O A G V R F J M V K G S C M L C A M P R D M SAULO

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Transcript of O A G V R F J M V K G S C M L C A M P R D M SAULO

ORGANIZADORES

ANTONIO GLAUTON VARELA ROCHA

FRANCISCO JOSÉ MENDES VASCONCELOS

KÁTIA GARDÊNIA DA SILVA COELHO

MARIA LÍRIDA CALOU DE ARAÚJO E MENDONÇA

PEDRO RAFAEL DEOCLECIANO MALVEIRA

SAULO NUNES DE CARVALHO ALMEIDA

DIÁLOGOS ENTRE FILOSOFIA E DIREITO:

Múltiplas Abordagens e Transdisciplinaridade

FICHA TÉCNICA

CHANCELER

Dom Ângelo Pignoli

REITOR

Manoel Messias de Sousa

VICE-REITOR

Renato Moreira de Abrantes

PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

Américo Valdanha Netto

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

Marcos Augusto Ferreira Nobre

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Francisco José Mendes Vasconcelos

REVISÃO TÉCNICA

Monique Isabelle de Sousa Nascimento

REVISÃO ORTOGRÁFICA

Cíntia Araújo Cândido

DIAGRAMAÇÃO

Manoel Miqueias Maia

CAPA E CONTRACAPA Willian Teixeira Lima

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE.

Rocha, Antonio Glauton Varela - Vasconcelos, Francisco José Mendes -

Coelho, Kátia Gardênia da Silva - Mendonça, Maria Lírida Calou

de Araújo e - Deocleciano, Pedro Rafael Malveira - Almeida,

Saulo Nunes de Carvalho –

Diálogos entre Filosofia e Direito: Múltiplas abordagens e

transdiciplinariedade / Antonio Glauton Varela Rocha; Francisco

José Mendes Vasconcelos; Kátia Gardênia da Silva Coelho; Maria

Lírida Calou de Araújo e Mendonça; Pedro Rafael Malveira

Deocleciano; Saulo Nunes de Carvalho Almeida: organizadores.

– 1. ed. – Porto Alegre : Revolução eBooks – Simplíssimo, 2017.

Recurso digital : il.

Formato : ePub2

Requisitos do sistema : Adobe Digital Editions

Modo de acesso : World Wide Web

ISBN 9878595130647

1. Filosofia. 2. Direito. 3. Pesquisa. 4. Título. I. Titulo.

CDD: 300

Arquivo ePub produzido pela Simplíssimo Livros

PREFÁCIO

ano de 2016 foi repleto de motivos para que nós, que fazemos a

UNICATÓLICA, comemorássemos.

Nosso Curso de Direito, já tendo completado, em 2015, o segundo lustro,

passou por processo de renovação de reconhecimento em que logrou, em abril/2016,

conceito 4 (quatro), num universo de 1 (um) a 5 (cinco). A cada ExOAB, mais e mais

alunos e egressos são aprovados, tornando-se aptos ao ingresso na Ordem dos Advogados

do Brasil e ao exercício de tão nobre profissão. A seriedade e o comprometimento

acadêmico de estudantes e professores qualificam-nos como sendo um dos mais

promissores Cursos da Instituição.

De faculdade isolada, fomos credenciados como Centro Universitário, por força

da Portaria MEC n. 367, publicada no D.O.U. de 06/05/2016. A pesquisa/iniciação

científica e a extensão, cujos frutos, agora, juntamente com o ensino, se esperam muito

mais abundantes, vão ganhando consistência acadêmica digna das melhores instituições

do Nordeste, senão do Brasil. Polos de pós-graduação foram abertos em Baturité, Boa

Viagem e Tianguá, onde já funcionam cursos nas diversas áreas.

A produção científica mostra-se exuberante a contribuir com o ingresso de alunos

com o perfil de pesquisador em programas de pós-graduação stricto sensu do Brasil e do

exterior. A qualidade do que é produzido por nós já começa a se destacar e chamar a

atenção de grandes entidades e personalidades do meio acadêmico nacional.

Resultado do esforço de muitos, eis em nossas mãos mais uma produção científica

coletiva, fruto do II Simpósio Internacional de Filosofia e Direito – único evento

internacional de nossa UNICATÓLICA –, realizado em 2015 e que já está às vésperas de

sua terceira edição. Iniciativa por demais salutar, o Simpósio propõe e aprofunda a

compreensão do Direito enquanto “ser” (nos termos de uma necessária ontologia

jurídica), e fomenta a cultura jusnaturalista, assumida como própria pela

UNICATÓLICA, instituição umbilicalmente ligada à Igreja Católica e à tradição jurídica

desta.

O

Nesta obra, o leitor terá a oportunidade de aprofundar conhecimentos a partir dos

artigos produzidos por professores e alunos da nossa UNICATÓLICA, bem como por

convidados externos.

Assim, “A visão ética no pensamento de São Tomás de Aquino e a importância

da liberdade para a mesma” nos é apresentada por Bruno Dias de Lima. Everton Oliveira

nos conduz à reflexão sobre “O sistema político brasileiro: Uma análise descritiva sob a

ótica sistêmica de David Easton”.

“A influência da ética na atuação de profissionais das áreas médicas e jurídicas”

é objeto de estudo de Jivago Alves do Ó e César Augusto Rodrigues Parente. Os

professores Douglas Willyam Rodrigues Gomes e Leonardo Araújo Lima propõe-nos a

leitura de “O papel da guarda municipal na segurança pública com foco na violência”. O

já citado Prof. Douglas Willyam, juntamente com o Prof. Daniel Paiva Mendes sugerem-

nos a análise do artigo intitulado “Centralização dos processos licitatórios: Um estudo de

caso em uma empresa pública no Município do interior do Estado do Ceará”. Nosso

brilhante Prof. Francisco José Mendes Vasconcelos, juntamente com Monique Chaves,

apresenta-nos ao deleite o texto “Direito e Moral: Uma análise do pensamento de Hans

Kelsen”.

O Prof. Marcos Augusto Ferreira Nobre, nosso Pró-Reitor de Graduação e

Extensão, sugere reflexões sobre “Martírio e Pena de Morte”. E, por fim, se me permitem,

apresento-lhes, da nossa lavra, o artigo intitulado “O princípio da proporcionalidade:

Gênese e aplicação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.

Percebe-se, pois, a densidade da obra com que a comunidade jurídica da

UNICATÓLICA nos presenteia. Teoria e prática são conjugadas com maestria e com

simplicidade penetrante, características das grandes realizações humanas.

Aos organizadores, os parabéns. Seja mais uma de muitas outras obras.

Aos colaboradores, a gratidão e o estímulo à produção do saber.

Ao leitor, mãos à obra.

Renato Moreira de Abrantes

VICE-REITOR

UNICATÓLICA

APRESENTAÇÃO

az-se esta obra literária um somado sincronizado de resumos estendidos e artigos

dos participantes do único evento científico a nível internacional do Centro

Universitário Católica do Quixadá – UNICATÓLICA, o “SIMPÓSIO

INTERNACIONAL DE FILOSOFIA & DIREITO”, cuja temática engloba os mundos

filosófico e jurídico, e reuniu discussões e debates sobre questões relevantes destes dois

setores de atividades humanas – saberes filosóficos e científicos.

O saber filosófico e o saber jurídico se integram e interagem de forma contínua e

suplementar. Proporcionar o debate extraordinário entre a “coruja” de Athenas (Αθηνά)

& Thêmis (Θέμης) é ovacionar a interdisciplinaridade; é fazer-se analisar a capacidade

e o pensamento humanos em busca de sua própria essência. Através deste encontro

dicotômico possibilita-se a compreensão, a origem e, consequentemente, a evolução de

questionamentos sociais de hoje; o que, proporcionará o seu aperfeiçoamento, a sua

completude e seu disciplinamento.

E louvamos este empreendimento do saber através da dialética mais pura: A

exposição e a discussão de pensamentos.

Nada mais salutar que premiar os protagonistas do evento (a comunidade

científica) com o perenizar deste momento de embates e experiências adquiridas desse

encontro através de uma exposição literária daqueles que provocaram o fervor deste

Simpósio (autores e apresentadores).

Congratulações,

Pós-Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça

COORDENADORA DO CURSO DE DIREITO – UNICATÓLICA

Me. Antonio Glauton Varela Rocha

COORDENADOR DO CURSO DE FILOSOFIA – UNICATÓLICA

F

SUMÁRIO

A QUESTÃO DA ÉTICA NO PENSAMENTO DE SANTO TOMÁS DE AQUINO: UMA REFLEXÃO

SOBRE A IMPORTÂNCIA DO LIVRE-ARBÍTRIO E A BEM-AVENTURANÇA COMO FIM

ÚLTIMO ...................................................................................................................................... 10

Bruno Dias de Lima, Antônio Batista Fernandes, Antônio Marcos Chagas

A SABEDORIA NA CIÊNCIA NOVA DE GIAMBATTISTA VICO: HISTÓRIA, FÍSICA,

COSMOGRAFIA E GEOGRAFIA ................................................................................................. 25

Kátia Gardênia da Silva Coelho, Edilson Martins Rodrigues Neto

CENTRALIZAÇÃO DOS PROCESSOS LICITATÓRIOS: UM ESTUDO DE CASO EM UMA

EMPRESA PÚBLICA NO MUNICÍPIO DO INTERIOR DO ESTADO DO CEARÁ ....................... 42

Douglas Willyam Rodrigues Gomes, Daniel Paiva Mendes, Matheus Alves Pinheiro

DIREITO E MORAL: UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO DE HANS KELSEN ......................... 59

Monique Ellen da Silva Chaves, Carlos Breno Evangelista Girão, Francisco José Mendes

Vasconcelos

MARTÍRIO E PENA DE MORTE ................................................................................................. 81

Marcos Augusto Ferreira Nobre

O (CONTA)SENSO DO PROGRAMA DE JUSTIÇA TERAPÊUTICA: A EXPERIÊNCIA TRÁGICA

DA NÃO ESCOLHA...................................................................................................................... 95

André de Carvalho-Barreto

O PAPEL DA GUARDA MUNICIPAL NA SEGURANÇA PÚBLICA COM FOCO NA VIOLÊNCIA

................................................................................................................................................... 111

Douglas Willyam Rodrigues Gomes, Leonardo Araújo Lima, Matheus Alves Pinheiro

O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE: GÊNESE E APLICAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ........................................................................................... 124

Renato Moreira de Abrantes

O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DESCRITIVA SOBRE A ÓTICA

SISTÊMICA DE DAVID EASTON ............................................................................................. 143

Everton Lima de Oliveira, Francisco Valdovir Holanda de Almeida, Saulo Nunes de Carvalho

Almeida

OS ASPECTOS CONTRIBUTIVOS PARA O SURGIMENTO DE ESTADOS PARALELOS ILÍCITOS

NO BRASIL MEDIANTE A OMISSÃO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO SOBRE A

ÓTICA KANTIANA ................................................................................................................... 160

Caroline da Silva Scanone, Francisco José Mendes Vasconcelos

UMA APROXIMAÇÃO ATRAVÉS DE COMENTADORES DA FENOMENOLOGIA INTENCIONAL

TRANSCENDENTAL DE EDMUND HUSSERL COMO MÉTODO PARA A BUSCA DA VERDADE

APODÍTICA ............................................................................................................................... 176

Francisco José Araújo de Lima, Moisés Rocha Farias

EPÍLOGO .................................................................................................................................. 190

11

usto Ferreira Nobre

A QUESTÃO DA ÉTICA NO

PENSAMENTO DE SANTO TOMÁS DE

AQUINO: UMA REFLEXÃO SOBRE A

IMPORTÂNCIA DO LIVRE-ARBÍTRIO

E A BEM-AVENTURANÇA COMO FIM

ÚLTIMO

Bruno Dias de Lima, Antônio Batista Fernandes, Antônio

Marcos Chagas

12

RESUMO O presente trabalho tem por finalidade fazer uma

análise do pensamento ético-moral tomasiano,

mostrando a importância que o livre-arbítrio tem para

Santo Tomás de Aquino, uma vez que para o filósofo,

todo agir ético humano é realizado em vista de um

fim, isto é, a bem-aventurança. Para tal feito, iremos

utilizar como fonte de estudo a Summa theologia11

como obra principal, o Escritos Filosóficos de

Henrique Lima Vaz, o artigo “O tomismo e a ética:

uma ética da consciência” de Juvenal Savian, as

catequeses do Papa emérito Bento XVI sobre o doutor

angélico e obras de autores que exerceram forte

influência sobre o pensamento de Santo Tomás de

Aquino, tais como: Santo Agostinho e São Alberto

Magno de quem Aquino foi discípulo. Nosso

problema principal consiste em refletir sobre a

questão ética no pensamento tomasiano,

evidenciando a liberdade como àquela que

fundamenta a prática da ética e a bem-aventurança,

enquanto fim último a que deve se destinar todo o

nosso agir ético.

PALAVRAS-CHAVE Ética. Pensamento tomasiano. Livre-Arbítrio.

1 A Suma Teológica é a principal obra de Santo Tomás de Aquino, foi escrita entre os anos de 1265 a 1273

um ano antes de sua morte, é considerada como uma das principais obras da escolástica e de todo o

pensamento teológico -filosófico cristão.

13

anto Tomás de Aquino fundamentou sua ética na prática das virtudes, no ser

enquanto indivíduo virtuoso que é capaz de conciliar a vontade ao intelecto,

tendo a razão como aquela que direciona o agir para o bem. A ética tomasiana2

tem seus fundamentos no pensamento ético aristotélico, que influencia toda a obra de

Tomás de Aquino, não somente no que se refere à ética, mas também a outros temas

abordados pelo doutor angélico. Contudo, como proposto no tema deste trabalho, deter-

nos-emos somente aos aspectos relacionados à ética tomasiana.

Como já frisamos, dentre as influências sofridas por Santo Tomás de Aquino, se

destaca a presença do pensamento de Aristóteles. Nesse sentido, faz-se necessário

perceber que o doutor angélico pretende dar um olhar cristão ao pensamento ético de

Aristóteles, separando aquilo que era duvidoso daquilo que poderia ser tido como válido

para seu pensamento, algo que até o momento era tido como inconcebível3. Logo, a

grande novidade posta pelo filósofo no período medieval consiste em introduzir

Aristóteles num cenário marcado por uma ética agostiniano-platônica, claro, sem de

maneira alguma desconsiderar tal perspectiva, mas ao contrário, se apoiando nesta.

A ética tomasiana coloca o homem como o centro de suas decisões sem

desconsiderar a sua submissão à vontade divina. O homem deve chegar a seu fim que é o

Sumo Bem por meio da vontade ordenada pelo intelecto. Deus é aquele que ilumina o

intelecto para que possa estar direcionado para o bem, ou seja, o homem depende da

iluminação divina para alcançar o Sumo Bem, entretanto, é necessário que este pratique

as boas ações para que seja conduzido a este Sumo Bem4.

2 Utilizamos o termo ética tomasiana como uma forma de atualização do pensamento de nosso autor, para

uma melhor compreensão de seus escritos. Nossa escolha apoia-se em autores como Pe. Henrique Lima

Vaz que faz a utilização do mesmo termo. Porém, quando nos reportamos àquilo que o aquinate escreve

sobre tema como: virtude, fim último e ação moral, estamos diante de uma Filosofia Moral. 3 Esta pretensão de Santo Tomás de Aquino de dar um olhar cristão ao pensamento ético aristotélico consiste

basicamente em dar uma característica cristã a este, ou seja, sua ideia foi conciliar o pensamento cristão

com os conceitos éticos aristotélicos. 4 O que entendemos por Sumo Bem em São Tomás é Deus, que pode ser compreendido como sendo o bem

por essência.

S

1. INTRODUÇÃO

14

omás de Aquino viveu em um contexto em que predominava o poder da Igreja

sobre toda realidade espiritual e temporal, em que Igreja e o Estado formavam

uma só coisa, e claro, exercendo seu domínio também sobre todo pensamento

filosófico e teológico da época. É neste contexto que Tomás de Aquino aparece com um

pensamento ético que “deixou uma obra imensa que deve ser enumerada, sem favor, entre

os mais notáveis monumentos intelectuais da história cultural do Ocidente”. (LIMA VAZ,

1999, p. 211).

Como já demonstrado na introdução deste trabalho, todo pensamento de Tomás

de Aquino, como também de grande parte dos filósofos e teólogos de sua época, giram

em torno da relação entre fé e razão. Assim sendo, a ética tomasiana se dar dentro deste

contexto. Sobre esta relação, Joseph Ratzinger5, que após o papado passou a chama-se

Papa Bento XVI, um dos maiores pensadores da atualidade, que apesar de ter seu

pensamento voltado com mais ênfase para a área teológica, nos dar uma clara definição:

Com efeito, a fé protege a razão de toda a tentação de desconfiança nas próprias

capacidades, estimula-a a abrir-se a horizontes mais vastos, mantém viva nela

a busca dos fundamentos e, quando a própria razão se aplica à esfera

sobrenatural da relação entre Deus e o homem, enriquece o seu trabalho.

Segundo São Tomás, por exemplo, a razão humana pode chegar

indubitavelmente à afirmação da existência de um único Deus, mas só a fé, que

acolhe a Revelação divina, é capaz de haurir do mistério do Amor de Deus Uno

e Trino (BENTO XVI, 2010).

Percebe-se a grande importância da relação entre fé e razão, como nos mostra

Bento XVI, no pensamento do doutor angélico. Da mesma forma, podemos considerar

esta relação especificamente em sua ética, pois a razão humana pode chegar a um Bem

Supremo, mas somente mediante a revelação divina. Em suma, podemos compreender

este bem supremo como sendo a benevolência de Deus, fruto do agir de Deus sobre o ser

humano.

A ética tomasiana se dar por meio da prática de boas ações, sendo que,

basicamente, o indivíduo ético é aquele que é virtuoso, aquele que busca como fim o Bem

Supremo, que suas ações o levam a este fim. Apesar deste Bem Supremo ter um caráter

5 Papa Bento XVI (1929-) das catequeses sobre São Tomás de Aquino.

T

2. A ÉTICA TOMASIANA

15

divino, é um erro reduzirmos a ética de Aquino a um caráter puramente religioso, pois a

bondade e a maldade, segundo o autor, são de caráter humano e são praticadas pela razão

humana. Mesmo a razão tendo a necessidade da iluminação divina, não deixa de ter sua

incondicional importância no agir ético.

Mas a associação de Deus com o Bem Supremo não quer dizer que, dado o

contexto medieval, a ética ou a moral se reduzissem ao cumprimento de leis

religiosas, ou que a consciência individual fosse cerceada por preceitos divinos

e pela lei natural, tomada como a expressão por excelência da sabedoria de

Deus (SAVIAN, 2008, p. 179).

A ética tomasiana é aquela, como salienta Lima Vaz, que busca uma perfeição e

uma ordem, em que o homem encontra perfeição quando encontra o Bem. O homem está

mais próximo da perfeição quanto mais se aproxima do Bem, e a ordem se constitui

enquanto as ações que orientam para este fim, ou seja, a reta razão que direciona o homem

para o Sumo Bem.

Ora, a noção de perfeição, sendo logicamente conversível à noção de ser, não

é senão outra expressão da noção de bem. Por outro lado a noção de ordem

implica necessariamente, do ponto de vista ontológico, a noção de fim. Todo

ser, enquanto ato, é perfeito em sua ordem, ou seja, orientado para o seu fim e

agindo em vista deste fim. Tal é a ação ética enquanto ato humano que deve

realizar, por definição, a perfeição do ser humano enquanto ser racional e livre.

Bem e Fim ou perfeição e ordem são, pois, as categorias metafísicas que

subjazem à ética tomásica como ética filosófica e que devem ser levadas em

conta a cada passo de sua elaboração conceptual (LIMA VAZ, 1999, p. 216).

O que podemos perceber, em sintonia com a proposta de Lima Vaz, é a definição

da reta razão, ao ficar claro que a razão está sempre direcionada para o Bem. É natural do

homem que ele faça o bem e que chegue ao seu fim último que é a felicidade, que

Aristóteles denominava de eudaimonia, na obra Ética de Nicômaco6, pois todo o agir

ético humano está voltado para este fim. A novidade que Tomás de Aquino traz é que

esta felicidade só pode ser encontrada em Deus que é a verdadeira felicidade, o Sumo

Bem. O homem age sempre em vista deste fim. O intelecto dar meios para que sobre a

ação da vontade se possa chegar ao seu fim último, que podemos chamar também,

segundo Aquino, de beatitude; assim, o indivíduo se torna bem-aventurado quando

pratica as virtudes que o levam a Deus.

A ética tomasiana se dar mediante a prática das virtudes, é um habitus que se

adquire com o tempo, essas virtudes são utilizadas para se chegar ao Bem Supremo, são

os meios desejados pela vontade para chegar ao fim último. Em Tomás de Aquino, essas

6 Para um maior aprofundamento do conceito de eudaimonia ver: Obra Ética a Nicômaco de Aristóteles,

livro I.

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virtudes podem ser traduzidas como as bem-aventuranças, tomando um olhar teológico

do assunto, seria a imitação das práticas de Cristo.

Sublinhando o papel fundamental, na vida moral, da ação do Espírito Santo,

da Graça, da qual brotam as virtudes teologais e morais, São Tomás faz

compreender que cada cristão pode alcançar as elevadas perspectivas do

"Sermão da Montanha", se viver uma autêntica relação de fé em Cristo, se se

abrir à ação do seu Espírito Santo. Porém – acrescenta o Aquinate – ‘embora a

Graça seja mais eficaz do que a natureza, todavia a natureza é mais essencial

para o homem’, pelo que, na perspectiva moral cristã existe um espaço para a

razão, que é capaz de discernir a lei moral natural. A razão pode reconhecê-la,

considerando o que é bom fazer e o que é bom evitar, para a consecução

daquela felicidade que está a peito de cada um, e que impõe uma

responsabilidade para com os demais e, portanto, a busca do bem comum. Em

síntese, as virtudes do homem, teologais e morais, estão arraigadas na natureza

humana. A Graça divina acompanha, sustém e incentiva o compromisso ético,

mas, por si só, segundo São Tomás, todos os homens, crentes e não-crentes,

são chamados a reconhecer as exigências da natureza humana e a inspirar-se

nela na formulação das leis positivas, ou seja, daquelas que são emanadas pelas

autoridades civis e políticas para regular a convivência humana (BENTO XVI,

2010).

Como destaca o Papa Bento XVI, o doutor angélico mostra que para se chegar a

esta beatitude, já que “Deus é a bem-aventurança em sua essência, ele é bem-aventurado:

não por aquisição ou participação de outra coisa, mas em sua essência” (AQUINO, 2004,

p. 63, I-II), portanto, é necessário o apoio da graça divina, sem, contudo, desprezar a

participação da razão humana, que diferentemente de alguns autores da época de Santo

Tomás ganha uma enorme importância. Assim sendo, faz-se mister ressaltar que a

proposta ética de nosso autor, mesmo estando ancorada sob as bases da metafísica

tradicional, e sobre os ensinamentos cristãos, não exclui a possibilidade de que os

indivíduos não crentes, não alcancem a sua felicidade, por meio de uma vida virtuosa,

que se dar por meio da prática das virtudes naturais. Entretanto, a estes é impossibilitado

o alcance a beatitude, já que esta só é possível por meio das virtudes teologais.

Mediante esta explanação sobre a ética em Tomás de Aquino, percebemos que

toda a sua fundamentação se encontra no pensamento metafísico. Para Lima Vaz, “a Ética

tem como fundamento necessário uma metafísica, e a estrutura inteligível do agir humano

repousa na continuidade entre o especulativo e o prático” (1999, p. 212). Nesse sentido,

o agir ético humano se dar por meio do reconhecimento da necessidade da graça divina

para se chegar a seu fim último, tornando-se assim uma ética teleológica que tem como

fim Deus; assim, torna-se algo metafísico e transcendente, mas os meios utilizados para

se chegar a este fim são imanentes, se dão em nossa realidade terrena. Portanto, existe em

Tomás de Aquino uma ética baseada na confluência entre aquilo que é “supra-sensível”

e aquilo que é sensível, sendo o segundo utilizado para se chegar no primeiro.

17

Tomás de Aquino uma ética baseada na confluência entre aquilo que é “supra-

sensível” e aquilo que é sensível, sendo o segundo utilizado para se chegar no primeiro.

endo a bem-aventurança resultado da submissão do homem a vontade divina, tal

submissão não consiste em tirar a liberdade de agir dos homens, pois permanecer

resguardada a capacidade do homem de escolher entre o bem ou o mal. Assim,

uma vez que todas as suas ações são praticadas com um julgamento prévio, ele é livre

para decidir o que parece ser melhor e que meios deve usar para se chegar a seu fim. O

homem exerce plenamente seu livre-arbítrio quando segue sua razão e escolhe para o

bem, “o homem é dotado de livre-arbítrio, do contrário os conselhos, as exortações, os

preceitos, as proibições, as recompensas e os castigos seriam vãos. Para demonstrá-lo,

deve-se considerar que certas coisas agem sem julgamento”. (AQUINO, 2004, p. 63, I-

II).

Dessa forma, é essa a diferença entre os homens e os animais, pois os animais

como cita o doutor angélico, também escolhem e julgam, mas não possuem a capacidade

do livre-arbítrio, pois praticam seus atos de maneira natural, por extinto, desta forma não

há livre-arbítrio entre os animais já que “não julga por comparação, mas por instinto

natural” (AQUINO, 2004, p. 487, I), enquanto que o homem julga pelo movimento da

razão, resultado de sua capacidade racional. Sem, contudo, ser a causa primeira, o livre-

arbítrio do homem como já dito, se dar no momento em que faz suas escolhas, mas este

livre-arbítrio sendo usado erroneamente pode levar o homem, em uma linguagem

teológica, a prática do pecado; e, em uma linguagem ética, a escolher más ações tornando-

o um indivíduo de ações antiéticas7.

Pelo livre-arbítrio, com efeito, o homem se move a si mesmo para a ação. Não

é, entretanto, necessário à liberdade que o que é livre seja a causa primeira de

si mesmo; nem, tampouco, é requerido para ser a causa primeira. E Deus que

é a causa primeira, movendo as causas naturais e as causas voluntárias

(AQUINO, 2004, p. 488, I).

Exercendo o homem o seu libero arbítrio, ele está sujeito ao pecado, ao erro que

o conduz aquilo que não é ético. É importante salientar que o livre-arbítrio humano e sua

sujeição ao erro é algo permitido por Deus, pois se Deus se der-se a conhecer

7 Falamos em linguagem teológico e linguagem ética, somente para um melhor esclarecimento, e para que

não haja um entendimento apenas na reflexão teológica, já que este não é nosso objetivo principal.

S

3. LIVRE-ARBÍTRIO

18

pessoalmente não seria possível a nossa vontade desejar outra coisa que não fosse Ele,

esta pode ser tida também como uma resposta para aqueles que não creem. Assim, por

mais que seja natural de nossa vontade desejar o Bem Supremo, que é Deus, Este nos

deixa livres para escolhermos não crer, o que não quer dizer que aqueles que não creem

não possam ser indivíduos éticos, já que por meio da vontade divina, não podemos o

conhecer plenamente como Ele é, devido nossa condição de seres sensíveis. Porém, cabe

a todo indivíduo crente ou não, praticar as virtudes naturais nomeadas por Aristóteles, já

que para a prática destas virtudes necessitamos apenas do uso da razão. Segundo Reale,

Ele não se dirige para um fim, como uma flecha lançada por um arqueiro, mas

sim se dirige livremente para um fim. E como há nele um habitus natural de

captar os princípios do conhecimento, também há sempre nele uma disposição

ou habitus natural- a assim chamada sindérese- que o leva a compreender os

princípios que inspiram e guiam as boas ações. Mas compreender ainda não

significa agir. E o homem, justamente porque é livre, peca se afasta

deliberadamente e infringe as leis universais que a razão lhe dá a conhecer e a

lei que Deus lhe revela (2007, p. 227).

Tendo o homem pecado, ou seja, praticado ações que vão contra a vontade de

Deus, ele perder o seu livre-arbítrio, nas palavras do doutor angélico “o homem pecado

perdeu o livre-arbítrio, não a liberdade natural, que é coação, mas a liberdade que é a

isenção da culpa e do sofrimento”. (AQUINO, 2004, p. 491, I). Assim sendo, Tomás de

Aquino pretende afirmar que a liberdade natural do homem nunca será perdida; porém,

aquela liberdade divina dada por Deus ao homem, ou seja, o livre-arbítrio, que livra o

homem do sofrimento e da culpa, que se dar quando o homem realiza aquilo que é a

vontade de Deus, esta é perdida no momento que o indivíduo peca.

O homem está sempre escolhendo, tomando decisões, sua vontade está sempre

voltada para desejar algo, aquilo que é bom, desejando não somente o fim como também

os meios para se chegar a este fim. Assim, consequentemente, devemos notar que este ato

de escolha do homem, é a execução de seu livre-arbítrio, pois ele é livre para escolher

agir eticamente.

No caso do livre-arbítrio, a solução tomásica introduz clareza definitiva nas

discussões sobre a questão, mostrando o livre-arbítrio como sendo a própria

vontade com seu poder inato de escolha enquanto penetrada pela razão na sua

função judicativa. Como tal o livre-arbítrio que tem como objeto próprio a

escolha dos meios participa do dinamismo da vontade orientada para o bem

como o fim, pois a bondade do fim reflui necessariamente sobre o meio apto a

alcançá-lo. A conclusão, pois, é que o livre-arbítrio é a própria vontade não

considerada absolutamente, mas enquanto ordenada ao ato de escolher (LIMA

VAZ, 1999, p. 226).

O intelecto conduz o homem ao seu fim último, que como já dissemos, é o Bem

Supremo, e sendo o homem um Ser livre, cabe a ele orientar suas ações, escolher os meios

19

necessários para se chegar a este fim. Tomás de Aquino dá bastante ênfase a este tema,

conforme destacamos neste trabalho, a saber: a realidade de não haver intervenção divina

direta em nossas ações éticas. Somos responsáveis por nossos atos, sem desconsiderar a

dependência da graça, pois somente por meio dela é que podemos chegar à beatitude;

todavia, não é Deus que impõe esta dependência, se fosse, não existiria livre-arbítrio, cabe

ao homem escolher por meio de sua vontade optar pela iluminação divina em seu agir

ético e moral.

Ora a razão e liberdade como componentes do agir humano enquanto tais

conferem ao agente sua propriedade essencial: a de tender ao fim conduzindo-

se a si mesmo. Em outras palavras, ao agente racional e livre cabe dirigir sua

própria ação, ou seja, ordená-la ao bem que é o fim, tornando o seu agir, por

natureza e destinação, constitutivamente ético ou moral. Por outro lado, a

noção de fim como bem é logicamente e metafisicamente correlativa à noção

de perfeição, o que implica uma ordem dos fins segundo a escala das perfeições

e, portanto, um fim último do qual, uma vez alcançado, deve proceder a

perfeição do agente, ou seja, sua auto-realização (LIMA VAZ, 1999, p. 220).

Para que o homem possa escolher algo como bom para ele, é necessário o uso

da vontade e do intelecto, não se pode escolher algo apenas por meio de uma dessas vias,

pois elas são inseparáveis, toda ação humana se dar dentro do contexto da relação entre

vontade e intelecto. A primeira é aquela que escolhe a melhor ação para se chegar ao fim,

e o segundo é aquele que conhece os meios para que se possa chegar ao fim desejado pela

vontade. Para Savian,

No seu dizer, razão e vontade enovelam-se na produção da prática ética, mas a

razão tem certa prerrogativa sobre a vontade, porque, em síntese, ninguém

pode desejar aquilo que não conhece. Dessa perspectiva, a razão apresenta uma

meta à vontade, e essa, com a razão, faz exercitar-se a consciência, na

ponderação das circunstâncias particulares da ação, produzindo a escolha

(2008, p. 181).

É necessário destacar também neste trecho que Savian nos mostra, a

superioridade da razão em relação à vontade, como aquela que apresenta aquilo que a

vontade deve desejar e também pelo fato do intelecto ser em si mesmo uma potência

superior à vontade. Nesse sentido, afirma Tomás de Aquino:

A superioridade de uma coisa sobre outra pode ser considerada de dois modos:

absolutamente quer relativamente. Uma coisa é tal absolutamente, quando ela

é isso em si mesma; e é tal relativamente, quando o é em relação a uma outra-

Portanto, se o intelecto e a vontade são consideradas em si mesmos, então o

intelecto é superior (2004, p. 479, I).

Sendo o intelecto superior à vontade, é nele onde acontece o auxílio divino.

Nosso autor mostra que a fé ilumina a razão, sendo o auxílio divino aquele que vem de

encontro ao ser humano, ajuda o homem dentro de seu livre-arbítrio em seu agir ético, no

20

hábito das virtudes teologais8. O indivíduo verdadeiramente ético é aquele que pratica as

virtudes naturais: justiça, equidade e temperança, dentre outras pontuadas por Aristóteles.

Estando em conformidade com as teologais, sendo que estas últimas são necessárias para

se alcançar a beatitude, ou seja, aos não cristãos é possível a prática das ações, mas

somente aquelas naturais, enquanto que os crentes a beatitude, o fim último das ações

éticas se dá na relação entre os dois tipos de virtudes acima citados. Desta forma, aos não

crentes é possível ser um indivíduo ético, mas não bem-aventurado. Sobre a relação entre

razão e vontade afirma Savian:

Essa intercausalidade entre a razão e a vontade, na estrutura do ato livre,

mostra-se, em linguagem aristotélica, da seguinte maneira: a razão goza de

prioridade na ordem da causa formal e final, enquanto a vontade tem prioridade

na ordem da causa eficiente. A causa formal é a que determina a essência de

algo; nesse caso, a essência daquilo que se busca ou da ação que se pretende

fazer. A causa final refere-se à finalidade de algo; nesse caso, a finalidade da

ação (2008, p. 182).

Percebe-se acima uma explicação do que Santo Tomás de Aquino expõe sobre

superioridade do intelecto em relação à vontade, em que Savian traduz o “absolutamente”

e “relativamente” sob uma visão aristotélica, em causa formal final e causa eficiente, isto

é, o intelecto goza de superioridade em relação à finalidade de nosso ato, enquanto que a

vontade em relação a pratica deste ato.

O Papa Emérito Bento XVI nos mostra que no pensamento ético de Santo Tomás

de Aquino, o agir humano se dar dentro da relação entre razão, vontade e paixões, pois

essas exercem um papel fundamental.

O autor apresenta os princípios teológicos do agir moral, estudando como, na

livre escolha do homem de realizar atos bons, se integram a razão, a vontade e

as paixões, às quais se acrescenta a força que confere a Graça de Deus através

das virtudes e das dádivas do Espírito Santo, como também a ajuda que é

oferecida inclusive pela lei moral (BENTO XVI, 2010).

Em suma, retomando ao tema do livre-arbítrio, percebemos que o doutor

angélico nos mostra que para o agir ético é bom que o homem, no uso de seu livre-arbítrio,

submeta-se a vontade divina para se chegar ao Bem Supremo, que é a “Bem-

aventurança”. Aderindo à vontade divina, a razão, sede das decisões, passa a ser

iluminada pela fé, e consequentemente a vontade irá desejar aquilo que é à vontade de

Deus, o Sumo Bem, e as ações do indivíduo serão cada vez mais éticas, fazendo com que

este chegue ao seu fim último que é a felicidade. A felicidade deve ser entendida em Santo

8 Fé, esperança e caridade, basicamente podemos definir a primeira como sendo a confiança em Deus, se

dar na relação do homem com Deus, a segunda é a espera pelo tempo de Deus, pela vida eterna e pelo reino

dos céus, e a terceira é a virtude do amor que fundamenta todas as outras.

21

Tomás de Aquino, como sendo a realização da vontade de Deus, o homem se torna feliz

quando pratica as ações que o levam a aproximar-se do Sumo Bem. Tais ações derivam

das virtudes naturais, que são: justiça, coragem, temperança, mansidão dentre outras que

se encontram em consonância com as teologais já mencionadas acima. Para Savian,

A respeito da preservação da liberdade humana, mesmo quando se diz que é

bom submete-se à lei divina, a antropologia descrita por Tomás de Aquino

garante a preservação da liberdade do indivíduo, pois, no dinamismo interno

que o faz aderir a Deus e submeter-se à sua lei, o indivíduo, por sua razão,

pondera o sentido dessa adesão, bem como as possibilidades de realização

humana por ela visadas, e conclui que se trata de algo bom. O indivíduo então

escolhe, por meio da vontade (2008, p. 183).

Desse modo, todo o agir ético acontece por meio da escolha, que é ato da

vontade, sendo que é por meio do movimento da vontade que se dar a liberdade de

escolher o que é bom ou não. É neste contexto de escolha que o indivíduo percebe a

necessidade de optar pelas leis divinas, como aquilo que rege seu agir ético, fazendo com

que ele chegue ao seu fim último, a saber: a felicidade. Porém, esta não deve ser alcançada

somente naquilo que é espiritual, pois mesmo toda a ética de Tomás de Aquino estando

baseada em preceitos metafísicos, existe nela espaço para o bem-estar social, como meios

para se chegar ao fim último, por entendermos que a prática das virtudes se dar na vida

cotidiana.

Portanto, percebemos claramente no pensamento tomasiano a existência de uma

relação entre a vida contemplativa, fruto do caráter espiritual das virtudes teologais, com

a vida cotidiana, sendo que a primeira exerce uma maior importância no agir do homem;

contudo, Santo Tomás de Aquino não desconsidera o reflexo que o espiritual exerce no

temporal, que nada mais é do que o bem-estar proporcionado ao homem.

22

ediante o que expomos no texto, podemos considerar que nosso artigo

apresenta apenas uma pequena parcela do vastíssimo pensamento ético de

Santo Tomás de Aquino. Defendemos a proposta que sua ética está

fortemente ancorada no pensamento ético aristotélico, tendo também por fundamento a

teoria de Santo Agostinho. Podemos ainda afirmar que sua ética é basicamente das

virtudes, sendo o indivíduo ético aquele que pratica as virtudes, tornando-as um hábito,

praticando essas ações em todas as coisas cotidianas do nosso dia-a-dia.

Outro aspecto importante, o pensamento tomasiano e que tentamos aborda neste

trabalho de maneira simples e acessível, foi o tema do livre-arbítrio nas ações éticas do

indivíduo. Tal tema, se analisado mais profundamente, veremos que é onde culmina toda

a ética tomasiana. Por outro lado, não pudemos esquecer que Santo Tomás de Aquino

mostra a importância do divino no agir ético como fruto da iluminação da razão, mas ao

mesmo tempo coloca Deus, como sendo aquele Sumo Bem ofertado a razão e que pode

não ser aceito por ela, uma vez que se houvesse imposição não haveria livre-arbítrio no

homem. Assim sendo, o livre-arbítrio se dar dentro desta relação de oferta e recebimento9,

que se usado erroneamente pode conduzir o homem livremente ao pecado.

Portanto, o fundamento essencial de toda a ética tomasiana sustenta-se no fato de

que: sem os preceitos divinos o homem pode ser virtuoso10, mas não alcança a beatitude

e a felicidade, pois esta só é encontrada quando participamos da bem-aventurança de

Deus, sendo esse o fim último a que deve se dirigir o homem: ser bem-aventurado pela

participação da beatitude divina. Assim, o que Santo Tomás de Aquino pretende nos

ensinar com sua filosofia, é que o homem se encaminha naturalmente para este fim, que

é de sua natureza ser bom, mas somente as suas ações éticas, iluminadas pela graça divina,

farão com que ele seja um indivíduo bem-aventurado.

9 Este recebimento do que é ofertado se dar dentro da vontade, como já explicitamos acima. 10 Pela pratica das virtudes naturais expostas acima.

M

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

23

REFERÊNCIAS

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. I- II parte 1-48. 2ª edição. São Paulo: Loyola,

2009.

______. Suma teológica. I Parte. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 2009.

______. Suma teológica. I-II Parte 49-114. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 2009.

BENTO XVI. Catequeses sobre São Tomás de Aquino-2010. Disponível em:

<http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/it/audiences/2010/index.html>. Acesso em:

25 de maio 2015.

