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Na saúde e na enfermidade: games como história, promoção de vida, e prevenção de doenças Lúcia Lemos* Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (CPS/PUC-SP) RESUMO As reflexões têm como objetivo verificar as práticas de significação em dois games que têm como temática o câncer, em seu aspecto de prevenção e promoção da vida e quando esta se faz fragilizada pela doença. O estudo se constitui a partir de: “That Dragon, Cancer” e “Cancer Combat”. Os pressupostos teóricos da Semiótica estrutural auxiliam a análise. No 1º caso, a aventura gráfica compõe o universo temático da experiência do brincar, adoecer e morrer. Ao jogador, se faz possível exercitar situações corriqueiras e desafiantes do mundo dos adultos, através do faz- de-conta do mundo infantil: dragões imaginários, sombras e formas ameaçadoras. As práticas significantes se tornam marcas para o parecer ser, visto como o sentido da vida e que predomina sobre todos os outros sentidos. O que instiga e prende o jogador é a consequente reflexão que a experiência propõe. Em “Cancer Combat”, as práticas de significação precisam agregar valor, para que jogadores sejam persuadidos, modalizados e passem a crer, a fazer-fazer e possam ser mais competentes em suas questões que envolvem saúde. As temáticas se fazem importantes, ao se considerar os processos e os envolvidos na produção e consumo dos games. De maneira especial, quando há um agravamento da doença, fazendo os sujeitos vivenciarem uma experiência de não vida. Palavras-chave: Game, saúde; vida; enfermidade, câncer. 1 INTRODUÇÃO Videogames normalmente são associados às histórias com heróis, muita ação ou momentos de complexidade. Mas a vida pode apresentar outras situações passíveis de serem vistas e o jogador pode utilizar essas informações para conhecer novas problemáticas, resolver diferentes questões, etc. Apesar de manter seus aspectos mais básicos, como regras e ludicidade, o jogo na sociedade moderna assume diferentes papéis. As narrativas lúdicas são, em grande parte, desenvolvidas com a finalidade de envolver seus participantes em diferentes esferas de ambientação, comunicação e informação, encorajando-os a explorar as práticas de significação, a resolver ou enfrentar desafios, a ingressar em mundos possíveis, [1] auxiliando-os a interagir ou a se envolver com as personagens do jogo. ] Em muitos países, jogos de saúde fazem parte de uma elaboração coletiva do planejamento e execução de ações prioritárias de instituições do Estado, sociedade civil, de universidades, ou produções independentes (indies). Todas essas iniciativas têm o propósito de promover a melhoria da saúde física e psíquica dos cidadãos. Nesse âmbito os jogadores podem adquirir competências para promover a vida e a saúde, se informar mais sobre a temática ou prevenção de doenças ou simplesmente participar da história e se solidarizar, quando as situações se tornam adversas. As reflexões têm como objetivo verificar as práticas de significação 1 em dois games que têm como temática o câncer, em seu aspecto de prevenção e promoção da vida e quando esta se faz fragilizada pela doença. A enfermidade do câncer é apresentada como história em: “That Dragon, Cancer” e “Cancer Combat”. A relevância dos videogames no ecossistema cultural contemporâneo e o seu impacto social tornam necessário desenvolver teorias e modelos analíticos para entender seu potencial expressivo. Por apresentarem textos, figuras e cenários figurativizados, dão forma e sentido a certos valores, visões e padrões culturais e comportamentais. Assim vistos, a Semiótica estrutural se faz aporte teórico para a análise e significação desses games. 2 THAT DRAGON, CANCER Criado pelo desenhista gráfico Ryan, “That Dragon, Cancer[2] é uma experiência imersiva indie, contada em 14 episódios, que tem a saúde e a doença como temática de caráter não ficcional. Parece ser um jogo de aventura que o usuário tem diante de si, para interagir, viver, sentir e buscar significados em diferentes questões de saúde e possíveis transtornos. As interações convidam para a história: é preciso “navegar” pela diagnose, tratamento e desafios da doença do menino Joel que desenvolveu um tipo raro e agressivo de câncer no cérebro por volta dos onze meses e morreu aos cinco anos de idade. As figuras de conteúdo e de expressão simulam o mundo natural e a semântica faz o sujeito fazer - percorrer as diferentes ambiências: parques e jardins ou áreas de tratamento do hospital. As personagens avatares são modelos 3D poligonais que, com exceção do cabelo e óculos, não têm características faciais, mas são humanizadas através de gestos, dublagem e efeitos ambientais, fazendo gerar identificação. Elas representam os pais de Joel, Ryan e Amy, e os profissionais que auxiliam para o bem- estar do pequeno, em uma tentativa de combater o câncer. E se as interfaces do jogo são bem simples, o gameplay se caracteriza como exploração e experimentação. A sensação de presença, em um game, depende do modo como é transmitida e direcionada a informação. Tanto as imagens como as narrativas desempenham papel fundamental para que se faça a imersão e a interatividade. Nesse jogo, a imersão se constitui mais pelo emocional com a história e com as situações que são vividas pelas personagens. As narrativas expressam os momentos da vida que segue, apesar da evolução da doença. O usuário pode assumir o papel dos pais ou a perspectiva de Joel, vendo o mundo através de seus olhos. Podem circular no quarto com Ryan e tentar, de alguma maneira, aliviar o sofrimento de Joel. Isso vai promover e fazer uma mudança no fazer e estado do sujeito para reconquistar a saúde, pela adoção dos diferentes tratamentos que podem amenizar os sintomas da doença. 1 Significação designa ora o fazer (o processo), ora o estado (o que é significado). Pode ser produção de sentido ou sentido produzido. In: AJ. Greimas e J. Courtés. Dicionário de Semiótica. SP: Ed. Contexto, 2011. p. 459. *e-mail: [email protected] SBC – Proceedings of SBGames 2016 | ISSN: 2179-2259 Culture Track – Short Papers XV SBGames – São Paulo – SP – Brazil, September 8th - 10th, 2016 1280

