMA DA MODA CLUSTER CRIATIVO: PANDORGA LOJA COLETIVA The accelerated consumption directing the Fashion System Creative cluster: Pandorga Collective Store Juliana Bortholuzzi (Unisinos) [email protected] Resumo: O presente artigo busca compreender como o consumo acelerado foi, aos poucos, ajudando a alterar o sistema da moda, antes formatado nos moldes da indústria cultural e aos poucos, se adaptando aos da criativa. Faremos um breve estudo de caso da Pandorga Loja Coletiva, enquanto cluster criativo, para entender algumas marcas que construíram seus negócios com base na economia criativa. Palavras-chave: Moda; Clusters criativos; Indústria criativa. Abstract: This study seeks to understand how the accelerated consumption was gradually helping to change the fashion system before formatted along the lines of cultural industry and gradually adapting to the creative. We will make a brief case study of the Kite Collective Store, as a creative cluster, to understand some brands that built their businesses based on the creative economy. Keywords: Fashion; Creative Clusters; Creative Industry. O SISTEMA DA MODA O sistema da moda é o reflexo do contexto sociocultural em que ele é produzido, estando diretamente relacionado a fatores econômicos, sociais, históricos, comportamentais, estéticos e identitários desse cenário. A moda é norteada por um fenômeno sociológico que determina seu contexto estético e está relacionado ao surgimento da sociedade de consumo, transformando-se numa das instituições mais características do Ocidente, e porque não dizer, da própria pós- modernidade. Gabriel Tarde compreendeu já no final do século XX, período em que a moda ainda não era relacionada aos aspectos da vida cotidiana, que o sistema de moda era movido pela curiosidade em relação ao exógeno. Ele foi o primeiro teórico a visualizá-la além de sua aparência frívola, explanando que a moda é “essencialmente uma forma de relação entre os seres, um laço social caracterizado pela imitação dos contemporâneos e pelo amor das atividades estrangeiras. Não há sociedade senão por um conjunto de ideias e de desejos comuns [...], a sociedade é a imitação” (TARDE apud LIPOVETSKY, 1997, p 266).

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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015

ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015

O CONSUMO ACELERADO DIRECIONANDO O SISTEMA DA MODA CLUSTER CRIATIVO: PANDORGA LOJA COLETIVA

The accelerated consumption directing the Fashion System

Creative cluster: Pandorga Collective Store

Juliana Bortholuzzi (Unisinos) [email protected]

Resumo: O presente artigo busca compreender como o consumo acelerado foi, aos poucos, ajudando a alterar o sistema da moda, antes formatado nos moldes da indústria cultural e aos poucos, se adaptando aos da criativa. Faremos um breve estudo de caso da Pandorga Loja Coletiva, enquanto cluster criativo, para entender algumas marcas que construíram seus negócios com base na economia criativa. Palavras-chave: Moda; Clusters criativos; Indústria criativa. Abstract: This study seeks to understand how the accelerated consumption was gradually helping to change the fashion system before formatted along the lines of cultural industry and gradually adapting to the creative. We will make a brief case study of the Kite Collective Store, as a creative cluster, to understand some brands that built their businesses based on the creative economy. Keywords: Fashion; Creative Clusters; Creative Industry.

O SISTEMA DA MODA

O sistema da moda é o reflexo do contexto sociocultural em que ele é produzido, estando

diretamente relacionado a fatores econômicos, sociais, históricos, comportamentais, estéticos e

identitários desse cenário. A moda é norteada por um fenômeno sociológico que determina seu

contexto estético e está relacionado ao surgimento da sociedade de consumo, transformando-se

numa das instituições mais características do Ocidente, e porque não dizer, da própria pós-

modernidade.

Gabriel Tarde compreendeu já no final do século XX, período em que a moda ainda não

era relacionada aos aspectos da vida cotidiana, que o sistema de moda era movido pela

curiosidade em relação ao exógeno. Ele foi o primeiro teórico a visualizá-la além de sua aparência

frívola, explanando que a moda é “essencialmente uma forma de relação entre os seres, um laço

social caracterizado pela imitação dos contemporâneos e pelo amor das atividades estrangeiras.

Não há sociedade senão por um conjunto de ideias e de desejos comuns [...], a sociedade é a

imitação” (TARDE apud LIPOVETSKY, 1997, p 266).

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Para Tarde, a moda é antes de tudo, “uma fase e uma estrutura da vida coletiva que,

mediante um processo efêmero, cíclico e dinâmico, causa também a imitação social que permite

a relação do eu com o outro, promovendo um sentido de pertencimento ao grupo, à vida social e

ao prazer, pois ela é também uma prática do prazer de agradar, de surpreender” (TARDE apud

LIPOVETSKY, 1997, p 267).

