Norma e Conflito Fichamento

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO AS MINAS E AS GERAIS: HISTORIOGRAFIA REGIONAL PROF.DRA. GLAURA TEIXEIRA NOGUEIRA LIMA Fichamento ___________________________________________________________ ____ SOUZA, Laura de Mello e . Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999 ___________________________________________________________ ____ Parte I “Pela riqueza de informações fornecidas pelas Devassas mineiras, creio poder afirmar, com segurança, que o estudo conjugado desse tipo de documentação propiciaria traçar com maior precisão o painel da sociedade colonial, obrigando talvez à reformulação de muitas afirmações que vêm sendo feitas através dos tempos.” (pág.19) “As Devassas mineiras foram inicialmente efetuadas por deliberação do bispado do Rio de Janeiro (1721-1748),

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO

AS MINAS E AS GERAIS: HISTORIOGRAFIA REGIONAL

PROF.DRA. GLAURA TEIXEIRA NOGUEIRA LIMA

Fichamento

______________________________________________________________

_SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no

século XVIII. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999

_______________________________________________________________

Parte I

“Pela riqueza de informações fornecidas pelas Devassas mineiras, creio poder

afirmar, com segurança, que o estudo conjugado desse tipo de documentação

propiciaria traçar com maior precisão o painel da sociedade colonial, obrigando

talvez à reformulação de muitas afirmações que vêm sendo feitas através dos

tempos.” (pág.19)

“As Devassas mineiras foram inicialmente efetuadas por deliberação do

bispado do Rio de Janeiro (1721-1748), passando para a jurisdição do bispado

de Mariana a partir de sua criação.” (pág.19)

“{...} as testemunhas que comparecem à Mesa da denúncia falam muito mais

da vida amorosa, da sexualidade, dos costumes de seus semelhantes, do que

da sua regularidade no comparecimento ás missas e na obediência aos jejuns.”

(pág.20)

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“Acredito que as autoridades da Visita tendiam a chamar as pessoas mais

observantes dos preceitos religiosos, melhor reputadas na localidade, mas

também as mais humildes e, nessa qualidade, mais facilmente intimidáveis.”

(pág.20)

“Sucedem-se as referências a indivíduos que fugiam ante o pânico de terem

sua vida instável devassada pelos olhos perscrutadores da Igreja, pulando de

arraial a arraial para, uma vez acabada a Visita, tornarem ao seu local de

moradia.” (pág.21)

“Segundo rezam os próprios assentos das Devassas, designar-se-ia para cada

Comarca um visitador diferente; entretanto o que se nota, na pratica é que os

visitadores acumulavam a Visita de mais de uma Comarca.” (pág.21)

“É frequente acontecer a incriminação de uma testemunha em um depoimento

subsequente ao seu: assim, o individuo que depôs contra um outro, acaba

caindo na teia da Devassa quando este segundo é chamado pelo visitador a

fim de responder às culpas que lhe foram imputadas pelo primeiro.”

(Pág.21,22)

“ Sua leitura elucida de igual maneira aspectos da sexualidade do homem de

então, de suas práticas mágicas, das relações de tensão e de conflito entre as

diferentes camadas da sociedade, propiciando ainda o desvendamento do

modo de vida da população urbana e rural nas suas diversas facetas:

habitação, vestuário, condições materiais de vida, lazer.” (Pág. 22)

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“ O aspecto que mais ressalta nessa leitura é a extrema fluidez da camada dos

homens livres pobres, a indefinição que muitas vezes manifestam ante a

camada escrava e, em menor escala, ante a camada senhorial.” (pág. 23)

“Muitos homens vinham de Portugal e de outras regiões da colônia para tentar

a sorte na mineração, lá deixando suas esposas: sucedem-se denuncias de

indivíduos vivendo “ausentes de suas mulheres”. O concubinato não se reduzia

apenas à convivência de um homem com uma mulher, sendo bastante

frequentes os casos de um homem convivendo com duas ou mais mulheres e

de uma mulher convivendo com dois ou mais homens.”(pág.23)

“Ao denunciarem a promiscuidade em que viviam os homens libres pobres, as

testemunhas depoentes fornecem subsídios para o estudo do modo de vida

dessa camada: casas pobres e mal construídas, em que várias pessoas de

sexos diferentes viviam em poucos cômodos e, frequentemente, em um único

cômodo. Ao darem importância excessiva às pessoas que possuíam roupas

mais caras – sobretudo as mulheres - , ao alegarem pobreza e incapacidade

para pagarem a pena pecuniária imposta pela Mesa quando da apuração das

culpas – já que não dispunham de meios, nem mesmo para comprar roupas

para que sua família comparecesse ás missas dominicais -, essas testemunhas

deixam entrever o quanto era pobre e precária a vestimenta dos menos

favorecidos.” (Pág.24)

“ As bebedeiras eram frequentes e os vapores do álcool inebriavam não

apenas os menos favorecidos, mas também os padres que, então, valentões,

desafiavam e provocavam os fiés, envolviam-se em brigas por causa de

mulher, davam tiros. Os crimes passionais também mostram sua presença nas

Devassas, ao lado dos casos de pancadaria – as vítimas sendo,

evidentemente, as mulheres. É ainda considerável a incidência de roubos,

sobretudo de gado.” (Pág.25)

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“As práticas cotidianas da população pobre das Minas no século XVIII

envolviam, com frequência, o recurso à magia e à feitiçaria propriamente dita.

