Norbert Elias - Teoria Simbólica

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  • 7/27/2019 Norbert Elias - Teoria Simblica

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    Este ltim o livro de Norbert E lias exprime, de forma exemplar,as virtualidades da sntese de conhecimentos com origemnas cincias naturais e sociais, por um lado, e nas diferen tescincias sociais, por outro.Em a T e o r i a Simbl ica s o tratados trs problemas fundamentais.Em primeiro lugar, o conceito de smbolo equacionadona s suas relaes com a linguagem, o conhecimento e

    o pensamento, articulando, nomeadamente, perspectivas da " sociologia, da semiologia e d a antropologia cultural. Emsegund o lugar, e tendo por base uma incorporao decontributos da biologia na teoria social, traada a linha de.continuidade entre a evoluo biolgica, conducente constituio do aparelho vocal human o, e o desenvolvimentohistrico dos smbolos en quanto padres tangveisda comunicao human a. Finalmente, o estatuto ontolgicodo conhecimento reexaminado por forma a permitira superao de dualismos filo*sficos tradicionais, como os que: .opem sujeito'e objecto ou idealismo e materialismo.

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    Norbert Elias

    T E O R I A S I M B L I C ANorbert Elias (1897-1990) uma das principais f igurasda sociologia e das cincias sociais em geral. A sua obra'. 'combina, de forma admirvel, o tratamento de dadosempricos sobre os pormenores da vida social, a sntesehistrica de longa durao e a discusso terica geral,Uravessando as fronteiras disciplinares clssicas. Entre os seuslivros mais importantes destacam-se O Processo Civi l izacional Introduo Sociologia.

    s;tu ..; r( 0 1 9 ) 2 3 * 2 0 0 0EncomemUt . EntreviCELTA EDITORA

    OEIRAS / 1994

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    V D E - IFCH

    H X ,TTULO ORIGINALTHE SYMBOLTHEORY

    O 1989,N O K U i m T l i L I A S 1991, NORBERT ELIAS STICHTING...JDAIN1|RODUO DO ORGANIZADOR, 1991, RICHARD KILMINSTERN O R B E R T E L I A STEORIA DO SMBOLO

    PRIMEIRA EDIO PORTUGUESA1994

    TRADUO DO INGLS PORPAULO VALVERDEISBN972-8027-18-4

    ISBN DA EDIO ORIGINAL0-8039-8417-7 SAGE PUBLICATION LTD, LONDRESDEPSrrO LE G A L65908/94

    COMPOSIOCELTA EDITORACAPAC E L T A EDITORA

    FOTOLITOS, IMP R E SS O E A C A B A ME NTOST I PO G R A FI A LOUSANENSELOUSA

    RESERVADOS TODOS OS DIREITOS PARA PORTUGAL,DE ACORDO COM A LEGISLAO EMVIGOR, PORCELTA EDITORA LDAAPARTADO 151,2780 OEIRAS

    Na composio deste livro foram utilizados um micro computador SCHNEIDER e umaimpressora NEC, distribudos em Portugal por IFS.

    NDICE

    I N T R O D U O D O O R G A N I Z A D O R [ R IC H A R D K IL M I N S T ER ] v iiI N T R O D U O 3S E C O I 1 9S E C O I I 3 7S E C O I I I 5 1S E C O IV 57S E C O V 6 7S E C O VI 85S E C O VII 111S E C O VIII . 1 2 5S E C O I X .< 1 3 1N O T A 149

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    INTRODUO DO ORGANIZADOR1RICHARD KTLMINSTER

    U n pro t t m con ven ab l em en t pose est b ien prs d'tre rso lu .(Andr Marie Ampere, citado in Bravo 1979:204)

    A T e o r i a Simbl i ca foi o ltimo trabalho extenso preparado para publicao,em vida, por Norbert Elias, falecido em l de Agosto de 1990, emAmster-do, com 93 anos de idade. Este livro reproduz num texto nico, embora se malteraes, o seu estudo desenvolvido, "The Symbol Theory: An Introduction",publicado, originalmente em trs partes, em nmeros sucessivos de Theory ,Cu l t u r e an d Society no ano de 1989. quadro de Paul Klee, que figura na capa,2foi escolhido por Elias, pouco antes da sua morte, para a nov a verso em livro.Infelizmente, nosdias queprecederam a sua morte, eleestava ainda a elaborarum a nova Introduo. D e acordo com os editores e a N orbert Elias Foundation,foi decidido qu e este documento pungente fosse publicado na sua formainacabada. No incio do texto, foi, assim, includo este documento qu e deveriaconstituir a introduo da verso final. A certa altura, h uma quebra e Eliasassume o seu estilo peculiarmente expansivo, comeando a discutir um dosseus temas favoritos: a necessidade d e estudar as sociedades hum anas numaescala tempo ral mu ito longa. difcil adivinhar o caminho qu e poderia te r sidoseguido pelo resto do argumento.O texto principal passou por vrias fases antes de chegar forma actual. T alcomo todos os outros textos de Elias, nos ltimos anos da sua vida, tambmeste foiditado a um colaborador. Foi finalizado, segundo este processo, numaverso preliminar, no Vero de 1988. O manus crito extenso, m uito repetitivo, eainda no dividido em seces, era uma corrente contnua de temas interrela-cionados. Elaborei um texto mais estruturado e, por isso, mais acessvel co mvista sua publicao na revista, inserindo pargrafos, eliminando repetiesdesnecessrias e ordenando a sequncia das seces nu meradas que ele come-ou mas no concluiu.1 Agradeo a Stephen Barr, Rudolf K n i j f f , Terry Wassall e Cs Wouten pelo seu auxlio napreparao desta Introduo.2 N. do T.: O autor refere-se edio original inglesa que apresenta o quadro de Paul Klee, Buch-stabenbild 1924 .

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    viu T E ORI A S I M B L I C AAo organizar a edio original, segui de perto um a sequncia de temas e deargumentao que j estava presente no material. Apesar da repetio, omanuscri to parecia integrar-se, de forma natural , nu m padro, que, felizmente,vim a poder discutir co m Elias. Uma vez que ele no podia reler as pginas medida que as ia compondo e revendo, devido aos seus problemas de viso,

    Elias foi obrigado a desenvolver todo o trabalho na sua prpria mente. Foi,portanto, notvel descobrir o carcter sistemtico e estrutu rado de um m anus-crito que parecia, na aparncia, se r imperfeito. Todos os meus rearranjos eexcluses foram feitos com o seu consentimento, tendo ele reescrito algumasseces mais curtas. Por sua insistncia, no entanto, foram mantidas algumaspassagens repetitivas que os leitores podem considerar entediantes no texton o remodelado. M as, como sublinho adiante, h uma linha de fronteira muitofluida entre estas passagens e o que podemos designar como as repetiesbenignas de Elias,que so uma caracterstica geral do seu estilo que lhe permiteregressar.diversas vezes s mesm as questes, retrabalhando-as em cada ocasiosegundo perspectivas diferentes.A Teoria Simbl i ca um exemplo clssico da aeuvre3 final de Elias, mas osleitores pouco familiarizados com o seu trabalho e que o lem pela primeiravez, podem considerar estran has a sua forma de apresentao e a sua termino-logia em comparao com os produtos acadmicos profissionais mais habi-tuais. Por isso, podero ser, em geral, teis algumas linhas de orientao paraa leitura destes escritos altamente originais.Dura nte a m aior parte da sua carreira, por razes que m uitas vezes escapa-vam ao seu controlo, Elias situou-se na perife ria das instituies d a sociologiae, deste modo, num a posio de distanciamento. Por isso, foi objecto de poucaspresses do mund o institucionalizado das cincias sociais acadmicas.4 Assim,o que o leitor no e ncontrar em qualquer dos livros ou dos artigos de Elias e, a este respeito, a Teoria Simbl i ca um exemplo tpico o comeo conven-

    cional com uma discusso da literatura ou dos debates contemporneos acercado problema ou do tpico abordados, neste caso os smbolos. Elias no traba-lhava segundo este modelo. Ele preferia enfrentar, de imediato, o problema ouo objecto da sua investigao (por exemplo, as instituies cientficas, Mozart ,o tempo, a violncia, Freud, o envelhecimento e a morte, o trabalho, a psicos-somtica, para citar apenas alguns do s outros temas que ele investigou em anosrecentes) que iria explorar sua maneira . Os esforos dos outros que trabalha-3 N. do T.: Em francs no original. Para evitar a repetio de notas deste tipo, o leitor devesubentender que todas as palavras ou expresses de lnguas estrangeiras, presentes nestatraduo, reproduzem o texto original.4 Para relatos da vida de Elias, a histria da publicao de T h e Civ i l i z ing Process , o reconhecimentotardio do seu trabalho nos pases europeus durante os anos 70 e 80 e a extensa investigao narea da sociologia conf iguracional na Holanda, ver Goudsblom 1977; Lepenies 1978; Korte 1988;Mennell 1989: cap. 1; e Kranendonk 1990.

    INTRODUO DO ORGANIZADOR IXva m estes temas segundo orientaes diferentes e no interior de tradiessociolgicas difere ntes tinham, pa ra ele, um interesse secundrio. E le reservavaao leitor a tarefa de verificar a compatibil idade com o seu prprio paradigmade conceitos e de concluses desenvolvidos em outros locais.Assim, um artigo longo e divagante de Elias contm, tipicamente, rarasreferncias a outros autores; de facto, com frequncia, haver apenas uma,talvez mesm o de um livro obscuro publicado h muitos anos. A Teoria Simbl i cano excepo, contendo s uma referncia a um livro de Julian Huxley de 1941sobre a quest o da singularidade evolutiva do homem. Se lamentvamos a Eliaso facto de ele no ter abordado a literatura contempornea, ou se sugeramosqu e estava antiquado, el e respondia qu e t nhamos um fetiche pelo novo: qu eum livro, embora antigo, pode constituir ainda a melhor abordagem de umproblema. E, de forma recproca, os livros novo s n o representam, necessaria-mente, um avano s pelo facto de serem novos. Era o valor intrnseco de umlivro que era importante, no a circunstncia de estar, no momento, I a m o d e . sEle era insensvel s modas intelectuais, trabalhando numa escala temporalcientfica, com uma am plitude de viso e com um nvel de distanciamen to ques podem ser descritos como olmpicos.Elias tinha uma curiosidade insacivel e rejubilante sobre o mund o. Descre-via, muitas vezes, a vocao do socilogo como uma "viagem de descoberta"ao reino quase desconhecido da sociedade. Elemesmo navegava sempre como auxlio das suas prprias teorias e com a sua linguagem da sociologiaconfiguracional ou sociologia "processual", uma designao que ele comeou autilizar no fim da sua vida. Para Elias, o seu paradigma era o principal na arenasociolgica, era prioritrio, mas no num sentido inflexvel e dogmtico. Nin-gum se mostrava mais aberto do que ele s objeces empricas e ao dilogo.M as ele simplesmente possua uma convico inabalvel sobre a originalidadee a importncia do seu trabalho como um a sntese e como um programa deinvestigao. Tinha uma grande segurana acerca do que fazia. Podia semprereferir o poder explicativo demonstrvel dos modelos sociolgicos que desen-volvera em T he Civ i l iz ing Process (1978-82; 1939, em alemo) e T he Co u r t Society(1983; 1969, em alem o) e recorrer ao seu v asto conh ecimento da histria e dascincias no que s raros contemporneos o podiam igualar.

