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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I
O ATO DE ALFABETIZAR: REFLEXÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS
SALVADOR 2010
SELENE MAGALI DA COSTA LEAL
O ATO DE ALFABETIZAR: REFLEXÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob a orientação da Profª. Terezinha Zélia Pinto de Queiróz.
SALVADOR 2010
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaboração: Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária: Helena Andrade Pitangueiras– CRB: 5/536
Leal, Selene Magali da Costa
O ato de alfabetizar: reflexões teóricas e práticas / ,Selene Magali da Costa Leal. –
Salvador, 2010.
54f.
Orientadora: Profa. Terezinha Zélia Pinto de Queiróz.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade do Estado da Bahia
Departamento de Educação. Campus I, 2010.
Contém referências e apêndices.
1. Alfabetização. 2. Prática de ensino. I. Queiróz, Terezinha Zélia Pinto de. II.
Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação.
CDD: 372.4
SELENE MAGALI DA COSTA LEAL
O ATO DE ALAFBETIZAR: REFLEXÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob a orientação da Profª. Terezinha Zélia Pinto de Queiróz.
Aprovado em: ______de_________de 2010.
Orientadora: Professora Terezinha Zélia Pinto de Queiroz
Professora Ana Lúcia Oliveira
_______________________________________________________________
Professora Adelaide Rocha Badaró
Dedico este trabalho monográfico a Selene Magali da Costa Leal, pela capacidade de renascer das cinzas a cada dia. Pelo esforço e vontade de vencer, de superar as dificuldades que sempre lhes foram impostas pela vida. Por não desistir jamais, mesmo quando a vida estava lhe dizendo não.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, a oportunidade de concluir meu curso com a finalização
desse trabalho, um projeto de vida deixado pelo caminho. Ele esteve presente
em cada momento me dizendo: “Se tens fé nada te será impossível”. (Mateus
17:20).
Agradeço ao meu filho mais que amado: Ícaro Leal Alves que sempre me foi
fonte de inspiração com sua inteligência.
Aos meus pais que foram escolhidos por DEUS e me deram a oportunidade de
existir. Ao meu amado sobrinho Ary Neto e minhas amadas sobrinhas Rebeca
Leal, Mariucha Leal e Milena Leal e a minha irmã e amiga Catarina Leal que
sempre acreditaram em minha capacidade e garra para vencer.
Aos meus colegas e a minha equipe de estudos, que sempre foi dedicada e
comprometida com nossos trabalhos e principalmente pelo companheirismo e
força que me deram nos momentos difíceis, pelos quais passei no decorrer do
curso. Entre outros gostaria de destacar: Gicélia Cirqueira, Naildes Bittencourt,
Iacy Angélica, Charlene Quinto, Célia Santos, Renan Dória, Tairone Paiva,
Simone Fidélis, Cláudia Simas, Marta Neves e Vânia Campos. E em especial a
minha colega, amiga e irmã Iolanda Carvalho.
Aos meus professores, dos quais levarei boas lembranças e ensinamentos da
academia: Profº Valdélio Silva, Profª Adeláide Badaró, Profª Ana Lúcia e Profº
Roberto Carlos.
A Profª Terezinha Zélia Queiroz de Oliveira minha orientadora, pela sua
paciência e humanidade.
A minha amiga/irmã Márcia Santos Cerqueira que sempre esteve presente nos
momentos importantes da minha vida. Estando presente mais uma vez na
concretização desse trabalho me auxiliando com sua atenção, amizade,
paciência e competência.
Todo conhecimento começa num sonho. O conhecimento nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não
ensina. Brota das profundezas da terra. Como mestre só posso então lhe dizer uma coisa: Conte-me seus sonhos para que sonhemos juntos.
(Rubem Alves)
RESUMO
LEAL, Selene Magali da Costa. O Ato de Alfabetizar - Reflexões Teóricas e Práticas. 2010, 54 fls., Monografia (graduação em Pedagogia), Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2010.
Esta pesquisa é fruto de uma experiência de docência na Rede Pública com o Ensino Fundamental e com as dificuldades encontradas com o trabalho de alfabetização. Para tanto, fez-se necessário situar o Processo de Alfabetização no contexto histórico, compreendendo a evolução do seu conceito e o surgimento da concepção de Letramento, bem como a indissociabilidade entre os dois termos. As dificuldades encontradas pelos professores, os sujeitos da pesquisa, no ato de alfabetizar e a experiência docente, permitiram compreender que a formação docente inicial e continuada, contribuem para uma formação significativa que permitirá ao professor alfabetizador sucesso em sua prática professoral. A formação inicial e continua em coerência com os pressupostos teóricos do campo da alfabetização é de fundamental importância para que o professor construa um referencial de competências que indique os saberes e as capacidades necessárias para a sua atuação profissional. Uma prática docente com base em uma fundamentação teórica voltada para as especificidades da modalidade de ensino, a valorização do educando na medida em que a realidade vai fazendo exigências à sua subjetividade e à competência dos educadores, dando ênfase a uma pedagogia crítica voltada para a formação de sujeitos críticos, reflexivos e autônomos geram uma aprendizagem significativa. As questões que permearam as discussões desse trabalho tomaram como base os seguintes autores: Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Magda Soares, Ângela Kleiman, Paulo Freire dentre outros.
Palavras chave: Alfabetização, Teoria, Prática.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................
09
1 O QUE É EDUCAÇÃO?.................................................................
12
2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO............................................... 18
2.1 Histórico, Conceito e Relações......................................................
18
3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR...................... 28
3.1 Formação do professor: um desafio contemporâneo.................. 28
3.2 Saberes docentes específicos à alfabetização.............................
31
4 A REALIDADE PESQUISADA...................................................... 35
4.1 Metodologia...................................................................................... 35
4.1.1 Pesquisa Bibliográfica................................................................. 35
4.1.2 Pesquisa de Campo...................................................................... 36
4.2 Dados da Pesquisa.......................................................................... 37
4.3 Análise dos Dados........................................................................... 38
4.3.1 Análise de entrevistas com professores....................................
38
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................
47
REFERÊNCIAS....................................................................................... 49
APÊNDICES.................................................................................. 52
9
INTRODUÇÃO
Em meados do século XX apenas metade das crianças brasileiras conseguiam
aprender a ler e a escrever, não concluindo a 1ª série correspondente à
alfabetização. Nas décadas seguintes, nenhuma mudança nesse quadro foi
registrada e o fracasso da alfabetização vem reincidindo a cada ano. O processo
educativo no início do século XXI vem buscando soluções, com a organização dos
sistemas em ciclos, tendo progressão continuada, onde os alunos passam para a
próxima etapa do ciclo, referente atualmente ao 2º ano do ensino fundamental,
muitos deles ainda não alfabetizados. Mas esta solução não tem conseguido a
minimização desse quadro alarmante de problemas com a não alfabetização.
Essa aprovação progressiva em ciclos permite ao aluno avançar para a série
seguinte sem a construção da base alfabética gerando dificuldades de leitura e
escrita, que implicarão na apreensão dos conhecimentos necessários para o
desenvolvimento escolar desse aluno e para a sua atuação nas práticas sociais. Os
alunos ao fim do 1º ano do Ensino Fundamental são promovidos para o ano
seguinte, mesmo que não tenham adquirido as habilidades básicas necessárias para
iniciar o 2º ano do ciclo. Dessa forma esses alunos ao se depararem com os
desafios propostos para essa segunda etapa, não conseguem desenvolver as
habilidades por falta do conhecimento não adquirida no ano anterior. Esses alunos
não se tornam leitores, portanto não são capazes de interpretar, de refletir sobre si
mesmo e sobre o mundo que os cerca.
A responsabilidade da falta de sucesso da alfabetização pode ser atribuída a um
conjunto de fatores, porém o que a Educação precisa é de tomada de atitude, de
ações transformadoras de docentes reflexivos, que para isso precisam ser
pesquisadores, investigadores já que são eles que lidam com o desafio da
alfabetização. Enfrentar estes fatores já é uma tomada de atitude, de vontade
política, o que abrirá possibilidades para que se tenha de fato docentes
investigadores da realidade de seus educandos, de si mesmos, de suas práxis e
responsáveis pelos resultados de suas ações e intervenções pedagógicas.
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A problemática da alfabetização gera um sentimento de incapacidade e frustração
no professor que é consciente de sua função social, sentimento esse que se
intensifica diante das críticas sofridas por parte das autoridades políticas, da
população, e da sociedade de um modo geral que o responsabiliza por esse
fracasso. O professor por sua vez busca eximir-se dessa culpa atribuindo a
responsabilidade ao sistema, forma impessoal de lidar com os pensadores e
dirigentes da educação, bem como aos baixos salários, a falta de políticas públicas
mais adequadas à nossa realidade, a falta de participação da família, a situação
sócio-econômica dos alunos entre outras situações consideradas relevantes.
Dentro dessa temática é possível identificar duas faces dessa questão, que implicam
nos índices de analfabetismo ainda registrados na nossa sociedade: o atual conceito
de alfabetização e um novo fenômeno denominado letramento, surgido devido às
demandas da sociedade. A alfabetização e o letramento apesar de serem
habilidades distintas mantêm uma relação de interdependência. A temática será
discutida ao longo desta monografia.
No que diz respeito ao conceito de alfabetização o estudo desenvolvido por Emília
Ferreiro (1986) sobre a Psicogênese da Língua Escrita é de fundamental
importância, pois permite ao educador alfabetizador compreender como a criança
aprende e lhe dá o suporte para utilizar os procedimentos pedagógicos necessários
para que o aprendente seja de fato alfabetizado. Quanto ao letramento os estudos
de Soares (1985) e Kleiman (1995) nos permitem compreender que estar
alfabetizado vai além de saber codificar e decodificar a língua materna. É saber
utilizar dessas habilidades nas práticas sociais cotidianas.
Por fazer parte desse contexto e no intuito de melhorar minha prática pedagógica, o
objetivo desse estudo, portanto é analisar a dificuldade encontrada pelos
professores para alfabetizar as crianças que ingressam no 1º ano de escolarização
da rede pública, investigando os fatores que permeiam esse desafio.
Inicialmente foi necessário um levantamento bibliográfico baseado essencialmente
nos estudos de Emília Ferreiro, Magda Soares e Kleiman, com o objetivo de coletar
informações e conhecimentos sobre as várias facetas relacionadas à temática.
