Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a...

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Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Departamento de História Instituto de História da Arte Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro na Beira Interior e Alto Alentejo. As novas ferramentas de dinamização local e regional. Ana Isabel da Silva Albuquerque Dissertação Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro 2012

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras

Departamento de História

Instituto de História da Arte

Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro na

Beira Interior e Alto Alentejo. As novas ferramentas de

dinamização local e regional.

Ana Isabel da Silva Albuquerque

Dissertação

Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro

2012

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras

Departamento de História

Instituto de História da Arte

Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro na

Beira Interior e Alto Alentejo. As novas ferramentas de

dinamização local e regional.

Ana Isabel da Silva Albuquerque

Dissertação de mestrado orientada pelo Prof. Doutor Fernando Grilo

Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro

2012

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«Há tantos diálogos

(…)

Escolhe teu diálogo

e

tua melhor palavra

ou

teu melhor silêncio.

Mesmo no silêncio e com o silêncio

dialogamos.»

(Carlos Drummond de Andrade, «O Constante Diálogo»

in Discurso de Primavera e Algumas Sombras, 1979)

À minha mãe.

Ao Igor.

Ao meu tio Mário

e à minha avó Maria Armanda.

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RESUMO

A Beira Interior e o Alto Alentejo cunharam a história da Indústria Têxtil em

Portugal. Decorrente do projecto de industrialização promovido por Sebastião José de

Carvalho e Melo, marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII, desenvolve-

se uma dinâmica na área dos lanifícios que se aproveita da generosidade da topografia,

dos recursos naturais e das actividades aí realizadas como o pastoreio (e as suas rotas).

É assim que se aproximam pólos importantes da Indústria Têxtil como Covilhã, Guarda

e Portalegre que, à data fragilizados pela distância relativamente a centros de actividade

mais proeminentes, se encontravam prestes a tornarem-se núcleos movimentados e

afamados de produção laneira.

Quebrado esse apogeu, ficou o património e o esforço de preservação de

algumas actividades relacionadas com o passado atrás referido. O que se traduz em três

vertentes fulcrais: a memória, na sua condição de recuperadora e perpetuadora da

história e de instituidora de um poder; a definição de uma identidade; e a pedagogia.

Reconhece-se, desta forma, a importância irrevogável da existência de museus

locais/regionais. Assim, o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior

(Covilhã), o Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda) e o Museu da Tapeçaria de

Portalegre – Guy Fino (Portalegre) denunciam uma relação genealógica e uma herança

partilhada. A constituição de museus nesses antigos centros de apogeu dos lanifícios –

hoje, novamente enquadrados num figurino de arredamento dos actuais focos de

desenvolvimento nacional – tornou mais importante o seu papel enquanto museus locais

e, também, enquanto instrumentos de intervenção regional.

A presente dissertação decorre a quatro tempos. O arranque é feito pela história

da indústria dos lanifícios nas referidas zonas, com um tom económico e social

dominante. Contar esta história implica, segundamente, compreender o que é

comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre

e Nayra Llonch Molina) desta história, um dos objectivos fixou-se na análise

comunicacional desta instituição, enquanto elemento de um processo sígnico (como se

comprovou). Depois desta fase preparatória, exigiu-se compreender a nova

conceptualização de museu, que o agitara e o confrontara com uma atitude interactiva,

interpretativa, de serviço ao público em geral, e à comunidade e ao território em

particular. O que é o museu? – Questionou-se. Assim se encaminhou o trabalho para a

compreensão do museu local no último e derradeiro capítulo. Os três casos de estudo

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acima referidos serviram a reflexão sobre o compromisso para com o património local e

sua valorização identitária. Enquanto prestador de serviços culturais e produto turístico

há receios e ânsias. Exige-se, por isso, sensibilidade e discernimento para que aquele se

possa tornar numa experiência turística autêntica, sustentável e agradável.

Vários teóricos evidenciam a bífida realidade da exposição: a primeira, e

imediata, a da apresentação e mostra de algo; o qual, num outro momento, é desnudado

na revelação do seu significado inequívoco e do encoberto, do primevo e do actual.

Entre o óbvio e o desvelado, entre o dado e o procurado, a experimentação ganha poder.

Quer se fique pelo ver ou, se possível, pelo interagir, interpretar implica algo mais do

que o simples objecto. Este será motivo para que o homem procure significados,

sentidos, respostas. É também mote para que o museu se abra à sociedade, ao colectivo,

e comunique, proponha, se desloque até às pessoas e se relacione com elas. Além de

informar e instruir, de acordo com Mestre e Molina, no museu deverão caber a reflexão

e a crítica, a emoção e a provocação, e, para isso, a interpretação, o compromisso e a

acção são fundamentais. Dimensões que a Nova Museologia enfatiza e que é necessário

perscrutar.

Palavras-chave: Museus têxteis; comunicação; Nova Museologia; Beira Interior e Alto

Alentejo; comunidade; património

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ABSTRACT

Beira Interior and Alto Alentejo coined the history of the textile industry in

Portugal. Resulting from the project of industrialization promoted by Sebastião José de

Carvalho e Melo, Marquis of Pombal, on the second half of the eighteenth century, it

develops a dynamic in the wool field which takes advantage of the topography, natural

resources and activities there performed as grazing (and their routes). This is how

important poles of Textile Industry as Covilhã, Guarda and Portalegre get together that,

at the time weakened by distance from the most prominent centers of activity, were

about to become famous and busiest clusters of wool production.

Broken this apogee, remained heritage and preservation effort of some activities

related to the past mentioned above. This translates into three key aspects: memory, in

its condition of restorative and perpetuator of the history and founder of a power; setting

an identity; and pedagogy. It is recognized, therefore, the irrevocable importance of the

existence of local/regional museums. Thus, the Wool Museum of University of Beira

Interior (Covilhã), the Weaving Museum of Meios (Guarda) and the Tapestry Museum

of Portalegre – Guy Fino (Portalegre) denounce a genealogical relationship and a shared

heritage. The establishment of museums in these ancient centers of the wool apogee –

today, framed once again by distance from the current focus of national development –

became more important its role as local museums and also as instruments of regional

intervention.

The following dissertation has four rhythms. The boot is made by the history of

the wool industry in those areas, with a dominante economic and social tone. Tell this

story implies, secondly, understand what is to communicate. Since the museum is the

«Cinderella» (in the words of Joan Santacana i Mestre and Nayra Llonch Molina) of

this study, one of the goals set up in the communicational analysis of this institution, as

an element of a signic process (as proved). After this preparatory phase, it was required

to understand the new conceptualization of museum, which shaked and confronted it

with an interactive, interpretative and service to the public attitude in general, and the

community and the territory in particular. What is the museum? – Was questioned. Thus

the work headed to the understanding of local museum in the final chapter. The three

case studies above served a reflection on the commitment to local heritage and its

identity worth. As cultural services provider and touristic product there are fears and

anxieties. It is required, therefore, sensitivity and discernment so that it can become an

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authentic, sustainable and enjoyable touristic experience.

Several academic researchers highlight the bifurcated reality: the first, and

immediate, the presentation and show of something; which, in another moment, is

denuded in the revelation of its unequivocal and hidden meaning, and the primeval and

presente meaning. Between the obvious and unveiled, between the given and sought,

experimentation gains power. Whether it be seeing or, if possible, interacting,

interpreting implies something more than the simple object. This will be the reason for

men seek meanings, senses, responses. It is also motto so that museum opens itself to

society, to the collective, and communicates, proposes, moves up to people and relates

with them. Besides inform and educate, according to Joan Santacana i Mestre and Nayra

Llonch Molina, in museum should fit reflection and review, emotion and provocation,

and, for this, interpretation, commitment and action are fundamental. Dimensions that

New Museology emphasizes and that is necessary to look into.

Keywords: Textile Museums; communication; New Museology, Beira Interior and Alto

Alentejo, community, heritage

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AGRADECIMENTOS

O meu primeiro agradecimento é endereçado ao Professor Doutor Fernando

Jorge Grilo pela prontidão com que aceitou orientar este trabalho, pela confiança, pela

segurança das suas indicações, pelos seus conselhos, pela atenção e disponibilidade de

que nunca se ausentou, e por toda a compreensão. Com um agradecimento muito

sentido e amigo, me dirijo a toda a equipa do Museu de Lanifícios da Universidade da

Beira Interior, sempre solícita em qualquer ocasião (especialmente à Prof. Doutora Elisa

Calado Pinheiro, ao Prof. Catedrático António dos Santos Pereira, à Dra. Helena

Correia, à Dra. Paula Fernandes, à D. Amélia Pombo e ao Sr. João Lázaro). Tenho a

agradecer, igualmente, a generosa atenção e dedicação da Dra. Paula Fernandes, do

Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, e do Dr. Luís Costa, do Museu de

Tecelagem dos Meios (Guarda), às minhas constantes perguntas.

Confesso, agora, que escrever estas palavras foi uma das tarefas mais

complicadas. Acontecimentos que me transcendem e que transcendem qualquer homem

fizeram-me revolver este texto. Antes, escrevera o quanto a arte sempre me fascinara e,

de diferentes formas, acompanhara a minha vida. Escrevera também que além da beleza

das Artes, há um património diverso, multiforme, rico e desafiante, e, nele, áreas

fascinantes, como o património industrial têxtil demonstrou ser, quase como revelação.

Escrevera também sobre o quanto sabia bem estar no museu, vivê-lo diariamente,

recordar a sensação caseira da altura em que trabalhei num museu têxtil.

E porque o trabalho não se faz sem abdicar daquilo que é mais importante,

agradecer aos meus pais e ao Igor Costa (o meu namorado) o seu apoio será sempre

pouco. Ao longe, enquanto estive em Lisboa, e perto, agora em casa. Uma mãe não

descansa, não dorme, não sossega quando o espírito do/da filho/a está inquieto. E foi um

longo período de inquietação e de sofrimento. A dor foi maior ao querer ser as minhas

mãos, os meus olhos e a minha cabeça quando tive de parar. A dor foi ainda maior

aquando da grande perda sentida mesmo no finalizar desta dissertação. E

impossibilitada de me ajudar de outra forma, carregou os meus sentimentos, como

companheira que sempre foi, e amparou-me. Ao Igor tenho a agradecer tudo,

simplesmente tudo. Nada o definirá melhor do que a partilha e o amor. Acreditou no

projecto; ajudou a partir pedra; e, em determinadas alturas, avançou primeiro para

provar que também eu podia caminhar, com segurança; esteve, e estará, sempre

presente. E, como no começo, também no final, ajudou a limar essa pedra até ao seu

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último momento de vida. A ele, devo-lhe a chegada até aqui, devo-lhe o folgo, devo-lhe

o braço que me apoiou, e devo-lhe quem sou. O sorriso e o olhar com que me fitava

permanecerão num compartimento que nos coube construir e fazer perseverar.

O agradecimento estaria incompleto sem referir a Raquel Escaño e a Débora

Matos, duas pessoas extraordinárias que admiro, às quais agradeço as discussões sobre

o rumo não só da dissertação como da vida, os conselhos que segui e os que recusei, e

às quais confio a minha amizade plena. Também à Diana Sampaio, amiga de sempre e

de todas as horas, o apoio, a disponibilidade, a preocupação e o sorriso. Ao meu tio

Mário, pelo exemplo, pelo legado e pelas gargalhadas. E a todos aqueles amigos que me

foram acompanhando e motivando, e que gostaria de nomear (se o espaço o permitisse),

mas a quem agradecerei pessoalmente.

Um especial agradecimento à minha avó que, tal como o Igor, partiu este ano, e

cuja maior arte foi amar e preocupar-se, sempre mais com os outros do que com ela

própria. Ele não era diferente dela, curiosamente. Ela estará feliz, com certeza. A ele

espero-o orgulhoso, é tudo o que desejo.

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ÍNDICE

Lista de quadros, gráficos e tabelas e Lista de figuras

………………………………………………………………………………………… 14

Introdução …………………………………………………………………………… 16

Revisão da Literatura e Estado da Questão ……………………………………….. 22

PARTE 1 – O MUSEU: ENTRE A HISTÓRIA DOS LANIFÍCIOS E A

COMUNICAÇÃO DE PATRIMÓNIO …………………………………………..... 34

Capítulo I | A Indústria dos Lanifícios na Beira Interior e Alto Alentejo: uma

história comum ........................................................................................................... 35

1.1 – A Indústria Têxtil em Portugal: as motivações, o desempenho e o impacto nos

séculos XVIII e XIX .................................................................................................... 36 1.1.1. Cenário político e socioeconómico português: revisão histórica ....................... 36

1.1.2. Os antecedentes de Methuen e o plano real (industrial) do conde de Ericeira ... 42

1.1.3. À saúde da Indústria Têxtil ................................................................................. 46

1.1.4. O fomento pombalino e o «centralismo despótico» ........................................... 55

1.1.5. A técnica, o mercado e os concorrentes da lã ..................................................... 57

1.1.6. Um jogador chamado Inglaterra e o efeito francês ............................................. 60

1.2 – A fábrica, o Interior laneiro português e as demandas da contemporaneidade

– os séculos XIX e XX .................................................................................................. 65 1.2.1. Os lanifícios e o mercado colonial no século XIX .............................................. 65

1.2.2. Costa versus Interior (entre os séculos XVIII e XIX) ........................................ 68

1.2.3. A Beira Interior e o Alto Alentejo na segunda metade do século XIX .............. 70

1.2.4. A campanha industrial e a queda: o século XX ................................................... 75

1.3 – Breves apontamentos para uma contextualização sobre manifestações

artísticas na Beira Interior e Alto Alentejo entre os séculos XVII e XXI ............... 84

Capítulo II | O museu como espaço congregador: uma ponte entre comunidade e

localidade ....………………………………………………..………………………... 91

2.1. As teorias da comunicação e a sua importância na actividade humana ……. 91

2.1.1. A comunicação, primeiro. Comunicar, de que se trata? ....................................... 91

2.1.2. Comunicar além do verbo: as novas interpretações das relações comunicantes.. 95

2.2. Museu e Linguagem. A Semiótica e a sua relevância no processo de construção

e evolução museológicas ....………………………………………………………… 99

2.2.1. A linguagem corporal do museu: do tradicional ao pós-moderno …………… 101

2.2.2. A exposição e as suas competências linguísticas …………………………….. 106

2.2.2.1. A semiose dos objectos arqueológicos, etnográficos e técnicos ……………. 112

a) Arqueologia ………………………………………………………………………. 112

b) Etnografia ..……………………………………………………………………….. 113

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c) Técnica ...………………………………………………………………………….. 114

2.2.3. A comunicação além do objecto ……………………………………………... 115

2.2.3.1. Comunicação multimedia: o ciberespaço ou o espaço imaginado .………… 119

2.2.4. Meios de comunicação frios e meios de comunicação quentes. Museus frios e

museus quentes …………………………………………………………………….. 124

PARTE 2 – A MUSEOLOGIA VISTA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

E DO PRELÚDIO DO XXI E OS MUSEUS D(e)O INTERIOR PORTUGUÊS

...................................................................................................................................... 129

Capítulo III | A Nova Museologia: missão, serviço e pedagogia …….................... 130

3.1. A Nova Museologia como novo paradigma …………………………………... 130

3.2. As funções dos museus ……………………………………………………........ 141

3.2.1. As fundações: coleccionar, conservar e expor ………………………………. 146

3.2.1.1. O museu coleccionador ……………………………………………………. 146

3.2.1.2. A conservação como parte da exposição ………………………………….... 150

3.2.1.3. Expor para narrar ………………………………………………………........ 153

3.2.2. O segundo naipe de funções: interpretar (para) e servir …………………...... 167

3.2.2.1. Interpretação, de quem é a culpa? …………………………………….......... 167

3.2.2.1.1. Multimedia, demonstração e participação (o toque) – do virtual ao manual

…………………………………………………………………………….................. 173

3.2.2.1.2. Costurar programas diferentes …………………………………………… 180

3.2.2.1.3. O que fazer? ................................................................................................. 180

3.2.2.1.4. Repercussões – o bichinho ……………………………………………...... 181

3.2.2.1.5. O museu «construtivista» ………………………………………………… 184

3.2.2.2. O serviço à comunidade: educar, aprender, formar e… entreter …………... 185

3.2.2.2.1. O conceito de museu: mudança e Nova Museologia ……………………... 187

3.2.2.2.2. Uma recém necessidade, um recém compromisso: educar ………………. 190

3.2.2.2.3. Numa pequena ingressão pelo exemplo norte-americano ………………... 193

3.2.2.2.4. As diferentes modalidades de museu do século XXI …………………….. 195

3.3. Os museus da ciência, da tecnologia e da indústria …………………………. 202

3.3.1. O início das colecções científicas e industriais e o novo conceito de vivência

museológica …………………………………………………………………………. 203

a) O Conservatoire des Arts et Métiers de Paris ……………………………………. 203

b) O Museum of Science and Industry of Chicago e o Museum of Science and Industry

of Manchester ……………………………………………………………………….. 205

3.4. As novas tecnologias da comunicação e o conceito de interactividade ……… 207

3.5. O património natural, a ecomuseologia e a preservação in situ ……………. 208

3.5.1. A museologia do meio ambiente ……………………………………………… 208

3.5.2. O ecomuseu …………………………………………………………………... 209

3.5.2.1. Os ecomuseus em Portugal …………………………………………………. 210

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Capítulo IV | Da realeza fabril a centros de património cultural vivo. Três casos de

identidade própria mas com traços comuns: a fábrica, o museu e a

comunidade…………………………………………………………………………. 212

4.1. Museu local: origens e metamorfoses ………………………………………... 215

4.2. De que se fazem, então, os museus locais? ........................................................ 220

4.3. Como ser museu para «o público e o “não-público”»? ................................... 224

4.3.1. Como atrair o «“não-público”»? ........................................................................ 226

4.4. Ser-se museu em pequenas e médias comunidades: Covilhã, Guarda e

Portalegre. Um novo instrumento de valorização patrimonial local e regional

……………………………………………………………………………………….. 227

4.4.1. O Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (MUSLAN – Covilhã):

vórtice da história da indústria da lã portuguesa …………………………………… 229

4.4.2. O Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda): por entre teares, farrapos e

cobertores de papa …………………………………………………………………... 248

4.4.2.1. O cobertor/manta de Papa ………………………………………………….. 251

4.4.3. O Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (Portalegre) e a tapeçaria-

quadro ……………………………………………………………………………….. 255

4.4.3.1. A técnica: o ponto artístico …………………………………………………. 266

4.4.3.2. O processo de manufactura da tapeçaria …………………………………… 267

4.4.4. Breve análise da experiência museológica no Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior, no Museu de Tecelagem dos Meios e no Museu da

Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino: interpretação de questionários ………………. 268

4.4.5. Considerações (e conclusões) prévias sobre o papel e o impacto do museu … 272

4.5. Bem cultural + proposta turística = produto de valorização local

……………………………………………………………………………………….. 273

4.5.1. O Turismo, o turismo cultural e o museu local ………………………………. 281

4.5.2. «O museu local: entre o ludus e o studium» ………………………………….. 287

Conclusão …………………………………………………………………………... 289

Bibliografia …………………………………………………………………………. 301

Anexos .……………………………………………………………………………… 321

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LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS

Quadro 1: Tabela de valores anuais de exportação de lã a partir de portos portugueses

entre os anos de 1776 e 1800………………………………………………………… 321

Quadro 2: Importações portuguesas no período de 1796-1831……………………… 321

Gráfico 1: Fábricas de lanifícios por distrito em Portugal. Ano de 1881…………… 322

Gráfico 2: Distribuição do número de operários por distrito em Portugal. Ano de

1881………………………………………………………………………………….. 323

Gráfico 3: Evolução do número de estabelecimentos industriais na Beira Interior,

comparando os anos de 1881, 1911 e 1943………………………………………….. 324

Gráfico 4: Número de fábricas de lanifícios em Portugal. Ano de 1943…………… 325

Gráfico 5: Pessoal ao serviço na indústria de lanifícios. Ano de 1943……………… 326

Gráfico 6: Parque Industrial da Covilhã. Ano de 1973. Relação entre as actividades

afectas à indústria de lanifícios e a quantidade de máquinas utilizada……………… 327

ANEXO E – Tabela de interpretação dos questionários ……………………………. 340

LISTA DE FIGURAS

1. Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã)

Figura 1. Planta da área musealizada e intervencionada da Real Fábrica de Panos.

