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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
NOTAS SOBRE A JORNADA DE REDES FORMATIVAS RUMO À MARCHA DAS
MULHERES NEGRAS 2015 - UMA PERSPECTIVA SOB A METODOLOGIA FUTUREO
Maria Luzitana Conceição dos Santos 1
Resumo: Dentre as ações de resistência enquanto estratégia coletiva, empreendedora e
interdisciplinar, a prática de extensão realizada no Centro de Ciências Aplicadas e Educação –
CCAE (também conhecido como Campus IV) da Universidade Federal da Paraíba, juntamente com
o comitê local da Marcha das Mulheres Negras da cidade Rio Tinto-PB, questionaram se tinha sido
oportunizado às mulheres da zona rurais e jovens secundaristas da cidade o direito a sonhar em
conhecer os propósitos da Marcha das Mulheres Negras contra o Racimo, a Violência e pelo Bem
Viver. A marcha reuniu cerca de 50 mil mulheres na capital federal do Brasil. Buscou-se perceber
quais pensamentos de mulheres negras na diáspora destacaram-se na influencia da mística,
construção individual, construção coletiva, SIJO e convergência em uma imagem única de futuro
bonito, ou seja, nas fases de implementação da metodologia Futureo que lastrearam a realização das
Jornadas de Redes Formativas rumo à Marcha das Mulheres Negras? Neste sentido, o estudo teve
por objetivo registrar o processo de estruturação que envolveu a utilização de metodologia
operacionalizada dentre outras ações em movimentos sociais do campo - Futureo (ULLOA
FORERO, 2015) e que foi ressignificada para as Jornadas de Redes Formativas ruma à Marcha das
Mulheres Negras, a partir do debate sobre o feminismo negro (SEBASTIAO, 2010) perspectivado
pela interseccionalidade de gênero, raça e território (VIANA, 2011; CARDOSO, 2014).
Palavras-chave: Marcha das Mulheres Negras. Interseccionalidade. Metodologia.
A historiografia afro-brasileira evidencia que negros/as e indígenas têm sido mantidos/as às
margens do desenvolvimento social, cultural, econômico e político imputado pelo racismo
institucional à brasileira (DOMINGUES, 2005). Outrossim, ações de resistência colocam-se frente à
ruptura desse paradigma, tendo como referencial histórico de transformações, conexões e
deslocamentos, o pensamento de mulheres negras na diáspora.
Dentre as ações de resistência e a partir de prática coletiva, empreendedora e interdisciplinar
desenvolvida no âmbito do projeto Rede Educativa, Empreendedor e Colaborativa no Secretariado
da Universidade Federal da Paraíba (RECOSEC/UFPB), juntamente com o Comitê Local da
Marcha das Mulheres Negras da cidade Rio Tinto-PB, questionaram se tinha sido oportunizado às
mulheres da zona rurais e jovens secundaristas da cidade de Rio Tinto-PB o direito a sonhar em
conhecer a influência histórica, práticas culturais e o propósito da Marcha das Mulheres Negras
1 Professora da Universidade Federal da Paraíba e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e
Indígenas/CCHLA/UFPB. João Pessoa – PB, Brasil. E-mail: [email protected].
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contra o Racimo, a Violência e pelo Bem Viver, realizada 18 de novembro de 2015, que reuniu 50
mil mulheres na capital federal de todos os rincões do Brasil.
Em um momento político de golpe ao sistema político brasileiro com um congresso de
bancadas extremamente conservadoras e fundamentalistas (evangélica e latifundiária); e de forte
contexto de políticas neoliberais e movimentos políticos que negam a identidade de gênero
enquanto construção social, elementos orgânicos e conjunturais da sociedade reforçam um caminho
de combate às desigualdades por intermédio de uma prática política que correlaciona saberes não
formais e formais originados em dinâmicas do movimento social negro e do espaço acadêmico
respectivamente, potencializados pelo protagonismo de mulheres da zona rural e meninas,
estudantes da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professor Luiz Gonzaga Burity,
estimuladas juntamente com os meninos ao debate sobre o respeito às diferenças e sobre o
preconceito racial tendo a Marcha das Mulheres Negras como referencial concreto de resistência
para outra cultura possível.
