NAU Newsletter 06 (Mar 2009)

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Newsletter feita pelo Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE-IUL

Transcript of NAU Newsletter 06 (Mar 2009)

Nuno Brandão Costa vence Prémio Secil deArquitectura

O arquitecto Nuno Brandão Costa, é o vencedordo Prémio Secil Arquitectura com o edifícioadministrativo e de “show-room” dos MóveisViriato, na Rebordosa, Porto.O júri, presidido pelo arquitecto Duarte NunoSimões - e constituído pelos arquitectos ÁlvaroSiza Vieira, Eduardo Souto de Moura, PedroRavara, Raúl Hestnes Ferreira, Ana Vaz Milheiroe Armindo Alves Costa - afirma sobre o edifíciopremiado que demonstra a «capacidade daarquitectura transformar a envolvente»,

índice

Notícias

Prémio Secil Universidades

Conversa com Sérgio Fernandez

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arquitectura transformar a envolvente»,referindo-se à zona industrial onde ele estáintegrado; é, ainda, um edifício com finscomerciais, situação que só por vezes é objectode projecto de arquitectura.

O NAU-ISCTE agradece a colaboração e disponibilidade de todos osparticipantes nesta edição.

ColaboradoresCatarina Dias, Sérgio Fernandez, Guilherme Rosa, Josué Santos,Kaputt, Eduardo Arroyo – tradução de Hugo Oliveira e ÁlvaroDomingues.

[email protected]

Reflexão Eduardo Arroyo

Transgénicos – Álvaro Domingues

Fotografia

Agenda

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notícias

kaputt recebem menção Honrosa no concursointernacional de arquitectura "House of Arts and Culture",Beirute

O Ministério da Cultura libanês promoveu recentemente umconcurso a nível internacional para o projecto de arquitecturade um centro cultural em Beirute. Este edifício, patrocinadopelo Sultanato de Oman, será a primeira estrutura deste tipo aconstruir neste país. Os seus 15000 m2 de área útil estãodistribuídos por salas de trabalho para artistas residentes econvidados, salas de exposição, auditórios, biblioteca,cinemateca, restaurante e espaços públicos exteriores. Comeste edifício pretende-se dar expressão física à longa tradiçãocriativa e multi-cultural deste país, bem como cumprir a funçãode ponte cultural nesta região.Para este concurso inscreveram-se 757 equipas de 63 paísese 388 projectos foram submetidos à apreciação do juríinternacional.

Alunos de Arquitectura do ISCTE ganhamPrémio

Os alunos Josué Valente Santos e GuilhermeArquitectura do ISCTE, foram premiados no Concursoprojectos para casas destinadas a agro-turismoTelha, no município do Barreiro.

Guilherme Rosa

O projecto realizado para a quinta da AzinheiraVelha, local da antiga seca do Bacalhau situada noBarreiro, partiu de várias premissas de abordagemao tema. Primeiro que tudo, houve a necessidadede descortinar a localização que melhor seadequava ao programa. O local escolhido nãorevela uma particular situação de destaque noterritório, mas tenta colocar-se em posição decomunicação quer com os antigos edifícios da secado bacalhau, quer com os elementos naturais jáexistentes na quinta. A localização do projecto situa-se assim no espaço intersticial do edifício da SecaArtificial com o sapal nascente.

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Alunos de Arquitectura do ISCTE ganhamPrémio Secil Universidades

Guilherme Rosa, finalistas do Mestrado Integrado emConcurso Prémio Secil Universidades, ambos com

turismo na Quinta da Azinheira Velha, antiga feitoria da

notícias

Josué Santos

O desenvolvimento de uma casa de Hospedaria paraagro-turismo na Quinta da Azinheira Velha apoia-sena projecção de um edifício em torno das Caldeiras.Toma como principal referencia os muros pré-existentes que determinam a implantação do percursoformado por novos muros de betão branco. Prevê-seconseguir uma intervenção integrada no território queviva da exploração das relações com a quinta e o rio.O habitat, ora conduzido ora libertado neste percursobeneficia de uma sucessão de espaços que fazem agradação entre interior e exterior. Os elementos pré-existentes revelam um forte potencial estético, masmais importante, são evocativos da memória dopassado. Reforçam a vocação turística daquele lugar,

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passado. Reforçam a vocação turística daquele lugar,alimentando a crescente consciência publica para aimportância dos vestígios de vidas anteriores.

Conversa com o Arquitecto

SérgioFernandezpor Catarina Dias

O que pensa da frase do Arquitecto Bruno Taut? “Ahabitação é o reflexo mais imediato e extraordinário dehabitação é o reflexo mais imediato e extraordinário decada indivíduo.”É uma pergunta difícil, porque parte do pressuposto daidentificação do indivíduo com a habitação, e cada vezmenos o indivíduo é o autor da habitação, ou ligado àconcepção da habitação. Cada vez mais a relação entre aspessoas que habitam e a parte projectual é mais distante. Emalgumas épocas, mas sempre, fundamentalmente emconstruções exemplares o Palácio do Risco ou o Palácio doRei, talvez tenha sido limitados ou condicionados pelavontade de quem lá vivia, ou quem diz um palácio, diz umsolar ou a casa de não sei quem e nessa altura é um bemque é construído em abstracto, não se sabe quem é o utente,sabe-se qual o tipo, o estatuto social, o estatuto económico, oprograma familiar e pouco mais. Apesar de tudo acho quemesmo nesses casos à alguma relação, mesmo quando nós,que não é o meu caso já vou explicar porquê, quando nósescolhemos um andar para viver, ESCOLHEMOS, fazemosuma opção. De certo modo há reflexos, que traduzem ogosto, o nível cultural, o tipo de vida que se pretende. Aí afrase começa a ser um pouco verdade. Na casa que está afrase começa a ser um pouco verdade. Na casa que está aestudar é evidentemente o Palácio do Rei, sem Rei nemPalácio. Neste caso é mais ainda, porque não é muitocomum, a maior parte do nosso trabalho é para outraspessoas, não é muito comum os autores serem os donos, émuito pouco comum, no meu caso, por coincidência quer aminha casa no Porto, que não é uma casa é um andar, quera de Caminha, são desenhadas por mim, aí podemos dizerque esse postulado do Taut, talvez tenha alguma razão deser, mais na de Caminha do que na outra, o edifício no Portofoi feito para um grupo de vinte pessoas não diria amigas,mas mais ou menos conhecidas entre si e alguns amigosmeus, e chegamos a um consenso para estabelecer que tipode casa é que queríamos, eu acho que o resultado traduz senão o meu tipo de casa pelo menos o tipo de casa meu e dealgumas pessoas mais.No caso de Caminha, foi muito engraçado, são duas casas,eu quis fazer uma casa, eu não tinha ideia nenhuma de comoseria assim ou de outra maneira qualquer, não fazia amínima ideia, comprei o terreno e vamos ver como é que sefaz.

Conversa com o Arquitecto

SérgioFernandez

Mas uma coisa era verdade, o dono da outra metade doterreno com quem eu comprei em comum era um senhor quejá morreu, um médico conhecido, com uma capacidadeeconómica astronomicamente diferente da minha e que alémdo mais já tinha uma casa óptima, enorme cá em baixo. E eudo mais já tinha uma casa óptima, enorme cá em baixo. E euàs tantas quando comecei a pensar fazer uma casa para mim,para já não tinha dinheiro, ou tinha muito pouco, e por outrolado o que eu queria era uma casa de férias, e isso era umacoisa que estava claríssima na minha cabeça, não conhece aminha casa no Porto, mas a minha do Porto está superlotadacom tudo o que há e eu queria exactamente uma coisacompletamente diferente. E eu disse ao senhor: “Olhe que euvou fazer uma casa muito esquisita” e ele: “Não tem mal! Euquero uma casa esquisita igual à sua”. O cliente tinha doisfilhos e ele sempre pensou que esta casa ficava para um dosfilhos, portanto a casa podia ser esquisita.Portanto pus-me a olhar para aquilo, pus-me a olhar de lá debaixo para o terreno, passei lá muitas tardes neste terreno erealmente o que me pareceu é que aquela paisagem erairresistível, que eu queria uma coisa que de certo modorepresentasse uma libertação da vida do quotidiano nacidade, que tivesse um contacto muito directo com o exterior,que usufruísse o mais possível daquele exterior, daquelapaisagem, e depois eu era e sou solteiro, mas naquela alturaeu pensava em constituir família, mas não constitui e por tantoqueria uma coisa que me permitisse que fosse muito simplesque não implicasse muito trabalho e mobiliário, nem coisasesquisitas e que permitisse apesar de tudo albergar umesquisitas e que permitisse apesar de tudo albergar umagregado familiar corrente, um casal e dois filhos, e daíapareceram estas três células para dormir. Mas penseitambém que um casal com dois filhos, ou um só, ou eu comuns amigos ou etc.

