Nada é possível sem homens, mas nada se mantém sem ... · político civil sobre as Forças...
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A RELAÇÃO CIVIL-MILITAR NO BRASIL:
UMA ANÁLISE DO PERÍODO DE 1985 A 2006.
MARCIO ROCHA1
Nada é possível sem homens, mas nada se mantém sem Instituições.
Jean Monnet
O estudo das relações entre civis e militares se ressente de pouquíssimas
teorizações (HUNTINGTON, 1996). Esta assertiva nos remete à reflexão de que, sob o
enfoque da instituição militar, ainda é atual o questionamento seguinte: as Forças Armadas,
como profissão, defrontam-se com uma crise: de que modo organizar-se para atender às suas
múltiplas funções de intimidação estratégica, guerra limitada e maior responsabilidade político-
militar? (JANOWITZ, 1967)
Torna-se importante a compreensão de qual o real papel das Forças Armadas e, no
nível político, como deve ser conduzido o relacionamento entre os militares e as autoridades
civis democraticamente eleitas. Para isso, é essencial considerar, sempre, que “as instituições
militares de qualquer sociedade são moldadas por duas forças: um imperativo funcional, que se
origina das ameaças à segurança da sociedade, e um imperativo societário, proveniente das
forças sociais, das ideologias e das instituições dominantes dentro dessa mesma sociedade. É
na interação dessas duas forças que está o nó do problema das relações civis e militares”
(HUNTINGTON, 1996). Em conseqüência, o sucesso nessa interação implica em considerar
que “qualquer sistema de relação civil-militar envolve um complexo equilíbrio entre
autoridade, influencia e ideologia dos militares, por um lado, e autoridade, influencia e
ideologia de grupos não-militares, por outro” (HUNTINGTON, 1996).
É consenso entre estudiosos, acadêmicos e políticos, que na sociedade onde
predomina um sistema democrático de governo, a forma mais efetiva de se obter o controle
político civil sobre as Forças Armadas seria a de propiciar as condições para que estas possam
se dedicar aos problemas técnicos e profissionais sob suas responsabilidades, tendo a
1 Doutor em Ciência Política. Professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos (PPGEST) da Universidade Federal Fluminense. [email protected].
2
necessária autonomia para tratar de tais questões. Em tese, isso criaria o ambiente para mantê-
las afastadas das questões políticas.
Esta é uma questão complexa e que exige maturidade política. Nessa relação, a
maturidade e o nível político envolvido são enfatizados, também, por Janowitz, quando afirma
que “o controle civil dos assuntos militares continua intacto e, como conceito,
fundamentalmente aceitável pelas Forças Armadas; qualquer desequilíbrio nas contribuições
militares a questões político-militares – internas ou internacionais – é, por conseguinte,
frequentemente resultado de omissão por parte da liderança política civil (JANOWITZ, 1967).
No caso específico do Brasil, verifica-se, ainda, a carência de estudos que possam
apresentar, com um razoável grau de confiança, as reais condições e os fatores que
influenciam, ou influenciaram, no relacionamento civil-militar, ao se considerar os parâmetros
estabelecidos por Janowitz e Huntington. A percepção da maioria dos brasileiros sobre a
relação civil-militar é bastante tênue (OLIVEIROS, 2008). De acordo com Celso Castro,
“continua a haver um déficit de pesquisas sobre o mundo militar, daí compreender-se pouco o
funcionamento dessas instituições. Durante muito tempo, havia grande rejeição do meio
acadêmico em se estudar o assunto, como se isso fosse sinônimo de adesão ideológica ou
poluição moral. Nada mais equivocado” (CASTRO). Também Ramalho, em seus estudos,
enfatiza que “a própria destinação das Forças e suas dimensões, suas hipóteses de emprego, seu
orçamento, suas condições de interoperabilidade, tudo reclama discussão mais ampla e
profunda. E o público interessado é escasso; os interlocutores qualificados são raros
(RAMALHO, 2010)”.
Foi considerando as dificuldades presentes no adequado entendimento dos fatores que
influenciam na relação civil-militar, que o objetivo proposto para esta pesquisa foi o de
contribuir para o estudo da relação entre o poder civil e as Forças Armadas, no Brasil, no
período compreendido entre os anos de 1985 e 2006. O principal intento foi o de verificar
como as transformações políticas, ocorridas nesse período, influenciaram na relação entre o
poder político e as Forças Armadas. A tese central da pesquisa é que houve um ganho e
resultados positivos na relação entre políticos e militares, em função da consolidação de um
processo democrático no período de 1985 a 2006.
