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O BRINCAR EM DIFERENTES ESPAÇOS NAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL TOLENTINO, Eneida Gomes¹- PPGE/UFJF1 Grupo de trabalho – Educação da Infância Agência Financiadora – Fundo de Apoio à Pesquisa na Educação Básica(FAPEB) Resumo O presente trabalho foi desenvolvido, com apoio financeiro do FAPEB, em escolas públicas do município de Juiz de Fora-MG, destinadas ao atendimento da Educação Infantil e do 1º ano do Ensino Fundamental. Partindo de uma das atribuições do Departamento de Educação Infantil, do qual sou integrante da equipe, realizamos visitas periódicas nas instituições de Educação do município a fim de orientar o trabalho pedagógico na Educação Infantil. Nestas visitas realizadas, observamos como estava organizado o cotidiano, e principalmente como era possibilitado o brincar na rotina das crianças, visto que a Proposta Curricular do município para a Educação Infantil destaca esta atividade como o fundamento do trabalho com as crianças pequenas. Nestas observações constatamos uma priorização de questões relacionadas à alfabetização e ao ensino de conteúdos descontextualizados, o que nos apontou uma necessidade de discutirmos com o grupo de profissionais questões fundamentais sobre a atividade do brincar e a reorganização dos espaços em função desta. Assim, iniciamos um processo de reflexão de nossa atuação, enquanto técnicas orientadoras do trabalho cotidiano das instituições, pensando possibilidades de estratégias de ações que poderiam fomentar discussões e transformações na prática pedagógica dos profissionais que atuavam nestas escolas. Foi assim que surgiu a ideia de inscrever nossa proposta ao FAPEB. Este financiamento contribuiu muito para a realização de nosso trabalho. Planejamos e realizamos momentos de formação em contexto, nos quais estudamos, discutimos e refletimos sobre a prática pedagógica com relação ao brincar/brinquedo e o espaço destinado a estes no cotidiano da instituição. Destas discussões emergiram possibilidades de reorganizações e transformações diversas. Palavras-chave: Brincar. Brinquedos. Reorganização de espaços. Introdução Durante nossa trajetória de trabalho na Educação Infantil, primeiramente como professoras e coordenadoras pedagógicas de escolas públicas no município de Juiz de Fora e 1 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação(UFJF), Pós graduação em Arte-Educação Infantil(UFJF), Professora e Coordenadora Pedagógica na Rede Municipal de Juiz de Fora, Técnica do Departamento de Educação Infantil da Secretaria de Educação de Juiz de Fora.

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O BRINCAR EM DIFERENTES ESPAÇOS NAS INSTITUIÇÕES DE

EDUCAÇÃO INFANTIL

TOLENTINO, Eneida Gomes¹- PPGE/UFJF1

Grupo de trabalho – Educação da Infância

Agência Financiadora – Fundo de Apoio à Pesquisa na Educação Básica(FAPEB)

Resumo O presente trabalho foi desenvolvido, com apoio financeiro do FAPEB, em escolas públicas do município de Juiz de Fora-MG, destinadas ao atendimento da Educação Infantil e do 1º ano do Ensino Fundamental. Partindo de uma das atribuições do Departamento de Educação Infantil, do qual sou integrante da equipe, realizamos visitas periódicas nas instituições de Educação do município a fim de orientar o trabalho pedagógico na Educação Infantil. Nestas visitas realizadas, observamos como estava organizado o cotidiano, e principalmente como era possibilitado o brincar na rotina das crianças, visto que a Proposta Curricular do município para a Educação Infantil destaca esta atividade como o fundamento do trabalho com as crianças pequenas. Nestas observações constatamos uma priorização de questões relacionadas à alfabetização e ao ensino de conteúdos descontextualizados, o que nos apontou uma necessidade de discutirmos com o grupo de profissionais questões fundamentais sobre a atividade do brincar e a reorganização dos espaços em função desta. Assim, iniciamos um processo de reflexão de nossa atuação, enquanto técnicas orientadoras do trabalho cotidiano das instituições, pensando possibilidades de estratégias de ações que poderiam fomentar discussões e transformações na prática pedagógica dos profissionais que atuavam nestas escolas. Foi assim que surgiu a ideia de inscrever nossa proposta ao FAPEB. Este financiamento contribuiu muito para a realização de nosso trabalho. Planejamos e realizamos momentos de formação em contexto, nos quais estudamos, discutimos e refletimos sobre a prática pedagógica com relação ao brincar/brinquedo e o espaço destinado a estes no cotidiano da instituição. Destas discussões emergiram possibilidades de reorganizações e transformações diversas.