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Na saúde e na enfermidade: games como história, promoção de vida, e prevenção de doenças

Lúcia Lemos*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (CPS/PUC-SP)

RESUMO

As reflexões têm como objetivo verificar as práticas de

significação em dois games que têm como temática o câncer, em

seu aspecto de prevenção e promoção da vida e quando esta se faz

fragilizada pela doença. O estudo se constitui a partir de: “That

Dragon, Cancer” e “Cancer Combat”. Os pressupostos teóricos

da Semiótica estrutural auxiliam a análise. No 1º caso, a aventura

gráfica compõe o universo temático da experiência do brincar,

adoecer e morrer. Ao jogador, se faz possível exercitar situações

corriqueiras e desafiantes do mundo dos adultos, através do faz-

de-conta do mundo infantil: dragões imaginários, sombras e

formas ameaçadoras. As práticas significantes se tornam marcas

para o parecer ser, visto como o sentido da vida e que predomina

sobre todos os outros sentidos. O que instiga e prende o jogador é

a consequente reflexão que a experiência propõe. Em “Cancer

Combat”, as práticas de significação precisam agregar valor, para

que jogadores sejam persuadidos, modalizados e passem a crer, a

fazer-fazer e possam ser mais competentes em suas questões que

envolvem saúde. As temáticas se fazem importantes, ao se

considerar os processos e os envolvidos na produção e consumo

dos games. De maneira especial, quando há um agravamento da

doença, fazendo os sujeitos vivenciarem uma experiência de não

vida.

Palavras-chave: Game, saúde; vida; enfermidade, câncer.