Que devia ter uma grande capacidade de mobilidade, dealteração, etc. e daí isto ser no projecto inicial estas trêsalcovas iguais e eu depois no fim do projecto, não foi naobra, resolvi pôr uma porta num dos quartos, percebi que secalhar merecia um espaço mais especial. De facto isto foiusado toda a vida e ainda continua a ser, com a maiorliberdade, sem problema nenhum, também porque é umacasa onde se está relativamente pouco tempo, imagino seeu vivesse nesta casa teria outras exigências como osperíodos que lá passo são sincopados, relativamente curtos,o programa adapta-se bem.Em relação à casa e à identificação do projecto com ohabitante, neste caso o proprietário, eu acho e achei sempree acho cada vez mais, quanto mais arquitectura vou vendo,acho que a arquitectura não é uma espécie de exibiçãopessoal no sentido de marcar presença, eu estou aqui,vejam só, uma coisa espantosa. Acho que a arquitecturasem ser anónima, porque acho que ela tem

que ter carácter e tem que traduzir isso, o que vai pelomenos na alma do arquitecto, acho que não deve ser umproduto gritante, um produto que se afirme, naquele casoainda mais porque aquele monte quando eu comprei oterreno estava completamente virgem se é que se podechamar assim, não tinha construção e eu achava que asduas casas deviam diluir-se o mais possível naquelapaisagem, porque o facto de nós podermos usufruir daquelapaisagem não nos devia autorizar a estraga-la e daí aquelasolução muito simples, muito despretensiosa, eu já dissequando nós fizemos a visita e é verdade isto é um mauprojecto e uma boa casa, de facto é das poucas coisas quefiz de que gosto. De um modo geral não gosto do que façofiz de que gosto. De um modo geral não gosto do que façoQuando digo que é um mau projecto, não é de todo um mauprojecto, mas é um projecto sem pretensões, relativamenteaté descuidado depois também havia a coincidência da casaser concretizada por um construtor que eu conhecia muitobem, que era um homem muito interessante, era e é queainda é vivo, muito cuidadoso, etc. e que além do mais meensinou muita coisa de construção que na altura eu nãosabia, e tinha essas condicionantes ser muito barata, sermuito simples, ser muito maleável, estar muito metida noterreno, quer na relação da casa com o terreno, quer narelação da paisagem com a casa, ou seja ela não tem muitapresença e é um pouco a razão de ser deste projecto. Secalhar a frase do Arquitecto Bruno Taut tem alguma razãode ser pelo menos nalguns casos.

O projecto de uma casa unifamiliar constitui o momentoideal de experimentação?De um modo geral (não estou a falar da casa de férias) asgrandes afirmações agora menos talvez, mas houve umaépoca pelo menos em que as grandes afirmaçõesarquitectónicas eram quase sempre experiências desse

tipo, casas unifamiliares, porque há uma relação muito maisdirecta com o cliente, com quem vai viver e usar e portantoisso dá uma certa capacidade que um edifício de habitaçãocolectiva não permite, porque realmente os edifícios dehabitação colectiva são de um modo geral sujeitos apadrões, a padrões do tipo de clientes e portanto não dápara fazer uma coisa completamente estapafúrdia, como eudisse a este senhor: “Eu vou fazer uma casa esquisita”, nãoposso dizer a cinquenta pessoas que nem conheço: “Voufazer um prédio esquisito”.Isso realmente deu alguma capacidade de se fazeremcoisas que significaram avanços na arquitectura, não querdizer que agora não haja muitas outras obras importantes,sempre houve, mas aqui em Portugal era muito claro, naminha geração e na geração que nos precedeu asexperiências mais interessantes eram em torno dahabitação e normalmente habitação individual, era maisdirecta essa relação.

Acredita que a casa é ainda um abrigo?Eu acho que a casa é um abrigo. É engraçado porque euquando falava com os meus alunos, dizendo o que disseagora, que acho que a paisagem deve ser preservada erespeitada, o que não quer dizer que seja intocável, porquenão há arquitectura sem mexer na terra, devemos intervirnela em muitos casos podemos até enriquecer, devemosenriquecer a paisagem, estava-me a lembrar da tcanhan doFrank Lloyd Wright, aquela dunazinha sem aquela casa nãotinha, provavelmente, interesse nenhum ou teria uminteresse relativo, portando aí há contributos queenriquecem a paisagem. A verdade é que os arquitectos têmcomo função fundamental lutar contra a natureza, isto é umacomo função fundamental lutar contra a natureza, isto é umaespécie de paradoxo, mas realmente a casa, o edifício, oescritório seja o que for é uma luta contra a natureza, éestarmos aqui não nos está a chover, não termos frio. Defacto a missão do arquitecto e de quem constrói é lutarcontra a natureza. É claríssimo faço um tecto para não mechover em cima, faço umas paredes para não havercorrente de ar, e portanto é uma luta contra a natureza. Edepois compete-nos nesta luta contra a natureza sabervalorizar o que ela tem de melhor o que é uma coisaparadoxal. Mas eu acho que a casa é um abrigo, a raiz dacasa é um abrigo ou caverna.

O Arquitecto Álvaro Siza Vieira diz que a ideia está nosítio. Partilha da mesma opinião?Partilho, mas é engraçado porque agora mesmo oAlexandre Alves Costa teve esta manhã com o Siza, quetem dificuldades de saúde e não pode viajar muito porquetem problemas de coluna, não quer dizer que não viaje masevita. E o Álvaro estava a dizer: A ideia está no sítio e agoracomo não vou aos sítios como é que eu faço? A verdade éque ele fez os projectos da Coreia e não foi lá, mas

evidentemente que se documentou o mais possível, e hojeem dia, sempre foi possível fazer os projectos à distância,mas hoje em dia mais, porque os meios de comunicação sãode tal maneira espantosos. É diferente estar e vê-lo, masapesar de tudo é possível.

Bom, isto para dizer que a ideia está no sítio é um poucoverdade, eu acho que o sítio sugere-nos sempre umaproposta de solução, o que não quer dizer que seja deidentidade com o sítio, pode ser de contraste, pode ser o quese quiser, mas eu acho estranhíssimo fazer arquitectura emse quiser, mas eu acho estranhíssimo fazer arquitectura emabstracto, não entendo, não sei como é que se faz. Eu creioque sem um suporte me mexo muito mal. Agora como é queesse suporte é adquirido se é uma invenção mental, ou seas pessoas imaginam uma paisagem e fazem para lá maseu acho que há sempre um suporte, acho que há sempre umsítio que legitima o valor.Bom neste caso (casa Alcina) por exemplo como eu disse àbocado, aquela pendente enorme, aquilo tudo a casa foi sósubir um bocadinho do chão para o tecto e deixar tudo namesma, salvaguardando as devidas distâncias, foi muitofeita em relação ao sítio aliás até com problemas dehabitabilidade, se quiser, eu não tenho nenhum mas estacasa é muito ao contrário daquilo que se possa recomendar,os quartos estão todos voltados a poente, o que écompletamente anormal ou há grandes envidraçados apoente o que é muitíssimo pouco recomendável porque o solde poente não tem protecção possível e então a solução queestá tão dependente do sítio. Bom depois temos é que pesaro que são uma coisa e outra, e eu não ia perder a paisagempara obedecer aos cânones da habitação e depois por outrolado percebi que a vivência desta casa é fundamentalmente

em tempos de lazer e de férias, é assim de Verão estarvoltado a poente é muito quente andamos sempre cá fora odia todo, neste espaço conformado pelo L, deixamos tudoaberto para arrefecer por isso já não há esse problema, noInverno é ao contrário quando está frio o calor é bem vindo eportanto eu não tenho problemas com isso, e rapidamenteinverti o raciocínio e portanto respeita de facto, é muito feitaem relação ao sítio, é muito feita em função do sítio, estou deacordo com isso. Embora eu acho que às vezes possa haverexcepções. Haverá programas arquitectónicos que não estãotão dependentes do sítio, por exemplo se tiver que fazer umatorre, não sei para onde, muito provavelmente ela pouco tema ver com o que está à volta. Aliás o Movimento Modernofartou-se fazer edifícios caracterizados por isso, a produçãoarquitectónica independente do sítio e nem por isso deixa deser muito boa arquitectura. Não sei essas coisas nunca sãoverdades ultimas, mas nesse caso eu acho que podefuncionar assim.

