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  • Msica e linguagem 1

    Castro, S.L., Marques, C., & Besson, M. (2004). Aprendizagem musical e linguagem: A percepo do contorno meldico e da entoao. Psychologica, Extra-Srie, 69-77. VERSAO PDF DE MANUSCRITO ENTRETANTO PUBLICADO (CF. REFERENCIA ACIMA) Running head: MSICA E LINGUAGEM

    Aprendizagem musical e linguagem:

    A percepo do contorno meldico e da entoao

    So Lus Castro

    Universidade do Porto

    Carlos Marques

    Instituto Politcnico de Leiria

    Mireille Besson

    CNRS Marseille

    Endereo para correspondncia:

    So Lus Castro FPCE - Universidade do Porto Rua do Campo Alegre, 1021 P 4169 - 004 Porto, Portugal Tel +351 22 607 9756, Fax +351 22 607 9725 E-mail: [email protected]

  • Msica e linguagem 2

    Portugus: Aprendizagem musical e linguagem: A percepo do contorno meldico

    e da entoao

    Resumo

    Haver partilha de mecanismos entre msica e linguagem? Abordamos aqui esta

    questo do ponto de vista cognitivo. Comeamos por um traar uma comparao

    sinptica entre msica e linguagem. Discutimos depois os resultados de um estudo

    experimental em que comparmos a deteco de incongruncias no contorno meldico

    de melodias e no contorno da entoao de frases por dois grupos de crianas de 10 anos,

    um com, e outro sem, treino musical prvio. Os resultados sugerem uma associao

    entre treino musical e sensibilidade s incongruncias prosdicas.

    Palavras chave: Msica, Linguagem, Percepo, Crianas, Entoao

  • Msica e linguagem 3

    English: Musical training and language: The perception of melodic and pitch

    contours

    Abstract

    Are there shared mechanisms for music and language? We discuss this issue from a

    cognitive perspective, starting with a brief comparative overview of music and

    language, and discussing then the results from a behavioral study where we compared

    the detection of incongruities in the melodic contour of melodies and in the pitch

    contour of sentences by two groups of 10-year old children, one with, and another

    without previous musical training.

    Key words: Music, Language, Perception, Children, Intonation

    Franais: Apprentissage musical et langage: Perception du contour mlodique en

    musique et du contour d'intonation des phrases

    Rsum

    Y a-t-il des mcanismes communs pour la musique et le langage? Nous approchons ce

    problme en prsentant d'abords une comparaison synoptique entre les deux, et en

    discutant ensuite les rsultats d'une tude comportementale o nous avons compar la

    dtection d'incongruits dans le contours mlodique de mlodies et dans le contour

    d'intonation de phrases par deux groupes d'enfants de dix ans, lun avec, et l'autre sans,

    apprentissage musical pralable.

    Mots cls: Musique, Langage, Perception, Enfants, Intonation

  • Msica e linguagem 4

    Aprendizagem musical e linguagem: A percepo do contorno meldico e da entoao

    Quais os efeitos da aprendizagem da msica? Interessa-nos esta questo no

    tanto para encontrar uma legitimao utilitria em favor da educao musical, mas antes

    no sentido de estabelecer as pontes entre os vrios domnios de desenvolvimento

    psicolgico que marcam a progresso da infncia maturidade. Tendo testemunhado

    recentemente a curiosidade do Professor Manuel Viegas Abreu cerca deste assunto,

    ensaiamos aqui uma resposta a partir de um estudo que realizmos recentemente, e que

    nos motiva a prosseguir esta via de investigao.

    Msica e linguagem

    O nosso ponto de partida assenta na comparao entre msica e linguagem.

    Como numa figura clssica da psicologia da Gestalt, entre as duas emerge ora a

    oposio, ora a semelhana. Em favor da oposio, encontramos, entre outros, os

    seguintes argumentos: o princpio da lateralizao hemisfrica em no-msicos, com o

    hemisfrio direito a tomar conta da msica, e o esquerdo a tomar conta da linguagem

    (e.g., Kolb & Wishaw, 1996); tambm a conotao da msica com vivncias de tipo

    esttico e emocional de vocao universalista, e a da linguagem como coadjuvante do

    pensamento simblico, mais mental do que experiencial, e dependente do conhecimento

    prvio do cdigo lingustico; ou ainda a organizao social, em que todas as sociedades

    modernas devotam uma parte considervel das suas actividades escolares ao ensino das

    lnguas a todos os alunos, reservando msica o estatuto de escolha individual (ou falta

    dela), a custo dos interessados e no dos sistemas pblicos de educao. Em favor da

    semelhana, encontramos pelo menos dois argumentos fortes: tanto msica como

    linguagem so universais escala da espcie humana no so conhecidas sociedades

  • Msica e linguagem 5

    humanas sem expresso musical ou lingustica; e tanto uma como outra parecem ter

    fundamento biolgico a nvel do funcionamento do crebro (e.g., para a linguagem,

    Anderson & Lightfoot, 2002; para a msica, Peretz & Zatorre, 2003; Wallin, Merker, &

    Brown, 1999).