1 INTRODUÇÃO

Videogames normalmente são associados às histórias com heróis, muita ação ou momentos de complexidade. Mas a vida pode apresentar outras situações passíveis de serem vistas e o jogador pode utilizar essas informações para conhecer novas problemáticas, resolver diferentes questões, etc. Apesar de manter seus aspectos mais básicos, como regras e ludicidade, o jogo na sociedade moderna assume diferentes papéis. As narrativas lúdicas são, em grande parte, desenvolvidas com a finalidade de envolver seus participantes em diferentes esferas de ambientação, comunicação e informação, encorajando-os a explorar as práticas de significação, a resolver ou enfrentar desafios, a ingressar em mundos possíveis, [1] auxiliando-os a interagir ou a se envolver com as personagens do jogo. ] Em muitos países, jogos de saúde fazem parte de uma elaboração coletiva do planejamento e execução de ações prioritárias de instituições do Estado, sociedade civil, de universidades, ou produções independentes (indies). Todas essas iniciativas têm o propósito de promover a melhoria da saúde física e psíquica dos cidadãos. Nesse âmbito os jogadores podem adquirir competências para promover a vida e a saúde, se informar mais sobre a temática ou prevenção de doenças ou simplesmente participar da história e se solidarizar, quando as situações se tornam adversas.

As reflexões têm como objetivo verificar as práticas de significação 1 em dois games que têm como temática o câncer, em seu aspecto de prevenção e promoção da vida e quando esta se faz fragilizada pela doença. A enfermidade do câncer é apresentada como história em: “That Dragon, Cancer” e “Cancer Combat”. A relevância dos videogames no ecossistema cultural contemporâneo e o seu impacto social tornam necessário desenvolver teorias e modelos analíticos para entender seu potencial expressivo. Por apresentarem textos, figuras e cenários figurativizados, dão forma e sentido a certos valores, visões e padrões culturais e comportamentais. Assim vistos, a Semiótica estrutural se faz aporte teórico para a análise e significação desses games.

2 THAT DRAGON, CANCER

Criado pelo desenhista gráfico Ryan, “That Dragon, Cancer” [2] é uma experiência imersiva indie, contada em 14 episódios, que tem a saúde e a doença como temática de caráter não ficcional. Parece ser um jogo de aventura que o usuário tem diante de si, para interagir, viver, sentir e buscar significados em diferentes questões de saúde e possíveis transtornos. As interações convidam para a história: é preciso “navegar” pela diagnose, tratamento e desafios da doença do menino Joel – que desenvolveu um tipo raro e agressivo de câncer no cérebro por volta dos onze meses e morreu aos cinco anos de idade. As figuras de conteúdo e de expressão simulam o mundo natural e a semântica faz o sujeito fazer - percorrer as diferentes ambiências: parques e jardins ou áreas de tratamento do hospital. As personagens avatares são modelos 3D poligonais que, com exceção do cabelo e óculos, não têm características faciais, mas são humanizadas através de gestos, dublagem e efeitos ambientais, fazendo gerar identificação. Elas representam os pais de Joel, Ryan e Amy, e os profissionais que auxiliam para o bem-estar do pequeno, em uma tentativa de combater o câncer. E se as interfaces do jogo são bem simples, o gameplay se caracteriza como exploração e experimentação. A sensação de presença, em um game, depende do modo como é transmitida e direcionada a informação. Tanto as imagens como as narrativas desempenham papel fundamental para que se faça a imersão e a interatividade. Nesse jogo, a imersão se constitui mais pelo emocional com a história e com as situações que são vividas pelas personagens. As narrativas expressam os momentos da vida que segue, apesar da evolução da doença. O usuário pode assumir o papel dos pais ou a perspectiva de Joel, vendo o mundo através de seus olhos. Podem circular no quarto com Ryan e tentar, de alguma maneira, aliviar o sofrimento de Joel. Isso vai promover e fazer uma mudança no fazer e estado do sujeito para reconquistar a saúde, pela adoção dos diferentes tratamentos que podem amenizar os sintomas da doença.

