Neoliberalismo no Brasil - texto de Boito Junior

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57 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 28, p. 57-73, jun. 2007 Armando Boito Jr. ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL Recebido em 3 de março de 2007. Aprovado em 1º de julho de 2007. O artigo é fruto de pesquisa ainda em curso e procura fazer um tipo de análise que foi, em grande medida, deixado de lado no Brasil. Reatando com uma rica tradição da Sociologia e da Ciência Política brasileiras, que se formou nos anos 1960 e 1970, o autor tenta examinar os interesses das frações da burguesia brasileira que chegam a agir como frações distintas no processo político nacional, bem como as relações desses interesses com a política de Estado. São examinados também os conflitos entre essas frações burguesas e as relações que, enquanto frações burguesas de um país dependente, elas entretêm com o imperialismo e com o campo das classes populares. Sempre em uma abordagem tentativa e inicial, o artigo faz referência também à mudança na hierarquia do poder burguês, isto é, à mudança ocorrida no interior do bloco no poder, durante os mandatos presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva. O artigo apresenta a hipótese segundo a qual a nova vaga de internacionalização do capitalismo dependente brasileiro não impediu que um poderoso setor da grande burguesia interna continuasse atuante e melhorasse sua posição no bloco no poder ao longo da década de 2000. PALAVRAS-CHAVE: Estado brasileiro; burguesia; bloco no poder; hegemonia; teoria marxista. I. INTRODUÇÃO Antes de entrar no tema propriamente dito, peço ao leitor que me acompanhe em uma pequena di- gressão que servirá para situar teoricamente o meu trabalho. Existe uma rica tradição de estudos sobre as classes proprietárias no Brasil. Tais estudos são heterogêneos no que respeita às suas orientações teóricas e preocupações e passaram, nos anos re- centes, por modificações importantes. O tema mais tradicional desses estudos é a grande agricultura de exportação. O estudo desse tema remonta, para restringirmo-nos a autores do século XX, aos trabalhos de Octavio Brandão, Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Pierre Monbeing, Celso Furtado, Florestan Fernandes e outros precursores das Ciências Sociais, da Eco- nomia Política e do debate intelectual moderno sobre o Brasil. A economia e a sociedade da cana- de-açúcar, na região Nordeste, e do café, na re- gião Sudeste, são os temas nobres dessa tradição bibliográfica. Os estudos sobre os empresários industriais são mais recentes, mas estão longe de serem novidade. Nelson Werneck Sodré, Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Hélio Jaguaribe, Fernando Henrique Cardoso, Warren Dean, Boris Fausto, Luciano Martins e muitos outros passa- ram a dedicar-se, conforme implantava-se e aprofundava-se o processo de industrialização no Brasil do período posterior a 1930, aos estudos sobre a burguesia industrial. Alguns desses auto- res foram os primeiros a analisar os industriais utilizando o conceito de “burguesia”. Fizeram-no para pensar as relações políticas complexas desse setor social com os centros hegemônicos do ca- pitalismo, com o Estado e com os trabalhadores. Esses estudos, embora alguns deles carecessem de levantamento empírico mais sistemático, são muito sofisticados, ensejaram debates vivos e pro- dutivos e estiveram ligados, de maneira aberta ou implícita, à discussão política sobre os rumos da economia e da sociedade brasileiras. Como é sa- bido, o debate sobre a burguesia industrial con- centrou-se na questão de averiguar se existia, no Brasil, uma burguesia nacional com interesse em participar de uma ampla frente de classes por um desenvolvimento nacional autônomo. As orientações teóricas desses estudos eram variadas. Pensemos, por exemplo, na diferença entre, de um lado, o marxismo de tipo soviético praticado por Nelson Werneck Sodré, para o qual a burguesia era o sujeito social dirigente de um processo de desenvolvimento “de tipo capitalis-

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Análise do neoliberalismo no Brasil.

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 28: 57-73 JUN. 2007

    RESUMO

    Rev. Sociol. Polt., Curitiba, 28, p. 57-73, jun. 2007

    Armando Boito Jr.

    ESTADO E BURGUESIA NOCAPITALISMO NEOLIBERAL

    Recebido em 3 de maro de 2007.Aprovado em 1 de julho de 2007.

    O artigo fruto de pesquisa ainda em curso e procura fazer um tipo de anlise que foi, em grande medida,deixado de lado no Brasil. Reatando com uma rica tradio da Sociologia e da Cincia Poltica brasileiras,que se formou nos anos 1960 e 1970, o autor tenta examinar os interesses das fraes da burguesia brasileiraque chegam a agir como fraes distintas no processo poltico nacional, bem como as relaes dessesinteresses com a poltica de Estado. So examinados tambm os conflitos entre essas fraes burguesas e asrelaes que, enquanto fraes burguesas de um pas dependente, elas entretm com o imperialismo e como campo das classes populares. Sempre em uma abordagem tentativa e inicial, o artigo faz refernciatambm mudana na hierarquia do poder burgus, isto , mudana ocorrida no interior do bloco nopoder, durante os mandatos presidenciais de Luiz Incio Lula da Silva. O artigo apresenta a hiptesesegundo a qual a nova vaga de internacionalizao do capitalismo dependente brasileiro no impediu queum poderoso setor da grande burguesia interna continuasse atuante e melhorasse sua posio no bloco nopoder ao longo da dcada de 2000.

    PALAVRAS-CHAVE: Estado brasileiro; burguesia; bloco no poder; hegemonia; teoria marxista.

    I. INTRODUO

    Antes de entrar no tema propriamente dito, peoao leitor que me acompanhe em uma pequena di-gresso que servir para situar teoricamente o meutrabalho.

    Existe uma rica tradio de estudos sobre asclasses proprietrias no Brasil. Tais estudos soheterogneos no que respeita s suas orientaestericas e preocupaes e passaram, nos anos re-centes, por modificaes importantes.

    O tema mais tradicional desses estudos agrande agricultura de exportao. O estudo dessetema remonta, para restringirmo-nos a autores dosculo XX, aos trabalhos de Octavio Brando, CaioPrado Jr., Nelson Werneck Sodr, PierreMonbeing, Celso Furtado, Florestan Fernandes eoutros precursores das Cincias Sociais, da Eco-nomia Poltica e do debate intelectual modernosobre o Brasil. A economia e a sociedade da cana-de-acar, na regio Nordeste, e do caf, na re-gio Sudeste, so os temas nobres dessa tradiobibliogrfica. Os estudos sobre os empresriosindustriais so mais recentes, mas esto longe deserem novidade. Nelson Werneck Sodr, FlorestanFernandes, Octavio Ianni, Hlio Jaguaribe,Fernando Henrique Cardoso, Warren Dean, Boris

    Fausto, Luciano Martins e muitos outros passa-ram a dedicar-se, conforme implantava-se eaprofundava-se o processo de industrializao noBrasil do perodo posterior a 1930, aos estudossobre a burguesia industrial. Alguns desses auto-res foram os primeiros a analisar os industriaisutilizando o conceito de burguesia. Fizeram-nopara pensar as relaes polticas complexas dessesetor social com os centros hegemnicos do ca-pitalismo, com o Estado e com os trabalhadores.Esses estudos, embora alguns deles carecessemde levantamento emprico mais sistemtico, somuito sofisticados, ensejaram debates vivos e pro-dutivos e estiveram ligados, de maneira aberta ouimplcita, discusso poltica sobre os rumos daeconomia e da sociedade brasileiras. Como sa-bido, o debate sobre a burguesia industrial con-centrou-se na questo de averiguar se existia, noBrasil, uma burguesia nacional com interesse emparticipar de uma ampla frente de classes por umdesenvolvimento nacional autnomo.

    As orientaes tericas desses estudos eramvariadas. Pensemos, por exemplo, na diferenaentre, de um lado, o marxismo de tipo soviticopraticado por Nelson Werneck Sodr, para o quala burguesia era o sujeito social dirigente de umprocesso de desenvolvimento de tipo capitalis-

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    ta, e, de outro lado, a Economia Poltica de Cel-so Furtado, que fundia a teoria econmica deKeynes com a Sociologia de Karl Mannheim, im-putando intelligentsia a funo de conduzir odesenvolvimento, concebido, no caso de Furta-do, como desenvolvimento econmico simples-mente (MONTEIRO, 2006). Apesar dessa varie-dade de orientaes tericas, boa parte dessesestudos foi realizada por autores marxistas ou in-fluenciados, em maior ou menor grau, pela teoriamarxista. Esses trabalhos operavam, como foiindicado nas referncias acima, com o conceitode classe social e, no que respeita burguesia,esse conceito era pensado de modo complexo,comportando uma subdiviso dessa classe em fra-es (nacional, associada, agrria, industrial etc.),cujos interesses especficos produziriam efeitospertinentes no processo poltico nacional. Os con-ceitos de burguesia, Estado capitalista, im-perialismo, desenvolvimento capitalista e ou-tros estiveram na base do estudo do Estado for-mado no posteriormente a 1930, da ideologia na-cional-desenvolvimentista, da poltica de industri-alizao e de eventos marcantes da histria polti-ca do Brasil, como a prpria Revoluo de 1930 eo golpe militar de 1964. Pois bem: esse tipo deanlise perdeu terreno nas Cincias Sociais e qua-se caiu em desuso no ambiente universitrio1.