LIMA VAZ, Henrique C. Escritos de Filosofia IV: Introdução à Ética Filosófica I. 5ª

edição. São Paulo: Loyola, 1999.

SAVIAN FILHO, Juvenal. O tomismo e a ética: uma ética da consciência e da

liberdade. 2008. Disponível em: <http://www.saocamilo-

sp.br/pdf/bioethikos/64/177a184.pdf>. Acesso em: 23 de maio 2015.

REALE, Giovanni. História da Filosofia: patrística e escolástica – Vol. 2. Tradução:

Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.

24

SOBRE OS AUTORES

BRUNO DIAS DE LIMA

Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA)

e Graduando em Teologia pelo Centro Universitário Católica de Quixadá

(UNICATÓLICA), Seminarista da Diocese de Quixadá.

E-MAIL: [email protected]

ANTÔNIO BATISTA FERNANDES

Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em

Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Docência do Ensino

Superior pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). Licenciado

em Formação Pedagógica-Filosofia pela Faculdade do Meio Norte (FAEME) e Bacharel

em Filosofia pelo Instituto Filosófico Teológico Nossa Senhora Imaculada Rainha do

Sertão (IFTNSIRS).

E-MAIL: [email protected]

ANTÔNIO MARCOS CHAGAS

Doutorando em Ciências da Educação pela Universidade do Minho (UMINHO). Mestre

em Ciências da Educação pela Pontificia Università Salesiana (U.P.SALESIANA).

Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Centro Universitário Católica de

Quixadá (UNICATÓLICA), em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de

Brasília (UCB/DF), em Ensino Religioso pela (UCB/DF), e em Gestão Estratégica de

Instituição de Ensino Superior pela Faculdade Metropolitana de Fortaleza (FAMETRO).

É Graduado em Teologia pelo Instituto Teológico Pastoral do Ceará (ITEP) e em Ciências

da Educação pela (U. P. SALESIANA).

E-MAIL: [email protected]

25

A SABEDORIA NA CIÊNCIA NOVA DE

GIAMBATTISTA VICO: HISTÓRIA,

FÍSICA, COSMOGRAFIA E

GEOGRAFIA

Kátia Gardênia da Silva Coelho, Edilson Martins Rodrigues Neto

26

RESUMO Esta pesquisa objetiva expor a importância da história

poética como sendo o princípio de um saber que é

anterior ao conhecimento intelectual. A linguagem do

homem primitivo é aquela da fábula, uma simbologia

que faz transparecer através da sabedoria poética a

verdade histórica. A história poética surge dentro do

contexto da idade dos deuses e da idade dos heróis.

Segundo Vico a história ideal eterna faz parte do

universo humano, ou seja, em torno da história da

humanidade, visto que ela engloba todas as fases da

história humana. Dessa maneira, o filósofo pensa a

ciência nova à luz da divina providência

contemplando a simples natureza das nações, pela

qual procura uma articulação em torno da dimensão

prática voltada para os vínculos humanos, isto é, a

própria humanidade. Portanto, para o autor, é

partindo da relação com a história ideal e eterna que

a história humana se constitui e acredita em uma

providência divina. A ordem divina está presente no

homem em sua capacidade de escolher daquilo que o

homem conhece na história. Conforme a leitura de

Vico, quanto às duas idades (deuses e heróis), marca

toda a trajetória da história poética como sendo o

fundamento prévio de um conhecimento abstrato e

racional. Desse modo, manifesta outros traços da

metafísica poética pelos quais surgem a física,

cosmologia e a astronomia. Pretende-se dentro de

uma descrição do tema proposto, apresentar a

relevância desses saberes como possibilidade de uma

maior compreensão da história humana que se

estende até a atualidade.

PALAVRAS-CHAVE Poética. Sabedoria. Providência. História.

27

sta pesquisa objetiva expor a relevância da história poética como sendo o

princípio de um saber que é anterior ao conhecimento intelectual, visto que a

linguagem do homem primitivo é aquela da fábula, isto é, uma simbologia

que por trás revela a sabedoria poética, a verdade histórica. Entretanto, é preciso

primeiramente distinguir a história ideal eterna da história poética.

A história poética surge dentro do contexto da idade dos deuses e dos heróis,

enquanto que a história ideal eterna além de englobar estas duas idades (deuses e heróis)

também abarca a idade humana. Essa história ideal eterna faz parte do universo humano

elaborado pelo projeto de Vico em torno da questão da história da humanidade. Sendo

assim, deve-se percorrer o caminho traçado pelo filósofo sob a ótica da história ideal

eterna no que concerne ao universo humano para uma compreensão da história poética.

Pode-se entender a ciência nova partindo desse edifício ideal e eterno na

tentativa de conhecer o sentido universal e da forma como os povos das gentes

constituíram na história humana uma sabedoria poética com a pretensão de explicar as

coisas naturais e cívicas sem uso da atividade intelectual.

Dessa maneira, Vico pensa a ciência nova como sendo a metafísica à luz da

divina providência contemplando a simples natureza das nações em que procura fazer

uma articulação em torno da dimensão prática voltada para os vínculos humanos, isto

é, a própria humanidade. Percebe-se que o autor não se limita apenas a uma teoria do

conhecimento, pois seu discurso não é epistemológico, porém ele busca na erudição

uma orientação ética. Uma erudição que tratasse do prático e cívico, do qual pudesse

contribuir para o saber da história universal e, um saber que procurasse uma completude

entre filologia e filosofia.

Portanto, a orientação viquiana sobre a história pela síntese entre universal e

particular, entre abstrato e concreto, entre ideal e factual resultante da união entre esses

saberes. A filologia tem por finalidade dos fatos, que parte das instituições civis e

religiosas às várias linguagens, às mitologias, à poesia, em fim a tudo que se inscreve

E

1. INTRODUÇÃO

28

no âmbito do material documentário de natureza histórica, enquanto que a filosofia é a

sabedoria ideal, e ocupa-se do verdadeiro.

Segundo Vico, verdade e certeza, ideia e fato, devem-se entrelaçar até sua

conversibilidade, na medida em que, a filosofia elabora e oferece à filologia a

disponibilidade de se articular em várias dimensões. Sendo assim, possibilitando as

tradições serem compreendidas como expressão do vulgo, de seus costumes, crenças,

instituições e linguagem, uma vez que une língua e vida pelo qual não é possível

entender uma sem a outra.

Para o autor, é justamente partindo da relação com a história ideal e eterna que

a história humana se constitui acreditando na providência divina. Por meio da ação

humana, Deus age na história, isto é, nas entrelinhas através do livre-arbítrio (o poder

de decisão). Dessa forma, pode-se dizer que não há presença direta de Deus na história

do homem. A ordem divina está presente no homem em sua capacidade de escolher

daquilo que o homem conhece, já que tudo na história só acontece em função da

providência divina. Desse modo, compreende o aspecto cristão de Vico em sua obra

Ciência Nova11.

Seguidamente, partindo dos pontos apresentados, surge a questão da sabedoria

poética que de forma simbólica o homem procura esclarecer os fenômenos estranhos do

céu e da terra a fim de transmitir por meio da idade dos deuses e dos heróis o valor de

uma sabedoria de expressão coletiva do povo gentílico. Atribuir valor de explicação

através da simbologia, significa mergulhar no universo das paixões violentas e de

sentimentos originários do qual o canto é veículo de expressão. É o mundo divino pelo

qual os costumes são mesclados de religião que depois resultará na linguagem articulada

e racional posterior.

Conforme a leitura feita pelo autor referente às duas idades (deuses e heróis)

marca toda uma trajetória da história poética como sendo o fundamento prévio de um

conhecimento abstrato e racional. Desse modo, manifesta outros traços da metafísica

poética pelos quais surgem à física, a cosmologia e a astronomia. Destaca-se uma

descrição do tema proposto, a importância desses saberes em que possibilitem uma

maior compreensão da história humana.

11 Ciência nova, título da obra de Vico, significa essa nova ciência que pertence ao universo moral e

histórico em que o tema fundamental é essa natureza sociável do homem que faz compreender a realidade

humana e histórica.

29

história poética faz parte do projeto elaborado por Vico acerca da construção

do conceito de história ideal eterna para fazer a leitura da história humana,

percorrendo as diversas formas do pensar do homem primitivo em um mundo

cheio de simbologia relatado pelos primórdios da história. Tendo como ferramenta o

desvelar dos mistérios até então desconhecidos ao homem à imagem dos deuses e heróis.

A Concepção de história segundo Vico em sua obra A Ciência Nova trata de uma

história ideal eterna em que é produto do homem, isto é, o ser humano é aquele que

determina o seu curso na história e sofre as consequências de suas decisões no próprio

desenvolvimento na história. Entretanto, a providência divina se apresenta na história não

de forma milagrosa e nem vista como algo determinante, mas como valor e norma de vida

que está dentro do homem.

Portanto, história é aquilo que os homens pretendem que seja, embora

utilizassem dos meios e condições disponíveis aos mesmos. Desta maneira, Vico divide

a história em três fases: a era dos deuses, marcada pelos sentidos e impulsos das paixões

sem fazer uso da reflexão, a segunda, a era dos heróis, fortemente indicada pela força e

pelos feitos heroicos dos guerreiros e, por último a era dos homens, que tem sua marca o

uso da racionalidade.12

Os homens primeiros sentem sem se aperceber, depois se apercebem com

espírito perturbado e comovido, e, finalmente, refletem com a mente pura. Essa

dignidade é o princípio das sentenças poéticas, que são formadas com sentidos

e paixões e de afetos, diferentemente das sentenças filosóficas, que se formam

pela reflexão com raciocínio: por isso estas mais se aproximam da verdade,

quanto mais se elevam aos universais, e aquelas são tanto mais aceradas quanto

mais se apropriam dos particulares.13

Nessa perspectiva, a reflexão sobre a história ideal eterna apresentada de forma

breve, uma vez que se pretende percorrer no horizonte da história poética. Visto que a

história poética faz parte do universo ideal eterno, construído pelo pensamento viquiano

para compreender a complexa forma de expressão do homem primitivo. Através de um

12 Vico, G. A Ciência Nova. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999, p. 54. 13 Vico, G. A Ciência Nova. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999, p. 109.

A

2. A HISTÓRIA POÉTICA

30

saber poético imerso num mundo fantástico do imaginário humano para tratar das coisas

desconhecidas apontando para os deuses e heróis com a intenção de abstrair algo que

tenha relevância para a história humana, cujo edifício se constrói em conformidade com

a filologia e a filosofia.

A história poética está nas eras dos deuses e dos heróis revelando uma forma de

expressão através da linguagem dos gestos dotados de uma aguçada fantasia. Do qual

imaginavam divindades terríveis e castigadoras e devido ao temor as divindades passaram

a refrear os instintos, surgindo as famílias, ou seja, as primeiras ordens civis. Enquanto

que na era heroica revelada pela necessidade de se defender dos ataques inimigos, as

famílias sentem que é inevitável fazerem alianças entres os chefes de famílias inimigas

para poderem conter os ataques eternos.

Sendo assim, surge a oligarquia como forma de governo, resultando numa

sociedade dividida entre dominadores e escravos. Desse modo, as cidades que cultivam

as virtudes heroicas da piedade, da magnitude e fortaleza viviam em um universo violento

e eufórico devido às guerras, perante uma linguagem poética, metafórica.

Como se pode ver, há então um saber poético no homem primitivo que tem seu

valor, que reflete a infância do mundo empenhado em esclarecer as coisas humanas. A

história poética compreende-se pelo o horizonte percorrido do desejo de se explicar os

mistérios do céu e da terra. Desta forma, mostra a arte da humanidade para descrever a

verdadeira ordem de coisas humanas.

Partindo primeiramente daquilo que necessitam para desvelar o desconhecido,

ou seja, daquilo que a natureza lhe oferecia. Por exemplo, da simples necessidade de

alimento, do viver em comunidade. E depois buscar aquilo que lhe é útil, o pastoreio das

artes, das danças e assim por diante até chegar ao uso da reflexão e a forma de ver a

história hoje. Portanto, a história poética abre caminho para enveredarem-se por novos

mistérios a serem deslumbrados e desvelados, os conhecimentos da física, da cosmologia

e geografia.

31

a história poética seguem-se outros saberes da metafísica poética. Por meio

dos gestos mudos, das fábulas e mitos relatam a natureza poética que conta a

história dos povos gentios muito antigos. Os únicos meios de expressão de

comunicação eram os gestos, a imaginação, a fantasia, a simbologia para se observar o

movimento e agitação dos mistérios do céu e da terra.

Contudo, percebe-se a herança e a importância da sabedoria poética para o

homem primitivo. Disto decorre a física poética com o desejo de descrever a física do

mundo das nações. Através da linguagem poética com o intuito também de relatar algo

sobre a criação, o mundo da natureza e a contemplação da natureza do homem. Os poetas

teológicos ao tratarem a questão dos quatros elementos sagrados, o ar, a água, o fogo e a

terra abrem a possibilidade para que os físicos pudessem meditar estes elementos pelos

quais se compõe o mundo da natureza.

Quanto ao aspecto da dimensão da natureza do homem, Vico considera a partir

da física de grande valia ao gênero humano gentílico. Sendo assim, proporcionaram por

meio das religiões e dos impérios paternos subsídios para a formação do homem ao

conhecimento da anatomia e da alma. Neste sentido, os poetas teológicos, com rude

semblante viram no homem duas formas de sobrevivência, isto é, o aspecto do corpo e da

alma. Com o auxílio do saber poético pouco a pouco foram entrando no mistério humano

pelo qual se utilizaram das fábulas e mitos, dos contos heroicos para descreverem como

esse ser primitivo foi adquirindo conhecimento de si e da natureza.

Cada parte do corpo humano foi representada pelos poetas teólogos com a

simples linguagem da física poética criada das fantasias do universo imaginário do

homem primitivo. Assim como também relataram o universo da alma do mundo que

simbolicamente atribui-se ao ar. Isso porque segundo os poetas teólogos o ar é

considerado o veículo da vida.14

Outro ponto importante que pode ser destacado sobre o conhecimento da

natureza do homem é a questão do espírito considerado o veículo dos sentidos. Embora

14 Cf. Vico. Giambatista, Ciência Nova, p. 312.

D

3. FÍSICA POÉTICA

4.

32

que ainda compreendido não da maneira como compreende-se hoje. Porém, os

pressupostos para o conhecimento do espírito no sentido da capacidade racional que

começa a mostrar seus indícios na era dos homens. “E os poetas sentiam-no, mas não o

entendia [...]”15 Poderia dizer, portanto, que tais explicações levariam ao horizonte da

física poética pelo qual busca explicar a vida, os costumes dos povos primitivos que

desconheciam o uso da reflexão para interpretar as coisas desconhecidas ao homem.

Com naturalmente primeiro vem à invenção e depois o julgamento das coisas,

assim convinha à infância do mundo exercitar-se em torno da primeira

operação da mente humana, quando o mundo precisava de todas as invenções

para as necessidades e utilidades da vida, as quais foram todas providenciadas

antes de chegarem os filósofos, como mais plenamente o demonstraremos na

descoberta do verdadeiro Homero. Assim, pois, acertadamente os poetas

teólogos disseram que Memória é mãe das musas, as quais vimos como sendo

as artes da humanidade.16

Entretanto, Vico ao propor a importância da sabedoria poética quer na verdade

ressaltar o valor desse conhecimento que tanto foi posto de lado e esquecido. A história

poética tem muito para contribuir ao conhecimento racional atual, visto que

primeiramente vem à invenção para depois aparecer o julgamento das coisas, pois, assim

convinha à infância do mundo.17

15 Cf. Vico. Giambatista, Ciência Nova, p. 312. 16 Op. Cit, p. 313-314. 17 Op. Cit, p. 313.

33

s poetas teólogos contribuíram para uma cosmografia útil a física, na

proporção que o mundo era visto sob o olhar dos deuses que governavam tudo.

Nesse sentido, para buscar uma compreensão do mundo procuram contemplar

o céu, cuja as coisas diante dos gregos eram consideradas como sublimes. Disso resulta

uma espécie de adivinhação do trajeto das estrelas durante a noite.

Neste céu reinaram, primeiramente, na terra os deuses e praticamente com os

heróis, segundo a ordem da teologia natural, que acima se discutiu, começando

por Júpiter [...]. E desse céu, finalmente, tiveram que de cair os anais, ou

escudos, os romanos [...]. Das deidades infernais, em primeiro lugar os poetas

teológico fantasiaram as da água; e a primeira água foi a das fontes perenes,

que chamaram Estige, pelo qual juraram os deuses [...].18

A crença nas fábulas representa um marco muito relevante para a cosmografia,

no sentido de fornecer condições para o conhecimento das coisas da natureza como os

sepulcros, lugar onde eram sepultados os mortos. Donde os poetas chamam de sepulcros,

em que mais tarde foi interpretado como sendo as planícies e vales. Desse modo, poderá

perceber posteriormente pelos filósofos como algo oportuno para se meditar e explicar

suas coisas morais e metafísicas.19

E despertou Platão a entender as três penas divinas, dadas somente pelos

deuses e não pelos homens: a pena do esquecimento, da infância e os remorsos,

com os quais nos atormenta a má consciência; e que, pela via purgativa das

paixões da alma, as quais atormentaram os homens (que ele entende como

inferno dos poetas teólogos), entra-se na via unitiva, através da qual vai se unir

a mente humana com Deus, por meio da contemplação das eternas divinas

coisas (a qual ele interpreta como tendo sido compreendida pelos poetas

teólogos com seus Elpiseos).20

A história poética vem abrindo um leque de saberes, pelo qual se pode perceber

um conhecimento interpretado através da linguagem poética que alude à cosmografia

poética que procura desvendar os mistérios do céu. Sendo assim, busca interpretar as

estrelas que aos poucos começam a fazer descobertas e dá nomes a elas. Da contemplação

das estrelas descobre os pontos cardeais e destes desembocam para o conhecimento das

18 Vico. B, p. 320-321. 19 Op. Cit, p. 323. 20 Op. Cit, p. 323.

O

4. A COSMOGRAFIA POÉTICA

34

plantas, embora que sejam descritos da maneira poética como se fossem deslumbrar o céu

e seus mistérios.

A interpretação das coisas da terra dada pelos poetas por meio das fábulas, dos

deuses desvendam de maneira ingênua os acontecimentos da natureza. Por exemplo, os

terremotos, as nascentes e sobre o abismo entre céu e a terra. Tudo isso se reportando a

história poética que engloba a era dos deuses e dos heróis para desvendar tais coisas.

Essas três dignidades dão o princípio dos caracteres poéticos, que constituem

a essência das fábulas. E primeiramente demonstra o material inclinação do

vulgo ao fingir, e de fingir decoro. A segunda demonstra que os primeiros

homens, como crianças do gênero humano, não sendo capazes de formar os

gêneros inteligíveis das coisas, tiveram natureza necessidade de imaginar os

caracteres poéticos, que são os gêneros ou universais fantásticos, para

reproduzir como que a certos modelos, ou até retratos ideais, todas as espécies

particulares de cada gênero assemelhadas; por cuja semelhança, as antigas

fábulas não se podiam imaginar senão com decoro.21

As fábulas referem-se à questão da natureza da mente humana no

desenvolvimento da história. Para desvendar as coisas estranhas ao homem se utilizaram

das histórias bárbaras, dos mitos, das fábulas, ou seja, do fruto de sua imaginação e não

primeiramente da reflexão. Entretanto, tais saberes guardam uma verdade poética.

Pode-se conceituar de verdade a linguagem poética porque mostra como o

homem primitivo conhecia as coisas. Segundo Vico, “[...] é da natureza das crianças que

com as ideias e nomes dos homens, das mulheres e coisas que pela primeira vez

conheceram com essas ideias e com esses nomes aprendam e nomeiem todos os homens,

mulheres e coisas que têm as primeiras algumas semelhanças ou relação”.22

Contudo, do mundo dos poetas formou-se os quatros elementos civis, que depois

foram pelos físicos atribuídos como naturais, por exemplo: de Júpiter denomina-se o ar,

de Cibele a terra e posteriormente por Netuno foi conhecida as nações, tardiamente

desceram as costas e que chamam de Oceano todo o mar que rodeia a terra. Todavia, os

geólogos ao contemplarem toda a imensidão da terra, como uma grande ilha, circundada

pelo mar, e em fim, chamou todo o mar que cerca a terra de Oceano. E pelo mar, e em

fim, e finalmente, partindo das diversas formas sensíveis foi a que o universo passou a

ser denominado por mundo.

Portanto, a cosmologia poética é um saber que faz parte da história poética.

Desse modo, a cosmologia poética conduz ao desvelamento dos mistérios da natureza,

sejam eles do céu ou da terra que se complementam a cada saber que aqui se prossegue.

21 Op. Cit, p. 100. 22 Op. Cit, p. 107.

35

o caso da astronomia, encontramos um desenvolvimento da história poética

partindo da contemplação do céu de forma mais profunda em que se usa das

três erudições filológicas: “A primeira, que a astronomia nasceu da gente

caldeia; a segunda, que os fenícios levaram dos caldeus aos egípcios a prática do quadrado

e a ciência da elevação do polo; a terceira, que os fenícios, que tiveram de aprendê-lo,

antes dos próprios caldeus, levaram aos gregos os deuses afixos às estrelas”.23

Portanto, das três filológicas erudições, aponta-se “duas filosóficas verdades:

uma civil, que as nações, se não se libertaram numa última liberdade de religião [...], são

naturalmente impedidas de receber as divindades estrangeiras; a outra, física, que, por

engenho dos olhos, as estrelas errantes nos parecem maiores do que fixos”24 Dessa

maneira, os heróis, os hieróglifos, preparam para a astronomia mediante falácias sobre os

deuses ao darem nome às estrelas que antes não possuíam nomes.

Iniciando por uma astronomia vulga, dos primeiros povos que se pode falar de

uma história poética que deu aos astrônomos todo o suporte para interpretar os astros do

céu em que mais tarde se denominou de planetas. Diante do que fora meditado até agora

pode-se dizer que sob o julgo dos deuses e heróis foram às ferramentas necessárias

utilizadas por esses povos para interpretarem os astros, constelações e planetas do que

compreendem logo se vê a contribuição da história poética para o conhecimento da

astronomia.

23 Op. Cit, p. 326. 24 Op. Cit, p. 328.

N

5. A ASTRONOMIA POÉTICA

36

m concordância com essa astronomia poética, cede lugar a cronologia poética.

Pois Saturno, que pelo menos latinos apelidaram de satis e quanto aos gregos

chamaram cronos que possibilitaram um entendimento em que as primeiras

nações passam a enumerar os anos de acordo com as colheitas do trigo. Para Vico, há

uma relação com a história e a providência divina para que se possa explicar o significado

mais profundo da história humana, visto que o natural é produzido, a história.

O autor sustenta a necessidade de se abordar os fenômenos humanos em suas

dimensões históricas. Com isso, Vico pretende mostrar que é preciso investigar os modos

de compreensão das coisas, dos sentimentos e as atitudes das comunidades humanas

primitivas, pois possuem um valor para se compreender a história humana.

Outra questão apresentada pelo filósofo é a história fabulosa que começa pelo

Dilúvio. “E os dozes deuses maiores, começando por Júpiter, dentro desse curso em seus

tempos imaginados, sejam fixados por dozes minutas época”.25 Além disso, devem-se em

virtude da teologia natural, ver como fruto a cronologia poética meditada em que se

observam a constituição dos princípios da história universal.

A cronologia é regida pelos tempos com o progresso, os costumes e defeitos pelo

qual caminhou o gênero humano. Salvo que a ciência intitula a astronomia como sendo a

ciência dos astros, da adivinhação como colocada pela teologia do falar dos deuses nos

seus oráculos. Desta forma, iniciaram o chamado ano astronômico pelo qual não começou

dentro das nações, porém pouco ou nada tiveram influência para a história universal.

25 Op. Cit, p. 332.

E

6. CRONOLOGIA POÉTICA

37

geografia poética que pela natureza humana chamam de dignidades que pelo

homem faltava-lhe a iluminação para conhecer as coisas e que para

explicações se reportavam aos deuses. Entretanto, na infância da humanidade

eram possuidores de um saber poético para relatarem o surgimento das primeiras

comunidades, nações e costumes servindo de fundamento a história universal.

Desse modo, nasceu uma geografia poética dos povos antigos que deram os

nomes as cidades, aos montes, rios, mar, ilhas e aos continentes. Para poder evidenciar o

pequeno mundo da Grécia que surge a parte oriental, chamada Ásia ou Índia; a ocidental,

chamada Europa ou Hespéria e que assim por diante evidenciam os ventos cardeais em

sua geografia. “Esta verdade dos ventos cardeais é nos confirmada em grande extensão:

que as mentes gregas, amplamente se abrindo, do Olímpio, onde nos tempos de Homero

estavam os deuses, deram o nome de céu estrelado, que permaneceu”.26 Daí segue outras

descobertas como por exemplo a questão da imortalidade da alma e que com estes

mesmos princípios da geografia poética grega procuram desvendar as dificuldades da

história antiga.

Da mesma forma, pode-se falar da antiga geografia latina que por astúcia

espalham pelo mundo afora a fama da guerra troiana e dos heróis. Desse modo, percebe-

se um caráter poético das nações que observam coisas estrangeiras que não podem

explicar por si só revelando a necessidade de troca de experiências entre nações.

Com isso, as tradições vulgares possuem um caráter de verdade, já que

perpassaram toda uma época e que se conservaram por toda uma nação. Pode ainda citar

a chegada de Enéias a Itália e fundou em Alba a gente romana de que se originaram os

romanos. No entanto, as fábulas, os mitos, toda uma simbologia para se descrever a

evolução do gênero humano.

Tais coisas possuem um fundo de verdade, uma sabedoria poética cuja

importância demonstra que se formaram os sábios, num saber oculto pelo qual se descreve

26 Op. Cit, p. 338.

A

7. GEOGRAFIA POÉTICA

38

os princípios deste mundo de ciências, visto que somente depois vêm os raciocínios e

máximas. Portanto, foram esclarecidas pela reflexão que os poetas teólogos eram

portadores de uma sabedoria que lhes proporcionaram interpretar os fenômenos

desconhecidos através, dos mitos e fábulas sobre deuses e heróis.

39

ossa reflexão baseou-se na busca de um fio condutor entre os saberes

apresentados pelo o projeto viquiano sobre a história ideal eterna, ou seja,

aquilo que toca na questão da história poética e a contribuição desta sabedoria

não somente ao homem primitivo, mas também ao homem contemporâneo. Porém, com

um olhar diferente acerca da forma como o homem primitivo conhece as coisas humanas

e da própria natureza dentro do saber ingênuo, mas cheio de uma simbologia fantástica

para explicar as coisas até então desconhecidas ao homem.

Na análise viquiana diante da história humana percebe-se que como vai

constituindo a consciência do homem desde seus primórdios na busca de compreender as

coisas do céu, da terra e de si mesmo. O caminho para tal conhecimento não parte

primeiramente do racional, mas sim dos sentidos, da imaginação para depois se chegar ao

uso da reflexão.

Nisso podemos ver que Vico busca tratar de uma nova metafísica que seja criada

na própria história e, ao mesmo tempo, não se possa dizer que essa história ideal eterna

seja somente uma filologia no sentido em que procure separar cada coisa, mas busque

unir filologia e filosofia. Isto é, uma nova metafísica que pressupõe uma relação com as

coisas civis e traga consigo uma completude entre filologia e filosofia para dar

particularidade de cada uma àquilo que elas têm de universal.

Vico propõe uma ciência da sociabilidade que investiga os povos gentílicos, as

tradições, os costumes. Para ir como quem costura as várias formas do homem conhecer

as coisas desde seu estado considerado primitivo com a intenção de captar a necessidade

e utilidade da vida social. Segundo o autor, a poesia começou divina de uma metafísica

sentida e imaginada e que a origem da poesia coincide com o começo da civilização, visto

que está nítida na maneira da qual o homem primitivo interpreta os fenômenos naturais.

Vico trata da questão da sociedade civil vista no sentido da sociedade humana, num

sentido universal e não como na compreensão moderna.

N

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

40

O filósofo divide a história em três fases, as quais nos interessaram a era dos

deuses e dos heróis. Dessa maneira, a história poética aponta a articulação dos saberes da

física, da cosmologia, da astronomia e da geografia.

Para desvendar o jeito e os meios que o homem primitivo construía o saber sem

se reportar a reflexão, mas por meio da necessidade e da utilidade procurava interpretar

as coisas, para ele até então, desconhecidas. Entretanto, o homem entrou através dos

gestos mudos, das fábulas, dos mitos, da linguagem dos deuses e dos contos dos heróis,

todo um mundo imaginário fantástico, uma maneira para construir a história da

humanidade.

A atualidade do pensamento de Vico está na questão da valorização do homem

primitivo no sentido de que mesmo sem fazer uso da reflexão pouco a pouco vai

desvelando o mundo. Por natureza o homem é sociável e livre e ele é o protagonista da

história, em suma, o projeto da ciência nova trata dos fatos humanos, da história da

humanidade em função da organização social do homem.

41

REFERÊNCIAS

VICO, G. A Ciência Nova. Trad. Marco Lucchesi. Rio de Janeiro; Ed. Recod, 1999.

ETIENNE, G. História da Filosofia de Spinoza a Kant. Vol. 4. São Paulo; Paulus,

2005.

SOBRE OS AUTORES

KÁTIA GARDÊNIA DA SILVA COELHO

Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE (2012) e Bacharel em

Filosofia pelo Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (2009). É Bolsista da FUNCAP –

Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico. É professora

do Centro Universitário Católica de Quixadá – UNICATÓLICA. Membro dos grupos de

Pesquisa “&quot” e “Um olhar interdisciplinar sobre a subjetividade humana&quot”,

ligados ao CNPq, como também dos grupos de pesquisa “Edith Stein” e o “Círculo de

Gotinga”, da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. É coordenadora do grupo

de pesquisa interdisciplinar “Educação ambiental e justiça social”, do projeto de pesquisa

e extensão interdisciplinar, e membro do Grupo Espiral (Grupo Intercursos de Estudo,

Pesquisa e Extensão Saúde, Direito e Educação).

E-MAIL: [email protected]

EDILSON MARTINS RODRIGUES NETO

Doutor em Farmacologia (Farmacologia Clínica) pela Universidade Federal do Ceará

(UFC), Mestre em Farmacologia (Farmacologia Clínica) pela UFC e Bacharel em

Farmácia pela UFC. Possui Especializações em Farmacologia Clínica pelo Instituto

Ateneu, em Toxicologia Geral pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), em Gestão

da Assistência Farmacêutica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em

Biomedicina Estética pela UCAM e em Farmácia Clínica pela UniLeya. É professor dos

cursos de Farmácia e Psicologia do Centro Universitário Católica de Quixadá

(UNICATÓLICA). Diretor Suplente do Sindicato dos Farmacêuticos do Estado do Ceará

e Membro do Centro de Estudos em Atenção Farmacêutica e de Toxicologia no

Departamento de Farmácia da UFC.

E-MAIL: [email protected]

42

CENTRALIZAÇÃO DOS PROCESSOS

LICITATÓRIOS: UM ESTUDO DE CASO

EM UMA EMPRESA PÚBLICA NO

MUNICÍPIO DO INTERIOR DO

ESTADO DO CEARÁ

Douglas Willyam Rodrigues Gomes, Daniel Paiva Mendes,

Matheus Alves Pinheiro

43

RESUMO O presente estudo busca evidenciar a centralização

dos processos licitatórios realizados na Empresa

Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT no âmbito

de sua Administração Central – DF e sua Diretoria

Regional do Ceará a fim de mostrar quais impactos

estes vertem na Agência de Correios de Jaguaribe-

Ceará. Para consecução de tal objetivo é salutar

conhecer as legislações pertinentes à seara licitações.

Um dos objetivos específicos do presente trabalho é

estabelecer um liame existente entre as teorias dos

aspectos licitatórios referenciados em leis específicas

sobre a temática discutida, sobretudo analisar os

ditames preceituados na Constituição Federal de 1988

com as práticas destes na ECT. Para perseguir tal

objetivo a análise pormenorizada do Manual de

Licitações e Contratação da ECT – MANLIC foi

salutar, uma vez que aspectos processuais das

modalidades de licitação, sobretudo a concorrência

pública, a tomada de preços e o pregão foram

analisados em suas fases internas e externas a fim de

demonstrar os seus respectivos aspectos positivos e

negativos na agência de Correios de Jaguaribe – CE.

A metodologia consistiu em uma pesquisa qualitativa

exploratória, por assim entender que corresponderá o

melhor tipo de pesquisa para desenvolver

satisfatoriamente o tema da monografia. O

diagnóstico, por sua vez, elucidou como os aspectos

positivos e negativos reverbera na área de

atendimento e na área operacional da Agência em que

o estudo de caso foi realizado. Conclui-se, portanto,

que a modalidade pregão é mais célere e a mais

indicada para a Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos – ECT em seu âmbito global tendo em

vista seu procedimento invertido nas fases de

julgamento das propostas e habilitação, conferindo a

esta modalidade uma maior agilidade quando

comparada com as demais existentes.

PALAVRAS-CHAVE Legislações. Licitações Públicas. Centralização.

44

Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, conhecida por Lei de Licitações, possui o

objetivo crucial de disseminar princípios constitucionais, administrativos,

sobretudo ético-morais, tais como: princípio da legalidade, da impessoalidade,

da moralidade, da publicidade, da eficiência entre outros titulados em seu artigo 3º.

O surgimento da espécie legislativa supracitada justifica-se pelo fato de que em

tempos pretéritos, a administração pública patrimonialista tinha os bens públicos como

de interesse e uso de seus governantes. Segundo Sandroni (1987), o patrimonialismo é o

sistema de dominação política ou de autoridade tradicional em que a riqueza, os bens

sociais, cargos e direitos são distribuídos como patrimônios pessoais de um chefe ou de

um governante.

De acordo com Souza (1997), licitação é um procedimento administrativo

mediante o que a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o

contrato de seu interesse. Esse procedimento administrativo subordina órgãos da

administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as

empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas

direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios conforme o

parágrafo único do artigo 1º da lei de Licitações.

Considerando que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT está

subordinada diretamente aos preceitos da lei de licitações por ser uma empresa pública

federal levanta-se o seguinte questionamento da pesquisa: Quais impactos a centralização

dos processos licitatórios em sua Administração Central e na Diretoria Regional do Ceará

repercutem nos processos operacionais da Agência de Correios de Jaguaribe-Ceará?

A pretensão da presente pesquisa não é exaurir o conhecimento sobre o tema

Licitações tendo em vista que o assunto é vasto. O objetivo geral do presente trabalho é

evidenciar os impactos da centralização dos processos licitatórios na ECT, e tem como

objetivos específicos: conhecer os dispositivos constitucionais e legais que resguardam e

asseguram os ditames licitatórios; estabelecer o liame existente entre a teoria dos quesitos

licitatórios e o manual de Licitações da ECT; e contribuir para análise da repercussão da

A

1. INTRODUÇÃO

45

centralização das licitações da ECT na Administração Central e na Diretoria Regional do

Ceará.

Diante da caracterização da problematização, a escolha deste tema prende-se ao

fato de apresentar uma significativa contribuição para analisar, principalmente, os

processos licitatórios e operacionais desencadeados na ECT, bem como o legado de

conhecimento sobre a área pública, viabilizados pela exploração acadêmica nessa seara,

por assim entender que a magnitude do assunto emana conhecimento para a sociedade

como um todo, seja porque incita os cidadãos a práticas fiscalizatórias, seja porque

permite os mesmos a controlar e fiscalizar os procedimentos licitatórios realizados na

ECT de acordo com critérios que primem pela transparência da aplicação eficiente dos

recursos públicos a curto e longo prazo contribuindo para o desenvolvimento econômico,

social e político do Estado Brasileiro, por exemplo.

46

2.1 LICITAÇÕES PÚBLICAS

e acordo com Souza (1997) licitação é um procedimento administrativo

mediante o que a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa

para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através

de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para Administração e para os licitantes.

Isso propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e

moralidade nos negócios administrativos.

Prestes (2004) relata que a Licitação surgiu para satisfazer princípios de direito

administrativo previstos na Constituição, como: “Isonomia, legalidade, impessoalidade,

moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento

convocatório e julgamento”. (PRESTES, p. 15).

A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, Lei das Licitações e Contratos, ao

regulamentar o inciso XXI do artigo 37 da CF, estabeleceu normas gerais sobre licitações

e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade,

compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes dos Entes Federados.

De acordo com a legislação, os órgãos da administração direta, os fundos

especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de

economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União,

Distrito Federal, Estados e Municípios, subordinam-se ao regime da Lei nº 8.666/1993,

portanto estão obrigados a licitar.

É interessante ressaltar que toda licitação tem início com a definição do objeto

que se quer contratar. Em seguida, é necessário estimar o valor da contratação, por meio

de pesquisa de preços no mercado. Faz-se necessário, ainda, verificar a existência de

previsão de recursos orçamentários para o pagamento da despesa, em conformidade com

a Lei de Responsabilidade Fiscal. Definido o objeto e o valor estimado para a contratação,

deve ser adotada a modalidade de licitação adequada.

A comissão de licitação é criada pela Administração com a função de receber,

examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos ao cadastramento de

D

2. REFERENCIAL TEÓRICO

47

licitantes e às licitações nas modalidades concorrência pública, tomada de preços e

convite. Constituída por, no mínimo, três membros, sendo pelo menos dois deles

servidores qualificados, que pertencem aos quadros permanentes dos órgãos da

Administração responsáveis pela licitação.

2.2 MODALIDADE DAS LICITAÇÕES

Prestes (2004) relata que o que define a escolha da modalidade e do tipo de

licitação é a compra realizada e o valor total dos bens a serem adquiridos. Alguns produtos

ou serviços só podem ser adquiridos por uma modalidade específica, enquanto outros

podem ser comprados por diferentes sistemas.

Dentre as modalidades disponíveis na lei de Licitações tem-se: concorrência

pública, tomada de preços, convite, concurso, leilão. O pregão foi instituído na lei federal

10.520/02 e se configura na última modalidade de licitação prevista em legislações

brasileiras pertinentes.

48

desenvolvimento do presente estudo foi subsidiado por análises documentais,

consultas a sítios, pesquisas de campo, entre outras técnicas que se fizerem

necessárias, ou seja, o estudo será corroborado por revisão bibliográfica e

pesquisas qualitativo-exploratórias, por assim entender os métodos citados acima como

elementos irradiadores de embasamento teórico para fundamentação do objeto de estudo

do trabalho ora pesquisado. Quanto aos fins, recebe a classificação de pesquisa qualitativa

exploratória.

Conforme Gil (1999), as pesquisas exploratórias têm como objetivo

proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito

ou a construir hipóteses.

Para realização, também foi desenvolvida uma pesquisa de natureza qualitativa

por permitir uma aproximação maior com a realidade investigada e ser mais adequada à

elucidação do objeto em estudo. O aspecto qualitativo fornece à pesquisa uma abordagem

mais profunda.

O

3. METODOLOGIA

49

4.1. CARACTERIZAÇÕES

Empresa Brasileira de Correios e Telegrágos tem sede em SBN - Quadra 01 -

Bl. A - Ed. Sede ECT - Brasília - DF - CEP 70002-900, no entanto o estágio

foi desenvolvido na Agência de Jaguaribe situada à Rua Savino Barreira, 623,

Centro, Jaguaribe-Ce, CEP: 63.475-000, inscrita sob o C.N.P.J: 34.028.316/2401-71,

responsável por prestar serviços de Correios e promover a bancarização das pessoas de

baixa renda fadadas a exclusão social, e por conseguinte, sua inserção na sociedade

fomentando com isso a distribuição de renda no País; viabilizada através da parceria

bancária com o Banco do Brasil desde o ano de 2012. Os Correios, atualmente

desenvolvem duas grandes atividades e prestam serviços públicos, atuando como

correspondente bancário. É a quinta maior empresa em termos de empregabilidade,

contando com um corpo funcional de aproximadamente 120.000 (cento e vinte mil)

colaboradores admitidos em sua grande maioria através da realização de concurso

público, uma vez que existem também terceirizados em atividades- meio.