    Do ponto de vista estrutural, h sem dvida analogias. Linguagem e msica so

    sistemas estruturalmente ricos, que envolvem diferentes componentes a funcionar em

    sinergia. Em linguagem distinguem-se pelo menos a componente fonolgica, a

    semntica e a sintctica. A fala implica o agrupamento de segmentos sonoros em

    slabas, de slabas em palavras, e de palavras em frases. O sentido uma dimenso

    estruturante, na medida em que so as diferenas de sentido que estabelecem no s a

    pertinncia das distines sonoras ( a diferena entre fonemas, unidades opositivas no

    quadro de uma lngua, e fones, meras unidades acstico-perceptivas), como tambm a

    identidade das palavras, e a maneira como estas se devem combinar numa frase, ou qual

    a sua composio morfolgica. Em msica, existem tambm domnios de diferentes

    nveis, desde os mais elementares, como os sons ou as notas musicais, at composio

    meldica, harmnica e rtmica. tambm a natureza combinatria dos elementos a

    vrios nveis que funda a riqueza da expresso musical, tal como acontece na linguagem

    (nas duas, a mesma aliana paradoxal entre criatividade e regra). Efeitos de interaco

    contextual so frequentes. No percepo de consonncia ou dissonncia, por exemplo,

    um determinado acorde pode ser percebido como consonante se estiver isolado, mas se

    integrado num contexto derivado de outras regras pode provocar uma percepo de

    dissonncia (Krumhansl, 2000). Em linguagem, bem conhecida a diferena entre

    significado lexical ou os sentidos das palavras e significado proposicional ou os

    sentidos das frases, mais do que a simples acumulao dos sentidos das palavras.

  • Msica e linguagem 6

    At aonde possvel levar a analogia entre msica e linguagem? Ambas so

    formas humanas de comunicar, de extraordinria diversidade, e sensveis a

    determinantes culturais. A nvel proximal, ambas so estmulos acsticos

    espectralmente complexos formados por eventos sequenciais com alguma

    interdependncia. Esta semelhana proximal foi sem dvida um factor que fez com que

    a comparao entre msica e linguagem tenha sido abordada atravs da investigao

    dos mecanismos cerebrais envolvidos. Sendo conhecidos alguns efeitos de

    manipulaes lingusticas na actividade electrofisiolgica do crebro, verificar-se-o

    esses mesmos efeitos se, em vez de linguagem, forem sons musicais a dar entrada no

    sistema perceptivo?

    Nos ltimos anos vrios estudos tm recorrido a esta estratgia, medindo

    potenciais evocados em tarefas anlogas com material verbal e com material musical.

    Num estudo deste tipo, Patel, Gibson, Ratner, Besson e Holcomb (1998) apresentaram a

    participantes adultos frases, ora bem formadas, ora com transformaes sintcticas tal

    que se tornavam difceis de entender, ou mesmo incompreensveis; apresentaram

    tambm sequncias de acordes, ora na tonalidade esperada, ora em tonalidades

    inesperadas, com acordes em tons prximos ou fora de tom. Nestas condies,

    verificou-se que tanto as frases anmalas como as sequncias de acordes inesperados

    tiveram o mesmo correlato neurofisiolgico, uma onda de positividade com amplitude

    mxima 600 milisegundos aps o incio da anomalia. O chamado efeito P600 aconteceu

    tanto para violaes sintcticas como para violaes harmnicas, indicando assim que o

    mecanismo subjacente no especfico nem da linguagem nem da msica, antes

    comum a estes dois domnios. No entanto, se a comparao for feita entre anomalias

    semnticas, com frases cuja palavra final no adequada do ponto de vista do

    significado, e anomalias meldicas, o resultado difere: enquanto para as primeiras se

  • Msica e linguagem 7

    verifica o conhecido efeito N400 (Kutas & Hillyard, 1980: uma onda de negatividade

    com amplitude mxima 400 ms aps o aparecimento da palavra incongruente,

    considerada o marcador neurofisiolgico do processamento semntico), j para as

    segundas no se replica o N400, ocorrendo antes uma onda polaridade positiva (e.g.,

    Besson & Macar, 1987). Estes resultados demonstram claramente que no h

    paralelismo entre a dimenso semntica da linguagem e a dimenso harmnica da

    msica a nvel de mecanismos electrofisiolgicos (para um exame mais aprofundado,

    cf. Besson & Friederici, 1998; Koelsch e colaboradores, 2000, 2002; Zatorre, Belin, &

    Penhune, 2002).