O sociólogo alemão George Simmel (1961) compartilha da ideia de imitação social, que

se configura como um sistema original de regulação e de pressões sociais relacionando o indivíduo

com o seu contexto, e complementa que esse modelo leva à disputa geral por símbolos superficiais

e instáveis de status, onde a elite inicia uma moda e quando as classes mais baixas a imitam, num

esforço de eliminar as barreiras externas de classe, ela a abandona esta por outra moda.

Entendendo assim, que, o motor que impulsionaria o sistema da moda se daria pela busca

incessante do novo e por um lugar de statuts na estrutura social.

A moda está diretamente ligada à estética das aparências, consentindo no surgimento de

dispositivos de reconhecimento social e permitindo que seus sujeitos escolham como querem se

apresentar uns aos outros.

O sistema da moda em que vivemos vem se transformando até os dias de hoje, e cada

vez mais vem caracterizando-se pela renovação sazonal das coleções, por ter um criador na figura

do costureiro, pelo surgimento de modelos inéditos apresentados em manequins vivos e, mais

tarde, pela lógica da produção industrializada. “Já não há uma moda, há modas”. Lipovetsky

explica que hoje, o indivíduo é convidado a experimentar, testar, misturar e buscar um resultado

para o que se chama de look” (LIPOVETSKY, 2009, p. 144).

Na lógica do sistema de moda mundial temos na Europa e nos Estados Unidos, as maiores

e mais importantes semanas de moda mundiais, onde tudo o que é lançado é captado de forma

muito rápida e direta pelas marcas do mundo inteiro, principalmente pelas marcas do hemisfério

sul. Essa espera pelo que surge lá é tão voraz, que acaba por gerar imitações ou cópias dos

modelos internacionais, pois a sociedade quer consumir o que foi lançado lá, e as marcas seguem

esse caminho para oferecer ao seu cliente o que ele deseja.

É muito difícil compreender que um país com o potencial criativo imenso como o do Brasil,

se deixe levar pela ansiedade da espera pelo do igual, e utilize meios ultrapassados de criação,

desenvolvimento e produção de produto. Não podemos ignorar que, por questão de sobrevivência

econômica, as marcas optam por produzir exatamente o que o cliente deseja, e isso desencadeia

um ciclo que é sempre o mesmo: aguarda-se o lançamento das coleções no hemisfério norte e se

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produz a partir de então, o que acaba agravando a situação e continua-se alimentando o ciclo de

repetições que acredita pouco na criação individual e coletiva.

Entendendo melhor o processo criativo de várias empresas brasileiras, temos que as

grandes varejistas de moda daqui enviam seus funcionários para o exterior, não apenas para

fotografar as pessoas nas ruas e as vitrinas, mas para entrarem nas grandes varejistas de lá,

fotografar as peças desejadas e muitas vezes comprá-las para serem fielmente analisadas e

repetidas aqui, porque entendem que é o que o público quer.

A “pesquisa” conforme Emídio; Sabioni (2010), é basicamente ver o que existe de novo

nas ruas de Londres, Nova Iorque, Paris, Milão e Tóquio, juntar pedaços de uma novidade com

outra, modificar um bolso, uma costura e lá está uma peça “novinha”. E complementam que o

verdadeiro problema dessa cópia descarada no intuito de agradar consumidores com o que já

existe e é vendido com facilidade, é a perda da identidade brasileira.

MODA COMO INDÚSTRIA CULTURAL

Esse sistema da moda regido pela lógica do consumo desenfreado, pela busca do novo e

do exógeno pode ser relacionado com a indústria cultural, já que esta visa exclusivamente gerar

um consumo padronizado e orquestrar os gostos dos consumidores, sem, é claro, que estes

percebam que estão sendo fisgados pela isca de uma ideologia interessada em sua reprodução.

O conceito de indústria cultural foi criado por Adorno e Horkheimer, em meados dos anos

40, e era analisada a produção industrial dos bens culturais como movimento de produção da

cultura como mercadoria passível de consumo. Dessa maneira, o termo “indústria cultural” foi

associado à produção industrial de bens e serviços culturais para sua difusão e comercialização

para as massas (ADORNO e HORKHEIMER, 1991).

Para compreendermos melhor esse conceito, precisamos entender que no pensamento

destes teóricos, eles viam no anseio da civilização atual em deixar tudo semelhante, o traço mais

característico dessa indústria: a padronização, e afirmavam que,

[...] a indústria cultural assumiu a herança civilizatória da democracia de pioneiros e empresários [...]. Todos são livres para dançar e se divertir, do mesmo modo que, desde a neutralização histórica da religião, são livres para entrar em qualquer uma das inúmeras seitas. Mas a liberdade de escolha da ideologia, que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa (ADORNO e HORKHEIMER, 1991, p.156).