A TEORIA SOBRE A RELAÇÃO CIVIL-MILITAR.
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Uma obra que se tornou referência e base para as discussões sobre a relação civil-
militar foi o “Soldado e o Estado: teoria política das relações entre civis e militares”, de
autoria de Samuel Huntington, editada em 1957. Considerado um pioneiro nessa discussão,
Huntington aborda a relação entre o poder político (Estado) e os militares (Forças Amadas),
destacando o “profissionalismo militar” como um método para harmonizar os freqüentes
conflitos entre política e militares.
Considerava Huntington que o “profissionalismo militar” seria uma solução para a
permanente ameaça da ascendência do poder militar sobre o poder civil. O que prevalecia nas
argumentações deste autor é que as políticas relativas ao setor de segurança e defesa, aí
incluídas as Forças Armadas, e de acordo com as necessidades do Estado, deveriam ficar sob
controle e responsabilidade das autoridades políticas civis eleitas em um processo democrático.
Nesse caso, ao militar profissional caberia apenas se dedicar aos estudos e às práticas para o
desenvolvimento técnico-profissional das Forças Armadas.
Portanto, o controle político civil das Forças Armadas é a questão central nos
argumentos de Huntington. Ao afirmar que a responsabilidade pelos problemas do setor de
defesa, e a tomada das grandes decisões estratégicas, é da liderança política civil, coloca em
perspectiva a relação entre o poder político civil e o das Forças Armadas. No entanto, para que
isso possa ocorrer implica em que este seja subordinado àquele.
As opções apresentadas por Huntington para maximizar o poder político civil, e em
contrapartida minimizar o poder das Forças Armadas, foram o controle civil subjetivo e o
controle civil objetivo.
O controle civil subjetivo ocorreria pela “civilização” das Forças Armadas, ao
estimular o envolvimento dessas na política institucional. No entanto, essa forma de controle
mostrou-se impraticável, sendo que um maior envolvimento político das Forças Armadas
poderia levar a uma manipulação das mesmas por grupos políticos diversos.
O controle civil objetivo foi a opção que se tornou mais viável na ótica de
Huntington. O controle civil objetivo seria alcançado pela profissionalização das Forças
Armadas, direcionando os esforços da mesma para as atividades técnicas e de incremento da
capacidade militar. Com isso, os militares não teriam razões para interferências em assuntos
políticos. As ideias defendidas por Huntington, quanto à questão da profissionalização militar
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foram motivo de críticas, em função de aspectos que não teriam sidos considerados por este
teórico.
O sociólogo Morris Janowitz (JANOWITZ, 1967), autor da clássica obra “O Soldado
Profissional: um estudo social e político”, editada em 1960, foi um desses críticos. As
preocupações de Janowitz, além da referente ao controle civil, também aborda a complexa
questão da manutenção da habilidade e capacidade militar de responder às necessidades de
segurança e defesa do Estado. Ao contrario de Huntington, argumenta que a criação de
mecanismos para criar Forças Armadas apolíticas, de modo a assegurar o controle civil, é um
argumento sem base na realidade.
Janowitz defende que o aspecto referente à profissionalização militar é influenciado
pela variação temporal. A profissionalização militar se modificaria com o tempo e seria
influenciada pelas condições históricas e sociais em que se inserem as Forças Armadas.
Também, ressalta que as Forças Armadas constituem um grupo de pressão único, devido à
dimensão dos recursos que controlam e fortalecido pela gravidade de suas funções. Além disso, a
formação unificada e a forte característica de coesão interna incrementam ainda mais a posição
como grupo de pressão. Este argumenta que na classe militar existem as mesmas divergências
que a sociedade apresenta em relação a diferentes problemas sociais, políticos, econômicos, etc.,
pois, afinal, os militares são parte integrante desta mesma sociedade que defendem.
Ao considerar-se o cerne da relação civil-militar, ou seja, como harmonizar o poder
político civil em relação ao poder militar, torna-se destacada a afirmativa de Huntington de que a
verdadeira causa das intervenções militares não é militar, mas política, sendo que essa causa
reflete falhas na estrutura político institucional da sociedade. Também Janowitz apresenta
argumento semelhante, quando diz que qualquer desequilíbrio nas contribuições militares a
questões político-militares é, por conseguinte, frequentemente resultado de omissão por parte da
liderança política civil.