1 Significação designa ora o fazer (o processo), ora o estado (o que é

significado). Pode ser produção de sentido ou sentido produzido. In: AJ.

Greimas e J. Courtés. Dicionário de Semiótica. SP: Ed. Contexto, 2011.

p. 459.

*e-mail: [email protected]

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Os arranjos figurativos compõem a cena e vincula conteúdo capaz de fazer o sujeito fazer-querer e sentir, fazer-saber e poder, [3]. O que se mostra são dias de horizontes ensolarados, vales, montanhas e gramado, em uma profusão de tonalidades alaranjadas, verdes vivos (para a vida), beges e azuis (para confortar), faixas violetas de diferentes matizes (para esconder as manchas ou feridas) 2 (Figs. 1 e 2) 3. E o som doce de um piano compõe, também, a cena.

Figuras 1 e 2: Um dia no parque e na beirada do mundo

Em seu aspecto compositivo, a eficácia visual, emotiva e sonora das cores são textos não verbais, que produzem diferentes apreensões de sentidos e significados. A paisagem das primeiras cenas mostra formas e perspectivas de formas triangulares cheias de amarelos e alaranjados (que proporcionam e representam alegria), azuis (que atraem, retém e retardam o movimento cardíaco), verdes (ponto ideal de equilíbrio. [4] A forma geométrica na composição da Fig. 2 é ordenada para que o olhar se volte para a tonalidade amarelo-limão, que dá e representa sensação de alegria; provoca o piscar dos olhos e faz com que estes mergulhem no azul violáceo ou nas profundezas do azul noite (“cor que atrai o homem para o infinito, apazigua e acalma”)_e do verde (Figs. 3 e 4), “que suscita uma impressão de repouso terrestre e contentamento pessoal”. [4]

Figuras 3 e 4: O menino brinca e o pai medita

Ryan emprega sutilezas técnicas, como mudança de

perspectivas entre os personagens. O jogador pode ver Joel descer

do escorregador, em seguida subir novamente. Mas a câmera

pode, também, convocar o jogador para ser ele mesmo aquele que

desce, rodopia ou balança no brinquedo. É a sobreposição de

recursos como estes que gera um dos efeitos de sentido de

pertença no game e cria uma atmosfera de intimidade. À medida que a saúde de Joel fica mais comprometida, as formas geométricas ficam sombrias e carregadas de tonalidades e sombras, que acompanham esse estado do sentir. Na sequência, semelhante a um sonho, em um céu iluminado pelos últimos raios do dia e do início da noite e pontilhado de estrelas, Joel segura balões, que vão estourando quando encontram asteroides com cauda de formas pontiagudas, como espinhos (células cancerígenas) (Figs. 7 e 8). Para depois o céu evidenciar a noite que avança.

2 Estas narrativas e outras a seguir, em itálico, têm como fonte este 1º

game ou transcrições do documentário em: http://gismodo.uol.com.br/bastidores-do-jogo-that-dragon-cancer.

3 Estas e outras imagens a seguir foram capturadas do game That Dragon, Cancer, em: http://www.thatdragoncancer.com/#home.

Figuras 5 e 6: O cotidiano abriga formas e sombras ameaçadorasr

As mudanças no cenário significam situações onde a linguagem não consegue significar o que ocorre no íntimo dos pais - que oscila entre a latência do sofrimento ou entre uma espécie de “luto”, pela gravidade da situação. As formas triangulares cheias de faixas de roxo e de amarelo esverdeado nas Figs. 5 e 6 mostram o efeito de sentido desses dilemas, pois adquirem um caráter doentio, quase espiritual. [4].