Covilhã ………………………………………………………………………………. 328

Figura 2. Real Fábrica de Panos em obras de reabilitação, 1975. Rua Marquês d’ Ávila

e Bolama. Covilhã …………………………………………………………………... 328

Figura 3. Fachada principal e arco de ligação dos edifícios da Real Fábrica de Panos,

Fevereiro de 2010. Covilhã …………………………………………………………. 329

Figura 4. Tinturaria dos Panos de Lã, Real Fábrica de Panos. Estrutura de caldeira da

Fornalha 4. Obras de conservação e restauro, 1991…………………………………. 329

Figura 5. Sala da Tinturaria dos Panos de Lã, Real Fábrica de Panos. Área de

intervenção arqueológica, 1992 ……………………………………………………... 329

Figura 6. Em cima, Sala da Tinturaria das Dornas, Real Fábrica de Panos. Em baixo,

pormenor da caldeira da Fornalha 9. Reconstituição executada pela Casa Hipólito,

Torres Vedras ………………………………………………………………………... 330

Figuras 7 e 8. A Tinturaria das Dornas, Real Fábrica de Panos, antes e depois das

intervenções arqueológica e arquitectónica. Em cima, em 1976. Em baixo, em 1992

……………………………………………………………………………………….. 330

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Figura 9. Corredores das Fornalhas, Real Fábrica de Panos. Início das obras de

reabilitação, em 1975/76 …………………………………………………………….. 330

Figura 10. Corredor das Fornalhas I, Real Fábrica de Panos, 1992 ………………... 330

Figura 11. Corredor das Fornalhas II, Real Fábrica de Panos ……………………… 331

Figura 12. Pormenor do Corredor das Fornalhas II, Real Fábrica de Panos, Fevereiro de

2010 …………………………………………………………………………………. 331

Figura 13. Vista parcial a partir de um corredor, – (citado na Fig. 12 e que corresponde

ao último patamar descrito) da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira

Interior (UBI) –, da ala das tinturarias, e pormenor de um gabinete. Fevereiro de 2010

……………………………………………………………………………………….. 331

Figura 14. Vista da fachada do Núcleo Museológico da Real Fábrica Veiga ……… 332

Figura 15. Caldeira a vapor De Nayer & C.ª (em exposição permanente no núcleo da

Real Fábrica Veiga) …………………………………………………………………. 332

Figura 16. Vista parcial de uma carda (consta do acervo do núcleo da Real Fábrica

Veiga) ………………………………………………………………………………... 332

2. Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda)

Figura 17. Cobertor branco. Matéria-prima: lã de ovelha churra. Função: cobertor de

cama e objecto de decoração (Oficina José Pires Freire, Maçainhas, Guarda) …….. 333

Figura 18. Cobertor branco com três listas castanhas. Matéria-prima: lã de ovelha

churra. Função: cobertor de cama e objecto de decoração (Oficina José Pires Freire,

Maçainhas, Guarda) …………………………………………………………………. 333

Figura 19. Manta lobeira ou manta espanhola. Matéria-prima: lã de ovelha churra.

Função: cobertor de cama e objecto de decoração (Oficina José Pires Freire, Maçainhas,

Guarda) ……………………………………………………………………………… 334

3. Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (Portalegre)

Figura 20. Ampliação do desenho do cartão de um artista ………………………….. 335

Figura 21. As tecedeiras a tecer a tapeçaria no tear vertical ………………………… 335

Figura 22. Guilherme Camarinha, Leitura Nova, 1969. Dim.: 482 x 1162 cm. Biblioteca

Nacional de Portugal, Sala de Leitura Geral ………………………………………... 336

Figura 23. Almada Negreiros, Domingo Lisboeta. (Tríptico) Dim.: 410 x 205cm …. 336

Figura 24. Joana Vasconcelos, Ave do Paraíso. Dim.: 185 x 132cm ……………….. 337

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INTRODUÇÃO

A década de 1990 foi tempo de mudança. Na museologia: a profissionalização; a

reorganização da orgânica da instituição museológica; a sua chegada ao campus

universitário como disciplina de ensino e de investigação, onde fermenta a

sociomuseologia. O interesse gerado pela Exposição Mundial de 98, em Lisboa; o

arrojo do design de exposição, em contínua evolução; as novas perspectivas sobre os

proventos de territórios de menor escala, sobre os quais se fala em desenvolvimento

local; e a canalização de fundos europeus para projectos de âmbito regional e

desenvolvimento comunitário. Apesar de todas estas motivações, Mário C. Moutinho e

Fernando João Moreira vêem (em 2007) moderação no contexto museológico

português. Esta amenidade é definida pelos docentes como pragmática e obediente «aos

parâmetros seculares que não admitem a discussão». Ao contrário dos exemplos

suscitados por Moutinho e Moreira – no México e no Quebeque, a museologia e os

«movimentos de libertação» imiscuem-se inflamadamente –, «a museologia progressista

portuguesa permanece cautelosa, confinada a um reformismo ditado pelo modelo

económico». E o infausto cenário português não se fica por aí: «fechada sobre si

própria, a museologia portuguesa erigiu um sistema de representação do Estado Novo,

da sua ideologia paterno-corporativista, aspira a outra coisa sem, no entanto, manter os

compromissos assumidos em 74, excepto através de uma lenta progressão no campo de

uma museologia social, de tipo participativa, raramente de autogestão»1.

Depois destas pistas sobre o estado da museologia e dos museus em Portugal,

sentiu-se a necessidade de perceber a sua evolução conceptual, quais as propostas na

esfera desta nova museologia e como se pratica num espaço geográfico particular.

Desceu sobre a disciplina museológica uma componente fortemente sociológica, que

procurou unir os museus e a sociedade contemporânea. A mutação que se descobria na

museologia e nos museus abrigava um conjunto de áreas, que antes não se viram tão

próximas, como as Ciências Humanas, os Estudos de Desenvolvimento, a Ciência dos

Serviços e o Planeamento Urbano e Rural. Desta confluência, Mário C. Moutinho

apresenta a ciência da Sociomuseologia, multidisciplinar, que utiliza o «reconhecimento

1 Pierre Mayrand e Mário C. Moutinho em «Le musée local de la nouvelle génération au Portugal, un pas

en avant dans la gestion communautaire qualitative: essai d’ interprétation épistémologique» in Judite

Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28,

n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 48.

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da museologia como um recurso para o desenvolvimento sustentável da Humanidade,

baseando-se na igualdade de oportunidades bem como na inclusão social e

económica».2 Esta posiciona-se como conciliadora entre o objecto exposto (ao «serviço

de colecções», de acordo com Moutinho) e o indivíduo (ao «serviço da comunidade»)

no campo de acção que é o museu.

E de que tratam os museus, perguntar-se-á? De arte? De objectos arqueológicos

seculares? De antiguidades? Ora, o património vai mais além, e a confirmá-lo está a

actuação do Conselho da Europa, que, a partir da década de 1970, ousou incluir na sua

definição o «ambiente humanizado e edificado», «os centros históricos, conjuntos

urbanos e também rurais, património técnico e industrial», e «a arquitectura

contemporânea», reconhecendo-lhes valor e o contributo para o conhecimento.3 O passo

seguinte fixava a acessibilidade ao património. (E quem é o visado desse património?) A

Natureza e a produção contemporânea desafiavam também o paradigma patrimonial (a

sua classificação estava em discussão), da mesma forma que se trabalhavam as pontes

entre «as referências patrimoniais dos séculos passados» e o «património urbano e

arquitectónico contemporâneo». Foram os assuntos que dominaram as décadas

seguintes (1980-1990) e que justificaram as Declarações de Quebeque, Oaxtepec e

Caracas, aos quais Judite Primo dera relevância em Documentos Básicos de

Museologia: principais conceitos. Abordam-se aspectos como o «contexto», o

«indivíduo» e a «comunidade». Mas como é que isso se materializa?

1. A presente dissertação teve como inspiração o indivíduo. Isto é, como é que ele lida

com o seu passado no presente e qual a importância que lhe dá na sua vida quotidiana.

Pessoalmente, dei por mim, várias vezes, a olhar as janelas de um museu que conheço

desde criança, estudei ao lado dele e trabalhei nele. Mas, recordo-me especialmente de

que antes dessa maior aproximação, era repetente no mesmo acto: passava-e-espreitava,

passava-e-espreitava, e não entrava. Um dia, conheci-o finalmente. É o museu da minha

terra. Nele estão reservados acontecimentos relevantes para a compreensão da história e

2 Mário C. Moutinho, «Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 39.

3 Judite Primo, «Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo (Coord.),

Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa,

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 120.

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evolução da cidade, da região e do país, inclusivamente; àquilo que guarda estiveram

associadas figuras importantes da história nacional. A minha naturalidade covilhanense

não me toldou a visão, apenas me instigou a querer saber mais sobre esta lã de que tanto

ouvia falar. Levou-me à Guarda e a Portalegre, também sítios de lã. Assim cresceu a

vontade de perceber qual a relação entre as três regiões no âmbito da indústria dos

lanifícios, a querer saber o que as unia e as distanciava, como respondiam umas às

outras na progressão da actividade, e como contribuíram para esta história. A Beira

Interior e o Alto Alentejo teriam uma identidade têxtil comum?

2. Tendo conhecimento de três museus relacionados com o têxtil, nomeadamente a lã,

impunha-se perceber de que forma é que o museu é capaz de trabalhar esse tema e de

apresentá-lo a um público. Também o pensamento correu do lado inverso: como e por

que é que as pessoas procuram saber sobre o seu passado e a sua identidade. Será o

museu capaz de passar a mensagem a um público? Mais, será capaz de comunicar com

ele? E, mais intimamente, com a localidade onde está inserido e com a comunidade a

que pertence? Como o concretiza?

Antes do discorrer deste conjunto de «se» e de «como», a primeira dúvida é, na

verdade, o que é comunicar? Depois, segue-se essa série interrogativa: Como ocorre a

comunicação? Como se aplica(m) a(s) teoria(s) da comunicação ao museu? De que

forma é que esta(s) é(são) executada(s) pelo museu? Aliás, qual a relação entre museu e

linguagem e de que forma, e até que ponto, esta interfere no processo museológico?

3. Está consumado que os objectos significam. «É como se os objectos tivessem a sua

própria linguagem», comentam Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina. A

significação do objecto divide-se em três indagações indispensáveis para assim a

interpretação se concretizar:

1) «significado funcional, que responde à pergunta: para quê e como se usam?»

2) «significado simbólico, que responde à pergunta: que valor tem para mim?»

3) «significado contextual, que responde à pergunta: em que situação ou cenário se

encontram?»

Outras mais aguçam a vontade de trinchar o objecto: questiona-se sobre o seu

aspecto físico (quais as suas características físicas e por que é que apresenta essas e não

outras); questiona-se a sua composição, os seus materiais, a sua combinação com outros

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fazem-nos duelar com construções já existentes; questiona-se sobre a procedência, sobre

o fabricante e sobre o período em que ganhou existência. As fórmulas e formulações de

apresentação de um objecto são variadas.4

A descrição anterior parece centrar-se obsessivamente no objecto, porém,

perceber-se-á que há outros factores (além daqueles que pretendem inspeccionar a sua

tangibilidade) que não se aprisionam na matéria. Ao falar-se em significação e em

interpretação de significado, pressupõe-se a existência de um intérprete. Esta figura, o

intérprete, começa a aparecer não unicamente como indíviduo solitário, mero

observador do objecto, mas como elemento de um colectivo que tem poder sobre o

objecto e este sobre ele. A segunda metade do século XX é tempo de questionamento e

de clarividência. O ser social explorador e experimentador desperta e o museu também

se revê na necessidade de renovação e de reencontro. O que é que a Nova Museologia

traz para o museu e quais as suas funções são questões medulares. Neste sentido, a

missão pública e a intervenção social revelam um outro tipo de instituição.

Pregava Pe. António Vieira, na Capela Real, no ano de 1655, que «as palavras

ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos

olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos»5. As acções

têm uma magnitude que as palavras, invisíveis, nem sempre alcançam.

A exposição museológica não se confina à aparência, nem o museu ao trabalho

de manutenção e de guardião das relíquias. Esses tesouros estarão, agora, envolvidos

numa acção mais diversificada, mais informal e de maior proximidade? Interpretação e

serviço à comunidade apoderam-se da produção científica sobre a museologia dos finais

do século XX e inícios do século XXI, e não têm preferência por tipologias de museu. A

educação/aprendizagem e o entretenimento conhecem-se nesta altura, a tecnologia

chega como que em pós de perlimpimpim, e a margem até onde conhecimento e

diversão se complementam ou se asfixiam começa a suscitar reflexões mais demoradas

e vigilantes. Eis que se questiona: Onde se enquadram os museus locais na nova

concepção museológica? E, nomeadamente, os museus de centros urbanos do Interior

português.

4 Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, Museo local: la cenicienta de la cultura,

Biblioteconomía y Administración Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008, p. 223.

5 Pe. António vieira, Sermão da Sexagésima, p. 11. (Ver http://www.bocc.ubi.pt/pag/vieira-antonio-

sermao-sexagesima.pdf)

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4. Neil Postman comenta, de tonalidade poética: «“O museu é um farol da consciência

social, um historiador do futuro, uma muralha contra a escuridão e o desespero, e um

templo de elevação do Homem e, por isso, um museu precisa dialogar com a

sociedade”»6. O museu local tem nestas palavras a sua vocação? De onde provém este

tipo de museu? Como se caracteriza? Como actua? O Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior, o Museu de Tecelagem dos Meios e o Museu da

Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, cujas matrizes bebem a memória e o espírito dos

respectivos locais são capazes de produzir sentimento de pertença? Como é ser-se

museu em pequenos núcleos populacionais? (Esta é uma das questões basilares.)

O ócio cultural instalou-se nos centros históricos, a partir do qual se criaram

actividades. Visualiza-se o património arqueológico, arquitectónico, artístico na óptica

do consumo numa tendência ascendente. Os seres humanos são seres históricos e, por

isso, essa atracção não se quebrará.7 Mestre e Molina lembram que um dos teóricos

mais marcantes da economia moderna estaria, na actualidade, a retractar-se:

«Adam Smith, (…) na sua famosa obra, considerava que as profissões dedicadas à cultura e ao

ócio não contribuíam para a riqueza das nações, e situava-os todos no âmbito por excelência

dos não produtivos. Hoje, os seus colegas não estariam de acordo com este ditame, já que o

ócio e a cultura são factores determinantes no produto interno bruto de qualquer sociedade

avançada. E os museus e as exposições constituem uma das fundações nas quais se apoiam a

indústria cultural e o ócio»8.

O que não significa que a maioria dos museus, nomeadamente os locais,

consigam ser exactamente um negócio e grandes geradores de lucro. Se (ainda) não são

um negócio – ou, numa terminologia economicista mais eufemística, um produto

turístico –, conseguirão vir a sê-lo? E de forma sustentável?

Na Constituição Portuguesa consta que, como princípio fundamental, «o

património cultural português é constituído por todos os bens materiais e imateriais que,

pelo seu reconhecido valor próprio, devam ser considerados como de interesse relevante

para a permanência e identidade da cultura portuguesa através do tempo», mais se

6 Neil Postman, Museus: geradores de cultura. Haia: ICOM, 1989 (texto impresso), abertura da 15.ª

Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus/ICOM, em Haia-Holanda. Apud Maria Cristina

Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in Cadernos de

Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em Museus, n.º 25,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, pp. 9-10.

7 Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 229.

8 Idem, p. 219.

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acrescenta que «1 – É direito e dever de todos os cidadãos preservar, defender e

valorizar o património cultural. 2 – Constitui obrigação do Estado e demais entidades

públicas promover a salvaguarda e valorização do património cultural do povo

português».9

5. A metodologia aplicada na presente dissertação compôs-se de uma sequência

simples: i) a leitura de bibliografia científica produzida nas áreas da Museologia e da

Sociomuseologia para a componente teórica, e de literatura publicada sobre a história

dos lanifícios para a contextualização histórica e sobre os museus identificados nas

regiões da Beira Interior e Alto Alentejo para sua análise como casos de estudo; ii) a

visita, observação e experiência presencial como visitante; iii) e a elaboração de um

questionário com o intuito de perceber, com base numa análise qualitativa, qual a

relação do público/indivíduo com o museu que visita. Este tem, por isso, um cariz

sociológico mais do que museológico ou museográfico, uma vez que foram as questões

relativas ao grau de conhecimento e de envolvimento com a temática, o museu e a

própria localidade e a motivação da escolha do museu a sobressaírem. Aproveitou-se,

ainda, para extrair dessa amostra a opinião sobre determinados aspectos da sua

vivência/experiência de visita e de contacto com a instituição e os seus serviços.

No Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, os questionários

estiveram disponíveis ao público durante duas semanas, repartidas pelos meses de Julho

e de Agosto; no Museu de Tecelagem dos Meios, permaneceram durante quase todo o

mês de Novembro; e, no Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, ocuparam o

período de meados de Setembro até meados de Outubro. A não coincidência temporal da

disponibilização dos questionários deveu-se a motivos de calendário das próprias

instituições.

9 Cf. Diário da República, I Série, Lei n.º 13/85, de 6 de Julho de 1985, Título I – Princípios

Fundamentais, Artigo 1.º e Artigo 2.º. (Diário da República, disponível em

http://dre.pt/pdfgratis/1985/07/15300.pdf)

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Revisão da Literatura e Estado da Questão

O novo enquadramento do museu na organização social, educativa e cultural das

comunidades encaminhou um crescente número de estudos para o conceito de Nova

Museologia e para as novas tendências museológicas que definem o novo estatuto do

museu.

No tocante às instituições museológicas industriais, a produção científica é

reduzida e a abordagem de pendente histórico, apostando na análise de conceitos como

Património e Museu no século XVIII e na sua evolução desde o século XIX até ao pós-

25 de Abril. José Miguel Casal Cardoso Neves concentrou os seus estudos na origem,

na concretização e no desenvolvimento daquilo que designou por «fenómeno dos

Museus Industriais em Portugal»10

com o balizamento temporal de 1822 a 1976.

Interessado em interpretar o contexto do «recente surto de experiências museológicas

nesta área», define o conceito de museus industriais como sinónimo de museus técnicos,

influenciado pela abrangência que o século XIX suscitava e que se materializava em

«temáticas» comerciais, agrícolas e marítimas. Estas actividades eram entendidas como

«ramos da indústria em geral». O conceito de museus industriais, trabalhado por este

autor, acolhe também os museus da ciência e da técnica, embora, de acordo com o autor,

venham a ser mais frequentes apenas nos anos setenta do século XX. O seu trabalho

termina, assim, antes do período que vê nascer os casos de estudo aqui apresentados.

Atendendo às conclusões de Cardoso Neves, o século XIX foi já um importante

período da história para a museologia industrial, para a construção de colecções deste

tipo de património (máquinas, instrumentos, produtos, entre outros) e para as investidas

na criação de mecanismos (meios e processos) de exposição e aproximação do público.

Diz-nos também que o museu industrial em Portugal foi inspirado no Conservatoire des

Arts et Métiers de Paris com o objectivo de promover a Indústria, embora sem

resultados significativos. Era, enquanto «extensões pedagógicas do ensino industrial e

técnico entretanto criado»11

ainda no século XIX, onde residia a motivação da sua

existência, constituindo-se como componente prática da formação escolar industrial.

Contudo, a «articulação» entre as escolas e os museus não foi suficientemente

10

José Miguel Casal Cardoso Neves, Museus industriais em Portugal (1822-1976): sua concepção e

concretização, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1996, p. 1. (Dissertação de mestrado em

Museologia e Património.)

11 Idem, p. 111.

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consistente para a subsistência de alguns museus industriais e comerciais.

As colecções em exibição nestas instituições eram, também, na segunda metade

do século XIX, usadas sobretudo com uma finalidade promocional, comparando

produtos, matérias-primas e procedimentos de fabrico nacionais e estrangeiros, numa

tentativa de acreditação da evolução tecnológica e industrial portuguesa. O autor

constata, à data do seu estudo, a marca da insuficiência de exemplares de maquinaria

que representassem o percurso industrial e técnico. A história da técnica sustinha-se,

então, em instrumentos agrícolas e piscatórios, perdendo a possibilidade de

salvaguardar peças simbólicas como a máquina a vapor. O desenvolvimento dos museus

industriais não deixou de ser condicionado pela política. Cardoso Neves observa que

entre a 1.ª República e o final do Estado Novo existe uma «diminuição significativa de

museus industriais, alteração que só muito recentemente se tem vindo a modificar»12

. A

rejeição da tecnologia, isto é, do desenvolvimento técnico e tecnológico coadunava-se

com a pretenção de não alimentar museus relacionados com esta área e que pudessem

minar o pensamento ideológico estado-novista.

A pesquisa no catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal revela resultados que

não satisfazem o objecto específico que motiva a dissertação que aqui se enceta – os

museus industriais têxtis dedicados à lã –, com excepção dos catálogos elaborados pelo

Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (e algumas [poucas] publicações

relativas à tapeçaria de Portalegre, produto de um dos outros dois museus que integram

os casos de estudo deste trabalho). Quando a busca se torna mais abrangente, e se

encurta a expressão para «museus industriais», os resultados não são quantitativamente

significativos e o enquadramento temporal situa-se entre 1884 e 2000, reportando a

alguns casos específicos mais carismáticos que têm raízes no século XIX,

nomeadamente os Museus Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto.

Entre os resultados da pesquisa, surgem obras sobre a relação entre museus e

escolas desta área de actividade em Portugal, a dissertação de Cardoso Neves como

documentação deste tema, e a museologia e arqueologia industrial. Neste campo, os

nomes mais repetidos são os de Jorge Custódio e Joaquim Ferreira Gomes, que se

tornaram referências de estudos e investigações subsequentes. O primeiro com

particular expressão na obra Museologia e Arqueologia Industrial. Atento, por um lado,

ao papel de um dos grandes sectores de actividade nacionais – a indústria –, àquilo que

12

Idem, p. 3.

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a arqueologia industrial pôde desvelar, e à resposta por parte da acção de protecção e

preservação (musealização) dessas infraestruturas e equipamentos fabris. Por outro,

procurou-se «compreender e interpretar» a relação da sociedade portuguesa com esse

espólio no «processo do desenvolvimento histórico, socioeconómico, tecnológico e

cultural», como afirma Jorge Custódio. Esta obra serviu ainda o propósito de divulgar

os fundamentos, os objectivos e o programa da criação do Museu de Lanifícios da UBI,

além da apresentação de outros casos de âmbito industrial (mas não têxtil e laneiro),

convocando o interesse para esta área há já duas décadas.

No Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior –

Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos13

são exibidas, no seu arranque,

questões que preparam o leitor – e quem sabe futuro visitante – para uma nova

personalidade do museu (enquanto instituição). A primária e tradicional função de

salvaguarda de um pedaço de património – denso, não só pelo peso da sua matéria

(peças, instrumentos, maquinaria, etc.), mas também por ser representante de um sem-

número de aspectos construtores da(s) comunidade(s) e da sociedade, de épocas,

pessoas, vivências, História e estórias – é sempre o Acto I. Os processos que se seguem

surgem já não como deixas discretas, mas como potenciadores desse Acto I que, cada

vez mais, caracterizam, preocupam e orientam quem trabalha o museu enquanto

«espaço educativo, de investigação, de comunicação e de lazer» e «pólo de promoção e

de dinamização cultural».14

Este foi um dos temas de debate que consta das Actas da

Associação Portuguesa de Museologia ainda do final da década de 1970. A abertura; a

interactividade com o visitante; a capacidade de se assumir como centro interpretativo,

educativo e dinâmico; e a procura das melhores formas de dar a conhecer o seu acervo e

de que o seu público o compreenda traçam o destino deste trabalho. Este dispõe-se a

analisá-lo, a interpretá-lo e a confrontá-lo em localidades retiradas dos grandes centros

polarizadores da dinâmica nacional, sob uma temática característica das localidades em

causa e com influência não só local, mas também regional.

A opção de investigar a comunicação do património industrial têxtil

musealizado, em particular o laneiro, impõe uma observação prévia: o estudo desta

13

O ano de edição do catálogo é 1998.

14 José Amado Mendes lembra El museo como espacio de communicación, de Francisca Hernández

Hernández, no prefácio do Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo

da Tinturaria da Real Fábrica de Panos (Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de Lanifícios,

1998, p. 11). A obra de Hernández é coeva do referido Catálogo.

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temática neste contexto comunicacional e relacional com as suas regiões é parco. Os

museus que assumem esta identidade, concretamente na Beira Interior e no Alto

Alentejo (Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior [Covilhã], Museu de

Tecelagem dos [Guarda] e Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino [Portalegre])

não foram alvo de estudos académicos mais avançados. Observam-se, como foi

indicado, alguns estudos dedicados aos museus industriais, ou melhor, à museologia

industrial portuguesa, focando ora a sua história ora o património industrial. Em

acelerado crescendo está a atenção dedicada ao estudo da missão do museu, no seu novo

perfil: mais activo e menos esfíngico, mais comunicativo e relacional.

Quando se reporta mais concretamente à museologia local e regional e às novas

tendências museológicas, o estudo direcciona-se com maior frequência para o

ecomuseu, entre as novas tipologias de museus que surgem após o 25 de Abril de 1974.

João Manuel Mendes de Oliveira Diogo, em 1997, propôs-se ao estudo dessa

diversidade museológica, embora recue àquilo que foi a museologia regional e local da

segunda metade do século XIX e ao Estado Novo. Neles buscou respostas que possam

explicitar o contexto do último quartel de Novecentos em diante: «As dificuldades que

se colocam à delimitação das áreas de intervenção desses museus, a definição dos

critérios a que deveria obedecer e a impossibilidade de determinar de forma clara,

consistente e rigorosa a fronteira entre museu regional e local em Portugal»15

.

Importante será conhecer esse novo entendimento museológico regional e local em

Portugal e como é que a mudança a ele subjacente configurou a existência e a actuação

dos casos de estudo elencados dentro dos objectivos definidos.

O conceito democratização da cultura trazia não só novidade como a revolução

do papel e da imagem dos museus perante o público. Um museu mais acessível e

entendível, que requer também a participação da sociedade. Interactividade é o termo

que se descortina de forma mais evidente com as novas tecnologias da comunicação.

Também o público se modificou: ao grupo restrito de indíviduos intelectual e

culturalmente abastados (a quem inicialmente se destinavam as exposições) sobrepõe-se

o oxímoro de uma massa diversificada, impaciente, menos contemplativa, mas mais

inquisitiva perante o que observa.16

A nova situação política em que Portugal se

15

João Manuel Mendes de Oliveira Diogo, Museologia regional e local em Portugal ontem e hoje:

urgência de uma política, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1997, p. 13. (Dissertação de mestrado

em Museologia e Património.)

16 Carla Altamirano, Carolina Crespo, Erica Lander e Natalia Zunino, «Modalidades de apropiación del

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encontrava propiciara um crescimento significativo da museologia local e regional. A

autonomia que o poder local foi granjeando passou a confiar-lhe áreas como a cultura. A

vinda do museólogo Per-Uno Agren, em 1976, na sequência de um pedido à UNESCO,

tem como objectivos avaliar o panorama museológico português, mas também

«aconselhar as autoridades centrais sobre as medidas mais apropriadas para melhorar a

coordenação entre os diversos museus existentes, a descentralizar a acção desses

museus e a criar museus de um tipo novo com grande participação popular»17

. Estes

assumir-se-iam como agentes de «acção cultural»18

. A partir de 1976, surgem alguns

organismos afectos a esta área, como o Instituto de Salvaguarda do Património Cultural

e Natural19

, substituído em 1980 pelo Instituto Português do Património Cultural

(IPPC)20

.

Oliveira Diogo estuda o fenómeno apenas até a década de 1990, mas o aumento

exponencial desses representantes da cultura local e regional prosseguiu no tempo (os

museus municipais são exemplo disso). Assevera ainda, considerando a realidade dos

anos 90, que esse incentivo museológico se repercutiu mais quantitativamente do que

qualitativamente, coxeando na definição de uma política museológica local e regional

estratégica e sustentável. Em 1991, foi criado o Instituto Português de Museus (IPM)21

.

Sinal de autonomia e especificidade «no contexto da política patrimonial portuguesa», e

de responsabilidade.22

Uma das preocupações expostas pelo autor é a dependência dos

museus locais e regionais em relação às autarquias. Uma situação que perdura no século

XXI. A dependência está além das ambições autárquicas e prende-se sobretudo com o

ciclo dos mandatos, as políticas e os programas, muitas vezes interrompidos.

O poder político português percebeu a importância do património (embora a um

ritmo pouco condizente com o de outros países europeus) e sobre ele produziu

legislação que «orientou, restringiu e definiu o que os museus deviam, e não deviam,

patrimonio: el museo y su público» in Arte y recepción. VII Jornadas de Teoría e Historia de las Artes,

Buenos Aires, CAIA (Centro Argentino de Investigadores de las Artes), 1997.

17 João Manuel Mendes de Oliveira Diogo, op. Cit., p. 189.

18 Idem, p. 189.

19 «V. Despacho de 20 de Junho de 1977, Diário da República, II Série, n.º 166.» Idem, p. 189.

20 «V. Decreto-Lei n.º 59/80, de 3 de Abril, Diário da República, I Série, n.º 79.» Idem, p. 189.

21 «V. Decreto-Lei n.º 278/91, de 9 de Agosto, Diário da República, I Série, n.º 182.» Idem, p. 189.

22 Idem, p. 191.

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27

manter»23

, por intermédio da qual se pôde acompanhar o significado de património ao

longo do tempo e dos diferentes regimes políticos. Sérgio Lira esclarece que o conceito

de património cultural integrou cedo a legislação produzida pela Primeira República e

teve prossecução até à década de 1960. Os museus encontram definição legal na década

de oitenta (pelo Decreto-Lei n.º 45/80 de 20 de Março de 1980, artigo 1.º). Entretanto,

diversa legislação internacional foi-se firmando – da Convenção de Haia, de 14 de Maio

de 1954, à Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico, em

1969, a que Portugal adere em 1982, destacando aqui as escavações e as descobertas

como sustento daquilo que são os «bens arqueológicos». E outras convenções afectas ao

património cultural e natural e à salvaguarda do património arquitectónico europeu.24

A evolução dos conceitos de museu, museologia e museografia tem permitido

uma crescente teorização e, como tal, uma problematização continuada, com especial

atenção para a pragmatização dos mesmos. Desta primeira conclusão, espremida da

extensa literatura que está em construção, importa conhecer o contributo de

investigadores que têm acompanhado a problemática da relação daqueles conceitos com

a sociedade. Luis Alonso Fernández procura compreender a sua evolução e a sua

adequação aos tempos. Dos factos e das novas formas de pensar, Fernández constata, na

sequência do período contemporâneo da pós-industrialização – pós-moderna e

neobarroca, segundo alguns – a atribuição de um novo papel ao museu no domínio

cultural, e patrimonial em particular. Além de espaço de armazenamento, de

conservação e de exposição de objectos, o espaço museológico assume novas funções

na sociedade. Entre outros, Fernández recorre a Marc Maure, Peter van Mensch, André

Desvallées, Tomislav Šola e Zbynӗck Z. Stránský para com estes reflectir sobre a

grande mudança na museologia que o pós-II Guerra Mundial propiciou.

O acesso à cultura e à arte é uma das consequências ideológicas da Revolução

23

Sérgio Lira, Políticas museológicas e definição do conceito de Património: Da norma legislativa à

prática dos museus, Águas Santas, Abril de 1999, p. 1. (Prosrestauro – O portal de Conservação e

Restauro, http://www.prorestauro.com/index.php?option=content&task=view&id=58, acedido em 3 de

Julho de 2011.)

24 Em 1965, é publicado o Regulamento Geral dos Museus de História, Arte e Arqueologia, onde se

salienta a ideia de um museu «para todos», embora descurando a referência a museus de técnica ou de

ciência. A década de 1970 mostra uma maior abertura dos museus a outras áreas de interesse – científica,

social e técnica – e, consequentemente, a redefinição dos limites do que é património. Idem, pp. 2-8.

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Francesa (1789), em que o museu surge como «instituição pública e patrimonial»25

. O

seu processo metamorfósico tem sido acompanhado por questões que o envolvimento

entre o agente social e a herança que produz (material ou imaterial) suscita: a influência

do contexto (socioeconómico e cultural) e da «sociedade em desassossego»; que

materiais ou objectos poderão integrar ou constituir colecções; quais deverão ser

expostos, divulgados, conservados e apresentados como «válidos e interessantes» para o

público, e quais as técnicas adequadas para cumprir tais propósitos. A organização e as

funções são também aspectos essenciais para a construção da orgânica e da imagem do

museu. Há que reavaliá-los atendendo a uma «sociedade cada vez mais ávida em

decifrar e agitar as relações entre o património e o território e a sua comunidade».26

Oferecia-se já à discussão os atractivos instrumentos «tecnológicos,

informáticos, interactivos e mediáticos do museu electrónico e do museu virtual» que se

coordenavam em favor de um maior diálogo com a comunidade, contrariando o

distanciamento que a ordem de exclusiva conservação sobrepunha ao enquadramento e

leitura da peça. No século XX, apresenta-se um museu organizado, vivo e didáctico, nas

palavras de Fernández, além do tradicional «museu-armazém», ao qual se juntam

funcionalidades e qualidades como as laboratoriais e de «banco de dados», mas também

de «sedução e espectáculo».

É sobretudo a partir dos anos de 1960 – pela acção do International Council of

Museums (ICOM), criado em 1946, sob a tutela da UNESCO, para subsitituir a Oficina

Internacional dos Museus (ao abrigo da Sociedade das Nações) –, que os conceitos de

museologia, museografia e museu se estruturam e consolidam. O mesmo sucede com a

Nova Museologia no início da década de oitenta27

. A museologia passa a dividir o seu

estudo entre a história e a função interventiva perante a sociedade e o património. A

investigação, a educação, a apresentação, a animação e a difusão são alguns campos que

colocam o museu e a museologia em contacto com as necessidades dos tempos

modernos – ideia de Georges Henri Rivière que Fernández traz à discussão e que se

harmoniza com o programa do ICOM. O aparecimento do ecomuseu trouxe outra linha

de problematização, relacionada com a preservação dos espaços in situ e o meio

25

Luis Alonso Fernández, Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza

Editorial, 2002, p. 13.

26 Idem, p. 15.

27 Idem, pp. 17-19. A Oficina Internacional dos Museus foi instigada, em 1926, por Henri Focillon,

historiador de arte francês.

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29

ambiente.

Mais activa, pluridisciplinar28

, comunicativa e dialogante com a comunidade – é

assim que Fernández apresenta a (nova) museologia no encerramento da década de

1990. A isso, o museu responde veiculando informação, com particular expressão na

preservação de uma memória colectiva, na construção de uma identidade (de relações

entre a comunidade e o património)29

, educando, mas também como estímulo

económico. Margarida Louro Felgueiras lembra que o turismo cultural e a indústria do

entretenimento poderão ser estratégicos na valorização da cultura e do património.30

Encontram-se, durante os primeiros anos do século XXI, alguns estudos e

publicações que pretendem reflectir sobre a importância que o museu local assume na

trama sociocultural portuguesa. Entre 2002 e 2006, três dissertações são produzidas no

âmbito da Nova Museologia e dos museus locais. Uma (de Paula Marques) focada no

estímulo do património da localidade de Alvaiázere materializado pela proposta de

criação de um museu, procurando consciencializar, preservar e estimar a identidade

cultural local segundo a teoria museológica contemporânea. É, por isso, motivo de

interesse a reflexão sobre questões como a recuperação, a salvaguarda e a valorização

de património material e imaterial, a preservação in situ e a mobilização da própria

comunidade. As outras aproximam-se geograficamente das escolhas para este estudo.

Destas, a de Aida Rechena trata os concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova,

Penamacor e Vila Velha de Ródão como pólos onde comunidade, património e espaço

se conciliam numa perpectiva de identificação e desenvolvimento locais. A outra, de

28

Veja-se a importância que o Decreto-Lei n.º 245/80, de 22 de Julho de 1980, atribui a esta componente

no âmbito da defesa do património cultural. Sérgio Lira, op. Cit.

29 Também Cristina Bruno, em Cadernos de Sociomuseologia – Museologia e comunicação, refere a

contribuição da museologia para a composição de uma identidade. O museu torna-se decisivo para o

confronto entre o indíviduo (singular ou colectivo) e o património criado, do qual se toma consciência

pela formação, preservação e comunicação de uma memória, que se forma por meio de uma análise

semiótica instintiva (interpretando «sinais, imagens e símbolos», conjugados com sensações e ideias)

desse passado. Fase crucial e que encerra a ordem de finalidades que também foram apontadas. Cristina

Bruno, «Museologia: algumas idéias para a sua organização disciplinar» in Cadernos de Sociomuseologia

– Museologia e Comunicação, vol. 9, n.º 9, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 1996, pp. 9-33.

30 Margarida Louro Felgueiras, «Materialidade da cultura escolar. A importância da museologia na

conservação/comunicação da herança educativa» in Pro-Posições, vol. 16, n.º 1 (46), Janeiro/Abril, 2005,

p. 99.

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Maria Filomena Carvalho, na mesma linha, prospecta para o concelho de Seia um

complexo museológico animado pelos têxteis. Estes contributos exemplificam o novo

cenário de valores e dinâmicas investigado, aprofundado e em permanente actualização

por vários autores, sobretudo a partir dos anos de 1990.

São vários os investigadores que se dedicam a este assunto, com destaque para

Fernando João Moreira, Judite Santos Primo e Mário C. Moutinho. Como refere Judite

Primo em The Importance of Local Museum in Portugal31

, o processo evolutivo dos

museus locais passou até agora por quatro fases, iniciando-se no despertar e «afirmação

de outras práticas museológicas possíveis» depois do 25 de Abril até uma fase mais

recente de entendimento do museu como «recurso».32

A investigadora atribui aos

museus locais o papel fundamental de «instrumento de difusão cultural e de herança da

importância local e impacto»33

, sem desmerecer a atitude de cativar a «força criativa da

população» e de se tornar o reflexo de uma «iniciativa colectiva».34

O que vem

corroborar a chamada de atenção da autora para uma mudança de percepção

relativamente ao estatuto deste tipo de instituições: «Os museus locais, que num

passado recente eram vistos como factores menores na política cultural oficial, são hoje

reconhecidos pela União Europeia como essenciais desta mesma política».

A Nova Museologia planeia para o museu local um desenvolvimento em duas

dinâmicas: «endógeno e exógeno». A sua participação na comunidade abre

possibilidades de progredir num plano de atracção turística, promovendo os produtos e

saberes locais, a experiência colectiva e a sustentabilidade.35

Fernando João Moreira

havia cimentado esse novo comportamento do museu em 2000: «O museu local do tipo

que defendemos como estando ao serviço da população não pode negar atenção à

tendência interna da sua acção», tal como «promover experiência colectiva; estimular

processos de participação e reflexão; manter a importância de todos os saberes,

31

Extracto da sua dissertação de mestrado intitulada Museus Locais e Ecomuseologia: Estudo do Projecto

para o Ecomuseu da Murtosa, de 2000, in Cadernos de Sociomuseologia – Museus Locais e

Ecomuseologia: Estudo do Projecto para o Ecomuseu da Murtosa, vol. 30, n.º 30, 2008.

32 Judite Primo, «The Importance of Local Museum in Portugal» in Cristina Bruno, Mário Chagas &

Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa,

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 93-94. A constatação de Judite Primo

fundamenta-se em Mário Moutinho.

33 Idem, p. 96.

34 Idem, p. 101.

35 Idem, pp. 111-112.

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independentemente do seu perfil profissional ou científico; privilegiar os processos mais

do que os produtos finais; é concebido e construído pela população, eventualmente com

o auxílio técnico de museólogos; é gerido com e para a população; é avaliado não só

relativamente a parâmetros económicos, mas também quanto a serviços prestados ao

domínio social»36

.

Há que considerar um público que não se cinge ao habitual. Há também o

público possível/pretendente que – por meio de materiais como livros sobre conteúdos

musealizados, da visita a uma exposição temporária ou por ter recebido informação em

contexto escolar, entre outros – interage, num primeiro momento, por intermediários.37

Em síntese, um importante acontecimento define o museu: a sua «permanente

construção e mudança»38

. No entanto, há realidades que se esfumam neste novo

paradigma.

Encontrar no museu um prestador de serviços seria o desejável, mas de acordo

com Mário Moutinho a tensão encontra-se na dependência de subsídios do Estado, de

entidades beneméritas e outras. Constata, portanto, que a instituição museológica não

consegue assumir-se plenamente como tal. Também a irregularidade na aplicação das

novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) torna-se num falsete mal

colocado, quando poderia apoiar a estrutura organizativa e inovar, apresentando serviços

criativos e atractivos. Perante a explanação do conceito de museu pelo ICOM, em 2007,

como «instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e aberta ao

público que adquire, conserva, estuda, expõe o património material e imaterial da

humanidade para fins de estudo, educação e lazer», Moutinho encontra, na realidade,

um «paradoxo» quando verifica que essa entidade não se reconhece como tal.39

Soma-se

36

Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas

& Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa,

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 27.

37 Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» integrado em The

Museums’ Public in Portugal: characterisation and motivations, (POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic

Study Centre [Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT]), 2005. In Cristina Bruno, Mário Chagas

& Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa,

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007.

38 Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in op. Cit., p. 27.

39 Mário C. Moutinho, «Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2008, pp. 36-37.

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o preconceito relativo ao museu local que, do ponto de vista de Joan Santacana i Mestre

e Nayra Llonch Molina40

, compromete a cultura. Etiquetados como «“cultura local”»,

nas palavras dos investigadores, têm, em regra, menor compleição orçamental do que os

nacionais e são negligenciados nos recursos que deveriam ter à disposição para cumprir

a sua tripla linha de actuação: «Conservar, investigar e socializar o conhecimento».

Apesar de o contexto analisado por Mestre e Molina não ser o português, há aspectos

(concretamente os que foram apresentados) que se repetem na versão lusitana e que, em

acelerado compasso no século XXI, continuam a exigir preocupação, estudo e

perseverança da comunidade museológica e científica, bem como da sociedade.

Em Staff and training in regional museums refere-se a descompensação que

Mestre e Molina observaram no seu contexto e, por outro lado, a capacidade de os

museus locais se envolverem mais intimamente com as comunidades do que as

instituições de maior dimensão. A conferência com o mesmo nome, que juntou o

International Committee for Regional Museums (ICR) e o International Committee for

the Training of Personnel (ICTOP), em Outubro de 2009, resultou numa obra que visou

distinguir a educação como componente imprescindível para aquilo que é tido como o

seu «âmago»: a comunicação.41

Este é exemplo de uma crescente e interessada

produção bibliográfica sobre o(s) caminho(s) da museologia (para a qual têm

contribuído o ICOM, o ICR, a American Association of Museums [actual American

Alliance of Museums] e outros) e o funcionamento interno e externo dos museus42

.

Bibliografia endereçada, cada vez mais, para os efeitos da Nova Museologia e da

interligação de várias áreas apostadas numa convivência mais intensa e participada da

díade museu-público (e, acrescente-se, do museu local). A esta conclusão junta-se a

pouca literatura existente sobre museus industriais têxteis, de essência laneira, e, como

40

Num trabalho dedicado aos museus locais espanhóis (ao qual se junta o património ao ar livre) como

consumação da «rede básica do património» daquele país. Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch

Molina, Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración Cultural, Gijón,

Ediciones Trea, 2008.

41 Goranka Horjan, «Towards the education we really need in regional museums» in International

Committee for Regional Museums (ICR), Staff and training in regional museums, Paris, ICOM, 2011, p.

13.

42 Desde a concepção espacial do próprio museu à conduta dos funcionários, das suas necessidades aos

desafios e às propostas com que várias equipas, em diferentes países, se vão confrontando. A sua análise

será proveitosa para defrontar o contexto lusitano: o seu planeamento e a relação com o público

especificamente, e sobre as andanças da museologia em Portugal.