    O declnio desse tipo de pesquisa um dosepisdios que fazem parte do declnio do prest-gio do marxismo na universidade brasileira algoque no , diga-se de passagem, homogneo nomundo universitrio, pois nessa mesma poca omarxismo iniciava sua trajetria ascendente nauniversidade estadunidense. Noes como clas-se social, frao de classe, ideologia e Es-tado de classe desapareceram, no Brasil, da pes-quisa sobre empresrios industriais, banqueiros eagronegcio. Na maioria dos casos, estudam-setais setores como grupos que competem entre si,como fazem quaisquer outros grupos, para influirna poltica de Estado entidade que apresenta-da, implicitamente, como uma arena neutra para adisputa entre interesses mltiplos e situados emcondies de igualdade uns frente aos outros.Outra caracterstica de estudos mais recentesconsiste em isolar o setor da burguesia que sepretende estudar dos demais setores ou fraes e,

    mais ainda, do restante da sociedade. Hoje, discu-tir a possibilidade de aliana desta ou daquela fra-o burguesa com outras classes ou setores soci-ais poder parecer a muitos como uma questofora de propsito. certo que os estudos recen-tes ganharam na fundamentao emprica e nolevantamento sistemtico das informaes; avan-aram, tambm, na anlise da relao dos empre-srios com o processo decisrio no Estado. Porisso, trazem contribuio importante para o co-nhecimento do Estado e dos capitalistas brasilei-ros. Nesse sentido, so exemplos os trabalhos deAry Minella, para o caso dos banqueiros; de EliDiniz e Renato Boshi, para o caso dos empresri-os industriais, e de Adriano Nervo Codato, paracitar apenas alguns dos mais conhecidos e queso, pela sua qualidade, referncias incontornveisno estudo da burguesia brasileira2.

    O nosso trabalho de pesquisa sobre a burgue-sia brasileira procura retomar a tradio marxistaque hoje est quase esquecida nessa rea de estu-do, sem a pretenso de equiparar convm diz-lo a qualidade do nosso trabalho daqueles quecitamos mais atrs. Concebemos o conjunto doempresariado banqueiros, industriais, fazendei-ros, comerciantes como integrantes da classecapitalista e o Estado brasileiro como uma entida-de moldada, pelas suas instituies e pelo pessoalque as ocupa, para servir aos interesses funda-mentais dessa classe social. Ademais, no campoda teoria marxista das classes e do Estado, traba-lhamos com o conceito especfico de bloco nopoder, desenvolvido por Nicos Poulantzas parapensar a classe burguesa como a unidade (classesocial) do diverso (fraes de classe) nas suasrelaes com o Estado e com o restante da socie-dade (cf. POULANTZAS, 1971, v. II, parte III,cap. 4; parte IV, cap. 4).

    O emprego do conceito de bloco no poderexige, em primeiro lugar, que o pesquisador de-tecte as fraes da classe dominante que agemcomo fora social distinta em uma dada conjun-tura, isto , os interesses econmicos setoriaisburgueses que ensejam, diante da poltica de Es-tado, a formao de grupos diferenciados que

    1 Esse tipo de pesquisa no desapareceu completamenteno perodo recente. Recordo, a esse ttulo, o trabalho deRenato M. Perissinotto (1994).

    2 Refiro-me aos inmeros trabalhos de Eli Diniz e RenatoBoschi sobre o empresariado industrial e aos diversos tra-balhos de Ary Minella sobre os empresrios do setor ban-crio. Penso tambm em trabalhos como os de AdrianoNervo Codato (1997) e de Paulo Neves Costa (1998).

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    perseguem, no processo poltico, objetivos pr-prios. Em segundo lugar, exige que o pesquisadorprocure esclarecer quais interesses de frao sopriorizados pela poltica econmica do Estado equais so relegados a um plano secundrio. A lo-calizao dos interesses efetivamente priorizadospela poltica do Estado indica qual a fraohegemnica no interior do bloco no poder.Poulantzas sugere que, regra geral, o bloco nopoder no Estado capitalista apresenta uma hierar-quia mais ou menos estvel, configurando a exis-tncia de uma frao hegemnica no seu interior.Contudo, esse autor tambm contempla a possi-bilidade de uma crise de hegemonia, que a situ-ao de um bloco no poder em que nenhuma fra-o burguesa logra impor seus interesses espec-ficos como interesses prioritrios para a polticade Estado. O conceito de bloco no poder, que re-cobre o terreno das classes e das fraes de clas-se, permite tambm a Poulantzas realizar umenfoque novo e sofisticado dos regimes polticosnos Estados democrticos, remetendo as formasde governo (presidencialismo ou parlamentaris-mo), as disputas entre os ramos do aparelho deEstado (poderes Executivo e Legislativo), o jogopartidrio (os variados tipos de pluripartidarismoe bipartidarismo) s disputas por hegemonia nointerior do bloco no poder (idem, v. II, parte IV,cap. 5). A idia que a organizao do Estado e osistema partidrio encontram explicao nos inte-resses burgueses em conflito.

    H um forte preconceito contra a correntemarxista althusseriana nos meios marxistas brasi-leiros. Porm, recorrendo a Poutantzas, no noscolocamos distantes, ao contrrio do que poderiaparecer primeira vista, da tradio brasileira qual fizemos referncia. Os estudiosos brasileirosoperavam com noes e teses que aproximavamsuas anlises daquelas que poderamos obter utili-zando, explcita e conscientemente, o conceitopoulantziano de bloco no poder e o tratamentoque esse conceito sugere para o regime poltico.A polmica de Boris Fausto com Nelson WerneckSodr sobre a Revoluo de 1930 no dizia res-peito ao conflito entre diferentes fraes no inte-rior da classe capitalista? Sodr, em uma brevepassagem realada, talvez exageradamente, porFausto, apresentou a Revoluo de 1930 comoum golpe da burguesia ascendente contra a classedecadente dos proprietrios de terra, enquantoFausto, para refut-lo, tratou de apresentar 1930como fruto de uma crise oligrquica, entendida

    esta como uma crise provocada pelas disputasentre as fraes regionais da classe dominante.H um amplo terreno comum a esses dois traba-lhos terreno comum que era, alis, o que permi-tia o tipo de discusso que eles ensejaram. O pro-cesso poltico expressa, em ambos, a ao e osinteresses de classe; em ambos, o Estado , antese depois de 1930, o Estado da classe dominante.Qual, ento, a diferena? No trabalho de Sodr,muda a classe ou a frao da classe dominantecujos interesses predominam no Estado deca-dncia dos grandes proprietrios de terra, ascen-so poltica da burguesia ; no trabalho de Fausto,os conflitos entre os setores regionais da classedominante, as chamadas dissidncias oligrquicas,teriam aberto um perodo de crise de hegemonia,noo expressamente utilizada por esse autor eque j fora utilizada antes por Francisco Weffortnos seus estudos sobre o populismo nascido pos-teriormente a 1930. Quando Antnio CarlosMeirelles, em excelente e pouco conhecido texto,interveio no debate para fazer a crtica da crticade Fausto, foi a vinculao entre o regime polticoe o bloco no poder que serviu de referncia(MEIRELLES, 1973). Meirelles argumentou que,embora Fausto tivesse demonstrado a ausnciada burguesia industrial no movimento que depsWashington Lus e a importncia da criseoligrquica para o desencadeamento do movimentopoltico-militar, permanecia o fato de que a cen-tralizao do regime poltico alterara a relao deforas no interior do bloco no poder, abrindo ca-minho para a poltica de industrializao que setornaria clara no final da dcada de 1930. Por isso,Meirelles utilizou a noo gramsciana de revolu-o (burguesa) passiva para caracterizar o movi-mento de 1930.

    Algo semelhante passa-se com as discussessobre a burguesia nacional. Como sabido de to-dos, Fernando Henrique Cardoso, nos seus estu-dos sobre o empresariado e sobre a dependncia,esforou-se para refutar a tese, que ele atribuagenericamente aos intelectuais comunistas e aoPartido Comunista Brasileiro (PCB), segundo aqual haveria uma burguesia nacional passvel deassumir, no Brasil, uma postura anti-imperialista(CARDOSO, 1966). Nos debates sobre o signifi-cado dos golpes de Estado de 1954 e 1964, a ques-to da existncia ou no de um projeto de desen-volvimento capitalista autnomo e de uma bur-guesia nacional foram questes que marcaram aCincia Poltica brasileira (IANNI, 1972).

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    O declnio do prestgio da teoria marxista nauniversidade brasileira, o abandono das pesquisassobre a burguesia como classe social e a ltimaonda de internacionalizao da economia capita-lista o denominado processo de mundializao poderiam sugerir que esse enfoque e os debatesque ele enseja estariam superados. Ns acredita-mos que no. Alm de trabalharmos com o con-ceito de bloco no poder, lanamos mo de umoutro conceito especfico, tambm produzido porNicos Poulantzas o conceito de burguesia in-terna para entender boa parte do que ocorrehoje com a burguesia brasileira nas suas relaescom o Estado e com o capitalismo internacional3.Entendemos que o denominado processo demundializao no logrou absorver, integralmen-te, a burguesia de um pas dependente dasemiperiferia, como o Brasil, o que significa queos conflitos entre uma burguesia compradora, que o brao local da atual forma de dependncia, euma burguesia interna, com base de acumulaoe nos interesses especficos, explicam parte im-portante do processo poltico nacional. Com taisconceitos, elaboramos duas hipteses principaisde trabalho. A primeira que vigoraria, no pero-do neoliberal, iniciado no governo Collor e que seestende at o presente, a hegemonia do grandecapital financeiro internacional, junto ao qual osgrandes bancos brasileiros funcionam como bur-guesia compradora. A segunda hiptese que ogoverno Lula representa uma novidade: sem rom-per, at aqui, com a hegemonia do grande capitalfinanceiro internacional, Lula promoveu a ascen-so poltica da grande burguesia interna brasileirano interior do bloco no poder. Isto , o governoLula, pelo menos no tema que nos ocupa, que otema do empresariado e de sua relao com oEstado, no seria, a despeito de manter o modeloneoliberal, uma mera continuidade do governoFernando Henrique Cardoso (FHC).