Neste contexto, questionaram-se quais pensamentos de mulheres negras na diáspora
destacaram-se na influencia da mística, construção individual, construção coletiva, SIJO e
convergência em uma imagem única de futuro bonito, ou seja, nas fases de implementação da
metodologia Futureo que norteou a realização das Jornadas de Redes Formativas rumo à Marcha
das Mulheres Negras?
O pensamento foi situado a partir das relações ideológicas díspares vivenciadas no ambiente
acadêmico e, em contrapartida, pela contínua ação solidária entre mulheres negras da Paraíba, no
Brasil e no mundo. Ao fazê-lo, sigo o posicionamento da pesquisadora Cláudia Pons para quem
“a(o) pesquisador(a) deve se colocar no mesmo plano crítico que o tema pesquisado” (CARDOSO,
2013, p. 144).
As atividades de extensionistas realizadas pelo projeto RECOSEC circunscrevem o território
(SOUZA, 2010) do Litoral Norte paraibano de vulnerabilidade social aqui entendido como ausência
ou à insuficiência de ativos (COSTA; MARGUTI, 2015). O projeto parte do pressuposto do
empreendedorismo colaborativo, campo teórico estruturado na prática das Células Empreendedoras
(CRUZ NETO, 2011) que busca incentivar o desenvolvimento de competências ligadas ao
empreendedorismo, para além da perspectiva mercadológica do capital, no sentido de incentivar o
desenvolvimento de competências de estudantes universitários relacionando autonomia, liderança,
resistência, resiliência, criatividade, identidade e satisfação coletiva.
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De forma específica, a cidade de Rio Tinto – PB com uma população estimada em 2016
24.090 (IBGE, 2016) apresenta um índice de pobreza de 64,24% de acordo com o Mapa de Pobreza
e desigualdade – municípios brasileiros 2003 (IBGE) considerando o índice de Gini de 0,44.
Este território com 465,666 Km2 e densidade demográfica de 49,42 hab/km2 compreende
pelo menos 04 grandes usinas de cana de açúcar, abarca uma reserva indígena com 31 aldeias de
etnia Potiguara, território de povos tradicionais, mas ainda confere invisibilidade à população negra
e as políticas públicas de valorização e/ou afirmativas (MESSIAS, 2010) inerentes às demandas
raciais, notadamente ao ocultar o racismo calcado nas culturas de branquitude.
Do ponto de vista metodológico, essas incongruentes relações de poder não impedem que
recuperemos alguns principais pontos dos procedimentos adotados na Jornada de Redes Formativas
rumo à Marcha das Mulheres Negras que teve como objetivo fomentar outras formas de
participação do público impulsionada pela Marcha das Mulheres Negras, enquanto diálogo entre
atividade de extensão e ação do movimento social negro. Ao contrário, fortalecem na relação
indissociável extensionista entre o processo educativo formal e não formal, ilhas de resistência
contra o racismo à brasileira mediante construção participativa e produção de conhecimento que
parte do pensamento de mulheres negras na diáspora.
Muito embora o Futureo não tenha sido idealizado por uma mulher negra, traz em sua
concepção alguns traços ideológicos que igualmente lastreiam o pensamento de mulheres negras na
diáspora. Trata-se de uma metodologia participativa que derivou das práticas de Revisão de
Experiências com Vista ao Futuro (REI-F) e que se constitui, segundo Forero (2015, p. 01), em “um
processo de construção gradual e consensual, de uma bonita imagem-horizonte [sonho bonito], seja
de uma comunidade (...), uma organização, uma família, um coletivo ou situação atual”.
Para uma melhor compreensão acerca da prática metodológica e sua relação com
pensamento de mulheres na diáspora buscou-se registrar o seu processo de estruturação, como o
este foi ressignificado para as Jornadas de Redes Formativas ruma à Marcha das Mulheres Negras
e o intercâmbio de saberes entre o feminismo negro (SEBASTIAO, 2010) perspectivado pela
interseccionalidade de gênero, raça e território (VIANA, 2011; CARDOSO, 2014).
Este empreendimento de cunho político, social, cultural e artístico foi construído por
diferentes atores: projeto RECOSEC/CCAE/UFPB, Comitê Local da Marcha das Mulheres Negras,
integrante da Associação Cultural de Mulheres Capoeiristas da Paraíba (representante do comitê
local da Marcha), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Paraíba (EMATER),
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Sindicato de Trabalhadoras/es Rurais de Rio Tinto, Prefeitura de Rio Tinto e Escola Estadual Prof.