Palavras-chave: Brincar. Brinquedos. Reorganização de espaços.

Introdução

Durante nossa trajetória de trabalho na Educação Infantil, primeiramente como

professoras e coordenadoras pedagógicas de escolas públicas no município de Juiz de Fora e

1 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação(UFJF), Pós graduação em Arte-Educação Infantil(UFJF), Professora e Coordenadora Pedagógica na Rede Municipal de Juiz de Fora, Técnica do Departamento de Educação Infantil da Secretaria de Educação de Juiz de Fora.

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atualmente como integrantes da Supervisão de Coordenação Pedagógica de Educação Infantil

do Departamento de Educação Infantil- Secretaria de Educação de Juiz de Fora

(SCPEI\DEI\SE\JF), percebemos algumas dificuldades das escolas e seus profissionais de

Educação Infantil em incluir o brincar como atividade principal da prática pedagógica com as

crianças pequenas.

Pudemos observar que em função de uma grande preocupação em atender às

demandas e expectativas impostas pelas famílias e sociedade, em geral, o planejamento do

trabalho com as crianças centralizam-se em extensas listas de conteúdos trabalhadas de forma

nada significativa para as mesmas. Nesta perspectiva o brincar assume um lugar secundário

na proposta de trabalho dessas escolas, sendo muitas vezes didatizados a fim de servirem

como ferramenta de trabalho com conteúdos, ou até mesmo para tornar mais agradável a

maneira de ensinar (DEBORTOLI.2005).

Desta forma, quase não resta às crianças tempo para um brincar em sua verdadeira

essência “livre”. Consequentemente, os espaços destinados às salas de atividades de Educação

Infantil são organizados de forma a atender também a esta proposta de trabalho, decoradas

com muitos cartazes com conteúdos estudados pelas crianças e a presença de muitos jogos

pedagógicos e poucos brinquedos e artefatos diversos.

É importante destacar que a organização dos espaços e das rotinas, geralmente são

pensadas revelando as posturas pedagógicas das instituições e de seus profissionais, bem

como suas concepções.

As escolas de educação infantil têm na organização dos ambientes uma parte importante de sua proposta pedagógica. Ela traduz as concepções de criança, de educação, de ensino e aprendizagem, bem como uma visão de mundo e de ser humano do educador que atua nesse cenário. (HORN,2004, p.61)

Diante deste cenário, começamos a pensar em uma forma de intervenção que nos

possibilitasse interagir com os grupos de profissionais das escolas a fim de provocar uma

reflexão sobre suas concepções e práticas de trabalho, com o intuito de propor aos mesmos

uma reflexão sobre a importância do brincar e uma reorganização dos espaços e tempos

promovendo uma dinamização na rotina das instituições.

Decidimos então, em 2009 elaborar um projeto de pesquisa/intervenção, buscando

apoio do Fundo de Apoio à Pesquisa na Educação Básica (FAPEB) por meio da Secretaria de

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Educação da Prefeitura de Juiz de Fora. A finalidade deste era a promoção de uma formação

em contexto a fim de provocar discussões que viabilizassem o desejo de mudança na prática

pedagógica dos profissionais, resultando numa (re)organização dos espaços e tempos,

favorecendo o brincar nestas instituições e o reconhecimento das crianças como protagonistas

desta nova organização. Depois deste outros vieram.