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Nesse sentido, a indústria cultural é para Adorno e Horkhaimer,

um aparato ideológico utilizado pelas classes dominantes para manter a ordem e a dominação, além de ser um meio poderoso para expandir o poder e os interesses do sistema vigente. Para eles, a indústria cultural, ao ser cúmplice da ideologia capitalista, contribui eficazmente para falsificar as relações entre homens, bem como dos homens com a natureza, de tal forma que o resultado final constitui uma espécie de Iluminismo oposto (ADORNO e HORKHEIMER ,1991, p.156).

Compartilhando dessa posição, Lipovetsky entende que [...] a sociedade de consumo é a

programação do cotidiano: ela manipula e quadricula racionalmente a vida individual e social em

todos os seus interstícios, tudo se torna artifício e ilusão a serviço do lucro capitalista e das classes

dominantes [...] (LIPOVETSKY, 2009).

Essa indústria atinge igualmente o todo e a parte e sob esta óptica, Adorno e Horkheimer

(1991) entendem que o mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural, e como

milhões de pessoas participam dessa indústria, torna-se inevitável a disseminação de bens

padronizados para a satisfação de necessidades iguais.

A produção de mercadorias de caráter cultural é principal função desse tipo de indústria,

porém, a cultura deixa de ter o caráter artesanal, que lhe é original, para se tornar industrial. De

acordo com Mattelard e Mattelard, ela fornece bens padronizados para satisfazer às numerosas

demandas e “fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda na mercadoria”

(MATTELARD e MATTELARD 2003, p.78).

No sistema da moda, a forma de produção foi regida pela Alta Costura até 1960, onde as

peças eram feitas à mão num processo lento e individual, apenas a partir da segunda metade do

século XX, ela começou a tomar outro rumo, onde novos setores e formas de produção do

vestuário começaram a surgir e surgiu o prêt-à-porter, que culminou na industrialização da moda.

À medida que se dava a expansão comercial o consumo foi aumentando, e a moda foi absorvendo

essa mudança e reorganizando o seu sistema.

Ela reagiu aos acontecimentos e ampliou seus domínios, modernizando a mão de obra,

mecanizando sua indústria, pesquisando e criando novas técnicas, pesquisando e inovando os

insumos que servem à moda, como fibras têxteis, componentes, cartela de cores, modelos e

acessórios, o que possibilitou uma ampla variedade de criações no âmbito da indumentária.

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Ao passo que o sistema produtivo da moda se reestruturava, houve o que podemos

chamar de mercantilização da cultura e evolução da imprensa, lançaram-se no mercado várias

novidades, as quais ativaram cada vez mais o consumo de massa. Para isso, foi fundamental que

as formas de venda também fossem aprimoradas, e assim, entre marcas, lojas, grifes e

confecções, a ordem de criar- produzir-vender prevalecerá, e quem se encarregou desta última

função foi a publicidade – parceira essencial da indústria cultural.

Existem dois fatores que impulsionaram mais ainda as transformações do sistema da

moda, a globalização e a midiatização, o primeiro interligou economicamente os mercados do

mundo inteiro, aproximando pessoas, marcas e por consequência, mercadorias; o segundo, pois

o campo midiático, nas palavras de Maldonado, “possui a característica de atravessar todos os

outros campos, condicioná-los e adequá-los às formas expressivas e representativas da mídia”

(MALDONADO, 2002, p. 4).

No mundo interligado econômica e midiaticamente, as informações são praticamente

imediatas, e com o sistema da moda não foi diferente, no momento em que as coleções são

lançadas no hemisfério norte, as pessoas tem acesso na hora pela internet e tais produtos já viram

objetos de desejo, o que resulta numa pressão para que as marcas daqui acabem copiando as de

lá, para atender uma clientela voraz. Sem falar que muitos desses objetos são comprados

diretamente pela internet, pois as pessoas não querem esperar, elas querem o novo com urgência.

Antes da internet esse ciclo era bem mais lento, cada marca lançava duas coleções duas

vezes por ano, atualmente, está tudo numa crescente aceleração, as grandes magazines, para

atender a seus ansiosos consumidores, despejam minicoleções nas lojas a cada quinze dias.

Podemos notar também, que a indústria cultural conceituada originalmente, não mais

exerce somente a função de distrair, as empresas estão usando estrategicamente os veículos de

comunicação de massa para satisfazer seu apetite faminto de venda de produtos, valendo-se dos

princípios da indústria cultural para padronizar bens e produtos, a fim de torná-los culturalmente

aceitáveis pelo público. Ocorre que, as empresas lançam produtos no mercado e fazem com que

eles se tornem padrões e se insiram na cultura e cotidiano das pessoas.

