O A G V R F J M V K G S C M L C A M P R D M SAULO
Transcript of O A G V R F J M V K G S C M L C A M P R D M SAULO
ORGANIZADORES
ANTONIO GLAUTON VARELA ROCHA
FRANCISCO JOSÉ MENDES VASCONCELOS
KÁTIA GARDÊNIA DA SILVA COELHO
MARIA LÍRIDA CALOU DE ARAÚJO E MENDONÇA
PEDRO RAFAEL DEOCLECIANO MALVEIRA
SAULO NUNES DE CARVALHO ALMEIDA
DIÁLOGOS ENTRE FILOSOFIA E DIREITO:
Múltiplas Abordagens e Transdisciplinaridade
FICHA TÉCNICA
CHANCELER
Dom Ângelo Pignoli
REITOR
Manoel Messias de Sousa
VICE-REITOR
Renato Moreira de Abrantes
PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
Américo Valdanha Netto
PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO E EXTENSÃO
Marcos Augusto Ferreira Nobre
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Francisco José Mendes Vasconcelos
REVISÃO TÉCNICA
Monique Isabelle de Sousa Nascimento
REVISÃO ORTOGRÁFICA
Cíntia Araújo Cândido
DIAGRAMAÇÃO
Manoel Miqueias Maia
CAPA E CONTRACAPA Willian Teixeira Lima
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE.
Rocha, Antonio Glauton Varela - Vasconcelos, Francisco José Mendes -
Coelho, Kátia Gardênia da Silva - Mendonça, Maria Lírida Calou
de Araújo e - Deocleciano, Pedro Rafael Malveira - Almeida,
Saulo Nunes de Carvalho –
Diálogos entre Filosofia e Direito: Múltiplas abordagens e
transdiciplinariedade / Antonio Glauton Varela Rocha; Francisco
José Mendes Vasconcelos; Kátia Gardênia da Silva Coelho; Maria
Lírida Calou de Araújo e Mendonça; Pedro Rafael Malveira
Deocleciano; Saulo Nunes de Carvalho Almeida: organizadores.
– 1. ed. – Porto Alegre : Revolução eBooks – Simplíssimo, 2017.
Recurso digital : il.
Formato : ePub2
Requisitos do sistema : Adobe Digital Editions
Modo de acesso : World Wide Web
ISBN 9878595130647
1. Filosofia. 2. Direito. 3. Pesquisa. 4. Título. I. Titulo.
CDD: 300
Arquivo ePub produzido pela Simplíssimo Livros
PREFÁCIO
ano de 2016 foi repleto de motivos para que nós, que fazemos a
UNICATÓLICA, comemorássemos.
Nosso Curso de Direito, já tendo completado, em 2015, o segundo lustro,
passou por processo de renovação de reconhecimento em que logrou, em abril/2016,
conceito 4 (quatro), num universo de 1 (um) a 5 (cinco). A cada ExOAB, mais e mais
alunos e egressos são aprovados, tornando-se aptos ao ingresso na Ordem dos Advogados
do Brasil e ao exercício de tão nobre profissão. A seriedade e o comprometimento
acadêmico de estudantes e professores qualificam-nos como sendo um dos mais
promissores Cursos da Instituição.
De faculdade isolada, fomos credenciados como Centro Universitário, por força
da Portaria MEC n. 367, publicada no D.O.U. de 06/05/2016. A pesquisa/iniciação
científica e a extensão, cujos frutos, agora, juntamente com o ensino, se esperam muito
mais abundantes, vão ganhando consistência acadêmica digna das melhores instituições
do Nordeste, senão do Brasil. Polos de pós-graduação foram abertos em Baturité, Boa
Viagem e Tianguá, onde já funcionam cursos nas diversas áreas.
A produção científica mostra-se exuberante a contribuir com o ingresso de alunos
com o perfil de pesquisador em programas de pós-graduação stricto sensu do Brasil e do
exterior. A qualidade do que é produzido por nós já começa a se destacar e chamar a
atenção de grandes entidades e personalidades do meio acadêmico nacional.
Resultado do esforço de muitos, eis em nossas mãos mais uma produção científica
coletiva, fruto do II Simpósio Internacional de Filosofia e Direito – único evento
internacional de nossa UNICATÓLICA –, realizado em 2015 e que já está às vésperas de
sua terceira edição. Iniciativa por demais salutar, o Simpósio propõe e aprofunda a
compreensão do Direito enquanto “ser” (nos termos de uma necessária ontologia
jurídica), e fomenta a cultura jusnaturalista, assumida como própria pela
UNICATÓLICA, instituição umbilicalmente ligada à Igreja Católica e à tradição jurídica
desta.
O
Nesta obra, o leitor terá a oportunidade de aprofundar conhecimentos a partir dos
artigos produzidos por professores e alunos da nossa UNICATÓLICA, bem como por
convidados externos.
Assim, “A visão ética no pensamento de São Tomás de Aquino e a importância
da liberdade para a mesma” nos é apresentada por Bruno Dias de Lima. Everton Oliveira
nos conduz à reflexão sobre “O sistema político brasileiro: Uma análise descritiva sob a
ótica sistêmica de David Easton”.
“A influência da ética na atuação de profissionais das áreas médicas e jurídicas”
é objeto de estudo de Jivago Alves do Ó e César Augusto Rodrigues Parente. Os
professores Douglas Willyam Rodrigues Gomes e Leonardo Araújo Lima propõe-nos a
leitura de “O papel da guarda municipal na segurança pública com foco na violência”. O
já citado Prof. Douglas Willyam, juntamente com o Prof. Daniel Paiva Mendes sugerem-
nos a análise do artigo intitulado “Centralização dos processos licitatórios: Um estudo de
caso em uma empresa pública no Município do interior do Estado do Ceará”. Nosso
brilhante Prof. Francisco José Mendes Vasconcelos, juntamente com Monique Chaves,
apresenta-nos ao deleite o texto “Direito e Moral: Uma análise do pensamento de Hans
Kelsen”.
O Prof. Marcos Augusto Ferreira Nobre, nosso Pró-Reitor de Graduação e
Extensão, sugere reflexões sobre “Martírio e Pena de Morte”. E, por fim, se me permitem,
apresento-lhes, da nossa lavra, o artigo intitulado “O princípio da proporcionalidade:
Gênese e aplicação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.
Percebe-se, pois, a densidade da obra com que a comunidade jurídica da
UNICATÓLICA nos presenteia. Teoria e prática são conjugadas com maestria e com
simplicidade penetrante, características das grandes realizações humanas.
Aos organizadores, os parabéns. Seja mais uma de muitas outras obras.
Aos colaboradores, a gratidão e o estímulo à produção do saber.
Ao leitor, mãos à obra.
Renato Moreira de Abrantes
VICE-REITOR
UNICATÓLICA
APRESENTAÇÃO
az-se esta obra literária um somado sincronizado de resumos estendidos e artigos
dos participantes do único evento científico a nível internacional do Centro
Universitário Católica do Quixadá – UNICATÓLICA, o “SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE FILOSOFIA & DIREITO”, cuja temática engloba os mundos
filosófico e jurídico, e reuniu discussões e debates sobre questões relevantes destes dois
setores de atividades humanas – saberes filosóficos e científicos.
O saber filosófico e o saber jurídico se integram e interagem de forma contínua e
suplementar. Proporcionar o debate extraordinário entre a “coruja” de Athenas (Αθηνά)
& Thêmis (Θέμης) é ovacionar a interdisciplinaridade; é fazer-se analisar a capacidade
e o pensamento humanos em busca de sua própria essência. Através deste encontro
dicotômico possibilita-se a compreensão, a origem e, consequentemente, a evolução de
questionamentos sociais de hoje; o que, proporcionará o seu aperfeiçoamento, a sua
completude e seu disciplinamento.
E louvamos este empreendimento do saber através da dialética mais pura: A
exposição e a discussão de pensamentos.
Nada mais salutar que premiar os protagonistas do evento (a comunidade
científica) com o perenizar deste momento de embates e experiências adquiridas desse
encontro através de uma exposição literária daqueles que provocaram o fervor deste
Simpósio (autores e apresentadores).
Congratulações,
Pós-Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça
COORDENADORA DO CURSO DE DIREITO – UNICATÓLICA
Me. Antonio Glauton Varela Rocha
COORDENADOR DO CURSO DE FILOSOFIA – UNICATÓLICA
F
SUMÁRIO
A QUESTÃO DA ÉTICA NO PENSAMENTO DE SANTO TOMÁS DE AQUINO: UMA REFLEXÃO
SOBRE A IMPORTÂNCIA DO LIVRE-ARBÍTRIO E A BEM-AVENTURANÇA COMO FIM
ÚLTIMO ...................................................................................................................................... 10
Bruno Dias de Lima, Antônio Batista Fernandes, Antônio Marcos Chagas
A SABEDORIA NA CIÊNCIA NOVA DE GIAMBATTISTA VICO: HISTÓRIA, FÍSICA,
COSMOGRAFIA E GEOGRAFIA ................................................................................................. 25
Kátia Gardênia da Silva Coelho, Edilson Martins Rodrigues Neto
CENTRALIZAÇÃO DOS PROCESSOS LICITATÓRIOS: UM ESTUDO DE CASO EM UMA
EMPRESA PÚBLICA NO MUNICÍPIO DO INTERIOR DO ESTADO DO CEARÁ ....................... 42
Douglas Willyam Rodrigues Gomes, Daniel Paiva Mendes, Matheus Alves Pinheiro
DIREITO E MORAL: UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO DE HANS KELSEN ......................... 59
Monique Ellen da Silva Chaves, Carlos Breno Evangelista Girão, Francisco José Mendes
Vasconcelos
MARTÍRIO E PENA DE MORTE ................................................................................................. 81
Marcos Augusto Ferreira Nobre
O (CONTA)SENSO DO PROGRAMA DE JUSTIÇA TERAPÊUTICA: A EXPERIÊNCIA TRÁGICA
DA NÃO ESCOLHA...................................................................................................................... 95
André de Carvalho-Barreto
O PAPEL DA GUARDA MUNICIPAL NA SEGURANÇA PÚBLICA COM FOCO NA VIOLÊNCIA
................................................................................................................................................... 111
Douglas Willyam Rodrigues Gomes, Leonardo Araújo Lima, Matheus Alves Pinheiro
O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE: GÊNESE E APLICAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ........................................................................................... 124
Renato Moreira de Abrantes
O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DESCRITIVA SOBRE A ÓTICA
SISTÊMICA DE DAVID EASTON ............................................................................................. 143
Everton Lima de Oliveira, Francisco Valdovir Holanda de Almeida, Saulo Nunes de Carvalho
Almeida
OS ASPECTOS CONTRIBUTIVOS PARA O SURGIMENTO DE ESTADOS PARALELOS ILÍCITOS
NO BRASIL MEDIANTE A OMISSÃO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO SOBRE A
ÓTICA KANTIANA ................................................................................................................... 160
Caroline da Silva Scanone, Francisco José Mendes Vasconcelos
UMA APROXIMAÇÃO ATRAVÉS DE COMENTADORES DA FENOMENOLOGIA INTENCIONAL
TRANSCENDENTAL DE EDMUND HUSSERL COMO MÉTODO PARA A BUSCA DA VERDADE
APODÍTICA ............................................................................................................................... 176
Francisco José Araújo de Lima, Moisés Rocha Farias
EPÍLOGO .................................................................................................................................. 190
11
usto Ferreira Nobre
A QUESTÃO DA ÉTICA NO
PENSAMENTO DE SANTO TOMÁS DE
AQUINO: UMA REFLEXÃO SOBRE A
IMPORTÂNCIA DO LIVRE-ARBÍTRIO
E A BEM-AVENTURANÇA COMO FIM
ÚLTIMO
Bruno Dias de Lima, Antônio Batista Fernandes, Antônio
Marcos Chagas
12
RESUMO O presente trabalho tem por finalidade fazer uma
análise do pensamento ético-moral tomasiano,
mostrando a importância que o livre-arbítrio tem para
Santo Tomás de Aquino, uma vez que para o filósofo,
todo agir ético humano é realizado em vista de um
fim, isto é, a bem-aventurança. Para tal feito, iremos
utilizar como fonte de estudo a Summa theologia11
como obra principal, o Escritos Filosóficos de
Henrique Lima Vaz, o artigo “O tomismo e a ética:
uma ética da consciência” de Juvenal Savian, as
catequeses do Papa emérito Bento XVI sobre o doutor
angélico e obras de autores que exerceram forte
influência sobre o pensamento de Santo Tomás de
Aquino, tais como: Santo Agostinho e São Alberto
Magno de quem Aquino foi discípulo. Nosso
problema principal consiste em refletir sobre a
questão ética no pensamento tomasiano,
evidenciando a liberdade como àquela que
fundamenta a prática da ética e a bem-aventurança,
enquanto fim último a que deve se destinar todo o
nosso agir ético.
PALAVRAS-CHAVE Ética. Pensamento tomasiano. Livre-Arbítrio.
1 A Suma Teológica é a principal obra de Santo Tomás de Aquino, foi escrita entre os anos de 1265 a 1273
um ano antes de sua morte, é considerada como uma das principais obras da escolástica e de todo o
pensamento teológico -filosófico cristão.
13
anto Tomás de Aquino fundamentou sua ética na prática das virtudes, no ser
enquanto indivíduo virtuoso que é capaz de conciliar a vontade ao intelecto,
tendo a razão como aquela que direciona o agir para o bem. A ética tomasiana2
tem seus fundamentos no pensamento ético aristotélico, que influencia toda a obra de
Tomás de Aquino, não somente no que se refere à ética, mas também a outros temas
abordados pelo doutor angélico. Contudo, como proposto no tema deste trabalho, deter-
nos-emos somente aos aspectos relacionados à ética tomasiana.
Como já frisamos, dentre as influências sofridas por Santo Tomás de Aquino, se
destaca a presença do pensamento de Aristóteles. Nesse sentido, faz-se necessário
perceber que o doutor angélico pretende dar um olhar cristão ao pensamento ético de
Aristóteles, separando aquilo que era duvidoso daquilo que poderia ser tido como válido
para seu pensamento, algo que até o momento era tido como inconcebível3. Logo, a
grande novidade posta pelo filósofo no período medieval consiste em introduzir
Aristóteles num cenário marcado por uma ética agostiniano-platônica, claro, sem de
maneira alguma desconsiderar tal perspectiva, mas ao contrário, se apoiando nesta.
A ética tomasiana coloca o homem como o centro de suas decisões sem
desconsiderar a sua submissão à vontade divina. O homem deve chegar a seu fim que é o
Sumo Bem por meio da vontade ordenada pelo intelecto. Deus é aquele que ilumina o
intelecto para que possa estar direcionado para o bem, ou seja, o homem depende da
iluminação divina para alcançar o Sumo Bem, entretanto, é necessário que este pratique
as boas ações para que seja conduzido a este Sumo Bem4.
2 Utilizamos o termo ética tomasiana como uma forma de atualização do pensamento de nosso autor, para
uma melhor compreensão de seus escritos. Nossa escolha apoia-se em autores como Pe. Henrique Lima
Vaz que faz a utilização do mesmo termo. Porém, quando nos reportamos àquilo que o aquinate escreve
sobre tema como: virtude, fim último e ação moral, estamos diante de uma Filosofia Moral. 3 Esta pretensão de Santo Tomás de Aquino de dar um olhar cristão ao pensamento ético aristotélico consiste
basicamente em dar uma característica cristã a este, ou seja, sua ideia foi conciliar o pensamento cristão
com os conceitos éticos aristotélicos. 4 O que entendemos por Sumo Bem em São Tomás é Deus, que pode ser compreendido como sendo o bem
por essência.
S
1. INTRODUÇÃO
14
omás de Aquino viveu em um contexto em que predominava o poder da Igreja
sobre toda realidade espiritual e temporal, em que Igreja e o Estado formavam
uma só coisa, e claro, exercendo seu domínio também sobre todo pensamento
filosófico e teológico da época. É neste contexto que Tomás de Aquino aparece com um
pensamento ético que “deixou uma obra imensa que deve ser enumerada, sem favor, entre
os mais notáveis monumentos intelectuais da história cultural do Ocidente”. (LIMA VAZ,
1999, p. 211).
Como já demonstrado na introdução deste trabalho, todo pensamento de Tomás
de Aquino, como também de grande parte dos filósofos e teólogos de sua época, giram
em torno da relação entre fé e razão. Assim sendo, a ética tomasiana se dar dentro deste
contexto. Sobre esta relação, Joseph Ratzinger5, que após o papado passou a chama-se
Papa Bento XVI, um dos maiores pensadores da atualidade, que apesar de ter seu
pensamento voltado com mais ênfase para a área teológica, nos dar uma clara definição:
Com efeito, a fé protege a razão de toda a tentação de desconfiança nas próprias
capacidades, estimula-a a abrir-se a horizontes mais vastos, mantém viva nela
a busca dos fundamentos e, quando a própria razão se aplica à esfera
sobrenatural da relação entre Deus e o homem, enriquece o seu trabalho.
Segundo São Tomás, por exemplo, a razão humana pode chegar
indubitavelmente à afirmação da existência de um único Deus, mas só a fé, que
acolhe a Revelação divina, é capaz de haurir do mistério do Amor de Deus Uno
e Trino (BENTO XVI, 2010).
Percebe-se a grande importância da relação entre fé e razão, como nos mostra
Bento XVI, no pensamento do doutor angélico. Da mesma forma, podemos considerar
esta relação especificamente em sua ética, pois a razão humana pode chegar a um Bem
Supremo, mas somente mediante a revelação divina. Em suma, podemos compreender
este bem supremo como sendo a benevolência de Deus, fruto do agir de Deus sobre o ser
humano.
A ética tomasiana se dar por meio da prática de boas ações, sendo que,
basicamente, o indivíduo ético é aquele que é virtuoso, aquele que busca como fim o Bem
Supremo, que suas ações o levam a este fim. Apesar deste Bem Supremo ter um caráter
5 Papa Bento XVI (1929-) das catequeses sobre São Tomás de Aquino.
T
2. A ÉTICA TOMASIANA
15
divino, é um erro reduzirmos a ética de Aquino a um caráter puramente religioso, pois a
bondade e a maldade, segundo o autor, são de caráter humano e são praticadas pela razão
humana. Mesmo a razão tendo a necessidade da iluminação divina, não deixa de ter sua
incondicional importância no agir ético.
Mas a associação de Deus com o Bem Supremo não quer dizer que, dado o
contexto medieval, a ética ou a moral se reduzissem ao cumprimento de leis
religiosas, ou que a consciência individual fosse cerceada por preceitos divinos
e pela lei natural, tomada como a expressão por excelência da sabedoria de
Deus (SAVIAN, 2008, p. 179).
A ética tomasiana é aquela, como salienta Lima Vaz, que busca uma perfeição e
uma ordem, em que o homem encontra perfeição quando encontra o Bem. O homem está
mais próximo da perfeição quanto mais se aproxima do Bem, e a ordem se constitui
enquanto as ações que orientam para este fim, ou seja, a reta razão que direciona o homem
para o Sumo Bem.
Ora, a noção de perfeição, sendo logicamente conversível à noção de ser, não
é senão outra expressão da noção de bem. Por outro lado a noção de ordem
implica necessariamente, do ponto de vista ontológico, a noção de fim. Todo
ser, enquanto ato, é perfeito em sua ordem, ou seja, orientado para o seu fim e
agindo em vista deste fim. Tal é a ação ética enquanto ato humano que deve
realizar, por definição, a perfeição do ser humano enquanto ser racional e livre.
Bem e Fim ou perfeição e ordem são, pois, as categorias metafísicas que
subjazem à ética tomásica como ética filosófica e que devem ser levadas em
conta a cada passo de sua elaboração conceptual (LIMA VAZ, 1999, p. 216).
O que podemos perceber, em sintonia com a proposta de Lima Vaz, é a definição
da reta razão, ao ficar claro que a razão está sempre direcionada para o Bem. É natural do
homem que ele faça o bem e que chegue ao seu fim último que é a felicidade, que
Aristóteles denominava de eudaimonia, na obra Ética de Nicômaco6, pois todo o agir
ético humano está voltado para este fim. A novidade que Tomás de Aquino traz é que
esta felicidade só pode ser encontrada em Deus que é a verdadeira felicidade, o Sumo
Bem. O homem age sempre em vista deste fim. O intelecto dar meios para que sobre a
ação da vontade se possa chegar ao seu fim último, que podemos chamar também,
segundo Aquino, de beatitude; assim, o indivíduo se torna bem-aventurado quando
pratica as virtudes que o levam a Deus.
A ética tomasiana se dar mediante a prática das virtudes, é um habitus que se
adquire com o tempo, essas virtudes são utilizadas para se chegar ao Bem Supremo, são
os meios desejados pela vontade para chegar ao fim último. Em Tomás de Aquino, essas
6 Para um maior aprofundamento do conceito de eudaimonia ver: Obra Ética a Nicômaco de Aristóteles,
livro I.
16
virtudes podem ser traduzidas como as bem-aventuranças, tomando um olhar teológico
do assunto, seria a imitação das práticas de Cristo.
Sublinhando o papel fundamental, na vida moral, da ação do Espírito Santo,
da Graça, da qual brotam as virtudes teologais e morais, São Tomás faz
compreender que cada cristão pode alcançar as elevadas perspectivas do
"Sermão da Montanha", se viver uma autêntica relação de fé em Cristo, se se
abrir à ação do seu Espírito Santo. Porém – acrescenta o Aquinate – ‘embora a
Graça seja mais eficaz do que a natureza, todavia a natureza é mais essencial
para o homem’, pelo que, na perspectiva moral cristã existe um espaço para a
razão, que é capaz de discernir a lei moral natural. A razão pode reconhecê-la,
considerando o que é bom fazer e o que é bom evitar, para a consecução
daquela felicidade que está a peito de cada um, e que impõe uma
responsabilidade para com os demais e, portanto, a busca do bem comum. Em
síntese, as virtudes do homem, teologais e morais, estão arraigadas na natureza
humana. A Graça divina acompanha, sustém e incentiva o compromisso ético,
mas, por si só, segundo São Tomás, todos os homens, crentes e não-crentes,
são chamados a reconhecer as exigências da natureza humana e a inspirar-se
nela na formulação das leis positivas, ou seja, daquelas que são emanadas pelas
autoridades civis e políticas para regular a convivência humana (BENTO XVI,
2010).
Como destaca o Papa Bento XVI, o doutor angélico mostra que para se chegar a
esta beatitude, já que “Deus é a bem-aventurança em sua essência, ele é bem-aventurado:
não por aquisição ou participação de outra coisa, mas em sua essência” (AQUINO, 2004,
p. 63, I-II), portanto, é necessário o apoio da graça divina, sem, contudo, desprezar a
participação da razão humana, que diferentemente de alguns autores da época de Santo
Tomás ganha uma enorme importância. Assim sendo, faz-se mister ressaltar que a
proposta ética de nosso autor, mesmo estando ancorada sob as bases da metafísica
tradicional, e sobre os ensinamentos cristãos, não exclui a possibilidade de que os
indivíduos não crentes, não alcancem a sua felicidade, por meio de uma vida virtuosa,
que se dar por meio da prática das virtudes naturais. Entretanto, a estes é impossibilitado
o alcance a beatitude, já que esta só é possível por meio das virtudes teologais.
Mediante esta explanação sobre a ética em Tomás de Aquino, percebemos que
toda a sua fundamentação se encontra no pensamento metafísico. Para Lima Vaz, “a Ética
tem como fundamento necessário uma metafísica, e a estrutura inteligível do agir humano
repousa na continuidade entre o especulativo e o prático” (1999, p. 212). Nesse sentido,
o agir ético humano se dar por meio do reconhecimento da necessidade da graça divina
para se chegar a seu fim último, tornando-se assim uma ética teleológica que tem como
fim Deus; assim, torna-se algo metafísico e transcendente, mas os meios utilizados para
se chegar a este fim são imanentes, se dão em nossa realidade terrena. Portanto, existe em
Tomás de Aquino uma ética baseada na confluência entre aquilo que é “supra-sensível”
e aquilo que é sensível, sendo o segundo utilizado para se chegar no primeiro.
17
Tomás de Aquino uma ética baseada na confluência entre aquilo que é “supra-
sensível” e aquilo que é sensível, sendo o segundo utilizado para se chegar no primeiro.
endo a bem-aventurança resultado da submissão do homem a vontade divina, tal
submissão não consiste em tirar a liberdade de agir dos homens, pois permanecer
resguardada a capacidade do homem de escolher entre o bem ou o mal. Assim,
uma vez que todas as suas ações são praticadas com um julgamento prévio, ele é livre
para decidir o que parece ser melhor e que meios deve usar para se chegar a seu fim. O
homem exerce plenamente seu livre-arbítrio quando segue sua razão e escolhe para o
bem, “o homem é dotado de livre-arbítrio, do contrário os conselhos, as exortações, os
preceitos, as proibições, as recompensas e os castigos seriam vãos. Para demonstrá-lo,
deve-se considerar que certas coisas agem sem julgamento”. (AQUINO, 2004, p. 63, I-
II).
Dessa forma, é essa a diferença entre os homens e os animais, pois os animais
como cita o doutor angélico, também escolhem e julgam, mas não possuem a capacidade
do livre-arbítrio, pois praticam seus atos de maneira natural, por extinto, desta forma não
há livre-arbítrio entre os animais já que “não julga por comparação, mas por instinto
natural” (AQUINO, 2004, p. 487, I), enquanto que o homem julga pelo movimento da
razão, resultado de sua capacidade racional. Sem, contudo, ser a causa primeira, o livre-
arbítrio do homem como já dito, se dar no momento em que faz suas escolhas, mas este
livre-arbítrio sendo usado erroneamente pode levar o homem, em uma linguagem
teológica, a prática do pecado; e, em uma linguagem ética, a escolher más ações tornando-
o um indivíduo de ações antiéticas7.
Pelo livre-arbítrio, com efeito, o homem se move a si mesmo para a ação. Não
é, entretanto, necessário à liberdade que o que é livre seja a causa primeira de
si mesmo; nem, tampouco, é requerido para ser a causa primeira. E Deus que
é a causa primeira, movendo as causas naturais e as causas voluntárias
(AQUINO, 2004, p. 488, I).
Exercendo o homem o seu libero arbítrio, ele está sujeito ao pecado, ao erro que
o conduz aquilo que não é ético. É importante salientar que o livre-arbítrio humano e sua
sujeição ao erro é algo permitido por Deus, pois se Deus se der-se a conhecer
7 Falamos em linguagem teológico e linguagem ética, somente para um melhor esclarecimento, e para que
não haja um entendimento apenas na reflexão teológica, já que este não é nosso objetivo principal.
S
3. LIVRE-ARBÍTRIO
18
pessoalmente não seria possível a nossa vontade desejar outra coisa que não fosse Ele,
esta pode ser tida também como uma resposta para aqueles que não creem. Assim, por
mais que seja natural de nossa vontade desejar o Bem Supremo, que é Deus, Este nos
deixa livres para escolhermos não crer, o que não quer dizer que aqueles que não creem
não possam ser indivíduos éticos, já que por meio da vontade divina, não podemos o
conhecer plenamente como Ele é, devido nossa condição de seres sensíveis. Porém, cabe
a todo indivíduo crente ou não, praticar as virtudes naturais nomeadas por Aristóteles, já
que para a prática destas virtudes necessitamos apenas do uso da razão. Segundo Reale,
Ele não se dirige para um fim, como uma flecha lançada por um arqueiro, mas
sim se dirige livremente para um fim. E como há nele um habitus natural de
captar os princípios do conhecimento, também há sempre nele uma disposição
ou habitus natural- a assim chamada sindérese- que o leva a compreender os
princípios que inspiram e guiam as boas ações. Mas compreender ainda não
significa agir. E o homem, justamente porque é livre, peca se afasta
deliberadamente e infringe as leis universais que a razão lhe dá a conhecer e a
lei que Deus lhe revela (2007, p. 227).
Tendo o homem pecado, ou seja, praticado ações que vão contra a vontade de
Deus, ele perder o seu livre-arbítrio, nas palavras do doutor angélico “o homem pecado
perdeu o livre-arbítrio, não a liberdade natural, que é coação, mas a liberdade que é a
isenção da culpa e do sofrimento”. (AQUINO, 2004, p. 491, I). Assim sendo, Tomás de
Aquino pretende afirmar que a liberdade natural do homem nunca será perdida; porém,
aquela liberdade divina dada por Deus ao homem, ou seja, o livre-arbítrio, que livra o
homem do sofrimento e da culpa, que se dar quando o homem realiza aquilo que é a
vontade de Deus, esta é perdida no momento que o indivíduo peca.
O homem está sempre escolhendo, tomando decisões, sua vontade está sempre
voltada para desejar algo, aquilo que é bom, desejando não somente o fim como também
os meios para se chegar a este fim. Assim, consequentemente, devemos notar que este ato
de escolha do homem, é a execução de seu livre-arbítrio, pois ele é livre para escolher
agir eticamente.
No caso do livre-arbítrio, a solução tomásica introduz clareza definitiva nas
discussões sobre a questão, mostrando o livre-arbítrio como sendo a própria
vontade com seu poder inato de escolha enquanto penetrada pela razão na sua
função judicativa. Como tal o livre-arbítrio que tem como objeto próprio a
escolha dos meios participa do dinamismo da vontade orientada para o bem
como o fim, pois a bondade do fim reflui necessariamente sobre o meio apto a
alcançá-lo. A conclusão, pois, é que o livre-arbítrio é a própria vontade não
considerada absolutamente, mas enquanto ordenada ao ato de escolher (LIMA
VAZ, 1999, p. 226).
O intelecto conduz o homem ao seu fim último, que como já dissemos, é o Bem
Supremo, e sendo o homem um Ser livre, cabe a ele orientar suas ações, escolher os meios
19
necessários para se chegar a este fim. Tomás de Aquino dá bastante ênfase a este tema,
conforme destacamos neste trabalho, a saber: a realidade de não haver intervenção divina
direta em nossas ações éticas. Somos responsáveis por nossos atos, sem desconsiderar a
dependência da graça, pois somente por meio dela é que podemos chegar à beatitude;
todavia, não é Deus que impõe esta dependência, se fosse, não existiria livre-arbítrio, cabe
ao homem escolher por meio de sua vontade optar pela iluminação divina em seu agir
ético e moral.
Ora a razão e liberdade como componentes do agir humano enquanto tais
conferem ao agente sua propriedade essencial: a de tender ao fim conduzindo-
se a si mesmo. Em outras palavras, ao agente racional e livre cabe dirigir sua
própria ação, ou seja, ordená-la ao bem que é o fim, tornando o seu agir, por
natureza e destinação, constitutivamente ético ou moral. Por outro lado, a
noção de fim como bem é logicamente e metafisicamente correlativa à noção
de perfeição, o que implica uma ordem dos fins segundo a escala das perfeições
e, portanto, um fim último do qual, uma vez alcançado, deve proceder a
perfeição do agente, ou seja, sua auto-realização (LIMA VAZ, 1999, p. 220).
Para que o homem possa escolher algo como bom para ele, é necessário o uso
da vontade e do intelecto, não se pode escolher algo apenas por meio de uma dessas vias,
pois elas são inseparáveis, toda ação humana se dar dentro do contexto da relação entre
vontade e intelecto. A primeira é aquela que escolhe a melhor ação para se chegar ao fim,
e o segundo é aquele que conhece os meios para que se possa chegar ao fim desejado pela
vontade. Para Savian,
No seu dizer, razão e vontade enovelam-se na produção da prática ética, mas a
razão tem certa prerrogativa sobre a vontade, porque, em síntese, ninguém
pode desejar aquilo que não conhece. Dessa perspectiva, a razão apresenta uma
meta à vontade, e essa, com a razão, faz exercitar-se a consciência, na
ponderação das circunstâncias particulares da ação, produzindo a escolha
(2008, p. 181).
É necessário destacar também neste trecho que Savian nos mostra, a
superioridade da razão em relação à vontade, como aquela que apresenta aquilo que a
vontade deve desejar e também pelo fato do intelecto ser em si mesmo uma potência
superior à vontade. Nesse sentido, afirma Tomás de Aquino:
A superioridade de uma coisa sobre outra pode ser considerada de dois modos:
absolutamente quer relativamente. Uma coisa é tal absolutamente, quando ela
é isso em si mesma; e é tal relativamente, quando o é em relação a uma outra-
Portanto, se o intelecto e a vontade são consideradas em si mesmos, então o
intelecto é superior (2004, p. 479, I).
Sendo o intelecto superior à vontade, é nele onde acontece o auxílio divino.
Nosso autor mostra que a fé ilumina a razão, sendo o auxílio divino aquele que vem de
encontro ao ser humano, ajuda o homem dentro de seu livre-arbítrio em seu agir ético, no
20
hábito das virtudes teologais8. O indivíduo verdadeiramente ético é aquele que pratica as
virtudes naturais: justiça, equidade e temperança, dentre outras pontuadas por Aristóteles.
Estando em conformidade com as teologais, sendo que estas últimas são necessárias para
se alcançar a beatitude, ou seja, aos não cristãos é possível a prática das ações, mas
somente aquelas naturais, enquanto que os crentes a beatitude, o fim último das ações
éticas se dá na relação entre os dois tipos de virtudes acima citados. Desta forma, aos não
crentes é possível ser um indivíduo ético, mas não bem-aventurado. Sobre a relação entre
razão e vontade afirma Savian:
Essa intercausalidade entre a razão e a vontade, na estrutura do ato livre,
mostra-se, em linguagem aristotélica, da seguinte maneira: a razão goza de
prioridade na ordem da causa formal e final, enquanto a vontade tem prioridade
na ordem da causa eficiente. A causa formal é a que determina a essência de
algo; nesse caso, a essência daquilo que se busca ou da ação que se pretende
fazer. A causa final refere-se à finalidade de algo; nesse caso, a finalidade da
ação (2008, p. 182).
Percebe-se acima uma explicação do que Santo Tomás de Aquino expõe sobre
superioridade do intelecto em relação à vontade, em que Savian traduz o “absolutamente”
e “relativamente” sob uma visão aristotélica, em causa formal final e causa eficiente, isto
é, o intelecto goza de superioridade em relação à finalidade de nosso ato, enquanto que a
vontade em relação a pratica deste ato.
O Papa Emérito Bento XVI nos mostra que no pensamento ético de Santo Tomás
de Aquino, o agir humano se dar dentro da relação entre razão, vontade e paixões, pois
essas exercem um papel fundamental.
O autor apresenta os princípios teológicos do agir moral, estudando como, na
livre escolha do homem de realizar atos bons, se integram a razão, a vontade e
as paixões, às quais se acrescenta a força que confere a Graça de Deus através
das virtudes e das dádivas do Espírito Santo, como também a ajuda que é
oferecida inclusive pela lei moral (BENTO XVI, 2010).
Em suma, retomando ao tema do livre-arbítrio, percebemos que o doutor
angélico nos mostra que para o agir ético é bom que o homem, no uso de seu livre-arbítrio,
submeta-se a vontade divina para se chegar ao Bem Supremo, que é a “Bem-
aventurança”. Aderindo à vontade divina, a razão, sede das decisões, passa a ser
iluminada pela fé, e consequentemente a vontade irá desejar aquilo que é à vontade de
Deus, o Sumo Bem, e as ações do indivíduo serão cada vez mais éticas, fazendo com que
este chegue ao seu fim último que é a felicidade. A felicidade deve ser entendida em Santo
8 Fé, esperança e caridade, basicamente podemos definir a primeira como sendo a confiança em Deus, se
dar na relação do homem com Deus, a segunda é a espera pelo tempo de Deus, pela vida eterna e pelo reino
dos céus, e a terceira é a virtude do amor que fundamenta todas as outras.
21
Tomás de Aquino, como sendo a realização da vontade de Deus, o homem se torna feliz
quando pratica as ações que o levam a aproximar-se do Sumo Bem. Tais ações derivam
das virtudes naturais, que são: justiça, coragem, temperança, mansidão dentre outras que
se encontram em consonância com as teologais já mencionadas acima. Para Savian,
A respeito da preservação da liberdade humana, mesmo quando se diz que é
bom submete-se à lei divina, a antropologia descrita por Tomás de Aquino
garante a preservação da liberdade do indivíduo, pois, no dinamismo interno
que o faz aderir a Deus e submeter-se à sua lei, o indivíduo, por sua razão,
pondera o sentido dessa adesão, bem como as possibilidades de realização
humana por ela visadas, e conclui que se trata de algo bom. O indivíduo então
escolhe, por meio da vontade (2008, p. 183).
Desse modo, todo o agir ético acontece por meio da escolha, que é ato da
vontade, sendo que é por meio do movimento da vontade que se dar a liberdade de
escolher o que é bom ou não. É neste contexto de escolha que o indivíduo percebe a
necessidade de optar pelas leis divinas, como aquilo que rege seu agir ético, fazendo com
que ele chegue ao seu fim último, a saber: a felicidade. Porém, esta não deve ser alcançada
somente naquilo que é espiritual, pois mesmo toda a ética de Tomás de Aquino estando
baseada em preceitos metafísicos, existe nela espaço para o bem-estar social, como meios
para se chegar ao fim último, por entendermos que a prática das virtudes se dar na vida
cotidiana.
Portanto, percebemos claramente no pensamento tomasiano a existência de uma
relação entre a vida contemplativa, fruto do caráter espiritual das virtudes teologais, com
a vida cotidiana, sendo que a primeira exerce uma maior importância no agir do homem;
contudo, Santo Tomás de Aquino não desconsidera o reflexo que o espiritual exerce no
temporal, que nada mais é do que o bem-estar proporcionado ao homem.
22
ediante o que expomos no texto, podemos considerar que nosso artigo
apresenta apenas uma pequena parcela do vastíssimo pensamento ético de
Santo Tomás de Aquino. Defendemos a proposta que sua ética está
fortemente ancorada no pensamento ético aristotélico, tendo também por fundamento a
teoria de Santo Agostinho. Podemos ainda afirmar que sua ética é basicamente das
virtudes, sendo o indivíduo ético aquele que pratica as virtudes, tornando-as um hábito,
praticando essas ações em todas as coisas cotidianas do nosso dia-a-dia.
Outro aspecto importante, o pensamento tomasiano e que tentamos aborda neste
trabalho de maneira simples e acessível, foi o tema do livre-arbítrio nas ações éticas do
indivíduo. Tal tema, se analisado mais profundamente, veremos que é onde culmina toda
a ética tomasiana. Por outro lado, não pudemos esquecer que Santo Tomás de Aquino
mostra a importância do divino no agir ético como fruto da iluminação da razão, mas ao
mesmo tempo coloca Deus, como sendo aquele Sumo Bem ofertado a razão e que pode
não ser aceito por ela, uma vez que se houvesse imposição não haveria livre-arbítrio no
homem. Assim sendo, o livre-arbítrio se dar dentro desta relação de oferta e recebimento9,
que se usado erroneamente pode conduzir o homem livremente ao pecado.
Portanto, o fundamento essencial de toda a ética tomasiana sustenta-se no fato de
que: sem os preceitos divinos o homem pode ser virtuoso10, mas não alcança a beatitude
e a felicidade, pois esta só é encontrada quando participamos da bem-aventurança de
Deus, sendo esse o fim último a que deve se dirigir o homem: ser bem-aventurado pela
participação da beatitude divina. Assim, o que Santo Tomás de Aquino pretende nos
ensinar com sua filosofia, é que o homem se encaminha naturalmente para este fim, que
é de sua natureza ser bom, mas somente as suas ações éticas, iluminadas pela graça divina,
farão com que ele seja um indivíduo bem-aventurado.
9 Este recebimento do que é ofertado se dar dentro da vontade, como já explicitamos acima. 10 Pela pratica das virtudes naturais expostas acima.