O foco de todos os projetos era o brincar, mas as especificidades de cada instituição

nas quais os realizamos e nossos erros e acertos foram delineando novas formas e rumos.

Ao pensarmos e propormos uma reorganização dos espaços na Educação Infantil de

modo que os mesmos contribuíssem para a construção da identidade e da autonomia, e, tendo

o brincar como fundamento da proposta, nos pautamos numa concepção de criança e de

infância. Partindo, então, “do pressuposto de que as crianças são sujeitos ativos que

participam e intervêm no que acontece ao seu redor e que suas ações são também forma de

reelaboração e recriação do mundo. Nos seus processos interativos, elas não apenas recebem e

se formam, mas também criam e transformam – são constituídas de cultura e também são

produtoras de cultura” (CORSINO, 2006, p. 39).

Consideramos que não é possível construir uma proposta de trabalho para Educação

Infantil sem levar em conta a concepção que temos de infância. Remetemo-nos então, à

concepção, expressa no documento Diretrizes Educacionais para a Rede Municipal de Juiz de

Fora, onde se lê:

Infância é uma construção social influenciada pelo contexto histórico, psicológico, político e social. As crianças são sujeitos históricos, construtores e produtores de cultura. Elas devem ser percebidas como cidadãs. Devemos vê-las como seres ativos e participativos. Esta concepção rompe com a idéia de que a criança seria 'construída na escola'; 'viria a ser cidadã', produtora de conhecimentos. (PJF, 2008, p. 21)

Partindo desse entendimento sobre a infância podemos refletir como devemos

organizar nossos espaços e, consequentemente, os tempos escolares, a fim de propiciar às

crianças um desenvolvimento integral, considerando-as protagonistas do/no processo

educativo.

Percebemos a necessidade de pensar em meios de ampliar o universo da brincadeira

para as crianças no espaço da Educação Infantil, pois temos vivenciado neste segmento da

educação uma grande preocupação com o processo de escolarização e de antecipação de

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conteúdos do Ensino Fundamental para a Educação Infantil. O brincar fica destinado apenas a

momentos como recreio/recreação ou quando “sobra tempo” para o mesmo. Muitas vezes as

brincadeiras promovidas são “didatizadas”, tendo como objetivo o ensino de algum conceito

ou conteúdo estabelecido pelo professor de acordo com o seu planejamento. É preciso ampliar

o olhar dos profissionais da Educação Infantil sobre a importância da brincadeira para as

crianças, como ela pode promover a aprendizagem e o desenvolvimento de maneira lúdica,

rompendo com a visão de que a brincadeira é um “tempo perdido” para a aprendizagem.

Compreendemos que o brincar é típico da infância e é nessa época que a brincadeira se

inaugura. Segundo Rosa (2001, p. 21), o brincar vai muito além da apropriação de um método

para ensinar ou como um recurso facilitador da aprendizagem, ele atinge uma “possibilidade

de abertura de um campo onde os aspectos da subjetividade se encontram com os elementos

da realidade externa para possibilitar uma experiência criativa com o conhecimento”.

A brincadeira está ligada ao contexto social e cultural, e é fruto de nossa história, que

é dinâmica e está em constante transformação. De acordo com Brougère (2001) as crianças

compartilham de uma cultura lúdica, ou seja, um conjunto de procedimentos que permitem

tornar a brincadeira possível entre o grupo, criada a partir das relações que o brincante

estabelece com seu meio.

É preciso, efetivamente, romper com o mito da brincadeira natural. A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de cultura. É preciso partir dos elementos que ela vai encontrar em seu ambiente imediato, em parte estruturado por seu meio, para se adaptar às suas capacidades. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social. Aprende-se a brincar. A brincadeira não é inata, pelo menos nas formas que ela adquire junto ao homem (BROUGÈRE, 2001, p. 97-98).