Figuras 7 e 8: Sonho ameaçador

É a maneira encontrada por Ryan para mostrar, também, o

avanço do câncer – o olho sente a cor que a doença ameaça. As

cores produzem efeito de sentido psicodinâmico. E o céu se tinge

de violáceo, cor fria, que a noite vai abrigar. [4]

Figuras 9 e 10: Na casa dos homens, a salvação para as ameaças do dragão

E é “na casa dos homens”, o local (Fig. 9) em que os profissionais vão dar início à luta contra o “dragão” (câncer) que, “com suas garras ameaçadoras” ameaça a vida de Joel (Fig.10). O hospital se instala em uma montanha verde-musgo, que tem a luz celeste a emoldurar. A natureza mostrada adquire uma significação que reflete a ressonância interior. As metáforas aproximam o mundo natural com o mundo mitológico e do imaginário infantil. As diferentes tonalidades de azul da Fig 10 evidenciam a ambiência estéril de uma sala do hospital, que abriga o “germe” oculto de cura. Formas ameaçadoras, que parecem ser luvas cirúrgicas infladas como balões, sobrevoam o quarto. Com sua “fome avassaladora” espreitam a débil vida, para se agarrar a ela. A luta espiritual faz parte da experiência, e isso aparece em diferentes situações no jogo. Ryan, por intermédio de uma das personagens-ator “delega o poder” a outro suposto sujeito personagem-ator (o Criador) para a solução para parte do problema: aliviar o sofrimento e a dor causados pela doença (Fig. 11).

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Figura 11: Amor do Pai Criador

A penumbra do aposento é interrompida pela tonalidade verde neon do equipamento prescrito para auxiliar no bem-estar, quando já há um grande mal-estar pelo agravamento da doença. O “tratamento” fluorescente faz parte da rotina da esperança e é um ponto de equilíbrio para os cuidados com a saúde. Mas a vida frágil que se esvai e o arranjo cromático fazem ver um espaço iluminado, pela figuratividade, de uma vida maior, que a janela deixa entrever. Enquanto Joel recebe a medicação, uma música de piano pungente acompanha a cena, e Ryan expressa o sentimento de Joel estar jogando um game que pode não vencer. Sempre com uma melodia simplista, o jogador pode participar de uma corrida, que faz lembrar o game “Mario Kart”, da Nintendo. Em um carrinho motorizado, Joel recebe “estímulo” para a vitória na corrida contra o tumor inimigo (Fig. 12). E Ryan empodera a personagem e o próprio jogador, para que este também participe da corrida. Entre amarelos e alaranjados (que proporcionam alegria), vermelhos (que tonificam para o coração), [4] se adentra em um outro mundo, no qual as coisas imediatamente fazem um outro sentido - do sofrimento para o deslumbramento, de menos vida para mais vida com alegria, mesmo que esse viver e sentir sejam momentâneos.

Figuras 12 e 13: Vencida a 1ª batalha: remédios ao vencedor

Na sequência, o score representa os diferentes remédios a

serem prescritos para combater a doença (Fig. 13). No ambiente virtual do game há, também, inserção de uma batalha-jogo “de um bravo cavaleiro, Sir Joel, perseguido por um dragão de nome câncer, que mora na floresta (que margeia um castelo sombrio), expele fogo e é bem grande” (Figs. 14 e 15). A enunciação constrói o mundo possível e mágico do menino cavaleiro.

Figuras 14 e 15: Joel, o bravo cavaleiro em combate

O game revela e se impõe. É especialmente poderoso, porque não é um trabalho de ficção - cada momento, cada cena inspira reflexão. É esse o poder real do jogo: identificar suas próprias reflexões sobre quem se amou e perdeu e, através destas, instigar uma sensação ainda maior de empatia com os eventos relatados.

3 CANCER COMBAT

“Cancer Combat” tem como finalidade conscientizar as pessoas sobre a prevenção do câncer de mama e a promoção de uma vida saudável. Foi desenvolvido em uma parceria do Curso de Sistemas de Informação da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) e do Instituto Superior de Educação (ISE). As estratégias discursivas dos desenvolvedores são textos que incorporam as performances do jogador. As práticas de significação precisam agregar valor, para que os usuários sejam persuadidos, modalizados e passem a crer, a fazer-fazer e possam ser mais competentes em suas questões que envolvem a saúde e a doença e sua consequente prevenção.