A contribuição de Huntington foi apresentar uma teoria do controle civil objetivo
sobre as Forças Armadas, enquanto Janowitz apresentou uma teoria com enfoque cívico-
republicano, onde defendeu uma maior interação entre a sociedade civil e a militar, de modo a
existir uma maior participação cívica das Forças Armadas.
RELAÇÃO CIVIL-MILITAR – O CASO DO BRASIL
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No caso do Brasil, a influência dos militares na política foi um fato recorrente em todo
o período republicano. No período em que prevaleceram no Brasil governos autoritários2
(1964-1985), Alfred Stepan, cientista político e pesquisador das relações civil-militar no
Brasil, identificou no militar brasileiro características de profissionalização que criaram as
condições para um expansão daquilo que os militares compreendiam como seu papel na
sociedade civil e política. Segundo Stepan, os militares começaram a identificar
incompetência na liderança civil para a formulação e execução de políticas públicas como
uma das causas do subdesenvolvimento e, em conseqüência, fator de fragilidade para a
segurança nacional. Essa compreensão teria provocado a progressiva intromissão militar na
condução dos assuntos de Estado. A partir de então, emerge um perfil profissional que Stepan
chama de "novo Profissional militar da segurança interna e do desenvolvimento nacional"
(STEPAN, 1986)
Portanto, no início do governo de transição, em 1985, a grande discussão política girava
em torno de dúvidas quanto à continuidade da autonomia militar na política. De acordo com
Zaverucha, o Estado brasileiro continuava a ser autoritário em vários de seus componentes,
embora a democracia procedural estivesse em vigor. Considerava que essa discordância -
refere-se ao fato de alguns acreditarem que os militares não mais teriam participação política, e
outros não - repercutiria sobremaneira na discussão sobre a (im)possibilidade do
estabelecimento de um controle civil sobre os militares e na perspectiva dos limites da (falta
de) consolidação democrática (ZAVERUCHA, 2003).
Sobre o período de transição, observa-se nas palavras de Ramalho o seguinte: a
transição democrática não reduziu a distância entre civis e militares no Brasil, estes se
fecharam em seus quartéis e se calaram; aqueles, por muito tempo, não quiseram se aproximar
das Forças Armadas, ou por não verem vantagens imediatas nisso, ou por preconceito, com
medo de terem sua imagem associada a um passado que a sociedade reluta em enfrentar.
Quanto ao futuro, os incentivos de curto prazo para se aproximar das Forças são restritos
(RAMALHO, 2010).
2 Para diferenciar de governo totalitário, Boris Fausto classifica o governo autoritário como um produto das condições políticas vigentes no século XX, caracterizando-se, negativamente, por menor investimento em todas as esferas da vida social; pela inexistência de uma simbiose entre Partidos e Estado, sendo o primeiro, quando existente, dependente do último; e, pelas restrições à mobilização das massas. Fausto, Boris. O pensamento nacionalista autoritário.
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No entanto, a despeito das expectativas negativas anteriormente citadas, um
levantamento dos eventos políticos no período de 1986 a 1991, permitiu verificar um gradual
afastamento dos militares na participação de assuntos políticos.
Como forma de ilustrar esses eventos, caracterizados por declarações de militares, é
possível destacá-los conforme registrados no gráfico 1, onde pode ser visualizada uma
tendência de queda na influência militar na política nacional. O período de 1986 a 1991 foi
escolhido em função de o Brasil já se encontrar sob regime democrático, condição fortalecida
com a promulgação da Constituição Federal, portanto com regras democráticas claras e em fase
de consolidação. A escolha desse período foi reforçada, também, pelo fato de ter ocorrido o
impeachment de um Presidente da República, em 1992, de forma democrática e sem
sobressaltos políticos e interferências militares, e isso mostrar que a transição política estava
realmente fortalecida.
As notícias com enfoque político e de Defesa são aquelas em que se verificaram a
participação direta de autoridades militares, sejam emitindo opiniões, sejam defendendo as
posições e as necessidades das instituições militares. Embora no período considerado, o Brasil
já estivesse sob as regras de um governo democrático, as criticas ou as opiniões das autoridades
militares despertavam interesses da imprensa em geral, em função da influência que ainda
exerciam na política; e no caso dos assuntos de defesa, pelo nível de conhecimento profissional
sobre os mesmos, em contraste com conhecimentos semelhantes encontrados em autoridades
civis, além da baixa priorização política dada aos mesmos.