    II. O BLOCO NO PODER NO PERODO NEO-LIBERAL

    A poltica econmica e social do Estado brasi-leiro ao longo das duas ltimas dcadas conferiu

    ao capitalismo brasileiro certas caractersticasminimamente estveis que permitem que falemosem um novo modelo de desenvolvimento capita-lista. Esse modelo, que tem sido chamadoneoliberal, pode ser definido por meio de um con-traste com o modelo que o antecedeu, odesenvolvimentista tanto na sua fase nacionalreformista (1930-1964) quanto na pr-monopolista da ditadura militar (1964-1985).Muitos elementos evidenciam esse contraste en-tre modelo desenvolvimentista e modelo neoliberal:o ritmo do crescimento econmico cai, o papeldo Estado como empresrio e provedor de servi-os declina, a prioridade ao crescimento e ao de-senvolvimento industrial desaparece, adesnacionalizao da economia nacional amplia-se e os direitos sociais e trabalhistas sofrem umprocesso de reduo ainda maior do que aqueleque sofreram durante a fase ditatorial-militar domodelo desenvolvimentista. Esses elementos for-necem-nos as pistas para detectarmos qual afrao burguesa hegemnica ao longo do perodoneoliberal. Para tanto, deveremos detectar qualfrao burguesa prioritariamente beneficiadapelas caractersticas do novo modelo.

    No perodo do modelo capitalistadesenvolvimentista, verificou-se uma expanso,ainda que limitada e no-linear, dos direitos traba-lhistas e sociais. O modelo neoliberal de capitalis-mo inverteu essa tendncia. Desse elemento so-bejamente conhecido, podem-se tirar conclusesnovas. Na medida em que tal elemento contemplaos interesses do toda a burguesia brasileira e docapital internacional aqui investido, ele deve serconsiderado um elemento que tem assegurado umaunidade poltica mnima da burguesia em tornodo modelo neoliberal4. Muitos analistas, dentre osquais se destacam os economistas crticos daComisso Econmica para a Amrica Latina e oCaribe (Cepal), no percebem esse fato. Consta-tando que o modelo neoliberal promove adesindustrializao do pas entendida como areduo do produto industrial no conjunto do pro-duto interno bruto e como o rebaixamentotecnolgico da indstria instalada , demonstramsua perplexidade diante do apoio ou das crticas

    3 O conceito de burguesia interna indica a frao da bur-guesia que ocupa uma posio intermediria entre a bur-guesia compradora, que uma mera extenso dos interes-ses imperialistas no interior dos pases coloniais e depen-dentes, e a burguesia nacional, que em alguns movimentosde libertao nacional do sculo XX chegou a assumir po-sies anti-imperialistas. Ver Poulantzas (1976).

    4 Nesta parte do texto, retomo, com nova formulao,parte do que j escrevi em trabalho anterior sobre o blocono poder no conjunto do perodo neoliberal. Ver BoitoJnior (2002, cap. I, item 4).

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    muito limitadas da burguesia industrial aoneoliberalismo. Ignoram que a indstria parte daclasse capitalista e que, nessa medida, o modelotem algo a oferecer-lhe. As grandes empresas quese acredita respeitarem a legislao trabalhista tam-bm usufruem, mesmo que indiretamente, por meiode seus fornecedores e da prtica dasubcontratao, a desregulamentao do merca-do de trabalho e a reduo dos custos que essadesregulamentao propicia; a mercadorizaode direitos e de servios como sade, educao eprevidncia tambm atende, de modo variado, di-ferentes setores da burguesia. Em primeiro lugar,ela estimula a expanso dos negcios de uma novafrao burguesa que denomino nova burguesiade servios, beneficiria direta do recuo do Esta-do na rea dos servios bsicos. Como veremosadiante, o crescimento da nova burguesia de ser-vios apenas uma das modificaes promovidaspelo modelo neoliberal na composio da burgue-sia brasileira. Em segundo lugar, amercadorizao reduz os gastos sociais tradici-onais do Estado, atendendo presso do grandecapital para apropriar-se do oramento pblico. Adesregulamentao e a mercadorizao forammantidas pelo governo Lula. Ele preservou as re-formas promovidas por FHC, alm de ter realiza-do e estar preparando novas reformas da previ-dncia, do estatuto do servidor pblico (generali-zao da contratao no modelo da Consolidaodas Leis do Trabalho (CLT)), trabalhista e sindi-cal, privatizao de hospitais e universidades eoutras. Esse elemento do modelo neoliberal recu-pera parcialmente e em uma situao histricanova aquela que era uma caracterstica do mo-delo capitalista vigente no perodo anterior a 1930:o mercado de trabalho desregulamentado e a au-sncia de direitos sociais.

    Se o desmonte dos direitos trabalhistas e soci-ais garante a unidade poltica da burguesia em tornodo programa neoliberal, os demais elementos doneoliberalismo tm dividido a classe burguesa noplano corporativo dos interesses de frao. A maiorparte dos trabalhos que utiliza o conceito de clas-se social para analisar a burguesia ignora essa di-viso, imaginando uma classe burguesa com inte-resses homogneos frente ao modelo neoliberal efavorveis integralmente a ele, o que impede es-ses trabalhos de explicarem os conflitos que talmodelo tem ensejado entre os prprios empres-rios. Trata-se de uma abordagem que comete, di-gamos assim, o erro simtrico e oposto quele

    anteriormente citado e que consistia, como disse-mos, em separar a indstria do conjunto da classecapitalista. Pois bem: examinando essa divisoque podemos verificar quais interesses burguesesso priorizados e quais so negligenciados ou pre-teridos pela poltica neoliberal.

    O segundo elemento do modelo a ser conside-rado a poltica de privatizao, que reduziu mui-to o capitalismo de Estado brasileiro que fora umdos elementos propulsores da industrializao ca-pitalista no perodo posterior a 1930. Novamente,o rompimento com o modelo capitalistadesenvolvimentista evidente, embora as conse-qncias polticas desse fato no sejam evidentespara muitos estudos sobre o assunto. Aprivatizao, nessa nova fase do capitalismo bra-sileiro, atende diretamente aos interesses dos gran-des grupos econmicos privados, ou seja, do con-junto do grande capital nacional ou estrangeiro,industrial ou financeiro. J a mdia burguesia per-maneceu, devido s regras estabelecidas pelo Es-tado brasileiro para o processo de privatizao,excluda do grande negcio que foram os leilesde empresas estatais. Menos de 100 grandes gru-pos econmicos privados apoderaram-se da qua-se totalidade das empresas estatais que foram aleilo, contando com favorecimentos de todo tipo subestimao do valor das empresas, possibili-dade de utilizao das chamadas moedas podres,financiamento subsidiado pelo Banco Nacional deDesenvolvimento Econmico e Social (Bndes),informaes privilegiadas, preferncia e ajuda dasautoridades governamentais etc. Grandes empre-sas industriais, como os grupos Votorantin, Gerdaue Vicunha; grandes bancos, como Ita, Bradesco,Unibanco e o Bozzano-Simonsen; grandes empre-sas estrangeiras, como as empresas portuguesa eespanhola na rea de telefonia, enfim, o grandecapital nacional, industrial ou financeiro, e o grandecapital estrangeiro, isto , a cspide do capitalis-mo brasileiro apropriou-se da siderurgia, dapetroqumica, da indstria de fertilizantes, dasempresas de telecomunicao, da administraode rodovias, dos bancos pblicos, das ferroviasetc. O resultado foi que a participao das estataisno produto interno bruto (PIB) brasileiro caiumuito ao longo das duas ltimas dcadas5. As

    5 Entre 1989 e 1999, dentre as 40 maiores empresas operan-do no Brasil, o nmero de empresas estatais caiu de 14 paraapenas sete empresas (DINIZ & BOSCHI, 2004, p. 69).

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    ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

    empresas privatizadas esto hoje entre as maislucrativas do capitalismo brasileiro. O governoLula herdou e manteve essa privatizao, inclusi-ve os contratos leoninos que asseguram altalucratividade aos novos monoplios privados, enem sequer cogitou de investigar os casos decorrupo mais rumorosos que envolveram a po-ltica de privatizao. Alm disso, as empresasprivatizadas que se dizem em dificuldades, comoa Ferronorte, vm recebendo ajuda financeira pri-vilegiada do atual governo, o que contraria os ob-jetivos declarados da poltica de privatizao. Alegislao criada pelo governo Lula para as parce-rias pblico-privadas (PPPs) para servios pbli-cos e de infra-estrutura a sua mais ambiciosaproposta na rea da privatizao. Sero essesmesmos grandes grupos econmicos que mono-polizaro o acesso explorao dos servios deinfra-estrutura com o privilgio de terem, confor-me estabelece a legislao das PPPs, a lucratividadeassegurada em lei est prevista a suplementaode dinheiro pblico para os empreendimentos queno atingirem a lucratividade esperada.

    A poltica de privatizao um elemento domodelo neoliberal que atinge de modo desigual osdiferentes setores da burguesia. Ela tem, comoindicamos, aumentado o patrimnio e os lucrosdo grande capital em detrimento do mdio capitale ferido os interesses da camada burocrtica quecontrolava essas grandes empresas estatais. A re-duo das empresas estatais significa, do pontode vista da estrutura de classes, a reduo de umsetor da burguesia nacional, pois a cpula dessasempresas funcionava como uma burguesia naci-onal de Estado. Juntamente com a expanso danova burguesia de servios, essa outra mudanaimportante que ocorreu na composio da bur-guesia brasileira. Tal fato tem uma conseqnciapoltica que vem sendo, como anunciei, ignoradanos estudos sobre a matria: ela restringe a basesocial e a influncia poltica do nacional-reformismo burgus no Brasil6.