Li que em 1961 terminou o curso e em 1965 recebeu odiploma, esta diferença era por causa da prova final?Não, não era por causa da prova. Era porque nós nãoNão, não era por causa da prova. Era porque nós nãotínhamos preocupação nenhuma em acabar o curso eportanto trabalhávamos, viajávamos e depois quandotínhamos tempo e vontade fazíamos a prova final. Haviaeventualmente menos concorrência do que há agora, nãosentíamos essa necessidade, não éramos nada apressados.Acho que não havia ninguém que acabasse o curso e fizessea prova. Mas também havia uma coisa que hoje em dia émuito mais difícil, nós começávamos a trabalhar muito cedo,no terceiro/ quarto ano já estávamos todos a trabalhar, enormalmente enredávamo-nos em trabalhos, etc. e depoismuitas vezes acontecia que nos davam algum trabalho e nósíamos fazendo por conta própria ou pelo menosapadrinhados pelo escritório, e a prova ia ficando e nãotínhamos problema nenhum com isso. Eu creio que nestemomento, não é que fosse mais fácil a situação até porquenão era, os projectos assinados por arquitectos, assinadosnão queria dizer que fosse de autor, eram da ordem do umvírgula qualquer coisa por cento, portanto o arquitecto eravisto abaixo de cão, era uma profissão completamenteconsiderada de segunda ordem e portanto a dificuldade emafirmarmo-nos era muito pior do que era agora. O que agorahá é muito mais concorrência entre os próprios arquitectos eportanto faz com que haja uma certa pressa, as coisasportanto faz com que haja uma certa pressa, as coisasalteraram-se um pouco creio que vocês principalmente comBolonha vão ter que pagar os anos todos que estiveram àespera para fazer, no nosso tempo não era assim eu nãopaguei nada enquanto andei cá fora, andei feliz da vida, fiz oque me apetecia e portanto era vulgar, e depois os quetinham trabalho, havia o estágio tinha que se fazer na mesmae essa prova final, era uma prova que implicava naquelaaltura fazer um projecto, ou melhor, não sei se era porque oNuno Portas, aqui a Escola do Porto abriu a hipótese de sefazer uma tese meramente teórica, a prova do Nuno Portasnão foi aceite em Lisboa e veio fazer a prova final aqui porcausa disso mesmo.Mas eu fiz uma daquelas provas que eram mais ou menosdentro dos limites tradicionais que era fazer um projecto eportanto eu escolhi para tema do fim de curso fazer umprojecto que era uma coisa estranhíssima, utópica,quixotesca, romântica que foi o que é que podia fazer umarquitecto no meio de uma aldeia, que não estava nadapreparada para receber um menino universitário, quenaquela altura nem era universitário era a Escola de BelasArtes mas tirei um ano para Rio de Onor, que é uma aldeia lá

em cima do distrito de Bragança, que era uma aldeia quevivia num regime comunitário, uma aldeia sem electricidade,sem água, sem estradas, não tinha nada e o que é queaconteceu, qual era a missão de um arquitecto num contextodestes e portanto foi um trabalho muito longo, maravilhoso eé um período de que tenho imensas saudades, ondeparticipou aliás imensa gente da escola, passou por lá umadata de gente que me foram ajudar a fazer levantamentos,etc., e isso também prolongou um bocado o tempo mas issonão era nada de anormal. Por exemplo o Siza acabou depoisde mim e é mais velho do que eu, eu até lhe assinei osprimeiros projectos. Isso era recorrente, era completamentediferente. Agora à distância eu não sei bem o que é que nóssentíamos, eu lembro-me de ter a preocupação que era:quando eu acabar o curso o que é que eu vou fazer, masnão me lembro dessa ansiedade, de todo nem eu nem muitagente não me lembro e agora toda a gente tem que acabar,quer acabar e eu até incentivo os alunos a acabar. Mas defacto não havia essa urgência, eu também vivia em casa dosmeus pais não havia o problema do dinheiro, não era sómeninos ricos, não era só gente bem instalada, era toda agente havia muito menos pressa, nós íamos trabalhando egente havia muito menos pressa, nós íamos trabalhando eganhando algum dinheiro. Eu trabalhei muitos anos noArquitecto Viana de Lima, desde o terceiro ano e depoisquando ele tinha coisas pequenas, e ele não queria cácoisas pequenas e eu e a filha dele fazíamos o trabalho eganhávamos alguma… não diria independência mas pelomenos autonomia e pronto. E depois fui trabalhar para oArquitecto Losa e depois o primeiro projecto grande que fiznão tinha ainda o diploma quando acabei o projecto, era oprojecto do prédio onde eu moro, era eu e o Pedro Ramalhoque trabalhávamos juntos e o Arquitecto Losa que tambémtinha lá um andar, que era uma espécie de consultor que nosdava cabo da cabeça, achávamos nós, algumas coisas comrazão outras sem ela, ainda hoje não estamos de acordocom algumas coisas que ele dizia, no fundo esse grupo dedos tais 20 foi organizado pelo Losa, ele era uma espécie dechefe do grupo, e portanto imponha nos algumas coisasarquitectónicas que nós não estávamos muito de acordo,outras sim. Mas na altura que foi em 63 eu acho queterminamos em 65, eu ainda nem sequer tinha acabado ocurso, andávamos no convívio nem pensava nisso, agoraimagino que seja muito mais complicado. Nós tínhamosmuita experiência de atelier, antes de acaba o curso, euacho até se pode dizer que ninguém, não havia ninguém queacho até se pode dizer que ninguém, não havia ninguém quesaísse da escola sem ter trabalhado num atelier. Para dizera verdade nem sei como nós tínhamos um horário horrível,nós tínhamos aulas ao Sábado, não é com vocês, eu não seicomo nós desencantávamos tempo para trabalhar, masdesencartávamos. Era um regime diferente.

Quando visitámos a Casa do Moinho do ArquitectoBelém Lima, em Esposende, falou-nos da importânciado Arquitecto Le Corbusier e especialmente do Modulorna concepção da casa. Isso teve repercussões nestacasa especificamente?Não se houver é por mero acaso, o Arquitecto Viana de Limade facto era completamente fã do Corbusier e a prova dissoé que recorria sempre ao Modulor, coisa que nósachávamos um bocado caricato, nós os colaboradoresporque nessa altura a boa mão-de-obra já tinha ido paraFrança ou outros países, e por tanto era impossível meter asmedidas do Modulor na cabeça do senhor, na prática não seconseguia aplicar e eu achava aquilo um bocadinhoexcessivo. Admito que tenha ficado algum resquício dasconstruções mas mentalmente, não de uma formaconsciente.

A organização da casa é feita por patamares. Gostavaque comentasse essa opção.Bom, toda a casa segue o terreno, até tem aqui uma coisaque eu costumava criticar aos meus alunos que eu aquiloque eu chamo escada de palhaço, não sei se sabe o que é…o Arquitecto Távora chamava assim.É aquela história havia dois palhaços com um escadote nomeio, de um lado está o palhaço rico, do outro o palhaçopobre e quando o palhaço rico quer falar com o pobre sobe aescada, desce a escada e vai falar com o pobre. E o pobreque é mais inteligente normalmente dá a volta à escada.Isto era para dizer que não se podia fazer escadas a subirquando tinha que se descer, ou o contrário. Mas a minhacasa tem aqui uma escada que desce e outra que sobe parair para os quartos e eu costumava mostrar isto aos alunospara mostrar que esses postulados nem sempre sãoverdade e eu acho que, por exemplo, o facto de haver umacompartimentação com uma escala muito diferente e comfunções diferentes pode ser suficiente para que isso nãotenha importância nenhuma. Os patamares são totalmentecondicionados pela topografia e tão condicionados são que,isto é um pequeno pormenor, esta casa, a casa que está aoisto é um pequeno pormenor, esta casa, a casa que está aolado tem menos degraus, na diferença de patamares, do quea minha, porque o terreno era diferente os patamares foramfeitos em função disso.

A cobertura inclinada reproduz o declive…A cobertura inclinada na prática reproduz o declive, o quenalguns casos me pareceu excessivo no interior, o tectofalso também é inclinado, mas nem sempre acompanha apendente do telhado, nas alcovas por exemplo e na salatambém, mas na sala a razão fundamental é porque existeuma viga ao meio, no meio da sala. Nos quartos tem a vercom a dimensão dos contraplacados, que não davam maisalto do que isto, de qualquer maneira achei que aquilo erademasiado “a pique”.

Aquilo, não sei se se lembra, tem uma telha horrível, que éuma telha de argibetão, é o mais emigrante e o mais feiopossível. E foi o mais emigrante e o mais feio possível porduas razões, uma porque era relativamente barata, mas arazão fundamental nem foi por causa do preço, foi porqueela era da cor do monte e eu queria que não se visse, quese visse o menos possível. Agora a casa tem algumavisibilidade porque tem aquelas portadas que estão pintadasde vermelho mas não tinha, no projecto inicial não tinhaportadas. Aquelas portadas foi um recurso porque a madeirada caixilharia não sei se cheguei a falar nisso… era emcedro, só que era um cedro mau e portanto começou aestragar-se toda e ficava mais barato fazer umas portadaspara proteger a caixilharia, não é para fazer a segurança,que aquilo não segura nada, é para proteger a caixilharia,que entretanto mesmo assim eu já substitui, porque amadeira original estragou-se.

O porquê do encarnado das portadas?Achei que já que tinha que ter ao menos que se visse, masnão tinha inicialmente, não teve durante bastante tempo,durante alguns anos.durante alguns anos.Eu estava a falar da cor da telha, eu queria que aquilodesaparecesse na paisagem, porque como eu já disse nóséramos as primeiras casa ali naquele monte, depoisacabamos por não ser, porque demoramos mais tempo aconstruir e um senhor fez uma grande casa ao lado. Porqueantes não havia ali casas nenhumas e eu achava que eraum atentado desfazer aquela paisagem, agora está muitodiferente, mas na altura não estava assim.