Gráfico 13
3 A escolha desses veículos baseou-se na necessidade de se obter um equilíbrio entre as posturas dos mesmos. O jornal Folha de São Paulo tem uma visão liberal, adotando uma posição crítica quando se trata das Forças Armadas. Por outro lado, o jornal O Estado de São Paulo apresenta uma postura conservadora, apresentando uma defesa da existência de Forças Armadas modernas e fortalecidas.
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Os assuntos classificados como políticos referiam-se ao posicionamento das lideranças
militares sobre questões variadas, tais como os trabalhos da Constituinte, a lei de anistia e de
segurança nacional, o conflito agrário, o orçamento, a crise econômica, o problema salarial, etc.
Os assuntos classificados como de Defesa referiam-se a problemas e necessidades específicas
de Defesa ou das Forças Armadas. Os principais temas tratados pelos militares referiam-se ao
projeto do submarino nuclear brasileiro, às necessidades de reequipamento das Forças
Armadas, ao projeto Calha Norte, à situação da obsolescência dos armamentos das Forças
Armadas, à redução do orçamento militar, às necessárias ações das Forças Armadas na
Amazônia, às questões de guerrilhas na fronteira norte, etc.
O importante a ser destacado é que existiu um gradual declínio na participação das
lideranças militares em pronunciamentos com teor político nesse período. As declarações
políticas envolvendo as Forças Armadas foram, gradativamente, sendo absorvidas pelas
lideranças políticas. Com o advento do Ministério da Defesa, em 1999, os pronunciamentos
militares quase desaparecem. Isso mostra que, à medida que as instituições democráticas se
consolidavam, existiu um natural afastamento e perda de espaço político para as lideranças
militares no cenário político.
A análise acima descrita pode ser comprovada pelo fato político envolvendo o
impeachment do Presidente Collor em 1992. Ao contrário das expectativas de alguns teóricos,
os eventos em si mostraram o distanciamento militar daquele importante fato político. De
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acordo com Celso Castro, “contrariando uma histórica “vocação messiânica”, os militares se
mantiveram em posição estritamente institucional, sem pronunciamentos ou ameaças de golpe
ou intervenção a pretexto de “salvar” quer o presidente, quer a nação. Este foi o “batismo de
fogo” dos militares na nova democracia. Apesar da expectativa geral de que iriam tomar
alguma atitude contra ou a favor do impeachment, os ministros militares limitaram-se a dizer
que seu papel era o de respeitar a Constituição e o processo político legal” (CASTRO,
MARIA CELINA, 2001).
PODER POLÍTICO E FORÇAS ARMADAS
A postura política referente às Forças Armadas e questões de Defesa, no período
imediatamente pós 1985, pode ser definida como de distanciamento e baixa prioridade política.
A pesquisa apontou para dois momentos distintos relacionados às Forças Armadas: o primeiro
ocorrido entre 1985 e 1995, e o segundo entre 1996 e 2006.
O primeiro momento foi marcado por um distanciamento e baixo interesse político
pelos temas envolvendo as Forças Armadas. O que se destacou nesse primeiro momento foi a
instabilidade política de um governo de transição; pela sombra da existência de uma tutela
militar ao governo; pelas discussões envolvendo os trabalhos de uma Assembléia Constituinte;
por discussões sobre mudanças na Lei de Segurança Nacional; pelos debates sobre as primeiras
eleições democráticas que ocorreriam em 1989; pelo impeachment de um Presidente da
República; por instabilidades nas áreas econômicas e sociais, etc. O segundo momento pode ser
caracterizado como aquele em que tem início um processo de obtenção do controle político,
ainda que gradual, dos debates e das atividades relacionadas com as Forças Armadas e a Defesa
Nacional.
Primeiro momento (1985 a 1995) - Uma forma de aferir o interesse político pelos
problemas relativos às Forças Armadas e à Defesa Nacional foi, dentre outros, analisar as
mensagens presidenciais enviadas anualmente ao Congresso Nacional. O conteúdo dessas
mensagens, relativas ao período de 1985 a 1995, permitiu verificar que a temática Defesa não
teve a devida atenção política do governo, quando comparado com assuntos de maior interesse
e intensidade política e social naquele momento.