    . Johan Goudsblom notou que, nos primeiros trabalhos de Elias dos anos 30,h um exerccio de polmica terica e metodolgica implcito com outrosautores e escolas muito superior ao que imediatamente visvel. Nos seustextos posteriores, esta te ndncia tornou-se mais explcita, com Elias a interpe-lar criticamente diversos autores identificad os (Gou dsblom 1987). Isto verda-de , embora o modo da polmica implcita possa assumir outra forma, ta l comoacontece neste livro. Ele gostava tamb m de criticar outras abordage ns de um5 Elias sublinhou estes aspectos de formas diferentes em diversos locais, mas ver especialmenteElias 1987a: 117-8 e 1987c.

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    X TEORIA SIMBLICAproblema de uma forma difusa e alusiva, com exemplos do s estilos de pensa-mento ou dos paradigmas caractersticos. Podia aludir, assim, s insuficinciasda "teoria da aco", da "teoria marxista", da "fenomenologia" ou, como nestecaso, da s "teorias tradicionais do conhecimento".A sua crtica, de forma inva-rivel, atribua-lhes defeitos fatais de reducionismo, de individualismo, dehiper-abstraco, de excrescncias filosficas, de sentimentos polticos dissi-mulados (uma espcie de "envolvimento"na terminologia de Elias) ou de vriascombinaes destes aspectos. Mas, em geral, ele nunca se envolvia excessiva-mente nas polmicas exacerbadas dos debates contemporneos ou nas elabo-radas discusses domsticas que ocorrem na sociologia. Eleacreditava que oprogresso da disciplina beneficiava sobretudo de uma investigao empricafundamentada teoricamente; mas era seriamente prejudicado pelos socilogosqueconsumiam assuas energias nas controvrsiasdomomento ou a polemizarentre si. importante mencionar o estilo do s textos de Elias. Wolf Lepe nies (1987:63)descreveu, com perspiccia, as suas qualidades: "uma preocupao de clareza'liberta de qualquer jargo, um treino cuidadoso na observao sociolgica eum a combinao perfeita de discusses tericas com referncias muitas vezessurpreendentes aospormenores". Elias tambm, comfrequncia, provocador desafiante e deliciava-se a citar dualismos venerandos mas agora defuntos e submeter a exame o que parece bvio. Ele faz todas estas coisas neste livroquando fala sobre a relao entre a comunicao e o pensamento humanos e aevoluo da natureza biolgica. Elias convence os leitores no tanto pelosargumentos "lgicos" convencionaispara esta ouaquela posio, mas maispelofacto de expressar as questes de uma forma qu e estimula as pessoas a reflectirsobre as categorias ou as premissas que elas utilizam vulgarmente quandotratam de tais questes.Depoisde ler a Teoria Simbl i ca ser difcil, porexemplo,utilizar de novo, de maneira irreflectida,as oposies de idealismo/materialis-mo e de natureza/cul tura ou sucumbir tentao falaciosa de considerar alinguagem com uma existncia num reino independente.Os ecos da sociologia do conhecimento alem reverberam nesta pea talcomo numa larga parte da obra de Elias. Mas ele levou a tradio mais longe,aprofundando e alargando a parte do programa que necessitava de umaepistemologia e de uma ontologia sociolgicas a fim de substituir a filosofiatradicional. a marca doprojecto deElias nesta tradio quepermite identificaruma outra caracterstica do seu estilo. Com muita frequncia, ele explora umproblema partindo da apresentao das dicotomias estticas presentes nasabordagens vulgares, regressando diversas vezes a elas quando.est a exporum quadro de explicao alternativo mais amplo e inclusivo. Este quadro vema ser, obviamente, a sua prpria sociologia das configuraes, desenvolvida apartir do seu trabalho sobre os processos de civilizao. sempre deste pontode vista que Elias escreve. Algumas repeties neste livro, embora no todas,soexplicveis poresta caracterstica orgnica do seu modo de argumentao.

    IN TR O D U O DO ORGANIZADOR XIO modo de discusso de Elias transpe, assim, de forma efectiva, os proble-mas originalmente colocados para um outro nvel. A medida que so absorvi-da s pelo quadro sociolgico mais amplo, as formas tradicionais (muitas vezesfilosficas) de falar sobrea questo soento apresentadas como simplesmente

    insustentveis. Neste livro, podemos seguir Elias nesta estratgia atravs dasoposies tradicionais de idealismo/materialismo, matria/esprito, nature-za/cultura,forma/contedo e conscincia/ser. Emparticular, as limitaes dodualismo sujeito/objecto s o repetidamente notadas e Elias fa z remontar,sociologicamente, esta oposio indubitvel auto-experincia das pessoascomo h o m o da us u s caracterstica das sociedades (nomeadamente no Ocidente)qu e atingiram um a fase adiantada de um processo de civilizao.A cruzadacontra este modelo dos seres humanos , de facto, um dos temas mais domi-nantes na obra de Elias.Po r todas as razes ataqui especificadas, considero importante lereste livrodiversas vezes demodo abeneficiar mais com a sua leitura. Elias era noapenasum daqueles escritores da tradio alem qu e colocavam um a grande nfasena importncia do modo como se formula um a questo, mas tambm semostrava muito atento aosmatizes e s associaes da linguagem e dos concei-tos que utilizamos na sociologia, o que uma forma de sensibilidade prximado primeiro aspecto. O convite que nos faz para desaprender velhas categoriasa fim de desenvolver um a imagem mais distanciada e realista do s seres huma-nos no mbito de um quadro e de uma escala temporal evolutivos -^- o queconstitui, parcialmente, o tema deste livro no , porm, uma tarefa fcil ouunicamente "racional". Ela envolve, inevitavelmente, pessoas que tem de alte-rar a imagem que tm de si prprias, talvez numa direco que desagradvel.Elias evocou a fora glida da sua imagem evolutiva da humanidade numaestrofe do seu poema "Cavalgando a Tempestade"(Elias 1988:81):nascidos de uma tempestade de desordemnmadas do tempo se m marsnu m vazio se m fronteiracavalgando a tempestadeO processo de reformao da nossa imagem dos seres humanos implica,obviamente, a superao de obstculos emocionais. Esta luta uma parcela doque Elias, num outro local, designou como o problema sociolgico de saber atque ponto e sob que condies as pessoas so capazes de se "encarar a siprprias" (Elias 1987a: 12-14, 39-40). Podemos detectar, desde logo, um a dife-

    rena substantiva entre esta concepo e a mxima racionalista mais familiarde "conhece-te a ti prprio". Foi, pois, com alguma moderao que MikeFeatherstone (1987: 201) comentou, correctamente, que Elias "exige imenso doleitor".

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    Xll TEORIA SIMBLICAMais especificamente, como que a T e o r i a Simbl i ca se integra no corpus dasobras de Elias? U ma mensagem transmitida em todos os seus textos, qu efunciona como um aviso para os socilogos, que os acontecimentose osprocessos sociais aparentemente dspares, analisados e artificialmente separa-dos pelas diversas instituiesdas cincias sociais, organizadas profissional-

    mente, e pelas especialidades da sociologia so, de facto, aspectos do mesmoprocesso social interligado. Os seus textos, do mesmo modo, formam um a teiainconstil. No entanto, ta l como outros cientistas sociais, Elias apercebeu-se dautilidade explicativa do conceito de autonomia relativa,6 que ele utilizou paradescrever quer o processo pelo qual o conhecimento humano se torna inde-pendente do s seus produtores originais quer a forma pela qual as instituiessociais (econmicas, polticas, cientficas) especializadas se tornam funcional-mente auto-suficientes e delimitadas nas sociedades complexas. Este conceitopermitiu tambm a Elias a possibilidade de, no quadro da sua viso sinpticada interligao do s processos sociais, escrever sobre temas como o desporto, ascincias, o tempo, a morte e a s formas de morrer, diversos ramos da arte e o sartistas, etc.A T e o r i a Simbl i ca um ensaio terico exploratrio que coloca em primeiroplano as implicaes de um outro nvel interligado e relativamente autnomo,o processo de longo prazo da evoluo biolgica. Este processo ,muitas vezes,relegado pelos socilogos para um estatuto de simples pano de fundo da vidasocial nas sociedades industriais. Para Elias, porm, uma compreenso delongo prazo do desenvolvimento social deve ser integrada no processo evolu-tivo global. Como eleescreveu:A constituio natural do s seres humanos prepara-os para aprenderem com outros,para viverem comoutros, para serem mantidos por outros e para cuidarem de outros. difcil imaginar comoque os cientistas sociais podem obter um a compreenso clarado facto deanatureza preparar ossereshumanos para avida emsociedade semincluir,no seu campo deviso, osaspectos do processo evolutivo e do desenvolvimento socialda humanidade (ver p. 146).Em discusses, Elias disse-me que considerava a T e o r i a Simbl i ca ligada aoconjunto do s seus textos sobre a sociologia do conhecimento, incluindo berdi e Zei t (1984), a colectnea I nv o l v em en t an d D e ta c hm e n t (1987a) e diversos outros

    6 Elias utiliza muito o conceito de autonomia relativa nos seus textos, em particular nos desociologia do conhecimento e das cincias. Na histria da sociologia tambm foi consideradotil, pelo menos, por Durkheim [1914] 1968: 271; Lukcs [1920] 1973:11; Althusser 1965:111,2 4 0 ; Sartre 1968: 80 e Alexander 1990:1-27 No contexto britnico, o conceito adquiriu relevoatravs dos textos ps-estruturalistas,nomeadamente os de Louis Althusser, que o utilizou nassuas adaptaes da teoria marxista da base e da superestrutura a fim de evitar o reducionismoeconomicista. Um autor que, de uma forma consistente, recusou dissociar cultura e estruturanuma perspectiva rgida e dualista foi Zygmunt Baum an (19721973).