M
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
23
REFERÊNCIAS
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. I- II parte 1-48. 2ª edição. São Paulo: Loyola,
2009.
______. Suma teológica. I Parte. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 2009.
______. Suma teológica. I-II Parte 49-114. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 2009.
BENTO XVI. Catequeses sobre São Tomás de Aquino-2010. Disponível em:
<http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/it/audiences/2010/index.html>. Acesso em:
25 de maio 2015.
LIMA VAZ, Henrique C. Escritos de Filosofia IV: Introdução à Ética Filosófica I. 5ª
edição. São Paulo: Loyola, 1999.
SAVIAN FILHO, Juvenal. O tomismo e a ética: uma ética da consciência e da
liberdade. 2008. Disponível em: <http://www.saocamilo-
sp.br/pdf/bioethikos/64/177a184.pdf>. Acesso em: 23 de maio 2015.
REALE, Giovanni. História da Filosofia: patrística e escolástica – Vol. 2. Tradução:
Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.
24
SOBRE OS AUTORES
BRUNO DIAS DE LIMA
Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA)
e Graduando em Teologia pelo Centro Universitário Católica de Quixadá
(UNICATÓLICA), Seminarista da Diocese de Quixadá.
E-MAIL: [email protected]
ANTÔNIO BATISTA FERNANDES
Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em
Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Docência do Ensino
Superior pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). Licenciado
em Formação Pedagógica-Filosofia pela Faculdade do Meio Norte (FAEME) e Bacharel
em Filosofia pelo Instituto Filosófico Teológico Nossa Senhora Imaculada Rainha do
Sertão (IFTNSIRS).
E-MAIL: [email protected]
ANTÔNIO MARCOS CHAGAS
Doutorando em Ciências da Educação pela Universidade do Minho (UMINHO). Mestre
em Ciências da Educação pela Pontificia Università Salesiana (U.P.SALESIANA).
Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Centro Universitário Católica de
Quixadá (UNICATÓLICA), em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de
Brasília (UCB/DF), em Ensino Religioso pela (UCB/DF), e em Gestão Estratégica de
Instituição de Ensino Superior pela Faculdade Metropolitana de Fortaleza (FAMETRO).
É Graduado em Teologia pelo Instituto Teológico Pastoral do Ceará (ITEP) e em Ciências
da Educação pela (U. P. SALESIANA).
E-MAIL: [email protected]
25
A SABEDORIA NA CIÊNCIA NOVA DE
GIAMBATTISTA VICO: HISTÓRIA,
FÍSICA, COSMOGRAFIA E
GEOGRAFIA
Kátia Gardênia da Silva Coelho, Edilson Martins Rodrigues Neto
26
RESUMO Esta pesquisa objetiva expor a importância da história
poética como sendo o princípio de um saber que é
anterior ao conhecimento intelectual. A linguagem do
homem primitivo é aquela da fábula, uma simbologia
que faz transparecer através da sabedoria poética a
verdade histórica. A história poética surge dentro do
contexto da idade dos deuses e da idade dos heróis.
Segundo Vico a história ideal eterna faz parte do
universo humano, ou seja, em torno da história da
humanidade, visto que ela engloba todas as fases da
história humana. Dessa maneira, o filósofo pensa a
ciência nova à luz da divina providência
contemplando a simples natureza das nações, pela
qual procura uma articulação em torno da dimensão
prática voltada para os vínculos humanos, isto é, a
própria humanidade. Portanto, para o autor, é
partindo da relação com a história ideal e eterna que
a história humana se constitui e acredita em uma
providência divina. A ordem divina está presente no
homem em sua capacidade de escolher daquilo que o
homem conhece na história. Conforme a leitura de
Vico, quanto às duas idades (deuses e heróis), marca
toda a trajetória da história poética como sendo o
fundamento prévio de um conhecimento abstrato e
racional. Desse modo, manifesta outros traços da
metafísica poética pelos quais surgem a física,
cosmologia e a astronomia. Pretende-se dentro de
uma descrição do tema proposto, apresentar a
relevância desses saberes como possibilidade de uma
maior compreensão da história humana que se
estende até a atualidade.
PALAVRAS-CHAVE Poética. Sabedoria. Providência. História.
27
sta pesquisa objetiva expor a relevância da história poética como sendo o
princípio de um saber que é anterior ao conhecimento intelectual, visto que a
linguagem do homem primitivo é aquela da fábula, isto é, uma simbologia
que por trás revela a sabedoria poética, a verdade histórica. Entretanto, é preciso
primeiramente distinguir a história ideal eterna da história poética.
A história poética surge dentro do contexto da idade dos deuses e dos heróis,
enquanto que a história ideal eterna além de englobar estas duas idades (deuses e heróis)
também abarca a idade humana. Essa história ideal eterna faz parte do universo humano
elaborado pelo projeto de Vico em torno da questão da história da humanidade. Sendo
assim, deve-se percorrer o caminho traçado pelo filósofo sob a ótica da história ideal
eterna no que concerne ao universo humano para uma compreensão da história poética.
Pode-se entender a ciência nova partindo desse edifício ideal e eterno na
tentativa de conhecer o sentido universal e da forma como os povos das gentes
constituíram na história humana uma sabedoria poética com a pretensão de explicar as
coisas naturais e cívicas sem uso da atividade intelectual.
Dessa maneira, Vico pensa a ciência nova como sendo a metafísica à luz da
divina providência contemplando a simples natureza das nações em que procura fazer
uma articulação em torno da dimensão prática voltada para os vínculos humanos, isto
é, a própria humanidade. Percebe-se que o autor não se limita apenas a uma teoria do
conhecimento, pois seu discurso não é epistemológico, porém ele busca na erudição
uma orientação ética. Uma erudição que tratasse do prático e cívico, do qual pudesse
contribuir para o saber da história universal e, um saber que procurasse uma completude
entre filologia e filosofia.
Portanto, a orientação viquiana sobre a história pela síntese entre universal e
particular, entre abstrato e concreto, entre ideal e factual resultante da união entre esses
saberes. A filologia tem por finalidade dos fatos, que parte das instituições civis e
religiosas às várias linguagens, às mitologias, à poesia, em fim a tudo que se inscreve
E
1. INTRODUÇÃO
28
no âmbito do material documentário de natureza histórica, enquanto que a filosofia é a
sabedoria ideal, e ocupa-se do verdadeiro.
Segundo Vico, verdade e certeza, ideia e fato, devem-se entrelaçar até sua
conversibilidade, na medida em que, a filosofia elabora e oferece à filologia a
disponibilidade de se articular em várias dimensões. Sendo assim, possibilitando as
tradições serem compreendidas como expressão do vulgo, de seus costumes, crenças,
instituições e linguagem, uma vez que une língua e vida pelo qual não é possível
entender uma sem a outra.
Para o autor, é justamente partindo da relação com a história ideal e eterna que
a história humana se constitui acreditando na providência divina. Por meio da ação
humana, Deus age na história, isto é, nas entrelinhas através do livre-arbítrio (o poder
de decisão). Dessa forma, pode-se dizer que não há presença direta de Deus na história
do homem. A ordem divina está presente no homem em sua capacidade de escolher
daquilo que o homem conhece, já que tudo na história só acontece em função da
providência divina. Desse modo, compreende o aspecto cristão de Vico em sua obra
Ciência Nova11.
Seguidamente, partindo dos pontos apresentados, surge a questão da sabedoria
poética que de forma simbólica o homem procura esclarecer os fenômenos estranhos do
céu e da terra a fim de transmitir por meio da idade dos deuses e dos heróis o valor de
uma sabedoria de expressão coletiva do povo gentílico. Atribuir valor de explicação
através da simbologia, significa mergulhar no universo das paixões violentas e de
sentimentos originários do qual o canto é veículo de expressão. É o mundo divino pelo
qual os costumes são mesclados de religião que depois resultará na linguagem articulada
e racional posterior.
Conforme a leitura feita pelo autor referente às duas idades (deuses e heróis)
marca toda uma trajetória da história poética como sendo o fundamento prévio de um
conhecimento abstrato e racional. Desse modo, manifesta outros traços da metafísica
poética pelos quais surgem à física, a cosmologia e a astronomia. Destaca-se uma
descrição do tema proposto, a importância desses saberes em que possibilitem uma
maior compreensão da história humana.
11 Ciência nova, título da obra de Vico, significa essa nova ciência que pertence ao universo moral e
histórico em que o tema fundamental é essa natureza sociável do homem que faz compreender a realidade
humana e histórica.
29
história poética faz parte do projeto elaborado por Vico acerca da construção
do conceito de história ideal eterna para fazer a leitura da história humana,
percorrendo as diversas formas do pensar do homem primitivo em um mundo
cheio de simbologia relatado pelos primórdios da história. Tendo como ferramenta o
desvelar dos mistérios até então desconhecidos ao homem à imagem dos deuses e heróis.
A Concepção de história segundo Vico em sua obra A Ciência Nova trata de uma
história ideal eterna em que é produto do homem, isto é, o ser humano é aquele que
determina o seu curso na história e sofre as consequências de suas decisões no próprio
desenvolvimento na história. Entretanto, a providência divina se apresenta na história não
de forma milagrosa e nem vista como algo determinante, mas como valor e norma de vida
que está dentro do homem.
Portanto, história é aquilo que os homens pretendem que seja, embora
utilizassem dos meios e condições disponíveis aos mesmos. Desta maneira, Vico divide
a história em três fases: a era dos deuses, marcada pelos sentidos e impulsos das paixões
sem fazer uso da reflexão, a segunda, a era dos heróis, fortemente indicada pela força e
pelos feitos heroicos dos guerreiros e, por último a era dos homens, que tem sua marca o
uso da racionalidade.12
Os homens primeiros sentem sem se aperceber, depois se apercebem com
espírito perturbado e comovido, e, finalmente, refletem com a mente pura. Essa
dignidade é o princípio das sentenças poéticas, que são formadas com sentidos
e paixões e de afetos, diferentemente das sentenças filosóficas, que se formam
pela reflexão com raciocínio: por isso estas mais se aproximam da verdade,
quanto mais se elevam aos universais, e aquelas são tanto mais aceradas quanto
mais se apropriam dos particulares.13
Nessa perspectiva, a reflexão sobre a história ideal eterna apresentada de forma
breve, uma vez que se pretende percorrer no horizonte da história poética. Visto que a
história poética faz parte do universo ideal eterno, construído pelo pensamento viquiano
para compreender a complexa forma de expressão do homem primitivo. Através de um
12 Vico, G. A Ciência Nova. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999, p. 54. 13 Vico, G. A Ciência Nova. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999, p. 109.
A
2. A HISTÓRIA POÉTICA
30
saber poético imerso num mundo fantástico do imaginário humano para tratar das coisas
desconhecidas apontando para os deuses e heróis com a intenção de abstrair algo que
tenha relevância para a história humana, cujo edifício se constrói em conformidade com
a filologia e a filosofia.
A história poética está nas eras dos deuses e dos heróis revelando uma forma de
expressão através da linguagem dos gestos dotados de uma aguçada fantasia. Do qual
imaginavam divindades terríveis e castigadoras e devido ao temor as divindades passaram
a refrear os instintos, surgindo as famílias, ou seja, as primeiras ordens civis. Enquanto
que na era heroica revelada pela necessidade de se defender dos ataques inimigos, as
famílias sentem que é inevitável fazerem alianças entres os chefes de famílias inimigas
para poderem conter os ataques eternos.
Sendo assim, surge a oligarquia como forma de governo, resultando numa
sociedade dividida entre dominadores e escravos. Desse modo, as cidades que cultivam
as virtudes heroicas da piedade, da magnitude e fortaleza viviam em um universo violento
e eufórico devido às guerras, perante uma linguagem poética, metafórica.
Como se pode ver, há então um saber poético no homem primitivo que tem seu
valor, que reflete a infância do mundo empenhado em esclarecer as coisas humanas. A
história poética compreende-se pelo o horizonte percorrido do desejo de se explicar os
mistérios do céu e da terra. Desta forma, mostra a arte da humanidade para descrever a
verdadeira ordem de coisas humanas.
Partindo primeiramente daquilo que necessitam para desvelar o desconhecido,
ou seja, daquilo que a natureza lhe oferecia. Por exemplo, da simples necessidade de
alimento, do viver em comunidade. E depois buscar aquilo que lhe é útil, o pastoreio das
artes, das danças e assim por diante até chegar ao uso da reflexão e a forma de ver a
história hoje. Portanto, a história poética abre caminho para enveredarem-se por novos
mistérios a serem deslumbrados e desvelados, os conhecimentos da física, da cosmologia
e geografia.
31
a história poética seguem-se outros saberes da metafísica poética. Por meio
dos gestos mudos, das fábulas e mitos relatam a natureza poética que conta a
história dos povos gentios muito antigos. Os únicos meios de expressão de
comunicação eram os gestos, a imaginação, a fantasia, a simbologia para se observar o
movimento e agitação dos mistérios do céu e da terra.
Contudo, percebe-se a herança e a importância da sabedoria poética para o
homem primitivo. Disto decorre a física poética com o desejo de descrever a física do
mundo das nações. Através da linguagem poética com o intuito também de relatar algo
sobre a criação, o mundo da natureza e a contemplação da natureza do homem. Os poetas
teológicos ao tratarem a questão dos quatros elementos sagrados, o ar, a água, o fogo e a
terra abrem a possibilidade para que os físicos pudessem meditar estes elementos pelos
quais se compõe o mundo da natureza.
Quanto ao aspecto da dimensão da natureza do homem, Vico considera a partir
da física de grande valia ao gênero humano gentílico. Sendo assim, proporcionaram por
meio das religiões e dos impérios paternos subsídios para a formação do homem ao
conhecimento da anatomia e da alma. Neste sentido, os poetas teológicos, com rude
semblante viram no homem duas formas de sobrevivência, isto é, o aspecto do corpo e da
alma. Com o auxílio do saber poético pouco a pouco foram entrando no mistério humano
pelo qual se utilizaram das fábulas e mitos, dos contos heroicos para descreverem como
esse ser primitivo foi adquirindo conhecimento de si e da natureza.
Cada parte do corpo humano foi representada pelos poetas teólogos com a
simples linguagem da física poética criada das fantasias do universo imaginário do
homem primitivo. Assim como também relataram o universo da alma do mundo que
simbolicamente atribui-se ao ar. Isso porque segundo os poetas teólogos o ar é
considerado o veículo da vida.14
Outro ponto importante que pode ser destacado sobre o conhecimento da
natureza do homem é a questão do espírito considerado o veículo dos sentidos. Embora
14 Cf. Vico. Giambatista, Ciência Nova, p. 312.
D
3. FÍSICA POÉTICA
4.
32
que ainda compreendido não da maneira como compreende-se hoje. Porém, os
pressupostos para o conhecimento do espírito no sentido da capacidade racional que
começa a mostrar seus indícios na era dos homens. “E os poetas sentiam-no, mas não o
entendia [...]”15 Poderia dizer, portanto, que tais explicações levariam ao horizonte da
física poética pelo qual busca explicar a vida, os costumes dos povos primitivos que
desconheciam o uso da reflexão para interpretar as coisas desconhecidas ao homem.
Com naturalmente primeiro vem à invenção e depois o julgamento das coisas,
assim convinha à infância do mundo exercitar-se em torno da primeira
operação da mente humana, quando o mundo precisava de todas as invenções
para as necessidades e utilidades da vida, as quais foram todas providenciadas
antes de chegarem os filósofos, como mais plenamente o demonstraremos na
descoberta do verdadeiro Homero. Assim, pois, acertadamente os poetas
teólogos disseram que Memória é mãe das musas, as quais vimos como sendo
as artes da humanidade.16
Entretanto, Vico ao propor a importância da sabedoria poética quer na verdade
ressaltar o valor desse conhecimento que tanto foi posto de lado e esquecido. A história
poética tem muito para contribuir ao conhecimento racional atual, visto que
primeiramente vem à invenção para depois aparecer o julgamento das coisas, pois, assim
convinha à infância do mundo.17
15 Cf. Vico. Giambatista, Ciência Nova, p. 312. 16 Op. Cit, p. 313-314. 17 Op. Cit, p. 313.
33
s poetas teólogos contribuíram para uma cosmografia útil a física, na
proporção que o mundo era visto sob o olhar dos deuses que governavam tudo.
Nesse sentido, para buscar uma compreensão do mundo procuram contemplar
o céu, cuja as coisas diante dos gregos eram consideradas como sublimes. Disso resulta
uma espécie de adivinhação do trajeto das estrelas durante a noite.
Neste céu reinaram, primeiramente, na terra os deuses e praticamente com os
heróis, segundo a ordem da teologia natural, que acima se discutiu, começando
por Júpiter [...]. E desse céu, finalmente, tiveram que de cair os anais, ou
escudos, os romanos [...]. Das deidades infernais, em primeiro lugar os poetas
teológico fantasiaram as da água; e a primeira água foi a das fontes perenes,
que chamaram Estige, pelo qual juraram os deuses [...].18
A crença nas fábulas representa um marco muito relevante para a cosmografia,
no sentido de fornecer condições para o conhecimento das coisas da natureza como os
sepulcros, lugar onde eram sepultados os mortos. Donde os poetas chamam de sepulcros,
em que mais tarde foi interpretado como sendo as planícies e vales. Desse modo, poderá
perceber posteriormente pelos filósofos como algo oportuno para se meditar e explicar
suas coisas morais e metafísicas.19
E despertou Platão a entender as três penas divinas, dadas somente pelos
deuses e não pelos homens: a pena do esquecimento, da infância e os remorsos,
com os quais nos atormenta a má consciência; e que, pela via purgativa das
paixões da alma, as quais atormentaram os homens (que ele entende como
inferno dos poetas teólogos), entra-se na via unitiva, através da qual vai se unir
a mente humana com Deus, por meio da contemplação das eternas divinas
coisas (a qual ele interpreta como tendo sido compreendida pelos poetas
teólogos com seus Elpiseos).20
A história poética vem abrindo um leque de saberes, pelo qual se pode perceber
um conhecimento interpretado através da linguagem poética que alude à cosmografia
poética que procura desvendar os mistérios do céu. Sendo assim, busca interpretar as
estrelas que aos poucos começam a fazer descobertas e dá nomes a elas. Da contemplação
das estrelas descobre os pontos cardeais e destes desembocam para o conhecimento das
18 Vico. B, p. 320-321. 19 Op. Cit, p. 323. 20 Op. Cit, p. 323.
O
4. A COSMOGRAFIA POÉTICA
34
plantas, embora que sejam descritos da maneira poética como se fossem deslumbrar o céu
e seus mistérios.
A interpretação das coisas da terra dada pelos poetas por meio das fábulas, dos
deuses desvendam de maneira ingênua os acontecimentos da natureza. Por exemplo, os
terremotos, as nascentes e sobre o abismo entre céu e a terra. Tudo isso se reportando a
história poética que engloba a era dos deuses e dos heróis para desvendar tais coisas.
Essas três dignidades dão o princípio dos caracteres poéticos, que constituem
a essência das fábulas. E primeiramente demonstra o material inclinação do
vulgo ao fingir, e de fingir decoro. A segunda demonstra que os primeiros
homens, como crianças do gênero humano, não sendo capazes de formar os
gêneros inteligíveis das coisas, tiveram natureza necessidade de imaginar os
caracteres poéticos, que são os gêneros ou universais fantásticos, para
reproduzir como que a certos modelos, ou até retratos ideais, todas as espécies
particulares de cada gênero assemelhadas; por cuja semelhança, as antigas
fábulas não se podiam imaginar senão com decoro.21
As fábulas referem-se à questão da natureza da mente humana no
desenvolvimento da história. Para desvendar as coisas estranhas ao homem se utilizaram
das histórias bárbaras, dos mitos, das fábulas, ou seja, do fruto de sua imaginação e não
primeiramente da reflexão. Entretanto, tais saberes guardam uma verdade poética.
Pode-se conceituar de verdade a linguagem poética porque mostra como o
homem primitivo conhecia as coisas. Segundo Vico, “[...] é da natureza das crianças que
com as ideias e nomes dos homens, das mulheres e coisas que pela primeira vez
conheceram com essas ideias e com esses nomes aprendam e nomeiem todos os homens,
mulheres e coisas que têm as primeiras algumas semelhanças ou relação”.22
Contudo, do mundo dos poetas formou-se os quatros elementos civis, que depois
foram pelos físicos atribuídos como naturais, por exemplo: de Júpiter denomina-se o ar,
de Cibele a terra e posteriormente por Netuno foi conhecida as nações, tardiamente
desceram as costas e que chamam de Oceano todo o mar que rodeia a terra. Todavia, os
geólogos ao contemplarem toda a imensidão da terra, como uma grande ilha, circundada
pelo mar, e em fim, chamou todo o mar que cerca a terra de Oceano. E pelo mar, e em
fim, e finalmente, partindo das diversas formas sensíveis foi a que o universo passou a
ser denominado por mundo.
Portanto, a cosmologia poética é um saber que faz parte da história poética.
Desse modo, a cosmologia poética conduz ao desvelamento dos mistérios da natureza,
sejam eles do céu ou da terra que se complementam a cada saber que aqui se prossegue.
21 Op. Cit, p. 100. 22 Op. Cit, p. 107.
35
o caso da astronomia, encontramos um desenvolvimento da história poética
partindo da contemplação do céu de forma mais profunda em que se usa das
três erudições filológicas: “A primeira, que a astronomia nasceu da gente
caldeia; a segunda, que os fenícios levaram dos caldeus aos egípcios a prática do quadrado
e a ciência da elevação do polo; a terceira, que os fenícios, que tiveram de aprendê-lo,
antes dos próprios caldeus, levaram aos gregos os deuses afixos às estrelas”.23
Portanto, das três filológicas erudições, aponta-se “duas filosóficas verdades:
uma civil, que as nações, se não se libertaram numa última liberdade de religião [...], são
naturalmente impedidas de receber as divindades estrangeiras; a outra, física, que, por
engenho dos olhos, as estrelas errantes nos parecem maiores do que fixos”24 Dessa
maneira, os heróis, os hieróglifos, preparam para a astronomia mediante falácias sobre os
deuses ao darem nome às estrelas que antes não possuíam nomes.
Iniciando por uma astronomia vulga, dos primeiros povos que se pode falar de
uma história poética que deu aos astrônomos todo o suporte para interpretar os astros do
céu em que mais tarde se denominou de planetas. Diante do que fora meditado até agora
pode-se dizer que sob o julgo dos deuses e heróis foram às ferramentas necessárias
utilizadas por esses povos para interpretarem os astros, constelações e planetas do que
compreendem logo se vê a contribuição da história poética para o conhecimento da
astronomia.
23 Op. Cit, p. 326. 24 Op. Cit, p. 328.
N
5. A ASTRONOMIA POÉTICA
36
m concordância com essa astronomia poética, cede lugar a cronologia poética.
Pois Saturno, que pelo menos latinos apelidaram de satis e quanto aos gregos
chamaram cronos que possibilitaram um entendimento em que as primeiras
nações passam a enumerar os anos de acordo com as colheitas do trigo. Para Vico, há
uma relação com a história e a providência divina para que se possa explicar o significado
mais profundo da história humana, visto que o natural é produzido, a história.
O autor sustenta a necessidade de se abordar os fenômenos humanos em suas
dimensões históricas. Com isso, Vico pretende mostrar que é preciso investigar os modos
de compreensão das coisas, dos sentimentos e as atitudes das comunidades humanas
primitivas, pois possuem um valor para se compreender a história humana.
Outra questão apresentada pelo filósofo é a história fabulosa que começa pelo
Dilúvio. “E os dozes deuses maiores, começando por Júpiter, dentro desse curso em seus
tempos imaginados, sejam fixados por dozes minutas época”.25 Além disso, devem-se em
virtude da teologia natural, ver como fruto a cronologia poética meditada em que se
observam a constituição dos princípios da história universal.
A cronologia é regida pelos tempos com o progresso, os costumes e defeitos pelo
qual caminhou o gênero humano. Salvo que a ciência intitula a astronomia como sendo a
ciência dos astros, da adivinhação como colocada pela teologia do falar dos deuses nos
seus oráculos. Desta forma, iniciaram o chamado ano astronômico pelo qual não começou
dentro das nações, porém pouco ou nada tiveram influência para a história universal.
25 Op. Cit, p. 332.
E
6. CRONOLOGIA POÉTICA
37
geografia poética que pela natureza humana chamam de dignidades que pelo
homem faltava-lhe a iluminação para conhecer as coisas e que para
explicações se reportavam aos deuses. Entretanto, na infância da humanidade
eram possuidores de um saber poético para relatarem o surgimento das primeiras
comunidades, nações e costumes servindo de fundamento a história universal.
Desse modo, nasceu uma geografia poética dos povos antigos que deram os
nomes as cidades, aos montes, rios, mar, ilhas e aos continentes. Para poder evidenciar o
pequeno mundo da Grécia que surge a parte oriental, chamada Ásia ou Índia; a ocidental,
chamada Europa ou Hespéria e que assim por diante evidenciam os ventos cardeais em
sua geografia. “Esta verdade dos ventos cardeais é nos confirmada em grande extensão:
que as mentes gregas, amplamente se abrindo, do Olímpio, onde nos tempos de Homero
estavam os deuses, deram o nome de céu estrelado, que permaneceu”.26 Daí segue outras
descobertas como por exemplo a questão da imortalidade da alma e que com estes
mesmos princípios da geografia poética grega procuram desvendar as dificuldades da
história antiga.
Da mesma forma, pode-se falar da antiga geografia latina que por astúcia
espalham pelo mundo afora a fama da guerra troiana e dos heróis. Desse modo, percebe-
se um caráter poético das nações que observam coisas estrangeiras que não podem
explicar por si só revelando a necessidade de troca de experiências entre nações.
Com isso, as tradições vulgares possuem um caráter de verdade, já que
perpassaram toda uma época e que se conservaram por toda uma nação. Pode ainda citar
a chegada de Enéias a Itália e fundou em Alba a gente romana de que se originaram os
romanos. No entanto, as fábulas, os mitos, toda uma simbologia para se descrever a
evolução do gênero humano.
Tais coisas possuem um fundo de verdade, uma sabedoria poética cuja
importância demonstra que se formaram os sábios, num saber oculto pelo qual se descreve
26 Op. Cit, p. 338.
A
7. GEOGRAFIA POÉTICA
38
os princípios deste mundo de ciências, visto que somente depois vêm os raciocínios e
máximas. Portanto, foram esclarecidas pela reflexão que os poetas teólogos eram
portadores de uma sabedoria que lhes proporcionaram interpretar os fenômenos
desconhecidos através, dos mitos e fábulas sobre deuses e heróis.
39
ossa reflexão baseou-se na busca de um fio condutor entre os saberes
apresentados pelo o projeto viquiano sobre a história ideal eterna, ou seja,
aquilo que toca na questão da história poética e a contribuição desta sabedoria
não somente ao homem primitivo, mas também ao homem contemporâneo. Porém, com
um olhar diferente acerca da forma como o homem primitivo conhece as coisas humanas
e da própria natureza dentro do saber ingênuo, mas cheio de uma simbologia fantástica
para explicar as coisas até então desconhecidas ao homem.
Na análise viquiana diante da história humana percebe-se que como vai
constituindo a consciência do homem desde seus primórdios na busca de compreender as
coisas do céu, da terra e de si mesmo. O caminho para tal conhecimento não parte
primeiramente do racional, mas sim dos sentidos, da imaginação para depois se chegar ao
uso da reflexão.
Nisso podemos ver que Vico busca tratar de uma nova metafísica que seja criada
na própria história e, ao mesmo tempo, não se possa dizer que essa história ideal eterna
seja somente uma filologia no sentido em que procure separar cada coisa, mas busque
unir filologia e filosofia. Isto é, uma nova metafísica que pressupõe uma relação com as
coisas civis e traga consigo uma completude entre filologia e filosofia para dar
particularidade de cada uma àquilo que elas têm de universal.
Vico propõe uma ciência da sociabilidade que investiga os povos gentílicos, as
tradições, os costumes. Para ir como quem costura as várias formas do homem conhecer
as coisas desde seu estado considerado primitivo com a intenção de captar a necessidade
e utilidade da vida social. Segundo o autor, a poesia começou divina de uma metafísica
sentida e imaginada e que a origem da poesia coincide com o começo da civilização, visto
que está nítida na maneira da qual o homem primitivo interpreta os fenômenos naturais.
Vico trata da questão da sociedade civil vista no sentido da sociedade humana, num
sentido universal e não como na compreensão moderna.
N
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
40
O filósofo divide a história em três fases, as quais nos interessaram a era dos
deuses e dos heróis. Dessa maneira, a história poética aponta a articulação dos saberes da
física, da cosmologia, da astronomia e da geografia.
Para desvendar o jeito e os meios que o homem primitivo construía o saber sem
se reportar a reflexão, mas por meio da necessidade e da utilidade procurava interpretar
as coisas, para ele até então, desconhecidas. Entretanto, o homem entrou através dos
gestos mudos, das fábulas, dos mitos, da linguagem dos deuses e dos contos dos heróis,
todo um mundo imaginário fantástico, uma maneira para construir a história da
humanidade.
A atualidade do pensamento de Vico está na questão da valorização do homem
primitivo no sentido de que mesmo sem fazer uso da reflexão pouco a pouco vai
desvelando o mundo. Por natureza o homem é sociável e livre e ele é o protagonista da
história, em suma, o projeto da ciência nova trata dos fatos humanos, da história da
humanidade em função da organização social do homem.
41
REFERÊNCIAS
VICO, G. A Ciência Nova. Trad. Marco Lucchesi. Rio de Janeiro; Ed. Recod, 1999.
ETIENNE, G. História da Filosofia de Spinoza a Kant. Vol. 4. São Paulo; Paulus,
2005.
SOBRE OS AUTORES
KÁTIA GARDÊNIA DA SILVA COELHO
Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE (2012) e Bacharel em
Filosofia pelo Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (2009). É Bolsista da FUNCAP –
Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico. É professora
do Centro Universitário Católica de Quixadá – UNICATÓLICA. Membro dos grupos de
Pesquisa “"” e “Um olhar interdisciplinar sobre a subjetividade humana"”,
ligados ao CNPq, como também dos grupos de pesquisa “Edith Stein” e o “Círculo de
Gotinga”, da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. É coordenadora do grupo
de pesquisa interdisciplinar “Educação ambiental e justiça social”, do projeto de pesquisa
e extensão interdisciplinar, e membro do Grupo Espiral (Grupo Intercursos de Estudo,
Pesquisa e Extensão Saúde, Direito e Educação).
E-MAIL: [email protected]
EDILSON MARTINS RODRIGUES NETO
Doutor em Farmacologia (Farmacologia Clínica) pela Universidade Federal do Ceará
(UFC), Mestre em Farmacologia (Farmacologia Clínica) pela UFC e Bacharel em
Farmácia pela UFC. Possui Especializações em Farmacologia Clínica pelo Instituto
Ateneu, em Toxicologia Geral pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), em Gestão
da Assistência Farmacêutica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em
Biomedicina Estética pela UCAM e em Farmácia Clínica pela UniLeya. É professor dos
cursos de Farmácia e Psicologia do Centro Universitário Católica de Quixadá
(UNICATÓLICA). Diretor Suplente do Sindicato dos Farmacêuticos do Estado do Ceará
e Membro do Centro de Estudos em Atenção Farmacêutica e de Toxicologia no
Departamento de Farmácia da UFC.
E-MAIL: [email protected]
42
CENTRALIZAÇÃO DOS PROCESSOS
LICITATÓRIOS: UM ESTUDO DE CASO
EM UMA EMPRESA PÚBLICA NO
MUNICÍPIO DO INTERIOR DO
ESTADO DO CEARÁ
Douglas Willyam Rodrigues Gomes, Daniel Paiva Mendes,
Matheus Alves Pinheiro
43
RESUMO O presente estudo busca evidenciar a centralização
dos processos licitatórios realizados na Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT no âmbito
de sua Administração Central – DF e sua Diretoria
Regional do Ceará a fim de mostrar quais impactos
estes vertem na Agência de Correios de Jaguaribe-
Ceará. Para consecução de tal objetivo é salutar
conhecer as legislações pertinentes à seara licitações.
Um dos objetivos específicos do presente trabalho é
estabelecer um liame existente entre as teorias dos
aspectos licitatórios referenciados em leis específicas
sobre a temática discutida, sobretudo analisar os
ditames preceituados na Constituição Federal de 1988
com as práticas destes na ECT. Para perseguir tal
objetivo a análise pormenorizada do Manual de
Licitações e Contratação da ECT – MANLIC foi
salutar, uma vez que aspectos processuais das
modalidades de licitação, sobretudo a concorrência
pública, a tomada de preços e o pregão foram
analisados em suas fases internas e externas a fim de
demonstrar os seus respectivos aspectos positivos e
negativos na agência de Correios de Jaguaribe – CE.
A metodologia consistiu em uma pesquisa qualitativa
exploratória, por assim entender que corresponderá o
melhor tipo de pesquisa para desenvolver
satisfatoriamente o tema da monografia. O
diagnóstico, por sua vez, elucidou como os aspectos
positivos e negativos reverbera na área de
atendimento e na área operacional da Agência em que
o estudo de caso foi realizado. Conclui-se, portanto,
que a modalidade pregão é mais célere e a mais
indicada para a Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos – ECT em seu âmbito global tendo em
vista seu procedimento invertido nas fases de
julgamento das propostas e habilitação, conferindo a
esta modalidade uma maior agilidade quando
comparada com as demais existentes.
PALAVRAS-CHAVE Legislações. Licitações Públicas. Centralização.
44
Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, conhecida por Lei de Licitações, possui o
objetivo crucial de disseminar princípios constitucionais, administrativos,
sobretudo ético-morais, tais como: princípio da legalidade, da impessoalidade,
da moralidade, da publicidade, da eficiência entre outros titulados em seu artigo 3º.
O surgimento da espécie legislativa supracitada justifica-se pelo fato de que em
tempos pretéritos, a administração pública patrimonialista tinha os bens públicos como
de interesse e uso de seus governantes. Segundo Sandroni (1987), o patrimonialismo é o
sistema de dominação política ou de autoridade tradicional em que a riqueza, os bens
sociais, cargos e direitos são distribuídos como patrimônios pessoais de um chefe ou de
um governante.
De acordo com Souza (1997), licitação é um procedimento administrativo
mediante o que a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o
contrato de seu interesse. Esse procedimento administrativo subordina órgãos da
administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as
empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios conforme o
parágrafo único do artigo 1º da lei de Licitações.
Considerando que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT está
subordinada diretamente aos preceitos da lei de licitações por ser uma empresa pública
federal levanta-se o seguinte questionamento da pesquisa: Quais impactos a centralização
dos processos licitatórios em sua Administração Central e na Diretoria Regional do Ceará
repercutem nos processos operacionais da Agência de Correios de Jaguaribe-Ceará?
A pretensão da presente pesquisa não é exaurir o conhecimento sobre o tema
Licitações tendo em vista que o assunto é vasto. O objetivo geral do presente trabalho é
evidenciar os impactos da centralização dos processos licitatórios na ECT, e tem como
objetivos específicos: conhecer os dispositivos constitucionais e legais que resguardam e
asseguram os ditames licitatórios; estabelecer o liame existente entre a teoria dos quesitos
licitatórios e o manual de Licitações da ECT; e contribuir para análise da repercussão da
A
1. INTRODUÇÃO
45
centralização das licitações da ECT na Administração Central e na Diretoria Regional do
Ceará.
Diante da caracterização da problematização, a escolha deste tema prende-se ao
fato de apresentar uma significativa contribuição para analisar, principalmente, os
processos licitatórios e operacionais desencadeados na ECT, bem como o legado de
conhecimento sobre a área pública, viabilizados pela exploração acadêmica nessa seara,
por assim entender que a magnitude do assunto emana conhecimento para a sociedade
como um todo, seja porque incita os cidadãos a práticas fiscalizatórias, seja porque
permite os mesmos a controlar e fiscalizar os procedimentos licitatórios realizados na
ECT de acordo com critérios que primem pela transparência da aplicação eficiente dos
recursos públicos a curto e longo prazo contribuindo para o desenvolvimento econômico,
social e político do Estado Brasileiro, por exemplo.
46
2.1 LICITAÇÕES PÚBLICAS
e acordo com Souza (1997) licitação é um procedimento administrativo
mediante o que a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa
para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através
de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para Administração e para os licitantes.
Isso propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e
moralidade nos negócios administrativos.
Prestes (2004) relata que a Licitação surgiu para satisfazer princípios de direito
administrativo previstos na Constituição, como: “Isonomia, legalidade, impessoalidade,
moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento
convocatório e julgamento”. (PRESTES, p. 15).
A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, Lei das Licitações e Contratos, ao
regulamentar o inciso XXI do artigo 37 da CF, estabeleceu normas gerais sobre licitações
e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade,
compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes dos Entes Federados.
De acordo com a legislação, os órgãos da administração direta, os fundos
especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de
economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União,
Distrito Federal, Estados e Municípios, subordinam-se ao regime da Lei nº 8.666/1993,
portanto estão obrigados a licitar.
É interessante ressaltar que toda licitação tem início com a definição do objeto
que se quer contratar. Em seguida, é necessário estimar o valor da contratação, por meio
de pesquisa de preços no mercado. Faz-se necessário, ainda, verificar a existência de
previsão de recursos orçamentários para o pagamento da despesa, em conformidade com
a Lei de Responsabilidade Fiscal. Definido o objeto e o valor estimado para a contratação,
deve ser adotada a modalidade de licitação adequada.
A comissão de licitação é criada pela Administração com a função de receber,
examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos ao cadastramento de
D
2. REFERENCIAL TEÓRICO
47
licitantes e às licitações nas modalidades concorrência pública, tomada de preços e
convite. Constituída por, no mínimo, três membros, sendo pelo menos dois deles
servidores qualificados, que pertencem aos quadros permanentes dos órgãos da
Administração responsáveis pela licitação.
2.2 MODALIDADE DAS LICITAÇÕES
Prestes (2004) relata que o que define a escolha da modalidade e do tipo de
licitação é a compra realizada e o valor total dos bens a serem adquiridos. Alguns produtos
ou serviços só podem ser adquiridos por uma modalidade específica, enquanto outros
podem ser comprados por diferentes sistemas.
Dentre as modalidades disponíveis na lei de Licitações tem-se: concorrência
pública, tomada de preços, convite, concurso, leilão. O pregão foi instituído na lei federal
10.520/02 e se configura na última modalidade de licitação prevista em legislações
brasileiras pertinentes.
48
desenvolvimento do presente estudo foi subsidiado por análises documentais,
consultas a sítios, pesquisas de campo, entre outras técnicas que se fizerem
necessárias, ou seja, o estudo será corroborado por revisão bibliográfica e
pesquisas qualitativo-exploratórias, por assim entender os métodos citados acima como
elementos irradiadores de embasamento teórico para fundamentação do objeto de estudo
do trabalho ora pesquisado. Quanto aos fins, recebe a classificação de pesquisa qualitativa
exploratória.
Conforme Gil (1999), as pesquisas exploratórias têm como objetivo
proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito
ou a construir hipóteses.
Para realização, também foi desenvolvida uma pesquisa de natureza qualitativa
por permitir uma aproximação maior com a realidade investigada e ser mais adequada à
elucidação do objeto em estudo. O aspecto qualitativo fornece à pesquisa uma abordagem
mais profunda.