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tal, perfila-se um circuito – Covilhã-Guarda-Portalegre – pouco explorado

cientificamente sob o plano traçado, mas de longa ligação histórica.

As várias leituras e as pesquisas efectuadas em diversos centros e instituições de

referência permitem concluir que não existem estudos que congreguem as

especificidades da temática a que esta dissertação se propõe. Conclui-se, igualmente,

que este conjunto de casos específicos não foi ainda tido como objecto de reflexão sob a

ordem de objectivos propostos: a interacção e a convivialidade entre a instituição

museológica e os públicos locais, envolvendo património edificado, acervo, espaços

(localidades), formas de comunicar e potenciais acções complementares. Existem, sim,

algumas dissertações, ensaios, artigos e outro tipo de publicações nacionais e

internacionais que trabalham alguns destes pontos separadamente.

Sugere-se, aqui, a hipótese de estudo de três instituições museológicas à luz da

sua missão, da comunicação e do seu papel de instigadores de desenvolvimento,

enquanto membros de uma localidade e de uma região. A este nível, será também

importante reflectir sobre a gestão integrada desse património, avaliando o estado de

articulação desses mesmos organismos. Procura-se, pois, descobrir de que forma é que

os lanifícios – que, aquando da industrialização pombalina, conferiam unidade

produtiva regional aos distritos de Castelo Branco, Guarda e Portalegre – são, hoje, no

âmbito dos novos ditames de acção museológica, elemento de comunicação desse

passado, de aproximação das comunidades, dinamizador de cada local e turisticamente

unificador da região.

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PARTE I

O MUSEU: ENTRE A HISTÓRIA DOS LANIFÍCIOS E A

COMUNICAÇÃO DE PATRIMÓNIO

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CAPÍTULO I | A Indústria dos Lanifícios na Beira Interior e Alto

Alentejo: uma história comum

«Os lanifícios podem-se considerar como

a decana das indústrias portuguesas [...].[sic]»43

Amanhar a terra, e tirar dela proveito, foi a actividade que, no início da história,

permitiu fixar povos e construir comunidades, assim houvesse estabilidade política e

social. Depois, era preciso que as invasões, recordando as bárbaras na Europa, não

prolongassem a barbárie que as caracterizava. Por imposição (e necessidade) de um

novo tipo de vida (de diferentes valores, preocupações e interesses) têm surgido, ao

longo dos séculos, outras e diversas actividades que só essa circunstância proporciona.

Não se fará nesta dissertação uma retrospectiva histórica, com todos os factos,

implicações e argumentos políticos, sociais e económicos, que a evolução da actividade

do homem exige evocar para uma completa e rigorosa explanação desta matéria. Não é

esse o objectivo deste projecto. Mas é reclamada, e com justeza, a presença de um

enquadramento que dê sentido às intenções que se apresentam. Falar-se-á de Portugal,

da actividade industrial têxtil e concretamente da lã. Mais do que falar sobre tudo isto, e

mais do que assumir este capítulo como síntese exaustiva – um oxímoro tantas vezes

prosseguido nos corredores da Academia – de séculos de história intrincada, recordar-

43

A afirmação sugere uma longa vida, mas um nascimento sem registo oficial. A data do seu

aparecimento é imprecisa. Diz-se que os lanifícios são coevos da alvorada da monarquia ou mesmo

anteriores a ela. Também João Manuel Esteves Pereira (1872-1944), um dos contribuidores para a

História de Portugal, menciona a existência de documentação do século XIV com alusões aos panos de lã.

Esteves Pereira, Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª Editores,

1979, p. 149. Conta o historiador que já os «trapeiros» fabricavam manufacturas em lã. Elisa Calado

Pinheiro – no capítulo dedicado à «História dos Lanifícios Peninsular», que complementa o projecto de

investigação dedicado às rotas de transumância que trilham a Beira Interior – identifica um movimento de

«especialização da produção de tecidos» em contexto medieval, em algumas regiões da Península Ibérica,

beneficiando da existência e da qualidade da matéria-prima (lã merina) e de demais recursos favoráveis e,

ainda, dos circuitos internos de mercado e de consumo que então se encorpavam. O relacionamento

comercial entre Portugal e Espanha no que se refere à produção e comércio de lãs e à indústria de

lanifícios será catapultado no século XIX, «com uma particular incidência no território transfronteiriço».

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios

da Universidade da Beira Interior, 2011, p. 201.

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se-á sobretudo uma série de acontecimentos, em que seja possível não tanto provar a

importância desta indústria para o país – porque esse reconhecimento já o tem há muito

tempo –, mas atestar que as regiões da Beira Interior e do Alto Alentejo, outrora

vinculadas pelo fulgor dessa actividade, mantêm, hoje, tal ligação na defesa do

património por ela deixado.

Serve, assim, este primeiro capítulo como entrada para a compreensão desse

património material e imaterial nas dimensões política, económica, social, cultural e até

artística que a actividade das lãs legou ao Interior português, concretamente às regiões

que se apresentam em análise. Exige-se, assim, que se conheça essas mesmas regiões tal

como elas eram há alguns séculos.

1.1. A Indústria Têxtil em Portugal: as motivações, o desempenho e o

impacto nos séculos XVIII e XIX

1.1.1. Cenário político e socioeconómico português: revisão histórica

As artes e os ofícios conquistaram uma posição inestimável nas sociedades e no

seu desenvolvimento. Das armas às edificações (religiosas, por exemplo), dos objectos

de culto à indumentária da Corte, aqui se constrói um foco particular de influência na

sua vida económica, que começara artesanal, doméstica e oficinal. No caso dos panos,

fabricou-se a ideia da sofisticação e a pretensão de a concretizar neste sector por meio

da manufactura.

Carente de empreendedorismo, Portugal cambaleava ao tentar superar as

necessidades tecnológicas da actividade industrial. Nem sempre soube orientar-se

perante as exigências do industrialismo moderno, terreno onde Inglaterra soube jogar.

Contudo, há um efectivo trabalho industrial (têxtil e, dentro dele, laneiro) que

prevaleceu na economia nacional durante os séculos XVII e XVIII, e que se galvanizou

com exportações. Para que tal acontecesse, reuniram-se algumas condições

determinantes, como por exemplo os locais de produção. A costa portuguesa tinha um

papel essencial – o porto de Lisboa era o entreposto indiscutível da vida comercial

internacional –, mas era a produção no Interior que mantinha a vitalidade do comércio

interno português.

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A agricultura foi a «principal indústria»44

dos inícios do reino português, ainda

que sob pressão de mouros e ordens religiosas. Os estudos de Esteves Pereira asseveram

também que estava mais segura e evoluída do que noutros países, e de acordo com o

estádio de desenvolvimento que se vivia em território lusitano. Os tipos de indústria que

se sucederam foram coerentes com o avanço em que o país se empenhava. Desde o

condado portucalense que a indústria agrária vinha sendo o amparo da nação. As

guerras, as conquistas, as invasões, as contrariedades económicas e as epidemias

roubavam aos portugueses o seu sustento. Em períodos de acalmia e aproveitando a

fertilidade das terras e de outros recursos, vários monarcas se decidiram a investir nessa

actividade. D. Afonso Henriques (r. 1139/1143-1185), D. Sancho I (r. 1185-1211), D.

Afonso II (r. 1211-1223), D. Sancho II (r. 1223-1245/1248) e D. Afonso III (r. 1248-

1279) defendiam que não deveria ser destratada, pois dela se colhia o alimento para o

povo. Também entre 1253 e 1255, outra produção (documentada) acontecia em

Portugal: a de pano cárdeo e burel. Mesmo numa fase pré-industrial praticava-se a

tecelagem, inclusive com matéria-prima de elevada qualidade, concretamente a lã

meirinha. Reporta-se, nesta altura, aos reinados de D. João I (r. 1385-1433) e de D.

Duarte (r. 1433-1438), com registos de tal facto nos Artigos dos Sisas ordenados por D.

Afonso V em 1476.45

O século XV foi já um período de azáfama para os cursos de água

da Covilhã (as ribeiras que eternizariam o espírito industrial), cujas margens

começariam a ver-se floridas de oficinas de pequenas dimensões com a missão de

lavagem da lã (com os devidos lavadouros e estendedouros) e de acabamento de tecidos

(e para isso os tintes, as tendas e os pisões).46

Portugal nada ficou a dever à dominação filipina (r. 1580-1640), a não ser um

sentimento de colónia e uma real decadência. Salva-se a indústria, que despontara

gozando da entrada de produtos coloniais, salienta Esteves Pereira, mas sofre os

constrangimentos políticos da presença espanhola no governo português. Perante as

remessas de fazendas que chegavam às mãos dos portugueses pela importação, os panos

grosseiros, os buréis de variadas cores, os tecidos grossos de linho (ou brogal) e um ou

outro lenço, de entre os tecidos mais finos, eram já amostra do irromper da produção

nacional. «Na Beira, a vila da Covilhã, e no Alentejo, Portalegre e Estremoz constituíam

44

Esteves Pereira, op. Cit., p. 105.

45 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 229.

46 Idem, p. 230.

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os centros mais ou menos laboriosos, onde se teciam as saragoças à moda das de

Espanha, panos pardos, panos pretos grossos e estofos de várias cores.»47

E eram nada

mais do que os centros de produção de tecidos de lã de qualidade, apresentando-se

como exemplares para outras comarcas e localidades, ditando os «padrões do fabrico».48

Aquilo que a indústria de lanifícios conseguira a partir de D. Manuel I (r. 1495-

1521), perdera-o no reinado dos Filipes. Foi sufocada a vigilância que o contorno do

território português simbolizava dentro da partilha da Península Ibérica, foi facilitada a

entrada de panos e de outros artigos de manufactura de Castela e seguiram-se inúmeras

pragmáticas.49

Apenas com (o infante) D. Pedro, futuro rei D. Pedro II (r. 1668/1683-

1703), «a indústria portuguesa começa a levantar-se atingindo durante o seu reinado

uma importância até nunca alcançada. As nossas fábricas barcam a sua primeira época,

não querendo com isto dizer que antes as não tivesse havido em Portugal, porque, como

vimos, nenhuma nação logo que começou a civilizar-se deixou de as ter»50

.

Este acontecimento caberá, certamente, na síntese cronológica que Elisa Calado

Pinheiro faz – apoiando-se nas indicações de Jorge Borges de Macedo e de Vitorino

Magalhães Godinho – dos diferentes «surtos manufactureiros», sendo este o primeiro

(compreendendo sensivelmente o período de 1670-1675 até finais do século) de três.

Consequências de políticas gerais de industrialização nacional, que não só

influenciaram a indústria de lanifícios da Beira como fizeram dela a zona privilegiada

para a sua aplicação. O segundo momento, mas menos intenso neste sector, envolveu as

décadas de 1720 a 1740, e, para finalizar o compacto, a mão pombalina, que completa a

tríade e que se fez notar sobretudo entre 1760 e 1770.51

Tratava-se, portanto, da fase

47

Esteves Pereira, op. Cit., p. 127.

48 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 235. Chega-nos, pois, como

testemunho de Duarte Nunes de Leão, no ano de 1599. Qualidade que via ser tecida «“nas partes de alem

Tejo e nas mais chegadas à serra da Estrela, como Portalegre, Covilhãa, com suas trezentas e setenta e

tantas aldeãs e em Castelo de Vide e em outros muitos lugares de alem Tejo” [sic]». Duarte Nunes Leão

(Descripção do Reino de Portugal. Em Lisboa: por Iorge Rodriguez, 1610, p. 73) apud Elisa Calado

Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira, p. 232.

49 Esteves Pereira, op. Cit., p. 127.

50 Idem, pp. 129-130.

51 Elisa Pinheiro faz esta partição de períodos marcantes de incentivo industrial (laneiro) com base em

Vitorino Magalhães Godinho, em Prix et monnaies au Portugal. 1750-1850, de 1955, e em Jorge Borges

de Macedo, em Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, de 1963. Elisa Calado

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Proto-Industrial.

O ano de 1681 abre portas a várias fábricas de lanifícios pelo reino, com duas

chamadas de atenção: uma para a Covilhã (a Fábrica Velha, ou seja, a Fábrica Nacional

de Sarjas e Baetas, na ribeira da Carpinteira) e outra para o Fundão. Se, por um lado, a

estrutura é nacional, o aprovisionamento humano é estrangeiro. Em 1686, com o alvará

de 9 de Agosto, veicula-se a proibição do uso de panos que não fossem de fabrico

nacional, um coadjuvante do sucesso das manufacturas.

Nesta altura, Portugal recuperara a independência política e assumira a

centralidade em Lisboa, não esquecendo as suas ramificações e a actuação concertada

com a actividade em outros pontos do país, aproveitando a dispersão de recursos

naturais (matérias-primas) e, mais tarde, tecnológicos. Certo é que esta harmonia

(tecnológica e geográfica) só vinga quando existe competência política e militar. Dois

acontecimentos destacaram-se nesta retrospectiva histórica sobre a Indústria em

Portugal: o cerceamento do ouro do Brasil e a delonga na introdução de maquinaria

(com a qual a Inglaterra – o modelo – se apetrechava). Ambos com diferentes, mas

determinantes, consequências.

É ainda de evidenciar a função do porto de Lisboa, não só na vertente de

receptor e emissor de mercadoria, mas também enquanto intermediário nos circuitos

internacionais entre a Europa do Norte e os «mundos tropical, subtropical e

mediterrânico». Isto adicionado às suas funções prioritárias de «abastecimento interno,

exportação de produtos metropolitanos, importação de artigos europeus e ultramarinos»,

como explica Borges de Macedo. Os principais marcos da actividade do porto de Lisboa

repartiram-se pelas duas metades do século XVIII: na primeira metade, com a

importação do ouro brasileiro; na segunda, pelo desencontro entre as «estruturas

económicas tradicionais»52

do país (retrógradas, ineficientes e frágeis) e a inovação e a

aceleração da produção e da técnica industriais inglesas. Tal como todo o país fora

afectado por acontecimentos de cariz militar e diplomático, também a indústria, como

um dos seus sectores produtivos, seria tocada. A memória guarda especialmente a

abertura dos portos brasileiros (em 1808), o tratado de comércio de 1810 com Inglaterra

e as invasões francesas (1807-1810, com retirada em 1811).

Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior

(Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 232.

52 Jorge Borges de Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed.,

Lisboa, Querco, Setembro de 1982, p. 13.

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A população portuguesa apresenta-se, na segunda metade do século XVII, com

um fraco poder de compra (agravado nas zonas rurais) e com uma baixa circulação

fiduciária. A recuperação da independência (1640) e as consequentes despesas terão

degradado a situação. No reinado de D. Pedro II, a situação agrava-se com

«desvalorizações, fusão e cerceamento das peças de circulação legal, circulação da

moeda “falsa e falida” e consequente desconfiança pública»53

. Aquando da assinatura do

Tratado de Methuen (27 de Dezembro de 1703)54

era ainda fresca a descoberta e

exploração de minas no Brasil. O Interior português ver-se-ia privado desse ouro

durante alguns anos. Contudo, os compromissos decorrentes do Tratado impunham-se e

Borges de Macedo apresenta-os: (i) Portugal conseguia ter em circulação um

determinado cabaz de produtos convenientes às «relações e possibilidades económicas»

do país; (ii) anuía à entrada de tecidos ingleses, e, em contra-partida, os vinhos lusitanos

(nomeadamente o Vinho do Porto) tinham direito de privilégio relativamente aos

franceses no mercado inglês; (iii) a partir de 1705 (primeiro aplicação, e provisão real

no ano seguinte), o mercado português abria-se aos panos holandeses, isto é, Portugal

tornava-se comprador das «fazendas dos Países das Províncias Unidas do País Baixo» e,

mais tarde, (iv) dos franceses (camuflados de ingleses para usufruir de iguais regalias

alfandegárias). Esta nacionalidade diversificada de tecidos permitia ter preços

competitivos, sem «monopólio» por parte do comércio inglês, mas a produção industrial

nacional ficou melindrada.55

Este acordo comprometia a progressão da manufactura em Portugal e levava a

que aquilo que Portugal conseguisse extrair da exploração de ouro no Brasil fosse gasto

no mercado externo, explica Celso Furtado, em A Formação Económica do Brasil.56

Jaime Cortesão lamenta que Portugal se tivesse tornado tão dependente (económica e

politicamente) de Inglaterra a fim de salvaguardar as suas extensões ultramarinas,

53

Idem, p. 23.

54 O também chamado Tratado dos Panos e Vinhos foi celebrado entre a Grã-Bretanha e Portugal em

Lisboa. Firmaram-no o embaixador britânico John Methuen (cujo apelido serve de nome de baptismo do

documento), em representação da rainha Ana da Grã-Bretanha, e D. Manuel Teles da Silva, marquês de

Alegrete, por Portugal. Acordava-se que os portugueses consumissem os têxteis britânicos e, em

contrapartida, estes importassem os vinhos portugueses. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal.

A Restauração e a monarquia absoluta: (1640-1750), vol. V, Lisboa, Editorial Verbo, 1980, p. 229. 55

Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 43.

56 Celso Furtado (A Formação Económica do Brasil, S. Paulo, 1959, p. 47) apud Jorge Borges de Macedo,

Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 44.

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enquanto Inglaterra ganhava no comércio dos panos na própria capital portuguesa.57

A

possibilidade de negócio, em Portugal, facilitava a aproximação dos mercadores

ingleses ao ouro brasileiro que chegava aos cofres lusitanos. O Tratado de Methuen não

altera a situação da indústria portuguesa, apenas vem expor a posição concorrencial

dominante que Inglaterra já demonstrara, mesmo antes do Tratado, e os interesses

económicos e políticos envolvidos.

O Interior apresentava-se menos acessível e rendível a produtos importados. O

mau estado das vias de comunicação, os gastos com o transporte e a fraca circulação de

moeda (onde não era descabido pensar-se numa mais confortável troca de géneros com

retorno e utilização imediatos) eram entraves. E uma vez que a indústria local

aprovisionava as regiões que a albergavam, qualquer produto importado, além de se

esbarrar contra uma débil (e para esses habitantes não prioritária) presença da moeda,

era tido como produto de luxo. O lado inglês era favorecido pela envergadura, perfeição

e organização do equipamento industrial com uma produção consistente e em maior

escala, que o posicionava competitivamente em mercados como Lisboa, Porto, Setúbal,

entre outros. Contudo, não se pense que os modos de produção português e inglês se

desnivelavam de tal forma que fosse necessário aplicar preços díspares. A qualidade do

produto nem sempre se impunha às necessidades do mercado, até mesmo em zonas

urbanas costeiras, muito menos no Interior do país: «No interior, dado o

condicionamento técnico, económico e social português, a concorrência externa menos

ainda conseguia ferir o aparelho produtor existente»58

. Havia vários ramos da indústria,

e ao Tratado de Methuen apenas dizia respeito o dos tecidos de lã, que, ainda de acordo

com Borges de Macedo, era «o mais importante ramo do comércio industrial do século

XVIII»59

.

Enquanto actividade com vigor comercial que privilegia (no caso das lãs) zonas

de maior interioridade, é inevitável a inclusão de assuntos como a mobilidade e a

natureza e envolvência da construção dos espaços de produção. Nos séculos XVII e

XVIII encontra-se uma rede de transportes deficiente, insuficiente e dispendiosa que

limita o tráfego e a transacção de mercadorias. O transporte dá-se apenas para locais

57

Jaime Cortesão (Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid, Rio de Janeiro, 1951, Parte 1.ª, tomo 2.º,

pág 113, e também Parte 1.ª, pág. 45) apud Jorge Borges de Macedo in Problemas de história da

indústria portuguesa no século XVIII, pp. 44 e 45.

58 Idem, p. 54.

59 Idem, p. 55.

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42

onde o pagamento era efectuado em dinheiro e, mesmo assim, os produtos transportados

provinham de localidades próximas. Acresce o facto de o equipamento industrial ser de

tal forma economicamente acessível que embaratecia o custo da montagem de oficinas.

Equipamento maioritariamente de madeira, de fácil transporte, que exigia força humana,

animal ou hidráulica. Esta flexibilidade levava as oficinas industriais a procurarem

zonas ricas em matéria-prima, próximas ou de fácil acesso a baratas vias de

comunicação, abundantes em recursos naturais. É o exemplo da água, importante na

indústria laneira.

A sua produção tinha como destino duas realidades distintas. A menos comum

era a de um mercado mais amplo, que incluía grandes centros de consumo. A outra era a

de consumo nas residências dos próprios trabalhadores, onde bastas vezes estavam

instaladas as oficinas (anexadas ou, inclusivamente, fazendo parte das mesmas, como se

de mais uma assoalhada se tratasse), além das oficinas de pequena dimensão que se

encontravam fora das suas habitações, mas num curto perímetro. Havia dois factores

determinantes para esta situação: os inconvenientes dos transportes (antes descritos) e a

qualidade da produção. Tratava-se de uma produção muito artesanal e caseira, sediada

em «pequenas unidades geográficas», e direccionada, de acordo com a análise de

Borges de Macedo, para a zona rural que era o seu mercado mais próximo (o local) ou,

como alternativa, dirigida para um centro de consumo próximo, mas solitário (o

regional). Contudo, antecipando a acção do conde de Ericeira, observa-se um interesse

por parte da Coroa na montagem e verificação de instalações industriais.