Sucedem-se aos casos de cura, de benzeduras de animais, de animismo, de

pactos com o demônio, de feitiços com finalidade amorosa ou sexual. Numa

sociedade escravista, a prática da feitiçaria como meio de agredir o senhor -

inclusive com a morte – e defender o cativo tinha um papel de destaque.”

(Pág.25)

“{...} Assim, é de se considerar o fato de existir uma intermediação entre a

testemunha que narra os fatos e o relato que chegou até nós: o escrivão da

Devassa, reprodutor consciencioso da ideologia oficial – de que a Igreja era um

dos principais sustentáculos - e provável co-autor em muito daquilo que de

preconceituoso se dizia sobre a população da terra.” (Pág.27)

“Em 24 de julho de 1717, o conde deixava o Rio de Janeiro, onde

desembarcara, e seguia para São Paulo. Durante um mês e uma semana,

pôde familiarizar-se com a aspereza das viagens e as improvisações impostas

pelas carências do cotidiano, vendo a cada momento mesclarem-se os hábitos

europeus e as aclimatações próprias ao meio colonial.” (Pág.31)

“Na assim denominada primeira parte, Assumar desenvolve uma estratégia

bem urdida. Por um lado, exalta suas origens, os feitos de armas de seus

antepassados; por outro, o seu próprio merecimento. Isto porque os penachos

com que se adornam as pessoas devem originar-se antes no próprio mérito do

que no de seus antepassados, sentencia, repetindo as palavras que a mão lhe

dirigia quando lutava na Espanha. Sua nobreza apresenta-se, assim,

inconteste e consolidada, porque advinda de dupla fonte: a hereditária e a

pessoal. Não era em busca de mais nobreza, portanto, que cruzara os mares, e

sim para obedecer o rei.” (pág.32)

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“Sem obediência não há paz nem sossego, imprescindíveis para que tudo entre

nos eixos, sob o ponto de vista da lógica metropolitana: os colonos trabalhando

as minas já descobertas e achando outras novas; as autoridades cobrando os

quintos; o ouro, ‘nervo principal’ do comércio, fluindo para Portugal e pagando

as alianças políticas necessárias.” (Pág.33)

“Porém uma só coisa me desanima, e de algum modo diminui o meu

contentamento, e não sei se me faz arrepender de me ter empenhado em mais

do que podem as minhas débeis forças; porque experimentando esta cidade no

presente, e nos governos passados tal benevolência, e afabilidade dos seus

governadores, é-me necessário para igualá-los no talento, na capacidade, e no

seu reto modo de governar[...]” (pág.35)

“Todos estes obstáculos venci depois de forcejar e lutar bastante a minha

vontade com meu entendimento, mas finalmente, esquecendo-me da pátria

sempre cara e sempre amável, ausentando-se dos parentes e dos amigos, e

sobretudo deixando com grande risco seu, e o meu pesar, ou para melhor dizer

arrancando-me violentamente daquelas coisas mais e mais que amáveis, que

com âncoras bem aferradas domesticamente me detinham,[...]” (pág.37)

“ {...}Finalmente, havendo obediência, de que nasce a boa ordem das

repúblicas, união de que procede a sua total fortaleza e intrepidez nos

descobrimentos, de que se seguiram maiores riquezas ao rei, aos vassalos, e

por consequência ao público e aos particulares ,ficando todos certos que

choverão em número as graças e as honras de Sua Majestade, e abrir-se-ão

aos seus copiosos tesouros para remunerar a tais serviços. Eu lhe empenho já

a sua palavra autentificada nesta carta assinada pela sua real mão, e desde

hoje ficará atada a minha promessa, de que solenemente faço diante deste

nobilíssimo auditório a todo aquele que se quiser distinguir com alguém de

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serviço memorável à coroa para ser por mim, e por meus parentes, e por tudo

o que me toca seu protetor, seu defensor, e seu procurador diligentíssimo.”

(pág.40)

Parte II

“A década de 40 é ainda mais significativa por corresponder a um momento de

alterações substantivas na vida da capitania: a criação do bispado de Mariana

e consequente implantação dos mecanismos de funcionamento da instituição

eclesiástica; o longo governo de Gomes Freire de Andrade e seu irmão e

interino, José Antônio Freire de Andrade; o aprofundamento de vasta gama de

tensões sociais, notadamente o pipocar de quilombos e de investidas

normatizadoras contra desclassificados sociais.” (Pág.48)

“Antes que a assistência ás crianças abandonadas recaísse sobre as Santas

Casas de Misericórdias e que nelas se estabelecessem as rodas dos expostos,

cabia aos senadores das Câmaras Municipais responder pelo socorro aos

bebês deixados em locais públicos. As pessoas que encontrassem criancinhas

comunicavam o ocorrido ás autoridades competentes e, caso desejassem cria-

las receberiam para isso um pagamento da Municipalidade.” (Pág.48)