Eu penso que a cobertura inclinada enfatiza a ideia doabrigo e de protecção.É verdade, mas é uma solução discutível e eu percebo umbocado, como é que eu hei-de de dizer?... Pode provocar eprovoca em algumas pessoas, alguma sensação deinstabilidade, que é uma ideia contrária ao abrigo. Porque

como é tudo a cair pelo monte abaixo…, eu tenho um amigoque dizia: Eu cá não durmo aqui nem uma vez na vida, vouter pesadelos que estou a cair pelo monte abaixo! Bomfartou-se de lá dormir e não teve problema nenhum. Mas eupercebo isso, se calhar a casa acentua demasiado essarelação.

Porque motivo optou por fechar a Casa a Nascente eabrir a Poente?Bem, fechar a Nascente tem uma razão, nós queríamosque… havia aquele caminho que está num estado que nãoera assim, era mais baixo, tinha uma cota mais baixa umbocadinho, mas de qualquer maneira havia lá ao lado, ondeestá uma casa abandonada, existia um miradouro público eeu achava que da casa não se devia ver o miradouro, nem ocaminho, e portanto eu queria proteger-me do caminhoporque se via tudo para dentro, porque estava na cota maisalta do terreno. E então pensei em fechar completamente,mas pensei que fechar todo aquele muro e não deixar pelomenos uma abertura para que se visse que lá em baixohavia paisagem era mal feito. Mas fechei por opção para nãose ver o interior.se ver o interior.

Gostava que me falasse da importância dos materiais nacaracterização da atmosfera interior (confortável) eexterior (rugoso, denso).Ora bem, eu não tinha dinheiro. A minha primeira ideia dacasa, para a constituição das paredes era fazer umaestrutura de betão e tijolo, e depois cheguei à conclusão queficava mais barato fazer em pedra, naquela altura ainda eramuito barato fazer em pedra, mais do que fazer em betão.Eu até era para fazer com blocos de cimento, mas já tinhatido más experiências com esse tipo de soluções.Quando percebi que era mais barato fazer em pedra, toca afazer as coisas em pedra. O que beneficiou a questão daintegração. É uma pedra com a qual eu não tive nenhumapreocupação, nem de desenho, nem de requinte, é umapedra como se faz lá em muitas casas, até com o cimento àvista que nem sequer é muito bonito, mas eu achei quedevia ser como todas as outras e assim se fez.Aquilo é uma parede do mais ordinário que há em relação aoproblema da temperatura, designadamente no Inverno,aquilo é uma parede simples de pedra, não tem mais nada,depois é estucada na zona da sala, a cozinha tem azulejo, eno projecto eu achei que queria alguma coisa que me dessealgum calor, pelo menos intelectual, e portanto decidi pôralgum calor, pelo menos intelectual, e portanto decidi pôraquele tecto em madeira muito à imagem da casa AlcinoCardoso do Siza, que eu tive a oportunidade de acompanharcom ele, que também é muito forrada com madeiras nasparedes e eu achei que aquilo era muito confortável e penseique era engraçado estabelecer esse contraste entre a zonade dormir, muito aconchegada e o resto mais liberto. Em quea sala era toda estucada e os quartos todos forrados acontraplacado de madeira, mas não tem mais nada, não temisolamento, não tem nada, tem um vaguíssimo isolamentona cobertura que é uma porcaria não isola nada, e maisnada.Naturalmente a casa no Inverno é razoavelmente fria. Mascomo eu pensei que no Inverno ia lá passar pouco tempo,embora às vezes vá para lá trabalhar, não fico lá muitos diasseguidos, chego lá acendo a lareira, ligo os aquecedoreseléctricos todos e pronto. E lá estou eu. Mas não é bem feitado ponto de vista da construção. Depois o pavimento talcomo na casa Alves Costa, é em mosaico hidráulico era omais barato que havia na altura, agora é caríssimo nãopercebo porquê, escolhi porque achei bestial, é prático, lava-se e não há problema nenhum, e era o mais barato.

Entretanto surgiu a história da madeira de cedro mais outracoisa relativamente barata para aproveitar e foi o que eu fiz.Isto foi muito feito, e efectivamente eu acho que não se podereproduzir, porque o cliente não é o arquitecto normalmente,com base na experimentação e isso deu-me uma grandeliberdade. Eu dizia ao empreiteiro, durante a obra: chegueisso um bocadinho mais para aí, etc. Sem problemanenhum, como quem está em casa a construir qualquercoisa, a fazer um bolo, leva mais uma pitadinha de não seiquê. Foi um bocadinho assim.

O exterior é rugoso e denso, isso faz com que…Desapareça.

O interior é muito confortável, transmite muito calor.Pelo menos no dia que visitamos a casa, já estava nofim do dia e o pôr-do-sol criava um ambiente que memarcou muito…Sim de facto aquilo tem uma luz muito bonita e com asmadeiras fica muito bem.É quente no interior e por fora desaparece, era essa aintenção. E de facto eu além do mais pensava e vou commuita frequência lá, vou para lá trabalhar, às vezes quandotenho uma coisa chata para escrever meto-me lá erealmente eu queria que tivesse um certo ambiente…diferente da rotina, uma espécie de refúgio.

A lareira ocupa um lugar central na casa, podemosrelacionar com a ideia do fogo no abrigo?Eu aqui no Porto também tenho lareira, é uma coisa que eugosto muito.Eu achei que a lareira, vocês viram a casa já com sofás ecadeiras, mas não tinha nada disso. Aquilo tinha umasalmofadas grandes no chão e nós sentávamo-nos, e euacabei com a idade, eu nunca gostei muito de me sentar nochão, mas com a idade passei a gostar menos e portantoarranjei uns sofás. Mas eu tinha umas almofadas grandes ea malta sentava-se, prolongando o espírito das células,portanto isto agora está um pouco mais formal do que era.Mas eu pensei sempre em ter uma lareira, por um lado para

aquecer a casa, e por outro para ser uma espécie de vida, eé até demais, eu sou pior com a lareira do que as pessoascom a televisão, fico ali chapado a olhar para aquilo é umhorror. A lareira não aquece suficientemente a casa. A salacomo tem um pé direito muito alto o ar quente vai para cimae não aquece suficientemente bem, mas aquece bastantepsicologicamente, é uma companhia, para mim até édemais, é uma obsessão. O fogo está muito relacionado coma ideia de abrigo e da caverna primitiva.

De onde surgiu a ideia das alcovas?Eu queria uma coisa que fosse muito pequena, que fossesuficientemente pequena para não gastar dinheiro, mas quepermitisse apesar de tudo alguma privacidade, não queriauma sala única ou um T0. Mas eu não tinha dinheiro, nemqueria, que a casa fosse um T3. E esta questão das alcovassolucionava o problema, porque isto tem uma área mínima,quando se fecham as cortinas a área de dormir é uma cama,e como sabe no Minho é o que há mais, as casas rurais têmtodas alcovas e foi natural, não havia premeditaçãonenhuma, achei que isto solucionava as duas coisas esolucionou. Tanto solucionou que esta casa, não sei se faleisolucionou. Tanto solucionou que esta casa, não sei se faleilá nisso, até há poucos anos não pagava imposto, eraconsiderado um barraco, não tinha quartos, não tinha nada.E eu achava óptimo, agora é que mudaram de ideias e agorapago, mas realmente aquilo não tinha quartos. Issorealmente, agora menos, eu costumava ir para lá com osmeus sobrinhos, eles agora já são pais de filhos, mas eramuito engraçado ver os miúdos porque eles identificavam-secom escala, brincavam, sentavam-se, etc. e isto era comouma espécie de células que funcionavam com algumaindependência e isso tinha alguma graça.

Apesar de serem espaços muito flexíveis, existe umadefinição clara entre espaço público e privado…Existe. Existe, porque apesar de tudo, esta ala (dos quartos)está distanciada do resto. E também é uma questão deconforto, por exemplo quando estão miúdos a dormir nósestamos na sala a conversar, a ouvir música, ou seja lá oque for, e era chato. Assim os miúdos vão para o quarto,nós ficamos na sala a conversar e há uma certa distânciaque sempre me pareceu importante.

Assim o espaço de circulação é também umprolongamento das alcovas…Pois, pois a ideia foi essa. Inicialmente, lembro-me queandou pelos esquiços um corredor mais estreito, masdepois achei que era bem melhor ter aqui um espaço maisgeneroso que permitisse…enfim que isto respirasse, do queser só para servir as alcovas.