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Não foi possível identificar uma ação coordenada pelo Governo Federal relativa a
orientações normativas ou políticas sobre as atividades a serem executadas pelas Forças
Armadas. Apesar disso, verificou-se que as ações desenvolvidas pelas forças militares
apresentavam uma forte consistência quanto aos objetivos de modernização, reequipamentos,
incrementos na capacidade operacional e, algumas vezes, quanto à definição de uma ação
estratégica para o emprego da força. É possível constatar que esse procedimento, onde cada
Força apresentava suas atividades de forma isolada, se encerra em 1993. Também, é possível
constatar que, em 1994 e 1995, não foi encontrada nenhuma referência às Forças Armadas
nessas Mensagens.
Segundo momento (1996 a 2006) - O segundo momento representa o período em que
o poder político começa, de forma gradual, a se engajar e a buscar um controle dos debates e
das atividades relacionadas com as Forças Armadas. Nesse segundo momento, verificou-se o
ineditismo da edição da primeira Política de Defesa Nacional brasileira em 1996. Foi um
período em que autoridades do Poder Executivo, principalmente Ministros de Estado, também
de forma inédita, foram questionadas por representantes do Legislativo sobre questões e
problemas afetos às Forças Armadas e área de Defesa. Igualmente, esse período foi marcado
pelas discussões sobre a criação do Ministério da Defesa; pelas discussões sobre o papel das
Forças Armadas na nova Constituição; pela realização de seminários sobre Defesa Nacional,
ocorridos em 2003, no Ministério da Defesa e em Itaipava; pelas primeiras diretrizes políticas e
militares para as Forças Armadas; pela edição da segunda Política de Defesa Nacional em
2005; pelas discussões e decisão política sobre a participação das Forças Armadas brasileiras
em missões de paz, etc.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Em que pese os avanços verificados no período de 1996 a 2006, verifica-se que os
mesmos foram desenvolvidos em um ambiente instável, em função do relacionamento da
classe política com as Forças Armadas, no Brasil, sempre ter sido conflituoso. Uma
explicação para esse distanciamento foi a permanente instabilidade política que prevaleceu no
Brasil durante todo o período republicano. Figueiredo registra que “a história republicana do
Brasil, marcada por intermitentes rupturas institucionais, não obstante racionalizadas por
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persistente retórica impregnada por valores republicanos e democráticos, não pôde apresentar
políticas de Estado, duradouras e persistentes, em relação à defesa e à segurança internacional
capazes de produzirem as devidas conseqüências a médio e longo prazo” (FIGUEIREDO,
2007).
Um exemplo marcante desse conflito encontra-se nos trabalhos da Assembléia
Constituinte (1987-1988). Ao ser debatido o papel das Forças Armadas, uma forte resistência
à área militar foi levantada, incluindo propostas de extinção das próprias Forças Armadas.
Jobim afirma que “o tema foi marginalizado durante os trabalhos da Assembléia Constituinte,
pois as lideranças emergentes não queriam tocar em nada que pudesse vinculá-las ao regime
anterior – nada que pudesse identificá-las com o “entulho autoritário” (JOBIM, 2008).
Os estudos de Oliveira & Soares registram com clareza o clima reinante naquele
período:
[...] de um lado, embora com pouca repercussão, manifestaram-se teses sobre a falta de necessidade do aparelho militar. Em outras palavras, as Forças Armadas poderiam ser extintas pelo bem do Brasil. [...] Não havendo prosperado na Constituinte, poucos anos depois voltou com alguma expressão em conseqüência da vitória dos Estados Unidos na Guerra Fria. Se não mais havia uma divisão no mundo, o Brasil poderia prescindir da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, destinando-se para políticas de forte conotação social os recursos antes empregados na defesa. (OLIVEIRA & SOARES, 2000).
Em relação ao sentimento dos constituintes sobre as Forças Armadas, as palavras de
Murilo de Carvalho complementam as registradas por Oliveira & Soares: [...] se não é sensato nem realista defender, como fazem alguns, a inutilidade de forças armadas nas condições atuais, deve-se reconhecer que elas consomem recursos avultados e precisam ter seu novo papel discutido, justificado e definido. [...] a discussão, justificação e definição do papel das Forças Armadas em regime democrático cabem à sociedade e a seus órgãos de representação, tanto quanto a elas próprias (OLIVEIRA & SOARES, 2000).