O
3. METODOLOGIA
49
4.1. CARACTERIZAÇÕES
Empresa Brasileira de Correios e Telegrágos tem sede em SBN - Quadra 01 -
Bl. A - Ed. Sede ECT - Brasília - DF - CEP 70002-900, no entanto o estágio
foi desenvolvido na Agência de Jaguaribe situada à Rua Savino Barreira, 623,
Centro, Jaguaribe-Ce, CEP: 63.475-000, inscrita sob o C.N.P.J: 34.028.316/2401-71,
responsável por prestar serviços de Correios e promover a bancarização das pessoas de
baixa renda fadadas a exclusão social, e por conseguinte, sua inserção na sociedade
fomentando com isso a distribuição de renda no País; viabilizada através da parceria
bancária com o Banco do Brasil desde o ano de 2012. Os Correios, atualmente
desenvolvem duas grandes atividades e prestam serviços públicos, atuando como
correspondente bancário. É a quinta maior empresa em termos de empregabilidade,
contando com um corpo funcional de aproximadamente 120.000 (cento e vinte mil)
colaboradores admitidos em sua grande maioria através da realização de concurso
público, uma vez que existem também terceirizados em atividades- meio.
A Visão dos Correios é ser uma empresa de classe mundial. Sua missão é
fornecer soluções acessíveis e confiáveis para conectar pessoas, instituições e negócios
no Brasil e no mundo, os Correios querem mostrar ao mundo que são uma empresa
dinâmica e preocupada em atender as necessidades e anseios dos seus clientes. E, assim,
se comprometem em oferecer produtos e serviços de qualidade que atendam plenamente
os interesses da sociedade, cumprindo o compromisso de pontualidade e segurança com
a promoção da integração sem fronteiras. Seus valores estão pautados na Ética,
Meritocracia, Respeito às pessoas, Compromisso com o cliente e Sustentabilidade. Os
Correios acreditam e praticam os seguintes princípios de acordo com o Código de Ética
dos Correios em Anexo 36: gerenciamento da conduta ética dos empregados dos correios:
Ética na transparência em seus relacionamentos e em boas práticas de governaça;
Meritocracia, pela valorização dos empregados por seu conhecimento e competência;
Respeito às pessoas, com tratamento justo e correto à força de trabalho;
A
4. RESULTADOS
50
Compromisso com o cliente, garantindo o cumprimento da promessa de eficiência de
seus produtos e serviços;
Sustentabilidade, buscando sempre o equilíbrio entre os aspectos sociais, ambiental e
econômico, respeitando as pessoas, a sociedade e meio ambiente.
Para persecução dos princípios referenciados acima, os Correios precisam adotar
procedimentos licitatórios que garantam a observância do princípio constitucional da
isonomia com o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para a ECT, a qual será
processada e julgada com observância aos princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, da
eficiência e dos que lhe são correlatos.
4.2. DIAGNÓSTICO
4.2.1. CONCORRÊNCIA PÚBLICA
Nesta modalidade são desenvolvidas duas fases: a interna e a externa. A fase
interna para ser concluída, necessita serem desencadeadas as etapas de requisição de
despesa, projeto básico e minuta de edital. A fase externa, por sua vez, requer a publicação
do edital, a qualificação dos licitantes, o julgamento das propostas, a homologação e a
adjudicação.
No âmbito da ECT são desenvolvidas as fases supracitadas, pertinente se faz
caracterizar suas vantagens e desvantagens para a Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos em âmbito global e sua repercussão para Agência de Correios de Jaguaribe.
Para tal, optou-se por um quadro em que constarão as fases interna e externa com suas
respectivas vantagens e desvantagens evidenciadas em aspectos positivos e negativos.
51
Quadro 1 – Quadro de análise da fase interna da modalidade de concorrência pública.
ETAPAS DO
PROCESSO
ASPECTO
POSITIVO
ASPECTO
NEGATIVO 1. Requisição de despesa. Levantamento das necessidades
da ECT em âmbito geral.
Demora no levantamento dessas
necessidades.
2. Projeto Básico.
Descrição dos elementos de forma
precisa, suficiente e clara do
objeto a ser contratado pela ECT.
Necessidade de profissionais
especializados na área do projeto
básico.
3. Minuta de Edital.
Controle exarado por áreas
competentes da ECT.
Decurso de prazo considerável para
emissão de parecer favorável por
partes das áreas de controles da ECT.
Fase Interna - Aspecto positivo e negativo da modalidade concorrência pública.
Fonte: Autoria própria, (2015).
Quadro 2 – Quadro de análise da fase externa da modalidade de concorrência pública.
ETAPAS DO
PROCESSO
ASPECTO
POSITIVO
ASPECTO
NEGATIVO 1. Publicação do Edital.
Viabilização de
participação de vários
fornecedores e escolha da
proposta mais vantajosa
para ECT.
Intervalo mínimo de prazo de 30
dias podendo chegar até 45 dias
dependo da técnica escolhida.
2. Habilitação.
Análise de documentações
comprobatórias de todas as
empresas licitantes quanto à
habilitação jurídica,
qualificação técnica,
qualificação econômico-
financeira e regularidade
fiscal.
Decurso de tempo significativo
nesta etapa para conferência das
documentações de todas as
empresas licitantes.
3. Julgamento das
propostas.
Escolha da proposta mais
vantajosa para ECT.
Apresentação de recursos e
impugnações por parte dos
licitantes demandando prazo para
julgamento destes.
4. Homologação.
Lisura e correição ao
certame por parte da
autoridade competente da
ECT.
Revisão de todo processo
licitatório a fim de verificar a
lisura antes da homologação
demandando prazo.
5. Adjudicação. Contratação entre a ECT e o
licitante vencedor.
Não interesse do licitante
vencedor em assinar contrato com
a ECT. Fase Externa - Aspecto positivo e negativo da modalidade de concorrência pública.
Fonte: Autoria própria, (2015).
Conclui-se, portanto, que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ao
realizar o certame na modalidade concorrência pública, cumprem com requisitos
constitucionais e infralegais, como também os preceitos de seu manual de licitação e
contratação-MANLIC.
52
4.2.2. TOMADA DE PREÇOS
No anexo 1, módulo 1 e capítulo 2, alínea e do MANLIC recomenda-se a
modalidade tomada de preços como modalidade de licitação remanescente, ou seja,
quando a modalidade concorrência pública e pregão não puderem ser realizadas.
Essa modalidade apresenta a fase interna e a fase externa. A fase interna, é
composta das etapas de requisição de despesa, do projeto básico e da minuta de edital. A
fase externa, por sua vez, consiste no desembocar das etapas de publicação do edital,
habilitação dos licitantes, julgamento das propostas, homologação e adjudicação. A
análise dos aspectos positivos e negativos se apresentam nas mesmas configurações da
modalidade anterior, a saber:
Quadro 3 – Quadro de análise da fase interna da modalidade tomada de preços.
Fase Interna - Aspecto positivo e negativo da modalidade tomada de preços.
Fonte: Autoria própria, (2015).
ETAPAS DO
PROCESSO
ASPECTO
POSITIVO
ASPECTO
NEGATIVO 1. Requisição de despesa. Levantamento das
necessidades da ECT em
âmbito geral.
Demora no levantamento
dessas necessidades.
2. Projeto Básico.
Descrição dos elementos de
forma precisa, suficiente e
clara do objeto a ser contratado
pela ECT
Necessidade de profissionais
especializados na área do
projeto básico.
3. Minuta de Edital. Controle exarado por áreas
competentes da ECT
Decurso de prazo considerável
para emissão de parecer
favorável por partes das áreas
de controles da ECT.
53
Quadro 4 – Quadro de análise da fase externa da modalidade concorrência pública.
ETAPAS DO
PROCESSO
ASPECTO
POSITIVO
ASPECTO
NEGATIVO 1. Publicação do
Edital.
Viabilização de participação
de vários fornecedores e
escolha da proposta mais
vantajosa para ECT.
Intervalo mínimo de prazo de 30
dias podendo chegar até 45 dias
dependo da técnica escolhida.
2. Habilitação.
Análise de documentações
comprobatórias de todas as
empresas licitantes quanto à
habilitação jurídica,
qualificação técnica,
qualificação econômico-
financeira e regularidade
fiscal.
Decurso de tempo significativo
nesta etapa para conferência das
documentações de todas as
empresas licitantes.
3. Julgamento das
propostas.
Escolha da proposta mais
vantajosa para ECT.
Apresentação de recursos e
impugnações por parte dos
licitantes demandando prazo para
julgamento destes.
4. Homologação.
Lisura e correição ao certame
por parte da autoridade
competente da ECT.
Revisão de todo processo licitatório
a fim de verificar a lisura antes da
homologação demandando prazo.
5. Adjudicação. Contratação entre a ECT e o
licitante vencedor.
Não interesse do licitante vencedor
em assinar contrato com a ECT.
Fase Externa - Aspecto positivo e negativo da modalidade concorrência pública.
Fonte: Autoria própria, (2015).
4.2.3. PREGÃO
A modalidade em questão conta com duas fases, quais sejam a fase interna e a
fase externa. A requisição de despesa, projeto básico e minuta de edital compõem as
etapas da fase interna. A externa, por sua vez, é desencadeada pelas etapas de publicação
de edital, julgamento das propostas, habilitação, homologação e adjudicação.
Infere-se a característica da celeridade, por exemplo, da modalidade pregão
diante a análise do rito processual da fase externa desta quando comparada com outras
modalidades de licitação, tendo em vista que a etapa de julgamento das propostas ocorre
antes da etapa de habilitação.
Essa inversão de etapas em que se julga primeiramente as propostas dos
participantes para escolha da mais vantajosa para a Administração e somente depois
procede-se a fase de habilitação, confere vantagens tais como: abreviação dos prazos para
54
formulação das propostas, simplificação do procedimento com a inversão das etapas,
ocorrendo primeiro o julgamento e depois a habilitação, analisando-se documentos
somente do licitante vencedor.
Para tal será oportuno caracterizar as etapas da fase interna bem como as etapas
da fase externa da modalidade em questão, analisando a realidade da ECT em seu âmbito
geral e a repercussão dessa modalidade na Agência de Correios de Jaguaribe-CE, a saber:
Quadro 5 – Quadro de análise da fase interna da modalidade pregão.
ETAPAS DO
PROCESSO
ASPECTO
POSITIVO
ASPECTO
NEGATIVO 1. Requisição de despesa. Levantamento das
necessidades da ECT em
âmbito geral.
Demora no levantamento
dessas necessidades.
2. Projeto Básico.
Descrição dos elementos de
forma precisa, suficiente e
clara do objeto a ser
contratado pela ECT.
Necessidade de profissionais
especializados na área do
projeto básico.
3. Minuta de Edital.
Controle exarado por áreas
competentes da ECT.
Decurso de prazo
considerável para emissão de
parecer favorável por partes
das áreas de controles da
ECT. Fase Interna - Aspecto positivo e negativo da modalidade pregão.
Fonte: Autoria própria, (2015).
55
Quadro 6 – Quadro de análise da fase externa da modalidade pregão.
ETAPAS DO
PROCESSO
ASPECTO
POSITIVO
ASPECTO
NEGATIVO 1. Publicação do Edital.
Viabilização de participação de
vários fornecedores e escolha da
proposta mais vantajosa para
ECT.
Não identificado.
2. Julgamento das
propostas.
Escolha da proposta mais
vantajosa para ECT de forma
mais célere, tendo em vista
inversão dessa etapa.
Impugnação de recursos dos
licitantes não vencedores
demandando prazo para
julgamento destes.
3. Habilitação.
Análise de documentações
comprobatórias de todas as
empresas licitantes quanto à
habilitação jurídica,
qualificação técnica,
qualificação econômico-
financeira e regularidade fiscal
somente do licitante escolhido
na fase de julgamento das
propostas.
Não identificado.
4. Homologação. Lisura e correição ao certame
por parte da autoridade
competente da ECT.
Revisão de todo processo
licitatório a fim de verificar a
lisura antes da homologação
demandando prazo.
5. Adjudicação. Contratação entre a ECT e o
licitante vencedor.
Não interesse do licitante
vencedor em assinar contrato
com a ECT. Fase Externa - Aspecto positivo e negativo da modalidade pregão.
Fonte: Autoria própria, (2015).
A ECT adota preferencialmente a modalidade pregão eletrônico em seus
processos licitatórios por apresentar inúmeras vantagens a empresa, sobretudo em termos
de celeridade nos certames, tendo em vista a inversão das etapas de julgamento das
propostas e habilitação.
56
icitação é um procedimento administrativo mediante o qual a Administração
Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. O
presente trabalho evidenciou sistematicamente os impactos da centralização dos
processos licitatórios na ECT, desencadeados em sua Administração Central no Distrito
Federal e a repercussão pormenorizada destes em uma de suas unidades, qual seja a
Agência de Correios de Jaguaribe.
O Estudo de Caso evidenciou a centralização dos processos licitatórios
realizados na ECT em sua Administração Central- AC e na Diretoria Regional do Ceará
e, por conseguinte os impactos que esse fato representa na Agência de Correios de
Jaguaribe-CE.
Conclui-se, portanto, a relevância e magnitude que a seara licitações representa
no setor público, sobretudo na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos por ser uma
empresa pública da Administração Indireta Federal. Comprovou-se através deste estudo
a centralização de seus processos licitatórios na Administração Central- AC e em sua
Diretoria Regional do Ceará-DR/CE e, por conseguinte que impactos essa centralização
repercute na Agência de Correios de Jaguaribe-CE.
L
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
57
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 3.555, de 8 de agosto de 2002. Aprova o Regulamento para a
modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços
comuns. Disponível em: <http:planalto.gov.br>. Acesso em: 27 de mar. 2015.
_______. Lei 10.520/02, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição
de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Poder Executivo, Brasília, DF,
17 de julho de 2002. 181º da Independência e 114º da República. Disponível em:
<http://www.comprasnet.gov.br/legislacao/leis/lei10520_02.htm>. Acesso em: 04 de
abr. 2015.
_______. Lei 8.666/93, de 21 de junho de 1993. Estabelece normas gerais sobre
licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços (inclusive de
publicidade), compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Poder Executivo, Brasília, DF, 21 de
junho de 1993. 172° da Independência e 105° da República. Diário Oficial da União de
22/06/1993 e Republicação em 24/06/1994. Disponível em: <http://www.comprasnet.gov.br/noticias/noticias1.asp?id__noticia=6>. Acesso em: 21
de abr. 2015.
Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005. Regulamenta o pregão, na forma
eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências.
Disponível em: <https://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 27 de mar. 2015.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
Acesso em: 25 de mar. 2015.
MAURANO, Adriana. A instituição do pregão para aquisição de bens e contratação
de serviços comuns. Teresina, 2004. Acesso em: 02 de abr. 2015.
MEIRELLES, Hely Lopes. “Direito Administrativo brasileiro”. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 18. Acesso em: 03 de abr. 2015.
MERRIAM, S. B. Qualitative research and case estudy applications in education.
JosseyBass Publishers: San Francisco, 1998. Acesso em: 25 de mar. 2015.
PRESTES, Cristine. Guia Valor Econômico de Licitações: por Cristiane Prestes,
Henrique Gomes Batista. São Paulo: Globo, 2004. Acesso em: 30 de abr. 2015.
SITE CORREIOS. Código de Ética. Disponível em:
<http://www.correios.com.br/sobre-correios/a-empresa/quem-somos/codigo-de-etica>.
Acesso em: 31 de mar. 2015.
58
SOBRE OS AUTORES
DOUGLAS WILLYAM RODRIGUES GOMES
Doutorando em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará
(UECE). Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)
e em Gestão de Segurança Pública e Defesa Civil pela Faculdade Metropolitana de
Fortaleza (FAMETRO). É Bacharel em Administração pela Universidade Federal do
Ceará (UFC) e Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Ceará
(UECE). Coach pelo Institute of Coaching Professional Association (ICPA)/ Harvard
Medical School/ Sociedade Latino Americana de Coaching (SLAC).
E-MAIL: [email protected]
DANIEL PAIVA MENDES
Mestrando em Administração pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Especializações em Docência na Educação Profissional nos Níveis Básico e Técnico pelo
Instituo Federal do Ceará (IFCE), em Gestão Pública pela Universidade Estadual do
Ceará (UECE) e MBA em Gestão Financeira e Controladoria pelo Centro Universitário
Estácio do Ceará (Estácio FIC). É Bacharel em Administração de Empresas pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e professor Universitário do Centro
Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
MATHEUS ALVES PINHEIRO
Atualmente é Pós-graduando em Gestão Financeira Controladoria e Auditoria pelo
Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). Bacharel em Ciências
Contábeis pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
59
DIREITO E MORAL: UMA ANÁLISE
DO PENSAMENTO DE HANS KELSEN
Monique Ellen da Silva Chaves, Carlos Breno Evangelista Girão,
Francisco José Mendes Vasconcelos
60
RESUMO Este trabalho possui a finalidade de fazer uma análise
sobre os aspectos que distinguem o Direito e a Moral
como agentes de controle social segundo a
perspectiva de Hans Kelsen. Esta abordagem é de
suma importância para buscar compreender as
principais características desses agentes que regulou
desde os tempos primitivos e continua até hoje
monitorando a conduta dos indivíduos em sociedade.
Ambos, assim como a religião e a etiqueta, utilizam-
se da norma para estabelecer os princípios que serão
consagrados pela sociedade. No entanto, o Direito e a
Moral distinguem-se entre si quanto ao seu modo de
atuar, suas funções, seu poder de coerção etc. O
presente artigo aborda o conceito de controle social,
bem como suas características e os outros agentes de
controle social, também faz a conceituação do Direito
e da Moral e seus seguintes aspectos, e faz uma alusão
a teorias que mostram o grau de relação entre esses
dois agentes, sendo aprofundado o estudo sobre o
pensamento de Hans Kelsen, de grande importância
para a Filosofia Jurídica, abordando sobre a teoria da
não interferência ou círculos independentes, no qual
será apresentada a visão desse autor sobre esses dois
agentes de controle social.
PALAVRAS-CHAVE Interação. Direito. Moral.
61
om as mais diversas e complexas relações na sociedade, os indivíduos sempre
estiveram e estão constantemente sujeitos a regras de condutas que tem o mister
de amoldar o comportamento dos seus membros. Isto é denominado de controle
social. Ele age visando o monitoramento dos indivíduos, utilizando de vários institutos
que existem para concretizar tal missão, qualificados por um potencial aglutinador e
constante, utilizando a norma como um artifício para o cumprimento desses valores
estabelecidos.
O direito e a moral são alguns destes agentes utilizados pela sociedade para
imprimir seus padrões consagrados. Portanto, estes institutos compartilham a função de
controle social, mas, como se verá neste trabalho científico, distinguem-se entre si: quanto
ao seu modo de agir, sua função, seu poder de coerção etc.
Ao comprovar que Direito e Moral são dois sistemas de normas diversos, Kelsen
depara-se com as possíveis relações que se estabelecem entre tais sistemas. Verifica-se
que a interação entre Direito e Moral pode ser analisada através de dois ângulos diversos:
aquela que deve ser e aquela que de fato é. E que segundo este jurista, não é possível
distinguir apenas Direito e Moral através do critério que define a interioridade (Moral) e
exterioridade (Direito) da conduta humana.
Várias teorias foram criadas no intuito de explicar esta interação do Direito
versus Moral, na tentativa de entender a importância da separação entre esses dois
campos. Através de uma pesquisa bibliográfica estudar-se-ão algumas dessas teorias
visando esclarecer melhor a distinção entre esses dois campos de atuação do controle
social, sendo apresentado com maior exatidão neste trabalho a teoria de Hans Kelsen.
Portanto, apresentar-se-á neste artigo uma análise descritiva sobre o Direito e a Moral
segundo a visão de Hans Kelsen.
C
1. INTRODUÇÃO
62
erá abordado neste capítulo de forma precisa o controle social e as suas
características, o processo para ocorrer este controle, bem como os agentes e suas
peculiaridades. Este controle social exerce um monitoramento nos indivíduos
desde os tempos das grandes civilizações permanecendo até os dias atuais, apresentando
uma grande evolução histórica.
Dotado de um instrumento normativo para obter êxito quanto a sua função, este
controle social dispõe de agentes, como é o caso do Direito e da Moral, que variam quanto
ao lugar de atuação, sua intensidade e coercibilidade no meio social e etc. Tratar-se-á em
seguida, o processo pelo qual a sociedade amolda e acompanha o comportamento dos
seus membros, fazendo-os se conformarem com os padrões consagrados por esta
sociedade.
2.1. HISTÓRICO
Em tempos atrás, as grandes civilizações exerciam o controle social, através da
religião, costumes e, também, por via do Direito, pressionando seus membros mediante
seus códigos e leis. Essas sociedades também eram influenciadas no controle de seus
indivíduos pela Moral que cada uma de suas culturas continha.
Na antiga Babilônia, por exemplo, em meados de 1694 a.C., o Código de
Hamurabi mantinha o controle social através de seu caráter coercitivo, pressionando e
punindo aqueles que transgrediam suas normas.
“O código se refere a todos os aspectos da vida social e tratam de assuntos
como agressões, delitos, casamentos, transmissão de herança, venda ou
locação de animais e remuneração de artesãos e de outros especialistas”.
(Código de Hamurabi).
Em 620 a.C., em Atenas, na Grécia, através do legislador Drácon, foi constituído
o primeiro Códigos de leis ateniense, o qual manteve o controle social mediante suas
normas jurídicas. Contudo, entre 594 – 593 a.C., esse código foi substituído pelo Código
de Sólon, outro legislador ateniense. Cujo foi responsável pela introdução do princípio
do direito penal: sobre a distinção entre os diversos tipos de homicídio: voluntário –
S
2. CONTROLE SOCIAL
63
homicídio involuntário e em legítima defesa., político ateniense do século IV a.C., disse
que “as leis de Drácon tinham sido escritas com sangue e não com tinta”. As leis eram
tão severas que os atenienses as aboliram, não por algum decreto, mas apenas deixando
de cumpri-las (WOLKMER, 2001).
Na Idade Média, com a fragmentação social, a Igreja mantinha a unidade
religiosa, política e cultural. Assim, em nome da fé, ela ditava os trâmites da sociedade
e exercia também o controle social. De tal maneira que, os desordeiros eram torturados
e mortos nas forcas e fogueiras, no período da Inquisição.
Entretanto, somente no período da Idade Moderna, a Igreja descentralizou essa
força coercitiva e passou a depender somente do Estado. Com isso, a Igreja passou a
manter o controle social através da Moral religiosa (WOLKMER, 2001).
No Brasil, inicialmente o controle social era exercido diretamente pelo Estado,
chegando ao ápice no período militar ditatorial, de tal maneira que toda infração às
normas jurídicas, eram punidas pela força coercitiva estatal. Contudo, na atualidade,
o controle social se evidencia, sobretudo, das demandas de democratização da
sociedade, durante a ditadura militar, no final da década de 1970 e início da década
de 1980. A Constituição Federal de 1988 foi um marco da democratização e início de
um novo período do controle social no Brasil (NÓBREGA, 2007).
2.2. CONCEITO
Historicamente, o conceito de controle social apresentou duas formas de
abordagem. Tanto é empregado para designar o controle do Estado sobre a sociedade
assumindo várias modalidades e conteúdos, considerando as especificidades dos modos
de produção e os regimes políticos, quanto para designar o controle da sociedade (ou de
setores organizados na sociedade) sobre as ações do Estado referindo-se à participação
social na concepção e o controle de políticas públicas em contextos democráticos. Nesse
sentido, o termo controle social está intrinsecamente articulado à democracia
representativa, que assegura mecanismos de participação da população na formulação,
deliberação e fiscalização das políticas públicas.
O controle do Estado sobre os indivíduos ocorre tanto por aparatos jurídicos e
políticos assim como por processos culturais e educativos. À medida que foi nascendo no
homem o desejo de interação com os outros indivíduos, surgiu a necessidade de
constituir-se uma sociedade. Todavia, com o desdobramento dos conflitos, foi almejando-
64
se a ordem entre os indivíduos. Logo, os costumes, a religião, a etiqueta e a moral, assim
como o Direito, tornaram-se institutos de controle social utilizados pelo Estado e pela
própria sociedade (NÓBREGA, 2007).
O termo controle social tem origem na sociologia, a qual tem a função de
estabelecer os agentes que introduzem a ordem na sociedade, submetendo esses
indivíduos a valores que regulam o comportamento dos indivíduos por meio da imposição
de regras e sanções dispostas por esta mesma sociedade. Conforme, o prof. José Flóscolo
da Nóbrega (2007) ressalta que: “O controle social é definido como um processo pelo
qual a sociedade amolda o comportamento dos seus membros, fazendo-os se
conformarem com os padrões consagrados por esta sociedade”.
De acordo com o professor Flóscolo da Nóbrega (2007, p. 67), o controle social
é dotado de uma coesão interna, que se caracteriza por uma força aglutinadora e contínua,
o grupo social conserva os paradigmas, devido a uma pressão coagida a todos os
indivíduos, fazendo-os agirem de maneira uniforme, expurgando toda resistência
contrária a este controle.
Os indivíduos mediante as suas concepções, passa a determinar o que será
considerado correto e incorreto nas relações sociais. Para que as pessoas se adaptem aos
modelos impressos pela própria sociedade, o controle social utiliza um instrumento que
apresenta uma força aglutinadora, e embora varie de sociedade, esta força de coesão
permanece contínua.
Para buscar a pacificação social, o controle social age impondo regras de conduta
e sanções que irão trazer segurança e o cumprimento das funções sociais pelos membros
da sociedade. Mannheim (1971, p. 178) define controle social como o “conjunto de
métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista
manter determinada ordem”.
O indivíduo passa a ter conhecimento do controle social, e ver a necessidade de
respeita-lo. Pois sem a imposição de normas, a comunidade ficaria a mercê da
indisciplina, do desrespeito, aumentando os atritos entre a sociedade. Um exemplo é
imaginar o crescimento da população, a ausência de sinais de trânsito regulando o tráfego
de veículos. O principal objetivo do controle social é manter a ordem, viabilizando a
formação de sociedade, trazendo paz, segurança e justiça.
65
2.3 INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL
Para alcançar equilíbrio e harmonia na sociedade, o controle social utiliza um
artifício para alcançar esse alvo. Esse artifício são normas, cuja finalidade é de suma
importância para estabelecer regras de condutas e sanções.
O Sociólogo Spagnol (2013, p. 56) destaca:
Assim, o social mantém um controle sobre as ações dos indivíduos. Esse
controle ainda pode ser considerado formal e informal. O controle informal é
a punição que o indivíduo sofre por não se comportar segundo as normas e
valores criados socialmente. O controle formal é a própria lei. São
instrumentos que se aplicam quando o comportamento do indivíduo ultrapassa
os limites impostos pelo social e fere de alguma forma o que foi estabelecido.
O instrumento normativo irá atuar em campos diferentes, agindo de acordo com
cada agente específico do controle social, apresentando uma variação entre o Direito, a
Moral, a Religião e na Etiqueta. É através do poder coercitivo e repreensivo da norma que
ela se torna mais eficiente, incitando os indivíduos para execução das regras e princípios
sociais. Assim, é notória a extrema dependência para o controle social, essa característica
imperativa da norma, para a vigência do equilíbrio societário.
As palavras de José Eduardo Faria (1988, p. 127) são pertinentes a esse respeito:
[...] a coerção pode ser física ou simbólica. Ela é física quando emanada de um
poder hierarquicamente organizado e localizado nas instituições formais do
Estado. E é simbólica quando inerente às interações sociais presentes na
família, na fábrica, no escritório, na escola, na igreja, no clube etc. Enquanto a
coerção física é centralizada pelo poder jurídico-político, isto é, pela repressão
monopolizada pelo Estado e disciplinada sob a forma de leis e códigos, a
coerção simbólica entreabre um feixe aberto de relações de força produzidas
nas menores unidades do sistema social e expressas sob a forma de práticas
religiosas, tradições familiares, regulamentos de clubes, regimentos de escolas,
sistemas de organização e métodos nas fábricas etc. Ou seja: a coerção está
associada a um vasto poder informal, invisível e indistinto, móvel e múltiplo –
em suma: sem localização específica.
Portanto, faz-se necessário a distinção dos graus de coerção, podendo encontrar
normas de organização sem estar atreladas a sanções, como as normas de etiquetas; e
normas de caráter essencialmente punitivo, como por exemplo, as leis de trânsito que
possuem medidas administrativas e penais.
2.4. AGENTES DE CONTROLE SOCIAL
Existem quatro agentes de controle social que agem relacionando-se diretamente
com a função normativa, mas que diferem quanto aos quesitos de fundamento, finalidade,
origem e coercibilidade para garantir o funcionamento do controle social (FIUZA, 2003).
66
O Direito é um dos principais responsáveis e até um dos mais poderosos agentes
de controle social. Utiliza-se de uma norma jurídica rigorosa, com caráter coercitivo e
bilateral, garantindo a segurança, ordem e eficiência da vida social.
A Moral também é um bastante importante para gerar a harmonia na sociedade,
contanto a mesma age através da intimidação, estimulando melhor o uso da consciência,
se preocupando com a vida interior das pessoas.
A etiqueta e a religião também são agentes bastante influentes na sociedade. A
etiqueta estabelece regras que são feitas pela própria coletividade, buscando o bom
convívio. No entanto, a religião utilizando a fé como artifício para o controle social, busca
a felicidade eterna entre seus indivíduos, apresentando regras de pouca coercitividade.
Bertioli (2008, p. 8-9) afirma que:
O direito não visa ao aperfeiçoamento interior do homem; essa meta pertence
à moral. Não pretende preparar o ser humano para uma vida supraterrena,
ligada a Deus, finalidade buscada pela religião. Nem se preocupa em incentivar
a cortesia, o cavalheirismo ou as normas de etiqueta, campo específico das
regras de trato social, que procuram aprimorar o nível das relações sociais.
Cada agente de controle social tem o seu alvo específico e bem definido. Os
mesmos podem em algumas situações, dependerem um do outro para terem mais
coercibilidade na imposição das suas normas, para facilitar a obediência pelos indivíduos,
garantindo assim a pacificação social (FIUZA, 2003).
2.5. PROCESSO DO CONTROLE SOCIAL
Para que ocorra o processo de controle social, os agentes sociais escolhem a
norma, que vai variar de acordo com a da gravidade do conflito, para serem impostas aos
cidadãos. Como um ciclo contínuo, independente do local e tempo, a regra sempre é a
mesma. Escolhe o agente, depois a norma e consequentemente, a mesma deverá ser
imposta para os indivíduos que irá promover uma mudança entre eles.
Figura 1 - Quadro representativo do processo aglutinador do Controle Social.
Fonte: autores, (2015).
SELECIONA AS NORMAS
• AGENTE
Imposta aos Cidadãos
• NORMA
Com apoio do Grupo
Social
• CONTROLE SOCIAL
• AMOLDAÇÃO
67
Direito e a Moral, tidos como uns dos principais agentes de controle social
apresentam grande eficácia na sociedade e impõe princípios que são seguidos
de forma reiterada pelos indivíduos. Esses agentes dividem características
entre si, mas apresentam detalhes que são peculiares de cada um.
Será exposto neste capítulo sobre as características que os distinguem, para que
não haja erros sobre o campo de atuação de cada um deles, pois os mesmos são de grande
importância para manter o controle social e os princípios que são inseridos por eles.
3.1. MORAL
Moral tem sua origem no latim, que vem de “mores”, significando costumes. O
instituto limitador da Moral tem existido todo o sempre, pois é da natureza humana
possuir consciência Moral que o conduz a fazer a distinção entre o bem e o mal no
contexto em que vive (NÓBREGA, 2007). Surgindo realmente quando o homem passou
a fazer parte de agrupamentos, isto é, surgiu nas sociedades primitivas, nas primeiras
tribos e permanece até os dias de hoje.
A moral trata dos costumes, hábitos e valores aceitos por uma determinada
sociedade. Por isso, é incorreto afirmar que existe somente uma moral e sim várias, pois
ela muda de acordo com a cultura de uma determinada sociedade.
Corroborando com esta vertente Vázquez (2007, p. 84) ao citar Moral como um,
“[...] sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual é regulamentado
as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal
maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam
acatadas livres e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma
maneira mecânica, externa ou impessoal”.
Uma das características da Moral é a unilateralidade, pois suas regras são
simplificadas, produzindo somente deveres, e o que se espera dos indivíduos é a
obediência as suas regras, que irá influenciar a sua consciência, fazendo uma clara
distinção entre o certo e o errado (FIUZA, 2003).
O
3. DIREITO E MORAL COMO AGENTES DE
CONTROLE SOCIAL
68
Os preceitos da Moral foram criados pela própria sociedade, o que deixou para
os indivíduos a opção de escolher em seguir ou não as regras estabelecidas. É um
princípio de Moral estipular uma conduta espontânea dos membros da sociedade.
Embora, essas normas da Moral sejam impostas, ela não possui um caráter punitivo para
os que não obedecem a suas regras (BENTHAM apud SANTOS, 2013).
3.2. DIREITO
A palavra "direito" vem do latim directus, a um "que segue regras pré-
determinadas ou um dado preceito", do particípio passado do verbo dirigere. Assim,
nasce o Direito, podendo inicialmente ser entendido como um conjunto de normas que
visam garantir a manutenção da paz social, que luta pela convivência harmônica e pelo
bem estar social, visando sempre à justiça entre a comunidade (FIUZA, 2003).
Inicialmente, o Direito busca reestabelecer o equilíbrio social, interferindo
diretamente nas condutas humanas, pondo limites à atuação do homem, seja através da
imposição de obrigações, seja através de sanções. O Estado, pessoa jurídica de Direito
Público, politicamente organizado, concebe através do Direito, princípios reguladores da
vida em sociedade.
Uma das principais e mais marcantes características do Direito é sua
coercibilidade. Nesse aspecto, como o Direito é heterônomo, pois é posto por terceiros
aquilo que juridicamente é obrigado a cumprir. Kant, o primeiro pensador a trazer à luz
essa nota diferenciadora afirmando ser a Moral autônoma e o Direito heterônomo. Desse
modo, ocorre que o sujeito possui a necessidade e a obrigação de obedecer às regras e os
deveres, por isso o caráter bilateral. Caso contrário, esse mesmo indivíduo será
pressionado pelos agentes de controle social, e consequentemente punido. Na mesma
observância, ressalta-se exterioridade do Direito. Assim, cabe a esse agente manter o
controle exterior aos indivíduos, visando o monitoramento apenas das ações praticadas
(FIUZA, 2003).
69
xistem quatro teorias desenvolvidas que apresentam uma análise crítica
abordando as principais diferenças entre o Direito e a Moral, como agentes de
controle social. Tais teorias, ainda que possam ser complementares ou
contraditórias, servem de auxílio para perceber o campo de atuação do Direito e da Moral
nessa agência de controle.
4.1. TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO OU DOS CÍRCULOS CONCÊNTRICOS
Exposta pelo filósofo inglês Jeremy Bentham e desenvolvida adiante por Georg
Jellinek, a teoria do Mínimo Ético retrata que o Direito corresponde apenas ao mínimo de
regras Morais obrigatórias para a sobrevivência da sociedade. O mundo do Direito é
menor do que o mundo da Moral, pois o Direito não é algo variado da Moral, mas faz
parte desta. Essa teoria se resume basicamente em “tudo o que é jurídico é moral, mas
nem tudo o que é moral é jurídico”, sendo a Moral uma base para a formação do Direito
(REALY, 2002).
Teoria dos Círculos Concêntricos ou do Mínimo Ético desenvolvido por Georg Jellinek.
Fonte: Autores, (2015).
O Direito será apenas um agente para facilitar o cumprimento do mínimo dos
preceitos morais básicos, porque relacionando o Direito com a Moral, os princípios
morais irão apresentar um caráter mais coercitivo, impondo a obediência pelos
MORAL
DIREITO
E
4. ANÁLISE DISTINTIVA ENTRE DIREITO E MORAL
COMO AGENTES DE CONTROLE SOCIAL
70
indivíduos. Pois o que ocorre é uma influência da Moral na criação das normas do Direito,
ou seja, ele constantemente irá apresentar um caráter ético.
Para Miguel Reale, essa teoria é ultrapassada, pois existem assuntos que não são
morais, mas que fazem parte do campo jurídico. Como esse autor declara: “Uma regra de
trânsito, como, por exemplo, aquela que exige que os veículos obedeçam à mão direita, é
uma norma jurídica. Se amanhã, o legislador, obedecendo a imperativos técnicos, optar
pela mão esquerda, poderá essa decisão influir no campo moral? Evidente que não”
(REALE, 2002, p. 42).
O campo da Moral segundo o Jellinek abordaria todos os campos do Direito.
Mas, há atos jurídicos que não abordam os princípios da Moral, assim como existe
campos da Moral que não estão vinculados ao mundo jurídico. Segundo Reale (2002, p.
40) “Há, portanto, um campo da Moral que não se confunde com o campo jurídico. O
Direito, infelizmente, tutela muita coisa que não é moral”.
4.2. TEORIA DA SEPARAÇÃO TOTAL
Thomasius, um jurista alemão, buscou apresentar uma diferenciação entre
Direito e Moral, relacionando com o que ele chamou de foro íntimo e foro externo.
Segundo Fernández-Galiano (2001), Thomasius elucida na sua doutrina de separação
entre Moral e Direito, a afirmação de que a obrigação jurídica é essencialmente coativa:
como o direito regula as ações externas e somente o externo pode chegar a ser objeto da
coação (questões de ética pública), somente essa obrigação é coativa, sem que a coação
possa, em câmbio, alcançar ao foro íntimo da consciência, que é onde se produzem os
atos regulados pela Moral (questões de ética privada). Para ele a Moral é um conjunto de
regras que conduz a esfera íntima do ser humano, regulando o indivíduo através do uso
correto da consciência, no qual seria o foro íntimo.
É o que observa Miguel Reale (p. 54):
“O Direito, dizia ele, só deve cuidar da ação humana depois de exteriorizada;
a Moral, ao contrário, diz respeito àquilo que se processa no plano da
consciência. Enquanto uma ação se desenrola no foro íntimo, ninguém pode
interferir e obrigar a fazer ou deixar de fazer. O Direito, por conseguinte, rege
as ações exteriores do homem, ao passo que as ações íntimas pertencem ao
domínio especial da Moral. A moral e o Direito ficavam assim totalmente
separados, sem possibilidade de invasão recíproca nos seus campos, de
maneira que a liberdade de pensamento e de consciência recebia, através de
doutrina engenhosa, uma tutela necessária”.
71
Todavia, o Direito atuando no foro externo, tem a responsabilidade de regular
externamente os comportamentos humanos. A teoria da Separação Total afirma que não
há nenhum ambiente que componha normas jurídicas e normas morais ao mesmo tempo,
ou seja, elas não convivem.
Contanto, essa teoria condiz com os pensamentos do século XVIII, no período
da abordagem do iluminismo. A Separação total cria dois campos totalmente distintos
entre o Direito e a Moral, fazendo-se pensar que os dois não agem dependentemente,
como ocorre em algumas situações (REALY, 2002).
Em alguns momentos, no qual o foro íntimo é importante para o Direito, como
no Direito Penal, por exemplo, para a configuração do crime doloso e culposo, examina-
se a intenção do agente; no Direito Civil a anulabilidade dos atos jurídicos está ligada, em
grande parte, ao exame da intenção (dolo, erro, coação ou fraude). Por outro lado, a Moral
não se satisfaz somente com a boa intenção; ela exige a prática do bem, intimidando a
agir de maneira correta, através da ação consciente dos atos.
4.3. TEORIA DOS CÍRCULOS SECANTES
Outra teoria que apresenta uma relação entre Direito e Moral é a teoria dos
Círculos Secantes do jurista francês Claude Du Pasquier. Ele defende que existe um plano
de intercessão entre os círculos do Direito e da Moral, porque existe um campo de
competência comum onde há regras com qualidade jurídica e que têm caráter moral.
Teoria dos Círculos Secantes desenvolvida por Pasquier.
Fonte: Autores, (2015).
