MÚSICA POPULAR E IDENTIDADE RACIAL NO BRASIL - Musicologia e Diversidade/ Musicology and Diversity...

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V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015 Música popular e identidade racial no Brasil Martha Tupinambá de Ulhôa UNIRIO [email protected]

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V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015

Música popular e identidade racial no

Brasil

Martha Tupinambá de Ulhôa UNIRIO

[email protected]

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Raça, cultura, identidade

• 1600• Palmares 1605-1694• [invenção do mulato]

• 1822• pátria, língua, território

• 1870• raça, natureza, usos e costumes

• 1920• cultura, civilização

• 2000• diversidade cultural• [multiculturalismo]

• Porto-Alegre, Debret, Martius (IHGB)• Sílvio Romero (escola de Recife)• Mário de Andrade

• Sistema de cotas

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ALENCASTRO, Luiz Felipe (1946- ). O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

• Espaço bipolar: enclaves da América portuguesa e feitorias de Angola• Enquadramento político da colônia: dizimação dos indígenas e controle

da população afro. • O fluxo regular do tráfico negreiro diminuiu a importância dos índios

como reserva potencial de mão-de-obra cativa, transformando-os apenas num embaraço à expansão da fronteira agropastoril: abria-se a via à sua exterminação. Após a dizimação dos povos indígenas no sertão agropecuário na chamada “guerra dos bárbaros” [1651-1704] (Alencastro 2000: 337) a doutrina antiquilombista complementa o “enquadramento político do território da América portuguesa” (Idem: 343).

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A invenção do mulato (Alencastro, 2000, p. 345-353)

• Reação a Palmares (1605-1694): 1625 - posto de capitão-do-mato para rastrear e capturar escravos fugidos; 1676 - formalização do posto; 1699 – isenção de punição para assassinato de quilombolas; 3 mar. 1741 – fugitivos marcados a ferro com a marca “F” ; 6 mar. 1741 reduto de cinco foragidos = um quilombo nos termos da lei (p. 345).• Alternativa p/ libertos = prestar serviços a quem lhes garantissem a

condição de não-escravo, favorecendo a mestiçagem biológica = relação radicalmente hierarquizada. (p. 346). • Mulatos (tratamento diferenciado) ≠ USA (segregação) e Angola . No

Brasil: pecuária (curraleiros); uso militar (quilombos, Guerra dos bárbaros, os henriques).

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Carl Friedrich Philipp von Martius (1794–1868)

• “Como se deve escrever a história do Brasil”• Raças - cor de cobre ou americana, branca ou caucasiana, preta ou etíope

• Viagem pelo Brasil, 1817-1820 (Spix & Martius)• Para o jogo, a música e a dança está o mulato [de Belém do Pará] sempre

disposto, e movimenta-se insaciável, nos prazeres, com a mesma agilidade dos seus congêneres do sul, aos sons monótonos, sussurrantes do violão, do lascivo lundu ou no desenfreado batuque. [Diferentemente da alta sociedade em Minas e Bahia, um rapaz que] deixasse crescer a unha do dedo até um monstruoso tamanho, para melhor ferir as cordas do violão, mal escaparia aqui aos motejos da sociedade. (Martius, 1981 [1823-1831] vol. III, p. 29). [No entanto, na Bahia, ao final de jantares nas casas mais ricas] [...] aparece no fim um grupo de músicos, cujos acordes, às vezes desafinados, convidam ao lundu, que as senhoras costumam dançar com muita graça (p. 150) (ênfase adicionada).

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Manuel Araújo de Porto-Alegre (1806-1879)

• Música: “ cultivada desde a senzala ao palácio; de dia e noite soa a marimba do escravo, a guitarra, e a viola do Capadócio, e o piano do senhor” (Porto-Alegre, 1836, p. 180). • Os proscritos e aventureiros de Portugal deram princípio à Nação Brasileira.

Privados de qualquer elemento que desse pasto à prosperidade, circunscritos nos limites da agricultura e do tráfico, cansados e alimentados pelo sol do equador, lançavam-se nos braços do amor, e o amor os inspirava; e nos transportes d’alma choravam sua sorte. O amor produziu as artes da imaginação, e o entusiasmo as elevou ao sublime; e os filhos da floresta envoltos da mais rica louçania [elegância] da natureza cantavam, e sua Música semelhante ao balanço da rede, que oscilando no ar forma um zéfiro [brisa, aragem] artificial, que tempera a calidez (sic), apresenta o cunho melódico: é uma nênia [elegia, canto fúnebre] amorosa onde respira o bálsamo misterioso da voluptuosidade, é a prolação [prolongamento] do gemido do infeliz, é uma Música do coração (Porto-Alegre, 1836, p.179). (grifos adicionados).

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Sílvio Romero (1851-1914) a Mário de Andrade (1893-1945)

• Mestiçagem, atraso, indecisão, • Melancolia, saudade, nostalgia (Três raças tristes – Castro Alves)• No Brasil houve a formação de uma “sub-raça mestiça e crioula” ... “Não

quero dizer que constituiremos uma nação de mulatos; pois que a forma branca vai prevalecendo e prevalecerá” (Romero apud Romero, 2014, p. 287).• “O critério histórico atual da Música Brasileira é o da manifestação

musical que sendo feita por brasileiro ou indivíduo nacionalizado, reflete as características musicais da raça. ... A música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agora.” (Ensaio... Mário de Andrade).