A Visão dos Correios é ser uma empresa de classe mundial. Sua missão é

fornecer soluções acessíveis e confiáveis para conectar pessoas, instituições e negócios

no Brasil e no mundo, os Correios querem mostrar ao mundo que são uma empresa

dinâmica e preocupada em atender as necessidades e anseios dos seus clientes. E, assim,

se comprometem em oferecer produtos e serviços de qualidade que atendam plenamente

os interesses da sociedade, cumprindo o compromisso de pontualidade e segurança com

a promoção da integração sem fronteiras. Seus valores estão pautados na Ética,

Meritocracia, Respeito às pessoas, Compromisso com o cliente e Sustentabilidade. Os

Correios acreditam e praticam os seguintes princípios de acordo com o Código de Ética

dos Correios em Anexo 36: gerenciamento da conduta ética dos empregados dos correios:

Ética na transparência em seus relacionamentos e em boas práticas de governaça;

Meritocracia, pela valorização dos empregados por seu conhecimento e competência;

Respeito às pessoas, com tratamento justo e correto à força de trabalho;

A

4. RESULTADOS

50

Compromisso com o cliente, garantindo o cumprimento da promessa de eficiência de

seus produtos e serviços;

Sustentabilidade, buscando sempre o equilíbrio entre os aspectos sociais, ambiental e

econômico, respeitando as pessoas, a sociedade e meio ambiente.

Para persecução dos princípios referenciados acima, os Correios precisam adotar

procedimentos licitatórios que garantam a observância do princípio constitucional da

isonomia com o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para a ECT, a qual será

processada e julgada com observância aos princípios básicos da legalidade, da

impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade

administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, da

eficiência e dos que lhe são correlatos.

4.2. DIAGNÓSTICO

4.2.1. CONCORRÊNCIA PÚBLICA

Nesta modalidade são desenvolvidas duas fases: a interna e a externa. A fase

interna para ser concluída, necessita serem desencadeadas as etapas de requisição de

despesa, projeto básico e minuta de edital. A fase externa, por sua vez, requer a publicação

do edital, a qualificação dos licitantes, o julgamento das propostas, a homologação e a

adjudicação.

No âmbito da ECT são desenvolvidas as fases supracitadas, pertinente se faz

caracterizar suas vantagens e desvantagens para a Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos em âmbito global e sua repercussão para Agência de Correios de Jaguaribe.

Para tal, optou-se por um quadro em que constarão as fases interna e externa com suas

respectivas vantagens e desvantagens evidenciadas em aspectos positivos e negativos.

51

Quadro 1 – Quadro de análise da fase interna da modalidade de concorrência pública.

ETAPAS DO

PROCESSO

ASPECTO

POSITIVO

ASPECTO

NEGATIVO 1. Requisição de despesa. Levantamento das necessidades

da ECT em âmbito geral.

Demora no levantamento dessas

necessidades.

2. Projeto Básico.

Descrição dos elementos de forma

precisa, suficiente e clara do

objeto a ser contratado pela ECT.

Necessidade de profissionais

especializados na área do projeto

básico.

3. Minuta de Edital.

Controle exarado por áreas

competentes da ECT.

Decurso de prazo considerável para

emissão de parecer favorável por

partes das áreas de controles da ECT.

Fase Interna - Aspecto positivo e negativo da modalidade concorrência pública.

Fonte: Autoria própria, (2015).

Quadro 2 – Quadro de análise da fase externa da modalidade de concorrência pública.

ETAPAS DO

PROCESSO

ASPECTO

POSITIVO

ASPECTO

NEGATIVO 1. Publicação do Edital.

Viabilização de

participação de vários

fornecedores e escolha da

proposta mais vantajosa

para ECT.

Intervalo mínimo de prazo de 30

dias podendo chegar até 45 dias

dependo da técnica escolhida.

2. Habilitação.

Análise de documentações

comprobatórias de todas as

empresas licitantes quanto à

habilitação jurídica,

qualificação técnica,

qualificação econômico-

financeira e regularidade

fiscal.

Decurso de tempo significativo

nesta etapa para conferência das

documentações de todas as

empresas licitantes.

3. Julgamento das

propostas.

Escolha da proposta mais

vantajosa para ECT.

Apresentação de recursos e

impugnações por parte dos

licitantes demandando prazo para

julgamento destes.

4. Homologação.

Lisura e correição ao

certame por parte da

autoridade competente da

ECT.

Revisão de todo processo

licitatório a fim de verificar a

lisura antes da homologação

demandando prazo.

5. Adjudicação. Contratação entre a ECT e o

licitante vencedor.

Não interesse do licitante

vencedor em assinar contrato com

a ECT. Fase Externa - Aspecto positivo e negativo da modalidade de concorrência pública.

Fonte: Autoria própria, (2015).

Conclui-se, portanto, que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ao

realizar o certame na modalidade concorrência pública, cumprem com requisitos

constitucionais e infralegais, como também os preceitos de seu manual de licitação e

contratação-MANLIC.

52

4.2.2. TOMADA DE PREÇOS

No anexo 1, módulo 1 e capítulo 2, alínea e do MANLIC recomenda-se a

modalidade tomada de preços como modalidade de licitação remanescente, ou seja,

quando a modalidade concorrência pública e pregão não puderem ser realizadas.

Essa modalidade apresenta a fase interna e a fase externa. A fase interna, é

composta das etapas de requisição de despesa, do projeto básico e da minuta de edital. A

fase externa, por sua vez, consiste no desembocar das etapas de publicação do edital,

habilitação dos licitantes, julgamento das propostas, homologação e adjudicação. A

análise dos aspectos positivos e negativos se apresentam nas mesmas configurações da

modalidade anterior, a saber:

Quadro 3 – Quadro de análise da fase interna da modalidade tomada de preços.

Fase Interna - Aspecto positivo e negativo da modalidade tomada de preços.

Fonte: Autoria própria, (2015).

ETAPAS DO

PROCESSO

ASPECTO

POSITIVO

ASPECTO

NEGATIVO 1. Requisição de despesa. Levantamento das

necessidades da ECT em

âmbito geral.

Demora no levantamento

dessas necessidades.

2. Projeto Básico.

Descrição dos elementos de

forma precisa, suficiente e

clara do objeto a ser contratado

pela ECT

Necessidade de profissionais

especializados na área do

projeto básico.

3. Minuta de Edital. Controle exarado por áreas

competentes da ECT

Decurso de prazo considerável

para emissão de parecer

favorável por partes das áreas

de controles da ECT.

53

Quadro 4 – Quadro de análise da fase externa da modalidade concorrência pública.

ETAPAS DO

PROCESSO

ASPECTO

POSITIVO

ASPECTO

NEGATIVO 1. Publicação do

Edital.

Viabilização de participação

de vários fornecedores e

escolha da proposta mais

vantajosa para ECT.

Intervalo mínimo de prazo de 30

dias podendo chegar até 45 dias

dependo da técnica escolhida.

2. Habilitação.

Análise de documentações

comprobatórias de todas as

empresas licitantes quanto à

habilitação jurídica,

qualificação técnica,

qualificação econômico-

financeira e regularidade

fiscal.

Decurso de tempo significativo

nesta etapa para conferência das

documentações de todas as

empresas licitantes.

3. Julgamento das

propostas.

Escolha da proposta mais

vantajosa para ECT.

Apresentação de recursos e

impugnações por parte dos

licitantes demandando prazo para

julgamento destes.

4. Homologação.

Lisura e correição ao certame

por parte da autoridade

competente da ECT.

Revisão de todo processo licitatório

a fim de verificar a lisura antes da

homologação demandando prazo.

5. Adjudicação. Contratação entre a ECT e o

licitante vencedor.

Não interesse do licitante vencedor

em assinar contrato com a ECT.

Fase Externa - Aspecto positivo e negativo da modalidade concorrência pública.

Fonte: Autoria própria, (2015).

4.2.3. PREGÃO

A modalidade em questão conta com duas fases, quais sejam a fase interna e a

fase externa. A requisição de despesa, projeto básico e minuta de edital compõem as

etapas da fase interna. A externa, por sua vez, é desencadeada pelas etapas de publicação

de edital, julgamento das propostas, habilitação, homologação e adjudicação.

Infere-se a característica da celeridade, por exemplo, da modalidade pregão

diante a análise do rito processual da fase externa desta quando comparada com outras

modalidades de licitação, tendo em vista que a etapa de julgamento das propostas ocorre

antes da etapa de habilitação.

Essa inversão de etapas em que se julga primeiramente as propostas dos

participantes para escolha da mais vantajosa para a Administração e somente depois

procede-se a fase de habilitação, confere vantagens tais como: abreviação dos prazos para

54

formulação das propostas, simplificação do procedimento com a inversão das etapas,

ocorrendo primeiro o julgamento e depois a habilitação, analisando-se documentos

somente do licitante vencedor.

Para tal será oportuno caracterizar as etapas da fase interna bem como as etapas

da fase externa da modalidade em questão, analisando a realidade da ECT em seu âmbito

geral e a repercussão dessa modalidade na Agência de Correios de Jaguaribe-CE, a saber:

Quadro 5 – Quadro de análise da fase interna da modalidade pregão.

ETAPAS DO

PROCESSO

ASPECTO

POSITIVO

ASPECTO

NEGATIVO 1. Requisição de despesa. Levantamento das

necessidades da ECT em

âmbito geral.

Demora no levantamento

dessas necessidades.

2. Projeto Básico.

Descrição dos elementos de

forma precisa, suficiente e

clara do objeto a ser

contratado pela ECT.

Necessidade de profissionais

especializados na área do

projeto básico.

3. Minuta de Edital.

Controle exarado por áreas

competentes da ECT.

Decurso de prazo

considerável para emissão de

parecer favorável por partes

das áreas de controles da

ECT. Fase Interna - Aspecto positivo e negativo da modalidade pregão.

Fonte: Autoria própria, (2015).

55

Quadro 6 – Quadro de análise da fase externa da modalidade pregão.

ETAPAS DO

PROCESSO

ASPECTO

POSITIVO

ASPECTO

NEGATIVO 1. Publicação do Edital.

Viabilização de participação de

vários fornecedores e escolha da

proposta mais vantajosa para

ECT.

Não identificado.

2. Julgamento das

propostas.

Escolha da proposta mais

vantajosa para ECT de forma

mais célere, tendo em vista

inversão dessa etapa.

Impugnação de recursos dos

licitantes não vencedores

demandando prazo para

julgamento destes.

3. Habilitação.

Análise de documentações

comprobatórias de todas as

empresas licitantes quanto à

habilitação jurídica,

qualificação técnica,

qualificação econômico-

financeira e regularidade fiscal

somente do licitante escolhido

na fase de julgamento das

propostas.

Não identificado.

4. Homologação. Lisura e correição ao certame

por parte da autoridade

competente da ECT.

Revisão de todo processo

licitatório a fim de verificar a

lisura antes da homologação

demandando prazo.

5. Adjudicação. Contratação entre a ECT e o

licitante vencedor.

Não interesse do licitante

vencedor em assinar contrato

com a ECT. Fase Externa - Aspecto positivo e negativo da modalidade pregão.

Fonte: Autoria própria, (2015).

A ECT adota preferencialmente a modalidade pregão eletrônico em seus

processos licitatórios por apresentar inúmeras vantagens a empresa, sobretudo em termos

de celeridade nos certames, tendo em vista a inversão das etapas de julgamento das

propostas e habilitação.

56

icitação é um procedimento administrativo mediante o qual a Administração

Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. O

presente trabalho evidenciou sistematicamente os impactos da centralização dos

processos licitatórios na ECT, desencadeados em sua Administração Central no Distrito

Federal e a repercussão pormenorizada destes em uma de suas unidades, qual seja a

Agência de Correios de Jaguaribe.

O Estudo de Caso evidenciou a centralização dos processos licitatórios

realizados na ECT em sua Administração Central- AC e na Diretoria Regional do Ceará

e, por conseguinte os impactos que esse fato representa na Agência de Correios de

Jaguaribe-CE.

Conclui-se, portanto, a relevância e magnitude que a seara licitações representa

no setor público, sobretudo na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos por ser uma

empresa pública da Administração Indireta Federal. Comprovou-se através deste estudo

a centralização de seus processos licitatórios na Administração Central- AC e em sua

Diretoria Regional do Ceará-DR/CE e, por conseguinte que impactos essa centralização

repercute na Agência de Correios de Jaguaribe-CE.

L

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

57

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 3.555, de 8 de agosto de 2002. Aprova o Regulamento para a

modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços

comuns. Disponível em: <http:planalto.gov.br>. Acesso em: 27 de mar. 2015.

_______. Lei 10.520/02, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União,

Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da

Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição

de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Poder Executivo, Brasília, DF,

17 de julho de 2002. 181º da Independência e 114º da República. Disponível em:

<http://www.comprasnet.gov.br/legislacao/leis/lei10520_02.htm>. Acesso em: 04 de

abr. 2015.

_______. Lei 8.666/93, de 21 de junho de 1993. Estabelece normas gerais sobre

licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços (inclusive de

publicidade), compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Poder Executivo, Brasília, DF, 21 de

junho de 1993. 172° da Independência e 105° da República. Diário Oficial da União de

22/06/1993 e Republicação em 24/06/1994. Disponível em: <http://www.comprasnet.gov.br/noticias/noticias1.asp?id__noticia=6>. Acesso em: 21

de abr. 2015.

Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005. Regulamenta o pregão, na forma

eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências.

Disponível em: <https://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 27 de mar. 2015.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.

Acesso em: 25 de mar. 2015.

MAURANO, Adriana. A instituição do pregão para aquisição de bens e contratação

de serviços comuns. Teresina, 2004. Acesso em: 02 de abr. 2015.

MEIRELLES, Hely Lopes. “Direito Administrativo brasileiro”. 30. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005, p. 18. Acesso em: 03 de abr. 2015.

MERRIAM, S. B. Qualitative research and case estudy applications in education.

JosseyBass Publishers: San Francisco, 1998. Acesso em: 25 de mar. 2015.

PRESTES, Cristine. Guia Valor Econômico de Licitações: por Cristiane Prestes,

Henrique Gomes Batista. São Paulo: Globo, 2004. Acesso em: 30 de abr. 2015.

SITE CORREIOS. Código de Ética. Disponível em:

<http://www.correios.com.br/sobre-correios/a-empresa/quem-somos/codigo-de-etica>.

Acesso em: 31 de mar. 2015.

58

SOBRE OS AUTORES

DOUGLAS WILLYAM RODRIGUES GOMES

Doutorando em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará

(UECE). Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)

e em Gestão de Segurança Pública e Defesa Civil pela Faculdade Metropolitana de

Fortaleza (FAMETRO). É Bacharel em Administração pela Universidade Federal do

Ceará (UFC) e Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Ceará

(UECE). Coach pelo Institute of Coaching Professional Association (ICPA)/ Harvard

Medical School/ Sociedade Latino Americana de Coaching (SLAC).

E-MAIL: [email protected]

DANIEL PAIVA MENDES

Mestrando em Administração pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Especializações em Docência na Educação Profissional nos Níveis Básico e Técnico pelo

Instituo Federal do Ceará (IFCE), em Gestão Pública pela Universidade Estadual do

Ceará (UECE) e MBA em Gestão Financeira e Controladoria pelo Centro Universitário

Estácio do Ceará (Estácio FIC). É Bacharel em Administração de Empresas pela

Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e professor Universitário do Centro

Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

MATHEUS ALVES PINHEIRO

Atualmente é Pós-graduando em Gestão Financeira Controladoria e Auditoria pelo

Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). Bacharel em Ciências

Contábeis pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

59

DIREITO E MORAL: UMA ANÁLISE

DO PENSAMENTO DE HANS KELSEN

Monique Ellen da Silva Chaves, Carlos Breno Evangelista Girão,

Francisco José Mendes Vasconcelos

60

RESUMO Este trabalho possui a finalidade de fazer uma análise

sobre os aspectos que distinguem o Direito e a Moral

como agentes de controle social segundo a

perspectiva de Hans Kelsen. Esta abordagem é de

suma importância para buscar compreender as

principais características desses agentes que regulou

desde os tempos primitivos e continua até hoje

monitorando a conduta dos indivíduos em sociedade.

Ambos, assim como a religião e a etiqueta, utilizam-

se da norma para estabelecer os princípios que serão

consagrados pela sociedade. No entanto, o Direito e a

Moral distinguem-se entre si quanto ao seu modo de

atuar, suas funções, seu poder de coerção etc. O

presente artigo aborda o conceito de controle social,

bem como suas características e os outros agentes de

controle social, também faz a conceituação do Direito

e da Moral e seus seguintes aspectos, e faz uma alusão

a teorias que mostram o grau de relação entre esses

dois agentes, sendo aprofundado o estudo sobre o

pensamento de Hans Kelsen, de grande importância

para a Filosofia Jurídica, abordando sobre a teoria da

não interferência ou círculos independentes, no qual

será apresentada a visão desse autor sobre esses dois

agentes de controle social.

PALAVRAS-CHAVE Interação. Direito. Moral.

61

om as mais diversas e complexas relações na sociedade, os indivíduos sempre

estiveram e estão constantemente sujeitos a regras de condutas que tem o mister

de amoldar o comportamento dos seus membros. Isto é denominado de controle

social. Ele age visando o monitoramento dos indivíduos, utilizando de vários institutos

que existem para concretizar tal missão, qualificados por um potencial aglutinador e

constante, utilizando a norma como um artifício para o cumprimento desses valores

estabelecidos.

O direito e a moral são alguns destes agentes utilizados pela sociedade para

imprimir seus padrões consagrados. Portanto, estes institutos compartilham a função de

controle social, mas, como se verá neste trabalho científico, distinguem-se entre si: quanto

ao seu modo de agir, sua função, seu poder de coerção etc.

Ao comprovar que Direito e Moral são dois sistemas de normas diversos, Kelsen

depara-se com as possíveis relações que se estabelecem entre tais sistemas. Verifica-se

que a interação entre Direito e Moral pode ser analisada através de dois ângulos diversos:

aquela que deve ser e aquela que de fato é. E que segundo este jurista, não é possível

distinguir apenas Direito e Moral através do critério que define a interioridade (Moral) e

exterioridade (Direito) da conduta humana.

Várias teorias foram criadas no intuito de explicar esta interação do Direito

versus Moral, na tentativa de entender a importância da separação entre esses dois

campos. Através de uma pesquisa bibliográfica estudar-se-ão algumas dessas teorias

visando esclarecer melhor a distinção entre esses dois campos de atuação do controle

social, sendo apresentado com maior exatidão neste trabalho a teoria de Hans Kelsen.

Portanto, apresentar-se-á neste artigo uma análise descritiva sobre o Direito e a Moral

segundo a visão de Hans Kelsen.

C

1. INTRODUÇÃO

62

erá abordado neste capítulo de forma precisa o controle social e as suas

características, o processo para ocorrer este controle, bem como os agentes e suas

peculiaridades. Este controle social exerce um monitoramento nos indivíduos

desde os tempos das grandes civilizações permanecendo até os dias atuais, apresentando

uma grande evolução histórica.

Dotado de um instrumento normativo para obter êxito quanto a sua função, este

controle social dispõe de agentes, como é o caso do Direito e da Moral, que variam quanto

ao lugar de atuação, sua intensidade e coercibilidade no meio social e etc. Tratar-se-á em

seguida, o processo pelo qual a sociedade amolda e acompanha o comportamento dos

seus membros, fazendo-os se conformarem com os padrões consagrados por esta

sociedade.

2.1. HISTÓRICO

Em tempos atrás, as grandes civilizações exerciam o controle social, através da

religião, costumes e, também, por via do Direito, pressionando seus membros mediante

seus códigos e leis. Essas sociedades também eram influenciadas no controle de seus

indivíduos pela Moral que cada uma de suas culturas continha.

Na antiga Babilônia, por exemplo, em meados de 1694 a.C., o Código de

Hamurabi mantinha o controle social através de seu caráter coercitivo, pressionando e

punindo aqueles que transgrediam suas normas.

“O código se refere a todos os aspectos da vida social e tratam de assuntos

como agressões, delitos, casamentos, transmissão de herança, venda ou

locação de animais e remuneração de artesãos e de outros especialistas”.

(Código de Hamurabi).

Em 620 a.C., em Atenas, na Grécia, através do legislador Drácon, foi constituído

o primeiro Códigos de leis ateniense, o qual manteve o controle social mediante suas

normas jurídicas. Contudo, entre 594 – 593 a.C., esse código foi substituído pelo Código

de Sólon, outro legislador ateniense. Cujo foi responsável pela introdução do princípio

do direito penal: sobre a distinção entre os diversos tipos de homicídio: voluntário –

S

2. CONTROLE SOCIAL

63

homicídio involuntário e em legítima defesa., político ateniense do século IV a.C., disse

que “as leis de Drácon tinham sido escritas com sangue e não com tinta”. As leis eram

tão severas que os atenienses as aboliram, não por algum decreto, mas apenas deixando

de cumpri-las (WOLKMER, 2001).

Na Idade Média, com a fragmentação social, a Igreja mantinha a unidade

religiosa, política e cultural. Assim, em nome da fé, ela ditava os trâmites da sociedade

e exercia também o controle social. De tal maneira que, os desordeiros eram torturados

e mortos nas forcas e fogueiras, no período da Inquisição.

Entretanto, somente no período da Idade Moderna, a Igreja descentralizou essa

força coercitiva e passou a depender somente do Estado. Com isso, a Igreja passou a

manter o controle social através da Moral religiosa (WOLKMER, 2001).

No Brasil, inicialmente o controle social era exercido diretamente pelo Estado,

chegando ao ápice no período militar ditatorial, de tal maneira que toda infração às

normas jurídicas, eram punidas pela força coercitiva estatal. Contudo, na atualidade,

o controle social se evidencia, sobretudo, das demandas de democratização da

sociedade, durante a ditadura militar, no final da década de 1970 e início da década

de 1980. A Constituição Federal de 1988 foi um marco da democratização e início de

um novo período do controle social no Brasil (NÓBREGA, 2007).

2.2. CONCEITO

Historicamente, o conceito de controle social apresentou duas formas de

abordagem. Tanto é empregado para designar o controle do Estado sobre a sociedade

assumindo várias modalidades e conteúdos, considerando as especificidades dos modos

de produção e os regimes políticos, quanto para designar o controle da sociedade (ou de

setores organizados na sociedade) sobre as ações do Estado referindo-se à participação

social na concepção e o controle de políticas públicas em contextos democráticos. Nesse

sentido, o termo controle social está intrinsecamente articulado à democracia

representativa, que assegura mecanismos de participação da população na formulação,

deliberação e fiscalização das políticas públicas.

O controle do Estado sobre os indivíduos ocorre tanto por aparatos jurídicos e

políticos assim como por processos culturais e educativos. À medida que foi nascendo no

homem o desejo de interação com os outros indivíduos, surgiu a necessidade de

constituir-se uma sociedade. Todavia, com o desdobramento dos conflitos, foi almejando-

64

se a ordem entre os indivíduos. Logo, os costumes, a religião, a etiqueta e a moral, assim

como o Direito, tornaram-se institutos de controle social utilizados pelo Estado e pela

própria sociedade (NÓBREGA, 2007).

O termo controle social tem origem na sociologia, a qual tem a função de

estabelecer os agentes que introduzem a ordem na sociedade, submetendo esses

indivíduos a valores que regulam o comportamento dos indivíduos por meio da imposição

de regras e sanções dispostas por esta mesma sociedade. Conforme, o prof. José Flóscolo

da Nóbrega (2007) ressalta que: “O controle social é definido como um processo pelo

qual a sociedade amolda o comportamento dos seus membros, fazendo-os se

conformarem com os padrões consagrados por esta sociedade”.

De acordo com o professor Flóscolo da Nóbrega (2007, p. 67), o controle social

é dotado de uma coesão interna, que se caracteriza por uma força aglutinadora e contínua,

o grupo social conserva os paradigmas, devido a uma pressão coagida a todos os

indivíduos, fazendo-os agirem de maneira uniforme, expurgando toda resistência

contrária a este controle.

Os indivíduos mediante as suas concepções, passa a determinar o que será

considerado correto e incorreto nas relações sociais. Para que as pessoas se adaptem aos

modelos impressos pela própria sociedade, o controle social utiliza um instrumento que

apresenta uma força aglutinadora, e embora varie de sociedade, esta força de coesão

permanece contínua.

Para buscar a pacificação social, o controle social age impondo regras de conduta

e sanções que irão trazer segurança e o cumprimento das funções sociais pelos membros

da sociedade. Mannheim (1971, p. 178) define controle social como o “conjunto de

métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista

manter determinada ordem”.

O indivíduo passa a ter conhecimento do controle social, e ver a necessidade de

respeita-lo. Pois sem a imposição de normas, a comunidade ficaria a mercê da

indisciplina, do desrespeito, aumentando os atritos entre a sociedade. Um exemplo é

imaginar o crescimento da população, a ausência de sinais de trânsito regulando o tráfego

de veículos. O principal objetivo do controle social é manter a ordem, viabilizando a

formação de sociedade, trazendo paz, segurança e justiça.

65

2.3 INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL

Para alcançar equilíbrio e harmonia na sociedade, o controle social utiliza um

artifício para alcançar esse alvo. Esse artifício são normas, cuja finalidade é de suma

importância para estabelecer regras de condutas e sanções.

O Sociólogo Spagnol (2013, p. 56) destaca:

Assim, o social mantém um controle sobre as ações dos indivíduos. Esse

controle ainda pode ser considerado formal e informal. O controle informal é

a punição que o indivíduo sofre por não se comportar segundo as normas e

valores criados socialmente. O controle formal é a própria lei. São

instrumentos que se aplicam quando o comportamento do indivíduo ultrapassa

os limites impostos pelo social e fere de alguma forma o que foi estabelecido.

O instrumento normativo irá atuar em campos diferentes, agindo de acordo com

cada agente específico do controle social, apresentando uma variação entre o Direito, a

Moral, a Religião e na Etiqueta. É através do poder coercitivo e repreensivo da norma que

ela se torna mais eficiente, incitando os indivíduos para execução das regras e princípios

sociais. Assim, é notória a extrema dependência para o controle social, essa característica

imperativa da norma, para a vigência do equilíbrio societário.

As palavras de José Eduardo Faria (1988, p. 127) são pertinentes a esse respeito:

[...] a coerção pode ser física ou simbólica. Ela é física quando emanada de um

poder hierarquicamente organizado e localizado nas instituições formais do

Estado. E é simbólica quando inerente às interações sociais presentes na

família, na fábrica, no escritório, na escola, na igreja, no clube etc. Enquanto a

coerção física é centralizada pelo poder jurídico-político, isto é, pela repressão

monopolizada pelo Estado e disciplinada sob a forma de leis e códigos, a

coerção simbólica entreabre um feixe aberto de relações de força produzidas

nas menores unidades do sistema social e expressas sob a forma de práticas

religiosas, tradições familiares, regulamentos de clubes, regimentos de escolas,

sistemas de organização e métodos nas fábricas etc. Ou seja: a coerção está

associada a um vasto poder informal, invisível e indistinto, móvel e múltiplo –

em suma: sem localização específica.

Portanto, faz-se necessário a distinção dos graus de coerção, podendo encontrar

normas de organização sem estar atreladas a sanções, como as normas de etiquetas; e

normas de caráter essencialmente punitivo, como por exemplo, as leis de trânsito que

possuem medidas administrativas e penais.

2.4. AGENTES DE CONTROLE SOCIAL

Existem quatro agentes de controle social que agem relacionando-se diretamente

com a função normativa, mas que diferem quanto aos quesitos de fundamento, finalidade,

origem e coercibilidade para garantir o funcionamento do controle social (FIUZA, 2003).

66

O Direito é um dos principais responsáveis e até um dos mais poderosos agentes

de controle social. Utiliza-se de uma norma jurídica rigorosa, com caráter coercitivo e

bilateral, garantindo a segurança, ordem e eficiência da vida social.

A Moral também é um bastante importante para gerar a harmonia na sociedade,

contanto a mesma age através da intimidação, estimulando melhor o uso da consciência,

se preocupando com a vida interior das pessoas.

A etiqueta e a religião também são agentes bastante influentes na sociedade. A

etiqueta estabelece regras que são feitas pela própria coletividade, buscando o bom

convívio. No entanto, a religião utilizando a fé como artifício para o controle social, busca

a felicidade eterna entre seus indivíduos, apresentando regras de pouca coercitividade.

Bertioli (2008, p. 8-9) afirma que:

O direito não visa ao aperfeiçoamento interior do homem; essa meta pertence

à moral. Não pretende preparar o ser humano para uma vida supraterrena,

ligada a Deus, finalidade buscada pela religião. Nem se preocupa em incentivar

a cortesia, o cavalheirismo ou as normas de etiqueta, campo específico das

regras de trato social, que procuram aprimorar o nível das relações sociais.

Cada agente de controle social tem o seu alvo específico e bem definido. Os

mesmos podem em algumas situações, dependerem um do outro para terem mais

coercibilidade na imposição das suas normas, para facilitar a obediência pelos indivíduos,

garantindo assim a pacificação social (FIUZA, 2003).

2.5. PROCESSO DO CONTROLE SOCIAL

Para que ocorra o processo de controle social, os agentes sociais escolhem a

norma, que vai variar de acordo com a da gravidade do conflito, para serem impostas aos

cidadãos. Como um ciclo contínuo, independente do local e tempo, a regra sempre é a

mesma. Escolhe o agente, depois a norma e consequentemente, a mesma deverá ser

imposta para os indivíduos que irá promover uma mudança entre eles.

Figura 1 - Quadro representativo do processo aglutinador do Controle Social.

Fonte: autores, (2015).

SELECIONA AS NORMAS

• AGENTE

Imposta aos Cidadãos

• NORMA

Com apoio do Grupo

Social

• CONTROLE SOCIAL

• AMOLDAÇÃO

67

Direito e a Moral, tidos como uns dos principais agentes de controle social

apresentam grande eficácia na sociedade e impõe princípios que são seguidos

de forma reiterada pelos indivíduos. Esses agentes dividem características

entre si, mas apresentam detalhes que são peculiares de cada um.

Será exposto neste capítulo sobre as características que os distinguem, para que

não haja erros sobre o campo de atuação de cada um deles, pois os mesmos são de grande

importância para manter o controle social e os princípios que são inseridos por eles.

3.1. MORAL

Moral tem sua origem no latim, que vem de “mores”, significando costumes. O

instituto limitador da Moral tem existido todo o sempre, pois é da natureza humana

possuir consciência Moral que o conduz a fazer a distinção entre o bem e o mal no

contexto em que vive (NÓBREGA, 2007). Surgindo realmente quando o homem passou

a fazer parte de agrupamentos, isto é, surgiu nas sociedades primitivas, nas primeiras

tribos e permanece até os dias de hoje.

A moral trata dos costumes, hábitos e valores aceitos por uma determinada

sociedade. Por isso, é incorreto afirmar que existe somente uma moral e sim várias, pois

ela muda de acordo com a cultura de uma determinada sociedade.

Corroborando com esta vertente Vázquez (2007, p. 84) ao citar Moral como um,

“[...] sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual é regulamentado

as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal

maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam

acatadas livres e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma

maneira mecânica, externa ou impessoal”.

Uma das características da Moral é a unilateralidade, pois suas regras são

simplificadas, produzindo somente deveres, e o que se espera dos indivíduos é a

obediência as suas regras, que irá influenciar a sua consciência, fazendo uma clara

distinção entre o certo e o errado (FIUZA, 2003).

O

3. DIREITO E MORAL COMO AGENTES DE

CONTROLE SOCIAL

68

Os preceitos da Moral foram criados pela própria sociedade, o que deixou para

os indivíduos a opção de escolher em seguir ou não as regras estabelecidas. É um

princípio de Moral estipular uma conduta espontânea dos membros da sociedade.

Embora, essas normas da Moral sejam impostas, ela não possui um caráter punitivo para

os que não obedecem a suas regras (BENTHAM apud SANTOS, 2013).

3.2. DIREITO

A palavra "direito" vem do latim directus, a um "que segue regras pré-

determinadas ou um dado preceito", do particípio passado do verbo dirigere. Assim,

nasce o Direito, podendo inicialmente ser entendido como um conjunto de normas que

visam garantir a manutenção da paz social, que luta pela convivência harmônica e pelo

bem estar social, visando sempre à justiça entre a comunidade (FIUZA, 2003).

Inicialmente, o Direito busca reestabelecer o equilíbrio social, interferindo

diretamente nas condutas humanas, pondo limites à atuação do homem, seja através da

imposição de obrigações, seja através de sanções. O Estado, pessoa jurídica de Direito

Público, politicamente organizado, concebe através do Direito, princípios reguladores da

vida em sociedade.

Uma das principais e mais marcantes características do Direito é sua

coercibilidade. Nesse aspecto, como o Direito é heterônomo, pois é posto por terceiros

aquilo que juridicamente é obrigado a cumprir. Kant, o primeiro pensador a trazer à luz

essa nota diferenciadora afirmando ser a Moral autônoma e o Direito heterônomo. Desse

modo, ocorre que o sujeito possui a necessidade e a obrigação de obedecer às regras e os

deveres, por isso o caráter bilateral. Caso contrário, esse mesmo indivíduo será

pressionado pelos agentes de controle social, e consequentemente punido. Na mesma

observância, ressalta-se exterioridade do Direito. Assim, cabe a esse agente manter o

controle exterior aos indivíduos, visando o monitoramento apenas das ações praticadas

(FIUZA, 2003).

69

xistem quatro teorias desenvolvidas que apresentam uma análise crítica

abordando as principais diferenças entre o Direito e a Moral, como agentes de

controle social. Tais teorias, ainda que possam ser complementares ou

contraditórias, servem de auxílio para perceber o campo de atuação do Direito e da Moral

nessa agência de controle.

4.1. TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO OU DOS CÍRCULOS CONCÊNTRICOS

Exposta pelo filósofo inglês Jeremy Bentham e desenvolvida adiante por Georg

Jellinek, a teoria do Mínimo Ético retrata que o Direito corresponde apenas ao mínimo de

regras Morais obrigatórias para a sobrevivência da sociedade. O mundo do Direito é

menor do que o mundo da Moral, pois o Direito não é algo variado da Moral, mas faz

parte desta. Essa teoria se resume basicamente em “tudo o que é jurídico é moral, mas

nem tudo o que é moral é jurídico”, sendo a Moral uma base para a formação do Direito

(REALY, 2002).

Teoria dos Círculos Concêntricos ou do Mínimo Ético desenvolvido por Georg Jellinek.

Fonte: Autores, (2015).

O Direito será apenas um agente para facilitar o cumprimento do mínimo dos

preceitos morais básicos, porque relacionando o Direito com a Moral, os princípios

morais irão apresentar um caráter mais coercitivo, impondo a obediência pelos

MORAL

DIREITO

E

4. ANÁLISE DISTINTIVA ENTRE DIREITO E MORAL

COMO AGENTES DE CONTROLE SOCIAL

70

indivíduos. Pois o que ocorre é uma influência da Moral na criação das normas do Direito,

ou seja, ele constantemente irá apresentar um caráter ético.

Para Miguel Reale, essa teoria é ultrapassada, pois existem assuntos que não são

morais, mas que fazem parte do campo jurídico. Como esse autor declara: “Uma regra de

trânsito, como, por exemplo, aquela que exige que os veículos obedeçam à mão direita, é

uma norma jurídica. Se amanhã, o legislador, obedecendo a imperativos técnicos, optar

pela mão esquerda, poderá essa decisão influir no campo moral? Evidente que não”

(REALE, 2002, p. 42).

O campo da Moral segundo o Jellinek abordaria todos os campos do Direito.

Mas, há atos jurídicos que não abordam os princípios da Moral, assim como existe

campos da Moral que não estão vinculados ao mundo jurídico. Segundo Reale (2002, p.

40) “Há, portanto, um campo da Moral que não se confunde com o campo jurídico. O

Direito, infelizmente, tutela muita coisa que não é moral”.

4.2. TEORIA DA SEPARAÇÃO TOTAL

Thomasius, um jurista alemão, buscou apresentar uma diferenciação entre

Direito e Moral, relacionando com o que ele chamou de foro íntimo e foro externo.

Segundo Fernández-Galiano (2001), Thomasius elucida na sua doutrina de separação

entre Moral e Direito, a afirmação de que a obrigação jurídica é essencialmente coativa:

como o direito regula as ações externas e somente o externo pode chegar a ser objeto da

coação (questões de ética pública), somente essa obrigação é coativa, sem que a coação

possa, em câmbio, alcançar ao foro íntimo da consciência, que é onde se produzem os

atos regulados pela Moral (questões de ética privada). Para ele a Moral é um conjunto de

regras que conduz a esfera íntima do ser humano, regulando o indivíduo através do uso

correto da consciência, no qual seria o foro íntimo.

É o que observa Miguel Reale (p. 54):

“O Direito, dizia ele, só deve cuidar da ação humana depois de exteriorizada;

a Moral, ao contrário, diz respeito àquilo que se processa no plano da

consciência. Enquanto uma ação se desenrola no foro íntimo, ninguém pode

interferir e obrigar a fazer ou deixar de fazer. O Direito, por conseguinte, rege

as ações exteriores do homem, ao passo que as ações íntimas pertencem ao

domínio especial da Moral. A moral e o Direito ficavam assim totalmente

separados, sem possibilidade de invasão recíproca nos seus campos, de

maneira que a liberdade de pensamento e de consciência recebia, através de

doutrina engenhosa, uma tutela necessária”.

71

Todavia, o Direito atuando no foro externo, tem a responsabilidade de regular

externamente os comportamentos humanos. A teoria da Separação Total afirma que não

há nenhum ambiente que componha normas jurídicas e normas morais ao mesmo tempo,

ou seja, elas não convivem.

Contanto, essa teoria condiz com os pensamentos do século XVIII, no período

da abordagem do iluminismo. A Separação total cria dois campos totalmente distintos

entre o Direito e a Moral, fazendo-se pensar que os dois não agem dependentemente,

como ocorre em algumas situações (REALY, 2002).

Em alguns momentos, no qual o foro íntimo é importante para o Direito, como

no Direito Penal, por exemplo, para a configuração do crime doloso e culposo, examina-

se a intenção do agente; no Direito Civil a anulabilidade dos atos jurídicos está ligada, em

grande parte, ao exame da intenção (dolo, erro, coação ou fraude). Por outro lado, a Moral

não se satisfaz somente com a boa intenção; ela exige a prática do bem, intimidando a

agir de maneira correta, através da ação consciente dos atos.

4.3. TEORIA DOS CÍRCULOS SECANTES

Outra teoria que apresenta uma relação entre Direito e Moral é a teoria dos

Círculos Secantes do jurista francês Claude Du Pasquier. Ele defende que existe um plano

de intercessão entre os círculos do Direito e da Moral, porque existe um campo de

competência comum onde há regras com qualidade jurídica e que têm caráter moral.

Teoria dos Círculos Secantes desenvolvida por Pasquier.

Fonte: Autores, (2015).

Existem casos que as normas que faz parte do Direito e que não é parte da moral,

e aspectos morais que não estão normatizados. Essa teoria dos Círculos Secantes é a que

mais se aproxima da concepção real da relação entre Direito e Moral, mostrando que

DIREITO MORAL

72

existem normas jurídicas de caráter moral, mas que também existem normas jurídicas

meramente alheias ou até contrárias a moral.

73

m grande jurista filósofo, Hans Kelsen, abordou a teoria da Não Interferência

ou teoria dos Círculos Independentes, afirmando que os planos da Moral e do

Direito não interferem, ou seja, são totalmente independentes. A visão de

Kelsen afasta a pretensão de esses campos estarem sempre unidos, pois como o Direito

apresenta um grande poder coercitivo, ele por si só consegue impor suas normas e fazer

os indivíduos cumprirem. Ora, isso significa que a validade de uma ordem jurídica

positiva é independentemente da sua concordância ou discordância com qualquer sistema

moral (KELSEN, 1999). Direito é Direito e Moral é Moral:

Teoria dos Círculos Independentes ou da Não Interferência abordada por Hans Kelsen.