Nesse conflito, envolvendo a importância e o papel das Forças Armadas, registram-se
duas posições antagônicas, a da classe política e a da sociedade e estudiosos. Contrastando com
a visão da sociedade sobre as Forças Armadas, verifica-se na classe política um enfoque
diferente a respeito desta Instituição. Uma razão básica para o comportamento da classe política
reside nas transformações históricas de nosso país, que em função da permanente instabilidade
política no período republicano e das freqüentes intervenções militares, via nas Forças Armadas
um ator político adversário, portanto, que representava uma ameaça.
Por outro lado, uma percepção da sociedade sobre a contribuição das Forças Armadas
naquele período pode ser verificada nas palavras de José Murilo de Carvalho, qual seja: a prova
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da modernização está no fato de que o Brasil saiu dos governos militares como um país
capitalista, industrializado e urbano, com boa infraestrutura de energia, transporte e
comunicação, muito distante daquele que os tenentes encontraram quando chegaram ao poder
em 1930. (MURILO DE CARVALHO, 2005).
Ramalho também registra a visão da sociedade sobre as Forças Armadas. Apresenta que
a relevância dos militares na política nacional sobressai tanto por suas ações diretas como pelas
indiretas. A despeito das sombras ainda existentes quanto ao período 1964-1985, as Forças
Armadas figuram, sistematicamente, entre as instituições mais respeitadas pela sociedade
brasileira, em companhia da imprensa e da Justiça, mas, nos dois casos, com mais do dobro dos
índices de confiança. Nessas pesquisas, os políticos, seus partidos e o Congresso Nacional
aparecem nas últimas posições. (RAMALHO, 2010).
Ao buscarmos as origens da conflituosa relação civil-militar, em nosso País,
encontramos algumas evidências que confirmam as afirmativas de Huntington e Janowitz, ou
seja, de que “verdadeira causa das intervenções militares não é militar, mas política, sendo que
essa causa reflete falhas na estrutura político institucional da sociedade”, e, que “qualquer
desequilíbrio nas contribuições militares a questões político-militares é, por conseguinte,
resultado de omissão por parte da liderança política civil”,
Esse conflito e postura ficam claro no questionamento de Trevisan: “porque foi possível
que um único segmento da sociedade, que deveria somente cuidar da Defesa, tivesse tal
importância na história contemporânea brasileira? (TREVISAN, 2005); ou pelo
questionamento de Eliezer Rizzo: “por que a sociedade civil, o governo e o Legislativo relegam
o aparelho militar ao seu próprio cuidado, como se os temas militares fossem ‘coisas de
milicos’, não merecendo um tratamento efetivamente nacional? (OLIVEIRA, 1996); ou ainda,
pela afirmativa de Murilo de Carvalho: “entre os governantes, não há sinal de mudança
substantiva na postura tradicional de conivência e omissão. [...] O Congresso mantém sua
posição de omissão e incompetência em assuntos militares. (MURILO DE CARVALHO,
2005).
Assim, a ausência de interesse político pelos problemas referentes às Forças Armadas e
Defesa resultou em estímulo à participação dos militares em áreas que deveriam ser exclusivas
e de responsabilidades da classe política. Conforme visto anteriormente, a cultura vigente na
classe política foi negativa e, também, contribuiu para a manutenção de uma relação civil-
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militar conflituosa. Segundo Eliezer Rizzo, “há muito de verdadeiro nas afirmações de que a
sociedade brasileira é desarticulada e que esta desarticulação tem sido responsável pelo espaço
político preenchido pelas intervenções militares” (OLIVEIRA, 1994), ou ainda, quando diz que
“é comum às formas institucionais das relações civis-militares, no Brasil, o perfil
acentuadamente tímido, ineficiente e irresponsável mesmo do Congresso Nacional no tocante à
temática militar. A sociedade civil manifesta-se de modo semelhante” (OLIVEIRA &
SOARES, 2000). A seguinte afirmativa de Murilo de Carvalho, também aponta nesse sentido:
predomina nos estudos sobre militares, certamente naqueles feitos por civis, a tendência a
atribuir a eles quase que exclusivamente a responsabilidade pelas intervenções na política”
(MURILO DE CARVALHO, 2005).