1.1.2. Os antecedentes de Methuen e o plano real (industrial) do conde de Ericeira

Antes da celebração do Tratado de Methuen, há já uma história industrial de

participação descentralizada, o que faz de zonas aparentemente inviáveis e pouco

atraentes, núcleos com grande potencial de exploração optimizada. Existe uma estrutura

industrial que preenche todo o país, e que funciona por acção de zonas que não são

propriamente grandes centros. Por essa altura, na Covilhã, na Guarda e em Portalegre já

laborava uma indústria de tecelagem de lã (tal como em Castelo Branco, Castelo de

Vide, Coimbra, Fundão, Guimarães, Lamego, Lisboa, Minde, Pinhel, Porto, Redondo,

Santarém, Torre de Moncorvo) e de fiação caseira (esta última mais dispersa).60

Por

altura do reinado de D. Pedro II, impuseram-se leis de restrição à importação de

60

Idem, p. 25.

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produtos luxuosos e medidas, cuja autoria era atribuída ao próprio conde de Ericeira,

que fiscalizavam o comércio português. A título de exemplo, confronte-se a pragmática

de 1686: «“... e porque tenho mandado dar nova forma às fábricas do Reino, para com

elas se suprir o que for necessario a meus vassalos, proibo que se não possa usar de

nenhum género de panos, negros ou de cor, não sendo fabricado dentro do reino”

[sic]»61

.

A balança comercial era profundamente deficitária. Este tipo de controlo vinha

sendo aplicado em medidas sumptuárias anteriores. Para que estas determinações

surtissem efeito era necessária uma sólida produção nacional, ao menos sustentada, e

que permitisse ao mercado nacional ser auto-suficiente, quer em tecidos quer noutros

artigos. Contudo, detectou-se a pontual inevitabilidade de autorizações especiais,

negociadas com o Provedor da Alfândega de Lisboa. Em causa estavam os seguintes

sectores de produção: saboarias, ferrarias, seda, linho, couros e calçados, armas,

construção naval, madeiras, olaria, azulejo, construção civil, sal, entre outros. A

desculpa: insuficiência da produção nacional.62

Completando o plano das pragmáticas, e por elas abonada, seguiu-se uma

intensa política fabril que visava aliciar o comércio externo e que não se desinteressasse

pelo país.63

Procurou-se mão-de-obra especializada em algumas áreas da indústria,

como o fabrico de chapéus, meias e fitas. Apesar de mais cara, a produção seria interna

e poder-se-ia utilizar esse tipo de produtos sem recorrer ao exterior. Por exemplo, às

mulheres estavam interditos os mantos de seda estrangeiros, devendo usar apenas os de

sarja e os de Lamego. Também o ouro e a prata eram expressamente proibidos nos

61

Idem, p. 26.

62 Idem, p. 25.

63 Estipulara-se que «“a primeira fabrica que se deve cuidar he a dos pannos procurando estabelece la

naquella parte do Reino onde as houve e ha hoje […], ordenando se que na Alfandega se não despachem

panos grossos de fora do Reino porque aos estrangeiros so lhe he permitido introduzir os finos, e depois

de estabelecidas as fabricas se podem tambem prohibir estes. O mesmo cuidado se pode por tambem na

fabrica das baetas; e prohibirem as de fora, porque estes dous generos panos e baetas são os que tem

maior consumo. Deve-se examinar se ha no Reino, e se se tirar (em) de Castela as lans que são

necessarias para estas duas fabricas, e para facilitar a entrada se devem tirar todos os direitos que pagão as

Lans. Deve se considerar se será conveniente que se prohiba a saca das Lans para fora do Reino. 2.º se se

deve ordenar logo à junta dos tres estados que as fazendas dos soldados sejão de pano da terra” [sic]».

Retirado de «“Lanifícios”, Ano 6, n.os

61-62, Janeiro-Fevereiro – 1955, págs. 67-68» in Jorge Borges de

Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 28.

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vestidos.

Afirma Elisa Pinheiro que, no século XVII português, a tecelagem de lã era

marcada por uma «generalizada dispersão, apesar da concentração verificada na faixa

interior do país», nomeadamente em localidades atrás apontadas. E foi neste contexto

que efervesceu o primeiro «surto industrial» (1670-1700), com o conde de Ericeira

como principal interveniente e as primeiras manufacturas estatais a nascer.64

Como se

percebeu, a tentativa de concentração do trabalho manufactureiro (operações de

transformação, artífices e equipamentos) na Covilhã, por via do Estado, não travou a

«dispersão» da actividade «em regime doméstico e artesanal», que englobava fiandeiras,

cardadores e tecelões.65

Os cristãos-novos movimentavam a componente comercial com

os seus contactos no estrangeiro. E assim se construía uma esperançosa indústria laneira

no âmbito do plano de reorganização da indústria nacional, com a Covilhã a sprintar,

em 1677, na fundação das primeiras manufacturas estatais na região, por obra do seu

«primeiro grande impulsionador» conde de Ericeira. Seguiram-se Manteigas, Melo

(Gouveia) e Fundão.66

Eram necessários dinheiros além dos da Coroa, e, por isso, expectante em

angariar mais recursos financeiros, desta feita ao Santo Ofício, o conde de Ericeira

caracteriza assim o estado da Manufactura em Portugal: «“Das Manufacturas posso

segurar que parece que Deus quer que ellas se estabeleçam neste Reino, porque não he

crivel a multidão de dificuldades que se tem vencido. A perfeição das Baetas, e Sarjas

da Covilhã tem chegado ao ultimo ponto, não havendo Pessoa alguma que o não

confesse, estando já tão independentes dos Inglezes os nossos Mestres Portugueses, que

tudo o que se obra he pelas suas mãos [...] O numero dos Theares vai crescendo e só

falta para chegarem a mayor parte dos necessarios, virem alguns Tintes de Inglaterra”

[sic]»67

. Organizar a indústria não foi uma medida inédita, mas era «a primeira vez,

depois da Restauração, que se visava criar um novo esquema de organização produtiva,

nomeadamente na mais importante actividade fabril da época: os lanifícios»68

.

64

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 234.

65 Idem, p. 234.

66 Idem, p. 236.

67 Fonte: «Carta do 1.º de Março de 1679. A. H. U., Ministério do Reino, Maço n.º 47» in Jorge Borges de

Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, pp. 30-31.

68 Idem, p. 31.

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Optar pela manufactura não significava rebaixar a produção oficinal ou

doméstica, mas sim «discipliná-la», aspirando à qualidade dos artigos que as normas de

fabrico proporcionariam. Defendeu-se, portanto, a introdução de manufacturas e uma

nova regulamentação de gestão e funcionamento da fábrica de panos portuguesa, datada

de 7 de Janeiro de 1690 e impulsionada pelo terceiro conde de Ericeira, D. Luís de

Menezes, administrador da Fazenda e director da Moeda, que se inspirou no tipo de

organização aplicado na construção naval do Arsenal Real de Lisboa, nos Fornos de

Biscoito de Val do Zebro, e noutros sectores como o do ferro e das sedas. Pretendia-se

garantir o consumo e multiplicar as possibilidades de comércio de artigos fabricados no

Interior do país noutros mercados (estipulando, por exemplo, preços inferiores aos dos

tecidos ingleses). Seguiu-se à montagem da manufactura covilhanense, a abertura de

uma loja em Lisboa para a venda dos seus produtos.

Borges de Macedo faz o ponto da situação: a manufactura não é consensual

nesta altura, nem sempre foi bem interpretada tendo em conta as suas características e o

papel que lhe estava destinado no ramo da produção. Os entraves acham-se não só no

entendimento do seu conceito, como no aproveitamento e adaptação de antigas

instalações, nas quais se pretende introduzir a nova estrutura. As manufacturas que

conde de Ericeira conseguiu implantar são as «excepções» que vêm confirmar a regra

que caracterizava o tipo de actividade industrial, que, por um lado, nunca deixou de

existir e, por outro, estava renitente quanto à verosimilhança desse melhoramento que se

pretendia semear. Quer o final do século XVII quer o próprio século XVIII são tempos

dominados pelas oficinas e pelo trabalho doméstico. Mais do que a concorrência dos

tecidos de lã ingleses, a indústria portuguesa teve de lidar com a vulnerabilidade que a

exploração do ouro brasileiro (descoberto em 1690) e, mais tarde, dos diamantes

trouxeram. As manufacturas – que eram o trunfo das políticas económicas do conde de

Ericeira no combate à balança comercial deficitária – experienciam, agora, os efeitos

desse elemento revolucionário do comércio dos séculos XVII e XVIII, relançando o

comércio colonial, no qual estavam incluídos o comércio de escravos e de açúcar.

O ouro e os diamantes vieram colmatar a descompensação entre a saída de vinho

(apesar da exportação ter subido) e as avultadas importações de produtos ingleses por

Portugal, mas não abonaram em função da política manufactureira. A sua

«continuidade» estava, assim, comprometida. O suicídio de D. Luís de Menezes, a

despreparação da estrutura social para com o ritmo socioeconómico que esta actividade

injectaria e o desdém inglês não tiveram impacto positivo. Com o sentimento de

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ameaça, os ingleses, auxiliados pelos franceses, agonizaram os intentos portugueses,

«impedindo o necessário recrutamento de técnicos manufactureiros para Portugal».69

As

aparentes vantagens bilaterais do Tratado de Methuen acabaram por se tornar reais

apenas do lado inglês. E, ao longo do tempo, várias personalidades – por exemplo,

Alexandre de Gusmão, diplomata luso-brasileiro e secretário particular de D. João V –

foram anuindo à relação de causa-efeito entre a entrada de metais preciosos e o

esmorecimento industrial durante o século XVIII. O que não significava que os

mercados do Interior padecessem do mesmo mal. «Embora sem cadeias técnicas da

fiação e de tecelagem de lã, linho e seda, a extracção de madeiras, a construção naval, a

autêntica organização industrial do açúcar, do vinho, do sal e até do azeite constituíam

formações com um papel de grande importância na nossa economia.»70

Era, pois, a

indústria têxtil que se contorcia.

1.1.3. À saúde da Indústria Têxtil

A principal modalidade de produção no século XVIII revelou ser a continuação

daquilo que o século XVII tinha mostrado: uma actividade industrial sedimentada na

oficina, conservando um perfil doméstico. Estas unidades de produção trabalhavam

sobretudo o linho e a seda, que raramente se encontravam em situação de manufactura.

Regista-se, contudo, a da Covilhã em laboração. Na primeira metade do século XVIII,

não se assinalou um desenvolvimento do projecto manufactureiro (quando o assunto é a

indústria dos lanifícios), o que não significa que ela se tenha extinguido ou sido

despromovida a «fenómeno secundário», ressalva Borges de Macedo. Sustentando-se

nas pautas alfandegárias, este historiador encontra a legitimidade para assentir que a

indústria laneira manteve o seu papel fundamental a nível regional e continuava a

marcar presença nos mercados dos grandes centros de consumo localizados no Litoral,

destacando Lisboa.71

Há registos – de 1699, da Alfândega de Lisboa, referidos por Borges de Macedo

– de vários artigos portugueses de tecelagem (lã, seda e linho), como por exemplo

poupais, saias e gingidouros de Gouveia e meias de Pinhel, entre outros do Porto, de

69

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 232-233.

70 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 58.

71 Idem, p.63.

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Viseu e de Lamego. Mais tarde, no primeiro quartel do século XVIII (1723) registam-se

mais produtos nacionais, entre os quais os panos e as saias da Covilhã e da serra da

Estrela e as raxas de Portalegre. No segundo quartel juntam-se mais produtos ao rol,

onde permanecem os panos da Covilhã. Percebe-se, percorrida já alguma história, que

efectivamente os distritos de Castelo Branco, Guarda e Portalegre acompanham-se neste

mesmo sector de produção industrial. A capital, o Porto e o Interior do país mantinham

uma actividade industrial vigorosa, apesar de não se verificar um aumento do número de

manufacturas especializadas em tecelagem de lã. Os registos, o património e os

testemunhos são os factos necessários para garantir que as manufacturas de lã foram «a

grande empresa manufactureira» do reinado de D. Pedro II. No reinado de D. João V

será a seda.72

É por altura da fulgurante geração lã que o vocabulário e a semântica industriais

foram evoluindo. O período entre 1720-1740 é fértil em terminologia técnica. Nele se

radicam conceitos como «“operário”», para designar o trabalhador da indústria;

«fábrica» para referir a construção propriamente dita, a «empresa industrial, o conjunto

das unidades industriais, como ainda o processo de fabrico»; «máquina» como

«sinónimo de habilidade, perícia imprevista e bem montada»; e «apetrechos»,

«“petrecho”» ou «“aparelho”» para nomear instrumentos de trabalho.73

Atento ao burburinho industrial, D. João V junta-se a esse esforço. A política

Joanina não se condensou nos lanifícios: outros como o vidro, o couro, o papel, a

pólvora, a seda e a construção naval integraram o segundo «surto industrial (1720-

1740)».74

É nos últimos anos do seu reinado (r. 1706-1750) que a manufactura de panos

da Covilhã recebe uma encomenda real. A partir de 1710, a «antiga manufactura dos

panos» covilhanense deveria preparar-se para o fabrico de tecidos destinados a

fardamentos das milícias e marinheiros e das «librés dos criados, cujo uso em tecido

nacional foi tornado obrigatório a partir de 1749».75

Estratégia proteccionista e

intervencionista no desenvolvimento industrial, começando pelos panos nacionais,

obedecendo a um «regime de monopólio». Elisa Pinheiro esclarece que esta medida foi

72

Idem, p. 70.

73 Custódio Jesam Barata (Recreação proveitosa, etc., Lisboa, 1728-1729) apud Jorge Borges de Macedo,

Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p.73. 74

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 240.

75 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 74.

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promovida, até 1764, pela Mesa da Administração dos Fardamentos da Covilhã –

entidade que se extinguiu aquando da criação da Real Fábrica de Panos daquela

localidade. Sabe-se também que esta produção ficou entregue a entidades particulares,

desde o reinado de D. João V, e era graças a ela que sobreviviam.76

Contudo, a actuação d’ O Rei-Sol Português não se ficou por ali. Incitou os seus

representantes externos a colaborarem num processo de descoberta e de actualização

daquilo que se criava noutras paragens, sobretudo europeias, no âmbito das artes e

ofícios. Não se atendo à compra dos modelos, também os segredos industriais tinham

todo o interesse, e os inventores eram abordados com contratos para diversos sectores

industriais. A situação do reino não era apaziguadora: o abalo sentido pela indústria

portuguesa em geral, em meados do século XVIII, era já reflexo da insuficiente entrada

de metais preciosos, nomeadamente do tão acarinhado ouro. Também desta regência

resultaram pragmáticas em prol da produção nacional, fazendo vingar a de 24 de Maio

de 1749 com o objectivo de coarctar o luxo e promover «“a principal vigilância na

creação das fabricas e mais artes mecanicas, as quais formam a riqueza de qualquer

nação e servem de instrumento ao comercio [sic], uma das colunas principais do Estado:

animando-se as artes liberais porque estas produzem aqueles conhecimentos, sem os

quais os homens não podem fazer progressos na vida social”»77

.

Duas conclusões fundamentais e sintetizadoras do funcionamento do Estado se

tiram destas palavras. A primeira, crente na fábrica e nas artes mecânicas como

promotoras e geradoras de riqueza. Depois, o efeito mercantil que se lhes segue e que

suporta o Estado. Claro está que algumas pragmáticas, como a de 24 de Maio de 1749

76

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 226. Como prova disso está

«o documento da Segunda Inspecção, referente à política económica pombalina», o qual «salienta que,

após a publicação dos alvarás de 1759 e de 1764 e da criação da Junta da Administração dos Fardamentos

das Fábricas, na Covilhã, a quarta providência tomada para pôr cobro à desordem verificada no

fornecimento dos fardamentos das tropas, provocada pelos assentistas arremantantes [sic] dos mesmos,

era a construção do “novo e mais amplo estabelecimento das sobreditas fábricas (...)”». Idem, p. 243,

citando, por sua vez, Luís Fernando de Carvalho Dias (compil. – História dos Lanifícios [1750-1834]:

documentos. Lisboa: [s.n.], 1958-1962. 3 vol. Separata de Lanifícios. 1962, pp. 335-343). 77

«Parecer que o Desembargador do Paço, Manuel de Almeida e Carvalho, deu ao Senhor D. João V em

1749 em Luís F. de Carvalho Dias, Luxo e Pragmáticas no pensamento económico do século XVIII –

Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, vol. 4.º, 1955, pág. 150.» In Jorge Borges de Macedo,

Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 74.

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especificamente, foram, assim que possível, revistas por D. José I (em alvará de 27 de

Abril de 1751), pois tolhia a aplicação de técnicas ou a introdução de algumas indústrias

mais «em voga, por as considerar fomentadoras do luxo»78

. O panorama pouco

estimulante do final do reinado de D. João V foi pretexto para arremessar a campanha

de marquês de Pombal. «E uma vez mais, afinal, o esforço renovador que, sòmente,

[sic] se havia sobreposto à estrutura oficinal, por ela se defendeu: a oficina continuou

sendo a base essencial do trabalho industrial português, quer, evidentemente, nas

actividades em que nem sequer se tentou a aplicação da manufactura (linho, saboaria,

indústria alimentar, tanoaria, carpintaria), quer ainda naquelas que a utilizaram.»79

A «economia do ouro» e a produção da manufactura (nomeadamente o arranque

que intervalou os anos de 1720 e 1740) eram as duas turbinas do país. As suas

existências não se separavam, nem podiam, com o bisbilhotar da concorrência externa.

Curiosamente, este conjunto de grandes actores e pressões, com a introdução de mais

algumas manufacturas, não foi razão suficiente para levar as oficinas à falência. Uma

grande unidade manufactureira não conseguia impor-se a essa firme estrutura oficinal.

O aproximar dos meados do século XVIII trouxe mudanças na forma de entender a

fábrica. O conceito que outrora auferia de uma certa carga «monumental», diria Borges

de Macedo, passa, a partir dessa altura, a resumir-se à condição de espaço físico, ao

lugar de trabalho. Vai ficando para trás a ideia de produção, de envolvimento e de

simbiose entre o homem e os instrumentos no processo de laboração. Foi a intervenção

pombalina que subsidiou o caminho para um fomento industrial, no qual antes a

unidade manufactureira era incipiente.

Além da actividade industrial, Lisboa sobressaía como entreposto comercial

estrategicamente posicionado por meio do porto, onde se movimentava a balança

comercial do reino. Como se caracteriza, então, o Interior quanto à produção e como se

posiciona relativamente a Lisboa e ao «próprio abastecimento interno»? Borges de

Macedo assevera: «O eixo das relações económicas de Portugal não é Lisboa-Província,

[...], mas sim as relações costa-interior»80

. O papel do porto de Lisboa e de um mercado

direccionado para lá e a partir de lá permitiu valorizar os mercados regionais e, por

consequência, a rede interna de vias de comunicação (sobretudo aquelas que

78

Esteves Pereira, op. Cit., p. 134.

79 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 75.

80 Idem, p. 10.

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desembocavam na costa), promovendo assim a dinâmica Litoral-Interior, o que

implicava uma intervenção mais ampla e estrategicamente planeada no país. A costa,

«via de respiração económica essencial»81

, dava um fôlego económico ao país –

nomeadamente à produção no Interior, angariadora de meios tecnológicos, e, depois, nas

comunicações, criando redes de unidade nacional.

Assim se apresentavam a sociedade e a economia portuguesas do século XVIII,

em que se destacavam produtores locais como sapateiros, carpinteiros, alfaiates,

pedreiros, ferreiros, barbeiros, etc. O sector primário, bastante vincado nas regiões do

Interior português por força da realidade de auto-suficiência que o caracterizava, afirma-

se como base de uma produção industrial fiel à oficina ou ao trabalho doméstico, e

excepcionalmente à manufactura. Ambas as estruturas se complementavam. O aparelho

industrial alimentava-se de matérias-primas e recursos locais ou importados, cuja

produção se destinava tanto ao consumo local como a servir mercados mais distantes.

Um duo que compunha a cervical económica portuguesa. Este objectivo teve

continuidade nos três primeiros quartéis do século XVIII. Desta realidade fazia parte a

indústria dos lanifícios nas zonas da Covilhã, Guarda, Portalegre, Évora e outras.

Regiões onde se desenrolavam a actividade de tecelagem do pano e todo o processo que

tinha a produção da lã como primeira etapa e o acabamento de tecidos a última.82

Os dados recolhidos por Borges de Macedo permitem-lhe dizer que «a fiação e

tecelagem absorvem aqui sensivelmente metade da população activa, que toca todas as

fases da indústria de lanifícios. [sic] A produção sai da vila, como se verifica pelo

número de almocreves que nela têm assento»83

. A produção, limitada pelos recursos

disponíveis e pela sua própria estrutura, e a debilidade do sistema de transportes não

eram suficientes para enfrentar as exigências de um mercado mais vasto. Isto

impossibilitava os produtos nacionais de resistir às investidas estrangeiras. Os produtos

de luxo importados conseguiam chegar aos mercados locais, mas não colhiam grande

interesse, pelo facto de os preços serem inflacionados. A sua esporádica aquisição

raramente se consumava pelo uso da moeda uma vez que não circulava em avultadas

quantidades nestas regiões, e, por isso, a sua contrapartida era a troca por produtos

agrícolas. Alguns produtos mais exóticos eram trocados por vinho, azeite, lã, cera, mel e

81

Idem, p. 10.

82 Idem, p. 123.

83 Idem, p. 124.

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frutos. Os demais tinham de ser consumidos localmente, pois o seu abreviado tempo de

conservação não permitia a realização de viagens longas nem a comercialização a um

preço elevado. «Deste modo se tinha que utilizar a indústria local. Circunstâncias que,

quer-nos parecer, dominam o problema das trocas comerciais no Portugal do século

XVIII e explicam a persistente presença de uma actividade industrial oficinal e caseira,

em todo o país, apesar da concorrência estrangeira»84

.