Para Vigotski (1998) a criança ao brincar não está preocupada com o objeto em si e

sim com seu significado. Na brincadeira, “os objetos perdem sua força determinadora. A

criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação àquilo que vê. Assim, é

alcançada uma condição em que a criança começa a agir independentemente daquilo que vê”

(p. 127). Em outras palavras, a criança brinca com aquilo que tem nas mãos e na cabeça

(BROUGÈRE, 2001).

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Desenvolvimento

Justamente, esta forma de conceber o brincar como uma das atividades principais da

infância e que muito tem a contribuir com seu desenvolvimento, foi o que nos motivou a

propor tal trabalho, que por ventura foi concretizado.

Sendo assim, o primeiro projeto aprovado foi “Reorganizando os espaços na Educação

Infantil”, desenvolvido em 2010, em uma escola de Educação Infantil e 1º ano do Ensino

Fundamental, da zona norte da cidade, que atende crianças de 3 a 6 anos. Em visitas à referida

escola observamos que as salas de atividades eram totalmente desprovidas de brinquedos e

que estes quando existiam ficavam nas prateleiras mais altas das estantes ou trancados dentro

dos armários. Notamos também uma preocupação excessiva dos professores quanto ao

ensino de letras e números, fixando-se em atividades de cópias e decorando as paredes com

cartazes estereotipados.

Propomos então, por meio do projeto, uma reestruturação destes espaços, por

acreditarmos nas possibilidades diferenciadas de organização dos mesmos enquanto

instrumento que proporciona interações e aprendizagens diversas entre os pares. Para

fortalecimento da proposta feita aos educadores, oferecemos como subsídio momentos de

estudos e formação em contexto, nos quais tivemos a oportunidade de refletirmos sobre os

desdobramentos cotidianos da práxis educativa. Para tal, aproveitamos o espaço das Reuniões

Pedagógicas mensais, na quais estudamos e discutimos sobre temas como infância, brincar,

organização dos espaços, organização do tempo, a organização de espaços por meio de

cantinhos e as formas de registro e sua importância. Além disso, acompanhamos experiências

vivenciadas pelas crianças nos cantinhos juntamente com os educadores.

Realizamos entrevistas, por meio de questionários com as famílias, para que

pudéssemos perceber o envolvimento das mesmas nas práticas cotidianas escolares das

crianças, vislumbrando uma parceria neste processo.

Como fruto de nossos estudos, discussões e reflexões, conseguimos reorganizar os

espaços das salas de atividades, transformando estes em local de brincadeira, no qual as

crianças passaram a ter acesso aos brinquedos e artefatos sem a dependência do adulto. Para

tal adotamos a organização de cantinhos variados na sala de atividades.

A partir desta primeira experiência, no ano seguinte, em 2010, submetemos duas

novas propostas para a aprovação do FAPEB, que nos permitiram envolver outras duas

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escolas de Educação Infantil, da rede municipal de Juiz de Fora, neste processo de formação

em contexto, os quais foram aprovados e desenvolvidos em 2011. Vale ressaltar, que

diferentemente da primeira experiência que foi sugerida à escola por nós, a escolha das duas

outras escolas se deu, a partir do interesse das mesmas, demonstrado no decorrer das visitas

periódicas às instituições.

Desta forma, nosso segundo projeto “A construção da identidade e da autonomia

através da organização dos espaços na Educação Infantil” foi desenvolvido numa escola da

zona Sudeste da cidade, que atende crianças de 3 a 5 anos. Acreditamos que a construção e o

desenvolvimento da identidade e da autonomia pressupõe à criança o direito de fazer

escolhas, tomar decisões por si própria e expressar-se, levando em conta valores e regras

construídas pelos adultos, pelo grupo e por si mesma. Além disso, reconhecemos a

brincadeira como atividade essencial para a construção da identidade e da autonomia. Nela, a

criança tem a oportunidade de desenvolver capacidades como a de imaginar, representar,

imitar, comunicar-se e expressar-se através dos gestos e da fala, ter atenção e conviver com

regras nas interações que estabelece.