Luiz Gonzaga Burity.
Assim como os interesses econômicos eurocêntricos que trouxeram forçosamente o nosso
povo subjugando-nos à escravidão e ao racismo estão extremamente presentes na memória das
mulheres negras na diáspora, a Macha das Mulheres Negras enquanto prática política continua viva
enquanto Marcha que está acontecendo. Afinal, nossos passos vêm de longe e o tempo já revelou as
mulheres que somos!
Marcha das Mulheres Negras – um sonho de luta ressignificado pelo Futureo
Tecer uma ação de resistência mediatizada pela Jornada de Redes Formativas sem levar em
consideração a memória da escravidão, do racismo e das desigualdades sociais seria, como diz
Césarie (1978, p. 19) um pseudo-humanismo cuja “... regeneração das raças inferiores ou
abastardadas pelas raças superiores está dentro da ordem providencial da humanidade” pela qual
uma civilização de barbárie negou outras civilizações.
A ‘Marcha das Mulheres Negra contra o racismo e a violência e o bem viver’, sonho que “...
desde 2012/13, foi colocada em pauta (...) com o intuito de fortalecer as organizações de mulheres
negras da América Latina na construção de estratégias para o enfrentamento do racismo e do
sexismo”, conforme afirmam Carvalho e Rocha (2014, p. 2444), enquanto ação política do
feminismo negro brasileiro foi e continua sendo uma ação de resistência às desigualdades no
enfrentamento das relações de poder que ora dá origem, ora impulsiona políticas públicas ainda
embasadas na ideologia da mestiçagem cujas classes sociais, seus desdobramentos e implicações
socioeconômicas distinguem quem terá acesso de educação de qualidade, os melhores postos de
emprego, às melhores rendas, qualidade de vida e desenvolvimento humano.
A Marcha continua imprimindo o debate sobre a inclusão e exclusão provocados pelo sistema
racial brasileiro (DOMINGUES, 2005 apud TELLES, 2003), como também as relações de
subalternização e as desigualdades socioeconômicas que no Brasil configuram há mais de 400 anos.
Estes atrelados à desigualdade nos direitos e tangenciados pelo hedonismo e pelo corporativismo
buscam sobrepor-se à condição de humanidade na limitação da liberdade (de corpos, gênero,
expressões, simbologias, religião e tantas outras). Enquanto elementos teóricos e empíricos
desdobram-se em reflexões acerca da inobservância da partilha, equidade e cidadania, muito
embora sejamos, nós os/as negros/as, o braço forte que historicamente alicerça os interesses de
progresso, crescimento e desenvolvimento na perspectiva da globalização neoliberal capitalista
apenas de viver bem, enquanto “... sinônimo de apossar-se de conhecimento, riqueza, acúmulo,
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conforto, com a finalidade consciente ou inconsciente de dominar o outro, o tempo e a natureza”
como diz o Pe. Alfredo J. Gonçalves.
Nós, mulheres negras, partindo do princípio de trazer à baila a história e a cultura de nossas
vidas na perspectiva da Afrocentricidade (CARTIANO, 2010) e uma convivência que busca
construir o sentido real do bem viver no ritmo da nossa Mãe Terra, continuamos em Marcha.
Continuamos protagonizando as nossas poesias, músicas, palavras de ordem, expressões artísticas
de diferentes naturezas, mobilizações coletivas, atividades científicas enquanto prática política de
enfrentamento ao racismo, ao machismo e sexismo e em prol da emancipação do povo negro
brasileiro.
Algumas dessas práticas sustentou a implementação do Futureo (que se assemelham a um
grupo focal, só que com vários rearranjos e desdobramentos interacionistas) nas suas fases, tendo
como única e impactante condição: a liberdade. Neste sentido, sem restrições, ameaças, punições,
críticas ou limitações.
De acordo com Forero at. al. (2016, p.5-6), o Futureo pode ser compreendido como “...
método para construir coletivamente imagens boas e bonitas de futuro que sirvam para orientar as
decisões das pessoas na comunidade” parte da premissa de que ‘muitos sonhos bonitos’ podem se
transformar em um ‘futuro-bonito-de-todos’, mediante atuação de ‘protagonistas impulsionadores
do processo’ e parte do pressuposto da cosmovisão dos povos andinos que contrastam
posicionamentos ocidentais.