    I N T RO D U O D O O R G A N IZ A D O R X1Uartigos nesta rea do s anos 70 e 80 (ver a bibliografia). Em particular, osfragmentos "Reflections on the Great Evolution" (in Elias 1987a) e o artigo "OnH u m a n Beings and Their Emotions: A Process-Sociological Essay" (Elias1987b)ligam-se intimamente a este livro. Num programa muito radical, Elias estabe-lece, nestes textos, a sociologia do conhecimento como a herdeira histrica dosproblemas de epistemologia e ontologia da velha filosofia do conhecimentotradicional, que era dominada por uma concepo fortemente individualistado sujeito cognoscitivo.Ele desenvolveu tambm um modelo sociolgico da s cincias de um tipoque, hoje, seria designado realista, embora sem a inspirao filosfica e trans-cendental de uma larga parte do trabalho contemporneo neste campo (Bhas-kar 1979). Segundo o modelo de Elias, cada cincia investiga um nvelrelativamente autnomo de integrao (o fsico, o qumico, o biolgico, opsicolgico, o social, etc.) do universo como se u "objecto", utilizando a termi-nologia dos filsofos. Este modelo que ele, de forma penetrante, denominadecincia das cincias (Elias 1974) oferece uma concepo mais diferenciadae estrutural do tema das cincias e,portanto, dos diferentes mtodos que lhess o mais apropriados. Ele prope este modeloque pressupe um a hierarquiada s cincias como um a alternativa empiricamente utilizvel face distinosujeito-objecto.7Segundo Elias, as cincias sociais mostram um atraso perante as cinciasnaturais devido preponderncia, noseio dassuas instituiesacadmicas, deavaliaes heternomas e de envolvimentos emocionais que dominamo carc-te r do conhecimento produzido. Porisso, a capacidade humana decontrolar osprocessos sociais fica aqum da capacidadede controlar os processos naturais,porque, nas cincias naturais, o equilbrio mudou, h muito, no sentido dapredominncia de avaliaes autnomas, o que significou a conquista de ummaior distanciamento (Elias 1987a). '

    U m alvo polmico saliente, para Elias, neste grupo de textos a concepokantiana do a priori que ele critica, implacavelmente, de um ponto de vistaemprico-sociolgico. E le tambmn o demonstra qualquer indulgncia com osnominalistas, individualistas e fenomenologistas, ou com os reducionistasde7 Na, vasta bibliografia dos estudos efectuados no quadro do programa de investigaoconfiguracional, inspiradopor Elias,na Holanda (Kranendonk 1990), h, estranhamente, apenasum artigo registado que trata, especificamente, da sociologia do conhecimento e das cincias deElias (Wilterdink 1977). Esta negligncia desproporcionada face importncia que Elias,obviamente, dedicou a esta rea na sua produo total. Provavelmente nico , portanto, oestudo no publicado de Terence J. Wassall (1990) sobre a ontologia de Elias que defende umaabordagem eliasiana em termos de desenvolvimento da sociologia do conhecimento cientfico

    em oposio ao paradigma relativstico-construtivistadominante. Elesugere tambm que Eliasno retirou as concluses mais radicais, que so possveisna sua teoria dos nveis de integraoe na sua concepo da adequao ao objecto, para compreender as consequncias ambientaisdas intervenes cientficas no mundo natural.

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    XIV TEORIA SIMBLICAqualquer espcie economicistas, fisicalistas ou biologistas. Estas polmicass o recorrentes, em particular no s trabalhos d e Elias sobre a sociologia doconhecimento, e surgem tambm, em vrias combinaes, em a T e o r i a Simbl i ca .Neste livro, o enfoque programtico est situado na biologia evolutivaenquanto cincia humana quedeve ser integrada, de uma forma noredutiva,numa concepo de longo prazo do desenvolvimento humano consistentecoma teoria do s nveis de integrao. bvio, no texto, que, para Elias, a teoriaevolutiva n o deve se r identificada exclusivamente com a verso de Darwin,que ele, claramente,considera incompleta e representando apenas um estdioinicial de elaborao. Creio que, nos planos de Elias, est presente tambm ainteno de se mover no espao intermdio entre as duas posies ideolgicasextremas que, normalmente, influenciam a investigao sobre a dimensoanimal dos seres humanos. Num extremo, situa-se a viso reducionista dosetlogos e dos sociobilogos como E. O. Wilson e outros (Segerstrale 1986) que,de facto, afirmam que ns somos basicamente macacos.No outro extremo, esta viso filosficp-religiosa segundo a qual os seres humanos constituem um aruptura completa com o mundo animal, formando um nvel da alma ou doesprito.Na minha leitura, Elias tenta desbravar o terreno a fim de desenvolverum .novo modelo da humanidade para lidar com estas e outras questesconexas, que, geralmente, tendem a ser formuladas apenas segundo perspecti-vas parciais e valorativas.A "Grande Evoluo" fornece um enquadramento sinttico para todas ascincias, incluindo a sociologia. Antecipando-ses acusaes de determinismoevolucionista ou de teleologia, eleestabelece a distino aqui crucial, tal comoem outros locais deste conjunto de textos, entre a evo luo biolgica largamenteirreversvel e odesenvolv imen to social potencialmente reversvel. Ociclo de vidadas estrelas e o desenvolvimento das sociedades no so da mesma espcie: aocontrrio de uma estrela, um a sociedade pode fazer marcha atrs e regredirpara um estdio anterior, po r exemplo para relaes sociais feudais. C om istona mente, Elias falava, muitas vezes, de processos tanto de civilizao como dedesc ivi l izao. No seio deste grande quadro do desenvolvimento socio-natural,Elias considera a capacidade humana tcnica de comunicao atravs de sm-bolos como um a realizao mpar da invent ividade cega da natureza. A capa-cidade dos seres humanos de orientarem o seu comportamento atravs doconhecimento aprendido concede-lhes uma grande vantagem evolutiva sobre'outras espcies que so totalmente incapazes de o conseguir ou que s muitolimitadamente o conseguem. isto que ele designa como a "emancipaosimblica da humanidade" (p.55). Poreste motivo, a sobrevivncia dos gruposhumanos tem dependido, largamente, de um conhecimento congruente comos objectos. Segundo Elias, desta concluso podem ser extradas lies vitaispara o futuro da humanidade no s prximos estdios do seu desenvolvimento., O objectivo do programa de investigao iniciado em a T e o r i a S imb l i ca \fornecer uma imagem socio-biolgica sobre a capacidade humana de formao

    INTRODUO DOORGANIZADOR XVde smbolos mais adequada do que as que so possveis com teorias queutilizam ou implicam as polaridades estticas natureza/cul tura e abstrac-to/concreto, qu e contm conotaes dualistas e metafsicas. A utilizao destaspolaridades tornar-nos-ia insensveis a uma compreenso da formao do ssmbolos como um processode sntese progress i va , um termo chave quecobre ofacto demonstrvel de que os conceitos tm, incrustados no seu interior, traosde estdios anteriores do desenvolvimento social e cientfico. Ele prefere,portanto, este conceito em vez do termo mais habitual e esttico de abstraco.Formulando estes problemas de uma outra maneira, pode afirmar-se qu e Eliasest interessado em estabelecer, numa perspectiva diacrnica, o_mpdft_deexistncia do s smbolos, enquanto meios aprendidosde comunicao,no seiode um quadro evolutivo qu e inclui o desenvolvimento social como su a conti-nuao num nvel superior.Pode ser instrutivo ilustrar a ideia de sntese progressiva com base nostrabalhos de Elias sobre o tempo e a s perspectivas do tempo (Elias 19821984)a fim de complementar a discusso apresentada no texto. Elias mostra que oconceito de tempo um exemplo destacado de um conceito de sntese de.umnvel superior, um smbolo aprendido quepermite s pessoas relacionar duassequncias de acontecimentos de diferentes nveis de integrao, utilizandouma sequncia como o padro temporal da outra. No simplesmente umaabstraco ou uma capacidade da mente e no uma substncia universal,como os filsofos, de diversas maneiras, sustentaram, mas um conceito_quese desenvolveu so b condies especficase que serve para auxiliar a orientaoda s pessoas. Em sociedades menos diferenciadas, as pessoas tm uma experin-cia do tempo diferente e, muitas vezes, no tm necessidade de unidades detempo pessoais...Podemos distinguir um desenvolvimento que vai de umaconcepo mais pessoalizada e discontnua do tempo, nas sociedades maissimples, para um a concepo mais impessoal e contnua na s sociedades deEstado mais complexas, correspondendo a um alargamento das cadeias dasinterdependncias e da diferenciao funcional. Na s ltimas sociedades, aspessoas, muito auto-controladas, precisam de ajustar-se umas com as outraspara corresponder a uma teia de contactos e de necessidades sociais cada ve zmais intrincada,o que, para se r conseguidocom o maior rigor e previsibilidade,exige um clculo do tempo socialmente padronizado e baseado em smbolosde nvel elevado.Tal como referi anteriormente, pela su a posio exterior s instituies dasociologia, Elias nunca se preocupou muito co m alguns do s escrpulos profis-sionais relativos ao incio de um texto com o exame habitual da literatura darea ou localizao, de forma sistemtica, do seu trabalho em relao ao stextos de outros autores.O seu maior interesse er a desenvolver e alargar as suasprprias teorias. Assim, inevitavelmente, ele ignorou a tarefa de verificar acompatibilidade do seu legado com o trabalho de outros autores e cm asdescobertas recentes na s reas em que ele investia. No caso deste livro, se que