“Entre 1699 e 1726 – ano em que se estabeleceu na Santa Casa local a roda

dos expostos -, a Câmara de Salvador criava entre 4 e 5 crianças por ano, e

entre 1745 e 1746 não se criaram mais do que 6 crianças com a subvenção da

Câmara do Rio de Janeiro – onde a roda surgiria em 1738.” (Pág.49)

“Outra peculiaridade colonial é a presença, nos raros registros das Câmaras,

das expressões ‘criadeira’ e ‘criador’, praticamente inexistindo referências,

como acontecia na metrópole, a ‘amas de leite’.” (pág.49)

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“Em Minas, onde as Misericórdias surgiam muito tarde, e onde não houve roda

dos expostos durante o século XVIII, a criação de enjeitados recaiu totalmente

sobre as Câmaras Municipais, acarretando, ás vezes, atitudes ambíguas e

contraditórias, como tive a oportunidade de discutir em outro trabalho.”

(Pág.49,50)

“O que não ressalta, e me parece pertinente considerar, é que as altas taxas

europeias revelam sociedade muito mais refratária aos nascimentos ilegítimos,

enquanto o menor índice verificado entre nós sugere maior capacidade de

absorver tais nascimentos ou, o que talvez seja ainda mais relevante, a

banalidade da bastardia dada a alta ocorrência de relações consensuais.”

(Pág.50)

“Caba ainda lembrar que, com o avançar do século, a sociedade talvez

desenvolvesse expectativas maiores acerca da participação do Estado na

criação da infância abandonada, por isso aumentando o número de expostos.”

(Pág.50,51)

“Ao todo, expuseram-se 245 mulheres e 229 homens, e a diferença não chega,

a meu ver, a revelar uma tendência no sentido de preferir criar homens ou

mulheres, sendo apenas reflexo da flutuação natural que sempre no tocante a

uma distribuição de nascimentos entre os sexos, acabando, ao dim e ao cabo,

por se regular.”(Pág.51)

“No que se diz respeito as pessoas que adotavam crianças expostas, ou pelo

menos àquelas que se apresentavam às câmaras alegando disposição para

cria-las, parece-me curioso que tenham sido majoritariamente homens.”

(Pág.51)

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“Talvez, ao contrario, fossem movidos pela deliberada má-fé, visando

reconduzir ao cativeiro os bebês que a exposição, em principio, libertava. Por

fim, podia ser que agissem de forma análoga à dos senhores que punham suas

escravas ao ganho; ao invés de leva-las a vender nas ruas gêneros

comestíveis ou favores amorosos, valiam-se dos estipêndios pagos pela

Câmara para atenuar os encargos representados pela subsistência das

cativas.” (Pág.52)

“{...} o estipêndio pago pela câmara poderia ser significativo para um

orçamento minguado, ou a criação de crianças garantia aos indivíduos pobres

o aumento do número de braços disponíveis para a luta pela subsistência. Sob

o ponto de vista das mentalidades, o fato de uns poucos indivíduos adotarem

muitos bebês faz lembrar o costume de se tirarem crianças para criar em

função do pagamento de promessas feitas.” (Pág.53)

“Para homens e mulheres melhor situados na sociedade, a criação dessas

crianças poderia ter o objetivo de aumentar o número de agregados e

apaniguados, visando antes conferir estima e status do que trazer vantagens

pecuniárias. Redes de solidariedade e compadrio se formaram dessa maneira,

tendo longuíssima duração na nossa história.” (Pág.54)

“Tais evidências parecem portanto, reiterar o que a historiografia já sabe: zonas

urbanizadas expunham mais crianças do que zonas rurais, onde as

transformações lentas e as solidariedades mais acentuadas propiciavam

melhor recepção aos enjeitados.” (Pág.58)

“Mesmo que a crise do ouro não inviabilizasse a vida na capitania, já há muito

dotada de outras atividades econômicas de relevo, é curioso que muitas

variáveis apontem no sentido de uma desestabilização geral ocorrida ao

mesmo tempo em que decaía o rendimento aurífero. O aumento dos fogos

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femininos, por exemplo, sugere tanto maior autonomia econômica das

mulheres quanto a evasão dos homens, que talvez partiam em busca de novas

atividades{...}” (Pág.60)

“Mulheres sozinhas a garantir a própria subsistência não abandonaram,

contudo, os padrões tradicionais da sociedade. Na hora de matricularem

crianças, começaram a recorrer a procuradores do sexo masculino que

gozavam de certa projeção social.” (Pág.60)

“Caio Cesar Boschi, por fim, deixa claro que, nas Minas, a criação dos

enjeitados recaía basicamente sobre as Irmandades ou sobre as Câmaras,

estas ultimas deixando muitas vezes de cumprir o prometido: o pagamento das

mensalidades aos criadores ou às amas de leite. Tais mulheres, por sua vez,

não obedeciam as determinações de apresentar periodicamente as crianças às

Câmaras, e esta mútua desconsideração explicaria, em parte, o alto número de

mortes entre os enjeitados.” (Pág.65)