    Finalmente, no que diz respeito ao terceiro ele-mento da poltica neoliberal que julgamos impor-tante, que so a abertura comercial e a

    desregulamentao financeira, nesse caso, at umsetor importante do grande capital privado, o in-dustrial, teve seus interesses negligenciados oupreteridos em proveito do grande capital financei-ro nacional e internacional.

    Para a anlise do capital financeiro e do atualmodelo de acumulao, seguimos FranoisChesnais, para quem a forma dominante de capi-tal hoje o financeiro, concebido como [...] afrao do capital que se valoriza conservando aforma dinheiro (CHESNAIS, 1997, p. 31). Ogrande capital financeiro no Brasil diversificadoquanto origem do capital, ao tipo de insero nomercado brasileiro e rea de atuao. Temos,acima de tudo, os grandes bancos comerciais nacionais e estrangeiros que possuem rede deagncias no Brasil Bradesco, Ita, Unibanco,Santander, HSBC e outros. Dados do final da d-cada de 1990 apontavam que, em um universo de200 bancos funcionando ento no Brasil, um totalde 25 deles detinham, sozinhos, mais de 80% doativo total. O balano dos lucros dos bancos noprimeiro trimestre de 2005 mostrava que os cin-co maiores bancos do pas respondiam por 69%de todo o lucro do sistema bancrio; se conside-rados os dez maiores, essa parcela subia para 83%do total dos lucros7. No Brasil, grandes bancos egrandes grupos industriais mantm-se relativa-mente separados e uma particularidade brasileirano quadro da Amrica Latina a importncia dosgrandes bancos nacionais, setor que, alis, atmeados da dcada de 1990 no apresentava in-vestidores estrangeiros dignos de nota (cf.MINELLA, 1997). As demais empresas e institui-es que integram o capital financeiro so os ban-cos estrangeiros comerciais e de investimentosque, sem terem rede de agncias no Brasil, pos-suem investimentos de curto e de longo prazo nopas e os fundos e investimento e os fundos depenso nacionais e estrangeiros. No Brasil e emoutros pases dependentes, esse capital financei-ro funciona, em grande medida, como capital usu-rrio e predador o capital dinheiro portador dejuro que se valoriza, a taxas muito elevadas, semfinanciar a produo capitalista (posse dos ttulosda dvida pblica, fornecimento de emprstimo

    6 Desenvolvi esse ponto no meu j citado trabalho Polticaneoliberal e sindicalismo no Brasil (cf., especialmente,BOITO JNIOR, 2002, parte I, cap. 3-4).

    7 O levantamento foi feito pelo Banco Central do Brasilem um universo considerado de 106 instituies bancrias(cf. LUCRO DOS BANCOS CRESCE, 2005, p. B-9).

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    ao consumidor a taxas que chegam a 8% ao ms,emprstimo consignado, a taxas ditas populares,dirigidos a assalariados e aposentados de baixarenda etc.)8.

    Para que o grande capital financeiro possa va-lorizar-se com rapidez e a taxas elevadas, algunsaspectos da poltica de Estado so, nas condiesatuais e principalmente nos pases dependentes,fundamentais: a) a integrao do mercado finan-ceiro nacional com os mercados internacionais,isto , a desregulamentao financeira que asse-gura a livre converso das moedas e a livre circu-lao das aplicaes em ttulos pblicos e em bol-sas de valores; b) o cmbio relativamente estvele livre que permita a converso e a reconversodas moedas sem sobressaltos ou prejuzo; c) opagamento da dvida pblica externa e interna comtaxa bsica de juro real elevada para assegurar umaalta remunerao para os ttulos pblicos detidos,majoritariamente, pelas empresas que tm maiorliquidez, isto , pelo prprio capital financeiro. Osbalanos dos grandes bancos privados brasileirosmostram que, ao longo dos ltimos anos, a recei-ta oriunda do recebimento de juros dos ttulos dadvida pblica representa cerca de 40% da receitatotal dessas instituies; d) liberdade para o capi-tal financeiro cobrar o mximo possvel pelo ca-pital que cede emprestado a capitalistas e consu-midores spread liberado e e) ajuste fiscal quegaranta o pagamento dos juros dos ttulos da d-vida pblica nos paises europeus, dficit pbli-co limitado; nos latino-americanos, supervits pri-mrios. Sabemos que todos esses cinco elemen-tos foram mantidos ou aprofundados durante ogoverno Lula.

    A desregulamentao financeira est vincula-da ao avano recente da desnacionalizao daseconomias dependentes como o Brasil e tambm abertura comercial que foi promovida nessespases. De um lado, a compra e a venda de aesou mesmo a aquisio de empresas pblicas e pri-vadas um dos terrenos para a valorizao do

    capital financeiro internacional e, de outro lado,os grandes grupos industrial-financeiros dos pa-ses dominantes exigiram a abertura comercial daAmrica Latina para aumentarem as suas expor-taes para essa regio (CHESNAIS, 1997, p.310). Como sabido, a poltica neoliberal supri-miu o protecionismo dos mercados internos lati-no-americanos protecionismo que fora a marcado modelo desenvolvimentista. Essa abertura, almde atender aos interesses do capital internacional,tem o objetivo de inibir, ao acuar a burguesia in-terna com a concorrncia de produtos importa-dos a preo menor, a remarcao de preos dosprodutos industriais, contendo a inflao interna econtribuindo, assim, para a estabilidade interna damoeda e para a relativa estabilidade do cmbio.Essa poltica provocou, no primeiro governo FHC,sucessivos dficits na balana comercial, o queera compensado da maneira que melhor convi-nha aos interesses do capital financeiro: taxa bsi-ca de juros elevadssima para atrair capital finan-ceiro estrangeiro voltil em busca de valorizaorpida e elevada, compensando com o ingressodesse capital de risco de curto prazo o desequilbrioda balana comercial e das contas externas. Claroque tal poltica poderia produzir mais frente como de fato produziu uma dvida pblica e umdesequilbrio externo cada vez maiores.

    A abertura comercial e a desregulamentaofinanceira atendem, portanto, aos interesses dogrande capital financeiro, nacional e internacio-nal, em detrimento mesmo da grande indstriainterna. Esta perdeu o mercado cativo para seusprodutos, passou a pagar muito mais caro pelocapital que toma emprestado para investimentos esofreu a reduo da parte da receita do Estadodestinada infra-estrutura e ao fomento da pro-duo. Alguns autores enfatizam que os grandesgrupos industriais tambm separam parte do seucapital para investir no mercado financeiro. Nos-so entendimento, contudo, que esse fato noanula as perdas que a poltica monetria e de aber-tura comercial acarretam para a indstria ou, pelomenos, no faz que os grupos industriais deixemde pressionar contra essas perdas.

    Concluindo, podemos afirmar que o grandecapital financeiro nacional e internacional a fra-o burguesa hegemnica no modelo neoliberalporque todos os aspectos da poltica neoliberal o desmonte do direito do trabalho e social, aprivatizao, a abertura comercial e a

    8 Embora o capital dinheiro mantenha-se sempre exterior produo, ele funciona como capital que poderamos deno-minar de indiretamente produtivo quando emprestadoao capitalista ativo que vai, este sim, convert-lo em meiosde produo e em fora de trabalho para a gerao de mais-valia, o que no ocorre com o capital usurrio (cf. os textosrecentes de CHESNAIS et alii, 2005).

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    desregulamentao financeira atendem integral-mente aos interesses dessa frao da burguesia.Com exceo do primeiro aspecto, todos os ou-tros contrariam, em maior ou menor medida, osinteresses das demais fraes integrantes do blo-co no poder mdio capital, burguesia de Estado,grande capital industrial. O resultado prtico dacorrespondncia objetiva entre o modelo capita-lista neoliberal e os interesses financeiros a taxade lucro superior que o sistema financeiro temobtido ao longo dos ltimos anos frente taxa dosetor produtivo. Entre 1994 e 2003, segundo le-vantamento da ABM Consulting, o lucro dos dezmaiores bancos brasileiros cresceu nada menosque 1 039% (LUCROS DOS BANCOS SOBEM,2004, p. B-3). Durante o primeiro ano do gover-no Lula, os bancos voltaram a bater recordes delucratividade. Alguns levantamentos feitos pelaEconomtica e pelo Instituto Brasileiro de Plane-jamento Tributrio (IBPT) mostraram que o in-vestimento em fundos rendeu, no mesmo pero-do, quatro vezes mais que o investimento nos se-tores produtivos; sobre esses investimentosincidem menos impostos (FUNDOS RENDEM 4VEZES, 2004, p. B-1, B3, B4). No decorrer doprimeiro trimestre de 2005, o lucro dos bancosmanteve a trajetria de alta cresceu 52% emrelao ao mesmo perodo de 2004 (LUCRO DOSBANCOS CRESCE, 2005, p. B-9).

    Acrescentemos que, alm da correspondnciaobjetiva entre os interesses do grande capital fi-nanceiro e o modelo neoliberal, verifica-se, tam-bm, a identificao poltica e ideolgica das enti-dades nacionais e internacionais do capital finan-ceiro com os sucessivos governos neoliberais noBrasil. A poltica desses governos, de FernandoHenrique Cardoso a Luiz Incio Lula da Silva, vemsendo aprovada pelo Fundo Monetrio Internaci-onal (FMI), pelo Banco Mundial e pela FederaoBrasileira de Bancos (Febraban). Indicador signi-ficativo dessa situao a simbiose que se verifi-ca entre o pessoal dirigente dos sucessivos go-vernos do perodo, principalmente os pessoais doMinistrio da Fazenda e do Banco Central, e opessoal dirigente do setor financeiro nacional einternacional. Iniciar a carreira como diretor doBanco Central e prossegui-la como executivo debanco privado ou fazer o caminho inverso , hanos, um fato corriqueiro no cenrio poltico bra-sileiro. Como veremos adiante, o governo Lulaapresenta algumas mudanas secundrias nessamatria.