Fonte: Autores, (2015).

Ocorre que em algumas situações o Direito e a Moral se interferem. Contanto,

cabe aos envolvidos no conflito, decidirem se ocorra influência desses dois campos ou

não. A lei seca, por exemplo, tem todo um princípio jurídico, mas também aborda valores

morais, pelo fato de preocupar-se com o risco da vida do próximo, quando um indivíduo

dirige alcoolizado.

Ao definir o Direito como norma, Kelsen pretende constituir um objeto

específico da ciência jurídica, mas ao lado das normas jurídicas, existem outros tipos de

normas sociais que regulam a conduta dos homens entre si. Todavia, Hans Kelsen (1999,

p. 01) pretende “garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste

conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa,

rigorosamente, determinar como Direito”.

DIREITO MORAL

U

5. HANS KELSEN: UMA ANÁLISE DA TEORIA DA

NÃO INTERFERÊNCIA OU DOS CÍRCULOS

INDEPENDENTES

74

Existem doutrinadores que buscam diferenciar o Direito da Moral negando

caráter social a esta, argumentando haver normas morais que prescrevem condutas do

homem apenas em face de si mesmo, Kelsen (1999) contrapõe que essas normas só

surgem na consciência de homens que vivem em sociedade e que, portanto, ainda que

imediatamente digam respeito ao homem, mediatamente referem-se aos membros da

comunidade. Do mesmo modo, não se pode negar o caráter social que possui o Direito.

Tanto a Moral quanto o Direito não teriam sentido para um indivíduo que vivesse isolado.

A Moral e o Direito não podem ser distinguidos apenas no que se refere à

conduta a que suas normas obrigam os homens. Também é insuficiente fazer a diferença,

frequentemente seguida, de que a Moral prescreve uma conduta interna e que o Direito

uma conduta externa.

Kelsen (1999, p. 68) assim se expressa:

A virtude moral da coragem não consiste apenas no estado de alma de ausência

de medo, mas também numa conduta exterior condicionada por aquele estado.

E, quando uma ordem jurídica proíbe o homicídio, proíbe não apenas a

produção da morte de um homem através da conduta exterior de um outro

homem, mas também uma conduta interna, ou seja, a intenção de produzir um

tal resultado.

Para ele, as normas jurídicas e as normas morais determinam tanto condutas

internas como as condutas externas. O próprio Kelsen afirma que uma conduta apenas

pode ter valor moral quando não só o seu motivo determinante como também a própria

conduta corresponda a uma norma moral, e que a norma de uma Moral, que apenas se

refere aos motivos da conduta externa, é imperfeita ou incompleta.

Para Hans Kelsen (1999, p. 36):

“[...] dizer que o Direito é uma ordem coativa não significa - como às vezes se

afirma - que pertença à essência do Direito "forçar" (obter à força) a conduta

conforme ao Direito, prescrita pela ordem jurídica. Esta conduta não é

conseguida à força através da efetivação do ato coativo, pois o ato de coação

deve precisamente ser efetivado quando se verifique, não a conduta prescrita,

mas a conduta proibida, a conduta que é contrária ao Direito. Precisamente

para este caso é que é estatuído o ato coativo, que funciona como sanção.”

Para Kelsen, o que essencialmente diferencia as duas ordens é a forma como

suas normas prescrevem ou proíbem uma determinada conduta humana. O Direito, como

uma ordem de coação, procura obter determinada conduta ligando à conduta oposta um

ato de coerção socialmente organizado. Já as sanções morais apenas consistem na

aprovação/desaprovação da conduta conforme ou não às suas normas, sendo incompatível

o emprego da força física.

75

Kelsen (1999, p.74) dá ênfase quando diz que “a questão das relações entre

Direito e Moral não é uma questão sobre o conteúdo do Direito, mas uma questão sobre

a sua forma”. O que realmente há de comum a todos os sistemas morais é a sua forma de

dever - ser, ou seja, o caráter de norma.

Desse modo, quando se diz que o Direito é, por sua essência, moral, isso deve

ser entendido quanto à forma (dever - ser) de norma social que estabelece determinada

conduta como devida (devendo - ser). Devido a isso, não é correto, segundo Kelsen

(1999), dizer que o Direito não é apenas norma por também corporizar um valor, já que

o Direito constitui um valor precisamente pelo fato de ser norma. Norma e valor são

conceitos correlativos.

Kelsen (1999, p. 76) conclui que “a validade de uma ordem jurídica positiva é

independente da sua concordância ou discordância com qualquer sistema de Moral”. O

Direito positivo vale, ainda que contrarie uma ordem moral (dentre as muitas possíveis).

Só uma Moral válida em todos os tempos e lugares, que para Kelsen não existe, seria

capaz de fornecer um padrão seguro para que fosse negada validade a um ordenamento

jurídico que a contradissesse.

76

ortanto, conclui-se que sempre foi e continua sendo essencial para a sociedade,

a presença de agentes que estabeleçam normas para garantir a ordem entre os

indivíduos. Esse controle social vai variar com o tempo e no espaço, mas nunca

deixará de exigir o cumprimento dos seus limites estabelecidos, seja nas sociedades mais

primitivas ou nas grandes sociedades.

Os agentes de controle social diferem entre si, pois cada um precisa adaptar-se

para o seu lugar de funcionamento. A Etiqueta, utilizando o bom convívio como

fundamento, impõe suas regras para os indivíduos de forma heterônoma e incoercível,

buscando trazer a felicidade social. Não tão menos importante, mas bastante conhecida

pelo seu caráter controlador, a Religião tendo a fé como justificativa, pretende garantir a

felicidade eterna, operando por meio de valores originados por meio de forças superiores,

para impor como os seus seguidores devem agir.

O Direito e a Moral, ainda que sejam confundidos por terem suas semelhanças,

apresentam divergências notórias para o distanciamento. O Direito baseado no respeito,

busca a pacificação social, no qual os seus princípios nos são impostos pelas instituições

jurídicas, possuindo um caráter extremamente coercitivo. A Moral, tenta por meio do

controle da consciência, mostrar para os indivíduos como se deve comportar no meio

social, assegurando a felicidade interior, por meio da determinação de preceitos

autônomos.

É essencial para o esclarecimento sobre essas duas áreas, o conhecimento das

teorias que abordam o Direito e a Moral. A Teoria do Mínimo Ético defende que as

normas morais mais relevantes, são transformadas em normas jurídicas. O Direito

corresponderia ao mínimo de regras morais. A Teoria da Separação Total explica que não

há um ponto de acordo entre esses dois campos, pois o Direito está relacionado ao

comportamento externo, enquanto a Moral com a esfera íntima. A Teoria dos Círculos

Secantes, uma espécie de síntese das outras teorias, afirma simplesmente que o conjunto

das normas morais é parcialmente coincidente com o conjunto das normas jurídicas, há

um plano de interseção entre os círculos do Direito e da Moral.

P

6. CONCLUSÃO

77

Kelsen defende na sua Teoria da Não Interferência, que os planos da Moral e do

Direito não interferem entre si, tendo cada um o seu campo próprio e autônomo. A Moral

e o Direito não podem ser distinguidos apenas no que se refere à conduta a que suas

normas obrigam os homens. É pacífico que o Direito e a Moral são parte de diferentes

espécies do sistema normativo, no entanto, a distinção entre Moral e Direito não habita

naquilo que ambas proíbem ou estabelecem, senão em como elas prescrevem como deve

ou não ser determinada conduta humana e ainda defende a separação entre Direito e

Moral, apesar de o Direito positivo equivaler a um dos sistemas de Moral dentre os vários

possíveis.

78

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<https://www.passeidireto.com/arquivo/2287468/resumo-teoria-dos-circulos-de-miguel-

reale>. Acesso em: 21 de maio de 2015.

SOBRE OS AUTORES

MONIQUE ELLEN DA SILVA CHAVES

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

CARLOS BRENO EVANGELISTA GIRÃO

Graduando em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

FRANCISCO JOSÉ MENDES VASCONCELOS

Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Direito

Internacional pela Universidad Autônoma de Assuncion (UAA). Especialista em Direito

Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Planejamento Educacional pela

Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É Bacharel em Direito pela UFC e

Licenciado em Ciências pela UECE.

E-MAIL: [email protected]

81

MARTÍRIO E PENA DE MORTE

Marcos Augusto Ferreira Nobre

82

RESUMO Esta pequena pesquisa tem por objetivo indagar as

fontes literárias e históricas do pensamento ocidental

cristão a respeito de dois temas complementares,

mesmo se em polos opostos. Sem pretensão de

exaustividade, pinçar-se-á elementos pontuais, mas

representativos da máxima realidade dramática da

existência humana, a saber, a morte, no encontro de

duas das suas circunstâncias mais paradoxais: a pena

de morte e o martírio. O único evento irrevogável da

execução capital se presta a duas leituras conflitantes,

de acordo com o grupo de interesses a que pertence,

reivindicando ambos a sua legitimidade. Concentrar-

se-á no início da era cristã, contexto em que se

construiu a correspondente noção de martírio, sem

perder de vista, por um lado, o valor da interpretação

atual da temática da pena de morte, e, por outro, o

esforço da reconstrução histórica, evitando ao

máximo o anacronismo e buscando introduzir o leitor

nos valores de outra época. Espera-se com esta

metodologia chegar ao resultado de uma reflexão

histórica capaz de iluminar a questão moderna, sem

forçar conclusões, mas nem mesmo isentar-se do

posicionamento ético. O leitor não confunda o objeto

material (temática do martírio), só em aparência

religioso, com o objeto formal (abordagem

filosófica), que se coloca, não no âmbito teológico,

mas na interseção entre Direito e Filosofia.

PALAVRAS-CHAVE Ética. Pena de Morte. Cristianismo Antigo.

83

uando Heiddegger definiu o homem um “ser para a morte” (Martin Heidegger,

Ser e Tempo 45; CAVALCANTE, 2000, v. 2, p. 12), certamente, não tinha em

mente a pena de morte, mas a fertilidade filosófico-maiêutica da maior fatalidade

humana: seu impreterível desfecho. A morte se apresenta como aquela realidade da qual

o ser humano não pode escapar, embora ainda não tenha se rendido totalmente a isso. Em

sua tentativa de fuga deste destino inevitável, se manifesta a força da razão, mas também

da fé, em suas diversas modalidades religiosas. Os homens e as mulheres enfrentam todos

os dias a morte, desde que entraram a fazer parte deste mundo hostil, hoje em maior ou

menor grau de periculosidade, a depender da localização geográfica, no centro ou na

periferia, socialmente falando, seja em nível local, de bairros e cidades, seja em nível

global, de países e hemisférios. Esta capacidade de olhar a morte nos olhos, e permanecer

vivos, confere a estes animais particularmente racionais, e religiosos, um quê de

imortalidade, de transcendência. Por outro lado, como disse Hobbes parafraseando

Plauto: homo homini lupus (o homem é um lobo para o seu semelhante). O poeta italiano

Roberto Benigni (Transmissão televisiva Rai 1, 15 e 16 de dezembro de 2014, às 20:30,

hora de Roma), ao explicar o quinto mandamento, ironiza maximamente, como no papel

dos israelitas diante da proposta do decálogo por Moisés, perguntando: como pode

alguém proibir o homicídio, como é possível viver sem matar os semelhantes quando se

faz necessário? De fato, continua, ironizando, não há norma mais prevaricada que esta. O

ser humano sempre matou o seu semelhante e chegou ao maior dos horrores – sempre

parafraseando o poeta – fez disso uma lei; de certa forma, somos todos assassinos junto

com o Estado, na pena de morte. Cabe-nos, neste pequeno trabalho, investigar a aplicação

desta lei nos primeiros cristãos.

Q

1. INTRODUÇÃO

84

martírio, na própria etimologia do termo, tem sua origem na dramática

experiência dos primeiros cristãos (RORDORF, 2002, p. 895). Tornar-se

mártir significava assumir a causa de Cristo até o extremo sacrifício,

conformando-se completamente ao divino mestre. O paradoxo existencial de Cristo,

espírito vivificador (I Cor. 15,45) que morre para dar a vida (Jo 12, 24), é perpetuado nos

cristãos mártires, tornados eles mesmos testemunhas de que este é o caminho da

unificação com o Senhor. É possível que, pouco antes da redação dos evangelhos, a morte

de Cristo tenha sido vista como ápice do processo de glorificação do Filho do homem,

sem, necessariamente, recorrer à ressurreição, em linha com uma tradição judaica

sapiencial de que o justo não morre (NICKELSBURG, 2006, p. 67-68). A morte é

redimensionada para aplicar-se não aos justos, mas tão somente aos injustos. Este

metassentido do conceito de morte desloca-se, tanto da experiência da morte física em

direção à sua espiritualização, como da idealização da morte espiritual para a negação da

morte física. Nesta perspectiva, os próprios cristãos, ou, pelo menos, parte deles, passam

a alimentar uma expectativa de que não precisariam de ressurreição (I Cor 15, 12.51-54)

porque eles mesmos não morreriam (RIESENFELD, 1961, p. 44). Se de um lado temos

o mártir que aceita configurar-se à morte de Cristo, para com ele ressuscitar, de outro

temos a instituição da Pena de Morte no Império Romano aplicada aos cristãos.

A impreterível relação entre Pena de Morte e Martírio Cristão é estabelecida,

embora não tenha esta dimensão para as autoridades romanas, já na condenação de Cristo

por obra do governador Pôncio Pilatos (Mt 27, 2.11-26). Este processo permaneceu até

hoje no imaginário e nos escritos do cristianismo mundial. Até as palavras do governador

vieram a fazer parte das nossas culturas ocidentais, como “eu lavo as minhas mãos”. Jesus

não foi vítima de um linchamento popular, nem de um assassinato programado, mas foi

réu em um processo, foi denunciado e respondeu diante de um magistrado romano.

Ninguém questionava a injustiça daquele processo, a não ser o fato de que o réu era

inocente. O governador romano tinha o direito e o dever de condenar à morte Jesus, caso

ele fosse realmente um criminoso e tivesse, de fato, se colocado contra César. Pilatos,

mais de uma vez, questiona a qualificação dos acusadores, pois este era um elemento

O

2. MARTÍRIO CRISTÃO E PENA DE MORTE NA

ANTIGUIDADE

85

importante no processo. A primeira coisa que identifica é a falta de fundamentos da

acusação. Embora seja uma causa entre pares – todos os envolvidos, acusados e

acusadores, eram judeus e não cidadãos romanos – a motivação da acusação não se

enquadrava no direito romano, senão como perturbação da ordem pública. Isto seria

suficiente se estivesse claro que Jesus fosse a causa de tal perturbação. Na interpretação

do evangelista João, Pilatos tende a identificar o fato como mais uma querela a respeito

da religião judaica e procura remeter o caso de Jesus às autoridades religiosas (Jo 18,31).

O delito, então, que os acusadores defendem contra Jesus diante de Pôncio Pilatos é o de

laesae maiestatis. Jesus teria se colocado contra César e, neste caso, seria aplicável a Pena

de Morte. O destino de Jesus estava nas mãos do governador, enquanto não era cidadão

romano, mas Paulo, em seu processo, pôde apelar para César (At 22, 27-28; 25, 10-11).

O julgamento do cidadão romano era mais rigoroso e ele tinha sempre a possibilidade de

recorrer a uma instância maior até chegar no próprio imperador. Agripa, influenciado com

a oratória de Paulo, gostaria de beneficiá-lo, mas devia levar o caso até César (At 26, 32).

Gostaríamos de concluir a parte neotestamentária da nossa investigação fazendo

referência ao conselho de Jesus aos cristãos perseguidos de mudarem cidade (Mt 10, 23).

Jesus toca um elemento importante do direito romano: a jurisdição. Em nossa sociedade,

as leis criminais são válidas em todo o território nacional. Não é preciso forçar muito a

memória para lembrar, nos filmes hollywoodianos, que determinados infratores podem

se livrar das penas mudando de estado. No caso do Império Romano, uma condenação

valia para a jurisdição de um governador romano. As próprias perseguições aos cristãos,

mesmo quando promulgadas pela autoridade Imperial, só entravam em vigor por ação

dos governadores. Dessa forma, podemos identificar cristãos perseguidos em uma região

e favorecidos em outra, no mesmo período.

Qual era, no entanto, a principal culpa dos cristãos? Há uma teoria baseada na

informação, do II século, que encontramos em Justino (Apologia I 35) e Tertuliano

(Apologeticus 5,3; 21,24), de que Pôncio Pilatos teria enviado um relatório sobre a

condenação de Jesus ao Imperador Tibério. A partir desse relatório, que teria sido enviado

no ano 35, contendo o fenômeno do obscurecimento do sol por ocasião da morte de Jesus

e do desaparecimento do seu corpo, o Imperador teria submetido ao senado uma petição

de divinização de Cristo, que possivelmente poderia ser oficializado como deus pela

referida instituição romana. O resultado, no entanto, teria sido negativo, rejeitando a

divinização de Jesus e declarando o cristianismo religio illicita (BARZANÒ, 1996, p. 21-

24). É interessante que a motivação principal, segundo esta teoria, do relatório de Pilatos

86

seria o excesso cometido por Caifás de condenar à morte Estevão, o primeiro mártir

cristão. Este ato foi, certamente, uma prevaricação do direito romano que reservava a

pena capital aos tribunais romanos, mesmo dando ampla autonomia às autoridades locais

(BARZANÒ, 1996, p. 21-22).

O cristianismo não era a única religião ilícita do Império, assim como a

perseguição dos cristãos não deve ser entendida como algo sistemático e unívoco. Foram

várias as perseguições oficiais, mas, como vimos acima, não representavam uma prática

uniforme, do ponto de vista geográfico e social. As principais e mais difundidas foram as

perseguições por edito imperial. Ainda assim, estas dependiam de adesão dos

governadores e permaneciam geograficamente setorizadas. Em outras palavras, enquanto

em uma província havia feroz perseguição, em outra os cristãos gozavam de paz. O

aspecto social não deve ser subestimado. Um cristão de classe social alta não era levado

à morte, mas, na pior das hipóteses, era exilado (BARZANÒ, 1996, p. 122-123): “Qui

novas sectas vel ratione incognitas religiones inducunt, ex quibus animi hominum

moveantur, honestiores deportantur, humiliores capite puniuntur” (Iulii Pauli Sententiae

5,21,2; Eulogos 2007). Esta normativa foi enviada pelo Imperador Antonino Pio ao

governador da Gália no sentido de limitar a atividade de astrólogos e magos, mas bem

servia também para os cristãos (BARZANÒ, 1996, p. 32) e, principalmente, nos revela

um princípio basilar da legislação romana, que hoje definiríamos discriminatório, a saber,

a diferença entre honestiores (os mais importantes) e humiliores (os mais simples), na

aplicação diferenciada das penas (BARZANÒ, 1996, p. 123, nota 27).

Outro princípio basilar do direito romano era o procedimento a partir da

denúncia por quem se sentisse lesado e não de forma anônima. O julgamento era visto

como um processo onde duas partes se colocavam em confronto diante de um juiz, mas

não se utilizava o procedimento de iure, ou seja, a acusação por iniciativa do estado a

qualquer pessoa que cometesse um crime. Isso não impedia, necessariamente, os

linchamentos e a prática da justiça com as próprias mãos, mas, dependendo da postura do

administrador público, certamente limitava estas ações, como é possível notar nas

orientações do Imperador Trajano ao Governador da Bitínia, Plínio, o Jovem:

Actum quem debuisti, mi Secunde, in excutiendis causis eorum, qui Christiani

ad te delati fuerant, secutus es. Neque enim in uniuersum aliquid, quod quasi

certam formam habeat, constitui potest. Conquirendi non sunt; si deferantur

et arguantur, puniendi sunt, ita tamen ut, qui negauerit se Christianum esse

idque re ipsa manifestum fecerit, id est supplicando dis nostris, quamuis

suspectus in praeteritum, ueniam ex paenitentia impetret. Sine auctore uero

propositi libelli <in> nullo crimine locum habere debent. Nam et pessimi

exempli nec nostri saeculi est. (Epist. 97; ed. MYNORS, 1996).

87

O cristão era objeto de discriminação e injustiça, pois este procedimento abria

espaço para denúncias por parte de pessoas interessadas na condenação deste ou daquele

cristão. O denunciante fazia parte do processo e para ele estava reservada uma pena, o

que excluía, como vimos acima, a denúncia a partir de classes inferiores para com classes

superiores. Quem denunciava só o fazia em plena certeza de obter a condenação do réu.

Um elemento que dificultava ulteriormente e, de certa forma, limitava os processos era a

possibilidade de o cristão realizar o simples ato cultual de oferecer incenso aos deuses e

escapar à condenação. Isto podia significar para o denunciante uma pena. O imperador

Marco Aurélio, no intuito de não só limitar, mas talvez até mesmo melhorar a relação

com os cristãos, equiparou a pena devida ao denunciante, à pena infligida aos cristãos

condenados, em uma consulta ao senado onde não ataca a raiz do problema, ou seja, não

pede ao Senado Romano a modificação da situação do cristianismo qual religio illicita,

mas toma providências para defender os cristãos solicitando a paridade nos processos, ou

seja, que o denunciante seja outro cristão e aplicando a Pena de Morte ao denunciante

caso o cristão fosse inocentado no processo (BARZANÒ, 1996, p. 127-131). Isto

praticamente anulava as consequências da legislação anticristã, mesmo não mudando o

seu status de superstitio (BARZANÒ, 1996, p. 16-17).

A aplicação da Pena de Morte nos casos de superstio não era um exagero para

os antigos romanos, embora hoje, sem dúvidas, seria uma aberração. Tratava-se, de fato,

da segurança do Império, uma vez que a Pax deorum (a paz dos deuses) representava um

dos elementos tradicionais mais importantes para o bom andamento dos negócios, da

política e da prosperidade para os antigos romanos, já desde os etruscos (BARZANÒ,

1996, p. 13-14). A mesma pena era prevista, por exemplo, para quem transportasse um

morto ou violasse um túmulo (BARZANÒ, 1996, p. 116-118), algo abominável para eles

e fonte de ira para os deuses.

O martírio cristão nos primeiros séculos de nossa era está intimamente ligado

com a pena capital. As primeiras perseguições não são o resultado de uma política de

extermínio ou genocídio, como se viu, vergonhosamente, na primeira metade do século

XX, para com os judeus. Os antigos romanos não traçaram um plano de eliminação dos

cristãos, que inclusive, desde a época dos severos, “nova era na relação entre os cristãos

e o império” (FREND, 2002, p. 1144), já vinham se enfronhado na corte imperial. As

perseguições foram o resultado da combinação de vários fatores mais ou menos

independentes, dentre os quais a pena de morte. Como é sabido, esta não era uma exceção,

88

mas a regra nas sociedades antigas e medievais. O próprio Israel, não obstante a proibição

expressa no decálogo, previa a punição com a morte para uma série de delitos, dentre os

quais o adultério e a blasfêmia. Os cristãos, após o período inicial em que eram somente

vítimas, passaram, principalmente na idade média, a serem algozes, embora jamais a pena

de morte tenha feito parte, diretamente, da normativa católica. Dentre as condições que

concorreram para as perseguições no cristianismo primitivo está, naturalmente, a

componente da discriminação das minorias religiosas (uma minoria, perigosamente, em

crescimento exponencial!). Havia, neste sentido, mobilizações populares que se

concluíam com linchamentos de cristãos, perturbações da ordem pública e conflitos. Nada

disso se configurava como desenvolvimento ordinário do ideal da ordem pública no

Império Romano. A comprovar esta leitura está a informação de Plínio, o Jovem, em uma

correspondência com o Imperador Trajano, o qual proibiu taxativamente este tipo de

prática (Epístola 97; MYNORS, 1966). Por outro lado, alguns imperadores viram no ódio

pelo diferente uma força propulsora da identidade e da unidade no Império. Em um

primeiro momento, as perseguições foram o fruto dos editos que previam o culto ao

Imperador e aos deuses oficiais do império, sob pena capital. O cristão era interpelado

judicialmente sobre estas questões, devendo oferecer incenso aos deuses e ao Imperador.

O simples ato de cumprir este protocolo o livrava automaticamente do suplício. É mister

observar que somente se colocava nesta situação quem fosse objeto de denúncia formal,

e que o denunciante não podia esconder-se no anonimato, como nos preserva ainda a

informação de Plínio, o jovem. Caso fosse provada a inocência do réu, seria o denunciante

a incorrer em punição, muitas vezes, grave. Nestas circunstâncias, quem acusasse um

cristão, não o faria se não pudesse arrogar-se certeza de vencer o confronto. Excluem-se

a priori as acusações formais a partir de classes sociais mais baixas, para com classes

mais elevadas, enquanto o inverso deveria ser a regra.

Estas condições sociais permitiram a convivência entre a perseguição e o

martírio, a produção literária e a penetração social do cristianismo, que, no final, inverteu

o jogo, tornando-se, gradativamente, de superstitio (religião ilícita) a religião permitida,

até chegar a ser a religião dominante. Tertuliano justamente observava que o sangue dos

mártires se tornava semente de novos cristãos (Apologeticum 50,13; BECKER, 1961).

Ainda hoje, lá onde há uma situação de opressão social, se tenta evitar esta passagem do

homicídio (institucionalizado na pena de morte ou, ilegal, nas organizações criminosas

paralelas ao poder público) ao martírio. A pena de morte, aplicada ao culto religioso, deu

89

origem, no Império Romano, a uma das maiores forças propulsoras do cristianismo

antigo.

A pergunta, a esta altura do nosso discurso, é: qual é a relação histórica dos

cristãos com a pena de morte? Como acabamos de ilustrar, é ela, em primeiro lugar,

passiva, qual situação externa a que corresponde uma reação interna de grande valor

religioso. Nesta perspectiva, a pena de morte, em si, não é objeto de oposição por parte

dos cristãos, como não o são realidades éticas dramáticas, a saber, da escravidão, da

discriminação social das mulheres, e de outros temas centrais na discussão moderna. A

retroavaliação dos antigos a partir de conceitos modernos deve ser evitada, assim como a

reavaliação dos valores dos antigos que possa iluminar as questões modernas deve ser

fomentada. Neste sentido, uma análise dos valores avançados do primeiro cristianismo

pode trazer como resultado uma ressignificação da experiência cristã atual.

O cristianismo traz em si, em sua mensagem fundante, uma semente ética que

desenvolve quando o terreno é propício. Mesmo nos momentos em que a Igreja temporal,

em seus representantes terrenos fez opções pouco evangélicas (podemos dizer isto sem

vexame, porque, tem-se tornado habitual ouvir os pedidos de perdão oficial por erros

históricos dos homens de Igreja – seria desejável que também os chefes de estado o

fizessem), esta semente profética brotou, às vezes, bastante rebelde, com sabor de

reforma, levada ou não a bom termo. Neste sentido, lembramos a prática incansável dos

missionários de batizar os índios americanos para que não fossem escravizados e, se o

fossem, pudessem ser tratados com mais humanidade, na qualidade de cristão. Há,

naturalmente, um abismo entre o ideal e o real, mas caberia uma reavaliação histórica da

ação dos jesuítas no Brasil. Colocado à parte o anacronismo que grava sobre eles valores

de enculturação, maduros somente em época recente, é necessário reconhecer que

ninguém, como eles, tentou preservar as línguas nativas indígenas, e que foram banidos

exatamente pela inserção social que alcançaram e o consequente poder territorial.

A pena capital, como em muitas religiões, poderia ter encontrado,

historicamente, seu lugar institucionalizado no cristianismo e, mais especificamente, no

catolicismo, mas isto não se deu, talvez até mesmo por sua particular relação com o

martírio, pela visualização da reversão que isto representaria. Em nível prático, a punição

eclesiástica (inquisição) caminhou lado a lado com a pena de morte (infligida sempre pelo

poder temporal). O tempo propício, felizmente, já chegou e hoje é impensável para um

cristão defender a pena de morte. Em se tratando do Catolicismo, do ponto de vista

jurídico, há uma concessão ideal:

90

A doutrina tradicional da Igreja, desde que não haja a mínima dúvida acerca

da identidade e da responsabilidade do culpado, não exclui o recurso à pena de

morte, se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas

humanas de um injusto agressor. Contudo, se processos não sangrentos

bastarem para defender e proteger do agressor a segurança das pessoas, a

autoridade deve servir-se somente desses processos, porquanto correspondem

melhor às condições concretas do bem comum e são mais consentâneos com a

dignidade da pessoa humana. Na verdade, nos nossos dias, devido às

possibilidades de que dispõem os Estados para reprimir eficazmente o crime,

tornando inofensivo quem o comete, sem com isso lhe retirar definitivamente

a possibilidade de se redimir, os casos em que se torna absolutamente

necessário suprimir o réu “são já muito raros, se não mesmo praticamente

inexistentes” (Evangelium Vitae 56) (CIC 2267).

A norma se coloca no contexto da definição da legítima defesa, onde as

autoridades temporais têm a responsabilidade de defender a vida humana. O texto inicia-

se com a referência à tradição da Igreja, que nunca proibiu a pena de morte. Do ponto de

vista sócio-histórico, a pena capital estava presente na maioria das organizações sociais

até um passado muito recente, tendo sido contrastada, principalmente com o advento dos

direitos universais do homem. O legislador eclesiástico sente a necessidade de não excluir

completamente, do ponto de vista ético, a possibilidade de instaurar a pena de morte em

determinadas condições, consideradas, atualmente, extremas. Em uma situação ideal, que

o legislador eclesiástico não encontra mais na atualidade, o poder público pode necessitar,

no contexto da defesa da sociedade de um agressor injusto, do recurso à “supressão”

deste, por não dispor de nenhum outro meio de garantir a segurança social. O legislador

impõe circunstâncias praticamente impossíveis e até mesmo verbaliza a sua inexistência.

Em qual situação um Estado não disporia das condições para deter um agressor injusto?

Somente em uma guerra poder-se-ia imaginar tal situação. O artigo 68 da Convenção de

Genebra regulamenta a pena de morte em situação de guerra e tende a respeitar o princípio

do conhecimento da norma por parte de quem deve cumpri-la e da gravidade do crime

naquelas condições. O princípio utilizado no Catecismo da Igreja Católica é duplo. De

um lado, o direito de defesa contra um agressor injusto, de outro, a dignidade da pessoa

humana e se apresenta como agressor. Trata-se do mesmo princípio que se aplica à

legítima defesa, em caso de homicídio contra o agressor. Esta só se configura se houver

proporção no uso da força e impossibilidade de defender-se sem matar o agressor. Ao

transferir esta realidade de uma situação individual para uma situação social, o legislador

eclesiástico a torna praticamente impossível, sem, contudo, negá-la a priori.

Outro indício da “vontade” do legislador eclesiástico de tornar impossível a

concretização da situação em que se pode colocar a pena de morte é a exigência de que

não haja a “mínima dúvida acerca da identidade e da responsabilidade do culpado”. Ora,

91

um dos maiores cavalos de batalha da oposição à pena de morte é o erro judiciário, que

dificilmente pode ser reduzido ao zero. A justiça se realiza através de processos, que

seguem indícios e convencem juízes e jurados. É praticamente impossível determinar que

não haja a mínima dúvida, a não ser que os responsáveis pelo julgamento tenham

presenciado o crime. Mesmo neste caso, extremamente raro, a dúvida não pode ser

vencida, porque há sempre a questão da imputabilidade do agente, que pode se remeter a

parâmetros psicológicos passíveis de interpretação. Em outras palavras, o julgamento, por

mais perfeito que seja, é sempre passível de erro, e este só pode ser reparado, mesmo

parcialmente, se o sujeito não for eliminado.

É possível que a norma eclesiástica evolua para uma negação categórica,

separando-a do contexto da legítima defesa. Em matéria semelhante, além da linha

tradicional de combate às aplicações hodiernas da pena de morte, o romano pontífice

reinante, Papa Francisco, tem se manifestado contrário à prisão perpétua, valendo-se de

um princípio expresso exatamente neste trecho do Catecismo da Igreja Católica, a saber,

o da possibilidade de remissão por parte do condenado. Aqui, peculiarmente, se coloca

uma reflexão filosófica a respeito do ser humano como sujeito aberto, nunca completo,

nunca sistema fechado ou determinável de antemão.

92

Esperamos com esta pequena investigação nos textos antigos dar um quadro

sintético, mas bastante significativo da prática, por um lado, da pena capital para com os

cristãos, por outro, do martírio destes últimos, revelando as duas faces desta realidade

dramática da execução legalizada. Como se pôde notar, para os antigos romanos, não se

tratava, pelo menos em via ordinária, de execuções em massa realizadas, em linha com

as políticas de limpeza étnica perpetradas na primeira metade do século XX no ocidente,

mas da aplicação da lei, que envolvia, necessariamente, a esfera religiosa, devendo

inclusive normatizá-la. Os primeiros cristãos não questionaram a priori a pena de morte,

mas espiritualizaram esta fatalidade reinterpretando-a em chave cristológica de

assimilação ao supremo martírio de Cristo. Outra via foi aberta pelos apologistas, que, no

entanto, foge à abrangência deste humilde trabalho.27

27 Sem também questionar diretamente a pena de morte, eles percorreram a via da irracionalidade da

legislação anticristã, baseando-se nos filósofos e na boa conduta dos cristãos (PELLEGRINO, 2002, p. 134-

135).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

93

REFERÊNCIAS

BARZANÒ, A. (Ed.), Il cristianesimo nelle leggi di Roma imperiale. Torino: Paoline,

1996.

C. Plini Caecili Secundi Epistularum Libri Decem, ed. R. A. B. Mynors, 1966.

Catecismo da Igreja Católica. Disponível em: <www.vatican.va>. Acesso em: 27 de

maio 2015.

FREND, W. H. C., Perseguições. In: DI BERARDINO (Org.), Dicionário Patrístico e

de Antiguidades Cristãs. São Paulo: Paulus, 2002, p. 1140-1145.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. v. 2. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante.

Petropolis: Vozes, 2000.

NICKELSBURG, G. W. E., Resurrection, immortality, and eternal life in

intertestamental Judaism and early Christianity. Cambridge: Harvard University

Press, 2006.

PELLEGRINO, M., Apologistas - Apologética. In: DI BERARDINO (Org.),

Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. São Paulo: Paulus, 2002, p. 134-135.

RIESENFELD, H., Das Bildwort vom Weizenkorn bei Paulus (zu I Cor. 15), In:

KOMMISSION FÜR SPÄTANTIKE RELIGIONSGESCHICHTE (Org.), Studien zum

Neuen Testament und zur Patristik Erich Klostermann zum 90. Geburtstag

dargebracht. Berlin: Akademie-Verlag, 1961 (Texte und Untersuchungen 77), p. 43-

55.

RORDORF, W., Martírio. In: DI BERARDINO (Org.), Dicionário Patrístico e de

Antiguidades Cristãs. São Paulo: Paulus, 2002, p. 895-896.

Tertullian. Apologeticum. Verteidigung des Christentums. Lateinisch und

Deutsch.Hrsg., übersetzt und erläutert v. Carl Becker. München: Kösel, 1961.

94

SOBRE O AUTOR

MARCOS AUGUSTO FERREIRA NOBRE

Possui doutorado em Teologia e Ciências Patrísticas pela Pontifícia Universidade

Lateranense de Roma (Instituto Patrístico Augustinianum, Roma 2015), realizado com

Bolsa CAPES de Doutorado Pleno no Exterior, revalidação nacional PUC-Rio. Mestre

em Teologia e Ciências Patrísticas pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma

(Instituto Patrístico Augustinianum, Roma 2004), revalidação nacional PUC-Rio.

Graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade de Santo Tomás de Aquino (Roma

2000), revalidação nacional UECE, e graduação em Filosofia pela Pontifícia

Universidade Urbaniana (Roma, 1997). Atualmente é professor de Patrologia, História da

Filosofia Medieval, Língua Grega e Língua Hebraica, e Pró-Reitor de Graduação e

Extensão no Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA), no Ceará.

E-MAIL: [email protected]

95

O (CONTRA)SENSO DO PROGRAMA

DE JUSTIÇA TERAPÊUTICA: A

EXPERIÊNCIA TRÁGICA DA NÃO

ESCOLHA

André de Carvalho-Barreto

“Se alguém pensa, não pode ser louco.

Se alguém é louco, não pode pensar.”

-Roberto Machado.

96

RESUMO O presente ensaio teórico objetivou realizar uma

análise genealógica da dependência química

relacionada à saúde mental, conforme Foucault

propõe em seus estudos. Para reduzir o consumo de

drogas ilícitas no Brasil, o Poder Judiciário criou o

Programa de Justiça Terapêutica (PJT). Este

programa realiza práticas de atendimento e

intervenção para o dependente químico que cometeu

um delito envolvendo profissionais de várias

disciplinas e terapêuticas, dentre elas a terapia

compulsória para o dependente químico.

Historicamente, os dependentes foram excluídos dos

espaços sociais quando passaram a ser considerados

capazes de ameaçar a ordem social. A criação do PJT

pode ser compreendida na mesma direção da criação

da prisão que, segundo Foucault, torna visível e

controlável certo tipo de delito e, condenando,

costumeiramente, as classes mais baixas. Considera-

se que o essencial é constituir a condição de cidadania

da pessoa dependente químico dentro de sua

liberdade de escolha na busca de tratamento,

buscando a constituição do seu espaço social.

PALAVRAS-CHAVE Dependência química. Genealogia. Psicopatologia

cultural. Saúde mental.

97

presente ensaio teórico objetivou realizar uma análise genealógica da

dependência química relacionada à saúde mental. Um levantamento sobre uso

de drogas no mundo realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas

e Crimes (UNODC, 2015) em 2015 asseverou que 5% da população mundial com idade

entre 15 e 64 anos – aproximadamente 246 milhões de pessoas – usou algum tipo de droga

no ano de 2013. O Brasil surgiu neste relatório como um dos principais fornecedores de

drogas no mundo, particularmente para os Estados Unidos (EUA) e Oeste Europeu. A

principal droga fornecida era a cocaína, que teve aumento na distribuição mundial ao

longo dos anos e que é consumida por 1,75% da população adulta brasileira.

Um relatório prévio ao das Nações Unidas apresentado pela Secretaria Nacional

de Políticas sobre Drogas do Brasil (SNPD) em 2009 forneceu informações mais precisas

sobre a situação brasileira referente ao perfil de usuários de cocaína e outras drogas

ilícitas. Este relatório identificou que aproximadamente 30% dos usuários de drogas

ilícitas (e.g., cocaína, maconha, crack, entre outras) institucionalizados no Brasil tinham

entre 18 e 34 anos e cerca de 5% tinham idade entre 12 e 17 anos (DUARTE;

STEMPLIUK; BARROSO, 2009).

Apesar dos dados preocupantes, uma redução no consumo de drogas ilícitas vem

ocorrendo. Isto foi atestado no relatório realizado pelo Centro Brasileiro de Informações

sobre Drogas Psicotrópicas (CBIDP) que objetivou identificar o uso de drogas ao longo

da vida da população brasileira, referentes aos anos de 2001 e 2005. No ano de 2001, a

percentagem relativa ao consumo de drogas era de, aproximadamente, 8% e em 2005 esse

valor elevou-se para 11%. Aproximadamente 40% desta amostra tinha faixa etária entre

18 e 34 anos e 12% eram adolescentes com idade entre 12 e 17 anos em 2001. Quatro

anos depois, a percentagem diminuiu em dois por cento tanto para adolescente quanto

para adultos (CARLINI, 2006).

O

1. INTRODUÇÃO

98

redução brasileira no consumo de drogas ilícitas foi decorrente de práticas

que envolveram o Poder Judiciário, muitas delas interligadas ao governo dos

EUA. Uma das práticas que, segundo o Poder Judiciário, pode ter ocasionado

esta redução foi o Programa de Justiça Terapêutica (PJT). Este programa foi o resultado

da tentativa de implementação do modelo de Tribunais para Dependentes Químicos

estadunidenses no Brasil (EEUAB, 1999). Estes Tribunais são responsáveis nos EUA por

gerenciar todos os tipos de infratores adolescentes e adultos acusados de cometerem

delitos considerados pela legislação estadunidense como de pequeno potencial ofensivo

(e.g., consumo de álcool e drogas ilícitas) (LIMA; SOUZA, 2012). Eles foram inspirados

do resultado do programa também estadunidense Drug Courti que empregava práticas de

intervenção interdisciplinar com dependentes químicos. Este programa serviu de modelo

para outros tribunais especializados a dependentes químicos na Austrália, Canadá,

Espanha, Grã-Betânia e Irlanda (GALLAGHERA et al., 2015).