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Mestiçagem

• Gilberto Freyre (1900-1987) Casa Grande e Senzala, 1933 – [luso-tropicalismo]• Crítica das Histórias da música popular brasileira escritas por

folcloristas e “ainda” em textos dos 1980s:• maior preocupação com os estilos musicais do que com os significados da

produção cultural dos agentes sociais, e a visão de que os processos culturais ocorrem sem conflitos (...) [além do uso do] viciado viés do “mito das 3 raças” e da identidade nacional mestiça. (Abreu 2001: 705).

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Produção na era da diversidade

• CARVALHO, José Jorge de. Black music of all colors. Série Antropologia n. 145. Departamento de Antropologia da UnB. Brasília: Unb, 1993. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.471.4005&rep=rep1&type=pdf Acesso em: 08 jun. 2015• O texto se propõe a oferecer uma antologia de música popular com

representações sobre raça. Divisões: (1) Modelos musicais afro-brasileiros disponíveis (Candomblé e Xangô [orixás], Congadas, Macumba e Umbanda, Música Popular; (2) Conceito de Música Popular; (3) Modelo para análise de letras das canções; (3) Imagens de gente preta na MPB: (a) mulher negra louca, feira, estúpida; (b) mulher negra como objeto sexual; (c) o homem negro pobre e humilde; (d) o preto malandro; (e) carnaval negro; (f) imagens radicais de pretos e brancos.

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Produção na era da diversidade

• TROTTA, Felipe C.; SANTOS, Kywza F. Respeitem meus cabelos, brancos: música, política e identidade negra. Revista FAMECOS (Online), v. 19, p. 225-248, 2012. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/11350/7740. Acesso em: 11 jun. 2015.

• Do resumo: ... nuances discursivas ... integram a canção “Respeitem meus cabelos, brancos”, de Chico César [: ... ] por trás de um discurso militante e acusatório revelam-se diversas ambiguidades discursivas que integram a posição do autor sobre identidade negra. ... [O] posicionamento dicotômico (brancos x negros), presente na letra, mas relativizado pela ironia do uso não ortodoxo do reggae, pela ambiguidade da capa do CD, pela indefinição tonal e pelo criativo uso da vírgula...

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Respeitem Meus Cabelos, Brancos - Chico Césarhttps://www.youtube.com/watch?v=25CBqBKV0ys

• Respeitem meus cabelos, brancos• Chegou a hora de falar• Vamos ser francos• Pois quando um preto fala• O branco cala ou deixa a sala• Com veludo nos tamancos• • Cabelo veio da África• Junto com meus santos

• Benguelas, zulus, gêges• Rebolos, bundos, bantos• Batuques, toques, mandingas• Danças, tranças, cantos• Respeitem meus cabelos, brancos• • Se eu quero pixaim, deixa• Se eu quero enrolar, deixa• Se eu quero colorir, deixa• Se eu quero assanhar, deixa• Deixa, deixa a madeixa balançar

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Pontos para reflexão

•A leitura da geração de estudiosos de gerações anteriores é contaminada pela agenda política

•Carlos Vega e o difusionismo•Mário de Andrade e o nacionalismo

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• REFERÊNCIAS:• ABREU, Martha. Histórias da música popular brasileira: uma análise da produção sobre o período colonial, In:

JANCSÓ, István e KANTOR, Iris (Eds.) Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa, vol. II. São Paulo: Edusp; Fapesp; Imprensa Oficial; Hucitec, 2001, p. 683-705.

• ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000. 5ª. Reimpressão.

• CARVALHO, José Jorge de. Black music of all colors. Série Antropologia n. 145. Departamento de Antropologia da UnB. Brasília: Unb, 1993. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.471.4005&rep=rep1&type=pdf Acesso em: 08 jun. 2015

• PEREIRA, Avelino Romero. De Sílvio Romero a Heitor Villa-Lobos: meio, raça e história na música brasileira. In: MENEZES, Lená Medeiros de; TRONCOSO, Hugo Cancino; DE LA MORA, Rogelio. (Org.). Intelectuais na América Latina: Pensamento, Contextos e Instituições. Dos Processos de Independência à Globalização. 1ed.Rio de Janeiro: UERJ - LABIMI, 2014, p. 284-304. Texto completo disponível em: http://latic.uerj.br/revista/ojs/index.php/ial/article/view/33/48. Acesso: 08 jun. 2015.

• PORTO-ALEGRE, Manuel Araújo. Ideias sobre a música. In Nitheroy. Revista brasiliense – Sciencias, Lettras e Artes. Paris. [1ª. edição em 1836]. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/ Acesso em 2013.

• SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. 1817-1820. 3 vol. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1981 [1ª. edição 1823-1831].

• TROTTA, Felipe C.; SANTOS, Kywza F. Respeitem meus cabelos, brancos: música, política e identidade negra. Revista FAMECOS (Online), v. 19, p. 225-248, 2012. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/11350/7740. Acesso em: 11 jun. 2015.

• ULHÔA, Martha; COSTA-LIMA NETO, Luiz. Memory, History and Cultural Encounters in the Atlantic the Case of Lundu. The World of Music (Wilhelmshaven), v. 2, p. 47-72, 2013.