    III. A ASCENSO POLTICA DA BURGUESIAINDUSTRIAL E DO AGRONEGCIO NOGOVERNO LULA

    A hegemonia poltica do grande capital finan-ceiro nacional e internacional no se exerce semresistncia e nas mesmas condies ao longo detodo o perodo neoliberal. Alguns intelectuais cr-ticos, talvez devido ao grande desajuste entre aimagem pblica do Partido dos Trabalhadores (PT)e o curso real do governo Lula, foram levados aenfatizar, de modo unilateral e errneo em nossoentendimento, o elemento de continuidade entreFHC e Lula9. Nossa anlise diferente. Como dis-semos, a novidade do governo Lula que ele pro-moveu uma operao poltica complexa que con-sistiu em possibilitar a ascenso poltica da gran-de burguesia interna industrial e do agronegcio,principalmente dos setores voltados para o co-mrcio de exportao, embora, verdade, notenha quebrado a hegemonia das finanas etampouco alterado a posio subordinada do m-dio capital no bloco no poder10.

    Durante o seu primeiro mandato, FernandoHenrique Cardoso ampliou a abertura comercial,promovendo mais uma rodada de suspenso debarreiras alfandegrias e no-alfandegrias s im-portaes; ampliou a desregulamentao do ingres-so e sada de capitais; manteve o cmbio valoriza-do, aumentou a taxa de juros e a dvida pblica.Acumulou dficits crescentes na balana comer-cial e fez um ajuste fiscal duro embora esseajuste possa parecer, nos dias de hoje, um ajustebrando, tendo em vista o nvel elevadssimo desupervit primrio imposto pelo governo Lula aopas. Segundo os dados do Banco Central do Bra-sil, FHC obteve, em porcentagem do PIB nacio-nal, 0,27%, 0,08% e 0,01% de supervit prim-rio, respectivamente, em 1995, 1996 e 1998; noano de 1997, ocorreu um pequeno dficit prim-rio de 0,95% do PIB. Dois aspectos dessa polti-ca foram particularmente criticados pela grandeburguesia industrial interna: a abertura comerciale o nvel da taxa de juros. Durante o primeiro go-verno FHC, a Federao das Indstrias do Estado

    9 Penso em trabalhos de crticos de esquerda ao governoLula como Francisco de Oliveira e Leda Paulani (cf.PAULANI, 2007).10 Retomo nesta parte idia que desenvolvi no artigo Aburguesia no governo Lula (BOITO JNIOR, 2005).

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    de So Paulo (Fiesp), secundada pela Confedera-o Nacional da Indstria (CNI), vocalizou a in-satisfao desse setor.

    Neste ponto da nossa anlise, obrigatrioconsiderar a presena poltica das classes traba-lhadoras. Podemos distinguir, metodologicamente,os empresrios do restante da sociedade paraeleg-los como objeto de estudo. Porm, o que sepassa no interior da classe capitalista relaciona-secom o restante do mundo poltico e social. De-pendendo das caractersticas do setor empresari-al considerado e da sua insero no conjunto dasrelaes polticas, ele pode lograr estabelecer ali-anas ou frentes com setores das classes popula-res, que esto excludas do bloco no poder. Nocaso em exame, importante lembrar que os gran-des industriais contaram, nesse protesto contraas polticas de abertura e de juros, com o apoio daCentral nica dos Trabalhadores (CUT) e da cor-rente majoritria do Partido dos Trabalhadores,principalmente de sua seo paulista. A CUT,dirigida por uma nova aristocracia do trabalho re-presentada por trabalhadores qualificados da in-dstria automotiva, do setor petroleiro e dos ban-cos, aspirava, apesar dos protestos da minoria deesquerda da Central, ressurreio do velhodesenvolvimentismo, que, acreditavam os sindi-calistas, seria obtido com a reduo da taxa dejuros e outras medidas de incentivo ao investi-mento. A proposta de cmaras setoriais apresen-tada pela CUT no incio da dcada de 1990 eraconcebida como o espao privilegiado dessa ali-ana, em que empresrios e trabalhadores de cadasetor discutiriam, juntamente com o governo, aque-les que seriam os pontos de estrangulamento daproduo e do emprego financiamento, impos-tos, poltica de contratao etc. Essas cmaraseram pensadas, basicamente, para o setor indus-trial e a nica que vingou foi a Cmara do SetorAutomotivo, posteriormente fechada pelo gover-no FHC. Alm das cmaras setoriais, em inme-ras ocasies a Fiesp e a CUT trabalharam conjun-tamente na elaborao de propostas e de projetosde poltica econmica como na proposta de re-forma tributria, elaborada pela Fiesp e pela CUTcom a participao da Fundao Instituto de Pes-quisas Econmicas, vinculada Universidade deSo Paulo (FIPE-USP), proposta que visava adesonerar o capital produtivo.

    Houve um momento alto dessa aliana quan-do, em junho de 1996, a diretoria da Fiesp decla-

    rou publicamente, inclusive por meio de texto as-sinado pelo seu Presidente e publicado na grandeimprensa, apoio a uma greve nacional de protestocontra o desemprego que estava sendo organiza-da pela CUT e pela Fora Sindical. A Fiesp, du-rante os meses de maio e junho daquele ano, esta-va organizando em Braslia, com a colaboraoda CNI, uma manifestao de industriais de todoo pas contra o ritmo acelerado da abertura co-mercial, contra o ritmo lento das privatizaese contra a poltica de juros. O governo FHC sen-tiu a presso e, sem alterar a sua poltica geral,efetuou um recuo: apoiou-se nas normas da Or-ganizao Mundial do Comrcio (OMC) salva-guarda, direitos compensatrios e proibio aodumping para criar barreiras importao detecidos da China, da Coria do Sul e de Formosae importao de brinquedos11. Na campanha elei-toral de 2002, o PT e seu candidato, Luiz IncioLula da Silva, esforaram-se para atrair o apoioda Fiesp, proferindo um discurso segundo o qualfariam o governo da produo contra a especula-o. Pareciam reeditar as tradicionais iluses daesquerda brasileira no suposto papel poltico daburguesia nacional.

    Alm dessa presso poltica, preciso consi-derar um fator econmico. Os dficits crescen-tes na balana comercial do pas, se atendiam aosinteresses do capital internacional, poderiam, amdio e longo prazos, gerar problemas para o pr-prio capital financeiro nacional e internacional. Odesequilbrio das contas externas, provocado pelopagamento da dvida, pela crescente remessa delucros oriunda do avano da internacionalizaoda economia e pela prpria abertura comercial,poderia comprometer a capacidade de pagamentodo Estado brasileiro e, no limite, se se chegasse aum nvel muito baixo de reservas internacionais,poderia, inclusivamente, inviabilizar, por escassezde reservas, a liberdade bsica do capital finan-ceiro internacional de entrar e sair do pas. A eco-nomia brasileira aproximou-se dessa situao cr-tica com a crise cambial de 1999, no momento detransio do primeiro para o segundo mandato deFHC. O fantasma daquilo que os

    11 Os nmeros da revista da Fiesp publicados entre abrile julho de 1996 do ampla cobertura a esses acontecimen-tos e realam a ao e os objetivos dos industriais no msde junho, a publicao da Fiesp trocou o ttulo sbrio No-tcias pelo afirmativo Revista da Indstria

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    desenvolvimentistas da Cepal denominavam deestrangulamento externo rondava as contas bra-sileiras com o exterior. A situao exigia algumacorreo de rumo. Fernando Henrique Cardosopercebeu isso: demitiu da Presidncia do BancoCentral Gustavo Franco, o idelogo da valoriza-o cambial; desvalorizou o real; abandonou apoltica de dficit na balana comercial e adotouuma poltica de balana comercial superavitria.O saldo positivo na balana comercial e um acor-do de emergncia obtido com o FMI passaram aser os trunfos de que dispunha o segundo gover-no FHC (1999-2002) para restaurar a confianado capital financeiro internacional na economiabrasileira. Esse foi o embrio da poltica de ex-portao que seria implementada em seguida pelogoverno Lula12.

    Diversos so, portanto, os fatores respons-veis pela nova poltica de comrcio internacionale pela correspondente ascenso poltica da gran-de burguesia interna industrial e do agronegcio.Dado o economicismo que domina as anlises dapoltica econmica brasileira, importante desta-car os fatores polticos que induziram essa mu-dana a presso da grande burguesia industrialao longo da dcada de 1990, a presso conver-gente dos sindicatos e a prpria vitria da candi-datura Lula na eleio presidencial de 2002. Con-taram tambm fatores econmicos nacionais einternacionais a ameaa de estrangulamento ex-terno que se evidenciou na crise cambial de 1999,o crescimento do comrcio internacional de ma-trias-primas e de recursos naturais, a melhoranas cotaes desses produtos, o declnio, na d-cada de 2000, do fluxo de dlares dirigido aospases dependentes pelos fundos de aplicao dospases dominantes e, finalmente, a grande desva-lorizao cambial provocada, involuntariamente,pelo temor do capital internacional diante da imi-nente vitria de Lula em 200213. Uma vez no go-verno, Lula decidiu radicalizar na direo da cor-reo iniciada no segundo governo FHC. Iniciou

    a sua poltica agressiva de exportao, centradano agronegcio, nos recursos naturais e nos pro-dutos industriais de baixa densidade tecnolgica eimplementou as medidas cambiais, creditcias eoutras necessrias para manter essa poltica. Oprprio perfil da indstria brasileira mudou, comdeclnio dos setores mais sofisticados e ascensodos setores industriais que processam recursosnaturais minrios, papel e celulose, produtosalimentcios etc.14. O carro-chefe das exporta-es o agronegcio, setor responsvel por cer-ca de 40% de todas as vendas do pas no exterior destacam-se o complexo da soja que lidera asexportaes, seguido por carnes, madeiras, a-car e lcool, papel e celulose, couros, caf, algo-do e fibras, fumo e suco de frutas (EXPORTA-O DO AGRONEGCIO, 2005, p. B-3).