Outra evidência, registrada por um parlamentar, o Deputado Raul Jungmann, ex
Presidente da recém criada Frente Parlamentar de Defesa, torna ainda mais significativo o
distanciamento da classe política dos assuntos referentes às Forças Armadas.
o próprio Congresso Nacional tem sua parcela de culpa nessa situação, já que vem se eximindo de atuar com mais firmeza nessa área. Muitos parlamentares não enxergam estímulo para se dedicar ao tema. Até porque as políticas externa e de Defesa não dão votos, cargos e não proporcionam emendas (JUNGMANN, 2009).
Essas evidências, além de inúmeras outras obtidas por esta pesquisa, levam ao
encontro da posição de Eliezer Rizzo, de que o sistema político brasileiro não conseguiu
equacionar adequadamente as relações de autonomia e controle do aparelho militar, até porque
raramente lhe atribuiu funções claramente definidas. A sociedade parece dar-lhes as costas
mesmo no regime democrático (OLIVEIRA, 1994), ou com a posição de Pesce & Silva,
quando defendem que a elite política brasileira nunca viu os militares como servidores do
Estado, mas como adversários na disputa pelo poder no campo interno. Por isso, investimentos
na área de defesa foram sempre considerados "desperdício de recursos" - ou até mesmo
"munição para o inimigo (PESCE & SILVA, 2007).
Nesse contexto, ao considerarmos o que diz Samuel Finer, estudioso das relações
civil-militar nos países em desenvolvimento, encontramos a defesa de que, para que as forças
armadas não intervenham na política devem acreditar num princípio da supremacia civil, a qual
em países com baixo nível de cultura política não é hegemônico (FINER, 1975).
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Relativo ao problema cultural influenciando a relação civil-militar é interessante
observar a seguinte posição de Thomas-Durell. Afirma este pesquisador que,
fundamentalmente, as diferenças culturais e as condições existentes entre os lideres políticos e
militares serão sempre as fontes de tensão nas democracias. Os politicos circulam em
ambientes de incertezas e ambiguidades e encontram oportunidades de sucessos em tais
condições e onde são mestres. Os militares, por outro lado, sempre buscam obter clareza nas
missões a eles atribuídas, além de certeza das condições em que isso ocorrerá. Na guerra, uma
falha em qualquer destas condições pode resultar em uma decisão falha e consequencias
devastadoras. (THOMA-DURELL, 2006)
O que se verificou nesse cenário, ainda de forma parcial, foi a existência de uma classe
política brasileira com baixo nível de interesse pela temática envolvendo Forças Armadas e
Defesa. Em conseqüência, isso gerou um “vazio político” e, naquilo que se aplica à questão da
relação civil-militar, as Forças Armadas não vendo seus anseios atendidos, principalmente no
que consideravam essencial ao cumprimento de sua missão constitucional, tomavam a
iniciativa de, politicamente, expor suas idéias e necessidades sobre o que achavam correto para
a área de Defesa e para as instituições militares. Isso é corroborado pelas teorias de Huntington,
Janowitz e Finer, além de outros teóricos.
CONCLUSÃO
A instabilidade política foi uma constante durante todo o período republicano brasileiro.
Nessa instabilidade estiveram presente o necessário amadurecimento da sociedade brasileira,
assim como de sua classe política. Aliado a essa situação, a falta de ameaça ao território ou à
soberania brasileira influenciou no comportamento da classe política quanto a um desinteresse
pelos assuntos de Defesa e das Forças Armadas.
O desinteresse da classe política pelas Forças Armada teve como consequencia a falta
de uma orientação política quanto à importancia e ao papel dos militares para o Estado
brasileiro. A instabilidade política, a falta de amadurecimento da classe política, a falta de
diretrizes políticas para as Forças Armadas, teriam contribuído para que a relação civil-militar
fosse conflituosa durante todo o período republicano, ao considerarmos os parâmetros
estabelecidos por Huntington e Janowitz. Nessas condições, dificilmente o controle político
civil objetivo poderia ocorrer.
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Conclui-se, portanto, que o desejado nível na relação civil-militar será proporcional à
qualidade da política desenvolvida na sociedade. O nível político aqui referido significa a
compreensão, valoração e adequação das diretrizes para as Forças Armadas e asuntos de
Defesa, com as consequentes ações decorrentes. Assim, será a existência de atividades políticas
maduras e eficazes que proporcionará as condições para que as Forças Armadas possam
adequadamente se inserir na sociedade e, em consequencia, possibilitar um bom estado na
relação civil-militar como deve ser em um sistema democrático.
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