Enquanto a moda se vale da mídia para ter alcance de massa e adapta-se aos protocolos

midiáticos para ser publicizada o que acaba por reconfigurar suas lógicas específicas, a mídia atua

a partir de algumas características inicialmente atribuídas ao sistema de moda, principalmente a

partir do prêt-à-porter, que é quando a moda passa a operar dentro de um sistema industrial.

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Não tem como negar que as mídias exercem papel fundamental na sociedade

contemporânea, devido ao seu poder de atravessamento material e simbólico no quotidiano das

pessoas. Nesse sentido, é impossível pensar a cultura e as ações sociais sem relacioná-las às

mídias. A sociologia funcionalista concebia as mídias como mecanismos decisivos de regulação

da sociedade, e são encarados por esta como meios de poder e de dominação (MATTELARD e

MATTELARD, 2003).

Hoje em dia, o sistema da moda está totalmente voltado para esta aceleração, a rapidez

das informações por exemplo, faz com que as indústrias têxteis sejam mais ágeis em suas linhas

de produção para atender ao mercado da indústria de confecções, por exemplo.

O resultado da informação acelerada e da ansiedade pelo novo é a padronização e a

reprodução, porque todos querem as mesmas coisas, as marcas disputam apenas rapidez e

preço; e nesse sentido, a moda é sim uma indústria cultural, onde temos a produção industrial de

bens culturais para a comercialização para as massas.

Assim, Zuin nos ensina que possuir algum objeto de grande circulação nas mídias como

roupas, acessórios ou demais padrões estéticos considerados por esses meios como o padrão,

tais cortes e cores de cabelo que encontram-se na “tendência da moda” ou medidas corporais que

se enquadram nos modelos de beleza exigidos em desfiles de moda, faz com que os indivíduos

se tornem cada vez mais atrelados e dependentes desses valores estéticos difundidos pelos meios

de comunicação. No momento em que seguem esses padrões, sentem satisfação por se ajustar

nos moldes estéticos exigidos para ocupar uma posição de destaque na sociedade. E afirma que

isso é como uma “falsa experiência de ser reconhecido como sujeito pelos outros, por causa dos

signos de consumo que porta” (ZUIN, 2001, p.13).

Estas são algumas das marcas que a indústria cultural deixa no comportamento das

pessoas, nos seus valores, nos modos de ser e estar. A presença dessas indústrias no dia-a-dia

das pessoas reflete diretamente no comportamento delas, definindo valores e construindo

representações e modelos sociais, pois elas querem pertencer àquilo que é convencionado como

padrão pela sociedade.

Como consequência da configuração do novo sistema, as grandes marcas sobrevivem

tranquilamente, pois conseguem ter rapidez e preço para competir, pois trabalham com volume

grande de produção e buscam os mercados onde a mão de obra é mais barata para fabricar seus

produtos. Com relação as marcas menores, grande parte acabam morrendo na praia, pois não

conseguem chegar a um preço competitivo tendo em vista o volume baixo de produção e ao fato

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de terem de fabricar seus produtos no Brasil, onde, além da mão de obra ser cara, os impostos

são volumosos, e portanto, não conseguem se destacar no mercado.

Aos poucos o mercado brasileiro está começando a perceber que, para competir com as

outras empresas, é necessário ter um diferencial, pois, se a qualidade técnica e inovadora dos

produtos europeus e americanos é maior e a China é capaz de sanar a necessidade da cópia dos

produtos estrangeiros com custo muito mais baixo e qualidade superior, o momento é propício

para os profissionais de moda do Brasil utilizarem seu potencial criativo para gerar soluções para

a indústria nacional do vestuário.

Diante desse contexto, e na contramão desse cenário, as marcas menores ou

marcas/designers que estão iniciando seus negócios, optaram por ter a criatividade como aliada

para criar produtos/serviços inovadores e criativos, para poder se destacar nesse mercado pela

diferença não mais pela reprodução e padronização, alavancada pelo mercado global midiatizado.

MODA COMO INDÚSTRIA CRIATIVA

Nas últimas décadas, as marcas e empresas de vários tipos começaram a reconhecer a

importância do conhecimento como insumo de produção e perceberam seu papel transformador

no sistema produtivo. Além da matéria-prima de qualidade e inovadora, da mão de obra

especializada e do capital necessário, as áreas estratégicas das empresas começaram a entender

que o uso das ideias criativas poderia ser um recurso essencial para geração de valor na empresa.

À medida que isso foi sendo constatado, começaram a surgir no mundo todo modelos de

negócios e setores completamente novos, fomentando a geração de empregos e riqueza, todos

gerados a partir de ideias criativas: as indústrias criativas.