    Tratou-se de uma vitria, ainda que parcial, dagrande burguesia interna industrial e doagronegcio. Essa frao burguesa permaneceucomo fora secundria no bloco no poder, umavez que o Estado continuou priorizando os inte-resses do capital financeiro, mas o governo Lulaofereceu a ela uma posio bem mais confortvelna economia nacional. O resultado disso pode servisto no comportamento da Fiesp. Essa entidade,que foi crtica dos aspectos mais financistas da

    12 Os setores industriais voltados para exportao au-mentaram sua influncia no interior da Fiesp ao longo dadcada de 1990, o que torna compreensvel a posio atualda entidade face ao governo. Sobre esse ponto, ver Bianchi(2004).13 O prosseguimento de nossa pesquisa dever levantarum perfil mais preciso da grande burguesia interna, princi-palmente do seu ramo exportador. O lucro dos diferentessegmentos da grande burguesia interna so afetados de ma-

    neiras distintas pela taxa de cmbio de acordo com pelomenos duas variveis: se a fixao do preo da mercadoriada empresa ou do segmento feita em moeda forte (comoprodutos agrcolas) ou em moeda nacional (como produtosindustriais) e se a empresa ou segmento tem alto ou baixondice de abertura. As empresas e segmentos que apresen-tam um baixo ndice de abertura (importam pouca matria-prima, insumos e equipamentos) e tm o preo de suasmercadorias fixado em reais so as mais prejudicadas com avalorizao cambial; no outro extremo, as empresas ou seg-mentos que tm os preos de suas mercadorias fixadas emmoedas fortes e que apresentam um alto ndice de aberturaso os menos prejudicados pela valorizao cambial. Boaparte do agronegcio ocupa uma posio intermediria en-tre essas duas posies extremas. H alguns dados siste-matizados sobre esse assunto por Fernando Pimentel Pugano texto Cmbio afeta exportadores de forma diferencia-da (TORRES FILHO, PUGA & FERREIRA, 2006. p.65-70).14 Fazendo o balano do perodo 1992-2000, RicardoCarneiro afirma: O que se pode concluir do conjunto dosdados que a estrutura do comrcio exterior brasileiro re-fletiu fielmente as mudanas ocorridas na estrutura produ-tiva, com exportaes concentradas em setores de menorcontedo tecnolgico, ocorrendo o inverso com as impor-taes (CARNEIRO, 2002, p. 334).

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    poltica econmica e da abertura comercial dosanos 1990, presidida hoje por um homem deconfiana do Palcio do Planalto, que se elegeupara a Fiesp com o apoio do governo federal. Ogoverno Lula multiplicou os canais institucionaisde consulta aos industriais e aos exportadores, oque representa um grande contraste, segundo de-poimentos dos prprios empresrios, com o quese passava no governo FHC (cf. DINIZ, 2006).

    Quanto ao tamanho das empresas exportado-ras, predomina amplamente o grande capital. Se-gundo os dados da Associao Brasileira de Co-mrcio Exterior, o Brasil tinha, em fevereiro de2005, dezenove mil empresas exportadoras. Des-se total, apenas 800 empresas eram responsveispor 85% do total das exportaes do pas. Quan-to origem do capital, das 40 maiores empresasexportadoras brasileiras, responsveis por 41% dototal das exportaes, so empresas estrangeiras22 delas (MLTIS USAM PAS, 2004, p. B-1).O governo diz estimular a participao das peque-nas e mdias empresas nacionais nesse novo ne-gcio da China mas, segundo os dados do Servi-o Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Em-presas (Sebrae), no ramo industrial, as milharesde micro e pequenas empresas exportadorasrespondem por apenas 2% das exportaes dosetor (REAL VALORIZADO, 2005, p. B-1). Apoltica de caa aos dlares representa, portan-to, uma poltica que atende aos interesses do gran-de capital nacional e estrangeiro vinculado agroindstria, extrao mineral e aos produtosindustriais de baixa densidade tecnolgica. Nova-mente, o mdio capital ocupa uma posio subor-dinada.

    IV. ASCENSO POLTICA SEM CONQUISTADA HEGEMONIA

    Por que ento, apesar do estmulo governa-mental ao setor exportador e da alta lucratividadeque esse setor est apresentando, entendemos queo grande capital financeiro nacional e internacio-nal permanece hegemnico no interior do blocono poder no governo Lula? A resposta a seguin-te: porque esse governo estimula a produo, masno interior dos limites permitidos pelos interessesfundamentais do grande capital financeiro.

    Em primeiro lugar, ele estimula,prioritariamente, a produo voltada para a expor-tao. Do ponto de vista das finanas, no inte-ressa priorizar a produo voltada para o merca-do interno. O grande capital financeiro necessita

    reduzir o desequilbrio das contas externas, semo que a sua livre circulao e sua elevada remune-rao podero ficar comprometidas. O objetivoprincipal do estmulo produo deve ser, ento,a exportao, isto , a caa aos dlares e s de-mais moedas fortes no no consumo popularinterno que essas moedas podero ser obtidas. Porisso, estimula-se especificamente a produo paraexportao e no a produo em geral. Em segun-do lugar, mesmo na poltica de estmulo expor-tao, tudo deve ser feito de modo a no ultrapas-sar a medida daquilo que interessa s finanas.Corrida aos dlares, sim; mas desde que os dla-res obtidos sejam direcionados para o pagamentodos juros da dvida. Assim sendo, o supervit pri-mrio e os juros devem permanecer elevadosmesmo que isso limite o prprio crescimento dasexportaes. De fato, faltam infra-estrutura e re-cursos humanos estradas, silos, portos, funcio-nrios para a vigilncia sanitria etc. para que ocapitalismo brasileiro possa crescer pelo menosdentro da taxa mdia das principais economiaslatino-americanas e ainda que como mera plata-forma de exportao. Porm, do ponto de vistado capital financeiro, no interessa desviar para ainfra-estrutura o dinheiro que deve ser encami-nhado para remunerar os bancos. Os pontos deestrangulamento podero, quem sabe, ser supe-rados pelas PPPs, concebidas pelo governo Lulajustamente para contornar os problemas de infra-estrutura sem ameaar a poltica de elevadossupervits primrios. O mesmo raciocnio aplica-se poltica de juros bsicos elevados, que forta-lece o perfil usurrio do capital financeiro, des-via-o do financiamento da produo e encareceos investimentos, limitando o crescimento da ex-portao. Pelo que podemos ver ento, o super-vit primrio elevado e a alta taxa de juros no so,no governo Lula, um desvio financista incrustadoem uma poltica globalmente desenvolvimentista.So, na verdade, consistentes com esse novo emodesto crescimento econmico voltado para aexportao. O aumento das exportaes foi acom-panhado do aumento do supervit primrio, quesaltou de uma mdia de 1% do PIB no primeiromandato de FHC para 3,5% no segundo mandatoe, agora no governo Lula, est na casa de 4,5%.

    A poltica externa do governo Lula tambmexpressa a nova situao do bloco no poder. Ouseja, ela no est desconectada da poltica inter-na, como sugerem aqueles que a consideram aparte s desse governo. O Presidente Lula diz

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    estar lutando por uma nova geografia comerci-al e aqui que reside o segredo da vinculao dasua poltica externa com a sua poltica econmi-ca. A poltica externa , ao mesmo tempo, depen-dente (frente ao imperialismo) e conquistadora(frente s pequenas e mdias economias da peri-feria). De um lado, reafirma-se a posio subal-terna do capitalismo brasileiro na diviso interna-cional do trabalho com a poltica de especializa-o regressiva no comrcio exterior mas, de ou-tro lado, o governo quer ocupar de fato o lugarque cabe ao capitalismo brasileiro nos mercadosagrcola, de recursos naturais e produtos indus-triais de baixa tecnologia, mesmo que para tanto ocapitalismo brasileiro deva expandir-se s custasdas demais burguesias latino-americanas e mes-mo que gere tenses comerciais localizadas comalguns pases dominantes. A luta contra o prote-cionismo agrcola da Europa e dos Estados Uni-dos e a deteriorao das relaes com a Argentinailustram o que estamos afirmando.

    O empenho do Estado brasileiro em construiruma aliana de estados da periferia, consagradano denominado G-20, na reunio de Cancn daOMC em outubro de 2003, visa exatamente a sus-pender o protecionismo agrcola dos pases do-minantes. O discurso que o governo Lula acionapara legitimar a reivindicao do G-20 um dis-curso neoliberal que pleiteia a verdadeira abertu-ra dos mercados e concentra a luta no comrciode produtos agrcolas. No esto excludas, comose tem verificado, novas concesses na polticade abertura comercial para produtos industriais eservios em troca de recuo dos pases dominan-tes no protecionismo agrcola. Ao proceder as-sim, o governo abdica de lutar por normas queregulem o comrcio internacional visando a favo-recer os pases dependentes. J a face hegemonistadessa poltica est abalando o Mercado Comumdo Sul (Mercosul). A grande burguesia internabrasileira, como aliada subalterna do grande capi-tal financeiro, aspira a ter acesso a pores cres-centes do mercado latino-americano e essa aspi-rao est abalando a aliana com o capitalismoargentino no Mercosul.