“Por outro lado, a fragilidade das Misericórdias no desempenho das funções

assistencialistas, a impossibilidade das Irmandades assumirem totalmente a

criação dos expostos e a indefinição legal da Metrópole, vigente até

1775,devem certamente ter contribuído para que grande parte das crianças

expostas morressem antes mesmo de serem matriculadas nos assentos

camerários.” (Pág.66)

“De uma ou outra forma, a Câmara expressa claramente o seu propósito de

não criar mulatos, e revela que por ocasião da matrícula, nem sempre se tinha

conhecimento da cor do enjeitado – seja por não ser o mesmo trazido perante

os vereadores naquele momento, seja por impossibilidade de se definir a cor

de recém-nascidos {...} seja ainda por estarem cientes os interessados a

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criação do exposto de que a legislação vigente ou a prática usual do Senado se

furtava à criação de mestiços de sangue negro.” (Pág.69)

“Na década de 50, portanto, nas Minas como um todo ou particularmente na

Comarca de Vila Rica – onde o censo de 1776 acusaria um total de 12.679

brancos, 16.791 pardos e 49.148 negros (considerando-se ambos os sexos),

as autoridades camerárias demonstravam, através de medidas restritivas e

racistas, um temor ante a miscigenação que tinha raízes nos primeiros

decênios do povoamento das Minas.” (Pág.70)

“A reprovação de mestiçagem tomara assim forma oficial, era endossada pelo

vice-rei, que sistematizava temores difusos e esparsos, tais como os que, nas

Minas, embasaram atitudes ilegal, racista e discriminatória assumida pela

Câmara da Leal Cidade de Mariana no tocante à criação de bebês mulatos.”

(Pág.71)

“A recusa em criar mulatinhos às expensas do erário público se insere num

contexto geral de horror à mestiçagem: a lei poderia aparecer como justa, mas

a prática acusava a mentalidade discriminatória dos colonizadores e colonos

brancos, bem situados na escala social.” (Pág.72)

“A ordem de execução de Tiradentes e a alegoria que celebrava o fim da

conjuntura imprimiam no cotidiano o suplício do insubordinado e a afirmação do

poder. Se o réu da horrível conspiração morara em Minas e, inúmeras vezes,

percorrera os caminhos que ligavam a capitania interiorana à sede do governo

dos vice-reis, situada em terras do litoral, era ao longo dos caminhos que seu

cadáver deveria ficar exposto.” (Pág.84)

“Durante todo século XVIII, as autoridades portuguesas não se cansaram de

discorrer sobre o perigo da sublevação ou sobre a periculosidade potencial dos

habitantes da colônia, que, como o índio da alegoria acima descrita, poderiam

até se submeter, mas traziam sempre uma serpente ao alcance da mão para,

com ela, ferir as normas estabelecidas pelo Poder Central.” (Pág.85)

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“Fundamental, neste processo, mostrou-se a atuação do conde de Assumar,

que dirigiu a capitania entre 1717 e 1721.Acuado pelos protestos contra a

forma de tributação que, em nome da Coroa, deveria implantar nas Minas, e

apavorado com a iminência de um levante escravo, inevitável, antes seus

olhos, pela relação desequilibrada entre o pequeno número de brancos e o

enorme contingente negro, o governo do conde foi um divisor de águas no que

diz respeito ao exercício do poder em Minas, tendo sido ele o primeiro

governante português que, na colônia, executou sumariamente um homem

branco e de certa qualidade social, passível nesta condição, de ser julgado por

uma Junta de Justiça.” (Pág.87)

“Na década de 20, portanto, quando o Estado se instalava na convulsionada

capitania das Minas, separando-a da de São Paulo para melhor governá-la, o

conde de Assumar tinha claro que a revolta de colonos e de escravos podia pôr

a perder os domínios portugueses na América do Sul; percebia também que o

grande número de escravos negros e a minguada população de brancos fazia

de Minas um barril de pólvora.” (Pág.88)

“A partir de meados do século, como se ia dizendo, as revoltas tornaram-se

surdas, constantes, disseminadas, cotidianas : mudara tanto sua anatomia

como a forma de encerá-las. Desde então, e até o governo de Luís da Cunha

Menezes, os oligarcas mineiros estiveram antes do lado do poder do que

contra ele, gozando de benefícios e propinas.” (Pág.90)

“No imaginário politico da época, Inimigo com I maiúsculo se tornara, cada vez

mais, o gentio bravo, comedor de gente nas florestas que margeavam o rio

Doce; o quilombola fugidio, sempre pronto a atacar as colunas que entravam

pelos matos, sempre presto na pilhagem de paios e roças de fazendeiros

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imprevisíveis; o vadio itinerante e biscateiro, que rodava pelo sertão e pelas

vilas, pesando, com sua forma intermitente de trabalhar.” (Pág.90)

“No imaginário colonial, índios eram, tradicionalmente, agentes de Satã que a

catequese se esforçava por metamorfosear em almas de Cristo, antítese da

cultura que a expansão das fronteiras e a conversão ao trabalho sistemático

poderia, talvez reduzir ao mundo dos brancos civilizadores.” (Pág.91)

“Vendo como ilegítimos os atos de violência dos índios, os sertanistas

relatavam de forma natural e serena os massacres cometidos contra aldeias.”