É importante registrar que em contraposição ao pensamento eurocêntrico alicerçado nas ideias
de branquitude e enquanto prática metodológica, para o Futureo ‘o sonho’ tem o sentido de outros
mundos possíveis, partindo da cosmologia e do modo de vida ameríndio presente em diferentes
culturas que como acentua a intelectual feminista estatudinense bell hooks enfrentam o racismo, o
machismo e as formas de opressão por uma sociedade mais justa. Ou seja, a metodologia foi
aplicada na Jornada de Redes Formativas de maneira que possibilitou o diálogo entre mulheres
negras, indígenas e da zona rural de Rio Tinto-PB, Brasil em prol de práticas políticas
descolonizadoras conceituadas pela intelectual brasileira Lélia González por americanos.
A metodologia Futureo parte da complexidade que Morin (1990) e ganha interdependência ao
pensamento de Aníbal Quijano sobre colonialidade do poder e de María Lugones sobre
colonialidade de gênero mediante compreensão sobre a construção de corpo, sexo e gênero de
forma racializada e capitalista. Neste sentido, a metodologia enquanto “... encadeamento múltiplo,
dos diversos enlaces entre objetos, seres e situações, dos relacionamentos diferentes, que originam
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diversas formas para reagir ante a vida, em momentos distintos” (FORERO at. al., 2016, p.13)
transversaliza-se para o enfrentamento da problemática da equidade e do racismo com base em
alguns fundamentos filosóficos, dentre os quais o ubuntuísmo (CASTIANO, 2010).
Ainda em reflexão sobre o Futureo, para Marin e Forero (2013) a propositura desta
metodologia participativa a partir do REI-F implica na ratificação de que a modernidade e o
Positivismo apresentam-se insuficientes quando da propagação do mito da neutralidade científica,
tão combatido pela perspectiva metodológica afrocêntrica. O REI-F busca evidenciar a memória
como meio de proteção da história e desde o final do século XX depois de circundar países latino-
americanos como a Nicarágua (onde surgiu o REI-F), México, Guatemala, Honduras e El Salvador
em 37 situações diferentes e atender demandas de quase 30 organizações, eis que o mesmo
desdobrou-se no Futureo.
Para Forero et. al. (2016, p.5-6) por intermédio desta metodologia “... precisamos sonhar
[realizar, praticar] futuros bonitos (...) para que sejam possíveis. Um sonho criado e [construído]
pela comunidade [vez que a comunidade negra] pode assumir seu poder” contrapondo-se aos
projetos neoliberais de “crescimento e desenvolvimento”. Neste sentido, apresentamos as fases do
Futureo:
Matriz Processual do Futureo
PASSOS NOMES DESCRIÇÃO GERAL
1 Mística
(Simbologias)
Integração entre participantes, com o programa, com a natureza e de
si para consigo mesmo.
2 Construção
Individual
Criação, expressão inicial e registro dos sonhos pessoais.
3 Construção
por SIJO2
Partilha, conversação e aprimoramento dos sonhos entre os diversos
pequenos grupos de um mesmo SIJO.
4 Convergência
em uma
imagem única
de um futuro
bonito
Partilha, conversação e aprimoramento dos sonhos entre os diversos
SIJOS. Pode ser necessário fazer várias interações, até conseguir
integrar uma só imagem de futuro bonito que represente todos os
SIJOS. Pode-se utilizar um procedimento de consenso diferente com
representantes de cada SIJO que dialogam, entre outros.
Fonte: Forero (2016, p. 95).
Uma breve descrição da aplicação metodológica, considerando o objetivo deste estudo:
2 Interesse coletivo – interpretação da autora deste texto.
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A MÍSTICA (Simbologias): Muito embora o termo mística não seja comumente utilizado nas
práticas do movimento social negro, na Jornada de Redes Formativas por associação foram
utilizados elementos simbólicos que remeteram à ancestralidade do povo negro. Foi apresentado às
mulheres da zona rural e estudantes secundaristas o vídeo da Marcha das Mulheres Negras,3 na
perspectiva do multiculturalismo. Naquele momento, ainda não surgiu um sonho, mas muitas foram
as narrativas de pesadelos sociais evidenciados pelas complexas e difíceis condições de vida
(precariedade de moradia, ausência de serviços sanitários, dificuldade de acesso contínuo a recursos
de manutenção para plantio e criação de animais nos sítios, acesso ao transporte escolar, dentre
outros). Os temas preconceito e violência surgiram primeiro nas narrativas dos/as estudantes. De
forma tímida ou zombeteira, os/as estudantes trouxeram para reflexão algumas denúncias,
sobretudo, de violência. Ao problematizarmos, logo foram identificadas as “cores” dos que
sofreram as violências relatadas. Alguns casos conhecidos por muitos e outros, recebidos com
surpresa e até certo constrangimento, mas tendo o diálogo como meio. De início, chamou a nossa
atenção o sentimento de despertencimento à comunidade negra e à sua história por parte dos
autodeclarados amarelos ou pardos, assim como certa dificuldade de autodeclarar-se negro/a, o que
foi mudando ao longo da Jornada;
COMUNGANDO SONHOS INDIVIDUAIS: os temas racismo, preconceito e violência
ganharam eloquência a partir da reflexão sobre o lugar do/a negro/a na sociedade. Os/as estudantes
tomavam sempre como referencial, situações vividas e bem conhecidas, notadamente sobre a
violência. Alguns alunos/as posicionaram-se favoravelmente e outros contra a Marcha. O debate foi
intenso! Viu-se enraizada a ideologia da branquitude com implicações decorridas da percepção de
mestiçagem e desconhecimento do sistema racial brasileiro. Houve intervenção das facilitadoras
com esclarecimentos conceituais sobre mestiçagem, racismo brasileiro e feminismo negro. Houve
muito silencio reflexão pessoal e algumas pessoas não se pronunciaram, situação que respeitamos.
Houve também falas fortes de filhas de mulheres rurais (autodeclarada negra) e de meninas
potiguaras sobre o futuro, que foi do senso de responsabilidade à desesperança sobre as
possibilidades de atuação no ‘mercado’ para quem é dali, daquele território e é mulher. Outra
intervenção. Desta vez, trazendo a construção da Marcha das Mulheres Negras como processo para
pensar o futuro a partir do passado. O debate foi tecido por ideias amparadas no peso do simbolismo
3 Vídeo Marcha das Mulheres Negras 2015 - Contra o racismo e a violência e pelo bem viver. Griô Produções. Dezembro - 2014
Realização AMNB - Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, disponível no link: https://youtu.be/AaGIPizSeCE.
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e de expressões da identidade cultural afrodescendente e indígena, aproximando-se do pensamento
interseccional africanista de Lélia González;
CONSTRUÇÃO POR SIJO – O SONHO POR SETOR: A Jornada de Redes Formativas –
Ruma à Marcha das Mulheres Negras, por intermédio do Futureo fez emergir a memória por vezes
perdida que invisibiliza o importante papel da cultura e história africana na sociedade. Uma praxis
comunitária buscou, pelo debate, registros de fatos de forma inter-geracional e ilustrativas -
ressignificar a capacidade de articular fatos da memória subterrânea (POLLAK, 1989) num
combate ao esquecimento histórico forjado. Os interesses foram revelados em temáticas em formato
de questionamentos. Alguns grupos perguntaram: o que acontecerá após a Marcha? Já outros
passaram a demonstrar identificação com os propósitos da Marcha e questionaram: o que nós
precisamos fazer para ir à Marcha?
Jornada de Redes Formativas
Fonte: Projeto RECOSEC, 2015.
O FUTURO BONITO – A COMISSÃO PRÓ MARCHA: o sonho do futuro bonito começou a
ganhar forma com o encaminhamento e constituição de uma ‘Comissão Pró Marcha das Mulheres
Negras’, formada por estudantes e professores. A comissão tinha como objetivo sensibilizar
pais/mães no processo de autorização de algumas estudantes interessadas em ir à Brasília (Marcha)
e esta missão foi celebrada com uma apresentação cultural do grupo de Hip Hop, Break Style. Por
questões de disponibilização de transporte e choques de datas de atividades escolares, a Comissão
desdobrou ações em oficinas de desenhos e cartazes gerados na Jornada de Redes Formativas e que
foram levados à Marcha pela representante do comitê local da Marcha, a estudante de antropologia
Ana Margarida de Jesus. A Comissão tomou como pressuposto a ampla dimensão da palavra
participar enquanto processo de debate tendo a Marcha das Mulheres Negras como referência do
seu papel (futuro) político. Sim, os/as estudantes da Escola Luiz Burity da cidade de Rio Tinto-PB
também estiveram em Brasília marchando!