O projeto foi proposto a partir de visitas de rotina à escola e conversas com os

educadores que demonstravam bastante interesse em vivenciar uma formação em contexto por

acreditarem ser de fundamental importância uma discussão mais aprofundada entre todos os

profissionais desta instituição de Educação Infantil, buscando uma reflexão acerca da

reorganização dos espaços em função do brincar.

Os estudos e as reflexões sistematizadas, como no primeiro projeto, ocorrem

mensalmente com todo o coletivo da escola durante as reuniões pedagógicas. A partir de

textos previamente selecionados, estudam e refletimos sobre os “cantinhos de atividades

diversificadas” como uma das possibilidades de “arranjo espacial” acreditando que, esta

forma de organização possibilita à criança realizar atividades variadas, de maneira segura e

autônoma, em ambientes estimulantes, desafiadores e construídos coletivamente. De acordo

com Dornelles e Horn (1998, p. 24)

Estes espaços podem ser estruturados a partir de temas, como supermercado, casinha de bonecas, biblioteca, ou também tendo como referência o tipo de atividades que podem ser realizadas nela como área mais movimentada, área semi movimentada e área mais tranquila. O sucesso desta forma de organizar o espaço depende muito de o educador saber observar o modo como as crianças brincam nele, modificando-os a partir desta observação.

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A princípio não definimos os cantinhos a serem montados, nem mesmo delimitamos a

organização dos mesmos em espaços fixos ou móveis, pois esta decisão foi sendo construída a

partir das discussões com o grupo de profissionais e junto com as crianças nas conversas

diárias. Aos poucos os espaços foram sendo (re)organizados e ficou decidido, inicialmente a

montagem de 3 diferentes cantinhos em cada sala, dentre eles: o cantinho do faz de

conta/fantasia, da casinha, do mercadinho, das profissões, da literatura/leitura e o cantinho

musical, que aos poucos foram sendo incrementados e com a participação das crianças foram

modificados e acrescentados.

Outro tema estudado com o grupo foi sobre o brincar e sua importância na construção

da identidade e autonomia das crianças pequenas, o que também contribuiu com as mudanças

das práticas pedagógicas na escola, visto que ao organizarmos os “cantinhos de atividades

diversificadas”, propiciamos às crianças, um momento privilegiado para o exercício da

autonomia, já que tais cantinhos “são uma modalidade de organização do espaço e do trabalho

que oferece várias possibilidade de atividades ao mesmo tempo, de modo que as crianças

possam escolher onde estar e o que fazer” (KLISYS, 2007, p. 31).

O educador tem um importante papel neste contexto, já que o sucesso desta forma de

organizar o espaço depende do seu olhar observador sobre o que as crianças brincam, como se

dão as brincadeiras, o que mais gostam, suas preferências ao brincar, dentre outros. No

decorrer da formação em contexto, destacamos a importância do papel do professor como

mediador nos momentos de brincadeiras. Para Santos (2001), o professor pode assumir três

diferentes funções na brincadeira das crianças:

A primeira delas é a função de “observador”, na qual o professor procura intervir o mínimo possível, de maneira a garantir a segurança e o direito à livre manifestação de todos. A segunda função é a de “catalisador”, procurando através da observação, descobrir as necessidades e os desejos implícitos na brincadeira, para poder enriquecer o desenrolar de tal atividade. E, finalmente de “participante ativo” nas brincadeiras, atuando como um mediador das relações que se estabelecem e das situações surgidas, em proveito do desenvolvimento saudável e prazeroso das crianças (SANTOS, 2001, p. 98-99).

Todavia, vale ressaltar que nós educadores, devemos ter cuidado para não interferir

ou até mesmo atrapalhar a brincadeira. Ao perceber que as crianças em determinados

momentos preferem brincar somente entre si, o professor deve aproveitar para observar o

grupo ou uma criança individualmente, registrando como elas se organizam.