(Pág.91)

“Índios eram portanto, inimigos permanentes: quando mansos, traíam,

desertavam, voltavam-se contra os brancos se a aliança com eles não mais

interessasse. Se bravios, comiam gente, ameaçavam os aldeamentos, pelos

quais o mundo civilizado procurava domar o sertão.” (Pág.93)

“Para cada branco pululavam nas Minas cem ‘etíopes’, ou seja, negros da

África que tentavam, sempre que se oferecia a ocasião, ‘despojarem’,

matavam, atacavam as povoações que sabiam ‘menos fortificadas para a

defesa’, erguiam suas malocas nas paragens mais inacessíveis ao brancos,

onde viviam ‘sem lei nem obediência’ às normas do Estado português.”

(Pág.94)

“Se a guerra campeava, era preciso desenvolver estratégias. Os homens

designados para perseguir e prender quilombolas deveriam primeiro busca-los

nas imediações das estradas, que, reclamavam os habitantes, viam-se

‘infestadas’ deles. Quando estivessem limpas, passariam então para os

quilombos, onde deveriam primeiro cuidar de prender os negros fugidos sem

machuca-los. Havendo resistência tinham autorização para matar, incendiar,

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destruir as aldeias. Contra os quilombos eram enviadas expedições bélicas

que, na maior parte das vezes, partiam sem alarde, às escondidas, para melhor

surpreender o inimigo. Podiam contar com 100 homens entre os quais havia

dragões, soldados pedestres, auxiliares.” (Pág.95)

“Contra os quilombos, voltava-se também a ‘civil sociedade’, os homens

comuns, como um certo Gonçalo Pais que, em 1770, se oferecia para patrulhar

o sertão às suas expensas, explorando-o e, ao mesmo tempo atacando os

aldeamentos de negros fugidos.” (Pág.96)

“Esses particulares que por conta própria, caçavam fugidos, procurariam talvez,

neutralizar a eterna falta de capitães-do-mato e de tropas adequadas,

expressas nas queixas incessantes das Câmaras Municipais e das autoridades

administrativas ou judiciarias.” (Pág.96)

“Para nossas sensibilidades de homem do século XX, que talvez se mostrem

embotadas ante outras barbaridades, a ideia de homens que carregavam

cabeças de outros homens em bolsas ou sacos para exibi-las ao governante é,

sem dúvida, insuportável.” (Pág.98)

“Outra forma de castigo exemplar empregada sobre quilombolas era o corte de

orelhas, e os senhores solicitavam ao governador o direito de exercê-lo sobre

os seus escravos fujões.” (Pág.98)

“O exemplo tinha, pois, este objetivo de tornar visível a infração, inscrevendo-a

no corpo criminoso.” (Pág.98)

“Os vadios eram um grupo infrator caracterizado ,antes de mais nada, por sua

forma de vida. Era o fato de não fazerem nada, ou de nada fazerem de forma

sistemática, que os tornava suspeitos ante a parte bem organizada da

sociedade. Por não terem laços- família, domicilio certo, vinculo empregatício-

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constituíam um grupo fluido e indistinto, difícil de controlar e até mesmo de

enquadrar.” (Pág.99)

“Três anos depois, a 25 de abril, o governador conde de Valadares enviava a

todos os capitães-mores e comandantes dos distritos da capitania uma série de

onze instruções que determinavam a forma pela qual se deveria proceder com

relação, aos vadios, visivelmente cada vez mais incômodos.” (Pág.99)

“ O curioso destas instruções é que revelam a fluidez da sociedade mineira

setecentista: há um cuidado extremo em alertar os comandantes no sentido de

prenderem vadios verdadeiros, não se fiando em acusações falsas de inimigos,

averiguando se, de fato, as pessoas tidas como vadias não desempenhavam

algum tipo de atividade útil. Comportamentos desviantes em pessoas com o

ofício definido eram considerados irrelevantes.” (Pág.100)

“Até a década de 70, as autoridades se preocuparam mais com o modo de

vida marginal dos vadios e com as formas possíveis de controla-los do que

com as alternativas para a sua utilização. Com o aprofundamento da crise

aurífera, porém, surgiu a necessidade de transformar o ‘peso inútil da terra’ em

elemento útil à ordem pública." (Pág.101)

“Para trabalhar nas construções do presidio de Cuieté, o governante mandou

prender os vadios que se encontrassem por toda a capitania e os remeteu para

lá, ‘fazendo deste modo com pouca despesa aquela importante obra, e

purgando também a sociedade civil dos perturbadores dela.” (Pág.101,102)

“Denuncias apontavam que, pouco depois da expulsão dos jesuítas, várias

pessoas comentaram, revoltadas, que D.José I e seu ministro Pombal agiam

de forma autoritária e inconcebível ao expulsarem os jesuítas, referindo-se

ainda ás execuções contra Távoras e demais membros da nobreza lusitana.”