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Jornada de Redes Formativas
Fonte: Projeto RECOSEC, 2015.
Para continuarmos em Marcha
- Ulloa Forero (2016, p.26, grifo nosso) ao contextualizar o mundo complexo – palco das/os
resistentes lutadoras/es acentua que “desde os primeiros anos na América Latina, os negros
sonharam a liberdade e, ainda mais, construíram juntos espaços de realização do sonho, como
formas de resistência e busca de autonomia” num esforço pela humanização (do sonho), assim
como o Futureo;
- A Marcha das Mulheres Negras 2015 trouxe/traz consigo a (re)afirmação das rebeldes
(sonhadoras) afrodescendentes que partem da ratificação de nossa identidade na perspectiva de um
protagonismo social no Brasil e a América Latina (Abya-Yala4) ao ampara-se no Bem Viver para
sobrepor-se ao bom senso5.
- A nossa Marcha de todas nós mulheres negras não tem sido uma trajetória fácil, já sabemos.
A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras e destas, 52 são mulheres, números acima
da média nacional (31 mortes), de acordo com o Atlas da Violência 2017. Passados dois anos da Lei
do Feminicídio (Lei Lei 13.104/15), importante avanço nas políticas públicas de gênero, tivemos
ainda em 2015 6,6% de homicídios contra mulheres negras na Paraíba, contra 1,7% de mulheres
brancas vitimadas por homicídio;
- A Marcha das Mulheres Negras contra o Racimo, a Violência e pelo Bem Viver estimulou
várias outras Marchas nos vários rincões do Brasil. Um de seus grandes efeitos foi sensibilizar
mulheres e crianças para o exercício da prática política por intermédio do debate crítico e
reinvidicalizador;
4 Nome dado ao continente americano pelos povos Kuna do Panamá e Colômbia, antes da chegada dos homens brancos. 5 Aqui no sentido de mansidão e aceitação das práticas do colonizador.
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- Não são poucos os pensamentos de mulheres negras na diáspora que influenciaram a
metodologia Futureo com as quais buscamos dialogar teoricamente quando da realização das
Jornadas de Redes Formativas rumo à Marcha das Mulheres Negras. Num esforço em função de
delimitações de espaço salientamos Manunga Thereza Santos, Lélia González, Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva, Cláudia Pons Cardoso e, especialmente, Ana Margarida de Jesus. Esta última,
estudante de Antropologia, capoeirista, mulher sensível e forte, destemida, atuante no feminismo
negro. Estes registros aqui são ínfimos para homenageá-la por todo o seu desprendimento e
disponibilidade na construção, participação e efetivação das Jornadas;
- Não esquecer a nossa história é permanecer na luta e continuar marchando, dentro e fora da
universidade, afinal os nossos passos vêm de longe. Vem marchar com agente!
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REMARKS ABOUT THE QUEST OF FORMATIVE NETWORKS TOWARDS THE
BLACK WOMEN´S MARCH IN 2015- A PERSPECTIVE FROM THE FUTUREO’S
METHODOLOGY
Astract: Among the actions of resistance, and as a collective, entrepreneurial and interdisciplinary
strategy, the extension practice carried out at the Center for Applied Sciences and Education -
CCAE (also known as Campus IV) of the Federal University of Paraiba, along with the local
committee of the Black Women's March from Rio Tinto City, in the state of Paraiba, they have
questioned whether the rural women and young high school girls in the city had been given the right
to dream of knowing the purposes of the 'Black Women's March against Racism, Violence and
Well-Being', held on November 18, 2015, which gathered 50,000 women from all corners of Brazil
in the Federal Capital.I wonder, what are the main thoughts of black women in the diaspora mostly
influenced the construction, planning and execution of the Quests of Formative Networks towards
the Black Women´s March? From the explanation of this path in this sense, the study aims toin a
general way I seek to record the structuring process that involved the use of operational
methodology among other actions in rural social movements - Futureo ((ULLOA FORERO, 2015)
and that was re-signified for the Quests of Formative Networks towards the Black Women’s March,
provoking an effective debate on black feminism (SEBASTIAO, 2010) and on intersectionality of
gender, race and territory (VIANA, 2011; CARDOSO, 2014) among academics, rural workers and
young high school students.
Keywords: Black women´s march. Intersectionality. Methodology.