De acordo com Hesmondhalgh (2012), a indústria criativa está tradicionalmente ligada ao

campo das artes criativas, com sua associação a figuras historicamente emblemáticas, como a do

gênio criador. Nesse sentido, com o passar do tempo, a imagem do artista como um ser

excepcional e dotado de capacidades superiores tornou-se comum. Mas esse tipo de imagem

obstrui o fato de que criatividade, definida especificamente como a manipulação de símbolos para

propósitos de entretenimento, informação e iluminação, sempre esteve presente no

empreendimento humano, variando apenas suas formas de institucionalização, como ele cita

Bourdieu (1993), que, em um certo momento, entende como “arte”; em outro, como “mercado”; e,

agora, vem assumindo ainda outras formas, tais como a de “economia criativa”.

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No final da década de 1990, o Departamento de Cultura, Mídia e Esportes (DCMS) do

Reino Unido criou um novo conceito ao lançar o primeiro mapeamento das indústrias criativas,

cujo objetivo era mostrar que estas vão além do papel fundamental da cultura e que possuem um

vasto potencial de geração de empregos e riqueza. Foram agrupadas as atividades econômicas

cujo principal insumo produtivo era a criatividade, como o design e desenvolvimento de softwares,

além do mapeamento das empresas que se relacionavam com as empresas estritamente criativas

(FIRJAN, 2012).

No ano de 2001, dois estudos relevantes trouxeram novas perspectivas sobre o tema: um

elaborado por John Howkins (2013), cujos estudos agregaram ao método britânico, uma visão

empresarial baseada nos conceitos mercadológicos de propriedade intelectual como insumo para

transformação da criatividade em produto; e outro por Richard Florida (2001), cujo foco foi os

profissionais que trabalhavam com processos criativos, os quais ele denominou de “classe

criativa”.

A partir desse estudo, Florida (2001) centralizou seus estudos nessa nova classe de

trabalhadores- a classe criativa, que abrange os profissionais atuantes nos setores criativos, que

valorizam a individualidade, a diferença e o mérito, bem como sobre o seu potencial de

contribuição para o desenvolvimento estava se formando. O economista salientou a importância

de se proporcionar as condições necessárias para se atrair não somente as empresas, mas

também essa população de “talento móvel”, através de investimentos que proporcionassem a

criação de um ambiente urbano propício ao estilo de vida dessas pessoas, com uma ampla oferta

cultural e ênfase na diversidade.

Uma das coisas que Florida(2001) desenvolveu foi o Índice de Criatividade, que foi

aplicado primeiramente nas cidades dos Estados Unidos e depois ampliado para todo o mundo,

com a finalidade de fundir de quatro fatores: a parcela correspondente à classe criativa no mercado

de trabalho, a indústria de alta tecnologia, a inovação (medida por patentes per capita) e a

diversidade. Para Florida (2001), esse indicador é a maneira mais confiável de medir a capacidade

criativa de uma região do que considerar somente a classe dos profissionais criativos, pois reflete

os efeitos conjuntos da concentração dessa classe e dos resultados econômicos inovadores.

De acordo com o Florida (2001), as estratégias de desenvolvimento de uma cidade criativa

dependem de três fatores: a tolerância, ou seja, o fato de uma cidade possuir uma cultura aberta

às diferenças, possuindo assim maior facilidade em criar novas ideias e modelos produtivos; o

talento, em outras palavras, a existência de profissionais altamente qualificados que se utilizam

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das oportunidades tecnológicas e culturais dessas cidades gerando inovação; e a existência de

uma concentração de empresas de tecnologia. A partir desses três fatores analisados em conjunto,

as cidades teriam maior capacidade para atrair uma classe criativa ou não.

As cidades criativas têm como base, como ensina Landry (2008), a singularidade de cada

espaço e suas relações com seus habitantes e por isso, cada uma elabora seu próprio modelo de

estratégias, que dificilmente pode ser copiado por outra cidade ou outra região, identificando cada

cidade como única. Ele defende a ideia de cidade criativa como a invocação de uma cultura para

a criatividade. Nessa cidade, as questões referentes a como se criar valor, a como se inovar e a

como aumentar a qualidade da vida urbana são temas centrais e extremamente relevantes ao

planejamento urbano da cidade.

Florida (2001) aponta que algumas cidades, em diferentes escalas, se desenvolvem e

prosperam em função da sua capacidade de atrair e reter a "classe criativa”. Essa classe possui

alta capacidade de transformação do ambiente, pois fomenta a cultura e o turismo local, tornando

a cidade mais atraente e participativa.

A criatividade, ou seja, a capacidade de inovar de forma significativa, se transformou no

fator determinante da vantagem competitiva das empresas da indústria criativa. Como nos ensina

Florida (2001), em praticamente todos os segmentos da economia, aqueles que conseguem criar

e continuar inovando são os que obtêm sucesso de longo prazo. Na verdade, desde a revolução

agrícola sempre foi assim, a diferença é que nas últimas décadas, as empresas começaram a

reconhecer a importância da criatividade e da inovação no seu planejamento estratégico, e usá-

las a seu favor.