    Uma dificuldade na interpretao das comparaes enunciadas acima reside no

    seguinte: em que critrio nos baseamos para assumir a analogia entre, por exemplo, a

    componente sintctica da linguagem e a harmnica da msica? Ou para presumir que a

    componente semntica poderia ser equivalente componente meldica? Embora a

    resoluo destas questes seja, em ltima anlise, de natureza emprica, o certo que h

    uma componente da linguagem que partida mais semelhante com vrios aspectos

    musicais, e que por isso se encontra numa posio privilegiada para a anlise

    comparativa: trata-se da prosdia, ou os aspectos suprasegmentais da linguagem falada.

    A prosdia est relacionada com a materializao da linguagem enquanto estmulo

    acstico. Constituem aspectos da prosdia a entoao, o ritmo, a intensidade e as pausas

    lingusticas (Ladefoged, 1993; Mateus, Andrade, Viana e Villalva, 1990). O paralelismo

    com a msica evidente: a melodia anloga entoao da fala, e ritmo, intensidade, e

    pausas tanto podem ser musicais como lingusticas. Uma anlise sistemtica destes

    aspectos na linguagem e na msica assenta na manipulao de variveis que so, se no

    idnticas, pelo menos bastante prximas do ponto de vista acstico.

  • Msica e linguagem 8

    A percepo do contorno meldico e da entoao, e o treino musical

    No mbito da prosdia, destaca-se a entoao. Atravs da entoao de uma

    frase, esta pode apresentar-se como uma afirmao, ou interrogao, ou exclamao,

    irnica ou sria. A entoao determinada pelas variaes da frequncia fundamental,

    F0, ao longo da frase, que delineia o contorno da entoao e responsvel pela criao

    de expectativas de continuidade (Levelt, 1989; para estudos em Portugus, e.g., Mata,

    1994). Algo de semelhante acontece na msica. A materializao da linha meldica de

    uma frase musical idntica de uma frase verbal: o contorno de F0 que varia. H

    tambm a expectativa: certas notas de uma melodia exigem o aparecimento de uma

    resoluo. Por exemplo, no caso de uma sensvel, esta dever resolver para a tnica,

    principalmente quando existe uma base harmnica tonal de tradio ocidental. Em

    suma, quer a entoao de uma frase, quer o contorno meldico de uma melodia, tm

    como correlato acstico as variaes de F0, e estas so geradoras de expectativas, tanto

    lingusticas como musicais.

    O objectivo do nosso estudo foi o de verificar se a educao musical precoce

    facilitaria no s a percepo do contorno meldico em melodias, como tambm do

    contorno da entoao em frases. Comparmos por isso crianas com treino musical

    prvio e crianas sem treino musical na altura da recolha de dados. Embora tivssemos

    pretendido observar crianas com educao musical a partir dos 4 anos, s foi possvel

    encontr-las em nmero suficiente tendo iniciado o treino musical aos 7 anos. Trata-se

    de crianas que frequentavam uma escola de ensino bsico de Leiria, com um

    curriculum de componente musical duas sesses semanais de aulas com o mtodo

    Orff. Optmos por isso por comparar crianas que j tivessem tido este treino durante 4

    anos, com crianas da mesma idade e ano escolar, mas frequentando uma escola regular

  • Msica e linguagem 9

    da mesma zona. A provenincia scio-cultural dos dois grupos de crianas era

    semelhante.