Existem casos que as normas que faz parte do Direito e que não é parte da moral,
e aspectos morais que não estão normatizados. Essa teoria dos Círculos Secantes é a que
mais se aproxima da concepção real da relação entre Direito e Moral, mostrando que
DIREITO MORAL
72
existem normas jurídicas de caráter moral, mas que também existem normas jurídicas
meramente alheias ou até contrárias a moral.
73
m grande jurista filósofo, Hans Kelsen, abordou a teoria da Não Interferência
ou teoria dos Círculos Independentes, afirmando que os planos da Moral e do
Direito não interferem, ou seja, são totalmente independentes. A visão de
Kelsen afasta a pretensão de esses campos estarem sempre unidos, pois como o Direito
apresenta um grande poder coercitivo, ele por si só consegue impor suas normas e fazer
os indivíduos cumprirem. Ora, isso significa que a validade de uma ordem jurídica
positiva é independentemente da sua concordância ou discordância com qualquer sistema
moral (KELSEN, 1999). Direito é Direito e Moral é Moral:
Teoria dos Círculos Independentes ou da Não Interferência abordada por Hans Kelsen.
Fonte: Autores, (2015).
Ocorre que em algumas situações o Direito e a Moral se interferem. Contanto,
cabe aos envolvidos no conflito, decidirem se ocorra influência desses dois campos ou
não. A lei seca, por exemplo, tem todo um princípio jurídico, mas também aborda valores
morais, pelo fato de preocupar-se com o risco da vida do próximo, quando um indivíduo
dirige alcoolizado.
Ao definir o Direito como norma, Kelsen pretende constituir um objeto
específico da ciência jurídica, mas ao lado das normas jurídicas, existem outros tipos de
normas sociais que regulam a conduta dos homens entre si. Todavia, Hans Kelsen (1999,
p. 01) pretende “garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste
conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa,
rigorosamente, determinar como Direito”.
DIREITO MORAL
U
5. HANS KELSEN: UMA ANÁLISE DA TEORIA DA
NÃO INTERFERÊNCIA OU DOS CÍRCULOS
INDEPENDENTES
74
Existem doutrinadores que buscam diferenciar o Direito da Moral negando
caráter social a esta, argumentando haver normas morais que prescrevem condutas do
homem apenas em face de si mesmo, Kelsen (1999) contrapõe que essas normas só
surgem na consciência de homens que vivem em sociedade e que, portanto, ainda que
imediatamente digam respeito ao homem, mediatamente referem-se aos membros da
comunidade. Do mesmo modo, não se pode negar o caráter social que possui o Direito.
Tanto a Moral quanto o Direito não teriam sentido para um indivíduo que vivesse isolado.
A Moral e o Direito não podem ser distinguidos apenas no que se refere à
conduta a que suas normas obrigam os homens. Também é insuficiente fazer a diferença,
frequentemente seguida, de que a Moral prescreve uma conduta interna e que o Direito
uma conduta externa.
Kelsen (1999, p. 68) assim se expressa:
A virtude moral da coragem não consiste apenas no estado de alma de ausência
de medo, mas também numa conduta exterior condicionada por aquele estado.
E, quando uma ordem jurídica proíbe o homicídio, proíbe não apenas a
produção da morte de um homem através da conduta exterior de um outro
homem, mas também uma conduta interna, ou seja, a intenção de produzir um
tal resultado.
Para ele, as normas jurídicas e as normas morais determinam tanto condutas
internas como as condutas externas. O próprio Kelsen afirma que uma conduta apenas
pode ter valor moral quando não só o seu motivo determinante como também a própria
conduta corresponda a uma norma moral, e que a norma de uma Moral, que apenas se
refere aos motivos da conduta externa, é imperfeita ou incompleta.
Para Hans Kelsen (1999, p. 36):
“[...] dizer que o Direito é uma ordem coativa não significa - como às vezes se
afirma - que pertença à essência do Direito "forçar" (obter à força) a conduta
conforme ao Direito, prescrita pela ordem jurídica. Esta conduta não é
conseguida à força através da efetivação do ato coativo, pois o ato de coação
deve precisamente ser efetivado quando se verifique, não a conduta prescrita,
mas a conduta proibida, a conduta que é contrária ao Direito. Precisamente
para este caso é que é estatuído o ato coativo, que funciona como sanção.”
Para Kelsen, o que essencialmente diferencia as duas ordens é a forma como
suas normas prescrevem ou proíbem uma determinada conduta humana. O Direito, como
uma ordem de coação, procura obter determinada conduta ligando à conduta oposta um
ato de coerção socialmente organizado. Já as sanções morais apenas consistem na
aprovação/desaprovação da conduta conforme ou não às suas normas, sendo incompatível
o emprego da força física.
75
Kelsen (1999, p.74) dá ênfase quando diz que “a questão das relações entre
Direito e Moral não é uma questão sobre o conteúdo do Direito, mas uma questão sobre
a sua forma”. O que realmente há de comum a todos os sistemas morais é a sua forma de
dever - ser, ou seja, o caráter de norma.
Desse modo, quando se diz que o Direito é, por sua essência, moral, isso deve
ser entendido quanto à forma (dever - ser) de norma social que estabelece determinada
conduta como devida (devendo - ser). Devido a isso, não é correto, segundo Kelsen
(1999), dizer que o Direito não é apenas norma por também corporizar um valor, já que
o Direito constitui um valor precisamente pelo fato de ser norma. Norma e valor são
conceitos correlativos.
Kelsen (1999, p. 76) conclui que “a validade de uma ordem jurídica positiva é
independente da sua concordância ou discordância com qualquer sistema de Moral”. O
Direito positivo vale, ainda que contrarie uma ordem moral (dentre as muitas possíveis).
Só uma Moral válida em todos os tempos e lugares, que para Kelsen não existe, seria
capaz de fornecer um padrão seguro para que fosse negada validade a um ordenamento
jurídico que a contradissesse.
76
ortanto, conclui-se que sempre foi e continua sendo essencial para a sociedade,
a presença de agentes que estabeleçam normas para garantir a ordem entre os
indivíduos. Esse controle social vai variar com o tempo e no espaço, mas nunca
deixará de exigir o cumprimento dos seus limites estabelecidos, seja nas sociedades mais
primitivas ou nas grandes sociedades.
Os agentes de controle social diferem entre si, pois cada um precisa adaptar-se
para o seu lugar de funcionamento. A Etiqueta, utilizando o bom convívio como
fundamento, impõe suas regras para os indivíduos de forma heterônoma e incoercível,
buscando trazer a felicidade social. Não tão menos importante, mas bastante conhecida
pelo seu caráter controlador, a Religião tendo a fé como justificativa, pretende garantir a
felicidade eterna, operando por meio de valores originados por meio de forças superiores,
para impor como os seus seguidores devem agir.
O Direito e a Moral, ainda que sejam confundidos por terem suas semelhanças,
apresentam divergências notórias para o distanciamento. O Direito baseado no respeito,
busca a pacificação social, no qual os seus princípios nos são impostos pelas instituições
jurídicas, possuindo um caráter extremamente coercitivo. A Moral, tenta por meio do
controle da consciência, mostrar para os indivíduos como se deve comportar no meio
social, assegurando a felicidade interior, por meio da determinação de preceitos
autônomos.
É essencial para o esclarecimento sobre essas duas áreas, o conhecimento das
teorias que abordam o Direito e a Moral. A Teoria do Mínimo Ético defende que as
normas morais mais relevantes, são transformadas em normas jurídicas. O Direito
corresponderia ao mínimo de regras morais. A Teoria da Separação Total explica que não
há um ponto de acordo entre esses dois campos, pois o Direito está relacionado ao
comportamento externo, enquanto a Moral com a esfera íntima. A Teoria dos Círculos
Secantes, uma espécie de síntese das outras teorias, afirma simplesmente que o conjunto
das normas morais é parcialmente coincidente com o conjunto das normas jurídicas, há
um plano de interseção entre os círculos do Direito e da Moral.
P
6. CONCLUSÃO
77
Kelsen defende na sua Teoria da Não Interferência, que os planos da Moral e do
Direito não interferem entre si, tendo cada um o seu campo próprio e autônomo. A Moral
e o Direito não podem ser distinguidos apenas no que se refere à conduta a que suas
normas obrigam os homens. É pacífico que o Direito e a Moral são parte de diferentes
espécies do sistema normativo, no entanto, a distinção entre Moral e Direito não habita
naquilo que ambas proíbem ou estabelecem, senão em como elas prescrevem como deve
ou não ser determinada conduta humana e ainda defende a separação entre Direito e
Moral, apesar de o Direito positivo equivaler a um dos sistemas de Moral dentre os vários
possíveis.
78
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<https://www.passeidireto.com/arquivo/2287468/resumo-teoria-dos-circulos-de-miguel-
reale>. Acesso em: 21 de maio de 2015.
SOBRE OS AUTORES
MONIQUE ELLEN DA SILVA CHAVES
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
CARLOS BRENO EVANGELISTA GIRÃO
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
FRANCISCO JOSÉ MENDES VASCONCELOS
Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Direito
Internacional pela Universidad Autônoma de Assuncion (UAA). Especialista em Direito
Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Planejamento Educacional pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É Bacharel em Direito pela UFC e
Licenciado em Ciências pela UECE.
E-MAIL: [email protected]
82
RESUMO Esta pequena pesquisa tem por objetivo indagar as
fontes literárias e históricas do pensamento ocidental
cristão a respeito de dois temas complementares,
mesmo se em polos opostos. Sem pretensão de
exaustividade, pinçar-se-á elementos pontuais, mas
representativos da máxima realidade dramática da
existência humana, a saber, a morte, no encontro de
duas das suas circunstâncias mais paradoxais: a pena
de morte e o martírio. O único evento irrevogável da
execução capital se presta a duas leituras conflitantes,
de acordo com o grupo de interesses a que pertence,
reivindicando ambos a sua legitimidade. Concentrar-
se-á no início da era cristã, contexto em que se
construiu a correspondente noção de martírio, sem
perder de vista, por um lado, o valor da interpretação
atual da temática da pena de morte, e, por outro, o
esforço da reconstrução histórica, evitando ao
máximo o anacronismo e buscando introduzir o leitor
nos valores de outra época. Espera-se com esta
metodologia chegar ao resultado de uma reflexão
histórica capaz de iluminar a questão moderna, sem
forçar conclusões, mas nem mesmo isentar-se do
posicionamento ético. O leitor não confunda o objeto
material (temática do martírio), só em aparência
religioso, com o objeto formal (abordagem
filosófica), que se coloca, não no âmbito teológico,
mas na interseção entre Direito e Filosofia.
PALAVRAS-CHAVE Ética. Pena de Morte. Cristianismo Antigo.
83
uando Heiddegger definiu o homem um “ser para a morte” (Martin Heidegger,
Ser e Tempo 45; CAVALCANTE, 2000, v. 2, p. 12), certamente, não tinha em
mente a pena de morte, mas a fertilidade filosófico-maiêutica da maior fatalidade
humana: seu impreterível desfecho. A morte se apresenta como aquela realidade da qual
o ser humano não pode escapar, embora ainda não tenha se rendido totalmente a isso. Em
sua tentativa de fuga deste destino inevitável, se manifesta a força da razão, mas também
da fé, em suas diversas modalidades religiosas. Os homens e as mulheres enfrentam todos
os dias a morte, desde que entraram a fazer parte deste mundo hostil, hoje em maior ou
menor grau de periculosidade, a depender da localização geográfica, no centro ou na
periferia, socialmente falando, seja em nível local, de bairros e cidades, seja em nível
global, de países e hemisférios. Esta capacidade de olhar a morte nos olhos, e permanecer
vivos, confere a estes animais particularmente racionais, e religiosos, um quê de
imortalidade, de transcendência. Por outro lado, como disse Hobbes parafraseando
Plauto: homo homini lupus (o homem é um lobo para o seu semelhante). O poeta italiano
Roberto Benigni (Transmissão televisiva Rai 1, 15 e 16 de dezembro de 2014, às 20:30,
hora de Roma), ao explicar o quinto mandamento, ironiza maximamente, como no papel
dos israelitas diante da proposta do decálogo por Moisés, perguntando: como pode
alguém proibir o homicídio, como é possível viver sem matar os semelhantes quando se
faz necessário? De fato, continua, ironizando, não há norma mais prevaricada que esta. O
ser humano sempre matou o seu semelhante e chegou ao maior dos horrores – sempre
parafraseando o poeta – fez disso uma lei; de certa forma, somos todos assassinos junto
com o Estado, na pena de morte. Cabe-nos, neste pequeno trabalho, investigar a aplicação
desta lei nos primeiros cristãos.
Q
1. INTRODUÇÃO
84
martírio, na própria etimologia do termo, tem sua origem na dramática
experiência dos primeiros cristãos (RORDORF, 2002, p. 895). Tornar-se
mártir significava assumir a causa de Cristo até o extremo sacrifício,
conformando-se completamente ao divino mestre. O paradoxo existencial de Cristo,
espírito vivificador (I Cor. 15,45) que morre para dar a vida (Jo 12, 24), é perpetuado nos
cristãos mártires, tornados eles mesmos testemunhas de que este é o caminho da
unificação com o Senhor. É possível que, pouco antes da redação dos evangelhos, a morte
de Cristo tenha sido vista como ápice do processo de glorificação do Filho do homem,
sem, necessariamente, recorrer à ressurreição, em linha com uma tradição judaica
sapiencial de que o justo não morre (NICKELSBURG, 2006, p. 67-68). A morte é
redimensionada para aplicar-se não aos justos, mas tão somente aos injustos. Este
metassentido do conceito de morte desloca-se, tanto da experiência da morte física em
direção à sua espiritualização, como da idealização da morte espiritual para a negação da
morte física. Nesta perspectiva, os próprios cristãos, ou, pelo menos, parte deles, passam
a alimentar uma expectativa de que não precisariam de ressurreição (I Cor 15, 12.51-54)
porque eles mesmos não morreriam (RIESENFELD, 1961, p. 44). Se de um lado temos
o mártir que aceita configurar-se à morte de Cristo, para com ele ressuscitar, de outro
temos a instituição da Pena de Morte no Império Romano aplicada aos cristãos.
A impreterível relação entre Pena de Morte e Martírio Cristão é estabelecida,
embora não tenha esta dimensão para as autoridades romanas, já na condenação de Cristo
por obra do governador Pôncio Pilatos (Mt 27, 2.11-26). Este processo permaneceu até
hoje no imaginário e nos escritos do cristianismo mundial. Até as palavras do governador
vieram a fazer parte das nossas culturas ocidentais, como “eu lavo as minhas mãos”. Jesus
não foi vítima de um linchamento popular, nem de um assassinato programado, mas foi
réu em um processo, foi denunciado e respondeu diante de um magistrado romano.
Ninguém questionava a injustiça daquele processo, a não ser o fato de que o réu era
inocente. O governador romano tinha o direito e o dever de condenar à morte Jesus, caso
ele fosse realmente um criminoso e tivesse, de fato, se colocado contra César. Pilatos,
mais de uma vez, questiona a qualificação dos acusadores, pois este era um elemento
O
2. MARTÍRIO CRISTÃO E PENA DE MORTE NA
ANTIGUIDADE
85
importante no processo. A primeira coisa que identifica é a falta de fundamentos da
acusação. Embora seja uma causa entre pares – todos os envolvidos, acusados e
acusadores, eram judeus e não cidadãos romanos – a motivação da acusação não se
enquadrava no direito romano, senão como perturbação da ordem pública. Isto seria
suficiente se estivesse claro que Jesus fosse a causa de tal perturbação. Na interpretação
do evangelista João, Pilatos tende a identificar o fato como mais uma querela a respeito
da religião judaica e procura remeter o caso de Jesus às autoridades religiosas (Jo 18,31).
O delito, então, que os acusadores defendem contra Jesus diante de Pôncio Pilatos é o de
laesae maiestatis. Jesus teria se colocado contra César e, neste caso, seria aplicável a Pena
de Morte. O destino de Jesus estava nas mãos do governador, enquanto não era cidadão
romano, mas Paulo, em seu processo, pôde apelar para César (At 22, 27-28; 25, 10-11).
O julgamento do cidadão romano era mais rigoroso e ele tinha sempre a possibilidade de
recorrer a uma instância maior até chegar no próprio imperador. Agripa, influenciado com
a oratória de Paulo, gostaria de beneficiá-lo, mas devia levar o caso até César (At 26, 32).
Gostaríamos de concluir a parte neotestamentária da nossa investigação fazendo
referência ao conselho de Jesus aos cristãos perseguidos de mudarem cidade (Mt 10, 23).
Jesus toca um elemento importante do direito romano: a jurisdição. Em nossa sociedade,
as leis criminais são válidas em todo o território nacional. Não é preciso forçar muito a
memória para lembrar, nos filmes hollywoodianos, que determinados infratores podem
se livrar das penas mudando de estado. No caso do Império Romano, uma condenação
valia para a jurisdição de um governador romano. As próprias perseguições aos cristãos,
mesmo quando promulgadas pela autoridade Imperial, só entravam em vigor por ação
dos governadores. Dessa forma, podemos identificar cristãos perseguidos em uma região
e favorecidos em outra, no mesmo período.
Qual era, no entanto, a principal culpa dos cristãos? Há uma teoria baseada na
informação, do II século, que encontramos em Justino (Apologia I 35) e Tertuliano
(Apologeticus 5,3; 21,24), de que Pôncio Pilatos teria enviado um relatório sobre a
condenação de Jesus ao Imperador Tibério. A partir desse relatório, que teria sido enviado
no ano 35, contendo o fenômeno do obscurecimento do sol por ocasião da morte de Jesus
e do desaparecimento do seu corpo, o Imperador teria submetido ao senado uma petição
de divinização de Cristo, que possivelmente poderia ser oficializado como deus pela
referida instituição romana. O resultado, no entanto, teria sido negativo, rejeitando a
divinização de Jesus e declarando o cristianismo religio illicita (BARZANÒ, 1996, p. 21-
24). É interessante que a motivação principal, segundo esta teoria, do relatório de Pilatos
86
seria o excesso cometido por Caifás de condenar à morte Estevão, o primeiro mártir
cristão. Este ato foi, certamente, uma prevaricação do direito romano que reservava a
pena capital aos tribunais romanos, mesmo dando ampla autonomia às autoridades locais
(BARZANÒ, 1996, p. 21-22).
O cristianismo não era a única religião ilícita do Império, assim como a
perseguição dos cristãos não deve ser entendida como algo sistemático e unívoco. Foram
várias as perseguições oficiais, mas, como vimos acima, não representavam uma prática
uniforme, do ponto de vista geográfico e social. As principais e mais difundidas foram as
perseguições por edito imperial. Ainda assim, estas dependiam de adesão dos
governadores e permaneciam geograficamente setorizadas. Em outras palavras, enquanto
em uma província havia feroz perseguição, em outra os cristãos gozavam de paz. O
aspecto social não deve ser subestimado. Um cristão de classe social alta não era levado
à morte, mas, na pior das hipóteses, era exilado (BARZANÒ, 1996, p. 122-123): “Qui
novas sectas vel ratione incognitas religiones inducunt, ex quibus animi hominum
moveantur, honestiores deportantur, humiliores capite puniuntur” (Iulii Pauli Sententiae
5,21,2; Eulogos 2007). Esta normativa foi enviada pelo Imperador Antonino Pio ao
governador da Gália no sentido de limitar a atividade de astrólogos e magos, mas bem
servia também para os cristãos (BARZANÒ, 1996, p. 32) e, principalmente, nos revela
um princípio basilar da legislação romana, que hoje definiríamos discriminatório, a saber,
a diferença entre honestiores (os mais importantes) e humiliores (os mais simples), na
aplicação diferenciada das penas (BARZANÒ, 1996, p. 123, nota 27).
Outro princípio basilar do direito romano era o procedimento a partir da
denúncia por quem se sentisse lesado e não de forma anônima. O julgamento era visto
como um processo onde duas partes se colocavam em confronto diante de um juiz, mas
não se utilizava o procedimento de iure, ou seja, a acusação por iniciativa do estado a
qualquer pessoa que cometesse um crime. Isso não impedia, necessariamente, os
linchamentos e a prática da justiça com as próprias mãos, mas, dependendo da postura do
administrador público, certamente limitava estas ações, como é possível notar nas
orientações do Imperador Trajano ao Governador da Bitínia, Plínio, o Jovem:
Actum quem debuisti, mi Secunde, in excutiendis causis eorum, qui Christiani
ad te delati fuerant, secutus es. Neque enim in uniuersum aliquid, quod quasi
certam formam habeat, constitui potest. Conquirendi non sunt; si deferantur
et arguantur, puniendi sunt, ita tamen ut, qui negauerit se Christianum esse
idque re ipsa manifestum fecerit, id est supplicando dis nostris, quamuis
suspectus in praeteritum, ueniam ex paenitentia impetret. Sine auctore uero
propositi libelli <in> nullo crimine locum habere debent. Nam et pessimi
exempli nec nostri saeculi est. (Epist. 97; ed. MYNORS, 1996).
87
O cristão era objeto de discriminação e injustiça, pois este procedimento abria
espaço para denúncias por parte de pessoas interessadas na condenação deste ou daquele
cristão. O denunciante fazia parte do processo e para ele estava reservada uma pena, o
que excluía, como vimos acima, a denúncia a partir de classes inferiores para com classes
superiores. Quem denunciava só o fazia em plena certeza de obter a condenação do réu.
Um elemento que dificultava ulteriormente e, de certa forma, limitava os processos era a
possibilidade de o cristão realizar o simples ato cultual de oferecer incenso aos deuses e
escapar à condenação. Isto podia significar para o denunciante uma pena. O imperador
Marco Aurélio, no intuito de não só limitar, mas talvez até mesmo melhorar a relação
com os cristãos, equiparou a pena devida ao denunciante, à pena infligida aos cristãos
condenados, em uma consulta ao senado onde não ataca a raiz do problema, ou seja, não
pede ao Senado Romano a modificação da situação do cristianismo qual religio illicita,
mas toma providências para defender os cristãos solicitando a paridade nos processos, ou
seja, que o denunciante seja outro cristão e aplicando a Pena de Morte ao denunciante
caso o cristão fosse inocentado no processo (BARZANÒ, 1996, p. 127-131). Isto
praticamente anulava as consequências da legislação anticristã, mesmo não mudando o
seu status de superstitio (BARZANÒ, 1996, p. 16-17).
A aplicação da Pena de Morte nos casos de superstio não era um exagero para
os antigos romanos, embora hoje, sem dúvidas, seria uma aberração. Tratava-se, de fato,
da segurança do Império, uma vez que a Pax deorum (a paz dos deuses) representava um
dos elementos tradicionais mais importantes para o bom andamento dos negócios, da
política e da prosperidade para os antigos romanos, já desde os etruscos (BARZANÒ,
1996, p. 13-14). A mesma pena era prevista, por exemplo, para quem transportasse um
morto ou violasse um túmulo (BARZANÒ, 1996, p. 116-118), algo abominável para eles
e fonte de ira para os deuses.
O martírio cristão nos primeiros séculos de nossa era está intimamente ligado
com a pena capital. As primeiras perseguições não são o resultado de uma política de
extermínio ou genocídio, como se viu, vergonhosamente, na primeira metade do século
XX, para com os judeus. Os antigos romanos não traçaram um plano de eliminação dos
cristãos, que inclusive, desde a época dos severos, “nova era na relação entre os cristãos
e o império” (FREND, 2002, p. 1144), já vinham se enfronhado na corte imperial. As
perseguições foram o resultado da combinação de vários fatores mais ou menos
independentes, dentre os quais a pena de morte. Como é sabido, esta não era uma exceção,
88
mas a regra nas sociedades antigas e medievais. O próprio Israel, não obstante a proibição
expressa no decálogo, previa a punição com a morte para uma série de delitos, dentre os
quais o adultério e a blasfêmia. Os cristãos, após o período inicial em que eram somente
vítimas, passaram, principalmente na idade média, a serem algozes, embora jamais a pena
de morte tenha feito parte, diretamente, da normativa católica. Dentre as condições que
concorreram para as perseguições no cristianismo primitivo está, naturalmente, a
componente da discriminação das minorias religiosas (uma minoria, perigosamente, em
crescimento exponencial!). Havia, neste sentido, mobilizações populares que se
concluíam com linchamentos de cristãos, perturbações da ordem pública e conflitos. Nada
disso se configurava como desenvolvimento ordinário do ideal da ordem pública no
Império Romano. A comprovar esta leitura está a informação de Plínio, o Jovem, em uma
correspondência com o Imperador Trajano, o qual proibiu taxativamente este tipo de
prática (Epístola 97; MYNORS, 1966). Por outro lado, alguns imperadores viram no ódio
pelo diferente uma força propulsora da identidade e da unidade no Império. Em um
primeiro momento, as perseguições foram o fruto dos editos que previam o culto ao
Imperador e aos deuses oficiais do império, sob pena capital. O cristão era interpelado
judicialmente sobre estas questões, devendo oferecer incenso aos deuses e ao Imperador.
O simples ato de cumprir este protocolo o livrava automaticamente do suplício. É mister
observar que somente se colocava nesta situação quem fosse objeto de denúncia formal,
e que o denunciante não podia esconder-se no anonimato, como nos preserva ainda a
informação de Plínio, o jovem. Caso fosse provada a inocência do réu, seria o denunciante
a incorrer em punição, muitas vezes, grave. Nestas circunstâncias, quem acusasse um
cristão, não o faria se não pudesse arrogar-se certeza de vencer o confronto. Excluem-se
a priori as acusações formais a partir de classes sociais mais baixas, para com classes
mais elevadas, enquanto o inverso deveria ser a regra.
Estas condições sociais permitiram a convivência entre a perseguição e o
martírio, a produção literária e a penetração social do cristianismo, que, no final, inverteu
o jogo, tornando-se, gradativamente, de superstitio (religião ilícita) a religião permitida,
até chegar a ser a religião dominante. Tertuliano justamente observava que o sangue dos
mártires se tornava semente de novos cristãos (Apologeticum 50,13; BECKER, 1961).
Ainda hoje, lá onde há uma situação de opressão social, se tenta evitar esta passagem do
homicídio (institucionalizado na pena de morte ou, ilegal, nas organizações criminosas
paralelas ao poder público) ao martírio. A pena de morte, aplicada ao culto religioso, deu
89
origem, no Império Romano, a uma das maiores forças propulsoras do cristianismo
antigo.
A pergunta, a esta altura do nosso discurso, é: qual é a relação histórica dos
cristãos com a pena de morte? Como acabamos de ilustrar, é ela, em primeiro lugar,
passiva, qual situação externa a que corresponde uma reação interna de grande valor
religioso. Nesta perspectiva, a pena de morte, em si, não é objeto de oposição por parte
dos cristãos, como não o são realidades éticas dramáticas, a saber, da escravidão, da
discriminação social das mulheres, e de outros temas centrais na discussão moderna. A
retroavaliação dos antigos a partir de conceitos modernos deve ser evitada, assim como a
reavaliação dos valores dos antigos que possa iluminar as questões modernas deve ser
fomentada. Neste sentido, uma análise dos valores avançados do primeiro cristianismo
pode trazer como resultado uma ressignificação da experiência cristã atual.
O cristianismo traz em si, em sua mensagem fundante, uma semente ética que
desenvolve quando o terreno é propício. Mesmo nos momentos em que a Igreja temporal,
em seus representantes terrenos fez opções pouco evangélicas (podemos dizer isto sem
vexame, porque, tem-se tornado habitual ouvir os pedidos de perdão oficial por erros
históricos dos homens de Igreja – seria desejável que também os chefes de estado o
fizessem), esta semente profética brotou, às vezes, bastante rebelde, com sabor de
reforma, levada ou não a bom termo. Neste sentido, lembramos a prática incansável dos
missionários de batizar os índios americanos para que não fossem escravizados e, se o
fossem, pudessem ser tratados com mais humanidade, na qualidade de cristão. Há,
naturalmente, um abismo entre o ideal e o real, mas caberia uma reavaliação histórica da
ação dos jesuítas no Brasil. Colocado à parte o anacronismo que grava sobre eles valores
de enculturação, maduros somente em época recente, é necessário reconhecer que
ninguém, como eles, tentou preservar as línguas nativas indígenas, e que foram banidos
exatamente pela inserção social que alcançaram e o consequente poder territorial.
A pena capital, como em muitas religiões, poderia ter encontrado,
historicamente, seu lugar institucionalizado no cristianismo e, mais especificamente, no
catolicismo, mas isto não se deu, talvez até mesmo por sua particular relação com o
martírio, pela visualização da reversão que isto representaria. Em nível prático, a punição
eclesiástica (inquisição) caminhou lado a lado com a pena de morte (infligida sempre pelo
poder temporal). O tempo propício, felizmente, já chegou e hoje é impensável para um
cristão defender a pena de morte. Em se tratando do Catolicismo, do ponto de vista
jurídico, há uma concessão ideal:
90
A doutrina tradicional da Igreja, desde que não haja a mínima dúvida acerca
da identidade e da responsabilidade do culpado, não exclui o recurso à pena de
morte, se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas
humanas de um injusto agressor. Contudo, se processos não sangrentos
bastarem para defender e proteger do agressor a segurança das pessoas, a
autoridade deve servir-se somente desses processos, porquanto correspondem
melhor às condições concretas do bem comum e são mais consentâneos com a
dignidade da pessoa humana. Na verdade, nos nossos dias, devido às
possibilidades de que dispõem os Estados para reprimir eficazmente o crime,
tornando inofensivo quem o comete, sem com isso lhe retirar definitivamente
a possibilidade de se redimir, os casos em que se torna absolutamente
necessário suprimir o réu “são já muito raros, se não mesmo praticamente
inexistentes” (Evangelium Vitae 56) (CIC 2267).
A norma se coloca no contexto da definição da legítima defesa, onde as
autoridades temporais têm a responsabilidade de defender a vida humana. O texto inicia-
se com a referência à tradição da Igreja, que nunca proibiu a pena de morte. Do ponto de
vista sócio-histórico, a pena capital estava presente na maioria das organizações sociais
até um passado muito recente, tendo sido contrastada, principalmente com o advento dos
direitos universais do homem. O legislador eclesiástico sente a necessidade de não excluir
completamente, do ponto de vista ético, a possibilidade de instaurar a pena de morte em
determinadas condições, consideradas, atualmente, extremas. Em uma situação ideal, que
o legislador eclesiástico não encontra mais na atualidade, o poder público pode necessitar,
no contexto da defesa da sociedade de um agressor injusto, do recurso à “supressão”
deste, por não dispor de nenhum outro meio de garantir a segurança social. O legislador
impõe circunstâncias praticamente impossíveis e até mesmo verbaliza a sua inexistência.
Em qual situação um Estado não disporia das condições para deter um agressor injusto?
Somente em uma guerra poder-se-ia imaginar tal situação. O artigo 68 da Convenção de
Genebra regulamenta a pena de morte em situação de guerra e tende a respeitar o princípio
do conhecimento da norma por parte de quem deve cumpri-la e da gravidade do crime
naquelas condições. O princípio utilizado no Catecismo da Igreja Católica é duplo. De
um lado, o direito de defesa contra um agressor injusto, de outro, a dignidade da pessoa
humana e se apresenta como agressor. Trata-se do mesmo princípio que se aplica à
legítima defesa, em caso de homicídio contra o agressor. Esta só se configura se houver
proporção no uso da força e impossibilidade de defender-se sem matar o agressor. Ao
transferir esta realidade de uma situação individual para uma situação social, o legislador
eclesiástico a torna praticamente impossível, sem, contudo, negá-la a priori.
Outro indício da “vontade” do legislador eclesiástico de tornar impossível a
concretização da situação em que se pode colocar a pena de morte é a exigência de que
não haja a “mínima dúvida acerca da identidade e da responsabilidade do culpado”. Ora,
91
um dos maiores cavalos de batalha da oposição à pena de morte é o erro judiciário, que
dificilmente pode ser reduzido ao zero. A justiça se realiza através de processos, que
seguem indícios e convencem juízes e jurados. É praticamente impossível determinar que
não haja a mínima dúvida, a não ser que os responsáveis pelo julgamento tenham
presenciado o crime. Mesmo neste caso, extremamente raro, a dúvida não pode ser
vencida, porque há sempre a questão da imputabilidade do agente, que pode se remeter a
parâmetros psicológicos passíveis de interpretação. Em outras palavras, o julgamento, por
mais perfeito que seja, é sempre passível de erro, e este só pode ser reparado, mesmo
parcialmente, se o sujeito não for eliminado.
É possível que a norma eclesiástica evolua para uma negação categórica,
separando-a do contexto da legítima defesa. Em matéria semelhante, além da linha
tradicional de combate às aplicações hodiernas da pena de morte, o romano pontífice
reinante, Papa Francisco, tem se manifestado contrário à prisão perpétua, valendo-se de
um princípio expresso exatamente neste trecho do Catecismo da Igreja Católica, a saber,
o da possibilidade de remissão por parte do condenado. Aqui, peculiarmente, se coloca
uma reflexão filosófica a respeito do ser humano como sujeito aberto, nunca completo,
nunca sistema fechado ou determinável de antemão.
92
Esperamos com esta pequena investigação nos textos antigos dar um quadro
sintético, mas bastante significativo da prática, por um lado, da pena capital para com os
cristãos, por outro, do martírio destes últimos, revelando as duas faces desta realidade
dramática da execução legalizada. Como se pôde notar, para os antigos romanos, não se
tratava, pelo menos em via ordinária, de execuções em massa realizadas, em linha com
as políticas de limpeza étnica perpetradas na primeira metade do século XX no ocidente,
mas da aplicação da lei, que envolvia, necessariamente, a esfera religiosa, devendo
inclusive normatizá-la. Os primeiros cristãos não questionaram a priori a pena de morte,
mas espiritualizaram esta fatalidade reinterpretando-a em chave cristológica de
assimilação ao supremo martírio de Cristo. Outra via foi aberta pelos apologistas, que, no
entanto, foge à abrangência deste humilde trabalho.27
27 Sem também questionar diretamente a pena de morte, eles percorreram a via da irracionalidade da
legislação anticristã, baseando-se nos filósofos e na boa conduta dos cristãos (PELLEGRINO, 2002, p. 134-
135).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
93
REFERÊNCIAS
BARZANÒ, A. (Ed.), Il cristianesimo nelle leggi di Roma imperiale. Torino: Paoline,
1996.
C. Plini Caecili Secundi Epistularum Libri Decem, ed. R. A. B. Mynors, 1966.
Catecismo da Igreja Católica. Disponível em: <www.vatican.va>. Acesso em: 27 de
maio 2015.
FREND, W. H. C., Perseguições. In: DI BERARDINO (Org.), Dicionário Patrístico e
de Antiguidades Cristãs. São Paulo: Paulus, 2002, p. 1140-1145.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. v. 2. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante.
Petropolis: Vozes, 2000.
NICKELSBURG, G. W. E., Resurrection, immortality, and eternal life in
intertestamental Judaism and early Christianity. Cambridge: Harvard University
Press, 2006.
PELLEGRINO, M., Apologistas - Apologética. In: DI BERARDINO (Org.),
Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. São Paulo: Paulus, 2002, p. 134-135.
RIESENFELD, H., Das Bildwort vom Weizenkorn bei Paulus (zu I Cor. 15), In:
KOMMISSION FÜR SPÄTANTIKE RELIGIONSGESCHICHTE (Org.), Studien zum
Neuen Testament und zur Patristik Erich Klostermann zum 90. Geburtstag
dargebracht. Berlin: Akademie-Verlag, 1961 (Texte und Untersuchungen 77), p. 43-
55.
RORDORF, W., Martírio. In: DI BERARDINO (Org.), Dicionário Patrístico e de
Antiguidades Cristãs. São Paulo: Paulus, 2002, p. 895-896.
Tertullian. Apologeticum. Verteidigung des Christentums. Lateinisch und
Deutsch.Hrsg., übersetzt und erläutert v. Carl Becker. München: Kösel, 1961.
94
SOBRE O AUTOR
MARCOS AUGUSTO FERREIRA NOBRE
Possui doutorado em Teologia e Ciências Patrísticas pela Pontifícia Universidade
Lateranense de Roma (Instituto Patrístico Augustinianum, Roma 2015), realizado com
Bolsa CAPES de Doutorado Pleno no Exterior, revalidação nacional PUC-Rio. Mestre
em Teologia e Ciências Patrísticas pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma
(Instituto Patrístico Augustinianum, Roma 2004), revalidação nacional PUC-Rio.
Graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade de Santo Tomás de Aquino (Roma
2000), revalidação nacional UECE, e graduação em Filosofia pela Pontifícia
Universidade Urbaniana (Roma, 1997). Atualmente é professor de Patrologia, História da
Filosofia Medieval, Língua Grega e Língua Hebraica, e Pró-Reitor de Graduação e
Extensão no Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA), no Ceará.
E-MAIL: [email protected]
95
O (CONTRA)SENSO DO PROGRAMA
DE JUSTIÇA TERAPÊUTICA: A
EXPERIÊNCIA TRÁGICA DA NÃO
ESCOLHA
André de Carvalho-Barreto
“Se alguém pensa, não pode ser louco.
Se alguém é louco, não pode pensar.”
-Roberto Machado.
96
RESUMO O presente ensaio teórico objetivou realizar uma
análise genealógica da dependência química
relacionada à saúde mental, conforme Foucault
propõe em seus estudos. Para reduzir o consumo de
drogas ilícitas no Brasil, o Poder Judiciário criou o
Programa de Justiça Terapêutica (PJT). Este
programa realiza práticas de atendimento e
intervenção para o dependente químico que cometeu
um delito envolvendo profissionais de várias
disciplinas e terapêuticas, dentre elas a terapia
compulsória para o dependente químico.
Historicamente, os dependentes foram excluídos dos
espaços sociais quando passaram a ser considerados
capazes de ameaçar a ordem social. A criação do PJT
pode ser compreendida na mesma direção da criação
da prisão que, segundo Foucault, torna visível e
controlável certo tipo de delito e, condenando,
costumeiramente, as classes mais baixas. Considera-
se que o essencial é constituir a condição de cidadania
da pessoa dependente químico dentro de sua
liberdade de escolha na busca de tratamento,
buscando a constituição do seu espaço social.
PALAVRAS-CHAVE Dependência química. Genealogia. Psicopatologia
cultural. Saúde mental.
97
presente ensaio teórico objetivou realizar uma análise genealógica da
dependência química relacionada à saúde mental. Um levantamento sobre uso
de drogas no mundo realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas
e Crimes (UNODC, 2015) em 2015 asseverou que 5% da população mundial com idade
entre 15 e 64 anos – aproximadamente 246 milhões de pessoas – usou algum tipo de droga
no ano de 2013. O Brasil surgiu neste relatório como um dos principais fornecedores de
drogas no mundo, particularmente para os Estados Unidos (EUA) e Oeste Europeu. A
principal droga fornecida era a cocaína, que teve aumento na distribuição mundial ao
longo dos anos e que é consumida por 1,75% da população adulta brasileira.
Um relatório prévio ao das Nações Unidas apresentado pela Secretaria Nacional
de Políticas sobre Drogas do Brasil (SNPD) em 2009 forneceu informações mais precisas
sobre a situação brasileira referente ao perfil de usuários de cocaína e outras drogas
ilícitas. Este relatório identificou que aproximadamente 30% dos usuários de drogas
ilícitas (e.g., cocaína, maconha, crack, entre outras) institucionalizados no Brasil tinham
entre 18 e 34 anos e cerca de 5% tinham idade entre 12 e 17 anos (DUARTE;
STEMPLIUK; BARROSO, 2009).