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    XVI TEORIA SIMBLICAtal acontece, de que modo que o trabalho exploratrio terico de Elias afectado pelos desenvolvimentos recentes na teoria da biologia evolutiva? Oupelos estudos da capacidade de simbolizao humana localizveis no trabalhodo s antroplogos? trabalho de Elias visava um a sntesed e todas as cincias,o que, se vier a ser efectuado pelos seus seguidores, exigir uma seleco dasdescobertas recentes dasdiversas disciplinas numa escala que ele no podia oun o estava interessado em atingir. H mu ito trabalho a ser realizadoparatestar,nesta perspectiva, a fora das reflexes tericas de Elias. S nos dois camposacima citados, a literatura obviamente muito vasta, pelo que tal tarefa nopode ser aqui desenvolvida. Para iniciar este processo, tudo o que posso fazer,na prtica, contrastar, em termos muito gerais, o programa de investigaode Elias em a T e o r i a S imb l ica com algumas das abordagens mais importantesencontradas em outros autores. Citarei apenas, em termos de comparao,alguns modelos que se incluem no mbito do meu conhecimentoe da minhacompetncia. /Os antroplogos e os socilogos, do passado e do presente, que investigaramo s smbolos tenderam a privilegiar a sua funo na coeso social e nos rituais(Durkheim [1912] 1968 Turner 19671969; Firth 1975; Auge 1982) ou na preser-vao das fronteiras sociais (Douglas 1966). O trabalho de Elias no abordaqualquer um destes problemas de uma forma directa, embora eles pudessem,a meu ver, beneficiar consideravelmente se fossem estudados na perspectivaeliasiana. Os filsofos, os estruturalistas e os semilogos tm-se preocupadocom a relao entre o smbolo e o que ele representa (Cassirer 1953; Eco1984).O interesse de Elias pode ser considerado mais prximo deste ltimo grupo namedida em que comum, como problema explcito, a descoberta dos laos entrea linguagem, oconhecimento e opensamento, um tema central neste livro.MasElias j, h muito, se distanciara, decisivamente, do kantianismo latente (ou,em alguns casos, no to latente) que percorre uma larga parte desta investiga-o, emparticular a obra mais recente inspirada por Claude Lvi-Strauss. Eliasreavalia tambm, de forma fundamental, o conceito filosfico de "significado"que est implcito nesta abordagem (ver seco III). Alm disso, mais do queeles, Elias sublinha a importncia das emoes presentes na simbolizao epossuiumaorientao dinmica e emtermos dedesenvolvimento em contrastecom o pendor sincrnico de uma larga parte da investigao estruturalista.Porm, a diferena crucial entre todo este trabalho e o de Elias neste livro que este insiste em que os smbolos so tambm padres sonoros tangveis decomunicao humana e, por isto, so tambm dados "fsicos", possibilitadospela pr-condio biolgica evolutiva do aparato vocal nico e complexo dosseres humanos. Esta caracterstica permiti-lhes realizar uma ampla gama desons e, assim, produzir muitas lnguas especficas a grupos. A insero doproblema no interior de um quadro evolutivo, segundo esta perspectiva, per-mite considerar os.esforos de Elias como singulares entre as abordagenssociolgicas contemporneas da formaodossmbolos. Alguns antroplogos

    INTRODUO DO ORGANIZADOR xvii que, emgeral, conseguiram, nas suas investigaes, desenvolver um maiorgrau de distanciamento do que aquele que os socilogos at agora alcanaram movem-se tambm nesta direco (Borchert e Zihlman 1990). No entanto,para muitos socilogos contemporneos, os paradigmas dominantes, actual-mente disponveis, so estritamente "culturalistas"ouorientados para o discur-so (Mulkay 1985) ou cruamente causais e redutores em relao aos interesses(Bloor 1976). Elias oferece uma alternativa real (Wassall 1990).Ao conceber os smbolos tambm como padres sonoros tangveis,, Elias"pode, alm disso, evitar a tentao racionalista de considerar que.os sistemaade smbolos fazem parte de um reino independente da cultura e so dotadosde uma realidade autnoma. A existncia desta tentao no uma merapossibilidade lgica. Consideremos o comentrio de Jeffrey Alexander: "Osrecentes desenvolvimentos no s estudos culturais convergem na sua nfasesobre a autonomia da cultura face estrutura social" (1990:25). As discussesde Elias neste livro no so, tanto quanto sei, uma resposta directa aos longosdebates actuais na sociologia sobre a cultura (Archer 1988 Robertson 1990;Arnason 1987 Alexander 1990), embora a sua aproximao os possa iluminardeuma forma surpreendente. Com as suas diferentes posies e deacordo comosseus diferentes objectivos, muitos destes autores abordam tambm questes.acerca das origens e do funcionamento dos sistemas de smbolos, pelo que osleitores devem estabelecer as suas prprias comparaes com o quadro evolu-tivo baseado num tempo muito mais longo que utilizado neste livro. Eliasenfrenta corajosamente uma questo que, muitas vezes, tratada de formainsuficiente oestes debates: qual o estatuto ontolgico do conhecimento? Asubtileza com que ele aborda este problema, numa perspectiva sociolgica edinmica, indo alm dasalternativas tradicionais do idealismo e do materialis-mo , produz um a leitura fascinante (ver a Seco V sobreas imagens da memriacerebrais). Elias supera osdualismos tradicionais de natureza/cultura e estru:tura/cultura, mergulhando-os na corrente da continuidade que vai da evolu- o da espcie humana at ao desenvolvimento das sociedades humanasenquanto nvel.de integrao autnomo.Para Elias, portanto, a condiohumana est inserida em desenvolvimentossociais que continuam o cego processo evolutivo a um outro nvel. A formaode smbolos est intimamente ligada, neste processo, com a sobrevivnciahumana. Esta viso apresenta, em termos gerais, muitas similitudes com umagerao anterior de autores evolucionistas que, nos anos 40 e 50deste sculo,estabeleceram o que , normalmente, designado como Sntese Moderna nateoria da evoluo (Futuyma 1986: cap. 1) onde Elias se inspira significativa-mente. No por acaso que o nico livro aqui citado por Elias o de JulianHuxley de 1941. Elias conhecia j muito bem as cincias biolgicas devido formao em medicina que recebeu, na Alemanha, no incio da sua carreira, nosanos 20, mas h uma afinidade especial entre a concepo daevoluo biolgicapresente em a T e o r i a S imb l ica e a concepo incorporada no trabalho de autores

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    xviii TEORIA SIMBLICAcomo Julian Huxley, Joseph Needham, C.H. W addington e outros, cuja obraElias deve ter encontrado, no seu apogeu, durante o perodo de quarenta anosem que ele viveu, ensinou e investigou na Gr-Bretanha (aproximadamente1935-1975).Embora n o constituindo um a escola unificada, todos estes autores partilha-vam a viso de que a sociedade um fenmeno emergente, irredutvel aosnveis fsico, qumico e biolgico anteriores. O que Elias designa de "nvel deintegrao" social era descrito, sob diversas formas, como o "nvel de organiza- o " social (Needham 1944);o "campode integrao psicossocial" (Reiser 1958);e a fase da "evoluo psicossocial" (Huxley 19421953).8Needham veio mesmoa designar esta teoria como um a teoria de "nveis integrativos". Tal como Elias,eles estavam tambm interessados em distinguir os seres humanos como umgrande avano evolutivo, como um a progresso de uma forma inferior parauma forma superior, o que Huxley e outros autores consideraram como umexemplo d e a n a g n e s e (Waddington 1961). Outros aspectos comuns incluem aconcepo de que osnveis superioresde integrao mantm canais de ligaocorn os,.nyeisjnferiores; a importncia da transmisso do conhecimento e daaprendizagem no desenvolvimento humano; a singularidade da capacidadehumana de simbolizao; a questo de como os seres humanos podem agoradirigir o processo evolutivo a partir da sua posio ao seu nvel mais elevado;e necessidade de reflectir sobre futuras tendncias globais que levem a umaauto-integrao da humanidade num mundo civilizado (Huxley 1961).' N o sabemos, co m base no s textos e na correspondncia de Elias, publicadosat data, quais foram os aspectos da Sntese Moderna que ele aceitou, quaisforam aqueles qu e rejeitou ou mesmo se ele se apercebeu deste consenso. Nosabemos s'e ele estava familiarizado com os desenvolvimentos actuais nestedomnio relacionados com a deriva gentica aleatria, a sobrevivncia dosgenes tal como a dos grupos de parentes, das populaes e das espcies(Futuyma 1986: 13). Nem sabemos se ele pensou na possibilidade de estesaspectos afectarem, de forma significativa, a sua verso da teoria evolutiva.Todas estas questes devem se r colocadas pelos investigadores que desejamretomar as pistas avanadas em a T e o r i a Simbl i ca . Eu limito-me a sugerir aafinidade.Mas j j claro que, apesar de Elias se inspirar consideravelmente nestes autores,ljse afasta deles devido perspectiva firmemente sociolgica qu e utiliza naabgrdagettrdestas questes. Ele possui um sentido muito desenvolvido de8 Embora no se referindo aos textos de Elias, C.H. Waddington preferiu o termo chave"sociogentico" de Elias para descrever o mecanismo cumulativo de aprendizagem social:"'Psicossocial' um termo de Huxley. Na minha opinio, ele sofre de alguma redundncia,

    porque o social s dificilmente pode evitar ser psicolgico. Prefiro usar 'sociogentico' queacentua a importncia do mecanismo como meio de transmitir informao de uma gerao a: outra, o que o ponto crucial" (Waddington 1961: 74).

    IN TR O D U O D O O R G A N IZ A D O R XI Xsocilogo de como as tendncias ideolgicas ou disciplinares das pessoaspodem moldar, de forma significativa, as suas observaes das realidadesbiolgicas. Mais do que qualquer um dos bilogos evolucionistas, elecolocatambm a nfase na explicao da direco dos sucessivos estdios integrati-vos/desintegrativos do desenvolvimento social em termos do quadro do nvelsocial de integrao global. A terminologiaqu e utiliza na explicao deste nvel muito mais rigorosa, mais diferenciada e adequada aos seus contornos. H um a bvia indeterminao, po r exemplo, na expresso de Huxley de "fase deevoluo psicossocial". Este tipo de frase er a apropriado ao que ele e outrostentavam fazer, isto , estabelecer simplesmente a irredutibilidade do nvelsocial humano superior ao s nveis mais inferiores, no quadro de uma viso domundo tico-humanista baseada numa imagem evolutiva da humanidade.Para Elias, no entanto, antes de podermos, de forma credvel, desenvolvereste tipo de projecto, necessrio um longo trabalho sociolgico a fim de sercontrolada a intromisso das avaliaes ideolgicas, emocionalmente impreg-nadas, nas nossas observaes dos nveis biolgicos e sociais dos seres huma-nos. Ele referiu-se, po r vezes, a esta estratgia como o "desvio atravs dodistanciamento"(Elias 1987a: 105-6). Ela est ligada, intimamente, a uma pers-"pectiva de longo prazo sobre o desenvolvimento social. Aparentemente, Eliasretirou dos evolucionistas da Sntese Moderna apenas o necessrio para intro-duzir um complemento evolutivo de longo prazo nas suas teorias dos processosda civilizao, da diferenciao cientfica e da formao de smbolos. Algunsautores alunos ou seguidores de Elias comearam a responder ao seudesafio no sentido de uma viso mais profunda, notempo, do desenvolvimentosocial e cientfico (Goudsblom, Jones e Mennell 1989; Wassall 1990), mas, nasociologia da cincia actual, s podemos encontrar as contribuies isoladasdas perspectivas em termos de desenvolvimento (Hull 1988).Elias raramente participa na s polmicas metodolgicas s pelo, gosto dapolmica. Nos seus ltimos textos, chamou a ateno para a integrao emer-gente de grupos sociais a um nvel global, um processo que depende doalargamento do mbito da sociologia do nvel de integrao doEstado-naopara o nvel da humanidade como um todo, o que constituiria um baluartecontra a intromisso de auto-imagens nacionais na formao do s conceitos(Elias 1987c; Mennell 1989: cap. 9). A T e o r i a S imb l i ca contribui para este vitalalargamento do mbito d sociologia ao situar a investigao da formaohumana de smbolos na escala temporal evolutiva muito longa da espciehumana e ao mostrar como el a est intimamente ligada com a comunicao, aorientao e a sobrevivncia do grupo. Deste modo, contribui para o estabele-cimento de um programa sociolgico que permita criar conhecimento socialcientfico adequado, no mbito e no nvel de distanciamento, compreensoda prxima fase de desenvolvimento da humanidade a esse nvel global" e,assim, auxiliando potencialmente a sobrevivncia nesta fase , que est a