Para tentar implementar estes Tribunais no Brasil, o governo estadunidense

ofereceu literatura (e.g., EEUAB, 1999) e capacitações para profissionais do Tribunal de

Justiça e Ministério Público no Consulado dos Estados Unidos no ano de 2000. Neste

mesmo ano, foi fundada a Associação Nacional de Justiça Terapêutica que passou a

realizar seminários e capacitações sobre o tema no Brasil (e.g., ANJT, 2005). Devido às

dificuldades legais de implementar um tribunal com as especificidades que os Tribunais

para Dependentes Químicos exigiam, o Poder Judiciário brasileiro considerou mais

adequado criar o PJT. Este Programa foi patrocinado pelo Ministério da Justiça e pelo

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Brasil. Inicialmente foram

implementados nas Varas da Infância e da Juventude, atendendo crianças e adolescentes

dependentes químicos (EMERJ, 2000) e, posteriormente, foi estendido para adultos nas

varas criminais (SILVA et al., 2009). Os primeiros PJT foram executados nos Estados de

Pernambuco e Rio de Janeiro em 2001. Posteriormente, este dispositivo foi também

realizado no Distrito Federal, Rio Grande do Sul e São Paulo em 2005 (ANJT, 2005).

O PJT foi instituído oficialmente com este nome pelo Ato Executivo Conjunto

no 28, de 26 de setembro de 2002, pela presidência do Tribunal de Justiça e da

A

2. O PROGRAMA DE JUSTIÇA TERAPÊUTICA NO

BRASIL

99

Corregedoria-Geral de Justiça, juntamente com o Ministério Público. Ele passou a fazer

parte das práticas de redução do dano social destinado a cidadãos usuários de álcool e

drogas ilícitas que realizaram pequenos delitos. Desta forma, o PJT integra o conjunto de

medidas relacionadas à justiça restaurativa do Poder Judiciário (SILVA et al., 2009).

Assim, o PJT representa princípios do direito na inter-relação do Estado e do cidadão,

promovendo a solução de conflitos com a lei, assim como possibilita a resolução de

problemas sociais de origem tanto individual quanto coletiva (SALM; LEAL, 2012).

O termo do PJT foi estabelecido pela relação entre os aspectos legais e sociais

presentes na Ciência do Direto (i.e., Justiça) e as características do cuidado, orientação e

reabilitação relacionadas às Ciências da Saúde (i.e., Terapia). Estas características

referem-se a práticas de reabilitação da situação de transtorno mental relacionada à

dependência química advinda do uso de álcool e drogas ilícitas (SILVA et al., 2009).

Pelo fato de ser um programa interdisciplinar, o PJT realiza práticas de

atendimento e intervenção envolvendo profissionais de várias disciplinas voltados para o

dependente químico que cometeu um delito. Inicialmente, este dependente passa por uma

oitiva feita com o promotor. O promotor, além de escutar esta pessoa, obtém informações

complementares fundamentas do seu histórico (e.g., se é réu primário), no Boletim de

Ocorrência e no inquérito policial, quando houver. Após avaliação da possibilidade de

inserção da pessoa infratora no PJT pelo promotor, ela é encaminhada para uma equipe

técnica relacionada às Ciências da Saúde, vinculada ao Poder Judiciário (LIMA; SOUZA,

2012).

Uma avaliação é realizada relacionando aspectos da dinâmica familiar, rede de

apoio social e afetiva e personalidade do dependente químico. Esta avaliação é feita por

anamnese e visitas domiciliares na residência da pessoa que cometeu a infração. As visitas

são realizadas geralmente por assistentes sociais e psicólogas (SILVA et al., 2009). Um

parecer técnico é emitido em conjunto. É indicado no parecer o grau de comprometimento

da pessoa infratora com álcool e/ou drogas ilícitas, sendo também destacadas condições

sociais (e.g., pessoa não ser moradora de rua) e psicológicas (e.g., pessoa não ser

esquizofrênico) que possibilitem seu ingresso no PJT (LIMA; SOUZA, 2012).

Confirmando que a pessoa que cometeu a infração é uma possível participante

do PJT pela equipe técnica, ela e seu responsável (quando a pessoa tiver menos de 18

anos) decidem se existe interesse ou não em participar do PJT. Sendo positivo o interesse,

a pessoa infratora assina um termo de compromisso e seu responsável uma autorização.

O caso segue para julgamento no qual a equipe técnica, o promotor e o advogado de

100

defesa são ouvidos em audiência com o juiz. Finalmente, caso o promotor e o advogado

de defesa concordem que a inserção da pessoa no PJT é a opção mais adequada, ela é

encaminhada ao PJT (LIMA; SOUZA, 2012).

Esta decisão é viável, pois encontra sustentação no Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei 8069/90), que dispõe no seu artigo 112 sobre aplicação de medidas

socioeducativas e no seu artigo 101 sobre aplicação de medidas de proteção para crianças

e adolescentes que cometeram atos infracionais. Ela é fundamentada ainda no Código

Penal nos artigos 77 (i.e., suspensão condicional da pena), 85 (i.e., livramento

condicional) e 43 (i.e., limitação de fim de semana, como pena restritiva de direitos). O

Poder Judiciário, costumeiramente, aplica o PJT à pessoa infratora que atende os pré-

requisitos, compreendendo que este promove benefícios visíveis. Por exemplo, evita

prisão (diminuindo o número de internos nas casas de detenção e no sistema carcerário),

possibilita o arquivamento do processo (não constando nos antecedentes criminais da

pessoa infratora) e, sobretudo, para o Poder Judiciário, reintegra a pessoa à sociedade

(SILVA et al., 2009).

A pessoa infratora, quando inserida no PJT, é acompanhada de forma intensiva

por assistentes sociais, médicos, psicólogas e psiquiatras vinculados ao Poder Judiciário

(LIMA; SOUZA, 2012; SILVA et al., 2009). Outros profissionais (e.g., educadores

sociais) podem ser designados para compor a equipe técnica desde que desempenhem

funções consideradas relevantes pelo PJT (SILVA et al., 2009). Isso porque, para

Organização Mundial de Saúde (OMS, 2011), a dependência química é caracterizada

como um estado mental e físico que resulta da interação dinâmica entre o ser humano

enquanto organismo e uma droga. Para OMS (2011), esta deve ser tratada como doença

médica e problema social.

As atividades previstas do referido Programa consistem na participação da

pessoa infratora em reuniões semanais com os técnicos integrantes do Poder Judiciário.

Dependendo do tipo e do grau de dependência química da pessoa, ela pode ser

encaminhada para unidades de tratamento de dependência química da saúde pública ou

privada conveniadas com o Poder Judiciário. Visitas institucionais são realizadas ao local

de trabalho ou estágio, escola e na casa da pessoa participante do PJT para avaliar as

mudanças na sua rede de apoio social e afetiva. O PJT prevê ainda verificação periódica

de abstinência de substância entorpecente realizada por testagem de urina. A

desobediência das medidas de tratamento e acompanhamento do PJT pode resultar na

expulsão do programa e aplicação de pena, como internação em casa de retenção e

101

prisões. Comissários ou servidores credenciados fornecem relatórios bimestrais e

requerem audiência com o juiz responsável para que ele possa avaliar o desempenho da

pessoa infratora no PJT. Caso bem avaliado nestes relatórios, o processo da pessoa que

cometeu a infração é arquivado (SILVA et al., 2009).

Resultados quantitativos do PJT indicaram que, no Juizado da Infância e da

Juventude de Porto Alegre/RS, em três anos de implementação, o PJT registrou mais de

2.500 participantes em 380 procedimentos restaurativos. Contudo, dados apresentados

em estudos qualitativos promovidos pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande

do Sul (SANTOS, 2010) asseveram que o acompanhamento psicológico realizado pelo

PJT não se mostrou efetivo por falta de motivação do usuário.

Outro estudo qualitativo (LIMA; SOUZA, 2012) realizado em quatro Juizados

da Infância e da Juventude no Estado do Rio de Janeiro indicou também problemas na

aplicação do PJT. Por exemplo, (a) participantes do programa eram traficantes de drogas

(o que não é considerado crime de menor potencial ofensivo); e (b) os participantes

ingressavam no PJT buscando o arquivamento do seu processo e não serem presos em

vez de deixar o uso de drogas.

Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2013) tem se manifestado contra ao PJT.

A autarquia considera que este programa restringe os direitos da pessoa infratora, não

funcionando como medida de descriminalização e não estimulando a busca ao tratamento,

visto que caso a pessoa que cometeu a infração não se insira no PJT, será detida. Isto

torna a adesão ao PJT compulsória, aspecto que vai contra princípios fundamentais para

o tratamento da dependência química.

102

pergunta-guia para a discussão da experiência trágica da não escolha por parte

do dependente químico inserido no PJT é: o que torna a dependência química

uma conduta que obriga a compulsoriedade institucional? Para responder esta

pergunta, far-se-á uma análise genealógica conforme Michael Foucault (1977, 1996,

2003, 2006, 2007) propõe em seus estudos.

Foucault (2003, 2007) problematiza a tênue separação entre contenção, doença,

liberdade, loucura e mal mostrando como um destes termos ou sua correlação predomina

dependendo da cultura que a pessoa esteja. Ele mostra em seus estudos como a concepção

da loucura e sua contenção muda ao longo do tempo. A loucura, a princípio era percebida

como doença, mal, morte, ausência de moral e ética até a constituição desta como

patologia psiquiátrica no final do século XIX na Europa.

No início, a loucura era relacionada a uma intervenção dos deuses que tornavam

o homem “imbecil”. Este homem era livre na sociedade apesar de sua “imbecilidade”.

Depois, com a instituição da loucura, ele precisava ser contido nos manicômios, mesmo

que não desejasse, pois era desprovido da razão (HOLANDA, 2006).

A dependência química ganha, nesta cultura, uma conotação moral e ética.

Apesar de seus atores (e.g., os bêbados) já estarem à margem da sociedade, sua exclusão

precisava ser institucionalizada, ou seja, inserir estas pessoas em manicômios localizados

o mais distante possível dos centros urbanos. Nestes sucursais da loucura, diferentes

formas de tratamento e prevenção eram instituídos. Assim como os leprosos no

classicismo, os bêbados, as garotas de programa, os homossexuais e os loucos foram

excluídos do espaço social europeu no século XVI (FOUCAULT, 2007).

Ao ser observado o percurso genealógico da relação entre dependência química

e saúde mental chega-se ao surgimento dos manicômios criminais no Brasil (COSTA,

2004). A necessidade da criação destes manicômios criminais teve início em 1903,

quando o papel da psiquiatria de “guardiã da ordem pública” foi oficializado no aspecto

jurídico-político, mediante o Decreto nº 1.132, de 1903. Este documento, entre outras

disposições, determinava a construção dos manicômios judiciários.

A

3. A EXPERIÊNCIA TRÁGICA DA NÃO ESCOLHA

103

Os juízes da época, por motivações distintas, desejavam que o Brasil seguisse o

modelo de psiquiatria europeia destinada aos loucos infratores. Em 1921, o primeiro

“sanitário-criminal” brasileiro foi inaugurado, chegando a dezenove unidades em pouco

tempo (MACHADO et al., 1978). Neles eram internados os “degenerados” de todos os

tipos, incluindo os dependentes químicos.

Até o século XIX, os loucos eram tratados na Europa como animais, obedecendo

a ordem do cogito cartesiano. Este posicionamento era o de que o louco não pensava, não

possuía a habilidade reflexiva sobre a realidade, estava na ordem do animal, e, desta

forma, deveria ser utilizado o enclausuramento como forma de contenção (FOUCAULT,

2007).

Esta realidade se modifica na Europa com a intervenção de Pinel, que utiliza o

choque elétrico e a química psicofarmacológica (FOUCAULT, 2007). O Brasil não segue

esta mudança cronológica na criação dos manicômios criminais. Os loucos no Brasil, até

aproximadamente o fim do século XX, eram tratados como os loucos antes de Pinel na

Europa, ou seja, eram enclausurados e tratados como animais (COSTA, 2004;

MACHADO et al., 1978).

Em 1940, o Código Penal considerava os loucos e outros transgressores como

“perigosos a priori”. O Estado tinha autoridade de retirá-los dos espaços públicos para

proteção da sociedade. Assim, as pessoas tidas como “suspeitas de ameaça a ordem”

podiam ser postas em isolamento e retenção nos sanitários-criminais. Neste contexto, a

pessoa não necessariamente havia cometido um delito, a intencionalidade de cometer um

ato em um estado de surto esquizofrênico ou uso exagerado de álcool e outras drogas

justificava por si só o enquadramento dessas pessoas como “ameaças” e seu

encaminhamento aos sanitários-criminais (COSTA, 2004).

Diante de crimes e possíveis crimes contra a sociedade – com ou sem um motivo

aparente, devido a um surto ou uso exagerado de álcool ou outras drogas –, os alienistas,

como eram chamados os peritos da sanidade e da ordem, davam seus pareceres nos

tribunais no Brasil. O objetivo destes alienistas era identificar a insanidade mental e

justificar a exclusão do louco do convívio social (CASTEL, 1978; COSTA, 2004). É

importante destacar que a ação do alienista mostrava para a justiça e sociedade a

necessidade da exclusão do louco e servia como justificativa para a criação de um espaço

próprio para reclusão e tratamento deste louco: o manicômio (CASTEL, 1978).

A “periculosidade” dos portadores de transtornos mentais, entendidos como

pessoas passíveis de cometerem atos violentos é asseverada no Código Penal de 1984.

104

Nesta edição, foi retirada a presunção de periculosidade de todos os outros ‘‘tipos

ameaçadores’’. A periculosidade presumida e a aplicação da medida de segurança aos

inimputáveis e aos semi-imputáveis, todavia, foi mantida (COSTA, 2004). O tipo de

sanção penal aplicada aos portadores de transtornos mentais e dependentes químicos

utilizava deste conceito de periculosidade presumida de forma recorrente para justificar a

ação penal (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978). Neste contexto, muitos dependentes

químicos da bebida, especialmente os de classes mais baixas eram presos e, muitas vezes,

internados. Foucault (2007) compreendia as ações decorrentes destes loucos como

ocasionadoras de constrangimento nas relações sociais.

O argumento usado no século XIX pela “medicina mental” – não existia a

psiquiatria como especialidade médica neste período – para a criação dos manicômios era

a necessidade de um local específico e afastado dos centros urbanos para os loucos

(FOUCAULT, 2007). Isto enfatizava o caráter perigoso dos loucos e a noção de “loucura-

criminosa” (MACHADO et al., 1978). Prevaleceram as percepções clínicas de

“degeneração” descritas pelos alienistas franceses Esquirol e Morel, expandindo a

definição de loucura para além do delírio e estabelecendo uma forte relação entre doença

mental e comportamento violento/desviante (CASTEL, 1978; COSTA, 2004).

Essa realidade só vem ser analisada e contestada, no sentido de violação dos

direitos humanos com respaldo e ressonância mundial, na década de 1980, com o início

da luta antimanicomial na Europa. Este movimento, na década de 1990, percorreu as

academias e os mais diversos setores da sociedade brasileira com o lema: “Brasil ano

2000, sem manicômios”. Como conquista do movimento, em 6 de abril de 2001, foi

sancionada a Lei nº 10.216, que trata da reforma psiquiátrica, delineando não só um novo

conceito sobre transtorno mental, mas também uma nova forma de se lidar com o paciente

psiquiátrico e um novo olhar sobre o portador de transtorno mental (CARVALHO-

BARRETO et al., 2010), incluindo o dependente químico (BUENO, 2001).

Chegado o novo século, que também é um novo milênio, delineia-se os modelos

de readmissão do louco e do dependente químico à sociedade e, para isso parte-se da

deshospitalização e à criação de instituições que cuidam com uma proposta de

interdisciplinaridade entre ciência psicológica, medicina psiquiátrica, terapia ocupacional

e assistência social. Nestes locais, as pessoas não são mais denominadas loucas, drogadas

ou alcoólatras, passando a ser nomeadas como “pessoas com transtornos mentais” ou

“com problemas emocionais e/ou afetivos” ou “dependentes químicos”. A prática

medicamentosa torna-se mais branda, mas ainda presente, e os pacientes psiquiátricos

105

deixam de sofrer torturas e nem tem seus direitos humanos violados (CARVALHO-

BARRETO et al., 2010). A compulsoriedade ao tratamento seria abolida e eles deixariam,

finalmente, de serem suspeitos de ameaçarem a ordem, encontrando seu espaço social

(PINHEIRO, 2004).

Além disso, a questão do internamento nos hospitais e presídios do Brasil e da

Europa sofre modificações causadas pela força que o capitalismo ganha ao longo da

guerra fria. Neste contexto, os loucos e criminosos de classes mais baixas tornam-se força

de trabalho. Para isto, é necessário que estes tenham ou recuperem sua “liberdade”.

Assim, as instituições de internamento precisaram passar por modificações com o

objetivo de dar liberdade ao criminoso ou louco visando sua produtividade. As penas

alterativas são criadas na área da justiça penal (SILVA; LEMOS; MELLO, 2011) e os

Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) são institutos no contexto da saúde mental

(CARVALHO-BARRETO et al., 2010).

É possível perceber neste diálogo genealógico (FOUCAULT, 2003) que o

dependente químico é enquadrado como portador de um transtorno mental, o que coloca

o bêbado nos manuais de psiquiatria (e.g., DSM V). Este fato vem sendo questionado pela

Psicopatologia Cultural, que percebe o transtorno mental não como doença, mas como

parte da natureza humana (MOREIRA, 2001). O dependente químico assemelha-se, neste

diálogo genealógico, mais à prostituta e ao homossexual, que precisavam ser excluídos

dos espaços sociais, do que aos psicóticos (FOUCAULT, 2007). Nesta relação dinâmica

sobre o que é o louco, o que é o normal, o que é o patológico e o que é a pessoa sã, as

relações de poder ganham espaço privilegiado para esta discussão (FOUCAULT, 1977).

Os dependentes químicos voltaram a se tornar suspeitos de ameaçar a ordem

com sua influência no aumento do tráfico de drogas no Brasil, como apresentado

previamente. O espaço social que estavam conquistando juntamente com outros que

foram beneficiados pelo movimento antimanicomial voltou a ser questionado no Brasil

pelo governo estadunidense. Este governo com suas práticas claras de poder e intervenção

revisitam o direito de escolha ao tratamento pelo dependente químico e implementam o

PJT.

O setor da justiça mais afetado em termos de custos são as instituições de

controle social, especialmente as polícias e sistema prisional. O PJT, em sua

compulsoriedade, consegue dialogar – sem escutar a opinião do dependente químico –

entre justiça e economia. A perspectiva aqui é crítica, pois da mesma forma que a prisão

não é efetivamente corretora e nem punitiva conforme Foucault (1977, 2006) aponta, a

106

proposta do PJT também não o é como estudos já apresentados indicam (LIMA; SOUZA,

2012; SANTOS, 2010). A proposta deste programa funciona, na verdade, como uma

alternativa para redução de custos.

A criação do PJT pode ser compreendida na mesma direção da criação da prisão

que, segundo Foucault (1977, 1996, 2006), torna visível e controlável a certo tipo de

delito e condenando, costumeiramente, as classes mais baixas. O tráfico de drogas mostra

uma delinquência que em determinado período da história foi útil para construção dos

presídios, mas que, na contemporaneidade, é alvo de preocupação por parte da justiça,

que não percebe ser possível a construção de mais presídios.

A justiça penal e a psiquiatria, que tinham elos estabelecidos desde o surgimento

dos manicômios criminais e que perderam parte de sua força depois do movimento

antimanicomial, voltam a dialogar fortemente com o PJT sobre a “irracionalidade do ato

delinquente” (COSTA, 2004, p. 83). Em suma, surge novamente o discurso de que a

irresponsabilidade social do usuário de drogas está afetando a ordem social, pois incentiva

o tráfico de drogas. Assim, não resta outra escolha senão obrigar o usuário a frequentar

clínicas de tratamento e, se ele se recusar a participar do programa, retira-lo dos espaços

sociais, incluindo-o em uma prisão ou casa de detenção.

107

reforma psiquiátrica levou à deshospitalização da pessoa portadora de

transtorno mental, ocasionando a redução expressiva no número de leitos em

hospitais de custodia para tratamento psiquiátrico (antigos sanitário-criminal).

Apesar disto, este movimento teve o dependente químico como alguém que não é incluído

totalmente na nova ética da sociedade. Isto porque ele ainda infere risco a sociedade,

legitimando o porquê de ele não ter conseguido sair da compulsoriamente de forma mais

bem-sucedida do que louco.

Assim, considera-se que o essencial não é apenas a necessidade de tratamento

para os dependentes químicos e a situação social das pessoas usuárias de drogas que

cometeram delitos por conta destas drogas. Trata-se, fundamentalmente, de constituir a

condição de cidadania da pessoa dependente química dentro, e, efetivamente, de sua

liberdade de escolha na busca de tratamento, buscando a constituição do seu espaço

social.

A

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

108

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SOBRE O AUTOR

ANDRÉ DE CARVALHO-BARRETO

Doutorando em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em

Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Possui Licenciatura e Bacharelado

em Psicologia pela UNIFOR e Licenciatura em Filosofia pela Universidade Estadual do

Ceará (UECE). Docente do Curso de Psicologia e coordenador do Laboratório de

Psicologia Cultural e Fenomenologia (LabCult) do Centro Universitário Católica de

Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

111

O PAPEL DA GUARDA MUNICIPAL NA

SEGURANÇA PÚBLICA COM FOCO NA

VIOLÊNCIA

Douglas Willyam Rodrigues Gomes, Leonardo Araújo Lima,

Matheus Alves Pinheiro

112

RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar o

papel das guardas municipais na segurança pública

com foco na violência. Metodologicamente a

investigação trata-se de um estudo descritivo que

utilizou a técnica qualitativa e o referencial teórico

sobre segurança pública. Usou-se de pesquisas

bibliográficas, estudos da Constituição Federal, de

Leis, Decretos, livros e textos relacionados ao tema.

O trabalho inicialmente aborda o histórico das

guardas municipais do Brasil. Na sequência, trata

legalmente sobre o poder de polícia, com o fim de

relacioná-lo com os poderes da administração

pública. Em seguida, faz-se uma investigação sobre o

tema violência, evidenciando suas causas. Por fim,

conclui-se que a guarda municipal sendo legitimada

através da Constituição democrática de 1988, das

competências de caráter institucionais e emanadas

pelo Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de

Segurança Pública demonstra-se fonte consistente

colaborativa na segurança pública municipal com

foco na violência.

PALAVRAS-CHAVE Guarda Municipal. Segurança Pública. Município.

113

pensamento tradicional sobre segurança pública impõe consequência e

limitações estruturais ao objetivo de produzir melhores condições de vida às

cidades e às populações. Primeiro, atribui à redução da violência

exclusivamente à ação policial (judiciária e militar). Segundo, foca as ações de redução

da violência somente no combate ao crime (a violência já expressa), em especial, aos

homicídios e assaltos. Terceiro, desconsidera que os Municípios têm um papel importante

a desempenhar na prevenção e redução da violência.

A ideia de que as prefeituras nada têm a ver com esse problema decorre do

mesmo senso comum que a violência é somente preocupação da polícia militar, o que é

uma cobrança equivocada para com as próprias polícias. Entretanto, as prefeituras podem

contribuir para a redução da violência.

O estímulo investigativo do presente estudo nasce com base no seguinte

problema de pesquisa: qual a colaboração das Guardas Municipais na segurança pública,

mais especificamente na violência?

Para responder a essa indagação, surge o objetivo geral do presente trabalho que

consiste em analisar os conceitos do que se pode atribuir como função das Guardas

Municipais. Com o intuito de auxiliar o alcance do objetivo principal, foram concebidos

os seguintes objetivos específicos: investigar o histórico das guardas municipais do

Brasil; analisar o poder de polícia da guarda municipal; e investigar a temática violência

e a colaboração da guarda municipal na segurança pública, e relacioná-las.

O estudo sobre a colaboração da Guarda Municipal para redução da violência

nos Municípios perpassa, necessariamente hoje, sobre definir qual a função das Guardas,

posto que essa contribuição somente se dá de forma eficaz e eficiente se a instituição tiver

o perfil para desenvolver as atribuições que lhe cabem dentro de um conjunto de políticas

de prevenção a violência.

O

1. INTRODUÇÃO

114

2.1. A TRAJETÓRIA DAS GUARDAS MUNICIPAIS DO BRASIL

o Brasil, a primeira instituição de natureza policial de iniciativa do Estado se

originou no ano de 1775, em Minas Gerais, e foi denominada de Regimento

de Cavalaria Regular da Capital de Minas Gerais, da qual o Alferes Joaquim

José da Silva Xavier, historicamente conhecido como “Tiradentes”, foi comandante no

ano de 1780. É importante destacar que esta instituição é historicamente considerada

predecessora da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.

Em 1890, com o advento da vinda da família real para o nosso país, foi instituído

a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, a qual tinha como missão policiar a cidade,

e podemos dizer que foi a predecessora da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

De fato, a primeira polícia permanente municipal no Brasil, surgiu em 1842 no

antigo município neutro da corte, cidade do Rio de Janeiro, com a denominação de Corpo

de Guardas Municipais Permanentes. Já na cidade de São Paulo, a Lei Provincial n.23, de

26 de março de 1866, sancionada por Joaquim Floriano de Toledo, então Presidente da

Província de São Paulo, criou as guardas municipais, órgãos cujas finalidades eram

garantir a segurança pública.

De fato, a maioria das guardas municipais criadas recentemente foi constituída

com expectativa de que as mesmas venham a ser força de policiamento ostensivo. A

pesquisa do IBGE “O perfil dos municípios Brasileiros em 2015” apresentou dados e

gráficos importantes para a análise da constituição e histórico das guardas municipais

atualmente. Um importante dado e bastante revelador é o que trata do tipo de atividade

que estão sendo desenvolvidas pelas guardas municipais nas cidades. Estão, segundo a

pesquisa, as guardas atuando em atividades de patrulhamento ostensivo, auxílio à Polícia

Militar e à Polícia Civil, patrulhamento de ruas e avenidas (IBGE, 2015).

Segundo dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP/MJ),

existem no Brasil aproximadamente 400 (quatrocentos) Guardas Municipais

institucionalizadas. Segundo a pesquisa sobre o perfil das guardas municipais no Brasil

em 2003 (SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2005) 71%

N

2. REFERENCIAL TEÓRICO

115

(setenta e um por cento), encontram-se localizadas no sudoeste do país, onde grande parte

teve sua origem após a Constituição Federal de 1988, quando se estabeleceu dispositivo

constitucional autorizativo para que os municípios constituíssem suas forças de

segurança. A comunhão desta autorização constitucional com o aumento da violência foi

como um imenso incentivo para a disseminação de novas guardas municipais no país.

2.2 CONTEXTO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL

Segundo Njaine e Minayo (2003), explicitam que a violência é vista como um

fenômeno complexo, multifacetário e resultante de múltiplas determinações que se

articulam intimamente com os processos sociais existentes, em última análise, numa

estrutura social desigual e injusta. Tal análise explicita condições negativas de vida que

se aglomeram, tais como: desigualdades sociais oriundas do consumo de bens essenciais

à vida que não equitativamente divididos, violência conjugal no âmbito familiar, e a

delinquência que assola a sociedade depredando o patrimônio público e privado, bem

como, danos físicos e morais às vítimas dessas ações criminosas.

Foram detectadas algumas nuances as quais revelam um quadro deficitário da

realidade social brasileira. Os fatores sócios econômicos: pobreza, agravamento das

desigualdades, herança da hiper inflação; fatores institucionais: insuficiência do estado,

crise do modelo familiar, recuo do poder da igreja; fatores culturais: problemas de

integração racial e desordem moral; demografia urbana: êxodo rural e inchaço da

periferia; a mídia: com seu poder, que colabora para a apologia da violência; globalização

mundial: com a contestação de fronteiras e o crime organizado (narcotráfico, posse e uso

de armas de fogo e guerra entre gangues) (LOPES, 2007 apud CHERNAIS, 1999, p. 22).

A violência sistêmica tem seu nascedouro nos excessos na prática do

autoritarismo, com raízes historicamente e culturalmente bem fundamentadas, apesar das

garantias democráticas explicitadas na Constituição da República Federativa do Brasil de

1988. As suas raízes são originariamente oriundas da cultura proveniente da colonização.

Na presente conjuntura, há ocorrência visível da violência sistêmica, ou seja, o Estado se

mostrando sem eficiência no combate à tortura legal e aos maus-tratos aos presos, bem

como à ação dos grupos de extermínio (NJAINE; MINAYO, 2003).

As condições de vida são extremamente adversas e injustas, isso no tocante a

uma parcela da sociedade considerada mais desfavorecida. A realidade está exposta

116

através do quadro miserável da população, em função da má distribuição de renda,

exploração dos trabalhadores, crianças nas ruas, mendigos, ausência de condições

mínimas para uma vida com dignidade, péssimos níveis de saúde, educação e segurança

pública (NJAINE; MINAYO, 2003).

2.3 O PAPEL DAS GUARDAS MUNICIPAIS NA SEGURANÇA PÚBLICA

O papel das guardas municipais no campo da segurança pública passa pela

definição de identidades destas instituições. Esta definição de identidade passa pela

definição de suas competências o que, necessariamente, nos remete ao poder de polícia

que detêm ou devem deter. No campo da segurança pública, o poder de polícia está

limitado aos órgãos públicos de segurança, como determina a Constituição Federal de

1998 (BRASIL, 2006, p. 99), em seu artigo 144, que especificou o sistema de Segurança

Pública e declinou seus órgãos:

[...] A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,

é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas

e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – Polícia Federal;

II – Polícia Rodoviária Federal;

III – Polícia Ferroviária Federal;

IV – Polícias Civis;

V – Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

§1º - A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado

e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento

de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e

empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão

interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser

em lei;

II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o

contrabando e descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos

públicos nas respectivas de competência;

III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§2º - A Polícia Rodoviária Federal, órgão permanente, organizado e mantido

pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao

patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§3º - A Polícia Ferroviária Federal, órgão permanente, organizado e mantido

pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao

patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§4º - Às Polícia Civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária

e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

117

§5º - Às Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem

pública; aos Corpos de Bombeiros Militares, além das atribuições definidas em

lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§6º - ...

§7º - ...

§8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à

proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§9º - ...

Assim, ressalta-se que os entes de natureza privada que atuam na área de

segurança não são portadores de poder de polícia, atribuído exclusivamente, neste campo,

aos órgãos estatais, ou seja, aos órgãos pertencentes à União, Estado e aos Municípios.

Para Brito (2008), as atividades administrativas do município, as quais se

fizeram necessário o uso do poder de polícia através de sua Guarda Municipal, podem ser

realizadas como atividade policial igual a qualquer outra, claro que sempre restrita a

competência do município.

Desta forma, a autorização legal para o município exercer seu poder de polícia,

dentro dos limites de sua competência, através de seu órgão de segurança pública está

explicitado na Constituição Federal de 1998, em seu art. 144 §8º, que permitiu a criação

das Guardas Municipais, para proteção dos bens, serviços e instalações do Município.

118

etodologicamente, a presente investigação trata de estudo descritivo que

utilizou a técnica qualitativa e o referencial teórico sobre Segurança

Pública. Usou-se de pesquisas bibliográficas, estudos da Constituição

Federal, de Leis, Decretos, livros e textos relacionados ao tema.

A pesquisa bibliográfica foi bastante utilizada neste trabalho para melhor

conhecer as contribuições científicas sobre os temas. Desta forma, é utilizado

principalmente, como metodologia, o estudo da doutrina do direito administrativo pátrio

e da legislação constitucional e infraconstitucional aplicada à espécie.

Os conceitos do direito administrativo, combinado com o estudo e análise da

legislação, confrontados com a realidade das atividades e funções hoje desempenhadas

pelas Guardas Municipais ampliam o campo de estudo do trabalho.

A análise dos livros e outros referenciais se fundamentou em constantes leituras,

na busca de assimilar o conteúdo que atendia ao objetivo deste estudo. Posteriormente,

os conteúdos comuns firmados em cada material foram agrupados para formar as

temáticas de observação e elaboração de um estudo crítico das colocações dos autores das

referências estudadas.

M

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

119

s políticas de segurança pública em regra, atribuem exclusivamente à ação

policial o combate à criminalidade e, em consequência, desconsideram que os

municípios têm um papel importante a desempenhar na prevenção e redução

dos danos causados pela violência.

O controle pelo registro da violência mostra-se falho, principalmente nas zonas

rurais mais pobres ou dentro de zonas urbanas de instalação recente, principalmente nos

subúrbios, favelas e cortiços. O quadro de violência existe, mas não é catalogada. Trata-

se então de um círculo vicioso, a violência gera o medo, mas este gera igualmente

violência, que se instala uma psicose coletiva que é preciso romper a qualquer preço e

cujos únicos beneficiados são certos lobbies da segurança como as firmas de vigilância,

as milícias privadas e as companhias de seguros (LOPES, 2007).

Encontra-se no âmbito municipal grande parte das ações que operam diretamente

sobre os fatores predisponentes da violência. Programas de geração de trabalho e de

renda, de habitação, da cultura, do esporte e do lazer, da educação, criação ou

aproveitamento de espaços públicos para atividades com crianças, adolescentes e jovens,

adultos, urbanização, limpeza e iluminação de vias públicas, valorização e

embelezamento de praças, parques e jardins, além de operar com sua guarda municipal

no cumprimento das normas e regulamentos urbanos no âmbito do poder de polícia

municipal.

Lopes (2007, p. 23) evidencia o seguinte:

(...) a sociedade não está inerte diante de tudo isso, a resistência e a mobilização

contra a violência sempre ocorreram no Brasil. Chamamos atenção para um

exemplo recente, que tem se destacado entre outros: o Movimento Viva Rio,

que nasceu na sociedade civil e luta pacificamente contras as arbitrariedades,

reivindicando a atuação mais eficaz das autoridades. Leva a mensagem da paz

para a população e sinaliza para o fato de que se pode construir uma sociedade

mais crítica, justa e combativa. Encaixando-se perfeitamente numa ação

preventiva.

Segundo Gomes (2012), para se ter os padrões ótimos de eficiência, eficácia e

efetividade na segura pública municipal, exige-se ainda um processo de mudanças, que

não é fácil nem rápido. Precisa-se repensar os valores do setor público, numa dimensão

A

4. RESULTADOS

120

ampla, capacitar e avaliar agentes de segurança municipal e promover o envolvimento da

população na cobrança e acompanhamento dos resultados dos programas.

121

s Guardas Municipais, no que se refere as suas competências e finalidades,

são instituições em formação. Logo, tudo que pense e elabore seriamente no

sentido de definir o perfil das guardas municipais, pode vir a contribuir para

que estas venham a, efetivamente, atuar como ente positivo e proativo na defesa dos

direitos fundamentais da pessoa humana e na construção de política pública de segurança

que privilegie a prevenção e não somente reação.

A polícia quando exerce poder de polícia realiza seu papel em nome da

administração pública, única detentora de tal faculdade, justificada pelo interesse social

em benefício da coletividade. Paralelamente, a Guarda Municipal é um órgão público de

segurança pública, integrante do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, vinculado

à Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Assim, caso um

integrante desta corporação, em condições normais de trabalho, não evite o crime à sua

frente, responderá pelo delito de prevaricação, uma vez que, por ser um servidor público

e possuir formação específica, usar arma (letal ou menos letal) do Município, tem, dentro

das circunstâncias operacionais, o dever de agir e exercer o poder de polícia que lhe foi

outorgado pelo município para o cumprimento de suas funções.

A política de segurança pública precisa, necessariamente, associar, dentro de

ações integradas, às corporações policiais militares e civis, guardas municipais,

bombeiros, secretarias estaduais e municipais e ainda a sociedade civil – empresas,

entidades de classe, sindicatos, instituições de educação, grupos de voluntariado, famílias

– que detêm o poder de intervir diretamente sobre as causas da exclusão social, da falta

de oportunidade para o desenvolvimento pessoal, da desagregação familiar, da falta de

vínculos e convivência social.

Diante do sistema de segurança pública no Brasil, a prestação do serviço policial

pelo município, contanto que dentro de suas competências e responsabilidades

constitucionais, deve se apresentar, não como uma solução para violência local, mas como

um melhor relacionamento entre sociedade e governo. O importante é não permitir que

as Guardas Municipais se tornem mais uma polícia, mas, sim, sejam promotoras da

cidadania e vinculadas as demandas comunitárias de segurança.

A

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

122

Por fim, destaca-se que a utilização deste estudo poderá contribuir para pesquisas

futuras, uma vez que os conhecimentos na área de Guarda Municipal, Segurança Pública,

e Violência não se exauriram neste trabalho.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 27 ed. São Paulo: Atlas,

2006.

BRITO, J. A. R. O poder de polícia da guarda municipal. 2008. Trabalho de

conclusão de curso (Especialização) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul, Porto Alegre, 2008.

IBGE. O perfil dos municípios brasileiros em 2015. Brasília: 2015.

GOMES, D. W. R. Gestão Pública por Resultado: uma análise do projeto de

Reestruturação da Guarda Municipal de Fortaleza. In: ENCONTRO DE INICIAÇÃO À

PESQUISA, 18, 2012, Fortaleza. Anais... Fortaleza: UNIFOR, 2012.

LOPES, Franklin de Freitas. A violência nas escolas públicas do município de

Horizonte-CE: o olhar dos docentes e discentes. 2007. Dissertação (Curso de Mestrado

em Planejamento e Políticas Públicas). UECE. Fortaleza, 2007.

NJAINE, K.; MINAYO, M. C. S. Violência na escola: identificando pistas para a

prevenção. Interface: comunicação, saúde, educação, Botucatu, v. 7, n. 13, p. 119-134,

2003.

SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA. Relatório descritivo:

pesquisa do perfil organizacional das guardas municipais de 2003. Brasília: 2005.

123

SOBRE OS AUTORES

DOUGLAS WILLYAM RODRIGUES GOMES

Doutorando em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará

(UECE). Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)

e em Gestão de Segurança Pública e Defesa Civil pela Faculdade Metropolitana de

Fortaleza (FAMETRO). É Bacharel em Administração pela Universidade Federal do

Ceará (UFC) e Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Ceará

(UECE). Coach pelo Institute of Coaching Professional Association (ICPA)/ Harvard

Medical School/ Sociedade Latino Americana de Coaching (SLAC).

E-MAIL: [email protected]

LEONARDO ARAÚJO LIMA

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Especialista em Psicologia Clínica na Perspectiva Histórico e Cultural pela Faculdade

RATIO. É Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordena

as ações de avaliação institucional e pedagógica pela Bussola Assessoria Pedagógica. É

docente e pesquisador nas áreas de Psicologia do Trabalho e das Organizações e de

Psicologia da Aprendizagem pelo Centro Universitário Católica de Quixadá

(UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

MATHEUS ALVES PINHEIRO

Atualmente é Pós-graduando em Gestão Financeira Controladoria e Auditoria pelo

Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). Bacharel em Ciências

Contábeis pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

124

O PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE: GÊNESE E

APLICAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Renato Moreira de Abrantes

125

RESUMO O princípio da proporcionalidade surgiu como

contraponto às escolas clássicas e da livre

investigação científica do direito, dotando o julgador

da competência não só de aplicar a lei, como também

de interpretá-la, segundo a justiça e os valores sociais.

Tomou impulso com o final da Segunda Grande

Guerra Mundial, quando da criação do Tribunal

Constitucional Federal, deitando raízes no direito

alemão e, também, norte-americano. No Brasil,

referido princípio vem sendo gradualmente utilizado

pelo Supremo Tribunal Federal, em suas decisões

colegiadas e monocráticas, enquanto instrumento de

resolução de conflitos entre direitos fundamentais,

significando amadurecimento histórico, político e

institucional daquela Corte.