Apesar dos dados preocupantes, uma redução no consumo de drogas ilícitas vem
ocorrendo. Isto foi atestado no relatório realizado pelo Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas (CBIDP) que objetivou identificar o uso de drogas ao longo
da vida da população brasileira, referentes aos anos de 2001 e 2005. No ano de 2001, a
percentagem relativa ao consumo de drogas era de, aproximadamente, 8% e em 2005 esse
valor elevou-se para 11%. Aproximadamente 40% desta amostra tinha faixa etária entre
18 e 34 anos e 12% eram adolescentes com idade entre 12 e 17 anos em 2001. Quatro
anos depois, a percentagem diminuiu em dois por cento tanto para adolescente quanto
para adultos (CARLINI, 2006).
O
1. INTRODUÇÃO
98
redução brasileira no consumo de drogas ilícitas foi decorrente de práticas
que envolveram o Poder Judiciário, muitas delas interligadas ao governo dos
EUA. Uma das práticas que, segundo o Poder Judiciário, pode ter ocasionado
esta redução foi o Programa de Justiça Terapêutica (PJT). Este programa foi o resultado
da tentativa de implementação do modelo de Tribunais para Dependentes Químicos
estadunidenses no Brasil (EEUAB, 1999). Estes Tribunais são responsáveis nos EUA por
gerenciar todos os tipos de infratores adolescentes e adultos acusados de cometerem
delitos considerados pela legislação estadunidense como de pequeno potencial ofensivo
(e.g., consumo de álcool e drogas ilícitas) (LIMA; SOUZA, 2012). Eles foram inspirados
do resultado do programa também estadunidense Drug Courti que empregava práticas de
intervenção interdisciplinar com dependentes químicos. Este programa serviu de modelo
para outros tribunais especializados a dependentes químicos na Austrália, Canadá,
Espanha, Grã-Betânia e Irlanda (GALLAGHERA et al., 2015).
Para tentar implementar estes Tribunais no Brasil, o governo estadunidense
ofereceu literatura (e.g., EEUAB, 1999) e capacitações para profissionais do Tribunal de
Justiça e Ministério Público no Consulado dos Estados Unidos no ano de 2000. Neste
mesmo ano, foi fundada a Associação Nacional de Justiça Terapêutica que passou a
realizar seminários e capacitações sobre o tema no Brasil (e.g., ANJT, 2005). Devido às
dificuldades legais de implementar um tribunal com as especificidades que os Tribunais
para Dependentes Químicos exigiam, o Poder Judiciário brasileiro considerou mais
adequado criar o PJT. Este Programa foi patrocinado pelo Ministério da Justiça e pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Brasil. Inicialmente foram
implementados nas Varas da Infância e da Juventude, atendendo crianças e adolescentes
dependentes químicos (EMERJ, 2000) e, posteriormente, foi estendido para adultos nas
varas criminais (SILVA et al., 2009). Os primeiros PJT foram executados nos Estados de
Pernambuco e Rio de Janeiro em 2001. Posteriormente, este dispositivo foi também
realizado no Distrito Federal, Rio Grande do Sul e São Paulo em 2005 (ANJT, 2005).
O PJT foi instituído oficialmente com este nome pelo Ato Executivo Conjunto
no 28, de 26 de setembro de 2002, pela presidência do Tribunal de Justiça e da
A
2. O PROGRAMA DE JUSTIÇA TERAPÊUTICA NO
BRASIL
99
Corregedoria-Geral de Justiça, juntamente com o Ministério Público. Ele passou a fazer
parte das práticas de redução do dano social destinado a cidadãos usuários de álcool e
drogas ilícitas que realizaram pequenos delitos. Desta forma, o PJT integra o conjunto de
medidas relacionadas à justiça restaurativa do Poder Judiciário (SILVA et al., 2009).
Assim, o PJT representa princípios do direito na inter-relação do Estado e do cidadão,
promovendo a solução de conflitos com a lei, assim como possibilita a resolução de
problemas sociais de origem tanto individual quanto coletiva (SALM; LEAL, 2012).
O termo do PJT foi estabelecido pela relação entre os aspectos legais e sociais
presentes na Ciência do Direto (i.e., Justiça) e as características do cuidado, orientação e
reabilitação relacionadas às Ciências da Saúde (i.e., Terapia). Estas características
referem-se a práticas de reabilitação da situação de transtorno mental relacionada à
dependência química advinda do uso de álcool e drogas ilícitas (SILVA et al., 2009).
Pelo fato de ser um programa interdisciplinar, o PJT realiza práticas de
atendimento e intervenção envolvendo profissionais de várias disciplinas voltados para o
dependente químico que cometeu um delito. Inicialmente, este dependente passa por uma
oitiva feita com o promotor. O promotor, além de escutar esta pessoa, obtém informações
complementares fundamentas do seu histórico (e.g., se é réu primário), no Boletim de
Ocorrência e no inquérito policial, quando houver. Após avaliação da possibilidade de
inserção da pessoa infratora no PJT pelo promotor, ela é encaminhada para uma equipe
técnica relacionada às Ciências da Saúde, vinculada ao Poder Judiciário (LIMA; SOUZA,
2012).
Uma avaliação é realizada relacionando aspectos da dinâmica familiar, rede de
apoio social e afetiva e personalidade do dependente químico. Esta avaliação é feita por
anamnese e visitas domiciliares na residência da pessoa que cometeu a infração. As visitas
são realizadas geralmente por assistentes sociais e psicólogas (SILVA et al., 2009). Um
parecer técnico é emitido em conjunto. É indicado no parecer o grau de comprometimento
da pessoa infratora com álcool e/ou drogas ilícitas, sendo também destacadas condições
sociais (e.g., pessoa não ser moradora de rua) e psicológicas (e.g., pessoa não ser
esquizofrênico) que possibilitem seu ingresso no PJT (LIMA; SOUZA, 2012).
Confirmando que a pessoa que cometeu a infração é uma possível participante
do PJT pela equipe técnica, ela e seu responsável (quando a pessoa tiver menos de 18
anos) decidem se existe interesse ou não em participar do PJT. Sendo positivo o interesse,
a pessoa infratora assina um termo de compromisso e seu responsável uma autorização.
O caso segue para julgamento no qual a equipe técnica, o promotor e o advogado de
100
defesa são ouvidos em audiência com o juiz. Finalmente, caso o promotor e o advogado
de defesa concordem que a inserção da pessoa no PJT é a opção mais adequada, ela é
encaminhada ao PJT (LIMA; SOUZA, 2012).
Esta decisão é viável, pois encontra sustentação no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8069/90), que dispõe no seu artigo 112 sobre aplicação de medidas
socioeducativas e no seu artigo 101 sobre aplicação de medidas de proteção para crianças
e adolescentes que cometeram atos infracionais. Ela é fundamentada ainda no Código
Penal nos artigos 77 (i.e., suspensão condicional da pena), 85 (i.e., livramento
condicional) e 43 (i.e., limitação de fim de semana, como pena restritiva de direitos). O
Poder Judiciário, costumeiramente, aplica o PJT à pessoa infratora que atende os pré-
requisitos, compreendendo que este promove benefícios visíveis. Por exemplo, evita
prisão (diminuindo o número de internos nas casas de detenção e no sistema carcerário),
possibilita o arquivamento do processo (não constando nos antecedentes criminais da
pessoa infratora) e, sobretudo, para o Poder Judiciário, reintegra a pessoa à sociedade
(SILVA et al., 2009).
A pessoa infratora, quando inserida no PJT, é acompanhada de forma intensiva
por assistentes sociais, médicos, psicólogas e psiquiatras vinculados ao Poder Judiciário
(LIMA; SOUZA, 2012; SILVA et al., 2009). Outros profissionais (e.g., educadores
sociais) podem ser designados para compor a equipe técnica desde que desempenhem
funções consideradas relevantes pelo PJT (SILVA et al., 2009). Isso porque, para
Organização Mundial de Saúde (OMS, 2011), a dependência química é caracterizada
como um estado mental e físico que resulta da interação dinâmica entre o ser humano
enquanto organismo e uma droga. Para OMS (2011), esta deve ser tratada como doença
médica e problema social.
As atividades previstas do referido Programa consistem na participação da
pessoa infratora em reuniões semanais com os técnicos integrantes do Poder Judiciário.
Dependendo do tipo e do grau de dependência química da pessoa, ela pode ser
encaminhada para unidades de tratamento de dependência química da saúde pública ou
privada conveniadas com o Poder Judiciário. Visitas institucionais são realizadas ao local
de trabalho ou estágio, escola e na casa da pessoa participante do PJT para avaliar as
mudanças na sua rede de apoio social e afetiva. O PJT prevê ainda verificação periódica
de abstinência de substância entorpecente realizada por testagem de urina. A
desobediência das medidas de tratamento e acompanhamento do PJT pode resultar na
expulsão do programa e aplicação de pena, como internação em casa de retenção e
101
prisões. Comissários ou servidores credenciados fornecem relatórios bimestrais e
requerem audiência com o juiz responsável para que ele possa avaliar o desempenho da
pessoa infratora no PJT. Caso bem avaliado nestes relatórios, o processo da pessoa que
cometeu a infração é arquivado (SILVA et al., 2009).
Resultados quantitativos do PJT indicaram que, no Juizado da Infância e da
Juventude de Porto Alegre/RS, em três anos de implementação, o PJT registrou mais de
2.500 participantes em 380 procedimentos restaurativos. Contudo, dados apresentados
em estudos qualitativos promovidos pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande
do Sul (SANTOS, 2010) asseveram que o acompanhamento psicológico realizado pelo
PJT não se mostrou efetivo por falta de motivação do usuário.
Outro estudo qualitativo (LIMA; SOUZA, 2012) realizado em quatro Juizados
da Infância e da Juventude no Estado do Rio de Janeiro indicou também problemas na
aplicação do PJT. Por exemplo, (a) participantes do programa eram traficantes de drogas
(o que não é considerado crime de menor potencial ofensivo); e (b) os participantes
ingressavam no PJT buscando o arquivamento do seu processo e não serem presos em
vez de deixar o uso de drogas.
Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2013) tem se manifestado contra ao PJT.
A autarquia considera que este programa restringe os direitos da pessoa infratora, não
funcionando como medida de descriminalização e não estimulando a busca ao tratamento,
visto que caso a pessoa que cometeu a infração não se insira no PJT, será detida. Isto
torna a adesão ao PJT compulsória, aspecto que vai contra princípios fundamentais para
o tratamento da dependência química.
102
pergunta-guia para a discussão da experiência trágica da não escolha por parte
do dependente químico inserido no PJT é: o que torna a dependência química
uma conduta que obriga a compulsoriedade institucional? Para responder esta
pergunta, far-se-á uma análise genealógica conforme Michael Foucault (1977, 1996,
2003, 2006, 2007) propõe em seus estudos.
Foucault (2003, 2007) problematiza a tênue separação entre contenção, doença,
liberdade, loucura e mal mostrando como um destes termos ou sua correlação predomina
dependendo da cultura que a pessoa esteja. Ele mostra em seus estudos como a concepção
da loucura e sua contenção muda ao longo do tempo. A loucura, a princípio era percebida
como doença, mal, morte, ausência de moral e ética até a constituição desta como
patologia psiquiátrica no final do século XIX na Europa.
No início, a loucura era relacionada a uma intervenção dos deuses que tornavam
o homem “imbecil”. Este homem era livre na sociedade apesar de sua “imbecilidade”.
Depois, com a instituição da loucura, ele precisava ser contido nos manicômios, mesmo
que não desejasse, pois era desprovido da razão (HOLANDA, 2006).
A dependência química ganha, nesta cultura, uma conotação moral e ética.
Apesar de seus atores (e.g., os bêbados) já estarem à margem da sociedade, sua exclusão
precisava ser institucionalizada, ou seja, inserir estas pessoas em manicômios localizados
o mais distante possível dos centros urbanos. Nestes sucursais da loucura, diferentes
formas de tratamento e prevenção eram instituídos. Assim como os leprosos no
classicismo, os bêbados, as garotas de programa, os homossexuais e os loucos foram
excluídos do espaço social europeu no século XVI (FOUCAULT, 2007).
Ao ser observado o percurso genealógico da relação entre dependência química
e saúde mental chega-se ao surgimento dos manicômios criminais no Brasil (COSTA,
2004). A necessidade da criação destes manicômios criminais teve início em 1903,
quando o papel da psiquiatria de “guardiã da ordem pública” foi oficializado no aspecto
jurídico-político, mediante o Decreto nº 1.132, de 1903. Este documento, entre outras
disposições, determinava a construção dos manicômios judiciários.
A
3. A EXPERIÊNCIA TRÁGICA DA NÃO ESCOLHA
103
Os juízes da época, por motivações distintas, desejavam que o Brasil seguisse o
modelo de psiquiatria europeia destinada aos loucos infratores. Em 1921, o primeiro
“sanitário-criminal” brasileiro foi inaugurado, chegando a dezenove unidades em pouco
tempo (MACHADO et al., 1978). Neles eram internados os “degenerados” de todos os
tipos, incluindo os dependentes químicos.
Até o século XIX, os loucos eram tratados na Europa como animais, obedecendo
a ordem do cogito cartesiano. Este posicionamento era o de que o louco não pensava, não
possuía a habilidade reflexiva sobre a realidade, estava na ordem do animal, e, desta
forma, deveria ser utilizado o enclausuramento como forma de contenção (FOUCAULT,
2007).
Esta realidade se modifica na Europa com a intervenção de Pinel, que utiliza o
choque elétrico e a química psicofarmacológica (FOUCAULT, 2007). O Brasil não segue
esta mudança cronológica na criação dos manicômios criminais. Os loucos no Brasil, até
aproximadamente o fim do século XX, eram tratados como os loucos antes de Pinel na
Europa, ou seja, eram enclausurados e tratados como animais (COSTA, 2004;
MACHADO et al., 1978).
Em 1940, o Código Penal considerava os loucos e outros transgressores como
“perigosos a priori”. O Estado tinha autoridade de retirá-los dos espaços públicos para
proteção da sociedade. Assim, as pessoas tidas como “suspeitas de ameaça a ordem”
podiam ser postas em isolamento e retenção nos sanitários-criminais. Neste contexto, a
pessoa não necessariamente havia cometido um delito, a intencionalidade de cometer um
ato em um estado de surto esquizofrênico ou uso exagerado de álcool e outras drogas
justificava por si só o enquadramento dessas pessoas como “ameaças” e seu
encaminhamento aos sanitários-criminais (COSTA, 2004).
Diante de crimes e possíveis crimes contra a sociedade – com ou sem um motivo
aparente, devido a um surto ou uso exagerado de álcool ou outras drogas –, os alienistas,
como eram chamados os peritos da sanidade e da ordem, davam seus pareceres nos
tribunais no Brasil. O objetivo destes alienistas era identificar a insanidade mental e
justificar a exclusão do louco do convívio social (CASTEL, 1978; COSTA, 2004). É
importante destacar que a ação do alienista mostrava para a justiça e sociedade a
necessidade da exclusão do louco e servia como justificativa para a criação de um espaço
próprio para reclusão e tratamento deste louco: o manicômio (CASTEL, 1978).
A “periculosidade” dos portadores de transtornos mentais, entendidos como
pessoas passíveis de cometerem atos violentos é asseverada no Código Penal de 1984.
104
Nesta edição, foi retirada a presunção de periculosidade de todos os outros ‘‘tipos
ameaçadores’’. A periculosidade presumida e a aplicação da medida de segurança aos
inimputáveis e aos semi-imputáveis, todavia, foi mantida (COSTA, 2004). O tipo de
sanção penal aplicada aos portadores de transtornos mentais e dependentes químicos
utilizava deste conceito de periculosidade presumida de forma recorrente para justificar a
ação penal (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978). Neste contexto, muitos dependentes
químicos da bebida, especialmente os de classes mais baixas eram presos e, muitas vezes,
internados. Foucault (2007) compreendia as ações decorrentes destes loucos como
ocasionadoras de constrangimento nas relações sociais.
O argumento usado no século XIX pela “medicina mental” – não existia a
psiquiatria como especialidade médica neste período – para a criação dos manicômios era
a necessidade de um local específico e afastado dos centros urbanos para os loucos
(FOUCAULT, 2007). Isto enfatizava o caráter perigoso dos loucos e a noção de “loucura-
criminosa” (MACHADO et al., 1978). Prevaleceram as percepções clínicas de
“degeneração” descritas pelos alienistas franceses Esquirol e Morel, expandindo a
definição de loucura para além do delírio e estabelecendo uma forte relação entre doença
mental e comportamento violento/desviante (CASTEL, 1978; COSTA, 2004).
Essa realidade só vem ser analisada e contestada, no sentido de violação dos
direitos humanos com respaldo e ressonância mundial, na década de 1980, com o início
da luta antimanicomial na Europa. Este movimento, na década de 1990, percorreu as
academias e os mais diversos setores da sociedade brasileira com o lema: “Brasil ano
2000, sem manicômios”. Como conquista do movimento, em 6 de abril de 2001, foi
sancionada a Lei nº 10.216, que trata da reforma psiquiátrica, delineando não só um novo
conceito sobre transtorno mental, mas também uma nova forma de se lidar com o paciente
psiquiátrico e um novo olhar sobre o portador de transtorno mental (CARVALHO-
BARRETO et al., 2010), incluindo o dependente químico (BUENO, 2001).
Chegado o novo século, que também é um novo milênio, delineia-se os modelos
de readmissão do louco e do dependente químico à sociedade e, para isso parte-se da
deshospitalização e à criação de instituições que cuidam com uma proposta de
interdisciplinaridade entre ciência psicológica, medicina psiquiátrica, terapia ocupacional
e assistência social. Nestes locais, as pessoas não são mais denominadas loucas, drogadas
ou alcoólatras, passando a ser nomeadas como “pessoas com transtornos mentais” ou
“com problemas emocionais e/ou afetivos” ou “dependentes químicos”. A prática
medicamentosa torna-se mais branda, mas ainda presente, e os pacientes psiquiátricos
105
deixam de sofrer torturas e nem tem seus direitos humanos violados (CARVALHO-
BARRETO et al., 2010). A compulsoriedade ao tratamento seria abolida e eles deixariam,
finalmente, de serem suspeitos de ameaçarem a ordem, encontrando seu espaço social
(PINHEIRO, 2004).
Além disso, a questão do internamento nos hospitais e presídios do Brasil e da
Europa sofre modificações causadas pela força que o capitalismo ganha ao longo da
guerra fria. Neste contexto, os loucos e criminosos de classes mais baixas tornam-se força
de trabalho. Para isto, é necessário que estes tenham ou recuperem sua “liberdade”.
Assim, as instituições de internamento precisaram passar por modificações com o
objetivo de dar liberdade ao criminoso ou louco visando sua produtividade. As penas
alterativas são criadas na área da justiça penal (SILVA; LEMOS; MELLO, 2011) e os
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) são institutos no contexto da saúde mental
(CARVALHO-BARRETO et al., 2010).
É possível perceber neste diálogo genealógico (FOUCAULT, 2003) que o
dependente químico é enquadrado como portador de um transtorno mental, o que coloca
o bêbado nos manuais de psiquiatria (e.g., DSM V). Este fato vem sendo questionado pela
Psicopatologia Cultural, que percebe o transtorno mental não como doença, mas como
parte da natureza humana (MOREIRA, 2001). O dependente químico assemelha-se, neste
diálogo genealógico, mais à prostituta e ao homossexual, que precisavam ser excluídos
dos espaços sociais, do que aos psicóticos (FOUCAULT, 2007). Nesta relação dinâmica
sobre o que é o louco, o que é o normal, o que é o patológico e o que é a pessoa sã, as
relações de poder ganham espaço privilegiado para esta discussão (FOUCAULT, 1977).
Os dependentes químicos voltaram a se tornar suspeitos de ameaçar a ordem
com sua influência no aumento do tráfico de drogas no Brasil, como apresentado
previamente. O espaço social que estavam conquistando juntamente com outros que
foram beneficiados pelo movimento antimanicomial voltou a ser questionado no Brasil
pelo governo estadunidense. Este governo com suas práticas claras de poder e intervenção
revisitam o direito de escolha ao tratamento pelo dependente químico e implementam o
PJT.
O setor da justiça mais afetado em termos de custos são as instituições de
controle social, especialmente as polícias e sistema prisional. O PJT, em sua
compulsoriedade, consegue dialogar – sem escutar a opinião do dependente químico –
entre justiça e economia. A perspectiva aqui é crítica, pois da mesma forma que a prisão
não é efetivamente corretora e nem punitiva conforme Foucault (1977, 2006) aponta, a
106
proposta do PJT também não o é como estudos já apresentados indicam (LIMA; SOUZA,
2012; SANTOS, 2010). A proposta deste programa funciona, na verdade, como uma
alternativa para redução de custos.
A criação do PJT pode ser compreendida na mesma direção da criação da prisão
que, segundo Foucault (1977, 1996, 2006), torna visível e controlável a certo tipo de
delito e condenando, costumeiramente, as classes mais baixas. O tráfico de drogas mostra
uma delinquência que em determinado período da história foi útil para construção dos
presídios, mas que, na contemporaneidade, é alvo de preocupação por parte da justiça,
que não percebe ser possível a construção de mais presídios.
A justiça penal e a psiquiatria, que tinham elos estabelecidos desde o surgimento
dos manicômios criminais e que perderam parte de sua força depois do movimento
antimanicomial, voltam a dialogar fortemente com o PJT sobre a “irracionalidade do ato
delinquente” (COSTA, 2004, p. 83). Em suma, surge novamente o discurso de que a
irresponsabilidade social do usuário de drogas está afetando a ordem social, pois incentiva
o tráfico de drogas. Assim, não resta outra escolha senão obrigar o usuário a frequentar
clínicas de tratamento e, se ele se recusar a participar do programa, retira-lo dos espaços
sociais, incluindo-o em uma prisão ou casa de detenção.
107
reforma psiquiátrica levou à deshospitalização da pessoa portadora de
transtorno mental, ocasionando a redução expressiva no número de leitos em
hospitais de custodia para tratamento psiquiátrico (antigos sanitário-criminal).
Apesar disto, este movimento teve o dependente químico como alguém que não é incluído
totalmente na nova ética da sociedade. Isto porque ele ainda infere risco a sociedade,
legitimando o porquê de ele não ter conseguido sair da compulsoriamente de forma mais
bem-sucedida do que louco.
Assim, considera-se que o essencial não é apenas a necessidade de tratamento
para os dependentes químicos e a situação social das pessoas usuárias de drogas que
cometeram delitos por conta destas drogas. Trata-se, fundamentalmente, de constituir a
condição de cidadania da pessoa dependente química dentro, e, efetivamente, de sua
liberdade de escolha na busca de tratamento, buscando a constituição do seu espaço
social.
A
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
108
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Viena: United Nations Office on Drug and Crime, 2015.
SOBRE O AUTOR
ANDRÉ DE CARVALHO-BARRETO
Doutorando em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em
Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Possui Licenciatura e Bacharelado
em Psicologia pela UNIFOR e Licenciatura em Filosofia pela Universidade Estadual do
Ceará (UECE). Docente do Curso de Psicologia e coordenador do Laboratório de
Psicologia Cultural e Fenomenologia (LabCult) do Centro Universitário Católica de
Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
111
O PAPEL DA GUARDA MUNICIPAL NA
SEGURANÇA PÚBLICA COM FOCO NA
VIOLÊNCIA
Douglas Willyam Rodrigues Gomes, Leonardo Araújo Lima,
Matheus Alves Pinheiro
112
RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar o
papel das guardas municipais na segurança pública
com foco na violência. Metodologicamente a
investigação trata-se de um estudo descritivo que
utilizou a técnica qualitativa e o referencial teórico
sobre segurança pública. Usou-se de pesquisas
bibliográficas, estudos da Constituição Federal, de
Leis, Decretos, livros e textos relacionados ao tema.
O trabalho inicialmente aborda o histórico das
guardas municipais do Brasil. Na sequência, trata
legalmente sobre o poder de polícia, com o fim de
relacioná-lo com os poderes da administração
pública. Em seguida, faz-se uma investigação sobre o
tema violência, evidenciando suas causas. Por fim,
conclui-se que a guarda municipal sendo legitimada
através da Constituição democrática de 1988, das
competências de caráter institucionais e emanadas
pelo Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de
Segurança Pública demonstra-se fonte consistente
colaborativa na segurança pública municipal com
foco na violência.
PALAVRAS-CHAVE Guarda Municipal. Segurança Pública. Município.
113
pensamento tradicional sobre segurança pública impõe consequência e
limitações estruturais ao objetivo de produzir melhores condições de vida às
cidades e às populações. Primeiro, atribui à redução da violência
exclusivamente à ação policial (judiciária e militar). Segundo, foca as ações de redução
da violência somente no combate ao crime (a violência já expressa), em especial, aos
homicídios e assaltos. Terceiro, desconsidera que os Municípios têm um papel importante
a desempenhar na prevenção e redução da violência.
A ideia de que as prefeituras nada têm a ver com esse problema decorre do
mesmo senso comum que a violência é somente preocupação da polícia militar, o que é
uma cobrança equivocada para com as próprias polícias. Entretanto, as prefeituras podem
contribuir para a redução da violência.
O estímulo investigativo do presente estudo nasce com base no seguinte
problema de pesquisa: qual a colaboração das Guardas Municipais na segurança pública,
mais especificamente na violência?
Para responder a essa indagação, surge o objetivo geral do presente trabalho que
consiste em analisar os conceitos do que se pode atribuir como função das Guardas
Municipais. Com o intuito de auxiliar o alcance do objetivo principal, foram concebidos
os seguintes objetivos específicos: investigar o histórico das guardas municipais do
Brasil; analisar o poder de polícia da guarda municipal; e investigar a temática violência
e a colaboração da guarda municipal na segurança pública, e relacioná-las.
O estudo sobre a colaboração da Guarda Municipal para redução da violência
nos Municípios perpassa, necessariamente hoje, sobre definir qual a função das Guardas,
posto que essa contribuição somente se dá de forma eficaz e eficiente se a instituição tiver
o perfil para desenvolver as atribuições que lhe cabem dentro de um conjunto de políticas
de prevenção a violência.
O
1. INTRODUÇÃO
114
2.1. A TRAJETÓRIA DAS GUARDAS MUNICIPAIS DO BRASIL
o Brasil, a primeira instituição de natureza policial de iniciativa do Estado se
originou no ano de 1775, em Minas Gerais, e foi denominada de Regimento
de Cavalaria Regular da Capital de Minas Gerais, da qual o Alferes Joaquim
José da Silva Xavier, historicamente conhecido como “Tiradentes”, foi comandante no
ano de 1780. É importante destacar que esta instituição é historicamente considerada
predecessora da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.
Em 1890, com o advento da vinda da família real para o nosso país, foi instituído
a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, a qual tinha como missão policiar a cidade,
e podemos dizer que foi a predecessora da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
De fato, a primeira polícia permanente municipal no Brasil, surgiu em 1842 no
antigo município neutro da corte, cidade do Rio de Janeiro, com a denominação de Corpo
de Guardas Municipais Permanentes. Já na cidade de São Paulo, a Lei Provincial n.23, de
26 de março de 1866, sancionada por Joaquim Floriano de Toledo, então Presidente da
Província de São Paulo, criou as guardas municipais, órgãos cujas finalidades eram
garantir a segurança pública.
De fato, a maioria das guardas municipais criadas recentemente foi constituída
com expectativa de que as mesmas venham a ser força de policiamento ostensivo. A
pesquisa do IBGE “O perfil dos municípios Brasileiros em 2015” apresentou dados e
gráficos importantes para a análise da constituição e histórico das guardas municipais
atualmente. Um importante dado e bastante revelador é o que trata do tipo de atividade
que estão sendo desenvolvidas pelas guardas municipais nas cidades. Estão, segundo a
pesquisa, as guardas atuando em atividades de patrulhamento ostensivo, auxílio à Polícia
Militar e à Polícia Civil, patrulhamento de ruas e avenidas (IBGE, 2015).
Segundo dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP/MJ),
existem no Brasil aproximadamente 400 (quatrocentos) Guardas Municipais
institucionalizadas. Segundo a pesquisa sobre o perfil das guardas municipais no Brasil
em 2003 (SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2005) 71%
N
2. REFERENCIAL TEÓRICO
115
(setenta e um por cento), encontram-se localizadas no sudoeste do país, onde grande parte
teve sua origem após a Constituição Federal de 1988, quando se estabeleceu dispositivo
constitucional autorizativo para que os municípios constituíssem suas forças de
segurança. A comunhão desta autorização constitucional com o aumento da violência foi
como um imenso incentivo para a disseminação de novas guardas municipais no país.
2.2 CONTEXTO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL
Segundo Njaine e Minayo (2003), explicitam que a violência é vista como um
fenômeno complexo, multifacetário e resultante de múltiplas determinações que se
articulam intimamente com os processos sociais existentes, em última análise, numa
estrutura social desigual e injusta. Tal análise explicita condições negativas de vida que
se aglomeram, tais como: desigualdades sociais oriundas do consumo de bens essenciais
à vida que não equitativamente divididos, violência conjugal no âmbito familiar, e a
delinquência que assola a sociedade depredando o patrimônio público e privado, bem
como, danos físicos e morais às vítimas dessas ações criminosas.
Foram detectadas algumas nuances as quais revelam um quadro deficitário da
realidade social brasileira. Os fatores sócios econômicos: pobreza, agravamento das
desigualdades, herança da hiper inflação; fatores institucionais: insuficiência do estado,
crise do modelo familiar, recuo do poder da igreja; fatores culturais: problemas de
integração racial e desordem moral; demografia urbana: êxodo rural e inchaço da
periferia; a mídia: com seu poder, que colabora para a apologia da violência; globalização
mundial: com a contestação de fronteiras e o crime organizado (narcotráfico, posse e uso
de armas de fogo e guerra entre gangues) (LOPES, 2007 apud CHERNAIS, 1999, p. 22).
A violência sistêmica tem seu nascedouro nos excessos na prática do
autoritarismo, com raízes historicamente e culturalmente bem fundamentadas, apesar das
garantias democráticas explicitadas na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. As suas raízes são originariamente oriundas da cultura proveniente da colonização.
Na presente conjuntura, há ocorrência visível da violência sistêmica, ou seja, o Estado se
mostrando sem eficiência no combate à tortura legal e aos maus-tratos aos presos, bem
como à ação dos grupos de extermínio (NJAINE; MINAYO, 2003).
As condições de vida são extremamente adversas e injustas, isso no tocante a
uma parcela da sociedade considerada mais desfavorecida. A realidade está exposta
116
através do quadro miserável da população, em função da má distribuição de renda,
exploração dos trabalhadores, crianças nas ruas, mendigos, ausência de condições
mínimas para uma vida com dignidade, péssimos níveis de saúde, educação e segurança
pública (NJAINE; MINAYO, 2003).
2.3 O PAPEL DAS GUARDAS MUNICIPAIS NA SEGURANÇA PÚBLICA
O papel das guardas municipais no campo da segurança pública passa pela
definição de identidades destas instituições. Esta definição de identidade passa pela
definição de suas competências o que, necessariamente, nos remete ao poder de polícia
que detêm ou devem deter. No campo da segurança pública, o poder de polícia está
limitado aos órgãos públicos de segurança, como determina a Constituição Federal de
1998 (BRASIL, 2006, p. 99), em seu artigo 144, que especificou o sistema de Segurança
Pública e declinou seus órgãos:
[...] A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,
é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – Polícia Federal;
II – Polícia Rodoviária Federal;
III – Polícia Ferroviária Federal;
IV – Polícias Civis;
V – Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
§1º - A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado
e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento
de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser
em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos
públicos nas respectivas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§2º - A Polícia Rodoviária Federal, órgão permanente, organizado e mantido
pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao
patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§3º - A Polícia Ferroviária Federal, órgão permanente, organizado e mantido
pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao
patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§4º - Às Polícia Civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária
e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
117
§5º - Às Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos Corpos de Bombeiros Militares, além das atribuições definidas em
lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§6º - ...
§7º - ...
§8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à
proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
§9º - ...
Assim, ressalta-se que os entes de natureza privada que atuam na área de
segurança não são portadores de poder de polícia, atribuído exclusivamente, neste campo,
aos órgãos estatais, ou seja, aos órgãos pertencentes à União, Estado e aos Municípios.
Para Brito (2008), as atividades administrativas do município, as quais se
fizeram necessário o uso do poder de polícia através de sua Guarda Municipal, podem ser
realizadas como atividade policial igual a qualquer outra, claro que sempre restrita a
competência do município.
Desta forma, a autorização legal para o município exercer seu poder de polícia,
dentro dos limites de sua competência, através de seu órgão de segurança pública está
explicitado na Constituição Federal de 1998, em seu art. 144 §8º, que permitiu a criação
das Guardas Municipais, para proteção dos bens, serviços e instalações do Município.
118
etodologicamente, a presente investigação trata de estudo descritivo que
utilizou a técnica qualitativa e o referencial teórico sobre Segurança
Pública. Usou-se de pesquisas bibliográficas, estudos da Constituição
Federal, de Leis, Decretos, livros e textos relacionados ao tema.
A pesquisa bibliográfica foi bastante utilizada neste trabalho para melhor
conhecer as contribuições científicas sobre os temas. Desta forma, é utilizado
principalmente, como metodologia, o estudo da doutrina do direito administrativo pátrio
e da legislação constitucional e infraconstitucional aplicada à espécie.
Os conceitos do direito administrativo, combinado com o estudo e análise da
legislação, confrontados com a realidade das atividades e funções hoje desempenhadas
pelas Guardas Municipais ampliam o campo de estudo do trabalho.
A análise dos livros e outros referenciais se fundamentou em constantes leituras,
na busca de assimilar o conteúdo que atendia ao objetivo deste estudo. Posteriormente,
os conteúdos comuns firmados em cada material foram agrupados para formar as
temáticas de observação e elaboração de um estudo crítico das colocações dos autores das
referências estudadas.
M
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS
119
s políticas de segurança pública em regra, atribuem exclusivamente à ação
policial o combate à criminalidade e, em consequência, desconsideram que os
municípios têm um papel importante a desempenhar na prevenção e redução
dos danos causados pela violência.
O controle pelo registro da violência mostra-se falho, principalmente nas zonas
rurais mais pobres ou dentro de zonas urbanas de instalação recente, principalmente nos
subúrbios, favelas e cortiços. O quadro de violência existe, mas não é catalogada. Trata-
se então de um círculo vicioso, a violência gera o medo, mas este gera igualmente
violência, que se instala uma psicose coletiva que é preciso romper a qualquer preço e
cujos únicos beneficiados são certos lobbies da segurança como as firmas de vigilância,
as milícias privadas e as companhias de seguros (LOPES, 2007).
Encontra-se no âmbito municipal grande parte das ações que operam diretamente
sobre os fatores predisponentes da violência. Programas de geração de trabalho e de
renda, de habitação, da cultura, do esporte e do lazer, da educação, criação ou
aproveitamento de espaços públicos para atividades com crianças, adolescentes e jovens,
adultos, urbanização, limpeza e iluminação de vias públicas, valorização e
embelezamento de praças, parques e jardins, além de operar com sua guarda municipal
no cumprimento das normas e regulamentos urbanos no âmbito do poder de polícia
municipal.
Lopes (2007, p. 23) evidencia o seguinte:
(...) a sociedade não está inerte diante de tudo isso, a resistência e a mobilização
contra a violência sempre ocorreram no Brasil. Chamamos atenção para um
exemplo recente, que tem se destacado entre outros: o Movimento Viva Rio,
que nasceu na sociedade civil e luta pacificamente contras as arbitrariedades,
reivindicando a atuação mais eficaz das autoridades. Leva a mensagem da paz
para a população e sinaliza para o fato de que se pode construir uma sociedade
mais crítica, justa e combativa. Encaixando-se perfeitamente numa ação
preventiva.
Segundo Gomes (2012), para se ter os padrões ótimos de eficiência, eficácia e
efetividade na segura pública municipal, exige-se ainda um processo de mudanças, que
não é fácil nem rápido. Precisa-se repensar os valores do setor público, numa dimensão
A
4. RESULTADOS
120
ampla, capacitar e avaliar agentes de segurança municipal e promover o envolvimento da
população na cobrança e acompanhamento dos resultados dos programas.
121
s Guardas Municipais, no que se refere as suas competências e finalidades,
são instituições em formação. Logo, tudo que pense e elabore seriamente no
sentido de definir o perfil das guardas municipais, pode vir a contribuir para
que estas venham a, efetivamente, atuar como ente positivo e proativo na defesa dos
direitos fundamentais da pessoa humana e na construção de política pública de segurança
que privilegie a prevenção e não somente reação.
A polícia quando exerce poder de polícia realiza seu papel em nome da
administração pública, única detentora de tal faculdade, justificada pelo interesse social
em benefício da coletividade. Paralelamente, a Guarda Municipal é um órgão público de
segurança pública, integrante do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, vinculado
à Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Assim, caso um
integrante desta corporação, em condições normais de trabalho, não evite o crime à sua
frente, responderá pelo delito de prevaricação, uma vez que, por ser um servidor público
e possuir formação específica, usar arma (letal ou menos letal) do Município, tem, dentro
das circunstâncias operacionais, o dever de agir e exercer o poder de polícia que lhe foi
outorgado pelo município para o cumprimento de suas funções.
A política de segurança pública precisa, necessariamente, associar, dentro de
ações integradas, às corporações policiais militares e civis, guardas municipais,
bombeiros, secretarias estaduais e municipais e ainda a sociedade civil – empresas,
entidades de classe, sindicatos, instituições de educação, grupos de voluntariado, famílias
– que detêm o poder de intervir diretamente sobre as causas da exclusão social, da falta
de oportunidade para o desenvolvimento pessoal, da desagregação familiar, da falta de
vínculos e convivência social.
Diante do sistema de segurança pública no Brasil, a prestação do serviço policial
pelo município, contanto que dentro de suas competências e responsabilidades
constitucionais, deve se apresentar, não como uma solução para violência local, mas como
um melhor relacionamento entre sociedade e governo. O importante é não permitir que
as Guardas Municipais se tornem mais uma polícia, mas, sim, sejam promotoras da
cidadania e vinculadas as demandas comunitárias de segurança.
A
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
122
Por fim, destaca-se que a utilização deste estudo poderá contribuir para pesquisas
futuras, uma vez que os conhecimentos na área de Guarda Municipal, Segurança Pública,
e Violência não se exauriram neste trabalho.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 27 ed. São Paulo: Atlas,
2006.
BRITO, J. A. R. O poder de polícia da guarda municipal. 2008. Trabalho de
conclusão de curso (Especialização) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2008.
IBGE. O perfil dos municípios brasileiros em 2015. Brasília: 2015.
GOMES, D. W. R. Gestão Pública por Resultado: uma análise do projeto de
Reestruturação da Guarda Municipal de Fortaleza. In: ENCONTRO DE INICIAÇÃO À
PESQUISA, 18, 2012, Fortaleza. Anais... Fortaleza: UNIFOR, 2012.
LOPES, Franklin de Freitas. A violência nas escolas públicas do município de
Horizonte-CE: o olhar dos docentes e discentes. 2007. Dissertação (Curso de Mestrado
em Planejamento e Políticas Públicas). UECE. Fortaleza, 2007.
NJAINE, K.; MINAYO, M. C. S. Violência na escola: identificando pistas para a
prevenção. Interface: comunicação, saúde, educação, Botucatu, v. 7, n. 13, p. 119-134,
2003.
SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA. Relatório descritivo:
pesquisa do perfil organizacional das guardas municipais de 2003. Brasília: 2005.
123
SOBRE OS AUTORES
DOUGLAS WILLYAM RODRIGUES GOMES
Doutorando em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará
(UECE). Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)
e em Gestão de Segurança Pública e Defesa Civil pela Faculdade Metropolitana de
Fortaleza (FAMETRO). É Bacharel em Administração pela Universidade Federal do
Ceará (UFC) e Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Ceará
(UECE). Coach pelo Institute of Coaching Professional Association (ICPA)/ Harvard
Medical School/ Sociedade Latino Americana de Coaching (SLAC).