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    XX TEORIA SIMBLICAemergir po r toda a parte. Ele pretende dotar os socilogos com uma imagemmais realista e credvel da humanidade como um todo.Os exercciosde desbravame nto conceptual e as polmicas qu e esto presen-te s neste livro pretendem contribuir, parcialmente, para alcanar este objectivoprtico ao tentar eliminar alguns dos conceitos, dualismos e pressupostosdatados atrs referidos,os quais, se fossem utilizados de uma forma exclusiva,nopermitiriam obter umacompreenso adequada para a nossa orientao noprximo nvel integrativo queest a emergir. Nas mos das instituies acad-micas estabelecidas, estas abstraces, muitas vezes impregnadas de avaliaesideolgicas implcitas e no s, podem representar tambm um nvel maiselevado de envolvimento. Como tal, elas podem contribuir tambm para umamaior desorientao e mesmo, possivelmente, para a perigosa emergncia detenses sociais durante as transies dereintegrao, que precedem a formaode unidades de sobrevivncia maiores, pelas quais a humanidade, provavel-mente embora no de forma inevitvel, tende a passar.No fragmento introdutrio a ltima coisa que ele escreveu , Eliasconsagra ainda um espao considervel crtica, mais um a vez, do a priorikantiano e d a dvida cartesiana-husserliana. Esta uma tarefa que ele iniciara,h setenta anos, quando era estudante de ps-graduo em Breslau sob aorientao de Richard Hnigswald! tentador considerar o seu regresso con-tinuado estes temas simplesmente como um indicador de que ele estavaobcecado po r eles ou vivia no passado, ou ambas as coisas. Mas, de facto, elelera os importantes desenvolvimentos recentes na rea do pensamento kantia-no de, por exemplo, Karl-Otto Apel e Jiirgen Habermas. Sob a superfcie danova nfase destes autoresna lngua e nas comunidades da lngua, el e vislum-brava a mesma estrutura transcendental de pensamento quecaracteriza toda afilosofia kantiana.9 A questo, porm, subsiste: porque que ele prosseguiu asu a cruzada contra esta e outras filosofias racionalistas com uma energiainesgotvel at ao prprio fim da sua vida?A resposta est na questo de orientao que acabei de referir. Aquilo que, ameu ver, galvanizava Elias era a percepo de que a dimenso transcendentaldo pensamento kantiano derrotista.E la presume que as pessoas n o podemadaptar-se a situaes diferentes e desenvolver novos modos de pensamento apartir da natureza do s novos objectos emergentes com que elas se confrontam:elas esto, eternamente, manietadas por categoriasfixas. E as verses da dvidacartesiana abdicam, totalmente, da responsabilidade emrelao mesma tare-9 Numacarta que me dirigiu, datada de 181.81,Elias escreveu:"H toda a espciede contradiesna abordagem de Apel. Ele tenta incluir dados sociais no seu transcendentalismo, o quesimplesmente no possvel porque os dados sociais pressupem um a pluralidadede seres

    humanos, enquanto o termo ' transcendental' se refere a dados que um indivduo particularpossui por si prprio antes de qualquer experincia". Ver ambmElias 1982:24 e outras crticasdo transcendentalismo em Kilminster 1982 e 1989.

    INTRODUO DO ORGANIZADOR xxifa, presumindo que, em ltima instncia, nunca podemos estar, de algummodo, seguros da existncia do mundo real que tentamos abordar. Ambas as yfilosofias s o individualistas e fogem evidncia da s snteses progressivas **historicamente desenvolvidas nas cincias luz de novas observaes. Elesustenta que os dados sugerem que no h, de facto, qualquer limite para "nmero de smbolos e de lnguas que as pessoas criaram ao longo dos sculose cont inuaro a criar.Elias afirma, na parte final do fragmento introdutrio, qu e estas filosofias,que suscitam dvidas,^obre a..existncia de qualquer.coisa,que_.seja..inde-pendente do sujeito cognoscitivo, so "o bicho na ma da modernidade"(p. 15). Elas constituem um anexo destrutivo do movimento cientfico e spodem dificultar as tarefas cognitivo-orientacionais cruciais que se colocam humanidade na prxima fase do seu desenvolvimento. A infatigvel busca qu eElias lhes dedicou no era uma mera vende t ta . Estava em jogo muito mais.

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    A Tuitos dos problemas que so colocados e discutidos nesta introduo noJ.Visoproblemas da sociologia convencional que, nosnossos dias, seencon-tra num estdio relativamente jovem de desenvolvimento. No s difcil,neste estdio, discutir a sucesso processual pela qual um facto no se pode.produzir se um outro facto, anterior, no se produziu previamente; no s, poroutras palavras, a sociologia exige a percepo e a representao simblica dosprocessos, mas tambm a compreenso plena de que a localizao dos factospode ter lugar numa sequncia de nveis diferentes de integrao.Consideremos a orientao no que designamos como espao. Pode serrepresentada por conceitos como largura, profundidade ou comprimento. Mas,num nvel superior de integrao, pode ser tambm representada pelo conceitode "espao" e no inverosmil que, no desenvolvimento da humanidade,conceitos como comprimento ou largura tenham precedido a integrao supe-rior representada pelo conceito de espao. "Espao" representa ainda umaintegrao a um nvel inferior de concepo face ao conceito de "dimenso" que,implicitamente, indica que o espao no o nico nvel de orientao. Adescoberta de que a orientao global de um facto no espao exige tambm asua determinao no tempo foi, como podemos lembrar, um acontecimentocientfico significativo. A ocalizao plena de um factono espao no possvela menos que ela seja acompanhada da sua localizao no tempo. Com efeito,se afirmarmosque "Einstein descobriu que o nosso universo tetra-dimensio-nal", tal no implica que, de facto, a integrao dos meios de localizao, aonvel do tempo-espao, fosse desconhecida antes de Einstein a tornar explcita.Qualquer mudana no comprimento tambm uma mudana no tempo. difcil admitir a ideia de que, antes de Einstein, ningum teve jamais conscinciadeste facto. Um dos seus mritos foi o de ele ter a coragem de dar a prova e aexpresso cientficas a um facto bvio.Suponhamos que eu visito uma cidade desconhecida comum plano das ruasna mo. Neste caso, no devo hesitar em distinguir dois modos de existncia.As ruas, as casas e as praas podem serclassificadas como realmente existentes.O plano da cidade uma representao simblica desta realidade. Neste caso,no necessrio duvidar da adequao entre smbolo e realidade. O autor domapa pode ter cometido erros, mas, de um modo geral, podemos confiar no

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    4 TEORIA SIMBLICAinteresse pessoal dos editores que tomam a precauo de corrigir os erros etentam vender mapas qu e sejam representaes simblicas exactas da configu-rao da cidade. Seutilizarmos a relao entre a unidade fsica e social de umacidade e a representao simblica da sua configuraona forma de um mapacomo modelo, surge um a dificuldade qu e pode subsistir se a no tomarmos emconsiderao. Pode parecer demasiado trivial para merecer um exame maisatento. No despropositado conceptualizara relao entre umacidade e o seumapa como um a relao entre algo qu e realmente existee algo que meramentea sua representao simblica. Ela satisfaz a inclinao caracterstica da nossapoca de conceberas diferenas como contrastes. Porm, neste caso, a conota- o do contraste aquela qu e existe entre a fantasia e a realidade. O mapa e acidade tm um modo de existncia diferente mas no contrastado. Actualmen-te , mesmo as lnguas mais diferenciadas no so suficientementediferenciadasde modo< a facultarem queles que as utilizam como meios de comunicaosmbolos lingusticos imediatos de coisas qu e sejam distinguveis se m seremantagnicas. Enquanto mercadoria, os mapas fazem parte do mesmo nvel derealidade a que pertence a cidade qu e eles representam. Enquanto repre-sentaes simblicas da cidade, os mapas esto, ao mesmo tempo, situadosnu m nvel diferente. As pessoas devem distanciar-se da realidade fsica dacidade a fim de construir e utilizar um mapa; devem, por assim dizer, elevar-sementalmente a um nvel de sntese acima da sua existncia imediata como umagrupamento de matria.Hvrios tipos de representaes simblicas.Osmapassoapenas um deles.As lnguas s o outro. As pessoas qu e falam ingls quando pretendem fazer um aobservao sobre o cu nocturno podem utilizar o padro sonoro m o o n . Na sualngua, este padro sonoro representa simbolicamente o corpo celeste maisvolumoso do cu nocturno. Com o auxlio de uma ampla gama de padressonoros como este, os seres humanos tm a capacidade de comunicar entre si.Eles podem armazenar conhecimento na sua memria e transmiti-lo de umagerao para outra. U ma forma muito definida de estandardizao socialpermite que, no interior de uma mesma sociedade, os mesmos padres sonorossejam reconhecidos po r todos os membros mais ou menos com o mesmosentido, ou seja, como smbolos qu e representam o mesmo tipo de conhecimen-to.Consideremos um outro exemplo, a palavra "vrus". Foi inventada e estan-dardizada quando foram descobertos agentes menores que os bacilos, queprovocavam tipos especficos de doenas, e foi necessrio um smbolo comumatravs do qual as pessoas pudessem comunicar acerca dos vrus. Semestesmbolo comum, a comunicao a seu respeito seria difcil se no mesmoimpossvel. Mas a necessidade de nomes no est confinada a objectos raros eespecializados. Os objectos mais vulgares da nossa vida quotidiana como osbotes, as camisas, as escadas e a s bicicletas necessitam de uma representaosimblica padronizada como condio para podermos comunicar sobre eles.