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Posteriormente foi realizada uma pesquisa de campo caracterizado como Estudo de
Caso, numa escola da Rede Municipal de Salvador com a intenção de conhecer o
conceito dos docentes sobre alfabetização e letramento e as dificuldades por eles
encontradas no desafio da alfabetização. Como instrumento de pesquisa utilizou-se
a observação participante, entrevistas e estudos bibliográficos.
Esse trabalho encontra-se dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo trás uma
breve reflexão sobre o conceito de educação. O segundo, um histórico do processo
de alfabetização no Brasil bem como uma abordagem sobre os conceitos de
alfabetização ao longo do tempo, o surgimento do termo letramento e a
indissociabilidade entre os dois termos. O terceiro capítulo aborda a formação do
professor alfabetizador. O quarto capítulo apresenta a pesquisa de campo, como
metodologia, os dados de pesquisa e a análise das entrevistas. Finalmente as
considerações finais.
A pesquisa propõe aos professores uma reflexão sobre a práxis pedagógica e um
possível posicionamento com relação à metodologia adotada, para a superação dos
problemas enfrentados nessa etapa da escolarização.
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1 O QUE É EDUCAÇÃO?
(...) a leitura da palavra é sempre precedida da leitura de mundo. E aprender a ler e escrever é antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade. Ademais, a aprendizagem da leitura e a alfabetização são atos de educação e educação é um ato fundamentalmente político. (FREIRE,1996, p. 8)
Ao longo da história da humanidade, a educação vem sendo pensada e necessita a
cada momento histórico de uma nova consistência conceitual, devido ao processo
de transformação cultural inerente à sociedade, pois a evolução da educação está
ligada à evolução da própria sociedade. A educação requer o pensar e esse,
sobretudo é estar presente no mundo, na história, junto ao outro e perante a si
mesma. A educação distingui o modo de ser cultural do ser humano do modo de
existir natural dos demais seres vivos. Dessa forma necessita de maior atenção para
sua conceitualização. “[...] A compensação que o homem tem pelos dotes corporais
relativamente pobres é seu cérebro grande e complexo, centro de um extenso e
delicado sistema nervoso, que lhe permite desenvolver sua própria cultura”.
(CHILDE, 1971, P. 40).
Esse legado cultural construído pelos indivíduos é transmitido para as próximas
gerações através da educação sendo um processo dialético no qual a sociedade é
ao mesmo tempo formada e formadora de sua cultura. O ser humano ao nascer
precisa aprender a conviver no novo ambiente no qual está inserido, apropriar-se
dos objetos de conhecimento do mundo, para sua hominização, para a construção
da sua identidade individual e para tornar-se um ser social, iniciando então a viagem
à qual ele está submetido. “[...] nascer significa ver-se submetido à obrigação de
aprender”. (CHARLOTE, 2000). Esse processo de hominização dura toda a sua
existência. “Hoje sabemos do valor da aprendizagem continua em todas as fases da
vida, e não somente durante a infância e a juventude”, afirma o inglês Timothy Irland
em entrevista à revista Nova Escola. Essa aprendizagem é um processo de
autoconstrução do individuo que se dá na relação com o mundo, com os outros,
consigo mesmo e pela intermediação do outro, através das várias experiências que
se dão em todos os lugares, muito além dos espaços e dos anos escolares,
caracterizando de forma mais ampla a educação.
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Segundo o dicionário Aurélio educação é o processo de desenvolvimento da
capacidade física, intelectual e moral do ser humano. “A educação é uma produção
de si por si mesmo, mas essa autoprodução só é possível pela mediação do outro e
com a sua ajuda”. (CHARLOTE, 2000). Assim a educação cumpre seu papel de
instrumento de libertação humana e não de domesticação.
A educação aparece sempre que surgem formas sociais de condução e controle da aventura de ensinar e aprender e quando ela se sujeita à pedagogia, torna-se ensino formal, cria situações próprias para seu exercício e constitui executores especializados. E quando aparecem escolas, alunos e professores. (BRANDÃO, 1995, p 40).
Porém educação formal não pode ser vista de forma simplória como uma profissão
que ministra aulas, mas como um ato político pedagógico, formador de pessoas
responsáveis pela construção de uma sociedade melhor. “O homem é um animal
político” (ARISTÓTELES, Pedagogia - Módulo I, UNOPAR. 2007, p 15). Isso só é
possível se os professores deixarem seus pedestais saindo da posição de
detentores do saber observados por alunos passivos, para se tornarem educadores
conscientes do seu papel de formadores de cidadãos. Falar em formadores de
cidadãos nos remete a uma educação pautada na ética, desenvolvendo no
educando a capacidade crítica diante das informações e determinações, com
autonomia para rejeitá-las caso não correspondam ao seu posicionamento diante de
um determinado contexto, de forma responsável com o outro visando o bem estar
coletivo.
É por isso que transformar a experiência educativa em um puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: seu caráter formador. Se respeitarmos a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substancialmente formar. (FREIRE,1996, p. 36)
Moral segundo o dicionário Aurélio é um conjunto de regras de conduta ou hábitos
julgados válidos, quer de modo absoluto, quer para grupo ou pessoa determinada. E
a ética o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana, do ponto de
vista do bem e do mal. Portanto a ética é a reflexão sobre os valores que
fundamentam o conjunto de regras e hábito que forma essa moral estabelecida pelo
grupo. Bem como para Vasquez moral é:
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sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livres e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal. (VASQUEZ 1998, P. 84).
A educação pautada na ética se baseia nessa idéia de bem e de mal, de certo e
errado que faz parte do legado cultural do grupo no contexto histórico do momento.
Sendo o homem construtor coletivo da sua cultura dentro de uma sociedade que se
caracteriza pela sua organização dinâmica, tem os valores formadores dessa moral
relativos ao pensamento ético do grupo que permeia essa sociedade no seu tempo.
Dessa forma a educação de um tempo histórico reflete os interesses de sua
sociedade, pois não existe educação neutra, e muitas vezes ela recebe influências
ideológicas que visam interesses particulares de determinados grupos, por isso
professores e alunos precisam ter essa consciência para se posicionarem
politicamente diante dessa educação, construindo e exercendo sua cidadania para
transformar a sociedade, tornando-a mais justa e igualitária.
Na contemporaneidade que tanto se fala em direito à cidadania não cabe mais uma
educação que não forme cidadãos conscientes politicamente, que se sintam co-
responsáveis pelos rumos que seguem a sociedade, rumos esses que tem aberto
cada vez mais os espaços para o conhecimento. Segundo Assmann:
[...] a humanidade entrou numa fase na qual nenhum poder econômico ou político é capaz de controlar e colonizar inteiramente a explosão dos espaços do conhecimento. A internet é um exemplo para entender o que se pretende dizer com essa hipótese. Por isso a dinamização dos espaços do conhecimento se tornou a tarefa emancipatória politicamente mais significativa. (ASSMANN, 1998, P. 27).
O avanço tecnológico quebrou as fronteiras do espaço global, viabilizando a
humanidade entrar em contato com o conhecimento com a mesma dinâmica na qual
a sociedade o está processando. A internet possibilita ao indivíduo dar vazão a sua
capacidade exploratória e criativa nata. Através dela é possível buscar os próprios
conhecimentos e sendo essa uma ferramenta indispensável para emancipação,
autonomia e libertação, torna-se difícil controlá-la e consequentemente controlar os
comportamentos sociais.
15
Para Assmann (1998, p. 27/28) a chamada “sociedade do conhecimento” é um
super-esforço para tornar simétricos os controles nessa esfera. Porém como forma
de continuar o controle das mentes através do controle na esfera do conhecimento a
sociedade enfrenta a mais recente forma de exclusão; a digital. Cabe à educação no
sentido de espaço educativo sistematizado, a tarefa de viabilizar experiências de
aprendizagem que Assmann diferencia da aquisição de conhecimentos através da
simples transmissão. Portanto a tarefa educativa é também um compromisso social
no qual,
[...] só se consegue bons „resultados‟ quando se preocupa com gerar experiências de aprendizagem, criatividade para construir conhecimentos e habilidade para saber „acessar‟ fontes de informação sobre os mais variados assuntos. (ASSMANN, 1998, P. 32)
Com a dinâmica da sociedade contemporânea o conceito de educação abrange
várias dimensões da vida humana, podendo ser compreendida como um processo
pelo qual o individuo se apropria do mundo que o cerca, construindo seus
conhecimentos de forma reflexiva e criativa, na interação com o outro e através das
técnicas disponíveis no nosso tempo, exige-se mais da educação, ela deve formar o
cidadão.
Tomemos alguns aspectos relevantes da educação: considerando-a como um
processo anterior às escolas formais, podemos citar as sociedades primitivas dos
povos bárbaros que tinham como objetivo da educação, ajustar a criança ao seu
ambiente físico e social, tomando como referencial as experiências das gerações
passadas. Na pré-história a humanidade acreditava que a explicação da realidade
estava na existência do mundo real e do sobrenatural. Já na idade antiga a
educação oriental, no processo de transição da sociedade primitiva para os
primeiros estágios da civilização tem como objetivo da educação, conservar e
reproduzir o passado e suprimir a individualidade. Enquanto que na Grécia surge a
Era da Teoria do conhecimento clássico, segundo a qual a natureza tinha uma
ordem, uma causa e um efeito, e a busca pela verdade se dava pela razão.
Contrário ao principio oriental a educação grega visava o desenvolvimento individual
do ser humano. È na Grécia que surge a idéia de que a educação é a preparação
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para a cidadania. A educação romana tinha como ideal de educação a compreensão
dos direitos e deveres do individuo dentro da sociedade, dessa forma sua finalidade
era a formação do caráter moral. Na idade Média a concepção de Deus como o
centro do universo e do conhecimento, o teocentrismo passa a explicar a realidade.
O conhecimento estava sob o poder da igreja que o monopolizava, sendo as
verdades supremas e divinas e a razão não chegava as conhecer.
Os séculos seguintes foram marcados pelo Renascimento, no qual uma das
principais características é a busca da verdade através da observação da realidade,
das pesquisas e análises empíricas. Na Idade moderna a ciência valoriza a verdade
absoluta, criando um novo padrão de racionalidade centrado na matemática,
reduzindo a natureza a partes mensuráveis e observáveis, tornando-se a visão de
ensino nas escolas até o século passado e perdurando ainda em algumas escolas,
tendo o conhecimento fragmentado em áreas e os erros dos alunos vistos como algo
que leva ao fracasso.