(Pág.102)

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“Antônio de Noronha mandou procede à devassa, e saíram incriminadas 16

pessoas, das quais 15 foram presas e remetidas para o Rio de Janeiro ,onde,

após uma estada na Ilha das Cobras, seguiram para Portugal. Na Metrópole,

parece que as culpas foram consideras irrelevantes: em janeiro de

1778,D.Antonio recebia ordens para devolver os bens sequestrados aos presos

so Curvelo e soltar os que se encontravam na cadeia local.” (Pág.103)

“Se os negros se sublevassem ou se os vadios tivessem consciência de seu

peso, voaria em estilhaços o mundo restrito dos homens brancos, entre os

quais achavam os inconfidentes.” (Pág. 104)

“A partir da década de 40, a revolta se infiltrou nos interstícios do tecido social,

fazendo com que os capitães-generais das Minas vissem às voltas com uma

guerra surda que fustigava simultaneamente vários flancos.” (Pág.104, 105)

“1776, no Curvelo, inaugurava-se uma terceira possibilidade de revolta nas

Minas, Enquanto governadores matavam índios e quilombolas e prendiam

vadios para, com eles, empurrar a fronteira interna para leste ou para oeste,

homens letrados discutiam ideias, apoiavam os jesuítas, criticavam a

Monarquia – como aconteceu em Curvelo.” (Pág.105)

“A existência deste pasquim sugere a existência de muitos outros que, como

ele, ameaçariam os revoltosos potenciais com a forca, pregariam a punição do

desacato ao monarca nos moldes do suplicio de Tiradentes.” (Pág.107)

“Os pasquins detratores indicam, que para a Metrópole, o suplício não fora em

vão. Em outras paragens, as revoltas podiam estar deixando o segredo das

reuniões domésticas e ganhando as ruas, como o levante que, naquele mesmo

ano de 1798,os baianos promoveram em Salvador; mas a coerção, a violência,

a representação emblemática do poder ainda calavam fundo nos ânimos dos

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mineiros, sendo capazes de disseminar o medo e trazes no seu rastro funesto,

a desagregação do tecido social.” (Pág.107)

“Para ‘alimpar’ o interior e dar continuidade ao povoamento de uma frente

avançada, houve em 1746 verdadeira guerra contra quilombos na região do

Alto São Francisco – zona de cerrados, mais plana e própria à agricultura do

que as escarpas pedregosas da região mineradora e diamantífera.”(Pág.112)

“Após a luta terrível, que se arrastou por sete horas e na qual se usaram até

granadas, o quilombo foi arrasado, e muitos escravos feitos prisioneiros.

Houve calma por algum tempo, mas lodo recrudesceram os mocambos negros

fugidos. Os fazendeiros se queixavam de não poderem tocar direito a vida na

suas terras, e a população em geral morria de medo, talvez fantasiando um

pouco sobre a invasão de quintais, criação roubada, assaltos nos caminhos ou

sobre a desonra de uma filha.” (Pág.112)

“Pelo trabalho de ‘limpeza’, Bartolomeu Bueno do Prado recebeu sesmaria de

três léguas por uma, em paragem que conhecera quando das andanças atrás

de quilombo no sertão do Campo Grande. Era dessa forma que muitos

agricultores futuros tornavam contato com as terras que depois se tornariam

suas.” (Pág.113)

“As relações entre posses de terras e escravos mostrava-se, dessa forma,

extremamente complexas e contraditórias. Sem escravos, não se concediam

sesmarias aos requerentes, pois não teriam como comprovar sua capacidade

em cultiva-las; apesar disso os escravos não eram muitas vezes devolvidos ao

dono, passando a servir ao Estado.” (Pág.113)

“Tudo indica, portanto, não ser apenas por cuidado com ameaça de revolta ou

por temor ante a possibilidade de os negros assumirem o comando da

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sociedade que se batiam os matos atrás de mocambos. Trava-se da

continuidade e da sobrevivência da exploração agrícola nas zonas afastadas, e

ainda do acesso mais ou menos livre as terras, abundantes naquela situação

de fronteira aberta.” (Pág.113)

“O empenho em povoar a fronteira sudoeste da capitania de Minas, portanto,

não dizia respeito a uma política regional, devendo ser compreendido no

quadro mais amplo do esforço pombalino em povoar a América Portuguesa a

qualquer preço – fosse com índios e mestiços que no dizer de um conselheiro

do ministro, também serviam – ‘todos são homens, e são bons quando bem

governados.’- {...}” (Pág.114)

“ Apesar de não ter registros de todas as expedições, deveriam ser, como era

então de praxe, forças bem armadas e de composição variada, contando entre

seus membros com índios mansos e negros fiéis que, no sertão desconhecido,

faziam as vezes de línguas e de guias.” (Pág.116)

“Pamplona se tornara um potentado rural às custas de benefícios formidáveis

extraídos dos governos regionais, de resto merecidos, dentro da ética vigente

na época: o antigo mascate soubera dosar bem o esforço pessoal – que

contara inclusive com significativo desgaste físico - e a mais deslavada

bajulação, presente a cada linha das cartas untuosas enviadas aos capitães-

generais.” (Pág.117,118)