Como funciona a outra casa? …Funciona pior do que a minha, eu digo isto à vontadeporque as duas casas foram projectadas e depoisporque as duas casas foram projectadas e depoissorteadas. Quando se fez o projecto existia um percurso atéà entrada da segunda casa, para não devassar este quarto,mas nunca se fez isso. Mas os senhores do lado acharamesta porta para o quarto muito bem, e que não tinhaimportância nenhuma, porque ao contrário da minha, que éenvidraçada, esta é opaca e eles fartam-se de entrar e sair,e pôr e tirar, daqui para o carro e do carro para aqui e nãovão dar a volta. A entrada é por cima, mas eles utilizamimenso esta (a do quarto), sem problema nenhum.

Alpendre espaço de distribuição das duas casas…É, é um pouco. Isto era um pouco para estabelecer aseparação entre as duas casas, mas aqui havia umpercurso que contornava a outra casa e um portão deentrada, mas nunca se fez. E a minha não precisava disso,não havia problema nenhum, a minha casa foi a primeira aser construída e eles tiveram ocasião de ir vendo. Istorealmente é mais para estabelecer a separação entre ascasas.

Porto, 13 de Maio de 2008

ERelógios enevoados longes do equilíbrio

Respostas de uma lógicaapaixonadaO nosso habitat sucumbiu àconfrontação entre um tipo deconstrução regido por um pragmatismodeterminista e hiper-legislado e umindivíduo desinformado queimpossibilita a reconciliação a curtoprazo da criatividade humana com aspressões financeiras, de forma aconseguir descrever o espaço do nosso

indefinida e, sesignificaria que osmodificariam o seu aspectoolhos. De uma vez pormáquinas deterministasa sua imagem de engenhocacom leis mecânicaspassar a ser umpropriedades energéticasaproxima do m undonuvens. Algo parecidoestabilidade aparente

Museu de Belas Artes em Lausanne - no.mad©

conseguir descrever o espaço do nossofuturo com esperança.A distinção que graças aodeterminismo económico propõe ummundo diferenciado entre factosprevisíveis e imprevisíveis, não é válidoe, tal como afirma Karl Popper, estafalta de apreço ocorreu num momentoem que fomos capazes decompreender as leis internas dasnuvens com o mesmo rigor quetínhamos pelos relógios. Descobrimosentão que os relógios não são tãorazoáveis como pensávamos e, aoestudá-los com o nosso grau deconhecimento actual encontrámosnovas propriedades relativas àdissipação de calor ou aos efeitos daressonância da massa que afectam asuposta infalibilidade da sua precisão.A conclusão é estimulante: doisrelógios de fabricação idêntica nuncadarão a mesma hora de forma

estabilidade aparenteque a ruptura da linearidadeefeito” gera aparências(durante muitas décadasera consideradadesordem), conservandoelevadíssima organizaçãoinvisível. Este tipo deapenas nas propriedadespelos nossos sentidosum maior aprofundamentose estender àscontempladas pelosNão obstante, o indeterminismopoderá explicar tudoeconomia e asrepresentam sãorespondem a tantosfalacioso pensaracomode a profeciafuturo. Assim, abenefício colectivopela definição de

Eduardo ArroyoRelógios enevoados longes do equilíbrio

“Depois de se ter estudado os relógios devemos estudar as nuvens.”

Karl Popper

isso sucedesseos ajustes feitosaspecto aos nossospor todas, todas as

deterministas teriam perdidoengenhoca material

mecânicas previsíveis, parasistema físico de

energéticas que aundo variável das

parecido acontece com aaparente quando sabemos

curioso baseadas em perguntas muitoespecíficas e na escolha depropriedades mais concretas nasrespostas.A explicação global do mundo que osmovimentos de vanguarda pretenderamvalidar não serviu para um melhorentendimento do mesmo eobscurantismo informativo da diletânciahedonística que não faz mais nadasenão silenciar a necessidade dessasperguntas particularizadas. Paraaparente quando sabemos

linearidade “causa-aparências arriscadasdécadas a turbulência

um símbolo deconservando uma

organização a um nívelde ordem não reside

propriedades reconhecíveissentidos e necessita de

aprofundamento de forma acondições não

sistemas estéticos.indeterminismo não

tudo; a história ou asociedades que

são instáveis etantos factores que é

numa teoria queprofecia de um modelo

precisão de umserá determinadoum pensamento

perguntas particularizadas. Paraformulá-las classificamos os objectosdo nosso pensamento referentes afenómenos da vida humana em “factos”histórico-sociais seguidos de umasistematização segundo “leisgenéricas”, utilizando as técnicascientíficas e por último as proposiçõescriativas em forma de “actos de ficção”.No nosso modelo de trabalho estes trêsgrupos não estão claramente definidose participam num campo depensamento cada vez maisindiscriminado onde factos, leis eficções alternam o seudesenvolvimento linear dentro daprocura por perguntas e respostas. Asficções criativas formam-se através deactos de paixão ou actos de lógica epodem ser convenientementedistinguidos pela premeditação da suaexecução; alguns sob o pretexto daexpressão e outros na utilização do

irrefutável pensamento filosófico. Entre esta dualidade situa-se timidamente o nosso pensamento criativo, uma espumade lógica apaixonada e inesperada que “conforma” asperguntas e respostas do nosso trabalho neste século tãodifuso.Os excessos de razão/racionalidade moderna e o seumétodo axiomático levou a que pensássemos que as teoriasteriam de ser formuladas sem ambiguidades baseadasnuma coerência que implicaria a não existência decontradições (algo e o seu oposto não podem existir aomesmo tempo), estimulando um pragmatismo superficialque acompanha e define todo o formalismo. A um nível maisrelaxado, a coerência propõe um estado das coisas cujoscomponentes formam grupos comuns, permitindo ligações erelações múltiplas, assim como gradientes de variaçãodentro de qualquer sistema. Isto pressupõe uma igualdadede importância para o improvável e o provável, o impossívele o possível, o irreal e o real. As nossas respostas procuramcoerência, não consistência.

Museu de Belas Artes em Lausanne - no.mad©

Podemos agrupar os processos criativos contínuos emconjuntos que, por um lado, respondem ao fenómeno deauto-referência, consequência da potência e capacidadeexpressiva de uma linguagem que combina os seuselementos de uma forma original, e por outro lado, aorepertório de estilo que extrai – através da cópia – elementosreconhecíveis que atravessam diversos objectos no tempo.O primeiro refere-se ao “original” como exigência primordialpara a criatividade, enquanto que o segundo fala-nos de umsimulacro com uma redução exponencial do risco noprocesso criativo. O actual sucesso do simulacro baseia-sena leitura fácil de uma imagem superficial do recordadoconta a interpretação do conteúdo memorizado. Isto coloca-nos perante a escolha do reconhecível que sabemos ser

Museu de Arte e História na Estónia - no.mad©

colectivamente aceite e contra os ecos que nos fazem pensare reflectir com um esforço imaginativo. As nossas respostasprocuram auto-referência, não o repertório.O criador da rebeldia aparece como uma reivindicação daclareza e expressa a aspiração à defesa do que se é numcombate em prol da integridade do homem. Nasce contra oespectáculo da ilógica e face à injustiça de um tempo em quenada é verdade e portanto, tudo é permitido. Contudo, orevolucionário atrai um ressentimento amargo ao invejar oque não é, transformando-se rapidamente num arrivistaprofissional e socialmente dependente de dinheiro e aoserviço de todo o tipo de autoridades. É um profissional queabraça a divisa revolucionária da estética do momento,consentindo a uma ordem totalitária do mundo que estádegradado ao invés de distinguir o que está bem ou mal. Asnossas respostas procuram a rebeldia, não a revolução.

Longe do equilíbrio existem nuvógiosO equilíbrio não é um estado normal no mundo; pelocontrário, a sua duração é rara e precária; a sua procuracomo promessa de estabilidade provoca ilusões temporáriasà nossa volta. Consideremos o desequilíbrio como a normaà nossa volta. Consideremos o desequilíbrio como a normaque rege as nossas vidas assumindo a matéria, a energia, oespaço e as pessoas têm comportamentos insólitos, longesdo equilíbrio que definem a maioria dos estados doquotidiano, situações entrópicas com tendência para adesordem (meio-ambiente e transportes) ou sistemas deintercâmbio instáveis (economia e geopolítica). Num sistemaque esteja longe do equilíbrio – e carente de todaorganização específica – algumas acções criativas podemconseguir – através de propriedades activas – transformar-senum sistema organizado, persistente e temporalmenteinstável, através da manutenção de uma aparênciadesordenada. Porém, de forma a organizar-se, necessita degastar uma quantidade de energiaproporcional ao grau de ordem pretendido, e ainda maisenergia para conseguir mantê-lo ao longo do tempo – já queestaremos a trabalhar no sentido contrário da entropia. Esteseria o caso de uma ordem latente, permanente no tempo;existem outros tipos de ordem de carácter activo queexpressam as suas propriedades através de funções menosávidas por energia, precisamente devido à possibilidade deadaptação ao imprevisível. Tendo em conta que oque conhecemos é uma parte muito pequena do que existe, esabendo que apenas é previsível aquilo que conhecemos,compreendemos que, do ponto de vista da criatividade, ocompreendemos que, do ponto de vista da criatividade, oimprevisível ou o desconhecido é infinitamente maisimportante, e portanto, concentra todos os nossos esforços.Há uma clara diferença entre um sistema de criação fechado– onde se procura um processo de relação e aproximação jáaprovada colectivamente – e um método sinergético quepermite analisar a evolução das estruturas complexas quandoestas tendem para um estado que é menos provável e,portanto, imprevisível. No primeiro trabalha-se com ordensconhecidas enquanto que, no segundo caso nós poderemoster acesso a um gradiente ou parâmetro de ordem que defineo estado e variação das flutuações e da instabilidade de cadamomento. Relacionando estas transições, a tipologiaconsidera iguais os objectos que se obtêm um do outro semse quebrar, incluindo aqueles inscritos na conjectura dageometrização. Para se reconhecer um objecto com estascaracterísticas há que trabalhar deformando certaspropriedades, como fazem os matemáticos com as equaçõesde desenvolvimento em derivadas parciais, sempre com opropósito de homogeneizar o que descrevem como sendo “omais belo”. Isto significa que a análise das propriedadescaracterísticas destes objectos requer um distanciamento