Em meados do século XX com os avanços em diversas áreas do conhecimento,
assim como o surgimento da Genética e da Ecologia, ficou claro que o estudo do
mundo em partes era insuficiente para compreender o todo, mudando a forma de ver
o conhecimento, levando ao questionamento da concepção de educação surgida na
idade moderna.
Falar em educação na contemporaneidade é pensar o mundo de forma distinta da
visão fragmentada como prefigurava o pensamento cartesiano, é pensá-lo como
uma rede de conecções que sofre constantes transformações, numa escola mais
dinâmica, onde se utilize as novas tecnologias da informação e o professor seja o
mediador entre seu aluno e o conhecimento, se perceba como partícipe desse
processo e não o mentor soberano.
A dinâmica da nossa sociedade projeta para a escola, papéis diferentes da visão
dicotomizada do homem do inicio do século. Suas responsabilidades vão além da
transmissão dos valores e conhecimentos acumulados, exigindo do professor de um
modo geral e principalmente do professor alfabetizador, um amplo conhecimento de
mundo.
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É uma nova concepção de educação, de ser humano, integrado, capaz de refletir
sobre o conhecimento, buscar respostas por si mesmo e desenvolver novas formas
de ler o mundo. As modernas teorias da educação trazem conceitos tais como
libertar-se, emancipar-se, tornar-se autônomo. Capacidades essas que só são
adquiridas através do ato de saber pensar.
O centro de atenção não pode ser o que já se conhece, muito menos apenas repassar o que já está superado. Daí segue a importância suprema de saber pensar, porque só quem sabe pensar consegue encontrar saídas para situações inesperadas e ainda incógnitas. (DEMO, 2004, p. 62).
O mundo contemporâneo caracterizado pela pluralidade e multiculturalismo atribui à
educação pós-moderna um caráter multicultural, que prima pela busca a igualdade
sem eliminar as diferenças e reforça a visão do todo formado por partes distintas
porém indissociáveis. Visa à formação do homem integral, ao desenvolvimento de
suas potencialidades para torná-lo sujeito de sua própria história e não objeto dela.
“Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente
enquanto sujeito que o homem pode realmente conhecer”. (FREIRE, 1996).
O professor não tem o simples papel de transmitir seus conhecimentos para seu
aluno e sim ensiná-lo a aprender a aprender, a pensar, a refletir, a interagir com os
conhecimentos já existentes para interpretá-los, associando-os ao seu cotidiano
para resignificá-los. Para isso o aluno precisa compreender quais são os objetivos
da escola e o papel do professor e este está preparado para o ato de educar.
Sujeitos pensantes são consequentemente sujeitos críticos, capazes de transformar
a sociedade através do ato de cidadania, uma das habilidades que deve ser
desenvolvida pelo aluno através do ato de educar, atribuído a ação pedagógica do
professor. Dessa forma o professor precisa também ser um sujeito pensante e
crítico.
Anteriormente, a educação era entendida apenas como técnica pedagógica, hoje
teorias afirmam que educação é um ato político pedagógico. Do ponto de vista de
Elias (2000, p. 23), o compromisso político pedagógico dos educadores com a
democratização do saber exige que os mesmos se apropriem dos conhecimentos
específicos para tomar decisões quanto aos conteúdos e principalmente quanto às
finalidades e metodologias de ensinar e aprender.
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2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
2.1 Histórico, Conceito e Relações
A construção do processo de alfabetização se deu a partir do surgimento da escrita
datada cerca de 3000 a.C. na Mesopotâmia, entrando no Ocidente por volta de 600
a.C, sendo a escrita aperfeiçoada pelos gregos e romanos chegando ao nível
alfabético, tornando-se uma forma de comunicação através de símbolos marcados
em ossos, pedras e tábuas. Caracterizados por Cagliari (1999, p. 18) como as mais
antigas cartilhas da humanidade, contendo apenas as letras do alfabeto. A escrita,
também se tornou uma forma de registro da história da humanidade.
O primeiro método de alfabetização foi o alfabético que segundo Rizzo (1988, p. 14)
alfabetizava de forma repetitiva e demorada, sendo o ensino da escrita superior ao
da leitura. Escrever representava status garantido às classes privilegiadas da
sociedade, privilégio esse garantido até pouco tempo assim como os princípios
básicos da alfabetização foram os mesmos ao longo desses anos.
Percebe-se que o histórico do processo da alfabetização é marcado pela repetição
sem a preocupação com a compreensão. Para apropriação do código alfabético não
é necessário a reflexão. Codificá-lo e decodificá-lo, repetir e memorizar é o
suficiente, sem importar o significado do que está sendo lido e escrito.
Na contemporaneidade, se faz urgente mudar essa visão de ensino/aprendizagem
da leitura e escrita, pois a alfabetização é um processo ativo de construção e
reconstrução do aluno e se faz necessário a compreensão desse processo por parte
do mesmo e do professor. Nesse sentido Cagliari (1999) nos trás que:
(...) ensinar é uma tarefa de uma escola disposta a olhar para frente e não para repetição do passado que nos trouxe a escola que temos hoje: trabalhar com o texto implica trabalhar com a incerteza e com o erro e não com a resposta certa, porque escrever é produzir e reproduzir velhas certezas, pois certezas nos deixam no mesmo lugar: é o erro que nos leva na direção do novo. (CAGLIARI, 1999, p. 153).
19
No final da década de 80 e início da década de 90 do século XX surgiram as
primeiras reflexões sobre a alfabetização. As pesquisadoras Emília Ferreiro e Ana
Teberoski (1986) trouxeram novas perspectivas para o processo de alfabetização,
bem como Rego (1995) entre outros importantes teóricos que contribuíram com as
reflexões sobre esse processo na contemporaneidade.
Durante muitos anos, a educação estava centrada no ato de ensinar, não dando a
devida importância ao ato de aprender. Esse quadro passou a mudar no Brasil, na
década de 1980. Mudando o paradigma tradicional para uma perspectiva
construtivista de alfabetização, tendo como objetivo principal o ato de aprender.
Emília Ferreiro e Ana Teberosky, através da Psicogênese da Língua Escrita
procuram explicar os caminhos pelos quais a criança percorre na viagem da
construção da base alfabética.
Segundo as pesquisas do Instituto Fernand Braudel o Brasil no início do século XX
tinha 70% da população analfabeta e era grande a repetência na 1ª série das
escolas públicas brasileiras. Na tentativa de reverter esse quadro o governo tentou
implementar nas escolas públicas o construtivismo. Segundo Andaló (2000, p. 25)
essa implementação foi dificultada devido à complexidade da teoria psicogenética e
as dimensões do nosso sistema educacional, encontrando resistência no
conservadorismo dos professores e da sociedade.
Uma nova proposta pedagógica de ensino/aprendizagem da língua escrita e com
tamanha complexidade como a da teoria da psicogênese, requer para melhor
aceitação por parte dos professores a devida apropriação do novo conhecimento.
Dessa forma os professores fariam a ruptura com o tradicional de forma gradual e
com segurança, inspirando confiança para a sociedade.
Ainda com a finalidade de mudar esse quadro, foram criados ciclos de progressão
continuada na série inicial, que evitam o fracasso visível nas estatísticas de
reprovação, porém não conseguem evitar que a criança passe para a série seguinte
sem saber ler e escrever. Assim tanto a repetência e até a multe-repetência, quanto
à progressão continuada sem a construção da base alfabética geram outro
fenômeno comum nas nossas escolas públicas, que é a evasão escolar. Esse
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fracasso da alfabetização tem desafiado os educadores, que precisam detectar suas
causas para combatê-las.
Diferentes áreas do conhecimento, tais como: a psicologia, a sociologia, a lingüística
e a pedagogia tem se debruçado em pesquisas e formulações teóricas para explicar
a existência de tantas crianças não conseguirem êxito no processo de alfabetização.
“Entretanto, uma análise desses estudos e pesquisas revelará uma já vasta, mas
incoerente, massa de dados não integrados e não conclusivos”. (Soares, 1985,
p.14).
Diante da ainda necessidade de encontrar soluções para esse fracasso, se faz
necessário um estudo sobre o atual conceito de alfabetização, sua natureza e seus
condicionantes. Segundo Soares o conceito de alfabetização depende de
características culturais, econômicas e tecnológicas e por isso vem ao longo dos
anos sendo “reinventado”. Soares no texto publicado em Cadernos de Pesquisa,
revista da Fundação Carlos Chagas (São Paulo), em número especial sobre
alfabetização: nº 52, de fevereiro de 1985, enfatiza: “Tem-se tentado, ultimamente,
atribuir um significado demasiado abrangente à alfabetização, considerando-a um
processo permanente, que se estenderia por toda a vida, que não se esgotaria na
aprendizagem da leitura e da escrita”.
A autora considera a aprendizagem da língua materna como um processo
permanente, porém entende que é necessário diferenciar dentro desse processo a
aquisição da língua (oral e escrita), do desenvolvimento dessa língua (oral e escrita).
Segundo Soares esse último é um processo que nunca é interrompido, o que nos
faz crer ser por conta da dinâmica transformação sofrida pela língua materna, devido
a fatores de interações sociais diversos, responsáveis por esse fenômeno social. Já
a aquisição da língua (oral e escrita) ela considera como um processo de aquisição
da habilidade de codificar a língua oral em língua escrita (escrever) e de decodificar
a língua escrita em língua oral (ler), sendo esse o conceito inicial da alfabetização.
Esse processo não se dá em um determinado tempo. Varia de acordo com o ritmo
de cada aprendiz, mas se faz necessário que se tenha adquirido algumas
capacidades para o desenvolvimento da alfabetização. Sobre o tema Lemle (1994)
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em seu livro Guia Teórico do Alfabetizador, apresenta as capacidades necessárias
para a alfabetização, que são a idéia de símbolo, discriminação das formas das
letras, discriminação dos sons da fala, consciência da unidade palavra e a
organização da página escrita. Conhecimentos que irão orientar o professor
alfabetizador a cumprir essa tarefa.
O conceito de alfabetização atualmente não se esgota num processo de aquisição
da língua. Alfabetização é também um processo de compreensão/expressão de
significados por meio do código escrito.