PALAVRAS-CHAVE Princípio da proporcionalidade. Gênese.

Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal.

126

o Brasil, o Estado Democrático de Direito, enquanto instituição, materializa-

se na figura jurídica da República Federativa, formada pela união indissolúvel

da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e tem por fundamentos a

soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa e o pluralismo político.

Base para a manutenção deste Estado é o poder que do povo emana, exercido

por meio de representantes eleitos ou diretamente, através dos mecanismos de

participação popular, do referendo e do plebiscito.

Enquanto objetivos, o diploma constitucional elenca a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação

da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e, por

fim, a promoção do bem de todos, sem preconceito de nenhum tipo ou discriminação de

qualquer forma.

Ao pontificar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza” (art. 5º, da CF/88) – e ao garantir a todos os brasileiros e estrangeiros residentes

no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade–, o Pergaminho Constitucional permite a utilização de diversas ferramentas

de efetivação da justiça, entre os quais a aplicação do princípio da proporcionalidade.

Por sua importância, Coelho (2013) entende que a inserção do princípio da

proporcionalidade no ordenamento jurídico brasileiro (ainda que de forma implícita e nas

reiteradas decisões judiciais) aponta para a superação dos equívocos do princípio da

subsunção jurídica, supostamente assecuratório da segurança jurídica, da racionalidade

dessas decisões e da neutralidade do julgador, haja vista a utilização pura do método

silogístico-hipotético.

Ademais, significa o credenciamento do princípio da politicidade das decisões

judiciais, segundo o qual:

[...] as decisões judiciais não são neutras, no sentido da racionalidade

positivista. O magistrado é portador de valores, crenças e preconceitos de toda

ordem, conscientes ou não, herdeiro da tradição e de um passado teórico que

interfere no ato decisório (COELHO, 2013).

N

1. INTRODUÇÃO

127

Finalidade deste artigo, portanto, é, após passar em revista os precedentes

históricos do prefalado princípio, analisar a sua gradual inserção no acervo

jurisprudencial da Suprema Corte Brasileira, por ser este um assunto que envolve e atinge

diretamente a todos, pois forma privilegiada de resolução de conflitos de direitos.

128

2.1. PRECEDENTES FRANCESES

gênese do princípio da proporcionalidade confunde-se com a crítica dos

doutrinadores franceses do final do século XIX ao método da escola de

exegese ou tradicional que, segundo Gusmão (1978, p. 263), “considera a

norma legislativa como dogma, devendo o intérprete limitar-se a pesquisar a vontade do

legislador”.

Quando a lei era clara, a interpretação fixava-se nas palavras utilizadas pelo

legislador. Ao intérprete, cabia apenas e tão somente lançar mão da interpretação

gramatical ou literal.

A crítica de Gény (1861-1959) voltou-se para a evidência de que o legislador,

não podendo prever tudo, não detinha o “monopólio da formulação do direito”

(GUSMÃO, 1978, p. 264). Ademais, a lei, enquanto construção de um parlamento abre-

se para a vontade coletiva, razão pela qual há que se falar em “vontade legislativa”. Este

seria, portanto, o objetivo da interpretação: buscar a mens legis.

A atualização da lei, através da interpretação, tornaria o intérprete um novo

legislador. Considerando Gény que o direito não está todo na lei, pois esta não pode prever

todas as situações jurídicas futuras, fazia-se necessário encontrar uma técnica de

interpretação. Assim, em 1899, em Méthode d’interprétation et sources em droit prive

positif, referido doutrinador criou a “livre investigação científica do direito” que, segundo

Gusmão (1978, p. 264), era “livre, por não estar submetida a nenhum texto legal ou a

nenhuma fonte do direito, e científica, por se fundar em critérios objetivos, fornecidos

pelas ciências”.

Utilizando-se de tal técnica, o intérprete deveria buscar na natureza das coisas

os elementos necessários para formular a norma para o caso não previsto, ou seja, para o

caso de lacuna legal unicamente.

O pensamento de Gény foi criticado por seus compatriotas, a exemplo de

Saleilles (1855-1912), para quem “a lei não é elaborada para um corpo social moribundo,

mas para um corpo social vivo, em desenvolvimento, com épocas de crise e com épocas

A

2. GÊNESE DO PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE

129

de estabilidade” (GUSMÃO, 1978, p. 265), devendo a interpretação adaptar a lei velha

aos tempos novos, sem, contudo, abandoná-la.

Criou-se, a partir do contraponto proposto por Saleilles, o método histórico-

evolutivo, que visou “dar vida aos códigos, levando em conta as tradições, o sistema

vigente como um todo, os seus princípios e as exigências do momento de sua aplicação”

(GUSMÃO, 1978, p. 265), processando-se uma interação entre o direito positivo e a

realidade social.

Ainda hoje, a jurisprudência francesa utiliza este método, mesmo diante de

construções jurídicas oriundas da Revolução Industrial e das duas grandes guerras, quais

sejam a teoria da responsabilidade civil e a revisão judicial dos contratos.

Terceira construção teórica foi a dos autores que não concordaram com a solução

dada por Saleilles, os quais, fundadores da escola do direito livre, “pensaram dever ser

abandonados os códigos quando injusta fosse a sua aplicação ao caso concreto”

(GUSMÃO, 1978, p. 266).

Para essa escola, que teve como expoente Kantorowicz (1895-1963), sob a

alcunha de Gnaeus Flavius, era necessário, primeiro, ditar a norma para o caso segundo

a justiça e, depois, procurar o texto para fundamentá-la. Somente a ciência do direito – e

não o legislador – poderia encontrar essa norma, desempenhando, assim, papel criador.

Seria tarefa do juiz “descobri-la não nos textos, mas na realidade social” (GUSMÃO,

1978, p. 267).

Ehrlich (1862-1923), em 1903, vai além ao afirmar que o juiz deve abandonar

os textos e ir contra a lei quando assim exigirem as circunstâncias do caso novo; e,

segundo informa Gusmão (1978), descobrindo os interesses de cada situação, o juiz

estaria, só então, apto a encontrar a norma que atenda ao fim social do direito.

Enquanto se depreende do exposto, críticas se voltam tanto para a escola

tradicional, quanto para a escola do direito livre. A primeira sacrifica a justiça em nome

da segurança jurídica; a segunda sacrifica a segurança em benefício da justiça, deixando

o direito a ser aplicado à mercê do juiz e do seu modo de enxergar a realidade.

Desponta-se a aplicação do princípio da proporcionalidade como solução

dialética ao problema exposto.

130

2.2. O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO NO DIREITO ALEMÃO

A Segunda Grande Guerra Mundial, que teve como teatro de operações, além do

Extremo Oriente, a Europa é marco da gênese, no direito alemão, do princípio da

proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso. Neste período houve, segundo

Costa (2008), o rompimento do dogma da intangibilidade do legislador e da forma como

a jurisprudência europeia pós-guerra iniciou um movimento no sentido de controlar a

razoabilidade dos atos legislativos.

O Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht), criado aos 28 de

setembro de 1951 com o objetivo de garantir o cumprimento da Lei Fundamental Alemã,

procurou, desde o início, elaborar métodos de controle de razoabilidade, logo

denominados de “princípio da proporcionalidade”.

As circunstâncias pós-guerra, numa Alemanha ferida, e a necessidade de pronta

atuação do Poder Judiciário tornaram possível a construção de tal princípio, com

características, parâmetros e elementos que atualmente o configuram, quais sejam

necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

A experiência nazista, que propiciou ao mundo uma séria revisão da doutrina

positivista, foi um dos elementos impressores no direito alemão do aquilatamento das

situações concretas, quando judicializadas, desta vez sob a ótica jusnaturalista,

possibilitando, no Tribunal Constitucional Federal, o desenvolvimento de uma nova

doutrina.

Para Costa (2008, p. 169), “a constituição não é apenas um conjunto de normas,

mas envolve também uma ordem hierárquica e objetiva de valores”. Tornou-se aceitável,

portanto, que fossem desenvolvidos critérios de avaliação da adequação do conteúdo dos

atos da administração pública, por exemplo, e o valor fundamental de justiça, traduzido

pela exigência de proporcionalidade e proibição do excesso.

Informa-nos Mendes (2001, p. 02) que, “no Direito Constitucional alemão,

outorga-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da

proibição de excesso (Übermassverbot) qualidade de norma constitucional não-escrita,

derivada do Estado de Direito”, a partir do que será considerada inconstitucional uma lei

“por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz o

Bundesverfassungsgericht, se for possível constatar, inequivocamente, a existência de

outras medidas menos lesivas” (MENDES, 2001, p. 03).

131

Não obstante ter vindo a lume com o pós-guerra, Costa (2008, p. 170) assevera

que o princípio da proporcionalidade, ainda antes dos anos 50 do século passado, já fazia

parte do direito alemão, referindo-se apenas à “exigência de que o Estado utilize os meios

mais suaves para atingir seus fins”.

No entanto, somente a partir de 1958, com o “caso das farmácias”28, o recurso

ao princípio da proporcionalidade se tornou mais corriqueiro, vindo a consolidar-se em

inícios da década de 60, quando tomou sua conformação atual.

A partir de então, no informe de Campos (2004, p. 26, apud STEINMETZ, 2001,

p. 146), “rapidamente, essa nova leitura do princípio da proporcionalidade cruzará a

fronteira tedesca, sendo incorporada pela jurisprudência constitucional de inúmeros

países e pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”.

2.3. O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO NORTE-AMERICANO

Transportado para o direito norte-americano, o princípio da proporcionalidade,

que recebeu a denominação de “princípio da razoabilidade”, e mantém relação direta com

a cláusula do devido processo legal (o due processo of law, instituído pela 5ª emenda à

Constituição norte-americana, de 1789), serviu, segundo Raslan (2013), “como parâmetro

para coibir o arbítrio do Estado nas suas diversas relações com o indivíduo e com a

sociedade, por meio de sua utilização como critério de interpretação das leis”.

Os juízes da Suprema Corte norte-americana consideraram-no “critério

hermenêutico” para coibir a transgressão estatal nos direitos fundamentais dos cidadãos.

Para tanto, segundo Raslan (2013), tornou-se hábito o “exame de compatibilidade entre

o fim a ser atingido e o meio escolhido para alcançá-lo”.

Adotado pela doutrina e pela jurisprudência norte-americanas, o princípio da

razoabilidade carece, contudo, de precisão teórica e jurisprudencial, modo a assegurar

efetividade à segurança jurídica, enquanto concretizadora do Estado Democrático de

Direito, não obstante o seu papel já consagrado, no direito alemão, de garantidor da

28 Caso submetido ao Tribunal Constitucional Federal, em que se julgou apelação de farmacêutico alemão

e a possibilidade de abertura de seu estabelecimento. Invocava-se, em desfavor, lei bávara, que restringia o

número de farmácias em uma região, condicionando a concessão de licenças para novas aberturas à

demonstração de que elas seriam comercialmente viáveis e não significariam ameaças econômicas

competitivas. O apelante arguiu a inconstitucionalidade da lei, haja vista o ferimento do direito

constitucional de livre iniciativa. Decidiu o Tribunal pelo deferimento do pleito autoral e pela declaração

da inconstitucionalidade da lei bávara, por não ser adequada à garantia do interesse público (in casu a saúde

pública).

132

justiça. Neste sentido, identifica-se o “princípio da razoabilidade” norte-americano com

o “princípio da proporcionalidade” alemão.

2.4. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO BRASIL

No Brasil, o princípio da proporcionalidade foi acolhido modestamente pela

jurisprudência e pela doutrina. Não está explicitado na Constituição Federal e, segundo

Campos (2004), chegou até mesmo a ser negado pelos doutrinadores pátrios, a exemplo

de San Tiago Dantas, em obra publicada em 1948.

Na década de 60, do século passado, o princípio da proporcionalidade foi

adotado como forma de controle da discricionariedade dos atos administrativos, tendo

ingressado no ordenamento pátrio muito mais pela jurisprudência do que pela doutrina,

segundo informa Raslan (2013).

Mendes (2001) dá conta que a primeira referência a algum significado ao

princípio da proporcionalidade, em jurisprudência pátria, notadamente do Supremo

Tribunal Federal, está ligada à proteção ao direito de propriedade. Seguia o curso do ano

de 1953, e o Min. Orozimbo Nonato assim se pronunciou:

O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez

que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem

compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito

de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso,

o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do “détournement de

pouvoir”. Não há que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da

inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado que o conflito entre

a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente

considerando a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito do

dispositivo invocado (RE 18.331, Relator Ministro Orozimbo Nonato, RF 145

(1953), p. 164s).

A partir do marco jurisprudencial supracitado, a Suprema Corte Brasileira

voltou-se para a inserção indireta do princípio da proporcionalidade no ordenamento

jurídico pátrio.

Notável é a declaração de inconstitucionalidade de norma constante da Lei de

Segurança Nacional, que vedava ao acusado da prática de crime correlato o desempenho

de qualquer atividade profissional ou privada. Referindo-se à pena como

“desproporcional” e “cruel” e, portanto, inconstitucional, o STF refere-se à prefalada lei

como sendo uma afronta ao direito da própria vida:

Cruel quanto à desproporção entre a situação do acusado e as conseqüências

da medida. Mas não só o art. 150, § 35, pode ser invocado. Também o caput

do art. 150 interessa, porque ali se assegura a todos os que aqui residem o

direito à vida, à liberdade individual e à propriedade. Ora, tornar impossível o

exercício de uma atividade indispensável que permita ao indivíduo obter os

133

meios de subsistência, é tirar-lhe um pouco de sua vida, porque esta não

prescinde dos meios materiais para a sua proteção (HC 45.232, Relator:

Ministro Themístocles Cavalcanti, RTJ 44, p. 322 (327-328)).

Após tais decisões, outras sobrevieram, sempre no sentido de acolhida indireta

ao princípio da proporcionalidade, porém, naturalmente, sem qualquer referência

constitucional. Previsões legais do princípio em análise são, segundo Lenza (2010), o art.

2º, VI, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da

Administração Pública Federal, e o art. 156, do Código de Processo Penal.

Implicitamente, como decorrência do princípio do devido processo legal, o

princípio da proporcionalidade, em sua acepção substantiva, pode ser apontado no art. 5º,

LIV, da Constituição Federal de 1988 (LENZA, 2010, p. 138).

134

Constituição Federal de 1988 foi considerada um marco divisor para muitos

ramos do direito brasileiro. Sua promulgação se deu num clima de grande

euforia e mobilização popular, não por acaso ser considerado referido diploma

constitucional uma verdadeira “carta de direitos do cidadão”.

Este clima – mais que justificado, em que pese os “anos de chumbo” em que

qualquer intento que significasse ruptura com o status quo e que se revestisse de ideais

progressistas (ou, no jargão da época, de ideologias subversivas) –, aglutinou as forças

vivas da sociedade que, unidas, confeccionaram um dos mais avançados textos

constitucionais do mundo.

Naquele contexto, desnecessário afirmar que a utilização dos princípios da

razoabilidade ou da proporcionalidade era inexistente, vindo à tona a partir do alvorecer

constitucionalista dos finais da década de 1980.

Não obstante os precedentes anteriores à Constituição de 1988, a jurisprudência

do Pretório Excelso, nos dois primeiros anos da novel ordem constitucional, não fez

nenhuma referência ao princípio da proporcionalidade em seus julgados.

Pesquisas realizadas em 02 de agosto de 201629, através do mecanismo de busca

jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, investigou a utilização da expressão

“princípio da proporcionalidade” nos julgados do STF, no período entre 05/10/1988 e

31/12/2015, cujos resultados são reproduzidos na Tabela abaixo que se segue.

29 Mecanismo de busca jurisprudencial disponibilizado no site <http://www.stf.jus.br>.

A

3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL A PARTIR DE 1988

135

Tabela 01 – Jurisprudência do STF: utilização da expressão “princípio da proporcionalidade”.

ANO ACÓRDÃOS DECISÕES

MONOCRÁTICAS PLENÁRIO 1ª TURMA 2ª TURMA

1988* 0 0 0 0

1989 0 0 0 0

1990 1 0 0 0

1991 0 0 0 0

1992 1 0 0 0

1993 3 0 0 0

1994 1 0 0 0

1995 1 0 0 1

1996 3 0 0 0

1997 0 0 0 0

1998 8 2 4 6

1999 9 1 0 14

2000 7 1 1 8

2001 6 3 1 15

2002 10 2 5 33

2003 36 0 4 30

2004 27 6 1 55

2005 10 0 7 118

2006 7 7 10 109

2007 19 7 9 52

2008 9 12 14 102

2009 15 2 7 227

2010 12 4 12 429

2011 7 7 16 568

2012 10 25 37 635

2013 19 41 18 822

2014 2 11 3 514

2015 20 15 19 825 * A partir de 05/10/1998.

Fonte: <http://www.stf.jur.br>.

Análise da tabela acima que somente a partir do ano de 1998, ou seja, dez anos

após a promulgação da Constituição Federal, é que a Suprema Corte Brasileira começa a

privilegiar em seus julgados, de forma mais consistente, o princípio da proporcionalidade.

Neste ano, era Presidente do STF o Ministro Celso de Mello (22/05/1997 a 26/05/1999)

que, juntamente com os seus pares30, começaram a utilizar em seus julgados, ainda que

timidamente, o preceito em estudo.

30 Compunham a Suprema Corte, em 1998, além do Presidente, o Min. Celso de Mello, os Ministros

Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octávio Gallotti, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso,

Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim.

136

No Plenário, entre 1988 até 1997, a média anual tinha sido de 0,8 utilizações ao

ano. Somente em 1999 a expressão foi utilizada 8 vezes, chegando, posteriormente, a 36

vezes no ano de 2003. Nas 1ª e 2ª Turmas, observa-se o mesmo fenômeno: 1988 é marco

inicial da utilização do princípio da proporcionalidade nos julgados, sendo,

respectivamente, 02 e 04 vezes.

Em se tratando de Decisões Monocráticas, o ano de 1988 é, também, marco

inaugural. À exceção de 1995, em que o Ministro Sepúlveda Pertence, em sua decisão,

referiu-se ao princípio, nenhuma vez se localiza a expressão e a utilização do princípio

como fundamento de decisão. Em 1998, verificam-se 06 decisões assim fundamentadas,

chegando a 822 vezes no ano de 2013.

Em 2015, atinge-se o recorde da utilização do princípio da proporcionalidade em

Decisões Monocráticas: 825 vezes.

O gráfico abaixo reproduz visualmente os números da Tabela 01 acima.

Gráfico 01: Jurisprudência do STF: utilização da expressão “princípio da proporcionalidade” –

Acórdãos.

* A partir de 05/10/1998 - Até 31/12/2015.

Fonte: <http://www.stf.jur.br>.

No que tange às Decisões Monocráticas, o Gráfico 02, abaixo, demonstra a

gradual utilização do princípio da proporcionalidade:

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014

PLENÁRIO

1ª TURMA

2ª TURMA

137

Gráfico 02: Jurisprudência do STF: utilização da expressão “princípio da proporcionalidade” –

Decisões Monocráticas.

* A partir de 05/10/1998 - Até 31/12/2015.

Fonte: <http://www.stf.jur.br>.

Os temas dos julgados variam, merecendo destaque as seguintes ementas:

ELEIÇÕES - CANDIDATOS - NÚMERO - DEFINIÇÃO. Ao primeiro

exame, não surge a relevância de pedido no sentido de suspender-se preceito

de lei que vincula o número de candidatos por partido às vagas destinadas à

representação do povo do Estado na Câmara dos Deputados. Harmonia do

preceito do § 2º do artigo 10 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997,

regedora das eleições de 1998, com os princípios da razoabilidade e da

proporcionalidade ínsitos na Carta da República. (ADI 1813 MC, Relator(a):

Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/1998, DJ 05-06-

1998 PP-00002 EMENT VOL-01913-01 PP-00063).

CRIME CONTRA A HONRA - ELEMENTO SUBJETIVO - O DOLO -

INVIOLABILIDADE PARLAMENTAR - RETORSÃO - ALCANCE.

Tratando-se de hipótese a revelar prática inicial coberta pela inviolabilidade

parlamentar, sentindo-se o titular do mandato ofendido com resposta

formalizada por homem público na defesa da própria honra, único meio ao

alcance para rechaçar aleivosias, cumpre ao órgão julgador adotar visão

flexível, compatibilizando valores de igual envergadura. A óptica ortodoxa

própria aos crimes contra os costumes, segundo a qual a retorsão é peculiar ao

crime de injúria, cede a enfoque calcado no princípio constitucional da

proporcionalidade, da razoabilidade, da razão de ser das coisas,

potencializando-se a intenção do agente, o elemento subjetivo próprio ao tipo

- o dolo - e, mais do que isso, o socialmente aceitável. Considerações e

precedente singular ao caso concreto. (Inq 1247, Relator(a): Min. MARCO

AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/1998, DJ 18-10-2002 PP-00026

EMENT VOL-02087-01 PP-00075).

EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios judiciais. 3. Não

configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com

finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de múltiplas

obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a outras

normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de

serviços públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve atender à

máxima da proporcionalidade. 6. Adoção da chamada relação de precedência

condicionada entre princípios constitucionais concorrentes. 7. Pedido de

intervenção indeferido (IF 164, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,

Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em

13/12/2003, DJ 14-11-2003 PP-00014 EMENT VOL-02132-01 PP-00010).

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138

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

EXPRESSÃO “CARGOS EM COMISSÃO” CONSTANTE DO CAPUT DO

ART. 5º, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º E DO CAPUT DO ART.

6º; DAS TABELAS II E III DO ANEXO II E DAS TABELAS I, II E III DO

ANEXO III À LEI N. 1.950/08; E DAS EXPRESSÕES “ATRIBUIÇÕES”,

“DENOMINAÇÕES” E “ESPECIFICAÇÕES” DE CARGOS CONTIDAS

NO ART. 8º DA LEI N. 1.950/2008. CRIAÇÃO DE MILHARES DE

CARGOS EM COMISSÃO. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 37, INC. II

E V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DOS PRINCÍPIOS DA

PROPORCIONALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA.

AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. [...] (ADI 4125, Relator(a): Min.

CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/06/2010, DJe-030

DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01 PP-

00068).

EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO

DO NÃO CONFISCO. MULTA DE 50% DO VALOR DO IMPOSTO.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE

REAPRECIAÇÃO DE FATOS E DE PROVAS. SÚMULA STF 279. A

aplicação do princípio do não confisco tributário (art. 150, IV, da CF/1988) às

sanções pecuniárias envolve um juízo de proporcionalidade entre o ilícito e a

penalidade. Pressupõe, portanto, a clara delimitação de cada um desses

elementos. Diante da controvérsia acerca do ilícito praticado, a aferição, por

esta Corte, de eventual violação do princípio do não confisco, em decorrência

da aplicação de multa de 50% (cinquenta por cento) do valor do imposto

devido, encontra óbice na natureza extraordinária do apelo extremo e, em

especial, no entendimento cristalizado na Súmula STF 279: “Para simples

reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Agravo regimental

conhecido e não provido. (AI 769089 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER,

Primeira Turma, julgado em 05/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-

049 DIVULG 13-03-2013 PUBLIC 14-03-2013).

Percebe-se, desta forma, uma gradual e crescente utilização do conteúdo do

princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em seus julgamentos,

fruto do amadurecimento democrático pelo qual passa o país, desde que promulgada foi

a atual Carta Política.

Para Camargo (2005, p. 12), há uma explicação para tamanho silêncio: o grau

de subjetividade que os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade pressupõem,

modo a fazer com que os julgadores os aplicassem de maneira “simplista e inconsistente”.

Ainda, que “os Ministros do Supremo Tribunal Federal não agem de forma criteriosa ao

aplicarem a proporcionalidade e a razoabilidade”.

Não concordamos com o posicionamento anterior, haja vista colocar em questão

a própria legitimidade da Suprema Corte que, em assim sendo, age de forma a não garantir

a estabilidade e a aplicabilidade de seus próprios julgados.

Bem verdade que, ao compararmos a quantidade de Acórdãos com a quantidade

de Decisões Monocráticas, percebemos que os Ministros do STF, quando julgam

individualmente, utilizam em seus julgados a expressão “princípio da proporcionalidade”

mais prodigamente.

139

Assim, preferimos a interpretação de Mendes (2001, p. 18), para quem “o

princípio da proporcionalidade como dimensão específica do princípio do devido

processo legal ganhou autonomia na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.

Análise aprofundada dos julgados mostra que referido princípio vem sendo utilizado pelo

Pretório Excelso como ferramenta para a resolução de conflitos entre direitos

fundamentais, como nos casos de ação de paternidade, em que se discorre sobre a

obrigatoriedade de submissão ao exame de DNA.

Esta autonomia com que o STF posiciona-se e se aplica o princípio da

proporcionalidade é fruto da maturação histórica e político-institucional, segundo o

entendimento de Repolês (2003), para quem “o papel político do STF é em verdade um

papel político institucional. O STF tem de construir uma cultura interna de defesa e

preservação do órgão e do Poder Judiciário como terceiro poder do Estado”.

140

princípio da proporcionalidade é garantidor dos direitos fundamentais do

cidadão, bem como mantenedor do Estado Democrático de Direito. Não

conseguirá um país manter-se na órbita democrática sem que referido

princípio seja assegurado e, também, aplicado pelo Poder Judiciário.

Percebe-se que o Supremo Tribunal Federal, na esteira da sociedade brasileira,

tem demonstrado amadurecimento quanto aos anseios sociais, sendo, juntamente como

Poder Legislativo, dentro do limite de competência de ambos, criador.

Da vontade do legislador para a vontade da lei, passos foram dados. Necessário

se fez inserir na interpretação/hermenêutica constitucional as aspirações do povo a

imprimir ao sistema jurídico dinamicidade e vida.

Para isto, concorrem os princípios, notadamente o da proporcionalidade, a

aquilatar e sopesar os problemas concretos vividos pelos cidadãos, principalmente

quando postos em situação de conflito de direitos.

O

4. CONCLUSÃO

141

REFERÊNCIAS

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constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília, DF:

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jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Os casos de conflitos entre princípios

da Ordem Econômica. Sociedade Brasileira de Direito Público. 2005. Disponível em:

<http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/241_Manuela%20Oliveira%20Camargo.pdf

>. Acesso em: 22 de maio 2013.

CAMPOS, Helena Nunes. Princípio da proporcionalidade: a ponderação dos direitos

fundamentais. Cadernos de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico.

Universidade Mackenzie. São Paulo, v. 4, n. 1, p. 23-32, 2004. Disponível em:

<http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Direito_Politico_e_Eco

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COELHO, Luiz Fernando. Princípios Gerais de Direito. [S.L; S.D]. Disponível em:

<http://www.academus.pro.br/professor/luizfernando/artigo_direito.htm#_ftn1>. Acesso

em: 31 de mar. 2013.

COSTA, Alexandre Araújo. O controle de razoabilidade no direito comparado.

Brasília: Thesaurus, 2008. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/o-controle-

da-razoabilidade-no-direito-comparado/capitulo-iii/b-jurisprudencia-do-tribunal-

constitucional-federal-/1-historico-do-principio-da-proporcionalidade/>. Acesso em: 31

de mar. 2013.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do Direito. 8. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1978.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva,

2010.

MENDES, Gilmar. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal: novas leituras. Revista Diálogo Jurídico. Ano I, Vol. I, nº

5. Salvador: agosto de 2001. Disponível em:

<http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05-AGOSTO-2001-

GILMAR-MENDES.pdf>. Acesso em: 31 de mar. 2013.

RASLAN, Fabiana Duarte. Fundamentos teóricos dos princípios da razoabilidade e

da proporcionalidade. [S.L; S.D]. Disponível em:

<http://www.ebah.com.br/content/ABAAABfxYAE/fundamentos-teoricos-dos-

principios-razoabilidade-proporcionalidade>. Acesso em: 31 de mar. 2013.

REPOLÊS, Maria Fernanda Salcedo. O papel político do Supremo Tribunal Federal

e a hermenêutica constitucional. Considerações a partir da teoria, da cultura

142

institucional e da jurisprudência. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 150, 3 dez. 2003.

Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4570>. Acesso em: 23 de maio 2013.

STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudência. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 02 de ago. 2016.

SOBRE O AUTOR

RENATO MOREIRA DE ABRANTES

Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Mestre

em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em

Gestão Pública pela UECE; em Direito e Processos Constitucionais pela Faculdade

Católica Rainha do Sertão (FCRS); e em Direito Processual Canônico pela Universidade

Católica de Petrópolis (UCP). É Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Cajazeiras (FFCLC) e Bacharel em Direito pela FCRS. É Vice-Reitor

do Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA) e Juiz do Tribunal

Eclesiástico Regional e de Apelação do Ceará, e Auditor da Câmara Eclesiástica da

Diocese de Quixadá.

E-MAIL: [email protected]

143

O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO:

UMA ANÁLISE DESCRITIVA SOBRE A

ÓTICA SISTÊMICA DE DAVID

EASTON

Everton Lima de Oliveira, Francisco Valdovir Holanda de Almeida,

Saulo Nunes de Carvalho Almeida

144

RESUMO O panorama político nacional passa por consideráveis

transformações, as memoráveis participações da

sociedade civil em torno de diversos assuntos que vão

desde um apelo maior por democracia até uma

reinvidicação maior em busca de direitos e

transparência governamental evidenciam esse

momento. Diante de tais acontecimentos, se faz

oportuna uma análise dessas transformações por meio

do modelo de sistema político proposto pelo cientísta

político David Easton. Este trabalho tem como

objetivo demonstrar quais as falhas e o porquê delas

tendo em vista os elementos que compõem o sistema

político nacional, além de abrir uma discussão acerca

da proposta de reforma política que se faz cada vez

mais presente em nosso cotiadiano. Mediante o uso

do método descritivo, trabalhos e fontes de autores

clássicos e contemporâneos, será demonstrada como

essas transformações políticas podem influenciar na

vida da sociedade, sem deixar de lado variáveis

imprescindíveis como a cultura política brasileira e o

ethos nacional.

PALAVRAS-CHAVE Análise. Sistema político brasileiro. David Easton.

145

ssim como as “diretas já” e os “caras-pintadas” as recentes manifestações de

2013 “passe livre”, concluem que houve uma mudança de mentalidade por

parte dos brasileiros, isso é bastante evidente no número cada vez maior de

jovens que participaram e participam de manifestações reinvidicando melhores serviços

por parte do governo, além de lutar contra o problema histórico-cultural da corrupção no

país, um fato interessante sobre as manifestações é que a grande maioria não estão

vinculadas com idelogias ou partidos políticos, outro fator que se pode destacar é uma

ineficiência do sistema político brasileiro no sentido de atender as demandas sociais

reivindicadas pelo povo.

Com as crescentes discussões sobre “impeachment” e reforma política presentes

no cotidiano nacional, é valido fazer uma reflexão de como o atual sistema político

brasileiro chegou a tal ponto de insustentabilidade, e como essas turbulências afetam

grande parte da sociedade brasileira, reflexão esta, feita a partir do modelo de sistema

político proposto pelo cientísta político canadense David Easton.

O objetivo deste trabalho é demonstrar as falhas do sistema político brasileiro e

porque destes problemas de operação, além de sua relação com a sociedade brasileira. A

justificativa do presente estudo é a importância da análise do sistema político nacional e

fatos que ele trata, assunto esse de pouco conhecimento por parte dos leitores, o próprio

artigo de David Easton sobre sistema político carece de uma tradução para o português.

O trabalho refere-se mais especificadamente sobre o conceito de sistema

político, sua função, elementos e uma análise do sistema político nacional. Estando

organizado em três seções, na primeira será abordado o conceito de sistema político e sua

função, na seção dois será abordado os elementos que compõem o sistema político e como

esses elementos estão dispostos no sistema, na seção três será apresentada uma análise do

sistema político brasileiro com base no modelo de sistema político de David Easton e por

fim serão aparesentadas as considerações finais. A metodologia utilizada foi a pesquisa

bibliográfica, enriquecida com algumas entrevistas e dados específicos.

A

1. INTRODUÇÃO

146

2.1. SISTEMA POLÍTICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA

a antiguidade clássica Aristóteles (2014), um dos precursores da ciência

política, via o universo como um grande sistema, era o chamado cosmos, em

que tudo que estava dentro dele deveria operar em perfeita harmonia. O

sistema político que ele se referia e que era predominante em Atenas era a democracia,

contudo a capital grega já provou praticamente todos os outros tipos como monarquia –

que foi regime inicial em todas as pólis gregas, outro tipo experimentado foi a oligarquia,

onde o poder ficava restrito as famílias mais importantes da cidade, por último, estava a

tirania, onde as oligarquias eram derrubadas mas substituídas por governos com poderes

absolutos e que mantinham-se por meio da força.

Vale ressaltar que a democracia na Grécia antiga tinha seus paradoxos apesar de

prezar pelo princípio da isonomia: mulheres não podiam votar e tinham uma participação

bem limitada na vida da pólis, sendo-lhe reservada apenas para funções domésticas;

Escravos e estrangeiros também não tinha direitos políticos, segundo Bussunda (2015) a

democracia ateniense excluía cerca de 90% da população da cidade.

Já Roma, adotou duas formas de governo: a monarquia e a república. Na

monarquia o rei governava e tinha origem divina, a participação do povo nas decisões

políticas eram bem limitadas e havia muita repressão, com isso, foi um período marcado

por guerras e revoltas. Depois, veio a república, marcada por uma maior abertura política

em que o povo ganhou participação nas decisões públicas.

Sobre o sistema republicano romano e sua definição, Mendes (2006) discorre

que o significado etimológico da palavra Res Pública diz respeito a tudo aquilo que é de

interesse do Estado, da própria Constituição ou de um bem coletivo. No entanto os

romanos não tinham um conceito absoluto a cerca da definição de seu sistema político,

ficando assim a critério da comunidade junto com seus interesses. Percebe-se aqui, uma

evidente evolução da participação do povo nos processos políticos de Roma.

N

2. CONCEITO DE SISTEMA POLÍTICO

147

2.2. SISTEMA POLÍTICO NA MODERNIDADE

No período moderno, existiram vários tipos de sistemas políticos, dentre eles

estão: Feudalismo – em que o poder estava não mãos dos dententores de terras, ou seja,

os senhores feudais; Monarquia absolutistas – o rei governava com poder ilimitado e

absoluto, a famosa frase “o Estado sou eu” do rei Luís XIV sintetiza bem esse período;

Monarquias Constitucionais – onde o poder do monarca era limitado por uma

Constituição, como exemplo podemos citar a monarquia inglesa e a brasileira; e a

Ditadura – que seria uma monarquia absoluta ou tirania em uma versão mais moderna,

como exemplos podemos citar o Terceiro Reich de Adolf Hitler e o Estado novo de

Getúlio Vargas.

Percebe-se que apesar do passar do tempo e da evolução político-histórica, nem

sempre os sistemas políticos acompanham tais avanços, sendo que, rotineiramente,

sempre aparecia governos opressores. Conforme Cunha Jr aponta, após a segunda guerra

mundial, esse paradigma mudou e o mundo tem presenciado cada vez mais o surgimento

de democracias e a derrubada de ditaduras que se mostram cada vez mais inaceitáveis

com a implantação do Estado Constitucional de Direito.

2.3. SISTEMA POLÍTICO NA CONTEMPORANEIDADE

O movimento positivista surgido no século XIX tinha como um de seus

objetivos, dar as ciências humanas o mesmo rigor das ciências exatas ou positivas, um

dos conceitos importados das ciências exatas foi o conceito de sistema, o pai da teoria dos

sistemas Ludwig Von Bertalanffy, os define como “Conjunto de elementos inter-

relacionados, mas cuja interação é ordenada e não caótica” (BERTALANFFY apud

MEZZAROBA, 2009). Em ambas as perspectivas os autores preocuparam-se em

fundamentar a harmonia dos elementos como fator primordial para o funcionamento bem-

sucedido de qualquer sistema.

Segundo Amadeo (2011, p. 2):

Na primeira década do período pós-guerra, Talcott Parsons e outros autores da

mesma orientação teórica desenvolveram o conceito de sistema para comparar

tipos diferentes de sociedades e instituições, partindo do trabalho de teóricos

como Weber e Durkheim. Com base nessa e em outras fontes, David Easton

introduziu de forma original o conceito de sistema na Ciência Política.

Na sua definição de sistema político, Easton define: “aquelas interações e

instituições sociais mediante as quais uma sociedade toma decisões que se consideram

148

vinculantes pela maior parte de seus membros, a maior parte do tempo” (EASTON apud

COLLOR, 2008). É necessário esclarecer que o conceito para definir sistema político na

atualidade é altamente analítico e não concreto.

Para entender o sistema político é preciso saber sua função, perspectiva

teleológica aristotélica que está ligada intrisecamente com a própria política. A função de

qualquer sistema é operacionalizar algo, nesse caso não será diferente, ele tem como

função principal atender as demandas sobre o qual ele estará sujeito e, transformar as

pressões recebidas em decisões que irão interferir diretamente em outros sistemas e nas

próprias demandas.

O sistema político nasce da atividade política e faz parte do sistema social como

um todo, por isso a famosa expressão de Aristóteles – Zoonpolitikon. Badia (1984, p. 20-

21) entende que:

[...] o estudo de um sistema político deve situar-se no contexto social global.

Tal estudo deve incluir a visão de que sistema comporta uma dimensão

estrutural e está inserido em um sistema social amplo que incluirá uma função

social específica e sua dinâmica composta de relações funcionais e suas

diversas variáveis.

Assim, deve-se considerar que o sistema político apesar de ser o mesmo modelo

em análise para todos os países, ele varia de acordo com o contexto espaço-tempo e as

particularidades de cada país, assim um sistema americano jamais pode ser comparado

com o alemão em uma análise qualitativa justamente por existir várias variáveis como o

contexto social que devem ser consideradas para uma observação mais completa e

precisa.

Sobre a relação do contexto social e político Mafra (2005) acrescenta que:

Podemos entender o sistema social que engloba as diferentes estruturas

políticas como sistema político propriamente dito. A função atribuída de

política é justamente coordenar, dirigir e representar os interesses dos

diferentes grupos sociais e resolver os amplos conflitos daí surgidos. A política

em si nasce da vida em sociedade e reflete na mesma a infraestrutura social.

Esclarece ainda o autor: “A visão dinâmica do sistema político leva a considerá-

lo como conjunto de relações funcionais entre variáveis, desembocando-se então nas

noções de fator, ação e reação, é dizer, nos conceitos básicos para uma interpretação

dinâmica do sistema político”. (MAFRA, 2005).

Um sistema político tem ainda características bem definidas, ele é basicamente

dinâmico e aberto, ou seja, transforma-se a todo o momento, tanto em função das

adaptações geradas por fatores internos como por suas relações de intercâmbio com o

149

ambiente formado por sistemas que lhe são externos, como o econômico, o sociocultural

e outros. Um sistema político que não está aberto para o ambiente e outros sistemas,

certamente se tornará insustentável em algum momento.

150

31

om a pretensão de entender o sistema político e suas funções é necessário

primeiramente entender os elementos que compõem tal sistema e como eles se

aplicam no cotidiano nacional. Como se sabe, o sistema político é caracterizado

por ser um sistema aberto e dinâmico, ou seja, ele tem contato com o ambiente e outros

sistemas (ex: sistema Jurídico, sistema Econômico, etc.), além de sofrer influências e

transformações destes, um sistema político que não opere em harmonia com o ambiente

e outros sistemas que estejam sujeitos a ele está fadado a ter um mau-funcionamento e

consequente fracasso.

Aplicando o conceito de sistema político ao paradigma nacional notar-se-á o

porquê da atual política brasileira passar por graves crises políticas e de

representatividade. Será percebido também como está disposta a sociedade e seus agentes

de atuação em cada um dos conceitos elementares do sistema.

3.1. ELEMENTOS DO SISTEMA POLÍTICO SEGUNDO DAVID EASTON

Mezzaroba (2009) destaca os principais elementos do método sistêmico, esses

elementos também estão dispostos no sistema político em cinco itens: input, gate keeper,

black box, output e feedback.