    V. O REGIME POLTICO E A HEGEMONIA DOCAPITAL FINANCEIRO

    Digamos, agora, uma palavra sobre o regimepoltico que corresponde a esse bloco no poder.Como j indicamos, da nossa perspectiva terica,a preponderncia de um ramo do Estado sobre

    outro, o conflito entre os poderes Executivo eLegislativo, o sistema partidrio e os conflitosvariados no prprio interior do Estado e do go-verno devem, ponderados demais fatoresintervenientes, ser remetidos aos conflitos entreas fraes burguesas que compem o bloco nopoder. O hiperpresidencialismo brasileiro, queconsiste, fundamentalmente, no apoderamento dafuno legislativa pelo poder Executivo federal,serve aos interesses da frao hegemnica no in-terior do bloco no poder. Tudo que se relaciona aesse arranjo poltico e institucional remete, obri-gatoriamente, disputa de interesses entre as fra-es burguesas. Um eventual fortalecimento doCongresso Nacional e dos executivos estaduais emunicipais poderia representar uma ameaa hegemonia do capital financeiro. Ohiperpresidencialismo acarreta ainda, dada suacondio de regime poltico centrado na capaci-dade decisria da burocracia e na legitimidade detipo burocrtico em detrimento da legitimidade detipo representativo, o declnio das funesgovernativa e representativa dos partidos polti-cos.

    No estamos afirmando que a cpula da buro-cracia do Estado e a cpula dos governos ajamem unssono na defesa dos interesses do grandecapital financeiro. So o Ministrio da Fazenda eo Banco Central que se constituem nos locais pri-vilegiados nesse esquema de concentrao dopoder em benefcio da frao hegemnica. Elesso, por isso, os principais centros de poder nadefinio da poltica econmica o Ministrio daFazenda responsvel pelo controle das variveismacro-econmicas e determina a dotao ora-mentria de todos os outros ministrios. Porm,em outros setores da cpula burocrtica e emoutros centros de deciso do governo, tanto noperodo FHC quanto, mais ainda, no perodo Lula,o grande capital industrial e o agronegcio tam-bm detm posies importantes a partir das quaisprocuram resistir s medidas de poltica econ-mica adversas a seus interesses. Durante os doismandatos de Lula, esses atritos tm-se renovado:o antigo conflito entre Jos Dirceu (Casa Civil) eAntonio Palocci (Fazenda), entre Carlos Lessa(Bndes) e Henrique Meirelles (Banco Central), entreDilma Roussef (Casa Civil) e, novamente, HenriqueMeirelles etc. No perodo FHC, a proeminnciade quadros polticos neoliberais extremados Pedro Malan, Gustavo Franco, Armnio Fraga sobre os neoliberais moderados Jos Serra,

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    Dorotia Wernceck e outros era mais clara. Nogoverno Lula, a dinmica desses conflitos no in-terior do governo um dos indicadores do cres-cente fortalecimento da grande burguesia indus-trial interna e do agronegcio. No incio do seusegundo mandato, em janeiro de 2007, Lula lan-ou o Plano de Acelerao do Crescimento, o PAC,que parece todo ele voltado para os interesses dagrande burguesia interna, principalmente indus-trial. O Ministrio da Fazenda passou a ser ocu-pado por um economista de formao heterodo-xa, Guido Mantega, ficando o Ministrio do De-senvolvimento nas mos de um economistamonetarista. Trata-se de uma inverso em relaoao conjunto do perodo FHC quando o Minist-rio mais importante permaneceu sob controle deum economista ortodoxo, restando aosneodesenvolvimentistas o secundrio Ministrio doDesenvolvimento.

    As fraes subordinadas do bloco no poder,desigualmente contempladas pela poltica de Es-tado, tm maior acesso ao Congresso Nacional eaos ramos subordinados do Estado governosestaduais e municipais no regime poltico vigen-te. A experincia da histria poltica recente mos-tra que, caso dependessem de deciso do Con-gresso Nacional, muitas das caractersticas doatual modelo econmico e muitas das decises depoltica econmica encontrariam dificuldades,devido publicidade que ganhariam e ao carterheterogneo da representao parlamentar ogrande capital financeiro no tem condies dehomogeneizar o Congresso Nacional no mesmonvel que logra faz-lo no ncleo do poder Execu-tivo federal. Sempre que as reformas neoliberaisexigiram reforma constitucional e, portanto, tive-ram de passar pelo Congresso Nacional, as difi-culdades foram grandes e muitas das reformasalmejadas ou efetivamente tentadas no chegarama sair do papel.

    O sistema partidrio consistente com o pa-pel preponderante do poder Executivo, a comearpelo Executivo federal. No neoliberalismo brasi-leiro, no existe governo de partido, mas partidodo governo. Os deputados do partido de onde saiuo Presidente da Repblica funcionam como merabase de apoio do governo no Congresso Nacio-nal, tendo de enquadrar-se em decises polticaspara cuja elaborao no foram nem sequer con-sultados. Foi assim com o Partido da Social De-mocracia Brasileira (PSDB) nos dois governosFHC e est sendo assim, ao contrrio do que muitos

    podiam esperar, com o PT durante os dois gover-nos Lula. O resultado extremado do rebaixamen-to do poder Legislativo e da funo governativados partidos polticos que o regime poltico bra-sileiro produziu um conjunto de partidos, algunsde tamanho mdio ou grande como o Partido Tra-balhista Brasileiro (PTB), cuja nica funo esta:servir de base parlamentar ao governo do momen-to em troca de favores. Os demais partidos divi-dem-se entre os interesses do grande capital fi-nanceiro e da burguesia interna. A ala majoritriado PSDB, vanguarda eleitoral do neoliberalismono Brasil, representa o grande capital financeirointernacional e os interesses dos empresrios ebanqueiros brasileiros estreitamente ligados a essecapital. O PT, nascido como um partido social-democrata de esquerda e vinculado ao movimen-to sindical, desde meados da dcada de 1990,quando o ento chamado Campo Majoritrio ini-ciou o processo de reformulao programtica eorganizacional do Partido, vem realizando ummovimento em direo grande burguesia inter-na. Em sintonia com essa frao burguesa, o PTprocura conter ou reverter apenas as medidas depoltica econmica que prejudicam essa frao daburguesia, como os juros elevados e a aberturacomercial, mantendo aquelas que a favorecemmesmo que em detrimento do bem-estar dos tra-balhadores reforma da previdncia, flexibilizaodo contrato de trabalho no setor pblico, reformatrabalhista etc. O antigo Partido da Frente Liberal(PFL), atuais Democratas, tambm representa osinteresses financeiros internacionais, mas parece,dentre todos os grandes partidos, o mais vincula-do aos interesses da nova burguesia de servios.O Partido do Movimento Democrtico Brasileiro(PMDB) possui basicamente trs alas: uma go-vernista, outra mais prxima dos interesses finan-ceiros internacionais e uma terceira ainda ligada mdia burguesia e antiga burguesia de Estado.Mas, convm repetir, como o regime poltico re-duziu muito a funo governativa dos partidos,correspondentemente a sua funo representativatambm ficou minada. Os diferentes setores so-ciais percebem que o partido no um instru-mento importante de poder e dirigem suas luta epresso diretamente para a burocracia de Estado.O resultado disso que o vnculo representativoentre o partido e a sociedade fica debilitado.

    Esse enfoque pode abrir perspectivas novaspara a anlise das lutas partidrias durante os doisgovernos Lula. Como pensar, nesse contexto, a

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    ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

    ao do PSDB na sua postura de oposio ao go-verno, em episdios como a Crise do mensaloou o movimento Cansei? Seria uma ao dopartido do capital financeiro contra um governoque promove os interesses da grande burguesiainterna industrial e do agronegcio? Inicialmente,durante a Crise do mensalo, cheguei a pensarque no. Parecia-me que o PSDB estava deslo-cando-se de sua prpria base ao voltar-se contrao governo, pois, naquela ocasio, as principaisentidades do patronato fizeram questo de prestarapoio pblico ao governo Lula no pior momentoda crise. A persistncia dessa ao, contudo, pa-rece indicar para um fenmeno orgnico. A dis-puta pela hegemonia no bloco no poder parece terextravasado para o plano poltico-partidrio(NUCCI JNIOR, 2007). O PSDB age como re-presentante do capital financeiro e angaria apoiona alta classe mdia. Essa frao da classe mdiaparece incomodada com a ampliao das polti-cas compensatrias durante o governo Lula, aquiloque poderamos denominar o social-liberalismodesse governo. Devido sua situao de classe, aalta classe mdia atrada pelo discurso moralistacontra a corrupo, isto , o discurso que atribuia corrupo ndole malvola dos governantes eque acredita ser possvel instaurar ou restauraruma suposta natureza neutra e impessoal da qualteriam se desviado as instituies do Estado capi-talista.

    Voltemos concentrao do poder no Execu-tivo federal. H toda uma ideologia poltica quelegitima essa concentrao ideologia sistemati-zada e difundida pelos representantes, conscien-tes ou inconscientes, do grande capital financei-ro. So elementos dessa ideologia: a idia segun-do a qual a poltica monetria teria um carter tc-nico; a defesa da medida provisria como conse-qncia, tambm tcnica, da necessidade de rapi-dez na ao de governar; a acusao unilateral docarter fisiolgico, paroquial e clientelista do Con-gresso Nacional, das emendas oramentrias dedeputados federais e senadores etc. Todas essasidias legitimam a concentrao do poder decisriono Executivo e a marginalizao poltica do poderLegislativo. Algumas delas, como o carter su-postamente tcnico da poltica monetria, idiadefendida, invariavelmente, desde o incio dos anos1990, por todos os presidentes e diretores quepassaram pelo Banco Central, so pura mistifica-o; outras, como as acusaes de fisiologismo,clientelismo e paroquialismo ao Congresso Naci-

    onal, aludem a dimenses verdadeiras da institui-o, mas fazem-no de maneira a, tambm, produ-zir mistificaes.