    Foram observadas 18 crianas sem treino musical (9 de sexo feminino) e outras

    tantas (tambm 9 de sexo feminino) com treino musical, com cerca de 10 anos de idade

    (mdia de 10.2 em cada um dos grupos). A tarefa que lhes propusemos foi a de detectar

    incongruncias na altura tonal (variaes de F0) de melodias e de frases que tinham sido

    previamente manipuladas. Fizeram tambm o teste das Matrizes de Raven, sendo

    semelhantes os resultados dos dois grupos. Quanto aos materiais empregues,

    selecionmos 90 melodias infantis e 90 frases retiradas de literatura infantil. As frases

    duravam entre 2 a 7 segundos, e as melodias entre 5 a 19 segundos: o facto de as

    melodias serem mais longas do que as frases provem da dificuldade em criar

    expectativas meldicas em sequncias mais curtas. Para cada uma das melodias e das

    frases, prepararam-se duas verses modificadas em que se aumentou a frequncia

    fundamental de maneira forte e de maneira fraca. A figura 1 exemplifica estas

    manipulaes: para a alterao forte, que designaremos a partir de aqui como

    incongruncia forte, aumentmos a nota final da melodia em meio tom, e a frequncia

    fundamental da ltima palavra da frase em 120%; para a incongruncia fraca, a nota

    final foi aumentada em 1/5 de tom e frequncia da ltima palavra em 35%. A

    incongruncia forte soa como uma nota fora de tom, ou uma voz que de repente fica de

    falsete; a incongruncia fraca soa como uma nota (um pouco) desafinada, ou uma voz

    com entoao excntrica.

    ________________________

    Inserir Figura 1 por aqui

    ________________________

  • Msica e linguagem 10

    Cada criana ouviu 30 melodias no manipuladas (congruentes, a partir de aqui),

    mais 30 melodias com incongruncia forte e outras 30 com incongruncia fraca, e o

    mesmo para as frases (30 x 3), obedecendo a um plano experimental em quadrado

    latino. As crianas foram observadas individualmente ao longo de uma sesso

    experimental de cerca de uma hora (as Matrizes de Raven foram feitas numa sesso

    separada); ouviam blocos intercalados de melodias e frases, tendo metade comeado a

    ouvir as melodias, e outra metade as frases. Explicava-se-lhes que iriam ouvir umas

    frases (ou melodias), e que a sua tarefa consistia em responder o mais depressa possvel,

    mas sem se enganarem, se a frase (ou melodia) soava bem, ou se soava estranha. Depois

    de alguns ensaios de treino, passava-se sesso experimental propriamente dita. A

    apresentao dos estmulos foi controlada por um programa (Superlab Pro, 2001) que

    permitia o registo de tempo de reaco.

    As respostas foram analisadas quanto exactido, ou nmero de respostas

    correctas, latncia ou tempo de reaco, e ainda uma medida de sensibilidade de acordo

    com a teoria da deteco do sinal, d' (Macmillan, Creelman, & Douglas, 1991). De

    modo geral, as crianas dos dois grupos conseguiram detectar as incongruncias fortes

    na linguagem e na msica quase sem erros (3% e 5% de respostas erradas,

    respectivamente). Estiveram tambm com um bom nvel de desempenho nas frases

    congruentes (5% de erros), mas j nas melodias tiveram mais dificuldade: 19% de

    respostas erradas, o que equivale a dizer que perante uma melodia sem alterao

    julgavam estar perante uma melodia alterada, estranha. O decrscimo no desempenho

    foi ainda mais acentuado na incongruncia fraca, principalmente nas melodias onde

    desceu para cerca de 40%. As respostas foram mais rpidas para as frases do que para as

    melodias, e na deteco de incongruncias fortes (diferenas confirmadas por anlises

    de varincia, que revelaram efeitos significativos de Material e de Congruncia).

  • Msica e linguagem 11

    Atendendo a que houve uma percentagem relativamente elevada de falsos alarmes nas

    melodias, e nalguns casos tambm nas frases, congruentes (responder que soam

    estranhas quando de facto no houve manipulao), mais esclarecedor analisar a

    sensibilidade medida atravs do d' do que o nmero de respostas correctas ou erradas

    por condio.

    A figura 2 mostra a distribuio percentlica dos valores de d' obtidos para cada

    participante, separando os do grupo com treino musical dos do grupo sem treino

    musical, para as incongruncias musicais e para incongruncia fraca nas frases.

    Selecionamos estes dois valores por serem os mais esclarecedores: a mdia dos d' para

    as incongruncias fraca e forte nas melodias capta bem as variaes de sensibilidade

    observadas, o mesmo acontecendo com os d' para as frases com incongruncia fraca.

    ________________________

    Inserir Figura 2 por aqui

    ________________________

    De modo geral, a sensibilidade maior para as frases do que para as melodias,

    mas a amplitude de variao entre os valores mnimos e mximos de d' semelhante. A

    questo fulcral aqui a de examinar os efeitos do treino musical: uma expectativa

    razovel que as crianas com treino musical consigam obter melhores resultados nas

    melodias, mas se esse treino se transfere ou no para a prosdia da fala uma incgnita.