[...] um processo de representação que envolve substituições gradativas
(„ler‟ um objeto, um gesto, uma figura ou desenho, uma palavra) em que o objeto primordial é a apreensão e a compreensão do mundo, desde o que está mais próximo à criança ao que lhe está mais distante, visando à comunicação, à aquisição do conhecimento...à troca. (KRAMER, 1982, p. 62).
Este pensamento sugere a distinção entre letramento e alfabetização. Que implica
um posicionamento do professor quanto a sua práxis, suas intervenções e postura
de mediador do processo de crescer e fazer crescer. Ou seja, uma prática reflexiva e
consciente na qual o professor assume um método de alfabetização baseado nos
objetivos a serem atingidos, nas opções conceituais e teóricas assumidas.
Assim é necessário que o professor alfabetizador utilize intencionalmente e de forma
devidamente planejada um conjunto de ações e procedimentos coerentes de acordo
com as características do alfabetizando, no que se refere à capacidade de
assimilação e conforme a idade, nível de desenvolvimento mental e físico,
características sócio-culturais e individuais
Para isso é preciso que o alfabetizador amplie seus estudos analisando a
alfabetização à luz dos diversos pesquisadores, entre eles Emilia Ferreiro (1986)
que, preocupada com os altos níveis de fracasso escolar propõe a psicogênese da
língua escrita.
A amplitude da significação do termo alfabetização gerou muitos equívocos entre os
professores alfabetizadores, que sem a devida apropriação do conceito do novo
22
termo (letramento), envolvendo o processo de introdução da criança no mundo da
escrita perdeu de vista o que é, e como alfabetizar. Substituindo as ações que
levavam as crianças a aquisição do código escrito por outras que consideram
instrumentos apropriados para torná-las letradas. Excluindo o processo de
alfabetização em função do processo de letramento de forma errônea, já que este é
um complemento do primeiro.
Segundo Kato (1999), a função da escola é introduzir a criança no mundo da escrita,
tornando-a um cidadão funcionalmente letrado, isto é, um sujeito capaz de fazer uso
da linguagem escrita para sua necessidade individual de crescer cognitivamente e
para atender às várias demandas de uma sociedade que prestigia esse tipo de
linguagem como um dos instrumentos de comunicação.
O conceito de alfabetização por ser uma construção social que se dá através das
relações sociais, em um determinado tempo e espaço históricos, sofre modificações
que gera consequentemente a necessidade de criar novos termos para conceituá-la.
Portanto na amplitude que tomou ao longo do tempo o termo alfabetização, trazia
implícito o que veio a ser denominado como letramento. Os dois termos letramento e
alfabetização têm suas especificidades, porém são indissociáveis
[...] meu objetivo será defender, numa proposta apenas aparentemente contraditória a especificidade e ao mesmo tempo, a indissociabilidade desses dois processos – alfabetização e letramento, tanto na perspectiva teórica quanto na perspectiva da prática pedagógica. (SOARES, 2003, p. 5).
O surgimento do termo letramento consequentemente implicou em um processo de
redefinição do termo alfabetização, procurando dar a esse segundo termo, uma
especificidade que havia perdido dentro da dinâmica das relações sociais que são
responsáveis pela construção dos conceitos, condicionados aos aspectos sociais e
políticos.
A esse movimento de criação do termo letramento e redefinição do termo
alfabetização, Soares em seu trabalho Letramento e alfabetização: as muitas
facetas, já citado anteriormente propõe como sendo invenção da palavra e do
23
conceito de letramento, e “desinvenção” e reinvenção da alfabetização. Segundo
Barton apud. Soares (2003).
A invenção do letramento ocorreu em um mesmo tempo histórico, em sociedades distanciadas tanto geograficamente quanto socioeconomicamente e culturalmente, em meados dos anos 80. Surge então o termo letramento no Brasil, illettrisme na França, literacia em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation. Nos Estados Unidos e na Inglaterra a palavra literacy que já existia dicionarizada desde o final do século XIX, tornou-se foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem também nos anos 80. (SOARES, 2003, p. 6)
Várias causas podem ser apontadas para essa perda de especificidade do processo
de alfabetização. Referindo-se às causas de natureza pedagógica Soares cita como
uma delas a implantação do sistema de ciclos que tem como princípio a progressão
continuada, com objetivos a serem atingidos gradativamente ao longo do processo
de escolarização. Esse princípio mal concebido e mal aplicado pode resultar em
descompromisso com o desenvolvimento gradual e sistemático de habilidades,
competências, conhecimentos. Porém Soares considera que apesar de responsável
pela perda da especificidade da alfabetização, o sistema de ciclos com o princípio de
progressão continuada não é a causa maior. Pontuando como causa maior;
“fenômeno mais complexo; a mudança conceitual a respeito da aprendizagem da
língua escrita que se difundiu no Brasil a partir de meados dos anos 80”. (SOARES,
2003).
Anterior a mudança conceitual a cerca da alfabetização, os educadores já
enfrentavam o fracasso escolar, com altos índices de reprovação na etapa inicial do
ensino fundamental. A autora atribui a essa modalidade de fracasso ao contrario da
modalidade atual, a uma “excessiva especificidade da alfabetização” que explica
como sendo a exclusividade atribuída a apenas uma das facetas da aprendizagem
da língua escrita, a autonomização das relações entre o sistema fonológico e o
sistema gráfico em relação às demais aprendizagens e comportamentos na área da
leitura e da escrita.
Essa perda da especificidade da alfabetização ocorreu devido à mudança de
entendimento do que significa uma pessoa ser alfabetizada em função das
exigências sociais do uso da escrita. Passa-se a entender que estar alfabetizado
24
não é só saber ler e escrever, mas saber utilizar essas técnicas nas práticas sociais
tais como saber ler e interpretar os diversos portadores de textos que circulam na
sociedade, na qual o alfabetizando está inserido. Entendendo como texto todo
material que transmite uma mensagem: conta de luz, jornais, bulas, receitas entre
outros. Assim como saber expressar-se através de cartas, bilhetes e outros,
preencher formulários, fichas e outras práticas. Enquanto que alfabetização em seu
sentido restrito é um processo de aquisição do código escrito. Da dinâmica desse
processo de ampliação do conceito de alfabetização, passando de ensinar o código
da língua escrita, ensinar as habilidades de ler (decodificar a língua escrita) e
escrever (codificar a língua oral) para apreensão e compreensão de significados
expressos em língua escrita (ler) ou expressão de significados por meio da língua
escrita (escrever) visando à comunicação, à aquisição de conhecimentos, a troca,
surge a expressão letramento.
Soares apud. Britto, 1998, p.16 sustenta que ela resultaria da necessidade de
produzir um novo termo capaz de abarcar “novos fatos, novas idéias, novas
maneiras de compreender os fenômenos”, devido ao fato da forte tradição da
expressão alfabetização referir-se a aprendizagem do código da língua escrita.
Reforçando esse conceito Kleiman, em Os significados do letramento, define
letramento como:
... um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos, ... O fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. [KLEIMAN, 1995, P. 19-20].
Fica claro então que a alfabetização é a aprendizagem da técnica da leitura e da
escrita e que o letramento é saber fazer uso dessa técnica nas práticas sociais.
Porém embora diferentes em suas especificidades, a alfabetização e o letramento
são processos indissociáveis, devendo acontecer ao mesmo tempo. Ao se aprender
a ler e escrever, automaticamente aprender-se-a usá-las nas práticas funcionais da
língua, desde quando sejam utilizados os procedimentos pedagógicos necessários
para que o aprendente desenvolva as duas habilidades, a de alfabetizado e a de
letrado. Caso isso não ocorra teremos os chamados analfabetos funcionais.
25
Entende-se por analfabetos funcionais os que a pesar de dominarem o código da
língua escrita não sabem utilizá-lo nas práticas sociais, ou seja, utilizam essa técnica
de forma mecânica.
Na infância a criança necessita vivenciar e experimentar situações reais para
compreendê-las, pois ainda não tem condições de lidar com situações abstratas.
Precisa de continuas participações em situações que envolvam seu mundo, suas
necessidades. Dessa forma é preciso alfabetizar letrando. Isto é fazer com que a
criança se aproprie do sistema alfabético e ortográfico da língua ao mesmo tempo
em que tenha plenas condições de usar essa língua nas demandas sociais de leitura
e escrita. Para isso é preciso colocar esse aprendiz em contato com o código da
língua materna utilizando instrumentos do mundo que o cerca, que são portadores
desse código. Criar um ambiente em que a criança faça leitura do mundo de forma
consciente, participativa e culta e aprenda a ser crítica e não apenas faça leituras
mecânicas.
Soares, em seu livro que se tornou uma das principais referências para a
implementação e divulgação desse conceito – Letramento, um tema em três gêneros
– defende que:
Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar e aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter se apropriado da escrita, ...já alfabetização nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e escrever, não aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se apropriou da escrita, incorporando as práticas sociais que as demandam. [SOARES, 1998, p. 18].
Para ser letrado (numa acepção semelhante à que usa Kato), insiste Soares, “Não
basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e
escrever, saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz
continuamente”. (SOARES, 1998, p. 20).
A ampliação do conceito de alfabetização e surgimento do termo e conceito de
letramento passou por processos que resultaram em dois termos e conceitos que
tem suas especificidades, porém são indissociáveis. A sociedade contemporânea
exige uma participação crítica dos indivíduos, uma leitura de mundo que passa pela
26
capacidade de interpretar, de pensar, de atribuir sentido ao mundo que os cerca.
Portanto, dentro dessa perspectiva de participação da sociedade, se faz necessário
inserir a criança no mundo da cultura escrita de forma crítica e não somente ensinar
letras. Inserir a criança no mundo da cultura escrita é mais que ensiná-la a codificar
e decodificar, mais que alfabetizá-la entendendo alfabetização no seu sentido mais
restrito. É permitir que a criança perceba que o que ela lê e escreve, faz parte do
mundo no qual ela está inserida. Brito (1998, p. 18) em Letramento e Alfabetização:
implicações para a educação infantil, pontua: “Ler implica, acima de tudo, interagir
intelectualmente com um discurso escrito, produzido em uma sintaxe própria, com
léxico e ritmo específico.”