“Por outro lado, o traço distintivo da expedição de 1769 reside no fato de ter

sido minuciosamente relatada por um de seus participantes. O motivo que

levou à redação do relato não é evidente, mas cabe conjeturar que tenha a ver

com a gabolice de Pamplona, um obcecado em autopromoção.” (Pág.118)

Page 18: Norma e Conflito Fichamento

“A presença de escravos músicos revela um dos aspectos civilizadores mais

intrigantes dão, essa entrada. Munidos dos mencionados tambores e ainda de

violas, rebecas, trompas e flautas transversais – todos eles, instrumentos fáceis

de carregar, e por isso, muito usados nas Minas de então - , os músicos, a

cada amanhecer, tocavam e cantavam ‘suas letras’, às vezes em cantochão,

às vezes entoando ave-marias, ladainhas ou Te Deum Laudamus, executando

missas, {...}” (Pág.119,120)

“Além da musica, também a religião imprimia sua marca no cotidiano incerto,

escandinho os atos civilizadores dos entrantes. A cada alvorada, junto com os

cânticos vinham as missas, sempre ouvidas pela comitiva e ainda pelos que

nela eventualmente se somavam. Dava-se muita atenção aos locais do culto.”

(Pág.120)

“Em nenhum dos dias da jornada se descuidavam os entrantes de rezar o terço

ao cair da tarde, no que o exemplo sempre veio da barraca do mestre-de-

campo, adepto do ‘devoto exercício’ cotidiano.” (Pág.121)

“O confronto entre os poemas pedantes dos padres e dos versinhos ingênuos

de Camacho revela a existência de pelo menos duas tradições distintas na

poesia ‘de roça’ praticada e usufruída durante a expedição de Pamplona contra

quilombolas: aquela mais culta e afeita à norma erudita, e a tradição

propriamente popular, referida ao mundo da oralidade.” (Pág.124)

“A repressão gerava ódios e criava inimigos, e o cronista não os omite,

invocando dessa vez a prudência de Pamplona em lidar com situações tensas.”

(Pág.125)

Page 19: Norma e Conflito Fichamento

“Nesse sentido, há um certo pioneirismo protogeográfico na expedição de

1769. Uma vez desvanecido o medo de quilombola e assentada a poeira dos

confrontos, o escrivão de empresa pôde fornecer dados precisos sobre a

localização dos quilombos e, preciosidade entre as preciosidades deixar-nos o

desenho nítido de sete deles.” (Pág.128)

“Pamplona certamente nunca foi flor que se cheirasse, e se a complacência

dos historiadores o eximiu do comando de massacres de negros e índios –

como os Caiapó, por ele exterminados com a sanha do ano de 1782 - , não

haverá certamente argumentos que justifiquem seu comportamento

vergonhoso na Inconfidência Mineira.” (Pág.132)

“Traços que hoje nos parecem dispares e contraditórios, mas que, nesse

desencontro, servem para ilustrar que ‘barbárie’ e ‘civilização’ podem ser duas

faces de uma mesma moeda.” (Pág.133)

“Descobertos oficialmente em 1729 na região do Tejuco. Em Minas Gerais, os

diamantes representaram para a Coroa Portuguesa uma de suas principais

fontes de receita durante boa parte do século XVIII. Monopólio régio, a

exploração foi desde cedo vetada aos particulares, ficando limitada ao

controlo-te do Estado e variando de forma.” (Pág.138)

“No decorrer do século XVIII, o Tejuco foi assim sendo envolvido por uma série

de mitologia depreciativa, tecida sobretudo pelos que ficavam de fora da

Demarcação Diamantina. O mandonismo de Chica da Silva e a submissão

‘conjugal’ do controlador são a face erótico-afetiva de uma desordem maior que

impregnava o cotidiano, subvertia a norma e criava um território em que tudo

andava ás avessas.” (Pág.139)

“Mesmo que se trate de documentos produzidos por agentes metropolitanos ou

por seus auxiliares diretos, e que tragam a marca do discurso oficial – muitas

vezes preconceituoso e deformador- é possível, com base nestas fontes,

Page 20: Norma e Conflito Fichamento

refazer um pouco da revolta permanente e difusa que caracterizou a vida nas

Minas durante a segunda metade do século XVIII.” (Pág.141)

“Ora era um golpe choque em que os soldados encontravam mais de 200

pessoas minerando clandestinamente e capazes de os receber a tiros. Desta

feita, ocorreu um combate de mais de meia hora, animado por um padre da

Vila do Príncipe que incitava os garimpeiros a berrem: ‘Morra, morra aqui tudo.”

(Pág.142)avia portanto laços

“Quando alguém morria trabalhando, soterrado por um penedo, os

companheiros iam buscar o capelão da administração diamantina para que ele

ministrasse os últimos sacramentos. Havia portanto, laços de solidariedade que

os uniam ao resto da população, muitas vezes participe das atividades

infratoras.” (Pág.145)

“No Distrito Diamantino, as autoridades locais fingiam que os garimpeiros eram

quilombolas para assim dar continuidade ao extravio e poupar os senhores do

confisco de escravos postos de caso pensado na mineração clandestina de

diamantes.” (Pág.1486,147)

“O reformismo ilustrado de D. Rodrigo José de Menezes esbarraria não

apenas do desconhecimento de causa do Conselho Ultramarino como também

na mescla de corrupção administrativa, contrabando e defesa a ferro e fogo

dos interesses escravistas vigentes nas Minas e, e no caso deste estudo, no

Distrito Diamantino. Para complicar ainda mais as coisas, havia formas de

organização e solidariedade a unirem diferentes segmentos sociais.