3.2. ELEMENTO DE INPUT

Input32 é o elemento que vai dar entrada no sistema; ele assim como todos os

outros elementos do sistema é fundamental, porém possui uma particularidade, já que é a

partir da entrada que o sistema vai gerar seu combustível e seu auto-sustentamento

31 David Easton (1917-2014) foi um cientista político canadense, autor de diversos estudos na área da

ciência política, célebre por introduzir o conceito de sistema político. Sociólogo pela universidade de

Toronto e P.h.d pela Universidade de Havard, Easton também foi professor e pesquisador na universidade

da Califórnia.

Dentre seus trabalhos de maior destaque estão: The Political System (1953) e A Framework Analisys

(1965). Durante sua trajetória empenhou-se em estudar como os sistemas políticos influenciam na vida

política, elaborando uma análise sistêmica de como os eles operavam. Sua produção acadêmica também

ajudou no desenvolvimento da ciência política. 32 Tradução: entrada.

C

3. SISTEMA POLÍTICO SEGUNDO DAVID EASTON

151

impedindo que ele entre em colapso. Um input de qualidade é fundamental para o bom-

funcionamento do sistema visto que as reinvidicações precisam ter fundamento tanto de

quem reinvidica como do que é reinvidicado. O input se dividirá em demands33 e

support34 onde as demandas serão as inquietações que reinvidicarão algo e o support será

um produto do feedback35 e do output36 sendo o apoio que o sistema terá de outros

sistemas e que será fundamental para que ele se sustente.

3.3. ELEMENTO DE GATE KEEPER

É a parte do sistema que tem a função de analisar, selecionar as demandas e

organizá-las para serem posteriormente enviadas para a black box37 e ver quais delas

podem ser aproveitadas, quanto melhor o gate keeper, melhor funcionará o sistema, pois

ele é elo de comunicação entre sociedade e governo e tem o dever de organizar e

selecionar as melhores demandas, pedido e reinvidicações para o sustentamento do

sistema político.

3.4. ELEMENTO DE BLACK BOX

Conceito proposto por David Easton, é a representação do Estado como objeto,

é o legislativo, executivo e o judiciário, sendo cada um dos poderes soberanos e

independentes entre si. Para a ciência política, o que se passa no interior da “caixa preta”

não interessa, pois o que é estudado na teoria dos sistemas é apenas as relações do sistema

político com outros sistemas, ou seja, o que entra e o que sai dele e como isso vai

influenciá-lo.

3.5. ELEMENTO DE OUTPUT

É o elemento do sistema que vai expelir para fora o que foi reinvidicado no input

pelas demandas, organizado pelo gate keeper e analisado dentro da black box por meio

de decisões e ações. As decisões acontecerão dentro da “caixa preta” e poderão ser

33 Tradução: demandas. 34 Tradução: suporte. 35 Tradução: resposta. 36 Tradução: saída. 37 Tradução: caixa preta.

152

postivas ou negativas para o que foi pedido nas demandas do input, as ações bem como

essas decisões são executadas e como estas elas refletirão nas demandas.

3.6. ELEMENTO DE FEEDBACK

No sentido inglês da palavra, significa enviar de volta ou dar resposta para algo,

o feedback servirá para alimentar as demandas e gerar suporte, surgindo de todo o

processo de seleção das pressões pelo gate keeper e das ações e decisões jogadas para

fora no output, ele se mostrará de suma importância visto que sem feedback o sistema se

tornará fechado.

Diante disso, Nogueira Filho (2008, p. 173) afirma que: “em todo e qualquer

sistema político, há sempre alguém tomando decisões e pessoas para as quais as decisões

são tomadas. Algumas decisões são individuais, outras, coletivas. Umas aplicam-se

àqueles que as tomam, outras os excluem”.

Na figura seguinte se vê a clássica representação do sistema político proposto

por David Easton:

Figura 1 – Sistema Político de David Easton

Fonte: Nogueira Filho (2008).

Observa-se os elementos principais do sistema, então temos: Environment – o

ambiente, “são aqueles elementos que não compõem o sistema, mas que interagem com

153

ele.” (MEZZAROBA, 2009, p. 81), nesse caso pode ser o sistema sócio-cultural por

exemplo. Inputs – são os elementos do ambiente que entram no sistema político, dividem-

se em demands e support, as demandas são os pedidos e reinvidicações de sindicatos,

partidos políticos e sociedade civil organizada em geral, enquanto o support será o apoio

que o sistema tem destes mesmos grupos. Outputs – será a saída do sistema político e

como a pressão do input irá interferir no ambiente, está divido em decisões e ações, as

primeiras são o julgamento do sistema sobre as demandas, enquanto as ações serão como

irá ser posto em prática o que foi decidido na black box.

O elemento de ligação entre outputs e inputs é o chamado feedback, será a

resposta em relação as demandas e como tais decisões irão interferir na retroalimentação

do sistema e no ambiente em que ele está inserido. Um elemento que não está na figura

mas que faz parte do sistema é o gate keeper, sua função será de delegar, selecionar e

organizar as melhores demandas para serem analisadas dentro do sistema, o gate keeper

será a instituição ou personificação das demandas, pois quando um sindicato vai cobrar

algo não é necessário que vá o sindicato inteiro e sim os principais representantes, essa

será a função do gate keeper: filtrar. Para Barros Filho (2013), quanto melhor o gate

keeper funcionar, melhor o sistema, já que é ele que seleciona as melhores demandas para

a retroalimentação do sistema.

Percebe-se então a interdependência do sistema com suas partes e a importância

do bom funcionamento de cada uma delas para o sucesso do sistema político, conclui-se

que não existe sistema sem um desses elementos, que um mau-funcionamento no sistema

pode ocorrer por uma série de fatores, podendo ser fora ou dentro dele já que o sistema

mantém uma relação de interdepedência com outros sistemas e que existem vários

subsistemas dentro de um, a seguir, será visto como ocorre tal funcionamento no sistema

político brasileiro.

154

sistema político nacional tem por natureza a representatividade semi-direta,

ou seja, é admissível tanto o exercício da participação popular na produção

dos atos normativos, por meio de referendo e plebicito, conforme o art. 14 da

Constituição Federal, porém, é no congresso nacional que a democracia é patricada

hordioniamente por meio indireto, pelos congressistas (deputados e senadores, a título

Federal), mas para que esse sistema de democracia indireta possa funcionar, se faz

necesssário alguns institutos tais como: Eleição e sistema de votação e Financiamento de

campanhas, dentre outros, muito embora para compreeenção deste estudo, se faz mister

os presentes institutos.

4.1. ELEIÇÃO E SISTEMA DE VOTOS

No sistema pátrio, um mandato corresponde a quatro anos para os cargos de

Deputados (estaduais, distritais e federais), e vereadores, o que corresponde a uma

legislatura. Já para o cargo de Senador da República este se compreende em oito anos, ou

seja, duas legislatura, art. 46 § 1º da Contituição Federal. Porém , a legislação eleitoral

permite a releição do detertor do cargo indiscriminadamente, sendo uma peculiaridade

desse poder.

No caso do Executivo, um mandato é de quatro anos, sendo possível a figura da

reeleição para um único período subsequente para cargos de Prefeito, Governador e

Presidente.

Logo, para os cargos do Poder Executivo e Senadores, o legislador resolveu

adotar a forma majoritária de votação, o que consiste na concentração do maior números

de votos em um candidato, e o sistema proporcional para os demais cargos do legislativo.

4.2. FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS

O atual sistema prevê doações de origem pública e privada, ou seja, é um sistema

misto de financiamento. Com a doações de empresas privadas para partidos políticos e de

repasses públicos para estes, neste sentido vale lembrar o que pensa Almeida (2011, p. 7)

sobre o financiamento de empresas privadas, Almeida diz:

O

4. ANÁLISE DO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO

155

Atualmente se nota uma preocupação com o financiamento privado, uma vez

que mitiga a paridade na corrida eleitoral e torna fértil o fenômeno ‘do caixa

dois’. Frente a essa realidade é que foi levantada a hipótese das campanhas

eleitorais no Brasil serem financiadas com verbas públicas.

Nessa perspectiva, a atual proposta de reforma política foi aprovada no

Congresso Nacional pela continuidade do financiamento privado das campanhas, porém,

a proposta acabou sendo vetada pelo Chefe do Executivo, ficando “a priori” apenas o

financiamento público.

4.3. PROBLEMAS DO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO

Uma das marcas da cultura política brasileira nos últimos anos é a bipolarização

usada nos últimos anos para definir situação e oposição: nós e eles. Esta nomeclatura no

entanto não é nova e já foi usada em diversos momentos da história como no período do

governo militar (1964-1985), no Império (1822-1891), na era Vargas (1930-1945) e

durante a era stalinista na antiga União Soviética (1924-1953). Conforme Magnoli (2015)

a maior marca dessa denominação é tratar a situação (nós) como os verdadeiros

representantes do povo e os únicos capazes de governar o país, enquanto eles – a oposição,

que é de vital importância para a manutenção de qualquer democracia, são tratados como

inimigos do povo e do país.

Não é preciso recorrer a muito longe na história para ver aonde tal discurso

político poderá levar o país, diante disso, grande parte da sociedade incoformada com os

níveis de corrupção e sentimento de falta de representatividade no Brasil, saiu às ruas

para protestar, cuja principal bandeira é uma reforma política e ética nos poderes da

República.

4.4. O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO E A PROPOSTA DE DAVID EASTON

Nesse diapasão, é o ethos brasileiro, o costume de maior parcela da população

serem habituadas com o fenômeno do chamado “jeitinho brasileiro” cujo significado

consiste em “se algo dar errado, não tem problema pois sempre existe uma possibilidade

para parecer que deu certo e levar vantagem sobre isso sem respeitar códigos éticos ou

morais”.

Como a figura da corrupção se materializa no cotidiano da grande maioria das

pessoas, por meio do “jeitinho brasileiro”, essa mesma transcende a cidadania política, e

acaba elegendo-se políticos com desvios morais e éticos, ora que parte de seu eleitorado

se “beneficiaram” com alguma espécie de corrupção.

156

Outro problema correlário a este último, é a pouca cultura no exercício da

cidadania por vários meios, e uma delas, como podemos destacar é a falta de tradição

sindical por parte das demandas. Apesar de serem muito fortes coletivamente, os

sindicatos sempre sofreram com a opressão quando protestavam, podemos mencionar a

título de ilustração, por ser mais recente o período militar em que essa perseguição se

intensificou com a proibição do direito de greve (Lei 4.330 de junho de 64) além de

prisões, intervenções e até extinções.

No entanto, diversos setores da sociedade, por questões político-cultural, ainda

não desenvolveram o hábito de protestar ou reunir suas demandas de forma organizada,

e interligada, a isto, os Inputs estão desorganizados. Para o bom funcionamente do

sistema, é necessário também uma entrada de qualidade, logo, as instituições de

representatividade não têm o hábito de gate keeper: conforme dito acima, quanto melhor

funcionar o gate keeper, melhor será o sistema.

O Output dado pelo black box não satisfaz as demandas: Os outputs dividem-se

em decisões e ações, as decisões e consequente ações tomadas nesse elemento são

essenciais para a retroalimentação do sistema, o que se vê no panorama nacional é que as

ações tomadas no black box não refletem os anseios das demandas, podendo isso ser um

defeito tantos do input em organizar as demandas como do gate keeper em filtrá-las.

Já O Feedback não gera Support para o sistema: As decisões e ações ditas pelo

blackbox não geram o elemento de retroalimentação, esse hábito faz com que não exista

resposta entre Estado e sociedade, fazendo assim com que o sistema fique desgastado, ao

final, o resultado disso, além de um mal diálogo, podem ser manifestações populares até

conflitos armados em casos mais extremos. No Brasil, como resultado desse mau-

funcionamento, pode ser citada as manifestações de junho de 2013.

A outra parte do problema é do Estado, que se mostra ineficiente em atender os

reclames sociais ocorrendo até mesmo a precarização da conumicação entre cidadão e

Poder Público, o problema localiza-se então no input que tem qualidade questionável ou

nenhuma, o gate keeper não consegue selecionar e organizar as demandas eficazes e por

fim a black box não recebe o input ou não toma as decisões corretas com ações que

favoreçam um bom support para o sistema, mas antes deve haver um input de qualidade.

157

om tudo isso, percebe-se que as agitações sociais nos últimos anos

influenciaram diretamente na transformação do cenário político nacional, uma

análise dessas transformações e como elas influenciam no meio social por meio

do modelo de sistema político proposto por David Easton, mostrou-se bem oportuna. A

análise possibilitou identificar os princiais problemas que afligem o sistema político

nacional, algumas variáveis foram consideradas como o ethos nacional e a cultura política

brasileira, no entando os problemas estão ligados tanto com um passado próximo, como

também com um passado um pouco mais distante.

Com as supressões dos sindicatos no período militar, os grupos representativos,

em sua grande parte, perderam um pouco o referencial de como organizar as demandas e

enviá-las para o Estado, a falta de um bom filtro para selecionar e organizar estas

demandas também contribui para um mau-funcionamento do sistema, e o Estado também

falho frente as pressões sociais, chegando ao ponto de muitas vezes, não compreender o

que está sendo reinvidicado exatamente.

Por fim, o mau-funcionamento do sistema político brasileiro traz graves

consequências para a sociedade que não tem seus pedidos atendidos por aqueles que eles

acreditaram ser os melhores representantes, a falta de diálogo de sociedade e governo já

fez acontecer grandes protestos como as manifestações de junho de 2013, portanto, é

necessário que se faça uma reforma política que aumente a participação social. É

necessário também que a sociedade venha a votar de maneira mais consciente já que cada

eleição é uma oportunidade de exercer a cidadania.

C

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

158

REFERÊNCIAS

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BUSSUNDA, P. Democracia antiga, moderna e futura. Disponível em:

<http://blog.mundoedu.com.br/democracia-antiga-moderna-e-futura/>. Acesso em: 10

de nov. 2015.

MENDES, N. M. (Coord.); SILVA, G. V. da (Coord.). ______. Repensando o Império

Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad.

Vitória: EDUFES, 2006.

CUNHA JR, D. da. Curso de direito constitucional. 7ª. Salvador: Editora JusPodivm,

1305, p. ISBN 85-776-1761-0, 2013.

MEZZAROBA, O.; MONTEIRO, C. S. Bertalanffy. Manual de metodologia da

pesquisa no direito. 5ed. São Paulo: Saraiva: 2009, p. 79.

AMADEO, J. Teoria política: um balanço provisório. Revista de sociologia e política.

v. 19, nº 39, 18 de jun. 2011.

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<http://www12.senado.gov.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-

publicacoes/volume-ii-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-o-exercicio-da-

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políticos en la atualidad”. Madrid: tecnos, 1984.

MAFRA, F. Sistemas políticos na atualidade: o desafio da verdadeira democracia.

In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 08., n. 20, fev. 2005. Anais... Rio Grande: 2015.

Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=867>. Acesso

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NOGUEIRA FILHO, O. da C. Introdução à Ciência Política. 1ed. Brasília: Senado

Federal, Unilegis, 2006.

BARROS FILHO, C. Curso de Ciência Política. Disponível em:

<http://www.veduca.com.br/play/7286>. Acesso em: 09 de maio 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília, DF: Senado Federal: 2015.

ALMEIDA, F. V. H. Reforma Política no Brasil: A Busca pela Efetividade da

Democracia Participativa. In: Encontro de Extensão, Docência e Iniciação Científica

promovido pela Faculdade Católica Rainha do Sertão em Quixadá – CE, no período de

04 a 06 de outubro de 2011, 07., pag. 01 a 11. 2011.

159

MAGNOLI, D. Demétrio Magnoli: Programa Roda Viva/ TV Cultura. São Paulo, 27

abr. 2015. Entrevista concedida ao programa Roda Viva.

SOBRE OS AUTORES

EVERTON LIMA DE OLIVEIRA

Graduando em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

Foi bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIC) da UNICATÓLICA (2016-2017).

É estagiário no Fórum Desembargador Avelar Rocha.

E-MAIL: [email protected]

FRANCISCO VALDOVIR HOLANDA DE ALMEIDA

Mestrando em Educação pela Universidad de la Empresa (UDE). Especialista em Direito

Previdenciário pela Faculdade ATENEU. É Bacharel em Direito pela Faculdade Católica

Rainha do Sertão (FCRS) e Licenciado em Biologia pela Universidade Estadual Vale do

Acaraú (UVA).

E-MAIL: [email protected]

SAULO NUNES DE CARVALHO ALMEIDA

Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Mestre

em Direito Constitucional pela UNIFOR. É especialista em Direito do Trabalho,

Tributário e Previdenciário pela Faculdade ATENEU e Bacharel em Direito pela

UNIFOR.

E-MAIL: [email protected]

160

OS ASPECTOS CONTRIBUTIVOS PARA

O SURGIMENTO DE ESTADOS

PARALELOS ILÍCITOS NO BRASIL

MEDIANTE A OMISSÃO DE UM

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

SOBRE A ÓTICA KANTIANA

Caroline da Silva Scanone, Francisco José Mendes Vasconcelos

161

RESUMO Este artigo científico tem como objetivo precípuo

analisar o surgimento dos denominados “Estado

Paralelos” no Brasil como consequência da omissão

do também denominado “Estado democrático

Brasileiro”. O estudo analítico ora proposto será

abordado sob a ótica de Immanuel Kant. Tema da

mais alta atualidade diante do fortalecimento das

organizações criminosas e o narcotráfico, sentido na

pele pelos administrados que presenciam no seu dia-

a-dia a postura intimidadora destes institutos da

ilicitude. Mediante a perspectiva kantiana, será

abordado o entendimento da importância do poder

coercitivo do estado na sociedade civil, interligando a

liberdade humana sob as leis coativas estabelecidas.

A metodologia aplicada neste estudo é meramente

bibliográfica, através da utilização de livros jurídicos,

de filosofia, e enriquecida com reportagens sobre o

assunto, visando responder a problemática levantada,

através de uma interpretação jurídico-filosófica.

PALAVRAS-CHAVE Estado Paralelo. Pensamento Kantiano. Estado Civil.

162

ste estudo articular tem por escopo tratar do surgimento de estados paralelos no

Brasil mediante a omissão de um Estado democrático de direito, que será

abordado perante a ótica Kantiana.

Este tema está ligado ao narcotráfico e organizações criminosas, que

diuturnamente é divulgado nas mídias, através dos principais veículos de comunicação,

sendo este um problema de ordem pública, que se evidencia como um dos principais

problemas do Brasil, divulgado em um círculo midiático mundial, sendo um problema

que atinge não somente os países da América Latina, como também os da Europa e dos

EUA.

Neste sentido, será tratada a polêmica da eminente incidência de um poder

paralelo ilícito no Brasil por meio do tráfico de drogas, que se traduz em um sistema

organizado movimentando milhões de reais e está atrelado a uma diversidade de

problemas sociais, como a falta de investimentos na educação, saúde, segurança pública

e o aumento da corrupção, etc. Esses fatores contribuem significativamente para a

disseminação da violência no país, principalmente através do narcotráfico.

Mediante a perspectiva kantiana, será abordado o entendimento da importância

do poder coercitivo do estado na sociedade civil, interligando a liberdade humana sob as

leis coativas estabelecidas.

Assim, será explicado como se dá a transição do estado de natureza humano para

o estado civil, mediante um contrato social traduzidos em ideais de liberdade e igualdade,

para que o Estado democrático seja pautado na equidade e justiça, através da importância

do pensamento de Kant diante deste tema.

Assim, relacionando o pensamento filosófico de Immanuel Kant com a temática

envolvida, este estudo tem por objetivo principal debater essa problemática através do

questionamento sobre: De que maneira um Estado Democrático de Direito omisso

contribui para o fortalecimento de um Estado paralelo ilícito no Brasil?

Por fim, a metodologia aplicada neste estudo é meramente bibliográfica, através

da utilização de livros jurídicos, de filosofia, e enriquecida com reportagens sobre o

E

1. INTRODUÇÃO

163

assunto, visando responder a problemática levantada, através de uma interpretação

jurídico-filosófica.

164

iante de uma concepção jurídica de Estado, Kant38 entende como sendo “a

reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do Direito”. Isso

porque, ao tratar das relações políticas existentes em uma sociedade, Kant traz

à tona uma concepção de contrato social, abordada primeiramente por Tomas Hobbes, e

também por outros filósofos como Rousseau.

Por ser um jus naturalista nato, ele acreditava na existência do estado de natureza

humano, que evolui através da formação de um contexto de contrato social, onde este

permitirá a atuação do Direito, e, por conseguinte, o surgimento de um estado liberal, para

alcançar a um estado civil.

Daí a importância da evolução de um “Estado de natureza” para um “Estado

Civil”. Conforme a teoria Kantiana, o homem no “Estado de Natureza Primitivo”

encontra-se mais limitado, uma vez que o poder coercitivo está na mão de todos, sendo

cada um responsável por reparar o dano sofrido. Não há uma estrutura verticalizada de

poder, com normas jurídicas horizontais e unificadas que atinjam a coletividade, e por

isso o estado de natureza está suscetível a hostilidades (BONAVIDES, 2010).

Se trouxermos para o tema em comento, perceberemos que nas organizações

criminosas há um estado de natureza primitivo, pois, o poder coercitivo embora ilícito,

encontra-se na mão de poucos, mas ao mesmo tempo na mão de vários líderes de

organizações criminosas atuando em um mesmo território. Não há normas jurídicas de

proteção a direitos individuais, é um ambiente hostil e que traz incertezas e inseguranças

para a sociedade, cabendo ao Estado oficial a tutela a esses direitos e a repressão a esse

tipo de poder ilegal.

Kant (1993) também trata sobre o direito de propriedade, ao passo que, ele

acreditava que este, assegura a liberdade através de um contrato social, ou seja, garante

aos indivíduos por meio de uma sociedade Civil, o exercício de seus direitos naturais, ao

transmitir o poder coercitivo ao Estado de Direito.

38 KANT, Immanuel. Metaphysik der Sitten, p. 135. apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17ª

edição. Malheiros: São Paulo 2010. p. 71.

D

2. A CONCEPÇÃO KANTIANA NA PROGRESSÃO DE

UM ESTADO DE NATUREZA PARA UM ESTADO

CIVIL

165

Um exemplo é do homem que tem sua terra, ele a demarca, garante sua posse e

sua propriedade sobre ela, e outra pessoa não poderá toma lá para si, pois, o

estabelecimento de uma sociedade Civil enseja em um conjunto de normas pré-

estabelecidas, que impede a violação dos direitos individuais por meio de leis coativas,

que se descumpridas, fica passível de sofrer punição.

Os moradores dos morros dominados pelas milícias e tráfico de drogas, embora

tenham sua propriedade (sua residência), não tem a garantia de sua liberdade. Porquanto

a doutrina Kantiana associa a propriedade à liberdade individual, ele refere-se às regras

estabelecidas por um estado oficial na garantia dos direitos individuais, no entanto,

quando esse poder não é legítimo, ele não permite a garantia dos direitos individuais, pois,

há uma supressão da liberdade dos indivíduos daquele território dominado pelo crime,

que se estende para toda sociedade de forma geral (BONAVIDES, 2010).

Assim, é importante um Estado Oficial em uma sociedade civil, pois, só este é

responsável por preservar esses direitos individuais, dentre eles a segurança pública,

através da imposição de leis que combatam a criminalidade eminente.

Isso significa que, as leis coativas estão intrinsicamente ligadas à ideia de o

indivíduo ter liberdade de fazer tudo o que não é proibido por lei, pois, caso inobservada

as regras legais, constitucionalmente estabelecidas, incidirão em sanção por parte do

poder punitivo do Estado, e com isso, garante-se os direitos fundamentais dos indivíduos.

Tão futurista a concepção política de Kant (1980) sobre o poder de coerção

pautado num Estado Civil, que o nosso ordenamento jurídico Pátrio, em seu art. 5º, inciso

II, CF/88 expõe que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei”, indo ao encontro do disposto também no art. 5º, inciso XXXIX,

CF que diz: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal”.

Percebe-se que o artigo supramencionado trata do Princípio da Legalidade. Tal

princípio é cláusula pétrea de nossa Constituição, é também um princípio individual, pois

visa garantir a liberdade de o indivíduo praticar seus atos, desde que a lei não proíba. No

entanto, quando esse poder não é oficial, não há como se falar de proteção aos direitos

individuais e coletivos.

Portanto, podemos aferir que a teoria Kantiana coaduna com a teoria do direito,

bem como com o princípio da legalidade, pois, as leis coativas estão diretamente

relacionadas com o poder Estatal, sendo este soberano, ao passo que, o conjunto de

166

normas constituem o ordenamento jurídico, está intrinsicamente ligada ao poder

coercitivo de um Estado Oficial e não extraoficial.

167

ara conceituar o significado da palavra Estado, podemos dizer que é uma forma

organizacional de natureza eminentemente política, pautado em normas jurídicas

constitucionalmente estabelecidas, que, através um poder soberano, existe para

governar um povo dentro de um território, desempenhando funções políticas, sociais e

econômicas por meio de uma concepção tripartida39 de poderes, ensejando um Estado

Democrático de Direito.

É importante trazer à baila o pensamento do douto Celso Antônio Bandeira de

Mello40 (2005, p. 25), em relação à função pública do Estado Democrático de Direito,

pois ele entende como sendo “(...) a atividade exercida no cumprimento do dever de

alcançar o interesse público, mediante o uso de poderes instrumentalmente necessários

conferidos pela ordem jurídica.”

Percebe-se que a função de um Estado de direito é alcançar o interesse público

através do seu poder soberano, que conforme o entendimento Kantiano, para que se

estabeleça uma sociedade Civil plena, deve haver normas pré-estabelecidas por meio de

um contrato entre a sociedade e o poder público, o qual é detentor do poder coercitivo,

para mantimento da ordem pública, pois para ele, na sociedade civil, os “homens vivem

sob as leis do direito”.

Já o Estado Paralelo ilícito é um "governo" não oficial, que embora tenha uma

estrutura organizacional e centralizado em uma área territorial delimitada, geralmente

favelas, tem como exemplo as organizações criminosas como forma de poder extraoficial.

Podemos dizer que estas organizações criminosas, mais conhecidas como

facções, também possuem sua forma de governo, através de uma gestão centralizadora

mediante o abandono do Estado de direito. Pois, dentro das comunidades de uma favela,

existe uma liderança soberana, que é a figura do traficante. Este por sua vez, é conhecido

39 Os poderes de Estado, são divididos mediante a tripartição de Montesquieu, são: o Legislativo, o

Executivo e o Judiciário, estabelecidos na CF/88 em seu art. 2º como sendo: “independentes e

harmônicos entre si”. Podendo-se ainda dizer que são indelegáveis. 40 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. Rev. e atual. até a EC 45,

de 8.12.2004. Imprenta: São Paulo, Malheiros, 2005.

P

3. ESTADO PARALELO NUM ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

168

como “Rei do morro”, e exerce uma forma de governo ditatorial, paralelo a de um Estado

Democrático de Direito.

Sobre as Organizações Criminosas, Lima41 aduz:

“Produto de um Estado ausente, a criminalidade organizada é um dos

maiores problemas no mundo globalizado hoje. Apesar de não se tratar

de fenômeno recente, o crescimento dessas organizações criminosas

representa uma grave ameaça não apenas a sociedade, mas também ao

próprio Estado Democrático de Direito, seja pelo grau de lesividade das

infrações penais por elas praticadas, seja pelo grau de influência que

exercem dentro do próprio Estado”. (2016, p. 479).

Percebe-se que o autor entende que a omissão ou ausência estatal, é um fator

contribuinte para a disseminação da criminalidade no país, e que tal criminalidade gera

uma forma de poder paralelo ilícito, causando insegurança e medo na sociedade.

Nesta toada, temos de um lado um Estado paralelo ilícito e do outro Um Estado

Democrático de Direito (ou Estado Oficial). Estes são caracterizados mediante um

binômio de ordenamentos jurídicos, sendo um ilegal (regras próprias) e outro legal (poder

constitucional).

As regras Constitucionais de um Estado Oficial estabelecem os direitos e deveres

a sociedade, bem como as políticas públicas atinentes ao dever prestacional do Estado. Já

num Estado Paralelo, o traficante e organizações criminosas têm a pseudo propriedade

sobre o território que atua, e em sua estrutura de poder, ditam suas próprias leis e as faz

serem cumpridas, pois o traficante é o chamado “Juiz opressor”, na resolução de conflitos

dentro da comunidade, e a pena lá imposta é a pena de morte!

Enquanto o ordenamento jurídico pátrio veda a pena de morte, o Estado paralelo

ilícito, faz o julgamento sumário do inimigo, ou seja, é um verdadeiro regime autoritário,

onde o chefe dessas organizações criminosas dita as Leis, as aplica e dá a sentença,

desencadeando-se numa verdadeira “banalização do mal”, que incide não só na

perversidade de quem a executa, mas também no ódio imperioso plantado contra o

Sistema Oficial (LIMA, 2016).

O conceito legal de Organizações Criminosas42 encontra-se no art. 1º, § 1 da Lei

nº 12.850, senão vejamos:

41 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Especial Criminal Comentada. 4.ed.rev.atual.e ampl. –

Salvador: JusPODVIM, 2016. 42 Nova Lei das Organizações Criminosas, Lei nº 12.850/13. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 05 de ago. de

2016.

169

Art. 1º (...)

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais

pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda

que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem

de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais

cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de

caráter transnacional.

Percebe-se que é necessário que haja a participação de 4 (quatro) ou mais

pessoas, com um sistema organizado, com divisão de tarefas, hierarquicamente de

comandada, para fim criminoso. Denota-se que tal descrição condiz com que está sendo

debatido neste estudo, pois, há um Estado ilícito, organizado e com uma base hierárquica

de poder e geralmente o tráfico de drogas é quem dá maior lucratividade a essas

organizações.

A Lei 11.343 de 2006, é conhecida como Lei Antidrogas. O SISNAD43 é o

Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, atua para reprimir o tráfico de

drogas, conforme mostra o artigo 33 da referida Lei ao dispor:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,

vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,

guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda

que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal

ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento

de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Percebe-se que o Estado oficial implementa Leis de combate a essa

criminalidade, bem como a do tráfico de drogas. Porém, existem outros fatores que

contribuem para a ineficiência das políticas públicas do Estado, como a falta de

investimentos na Educação, Saúde e o combate a corrupção nas esferas da própria

segurança pública.

Em se tratando de corrupção por parte do servidor público, a Lei nº 12.850/13,

em seu art. 2º, §5º, diz que se houver indícios de que o funcionário público integra

Organização Criminosa, o juiz poderá determinar seu afastamento do cargo, emprego ou

função, sem prejuízo de sua remuneração, quando a medida se fizer necessária a

investigação ou instrução processual.

No entanto, percebe-se que tal afastamento coativo não suprime o recebimento

dos subsídios. Isso por conta do Fumus Comissi Delicti. É importante frisar que o Fumus

Commissi Delicti deverá estar acompanhado do Periculum Libertatis para que sejam

43 Criminalização do uso de drogas. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobrestfcooperacaointernacional/anexo/respostas_venice_forum/7port

.pdf>. Acesso em: 06 de ago. 2016.

170

aplicadas medidas cautelares e prisão preventiva. Pois o agente em liberdade poderá

impedir a garantia de ordem pública para a aplicação eficaz da lei penal. E independente

da pena cominada, após trânsito em julgado de sentença irrecorrível, haverá a perda

imediata do cargo, emprego ou função pública.

Mesmo assim, apesar de ter previsão legal de punição sob esta conduta, a

corrupção por parte de agentes e funcionários públicos ligados as organizações

criminosas ainda é grande, mostrando que o Estado quando remunera mal seus agentes

públicos, incide da decadência de um sistema que deveria ser eficaz, embora a baixa

remuneração não deva ser justificativa para tal prática ilícita.

Outro exemplo da ineficiência do Estado é o próprio abandono. Essas

comunidades, muitas vezes entregues a própria sorte, sem saneamento, sem escola, sem

postos de saúde, e quando os tem, o tráfico controla quem entra e quem sai do morro,

suprimindo muitas vezes o direito de ir e vir das pessoas, ou seja, sua liberdade de

locomoção. Além disso, quando o Estado deixa a margem as necessidades básicas desta

população, os traficantes desempenham o dever do Estado, prestando assistência

financeira, remédios, dentre outros. Só que tal prestatividade tem seu preço, como por

exemplo ser um soldado do crime.

Em entrevista fictícia do jornalista crítico Arnaldo Jabor, divulgada pelo site da

Rádio OAB44 do RIO Grande do Sul, ele demonstra fictamente as possíveis respostas as

suas perguntas feitas ao Traficante Marcola, como forma de demonstrar ironicamente

nossa realidade na guerra do tráfico de drogas.

Uma pergunta com a resposta interessante, foi se o traficante Marcola tem medo

de morrer? E a resposta foi absolutamente realista. Vejamos:

“- Você não tem medo de morrer?

- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não

podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora... Somos

homens-bomba. Na favela tem 100 mil homens-bomba... Estamos no centro

do "Insolúvel", mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da

morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos,

diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no

ataque do coração... A morte para nós é o "presunto" diário, desovado numa

vala... Vocês intelectuais não falavam em "luta de classes", em "seja marginal

seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Há há...vocês nunca esperavam

esses guerreiros do pó, né? Sou inteligente. Leio, li 3 mil livros e leio Dante...

mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto

deste País. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira

coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto

44 Entrevista com Marcola. Disponível em: <http://www.jornaldaordem.com.br/noticia-ler/entrevista-

ficticia-bandido-marcola-ao-jornalista-arnaldo-jabor-revela-que-ldquoltigtestamos-todos-n/7209>. Acesso

em: 06 de ago. 2016.

171

analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido

nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as

gravações feita "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos

diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova

cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas

modernas. É a m**** com chips, com megabytes. Meus comandados são uma

mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo”. (grifo nosso).

- O que mudou nas periferias?

- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem 40 milhões de dólares

como o Beira-mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um

escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Somos

uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no

"micro-ondas”... há, há... Vocês são o Estado quebrado, dominado por

incompetentes. Temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e

burocráticos. Lutamos em terreno próprio. Vocês em terra estranha. Não

tememos a morte. Vocês morrem de medo. Somos bem armados. Vocês vão

de "três oitão". Estamos no ataque. Vocês na defesa. Vocês têm mania de

humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em

superstars do crime. Fazemos vocês de palhaços. Somos ajudados pela

população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são

regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora; somos globais.

Não nos esquecemos de vocês; são nossos fregueses. Vocês nos esquecem

assim que passa o surto de violência.

Percebe-se que a crônica no renomado jornalista tenta elucidar como as

organizações criminosas se proliferam através da omissão do poder Público. Desta forma

assustadora, conseguimos ver surgir um Estado paralelo Ilícito advindo do abandono do

Estado Oficial. Os índices de analfabetismo, um sistema carcerário degradante que não

ressocializa os presos, mas sim educa para o crime, disseminando o ódio. A corrupção

latente que deteriora o sistema financeiro e restringe oportunidades de emprego e vida

digna, juros altos e a burocracia de um sistema judiciário pautado em uma ideologia de

Direitos Humanos, que em verdade não é eficaz, não ressocializa nada. Um exemplo disso

é a própria lei de execução penal45, que não é seguida, mas sim desrespeitada, a exemplo

de seu art. 92 da LEP que diz que “O condenado poderá ser alojado em compartimento

coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta Lei.

Observando também o Parágrafo único. (...) a) a seleção adequada dos presos; b) o

limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena.

Nota-se que a realidade é bem diferente. Temos um sistema prisional falido que

amontoa os presos e não observa a própria Lei. Que legalidade é essa? A cadeia acaba se

45 LEI DE EXECUÇÃO PENAL. Disponível em:

<http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11691667/artigo-92-da-lei-n-7210-de-11-de-julho-de-1984>.

Acesso em: 07 de ago. 2016.

172

tornando uma verdadeira escola de aperfeiçoamento para o crime organizado. Não há

seleção dos presos, e os bandidos mais perigosos acabam formando ladrões de galinhas

em traficantes!

Mediante o que já foi exposto, cabe agora expor a problemática levantada no

início deste estudo: De que maneira um Estado Democrático de Direito omisso contribui

para o fortalecimento de um Estado paralelo ilícito no Brasil?

Essa resposta já se evidencia no texto. Há uma epidemia se espalhando nas

favelas do Brasil desde a década de 70, isso por conta da omissão do estado e também da

corrupção. O próprio poder oficial contribui também para o crime.

O tráfico comanda as comunidades das favelas do país esquecidas pelo poder

público. Há uma nova forma de poder surgindo nesses lugares, com uma proporção

alarmante, aumentando a criminalidade e o medo imposto por esse poder paralelo.

São soldados treinados para trazer o terror, são recrutados desde crianças, e

quando jovens almejando cargos mais altos no crime, numa carreira assustadora. São os

fogueteiros, aviõezinhos, informantes, executores, assaltantes até traficar e ter sua própria

boca de fumo e organização criminosa. Porém, essa carreira para o crime, é fruto da falta

de investimento em educação, na própria segurança pública e na corrupção. Este Estado

Oficial faz refletir isso através dos índices cada vez mais altos de mortalidade destes

homes cada vez mais jovens.

173

or fim, diante da teoria Kantiana, percebe-se que para que haja uma sociedade

civil estabelecida, deve haver um poder soberano por meio de um contrato social,

ou seja, se o poder emana do povo, nossos representantes devem, por meio de

um poder coativo reprimir as hostilidades emanadas de um estado primitivo humano

trazido mediante um Estado Ilícito, ou seja, não oficial.

Por outro lado, foi possível observar que embora tenhamos uma forma de poder

organizada (concepção tripartida), esta não é eficaz.

A falta de investimento em políticas públicas para melhorar a educação, saúde e

segurança pública, um judiciário burocrático e Leis ineficazes, só agravam o sistema de

gestão pública do país.

É preciso muito investimento financeiro para resolver o problema da miséria

instaurada nas favelas do país. A migração de famílias do campo para a cidade, sem

perspectiva de emprego, com baixa renda, se aloja em pontos periféricos das cidades, se

amontoando em morros, formando favelas, sem saneamento básico, sem uma vida digna.

Esse é o triste diagnóstico de nosso país. Taxas de juros mais altas, pagamento

de vários tributos, péssima distribuição de renda, desaguam a miséria, descaracterizando

um Estado Democrático de Direito. E qual a solução? Será apenas mais investimento em

educação? Não. Deve haver uma reforma política, combate a corrupção, melhor

distribuição de renda, projetos de urbanização, Leis mais severas, uma verdadeira reforma

nos 3 poderes, cadeias mais estruturadas, programas de ressocialização, mais empregos,

etc. Enfim, o que percebe-se é que se o Estado Democrático de Direito continuar omisso,

não haverá solução. Viveremos em guerra, em meio à insegurança.

P

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

174

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17ª edição. Malheiros: São Paulo 2010.

KANT, Emmanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril

Cultural, 1980. (GMS).

_______. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (KrV).

______. (1797). Doutrina do direito. Trad. Edson Bini. São Paulo – SP: Ícone Editora,

1993.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Especial Criminal Comentada. 4.ed. Rev. atual

e ampl. –Salvador: JusPODVIM, 2016.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. Rev. e

atual. até a EC 45, de 8.12.2004. Imprenta: São Paulo, Malheiros, 2005.

Criminalização do uso de drogas – STF JUS. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobrestfcooperacaointernacional/anexo/respostas_ve

nice_forum/7port.pdf>. Acesso em: 06 de ago. 2016.

Entrevista com Marcola. Disponível em: <http://www.jornaldaordem.com.br/noticia-

ler/entrevista-ficticia-bandido-marcola-ao-jornalista-arnaldo-jabor-revela-que-

ldquoltigtestamos-todos-n/7209>. Acesso em: 06 de ago. 2016.

LEI DE EXECUÇÃO PENAL. Disponível em:

<http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11691667/artigo-92-da-lei-n-7210-de-11-de-

julho-de-1984>. Acesso em: 07 de ago. 2016.

Nova Lei das Organizações Criminosas, Lei nº 12.850/13. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso

em: 21 de ago. 2016.