De acordo com Howkins (2013), as indústrias criativas são aquelas que desenvolvem

produtos criativos vinculados à propriedade intelectual, já a economia criativa é formada pela

transação destes produtos, dotados de valores intangíveis. Ela é o conjunto de atividades que

resultam em indivíduos exercitando a sua imaginação e explorando seu valor econômico. Pode

também ser definida como processos que envolvam criação, produção e distribuição de produtos

e serviços, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos

produtivos.

Várias áreas podem integrar a indústria criativa, tais como, design, moda, arquitetura,

pesquisa e desenvolvimento, mercado editorial, mídia, publicidade, artes, artes cênicas,

biotecnologia, desenvolvimento de softwares, computação, telecomunicações e expressões

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culturais. O que difere a economia tradicional da economia criativa é a criatividade enquanto

produção intelectual, que serve de fonte para os novos modelos de negócios e processos

organizacionais que repercutem em novos contextos e possibilidades econômicas e sociais.

O protagonista da economia criativa é o ser humano, ele será o produtor criativo deste tipo

de indústria, e a criatividade e o conhecimento humano serão seus insumos inesgotáveis, o que

de imediato difere das empresas cujos recursos não são renováveis e são finitos. Neste contexto,

a moda, enquanto indústria criativa é considerada um setor da economia criativa, e, portanto, da

indústria criativa.

Na economia criativa temos a junção de cultura, economia, tecnologia, inovação e

sustentabilidade com a inclusão e o equilíbrio entre a sociedade e seus indivíduos, nesse sentido,

Florida nos traz que a criatividade floresce em ambiente aberto e não regulado para o fluxo de

ideias. E que cidades ou estados caracterizados pela diversidade e onde prosperam atividades

educacionais e culturais, sem restrições a qualquer minoria, atraem educadores, cientistas, artistas

e outros profissionais relacionados à economia criativa (FLORIDA, 2001).

De acordo com uma pesquisa que Florida participou nos anos 2000 para a Carnegie

Mellon University, foram elencadas os quarenta e cinco países segundo o “Índice da Criatividade

Global”, no qual o Brasil ocupa a antepenúltima posição, devido à falta de investimentos e

incentivos na área de criatividade e inovação.

Sendo o Brasil um país de pessoas tão criativas, por que então, que na moda trabalhou-

se tanto tempo apenas com reprodução e padronização? Até então, tínhamos a moda como

reprodução da moda do hemisfério norte, para atender, principalmente, a questão econômica dos

seus negócios. Ocorre que esse formato tem se tornado inviável para algumas marcas, pois elas

já não têm fôlego para participar desse sistema de moda onde permanece quem consegue

reproduzir por preço competitivo. Nesse meio tempo muitas empresas quebraram, e algumas, aos

poucos, começaram a crescer e se destacar por estarem na contramão desse sistema

padronizadamente acelerado.

Seja pelo produto em si, seja pela forma de produção, venda ou comunicação, o que está

acontecendo é que algumas marcas pararam de olhar para o global e começaram a olhar para o

local, para o Brasil, para a nossa história como fonte de inspiração. Quando falamos em local,

falamos do Brasil, ou no norte, ou no sul, ou na cidade de Ouro Preto ou na praia de Jericoacoara.

Não importa para onde, mas olhamos para dentro, o que o nosso país tem de diferente, mais rico:

a diversidade cultural.

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Este novo mercado tem histórias para contar, que o consumidor acredita e quer participar.

Estas marcas não querem conquistar os clientes, nem mais fidelizar, elas querem que o

consumidor participe e ajude a escrever suas histórias. Cada marca se firma num conceito de

negócio e todas elas tem a mesma característica: a criatividade como fator chave do negócio.

Essa tentativa de ir além da reprodução poderá unir moda com a identidade cultural,

ajudando a construir uma identidade brasileira da moda. Porém, para que as propostas inovadoras

ganhem mais força e sejam mais bem sucedidas, se faz necessário uma aproximação com os

fundamentos da Economia Criativa, como forma de solidificar as bases para a construção dessa

identidade, agregando valores como sustentabilidade e inclusão social ao Sistema de Moda.

As empresas brasileiras já investem em economia criativa e a moda é o setor da economia

com grande destaque na indústria criativa nacional, unificando elementos cujos resultados não

são tão visíveis, por isso o processo é gradativo. Alguns designers já estão caminhando nessa

busca e colhendo frutos dessas iniciativas, simplesmente por utilizar o solo brasileiro como base

criativa, como é o caso de Ronaldo Fraga que faz coleções com a colaboração de comunidades

carentes ou que possuem algum conhecimento específico, como bordados raros do norte do

Brasil, por exemplo. Com relação ao tema, ele já fez coleções sobre a população ribeirinha do Rio

São Francisco, sobre Noel Rosa, entre outros temas; ganhando destaque internacional

exatamente por criar um produto diferente.

