O ataque da vampantera! - Primeiro capítulo
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Os MOnstr Os dO
Car t ógr af O
O ATAQUE DA
VAMPANTERA!
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Série Os Monstros do Cartógrafo
Cuidado Com os Bufalogros!
o ataque da Vampantera!
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TraduçãoAna Resende
IlustraçõesAdam Stower
O ATAQUE DA
VAMPANTERA!
robstevens
Os MOnstr Os dO
Car t ógr af O
Rio de Janeiro | 2012
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Prólogo
Agachado e com o ombro pressionado contra a fria pare-
de de pedras, Marcello arrastava-se pelo corredor pouco
iluminado. Durante todo o tempo, seu olhar estava fixo
no fim daquele caminho, onde uma figura enorme e de
capa guardava uma pesada porta de madeira. Oculto pelas
sombras, Marcello avançou lentamente, até ficar a poucos
centímetros do guarda distraído. Em seguida, apoiou um
joelho no chão e esperou.
Estava convencido de que o que estivera buscando en-
contrava-se na câmara à sua frente, e não iria embora dali
até que o visse por si mesmo. Por cerca de uma hora, nem
Marcello nem o guarda moveram um músculo sequer.
O único som que Marcello ouvia era o sangue pulsando
em seus ouvidos, até que...
— Barbarus!
A voz vinda do outro lado da porta surpreendeu o
guarda, que grunhiu, encobrindo o grito assustado de
Marcello.
— Sim, mestre?
— Eu gostaria de ver você sem delonga...
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O guarda hesitou, franzindo confuso a sobrancelha
branca e descorada.
— Isso significa “imediatamente”, imbecil!
— Então por que o senhor não disse isso? — resmun-
gou o guarda, revirando os olhos avermelhados. Elevando
a voz, respondeu: — Sim, mestre.
As dobradiças rangeram alto quando o guarda empur-
rou a pesada porta e entrou no cômodo, fechando-a nova-
mente atrás de si. Aproveitando a oportunidade, Marcello
lançou-se para a frente e impediu com sua mochila que a
porta se fechasse. Pôs um olho na estreita abertura, pren-
deu a respiração e espreitou o aposento.
Algumas tochas pendiam das paredes, tornando o cô-
modo um pouco mais iluminado que o corredor, e lançan-
do sombras bruxuleantes no teto abobadado. No centro
da câmara, em um alto pedestal de granito, encontrava-se
uma tumba de pedra em que havia uma estranha escrita
talhada. Próximo à parede mais distante, via-se uma ca-
deira de espaldar alto.
Intrigado, Marcello observou o guarda entrar no cô-
modo deserto.
— Boa-noite, meu senhor — falou o guarda. — O se-
nhor dormiu bem hoje?
De repente, uma figura sentou-se muito ereta na tum-
ba aberta, e Marcello cobriu a boca com a mão para abafar
o susto.
— Sim, obrigado. Que horas são?
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— Quase meia-noite.
Assim como o guarda, a figura no caixão de pedra es-
tava coberta com uma capa preta, e a gola alta ocultava
grande parte de seu rosto, que Marcello podia ver de per-
fil. Projetando-se um pouco para fora da gola, o topo da
cabeça daquela figura estava coberto com um pelo preto
e curto e era adornado por duas orelhas pretas e felpudas.
Um nariz preto e brilhante podia ser apenas entrevisto na
ponta do focinho.
— Estou com sede — rosnou a fera. — Traga-me algo
para beber. E é bom que tenha sido espremido há pouco
tempo.
— Certamente, meu senhor.
— Tenho certeza de que não preciso lembrá-lo do que
aconteceu ao último guarda que tentou se safar me ofere-
cendo uma bebida velha do estoque. — Enquanto falava,
a fera retirou uma espada de dentro da tumba de pedra e
brandiu-a com suas duas patas pretas, para dar ênfase à
ameaça. Mesmo com a pouca luz proporcionada pelas to-
chas, Marcello pôde ver que o cabo da espada fora talhado
em um único e incrível diamante.
Dessa vez, Marcello não conseguiu impedir que o sus-
to escapasse de seus lábios.
Sem esperar para saber se fora ouvido, pegou a bolsa
e correu pela passagem de pedra em direção à escada em
espiral.
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Marcello correu para o meio da noite, deixando pe-
gadas profundas na neve fresca ao fugir do castelo. Certo
de que estava sendo perseguido, correu em volta do lago
congelado, parando apenas para olhar para trás quando
alcançou a margem oposta.
Não viu ninguém.
— Fique calmo, Marcello — sussurrou para si mesmo.
— Parece que a margem está limpa.
Ajoelhou-se no chão para recuperar o fôlego. O ar
gelado perfurava seus pulmões doloridos, enquanto ele
examinava o portão do castelo do outro lado do lago.
A agitação e o terror corriam por seu sangue enquanto ele
ponderava sobre o significado da descoberta que fizera.