Figura 16: Ícone de apresentação de jogo

Na tela de apresentação, a personagem de um sujeito cientista, com arma em punho vai em direção a um outro, no cenário do combate com o câncer de mama. 4 O texto e o ícone símbolo são marcas figurativas que anunciam e concretizam um contexto: conscientizar as pessoas sobre como combater o câncer de mama. O cromatismo adotado nas telas utiliza a cor rosa pink (Fig. 16), que faz gerar uma identificação com a temática e com o ícone símbolo da “Campanha Mundial de Prevenção ao Câncer de Mama”, e faz aparecer o uso de recurso de intertextualidade, dando ênfase à temática.

Figuras 17 e 18: 1ª ambiência do game e o sujeito-ator personagem em cena

Em seguida, as ações dos protagonistas vêm anunciadas pelas personagens-narradoras em micronarrativas, que trazem aos jogadores o contexto da história, as ações e consequências dos seus movimentos, como se estivesse a contar uma aventura em HQ. A Fig. 17 mostra a primeira ambiência em que a personagem do produtor-narrador se instala: a fachada de um hospital de uma cidade qualquer, no setor de emergências. O dia é figurativizado calmo e ensolarado. Mas a narrativa mostra que “o dia não está muito bom no hospital, muito menos para nosso amigo médico oncologista,” 5 provocando, nos jogadores, um sentimento de um querer saber sobre as sequências que vêm a seguir. O que se mostra é a personagem sujeito-ator, no hábito de leitura do objeto jornal (Fig. 18). O emissor-narrador explica a motivação e o contexto do game. Na Fig. 19, o enunciado arranja o que enuncia. A configuração discursiva, tanto do sujeito-ator como das figuras de expressão

4 Estas e outras imagens a seguir foram capturadas do game Cancer

Combat, em: http://www.unifeb.edu.br/cancercombat 5 Estas narrativas e outras a seguir, em itálico, têm como fonte este 2º

game.

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dispostas no cenário, podem ser vistas como um simulacro das operações sensíveis do sujeito da enunciação, que configura a sua figura discursiva.

Figuras 19 e 20: Enunciado mostra o que é para ser visto e para ser missão para o jogador

A gestualidade da personagem e a expressão facial sinalizam a a descoberta de “uma máquina que vai gerar câncer nas pessoas”. Surge, então, uma outra personagem (Fig. 20), o “seu EU”, o

sujeito ator, “vindo do futuro. E trazendo uma nova arma especial

[...]”. E o enunciador convoca: não é para qualquer um, é para

“um você” que se constitui em sujeito da ação: “EU” - para a

“solução para os problemas” - “Curar as pessoas do câncer! Eu

não posso demorar muito. Pegue isto e mexa-se!”

Entre sombras, intensidades e luzes, o cromatismo adotado

articula tonalidades azuis (da cor do céu e do mar), violetas,

verdes em diferentes matizes, beges, tons alaranjados e amarelos,

cinzas e offwhites (Fig. 22). Mais do que poder simbólico, a

diversidade de cores empregadas oferece pequenas doses lúdicas

para o jogar. No game, o sujeito é sempre manipulado a entrar em

conjunção com “missões dentro de missões”. O que é mostrado e

visto é o percurso (laboratório para a ilha); o instrumento (barco)

aciona o querer, para que o jogador possa fazer-fazer na aventura

(“depende de você”): jogar para saber e prevenir o câncer de

mama (Fig. 21).