No Interior questiona-se a conveniência de boas vias de comunicação quer para

o transporte de matéria-prima quer para o de produtos das fábricas de tecidos de lã,

atendendo ao interesse de consumidores e de cultivadores. Acresce a proximidade com a

fronteira, pela qual o comércio entre Portugal e Espanha poderia ser potenciado. Isso

implicaria melhoramentos nas comunicações terrestres na Beira Alta, em Trás-os-

Montes e praticamente em todo o Alentejo, pois a não observância desta intervenção

implicava que o consumo do que era produzido fosse feito nas localidades produtoras.

Antes de marquês de Pombal, a indústria artesanal e manufactureira, assente na

estrutura oficinal, localizava-se tendencialmente no Interior, concretamente nas regiões

atrás referidas, de que é exemplo a tecelagem de lã. Resguardada dos adversários

internacionais, a produção desenvolvida em espaços circunscritos tinha um público

consumidor imediato que permitia amparar a produção industrial nacional e assegurar

um preço constante (não tão assediado pelos efeitos da concorrência) durante os três

primeiros quartéis do século XVIII.

As indústrias dos lanifícios, linho e seda eram as «indústrias fundamentais e

características do País»85

. A indústria de tecelagem recolhia especial atenção de Portugal

pelo facto de permitir a fixação de riqueza no Interior do país. Isto é, havia comércio e

mercados activos, com circulação de dinheiros, que afastavam a ideia de uma total

dependência externa. O entrave à multiplicação dos efeitos positivos que a presença das

manufacturas ia produzindo era o seu número reduzido. O ouro era gasto além-

fronteiras e não investido internamente. A fraqueza da manufactura era reflexo das

fraquezas dos homens que governavam o Reino. «“Por elas [as fábricas] se anima o

giro do dinheiro no interior do reino e nas suas províncias mais remotas para donde

havendo as ditas fabricas se derramará muita parte do ouro que vem dos Brasis e que

por falta de as haver sai para Reinos estrangeiros; além do dito ouro tornará para as

84

Idem, p. 124. 85

Idem, p. 144.

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mesmas províncias o dinheiro que delas vem anualmente para a Corte [...]”. [sic]»86

A

qualidade do fabrico, o seu primor e a variedade da paleta de cores motivaram o desejo

de uma opulência que parecia não ser satisfeita pela produção nacional. É da Corte e dos

Brasis que se apresentaram razões para o esmorecimento das fábricas.

Em crise ou em dificuldade, pensa-se rapidamente em reduções. E corta-se no

que se apresenta como supérfluo e luxuoso e que entra em Portugal com regularidade.

Foi o que sucedeu no reinado de D. Pedro II, bem como em 1749. Diz Nuno Luís

Madureira, uma «visão absolutista da economia política». O problema estava na

constante presença de contrabando, o que não permitia o total e desejado controlo sobre

o consumo privado. A atitude de marquês de Pombal, ciente da situação, ganha um

curso diferente, como se verá: mantém o sistema de leis protectoras do mercado e do

consumo, mas ordena a criação de unidades fabris e atribui-lhes incentivos

alfandegários. Simultaneamente, o afastamento da concorrência estrangeira é

estimulado «nos casos em que a produção interna tem condições de auto-suficiência».87

Paralela e gradualmente, a colecção de itens exóticos retirados da lista de

compras portuguesa aumenta. Madureira lista a subtracção dos tecidos mais

«requintados» de seda (cambraias, garças, estofos, mantos, luvas) e «objectos

manufacturados de marcenaria e de latoaria (bacias, jarros, candeeiros, baús, caixas,

aparelhos de chá, faqueiros, molduras, tabuleiros)», em 1757. No ano seguinte, juntam-

se-lhes as solas, os couros e os atanados. Artigos de chapelaria, loiças e botões são

atingidos em 1770, bem como a goma e os barretes de linho, um ano depois. A década

de 80 de Setecentos começa com as farinhas, em 1783; as meias e as fitas de seda,

proteladas até 1786; e as sedas de Itália e da China, e os fiados de linho e de algodão,

em 1788 e 1789, respectivamente.

Com o reinado de D. José I (r. 1750-1777), marquês de Pombal será uma das

figuras de destaque no campo da indústria, no último quartel do século XVIII. Deste

Governo, Esteves Pereira apresenta um homem de «alto espírito e de largas concepções,

que, sendo o guia do monarca, lhe deu o período mais belo que a logografia industrial

86

Fonte: «Documento inserto em Luís F. de Carvalho Dias, História dos Lanifícios (1750-1834), Lisboa,

1958, p.64.» In Jorge Borges de Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII,

p. 145.

87 Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,

Editorial Estampa, 1997, p. 304.

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portuguesa assinala. [...] É este, pois, o grande período da indústria nacional»88

.

Concentra-se nas mais-valias da oficina – «a pequena unidade produtora instalada» –

que, sem grandes gastos, lucra. Contou, assim, este reinado com uma figura (Sebastião

José de Carvalho e Melo, n. 1699-1782) reformadora, que apostou em projectos de

grande envergadura e se lançou num périplo em defesa da produção e iniciativa

industrial nacional. Marquês de Pombal, e primeiro-ministro de D. José I, compôs o

terceiro «surto industrial» (1760-1777) decidido a enfrentar a crise económica e

financeira portuguesa. Com a «quebra da extracção do ouro, dos diamantes do Brasil e

do comércio ultramarino de escravos e de açúcar», à qual se juntou fatalmente «uma

série de maus anos agrícolas, a crise das pescas e do trigo, o terramoto de 1755 e ainda a

guerra de 1762»89

, o foco virava-se para as fábricas de lanifícios e a sua regeneração. É

criada a Junta do Comércio (1755), que contratou «novos mestres e artistas

estrangeiros» (predominantemente ingleses, franceses e italianos) para o arranque das

Reais Fábricas da Covilhã e do Fundão, retardado até 1764 (por Consulta de 19 de

Junho), e oito anos mais tarde, a de Portalegre, sobre as quais exercia poder

administrativo.90

Tratava-se de mão-de-obra qualificada, capacitada para a recepção de

inovações, que em alguns casos ascendera a patronato.91

A favor da indústria nacional estavam instalações e matérias-primas que exigiam

baixos custos, o afastamento relativamente à costa (distanciando-a do bulício dos

concorrentes e especulações) e a modalidade de pagamento.92

«No centro da produção

88

Esteves Pereira, op. Cit., p. 134.

89 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 241-242.

90 Em 1788, as Reais Fábricas estariam entregues a particulares, a «sociedades de grandes capitalistas».

Jorge Pedreira, «A indústria» in Pedro Lains (Org.) e Álvaro Ferreira da Silva (Org.), História económica

de Portugal, 1700-2000. O Século XVIII, vol. I, 2.ª ed., Lisboa, ICS – Imprensa de Ciências Sociais, Julho

de 2005, p. 202. Muitas outras fábricas e produções tiveram a protecção do ministério de Pombal: a

fábrica das sedas no Rato, a produção de chapéus, de cutelaria, de pentes, de caixas de papelão, de

vernizes, de relógios, de louça, de botões, entre outras, que Esteves Pereira enumera. Esteves Pereira, op.

Cit., p. 136.

91 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 242-243, apoiando-se em

Jorge Borges de Macedo.

92 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 147.

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de lanifícios, a Covilhã [...]» sobressai.93

O fabrico de tecidos e as indústrias de

lanifícios são realidades em províncias de Trás-os-Montes, Beira e Alentejo.

Encontravam-se aqui três nichos de mercado: (i) o comércio e o consumo locais – os

mais directos; (ii) a manufactura de tecidos para a criação de fardamentos do Exército,

da Marinha e da criadagem; (iii) e os mercados de Lisboa e Porto. E, nas palavras de

José Vicente Serrão, um programa com os seguintes pontos: «“a médio-longo prazo,

tornar o país menos dependente das importações, reforçar a articulação (exclusiva) entre

a economia metropolitana e a economia colonial e recuperar o atraso. E no que ao sector

industrial diz respeito, pode dizer-se que impulsionou, efectivamente, um crescimento

duradouro. Crescimento esse prolongado, com as suas cambiantes e os seus percalços,

até à primeira década do séc. XIX”»94

.

Duas atitudes confrontam-se no tocante à actividade industrial. Na óptica de

Borges de Macedo, em Sebastião José de Carvalho e Melo estavam «a

espectacularidade e a urgência» da sua intervenção na modalidade manufactureira,

enquanto o conde de Ericeira se havia regrado por uma «dramática propaganda

pessoal».95

Afastada a política deste último, e inversamente aos objectivos de

construção empresarial idealizados pelo reinado de D. João V – que colocariam a

indústria num patamar mais ambicioso –, a actuação de marquês de Pombal inspirar-se-

á no modelo oficinal, evoluindo qualitativamente por intermédio da criação de oficinas

especializadas. Nos primeiros, a grande manufactura; no segundo, conjuga-se o

aparelho industrial tradicional (as pequenas unidades produtivas) e a especialização

regional.96

A actuação da companhia na Covilhã centrava-se numa produção

93

Idem, p. 145.

94 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.

Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 242, citando José Vicente

Serrão («O quadro económico. Configurações estruturais e tendências de evolução.» In José Mattoso

(Dir.), História de Portugal, vol. 4, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, p. 92).

95 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 74.

96 As dissemelhantes visões de soberanos e autoridades governativas são assim explicadas por Borges de

Macedo: «A produção dividia-se em concentrada e dispersa. Na primeira, considerava-se a “fábrica”

como um “agregado de oficinas aonde a lã entra em rama e sae convertida em tecido ultimado” [sic]. A

produção dispersa estava entregue aos chamados fabricantes, espécie de empreiteiros sem oficinas

próprias que compravam os produtos saídos de cada oficina para os remeter à oficina seguinte, até

ficarem prontos a ser vendidos.» Por esta altura, considerava-se os tecidos nacionais superiores aos

ingleses em duração e qualidade. Idem, p. 226.

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descentralizada, mas não desarticulada. Essa descentralização implicava o

aperfeiçoamento e a valorização qualitativa das peças, mantendo as unidades já

existentes. A par desta acção, marquês de Pombal pretendia construir em Lisboa, como

suporte das infraestruturas, um armazém para receber, concentrar e facilitar a venda de

produtos oriundos do Interior.

O ensino dos ofícios foi estimulado para que os nativos pudessem assumir as

funções e as exigências do programa industrial. Como tal, na Covilhã e em Portalegre

havia escolas de fiandeiras, por exemplo. «O sistema de tornar as manufacturas centros

coordenadores de produção é um aspecto que interessa aqui salientar, pois manifesta

que o elemento básico do esquema industrial neste terceiro quartel do século XVIII

continua a ser a pequena unidade produtora.»97

1.1.4. O fomento pombalino e o «centralismo despótico»98

«Ao Estado cabem agora todas as atribuições económicas, de primeiro

financeiro à de consumidor privilegiado.»99

Tem o Estado investido em fabrico de

armas, pólvora, têxtil, calçado, formação de arsenais, cordoarias, fundições, estaleiros e

outros mais. De acordo com a análise de Carlos da Fonseca, exigia-se, no século XVIII,

do trabalho oficinal em vestuário e calçado, um trabalho de técnica, de «requinte» e de

perfeição que implicava quatro requisitos e levantava quatro problemas, nomeadamente

quanto ao fardamento de exércitos (cuja produção estava em crescimento): o tempo, a

quantidade, o custo e ainda as dimensões, que não conseguiam acompanhar tal

demanda. Lembra ainda Jorge Pedreira que a conjuntura política e socioeconómica, –

eram os ecos do terramoto de 1755 e de um mercado colonial carente, bem como a

97

Idem, p. 152.

98 Carlos da Fonseca, «Tradição e Modernidade na Indústria Portuguesa – Ensaio Económico-Social sobre

as Corporações e Mesteres» in Esteves Pereira, Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, p. 62.

99 Em nota, Carlos da Fonseca escreveu, citando «Noções Históricas, Económicas e Administrativas sobre

a Produção e Manufactura das Sedas em Portugal e particularmente sobre a Real Fábrica do Subúrbio

do Rato e suas anexas. Lisboa, 1827» de José Acúrsio da Neves: «Até 1777, quase todas as fábricas

tinham beneficiado dos créditos de Estado. Nesse ano, o Aviso de 14 de Junho, recomendava aos

funcionários competentes que se procurassem os “modos mais oportunos, de se reformarem as fábricas,

para ficarem continuando [...] sem a dependência de [...] auxílio”. [sic]» Carlos da Fonseca «Tradição e

Modernidade na Indústria Portuguesa – Ensaio Económico-Social sobre as Corporações e Mesteres» in

Esteves Pereira, op. Cit., p. 62 e p. 76.

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descida das remessas de ouro do Brasil –, fazia prever (sobretudo, que imperava existir)

um outro tipo de actuação, mais invasiva, e outros intervenientes.100

Obrigava, assim, à

intervenção do Estado na organização de manufacturas, a ser o principal credor e

investidor industrial, a promover o contacto colonial traduzido na prática em

exportações (com destaque para o Brasil), e, dessa forma, a construir um mercado.

Mais tarde, a área tornava-se aliciante a particulares. Com algumas manobras

argumentativas, a administração e o poder sobre a indústria nacional vão sendo

transferidos gradualmente, com períodos de alternância, do governo para aquilo a que

Carlos da Fonseca nomeia de «capitalista privado». A área envolvente da Real Fábrica

de Panos tornou-se atractiva aos mobilizadores da economia covilhanense e regional

que mais se evidenciavam, os fabricantes e os negociantes. É no último quartel do

século XVIII que se verifica um investimento em ampliação de espaços oficinais, que

pudessem assumir funções (e produção) de complementaridade. Surgem as primeiras

empresas fabris especializadas nesta área, e até um maior movimento inovador. A

espontaneidade destas iniciativas privadas (associadas à classe burguesa) decorre de um

contexto favorável procedente da exoneração de marquês de Pombal após a morte de D.

José I, em 1777; da tomada de posse de D. Maria I; e de um acompanhamento menos

monopolizador do Estado, ainda que proteccionista. Os incentivos régios são também

atribuídos às novas unidades de indústria livre, desejando o estímulo da concorrência, e

o resultado é um aumento de produtividade e do número de instalações fabris.101

Elisa Pinheiro dá os exemplos da Real Fábrica de Simão Pereira da Silva

(1788), que sobreveio na segunda fase de construção da Real Fábrica de Panos, e da

Real Fábrica de José Mendes Veiga (1784), aproveitando igualmente a proximidade da

ribeira da Goldra e o enquadramento no espaço afecto à manufactura estatal. Há ainda a

Real Fábrica de José Henriques de Castro (1788) que completa o rol «das mais

inovadoras experiências que pontuaram, na Covilhã, a transição dos lanifícios do

período manufactureiro ao industrial, encontrando-se associadas a empresários que

pertenciam à forte comunidade de cristão-novos com implantação na Covilhã, Fundão,

Belmonte e Celorico da Beira»102

. Mas, note-se, que beneficiavam também de medidas

de protecção régia. A Real Fábrica de Panos não se tratou apenas de um espaço, foi

100

Jorge Pedreira, «A indústria» in Pedro Lains (Org.) e Álvaro Ferreira da Silva (Org.), op. Cit., p. 197. 101

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de

fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 252 e 258.

102 Idem, p. 227.

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também um importante contributo para a história (da indústria) e um impulso

empresarial e industrial decisivo para a cidade da Covilhã. Este complexo fabril não

feneceu com o desaparecimento de empresas como as de Mendes Veiga e do Conde da

Covilhã (esta última até aos anos de 1980). Os edifícios continuaram a ter ocupação e

foram a casa de aproximadamente trinta empresas industriais covilhanenses, como é

documentado em Rota da lã Translana.

1.1.5. A técnica, o mercado e os concorrentes da lã

À irrefutável evidência de que a actividade têxtil foi determinante no plano

económico nacional, Carlos da Fonseca acrescenta o pioneirismo desta no «capitalismo

industrial português», na medida em que reuniu um nível tecnológico e uma

abrangência territorial dianteiros. Como tal, enuncia, para o ano de 1789, os mais

importantes centros produtores: Abrantes, Albarraque, Alcobaça, Azeitão, Alenquer,

Braga, Bragança, Chacim, Chelas, Coina, Cascais, Coimbra, Covilhã, Freixo, Fundão,

Guimarães, Leiria, Lisboa, Lumiar, Penafiel, Portalegre, Porto, Rio Mouro, Sobral,

Setúbal, Sete Rios, Torres Novas, Tires, Tavira, Tomar e Valongo. Não se esqueçam

indicadores como a geografia, os recursos naturais, a matéria-prima, o regime

preferencial, o mercado, e outros para a localização e laboração da actividade industrial,

pelo que as produções não se equiparavam.103

O homem fez-se acompanhar, ao longo da história da sua evolução, de

instrumentos e de tecnologias. Ainda a maquinaria não é suficiente para catalogar a

indústria como moderna e identificá-la com o capitalismo industrial. Este verifica-se

efectivamente «a partir do momento em que esses engenhos cessam de ter um papel

auxiliar na produção, [e] se transformam no seu factor essencial, determinando a

quantidade, qualidade e o custo da mesma. De aplicações isoladas, generalizaram-se à

totalidade das tarefas»104

. A inevitável aproximação do modo de produzir à

modernização (difícil seria mantê-la, propagá-la e progredir), expressa pelo estímulo à

tecnologia compreendido entre a governação de marquês de Pombal e meados do século

XIX, bem como a organização do trabalho não se demitiram de características que tão

103

Carlos da Fonseca, «Tradição e Modernidade na Indústria Portuguesa – Ensaio Económico-Social

sobre as Corporações e Mesteres» in Esteves Pereira, op. Cit., p. 62.

104 Carlos da Fonseca, «Tradição e Modernidade na Indústria Portuguesa – Ensaio Económico-Social

sobre as Corporações e Mesteres» in idem, p. 65.

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bem definiram o século anterior. Evoca-se aqui o trabalho doméstico e oficinal que, sem

perder essa sua condição, integrou outras dinâmicas produtivas, outras escalas, variando

o seu contributo ao ritmo das necessidades das épocas.

Acompanhando a receptividade de Portugal aos têxteis (o fabrico de fardas

continuava a assegurar o mercado interno; desta feita, procurando servir-se da produção

oriunda das províncias do Minho, Beira e Trás-os-Montes e do trabalho de calçado e

couro distribuído por artífices portugueses de outras zonas, como Lisboa)105

, enquanto

uma das suas actividades económicas privilegiadas, outras matérias-primas se tornaram

apelativas. Foi o caso do algodão. Elemento revolucionário da economia, de acordo com

Carlos da Fonseca e Nuno Luís Madureira, no qual se centralizara a aposta na

mecanização (primeiro, na fiação e, depois, entre a tecelagem e a estamparia), no século

XVIII, com consequências de baixa de preços e alargamento de mercados.106

Foi um

dos estímulos da concorrência internacional.

Em Jorge Pedreira, o entusiasmo é mais contido. Houve um crescimento

(assentido), embora o atribua mais a um preenchimento de mercados, facilitado pela

concorrência, do que a um aumento do consumo. Essa capacidade de acompanhar a

concorrência não deverá menos créditos ao proteccionismo do Estado do que ao

resultado de mudanças na produção e comercialização.107

Mas a produção originária de

outras metrópoles (distantes, obrigando ao transporte de grandes quantidades) custava a

impossibilidade aos pequenos produtores individuais de a obter e de a trabalhar,

beneficiando apenas os grandes industriais. As especificidades da constituição dessa

matéria – a resistência, a durabilidade e a maleabilidade – reuniram opiniões favoráveis

e o desejo de a importar. Quem se encontrava em condições de custear o seu transporte

beneficiava, em 1774, da isenção de impostos sobre o algodão concedida pela

administração pombalina. Simultaneamente, também a seda se apresentou como

investimento profícuo. Houve grandes expectativas investidas nos têxteis portugueses,

105

Jorge Pedreira, «A indústria» in Pedro Lains (Org.) e Álvaro Ferreira da Silva (Org.), op. Cit., p. 199.

106 Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 150. Descobre-se o trabalho de algodão (por ordem temporal) em

Azeitão, Alcobaça, Torres Novas, Lisboa, Porto, Abrantes, Coimbra, Aveiro, com destaque para a Real

Fábrica de Fiação de Tomar. Nacionais e colonos passam a cobiçar «os panos mais leves, exclusivamente

feitos de algodão, a saber: chitas, cortes de saias, lenços, gangas e cassas. [...] A nova realidade é: chegam

panos em branco, saem panos coloridos.» Idem, p. 152.

107 Jorge Pedreira, «A indústria» in Pedro Lains (Org.) e Álvaro Ferreira da Silva (Org.), op. Cit., pp. 204-

205.

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na última quinzena do século XVIII, explorando o que Madureira classifica de o

«legado e a orientação de Pombal».