175

SOBRE OS AUTORES

CAROLINE DA SILVA SCANONE

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

FRANCISCO JOSÉ MENDES VASCONCELOS

Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Direito

Internacional pela Universidad Autônoma de Assuncion (UAA). Especialista em Direito

Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Planejamento Educacional pela

Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É Bacharel em Direito pela UFC e

Licenciado em Ciências pela UECE.

E-MAIL: [email protected]

176

UMA APROXIMAÇÃO ATRAVÉS DE

COMENTADORES DA

FENOMENOLOGIA INTENCIONAL

TRANSCENDENTAL DE EDMUND

HUSSERL COMO MÉTODO PARA A

BUSCA DA VERDADE APODÍTICA

Francisco José Araújo de Lima, Moisés Rocha Farias

177

RESUMO No presente trabalho abordamos o pensamento de

Edmund Husserl dentro de sua perspectiva

fenomenológica, ou seja, da fenomenologia como

método para a elucidação da verdade apodítica. O

método fenomenológico elaborado por Husserl

surgiu diante de uma condição histórica permeada por

grandes desordens, dentro do contexto de

humanidade em colapso, de crise científica. A

fenomenologia husserliana representa uma forma de

defesa da Filosofia em relação aos métodos

científicos positivistas. Assim como, atribuindo

responsabilidades e obrigação para a mesma. Tendo a

consciência intencional como base em seu método,

Edmund Husserl, busca recolocar a Filosofia em seu

devido lugar sem que para isso seja preciso aderir aos

métodos positivistas. O objetivo do trabalho visa

sobretudo, apresentar a fenomenologia husserliana

como um método rigoroso para a elucidação da

verdade apodítica, uma vez que, assim como Husserl,

acredita-se que este é o assunto por excelência da

Filosofia, já que como ele próprio dizia, a Filosofia é

a ciência das essências.

PALAVRAS-CHAVE Edmund Husserl. Fenomenologia. Verdade

apodítica.

178

om a seguinte comunicação pretende-se fazer uma aproximação da

fenomenologia intencional transcendental de Edmund Husserl como método

para a busca da verdade apodítica, pois em meio a conjunturas aporéticas da

contemporaneidade, faz-se necessário cada vez mais refletir sobre a mesma. Para tanto,

dado a complexidade dos textos husserliano, achamos por bem tomarmos seus

comentadores como mediadores no processo de aproximação.

Ter a fenomenologia husserliana como fundamento para tratar a questão da

verdade é de grande importância porque foi tratando de tal assunto que Husserl concebeu

o Método Fenomenológico, sobretudo com o objetivo de buscar o sentido último da vida,

o sentido de viver e a verdade apodítica. Pois no meio ao qual ele se encontrava, as

perspectivas não eram das melhores, em razão de as ciências estarem em crise segundo o

mesmo, e consequentemente, não estava conseguindo dar ao homem o sentido da vida,

uma vez que, era este o dever das ciências segundo Husserl (2002). E de lá para cá,

percebemos o quanto ele tinha razão quando falava da “crise das ciências”46. E é por isso

que o pai da fenomenologia vai à transcendência buscar o fundamento último da

imanência. Daí o seu tão famoso aforismo: “Voltar às coisas mesmas.”

Edmund Husserl no meio ao qual ele estava inserido via a necessidade de um

método científico rigoroso, pois, ele estava insatisfeito com o paradigma científico de seu

tempo, em razão de as perspectivas que eram por ele depositadas não estarem sendo

correspondidas. Ele via que a Ciência e também a Filosofia, deveriam ter uma teleologia,

uma finalidade que era a de dar ao homem o sentido da vida, o sentido de viver mesmo,

afinal de contas, que outra finalidade deveria ter se não esta? Mas isso não vinha

46 Quando Husserl fala da crise das ciências não questiona sua cientificidade, em suas aplicações técnicas,

nem seus métodos. Questiona isto sim, opções subjacentes à atividade científica como tal e ao seu

desenvolvimento. Através dessa análise pode mostrar que a história do pensamento moderno é uma busca

do sentido da vida humana (teleologia). A crise das ciências é, em última análise, crise de sentido. Quando

Husserl fala da crise das ciências refere-se, pois, ao seu significado para a vida humana. Em outras palavras,

o lugar da crise é o projeto de vida, o mundo ético-político porque o mundo da ciência foi separado do

mundo da vida concreta. Da mesma forma, a técnica desinteressa-se de seus fins para concentrar-se nos

meios. Por isso, a razão última da crise da humanidade europeia é a perda de teleologia e,

consequentemente, do sentido da vida. Caberá à Fenomenologia reconciliar o mundo da ciência e da técnica

com o mundo da vida a partir da teleologia inerente ao último (ZILLES, 2002, p. 49).

C

1. INTRODUÇÃO

179

acontecendo, pelo contrário, ele via os cientistas de seu tempo querendo traduzir tudo em

uma linguagem físico-matemática, inclusive até o próprio homem, o espírito humano.

Ideias estas da qual ele não compactuava, porque, para ele as ciências naturais têm a sua

utilidade e o seu valor, mas em relação às coisas do espírito, estas em nada podem

contribuir.

E para que tal coisa que ele não era de acordo que fosse aceita, mas muito pelo

contrário que fosse superada, ele busca e sugere por um novo método, pois, em sua

concepção, nenhum fenômeno é simples, mas se não que todos são infinitamente

complexos, e tal complexidade merece um método a nível, um método rigoroso e que

leve em conta tal complexidade. Então, ele concebe e sugere o seu método

fenomenológico, ou a sua fenomenologia intencional transcendental.

A comunicação foi baseada em seis comentadores das obras de Edmund Husserl:

Urbano Zilles; Frank Oliveira; Wellington Carvalho de Macedo; Marcos Alexandre

Alves; Robert Sokolowski; Angela Ales Bello. Como a busca da verdade apodítica é uma

busca incansável, uma problemática da qual tanto os filósofos pré-socráticos da Grécia

antiga como os filósofos da contemporaneidade ocidental, não se cansam de tratar, dada

tamanha sua importância para a humanidade.

Então, não podemos ser indiferentes a ela tanto como fundamento último da

ciência e da vida humana, como em relação ao qual o melhor método para se chegar até

a mesma. Sendo assim, o presente estudo tem por objetivo trazer à reflexão a pertinência

da fenomenologia husserliana como um método seguro, rigoroso e radical para essa busca

incessante da qual o homem, cada um ao seu modo, ao seu tempo, não deixou de tratar.

Essa problemática que perpassa a história do pensamento filosófico ocidental.

180

dmund Husserl47 foi um importante filósofo alemão contemporâneo que viveu

entre (1859 – 1938), pai do movimento fenomenológico contemporâneo. A

fenomenologia husserliana é, em primeiro lugar, uma atitude ou postura

filosófica e, em segundo, um movimento de ideias com método próprio, visando sempre

o rigor radical do conhecimento. É a busca por saber qual o sentido deste ou daquele

fenômeno, não como ele aparece, mas como ele realmente é em sua essência.

Após ter concluído seu doutorado em Matemática, Husserl passa a se interessar

pelas aulas de Franz Brentano (1838–1917), um famoso filósofo e psicólogo de sua época,

que vinha se destacando com sua teoria da “intencionalidade como característica

definidora da consciência”. E é tendo esta como ponto de partida, e também influenciado

pelo cogito (penso, logo existo), de Descartes (1596–1650), e pela filosofia transcendental

de Kant (1724–1804), que Husserl concebe o método fenomenológico, dado que, para ele

é só no ego cogito cogitatum que se pode chegar a verdade apodítica, pois, afinal de contas

de que outra forma se não desta se pode atingir tal objetivo? Como afirma Zilles:

Para tornar a filosofia ciência de rigor, ela não deve se fundamentar em dados

empíricos, ou seja, nos fatos, mas num a priori universal. Husserl parte das

ideias porque só essas são válidas, independentemente da contingência dos

fatos, para constituírem a prioridade radical para todas as ciências. Parte das

“coisas mesmas” (não dos fatos) como se apresentam em sua pureza à

consciência. Segundo ele, a consciência, ao ser estudada em sua estrutura

imanente, mostra-se como algo que ultrapassa o plano empírico e emerge como

condição a priori de possibilidade do próprio conhecimento, ou seja, como

consciência transcendental. (2002, p. 21).

Etimologicamente a palavra fenomenologia significa ciência dos fenômenos.

Segundo Zilles (2002), em Husserl o termo fenomenologia passa a ter um caráter mais

subjetivo encerrado no campo imanente da consciência. Para ele, uma coisa é a

indubitável existência real do mundo e outra coisa é compreender e fundamentar essa

existência. O mundo existe independente da contingência dos fatos, porém ele só faz

47 Em 1938 faleceu Edmund Husserl (1859–1938), pai do movimento fenomenológico contemporâneo.

Edmund Husserl foi, sem dúvida, um dos filósofos mais fecundos de nosso século. Esta fecundidade mede-

se por uma dupla razão. Primeiro, pela sua gigantesca produção filosófica e pela qualidade de grande

número de pensadores que teve como discípulos. Em segundo lugar, destacou-se como o criador da

fenomenologia, sendo reconhecido como um dos grandes Clássicos do pensamento ocidental (ZILLES,

2002, p. 12).

E

2. EDMUND HUSSERL

181

sentido como consciência intencional. O mundo existe para nós como produto

intencional48. A única tarefa e função da fenomenologia husserliana é salvar o sentido

deste mundo, o sentido em que este mundo vale para qualquer homem como realmente

existe. É uma elucidação, explicitação da verdade que está de alguma forma evidente para

nós, mas que de uma forma ou outra acaba passando despercebida, seja pela nossa

condição humanal limitada, seja por nos limitamos mais do que já somos mesmos.

A fenomenologia49 é, pois, uma tomada radical da consciência do que é o

homem em si mesmo. Deste modo, o sentido do oráculo délfico “conhece-te a ti mesmo”

significa antes de tudo, a penetração do homem dentro de si mesmo. Tal penetração só é

possível enquanto é capaz de ter consciência de algo, é antes de mais nada um debruçar-

se sobre si mesmo, como descreve Zilles:

Edmund Husserl considera inaceitável o postulado de que aquilo que aparece

na experiência atual não é a verdadeira coisa. Deu novo significado à

fenomenologia, encerrando o fenômeno no campo imanente da consciência.

Husserl não nega a relação do fenômeno com o mundo exterior, mas prescinde

dessa relação. Propõe a “volta às coisas mesmas”, interessando-se pelo puro

fenômeno tal como se torna presente e se mostra à consciência (2002, p. 17).

Para Husserl, não é que aparência seja uma coisa e essência seja outra totalmente

diferente, a questão é que segundo o mesmo é preciso fazer uma escavação, fazer uma

investigação mais profunda para se ter uma maior clareza da relação entre a essência e a

aparência de um determinado “objeto”. Entendido aqui por “objeto” não uma coisa

puramente do tipo material, mas sim tudo aquilo do qual existe como produto intencional

de nossa consciência, como percepção, imaginação, desejo e etc. Tendo em conta, que

eles também possuem a sua essência, como citam Macedo e Alves:

48 O termo mais proximamente com Fenomenologia é “intencionalidade”. A doutrina nuclear em

fenomenologia é o ensinamento de que cada ato de consciência que nós realizamos, cada experiência que

nós temos, é intencional: é essencialmente “consciência de” ou uma “experiência de” algo ou de outrem.

Toda nossa consciência está direcionada a objetos. Se nós vemos, vemos algum objeto visual, tal como uma

árvore ou um lago; se nós imaginamos, nossa imaginação apresenta-nos um objeto imaginário, tal como

um carro que visualizamos descendo a estrada; se nós estamos envolvidos em uma recordação, recordamos

um objeto passado; se nós tomamos parte num julgamento, projetamos uma situação ou um fato. Cada ato

de consciência, cada experiência é correlata com um objeto. Cada intenção tem seu objeto intencionado

(SOKOLOWSKI, 2004, p. 17). 49 A fim de compreender o que é a Fenomenologia, devemos fazer uma distinção entre duas atitudes ou

perspectivas que podemos adotar. Devemos distinguir a atitude natural da fenomenológica. A atitude

natural é o foco que temos quando estamos imersos em nossa postura original, orientada para o mundo,

quando intencionamos coisas, situações, fatos e quaisquer outros tipos de objetos. A atitude natural é,

podemos dizer, a perspectiva padrão, aquela da qual partimos, aquela em que estamos originalmente. Não

viemos para ela de nenhuma coisa mais básica. A atitude fenomenológica, por outro lado, é o foco que

temos quando refletimos sobre a atitude natural e todas as intencionalidades que ocorre dentro dela. É

dentro da atitude fenomenológica que levamos a cabo as análises filosóficas. A atitude fenomenológica é

também algumas vezes chamada de atitude transcendental. Vamos examinar ambas as atitudes, ou focos, a

natural e a fenomenológica. Podemos compreender cada uma precisamente em seu contraste com a outra

(SOKOLOWSKI, 2004, p. 51).

182

Nesse emaranhado de processos o sujeito constitui o seu mundo circundante

como mundo vivido, como mundo para um eu que o intui e lhe atribui sentido

composto na sua subjetividade. Assim, sob o prisma fenomenológico, o eu que

conhece e vive, é condição de possibilidade para a percepção desses modos de

apresentação do mesmo eu. A vida do eu se constitui como vivência

intencional de seu fluxo de apreensões do mundo e de si mesmo (2012, p. 136).

Quando o Pai da fenomenologia critica o movimento científico predominante de

seu tempo o Positivismo, uma corrente filosófica de influência empirista e que tinha a

experiência empírica como fonte reveladora da verdade, ele não está criticando a sua

cientificidade enquanto finalidade técnica, o da objetividade, não é isso, mas sim o fim

que a partir desta, a ciência deveria buscar que é o de dar sentido à vida humana, é o

sentido de dar ao homem razão para viver como afirma Zilles (2002).

Pois, para ele deveria ser essa a finalidade da ciência, a qual não estava sendo

correspondida. Mas pelo contrário até a própria Filosofia que era segundo o mesmo a

ciência por excelência de dar sentido à vida humana, estava se deixando seduzir pelo

paradigma científico que estava se arraigando. Então, surge assim a fenomenologia

husserliana como uma crítica a ciência positivista, para ser mais preciso como um contra

ponto a psicofísica50.

Uma vez que, os fenômenos psíquicos, vai dizer Husserl, também tem a sua

essência, e não são apenas meros fenômenos que se apresentam a nós e que podem ser

mensurados facilmente, mas muito pelo contrário, são passíveis de uma análise que tenha

50 b) A Psicologia psicofísica ou, mais simplesmente, a psicofísica constituiu a primeira corrente empírica,

experimental ou científica da psicologia. Wolff já lhe prescrevera um método indutivo ou experimental,

característico de todas as ciências empíricas; no início do séc. XIX, Maine de Biran prescrevia seu campo

de ação: a consciência. No entanto, ainda não existiam todas as condições para a fase científica da

psicologia. Faltavam duas, estreitamente interrelacionadas: em primeiro lugar, o reconhecimento da estreita

relação entre os eventos psíquicos e os físicos, através da ação do sistema nervoso; em segundo lugar, a

introdução de alguma técnica de medição. Em 1860 Fechner publicava os Elementos de psicofísica, que a

definiam como "a ciência exata das relações funcionais ou relações de dependência entre o espírito e o

corpo". Esse foi o programa da Psicologia científica nessa primeira fase de sua organização: programa no

qual logo encontraram lugar os resultados das análises do empirismo inglês, desde Locke até Spencer.

Também definira como psicofísica a tarefa da Psicologia, afirmando que "a Psicofísica distingue-se das

ciências em que se apoia [anatomia e fisiologia] porque cada uma de suas proposições leva em conta tanto

o fenômeno interno conexo quanto o fenômeno externo conexo, ao qual se refere." 1.a A Psicologia tem

por objeto os "fenômenos internos" ou "fatos da consciência", e seu principal instrumento de indagação é a

introspecção ou reflexão. Graças a esse aspecto, a corrente em exame foi muitas vezes chamada de

Psicologia subjetiva ou reflexiva, ou — mais raramente — "crítica". 2 a. Os fatos de consciência ou

fenômenos internos são estudados pela P. em sua conexão funcional com os fenômenos externos

(fisiológicos ou físicos). Graças a esse aspecto, que é o mais característico da fase em questão, tal P. foi

chamada de psicofísica. Com este aspecto tem relação a hipótese que sustentou nesta fase o trabalho

experimental da Psicologia: o paralelismo psicofísico. 3 a. Tendência a resolver o fato de consciência por

elementos últimos (sensações, emoções elementares, reflexos ou instintos elementares) e explicar os

fenômenos mais complexos com a combinação de tais elementos (atomismo, associacionismo). 4 S O

caráter científico da Psicologia é constituído pelo recurso aos procedimentos de indução, de experimentação

e de cálculo matemático, que estabelece o caráter descritivo reivindicado pela Psicologia, analogamente ao

que fazem as outras disciplinas empíricas. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, 2007. p. 809).

183

um método que vá de encontro a sua complexidade, que é justamente este o propósito de

seu método fenomenológico. E é em relação a este método que trataremos a seguir.

184

essa perspectiva, ele inicia sua fenomenologia intencional transcendental que

vai ao ego cogito na busca dessa verdade apodítica, que assim como

Descartes, Husserl acreditava que só lá é que se pode encontrá-la. Porém,

enquanto que Descartes partiu do “cogito ergo sum”, Husserl partiu do “ego cogito

cogitatum”. O método51 fenomenológico husserliano é puramente intelectual, já que se

dá de maneira puramente intencional transcendental, embora parta da imanência, mas vai

à transcendência para se ter um melhor êxito nessa busca da verdade.

A primeira etapa da análise fenomenológica husserliana, se dá com a époche

fenomenológica, ou como também é conhecida, a suspensão de juízo, o colocar entre

parênteses. Busca-se primeiro se libertar de qualquer tipo de pré-conceito, pressupostos,

convicção, ou coisa do tipo. Mas ter somente o fenômeno como produto intencional de

nossa consciência denominado redução eidética, busca-se apenas o eidos, a essência

mesma, o sentido do fenômeno. O Segundo passo, consiste na redução transcendental, é

a busca da essência da consciência quando componente do eidos, da essência das ideias,

e tem-se como resultado a essência, o sentido, a verdade apodítica do fenômeno, é o que

diz Frank Oliveira:

Papel importante na fenomenologia é desempenhado pela operação que

permite abstrair a aceitação tácita da realidade do objeto para simplesmente

aplicar-se às operações realizadas pela consciência. A redução fenomenológica

afasta a tese natural do mundo e investiga como funciona e se estrutura a

consciência para, então, assumi-la não como pressuposto, mas como etapa de

um processar científico, haja vista sua fundamentação filosófica. A époque

fenomenológica dá-se em dois movimentos: no primeiro há a redução eidética

que busca essências ou significados e no segundo, a redução transcendental,

busca a essência da consciência enquanto constituinte das essências ideais

(2001, p. 17).

51 O autor sustenta que seu método é descritivo, mas distinto da descrição psicológica. Todas as coisas do

mundo aí estão, percebemo-las ou não. A consciência é constituída por atos (noesis) que visam algum

componente desse mundo (noema). Assim, diversas noesis podem referir-se a um único noema. Assim a

fenomenologia sendo a pesquisa descritiva pura das vivências é uma psicologia descritiva e a

fundamentação última do conhecer só pode ocorrer a partir de uma pesquisa sobre os atos do conhecimento.

Isto significa: não se contenta o filósofo com as palavras, mas deseja retornar às próprias coisas. Sendo

essas últimas dadas em vivências, isto é, atos intuitivos, o mundo psíquico manifesta-se como instância à

qual os objetos são dados de diferentes modos e a consciência torna-se instância constitutiva do mundo

objetivo (OLIVEIRA, 2001, p. 16).

N

3. METODOLOGIA

185

É a fenomenologia husserliana um método bastante seguro para o respectivo

objetivo, dado que, tem ela um método próprio que vai cada vez mais de maneira radical

ao encontro do fenômeno, um método que busca inicialmente, não fazer afirmações ou

deduções sobre o sentido ou o significado deste ou daquele fenômeno, mas pelo contrário

deixar tudo de lado, entre parêntese, e deixa o próprio fenômeno manifestar-se, dar-se em

sua pureza, em seu significado, em sua essência, de forma que se possa ter um bom êxito

na sua análise, e assim explicitar a sua verdade, como nos esclarecem Macedo e Alves:

A fenomenologia, como adverte Husserl, é uma ciência dos fenômenos. O

fenômeno é o autêntico, o real. A fenomenologia é um método intelectual. Isto

significa que o fenomenólogo não se ocupa em recolher dados, elaborar

estatística, realizar trabalho de campo, perguntar pela atuação ou pelo

pensamento do investigador. O objeto de nosso método consiste em elucidar o

eidos, isto é, o fenômeno puro, não condicionado por nenhum factum espaço-

temporal ou histórico. O eidos não é um objeto do mundo ou da natureza. É a

condição de possibilidade de todo fato empírico, é a essência pura (2012, p.

41).

A reflexão fenomenológica é antes de mais nada uma atividade intelectual, é

uma leitura de nós mesmos. A fenomenologia nos proporciona uma atitude filosófica que

é a de refletir antes de tudo sobre nós mesmos, para só depois então podermos fazer algum

juízo sobre nós e sobre o mundo, levando em conta, que o mundo na perspectiva

fenomenológica não é visto como algo exterior, fora do sujeito, mas como consciência

intencional do sujeito. Então, o fenomenólogo está preocupado, sobretudo com a essência

mesma da coisa. Ele se pergunta sobre qual o sentido desta ou daquela coisa como

consciência intencional. Sua atenção deve estar sempre voltada para o essencial e não

condicionada com o acidental.

É, sobretudo, uma forma de explicitação da realidade que nos cerca. A

fenomenologia husserliana quer mais do que tudo trazer à luz o sentido do ser humano

enquanto ser humano mesmo, enquanto ser dotado de corpo-alma- e espírito, enquanto

ser capaz de construir, mudar e transformar a realidade que o cerca, enquanto ser dotado

de capacidade de transcendência. Ela busca na transcendência trazer luz à imanência. É

uma forma de evidenciar aquilo que às vezes parece evidente, mas que por qualquer

algum motivo acabamos não percebendo. Então, como se observou o método

fenomenológico husserliano é bastante rigoroso e radical para um melhor êxito na busca

pela verdade apodítica, da qual passaremos a analisar.

186

verdade apodítica é sem sombra de dúvidas o interesse principal da

Filosofia52, considerando-se, que a História da Filosofia ocidental é a história

da busca desta porque na história do pensamento filosófico ocidental a maioria

dos filósofos inquietaram-se na tentativa de elucidar a questão da verdade, cada um a seu

modo, a sua maneira, buscou-a. Uma vez que, esta acaba sendo uma problemática que

perpassa o homem com sua história, a busca por sentido, por verdade. E com Husserl não

seria diferente, e ele como um dos grandes filósofos do séc. XX mostra como o seu

método fenomenológico, a sua fenomenologia pode nos ajudar em tal objetivo. “A

fenomenologia consiste na tentativa de descrever o fundamento da filosofia na

consciência na qual a reflexão emerge da vida irrefletida do começo ao fim”. (ZILLES,

2002, p. 36).

Para Husserl, há distinção entre a indubitável existência real do mundo e a

compreensão e fundamentação dessa existência. O mundo existe para nós como produto

intencional. A única tarefa e função da fenomenologia husserliana é salvar o sentido deste

mundo, o sentido em que este mundo vale para qualquer homem como realmente existe.

A fenomenologia é, pois, uma tomada radical da consciência do que é o homem em si

mesmo, como dizem Macedo e Alves:

Husserl compreende que para alcançarmos a autenticidade da atividade

filosófica, a qual pode nos possibilitar o acesso ao fundamento apodítico para

o conhecimento, é preciso uma mudança de postura investigativa. Na

formulação de uma nova via de pesquisa temos por princípio que o sujeito se

encontra diante do mundo natural, transcendente a ele e oferecido

espontaneamente à sua cognição (2012, p. 72).

Só a reflexão fenomenológica como bem nos explica Husserl (2002), é quem

pode nos mostrar com maior clareza o sentido da vida, o sentido real da ciência, que é a

52 Será preciso que a Filosofia se distancie do formalismo científico e se aproxime do mundo da vida, ou

seja, dos problemas concernentes à existência humana. A matematização e formalização da ciência

moderna, segundo ele, produz efeitos desconcertantes nas “humanidades” e na Filosofia. As pretensões de

um método único, de uma linguagem unificada e unívoca conduzem a uma redução físico – matemática do

ser, da racionalidade e da verdade. Aplica-se uma física ao psíquico, submetendo – a um processo de

objetivação e idealização, que perde as dimensões subjetivas da vida espiritual A redução do psíquico ao

físico implica uma total dependência do primeiro em relação ao segundo. Com isso aliena-se o mundo do

sujeito no mundo do objeto. O psicólogo converte-se em físico da alma (psique) (ZILLES, 2002, p. 52).

A

4. A VERDADE APODÍTICA

187

de dar sentido à vida humana. A ciência53 não pode abandonar a sua efetividade técnica,

mas por outro lado essa efetividade técnica tem que ser exclusivamente para o bem-estar

do homem, para o melhor convívio da espécie humana, como bem explicita Zilles:

Cabe, então à Fenomenologia descrever a estrutura do fenômeno como fluxo

imanente de vivências que constituem a consciência (estrutura constituinte).

Enquanto a consciência transcendental constitui as significações é a priori de

possibilidades de conhecimento. Nesta perspectiva, a lógica tem caráter

normativo a priori e não deve ser confundida com o psicologismo, pois a

empiria é incapaz de fornecer as condições da apodicidade, condições que se

encontram numa região a priori da pura idealidade de caráter universal,

necessário e normativo que fundamenta todo o verdadeiro conhecimento.

Assim a Fenomenologia torna-se ela mesma o apriori das ciências (2002, p.

21).

Portanto, Husserl propõe que a Filosofia não se deixe guiar pelo cientificismo,

mas que ela passe a se interessar cada vez mais por esse homem enquanto ser racional,

enquanto ser humano construidor de valores, de cultura, e etc. Edmund Husserl sugere

que a Filosofia se interesse um pouco mais por esse ser pensante de maneira pensante, e

não de forma físico – matemática, pois, pensar o homem em uma linguagem físico –

matemática, segundo Husserl (2002), é querer reduzi-lo naquilo que há de melhor, na sua

alma, na sua parte racional e espiritual. Então a Filosofia não deveria se deixar influenciar

pelo cientificismo, mas pelo contrário se afastar, pois, só assim ela poderia contribuir

melhor para a humanidade, para a busca da verdade apodítica. E como meio temos a sua

Fenomenologia54 intencional transcendental.

53 A ciência tem grande autoridade em nossa cultura porque as pessoas pensam que ela nos diz a verdade

das coisas. Mesmo coisas humanas como consciência, linguagem e raciocínio serão, é o que se diz,

finalmente explicado em termos das ciências do cérebro, as quais por sua vez serão reduzidas, em princípio

se não de fato, às ciências físicas da física e da química. Temos dois mundos, então, o mundo no qual

vivemos e o mundo descrito nas ciências matemáticas, e é geralmente pensado que o mundo-da-vida é um

mero fenômeno, totalmente subjetivo, enquanto o mundo da ciência matemática é o mundo

verdadeiramente objetivo (SOKOLOWSKI, 2004, p. 158). 54 Acreditamos que uma das mais sofisticadas e mais valiosas contribuições da Fenomenologia para a

Filosofia repousa em seu tratamento de juízos e significados. A fenomenologia está apta a mostrar que não

precisamos pressupor juízos e sentidos como entidades mentais ou como intermediários entre a mente e as

coisas. Não precisamos introduzi-los como filosoficamente desconcertantes, seres estranhos que têm o

poder mágico de relacionar nossa consciência ao mundo exterior. A fenomenologia provê uma nova

interpretação do status dos juízos, das proposições e dos conceitos, interpretação simples, elegante e

verdadeira para a vida (SOKOLOWSKI, 2004, p. 109).

188

creditamos que com a respectiva pesquisa ter explicitado que a fenomenologia

intencional transcendental de Edmund Husserl é sem sombras de dúvidas um

método bastante rigoroso para a busca da verdade apodítica, haja vista, que é

ela quem nos mostra de uma forma bastante filosófica como buscar na transcendência o

fundamento último da imanência. E deve ser esse em última análise o dever do filósofo,

buscar o fundamento último da vida humana, buscar a essência, buscar a verdade

apodítica. Afinal de contas foi assim que a filosofia emergiu. Foi principalmente pela

busca da verdade que Sócrates teve que abrir mão da própria vida.

Com o presente estudo demonstrou-se a utilidade da fenomenologia intencional

transcendental de Edmund Husserl como método para a busca da verdade apodítica.

Evidenciou-se que se faz cada vez mais necessário refletir sobre tal, tendo em vista, que

como o próprio estudo mostrou, a história do pensamento filosófico ocidental é a história

da busca da verdade apodítica. Desde os primórdios da Filosofia até a atualidade, esse é

um tema que foi sempre posto à reflexão, tendo em conta, que o homem está sempre a

carecer de verdade. E esta pesquisa a priori buscou demonstrar que para tal objetivo é

preciso que se tenha principalmente um bom método, pois, tal assunto merece ser atenção,

basta ver, a relevância que ele traz.

A aparente simplicidade da fenomenologia se complexifica, na medida em que

se levam em conta dois fatores que obrigam a um rigoroso método de conhecimento. O

primeiro se refere ao aspecto de que o homem tem uma inclinação quase insuperável a

ver mais do que há no objeto. O segundo diz que nenhum objeto é simples, senão que

todos são infinitamente complexos.

Queremos, pois, dar continuidade à pesquisa que venham posteriormente

amadurecer, tendo em vista um melhor aprofundamento da Fenomenologia intencional

transcendental de Edmund Husserl, pois, já de início percebeu-se a sua atualidade frente

aos problemas que assolam a humanidade, como por exemplo este da verdade apodítica,

que é um problema clássico da Filosofia.

A 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

189

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2007.

ALES BELLO, Angela. Fenomenologia e ciências humanas: psicologia, história e

religião. Organização e tradução: Miguel Mahfoud e Marina Massimi. Bauru, São

Paulo, EDUSC, 2004.

HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade europeia e a Filosofia. Introdução e

tradução: Urbano Zilles. 2ed. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2002.

______. Meditações Cartesianas: Introdução à Fenomenologia. Tradução: Frank

Oliveira. Madras, São Paulo, 2001.

______. A ideia da Fenomenologia. Edições 70, Coleção textos filosóficos, Lisboa /

Portugal, 2008.

MACEDO, C. Wellington. ALVES, Marcos Alexandre. Husserl e a fenomenologia:

Uma introdução às ciências da subjetividade. Santa Maria, Biblos, 2012.

SOKOLOWSKI, Robert. Introdução à Fenomenologia. Tradução: Alfredo de Oliveira

Moraes. Edições Loyola, São Paulo, 2004.

SOBRE OS AUTORES

FRANCISCO JOSÉ ARAÚJO DE LIMA

Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Católica de Quixadá

(UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

MOISÉS ROCHA FARIAS

Doutorando em Filosofia pela Universidade do Minho – Portugal. Mestre em Filosofia

pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (2013). Possui Especialização em Educação

a Distância pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (2014) e em Metodologia e

Didática do Ensino Superior pela Faculdade Amadeus (2009). É Licenciado em Filosofia

Pela Universidade Católica de Brasília (2017). Bacharel em Filosofia pelo Instituto

Teológico Pastoral do Ceará (2006). É professor do Centro Universitário Católica de

Quixadá – UNICATÓLICA. Membro da Sociedade Portuguesa de Filosofia, da

Associação Brasileira de Filosofia da Religião e membro fundador do Grupo de Trabalho

Edith Stein – ANPOF.

E-MAIL: [email protected]

190

EPÍLOGO

e o direito e a filosofia são inerentes à humanidade, enquanto onde há

convivência há o primeiro e onde há consciência, a segunda, o florescimento de

ambos tem coordenadas geográficas e temporais. A Grécia apresenta-se como o

berço da filosofia, como nós a entendemos, dialética, pararreligiosa, racionalista. A

cultura greco-romana pode ser considerada a mãe do direito, enquanto normatização não

tirânica, baseada no discurso idealmente racional, na representação do cidadão no senado,

seja ele o dos clarissimi, parcial e discriminatório para os nossos padrões democráticos.

Havia uma única proposta holística de formação, a do orator, voltada basicamente para a

educação dos futuros juízes, advogados, escritores e filósofos.

O ideal platônico político-filósofo, ínsito em sua obra “A República”, de certa

forma, realizou-se, não nos homens políticos, mas na formação do advogado. Nesta

perspectiva, a relação entre filosofia e direito concretizou-se muito cedo. Uma nova etapa

nesta relação deu-se na cristianização do império romano, na apropriação do direito pela

Igreja Católica da virada do primeiro milênio.

O encontro do cristianismo com a filosofia é ainda mais antigo e se confunde com

a própria origem do primeiro. O mosteiro torna-se, no ocaso da era antiga, o celeiro do

poder público, a casa de formação da nova aristocracia, com suas consequências para a

visão tipicamente medieval da onipresença do sagrado e do sufocamento do profano

(MARKUS, R. O Fim do Cristianismo Antigo. São Paulo: Paulus, 1997), mas também de

reflexão filosófica, nova no método independente, embora ainda ancila theologiae. É

neste cenário que se coloca o alvorecer do direito canônico, em certo sentido pai do direito

ocidental, e, um pouco mais tarde, com a escolástica, a busca da essência do direito, hoje

sobrevivente no jusnaturalismo.

O positivismo, embora tenha eliminado a causalidade da relação entre filosofia e

direito, é, também este, dialética filosófica enquanto afirmação negativa da possibilidade

de fundar o direito na metafísica. O positivista é um empirista, um cientista da aplicação

S

191

da matemática à física, capaz de perceber somente as leis físicas que daí emanam. As leis

metafísicas estão além do seu alcance.

O presente simpósio mostra a dupla face da relação entre direito e filosofia. De um

lado, temos a abordagem de temas sensíveis ao direito, quase sempre com enfoque

filosófico, onde podemos elencar, além do tema principal do evento, a saber o da pena de

morte, outros de grande importância, como o do feminicídio, da violência urbana e a

organização da segurança pública, do sistema político brasileiro, nas contribuições,

respectivamente, de Nobre, Araújo, Gomes e Lima, e de Oliveira. Por outro lado, temos

a abordagem diretamente filosófica, nas contribuições de Silva Coelho (A sabedoria na

“Ciência Nova” de Giambattista Vico: história, física, cosmografia e geografia), e de

Vasconcelos, Chaves e Girão (Direito e Moral), e, por fim, de temas e abordagens

filosóficas que têm incidência maior ou menor no Direito, como a fenomenologia de

Husserl e a liberdade na ética de Santo Tomás de Aquino, respectivamente, nas

contribuições de Araújo de Lima e de Dias de Lima. A última a contribuição, não em

importância, a ser mencionada é a de Carvalho-Barreto que vai na direção da

interdisciplinaridade, envolvendo também os estudos da psicologia, no tema atualíssimo

da justiça terapêutica. Cada trabalho, com sua nuance neste ou naquele tema, traz uma

visão intencionalmente filosófica do concretismo dos problemas mais atuais do direito,

enquanto produto da convivência humana, mas também de sua inquietude intelectual, sua

contínua busca pelo tipicamente humano.

Nada mais útil do que o direito para consolidação e sustentabilidade do estado

moderno democrático. Nada mais inútil do que a filosofia em nosso mundo tecnocrata.

Seguindo Aristóteles, exatamente por que é inútil, a filosofia é a ciência mais importante,

essencial para este animal pensante inquieto e sempre insatisfeito com os limites que seu

mundo lhe impõe. O diálogo, portanto, entre filosofia e direito continuará, e não pode que

somar no progresso do conhecimento humano e da construção de uma sociedade mais

justa.

Dr. Marcos Augusto Ferreira Nobre

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

UNICATÓLICA

192

especial a edição de um livro que compõe-se da expressão de pensamentos

de várias pessoas. Esta especialidade reside da multidimensionalidade de

cada pessoa que, sob os parâmetros de sua historicidade e discernimento,

predicar de forma única sobre fenômenos. Diante deste fato, o óbvio dos óbvios, acontece:

a discussão trans-individual sobre esta visão individual do fenômeno, acontecendo assim,

por via da dialética, o desenvolvimento da ciência.

Este livro, ao qual neste momento, “solapeio”, é fruto de várias expressões de

pensamentos sobre fenômenos filosóficos & Jurídicos expostos na 2ª edição do Simpósio

Internacional de Filosofia e Direito, promovido pelo Centro Universitário Católica do

Quixadá-CE – UNICATÓLICA, em meados de 2015, e, ver-se, devolvido à comunidade

em geral para a segunda etapa do processo dialético: a discussão.

Portanto sua importância é ímpar, no sentido de que, promove e promoverá o

desenvolvimento científico. Sua leitura é necessária, ao mesmo tempo, provocadora,

suscitando o espírito humano (científico) na geração de conhecimento e novas

predicações.

A toda equipe formadora do livro, as minhas mais sinceras congratulações. ”

Professor Francisco José Mendes Vasconcelos

“É

193

com regozijo que recebo a missão de passar uma mensagem certeira acerca

de tão relevante produção acadêmica. Resultado do trabalho coletivo

desenvolvido por alunos e professores, durante o II Simpósio Internacional

de Filosofia & Direito, a obra enfoca temas caros à teoria do direito e à filosofia,

fortalecendo os laços de inter-relação e diálogo constante entre tais ramos do

conhecimento. Louvo, nesse sentido, os coordenadores da obra e a UNICATÓLICA pela

sensibilidade de despertar, nos autores, a potencialidade transformadora da produção

científica. Felicito a todos. ”

Professor Pedro Rafael Malveira Deocleciano

“É

194

SOBRE OS ORGANIZADORES

ANTONIO GLAUTON VARELA ROCHA

Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Mestre em Filosofia

pela UFC; Especialista em Ensino de Filosofia pela Universidade Cândido Mendes

(UCAM); e Graduado em Filosofia pela UFC. Atualmente é professor no Centro

Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

FRANCISCO JOSÉ MENDES VASCONCELOS

Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Direito

Internacional pela Universidad Autônoma de Assuncion (UAA). Especialista em Direito

Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Planejamento Educacional pela

Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É Bacharel em Direito pela UFC e

Licenciado em Ciências pela UECE. Atua como docente no Centro Universitário Católica

de Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

KÁTIA GARDÊNIA DA SILVA COELHO

Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE - 2012) e Bacharel em

Filosofia pelo Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (2009). É professora do Centro

Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). É coordenadora do grupo de

pesquisa interdisciplinar “Educação ambiental e justiça social”, do projeto de pesquisa e

extensão interdisciplinar, e membro do Grupo Espiral (Grupo Intercursos de Estudo,

Pesquisa e Extensão Saúde, Direito e Educação).

E-MAIL: [email protected]

MARIA LÍRIDA CALOU DE ARAÚJO E MENDONÇA

Pós-doutorado em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC); Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Mestre

em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Graduada em Direito pela UFPE.

Atualmente é coordenadora e professora do curso de graduação em Direito do Centro

Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA), e professora titular dos cursos de

graduação em Direito e do Programa de Pós-graduação lato sensu da Universidade de

Fortaleza (UNIFOR).

E-MAIL: [email protected]

195

PEDRO RAFAEL MALVEIRA DEOCLECIANO

Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Mestre em Direito

Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR); Especialista em Direito e

Processo do trabalho pela Faculdade Christus (FC); e Graduado em Direito pela

UNIFOR. Atualmente é professor e coordenador adjunto do Centro Universitário

Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

SAULO NUNES DE CARVALHO ALMEIDA

Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Mestre

em Direito Constitucional pela UNIFOR. É especialista em Direito do Trabalho,

Tributário e Previdenciário pela Faculdade ATENEU e Bacharel em Direito pela

UNIFOR. Atualmente é professor no Centro Universitário Católica de Quixadá

(UNICATÓLICA).

E-MAIL: [email protected]

196