Durante muitos anos, aquela espada havia sido procura-
da, mas nunca fora encontrada — ou, pelo menos, nunca
ninguém voltou da busca.
Marcello tomou um pequeno gole do cantil de couro
macio, empurrou a rolha para dentro do gargalo e colo-
cou a alça a tiracolo. Em seguida, retirou o mapa da mo-
chila e o abriu. Pegando uma pena de escrever, rabiscou
nervoso o mapa.
— Maldito frio! — praguejou, embora soubesse que
não era a temperatura baixa que fazia suas mãos tremerem.
Dobrou o mapa e guardou-o mais uma vez na mo-
chila. Em seguida, ergueu-se e começou a correr em di-
reção ao estreito declive que conduzia à cordilheira.
O cantil, cheio de água, batia ritmadamente no quadril de
Marcello, como um coração batendo.
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Tinha que escalar o declive estreito até a montanha
seguinte e começava a acreditar que conseguiria safar-se
e voltar para Lovdiv. Foi então que sentiu um súbito es-
tremecimento de terror por todo o corpo. No momento
em que Marcello se virou, soube imediatamente que toda
esperança de fuga se fora.
— Ciao, signor Blanco — falou Marcello, com um sor-
riso seco. — Ouça, não quero causar problemas. Estava
apenas fazendo uma visita.
Antes que Marcello pudesse reagir, o guarda agarrou a
gola de sua camisa com ambas as mãos, erguendo-o.
— Ninguém visita o castelo — grunhiu ele.
— Bem, isso não me surpreende — falou Marcello, em
voz baixa —, se esse é o tipo de recepção de vocês.
— Você não pode ir embora.
— Eu adoraria ficar para o jantar — disse Marcello,
com voz trêmula —, mas tenho outros planos. Talvez pos-
samos remarcar... para o dia de São Nunca?
Quando o guarda apertou com mais força a garganta
de Marcello, finas veias azuis crivaram seu rosto pálido
como cera.
— Sabe, dizem que todos vocês são muito feios — gru-
nhiu Marcello em tom desafiador. — Mas isso não é ver-
dade. Vocês são é muito repulsivos.
— Mas as histórias sobre nosso estilo implacável de
matar não foram exageradas.
— Bom saber! Aliás, em que posso ajudá-lo?
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— Meu mestre está com sede.
— Ora, por que você não disse logo? — falou Marcello,
sobressaltado. — Tome, leve meu cantil.
— Engraçadinho. — Os lábios preto-azulados do guar-
da se abriram em um largo sorriso malvado.
Momentos depois, quando sentiu a vida começando a
abandonar seu corpo, Marcello fez sua mochila escorre-
gar do ombro e a arremessou com força no ar. A mochila
viajou em silêncio sobre a cordilheira acidentada, e sua
alça balançava como uma bandeirola enquanto o menino
a perdia de vista. Ele deu socos e pontapés com cada gota
de força que ainda tinha, mas, por fim, seus braços caíram
para o lado, suas pernas penderam sem energia e o cora-
ção deixou de bater.
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Capítulo 1
Hugo Bailey estava na doca e observava outro navio se
preparando para zarpar. Ele deveria estar vendendo como
suvenires os mapas que seu tio Walter desenhara, mas ti-
nha passado a maior parte do dia olhando o mar.
— Aposto que aquele está partindo para a Índia — fa-
lou Hugo melancólico para si mesmo, enquanto uma leve
brisa soprava seus rebeldes cabelos louros.
Ele se imaginava a bordo do navio que cruzava o ocea-
no, com as velas cheias impelindo-o em direção a terras
exóticas. Notando um marinheiro a carregar uma arca de
madeira que parecia pesada em direção à prancha de em-
barque, Hugo se aproximou.
— Com licença, senhor — falou, inclinando o rosto
sardento na direção do homem e abrindo-lhe um sorriso
largo com um dente faltando. — O senhor está indo a al-
gum lugar emocionante, como a África ou as Índias?
O marinheiro parou e olhou para Hugo, com a boche-
cha encostando na lateral do peito.
— Muito mais emocionante que isso — respondeu ele,
rindo.
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Os ávidos olhos azuis de Hugo se arregalaram.— Este navio aqui navegará em busca de uma civiliza-
ção antiga conhecida como... Grimsby.O marinheiro voltou a se virar e continuou a subir com
dificuldade a prancha de embarque, soltando um risinho abafado para si mesmo. Hugo sorriu e revirou os olhos.
A uma pequena distância, meia dúzia de camundon-gos de pelo marrom-acinzentado estavam reunidos na doca, no meio de alguns barris de madeira. No meio de-les, um ratinho branco, com uma listra preta que ia da ponta do nariz até a cauda, sentava-se muito ereto, apoia-do nos quadris.
Ele não era apenas notável por sua coloração peculiar. Também tinha orelhas estranhamente grandes, rosadas e sem pelos. O que o fazia destacar-se dos demais, porém, era o fato de que ele estava conversando com os outros.