dos rígidos axiomas da razão aointroduzir uma condição subjectiva desensibilidade dentro do processo dereconhecimento dahomogeneização.Entre estes objectosnão se encontram aqueles edifícios que,ao deformá-los de alguma das suaspropriedades se quebram, dando aentender que as suas característicasnão são variáveis ou dependentes dasua forma. No entanto, existem edifíciosque conservam as suas propriedadesnessas transformações por seremindependentes e encontrarem-se aomesmo nível de importância que aforma. Designamos o primeiro grupo de“relógios”; neles, uma pequenadeformação altera o seu funcionamentopreciso levando-os a incorrectas leiturasda realidade medida. O segundo agrupaos edifícios “nuvem”, onde qualquer

limite orçamentalpropriedades internaspor exemplo o Kunsthal(1987-1992) de RemMediateca de SydneyToyo Ito, masdirectamente mais “enevoados”Capela de RonchampCorbusier ou o RestauranteOtaniemi (1964-1966E assim, podemosaqueles edifícioshomogeneização dasem todo o seu volume“nuvens”, enquantocriam uma relaçãoautónomas com propriedadestendem a seraprofundando um poucoclassificação, algunsoutros mecânicos. Masos edifícios “nuvem”, onde qualquer

deformação aplicada não produznenhuma incoerência no seufuncionamento, sendo que, por vezesmostra a uma propriedade a maisdaquelas que tinha. Essa classificaçãorequer uma atenção cuidada poisexistem edifícios que, apesar da suaaparência informal são relógioscamuflados com uma propriedadeprincipal que reside na condição estéticada sua forma, sendo esta perdida aolongo das transformações decomprovação. A este grupo pertencemedifícios como o terminal TWA em NovaIorque (1956-1962) de Eero Saarinen oua Opera de Sidney (1956-1973) de JørnUtzon, mas também outrosintuitivamente mais directos como aNeue Nationalgalerie em Berlim (1962-1968) de Mies van der Rohe. Noextremo oposto estão as “nuvens”camufladas de “relógios”, onde a formaé apenas um limite programático ou um

outros mecânicos. Masque interessa no nossouma estranha relaçãoas categorias anteriores,dos relógios pelahomogeneização dasaproximando-se dasdistanciamento da ideiaconsensual e convencionalforma, algures equidistantes“nuvógios” comoespuma de pensamento,deformar relativamentesuas propriedades –que são convertidasdireccionais de importânciacaracterísticas têmselectiva e tornam-para a sua função,concentrar a nossaespecifica a umabandonando assimarquitectónicos“desterritorializados”

Jardim Infantil em Sondika (1997-1998) - no.mad©

que alberga asinternas informais, como

Kunsthal de RoterdãoRem Koolhaas e a

Sydney (1995-2000) detambém outros

“enevoados” como aRonchamp (1950-1953) de Le

Restaurante Dipoli em1966) de Reima Pietitä.

podemos estabelecer que,tendem para a

das suas propriedadesvolume se aproxima das

enquanto que aqueles querelação entre parte

propriedades distintas“relógios”, ou,

pouco mais a nossaalguns são energéticos e

Mas o tipo de objecto

percorre o nosso trabalho na últimadécada na no.mad, com as estruturasdissipadoras no território, os processosde desequilíbrio, as geometriastemporalmente energéticas ou o campode probabilidades de carácter sensorial,todos eles procurando estados urbanosque respondam de forma precisa àscondições de espaço e tempo em quese desenrolam. Denominamo-los porPHs devido ao sistema criativo usado nasua configuração através de processoslineares de hibridação e uma mistura deconceitos que classificamos como:temporais, espaciais ou espacio-temporais, dependendo da suapropriedade principal.No “PH001Galindo” é introduzida aintuição do território como um sistemacomplexo de superfícies energéticas,activadas por diferentes usos queMas o tipo de objecto

nosso estudo mantémrelação de distância comanteriores, afastando-sepela procura de uma

das propriedades edas nuvens pelo seu

ideia de um equilíbrioconvencional. Desta

equidistantes estão osprodutos dessa

pensamento, que se podemrelativamente a algumas das

– mas não de todas –convertidas em entidades

importância. As suastêm uma importância

-se mais disponíveisfunção, permitindo-nos

atenção na respostaum “lugar-questão”,

assim os pensamentosgenéricos ou

”. Este é o fio que

activadas por diferentes usos queprovocam – na sua relação com oexistente – a presença de um potencialrelativamente à repulsa ou atracção. Asua continua interacção gera umaestrutura de aparência desordenadasem preconceitos urbanos.“No PH005Sarajevo” é desenvolvidaparte da teoria das catástrofes com umageneralização do problema de máximose mínimo associado ao gradiente defunções que se geram por se situaremnum lugar concreto. Isto implica oaparecimento de montanhas e valespara cada propriedade com quefiltramos o território e à definição deseparadores geométricos para astransições das tais propriedades. Oconjunto de lugares de máximaintensidade ou de tensão de alteração éutilizado como sistema de localização dearquitectura onde as questõescolocadas podem ser resolvidas.

No “PH006Paris” utilizaram-se parâmetros sensíveisexternos como “leme”através dos quais secontrolava e conduzia oprocesso de localização eformalização daarquitectura, dentro de umsistema cujo grau inicial deordem é nulo e onde aimportância reside nocontrolo de relação entredistâncias e durações. Aestrutura final organiza-setetradimensionalmente,formando uma paisagem deinstantes com uma ordemescondida que necessita dofactor tempo para sercompreendido.“No PH015Seul” a estruturageométrica – obtida atravésgeométrica – obtida atravésde uma leitura paramétricado território – adquire maiorrelevância e começa amanifestar propriedades detroca com o exterior, provocando um processo de auto-organizaçãotransformação como resposta a novas trocas. Não se trata deestrutura reconhecível gerada numericamente, mas é frutodesenvolvimento da própria geometria inicial cuja desorganizaçãoaumenta ao introduzir as quantidades de programas na direcçãoum estado imprevisível de desequilíbrio e de não-forma.No “PH019Durango” a organização emerge esporadicamente denova fase de troca – através da introdução das condiçõesprograma e volume – exigindo a delineação de um precursor daforma. Trata-se de uma forma de morfogénese onde se tomamdecisões em cada bifurcação, decisões que contêm – durantefases de transição – a memória da evolução da forma instávelprecedente. Cada nova informação introduzida no sistematrabalho vai qualificando e seleccionando aquelas partes que,princípio teriam um carácter genérico em algo particularizado quefaz insubstituíveis.Estes são alguns dos “nuvógios”, atravessados por um equilíbriodinâmico surpreendente que direcciona a transformação desistema de trabalho noutro sistema, de um objecto noutro objectosistema de trabalho noutro sistema, de um objecto noutro objectofamiliar, como se, algures, uma promiscuidade de pensamentoafastado do formalismo estilístico – estivesse a ser constantementeproduzida.Teria sido uma irresponsabilidade criativa ter vagueado porestados com maneirismos herdados e referenciados, e o reflexoque juntos, na sua diversidade produzida é suficiente para recordarme todos os dias que, no equilíbrio, na matéria, nas pessoassuas criações se tornam inertes e impossibilitam as suas própriaspossibilidades.Definamos novos e complexos paradigmas sobre o carácterprobabilístico num pensamento afastado do equilíbrioreconsidera as metodologias da arquitectura. Poderemosadoptar estruturas diferentes daquelas adoptadas pelas convençõese alheias a essa imagem eternamente anunciada pela propagandapela publicidade como sendo a linha de flutuação da existênciacriativa. Salvemo-nos da sua violência e manipulação de conceitoscom que este texto lida: a beleza, o acaso, a instabilidade,estímulo, a troca ou a procura, e, chegado a esse momento, vamosdefinir urgentemente os seus significados e lutemos por elesessa nova ordem que os deprecia e insulta.