Figuras 21 e 22: Evidenciam-se o fazer e o como jogar

Aqui termina a história criada pelos enunciadores. A partir daí se instala o local de atuação dos jogadores. No cenário da Fig. 22, os cadeados travam e representam cada uma das nove missões que o enunciador delega ao jogador para adentrar nos diferentesambientes da ilha, que está entre a categoria do proibido e a do permitido. A coerência plástica, o alinhavado, determina o “como fazer”. Ao se fixar o olhar na forma pintada de amarela da ilha, circundada pela mar, percebe-se que a primeira cor irradia e adota um movimento excêntrico e aproxima-se quase visivelmente do observador. Por sua vez, o azul é animado por um movimento concêntrico, que se distancia do observador. O olho é como traspassado pela 1ª forma quase circular, ao passo que parece afundar-se na 2ª. [4] E, mais uma vez, o enunciador, figurativizado no jogo para compartilhar mensagens, instrui, aproxima, convoca e empodera o jogador (Figs. 23 e 24): “Você possui bateria no seu laser. Ao coletar esses ícones, você compartilha mensagens e recarrega sua energia”. Esses poderes oferecem condição ao jogador de vencer

dificuldades, em princípio intransponíveis para ele. Tais condições demonstram que a natureza da interatividade é dinâmica, e pode sofrer alterações ao longo dos episódios, em função das escolhas dos jogadores.

Figuras 23 e 24: O jogador quer o jogar e vencer as dificuldades

A composição musical se manifesta em diferentes instantes: na melodia de abertura, nos instantes interativos (que seguem o jogador conforme as emoções que o jogo passa), nos sons lineares (que acompanham a personagem em cada atividade). Muitos deles são composições em loopings, Isto é, o final da música se conecta de forma transparente ao seu começo, com o objetivo de não deixar evidente onde a composição sonora tem início e onde finda, para acompanhar o jogador até o final da fase.

4 CONCLUSÃO

As temáticas se fazem importantes, ao se considerar os processos

e os envolvidos na produção e consumo dos games. De maneira

especial, quando há um agravamento da doença, fazendo os

sujeitos vivenciarem uma experiência de não vida. Uma observação interessante deve-se ao fato de alguns críticos, alegarem que That Dragon, Cancer não é um jogo. O crítico em game, cinema e TV, Drizzo [10] argumenta: “quem se importa se é ou não’? Não precisa se encaixar na definição exata de ‘jogo’. Tem que ser jogado, e é isso que o torna um videogame. [...].” Pensado assim, é exemplar de como o meio de videojogos tem evoluído em termos de sensibilidade artística. Por ser diferente, se torna impossível classificá-lo com conceitos tradicionais, como dificuldades, jogabilidade, fator de diversão. A construção do sentido dos textos, em ambos os games, não se construiu pelo verbal ou pelo visual separadamente, mas pelo sincretismo das várias linguagens de manifestação. A cor e a similaridade dos mundos possíveis, construídos à maneira de HQs, foram itens que contribuíram para as composições. Jogos com interpretações de papéis, como esses aqui analisados, desempenham, no nível imaginário, relações intersubjetivas nas quais os sujeitos interagem com situações e personagens como se estas estivessem presentes. Podem se constituir como uma das vias de transformação no desenvolvimento humano e, portanto, podem facilitar a absorção de conceitos e conhecimentos na área de saúde.

NOTAS E REFERÊNCIAS

[1] M. Maietti. Semiotica dei videogiochi. Milano: Unicopoli, 2004. p.

151.

[2] http://www.gamespot.com/videos/that-dragon-cancer-gameplay/2300-

-6429015. Acesso: ano de 2015.

[3] E. Landowski. Viagem às nascentes do sentido. In: IA. Silva (Org.).

Corpo e sentido: a escuta do sensível. SP: Ed. UNESP, 1996.

[4] W. Kandinski. Do espiritual na arte: e da pintura em particular.

SP: Martins Fontes, 1996. p. 90-104.

[5] Em: http://metacritic.com/user/drizzoo. Acesso: abr. 2016.

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