— ... então, sem pensar em minha própria segurança, corri até a cabeça do bufalogro e dei um golpe bem no meio dos olhos dele. — Deu alguns golpes certeiros no ar para efeito de demonstração. — O monstro tinha mais de três metros de altura, mas é verdade o que se costuma dizer: quanto mais alto, pior é a queda.
O ratinho branco examinou os rostos de sua plateia. Doze olhinhos pretos e redondos observavam-no sem ex-pressão.
— Talvez eu não tenha sido claro. O monstro era enor-
me. Uma verdadeira fera.Seis focinhos mexeram-se de modo curioso.
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— Quer dizer, a pista já está no nome deles... Bufal-ogros. Com bastante ênfase na palavra ogros.
Silêncio.— Então, o que estou dizendo é que, se posso derrotar
um bufalogro feroz, não há razão para vocês temerem os ratos. Nem os gatos, para falar a verdade. Alguém quer fazer uma pergunta?
Alguém? Hein?“Oh, entendi: vocês são do tipo forte e calado.”Um dos camundongos começou a se coçar.— Muito bem, companheiros. Foi um enorme prazer
conversar com vocês, mas preciso ir. Então, lembrem-se, não temam os gatos: bem lá no fundo, eles não passam de bichinhos de estimação.
O ratinho voltou a encolher as orelhas e partiu na di-reção do outro lado da doca.
A alguns metros de Hugo, uma mulher gritou:— Aiiiiiiiiiii! Um rato!Hugo sorriu para si enquanto observava a onda de ca-
beças se movendo para cima e para baixo, e as pessoas gritando e pulando por sobre o roedor. O animalzinho saiu em disparada na direção do menino, e suas patas faziam barulho nas pedras do calçamento. Em seguida, subiu correndo a calça de Hugo, mergulhando no bolso de sua túnica.
Algumas pessoas na multidão fizeram cara feia quando
o menino deu meia-volta e começou a se afastar. Quando
estava bem longe, Hugo ergueu a aba do bolso da túnica.
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Dois olhinhos redondos piscaram para ele e um nariz ro-
sado e cheio de bigodes se mexeu.
— Olá, Feroz — falou Hugo, sorrindo com brandura.
— Eu gostaria de que você não tivesse feito uma cena tão
grande. Por que você não pode simplesmente andar pelos
bueiros como os outros roedores?
— Você sabe que não sou como os outros roedores —
zombou Feroz.
Eles se conheciam havia um ano, de uma pequena ilha
mágica no meio do oceano. O ratinho era o companheiro
constante de Hugo desde então, além de seu melhor ami-
go em todo o mundo.
— Eu sei. Mas sempre que você atravessa uma multi-
dão é como se fosse o grande faraó do Egito desafiando os
inimigos para uma batalha.
— Talvez Ramsés, o Grande fosse um rato — disse
Feroz.
— Quer dizer Ratomsés?! — Hugo riu, coçando o quei-
xo do amigo. — Então, o que você esteve fazendo durante
o dia todo?
— O de sempre — respondeu Feroz. — Andando por
aí com alguns camundongos do campo.
— Você não tentou incitar nenhuma rebelião de novo,
não é?
— Fiz o melhor que pude — disse Feroz, piscando. —
Há muito tempo os gatos andam levando uma vida boa.
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Não vejo porque eles deveriam ser os únicos a caçar; é
hora de meus primos tímidos tomarem uma atitude. Mas
tentar dizer isso aos camundongos desta cidade é inútil, é
o mesmo que falar sozinho.
— Talvez eles respeitem muito você para responder —
sugeriu Hugo. — E, talvez, isso tenha algo a ver com o fato
de que os animais nesta parte do mundo não podem falar.
Estava ficando tarde, e a feira estava chegando ao fim.
A praça do mercado estava deserta, a não ser pela última
barraca, que ainda vendia frutas e legumes, e por alguns
garotos que brincavam por ali. Um deles fingia estar pre-
so no pelourinho, enquanto o outro tentava atacá-lo com
frutas podres. Hugo parou durante um momento para ob-
servar a brincadeira.
— Quantos mapas você vendeu hoje? — perguntou
Feroz, subindo até o ombro do menino.
— Quantos? No total? — perguntou.
— Sim.
— Incluindo os mapas que vendi hoje de manhã?
— Certamente.
— Nenhum.
— Nenhum?
Hugo balançou a cabeça com tristeza.
— Eu realmente queria ter me saído bem hoje — fa-
lou. — E queria comprar comida para levar para casa e
deixar tio Walter orgulhoso, mas terminei sonhando acor-
dado com explorações durante o dia inteiro.
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— Não entre em pânico — insistiu Feroz. — O dia ain-
da não terminou. Aposto que você pode vender um mapa
para a próxima pessoa que vier até a praça.
— Você acredita realmente nisso?
— Sem dúvida.
Hugo se empertigou.
— Muito bem — falou, balançando a cabeça com ar
resoluto. — Para a próxima pessoa que aparecer.
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