Goodmann e Smith in Rego:
(...) de que ler e escrever são atividades comunicativas e que devem, portanto, ocorrer através de textos reais onde o leitor ou escritor lança mão de seus conhecimentos da língua por se tratar de uma estrutura integrada, na qual os aspectos sintáticos, semânticos e fonológicos interagem para que se possa atribuir significado ao que está graficamente representado nos textos escritos. (REGO, 1995, p. 19).
No entanto pesquisas nos anos de 1980 seguiram rumos que levaram a propostas
pedagógicas de alfabetização diferenciadas. Uma vertente influenciada pelas
pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1986) sobre a psicogênese da língua escrita e
que, por sua vez foram inspiradas em modelos de leitura propostos por Goodmann
(1967) e Smith (1971), que defende uma alfabetização contextualizada e significativa
com ênfase para o letramento, através da transposição didática das práticas sociais
da leitura e da escrita para a sala de aula e considera a descoberta do princípio
alfabético como uma conseqüência da exposição aos usos da leitura e da escrita
que devem ocorrer de uma forma reflexiva a partir da apresentação de situações
problemas, nas quais os alunos revelam espontaneamente as suas hipóteses e
sejam levados a pensar sobre a escrita, cabendo ao professor o papel de intervir de
forma mais efetiva nesta reflexão. Sendo esta a proposta incorporada aos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e aos Referenciais
Curriculares para a Educação Infantil. E em contra partida as propostas que seguem
pela vertente que considera a necessidade de atividades específicas de
alfabetização, do estudo sistemático das correspondências som-grafia com estímulo
27
à consciência fonológica sobre a aprendizagem de escritas alfabéticas.
Estabelecendo assim uma polêmica entre alfabetização e letramento.
Conforme proposta de Soares, citada anteriormente nesse texto, a alfabetização e o
letramento tem suas especificidades e ao mesmo tempo são processos
indissociáveis que precisam caminhar juntos em uma prática pedagógica que vise o
desenvolvimento da consciência fonológica, através de atividades que envolvam o
uso das práticas de leitura que sejam significativas para as crianças, nessa fase da
escolarização. Seguindo a mesma linha de pensamento Rego (1985), pontua:
Portanto, temos defendido uma proposta pedagógica que dê suporte ao pleno desenvolvimento desses dois aspectos envolvidos na aprendizagem da leitura e da escrita desde o início da escolaridade, distribuindo o tempo pedagógico de forma equilibrada e individualizada entre atividades que estimulem esses dois componentes: a língua através de seus usos sociais e o sistema de escrita através de atividades que estimulem a consciência fonológica e evidencie de forma mais direta para a criança as relações existentes entre as unidades sonoras da palavra e sua forma gráfica. (REGO, 1985, p. 7).
Levando-se em consideração tais referências se faz necessário a colaboração das
diferentes áreas do conhecimento através dos resultados dos estudos voltados para
a aquisição da língua escrita, com o objetivo de articular uma teoria coerente da
alfabetização, para o desenvolvimento de uma metodologia que supere o fracasso
dessa etapa de escolarização ao qual estão sujeitas as escolas públicas.
Nesse ponto, como o processo de educação inclui as etapas de aprender, evoluir,
crescer, adaptar-se, criar e inovar, o professor não é um mero transmissor de
conhecimento, mas um mediador da construção do conhecimento. Ademais,
parafraseando Freire (1996), o essencial de todo trabalho educativo é a prática e
não uma educação bancária que não leva o discente a ser sujeito crítico do seu
próprio processo de aprendizagem e, consequentemente, de sua história.
Na verdade ser professor é reconhecer a existência da práxis (teoria praticante –
prática teorizante) em sua postura educativa. Por isso, não há nada mais inovador
do que o docente repensar a própria ação que, nada mais é um processo de
constantes (re)construções e, para isso é preciso repensar a sua prática realizando
um processo dialético transformador (DEMO, 2004)).
28
3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR
3.1 Formação do Professor: um desafio contemporâneo
Devido à dinâmica atual da sociedade a profissão de professor adquiriu novas
características, exigindo-se dessa forma competências antes não priorizadas nos
cursos de formação desses profissionais, em especial do alfabetizador em função
das novas exigências sociais da escrita.
A formação de professor no Brasil segundo os teóricos pesquisados, não oferece
maiores contribuições para o desenvolvimento dos alunos, em um mundo onde se
exige que a escola ofereça desenvolvimento pessoal, aprendizagem escolar e
formação da cidadania.
Nesse contexto de desafios da escola contemporânea, o docente necessita de
nível profissional superior ao que vem sendo oferecido. Dessa forma o tema
formação de professores tem sido alvo de muitas discussões e preocupações dos
teóricos voltados para as políticas públicas da educação do nosso país.
Em relação à formação inicial, Pimenta (1994), afirma haver pesquisas que
demonstram que os cursos, ao desenvolverem um currículo formal, pouco tem
contribuído para construir uma nova identidade deste profissional docente. Fala-se
muito em interdisciplinaridade, porém a ementa das disciplinas é formada por
conteúdos estanques. Dessa forma a interdisciplinaridade não sai do papel, com um
trabalho isolado, fragmentado e longe da realidade. A esse respeito diz Mialaret:
Parece-nos que uma formação acadêmica não deve ser centrada apenas sobre este ou aquele grupo de disciplinas (...), mas deve assegurar, ao mesmo tempo, abertura sobre outros domínios científicos (...). É preciso opor, como Gaston Bachelar, a falsa especialização que limita e empobrece o indivíduo, à autentica especialização que, graças a um aprofundamento inteligente, estabelece relações, intersecta domínios científicos cada vez mais numerosos (...). A autêntica cultura geral não é comparável à amável camada superficial que permite falar sem competência de todos os assuntos. (MIALARET, 1991, p. 1).
29
Falta também interação entre a teoria e a prática nos cursos de formação, resultando
em professores queixosos com dificuldade em estabelecer essa relação: teorias
aprendidas e prática pedagógica vivenciada. As instituições formadoras necessitam
alternar carga horária de aulas com períodos de estágios de forma mais eficiente.
Em reformas implantadas em diversas partes do mundo observa-se um
redirecionamento com relação à formação inicial. No Brasil as políticas públicas que
embasam a formação de professores visam uma reestruturação do 3º grau, a partir
da publicação e socialização dos documentos voltados para a Educação:
Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais – Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Médio e pesquisas entre outros autores de Silva (1991), que
enfocam entre vários aspectos da formação de professores a presente dicotomia
teoria-prática.
A formação docente inicial pode trazer maior contribuição também a partir do
momento em que associar formação acadêmica e formação pedagógica. Segundo
Mialaret (1991) ambas as formações são muito importantes e se complementam
cada uma com suas especificidades, pois o professor precisa saber os conteúdos,
quais podem ser ministrados, como as crianças aprendem e se relacionam com eles
e saber fazer a transposição didática. Com relação à formação pedagógica
disciplinas como didática, alfabetização e letramento entre outras podem trazer
melhor contribuição para a formação da docência.
Porém além de uma formação inicial adequada é necessário que o profissional
esteja sempre atualizado, acompanhando a dinâmica social. Daí a necessidade da
formação continuada. No Brasil e na América Latina, são recentes as pesquisas no
campo da formação continua. O tema está inserido na área da Formação de
Professores de uma forma geral e só no final da década de 1970 passou a ser
objeto de maior atenção.
Silva (1991) sobre o tema, mostra que existem três modalidades de formação de
professores para as séries inicias, representando formas de capacitação em serviço
diferenciadas. Os programas de capacitação a curto prazo (em regime de internato),
os programas contínuos de capacitação (com visitas de supervisores à sala de aula)
30
e o ensino à distância (por correspondência, televisão ou rádio). Diz também que
são mais eficientes as capacitações em serviço que empregam atividades continuas.
Sobre a formação continua do alfabetizador, é importante que o professor construa
um referencial de competências que indique os saberes e as capacidades
necessárias para a sua atuação profissional. Observa-se que o discurso surgiu
paralelo ao discurso sobre a aquisição da língua escrita um dos elementos mais
privilegiados na formação do professor alfabetizador. Porém outros elementos
importantes para essa formação do alfabetizador podem ser observados, tais como:
aspectos didáticos da aula e concepção sobre formação.
Os mesmos elementos são fundamentais para a formação continua, sendo
necessário construir uma metodologia coerente com os mesmos pressupostos
teóricos do campo da alfabetização.
Novos caminhos para a formação docente vem sendo anunciados. O estudo sobre a
identidade profissional do professor é um deles, tendo como um de seus aspectos
os saberes que representam a docência (PIMENTA, 1994). É de fundamental
importância, entender o processo de construção do campo de formação docente
inicial e continua de alfabetizadores, para que se possa buscar proposições
coerentes com as especificidades desse trabalho. Nesse contexto surgiu a categoria
de estudos “saberes docentes”.
Dentre os teóricos que pesquisam sobre o tema, Tardif (2002) afirma que os
professores utilizam diferentes saberes na prática pedagógica cada um com suas
peculiaridades, porém intimamente ligados. Saberes da formação profissional
oferecidos pelas ciências humanas e aspectos pedagógicos tais como: técnicas, o
saber fazer, concepções ideológicas e sobre a prática pedagógica, os saberes das
disciplinas selecionados pelas universidades e saberes curriculares selecionados
pelas escolas.
Existindo ainda os saberes adquiridos na prática pedagógica, os quais os estudos
chamam a atenção, que são os saberes da experiência. Esses bem individuais, pois
fazem parte da interação do docente com o meio no qual está inserido, de acordo
31
com suas condições e peculiaridades. “São saberes que brotam da experiência e
são por ela validados. Incorporam-se à vivência individual e coletiva sob a forma de
habilidades de saber fazer e de saber ser.” (TARDIF, LESSARD E LAHAYE, 1991,
p. 220). Nos chamou à atenção a valorização dos saberes da experiência por parte
do autor. Essa experiência no entanto, deve ser construída através de uma prática
reflexiva em um processo de ação-reflexão-ação.
É também de fundamental importância na contemporaneidade a formação do
professor para a diversidade. Pois a inclusão é uma “realidade” do ensino regular e
os profissionais da educação precisam saber encontrar as formas adequadas para
mediar o desenvolvimento das aprendizagens de todos os seus alunos.