Solidariedades verticais, irmanando garimpeiros e quilombolas, homens livres

pobres e escravos; solidariedade horizontais, dando coesão, mesmo que

momentânea a senhores de escravos , homens de patente e reles infratores.”

(Pág.147)

Page 21: Norma e Conflito Fichamento

“Um enorme contingente de escravos criou, desde o início da ocupação

territorial em Minas, uma situação sui generis e específica no contexto colonial.

As Minas foram incorporadas ao âmbito da colonização no exato momento em

que Palmares estava sendo destruídos pelos paulistas: de 1693 data do tanto

terror espalhou entre os colonizadores.” (Pág.151).

“A consciência de que o desequilíbrio entre homens brancos e negros escravos

podiam ser fatal surgiu, assim junto com a assentamento dos colonos em solo

mineiro. Todo primeiro quartel do século XVIII foi marcado pelo temor ante as

consequências desse desbalanceamento.” (Pág.151)

“ A abordagem das alforrias deve, portanto, levar em conta ambos os aspectos:

o temor e restrições ante a maior incidência da prática, expressos pelo Estado

e seus agentes; a generalização da prática, mostrando que a sociedade não

apenas a tolerava como, possivelmente, necessitava dela.” (Pág.153)

“A presença de forros começou a incomodar de forma mais sistemática no

momento em que a prosperidade advinda da extração aurífera atingia seu

ápice.” (Pág.154)

“Tudo indica que no correr dos anos, os pardos forros foram se diferenciando,

procurando, talvez, formas peculiares de obtenção da liberdade. É o que

parece indicar um documento curiosíssimo, único mas propostas de alforria

correntes ou em gestão na sociedade mineira.” (Pág.155)

“Voltando à coartação, é importante salientar seu aspecto de alforria

condicional sem contudo descurar os traços muito peculiares que caracterizam.

O escravo seria beneficiado se pagasse determinada quantia previamente

determinada, dividida em parcelas que podiam ou não ser fixadas de ante-mão.

fosse concedida mediante certas condições: bom comportamento, obrigação

Page 22: Norma e Conflito Fichamento

de, primeiro, servir o senhor ou sua família até a morte de determinados

membros etc.” (Pág.158)

“Para os escravos, era o caminho, talvez apertado e tortuoso, que conduzia à

liberdade: não eram meras concessões, mas ‘conquistas de uma massa

anônima de agentes históricos’, formas de resistência que atuavam dentro do

sistema, sem procurar rompe-lo, como os quilombos.” (Pág.168)

Parte III

“ Os estudos de sociologia religiosa e, mais recentemente, de historia das

mentalidades deram aos ex-votos e estatuto de documento respeitável,

reconhecendo-lhes o relevo de testemunho no âmbito das sociedades

tradicionais.” (Pág.208)

“Documento de história demográfica, social e cultural o ex-voto desperta no

expectador reações afetivas. Nas palavras de um grande especialista, “cada

ex-voto nos coloca em contato com uma aventura individual que foi vivida como

maravilhosa. E é isto que nos comove, quando descobrimos ou decodificamos

estes ex-votos: reencontrar a normalidade a mais humilde mas, ao mesmo

tempo, mais profunda; a história dos medos, das alegrias, das esperanças”

(Pág.209)

“O Livro da Capa Verde, originalmente dissertação de mestrado, procura

acertar contas com essas construções. Baseado e em abundante

documentação, a maior parte manuscrita, o trabalho avança muito no

conhecimento do Distrito Diamantino e , sem duvida, relativiza boa parte das

generalizações abraçadas pela historiografia.” (Pág.211)

“Um dos grandes méritos do livro Vassalos Rebeldes – Violência Coletiva nas

Minas na Primeira Metade do Século XVIII , de Carla Maria Junho Anastásia,

Page 23: Norma e Conflito Fichamento

que apesar de pequenino veio para ficar, é propor alternativas de análise sobre

o protesto social da América Portuguesa. Tarefa corajosa e pioneira, sobre

tudo porque não se debruça sobre revoltas espetaculares, clássicas, que foram

capazes de magnetizar gerações sucessivas de historiadores” (Pág.215)

“Em 1983, através de seminários realizados pela Fundação Carlos Chagas, tive

conhecimento do trabalho de Luciano Figueiredo. Foi das impressões mais

vivas de minha vida profissional. Sua pesquisa era muito séria, dava conta de

todos os arquivos mineiros que eu conhecia e revelava inúmeros acervos dos

quais nunca ouvira falar até então, como o Acervo Documental da Câmara

Municipal de Mariana, que soa gora começa a ser aberto ao público e

consultado por pesquisadores.” (Pág.217)