    TEORIA SIMBLICA 5 '*De facto, o que no est simbolicamente representado na lngua de umacomunidade lingustica no conhecido pelos seus membros: eles nopodemcomunicar entre si sobre tal coisa.Isto aplica-se no s s palavras isoladas, ma s tambm a frases inteiras e aos (pensamentos em geral. M as a relao entre as representaes simblicas, sob aforma de frases, e o que elas representam complexa. As frases e, ainda mais,os tecidos de frases podem ajustar-se ao que eles tentam representar de formatotal ou parcial. A necessidade de smbolos comunicveis n o est tambmcircunscrita a objectos tangveis particulares. El a alarga-se a todo o fundo deconhecimento de uma comunidade lingustica e, em ltima instncia, huma-nidade, incluindo funes, situaes, processos e os prprios smbolos. Assim,todas as lnguas conhecidas proporcionam queles que asutilizam como meiosde comunicao smbolos qu e lhes permitem afirmar, de forma inequvoca, seas declaraes qu e eles produzem entre si se referem ao s emissores ou aosreceptores da mensagem, e se lhes s o dirigidas pessoalmente ou como mem-bros de um grupo. No ingls moderno e em todas as lnguas prximas, oconjunto de pronomes pessoais desempenha esta funo.

    A estrutura da s lnguas determinada pela sua funo social como meio_decomunicao. Podemos admitir qu e todas as sociedades humanas partilhamentre si um fundo comum de experincias e, portanto, de conhecimento. Po risso, podemos verificar que algumas sociedades possuem representaes sim-blicas de tipos de conhecimentoqu e esto ausentes em outras sociedades.Emgeral, pode afirmar-se que aquilo que no possui representao simblica nalngua de uma sociedade no conhecido pelos seus membros. Podemos, noentanto, distinguir entre diferentes graus de conhecimento. Assim,as experin-cias do tempo, ta l como indiquei em outro local,1 podem se r conhecidas erepresentadas linguisticamente a u m nvel inferior de sntese numa sociedadee a um nvel superior em outra sociedade.A comunicao po r meio de smbolos, qu e pode variar de sociedade parasociedade, uma das singularidades da humanidade. Fundamenta-sena orga-nizao biolgica do s seres humanos. A imensa variabilidade de padressonoros, que os seres humanos podem produzir como meios decomunicao, uma das condies da variabilidadeda s lnguas. tambm um a condio docrescimento do conhecimento. Sem as mudanas inovadoras do s padressonoros de uma lngua, no seriam possveis as mudanas inovadoras doconhecimento. Entre os seres humanos, sociedades diferentes podem comuni-car po r meio de lnguas diferentes. O mesmo acontecimento e a mesma expe-rincia podem ser representados por diferentes smbolos sonoros. Nas lnguasda humanidade, podemos encontrar 10 1 diferentes smbolos sonoros do que sedesigna como "Lua". Os seres humanos possuem um aspecto em comum co ml VerNobert Elias, ber d i e Zeit, 1984 [Frankfurt: Suhrkamp].

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    TEORIA SIMBLICAos animais, ou seja, a sua maneira de comunicar predeterminada pela suaorganizao natural. No perodo inicial da sua vida, os seres humanos esto

    i preparados pela natureza para aprender um a lngua. Os seres hum anos dife-;v re m de outros seres vivos na medida em que os padres sonoros, que so os' t seus principais meios decomunicao, no socaractersticos de toda a espcief mas apenas da sociedade em que crescem. Alm disso, estes padres sonoros,que ns designamos de lnguas, no so fixados geneticamente, mas simi, construdos pelos prprios seres humanos e adquiridos por cada membroindividual de uma sociedade ao longo de um extenso processo de aprendiza-gem.Podemos, se m dvida, dizer qu e tudo isto bvio. bvio que a primeiralngua, a lngua m aterna, no inata mas sim adquirida atravs da aprendiza-gem, bvio que uma lngua no uma herana nativa da humanidade,podendo .variar de sociedade para sociedade. No entanto, estas questes, talcomo muitas outras propriedades do s seres humanos, qu e indicam a sua; singularidade entre os seres vivos, so raramente colocadas no centro daspesquisas e das discusses contemporneas. Uma das deficincias fund ame n-tais da s cincias hum anas contem porneas, em particular daquelas que, como* ' a.sociologia, incluem os nveis de sntese m ais elevados possveis, o facto def o mode lo bsico dos seres hum anos com o qual operam ser confuso. Algumasdas cincias naturais assumiram as suas caractersticas como cincias numperodo em que as propriedades da natureza, concebida como diferente de umcampo de jogos do s espritos, e stavam a ser amplamente discutidas. Fo i alcan-ado, um consenso sobre os aspectos d istintivos do s acontecimentos naturaisporcomparaocom os acontecimentos sobrenaturais. No existe umconsensocomparvel sobre o modelo bsico do s seres humano s com o qual as cinciasoperam. Como seria de esperar, elas continuam a travar entre si uma lutapendente pela supremacia. Du rante algum tempo, ad mitiu-se que a cincia daeconomia poderia fornecer um modelo global do s seres humanos, mas osbilogos nunca deixaram de reclamar para si a liderana entre as cinciashumanas. A investigao aqui publicada pode tornar mais fcil de ver que,muito provavelmente, nenhum a destas cincias humanas na sua forma exis-tente pode pretender fornecer a informao bsica necessria a um modelobsico do s seres humanos.Talvez no seja fcil inserir a breve introduo a uma teoria simblica, aquidesenvolvida, no esquem a aceite das cincias huma nas. Ela no se adequa aocampo da biologia tal como esta est a ser actualmente formulada, emboratenha suficiente espao para os aspectos biolgicos d a existncia humana. Elano se adequa ao campo da psicologia tal como o termo actualmente com-^preendido, A natureza da linguagem nopode serdevidamente explorada por|*(jun\tlpo de psicologia centrada no indivduo. Elanose ajusta tambm 2ttt,corre.nteprincipal da sociologia que, at ao mom ento, desprezou a inform ao^^paradigmtica que o complexo "conhecimento, linguagem, m emria e pensa-

    TEORIA SI M B L I C Amento" exige. Mais cedo ou mais tarde, ser necessrio examinar criticamentea actua l diviso do trabalho dominante entre as cincias sociais ou humanas.Avelha diviso corpo-alma funcionou como uma m adrinha da diviso entre afisiologia e a psicologia. A distino entre a cincia poltica e a cincia daeconomia , em parte, o resultado do estdio de desenvolvimento da divisodo trabalho entre em presrios profissionais e polticos profissionais. Tal comoas coisas se apresentam, parece admitir-se que a estru tura interna das cinciashumanas , como a psicologia, a sociologia, a economia e a histria, pode mu dar,enquan to a diviso das cincias de ac ordo com as instituies actuais tacita-mente aceite como imutv el. Porm, subjacente ao esquem a actua l das cinciassociais, existe um conceito dos seres hum ano s que,geralmente, no questio-nado mas que,quando examinado, se revela muito inadequado ou mesmocompletamente errado.Os problemas explorados pelos cientistas sociais e as solues que elesdescobrem soconstrudos combase emconceitos de um nvel muito elevadode sntese, acerca dos quais raram ente se colocam questes. Eles so utilizados,normalmente, como se fossem uma propriedade inaltervel da humanidad e e,em sociedades como a nossa, assum em, muitas vezes, a forma de uma anttesebipolar como "natureza e cultura", "corpo e mente" ou "sujeito e objecto". S e anatureza e a cultura ou a natureza e a sociedade forem entendidas destamaneira, poder _ser difcil acompanhar o argumento aqui desenvolvido. ,decerto, possvel que a cultura hum ana siga um caminho oposto ao da naturezahumana. Por outro lado, a constituio dos seres humanos exige que os seusprodutos culturais sejam especficos da sua prpria sociedade. A sua mat ura obiolgica tem se ser complementada por um processo de aprendizagem social.Se eles no tiverem qualquer oportunidade de aprender uma lngua, a suadisponibilidade biolgica para aprender permanece inutilizada. No caso hu -mano, longe de serem opostos polarizados, os processos biolgicos e sociais spodem ser efectivos se estiverem interligados.Alm disso, as teorias tradicionais do conhecimento e da linguagem tendema apresentar o acto individual do conhecimento ou da locuo como o pontode partida do seu trabalho. O seu ponto de partida uma pessoa individual,completamente solitria neste mundo, que, com um gesto, apanha do nadaalguns temas de conhecime nto e procura uma resposta p ara a questo de sabercomo que estes temas podem desem penhar a sua tarefa de transmitir conhe-cimento de uma pessoa para outras e de como que tal pode ter um significadoque corresponda ao objecto da transmisso do conhecimento. De que m odo que os padres sonoros podem transmitir ao receptor as imagens, ou seja, ossignificados, que o emissor lhes associou? A questo adequa-se aos factosrelevantes e, assim, a resposta pode ser obtida tam bm na proximidade dosfactos.Mas, primeiro, preciso sacudir a fora constrangedora d o hbito. O costumehabituou as pessoas, que esto espera deste tipo de explicao, a procurar