A construção da profissão do professor com base nas reflexões teóricas ocorrerá de
forma satisfatória com a co-responsabilidade entre o mesmo e a instituição
formadora. A formação de professores é apenas um dos requisitos, para as
transformações das quais necessita a educação brasileira. Portanto, apesar das
evidências de que a formação atual de professor não contribui para o bom
desenvolvimento escolar dos alunos, esses profissionais não podem ser
responsabilizados unicamente por essa situação.
3.2 Saberes docentes específicos à alfabetização
Os saberes da alfabetização possuem uma especificidade tanto no ensinar como no
aprender, exigindo que o professor domine e articule uma gama de saberes para
que possa mediar com sucesso, tal aquisição. Para as crianças das classes
populares, a escola é o local por excelência para essa apropriação.
Apesar da importância do tema alfabetização e da evidência em que se encontra, a
literatura sobre seus saberes específicos é limitada necessitando de maior atenção.
A alfabetização tem sido motivo de discussões, devido às novas exigências sociais
quanto a sua eficiência, marcando o surgimento do letramento que vem completar
sua função para melhor atender as demandas sociais com relação à leitura e escrita,
conforme Soares (1985, 2003), aborda em seus artigos.
32
A autora trás ainda o aspecto multifacetado da alfabetização. É necessário articular
as várias áreas do conhecimento que compõem o processo de alfabetizar. Para isso
o alfabetizador precisa ter conhecimento sobre a Linguística, Psicologia, Sociologia
e a Psicolinguística que abordam aspectos de fundamental importância para a
construção da lacto-escrita, permitindo ao alfabetizador fazer mediações com
embasamentos teóricos apropriados. Porém esses saberes não são os únicos
requisitos para a garantia da alfabetização, compreendem suportes que associados
a outros fatores individuais dos alunos que passam por questões sócio-econômicas
influenciam no resultado do processo, não sendo, porém o foco dessa abordagem.
Entendendo que os saberes da experiência docente são de fundamental importância
utilizo-me da minha experiência de quase 17 anos bem como das práticas
observadas para destacar também a importância da afetividade, da utilização da
história de vida das crianças, valorização dos seus conhecimentos prévios, o uso da
Literatura Infantil e o lúdico no processo ensino-aprendizagem intercalando a
recreação com as atividades didáticas, como componentes indispensáveis na tarefa
de alfabetizar crianças tornando o ensino mais prazeroso e eficiente.
Faz parte dos saberes docentes compreender que a história de vida da criança é um
material significativo na sua alfabetização, dessa forma deve ser trabalhado também
na formação do professor. É preciso também que o professor seja observador,
atento, respeitoso, tenha competência para motivar, ouvinte afetuoso e cuidadoso
com a auto-estima e dos seus alunos.
É preciso que [os professores] conheçam, sobretudo, o modo de vida dos
alunos, o modo de cultura dos alunos, o modo de distração dos aluno (...), que entrem nesses modos de vida e tentem fazê-los avançar um pouco mais. A formação dos professores não deve ser somente no campo da Matemática ou da Literatura. Ela deve considerar o modo de vida dos alunos (...). (SNYDERS, 1989, p.91).
Dentre tantos saberes da formação, destacamos também os saberes disciplinares e
a sua inter-relação com os saberes das Ciências da Educação, na perspectiva
33
apontada por Tardif, Lessard, Lahaye (1991). Ensinar exige também um
conhecimento do conteúdo a ser transmitido. Como é possível ensinar aos alunos
um conteúdo que o professor não domina? Os saberes disciplinares (Tardif,
Lessard, Lahaye, 1991) integram o que Mialaret chama de formação acadêmica:
(...)processo e resultado de estudos gerais e específicos feitos num domínio particular por um indivíduo; (...) desenvolve, por um lado, uma competência mais acentuada numa ou mais disciplinas científicas conforme o nível de estudos efectuados e, por outro lado, aquilo a que chamaremos de cultura geral (...): a verdadeira cultura geral é a que torna o homem aberto(...), a tudo o que ultrapassa o estreito círculo da sua especialidade. A cultura geral assim concebida depende também das experiências do indivíduo feitas fora dos quadros estritamente universitários (...). (MIALARET, 1991, p. 9)
As exigências da realidade do professor alfabetizador em relação aos saberes
disciplinares requerem o conhecimento dos conteúdos relativos à língua portuguesa,
às ciências, à matemática, à história e à geografia. Associado ao estudo desses
conteúdos consideramos imprescindível à formação do alfabetizador, o estudo das
específicas metodologias relacionadas àqueles conteúdos.
Fazendo uma breve análise da função do conhecimento lingüístico, o professor
enquanto agente político, precisa compreender que a apropriação da língua escrita
padrão se constitui num instrumento de inclusão social. No entanto ele precisa saber
respeitar as variedades lingüísticas de seus alunos, produzidas no ambiente social
dos mesmos. Dessa forma irão sentir-se valorizados e motivados para apreenderem
a forma considerada padrão da nossa língua ao invés de criar bloqueios nessa
aprendizagem, causados pela baixa auto-estima que as críticas feitas à sua cultura
podem gerar. Soares (2003) nos leva a refletir sobre a língua:
(...) uma proposta de desenvolvimento de práticas sociais de interação discursiva, orais e escritas. Nesta perspectiva, atividades de reflexão sobre a língua voltam-se para a observação e análise da língua „em uso‟, visando à construção de conhecimento sobre o funcionamento da linguagem, o sistema lingüístico, as variedades da língua portuguesa, os diferentes registros, selecionados aqueles conhecimentos considerados relevantes para as práticas de produção de textos - falar e escrever, e de recepçãp de textos - ouvir e ler. (SOARES, 2003, p. 25).
O professor alfabetizador, também precisa compreender as fases cognitivas do
processo pelo qual a criança passa para construção das habilidades de ler e
34
escrever, abordados nas pesquisas sobre a Psicogênese da Língua Escrita de
Ferreiro e Teberosky (1986).
É preciso também compreender o conceito de alfabetização, fazendo a distinção e
associação ao conceito de letramento, para desenvolver atividades contextualizadas
que proporcionem a inserção da criança no mundo da língua escrita, de acordo com
o paradigma de alfabetização do nosso tempo.
A alfabetização dar-se através de diversos fatores sociais, culturais e políticos.
Porém o professor precisa estar preparado para desempenhar sua função de
mediador da melhor forma possível, independente das dificuldades externas à
escola e localizadas no aluno, em seu ambiente familiar e cultural. Precisa conhecer
os diversos saberes da docência e fazer a articulação necessária, planejar e
participar de formação continua visando um bom resultado do seu trabalho. Estes
saberes, por si sós, não garantem a alfabetização, mas eles são indispensáveis para
que o professor possa mediar o processo da alfabetização das crianças.
35
4 A REALIDADE PESQUISADA
4.1 Metodologia
Para a construção dessa investigação, optamos pela abordagem qualitativa.
De acordo com André e Ludke (2004, p. 11), a pesquisa qualitativa tem o ambiente
natural como sua fonte direta de dados, e o pesquisador, como seu principal
instrumento. Diante da natureza de nosso objeto de estudo, as abordagens da
metodologia qualitativa nos parece permitir condições para uma maior e melhor
aproximação do mesmo na compreensão dos conceitos de alfabetização e
letramento, suas representações sociais sobre os motivos das dificuldades
encontradas no desafio da alfabetização e idéias presentes nesse campo. Segundo
as duas autoras, a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do
pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada. A pesquisa
qualitativa pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada
dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados.
Segundo Vianna (2001, p. 122), “trabalhar com dados qualitativos é um desafio
maior para o pesquisador e envolve procedimentos diferenciados”.
Segundo Gil:
É desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômeno muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. (GIL, 1999, p. 65)
4.1.1 Pesquisa Bibliográfica
A pesquisa bibliográfica constitui-se como início de todos os demais tipos de
pesquisa e identifica-se como pesquisa exploratória, à medida que permite conhecer
o que vários autores e organizações escreveram a respeito do seu objeto e
problema de pesquisa ou responderam às suas questões de estudo.
36
Em Carvalho (1989, p. 100), “a pesquisa bibliográfica é a atividade de localização e
consulta de fontes diversas de informação escrita, para coletar dados gerais ou
específicos a respeito de determinado item”.
A etimologia grega da palavra BIBLIOGRAFIA (biblio = livro; grafia = descrição
escrita) sugere que se trata de um estudo de textos impressos. Assim, pesquisar no
campo bibliográfico é procurar no âmbito dos livros e documentos escritos às
informações necessárias para progredir no estudo de um tema de interesse.
4.1.2 Pesquisa de Campo
De acordo com Marconi, pesquisa de campo
É aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e / ou conhecimentos acerca de problema para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. (MARCONI, 2002, p. 83)
Assim, o investigador na pesquisa de campo assume o papel de observador e
explorador, e coleta os dados no local (campo) em que se deram ou surgiram os
fenômenos. A realização de um trabalho de campo requer várias articulações que
devem ser estabelecidas pelo investigador. Uma dessas diz respeito à relação entre
a fundamentação teórica do objeto a ser pesquisado e o campo que se pretende
explorar. A compreensão desse espaço da pesquisa não se resolve apenas por
meio de um domínio técnico. É preciso que tenhamos uma base teórica para
podermos olhar os dados dentro de um quadro de referência que nos permite ir além
do que simplesmente nos está sendo mostrado.
Utilizamos os seguintes procedimentos / instrumentos:
A observação;
Entrevista com professores;
De acordo com Vianna (2001, p. 120), neste tipo de pesquisa as fontes de dados
serão pessoas, grupos, comunidades, das quais se colherão informações a respeito
delas mesmas ou de instituições, de diferentes ordens que representam ou nas
quais trabalham, e que as ajude a compreender o problema estudado.
37
Para Costa (2001, p. 39), observação é a forma de apreensão de dados,
caracterizada, especificamente, pela percepção do observador.
Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente
ao investigado e lhe formula perguntas com o objetivo de obtenção dos dados que
interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social.
Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes
busca coletar dados, e a outra se apresenta como fonte de informação.
A entrevista é uma das técnicas de coleta de dados mais utilizada no âmbito das
ciências sociais. Psicólogos, sociólogos, pedagogos, assistentes sociais e
praticamente todos os outros profissionais que tratam de problemas humanos
valem-se dessa técnica, não apenas para coleta de dados, mas também com
objetivos voltados para diagnósticos e orientação.