    A detrao do Congresso Nacional sugere umasuposta eficincia e grandeza poltica do poderExecutivo; o discurso sobre o paroquialismo dasemendas de deputados e senadores oculta que, naparquia, esto as pequenas e mdias empresas,justamente aquelas que a poltica econmica pre-tende marginalizar. A proposta de oramento dopoder Executivo federal que destina um tero dasreceitas da Unio para pagamento dos juros dadvida pblica, isto , para cerca de apenas 20 milfamlias segundo os clculos dos economistas,supe-se tcnica e racional, enquanto uma emen-da de Deputado Federal ou Senador visando a as-faltar as ruas de uma pequena cidade ou financiarpequenas empresas dita paroquial e fisiolgica.Todo esse discurso esconde, ainda, que a fun-o que faz o poltico: claro que um Congressorebaixado atrai quadros polticos dispostos a ser-vir, em troca de favores, como base passiva dossucessivos governos no limite, temos, cada vezem maior nmero, os fugitivos da Justia que secandidatam para obter a imunidade parlamentar.Ou seja: o discurso em defesa do poder Executi-vo e do capital financeiro inverte os termos doproblema: o efeito do rebaixamento poltico doLegislativo apresentado como se fosse a suacausa. A poro de verdade que esse discurso ide-olgico contm , portanto, apenas a quantidadenecessria sua eficcia como discursomistificador.

    VI. CONSIDERAES FINAIS

    Talvez seja possvel detectar a lgica que estsubjacente hierarquia do bloco no poder no ca-pitalismo neoliberal brasileiro. Essa lgica sinte-tizada pela poltica econmica do Estado e resultada insero do capitalismo brasileiro nas mudan-as ocorridas na diviso internacional do trabalhoe da correlao poltica de foras no interior dopas.

    A poltica econmica define uma hierarquizaodas fraes da classe capitalista privilegiando cer-tas dimenses do capital em detrimento de outras:quanto funo do capital, privilegia a funo fi-nanceira; quanto ao porte, privilegia o grande ca-pital; quanto ao destino da produo, o mercadoexterno e a fatia de alta renda do mercado interno.A essas prioridades correspondem, uma a uma,as dimenses que so preteridas: quanto funo

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 28: 57-73 JUN. 2007

    do capital, a produo, isto , o capital ativo; quantoao porte do capital, o pequeno e mdio capital, equanto ao destino da produo, o mercado inter-no de bens de consumo populares. Poderamosestender a lista, lembrando que entre as grandesempresas estatais e a grande empresa privada, apoltica econmica privilegiou, principalmente nadcada de 1990 com os leiles de privatizao, asgrandes empresas privadas.

    Tais prioridades consagram uma hierarquia dopoder burgus que comporta duas posies ex-tremas. No topo, temos o grande capital financei-ro internacional e os grandes bancos nacionais,enquanto na base da pirmide, temos o mdio ca-pital, aplicado no setor produtivo e voltado para omercado interno de bens de consumo populares.O primeiro setor indicado concentra todas as van-tagens cumulativas frente poltica econmica e um setor que age como frao distinta de clas-se; o segundo carrega todas as desvantagens cu-mulativas frente poltica econmica e no che-gou a constituir-se em frao autnoma da classeburguesa. Ainda falando das posies na hierar-quia de poder, cabe indicar que a grande burgue-sia industrial e o agronegcio, principalmente asgrandes empresas voltadas para a exportao,ocupariam uma posio intermediria entre aque-las duas posies extremas. Ficamos, ento, comtrs posies: a frao hegemnica, cujos interes-ses tm sido priorizados pela poltica econmicatanto na dcada de 1990 quanto na dcada de 2000;a frao intermediria, que iniciou uma trajetriapoltica ascendente sob o governo Lula e cujaconverso em frao hegemnica uma possibi-lidade real como j indicamos, a globalizaono absorveu a totalidade da burguesia brasileira e, por ltimo, a frao marginalizada pela polti-ca de Estado, as pequenas e mdias empresas dosetor produtivo voltadas para o mercado internode bens populares, cujos interesses sempre soignorados quando colidem com os interesses dogrande capital, seja ele financeiro ou produtivo,seja voltado para a exportao ou para o mercadointerno. Esse um quadro geral que considera assituaes tpicas. H situaes mais complexas,de setores que renem, ao mesmo tempo, dimen-

    ses privilegiadas e preteridas pela poltica eco-nmica de Estado, como o caso dos bancos detamanho mdio e das pequenas empresas volta-das para a exportao. Ao longo dos ltimos anos,muitos bancos de tamanho pequeno ou mdio fo-ram levados falncia e muita pequena empresavoltada para exportao prosperou.

    Este artigo restringiu-se ao tema do bloco nopoder no perodo neoliberal, particularmente aoexame das relaes da burguesia com o governoLula. No tratamos das relaes dessa burguesiae do governo com as classes trabalhadoras, em-bora seja impossvel separar completamente es-sas duas faces da poltica brasileira como seviu, recorremos presena poltica dos trabalha-dores para poder analisar a ascenso poltica dagrande burguesia interna. H outras questes re-lacionadas populao trabalhadora e que poderi-am ser motivo de exame. Por exemplo, o cresci-mento das polticas compensatrias, como o Pro-grama Bolsa Famlia, pode repercutir significati-vamente na poltica econmica e nas posies re-lativas das fraes burguesas no interior do blocono poder? Poderia chegar a promover considera-velmente os negcios das mdias empresas volta-das para o mercado de bens de consumo popula-res? As polticas de incentivo produo industri-al e ao agronegcio, voltados principalmente paraa exportao, representam, em contraste com aspolticas estritamente financistas, alguma melhoriapara os assalariados e camponeses brasileiros?Nossa anlise sugeriu que tais polticas so umamudana muito limitada. Poderamos acrescentarque descuram do desenvolvimento do mercadointerno pois em um modelo que privilegia a ex-portao o salrio entra, primeiro, como custo ecomo desvantagem na competitividade internaci-onal e inviabilizam devido ao papel estratgicoatribudo ao agronegcio a reforma agrria. Masuma discusso como essa demandaria muito maisreflexo. Indicamos esses temas apenas para evi-denciar que, ao tratar os empresrios como clas-se dominante e no como um setor social qual-quer, o nosso texto sugere, necessariamente, ques-tes polticas e sociais mais amplas do Brasil con-temporneo.

    Armando Boito Jr. ([email protected]) Professor Titular do Departamento de Cincia Poltica daUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx)da mesma universidade e editor da revista Crtica Marxista.

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    ESTADO E BURGUESIA NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 28: 57-73 JUN. 2007

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 28: 259-263 JUN. 2007

    STATE AND BOURGEOISIE IN THE BRAZILIAN NEO-LIBERAL CAPITALIST MODEL

    Armando Boito Jr.

    This article, fruit of ongoing research, engages in a type of analysis that has to a large extent beenneglected in Brazil. Reaffirming ties to a rich tradition of Brazilian Sociology and Political Science a tradition that came into being in the 1960s and 1970s the author attempts to examine theinterests of fractions of the Brazilian bourgeoisie that come to act as distinct segments within thenational political process and the relations that these interests maintain with the politics of the State.Conflicts between these fractions of the bourgeoisie and the relations that, as bourgeois fractions ina dependent country, the former develop with imperialism and with popular classes are also examined.In an approach that is always tentative and only a beginning, the article also makes reference to theshift in the bourgeois hierarchy of power, that is, the shift that occurred within the block in powerduring the two presidential mandates of Luis Igncio Lula da Silva. We offer the hypothesis thatdependent Brazilian capitalisms new position within internationalization did not impede the actionand improved position of a powerful sector of the large bourgeoisie of this country within the blockin power, a situation that developed over the first decade of the 2000s.

    KEYWORDS: bourgeoisie; bourgeois fractions; neo-liberalism; Lula Government; entrepreneurialclass;

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 28: 267-271 JUN. 2007

    ETAT ET BOURGEOISIE DANS LE MODLE NO-LIBRAL BRSILIEN

    Armando Boito Jr.

    Larticle, produit dune recherche qui est en cours, cherche effectuer une analyse qui a t assezdlaisse au Brsil et reprend une tradition de la sociologie et de la science politique brsiliennes,tradition issue des annes 1960 et 1970. Lauteur essaye dexaminer les intrts des fractions de labourgeoisie brsilienne qui agissent en fractions distinctes dans le processus politique national, ainsique les relations de ces intrts et la politique dtat. Sont galement examins les conflits entre cesfractions bourgeoises et les relations quelles entretiennent avec limprialisme et le champ desclasses populaires puisquil sagit des fractions bourgeoises dun pays dpendant. Au moyen duneapproche initiale, larticle se reporte ausssi au changement dans la hirarchie du pouvoir bourgeois,cest--dire au changement survenu lintrieur du bloc au pouvoir, pendant les mandats du prsidentLuis Igncio Lula da Silva. Selon lhypothse formule, une nouvelle vague dinternationalisation ducapitalisme dpendant brsilien na pas empch quun secteur trs fort de la bourgeoisie interneagisse toujours et ait une position plus favorable au sein du bloc au pouvoir au long des annes 2000.

    MOTS-CLS: bourgeoisie; fractions bourgeoises; no-libralisme; Gourvernement Lula;entrepreneurs.

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