Outro designer que trabalha dessa forma é Jum Nakao, que em seu livro conta que “o

entendimento da moda como instância simbólica fundamental da cultura brasileira, patrimônio

cultural do Brasil”, “expõe nossa caleidoscópica formação miscigenada e a necessidade de fazer

uma moda simbólica dos nossos valores imateriais” [que serve para atravessar] “a superficialidade

do espelho de nossa própria cultura”, aproximando o desenvolvimento de ações específicas no

âmbito cultural. (NAKAO, 2005, p.13).

CLUSTER CRIATIVO

Os negócios criativos gostam de se agrupar, porque os seus produtos e serviços ganham

com a troca e interação entre os seus atores. Ganham também com o aumento da visibilidade de

um cluster, face à visibilidade que poderiam conseguir mais dificilmente isolados e beneficiam das

ações comuns de divulgação e de transmissão de conhecimento.

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De acordo com Porter (1998), a noção de clusters está intimamente ligada com a

aglomeração de uma área de negócio em determinado local, em que todos os intervenientes se

inter-relacionam. Competitividade e inovação são outras características atribuídas aos clusters,

uma vez que a concentração geográfica de uma atividade permite um conhecimento mais

aprofundado das necessidades dos elementos integrantes do aglomerado. Uma concentração

geográfica das empresas interconectadas, fornecedores especializados, prestadores de serviços,

instituições e empresas associadas em indústrias relacionadas (PORTER, 1998).

Os clusters, em geral, são constituídos por empresas de pequena dimensão que veem na

aglomeração uma vantagem competitiva ao nível de ganhos e eficiência, comparativamente com

empresas semelhantes fora do cluster. A clusterização dos negócios criativos permite também a

geração de intercâmbios práticos e criativos com outras empresas e a obtenção de economias de

escala (custos de mão-de-obra, abertura de ateliers, espaços de exibição, etc.).

Porter (1998) explica que a criação de clusters criativos é também uma das formas

encontradas para reduzir as dificuldades das indústrias criativas em estado de iniciação, já que

possibilitam o maior acesso a informação, redes e apoio técnico. Dispostas em rede e a operar em

proximidade física, estas empresas e organizações são vistas como possuindo uma vantagem

competitiva.

O que é claro é que complexos de ateliers, espaços de trabalho geridos criativamente,

centros de incubação, aglomerados formais e informais de indivíduos e empresas criativas podem

conduzir à transformação de um espaço, dando-lhe credibilidade, um novo sentido de vida, e

muitas vezes criativamente aproveitando os espaços que outros deixaram para trás.

PANDORGA LOJA COLETIVA

No decorrer desse trabalho, tivemos a moda exposta como indústria cultural e logo depois,

como indústria criativa. Nesse momento, faremos um breve estudo de caso de um cluster criativo

de moda, a Pandorga Loja Coletiva, que é um espaço criativo destinado a abrigar marcas de moda

que estão em fase inicial e querem mostrar suas criações para o consumidor final, e se não fosse

dessa maneira, talvez elas nem existissem.

Situada em uma casa colonial portuguesa no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, e ́

reconhecida desde a sua abertura, em 2010, como reduto criativo de marcas e produtos

resultantes de projetos de moda, design e artes visuais. Aproximadamente cinquenta marcas estão

expostas lado a lado na Pandorga, que cria uma experiência única com ênfase em projeto de

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produto e atendimento do público, ressaltando a importância da história e da personalidade de

cada marca ou criador. Mesmo que as marcas sejam novas, a Pandorga faz uma seleção muito

criteriosa sobre quais marcas serão vendidas lá, pois o conceito central é a criatividade do negócio

de cada marca. Ela tem que ter um diferencial criativo que chame a atenção da Pandorga, e por

fim, do público.

Consideramos a Pandorga um cluster criativo pois, como explica Porter (1998), é também

uma das formas encontradas para reduzir as dificuldades das indústrias criativas em estado de

iniciação, já que possibilitam o maior acesso a informação, redes e apoio técnico. A Pandorga

oferece o espaço, a clientela, o trabalho de comunicação, assessoria de imprensa para constante

divulgação do que acontece lá, além de eventos com muitos convidados que circulam pela loja e

conhecem todas as marcas. Além da loja física, a pandorga tem um e-commerce

(www.lojapandorga.com.br).

Cada marca tem o seu espaço, chamado de corner, e deixa seus produtos expostos lá, e,

de regra geral, paga um valor mensal por ele (podendo haver exceções), e, além disso, a Pandorga

coloca em cada produto, um valor sobre o preço passado pela marca. Cada corner tem a placa da

marca e abaixo ficam os produtos expostos, veja na imagem abaixo:

Figura 1: interior da Pandorga Loja Coletiva Fonte: <www.facebook.com/lojapandorga> Acesso em novembro. 2014.