E-MAIL: [email protected]
LEONARDO ARAÚJO LIMA
Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Especialista em Psicologia Clínica na Perspectiva Histórico e Cultural pela Faculdade
RATIO. É Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordena
as ações de avaliação institucional e pedagógica pela Bussola Assessoria Pedagógica. É
docente e pesquisador nas áreas de Psicologia do Trabalho e das Organizações e de
Psicologia da Aprendizagem pelo Centro Universitário Católica de Quixadá
(UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
MATHEUS ALVES PINHEIRO
Atualmente é Pós-graduando em Gestão Financeira Controladoria e Auditoria pelo
Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). Bacharel em Ciências
Contábeis pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
124
O PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE: GÊNESE E
APLICAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Renato Moreira de Abrantes
125
RESUMO O princípio da proporcionalidade surgiu como
contraponto às escolas clássicas e da livre
investigação científica do direito, dotando o julgador
da competência não só de aplicar a lei, como também
de interpretá-la, segundo a justiça e os valores sociais.
Tomou impulso com o final da Segunda Grande
Guerra Mundial, quando da criação do Tribunal
Constitucional Federal, deitando raízes no direito
alemão e, também, norte-americano. No Brasil,
referido princípio vem sendo gradualmente utilizado
pelo Supremo Tribunal Federal, em suas decisões
colegiadas e monocráticas, enquanto instrumento de
resolução de conflitos entre direitos fundamentais,
significando amadurecimento histórico, político e
institucional daquela Corte.
PALAVRAS-CHAVE Princípio da proporcionalidade. Gênese.
Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal.
126
o Brasil, o Estado Democrático de Direito, enquanto instituição, materializa-
se na figura jurídica da República Federativa, formada pela união indissolúvel
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e tem por fundamentos a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa e o pluralismo político.
Base para a manutenção deste Estado é o poder que do povo emana, exercido
por meio de representantes eleitos ou diretamente, através dos mecanismos de
participação popular, do referendo e do plebiscito.
Enquanto objetivos, o diploma constitucional elenca a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação
da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e, por
fim, a promoção do bem de todos, sem preconceito de nenhum tipo ou discriminação de
qualquer forma.
Ao pontificar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza” (art. 5º, da CF/88) – e ao garantir a todos os brasileiros e estrangeiros residentes
no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade–, o Pergaminho Constitucional permite a utilização de diversas ferramentas
de efetivação da justiça, entre os quais a aplicação do princípio da proporcionalidade.
Por sua importância, Coelho (2013) entende que a inserção do princípio da
proporcionalidade no ordenamento jurídico brasileiro (ainda que de forma implícita e nas
reiteradas decisões judiciais) aponta para a superação dos equívocos do princípio da
subsunção jurídica, supostamente assecuratório da segurança jurídica, da racionalidade
dessas decisões e da neutralidade do julgador, haja vista a utilização pura do método
silogístico-hipotético.
Ademais, significa o credenciamento do princípio da politicidade das decisões
judiciais, segundo o qual:
[...] as decisões judiciais não são neutras, no sentido da racionalidade
positivista. O magistrado é portador de valores, crenças e preconceitos de toda
ordem, conscientes ou não, herdeiro da tradição e de um passado teórico que
interfere no ato decisório (COELHO, 2013).
N
1. INTRODUÇÃO
127
Finalidade deste artigo, portanto, é, após passar em revista os precedentes
históricos do prefalado princípio, analisar a sua gradual inserção no acervo
jurisprudencial da Suprema Corte Brasileira, por ser este um assunto que envolve e atinge
diretamente a todos, pois forma privilegiada de resolução de conflitos de direitos.
128
2.1. PRECEDENTES FRANCESES
gênese do princípio da proporcionalidade confunde-se com a crítica dos
doutrinadores franceses do final do século XIX ao método da escola de
exegese ou tradicional que, segundo Gusmão (1978, p. 263), “considera a
norma legislativa como dogma, devendo o intérprete limitar-se a pesquisar a vontade do
legislador”.
Quando a lei era clara, a interpretação fixava-se nas palavras utilizadas pelo
legislador. Ao intérprete, cabia apenas e tão somente lançar mão da interpretação
gramatical ou literal.
A crítica de Gény (1861-1959) voltou-se para a evidência de que o legislador,
não podendo prever tudo, não detinha o “monopólio da formulação do direito”
(GUSMÃO, 1978, p. 264). Ademais, a lei, enquanto construção de um parlamento abre-
se para a vontade coletiva, razão pela qual há que se falar em “vontade legislativa”. Este
seria, portanto, o objetivo da interpretação: buscar a mens legis.
A atualização da lei, através da interpretação, tornaria o intérprete um novo
legislador. Considerando Gény que o direito não está todo na lei, pois esta não pode prever
todas as situações jurídicas futuras, fazia-se necessário encontrar uma técnica de
interpretação. Assim, em 1899, em Méthode d’interprétation et sources em droit prive
positif, referido doutrinador criou a “livre investigação científica do direito” que, segundo
Gusmão (1978, p. 264), era “livre, por não estar submetida a nenhum texto legal ou a
nenhuma fonte do direito, e científica, por se fundar em critérios objetivos, fornecidos
pelas ciências”.
Utilizando-se de tal técnica, o intérprete deveria buscar na natureza das coisas
os elementos necessários para formular a norma para o caso não previsto, ou seja, para o
caso de lacuna legal unicamente.
O pensamento de Gény foi criticado por seus compatriotas, a exemplo de
Saleilles (1855-1912), para quem “a lei não é elaborada para um corpo social moribundo,
mas para um corpo social vivo, em desenvolvimento, com épocas de crise e com épocas
A
2. GÊNESE DO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE
129
de estabilidade” (GUSMÃO, 1978, p. 265), devendo a interpretação adaptar a lei velha
aos tempos novos, sem, contudo, abandoná-la.
Criou-se, a partir do contraponto proposto por Saleilles, o método histórico-
evolutivo, que visou “dar vida aos códigos, levando em conta as tradições, o sistema
vigente como um todo, os seus princípios e as exigências do momento de sua aplicação”
(GUSMÃO, 1978, p. 265), processando-se uma interação entre o direito positivo e a
realidade social.
Ainda hoje, a jurisprudência francesa utiliza este método, mesmo diante de
construções jurídicas oriundas da Revolução Industrial e das duas grandes guerras, quais
sejam a teoria da responsabilidade civil e a revisão judicial dos contratos.
Terceira construção teórica foi a dos autores que não concordaram com a solução
dada por Saleilles, os quais, fundadores da escola do direito livre, “pensaram dever ser
abandonados os códigos quando injusta fosse a sua aplicação ao caso concreto”
(GUSMÃO, 1978, p. 266).
Para essa escola, que teve como expoente Kantorowicz (1895-1963), sob a
alcunha de Gnaeus Flavius, era necessário, primeiro, ditar a norma para o caso segundo
a justiça e, depois, procurar o texto para fundamentá-la. Somente a ciência do direito – e
não o legislador – poderia encontrar essa norma, desempenhando, assim, papel criador.
Seria tarefa do juiz “descobri-la não nos textos, mas na realidade social” (GUSMÃO,
1978, p. 267).
Ehrlich (1862-1923), em 1903, vai além ao afirmar que o juiz deve abandonar
os textos e ir contra a lei quando assim exigirem as circunstâncias do caso novo; e,
segundo informa Gusmão (1978), descobrindo os interesses de cada situação, o juiz
estaria, só então, apto a encontrar a norma que atenda ao fim social do direito.
Enquanto se depreende do exposto, críticas se voltam tanto para a escola
tradicional, quanto para a escola do direito livre. A primeira sacrifica a justiça em nome
da segurança jurídica; a segunda sacrifica a segurança em benefício da justiça, deixando
o direito a ser aplicado à mercê do juiz e do seu modo de enxergar a realidade.
Desponta-se a aplicação do princípio da proporcionalidade como solução
dialética ao problema exposto.
130
2.2. O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO NO DIREITO ALEMÃO
A Segunda Grande Guerra Mundial, que teve como teatro de operações, além do
Extremo Oriente, a Europa é marco da gênese, no direito alemão, do princípio da
proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso. Neste período houve, segundo
Costa (2008), o rompimento do dogma da intangibilidade do legislador e da forma como
a jurisprudência europeia pós-guerra iniciou um movimento no sentido de controlar a
razoabilidade dos atos legislativos.
O Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht), criado aos 28 de
setembro de 1951 com o objetivo de garantir o cumprimento da Lei Fundamental Alemã,
procurou, desde o início, elaborar métodos de controle de razoabilidade, logo
denominados de “princípio da proporcionalidade”.
As circunstâncias pós-guerra, numa Alemanha ferida, e a necessidade de pronta
atuação do Poder Judiciário tornaram possível a construção de tal princípio, com
características, parâmetros e elementos que atualmente o configuram, quais sejam
necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
A experiência nazista, que propiciou ao mundo uma séria revisão da doutrina
positivista, foi um dos elementos impressores no direito alemão do aquilatamento das
situações concretas, quando judicializadas, desta vez sob a ótica jusnaturalista,
possibilitando, no Tribunal Constitucional Federal, o desenvolvimento de uma nova
doutrina.
Para Costa (2008, p. 169), “a constituição não é apenas um conjunto de normas,
mas envolve também uma ordem hierárquica e objetiva de valores”. Tornou-se aceitável,
portanto, que fossem desenvolvidos critérios de avaliação da adequação do conteúdo dos
atos da administração pública, por exemplo, e o valor fundamental de justiça, traduzido
pela exigência de proporcionalidade e proibição do excesso.
Informa-nos Mendes (2001, p. 02) que, “no Direito Constitucional alemão,
outorga-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da
proibição de excesso (Übermassverbot) qualidade de norma constitucional não-escrita,
derivada do Estado de Direito”, a partir do que será considerada inconstitucional uma lei
“por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz o
Bundesverfassungsgericht, se for possível constatar, inequivocamente, a existência de
outras medidas menos lesivas” (MENDES, 2001, p. 03).
131
Não obstante ter vindo a lume com o pós-guerra, Costa (2008, p. 170) assevera
que o princípio da proporcionalidade, ainda antes dos anos 50 do século passado, já fazia
parte do direito alemão, referindo-se apenas à “exigência de que o Estado utilize os meios
mais suaves para atingir seus fins”.
No entanto, somente a partir de 1958, com o “caso das farmácias”28, o recurso
ao princípio da proporcionalidade se tornou mais corriqueiro, vindo a consolidar-se em
inícios da década de 60, quando tomou sua conformação atual.
A partir de então, no informe de Campos (2004, p. 26, apud STEINMETZ, 2001,
p. 146), “rapidamente, essa nova leitura do princípio da proporcionalidade cruzará a
fronteira tedesca, sendo incorporada pela jurisprudência constitucional de inúmeros
países e pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”.
2.3. O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO NORTE-AMERICANO
Transportado para o direito norte-americano, o princípio da proporcionalidade,
que recebeu a denominação de “princípio da razoabilidade”, e mantém relação direta com
a cláusula do devido processo legal (o due processo of law, instituído pela 5ª emenda à
Constituição norte-americana, de 1789), serviu, segundo Raslan (2013), “como parâmetro
para coibir o arbítrio do Estado nas suas diversas relações com o indivíduo e com a
sociedade, por meio de sua utilização como critério de interpretação das leis”.
Os juízes da Suprema Corte norte-americana consideraram-no “critério
hermenêutico” para coibir a transgressão estatal nos direitos fundamentais dos cidadãos.
Para tanto, segundo Raslan (2013), tornou-se hábito o “exame de compatibilidade entre
o fim a ser atingido e o meio escolhido para alcançá-lo”.
Adotado pela doutrina e pela jurisprudência norte-americanas, o princípio da
razoabilidade carece, contudo, de precisão teórica e jurisprudencial, modo a assegurar
efetividade à segurança jurídica, enquanto concretizadora do Estado Democrático de
Direito, não obstante o seu papel já consagrado, no direito alemão, de garantidor da
28 Caso submetido ao Tribunal Constitucional Federal, em que se julgou apelação de farmacêutico alemão
e a possibilidade de abertura de seu estabelecimento. Invocava-se, em desfavor, lei bávara, que restringia o
número de farmácias em uma região, condicionando a concessão de licenças para novas aberturas à
demonstração de que elas seriam comercialmente viáveis e não significariam ameaças econômicas
competitivas. O apelante arguiu a inconstitucionalidade da lei, haja vista o ferimento do direito
constitucional de livre iniciativa. Decidiu o Tribunal pelo deferimento do pleito autoral e pela declaração
da inconstitucionalidade da lei bávara, por não ser adequada à garantia do interesse público (in casu a saúde
pública).
132
justiça. Neste sentido, identifica-se o “princípio da razoabilidade” norte-americano com
o “princípio da proporcionalidade” alemão.
2.4. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO BRASIL
No Brasil, o princípio da proporcionalidade foi acolhido modestamente pela
jurisprudência e pela doutrina. Não está explicitado na Constituição Federal e, segundo
Campos (2004), chegou até mesmo a ser negado pelos doutrinadores pátrios, a exemplo
de San Tiago Dantas, em obra publicada em 1948.
Na década de 60, do século passado, o princípio da proporcionalidade foi
adotado como forma de controle da discricionariedade dos atos administrativos, tendo
ingressado no ordenamento pátrio muito mais pela jurisprudência do que pela doutrina,
segundo informa Raslan (2013).
Mendes (2001) dá conta que a primeira referência a algum significado ao
princípio da proporcionalidade, em jurisprudência pátria, notadamente do Supremo
Tribunal Federal, está ligada à proteção ao direito de propriedade. Seguia o curso do ano
de 1953, e o Min. Orozimbo Nonato assim se pronunciou:
O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez
que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem
compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito
de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso,
o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do “détournement de
pouvoir”. Não há que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da
inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado que o conflito entre
a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente
considerando a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito do
dispositivo invocado (RE 18.331, Relator Ministro Orozimbo Nonato, RF 145
(1953), p. 164s).
A partir do marco jurisprudencial supracitado, a Suprema Corte Brasileira
voltou-se para a inserção indireta do princípio da proporcionalidade no ordenamento
jurídico pátrio.
Notável é a declaração de inconstitucionalidade de norma constante da Lei de
Segurança Nacional, que vedava ao acusado da prática de crime correlato o desempenho
de qualquer atividade profissional ou privada. Referindo-se à pena como
“desproporcional” e “cruel” e, portanto, inconstitucional, o STF refere-se à prefalada lei
como sendo uma afronta ao direito da própria vida:
Cruel quanto à desproporção entre a situação do acusado e as conseqüências
da medida. Mas não só o art. 150, § 35, pode ser invocado. Também o caput
do art. 150 interessa, porque ali se assegura a todos os que aqui residem o
direito à vida, à liberdade individual e à propriedade. Ora, tornar impossível o
exercício de uma atividade indispensável que permita ao indivíduo obter os
133
meios de subsistência, é tirar-lhe um pouco de sua vida, porque esta não
prescinde dos meios materiais para a sua proteção (HC 45.232, Relator:
Ministro Themístocles Cavalcanti, RTJ 44, p. 322 (327-328)).
Após tais decisões, outras sobrevieram, sempre no sentido de acolhida indireta
ao princípio da proporcionalidade, porém, naturalmente, sem qualquer referência
constitucional. Previsões legais do princípio em análise são, segundo Lenza (2010), o art.
2º, VI, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal, e o art. 156, do Código de Processo Penal.
Implicitamente, como decorrência do princípio do devido processo legal, o
princípio da proporcionalidade, em sua acepção substantiva, pode ser apontado no art. 5º,
LIV, da Constituição Federal de 1988 (LENZA, 2010, p. 138).
134
Constituição Federal de 1988 foi considerada um marco divisor para muitos
ramos do direito brasileiro. Sua promulgação se deu num clima de grande
euforia e mobilização popular, não por acaso ser considerado referido diploma
constitucional uma verdadeira “carta de direitos do cidadão”.
Este clima – mais que justificado, em que pese os “anos de chumbo” em que
qualquer intento que significasse ruptura com o status quo e que se revestisse de ideais
progressistas (ou, no jargão da época, de ideologias subversivas) –, aglutinou as forças
vivas da sociedade que, unidas, confeccionaram um dos mais avançados textos
constitucionais do mundo.
Naquele contexto, desnecessário afirmar que a utilização dos princípios da
razoabilidade ou da proporcionalidade era inexistente, vindo à tona a partir do alvorecer
constitucionalista dos finais da década de 1980.
Não obstante os precedentes anteriores à Constituição de 1988, a jurisprudência
do Pretório Excelso, nos dois primeiros anos da novel ordem constitucional, não fez
nenhuma referência ao princípio da proporcionalidade em seus julgados.
Pesquisas realizadas em 02 de agosto de 201629, através do mecanismo de busca
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, investigou a utilização da expressão
“princípio da proporcionalidade” nos julgados do STF, no período entre 05/10/1988 e
31/12/2015, cujos resultados são reproduzidos na Tabela abaixo que se segue.
29 Mecanismo de busca jurisprudencial disponibilizado no site <http://www.stf.jus.br>.
A
3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL A PARTIR DE 1988
135
Tabela 01 – Jurisprudência do STF: utilização da expressão “princípio da proporcionalidade”.
ANO ACÓRDÃOS DECISÕES
MONOCRÁTICAS PLENÁRIO 1ª TURMA 2ª TURMA
1988* 0 0 0 0
1989 0 0 0 0
1990 1 0 0 0
1991 0 0 0 0
1992 1 0 0 0
1993 3 0 0 0
1994 1 0 0 0
1995 1 0 0 1
1996 3 0 0 0
1997 0 0 0 0
1998 8 2 4 6
1999 9 1 0 14
2000 7 1 1 8
2001 6 3 1 15
2002 10 2 5 33
2003 36 0 4 30
2004 27 6 1 55
2005 10 0 7 118
2006 7 7 10 109
2007 19 7 9 52
2008 9 12 14 102
2009 15 2 7 227
2010 12 4 12 429
2011 7 7 16 568
2012 10 25 37 635
2013 19 41 18 822
2014 2 11 3 514
2015 20 15 19 825 * A partir de 05/10/1998.
Fonte: <http://www.stf.jur.br>.
Análise da tabela acima que somente a partir do ano de 1998, ou seja, dez anos
após a promulgação da Constituição Federal, é que a Suprema Corte Brasileira começa a
privilegiar em seus julgados, de forma mais consistente, o princípio da proporcionalidade.
Neste ano, era Presidente do STF o Ministro Celso de Mello (22/05/1997 a 26/05/1999)
que, juntamente com os seus pares30, começaram a utilizar em seus julgados, ainda que
timidamente, o preceito em estudo.
30 Compunham a Suprema Corte, em 1998, além do Presidente, o Min. Celso de Mello, os Ministros
Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octávio Gallotti, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso,
Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim.
136
No Plenário, entre 1988 até 1997, a média anual tinha sido de 0,8 utilizações ao
ano. Somente em 1999 a expressão foi utilizada 8 vezes, chegando, posteriormente, a 36
vezes no ano de 2003. Nas 1ª e 2ª Turmas, observa-se o mesmo fenômeno: 1988 é marco
inicial da utilização do princípio da proporcionalidade nos julgados, sendo,
respectivamente, 02 e 04 vezes.
Em se tratando de Decisões Monocráticas, o ano de 1988 é, também, marco
inaugural. À exceção de 1995, em que o Ministro Sepúlveda Pertence, em sua decisão,
referiu-se ao princípio, nenhuma vez se localiza a expressão e a utilização do princípio
como fundamento de decisão. Em 1998, verificam-se 06 decisões assim fundamentadas,
chegando a 822 vezes no ano de 2013.
Em 2015, atinge-se o recorde da utilização do princípio da proporcionalidade em
Decisões Monocráticas: 825 vezes.
O gráfico abaixo reproduz visualmente os números da Tabela 01 acima.
Gráfico 01: Jurisprudência do STF: utilização da expressão “princípio da proporcionalidade” –
Acórdãos.
* A partir de 05/10/1998 - Até 31/12/2015.
Fonte: <http://www.stf.jur.br>.
No que tange às Decisões Monocráticas, o Gráfico 02, abaixo, demonstra a
gradual utilização do princípio da proporcionalidade:
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
PLENÁRIO
1ª TURMA
2ª TURMA
137
Gráfico 02: Jurisprudência do STF: utilização da expressão “princípio da proporcionalidade” –
Decisões Monocráticas.
* A partir de 05/10/1998 - Até 31/12/2015.
Fonte: <http://www.stf.jur.br>.
Os temas dos julgados variam, merecendo destaque as seguintes ementas:
ELEIÇÕES - CANDIDATOS - NÚMERO - DEFINIÇÃO. Ao primeiro
exame, não surge a relevância de pedido no sentido de suspender-se preceito
de lei que vincula o número de candidatos por partido às vagas destinadas à
representação do povo do Estado na Câmara dos Deputados. Harmonia do
preceito do § 2º do artigo 10 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997,
regedora das eleições de 1998, com os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade ínsitos na Carta da República. (ADI 1813 MC, Relator(a):
Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/1998, DJ 05-06-
1998 PP-00002 EMENT VOL-01913-01 PP-00063).
CRIME CONTRA A HONRA - ELEMENTO SUBJETIVO - O DOLO -
INVIOLABILIDADE PARLAMENTAR - RETORSÃO - ALCANCE.
Tratando-se de hipótese a revelar prática inicial coberta pela inviolabilidade
parlamentar, sentindo-se o titular do mandato ofendido com resposta
formalizada por homem público na defesa da própria honra, único meio ao
alcance para rechaçar aleivosias, cumpre ao órgão julgador adotar visão
flexível, compatibilizando valores de igual envergadura. A óptica ortodoxa
própria aos crimes contra os costumes, segundo a qual a retorsão é peculiar ao
crime de injúria, cede a enfoque calcado no princípio constitucional da
proporcionalidade, da razoabilidade, da razão de ser das coisas,
potencializando-se a intenção do agente, o elemento subjetivo próprio ao tipo
- o dolo - e, mais do que isso, o socialmente aceitável. Considerações e
precedente singular ao caso concreto. (Inq 1247, Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/1998, DJ 18-10-2002 PP-00026
EMENT VOL-02087-01 PP-00075).
EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios judiciais. 3. Não
configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com
finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de múltiplas
obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a outras
normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de
serviços públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve atender à
máxima da proporcionalidade. 6. Adoção da chamada relação de precedência
condicionada entre princípios constitucionais concorrentes. 7. Pedido de
intervenção indeferido (IF 164, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
13/12/2003, DJ 14-11-2003 PP-00014 EMENT VOL-02132-01 PP-00010).
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15
138
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
EXPRESSÃO “CARGOS EM COMISSÃO” CONSTANTE DO CAPUT DO
ART. 5º, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º E DO CAPUT DO ART.
6º; DAS TABELAS II E III DO ANEXO II E DAS TABELAS I, II E III DO
ANEXO III À LEI N. 1.950/08; E DAS EXPRESSÕES “ATRIBUIÇÕES”,
“DENOMINAÇÕES” E “ESPECIFICAÇÕES” DE CARGOS CONTIDAS
NO ART. 8º DA LEI N. 1.950/2008. CRIAÇÃO DE MILHARES DE
CARGOS EM COMISSÃO. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 37, INC. II
E V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DOS PRINCÍPIOS DA
PROPORCIONALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA.
AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. [...] (ADI 4125, Relator(a): Min.
CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/06/2010, DJe-030
DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01 PP-
00068).
EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO
DO NÃO CONFISCO. MULTA DE 50% DO VALOR DO IMPOSTO.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE
REAPRECIAÇÃO DE FATOS E DE PROVAS. SÚMULA STF 279. A
aplicação do princípio do não confisco tributário (art. 150, IV, da CF/1988) às
sanções pecuniárias envolve um juízo de proporcionalidade entre o ilícito e a
penalidade. Pressupõe, portanto, a clara delimitação de cada um desses
elementos. Diante da controvérsia acerca do ilícito praticado, a aferição, por
esta Corte, de eventual violação do princípio do não confisco, em decorrência
da aplicação de multa de 50% (cinquenta por cento) do valor do imposto
devido, encontra óbice na natureza extraordinária do apelo extremo e, em
especial, no entendimento cristalizado na Súmula STF 279: “Para simples
reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Agravo regimental
conhecido e não provido. (AI 769089 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER,
Primeira Turma, julgado em 05/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
049 DIVULG 13-03-2013 PUBLIC 14-03-2013).
Percebe-se, desta forma, uma gradual e crescente utilização do conteúdo do
princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em seus julgamentos,
fruto do amadurecimento democrático pelo qual passa o país, desde que promulgada foi
a atual Carta Política.
Para Camargo (2005, p. 12), há uma explicação para tamanho silêncio: o grau
de subjetividade que os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade pressupõem,
modo a fazer com que os julgadores os aplicassem de maneira “simplista e inconsistente”.
Ainda, que “os Ministros do Supremo Tribunal Federal não agem de forma criteriosa ao
aplicarem a proporcionalidade e a razoabilidade”.
Não concordamos com o posicionamento anterior, haja vista colocar em questão
a própria legitimidade da Suprema Corte que, em assim sendo, age de forma a não garantir
a estabilidade e a aplicabilidade de seus próprios julgados.
Bem verdade que, ao compararmos a quantidade de Acórdãos com a quantidade
de Decisões Monocráticas, percebemos que os Ministros do STF, quando julgam
individualmente, utilizam em seus julgados a expressão “princípio da proporcionalidade”
mais prodigamente.
139
Assim, preferimos a interpretação de Mendes (2001, p. 18), para quem “o
princípio da proporcionalidade como dimensão específica do princípio do devido
processo legal ganhou autonomia na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.
Análise aprofundada dos julgados mostra que referido princípio vem sendo utilizado pelo
Pretório Excelso como ferramenta para a resolução de conflitos entre direitos
fundamentais, como nos casos de ação de paternidade, em que se discorre sobre a
obrigatoriedade de submissão ao exame de DNA.
Esta autonomia com que o STF posiciona-se e se aplica o princípio da
proporcionalidade é fruto da maturação histórica e político-institucional, segundo o
entendimento de Repolês (2003), para quem “o papel político do STF é em verdade um
papel político institucional. O STF tem de construir uma cultura interna de defesa e
preservação do órgão e do Poder Judiciário como terceiro poder do Estado”.
140
princípio da proporcionalidade é garantidor dos direitos fundamentais do
cidadão, bem como mantenedor do Estado Democrático de Direito. Não
conseguirá um país manter-se na órbita democrática sem que referido
princípio seja assegurado e, também, aplicado pelo Poder Judiciário.
Percebe-se que o Supremo Tribunal Federal, na esteira da sociedade brasileira,
tem demonstrado amadurecimento quanto aos anseios sociais, sendo, juntamente como
Poder Legislativo, dentro do limite de competência de ambos, criador.
Da vontade do legislador para a vontade da lei, passos foram dados. Necessário
se fez inserir na interpretação/hermenêutica constitucional as aspirações do povo a
imprimir ao sistema jurídico dinamicidade e vida.
Para isto, concorrem os princípios, notadamente o da proporcionalidade, a
aquilatar e sopesar os problemas concretos vividos pelos cidadãos, principalmente
quando postos em situação de conflito de direitos.
O
4. CONCLUSÃO
141
REFERÊNCIAS
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constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília, DF:
Brasília Jurídica, 2000.
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Universidade Mackenzie. São Paulo, v. 4, n. 1, p. 23-32, 2004. Disponível em:
<http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Direito_Politico_e_Eco
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COELHO, Luiz Fernando. Princípios Gerais de Direito. [S.L; S.D]. Disponível em:
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Brasília: Thesaurus, 2008. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/o-controle-
da-razoabilidade-no-direito-comparado/capitulo-iii/b-jurisprudencia-do-tribunal-
constitucional-federal-/1-historico-do-principio-da-proporcionalidade/>. Acesso em: 31
de mar. 2013.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do Direito. 8. ed. Rio de Janeiro:
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LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.
MENDES, Gilmar. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do
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<http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05-AGOSTO-2001-
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REPOLÊS, Maria Fernanda Salcedo. O papel político do Supremo Tribunal Federal
e a hermenêutica constitucional. Considerações a partir da teoria, da cultura
142
institucional e da jurisprudência. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 150, 3 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4570>. Acesso em: 23 de maio 2013.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudência. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 02 de ago. 2016.
SOBRE O AUTOR
RENATO MOREIRA DE ABRANTES
Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Mestre
em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em
Gestão Pública pela UECE; em Direito e Processos Constitucionais pela Faculdade
Católica Rainha do Sertão (FCRS); e em Direito Processual Canônico pela Universidade
Católica de Petrópolis (UCP). É Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Cajazeiras (FFCLC) e Bacharel em Direito pela FCRS. É Vice-Reitor
do Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA) e Juiz do Tribunal
Eclesiástico Regional e de Apelação do Ceará, e Auditor da Câmara Eclesiástica da
Diocese de Quixadá.
E-MAIL: [email protected]
143
O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO:
UMA ANÁLISE DESCRITIVA SOBRE A
ÓTICA SISTÊMICA DE DAVID
EASTON
Everton Lima de Oliveira, Francisco Valdovir Holanda de Almeida,
Saulo Nunes de Carvalho Almeida
144
RESUMO O panorama político nacional passa por consideráveis
transformações, as memoráveis participações da
sociedade civil em torno de diversos assuntos que vão
desde um apelo maior por democracia até uma
reinvidicação maior em busca de direitos e
transparência governamental evidenciam esse
momento. Diante de tais acontecimentos, se faz
oportuna uma análise dessas transformações por meio
do modelo de sistema político proposto pelo cientísta
político David Easton. Este trabalho tem como
objetivo demonstrar quais as falhas e o porquê delas
tendo em vista os elementos que compõem o sistema
político nacional, além de abrir uma discussão acerca
da proposta de reforma política que se faz cada vez
mais presente em nosso cotiadiano. Mediante o uso
do método descritivo, trabalhos e fontes de autores
clássicos e contemporâneos, será demonstrada como
essas transformações políticas podem influenciar na
vida da sociedade, sem deixar de lado variáveis
imprescindíveis como a cultura política brasileira e o
ethos nacional.
PALAVRAS-CHAVE Análise. Sistema político brasileiro. David Easton.
145
ssim como as “diretas já” e os “caras-pintadas” as recentes manifestações de
2013 “passe livre”, concluem que houve uma mudança de mentalidade por
parte dos brasileiros, isso é bastante evidente no número cada vez maior de
jovens que participaram e participam de manifestações reinvidicando melhores serviços
por parte do governo, além de lutar contra o problema histórico-cultural da corrupção no
país, um fato interessante sobre as manifestações é que a grande maioria não estão
vinculadas com idelogias ou partidos políticos, outro fator que se pode destacar é uma
ineficiência do sistema político brasileiro no sentido de atender as demandas sociais
reivindicadas pelo povo.
Com as crescentes discussões sobre “impeachment” e reforma política presentes
no cotidiano nacional, é valido fazer uma reflexão de como o atual sistema político
brasileiro chegou a tal ponto de insustentabilidade, e como essas turbulências afetam
grande parte da sociedade brasileira, reflexão esta, feita a partir do modelo de sistema
político proposto pelo cientísta político canadense David Easton.
O objetivo deste trabalho é demonstrar as falhas do sistema político brasileiro e
porque destes problemas de operação, além de sua relação com a sociedade brasileira. A
justificativa do presente estudo é a importância da análise do sistema político nacional e
fatos que ele trata, assunto esse de pouco conhecimento por parte dos leitores, o próprio
artigo de David Easton sobre sistema político carece de uma tradução para o português.
O trabalho refere-se mais especificadamente sobre o conceito de sistema
político, sua função, elementos e uma análise do sistema político nacional. Estando
organizado em três seções, na primeira será abordado o conceito de sistema político e sua
função, na seção dois será abordado os elementos que compõem o sistema político e como
esses elementos estão dispostos no sistema, na seção três será apresentada uma análise do
sistema político brasileiro com base no modelo de sistema político de David Easton e por
fim serão aparesentadas as considerações finais. A metodologia utilizada foi a pesquisa
bibliográfica, enriquecida com algumas entrevistas e dados específicos.
A
1. INTRODUÇÃO
146
2.1. SISTEMA POLÍTICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA
a antiguidade clássica Aristóteles (2014), um dos precursores da ciência
política, via o universo como um grande sistema, era o chamado cosmos, em
que tudo que estava dentro dele deveria operar em perfeita harmonia. O
sistema político que ele se referia e que era predominante em Atenas era a democracia,
contudo a capital grega já provou praticamente todos os outros tipos como monarquia –
que foi regime inicial em todas as pólis gregas, outro tipo experimentado foi a oligarquia,
onde o poder ficava restrito as famílias mais importantes da cidade, por último, estava a
tirania, onde as oligarquias eram derrubadas mas substituídas por governos com poderes
absolutos e que mantinham-se por meio da força.
Vale ressaltar que a democracia na Grécia antiga tinha seus paradoxos apesar de
prezar pelo princípio da isonomia: mulheres não podiam votar e tinham uma participação
bem limitada na vida da pólis, sendo-lhe reservada apenas para funções domésticas;
Escravos e estrangeiros também não tinha direitos políticos, segundo Bussunda (2015) a
democracia ateniense excluía cerca de 90% da população da cidade.
Já Roma, adotou duas formas de governo: a monarquia e a república. Na
monarquia o rei governava e tinha origem divina, a participação do povo nas decisões
políticas eram bem limitadas e havia muita repressão, com isso, foi um período marcado
por guerras e revoltas. Depois, veio a república, marcada por uma maior abertura política
em que o povo ganhou participação nas decisões públicas.
Sobre o sistema republicano romano e sua definição, Mendes (2006) discorre
que o significado etimológico da palavra Res Pública diz respeito a tudo aquilo que é de
interesse do Estado, da própria Constituição ou de um bem coletivo. No entanto os
romanos não tinham um conceito absoluto a cerca da definição de seu sistema político,
ficando assim a critério da comunidade junto com seus interesses. Percebe-se aqui, uma
evidente evolução da participação do povo nos processos políticos de Roma.
N
2. CONCEITO DE SISTEMA POLÍTICO
147
2.2. SISTEMA POLÍTICO NA MODERNIDADE
No período moderno, existiram vários tipos de sistemas políticos, dentre eles
estão: Feudalismo – em que o poder estava não mãos dos dententores de terras, ou seja,
os senhores feudais; Monarquia absolutistas – o rei governava com poder ilimitado e
absoluto, a famosa frase “o Estado sou eu” do rei Luís XIV sintetiza bem esse período;
Monarquias Constitucionais – onde o poder do monarca era limitado por uma
Constituição, como exemplo podemos citar a monarquia inglesa e a brasileira; e a
Ditadura – que seria uma monarquia absoluta ou tirania em uma versão mais moderna,
como exemplos podemos citar o Terceiro Reich de Adolf Hitler e o Estado novo de
Getúlio Vargas.
Percebe-se que apesar do passar do tempo e da evolução político-histórica, nem
sempre os sistemas políticos acompanham tais avanços, sendo que, rotineiramente,
sempre aparecia governos opressores. Conforme Cunha Jr aponta, após a segunda guerra
mundial, esse paradigma mudou e o mundo tem presenciado cada vez mais o surgimento
de democracias e a derrubada de ditaduras que se mostram cada vez mais inaceitáveis
com a implantação do Estado Constitucional de Direito.
2.3. SISTEMA POLÍTICO NA CONTEMPORANEIDADE
O movimento positivista surgido no século XIX tinha como um de seus
objetivos, dar as ciências humanas o mesmo rigor das ciências exatas ou positivas, um
dos conceitos importados das ciências exatas foi o conceito de sistema, o pai da teoria dos
sistemas Ludwig Von Bertalanffy, os define como “Conjunto de elementos inter-
relacionados, mas cuja interação é ordenada e não caótica” (BERTALANFFY apud
MEZZAROBA, 2009). Em ambas as perspectivas os autores preocuparam-se em
fundamentar a harmonia dos elementos como fator primordial para o funcionamento bem-
sucedido de qualquer sistema.
Segundo Amadeo (2011, p. 2):
Na primeira década do período pós-guerra, Talcott Parsons e outros autores da
mesma orientação teórica desenvolveram o conceito de sistema para comparar
tipos diferentes de sociedades e instituições, partindo do trabalho de teóricos
como Weber e Durkheim. Com base nessa e em outras fontes, David Easton
introduziu de forma original o conceito de sistema na Ciência Política.
Na sua definição de sistema político, Easton define: “aquelas interações e
instituições sociais mediante as quais uma sociedade toma decisões que se consideram
148
vinculantes pela maior parte de seus membros, a maior parte do tempo” (EASTON apud
COLLOR, 2008). É necessário esclarecer que o conceito para definir sistema político na
atualidade é altamente analítico e não concreto.
Para entender o sistema político é preciso saber sua função, perspectiva
teleológica aristotélica que está ligada intrisecamente com a própria política. A função de
qualquer sistema é operacionalizar algo, nesse caso não será diferente, ele tem como
função principal atender as demandas sobre o qual ele estará sujeito e, transformar as
pressões recebidas em decisões que irão interferir diretamente em outros sistemas e nas
próprias demandas.
O sistema político nasce da atividade política e faz parte do sistema social como
um todo, por isso a famosa expressão de Aristóteles – Zoonpolitikon. Badia (1984, p. 20-
21) entende que:
[...] o estudo de um sistema político deve situar-se no contexto social global.
Tal estudo deve incluir a visão de que sistema comporta uma dimensão
estrutural e está inserido em um sistema social amplo que incluirá uma função
social específica e sua dinâmica composta de relações funcionais e suas
diversas variáveis.
Assim, deve-se considerar que o sistema político apesar de ser o mesmo modelo
em análise para todos os países, ele varia de acordo com o contexto espaço-tempo e as
particularidades de cada país, assim um sistema americano jamais pode ser comparado
com o alemão em uma análise qualitativa justamente por existir várias variáveis como o
contexto social que devem ser consideradas para uma observação mais completa e
precisa.
Sobre a relação do contexto social e político Mafra (2005) acrescenta que:
Podemos entender o sistema social que engloba as diferentes estruturas
políticas como sistema político propriamente dito. A função atribuída de
política é justamente coordenar, dirigir e representar os interesses dos
diferentes grupos sociais e resolver os amplos conflitos daí surgidos. A política
em si nasce da vida em sociedade e reflete na mesma a infraestrutura social.
Esclarece ainda o autor: “A visão dinâmica do sistema político leva a considerá-
lo como conjunto de relações funcionais entre variáveis, desembocando-se então nas
noções de fator, ação e reação, é dizer, nos conceitos básicos para uma interpretação
dinâmica do sistema político”. (MAFRA, 2005).
Um sistema político tem ainda características bem definidas, ele é basicamente
dinâmico e aberto, ou seja, transforma-se a todo o momento, tanto em função das
adaptações geradas por fatores internos como por suas relações de intercâmbio com o
149
ambiente formado por sistemas que lhe são externos, como o econômico, o sociocultural
e outros. Um sistema político que não está aberto para o ambiente e outros sistemas,
certamente se tornará insustentável em algum momento.
150
31
om a pretensão de entender o sistema político e suas funções é necessário
primeiramente entender os elementos que compõem tal sistema e como eles se
aplicam no cotidiano nacional. Como se sabe, o sistema político é caracterizado
por ser um sistema aberto e dinâmico, ou seja, ele tem contato com o ambiente e outros
sistemas (ex: sistema Jurídico, sistema Econômico, etc.), além de sofrer influências e
transformações destes, um sistema político que não opere em harmonia com o ambiente
e outros sistemas que estejam sujeitos a ele está fadado a ter um mau-funcionamento e
consequente fracasso.