organização ede uma

fruto dodesorganização

direcção de

de umacondições de

da novatomam

durante asinstável

sistema deque, em

que as

equilíbriode umobjecto

Edifício de Apartamentos, Durango - no.mad©

Praça Deserto em Barakaldo, Espanha (1999-2002) - no.mad©

objectopensamento –

constantemente

estesreflexo derecordar-

e naspróprias

carácterequilíbrio que

entãoconvenções

propaganda eexistênciaconceitos

instabilidade, ovamoscontra

Complexo Desportivo Municipal, Dinamarca (1999) - no.mad©

“Transgénicos”(fotografia de Filipe Jorge, cortesia de Argumentum in Portugal Visto do Céu, Lisboa, Argumentum, 2007)

“Transgénicos”

Perante uma imagem como esta é difícilconservar a serenidade: nem cidade, nem campo, nemurbano, nem rural... Parece, por isso, que a primeira questãoé a de encontrar uma codificação, uma palavra – umconceito, para os mais desejosos de cientificidade - queidentifique uma qualquer identidade designável e que possaser partilhada. A abordagem mais comum é de ver aqui uma“não coisa”:

- a não-cidade para os que com isso entendem umaideia de cidade como um “interior”, um artefacto construídoconfinável, com formas e limites mais ou menos legíveis eestáveis. Por simplificação, quando a construção se espalha,quando o urbano se torna extensivo e fragmentário, quandonão se intui imediatamente um princípio de ordem, chama-sea isso periferia ou subúrbio, como modo de exorcizar ainquietação, separando a boa da má cidade, a bonita da feia,inquietação, separando a boa da má cidade, a bonita da feia,a cidade perfeita da imperfeita. Em todo o caso, parece aindaque com este nome ou adjectivação se intui que essasdesignações se aplicam a coisas, morfologias que possuemum certo estado de flutuabilidade, em direcção a umaestabilização que mais tarde ou mais cedo tomará formascanónicas e “estruturadas”; é engano...

- o não-rural, cujos traços genéticos e identitários aindasão visíveis no impropriamente chamado “verde”: o verdedos campos e das bouças de pinhal, o castanho das terraslavradas, as vinhas, os rios. Quem assim vê, vê comnostalgia, com lembranças de um mundo idealizado onde asociedade (rural) e a economia (agrícola), compunham umquadro pitoresco e bucólico, uma paisagem de calendárioalgures numa Arcádia de mundos perfeitos e paraísos maisou menos perdidos. Também não.Quando a actividade agrícola muda e ao mesmo tempo seperdem as longas estabilidades que caracterizaram aspaisagens e as sociedades rurais, também já não se sabebem que coisa seja o “rural”. A actividade agrícola, essapode oscilar entre aquilo que faz um empresário agrícoladentro de uma estufa genérica, o que fará um outro napaisagem patrimonializada do Douro Vinhateiro, ou um “novorural” à volta com as suas cogitações biológicas e

“Transgénicos”“Transgénicos”Álvaro Domingues

sustentáveis dentro de um talhão de hortas num parqueurbano. Aqui na foto há muita horta em quintais de traseiras,algumas vinhas especializadas e, algures, um turismo ruralque já não vive da agricultura, e algumas torres de alta-tensãoa calcar nos campos;

-a outra possível “não-coisa” é a indústria, sobre rio,sobre a estrada ou mais ou menos arrumada num parqueindustrial. Não se vislumbra nenhum cenário de “cidadeindustrial” para alimentar o imaginário convencional daindustrialização fazedora de cidades, a drenar mão de obrados campos para a depositar nos bairros operários da cidade,cavando assim o fosso entre o rural (abandonado) e o urbano(congestionado). Trata-se de uma industrialização in situ,herdeira do tempo em que as indústrias procuravam fontes dematéria prima (o linho) e factores de produção (água ematéria prima (o linho) e factores de produção (água etrabalho), e depois escoavam produto final pelo caminho deferro que segue a margem do rio.

- outra não-coisa são as vias, estradas, caminhos, vias-rápidas, intrincados sistemas capilares que constituem oprincipal suporte infraestrutural do território e que tanto podemser traçados recentes como lentas reciclagens de(ex)caminhos rurais, estradas entre freguesias, estradasnacionais. Nada que se pareça com as regularidadeshabituais e a clareza dos traçados, talhando quarteirões ouzonamentos modernistas, cruzando-se ou alargando-se empraças, avenidas e alamedas. Existe, no entanto uma malha,uma rede de conexão constituída por suportes infraestruturaisque vão organizando os materiais diversos das construções,dos assentamentos;

- uma última não-coisa pode ser a “natureza”, reduzida acitações residuais sem as grandes construções da estéticaarrebatadora e sublime das montanhas, desfiladeiros, grandesespaços, florestas, mares encapelados ou desertos. Aqui sóhá um rio desencantado, uns renques de pinhais e eucaliptos,uns terrenos onde cresce mato e urtigas. Mal dá para seperceber que é uma veiga, umas terras baixas de fundo devale e umas colinas mal definidas. Pouco sustentável, comodirão muitos, com a má consciência a fugir para o discursosobre a predação, a poluição, o estragamento.

Uma não-coisa é uma identidade construída pela negativa,sem qualidades, insistentemente referenciada pelo rol dasdisfuncionalidades, dos desvios e das perdas. As cidadesdeixaram de ser apenas pontos ou círculos desenhados nummapa e revelam-se agora como manchas descontínuas efragmentadas. A “cidade”, como escreveu Françoise Choay,deu lugar ao “urbano” e essa mutação não é apenas deescala territorial ou de forma. Mudou a verdadeiramente a“condição urbana”, acompanhando a própria mudança sociale as transformações nos modos de se produzir, distribuir,consumir e movimentar-se, etc., nos modos de habitar. Asociedade contemporânea é estruturalmente, como dizDaniel Innerarity, “centrífuga”, e o processo de urbanizaçãoparece demonstrar isso mesmo. A cidade, enquanto modosocial de relação e de organização da política (polis), dosindivíduos e dos seus campos de pertença, já não é umaforma estável, exclusiva e homogénea de conter os lugares,as instituições, os espaços do estar colectivo, da partilha,das práticas quotidianas ou ocasionais do “estar em público”.Por aí se pode também verificar que o “espaço público” é umconceito que denomina cada vez menos os espaços físicosassim tipificados ou catalogados, sendo, cada vez mais, oassim tipificados ou catalogados, sendo, cada vez mais, oespaço físico ou imaterial da esfera pública por onde sedifunde e transaciona aquilo que é socialmente partilhado,das práticas de cidadania, ao gesto mais banal doquotidiano.Existe um certo “des-confinamento” entre a organizaçãosocial (fluída) e o território (fixo). Mais do que a perda daforma ou dos limites (territoriais), é essa questão que maisse sente quando se pergunta aos indivíduos de que lugaresé que são ou de que modo estabelecem relações deidentidade e de pertença com o território. Os mapas mentaisque daí resultam são cada vez mais variados e menosconsensuais.

A cidade extraordinária diluiu-se então na imensidão dasformas edificadas da cidade ordinária (ou genérica, comorefere Rem Koolhaas para denominar o que resulta dasformas globalizadas da sociedade, do mercado, dasreferencias e práticas culturais), espalhando-se tudo damesma maneira em todo o lado, desde as auto-estradas,aos condomínios residenciais de luxo, aos centroscomerciais, ou à pequena casa onde se habita.

Edifício fabril abandonado; Fábrica do Rio Vizela, Vila das Aves, St.º Tirso (foto Filipe Jorge, Arquitectura em Lugares Comuns,