    Ora o que a Figura 2 nos mostra que h uma superioridade consistente das crianas

    com treino musical na deteco de incongruncias musicais. No entanto, a diferena

    entre os dois grupos no chega a ser estatisticamente significativa (ANOVAS). Isto

    acontece porque a variabilidade dentro de cada grupo grande: h crianas com treino

    musical que tm muito pouca sensibilidade para as incongruncias musicais, e o oposto

  • Msica e linguagem 12

    tambm verdade - h crianas sem treino que so muito sensveis a essas

    incongruncias.

    Quanto linguagem, a situao no exactamente a mesma. H valores mais extremos

    para as crianas com treino musical, duas das quais esto no limite inferior do

    desempenho. Nos valores intermdios de d' a sobreposio dos dois grupos quase

    perfeita. Mas acima do percentil 75 esto mais crianas com treino musical do que sem

    ele. Como para as melodias, tambm aqui as anlises de varincia no confirmaram um

    efeito significativo de grupo - e mais uma vez a variabilidade intragrupo oferece uma

    explicao plausvel.

    Em sntese

    Retomemos a questo inicial - quais os efeitos da aprendizagem da msica?

    claro que uma resposta satisfatria nunca poderia provir de uma nica investigao

    experimental. O estudo que sintetizmos d bem a medida da complexidade do

    problema: mesmo restringindo o campo possvel dos efeitos a um domnio bem

    definido, o da prosdia da fala, no simples, nem imediata, a resposta.

    H questes de fundo, como as diferenas individuais, intrnsecas, na sensibilidade

    musical (com treino musical, ou sem ele, h crianas que detectam muito bem, ou muito

    mal, as incongruncias meldicas), que necessrio ter em conta. H tambm questes

    de mtodo experimental, como a da comparabilidade das tarefas, que tm de ser

    resolvidas. Neste estudo, por exemplo, os resultados foram globalmente melhores na

    tarefa de linguagem do que na musical, mas para assegurar a validade da comparao

    entre msica e linguagem seria importante que as duas tarefas se situassem ao mesmo

    nvel de desempenho. Num segundo estudo em curso, estamos justamente a lidar com

    estas questes. Esperamos por isso dentro de pouco tempo poder articular uma resposta

  • Msica e linguagem 13

    mais completa, mas certamente no definitiva, quela questo. Estamos cientes de que,

    embora as vantagens da educao musical no precisem de uma legitimao utilitria, o

    facto de se encontrarem provas slidas da transferncia de aprendizagem entre o

    domnio musical e outros sem dvida um elemento importante para as decises de

    poltica educativa.

  • Msica e linguagem 14

    Referncias

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  • Msica e linguagem 15

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  • Msica e linguagem 16

    Nota de Autor

    So Lus Castro, Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade

    do Porto, Porto, Portugal. Carlos Marques, Instituto Politcnico de Leiria, Leiria,

    Portugal. Mireille Besson, Centre National de Recherche Scientifique, Marseille,

    Frana. A preparao deste artigo beneficiou do apoio da FCT, atravs do

    financiamento atribudo ao Centro de Psicologia da Universidade do Porto (Grupo

    Linguagem). Este artigo dedicado ao Professor Manuel Viegas de Abreu.

    Correspondncia sobre este artigo deve ser endereada a So Lus Castro, Faculdade de

    Psicologia e de Cincias da Educao, Universidade do Porto, rua do Campo Alegre,

    1021, P 4169 - 004 Porto, Portugal. E-mail: [email protected]

  • Msica e linguagem 17

    Figura 1. Exemplo de melodia e de frase, sem manipulao ou congruentes, e

    manipuladas com incongruncia fraca e com incongruncia forte.

    Melodia: No alterada ou congruente, e incongruentes:

    Incongruncia fraca: +1/5 tom

    Incongruncia forte: +1/2 tom

    Frase:Os trs porquinhos mal tiveram tempo de se pr a correr

    Incongruncia fraca: + 35% F0 Incongruncia forte: + 120% F0

  • Msica e linguagem 18

    Figura 2. Distribuio percentlica da sensibilidade (d') de cada participante para as

    melodias (mdia das incongruncias forte e fraca) e para a incongruncia fraca nas

    frases. A preto as crianas com treino musical, a cinza as crianas sem treino. Indica-se

    a linha do percentil 75.

    Melodias (mdia das incongruncias forte e fraca)

    75 d'

    Percentil

    Frases com incongruncia fraca

    75 d'

    Percentil

    1

    2

    3

    4

    0 20

    40

    60

    80

    100

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    0 20

    40

    60

    80

    100