Aplicando o conceito de sistema político ao paradigma nacional notar-se-á o
porquê da atual política brasileira passar por graves crises políticas e de
representatividade. Será percebido também como está disposta a sociedade e seus agentes
de atuação em cada um dos conceitos elementares do sistema.
3.1. ELEMENTOS DO SISTEMA POLÍTICO SEGUNDO DAVID EASTON
Mezzaroba (2009) destaca os principais elementos do método sistêmico, esses
elementos também estão dispostos no sistema político em cinco itens: input, gate keeper,
black box, output e feedback.
3.2. ELEMENTO DE INPUT
Input32 é o elemento que vai dar entrada no sistema; ele assim como todos os
outros elementos do sistema é fundamental, porém possui uma particularidade, já que é a
partir da entrada que o sistema vai gerar seu combustível e seu auto-sustentamento
31 David Easton (1917-2014) foi um cientista político canadense, autor de diversos estudos na área da
ciência política, célebre por introduzir o conceito de sistema político. Sociólogo pela universidade de
Toronto e P.h.d pela Universidade de Havard, Easton também foi professor e pesquisador na universidade
da Califórnia.
Dentre seus trabalhos de maior destaque estão: The Political System (1953) e A Framework Analisys
(1965). Durante sua trajetória empenhou-se em estudar como os sistemas políticos influenciam na vida
política, elaborando uma análise sistêmica de como os eles operavam. Sua produção acadêmica também
ajudou no desenvolvimento da ciência política. 32 Tradução: entrada.
C
3. SISTEMA POLÍTICO SEGUNDO DAVID EASTON
151
impedindo que ele entre em colapso. Um input de qualidade é fundamental para o bom-
funcionamento do sistema visto que as reinvidicações precisam ter fundamento tanto de
quem reinvidica como do que é reinvidicado. O input se dividirá em demands33 e
support34 onde as demandas serão as inquietações que reinvidicarão algo e o support será
um produto do feedback35 e do output36 sendo o apoio que o sistema terá de outros
sistemas e que será fundamental para que ele se sustente.
3.3. ELEMENTO DE GATE KEEPER
É a parte do sistema que tem a função de analisar, selecionar as demandas e
organizá-las para serem posteriormente enviadas para a black box37 e ver quais delas
podem ser aproveitadas, quanto melhor o gate keeper, melhor funcionará o sistema, pois
ele é elo de comunicação entre sociedade e governo e tem o dever de organizar e
selecionar as melhores demandas, pedido e reinvidicações para o sustentamento do
sistema político.
3.4. ELEMENTO DE BLACK BOX
Conceito proposto por David Easton, é a representação do Estado como objeto,
é o legislativo, executivo e o judiciário, sendo cada um dos poderes soberanos e
independentes entre si. Para a ciência política, o que se passa no interior da “caixa preta”
não interessa, pois o que é estudado na teoria dos sistemas é apenas as relações do sistema
político com outros sistemas, ou seja, o que entra e o que sai dele e como isso vai
influenciá-lo.
3.5. ELEMENTO DE OUTPUT
É o elemento do sistema que vai expelir para fora o que foi reinvidicado no input
pelas demandas, organizado pelo gate keeper e analisado dentro da black box por meio
de decisões e ações. As decisões acontecerão dentro da “caixa preta” e poderão ser
33 Tradução: demandas. 34 Tradução: suporte. 35 Tradução: resposta. 36 Tradução: saída. 37 Tradução: caixa preta.
152
postivas ou negativas para o que foi pedido nas demandas do input, as ações bem como
essas decisões são executadas e como estas elas refletirão nas demandas.
3.6. ELEMENTO DE FEEDBACK
No sentido inglês da palavra, significa enviar de volta ou dar resposta para algo,
o feedback servirá para alimentar as demandas e gerar suporte, surgindo de todo o
processo de seleção das pressões pelo gate keeper e das ações e decisões jogadas para
fora no output, ele se mostrará de suma importância visto que sem feedback o sistema se
tornará fechado.
Diante disso, Nogueira Filho (2008, p. 173) afirma que: “em todo e qualquer
sistema político, há sempre alguém tomando decisões e pessoas para as quais as decisões
são tomadas. Algumas decisões são individuais, outras, coletivas. Umas aplicam-se
àqueles que as tomam, outras os excluem”.
Na figura seguinte se vê a clássica representação do sistema político proposto
por David Easton:
Figura 1 – Sistema Político de David Easton
Fonte: Nogueira Filho (2008).
Observa-se os elementos principais do sistema, então temos: Environment – o
ambiente, “são aqueles elementos que não compõem o sistema, mas que interagem com
153
ele.” (MEZZAROBA, 2009, p. 81), nesse caso pode ser o sistema sócio-cultural por
exemplo. Inputs – são os elementos do ambiente que entram no sistema político, dividem-
se em demands e support, as demandas são os pedidos e reinvidicações de sindicatos,
partidos políticos e sociedade civil organizada em geral, enquanto o support será o apoio
que o sistema tem destes mesmos grupos. Outputs – será a saída do sistema político e
como a pressão do input irá interferir no ambiente, está divido em decisões e ações, as
primeiras são o julgamento do sistema sobre as demandas, enquanto as ações serão como
irá ser posto em prática o que foi decidido na black box.
O elemento de ligação entre outputs e inputs é o chamado feedback, será a
resposta em relação as demandas e como tais decisões irão interferir na retroalimentação
do sistema e no ambiente em que ele está inserido. Um elemento que não está na figura
mas que faz parte do sistema é o gate keeper, sua função será de delegar, selecionar e
organizar as melhores demandas para serem analisadas dentro do sistema, o gate keeper
será a instituição ou personificação das demandas, pois quando um sindicato vai cobrar
algo não é necessário que vá o sindicato inteiro e sim os principais representantes, essa
será a função do gate keeper: filtrar. Para Barros Filho (2013), quanto melhor o gate
keeper funcionar, melhor o sistema, já que é ele que seleciona as melhores demandas para
a retroalimentação do sistema.
Percebe-se então a interdependência do sistema com suas partes e a importância
do bom funcionamento de cada uma delas para o sucesso do sistema político, conclui-se
que não existe sistema sem um desses elementos, que um mau-funcionamento no sistema
pode ocorrer por uma série de fatores, podendo ser fora ou dentro dele já que o sistema
mantém uma relação de interdepedência com outros sistemas e que existem vários
subsistemas dentro de um, a seguir, será visto como ocorre tal funcionamento no sistema
político brasileiro.
154
sistema político nacional tem por natureza a representatividade semi-direta,
ou seja, é admissível tanto o exercício da participação popular na produção
dos atos normativos, por meio de referendo e plebicito, conforme o art. 14 da
Constituição Federal, porém, é no congresso nacional que a democracia é patricada
hordioniamente por meio indireto, pelos congressistas (deputados e senadores, a título
Federal), mas para que esse sistema de democracia indireta possa funcionar, se faz
necesssário alguns institutos tais como: Eleição e sistema de votação e Financiamento de
campanhas, dentre outros, muito embora para compreeenção deste estudo, se faz mister
os presentes institutos.
4.1. ELEIÇÃO E SISTEMA DE VOTOS
No sistema pátrio, um mandato corresponde a quatro anos para os cargos de
Deputados (estaduais, distritais e federais), e vereadores, o que corresponde a uma
legislatura. Já para o cargo de Senador da República este se compreende em oito anos, ou
seja, duas legislatura, art. 46 § 1º da Contituição Federal. Porém , a legislação eleitoral
permite a releição do detertor do cargo indiscriminadamente, sendo uma peculiaridade
desse poder.
No caso do Executivo, um mandato é de quatro anos, sendo possível a figura da
reeleição para um único período subsequente para cargos de Prefeito, Governador e
Presidente.
Logo, para os cargos do Poder Executivo e Senadores, o legislador resolveu
adotar a forma majoritária de votação, o que consiste na concentração do maior números
de votos em um candidato, e o sistema proporcional para os demais cargos do legislativo.
4.2. FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS
O atual sistema prevê doações de origem pública e privada, ou seja, é um sistema
misto de financiamento. Com a doações de empresas privadas para partidos políticos e de
repasses públicos para estes, neste sentido vale lembrar o que pensa Almeida (2011, p. 7)
sobre o financiamento de empresas privadas, Almeida diz:
O
4. ANÁLISE DO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO
155
Atualmente se nota uma preocupação com o financiamento privado, uma vez
que mitiga a paridade na corrida eleitoral e torna fértil o fenômeno ‘do caixa
dois’. Frente a essa realidade é que foi levantada a hipótese das campanhas
eleitorais no Brasil serem financiadas com verbas públicas.
Nessa perspectiva, a atual proposta de reforma política foi aprovada no
Congresso Nacional pela continuidade do financiamento privado das campanhas, porém,
a proposta acabou sendo vetada pelo Chefe do Executivo, ficando “a priori” apenas o
financiamento público.
4.3. PROBLEMAS DO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO
Uma das marcas da cultura política brasileira nos últimos anos é a bipolarização
usada nos últimos anos para definir situação e oposição: nós e eles. Esta nomeclatura no
entanto não é nova e já foi usada em diversos momentos da história como no período do
governo militar (1964-1985), no Império (1822-1891), na era Vargas (1930-1945) e
durante a era stalinista na antiga União Soviética (1924-1953). Conforme Magnoli (2015)
a maior marca dessa denominação é tratar a situação (nós) como os verdadeiros
representantes do povo e os únicos capazes de governar o país, enquanto eles – a oposição,
que é de vital importância para a manutenção de qualquer democracia, são tratados como
inimigos do povo e do país.
Não é preciso recorrer a muito longe na história para ver aonde tal discurso
político poderá levar o país, diante disso, grande parte da sociedade incoformada com os
níveis de corrupção e sentimento de falta de representatividade no Brasil, saiu às ruas
para protestar, cuja principal bandeira é uma reforma política e ética nos poderes da
República.
4.4. O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO E A PROPOSTA DE DAVID EASTON
Nesse diapasão, é o ethos brasileiro, o costume de maior parcela da população
serem habituadas com o fenômeno do chamado “jeitinho brasileiro” cujo significado
consiste em “se algo dar errado, não tem problema pois sempre existe uma possibilidade
para parecer que deu certo e levar vantagem sobre isso sem respeitar códigos éticos ou
morais”.
Como a figura da corrupção se materializa no cotidiano da grande maioria das
pessoas, por meio do “jeitinho brasileiro”, essa mesma transcende a cidadania política, e
acaba elegendo-se políticos com desvios morais e éticos, ora que parte de seu eleitorado
se “beneficiaram” com alguma espécie de corrupção.
156
Outro problema correlário a este último, é a pouca cultura no exercício da
cidadania por vários meios, e uma delas, como podemos destacar é a falta de tradição
sindical por parte das demandas. Apesar de serem muito fortes coletivamente, os
sindicatos sempre sofreram com a opressão quando protestavam, podemos mencionar a
título de ilustração, por ser mais recente o período militar em que essa perseguição se
intensificou com a proibição do direito de greve (Lei 4.330 de junho de 64) além de
prisões, intervenções e até extinções.
No entanto, diversos setores da sociedade, por questões político-cultural, ainda
não desenvolveram o hábito de protestar ou reunir suas demandas de forma organizada,
e interligada, a isto, os Inputs estão desorganizados. Para o bom funcionamente do
sistema, é necessário também uma entrada de qualidade, logo, as instituições de
representatividade não têm o hábito de gate keeper: conforme dito acima, quanto melhor
funcionar o gate keeper, melhor será o sistema.
O Output dado pelo black box não satisfaz as demandas: Os outputs dividem-se
em decisões e ações, as decisões e consequente ações tomadas nesse elemento são
essenciais para a retroalimentação do sistema, o que se vê no panorama nacional é que as
ações tomadas no black box não refletem os anseios das demandas, podendo isso ser um
defeito tantos do input em organizar as demandas como do gate keeper em filtrá-las.
Já O Feedback não gera Support para o sistema: As decisões e ações ditas pelo
blackbox não geram o elemento de retroalimentação, esse hábito faz com que não exista
resposta entre Estado e sociedade, fazendo assim com que o sistema fique desgastado, ao
final, o resultado disso, além de um mal diálogo, podem ser manifestações populares até
conflitos armados em casos mais extremos. No Brasil, como resultado desse mau-
funcionamento, pode ser citada as manifestações de junho de 2013.
A outra parte do problema é do Estado, que se mostra ineficiente em atender os
reclames sociais ocorrendo até mesmo a precarização da conumicação entre cidadão e
Poder Público, o problema localiza-se então no input que tem qualidade questionável ou
nenhuma, o gate keeper não consegue selecionar e organizar as demandas eficazes e por
fim a black box não recebe o input ou não toma as decisões corretas com ações que
favoreçam um bom support para o sistema, mas antes deve haver um input de qualidade.
157
om tudo isso, percebe-se que as agitações sociais nos últimos anos
influenciaram diretamente na transformação do cenário político nacional, uma
análise dessas transformações e como elas influenciam no meio social por meio
do modelo de sistema político proposto por David Easton, mostrou-se bem oportuna. A
análise possibilitou identificar os princiais problemas que afligem o sistema político
nacional, algumas variáveis foram consideradas como o ethos nacional e a cultura política
brasileira, no entando os problemas estão ligados tanto com um passado próximo, como
também com um passado um pouco mais distante.
Com as supressões dos sindicatos no período militar, os grupos representativos,
em sua grande parte, perderam um pouco o referencial de como organizar as demandas e
enviá-las para o Estado, a falta de um bom filtro para selecionar e organizar estas
demandas também contribui para um mau-funcionamento do sistema, e o Estado também
falho frente as pressões sociais, chegando ao ponto de muitas vezes, não compreender o
que está sendo reinvidicado exatamente.
Por fim, o mau-funcionamento do sistema político brasileiro traz graves
consequências para a sociedade que não tem seus pedidos atendidos por aqueles que eles
acreditaram ser os melhores representantes, a falta de diálogo de sociedade e governo já
fez acontecer grandes protestos como as manifestações de junho de 2013, portanto, é
necessário que se faça uma reforma política que aumente a participação social. É
necessário também que a sociedade venha a votar de maneira mais consciente já que cada
eleição é uma oportunidade de exercer a cidadania.
C
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
158
REFERÊNCIAS
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Vitória: EDUFES, 2006.
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NOGUEIRA FILHO, O. da C. Introdução à Ciência Política. 1ed. Brasília: Senado
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ALMEIDA, F. V. H. Reforma Política no Brasil: A Busca pela Efetividade da
Democracia Participativa. In: Encontro de Extensão, Docência e Iniciação Científica
promovido pela Faculdade Católica Rainha do Sertão em Quixadá – CE, no período de
04 a 06 de outubro de 2011, 07., pag. 01 a 11. 2011.
159
MAGNOLI, D. Demétrio Magnoli: Programa Roda Viva/ TV Cultura. São Paulo, 27
abr. 2015. Entrevista concedida ao programa Roda Viva.
SOBRE OS AUTORES
EVERTON LIMA DE OLIVEIRA
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
Foi bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIC) da UNICATÓLICA (2016-2017).
É estagiário no Fórum Desembargador Avelar Rocha.
E-MAIL: [email protected]
FRANCISCO VALDOVIR HOLANDA DE ALMEIDA
Mestrando em Educação pela Universidad de la Empresa (UDE). Especialista em Direito
Previdenciário pela Faculdade ATENEU. É Bacharel em Direito pela Faculdade Católica
Rainha do Sertão (FCRS) e Licenciado em Biologia pela Universidade Estadual Vale do
Acaraú (UVA).
E-MAIL: [email protected]
SAULO NUNES DE CARVALHO ALMEIDA
Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Mestre
em Direito Constitucional pela UNIFOR. É especialista em Direito do Trabalho,
Tributário e Previdenciário pela Faculdade ATENEU e Bacharel em Direito pela
UNIFOR.
E-MAIL: [email protected]
160
OS ASPECTOS CONTRIBUTIVOS PARA
O SURGIMENTO DE ESTADOS
PARALELOS ILÍCITOS NO BRASIL
MEDIANTE A OMISSÃO DE UM
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
SOBRE A ÓTICA KANTIANA
Caroline da Silva Scanone, Francisco José Mendes Vasconcelos
161
RESUMO Este artigo científico tem como objetivo precípuo
analisar o surgimento dos denominados “Estado
Paralelos” no Brasil como consequência da omissão
do também denominado “Estado democrático
Brasileiro”. O estudo analítico ora proposto será
abordado sob a ótica de Immanuel Kant. Tema da
mais alta atualidade diante do fortalecimento das
organizações criminosas e o narcotráfico, sentido na
pele pelos administrados que presenciam no seu dia-
a-dia a postura intimidadora destes institutos da
ilicitude. Mediante a perspectiva kantiana, será
abordado o entendimento da importância do poder
coercitivo do estado na sociedade civil, interligando a
liberdade humana sob as leis coativas estabelecidas.
A metodologia aplicada neste estudo é meramente
bibliográfica, através da utilização de livros jurídicos,
de filosofia, e enriquecida com reportagens sobre o
assunto, visando responder a problemática levantada,
através de uma interpretação jurídico-filosófica.
PALAVRAS-CHAVE Estado Paralelo. Pensamento Kantiano. Estado Civil.
162
ste estudo articular tem por escopo tratar do surgimento de estados paralelos no
Brasil mediante a omissão de um Estado democrático de direito, que será
abordado perante a ótica Kantiana.
Este tema está ligado ao narcotráfico e organizações criminosas, que
diuturnamente é divulgado nas mídias, através dos principais veículos de comunicação,
sendo este um problema de ordem pública, que se evidencia como um dos principais
problemas do Brasil, divulgado em um círculo midiático mundial, sendo um problema
que atinge não somente os países da América Latina, como também os da Europa e dos
EUA.
Neste sentido, será tratada a polêmica da eminente incidência de um poder
paralelo ilícito no Brasil por meio do tráfico de drogas, que se traduz em um sistema
organizado movimentando milhões de reais e está atrelado a uma diversidade de
problemas sociais, como a falta de investimentos na educação, saúde, segurança pública
e o aumento da corrupção, etc. Esses fatores contribuem significativamente para a
disseminação da violência no país, principalmente através do narcotráfico.
Mediante a perspectiva kantiana, será abordado o entendimento da importância
do poder coercitivo do estado na sociedade civil, interligando a liberdade humana sob as
leis coativas estabelecidas.
Assim, será explicado como se dá a transição do estado de natureza humano para
o estado civil, mediante um contrato social traduzidos em ideais de liberdade e igualdade,
para que o Estado democrático seja pautado na equidade e justiça, através da importância
do pensamento de Kant diante deste tema.
Assim, relacionando o pensamento filosófico de Immanuel Kant com a temática
envolvida, este estudo tem por objetivo principal debater essa problemática através do
questionamento sobre: De que maneira um Estado Democrático de Direito omisso
contribui para o fortalecimento de um Estado paralelo ilícito no Brasil?
Por fim, a metodologia aplicada neste estudo é meramente bibliográfica, através
da utilização de livros jurídicos, de filosofia, e enriquecida com reportagens sobre o
E
1. INTRODUÇÃO
163
assunto, visando responder a problemática levantada, através de uma interpretação
jurídico-filosófica.
164
iante de uma concepção jurídica de Estado, Kant38 entende como sendo “a
reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do Direito”. Isso
porque, ao tratar das relações políticas existentes em uma sociedade, Kant traz
à tona uma concepção de contrato social, abordada primeiramente por Tomas Hobbes, e
também por outros filósofos como Rousseau.
Por ser um jus naturalista nato, ele acreditava na existência do estado de natureza
humano, que evolui através da formação de um contexto de contrato social, onde este
permitirá a atuação do Direito, e, por conseguinte, o surgimento de um estado liberal, para
alcançar a um estado civil.
Daí a importância da evolução de um “Estado de natureza” para um “Estado
Civil”. Conforme a teoria Kantiana, o homem no “Estado de Natureza Primitivo”
encontra-se mais limitado, uma vez que o poder coercitivo está na mão de todos, sendo
cada um responsável por reparar o dano sofrido. Não há uma estrutura verticalizada de
poder, com normas jurídicas horizontais e unificadas que atinjam a coletividade, e por
isso o estado de natureza está suscetível a hostilidades (BONAVIDES, 2010).
Se trouxermos para o tema em comento, perceberemos que nas organizações
criminosas há um estado de natureza primitivo, pois, o poder coercitivo embora ilícito,
encontra-se na mão de poucos, mas ao mesmo tempo na mão de vários líderes de
organizações criminosas atuando em um mesmo território. Não há normas jurídicas de
proteção a direitos individuais, é um ambiente hostil e que traz incertezas e inseguranças
para a sociedade, cabendo ao Estado oficial a tutela a esses direitos e a repressão a esse
tipo de poder ilegal.
Kant (1993) também trata sobre o direito de propriedade, ao passo que, ele
acreditava que este, assegura a liberdade através de um contrato social, ou seja, garante
aos indivíduos por meio de uma sociedade Civil, o exercício de seus direitos naturais, ao
transmitir o poder coercitivo ao Estado de Direito.
38 KANT, Immanuel. Metaphysik der Sitten, p. 135. apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17ª
edição. Malheiros: São Paulo 2010. p. 71.
D
2. A CONCEPÇÃO KANTIANA NA PROGRESSÃO DE
UM ESTADO DE NATUREZA PARA UM ESTADO
CIVIL
165
Um exemplo é do homem que tem sua terra, ele a demarca, garante sua posse e
sua propriedade sobre ela, e outra pessoa não poderá toma lá para si, pois, o
estabelecimento de uma sociedade Civil enseja em um conjunto de normas pré-
estabelecidas, que impede a violação dos direitos individuais por meio de leis coativas,
que se descumpridas, fica passível de sofrer punição.
Os moradores dos morros dominados pelas milícias e tráfico de drogas, embora
tenham sua propriedade (sua residência), não tem a garantia de sua liberdade. Porquanto
a doutrina Kantiana associa a propriedade à liberdade individual, ele refere-se às regras
estabelecidas por um estado oficial na garantia dos direitos individuais, no entanto,
quando esse poder não é legítimo, ele não permite a garantia dos direitos individuais, pois,
há uma supressão da liberdade dos indivíduos daquele território dominado pelo crime,
que se estende para toda sociedade de forma geral (BONAVIDES, 2010).
Assim, é importante um Estado Oficial em uma sociedade civil, pois, só este é
responsável por preservar esses direitos individuais, dentre eles a segurança pública,
através da imposição de leis que combatam a criminalidade eminente.
Isso significa que, as leis coativas estão intrinsicamente ligadas à ideia de o
indivíduo ter liberdade de fazer tudo o que não é proibido por lei, pois, caso inobservada
as regras legais, constitucionalmente estabelecidas, incidirão em sanção por parte do
poder punitivo do Estado, e com isso, garante-se os direitos fundamentais dos indivíduos.
Tão futurista a concepção política de Kant (1980) sobre o poder de coerção
pautado num Estado Civil, que o nosso ordenamento jurídico Pátrio, em seu art. 5º, inciso
II, CF/88 expõe que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei”, indo ao encontro do disposto também no art. 5º, inciso XXXIX,
CF que diz: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal”.
Percebe-se que o artigo supramencionado trata do Princípio da Legalidade. Tal
princípio é cláusula pétrea de nossa Constituição, é também um princípio individual, pois
visa garantir a liberdade de o indivíduo praticar seus atos, desde que a lei não proíba. No
entanto, quando esse poder não é oficial, não há como se falar de proteção aos direitos
individuais e coletivos.
Portanto, podemos aferir que a teoria Kantiana coaduna com a teoria do direito,
bem como com o princípio da legalidade, pois, as leis coativas estão diretamente
relacionadas com o poder Estatal, sendo este soberano, ao passo que, o conjunto de
166
normas constituem o ordenamento jurídico, está intrinsicamente ligada ao poder
coercitivo de um Estado Oficial e não extraoficial.
167
ara conceituar o significado da palavra Estado, podemos dizer que é uma forma
organizacional de natureza eminentemente política, pautado em normas jurídicas
constitucionalmente estabelecidas, que, através um poder soberano, existe para
governar um povo dentro de um território, desempenhando funções políticas, sociais e
econômicas por meio de uma concepção tripartida39 de poderes, ensejando um Estado
Democrático de Direito.
É importante trazer à baila o pensamento do douto Celso Antônio Bandeira de
Mello40 (2005, p. 25), em relação à função pública do Estado Democrático de Direito,
pois ele entende como sendo “(...) a atividade exercida no cumprimento do dever de
alcançar o interesse público, mediante o uso de poderes instrumentalmente necessários
conferidos pela ordem jurídica.”
Percebe-se que a função de um Estado de direito é alcançar o interesse público
através do seu poder soberano, que conforme o entendimento Kantiano, para que se
estabeleça uma sociedade Civil plena, deve haver normas pré-estabelecidas por meio de
um contrato entre a sociedade e o poder público, o qual é detentor do poder coercitivo,
para mantimento da ordem pública, pois para ele, na sociedade civil, os “homens vivem
sob as leis do direito”.
Já o Estado Paralelo ilícito é um "governo" não oficial, que embora tenha uma
estrutura organizacional e centralizado em uma área territorial delimitada, geralmente
favelas, tem como exemplo as organizações criminosas como forma de poder extraoficial.
Podemos dizer que estas organizações criminosas, mais conhecidas como
facções, também possuem sua forma de governo, através de uma gestão centralizadora
mediante o abandono do Estado de direito. Pois, dentro das comunidades de uma favela,
existe uma liderança soberana, que é a figura do traficante. Este por sua vez, é conhecido
39 Os poderes de Estado, são divididos mediante a tripartição de Montesquieu, são: o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário, estabelecidos na CF/88 em seu art. 2º como sendo: “independentes e
harmônicos entre si”. Podendo-se ainda dizer que são indelegáveis. 40 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. Rev. e atual. até a EC 45,
de 8.12.2004. Imprenta: São Paulo, Malheiros, 2005.
P
3. ESTADO PARALELO NUM ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
168
como “Rei do morro”, e exerce uma forma de governo ditatorial, paralelo a de um Estado
Democrático de Direito.
Sobre as Organizações Criminosas, Lima41 aduz:
“Produto de um Estado ausente, a criminalidade organizada é um dos
maiores problemas no mundo globalizado hoje. Apesar de não se tratar
de fenômeno recente, o crescimento dessas organizações criminosas
representa uma grave ameaça não apenas a sociedade, mas também ao
próprio Estado Democrático de Direito, seja pelo grau de lesividade das
infrações penais por elas praticadas, seja pelo grau de influência que
exercem dentro do próprio Estado”. (2016, p. 479).
Percebe-se que o autor entende que a omissão ou ausência estatal, é um fator
contribuinte para a disseminação da criminalidade no país, e que tal criminalidade gera
uma forma de poder paralelo ilícito, causando insegurança e medo na sociedade.
Nesta toada, temos de um lado um Estado paralelo ilícito e do outro Um Estado
Democrático de Direito (ou Estado Oficial). Estes são caracterizados mediante um
binômio de ordenamentos jurídicos, sendo um ilegal (regras próprias) e outro legal (poder
constitucional).
As regras Constitucionais de um Estado Oficial estabelecem os direitos e deveres
a sociedade, bem como as políticas públicas atinentes ao dever prestacional do Estado. Já
num Estado Paralelo, o traficante e organizações criminosas têm a pseudo propriedade
sobre o território que atua, e em sua estrutura de poder, ditam suas próprias leis e as faz
serem cumpridas, pois o traficante é o chamado “Juiz opressor”, na resolução de conflitos
dentro da comunidade, e a pena lá imposta é a pena de morte!
Enquanto o ordenamento jurídico pátrio veda a pena de morte, o Estado paralelo
ilícito, faz o julgamento sumário do inimigo, ou seja, é um verdadeiro regime autoritário,
onde o chefe dessas organizações criminosas dita as Leis, as aplica e dá a sentença,
desencadeando-se numa verdadeira “banalização do mal”, que incide não só na
perversidade de quem a executa, mas também no ódio imperioso plantado contra o
Sistema Oficial (LIMA, 2016).
O conceito legal de Organizações Criminosas42 encontra-se no art. 1º, § 1 da Lei
nº 12.850, senão vejamos:
41 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Especial Criminal Comentada. 4.ed.rev.atual.e ampl. –
Salvador: JusPODVIM, 2016. 42 Nova Lei das Organizações Criminosas, Lei nº 12.850/13. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 05 de ago. de
2016.
169
Art. 1º (...)
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais
pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda
que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem
de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional.
Percebe-se que é necessário que haja a participação de 4 (quatro) ou mais
pessoas, com um sistema organizado, com divisão de tarefas, hierarquicamente de
comandada, para fim criminoso. Denota-se que tal descrição condiz com que está sendo
debatido neste estudo, pois, há um Estado ilícito, organizado e com uma base hierárquica
de poder e geralmente o tráfico de drogas é quem dá maior lucratividade a essas
organizações.
A Lei 11.343 de 2006, é conhecida como Lei Antidrogas. O SISNAD43 é o
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, atua para reprimir o tráfico de
drogas, conforme mostra o artigo 33 da referida Lei ao dispor:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento
de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Percebe-se que o Estado oficial implementa Leis de combate a essa
criminalidade, bem como a do tráfico de drogas. Porém, existem outros fatores que
contribuem para a ineficiência das políticas públicas do Estado, como a falta de
investimentos na Educação, Saúde e o combate a corrupção nas esferas da própria
segurança pública.
Em se tratando de corrupção por parte do servidor público, a Lei nº 12.850/13,
em seu art. 2º, §5º, diz que se houver indícios de que o funcionário público integra
Organização Criminosa, o juiz poderá determinar seu afastamento do cargo, emprego ou
função, sem prejuízo de sua remuneração, quando a medida se fizer necessária a
investigação ou instrução processual.
No entanto, percebe-se que tal afastamento coativo não suprime o recebimento
dos subsídios. Isso por conta do Fumus Comissi Delicti. É importante frisar que o Fumus
Commissi Delicti deverá estar acompanhado do Periculum Libertatis para que sejam
43 Criminalização do uso de drogas. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobrestfcooperacaointernacional/anexo/respostas_venice_forum/7port
.pdf>. Acesso em: 06 de ago. 2016.
170
aplicadas medidas cautelares e prisão preventiva. Pois o agente em liberdade poderá
impedir a garantia de ordem pública para a aplicação eficaz da lei penal. E independente
da pena cominada, após trânsito em julgado de sentença irrecorrível, haverá a perda
imediata do cargo, emprego ou função pública.
Mesmo assim, apesar de ter previsão legal de punição sob esta conduta, a
corrupção por parte de agentes e funcionários públicos ligados as organizações
criminosas ainda é grande, mostrando que o Estado quando remunera mal seus agentes
públicos, incide da decadência de um sistema que deveria ser eficaz, embora a baixa
remuneração não deva ser justificativa para tal prática ilícita.
Outro exemplo da ineficiência do Estado é o próprio abandono. Essas
comunidades, muitas vezes entregues a própria sorte, sem saneamento, sem escola, sem
postos de saúde, e quando os tem, o tráfico controla quem entra e quem sai do morro,
suprimindo muitas vezes o direito de ir e vir das pessoas, ou seja, sua liberdade de
locomoção. Além disso, quando o Estado deixa a margem as necessidades básicas desta
população, os traficantes desempenham o dever do Estado, prestando assistência
financeira, remédios, dentre outros. Só que tal prestatividade tem seu preço, como por
exemplo ser um soldado do crime.
Em entrevista fictícia do jornalista crítico Arnaldo Jabor, divulgada pelo site da
Rádio OAB44 do RIO Grande do Sul, ele demonstra fictamente as possíveis respostas as
suas perguntas feitas ao Traficante Marcola, como forma de demonstrar ironicamente
nossa realidade na guerra do tráfico de drogas.
Uma pergunta com a resposta interessante, foi se o traficante Marcola tem medo
de morrer? E a resposta foi absolutamente realista. Vejamos:
“- Você não tem medo de morrer?
- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não
podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora... Somos
homens-bomba. Na favela tem 100 mil homens-bomba... Estamos no centro
do "Insolúvel", mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da
morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos,
diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no
ataque do coração... A morte para nós é o "presunto" diário, desovado numa
vala... Vocês intelectuais não falavam em "luta de classes", em "seja marginal
seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Há há...vocês nunca esperavam
esses guerreiros do pó, né? Sou inteligente. Leio, li 3 mil livros e leio Dante...
mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto
deste País. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira
coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto
44 Entrevista com Marcola. Disponível em: <http://www.jornaldaordem.com.br/noticia-ler/entrevista-
ficticia-bandido-marcola-ao-jornalista-arnaldo-jabor-revela-que-ldquoltigtestamos-todos-n/7209>. Acesso
em: 06 de ago. 2016.
171
analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido
nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as
gravações feita "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos
diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova
cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas
modernas. É a m**** com chips, com megabytes. Meus comandados são uma
mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo”. (grifo nosso).
- O que mudou nas periferias?
- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem 40 milhões de dólares
como o Beira-mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um
escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Somos
uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no
"micro-ondas”... há, há... Vocês são o Estado quebrado, dominado por
incompetentes. Temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e
burocráticos. Lutamos em terreno próprio. Vocês em terra estranha. Não
tememos a morte. Vocês morrem de medo. Somos bem armados. Vocês vão
de "três oitão". Estamos no ataque. Vocês na defesa. Vocês têm mania de
humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em
superstars do crime. Fazemos vocês de palhaços. Somos ajudados pela
população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são
regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora; somos globais.
Não nos esquecemos de vocês; são nossos fregueses. Vocês nos esquecem
assim que passa o surto de violência.
Percebe-se que a crônica no renomado jornalista tenta elucidar como as
organizações criminosas se proliferam através da omissão do poder Público. Desta forma
assustadora, conseguimos ver surgir um Estado paralelo Ilícito advindo do abandono do
Estado Oficial. Os índices de analfabetismo, um sistema carcerário degradante que não
ressocializa os presos, mas sim educa para o crime, disseminando o ódio. A corrupção
latente que deteriora o sistema financeiro e restringe oportunidades de emprego e vida
digna, juros altos e a burocracia de um sistema judiciário pautado em uma ideologia de
Direitos Humanos, que em verdade não é eficaz, não ressocializa nada. Um exemplo disso
é a própria lei de execução penal45, que não é seguida, mas sim desrespeitada, a exemplo
de seu art. 92 da LEP que diz que “O condenado poderá ser alojado em compartimento
coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta Lei.
Observando também o Parágrafo único. (...) a) a seleção adequada dos presos; b) o
limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena.
Nota-se que a realidade é bem diferente. Temos um sistema prisional falido que
amontoa os presos e não observa a própria Lei. Que legalidade é essa? A cadeia acaba se
45 LEI DE EXECUÇÃO PENAL. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11691667/artigo-92-da-lei-n-7210-de-11-de-julho-de-1984>.
Acesso em: 07 de ago. 2016.
172
tornando uma verdadeira escola de aperfeiçoamento para o crime organizado. Não há
seleção dos presos, e os bandidos mais perigosos acabam formando ladrões de galinhas
em traficantes!
Mediante o que já foi exposto, cabe agora expor a problemática levantada no
início deste estudo: De que maneira um Estado Democrático de Direito omisso contribui
para o fortalecimento de um Estado paralelo ilícito no Brasil?
Essa resposta já se evidencia no texto. Há uma epidemia se espalhando nas
favelas do Brasil desde a década de 70, isso por conta da omissão do estado e também da
corrupção. O próprio poder oficial contribui também para o crime.
O tráfico comanda as comunidades das favelas do país esquecidas pelo poder
público. Há uma nova forma de poder surgindo nesses lugares, com uma proporção
alarmante, aumentando a criminalidade e o medo imposto por esse poder paralelo.
São soldados treinados para trazer o terror, são recrutados desde crianças, e
quando jovens almejando cargos mais altos no crime, numa carreira assustadora. São os
fogueteiros, aviõezinhos, informantes, executores, assaltantes até traficar e ter sua própria
boca de fumo e organização criminosa. Porém, essa carreira para o crime, é fruto da falta
de investimento em educação, na própria segurança pública e na corrupção. Este Estado
Oficial faz refletir isso através dos índices cada vez mais altos de mortalidade destes
homes cada vez mais jovens.
173
or fim, diante da teoria Kantiana, percebe-se que para que haja uma sociedade
civil estabelecida, deve haver um poder soberano por meio de um contrato social,
ou seja, se o poder emana do povo, nossos representantes devem, por meio de
um poder coativo reprimir as hostilidades emanadas de um estado primitivo humano
trazido mediante um Estado Ilícito, ou seja, não oficial.
Por outro lado, foi possível observar que embora tenhamos uma forma de poder
organizada (concepção tripartida), esta não é eficaz.
A falta de investimento em políticas públicas para melhorar a educação, saúde e
segurança pública, um judiciário burocrático e Leis ineficazes, só agravam o sistema de
gestão pública do país.
É preciso muito investimento financeiro para resolver o problema da miséria
instaurada nas favelas do país. A migração de famílias do campo para a cidade, sem
perspectiva de emprego, com baixa renda, se aloja em pontos periféricos das cidades, se
amontoando em morros, formando favelas, sem saneamento básico, sem uma vida digna.
Esse é o triste diagnóstico de nosso país. Taxas de juros mais altas, pagamento
de vários tributos, péssima distribuição de renda, desaguam a miséria, descaracterizando
um Estado Democrático de Direito. E qual a solução? Será apenas mais investimento em
educação? Não. Deve haver uma reforma política, combate a corrupção, melhor
distribuição de renda, projetos de urbanização, Leis mais severas, uma verdadeira reforma
nos 3 poderes, cadeias mais estruturadas, programas de ressocialização, mais empregos,
etc. Enfim, o que percebe-se é que se o Estado Democrático de Direito continuar omisso,
não haverá solução. Viveremos em guerra, em meio à insegurança.
P
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
174
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17ª edição. Malheiros: São Paulo 2010.
KANT, Emmanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril
Cultural, 1980. (GMS).
_______. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (KrV).
______. (1797). Doutrina do direito. Trad. Edson Bini. São Paulo – SP: Ícone Editora,
1993.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Especial Criminal Comentada. 4.ed. Rev. atual
e ampl. –Salvador: JusPODVIM, 2016.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. Rev. e
atual. até a EC 45, de 8.12.2004. Imprenta: São Paulo, Malheiros, 2005.
Criminalização do uso de drogas – STF JUS. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobrestfcooperacaointernacional/anexo/respostas_ve
nice_forum/7port.pdf>. Acesso em: 06 de ago. 2016.
Entrevista com Marcola. Disponível em: <http://www.jornaldaordem.com.br/noticia-
ler/entrevista-ficticia-bandido-marcola-ao-jornalista-arnaldo-jabor-revela-que-
ldquoltigtestamos-todos-n/7209>. Acesso em: 06 de ago. 2016.
LEI DE EXECUÇÃO PENAL. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11691667/artigo-92-da-lei-n-7210-de-11-de-
julho-de-1984>. Acesso em: 07 de ago. 2016.
Nova Lei das Organizações Criminosas, Lei nº 12.850/13. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso
em: 21 de ago. 2016.
175
SOBRE OS AUTORES
CAROLINE DA SILVA SCANONE
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
FRANCISCO JOSÉ MENDES VASCONCELOS
Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Direito
Internacional pela Universidad Autônoma de Assuncion (UAA). Especialista em Direito
Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Planejamento Educacional pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É Bacharel em Direito pela UFC e
Licenciado em Ciências pela UECE.