A facilidade da deslocação e a velocidade, anularam o atritoterritorial que produzia a compactação e o confinamento; oespaço dos lugares cede a favor do espaço das relações; oenraizamento convive com a relação fugaz; a homologaçãodos estilos de vida reproduz até ao infinito as mesmas formase referências; socialmente é cada vez mais difícil construirgrandes consensos e quando os há (a consciência ambiental,por exemplo), pode-se partilhá-los de múltiplas maneiras e emtorno de muitas causas, globais ou locais; o cosmopolitismoque ambicionamos, confronta-se de muitas maneiras comlocalismos que não podem ficar incólumes e congelados notempo; realidade e imagem/simulacro convivem sem grandestraumas; liberto das suas amarras, o genius locci, foi para LasVegas e parece não pensar voltar ou volta tão “estrangeirado”,exótico e diferente como nós próprios gostamos de ser nojogo constante e contraditório de identificação e distinção.Contudo, a discussão sobre toda banalidade e desregramentoque impera sobre o urbano e a edificação, obriga-nos areflectir e a nos interrogarmos constantemente sobre umaidéia de “cidade” qualquer que ela seja, e que será algummodo de partilhar e de nos revermos sobre padrões e normassocialmente partilháveis. Identidades, afinal. O uso dosocialmente partilháveis. Identidades, afinal. O uso doadjectivo “sustentável” é, para já e quase que até à exaustão,um desígnio que vemos repetido até ao quase vazio desentido. Queremos espaços urbanos sustentáveis, ambientale socialmente equilibrados, economicamente competitivos,não descaracterizados, bonitos, etc., e o que mais abunda nostextos da especialidade. Queremos talvez demasiado face aoque colectivamente estamos em condições de assegurar. Nãobasta denunciar feísmos e predação na maioria do quevemos, nem, como também acontece, relegar e aceitar tudonuma atitude pós-moderna de sedução pelo banal, peloespontâneo.De pouco me serve atirar a cidade excepcional contra o

urbano genérico (são domesmo mundo), lamen-tar a desagregação dostipicismos do rural tra-dicional odiado porquem nele viveu quasesempre miserável e opri-mido (mas bonito, se-gundo ilustrações defotografias de calendá-rios, relatos pictorescosde viajantes de ontem eprospectos turísticos dehoje).Ao atraso na produçãode nova infra-estrutura,a dinâmica económica epopulacional respondeucom a colonização, ouso intenso da infra-estrutura mínima doterritório: casas e fá-bricas construíram-seonde havia estradas na-cionais e caminhos rur-

ais que ligavam campos e paróquias (freguesias), ondechegava a electricidade e o telefone, onde era possível terágua do rio ou de um poço. A infraestrutura arterial veio tardee subitamente rasgando este mosaico denso e capilar,pressionando ainda mais as terras baixas e povoadas dosvales e das veigas agrícolas. Quase ao mesmo tempo veio aregulação urbanística que não existiu durante séculos ou quese praticou apenas no velho burgo.

Tirso (foto Filipe Jorge, Arquitectura em Lugares Comuns, Ed. Dafne, Porto, 2008)

O espaço delimitado da cidade histórica é uma ínfimaparcela disto tudo, quase estatisticamente desprezível nãofosse o conteúdo admirável do que lá está. Quase tudo oresto é, como se dizia há pouco, inconfinável e sem umagrelha conceptual de aproximação como a que existe (e ébastante consensual) para estudar e intervir na cidadecanónica: a industrialização intensa não produziu a “cidadeindustrial” que vem nos livros; o espaço rural quase não temagricultura economicamente relevante e sempre seorganizou no âmbito do minifúndio e da agriculturapromíscua; os valores naturais são banais e profundamentetransformados por séculos ou milénios de presençahumana; etc. No meio disto tudo, este território sempre foirelegado para uma espécie de purgatório, nuncareconhecido por ser urbano (hoje dizemos que é difuso),nem por conter qualquer padrão-tipo de paisagemtradicional. Feio, portanto, e de difícil compreensão para ostecnólogos e burocratas do zonamento sem “moderno”, daregulação sobre territórios que tem que se encaixar sempreem conceitos disjuntos: urbano, rural, industrial, natural, ou oque seja.O desafio agora é, por isso, o de projectar o “territórioO desafio agora é, por isso, o de projectar o “territóriotransgénico”, nem rural, urbano ou industrial ou não-coisa. Aurbanística sempre procurou algumas metáforas férteis nabiologia, na medicina, nas biomédicas: o metabolismo, opulmão verde, o híbrido, a ecologia urbana, a cidade-corpocom os seus equilíbrios, doenças e anomalias. Vejam-se asideias de PatricK Geddes, um biólogo, geógrafo, urbanistaque escrevia assim a propósito da metrópole londrina:

A metáfora do transgénico pode servir, pelo menos, para

This octopus of London, polypus rather

growth without previous parallel in the world of life – perhaps

this, it has a stony skeleton, and living polypes – call it, then

the main grouping of our cities, twons, villages into conurbations

be a substantially correct description of the general trend

something or the same process in analogous city- regions

A metáfora do transgénico pode servir, pelo menos, paranos afastarmos das metáforas do híbrido – rururbano ouurbanização rural –, buscando outras razões e visões parainterpretar e projectar, sem referencias demasiadoimpositivas sobre a boa forma urbana ou rural, procurandofazer (como sempre o urbanismo e o planeamentoprocuraram) com que o território seja mais funcional ouracional, mais regulável, menos predatório de recursos, maisconfortável.Se for bonito, melhor!

Álvaro Domingues

Texto da comunicação apresentada ao II Fórum Internacional sobre oFeísmo, Galiza, Maio 2007.Patrik GEDDES, Cities in evolution, Routledge, 1997, p.27. (1.ª ed., 1915)

Actualmente este texto faz parte da obra “Arquitectura em LugaresComuns” livro publicado em 2008 pela Editora DAFNE, Porto

Imagens gentilmente cedidas pelo autor

Patrik GEDDES, Cities in evolution, Routledge, 1997, p.27. (1.ª ed., 1915)

rather , is something curious exceedingly, a vast irregular

perhaps likest to the spreadings of a great coral reef. Like

then , a “man-reef” if you will (...) if such interpretation of

conurbations overflwoing or absorbing the adjecent country

trend of present-day evolution, then we may expect to find

regions elsewhere.

Plano das Margens do Ave, St.Tirso, planta de localização. A Fábrica do Teles é o polígono amarelo localizado dentro de perímetro do plano

Fábrica do Teles, estado actual (foto Filipe Jorge, Portugal Visto do Céu, Ed.Argumentum, Lisboa, 2007)

? ?

Caixas Negras

?

?

?

?

Caixas Negras…

?

1

3

fotografia

2

1Auto Europa

Francisco Vieira de CamposPalmela 2005

Luís Martins (2008)

2Edifício Liberty Seguros

Av. Fontes Pereira De Melo, LisboaJoão Pedro Borba (2006)

3Pavilhão do conhecimento

J.L. Carrilho da GraçaParque das Nações, Lisboa 1998

Bruno Ferreira

Envia nos a tua fotografia para [email protected]

Exposição «Pancho Guedes – Vitruvius Mozambicanus» |Museu Colecção Berardo – Arte moderna econtemporânea | 18 Maio a 16 Agosto

Grande parte dos edifícios que Pancho Guedes concebeuestão em Moçambique e datam das décadas de 50 e 60 doséculo XX. Esta é uma exposição retrospectiva sobre a obravasta deste arquitecto, que abrange arquitectura, desenho,escultura e pintura.

Álvaro Siza

Che cosaarquitectura)celebrou o seuuma série deafirmou Francescoimportantes

Assembleia da República | exposição sobre o Arqto. Ventura31 de Julho.Por ocasião da reabertura da Sala das Sessões, a Assembleiaexposição “Arquitecto Miguel Ventura Terra(1866-1919) ”, emprojecto original do Hemiciclo inaugurado em 1903. A exposiçãonúcleos fundamentais que pretendem caracterizar diferentes aspectosVentura Terra e aprofundar o conhecimento da história do edifício

VISITAS GUIADAS À EXPOSIÇÃO:Segundas e terças-feiras: 10h, 11h, 15h e 16h. Quartas e quintasSextas-feiras: 15h e 16h.

What Are You DoingNa primeira semanapersonalidade da arquitecturapublicamente os seusestejam a desenvolverexperiências,

Convidados das primeiras sessões: 2 de Abril – Pedro Domingos | 8 de Maio Veríssimo + Diogo Burnay

Exposição «Praças da Europa, Praças para a Europa» |Plaza, Rua Viriato, 13 | até 30 AbrilA mostra «Praças da Europa, Praças para a Europa» apresentacasos de renovação do espaço público em países da União Europeiaconsiderados «representativos de boas práticas de designpreservação das praças no contexto urbano». Esta exposição,entrada livre, é uma iniciativa de cinco países (Espanha, França,Itália e Polónia). Terreiro do Paço : um local que está sempre àde requalificação» Segunda a sexta-feira, 10h-20h.

agenda

Siza Vieira | casa da música, Porto | 23 Abril 2009

ho imparato dall''architettura? (o que aprendi com aarquitectura) é o título da iniciativa com que a revista Casabella

seu octogésimo ano de publicação (1928-2008), que incluiude encontros - uma escolha "in modo non ingenuo" como

Francesco Dal Co na apresentação - de alguns dos maisarquitectos contemporâneos em lugares evocativos.

Ventura Terra | 25 de Março a

Assembleia da República promove aem homenagem ao autor do

exposição está dividida em quatroaspectos da actividade de

edifício-sede do Parlamento.

quintas-feiras: 10h e 11h.

Doing ?semana de cada mês a ordem dos Arquitectos convida uma

arquitectura à qual se juntam três participantes que expõemseus trabalhos – um projecto, um concurso, uma ideia que

desenvolver. Trata-se de um espaço dedicado à partilha dedebate de ideias e de projectos.

das primeiras sessões: Pedro Domingos | 8 de Maio – José Adrião | 5 de Junho – Cristina

Burnay | 2 de Julho – Maximina Almeida + Telmo Cruz

| Picoas

apresenta cincoEuropeia

design eexposição, comFrança, Grécia,

«espera

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