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    TEORIA SI M B L I C A TEORIA SI M B L I C Auma resposta que tenha o carcter de um incio. Tal resposta no ser encon-trada. O crescimento de uma lngua, ta l como o do conhecimento, um processo^contnuo se m ruptura s absolutas. O que podemos esperar vir a encontrar, po routras palavras, um.fluxo incessante de linguagem e de conhecimento qu etransporta meios estandardizados de comunicao e de orientao. m antidoem actividade por tcnicas de estandardizao que podem ser ou no reconhe-cidas como.taLA ca pacidade de co ntrolar os padres de conhecimento e da fala_,'huma sociedade , geralmente, um aspecto concomitante da distribuio.dasoportunidades de poder numa sociedade. Os impulsos de integrao e dedesintegrao deixam, usualmente, marcas no desenvolvimento da lngua e doconhecimento de uma sociedade.As teorias do conhecim ento cujo modelo central uma diviso sujeito-objec-to mostram como fcil aceitar uma teoria que nos oferece um lugar de relevoe com a qual podemos, portanto, realmente identificarmo-nos. No difcilreconhecer o Ego generalizado no sujeito filosfico do conhecimento. A tenaci-dade com a qual a teoria do conhecimento baseada na diviso sujeito-objectopersistiu, ao longo de sculos, com o um a teoria preponderan te faz-nos recordar

    a constncia com a qual a teoria geocntrica do universo conservou o seudomnio. Era agradvel saber que o nosso prprio habi tat era o centro douniverso. Estavam disponveis provas irrefutveis para confirmar a hiptese. errnea. O So l viajava dia aps dia no cu aparentemente volta da Terra. Noentanto, o erro foi descoberto.Neste caso, podemos distinguir claramente entre dados qu e so repre-sentaes simblicas e dados que o no so e que, por esta raz o , s o classifi-cados de um modo diferente: so classificados como reais. A filosofia natradio de Descartes , acima de tudo, uma filosofia da dvida. E nsina os seusdiscpulos a duvidar. O que estes sucessores ensinaram no foi necessariamen-te, e em muitos casos no o foi decididamente, uma forma de superar a dvida,mas sim os mritos da d vida com o tal. A dvida bsica foi movida contra asuposio de que os seres humanos podem aprender o modo como os objectosdo seu conhecimento so estruturados independentemente do facto de elesserem objectos do conhecimento hum ano. Os filsofos na Unha de Descartes,Kant , Husserl e Popper atriburam queles que eles consideram como pr-car-tesianos a concepo de que, um belo dia, os seres humanos acordaram econheceram os objectos do conhecimen to independentem ente do facto de elesserem objectos do conhecimento humano . Os filsofos, na fase cartesiana, n opostularam sempre explicitamente que o conhecimento falsifica. Eles afirma-vam simplesmente: possvel; os seres humanos jamais podem saber se talacontece ou no; a coisa hone sta a fazer dizer: estamos em dvida.Um exemplo pode ser til. j antiga a histria muito apreciada da m aneiracomo o filsofo escocs David H u m e notou que os indivduos n o podemadquirir, atravs da sua prpria experincia individual, o conceito de umarelao causal enqu anto tipo universal de e xplicao. E de como, assim, ele foi

    o primeiro a descobrir um problema filosfico fundam ental: se no o resulta-do da sua prpria e xperincia, como diabo que os seres human os vm a ter aexpectativa de que todos os problemas n o resolvidos podem encontrar um asoluo sob a forma de uma relao de causa-efeito? David H ume ficou des-concertado e, como pessoa modesta que era, confessou que no conhecianenhuma resposta para a questo.O grande Immanuel Ka nt prosseguiu a busca de uma resposta para oproblema de H u m e e, orgulhosamente, anunciou, na sua Crt ica d a Razo Pu r a ,que a tinha descoberto. Ele concordou com H ume que a expectativa de umasoluo causal para um a variedade quase ilimitada de problemas n o podiaderivar da prpria experincia de um indivduo. Mas foi alm de Hume aoafirmar que a expectativa humana universal de uma relao de causa-efeito,como eventual soluo de todos os problemas relevantes, era uma caractersticada prpria razo humana, tal como a "substncia", "deus" e alguns outrosconceitos bsicos. A soluo de Ka nt para o problema era simples e, no caso deestar correcta, teria consequncias muito significativas. Segundo ele, a ubiqui-dade das relaes causais no se devia sua recorrncia factual no mundo, massim estrutura do intelecto humano. As relaes causais, segundo Kant,estavam presentes na razo humana previamente a qualquer experincia ou,em outras palavras, eram um a priori . Este n o transcendia a experincia; seassim fosse, as relaes causais podiam ser concebidas como fantasias e espe-culaes. Kant considerou como sua gra nde descoberta a circunstncia de queformas especficas de raciocnio, incluindo as relaes causais, no eram trans-cendentes face experincia hum ana, mas sim condies universais de todasas experincias humanas ou, na linguagem de Kant, transcendentais. E le dis-tinguiu nitidame nte dois conceitos que antes podiam ser usados como mais oumenos idnticos. Decreto u que, a partir de ento , os filsofos deviam distinguir,inequivocamente, o termo "transcendente", que podia ser derivado da expe-rincia e, no entanto , transcender a experincia, e o termo "transcendental" queele considerou como um pressuposto da experincia e que, como tal, podia serderivado de uma observao sistemtica das experincias.O transcendentalismo deKant teve graves consequncias. Ele implicava queos^seres humanos nunca podiam saber se o mundo possui todas aquelascaractersticas que parece ter q uando atravessa a conscincia ou a razo. Por-que, nesse caso, adquire algumas das propriedades que so predeterminadaspela natureza da razo hu mana , pelas caractersticas da prpria mente humana.Segundo Kant, o raciocnio hu man o n o possua a capacidade de adaptar-se atodos os tipos possveis de experincia. No era infinitamente varivel paraestar em conformidade com a multiplicidade do prprio mundo. Como umaforma de orientao, o raciocnio humano, segundo Kant, tinha limites defini-dos. Somos compelidos a adequar as nossas experincias a u m padro prede-t e r m i n a d o ditado pela natureza humana . A fora cons t rangedora daexpectativa de encontrar solues para todos os tipos de problemas sob a forma

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    10 T E ORI A S I M B L I C Ade uma relao de causa-eeito pode servir de exem plo. Ela no provm danatureza dosobjectos do raciocnio,mas sim da natureza dossujeitos. De forman o intencional, Kant foi o promotor do relativismo filosfico., no entanto , no particularmente difcil avanar para um a soluo doproblema levantado po r H u m e , qu e Kant pensara te r resolvido. A crena nanatureza satisfatria das solues causais para os problemas de toda a espcien o pode se r fundamentada na experincia do s indivduos. Baseia-se na natu-reza do raciocnio hu man o? Qu e outras solues se oferecem? A resposta maisimediata muito simples. No necessrio procurar um refgio no pressupostode uma forma de raciocnio natura lmen te predeterminada . O termo "causa" eosseus diversos usos soadquiridos, atravs de um processo de aprendizagem,por todos os mem bros com capacidades normais de uma c omun idade lingus-tica contempornea. Porque que esta resposta bvia escapou aH u m e e a Kant?Provavelmente porque no era a resposta ao s e u problema, ao problema talcomo ele se apresentava a pessoas educadas na tradio filosfica. Eles espera-vam uma resposta causal de acordo com a sua tradio individualista. Foi estatradio que encontrou expresso no modo como Hume colocou a questo talcomo na resposta de Kant . No adquirido atravs da experincia individual, oque excessivamente limitado para um juzo desta dimenso, disse Hume.Fundado na natureza do raciocnio humano, respondeu Kant, utilizando ummodelo causal. As explicaes sociais, o conhecimento de que a aquisio deum a lngua e , portanto, de palavras como "causa" e "efeito", algo mais do queuma acum ulao de aces individuais estava para alm da com preenso deambos. Eles no estavam tambm preparados para reconhecer a satisfaosocial associada descoberta de uma explicao causal enquanto aspecto dohabi tua social de um perodo, enquanto forma de compulso social.A expectativa de um tipo especfico de explicao no se deve experinciapessoal de um indivduo, mas s experincias colectivas de um grupo como umtodo ao longo de muitas geraes. Se eles crescem numa sociedade onde afeitiaria veio a ser considerada, sem qualquer dvida, como a fora maispoderosa, os indivduos, provavelmente, encontram a resposta socialmentenecessria para as suas questes urgentes quando encontram o feiticeiro ou afeiticeira que provocou o dano que eles tentam explicar. Tanto H ume como Kan tto.maram conhecimento, a partir da infncia, da procura d"solues causais edo prprioJ:ermo ."causa", como um ingrediente auto-evidente da sua lngua.Podemos perguntar-nos porque que esta resposta bvia escapou sua com-preenso. Presumivelmente, um a razo tem a ver com o facto de que, na suasociedade e na sua profisso, as solues deste tipo, solues sociais, notinham ovalorcognitivo e no recebiam o mesmo sentimento de satisfao que,nos nossos dias, podem obter. Com efeito, a suposio de que a procura decausas impessoais a procura favorita, em todas as pocas, para alcanarexplicaes no correcta. Ela foi, geralmente, precedida, e muitas vezesacompanhada, pela procura de pessoas vivas como autoras dos acontecimen-

    TEORIA SI M B L I C A 11tos, e pela concepo de que todos osacontecimentos soaces que se tentamexplicar. A questo "Quem que destruiu a minha casa atravs do raio?"precedeu a questo "O que que des truiu a minha casa?"No desenvolvimentoda huma nidade, s muito tarde as explicaes causais alcanaram uma supre-macia parcial. M uitas pessoas vivas procuram ainda, provavelmente, umaresposta para a questo "Quem que criou o mundo?" e no "Que transforma-es s o responsveis pela actual constelao do universo fsico?" A procura deexplicaes processuais de longo prazo est ainda nu ma fase inicial. As pessoaspodem ter uma experincia do m u n d o or a como natureza or a como histria.Podemos ver o mundo maneira de Newton como um desgnio produzidopor um grande esprito: tudo o que acontece est sujeito a uma ordem perfeita.Sendo o mundo concebido como natureza, os seus acontecimentos repetem-seinfindavelmente. Ele segue, obedientem ente, leis imutveis que o grande in-ventor lhe prescreveu. A sua recompensa a grande harmonia na qual todosos seres vivem uns com os outros. A ascenso majestosa do Sol matinal sobre alinha do horizontee a grandeza do Soldeclinante no crepsculo so otes temu-nho do realismo desta concepo do mun do como natur eza seguindo eterna-mente o seu curso prescrito.M as podemos tambm conceber este mu ndo como histria. Neste caso, elepossui tambm as suas regularidades. Se optarmos por esta aproximao, o Soltorna-se numa estrela de dimenso mdia semelhante a milhes de outras! Abeleza do cu luminoso de um Vero sem nuvens n o deve ocultar a suaindiferena ao destino hum ano. Depois de um nmero previsvel de anos, asreaces atmicas vitais do Sol perdero estas faculdades. provvel a suadesintegrao numa sequncia de fases bemconhecidas a partir da observaode outras estrelas desta espcie. O advento e o desaparecimento do nossosistema solar so to nicos como a batalha de Waterloo no interior de umuniverso se m nome do qual fazem parte. E, de facto, a batalha de Waterloo fa zparte do mesmo universo ao qual, sob uma forma qualquer, a minha secretriapertence. Depois de algum tempo, as condies que permitiram o tipo deorganizao auto-reguladora que ns cham amos vida provavelmente desapa-recero.A partir do facto de que os seres humanos podem ter uma experincia domund o decluas form as diferentes, um inundo q ue pode ser representado muitoclaramente atravs de smbolos de regularidades imutveis e um mundo querepresenta a estrutura de uma mudan a sequencial incessante numajju duas_direces complementares, podemos) facilmente, chegar concluso de^queestemundo consistededois universos diferentes, um dos quais caracterizadopela palavra de cdigo "nature za" e o outro pela de "histria" ou "cultura". Defacto, estas palavrasjlej:digo representam dois modos diferentes deWenaras experincias. Por razes que no so imediatame nte bvias, o nosso mun doadmite duas formas diferentes de seleccionar e ordenar as percep.es. No improvvel que, conforme os cass,~uma ou outra sejam mais adequadas