E-MAIL: [email protected]
176
UMA APROXIMAÇÃO ATRAVÉS DE
COMENTADORES DA
FENOMENOLOGIA INTENCIONAL
TRANSCENDENTAL DE EDMUND
HUSSERL COMO MÉTODO PARA A
BUSCA DA VERDADE APODÍTICA
Francisco José Araújo de Lima, Moisés Rocha Farias
177
RESUMO No presente trabalho abordamos o pensamento de
Edmund Husserl dentro de sua perspectiva
fenomenológica, ou seja, da fenomenologia como
método para a elucidação da verdade apodítica. O
método fenomenológico elaborado por Husserl
surgiu diante de uma condição histórica permeada por
grandes desordens, dentro do contexto de
humanidade em colapso, de crise científica. A
fenomenologia husserliana representa uma forma de
defesa da Filosofia em relação aos métodos
científicos positivistas. Assim como, atribuindo
responsabilidades e obrigação para a mesma. Tendo a
consciência intencional como base em seu método,
Edmund Husserl, busca recolocar a Filosofia em seu
devido lugar sem que para isso seja preciso aderir aos
métodos positivistas. O objetivo do trabalho visa
sobretudo, apresentar a fenomenologia husserliana
como um método rigoroso para a elucidação da
verdade apodítica, uma vez que, assim como Husserl,
acredita-se que este é o assunto por excelência da
Filosofia, já que como ele próprio dizia, a Filosofia é
a ciência das essências.
PALAVRAS-CHAVE Edmund Husserl. Fenomenologia. Verdade
apodítica.
178
om a seguinte comunicação pretende-se fazer uma aproximação da
fenomenologia intencional transcendental de Edmund Husserl como método
para a busca da verdade apodítica, pois em meio a conjunturas aporéticas da
contemporaneidade, faz-se necessário cada vez mais refletir sobre a mesma. Para tanto,
dado a complexidade dos textos husserliano, achamos por bem tomarmos seus
comentadores como mediadores no processo de aproximação.
Ter a fenomenologia husserliana como fundamento para tratar a questão da
verdade é de grande importância porque foi tratando de tal assunto que Husserl concebeu
o Método Fenomenológico, sobretudo com o objetivo de buscar o sentido último da vida,
o sentido de viver e a verdade apodítica. Pois no meio ao qual ele se encontrava, as
perspectivas não eram das melhores, em razão de as ciências estarem em crise segundo o
mesmo, e consequentemente, não estava conseguindo dar ao homem o sentido da vida,
uma vez que, era este o dever das ciências segundo Husserl (2002). E de lá para cá,
percebemos o quanto ele tinha razão quando falava da “crise das ciências”46. E é por isso
que o pai da fenomenologia vai à transcendência buscar o fundamento último da
imanência. Daí o seu tão famoso aforismo: “Voltar às coisas mesmas.”
Edmund Husserl no meio ao qual ele estava inserido via a necessidade de um
método científico rigoroso, pois, ele estava insatisfeito com o paradigma científico de seu
tempo, em razão de as perspectivas que eram por ele depositadas não estarem sendo
correspondidas. Ele via que a Ciência e também a Filosofia, deveriam ter uma teleologia,
uma finalidade que era a de dar ao homem o sentido da vida, o sentido de viver mesmo,
afinal de contas, que outra finalidade deveria ter se não esta? Mas isso não vinha
46 Quando Husserl fala da crise das ciências não questiona sua cientificidade, em suas aplicações técnicas,
nem seus métodos. Questiona isto sim, opções subjacentes à atividade científica como tal e ao seu
desenvolvimento. Através dessa análise pode mostrar que a história do pensamento moderno é uma busca
do sentido da vida humana (teleologia). A crise das ciências é, em última análise, crise de sentido. Quando
Husserl fala da crise das ciências refere-se, pois, ao seu significado para a vida humana. Em outras palavras,
o lugar da crise é o projeto de vida, o mundo ético-político porque o mundo da ciência foi separado do
mundo da vida concreta. Da mesma forma, a técnica desinteressa-se de seus fins para concentrar-se nos
meios. Por isso, a razão última da crise da humanidade europeia é a perda de teleologia e,
consequentemente, do sentido da vida. Caberá à Fenomenologia reconciliar o mundo da ciência e da técnica
com o mundo da vida a partir da teleologia inerente ao último (ZILLES, 2002, p. 49).
C
1. INTRODUÇÃO
179
acontecendo, pelo contrário, ele via os cientistas de seu tempo querendo traduzir tudo em
uma linguagem físico-matemática, inclusive até o próprio homem, o espírito humano.
Ideias estas da qual ele não compactuava, porque, para ele as ciências naturais têm a sua
utilidade e o seu valor, mas em relação às coisas do espírito, estas em nada podem
contribuir.
E para que tal coisa que ele não era de acordo que fosse aceita, mas muito pelo
contrário que fosse superada, ele busca e sugere por um novo método, pois, em sua
concepção, nenhum fenômeno é simples, mas se não que todos são infinitamente
complexos, e tal complexidade merece um método a nível, um método rigoroso e que
leve em conta tal complexidade. Então, ele concebe e sugere o seu método
fenomenológico, ou a sua fenomenologia intencional transcendental.
A comunicação foi baseada em seis comentadores das obras de Edmund Husserl:
Urbano Zilles; Frank Oliveira; Wellington Carvalho de Macedo; Marcos Alexandre
Alves; Robert Sokolowski; Angela Ales Bello. Como a busca da verdade apodítica é uma
busca incansável, uma problemática da qual tanto os filósofos pré-socráticos da Grécia
antiga como os filósofos da contemporaneidade ocidental, não se cansam de tratar, dada
tamanha sua importância para a humanidade.
Então, não podemos ser indiferentes a ela tanto como fundamento último da
ciência e da vida humana, como em relação ao qual o melhor método para se chegar até
a mesma. Sendo assim, o presente estudo tem por objetivo trazer à reflexão a pertinência
da fenomenologia husserliana como um método seguro, rigoroso e radical para essa busca
incessante da qual o homem, cada um ao seu modo, ao seu tempo, não deixou de tratar.
Essa problemática que perpassa a história do pensamento filosófico ocidental.
180
dmund Husserl47 foi um importante filósofo alemão contemporâneo que viveu
entre (1859 – 1938), pai do movimento fenomenológico contemporâneo. A
fenomenologia husserliana é, em primeiro lugar, uma atitude ou postura
filosófica e, em segundo, um movimento de ideias com método próprio, visando sempre
o rigor radical do conhecimento. É a busca por saber qual o sentido deste ou daquele
fenômeno, não como ele aparece, mas como ele realmente é em sua essência.
Após ter concluído seu doutorado em Matemática, Husserl passa a se interessar
pelas aulas de Franz Brentano (1838–1917), um famoso filósofo e psicólogo de sua época,
que vinha se destacando com sua teoria da “intencionalidade como característica
definidora da consciência”. E é tendo esta como ponto de partida, e também influenciado
pelo cogito (penso, logo existo), de Descartes (1596–1650), e pela filosofia transcendental
de Kant (1724–1804), que Husserl concebe o método fenomenológico, dado que, para ele
é só no ego cogito cogitatum que se pode chegar a verdade apodítica, pois, afinal de contas
de que outra forma se não desta se pode atingir tal objetivo? Como afirma Zilles:
Para tornar a filosofia ciência de rigor, ela não deve se fundamentar em dados
empíricos, ou seja, nos fatos, mas num a priori universal. Husserl parte das
ideias porque só essas são válidas, independentemente da contingência dos
fatos, para constituírem a prioridade radical para todas as ciências. Parte das
“coisas mesmas” (não dos fatos) como se apresentam em sua pureza à
consciência. Segundo ele, a consciência, ao ser estudada em sua estrutura
imanente, mostra-se como algo que ultrapassa o plano empírico e emerge como
condição a priori de possibilidade do próprio conhecimento, ou seja, como
consciência transcendental. (2002, p. 21).
Etimologicamente a palavra fenomenologia significa ciência dos fenômenos.
Segundo Zilles (2002), em Husserl o termo fenomenologia passa a ter um caráter mais
subjetivo encerrado no campo imanente da consciência. Para ele, uma coisa é a
indubitável existência real do mundo e outra coisa é compreender e fundamentar essa
existência. O mundo existe independente da contingência dos fatos, porém ele só faz
47 Em 1938 faleceu Edmund Husserl (1859–1938), pai do movimento fenomenológico contemporâneo.
Edmund Husserl foi, sem dúvida, um dos filósofos mais fecundos de nosso século. Esta fecundidade mede-
se por uma dupla razão. Primeiro, pela sua gigantesca produção filosófica e pela qualidade de grande
número de pensadores que teve como discípulos. Em segundo lugar, destacou-se como o criador da
fenomenologia, sendo reconhecido como um dos grandes Clássicos do pensamento ocidental (ZILLES,
2002, p. 12).
E
2. EDMUND HUSSERL
181
sentido como consciência intencional. O mundo existe para nós como produto
intencional48. A única tarefa e função da fenomenologia husserliana é salvar o sentido
deste mundo, o sentido em que este mundo vale para qualquer homem como realmente
existe. É uma elucidação, explicitação da verdade que está de alguma forma evidente para
nós, mas que de uma forma ou outra acaba passando despercebida, seja pela nossa
condição humanal limitada, seja por nos limitamos mais do que já somos mesmos.
A fenomenologia49 é, pois, uma tomada radical da consciência do que é o
homem em si mesmo. Deste modo, o sentido do oráculo délfico “conhece-te a ti mesmo”
significa antes de tudo, a penetração do homem dentro de si mesmo. Tal penetração só é
possível enquanto é capaz de ter consciência de algo, é antes de mais nada um debruçar-
se sobre si mesmo, como descreve Zilles:
Edmund Husserl considera inaceitável o postulado de que aquilo que aparece
na experiência atual não é a verdadeira coisa. Deu novo significado à
fenomenologia, encerrando o fenômeno no campo imanente da consciência.
Husserl não nega a relação do fenômeno com o mundo exterior, mas prescinde
dessa relação. Propõe a “volta às coisas mesmas”, interessando-se pelo puro
fenômeno tal como se torna presente e se mostra à consciência (2002, p. 17).
Para Husserl, não é que aparência seja uma coisa e essência seja outra totalmente
diferente, a questão é que segundo o mesmo é preciso fazer uma escavação, fazer uma
investigação mais profunda para se ter uma maior clareza da relação entre a essência e a
aparência de um determinado “objeto”. Entendido aqui por “objeto” não uma coisa
puramente do tipo material, mas sim tudo aquilo do qual existe como produto intencional
de nossa consciência, como percepção, imaginação, desejo e etc. Tendo em conta, que
eles também possuem a sua essência, como citam Macedo e Alves:
48 O termo mais proximamente com Fenomenologia é “intencionalidade”. A doutrina nuclear em
fenomenologia é o ensinamento de que cada ato de consciência que nós realizamos, cada experiência que
nós temos, é intencional: é essencialmente “consciência de” ou uma “experiência de” algo ou de outrem.
Toda nossa consciência está direcionada a objetos. Se nós vemos, vemos algum objeto visual, tal como uma
árvore ou um lago; se nós imaginamos, nossa imaginação apresenta-nos um objeto imaginário, tal como
um carro que visualizamos descendo a estrada; se nós estamos envolvidos em uma recordação, recordamos
um objeto passado; se nós tomamos parte num julgamento, projetamos uma situação ou um fato. Cada ato
de consciência, cada experiência é correlata com um objeto. Cada intenção tem seu objeto intencionado
(SOKOLOWSKI, 2004, p. 17). 49 A fim de compreender o que é a Fenomenologia, devemos fazer uma distinção entre duas atitudes ou
perspectivas que podemos adotar. Devemos distinguir a atitude natural da fenomenológica. A atitude
natural é o foco que temos quando estamos imersos em nossa postura original, orientada para o mundo,
quando intencionamos coisas, situações, fatos e quaisquer outros tipos de objetos. A atitude natural é,
podemos dizer, a perspectiva padrão, aquela da qual partimos, aquela em que estamos originalmente. Não
viemos para ela de nenhuma coisa mais básica. A atitude fenomenológica, por outro lado, é o foco que
temos quando refletimos sobre a atitude natural e todas as intencionalidades que ocorre dentro dela. É
dentro da atitude fenomenológica que levamos a cabo as análises filosóficas. A atitude fenomenológica é
também algumas vezes chamada de atitude transcendental. Vamos examinar ambas as atitudes, ou focos, a
natural e a fenomenológica. Podemos compreender cada uma precisamente em seu contraste com a outra
(SOKOLOWSKI, 2004, p. 51).
182
Nesse emaranhado de processos o sujeito constitui o seu mundo circundante
como mundo vivido, como mundo para um eu que o intui e lhe atribui sentido
composto na sua subjetividade. Assim, sob o prisma fenomenológico, o eu que
conhece e vive, é condição de possibilidade para a percepção desses modos de
apresentação do mesmo eu. A vida do eu se constitui como vivência
intencional de seu fluxo de apreensões do mundo e de si mesmo (2012, p. 136).
Quando o Pai da fenomenologia critica o movimento científico predominante de
seu tempo o Positivismo, uma corrente filosófica de influência empirista e que tinha a
experiência empírica como fonte reveladora da verdade, ele não está criticando a sua
cientificidade enquanto finalidade técnica, o da objetividade, não é isso, mas sim o fim
que a partir desta, a ciência deveria buscar que é o de dar sentido à vida humana, é o
sentido de dar ao homem razão para viver como afirma Zilles (2002).
Pois, para ele deveria ser essa a finalidade da ciência, a qual não estava sendo
correspondida. Mas pelo contrário até a própria Filosofia que era segundo o mesmo a
ciência por excelência de dar sentido à vida humana, estava se deixando seduzir pelo
paradigma científico que estava se arraigando. Então, surge assim a fenomenologia
husserliana como uma crítica a ciência positivista, para ser mais preciso como um contra
ponto a psicofísica50.
Uma vez que, os fenômenos psíquicos, vai dizer Husserl, também tem a sua
essência, e não são apenas meros fenômenos que se apresentam a nós e que podem ser
mensurados facilmente, mas muito pelo contrário, são passíveis de uma análise que tenha
50 b) A Psicologia psicofísica ou, mais simplesmente, a psicofísica constituiu a primeira corrente empírica,
experimental ou científica da psicologia. Wolff já lhe prescrevera um método indutivo ou experimental,
característico de todas as ciências empíricas; no início do séc. XIX, Maine de Biran prescrevia seu campo
de ação: a consciência. No entanto, ainda não existiam todas as condições para a fase científica da
psicologia. Faltavam duas, estreitamente interrelacionadas: em primeiro lugar, o reconhecimento da estreita
relação entre os eventos psíquicos e os físicos, através da ação do sistema nervoso; em segundo lugar, a
introdução de alguma técnica de medição. Em 1860 Fechner publicava os Elementos de psicofísica, que a
definiam como "a ciência exata das relações funcionais ou relações de dependência entre o espírito e o
corpo". Esse foi o programa da Psicologia científica nessa primeira fase de sua organização: programa no
qual logo encontraram lugar os resultados das análises do empirismo inglês, desde Locke até Spencer.
Também definira como psicofísica a tarefa da Psicologia, afirmando que "a Psicofísica distingue-se das
ciências em que se apoia [anatomia e fisiologia] porque cada uma de suas proposições leva em conta tanto
o fenômeno interno conexo quanto o fenômeno externo conexo, ao qual se refere." 1.a A Psicologia tem
por objeto os "fenômenos internos" ou "fatos da consciência", e seu principal instrumento de indagação é a
introspecção ou reflexão. Graças a esse aspecto, a corrente em exame foi muitas vezes chamada de
Psicologia subjetiva ou reflexiva, ou — mais raramente — "crítica". 2 a. Os fatos de consciência ou
fenômenos internos são estudados pela P. em sua conexão funcional com os fenômenos externos
(fisiológicos ou físicos). Graças a esse aspecto, que é o mais característico da fase em questão, tal P. foi
chamada de psicofísica. Com este aspecto tem relação a hipótese que sustentou nesta fase o trabalho
experimental da Psicologia: o paralelismo psicofísico. 3 a. Tendência a resolver o fato de consciência por
elementos últimos (sensações, emoções elementares, reflexos ou instintos elementares) e explicar os
fenômenos mais complexos com a combinação de tais elementos (atomismo, associacionismo). 4 S O
caráter científico da Psicologia é constituído pelo recurso aos procedimentos de indução, de experimentação
e de cálculo matemático, que estabelece o caráter descritivo reivindicado pela Psicologia, analogamente ao
que fazem as outras disciplinas empíricas. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, 2007. p. 809).
183
um método que vá de encontro a sua complexidade, que é justamente este o propósito de
seu método fenomenológico. E é em relação a este método que trataremos a seguir.
184
essa perspectiva, ele inicia sua fenomenologia intencional transcendental que
vai ao ego cogito na busca dessa verdade apodítica, que assim como
Descartes, Husserl acreditava que só lá é que se pode encontrá-la. Porém,
enquanto que Descartes partiu do “cogito ergo sum”, Husserl partiu do “ego cogito
cogitatum”. O método51 fenomenológico husserliano é puramente intelectual, já que se
dá de maneira puramente intencional transcendental, embora parta da imanência, mas vai
à transcendência para se ter um melhor êxito nessa busca da verdade.
A primeira etapa da análise fenomenológica husserliana, se dá com a époche
fenomenológica, ou como também é conhecida, a suspensão de juízo, o colocar entre
parênteses. Busca-se primeiro se libertar de qualquer tipo de pré-conceito, pressupostos,
convicção, ou coisa do tipo. Mas ter somente o fenômeno como produto intencional de
nossa consciência denominado redução eidética, busca-se apenas o eidos, a essência
mesma, o sentido do fenômeno. O Segundo passo, consiste na redução transcendental, é
a busca da essência da consciência quando componente do eidos, da essência das ideias,
e tem-se como resultado a essência, o sentido, a verdade apodítica do fenômeno, é o que
diz Frank Oliveira:
Papel importante na fenomenologia é desempenhado pela operação que
permite abstrair a aceitação tácita da realidade do objeto para simplesmente
aplicar-se às operações realizadas pela consciência. A redução fenomenológica
afasta a tese natural do mundo e investiga como funciona e se estrutura a
consciência para, então, assumi-la não como pressuposto, mas como etapa de
um processar científico, haja vista sua fundamentação filosófica. A époque
fenomenológica dá-se em dois movimentos: no primeiro há a redução eidética
que busca essências ou significados e no segundo, a redução transcendental,
busca a essência da consciência enquanto constituinte das essências ideais
(2001, p. 17).
51 O autor sustenta que seu método é descritivo, mas distinto da descrição psicológica. Todas as coisas do
mundo aí estão, percebemo-las ou não. A consciência é constituída por atos (noesis) que visam algum
componente desse mundo (noema). Assim, diversas noesis podem referir-se a um único noema. Assim a
fenomenologia sendo a pesquisa descritiva pura das vivências é uma psicologia descritiva e a
fundamentação última do conhecer só pode ocorrer a partir de uma pesquisa sobre os atos do conhecimento.
Isto significa: não se contenta o filósofo com as palavras, mas deseja retornar às próprias coisas. Sendo
essas últimas dadas em vivências, isto é, atos intuitivos, o mundo psíquico manifesta-se como instância à
qual os objetos são dados de diferentes modos e a consciência torna-se instância constitutiva do mundo
objetivo (OLIVEIRA, 2001, p. 16).
N
3. METODOLOGIA
185
É a fenomenologia husserliana um método bastante seguro para o respectivo
objetivo, dado que, tem ela um método próprio que vai cada vez mais de maneira radical
ao encontro do fenômeno, um método que busca inicialmente, não fazer afirmações ou
deduções sobre o sentido ou o significado deste ou daquele fenômeno, mas pelo contrário
deixar tudo de lado, entre parêntese, e deixa o próprio fenômeno manifestar-se, dar-se em
sua pureza, em seu significado, em sua essência, de forma que se possa ter um bom êxito
na sua análise, e assim explicitar a sua verdade, como nos esclarecem Macedo e Alves:
A fenomenologia, como adverte Husserl, é uma ciência dos fenômenos. O
fenômeno é o autêntico, o real. A fenomenologia é um método intelectual. Isto
significa que o fenomenólogo não se ocupa em recolher dados, elaborar
estatística, realizar trabalho de campo, perguntar pela atuação ou pelo
pensamento do investigador. O objeto de nosso método consiste em elucidar o
eidos, isto é, o fenômeno puro, não condicionado por nenhum factum espaço-
temporal ou histórico. O eidos não é um objeto do mundo ou da natureza. É a
condição de possibilidade de todo fato empírico, é a essência pura (2012, p.
41).
A reflexão fenomenológica é antes de mais nada uma atividade intelectual, é
uma leitura de nós mesmos. A fenomenologia nos proporciona uma atitude filosófica que
é a de refletir antes de tudo sobre nós mesmos, para só depois então podermos fazer algum
juízo sobre nós e sobre o mundo, levando em conta, que o mundo na perspectiva
fenomenológica não é visto como algo exterior, fora do sujeito, mas como consciência
intencional do sujeito. Então, o fenomenólogo está preocupado, sobretudo com a essência
mesma da coisa. Ele se pergunta sobre qual o sentido desta ou daquela coisa como
consciência intencional. Sua atenção deve estar sempre voltada para o essencial e não
condicionada com o acidental.
É, sobretudo, uma forma de explicitação da realidade que nos cerca. A
fenomenologia husserliana quer mais do que tudo trazer à luz o sentido do ser humano
enquanto ser humano mesmo, enquanto ser dotado de corpo-alma- e espírito, enquanto
ser capaz de construir, mudar e transformar a realidade que o cerca, enquanto ser dotado
de capacidade de transcendência. Ela busca na transcendência trazer luz à imanência. É
uma forma de evidenciar aquilo que às vezes parece evidente, mas que por qualquer
algum motivo acabamos não percebendo. Então, como se observou o método
fenomenológico husserliano é bastante rigoroso e radical para um melhor êxito na busca
pela verdade apodítica, da qual passaremos a analisar.
186
verdade apodítica é sem sombra de dúvidas o interesse principal da
Filosofia52, considerando-se, que a História da Filosofia ocidental é a história
da busca desta porque na história do pensamento filosófico ocidental a maioria
dos filósofos inquietaram-se na tentativa de elucidar a questão da verdade, cada um a seu
modo, a sua maneira, buscou-a. Uma vez que, esta acaba sendo uma problemática que
perpassa o homem com sua história, a busca por sentido, por verdade. E com Husserl não
seria diferente, e ele como um dos grandes filósofos do séc. XX mostra como o seu
método fenomenológico, a sua fenomenologia pode nos ajudar em tal objetivo. “A
fenomenologia consiste na tentativa de descrever o fundamento da filosofia na
consciência na qual a reflexão emerge da vida irrefletida do começo ao fim”. (ZILLES,
2002, p. 36).
Para Husserl, há distinção entre a indubitável existência real do mundo e a
compreensão e fundamentação dessa existência. O mundo existe para nós como produto
intencional. A única tarefa e função da fenomenologia husserliana é salvar o sentido deste
mundo, o sentido em que este mundo vale para qualquer homem como realmente existe.
A fenomenologia é, pois, uma tomada radical da consciência do que é o homem em si
mesmo, como dizem Macedo e Alves:
Husserl compreende que para alcançarmos a autenticidade da atividade
filosófica, a qual pode nos possibilitar o acesso ao fundamento apodítico para
o conhecimento, é preciso uma mudança de postura investigativa. Na
formulação de uma nova via de pesquisa temos por princípio que o sujeito se
encontra diante do mundo natural, transcendente a ele e oferecido
espontaneamente à sua cognição (2012, p. 72).
Só a reflexão fenomenológica como bem nos explica Husserl (2002), é quem
pode nos mostrar com maior clareza o sentido da vida, o sentido real da ciência, que é a
52 Será preciso que a Filosofia se distancie do formalismo científico e se aproxime do mundo da vida, ou
seja, dos problemas concernentes à existência humana. A matematização e formalização da ciência
moderna, segundo ele, produz efeitos desconcertantes nas “humanidades” e na Filosofia. As pretensões de
um método único, de uma linguagem unificada e unívoca conduzem a uma redução físico – matemática do
ser, da racionalidade e da verdade. Aplica-se uma física ao psíquico, submetendo – a um processo de
objetivação e idealização, que perde as dimensões subjetivas da vida espiritual A redução do psíquico ao
físico implica uma total dependência do primeiro em relação ao segundo. Com isso aliena-se o mundo do
sujeito no mundo do objeto. O psicólogo converte-se em físico da alma (psique) (ZILLES, 2002, p. 52).
A
4. A VERDADE APODÍTICA
187
de dar sentido à vida humana. A ciência53 não pode abandonar a sua efetividade técnica,
mas por outro lado essa efetividade técnica tem que ser exclusivamente para o bem-estar
do homem, para o melhor convívio da espécie humana, como bem explicita Zilles:
Cabe, então à Fenomenologia descrever a estrutura do fenômeno como fluxo
imanente de vivências que constituem a consciência (estrutura constituinte).
Enquanto a consciência transcendental constitui as significações é a priori de
possibilidades de conhecimento. Nesta perspectiva, a lógica tem caráter
normativo a priori e não deve ser confundida com o psicologismo, pois a
empiria é incapaz de fornecer as condições da apodicidade, condições que se
encontram numa região a priori da pura idealidade de caráter universal,
necessário e normativo que fundamenta todo o verdadeiro conhecimento.
Assim a Fenomenologia torna-se ela mesma o apriori das ciências (2002, p.
21).
Portanto, Husserl propõe que a Filosofia não se deixe guiar pelo cientificismo,
mas que ela passe a se interessar cada vez mais por esse homem enquanto ser racional,
enquanto ser humano construidor de valores, de cultura, e etc. Edmund Husserl sugere
que a Filosofia se interesse um pouco mais por esse ser pensante de maneira pensante, e
não de forma físico – matemática, pois, pensar o homem em uma linguagem físico –
matemática, segundo Husserl (2002), é querer reduzi-lo naquilo que há de melhor, na sua
alma, na sua parte racional e espiritual. Então a Filosofia não deveria se deixar influenciar
pelo cientificismo, mas pelo contrário se afastar, pois, só assim ela poderia contribuir
melhor para a humanidade, para a busca da verdade apodítica. E como meio temos a sua
Fenomenologia54 intencional transcendental.
53 A ciência tem grande autoridade em nossa cultura porque as pessoas pensam que ela nos diz a verdade
das coisas. Mesmo coisas humanas como consciência, linguagem e raciocínio serão, é o que se diz,
finalmente explicado em termos das ciências do cérebro, as quais por sua vez serão reduzidas, em princípio
se não de fato, às ciências físicas da física e da química. Temos dois mundos, então, o mundo no qual
vivemos e o mundo descrito nas ciências matemáticas, e é geralmente pensado que o mundo-da-vida é um
mero fenômeno, totalmente subjetivo, enquanto o mundo da ciência matemática é o mundo
verdadeiramente objetivo (SOKOLOWSKI, 2004, p. 158). 54 Acreditamos que uma das mais sofisticadas e mais valiosas contribuições da Fenomenologia para a
Filosofia repousa em seu tratamento de juízos e significados. A fenomenologia está apta a mostrar que não
precisamos pressupor juízos e sentidos como entidades mentais ou como intermediários entre a mente e as
coisas. Não precisamos introduzi-los como filosoficamente desconcertantes, seres estranhos que têm o
poder mágico de relacionar nossa consciência ao mundo exterior. A fenomenologia provê uma nova
interpretação do status dos juízos, das proposições e dos conceitos, interpretação simples, elegante e
verdadeira para a vida (SOKOLOWSKI, 2004, p. 109).
188
creditamos que com a respectiva pesquisa ter explicitado que a fenomenologia
intencional transcendental de Edmund Husserl é sem sombras de dúvidas um
método bastante rigoroso para a busca da verdade apodítica, haja vista, que é
ela quem nos mostra de uma forma bastante filosófica como buscar na transcendência o
fundamento último da imanência. E deve ser esse em última análise o dever do filósofo,
buscar o fundamento último da vida humana, buscar a essência, buscar a verdade
apodítica. Afinal de contas foi assim que a filosofia emergiu. Foi principalmente pela
busca da verdade que Sócrates teve que abrir mão da própria vida.
Com o presente estudo demonstrou-se a utilidade da fenomenologia intencional
transcendental de Edmund Husserl como método para a busca da verdade apodítica.
Evidenciou-se que se faz cada vez mais necessário refletir sobre tal, tendo em vista, que
como o próprio estudo mostrou, a história do pensamento filosófico ocidental é a história
da busca da verdade apodítica. Desde os primórdios da Filosofia até a atualidade, esse é
um tema que foi sempre posto à reflexão, tendo em conta, que o homem está sempre a
carecer de verdade. E esta pesquisa a priori buscou demonstrar que para tal objetivo é
preciso que se tenha principalmente um bom método, pois, tal assunto merece ser atenção,
basta ver, a relevância que ele traz.
A aparente simplicidade da fenomenologia se complexifica, na medida em que
se levam em conta dois fatores que obrigam a um rigoroso método de conhecimento. O
primeiro se refere ao aspecto de que o homem tem uma inclinação quase insuperável a
ver mais do que há no objeto. O segundo diz que nenhum objeto é simples, senão que
todos são infinitamente complexos.
Queremos, pois, dar continuidade à pesquisa que venham posteriormente
amadurecer, tendo em vista um melhor aprofundamento da Fenomenologia intencional
transcendental de Edmund Husserl, pois, já de início percebeu-se a sua atualidade frente
aos problemas que assolam a humanidade, como por exemplo este da verdade apodítica,
que é um problema clássico da Filosofia.
A 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
189
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2007.
ALES BELLO, Angela. Fenomenologia e ciências humanas: psicologia, história e
religião. Organização e tradução: Miguel Mahfoud e Marina Massimi. Bauru, São
Paulo, EDUSC, 2004.
HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade europeia e a Filosofia. Introdução e
tradução: Urbano Zilles. 2ed. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2002.
______. Meditações Cartesianas: Introdução à Fenomenologia. Tradução: Frank
Oliveira. Madras, São Paulo, 2001.
______. A ideia da Fenomenologia. Edições 70, Coleção textos filosóficos, Lisboa /
Portugal, 2008.
MACEDO, C. Wellington. ALVES, Marcos Alexandre. Husserl e a fenomenologia:
Uma introdução às ciências da subjetividade. Santa Maria, Biblos, 2012.
SOKOLOWSKI, Robert. Introdução à Fenomenologia. Tradução: Alfredo de Oliveira
Moraes. Edições Loyola, São Paulo, 2004.
SOBRE OS AUTORES
FRANCISCO JOSÉ ARAÚJO DE LIMA
Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Católica de Quixadá
(UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
MOISÉS ROCHA FARIAS
Doutorando em Filosofia pela Universidade do Minho – Portugal. Mestre em Filosofia
pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (2013). Possui Especialização em Educação
a Distância pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (2014) e em Metodologia e
Didática do Ensino Superior pela Faculdade Amadeus (2009). É Licenciado em Filosofia
Pela Universidade Católica de Brasília (2017). Bacharel em Filosofia pelo Instituto
Teológico Pastoral do Ceará (2006). É professor do Centro Universitário Católica de
Quixadá – UNICATÓLICA. Membro da Sociedade Portuguesa de Filosofia, da
Associação Brasileira de Filosofia da Religião e membro fundador do Grupo de Trabalho
Edith Stein – ANPOF.
E-MAIL: [email protected]
190
EPÍLOGO
e o direito e a filosofia são inerentes à humanidade, enquanto onde há
convivência há o primeiro e onde há consciência, a segunda, o florescimento de
ambos tem coordenadas geográficas e temporais. A Grécia apresenta-se como o
berço da filosofia, como nós a entendemos, dialética, pararreligiosa, racionalista. A
cultura greco-romana pode ser considerada a mãe do direito, enquanto normatização não
tirânica, baseada no discurso idealmente racional, na representação do cidadão no senado,
seja ele o dos clarissimi, parcial e discriminatório para os nossos padrões democráticos.
Havia uma única proposta holística de formação, a do orator, voltada basicamente para a
educação dos futuros juízes, advogados, escritores e filósofos.
O ideal platônico político-filósofo, ínsito em sua obra “A República”, de certa
forma, realizou-se, não nos homens políticos, mas na formação do advogado. Nesta
perspectiva, a relação entre filosofia e direito concretizou-se muito cedo. Uma nova etapa
nesta relação deu-se na cristianização do império romano, na apropriação do direito pela
Igreja Católica da virada do primeiro milênio.
O encontro do cristianismo com a filosofia é ainda mais antigo e se confunde com
a própria origem do primeiro. O mosteiro torna-se, no ocaso da era antiga, o celeiro do
poder público, a casa de formação da nova aristocracia, com suas consequências para a
visão tipicamente medieval da onipresença do sagrado e do sufocamento do profano
(MARKUS, R. O Fim do Cristianismo Antigo. São Paulo: Paulus, 1997), mas também de
reflexão filosófica, nova no método independente, embora ainda ancila theologiae. É
neste cenário que se coloca o alvorecer do direito canônico, em certo sentido pai do direito
ocidental, e, um pouco mais tarde, com a escolástica, a busca da essência do direito, hoje
sobrevivente no jusnaturalismo.
O positivismo, embora tenha eliminado a causalidade da relação entre filosofia e
direito, é, também este, dialética filosófica enquanto afirmação negativa da possibilidade
de fundar o direito na metafísica. O positivista é um empirista, um cientista da aplicação
S
191
da matemática à física, capaz de perceber somente as leis físicas que daí emanam. As leis
metafísicas estão além do seu alcance.
O presente simpósio mostra a dupla face da relação entre direito e filosofia. De um
lado, temos a abordagem de temas sensíveis ao direito, quase sempre com enfoque
filosófico, onde podemos elencar, além do tema principal do evento, a saber o da pena de
morte, outros de grande importância, como o do feminicídio, da violência urbana e a
organização da segurança pública, do sistema político brasileiro, nas contribuições,
respectivamente, de Nobre, Araújo, Gomes e Lima, e de Oliveira. Por outro lado, temos
a abordagem diretamente filosófica, nas contribuições de Silva Coelho (A sabedoria na
“Ciência Nova” de Giambattista Vico: história, física, cosmografia e geografia), e de
Vasconcelos, Chaves e Girão (Direito e Moral), e, por fim, de temas e abordagens
filosóficas que têm incidência maior ou menor no Direito, como a fenomenologia de
Husserl e a liberdade na ética de Santo Tomás de Aquino, respectivamente, nas
contribuições de Araújo de Lima e de Dias de Lima. A última a contribuição, não em
importância, a ser mencionada é a de Carvalho-Barreto que vai na direção da
interdisciplinaridade, envolvendo também os estudos da psicologia, no tema atualíssimo
da justiça terapêutica. Cada trabalho, com sua nuance neste ou naquele tema, traz uma
visão intencionalmente filosófica do concretismo dos problemas mais atuais do direito,
enquanto produto da convivência humana, mas também de sua inquietude intelectual, sua
contínua busca pelo tipicamente humano.
Nada mais útil do que o direito para consolidação e sustentabilidade do estado
moderno democrático. Nada mais inútil do que a filosofia em nosso mundo tecnocrata.
Seguindo Aristóteles, exatamente por que é inútil, a filosofia é a ciência mais importante,
essencial para este animal pensante inquieto e sempre insatisfeito com os limites que seu
mundo lhe impõe. O diálogo, portanto, entre filosofia e direito continuará, e não pode que
somar no progresso do conhecimento humano e da construção de uma sociedade mais
justa.
Dr. Marcos Augusto Ferreira Nobre
PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO E EXTENSÃO
UNICATÓLICA
192
especial a edição de um livro que compõe-se da expressão de pensamentos
de várias pessoas. Esta especialidade reside da multidimensionalidade de
cada pessoa que, sob os parâmetros de sua historicidade e discernimento,
predicar de forma única sobre fenômenos. Diante deste fato, o óbvio dos óbvios, acontece:
a discussão trans-individual sobre esta visão individual do fenômeno, acontecendo assim,
por via da dialética, o desenvolvimento da ciência.
Este livro, ao qual neste momento, “solapeio”, é fruto de várias expressões de
pensamentos sobre fenômenos filosóficos & Jurídicos expostos na 2ª edição do Simpósio
Internacional de Filosofia e Direito, promovido pelo Centro Universitário Católica do
Quixadá-CE – UNICATÓLICA, em meados de 2015, e, ver-se, devolvido à comunidade
em geral para a segunda etapa do processo dialético: a discussão.
Portanto sua importância é ímpar, no sentido de que, promove e promoverá o
desenvolvimento científico. Sua leitura é necessária, ao mesmo tempo, provocadora,
suscitando o espírito humano (científico) na geração de conhecimento e novas
predicações.
A toda equipe formadora do livro, as minhas mais sinceras congratulações. ”
Professor Francisco José Mendes Vasconcelos
“É
193
com regozijo que recebo a missão de passar uma mensagem certeira acerca
de tão relevante produção acadêmica. Resultado do trabalho coletivo
desenvolvido por alunos e professores, durante o II Simpósio Internacional
de Filosofia & Direito, a obra enfoca temas caros à teoria do direito e à filosofia,
fortalecendo os laços de inter-relação e diálogo constante entre tais ramos do
conhecimento. Louvo, nesse sentido, os coordenadores da obra e a UNICATÓLICA pela
sensibilidade de despertar, nos autores, a potencialidade transformadora da produção
científica. Felicito a todos. ”
Professor Pedro Rafael Malveira Deocleciano
“É
194
SOBRE OS ORGANIZADORES
ANTONIO GLAUTON VARELA ROCHA
Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Mestre em Filosofia
pela UFC; Especialista em Ensino de Filosofia pela Universidade Cândido Mendes
(UCAM); e Graduado em Filosofia pela UFC. Atualmente é professor no Centro
Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
FRANCISCO JOSÉ MENDES VASCONCELOS
Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Direito
Internacional pela Universidad Autônoma de Assuncion (UAA). Especialista em Direito
Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Planejamento Educacional pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É Bacharel em Direito pela UFC e
Licenciado em Ciências pela UECE. Atua como docente no Centro Universitário Católica
de Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
KÁTIA GARDÊNIA DA SILVA COELHO
Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE - 2012) e Bacharel em
Filosofia pelo Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (2009). É professora do Centro
Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA). É coordenadora do grupo de
pesquisa interdisciplinar “Educação ambiental e justiça social”, do projeto de pesquisa e
extensão interdisciplinar, e membro do Grupo Espiral (Grupo Intercursos de Estudo,
Pesquisa e Extensão Saúde, Direito e Educação).
E-MAIL: [email protected]
MARIA LÍRIDA CALOU DE ARAÚJO E MENDONÇA
Pós-doutorado em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC); Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Mestre
em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Graduada em Direito pela UFPE.
Atualmente é coordenadora e professora do curso de graduação em Direito do Centro
Universitário Católica de Quixadá (UNICATÓLICA), e professora titular dos cursos de
graduação em Direito e do Programa de Pós-graduação lato sensu da Universidade de
Fortaleza (UNIFOR).
E-MAIL: [email protected]
195
PEDRO RAFAEL MALVEIRA DEOCLECIANO
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Mestre em Direito
Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR); Especialista em Direito e
Processo do trabalho pela Faculdade Christus (FC); e Graduado em Direito pela
UNIFOR. Atualmente é professor e coordenador adjunto do Centro Universitário
Católica de Quixadá (UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]
SAULO NUNES DE CARVALHO ALMEIDA
Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Mestre
em Direito Constitucional pela UNIFOR. É especialista em Direito do Trabalho,
Tributário e Previdenciário pela Faculdade ATENEU e Bacharel em Direito pela
UNIFOR. Atualmente é professor no Centro Universitário Católica de Quixadá
(UNICATÓLICA).
E-MAIL: [email protected]