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O intuito pedagógico de controlar a brincadeira priva-a de muitas possibilidades. É papel da instituição intervir no contexto em que a criança possa brincar. Os materiais, a atitude do professor, o tempo e o espaço destinados são partes integrantes desse processo. No entanto, a brincadeira não deve ser condicionada. O espaço da educação infantil deve propiciar às crianças pequenas o desenvolvimento de atividades lúdicas como a brincadeira, cabendo ao adulto mediar, adentrar e compreender a cultura lúdica dos pequenos. (ARAÚJO, 2008, p.118)

Durante as intervenções na escola, pudemos perceber que a mesma tem envolvido as

famílias no seu cotidiano através de atividades coletivas realizadas nos sábados letivos. Além

disso, nas visitas à escola e nos encontros de formação, pudemos perceber um crescente

interesse que culmina numa ressignificação dos fazeres pedagógicos.

No decorrer das discussões fomos definindo onde e como os “cantinhos” seriam

montados. Após a leitura de textos e as reflexões do grupo, ficou decidido que os cantinhos

seriam fixos, montados nas próprias salas de atividades, e por isso, os temas precisaram ser

definidos com todas as professoras que utilizam o espaço nos diferentes turnos de

funcionamento da escola.

O terceiro projeto foi realizado numa escola da região do Centro da cidade. Seu tema é

“o brincar e o brinquedo nos diferentes espaços da Educação Infantil”, tendo como objetivo

refletir sobre como promover momentos de brincadeira nos diferentes espaços e tempos da

Educação Infantil. Tal proposta surgiu a partir de uma conversa com um grupo de pessoas da

escola que apontavam o desejo de aprofundar as discussões já iniciadas acerca da temática

“brincar”.

Buscando promover uma melhor compreensão sobre a importância da brincadeira para

as crianças, realizamos encontros mensais com a equipe da escola, nos quais promovemos

estudo de textos, palestras, dinâmicas, discussões em grupo, reflexões sobre as questões

cotidianas e outros. Afinal para que haja uma mudança na prática pedagógica, é necessário

repensar nossas concepções sobre a infância, o desenvolvimento da criança e o papel da

Educação Infantil. Nos estudos mensais discutimos, subsidiados por leituras de textos,

questões relativas ao papel do brinquedo; o uso do mesmo para diferentes funções de acordo

com a situação imaginária; os brinquedos utilizados na escola; as concepções sobre o brincar;

importância da mediação e o papel do professor; as classificações de algumas brincadeiras

como: pedagógica, dirigida, livre e de recreação, além de trocas de experiências. Percebemos

que estes momentos de formação contribuíram para a reflexão e mudanças na prática de

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algumas professoras, além de contribuir com a construção de argumentos sólidos que

passaram a sustentar a prática do brincar como atividade principal da Educação Infantil nesta

escola.

Nesta experiência decidimos envolver as crianças de forma mais efetiva em algumas

decisões.Combinamos então que os professores realizariam uma pesquisa com as crianças

sobre quais brinquedos elas gostariam de ter na escola. O que posteriormente direcionou

outras decisões tomadas pela equipe de profissionais da escola. Uma discussão importante

nesse momento foi sobre a organização destes brinquedos e artefatos, visto que o objetivo é

que os mesmos sejam utilizados nos diferentes espaços da escola. Portanto, foi necessário

pensar em uma alternativa que possibilitasse o deslocamento destes para os diferentes

espaços, ficando decidido pelo grupo que os mesmos ficariam armazenados em caixas

plásticas, separadas por temas e que pudessem ser levadas para a sala de aula, sala de

recreação, pátio e o auditório, sendo estes os espaços disponíveis na escola.