Em sectores industriais como o linho e os lanifícios não se verificou uma

profunda alteração tecnológica como acontecera com a seda e o algodão. Diz Nuno Luís

Madureira que esse tipo de fibras requer um outro tipo de intervenção mecânica, a qual

não é coincidente com os mesmos «princípios» da maquinaria utilizada para o algodão e

a seda. A dificuldade em trabalhar as fibras de lã e linho provaram que os melhores

resultados obtêm-se nos processos manuais. «[...] Do património de técnicas

disponíveis, aquelas que vão ser absorvidas baseiam-se no aperfeiçoamento do trabalho

manual da lã, caso da tesoura inglesa de tosa, de alguns teares de lançadeira volante, das

prensas com chapas de ferro e de papelão, das râmolas e da tinturaria com base no

pastel. As tentativas de mecanização são sistematicamente mal sucedidas.»108

Testaram-se, em 1777, «uns maquinismos ingleses» na Real Fábrica de

Portalegre, mas infrutíferos. Maior viabilidade encontraram no recurso a escolas para

realizarem algumas tarefas (como a de fiar a lã), enquanto outras eram encomendadas a

artesãos da região (cardar). Já a tecelagem é garantida pelas oficinas domésticas, e os

custos decorrentes do trabalho realizado por essas unidades competiam com aqueles que

as máquinas exigiam.109

Também na Covilhã, e desta feita no século XIX, o capitão

Simão Pereira da Silva tenta introduzir «engenhos de carda Arkwright e uma mulle»110

,

mas sem sucesso. Em todo o caso, foi um importante contributo para o processo de

industrialização dos lanifícios, instigador da fiação hidráulica nessa cidade. O mesmo

108

Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 174. 109

Idem, p. 174.

110 Exemplos de engenhos mecânicos que acompanharam o início da actividade industrial. Richard

Arkwright (1732-1792), um industrial e inventor inglês, destacou-se pela criação de um sistema de

produção em massa. Inspirado pela máquina de fiação que John Kay inventara para integrar na indústria

têxtil, Arkwright decidiu contratar Kay (1767) para que este produzisse maquinaria igual para si e, mais

tarde, investir no sector. Tratava-se de uma máquina de tecer, da qual se obtinha «uma linha muito mais

forte do que qualquer outra na época» e tinha capacidade para tecer «128 fios de cada vez». Da fibra do

algodão resultava fio. Apesar de a máquina não requerer um operário especializado, não era possível

manobrá-la manualmente, nem por meio de cavalos. Por essa razão, em 1769, a solução foi a força da

corrente de água, que fazia mover as pás de uma roda. O feito permitiu o fabrico de algodão em elevadas

quantidades, de tal forma que foi um dos passos iniciáticos da Revolução Industrial na Grã-Bretanha. In

Richard Arkwright. In Infopédia, Porto, Porto Editora, 2003-2011. (Disponível em

http://www.infopedia.pt/$richard-arkwright, acedido em 6 de Outubro de 2011, às 16h15.)

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operaram as máquinas para a carda e a fiação em Portalegre e Marvão, em 1819, por

José Larcher. A verdade é que a tentativa de mecanização na indústria das lãs, neste

período, conhece pouco ou nenhum êxito. A produtividade não está, pois, presa a uma

necessária inovação mecânica e de processos. A ideia, e sobretudo o desejo, de novidade

esconde, por vezes, novas abordagens e procedimentos resultantes de técnicas manuais,

mas também a gestão de competências: fica o exemplo do «tintureiro que ao ensinar

novas cores ensina também a poupar lenha»111

.

1.1.6. Um jogador chamado Inglaterra e o efeito francês

A Revolução Industrial inglesa veio sublinhar alguns aspectos menos sólidos da

vida política e económica portuguesa: a rarefacção da entrada de ouro em Portugal, a

crise do Estado Joanino (1740-1750), a existência de uma indústria portuguesa

forçosamente motivada e intensificada (nomeadamente a partir de 1770) graças à

produção da indústria de lanifícios vocacionada para os fardamentos e, apesar de tudo,

um Interior com outro ritmo, menos compassado com a evolução positiva da indústria

inglesa e ainda muito afastado do Litoral. Lisboa, por seu turno, resgata atenções pela

sua determinante natureza geográfica. Inglaterra tinha interesse nessa posição charneira,

na sua abertura marítima ao Atlântico (e, por intermédio dela, a outros mares e oceanos)

e na fronteira terrestre com Espanha. Recorde-se a euforia da década de 70 do século

XVIII. A partir de 1775, o comércio de lã acelera. As manufacturas nacionais escoavam

com fluidez no mercado interno e conquistavam o estatuto de artigo de exportação

bastante requisitado, com grandes saídas. Os dados que se seguem são um excerto de

uma tabela de valores anuais de exportação de lã com largada nos portos portugueses,

compreendendo as últimas três décadas do século XVIII, apresentada por Borges de

Macedo112

(cf. quadro 1, Anexos, p. 321):

Anos Quantidade Valores em réis

1776 27 018 104 036 520

(...) (...) (...)

1799 57 649 715 714 560

111

Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 176. 112

Fonte: «A. H. M. O. P. e B. I. N. E., Balança de Comércio, anos respectivos.» In Jorge Borges de

Macedo, op. Cit., p. 198.

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1800 51 375 630 597 880

A informação seleccionada alberga os anos em que se lê uma alteração

significativa do movimento de expulsão (/ganho) de lã do território nacional. A

proximidade com o século XIX revelou números muito superiores, praticamente o

dobro do que se exportava em 1776, como é representado acima (na coluna da

«quantidade»). Apesar de Borges de Macedo não especificar a unidade de medida, esta

comparação confirma uma ascensão, uma prosperidade de final de século, robustecida

não só pelas matérias-primas ultramarinas mas também pelas nativas da metrópole, e

pelos produtos manufacturados. São 57 649 (em 1799), com o rendimento de 715 714

560 réis, contra os 27 018 (em 1776), lucrando apenas 104 036 520.

Os fabricantes do Interior ficavam descontentes com o valor dos produtos,

sempre em ascensão, pois assumiam o mesmo ritmo das quantidades exportadas.

Ressalve-se que parte da lã que embarcava nos portos portugueses era espanhola (lã

reexportada), por se tornar mais barato fazê-la passar e embarcar pelo território

português. Ainda que a seda ganhe avanço, os tecidos de lã portugueses conquistam um

importante lugar no mercado, o que estimula indiscutivelmente a produção têxtil.

Aumentam as exportações para o Ultramar, a Inglaterra e o resto da Europa, e nessa

exportação segue lã produzida nas províncias.

Estruturas como a circulação de produtos, a produção agrícola, o fomento

industrial, os mercados ultramarinos, a valorização do Interior (enumeradas por Borges

de Macedo) são as dinâmicas jogadas no plano económico que se somam como

preocupações e objectos de intervenção por parte das entidades dirigentes do Reino. A

queda de qualquer peão podia abrir caminho ao desfecho precipitado do jogo, o que

parecia não acontecer neste período, pelo estado de «euforia» vivido. Esta situação

próspera balançava entre a riqueza interna (segura por uma produção e mercado internos

estáveis) e o posicionamento internacional (pela exportação e pela localização costeira e

intermediária). O comércio expandia-se e a indústria ganhava fôlego, não se ficando

pela governação pombalina. No entanto, o andamento da indústria nacional não fazia

prever «técnicas revolucionárias [...] em gestação ou esboço»113

e reflectiu-se até na

aproximação e numa possível aplicação do modelo de actuação inglês ao contexto

113

Idem, p. 217.

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português.114

Domingos Vandelli deu o exemplo do plano inglês de 1689: um ciclo,

onde a agricultura não devia ser desprivilegiada e a aposta no desenvolvimento

tecnológico do material fabril era uma exigência. Isto é, a agricultura activava o

comércio; a circulação de produtos e a abrangência de mercados excitavam a produção

industrial, acentuando-a; daí, a multiplicação de fábricas; e, depois, a sofisticação da

maquinaria dessas infraestruturas que evitasse a colisão com a prática da actividade

primária e auxiliasse a mão-de-obra na produção endereçada ao comércio externo.

No último quartel do século XVIII viu-se uma grande parte da indústria

estabelecida na costa ou nas suas proximidades. Tinha matéria-prima, aglomerados

populacionais crescentes e mais significativos, mercados e o porto de Lisboa em franca

actividade (desde 1797) e bem localizado no trânsito de navegação internacional. Como

consequência, a produção fermentava, sobretudo com a introdução de técnicas de

naturalidade inglesa. Os valores de exportação de produtos da metrópole e das colónias

(ou ultramarinos) que Portugal alcançou, entre o final do século XVIII e o principiar do

século XIX (1789-1806), garantiram um apontamento histórico para o país.115

No reinado de D. Maria I (r. 1777e 1816), as invasões francesas de 1807-1809 e

1810 fazem descer uma neblina sobre a capacidade de produção industrial, pois a

sobrevivência tornara-se na cardeal actividade do povo. Se a violência do acontecimento

foi inarrável para Esteves Pereira, também o foi para a população, obrigada a olhar os

despojos e a enfrentar repetidos horrores e caos alguns anos mais tarde. A mise-en-scène

é comentada e corroborada até pelos estrangeiros que frequentam o país. William Henry

Harrison, um escritor inglês do século XIX, encontra para a primeira página do seu

roteiro The Tourist in Portugal, que começa na cidade do Porto, as seguintes palavras:

«Toda a cidade estava numa confusão, e cada coisa “fora do lugar”, os habitantes

114

Borges de Macedo recupera a intervenção de Domingos Vandelli: «Numa das mais antigas referências

à Revolução Industrial inglesa, um outro espírito esclarecido e dos mais conceituados desse tempo

comentava a viabilidade da sua “aplicação” a Portugal dizendo: “Queremos ser fabricantes, imitemos os

ingleses e sigamos as suas normas. Eles, no ano de 1689, excitando com prémios a extracção dos

comestíveis promoveram a agricultura, depois aumentaram o seu comércio e multiplicaram as fabricas, e

para que estas não prejudicassem a Agricultura inventaram e puzeram em uso máquinas para facilitar a

mão de obra em todas aquelas fábricas que deviam servir para o comércio exterior [...]”. [sic]» Domingos

Vandelli (Memória sobre a preferência que em Portugal se deve à Agricultura sobre as Fábricas, em

“Memórias Económicas da Academia”, vol. 1.º, pág. 252) apud Jorge Borges de Macedo, Problemas de

história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 218.

115 Idem, p. 235.

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encontravam-se numa expectativa quotidiana pela visita de Saldanha, e pelo

consequente reavivar dos horrores da guerra civil».116

As invasões napoleónicas deixaram Portugal ferido em todas as frentes. Como

qualquer invasão, a violência destrói a naturalidade das vivências quotidianas, as

estruturas e a organização estabelecidas. No que diz respeito ao comércio, a ocupação

militar francesa de parte da metrópole impedia a chegada aos portos lusitanos de

matérias-primas e produtos do Ultramar e a exportação de dois artigos fulcrais (o vinho

e o sal), cuja produção, em grande medida, tinha o mercado estrangeiro como destino. O

pequeno mercado interno, a baixa densidade demográfica e a subdesenvolvida

urbanização influíam também no desenvolvimento da indústria. «Por outro lado, como

salienta Amado Mendes, a limitada formação dos técnicos e empresários da indústria

terá motivado, através do Alvará de 28 de Abril de 1809, a concessão do exclusivo de

novos inventos, por um período de catorze anos, aos capitalistas que investissem na

instalação de fábricas e na introdução de novas máquinas.»117

O mercado clandestino

(de tecidos de lã e algodão, de estamparias, de ferro e de quinquilharia inglesas) minava

o comércio legal nacional, e aqui desenhava-se uma concorrência que, apesar de legal,

era desleal e perfurante (a partir de 1801).

A indústria portuguesa perdia pelo atraso na evolução tecnológica e técnica. Era

aí que residia o cerne do problema, sentencia Borges de Macedo, apoiando-se em vários

autores. José Acúrsio das Neves aponta «“o poder mágico da máquina a vapor”» como

protagonista de «“uma revolução nas artes mecânicas”», dando «“meios aos ingleses

116

William Henry Harrison (1795?-1878), escritor inglês, acompanhado de James Holland, pintor (artista

da paisagem e da aguarela) seu contemporâneo e conterrâneo, foram convidados pela Jenning’s

Landscape Annual para elaborarem um relato turístico – escrito e pintado – da paisagem portuguesa.

Embora a viagem se tivesse iniciado em 1837, uma corrente de turbulência ainda faiscava. As

consequências das investidas de Napoleão Bonaparte, em Portugal, são adensadas pelos confrontos civis

portugueses (Liberais versus Absolutistas/Conservadores) nas primeiras décadas do século XIX. William

Henry Harrison colhia dos rostos das pessoas a incerteza que pairava entre o fecho do capítulo de guerra e

a expectativa da mudança. Em The Tourist in Portugal, publicado em Londres em 1839, William Henry

Harrison diz do primeiro local onde desembarcou (o Porto): «The whole city was in confusion, and every

thing “out of joint”, the inhabitants being in daily expectation of a visit from Saldanha, and of the

consequent revival of the horrors of civil war». William Henry Harrison e James Holland, The Tourist in

Portugal, Londres, Robert Jennings, 1839, p. 45.

117 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de

fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 264.

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para ninguém poder competir com eles na barateza das manufacturas”». Contudo, era

«“lastimoso o estado em que nos achamos a respeito das máquinas. Fazemos tudo à

força de braços e de animais, enquanto nos outros países a força dos elementos quase

dispensa a mão do homem nos trabalhos mais pesados e aumenta prodigiosamente os

frutos da indústria”».118

A potência inigualável, até ao momento, do vapor e o maior

controlo do funcionamento de um estabelecimento com este tipo de mecanismo

alargavam as possibilidades territoriais de implantação. Segundo o economista, o atraso

de Portugal, no que concerne a utilização da máquina, terá decisivamente condenado o

sucesso das manufacturas nacionais de um país tão rico em matérias-primas e recursos.

As tentativas francesas de conquista e a guerra em território nacional geraram

migrações. Colheitas, gado e instalações industriais – tanto oficinais como

manufactureiras – foram destruídas cirurgicamente, e muitas das poupadas não

recomeçaram imediatamente a produção por precaução (de que foram exemplo algumas

na Covilhã). Seguiu-se o recobro. Em finais de 1813 actua-se no sentido de restabelecer

cuidadosamente a laboração fabril, directiva na qual estavam integradas as fábricas de

lanifícios da Covilhã e de Portalegre. Esta situação levou a que, na aurora do século

XIX, os produtos ingleses (apresentando boa qualidade) dominassem as alfândegas

portuguesas e os produtos ficassem desbaratados, pois as suas quantidades eram muito

superiores ao consumo, não deixando margem ao produto nacional para competir com o

inglês no seu próprio mercado. Retomar e recuperar a actividade implicaria alguma

segurança, isto é, encontrar um consumo paralelo ao da concorrência. Papel que o

Estado poderia assumir ao encomendar panos para o fabrico de fardamentos. No

entanto, não foi suficiente nem para a técnica nem para o mercado. Aquilo que se

dissera quanto à Covilhã, também se aplicava a outras fábricas, como Portalegre,

Azeitão, Alcobaça e Cachim. Em 1817, há registos de «decadência» da fábrica de

Portalegre, atestada de panos, sem mercado que os consumisse.119

No contrato celebrado entre o Estado e a Real Fábrica de Lanifícios da Covilhã,

em 17 de Agosto de 1820, incitava-se a sociedade que gere as Reais Fábricas de

Lanifícios da Covilhã e do Fundão (e a Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre, de 23

de Janeiro de 1799 até à sua compra pela família Larcher) a reiniciarem a sua laboração,

com investidas e incentivos de produção, apostando na «“perfeição”» e na

118

Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 240.

119 Idem, pp. 241-242.

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«“quantidade”» dos tecidos (Borges de Macedo recordando os termos de Luís F. de

Carvalho Dias), a fim de combater a concorrência, ir ao encontro do seu mercado e das

pretensões do Estado, além dos próprios interesses daquelas fábricas. A Revolução

Liberal, em 1820, não é sinónimo nem de desenvolvimento industrial nem de «à-

vontade económico». A mudança sedenta de melhoramento e aprovisionamento técnico

e tecnológico perdeu-se em lutas políticas e sociais que só atrasaram ainda mais a

introdução de medidas transformadoras e urgentemente necessárias (recuperação de

edifícios, maquinaria e da própria produção), prolongando o desfasamento e o

desajustamento relativamente «à nova realidade económica mundial».120

1.2. A fábrica, o Interior laneiro português e as demandas da

contemporaneidade – os séculos XIX e XX

1.2.1. Os lanifícios e o mercado colonial no século XIX

O século XVIII foi carimbado pelo vigor de casas manufactureiras reais, onde se

pretendeu desenvolver um trabalho especializado, ocupando-se da qualidade e

promovendo uma gestão e organização adequadas dos circuitos de produtos e de todos

os intervenientes.121

Porém, há oscilações a ter em conta: a quebra dos salários e, por

consequência, a quebra do consumo interno aconteceram num período pouco

«favorável» relativamente ao seu enquadramento internacional. A indústria portuguesa

não perspectivava nem progressão nem estabilidade se se atender ao panorama da

produção e da concorrência. A aceitação e a integração dos produtos nacionais no Brasil

e o sistema proteccionista perderam a sua força estratégica. O primeiro não é suficiente

para rejuvenescer «a competitividade perdida» e, no segundo, as restrições à importação

120

Idem, pp. 243-247.

121 «O fulgor das manufacturas reais é um fenómeno acentuadamente setecentista.» A cada artífice é

atribuída uma única função, a qualidade dos artigos é normalizada e os indivíduos e os produtos integram

e interagem num circuito específico que se pretende eficiente – três especificidades do modelo de divisão

social do trabalho que lhe foi caro. «Sem grandes inovações técnicas, a indústria da lã tem um

crescimento de produtividade que a torna num caso bem distinto do sector dos “liníficios” [sic], situação

que se mantém até princípios do século XIX. O alcance da modernização da indústria têxtil portuguesa

não deixa dúvidas. No novo mundo que sai da conferência de paz de 1815 os sectores mais competitivos

do país são aqueles onde as tentativas de inovação técnica tiveram menor expressão e onde o trabalho

doméstico predomina: os linhos e as lãs», conclui Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 177.

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e a «isenção de direitos sobre matérias-primas» não surtiram as reacções necessárias no

mercado. Exigia-se, portanto, uma nova forma de enfrentar o comércio internacional, e

dois assuntos levantam-se imediatamente: «a base da prosperidade dos finais do século

XVIII» e «o papel do mercado colonial brasileiro no desenvolvimento português» – em

exame por Nuno Luís Madureira.

Na transição de Setecentos para Oitocentos havia novos números no painel de

importações e um outro modelo a acender o século XVIII. O algodão usurpa lugares que

os linhos e as sedas ocupavam, e os lanifícios já não são prioritários no mercado

internacional (ver quadro 2, Anexos, p. 321). Não esquecendo a entrada, cada vez maior,

de produtos industriais estrangeiros competitivos nos circuitos comerciais de que

Portugal faz parte, e o seu posicionamento nos mercados interno e colonial portugueses.

Nesse florescimento do comércio nacional começa a pesar-lhe, por um lado, a carestia

de recursos naturais e, por outro, o elevado preço das matérias-primas. A importação

continuada de cereais coloca em causa as culturas cerealíferas nacionais e direcciona o

enfoque das preocupações para a evolução do sector agrícola, que 1815 já não consegue

esconder. Inquietante vinha sendo a situação da actividade das fábricas e de toda a

estrutura envolvida, do emprego às condições da mão-de-obra (artífices), e o futuro dos

fabricantes que, ameaçando um estado de entorpecimento, condicionava igualmente o

mercado externo. Por isso, a economia reestrutura-se no sentido de encorajar o comércio

interno de cereais. Este plano viria a adiar nova investida na industrialização e nova

carteira de acções proteccionistas sobre as fábricas para os finais da década de 1830.122

Entretanto, desde 1808 que Inglaterra estava livre da barreira alfandegária

portuguesa e passara a comerciar directamente com os portos brasileiros, abertura que

se estenderia às demais nações em 1814. Extinguia-se, assim, o circuito comercial

triangular do atlântico, e que Portugal controlava (taxando os produtos de exportação

inglesa para terras sul-americanas). O algodão, por exemplo, que fora o ex-líbris da cena

económica do século anterior, não reagia agora nos circuitos de distribuição onde os

portugueses intervinham (a Inglaterra conseguia-o directamente no Brasil), mas outros

produtos como os couros, o açúcar, até o cacau e o café permitiam-lhes alguma procura

de reexportação.

De Portugal, os Brasis ficavam cada vez mais longe, embarcados por uma

Inglaterra cada vez mais interessada e aliciante. Regia-se o mercado ao sabor do chá das

122

Idem, pp. 319-322 e p. 324.

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cinco, e a ligação umbilical com as cinco quinas esmorecia. Concretamente, o país

ressentiu-se e a Beira e o Alentejo não foram excepção. Todavia, «Portugal continua a

ser um entreposto de distribuição para outros países: “a costa portuguesa oferecia

excelentes condições”» pela facilidade que constituía ao «tipo de navegação na época»

ou pela conveniência de ser um dos entrepostos europeus tradicionais, dado que vários

países viram as suas marinhas mercantes serem afectadas pelas guerras napoleónicas ao

mesmo tempo que a necessidade de produtos coloniais se mantinha123

.

O fraco desempenho no escoamento de artigos no sentido Norte (da Europa) e

no seu vizinho Mediterrâneo era colmatado pelos laços coloniais (para uns), e amarras

(para outros). Os produtores da metrópole estavam dispensados do pagamento da

dízima, tratando-se de uma relação unilateral. No que respeita às mercadorias

estrangeiras, o seu trajecto incluía a boa cobrança de impostos, comissões e taxas de

armazenamento, que obrigatoriamente se efectuavam em Portugal. Este mercado

colonial estava fortalecido pelo facto de não ser legalmente autorizada a construção de

fábricas próprias no Brasil, dando alguma margem a algumas indústrias (algodão, linhos

e chapelaria) para que se desenvolvessem e pudessem usufruir da proximidade de portos

marítimos, como os de Lisboa e Porto.