4.2 Dados da Pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma escola do Ensino Fundamental na rede municipal
de ensino, localizada na Rua Campinas de Brotas, bairro Brotas da cidade de
Salvador. Seu espaço físico é composto por 01 sala de direção, 01 vice-direção, 01
coordenação, 01 secretaria, 01 sala de professores, 07 salas de aula, 01 sala de
dança, 01 biblioteca, 01 infocentro, 01 depósito, 04 banheiros (01 para cadeirante),
01 cozinha, 01 área interna e 01 externa para recreação.
O quadro de funcionários dessa escola é composto por profissionais vinculados a
Prefeitura Municipal e 5 professores cedidos pelo Estado. Sendo eles 01 diretora, 02
vice-diretoras, 01 coordenadora, 01 secretário, 11 professores, 02 merendeiras, 04
apoios, 04 vigilantes
Os sujeitos da pesquisa serão 06 professores (um docente é graduado em
Pedagogia e os demais concluíram o Magistério do Ensino Médio e estão cursando
Pedagogia), pois são os detentores de informações pertinentes ao desenvolvimento
da pesquisa. Não serão incluídos como sujeitos de estudo os demais funcionários da
38
instituição escolar, que poderiam ser um fato de desvio em relação ao referencial
teórico, devido à diferenciação dos processos de trabalho.
4.3 Análise dos Dados
Na análise de dados, consideraremos os marcos teóricos e metodológicos que
orientam a pesquisa. As categorias de análise que se apresentam no momento
como mais pertinente são as concepções, causas e conseqüências das dificuldades
encontradas para alfabetizar crianças que ingressam no 1º ano de escolarização da
rede pública de ensino.
4.3.1 Análise de entrevistas com professares.
QUADRO 01
Observa-se que, os educadores entrevistados tem uma proximidade no tempo de
exercício da profissão. Estando todos a mais de uma década em atividade, já
experienciaram várias mudanças nas políticas educacionais ao mesmo tempo em
Pesquisadas
Formação Docente Tempo de Serviço
Lotação
Professora 01
Magistério e Pedagogia 7º semestre
17 anos
Estadual/ cedida à Prefeitura
Professora 02
Magistério e Pedagogia 8º semestre
17 anos
Estadual/ cedida à Prefeitura
Professora 03
Magistério e Pedagogia 7º semestre
24 anos
Estadual/ cedida à Prefeitura
Professora 04 Magistério e Pedagogia 7º semestre
25 anos Estadual/ cedida à Prefeitura
Professora 05 Pedagogia 14 anos Prefeitura
Professora 06 Magistério e Pedagogia 7º semestre
20 anos Estadual/ cedida à Prefeitura
39
que acompanharam as mudanças conceituais da alfabetização e o surgimento do
termo letramento.
Destacamos que dos seis professores entrevistados um possui curso de pedagogia,
sendo este vinculado à Prefeitura e cinco possuem o Magistério, estando concluindo
o curso de Pedagogia, estes vinculados ao Estado. Em função da municipalização
determinada pela Lei Federal – LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - nº 9.394) de 20.12.1996, que delega o ensino fundamental nível 1
somente às prefeituras municipais e por possuírem formação que permite apenas
atuarem nesse nível de ensino, estes últimos foram cedidos pelo Estado à Prefeitura
através de convênio, na condição de retornarem para as instituições estaduais de
origem após obterem formação que lhes permita atuarem no nível de
responsabilidade do estado.
Esses professores estão cursando a graduação não só para retornarem para o
estado, mas também pela exigência da Lei Federal com relação a formação do
professor, conforme citações abaixo:
TÍTULO VI Dos Profissionais da Educação:
Art. 62°. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e instituições superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
§ 4º. Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores
habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço.
Art. 11º. Os Municípios incumbir-se-ão de:
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o
ensino fundamental (...).
40
Observa-se que, a visão dos educadores entrevistados, com relação ao curso de
formação está voltada para cumprir as exigências da lei, assegurando seu retorno
para o estado bem como uma melhor remuneração ao concluir a graduação e a
necessidade de compreender melhor o processo-ensino aprendizagem e de adquirir
os saberes docentes.
QUADRO 02
Através não só dos dados obtidos no questionário, mas através de conversas
informais, observações, depoimentos dos professores e em reuniões pedagógicas
das quais participamos percebemos que, os educadores entrevistados participam de
cursos de formação continuada para garantirem a carga horária de atividades
curriculares extraclasse, exigidas pelas universidades para a conclusão dos cursos,
garantirem ganhos profissionais financeiros, bem como uma melhor formação para
desempenharem a função desafiadora de alfabetizar.
Nesse contexto, observamos também a insatisfação dos professores com relação à
incoerência metodológica desses cursos de formação continuada, bem como a falta
de unidade teoria e prática.
Conforme citado no estudo bibliográfico o discurso sobre a formação continua do
alfabetizador é recente, surgiu paralelo ao discurso sobre a aquisição da língua
escrita e a mudança conceitual sobre alfabetização. Dessa forma ainda é necessário
Pesquisadas
Formação Continuada
Professora 01
Curso de alfabetização.
Professora 02
Programa de Requalificação para Professores Alfabetizadores e Aperfeiçoamento para Professores de Aceleração I.
Professora 03/06
Formação Continuada para Professores do Ensino Fundamental.
Professora 04 Formação Continuada para Professores de Ensino Fundamental e Construtivismo.
Professora 05 Vários cursos de alfabetização e cursando pós-graduação em psicopedagogia.
41
construir uma metodologia coerente com os mesmos pressupostos teóricos do
campo da alfabetização e também superar a dicotomia teoria/prática. Observada
inclusive desde a formação inicial de acordo com pesquisas de Silva (1991).
Portanto é possível concluir que as dificuldades encontradas pelos professores
relacionadas à tarefa de alfabetizar, no que tange aos aspectos pedagógicos estão
relacionadas com a falta de domínio dos chamados saberes docentes do
alfabetizador.
QUADRO 03
Observa-se que, os educadores entrevistados têm uma visão semelhante sobre o
conceito de alfabetização na contemporeneidade, com exceção da professora P5
que apesar de ser a única com curso de Pedagogia completo, demonstrou não
dominar seu conceito e nem ter um formado, confundindo com metodologia.
Atribuímos ao fato da professora P5 ter concluído seu curso de formação inicial há
14 anos em outro contexto. A discussão sobre a mudança conceitual de
Pesquisadas Concepção de Alfabetização
Professora 01 Processo de aquisição e compreensão da leitura e da escrita.
Professora 02
Inserção na cultura escrita através da aquisição da lecto-escrita e seu uso nas práticas sociais.
Professora 03
Aprendizado das habilidades de decodificar, codificar, interpretar, compreender, criticar, resignificar e produzir o conhecimento da língua escrita.
Professora 04
Ler, escrever, expressar, identificar e discutir a leitura e a escrita.
Professora 05 Eu não gosto de definir uma concepção, busco uma linha de trabalho em alfabetização mesclada com o tradicional e o interacionista. Para que o aluno atinja o conhecimento, vale todas as alternativas. Às vezes para um aluno um método satisfaz, mas já para outro aluno não. Cada indivíduo é um ser que tem seu modo distinto para aprender e nós professores temos que ter o conhecimento amplo para dar chance de encontrar o jeito adequado do avanço daquela criança. Não podemos nos prender em uma única Concepção. Por isso não consigo definir uma concepção de alfabetização.
Professora 06 Processo de aquisição da leitura e da escrita e sua utilização nas práticas sociais.
42
alfabetização e surgimento do termo letramento é recente, gerando a exigência de
competências antes não priorizadas nos cursos do professor alfabetizador.
Os conceitos apresentados pelas demais entrevistadas estão em consonância com
a concepção de alfabetização apresentada por Soares (2003), levando em conta
que alfabetização e letramento são conceitos que apesar de distintos estão
interligados completando assim o sentido do processo de alfabetização exigido pela
nossa sociedade.
Atribui-se ao fato dessas últimas, estarem cursando a graduação de pedagogia, em
um momento em que a discussão sobre o tema está no auge. Porém apesar de
dominarem os conceitos de alfabetização e letramento e articularem ambos, as
professores encontram as mesmas dificuldades em alfabetizar que a professora P5.
Entendemos que isso ocorre devido ao fato dos cursos de alfabetização tanto
formação inicial quanto continua necessitarem de uma ressignificação. Justificando
nossa análise Pimenta (1994), afirma haver pesquisas que demonstram que os
cursos, ao desenvolverem um currículo formal, pouco tem contribuído para construir
uma nova identidade deste profissional docente. Conhecer os conceitos não é o
suficiente é necessário conhecer os diversos saberes da docência e fazer a
articulação necessária entre eles.
QUADRO 04
Pesquisadas
Opinião Quanto à Organização dos Sistemas em Ciclos
Professora 01
Instrumento político utilizado para diminuir a repetência sem preocupação com o aprendizado.
Professora 02
Instrumento político utilizado para diminuir as estatísticas de reprovação, prejudicando o aluno no aprendizado.
Professora 03
Instrumento político para diminuir os índices de evasão, sem preocupação com o aprendizado.
Professora 04 Não gosto por não ajudar e sim prejudicar os alunos, que não se preocupam em estudar por que sabem que vão passar automaticamente.
43
Observa-se que, a maioria dos educadores entrevistados tem a mesma visão sobre
o sistema de ciclo e de um modo geral não aprovam, atribuindo a ele a
responsabilidade do insucesso dos alunos quanto à aquisição da língua escrita e
vendo o mesmo como instrumento de manipulação política quanto à realidade da
alfabetização. Com exceção do professor P5 que não aprova, porém aponta para a
dificuldade do trabalho do docente.
Enquanto o professor P6 que aprova o ciclo sinaliza a falta de preparo dos
professores para a modalidade de ensino, promovendo os alunos sem as devidas
habilidades construídas por falta de conhecimentos das mesmas.
Esse pensamento corresponde com Soares (2003). Para a autora o sistema de
ciclos que tem como princípio a progressão continuada, com objetivos a serem
atingidos gradativamente ao longo do processo de escolarização, tendo esse
princípio mal concebido e mal aplicado pode resultar em descompromisso com o
desenvolvimento gradual e sistemático de habilidades, competências e
conhecimentos.