Várias marcas começaram vendendo lá e até hoje as vendas de lá expressam o maior

volume de vendas da marca, como é o caso da Cangote, uma marca de lenços com estamparia

própria, que segundo nos contou a dona, em uma entrevista, começou seu negócio vendendo lá

2012, e em quatro meses seus produtos já estavam conhecidos na cidade. Perguntamos como

ela enxergava a Pandorga na cidade de Porto Alegre, e ela disse: “a Pandorga é como se fosse

uma incubadora de marcas recém nascidas, que ficam ali sendo cuidadas e nesse meio tempo

se tornam conhecidas no mercado”.

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Existem duas marcas que são exemplos de marcas que começaram suas histórias

vendendo lá e cresceram muito, e hoje vendem em outros lugares, mas continuam ali pelo conceito

da loja: a Vuello e a Insecta. Ambas estão relacionadas à sustentabilidade, sendo, por demais

criativas, o que também é muito importante para a Pandorga.

A Vuello é uma marca de bolsas e bagagens feitas a partir de câmaras de pneu recolhidos

de borracharias e depósitos; e o forro interno feito do náilon de guarda-chuvas encontrados nas

ruas e recolhidos nas UTIs de reciclagem. A proposta é extremamente criativa, sustentável e pensa

no coletivo. Temos aqui um exemplo concreto de moda como indústria criativa.

O projeto da Vuello ganhou em fevereiro de 2015, o Prêmio Brasil Criativo na categoria

Moda. A marca segue vendendo na Pandorga, mas tem e-commerce (www.store.vuelistas.com)

próprio e já vende para todo o Brasil, mesmo as peças sendo mais caras, tendo em vista todo

processo de criação e desenvolvimento mais elaborado. Vejamos uma foto dos produtos da marca,

uma mochila feita com câmara de pneus e o forro de guarda-chuvas:

Figura 2: mochilas criadas pela marca Vuello. Fonte: <www.store.vuellistas.com.br> Acesso em dezembro. 2014.

O outro caso é o da Insecta Shoes, marca de sapatos veganos e artesanais, feitos com a

reutilização de roupas vintage. A proposta é extremamente criativa, sustentável e também pensa

no coletivo. Temos aqui outro exemplo concreto de moda como indústria criativa. Essa marca

também começou vendendo na Pandorga e hoje tem e-commerce próprio

(www.insectashoes.com), que entrega em todo o país. A fanpage no facebook tem 97.000

curtidores e é recente, o que demonstra o quanto a marca evoluiu. No mês de abril de 2015, a

marca inaugurou a sua primeira loja na cidade de Porto Alegre.

O símbolo da marca é um besouro e os sapatos são chamados de besouros. Vejamos

nas fotos abaixo, dois modelos diferentes de sapatos, ambos produzidos artesanalmente com

roupas vintage:

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Figura 3: sapatos criados pela marca Insecta Shoes.

Fonte: <www.insectashoes.com.br> Acesso em dezembro. 2014.

Diante de tais exemplos, acreditamos que a Pandorga é um exemplo de cluster criativo, e

reúne exemplos da indústria criativa e da classe criativa também.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos o presente estudo compreendendo que o sistema da moda no Brasil vivia e

ainda vive sob a lógica do consumo desenfreado, pela busca do novo e do exógeno, da reprodução

e do padronizado, características próprias da indústria cultural. Porém, conseguimos visualizar

também, que a indústria criativa vem ganhando força no Brasil, um país de cultura plural, cuja

criatividade é uma característica pulsante, o que faz com que a moda comece o processo

migratório para o lado da economia criativa.

Ao passo que encerramos nosso estudo mostrando o potencial latente da indústria criativa

no segmento da moda em Porto Alegre, tomamos conhecimento do resultado de uma pesquisa

elaborada pelo Sistema Fecomércio de São Paulo, em que a cidade de Porto Alegre foi

considerada a segunda cidade mais criativa do Brasil, ficando apenas atrás de São Paulo. Ainda

é muito cedo para comemorar, mas já é um começo, e melhor ainda, constatar que esta cidade

possui um cluster criativo e indústrias criativas.

Os casos trazidos aqui são exemplos de processos extremamente criativos, engajados

com questões de sustentabilidade, com o pensamento em relação ao próximo e a coletividade, o

que é muito inspirador.

A grande criatividade das pessoas e a riqueza cultural local e nacional deve se mostrar

mais, não somente em produtos físicos, que já se supõe serem resultados de um processo criativo,

mas nos próprios processos em si, gerando formas inovadoras e mais sustentáveis de criar e

disseminar os produtos e serviços.

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