NÃO MEXAM NA MINHA AVALIAÇÃO!
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NÃO MEXAM NA MINHA AVALIAÇÃO!
PARA UMA ADORDAGEM SISTÉMICA DA MUDANÇA PEDAGÓGICA
Philippe Perrenoud*
Mudar a avaliação significa provavelmente mudar a escola. Pelo menos se pensarmos
em termos de mudanças maiores, no sentido de uma avaliação sem notas, mais
formativa, uma vez que as práticas de avaliação estão no centro do sistema didáctico e
do sistema de ensino. Mexer-lhes significa pôr em questão um conjunto de equilíbrios
frágeis e parece representar uma vontade de desestabilizar a prática pedagógica e o
funcionamento da escola. “Não mexam na minha ava1iação!”, é o grito que damos
assim que nos apercebemos que basta puxar pela ponta da avaliação para que o novelo
desfie...
Perante esta constatação, podemos renunciar, podemos fechar-nos no statu quo (apesar
de tudo, “as coisas não estão tal mal como isso”). Podemos enfiar a cabeça na areia,
mergulhar em novas políticas de avaliação sem uma reflexão em tomo dos obstáculos
sistémicos, sem nos preocuparmos com a necessidade de desencadear outras mudanças.
Ou podemos tentar imaginar as interdependências e conceber estratégias de mudança
como conhecimento de causa. Esta é a via que utilizarei aqui, mesmo sabendo que pode
retardar a passagem à acção e que pode fazer com que se desista face à complexidade,
mas sabendo também que é a única via possível.
Mudar a avaliação, é fácil de dizer. As mudanças não têm todas o mesmo valor.
Podemos modificar facilmente as escalas da avaliação quantitativa, a construção das
escalas, o regime das médias, o intervalo entre as provas. Nada disto afecta de uma
forma radical o funcionamento didáctico ou o sistema de ensino. As mudanças que estão
aqui em discussão vão mais longe, no sentido de uma avaliação formativa. Por outras
palavras, uma avaliação que ajuda o aluno a aprender e o professor a ensinar. A ideia
base é bastante simples: a aprendizagem nunca é linear, procede por ensaios, por
tentativas e erros, hipóteses, recuos e avanços; um indivíduo aprenderá melhor se o seu
meio envolvente for capaz de lhe dar respostas e regulações sob diversas formas;
identificação dos erros, sugestões e contra-sugestões, explicações complementares,
revisão das noções de base, trabalho sobre o sentido da tarefa ou a autoconfiança. * Faculdade de psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra (Suiça). “Service de la Recherche Sociologique” (Genebra – Suiça)
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Propus num outro texto (Perrenoud, 1991) uma abordagem pragmática da avaliação
formativa, o que pressupõe uma concepção ampla da observação, da intervenção e da
regulação (\ver Allal, 1988), mas também das latitudes que não ocorrem numa
concepção ortodoxa: usar a intuição ou a instrumentação, conforme as situações, as
urgências, os meios disponíveis (Allal, 1983); reabilitar a subjectividade (Weiss, 1986,
1991) e, sobretudo, ter o direito de proporcionar a avaliação formativa às necessidades
dos alunos, romper com a norma da equidade formal que rege a avaliação certificativa;
a avaliação formativa inscreve-se numa lógica de resolução de problemas: porquê
investir na observação intensiva e no diagnóstico instrumentado se basta a intuição para
dizer que tal aluno está a progredir normalmente? Não posso entrar aqui em
pormenores. Insisto somente num ponto crucial, a articulação necessária entre a
avaliação formativa e a diferenciação do ensino:
“O facto da avaliação formativa estar ligada à diferenciação do ensino não é uma
descoberta quando nos situamos no campo das pedagogias de maestria ou semelhantes
(Huberman, 1988). A avaliação formativa aparece então como uma componente
necessária de um dispositivo de individualização das aprendizagens e de diferenciação
das intervenções e dos meios pedagógicos, e mesmo dos passos de aprendizagem ou
dos ritmos de progressão, ou ainda dos próprios objectivos.
(...) É inútil insistir na avaliação formativa onde não existe nenhum espaço manobra
para os professores, onde a diferenciação não passa de um sonho nunca realizado,
porque as condições de trabalho, o número de alunos nas turmas, a sobrecarga dos
programas, a rigidez dos horários ou qualquer outra imposição fazem do ensino
expositivo uma fatalidade ou quase (Perrenoud, 1991b).
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