A ideia de promover o brincar nos diferentes espaços da Educação Infantil, surge

como estratégia de suprir a carência de espaços, considerados como adequados e para

reconstruir um conceito de sala de aula, transgredindo-o para sala de atividades. Além disso,

consideramos todos os espaços de uma escola de Educação Infantil como propícios ao

desenvolvimento da brincadeira. Assim, a organização e a disponibilidade dos brinquedos

oferecidos às crianças precisam estar de acordo com essa concepção, permitindo às mesmas o

acesso e a oportunidade de escolha dos brinquedos e artefatos possibilitando que as

brincadeiras aconteçam em diferentes espaços.

A organização do ambiente deve ser pensada de modo que possibilite momentos

diferenciados onde a criança possa envolver-se na brincadeira e fazer escolhas de acordo com

seus interesses, atuando ativamente como autores do processo. Segundo Barbosa e Horn

(2001, p. 68)

Todos os momentos, sejam eles desenvolvidos nos espaços abertos ou fechados, deverão permitir experiências múltiplas, que estimulem a criatividade, a experimentação, a imaginação, que desenvolvam as distintas linguagens expressivas e possibilitem a interação com outras pessoas.

Ainda para Barbosa (2006, p.135), “a disponibilidade de ambientes variados e a

variação dentro de um mesmo ambiente ampliam o universo cultural e conceitual das

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crianças”. Desse modo, a brincadeira deve ser o eixo para todas as atividades desenvolvidas,

devendo permear a prática pedagógica e envolver não só as crianças, mas também os adultos

que com elas convivem nesta instituição.

Uma das ações desenvolvidas nesse projeto foi a apresentação do mesmo para os pais

e responsáveis, visto que os professores sempre apontam em nossas discussões sobre o brincar

a preocupação e cobrança dos pais sobre as atividades desenvolvidas pelos filhos. Na reunião

esclarecemos sobre a importância do brincar para as crianças, o quanto as brincadeiras são

importantes para o seu desenvolvimento e o motivo pelo qual o projeto estava sendo proposto.

Posteriormente, realizamos com os pais uma pesquisa para analisar o que as crianças estavam

comentando sobre o projeto.

Considerações Finais

Em nossas observações cotidianas percebemos que o brincar tornou-se mais presente

no cotidiano da escola, as professora começaram a propiciar às crianças mais tempo da rotina

à atividade do brincar. As crianças utilizavam os brinquedos em diferentes espaços da escola.

As professoras passaram a se envolverem mais nas brincadeiras, tendo um olhar diferenciado

pra estes momentos, mas percebemos também que ainda há uma insegurança por parte de

algumas delas, que ainda têm privilegiado em suas práticas o desenvolvimento de atividades

escolares relacionadas aos conteúdos a serem trabalhados, há momentos de brincadeiras, mas

estes ainda não são compreendidos como parte intrínseca da prática cotidiana e como

atividade promotora de desenvolvimento. Quanto às crianças, estas estão adorando os

momentos de brincadeira, os novos brinquedos e a exploração dos espaços.

Ao realizarmos a avaliação final do projeto com os professores todos consideraram

que o desenvolvimento do projeto está sendo satisfatório, para a maioria houve mudança na

dinâmica da prática pedagógica e consideram importantes os momentos de formação, pois

estes contribuem para a reflexão sobre a prática.

Para finalizarmos, é importante ressaltar ainda, que o processo de ressignificação da

prática através da formação em contexto não se faz de uma hora para outra, demanda tempo e

principalmente predisposição dos envolvidos no processo. As mudanças das práticas nas

escolas cujos projetos foram realizados, foram perceptíveis, porém ainda temos um longo

caminho a percorrer, já que ainda percebemos que o brincar, agora presente nas instituições,

ainda é entendido como algo a mais na proposta pedagógica, e nãocompreendido como

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fundamento dela. Este trabalho certamente foi somente um pontapé inicial cabendo ao

coletivo das escolas buscar novas estratégias para reorganização dos espaços e tempos tendo o

brincar como fundamento da proposta de trabalho.

Referências

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