Conforme já abordado anteriormente, foram criados ciclos de progressão continuada
na série inicial, que evitam o fracasso visível nas estatísticas de reprovação, porém
não conseguem evitar que a criança passe para a série seguinte sem saber ler e
escrever. A progressão continuada sem a construção da base alfabética gera outro
fenômeno comum nas nossas escolas públicas, que é a evasão escolar.
Essa proposta pedagógica de ensino/aprendizagem da língua escrita assim como
qualquer outra, requer por parte dos professores a devida apropriação do novo
conhecimento, para o sucesso do trabalho e para que esse não se torne como
tantos outros um instrumento de manipulação política.
Professora 05 Sou contra devido à heterogeneidade do nível de aprendizagem dos alunos em uma mesma classe, dificultando o trabalho do professor.
Professora 06 Interessante por possibilitar a aprendizagem em etapas, porém os professores precisam aprender as habilidades de cada ciclo para não aprovar os alunos sem a construção das mesmas.
44
Porém é preciso não perder de vista que o professor não tem autonomia nessa
modalidade para conservar o aluno caso não adquira as habilidades necessárias
para a promoção.
QUADRO 05
Ao analisarmos as respostas dadas pelos professores constatamos que, são várias
as dificuldades apresentadas por eles para justificar os problemas com a
alfabetização das crianças.
Compreendemos que as atribuições por eles mencionadas tem papel relevante,
porém em nenhuma delas foi citado o papel da prática do professor na deficiência do
processo. A falta de conhecimento sobre os saberes docente em conjunto com os
fatores citados e outros não mencionados geram a problemática constatada na
alfabetização.
Quando os professores mencionam os ritmos diferentes dos alunos e a falta de
maturidade para desenvolver as habilidades, nos remete aos estudos de Ferreiro e
Teberosky (1986), sobre A Psicogênese da Língua Escrita. É necessário que o
professor alfabetizador, conheça e compreenda as fases cognitivas do processo
pelo qual a criança passa para construção das habilidades de ler e escrever, para
que possam fazer mediações apropriadas ao nível de maturidade desses.
Pesquisadas
Dificuldades Encontradas no Processo de Alfabetização
Professora 01
Turmas numerosas com alunos com ritmos diferentes de aprendizagem misturados.
Professora 02
Falta acompanhamento familiar, carência de um método eficiente que atinja a grande maioria, falta de interesse dos alunos e indisciplina.
Professora 03
Falta de acompanhamento familiar, de interesse e de maturidade dos alunos para desenvolver as habilidades.
Professora 04 Falta de interesse e de participação dos alunos por saberem que passam mesmo sem estarem alfabetizados.
Professora 05 Falta de acompanhamento da família e de reforço pedagógico no turno oposto, de interesse dos alunos e de acompanhamento individual especializado.
Professora 06 Falta de estrutura familiar para acompanhar nas atividades e de maturidade dos alunos para desenvolverem as habilidades.
45
As demais dificuldades, como falta de acompanhamento familiar, carência de um
método eficiente que atinja a grande maioria, indisciplina, falta de interesse e de
participação dos alunos por que sabem que passam mesmo sem estarem
alfabetizados, de reforço pedagógico no turno oposto, de acompanhamento
individual com especialistas, estão relacionados ao aspecto multifacetado da
alfabetização abordado por Soares.
Esses aspectos multifacetados estão relacionados à Linguística, Psicologia,
Sociologia e a Psicolinguística que influenciam na construção da lecto-escrita. É
necessário portanto que o alfabetizador tenha esses conhecimentos, saiba fazer as
articulações e mediações necessárias. È possível também que questões sócio-
econômicas gerem essas dificuldades que influenciam no resultado do processo.
QUADRO 06
Observa-se que, os educadores entrevistados têm conhecimento quanto às
metodologias existente, porém a maioria ainda não tem definida uma linha de
trabalho a seguir. Atribuímos isso ao fato deles não terem um conhecimento real do
processo de alfabetização, dos saberes docentes e das formas de articulações
necessárias para o sucesso da aprendizagem.
Pesquisadas
Metodologia Adotada
Professora 01
Trabalho a partir de textos de gêneros diferentes criando situações para que os alunos estabeleçam diferenças entre modalidade oral e escrita e respeitando a individualidade dos alunos.
Professora 02
Misturo o método fônico (sintético) e o global (analítico)
Professora 03
Método analítico.
Professora 04 Misturo o método antigo, experiência pessoal dos alunos construtivismo, o que der certo.
Professora 05 Aula atrativa, interessante, movimentada e divertida com confecção de cartazes, maquetes, recortes, dobradura, jogos, artes, dramatização, vídeos, historinhas, leituras diversificadas, música, dança, entrevistas e pesquisas.
Professora 06 Método analítico com leituras contextualizadas a partir da realidade dos alunos.
46
Entendemos que escolher uma metodologia para alfabetizar passa pela
compreensão da Psicogênese da língua escrita e dos conceitos de alfabetização e
letramento. È preciso ter bem definido o que se espera como resultado final do
processo de alfabetização, sua finalidade e como essa construção acontece para a
criança. A partir dessas definições é possível o professor definir de que forma ele
proporcionará ao aprendente a possibilidade de construir a lecto-escrita.
Para que o professor empreenda essa tarefa com dinamismo e sucesso, ele precisa
ter garantida a sua formação inicial adequada e respeitado o seu direito de formação
continua com a mesma qualidade.
47
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema abordado é abrangente, complexo e de fundamental importância para o
conhecimento daqueles que fazem parte da educação. Percebe-se que a
alfabetização tem papel fundamental para a construção dos outros conhecimentos,
assim como para o desenvolvimento global do educando.
Tendo em vista que alfabetizar exige saberes específicos que os professores
precisam conhecer e articulá-los, para que possam mediar e obter êxito em sua
tarefa educadora foi necessário conhecer o conceito de alfabetização na
contemporaneidade e os saberes específicos que o alfabetizador deve ter, para
desempenhar a tarefa de mediador na construção da lecto-escrita do seu aluno, afim
de melhor desenvolver esse trabalho monográfico.
Conhecer os conceitos dos professores sobre o que é alfabetizar atualmente,
também constituiu em um ponto indispensável para a pesquisa, podendo dessa
forma, ampliar a compreensão sobre as causas das dificuldades encontradas por
eles. Para 83% dos professores entrevistados alfabetizar é um processo de
aquisição do código da língua escrita, bem como a compreensão e expressão de
significados por meio desse código.
A partir desses estudos e análises das pesquisas, foi possível elencar algumas
dificuldades e saberes relacionados ao ato de alfabetizar, com a finalidade de
melhor entendermos esse processo.
Foi percebida a necessidade da afetividade na relação professor-aluno, a
valorização dos conhecimentos prévios trazidos da sua realidade, além de valorizar
sua linguagem como forma de motivá-lo na apropriação da língua padrão e a
articulação dos conhecimentos dos saberes disciplinares com os pedagógicos.
As dificuldades encontradas no inicio da escolarização, perpassam por vários fatores
de origem sócio-econômica e pedagógica. O professor não é o único responsável
pelas dificuldades encontradas em alfabetizar nossas crianças. Porém ele tem que
48
ter o compromisso com a sua formação inicial e continuada, para garantir a sua
parcela de contribuição na solução dos entraves do processo ensino-aprendizagem
da alfabetização.
É preciso ainda levar em consideração as dificuldades encontradas pelo
alfabetizador dentro do espaço pedagógico relacionadas às condições de trabalho.
Essas dificuldades podem estar relacionadas à falta de material didático, ao espaço
físico, às relações interpessoais com a equipe gestora e à ideologia presente no
projeto político pedagógico.
Portanto entendendo a tarefa de educar e principalmente a de inserir a criança no
mundo da cultura escrita como um ato político é indispensável que o educador tenha
compromisso com a qualidade do ensino. Esse compromisso passa pela sua
formação inicial e principalmente continua, permitindo que possa adquirir os saberes
docentes e compreender bem o processo da alfabetização, que lhe possibilitará
escolher uma metodologia de ensino e uma atuação com segurança.
O professor alfabetizador torna-se dentro desse contexto um marco, pois
dependendo das suas intervenções, as experiências do alfabetizando com a
aquisição da língua escrita poderá ser o início de um rico processo ou o término de
uma vida escolar pautada no insucesso, com marcas indeléveis.
Esse trabalho nos permitiu ampliar conhecimentos teóricos, necessários para uma
prática de alfabetização de qualidade. O professor precisa ser pesquisador e
investigador para adquirir tais conhecimentos, necessários para a sua atuação, ao
mesmo tempo em que ampliar sua visão de mundo, despertando assim uma
reflexão sobre o papel do professor face aos problemas da não alfabetização.
49
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51
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52
APÊNDICES
53
APÊNDICE A
ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO
1 - DADOS DA INSTITUIÇÃO:
Nome da Instituição__________________________________________
Nome do Diretor_____________________________________________
Vice – diretor_______________________________________________
Coordenador Pedagógico_____________________________________
Turnos de funcionamento______________________________________
Quantidade:
a) alunos_______ b) professores_________ c) funcionários da
administração________ d) pessoal de apoio_________ e) vigilantes______
2 – INSTALAÇÕES FÍSICAS DO PRÉDIO:
Salas de aula_______________________________________________
Existe sala de direção?_______________________________________
Possui área de lazer?_________________________________________
Quantos banheiros tem?______________________________________
A escola tem cantina?________________________________________
Quais outros espaços físicos a escola possui?____________________
3 – EQUIPAMENTOS:
Quais e quantos?____________________________________________
4 – ASPECTOS PEDAGÓGICOS:
Possui Projeto Pedagógico?___________________________________
Qual o índice de evasão e repetência?___________________________
Como acontece a participação dos pais__________________________
5 – OBSERVAÇÕES DECORRENTES:________________________________
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APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO PARA O PROFESSOR
1 – IDENTIFICAÇÃO:
Nome_____________________________________________________
2 - FORMAÇÃO E DADOS PROFISSIONAIS:
Formação docente___________________________________________
Tempo de serviço____________________________________________
Lotação____________________________________________________
Formação continuada_________________________________________
3 – QUESTÕES AFINS:
Concepção de alfabetização___________________________________
__________________________________________________________
Concepção de letramento_____________________________________
__________________________________________________________
Opinião quanto à organização do sistema em ciclos_______________
__________________________________________________________
Dificuldades encontradas no processo de alfabetização____________
__________________________________________________________
Metodologia adotada_________________________________________
__________________________________________________________