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    12 TEORIA SI M B L I C Arealidade ou que d iferentes campos de problemas exijam combinatrias dife-rentes destes dois tipos de repre senta o simblica.Os,seres.humanos, que represen tam o que , provavelmente, um dos acon-tecimentos mais raros no seio da natureza, tero, possivelmente, tempo e talvezmesmo opo rtunidade s para tornar a sua vida mais agradvel, mais confortvele com mais significado do que o foi at agora. Ningum pode fazer isto pelosseres humanos; so eles que o tem de fazer por si prprios. No provvel queeles ve nham a descobrir, nos poucos milhes de anos de vida que lhes restam,um objectivo melhor do que a produo de melhores condies de vida na Terrapara si prprios e para aqueles que eles escolheram como seus companheiros.Decerto, possvel que os seres hu manos sejam ameaados por perigos hojedesconhecidos, por perigos associados com a dor e que podem diminuir aalegria de viver, que, at agora, te m sido dificultada e pode continuar a serdificultada pelos prprios seres hu manos . Neste caso, mais seres humanos, outalvez todos, podem tomar a deciso de que a morte prefervel a continuar aviver na T erra. De acordo com a responsabilidade qu e lhes fo i concedida comocriaturas nicas com a capacidade de realizar uma cooperao informada eplaneada os nicos seres capazes de tal aco , eles podem decidir que ofuturo tende a conduzir a human idade para um po nto em que as possibilidadesde sofrimento exce dem as possibilidades de alegria. Se no todos, pelo menosmuitos seres humanos, podem decidir, em tal situao, que razovel pr umtermo s condies que permitiram a vida naTerra ou onde os seus descenden-tes, e ntretanto, se tenh am instalado. Pode ser aconselhvel, em tal situao,deixar a deciso sobre a vida e a morte da h uman idade aos indivduos interes-sados. Refiro esta possibilidade m erame nte para sublinhar o persistente ocul-tamento da s verdadeiras condies sob as quais os seres humanos podemconsiderar valer a pena con tinuar a sua vida com um onde que r que seja, e paraconhecer exactamente, tanto quanto humanamente possvel, o que lhes estreservado.Podemos, talvez, suspeitar que o uso dos termos "linguagem", "conhecimen-to", "memria" e outros que pertence m ao mesmo complexo de conhecimentoest a ser desviado da sua habitual utilizao. De acordo com um costumegeneralizado, as diferentes funes deste complexo de conhecimento so,usualmente, entendidas como se as diferentes expresses lingusticas, utiliza-das em qualquer lngua particular como padres sonoros representativos dediversas funes deste complexo de conhecimento, se referissem a diferentesobjectos com existncias separadas. Assim, a funo da linguagem de umprocesso de conhecimento pode ser tratada socialmente como um objecto, afuno do conhecimento como um outro, e a funo da memria como umterceiro. A tendncia a tratar as diferentes funes do mesmo complexo deconhecimento como se fossem objectos com existncias separadas e inde-pendentes foi abandonada neste texto. Aqui as diferentes funes de ummesmo processo de conhecimento no so tratada s como se fossem substan-

    TEORIA SI M B L I C A 13cialmente diferentes. Pelo contrrio, elas so tratadas como o que so, comofunes diferentes de um complexo de conhe cimento substancialme nte idnti-co. O mesmo pode ser dito sobre as caractersticas enquanto propriedades do sindivduos e das sociedades. Aslnguas, os pensamentos, as memrias e todosos outros aspectos dos complexos de conhecim ento no so tratados aqui comoindividuais,ou sociais. Eles so sempre entendidos como sendo potencial ourealmente ambas as coisas, sociais e individuais ao mesmo tempo. " ":"' >-. , . . ' ' ' - . . . ," JJ^ VOutras distines sofrem correces anlogas. Assim, podemos observar atendncia a tratar distines familiares como s e elas fossem conhecidas pelaspessoas desde tempos imemoriais. Adistino entre objectos vivos e no vivos um exemplo elucidativo. Deste modo, pode mos ser levados a admitir que aspessoas, em todas as pocas, conhec eram a diferena entre as coisas vivas e novivas da mesma maneira que ela hoje conhecida. No entanto, bem sabidoque, outrora, esta distino era menos realista e m enos ntida do que hoje.Um a das caractersticas do modo de pensamento que ns denominamos demtico a atribuio depropriedadesdosobjectos vivosa objectos que sabemosse r inanimados. Foi, apesar de tudo, apenas no nosso sculo que os sereshumanos comearam a ter um conhecime nto razoavelmente realista dos acon-tecimentos que permitem ao Sol dar, de forma infatigvel, luz e calor aoshabitantes da Terra. O no conhecimento da natureza da fuso molecularfacilitou que as pessoas atribussem um carcter de aces de nvel humano aosacontecimentos ao nvel do Sol. No particularmente ousado fazer umaconjectura sobre a direco global doprocesso de crescimento do conhecimentoda human idade. Para atingir a sua actual condio, fo i necessrio o alargamen-to do conhecimento huma no congruente com a realidade.Face ao presente campo de observao, pode parecer audacioso falar dahumanidade como a unidade social do conhecimento, mas h fortes razes quetornam recomendvel tratar o crescimento da humanidade como a matriz docrescimento do conhecimento. No longo prazo, difcil e talvez mesmo impos-svel a qualquer sub-grupo particular da humanidad e apropriar-se de avanosespecficos do conhecimento. Nas lutas competitivas entre grupos humanos, osavanos do conhecimento desempenham, muitas vezes, um papel decisivo.Alm disso, o roubo de conhecimento que permite vantagens a um grupo mais fcil do que o roubo de quase todas as outras propriedades importantesdas pessoas.Uma forma lingustica especfica, chamada questo, serve, muitas vezes, deponto de partida na estrada para o novo conhecimento. tambm uma dasmarcas distintivas dos seres humanos. Eles so os nicos seres animadoscapazes de colocar questes. As questes indicam os limites do fundo deconhecimento de uma pessoa ou de um grupo. Elas so dirigidas por algumque no sabe a algum ou a alguma coisa que, supostamente, conhece aresposta. H oje, num perodo de crescimento do conhecimento em que poss-vel distinguir, de forma mais ou menos realista, entre sujeitos humanos e

  • 7/27/2019 Norbert Elias - Teoria Simblica

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    14 TEORIA SI M B L I C Aobjectos n o vivos, as questes podem se r dirigidas por um sujeito vivo a umobjecto n o vivo. Outrora, elas s podiam se r dirigidas por um membro de ummundo humano ou de um m undo dos espri tos a um outro membro. neces-srio tambm ter em considerao o significado diferente qu e termos como"sujeito" e "objecto" ou os seus equivalentes podiam assumir num a sociedadeem que a natureza era experimentada mais como um campo dos espritos doque como um campo de tomos e molculas.O termo "objecto", no contexto da anttese objecto-sujeito, retm ainda umaassociao muito forte no com os objectos em geral mas com os objectos se mvida, com os objectos das cincias fsicas. Ele continua a ser tambm o expoentede uma longa tradio qu e impe ao s seus adeptos o entendimento da s dife-renas como opostos, eternamente ocupados numa guerra entre si, tal comonatureza e cultura, objectos que no so feitos pelas pessoas e objectos que sofeitos pelas pessoas. T al como usado hoje, "natureza" , de facto, um conglo-merado de avaliaes muitas vezes divergentes. O uso da palavra "natureza"ou de u m dos seus afiliados pode ter um valor depreciativo, por exem plo se forutilizado em ligao com a "matria" e, portanto, com o materialismo, ou umvalor acrescido se for utilizado em oposio ao que feito pelo homem. Podete r contaes de materialismo e conotaes de idealismo. Na sua formatradicional, o problema humano da cognio n o admite um a resposta estvel,um a resposta que possa obter o consenso dos seus exploradores. Pode serentendido como representativo de todo o universo e tambm como repre-sentativo apenas das camadas no humanas do universo e nos antpodas dascamadas humanas ou culturais.Desde qu e Descartes colocou a questo cognitiva bsica, n o houve grandesmudanas. A mesma questo foi sendo colocada ao longo dos sculos. N umaforma muito simplificada, a questo queexigia uma resposta era: Como queuma pessoa pode jama is estar segura de que a resposta que foi encontrada parauma questo a resposta correcta ou na linguagem clssica a respostaverdadeira? O conhecimento cientfico avanou muito rapidamente. A dvidaquanto certeza da s respostas cientficas, quanto sua correspondncia comum mundo realmente existente, manteve, obstinadamente, a sua fora. Aolongo do tempo, foi dada uma diversidade de respostas a esta questo atravsde eruditos desde Descartes at Husserl e Popper, passando por Kant. Inde-pendentemente da resposta, a dvida cartesiana levantou a sua cabea ao longodo s sculos, que ns designamos como tempos modernos, com uma forainabalvel. O diagnstico mudou, mas a doena c ontinuou a ser a mesma. Aolongo dos tempos modernos, o conjunto do conhecimento da humanidadeorientado para a realidade au mento u significativamente, M as as dvidas quan-tq..,., natureza deste conhecimento n o desapareceram. Subsistiram incertezassobre a existncia de um "mundo real" corresponde nte aos smbolos cientficosem transformao. Seria um risco considervel afirmar que, desde os dias deDescartes e K ant, no s aumen tou o conhecimento mas tambm a certeza de

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