A dissolução do império colonial português é também a perda de possibilidades

de desenvolvimento, e é com esta nova realidade que o século XIX acorda. No entanto,

Nuno Luís Madureira não considera a separação comercial entre Portugal e Brasil a

razão pela qual o primeiro não conseguiu progredir. Foi sim o culminar de uma situação

de fragilidade dos artigos industriais, sob a forte pressão concorrencial externa de

preços, completada pelo fardo financeiro da importação de matérias-primas. Os

lanifícios e as sedas, sectores agraciados pela intervenção de Pombal, seguiam a mesma

ventura. «O que significa então a perda do império?», pergunta Nuno Luís Madureira,

para seguidamente responder que «a perda do império é um dos momentos de crise do

modelo mercantilista e manufactureiro português: o momento em que as instituições

criadas para promover a indústria deixam de ser suficientes e eficazes; em que o surto

123

Nuno Luís Madureira, baseado na leitura dos tráficos atlânticos no período de 1814-1818, encontra no

segundo argumento (a antiguidade) maior força. Valentim Alexandre («Um momento crucial do

subdesenvolvimento português: efeitos económicos da perda do império brasileiro», in Ler História, n.º 7,

1986, p. 25) apud Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e

1834, p. 331.

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fabril e o incremento da produção encontram os limites ao crescimento»124

. Assistir-se-

á, pois, no correr do século XIX, ao regresso de uma modalidade, menos arriscada

dentro dos ciclos de negócios, que permitirá dar continuidade à actividade fabril (sob

novo formato orgânico do fabrico): são a «pequena oficina» e a «habitação modesta».

1.2.2. Costa versus Interior (entre os séculos XVIII e XIX)

O trânsito da segunda metade do século XVIII para a primeira metade do século

XIX é acompanhado pela transferência da centralidade e desenvolvimento das indústrias

do Interior do país e de Lisboa para zonas costeiras, mas localizadas sobretudo a norte,

como Porto, Guimarães e Braga. De acordo com Nuno Luís Madureira, esta tentativa de

compreensão e interpretação das várias realidades regionais tem validade numa

perspectiva geral, «global», embora «excessiva», que comprime e torna invisíveis vários

intervenientes e nichos de mercado em divisões territoriais mais abrangentes,

encaixando-os em relações simplificadas que se resumem a dualidades como Litoral e

Interior, Lisboa e «o resto do país», ou Norte e Sul. Esquece-se, nessa perspectiva mais

larga, que uma região periférica é central para uma «nova periferia», e esquece-se

«sobretudo que o grau de interdependência geográfica não é o mesmo quando há

especialização de produtos no tráfico (Lisboa/Alentejo interior) e quando há, pelo

contrário, trocas multifacetadas e variáveis (Porto/Trás-os-Montes)», concretiza

Madureira.

Nova questão para Madureira: O que afasta o Interior do Litoral? «De um lado,

“...as condições da economia da costa, com fáceis vias de saída para os produtos e

provida também de um acesso barato às importações estrangeiras, assim como uma

maior circulação monetária” e do outro “uma economia de interior com as dificuldades

resultantes de pouca densidade monetária, de vibração muito mais lenta e voltada para

mercados regionais”?»125

Madureira faz um reparo no conceito de «costa», definindo-o

como pouco «consistente», uma vez que algumas localidades com porto marítimo

(como Viana do Castelo, Esposende, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Figueira da Foz e

Setúbal) deixam de ter um papel relevante na recepção e distribuição de artigos

estrangeiros que se circunscreve aos pólos de Lisboa e Porto, ponto de partida desse

124

Idem, p. 339. 125

Jorge Borges de Macedo (Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 156) apud

Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, p. 341.

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comércio.126

Os mercados regionais são geridos ou organizados em função da facilidade de

comunicação com aqueles dois pólos, e não tanto com os portos de mar mais próximos.

É por Lisboa e Porto que, em 1854, se realizam 98 por cento das importações e 90 por

cento das exportações. A razão deste estreitamento de relações comerciais centra-se na

escassez de cidades médias com um número populacional suficiente para sustentar um

estatuto que permita a esses núcleos ter presença nesses circuitos de trocas. Já Lisboa e

Porto cresceram em população, e isso reflectiu-se na absorção (e no interesse) das rotas

que se desenham pelo mar e daquelas que se construíam por via terrestre ou fluvial,

rumo a esses pontos intermediários com o exterior.

Se é excessivo falar em dinâmicas de mercado na costa (que significará evocar a

abrangência da expressão: em toda a costa), também será excessivo, mas em sentido

oposto, apresentar as dinâmicas de mercado no Interior como isoladas – imediatamente

pensadas para auto-subsistência, limitadas à localidade, acompanhando a fragilidade

(e/ou a falta de compreensão das potencialidades e recursos) do suposto afastamento da

sua interioridade. O maior ou menor entusiasmo pelas terras do Interior dependerá «dos

ciclos de preços e do contágio da procura a áreas cada vez mais distantes». Quando

existe abundância, os preços dos produtos do Interior descem por falta de escoamento, e

a situação torna-se complicada desde o patamar inicial: o pagamento das culturas.127

Para o mesmo ponto convergem as ilações de David Justino relativamente a outras

regiões e mercados do país – de que Nuno Luís Madureira se serve – como o alentejano.

Conclui Madureira que «o que caracteriza a economia interior não é ter uma

“vibração muito lenta”, mas a enorme amplitude dos preços e a sua extrema

“sensibilidade às variações da produção, e em especial a grande dependência de factores

exógenos, como as condições climatéricas e as guerras”»128

. A morfologia (obstáculos

126

Enquanto Borges de Macedo trata a disparidade regional em pares demasiado abrangentes e pouco

precisos, Nuno Luís Madureira explica que esses pares (e neles a actividade comercial) de Norte-Sul e

Costa-Interior não são tão lineares quanto estas coordenadas geográficas. O contraste entre o Litoral e o

Interior não significava, pois, que toda a Costa apresentasse uma dinâmica de mercado mais ou menos

uniforme e representativa. Nuno Luís Madureira, op. Cit., pp. 341-342.

127 Aurélio de Oliveira («Mercados a norte do Douro: algumas considerações sobre a história dos preços

em Portugal”, Revista da Faculdade de Letras do Porto, História, 1985, vol.II, p. 53) apud Nuno Luís

Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, pp. 342-343.

128 David Justino («Crises e ‘decadência’ da economia cerealífera alentejana no século XVIII», pp. 64-65)

apud Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, p. 343.

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naturais, acidentes do terreno) é, também ela, determinante: as planícies do Interior Sul

contrastavam com os blocos montanhosos do Interior Centro e Norte do país (regiões da

Beira e nordeste transmontano). Enquanto nas primeiras, a morfologia facilitava a

existência de vias de comunicação (como estradas) mais rápidas; nas segundas, era um

transtorno muitas vezes inultrapassável quando se transportavam volumosas e pesadas

mercadorias. Isto traduzia-se em diferentes preços, mesmo entre regiões do Interior.

Outra das problemáticas em que o Interior é debatido confronta a sua «“baixa densidade

monetária”» e a sua (re)solução mais comum e natural, a da troca directa de produtos –

«sistemas de troca natural», uma compensação imediata, palpável, que pode ser

utilizada a curto prazo sem riscos de desvalorização ou de não-utilização –, a produção

para auto-consumo e a «atrofia dos circuitos comerciais mercantilizados».129

A inconstância da vida industrial portuguesa, resultado das práticas e políticas

que foi adoptando, não a marginaliza nem no quadro de relevância do fabrico nem no do

mercado interno, europeu e até transatlântico. A pertinência da sua existência é exposta

exemplarmente por dois pólos: Porto e Covilhã. São duas localidades representativas do

mosaico industrial português, abordadas de forma distinta pelo comércio internacional e

com orientações e estruturas organizacionais específicas. O artesanato urbano, o peso do

trabalho doméstico feminino nas manufacturas têxteis, as pequenas oficinas orientadas

para as sedas, o algodão e os metais revelam uma miscelânea de produções e de formas

de organização características do Porto do século XVIII. Na Covilhã, acontece o

inverso. Um tipo de indústria solitário, o qual envolvia praticamente toda a vila, e

encaminhado para uma área de especialização: a dos lanifícios. A Covilhã guarda, até

aos dias de hoje, a sombra de tempos mais ufanos, mas também alguma actividade e

exemplares patrimoniais com grande potencial para investigação.

1.2.3. A Beira Interior e o Alto Alentejo na segunda metade do século XIX

Entre 1851 e o final do século XIX, são a técnica e a indústria que ditam a

transformação da vida económica, social e urbana do país. Portugal conheceu os efeitos

do capitalismo inglês e francês num período em que, por terras lusas, se aprouvera

chamar de Regeneração. O progresso marchava ao som-dos-caminhos-de-ferro, do

estabelecimento de um mercado nacional e da reunião de condições (estabilidade

política e crescimento económico, no qual as obras públicas do Fontismo seriam as

129

Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, p. 343.

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realizações de destaque) propícias à constituição e acção de uma burguesia que gozasse

de «liberdade e paz». Avaliando o cenário urgia a formação especializada de técnicos e

operários. Para tal, António Maria Fontes Pereira de Melo, ministro das Obras Públicas,

Comércio e Indústria (pasta criada em 1852) providenciou a institucionalização do

ensino industrial (ensino elementar, secundário e complementar). Este percurso

habilitava os instruendos a «diplomas profissionais de oficial mecânico, oficial químico,

forjador, fundidor, serralheiro e torneiro», lê-se em Rota da lã Translana. Foram

criados, primeiro, o Instituto Industrial de Lisboa (1852) e a escola industrial no Porto

(1864), depois Instituto Industrial e Comercial do Porto. O Decreto de 20 de Dezembro

de 1864 designara também para Guimarães, Covilhã e Portalegre tais estabelecimentos

de aprendizagem, cuja actividade industrial impunha.130

Nos anos de 1860, Fradesso da Silveira inspeccionava as fábricas, e da Covilhã

constatou – após a reunião e a apreciação dos valores de consumo anual de lã, de peças

de pano produzidas, de operários e da sua distribuição em diferentes tipos de

estabelecimentos fabris – que não era inadequado considerá-la «o principal centro

manufactureiro do país». Esta recebia lãs de «toda a região da Beira (...), do Alentejo

(...) e de Espanha (...)» e no seu concelho era possível contabilizar «27 fábricas de

cardar e fiar lã, 35 pisões, 20 tinturarias, 13 estabelecimentos de ultimação de fazendas

e muitas casas destinadas à indústria da tecelagem, para além dos fabricos dispersos

pelas habitações dos fabricantes e tecelões da Covilhã (...) e outras povoações do

concelho» e ainda listar fábricas de outro tipo (sabão, papelão), carpintarias, serralharias

e laboratório (associado à prática da tinturaria).131

O contributo das diversas unidades fabris covilhanenses permitiu classificá-las

130

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de

fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 275.

131 Na Covilhã de 1860, de acordo com Joaquim Henriques Fradesso da Silveira e As fábricas de

Portugal: indagações relativas aos tecidos de lã: resultados da inquisição feita por ordem do Conselho

das Alfândegas (Lisboa, Imprensa Nacional, 1864, vol. 1), «os lanifícios consumiam anualmente 100

milhões e 500 mil quilogramas de lã e produziam mais de 20 000 peças de panos. Trabalhariam nas

fábricas da cidade 3798 operários, sendo 2496 (65,7%) do sexo masculino e 1302 (34,3%) do sexo

feminino, para além de 1219 menores de 16 anos, enquanto na pequena indústria se ocuparia quase toda a

restante população. [sic]» Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de

um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp.

275-277. A partir deste momento far-se-á uso de termos como «concelho» e «distrito», baseado nas

referências geográficas ditadas por Elisa Calado Pinheiro.

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hierarquicamente: «primeira classe a de Francisco Nunes Marques de Paiva, que

produzia “os artefactos mais perfeitos, empregando a única máquina a vapor existente

na Covilhã”» (o elevado custo associado à exiguidade de combustível na região foi a

justificação para manter a quantidade de rodas hidráulicas que abasteceram de energia a

maioria das fábricas ao longo do século XIX); «a de Mello Geraldes & Comp.ª; a de

José Mendes Veiga (...); a de António Pessoa de Amorim & Irmão, estabelecida nos

edifícios da antiga Fábrica Real, que produzia tecidos de qualidade inferior,

encontrando-se, à data, a fabricar em grande escala fardamentos para as tropas; a de

António Nunes de Sousa & Filhos (...) e a de António José Tavares. (...) Também

completas, mas consideradas de segunda classe, eram as de João Mendes Alçada (...) e a

de Manuel Nunes Mouzaco & Irmão (...). Para além destas, Fradesso da Silveira

registava ainda, em terceiro lugar, uma fábrica incompleta, por não ter tinturaria,

pertencente a Euphemio Graça e Comp.ª, bem como em quarto lugar, um

estabelecimento de acabamentos de tecidos da firma Campos Mello & Irmão [sic]» e

assim sucessivamente.132

Fradesso da Silveira retomou, relativamente à indústria covilhanense, velhas

questões: os deficientes mercados abastecedores de lã, a instrução profissional e as vias

de comunicação (e, por consequência, o isolamento), que conjugados encareciam a lã

(vinda do Alentejo) e dificultavam a absorção desses produtos pelos mercados.

Descompensados estavam também o capital, a tecnologia, a divulgação, e a quantidade

de lãs nacionais (que a encarecia) e de produtos imprescindíveis à indústria.133

A decisão de elevar a Covilhã a cidade não pode deixar de ter em conta o

compromisso e a dedicação à lã e à sua indústria: «A Carta Régia de D. Luís, de 20 de

Outubro de 1870, que elevou a Covilhã a cidade, justificava o acto pela relevância

alcançada pela indústria de lanifícios: “(...) Atendendo a que a mesma vila é uma das

populações do Reino que mais se tem distinguido pela fecunda iniciativa dos seus

habitantes, na fundação e aperfeiçoamento de muitos e importantes estabelecimentos

fabris, cujos produtos podem já disputar em primazia com os das fábricas estrangeiras

mais acreditadas pelo seu desenvolvimento industrial (...)”»134

. Confirmada pelas

conclusões do Inquérito Industrial de 1881, nesta altura, no concelho da Covilhã

132

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de

fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 278-281.

133 Idem, p. 282.

134 Idem, p. 283.

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existiam «17 fábricas completas, 55 incompletas e outras 55 consideradas “pequenas

fábricas”» (ver gráficos 1 e 2, Anexos, pp. 322-323). À data, as empresas José Mendes

Veiga Sucessor e a Campos Mello & Irmão eram as mais estimadas.135

No seu encalço estava o distrito da Guarda com 27 estabelecimentos fabris.

«Produziam-se sobretudo tecidos de baixa qualidade (palmilhas), saragoças, borelinas e

algumas baetas, bem como chales e mantas», escreve Elisa Pinheiro. Também no plano

da maquinaria, segundo o mesmo inquérito de 1881, a Covilhã estava na dianteira

(apresentada como excepção) com maquinismos «“dos mais aperfeiçoados, procedentes

em geral da Bélgica, França e Inglaterra” (...)», e os operários covilhanenses com o

conhecimento e o à-vontade necessários para o exercício das suas tarefas, começando

desde crianças a ser instruídos em ambiente fabril. Covilhã, Guimarães e Porto

embeveciam o país industrial em diferentes áreas – lanifícios, linho e cutelaria, e

fundição de ferro respectivamente –, e em cada uma delas a liderar.136

O novo Inquérito Industrial de 1890 confirmava a distinção do concelho da

Covilhã no campo dos lanifícios, seja em número de estabelecimentos industriais ou de

operários empregados, no que respeita a níveis de produção. Deu conta, também, do

crescimento vivido no distrito da Guarda, com destaque para o concelho desta capital de

distrito (entre as freguesias de Trinta, Meios, Videmonte, incluindo a própria cidade),

tendo como catalisador a produção dos chamados cobertores de papa (mantas de lã),

que ainda hoje identificam a zona.137

Já no distrito de Portalegre, as fábricas ganham

135

Idem, p. 284. 136

Como prova, um testemunho da época: «Nos finais do séc. XIX, esta cidade a par de Guimarães e do

Porto, distinguiam-se como as únicas verdadeiramente industriais do país, como documenta o seguinte

trecho: “Hoje 1881, a não serem as grandes indústrias, que tem as suas sedes fixas em diversas terras do

reino, como, por exemplo, as dos lanifícios, na Covilhã, as de tecidos de linhos e cutelaria, em Guimarães

e as de fundição de ferro na cidade do Porto, as restantes indústrias com pequenas excepções, não

enobrecem nenhuma cidade ou vila do Reino em particular, e existem dispersas por todo o país”. [sic]»

Fonte: «Portugal. Secretaria das Obras Públicas, Commercio e Industria. Repartição de Estatística.

Comissão Central Directora do Inquerito Industrial. – Inquérito Industrial de 1881. Lisboa: Imprensa

Nacional, 1881-1882. 3 partes. 1882, p. 14.» In Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana:

percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte

(Espanha), vol. I, p. 227.

137 A finalizar o século XIX, o concelho da Covilhã é descrito da seguinte forma: «Em 1890, o concelho

da Covilhã (...) tinha 93 fiações e tecelagens instaladas e 577 pequenas indústrias, 10 tinturarias e 4

pisões. Empregava 4.681 operários (97,5% dos operários totais do distritos), dos quais mais de 4 mil eram

tecelões, 48 tintureiros e 14 pisoeiros [Dados do “Inquérito industrial de 1890 – Volume III – Indústrias

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terreno sobre a pequena indústria característica de terras alentejanas. Naquela cidade

localizavam-se fábricas como a Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre – ao nível

da Fábrica Real de Panos da Covilhã, de inspiração pombalina – fundada pela Junta do

Comércio, em 15 de Julho de 1772. Conheceu diferentes gerências: em 1788 foi

arrendada por 12 anos a Anselmo José da Cruz e Gerardo Venceslau Braamcamp de

Almeida Castello Branco, e depois integrou a mesma sociedade que geria as fábricas da

Covilhã e do Fundão, composta pelos sócios António José Ferreira, Joaquim Pedro

Quintella e Jacinto Fernandes Bandeira. As privatizações das manufacturas do Estado

permitiram que D. Rosa Jacinta Larcher, viúva de José Larcher (que começara como

tintureiro na dita fábrica)138

, a tornasse sua em 1822, e que por herança fosse mantida na

família pelos filhos e genros, tornando-se na Larcher & Cunhados em 1826.

No ano de 1862, é uma sociedade anónima que detém a então denominada

Companhia da Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre, correspondendo aos

fabris e manufactureiras, 1891.”]. A Covilhã possuía então 95% do total de teares da região (125

mecânicos e 1.616 manuais) e 26.515 fusos de fiação. Estes indicadores atestam a hegemonia industrial

deste concelho, comparativamente aos restantes do distrito, onde predominavam as pequenas fiações e

tecelagens em regime doméstico [sic]». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos

e marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),

vol. I, p. 286. «Também ao nível da produção, a Covilhã assumia uma posição de destaque, tendo, em

1889, produzido 2.194.070 metros de tecidos de lã, montante que veio a render-lhe 1.978.954$650 réis,

contra os 4.670 metros produzidos no Fundão e os 700 kg de lã cardada em Castelo Branco. No distrito da

Guarda, em 1881, a indústria de cardar, fiar e tecer lã envolvia 41 fábricas, para além da indústria caseira,

que empregava 637 tecelões. [sic]» Idem, p. 287. Quanto ao distrito da Guarda, o Inquérito Industrial de

1890 contabilizava «82 estabelecimentos industriais instalados no Distrito da Guarda. O maior aumento

verificou-se no próprio Concelho da Guarda, com 29, dos quais 26 na Freguesia de Trinta e 1 em Meios,

Videmonte e na cidade. [Dados do Inquérito industrial de 1890, 1891]. Para esta circunstância contribuiu

a industrialização intensiva da produção das mantas identificadas como “cobertores de papa” e a

instalação dos novos estabelecimentos junto ao rio Mondego, para o melhor aproveitamento da energia

hidráulica». Elisa Calado Pinheiro («Maçainhas (Guarda) na rota da lã: dos fios aos desafios» in Américo

Rodrigues [Coord.], O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas, Guarda, Câmara

Municipal da Guarda, Núcleo de Animação Cultural, Junta de Freguesia de Maçainhas, 2004, pp. 18-19»)

apud Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de

fronteira, p. 288.

138 Idem, p. 290. José Larcher era de proveniência francesa. O seu modesto posto inicial (de tintureiro)

deu lugar, mais tarde, a uma associação com Francisco Mailhol e Manuel Pereira Guimarães para fazer

nascer a Fábrica de Lanifícios de Cascais. Francisco Mailhol deixou, também, impressões pela Covilhã,

ao instalar as primeiras rodas hidráulicas na Fábrica de António Pessoa de Amorim.

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edifícios de Portalegre (na Corredoura de Baixo), aos do sítio de Água do Souto e aos

dos Olhos de Água, em Marvão. A sua vida útil termina em 1868, sem capital para que

as tentativas de reactivação vingassem. Em Portalegre, de referir também a firma

Larcher & Sobrinhos, fundada em 1818 por José Larcher, que ocupava o extinto

Convento de Santo António com um corpo de trabalho de 105 operários; «as fábricas de

Andrade & Larcher, fundada em 1843, de Manuel de Jesus Costa, em 1856, ambas

equipadas com máquina a vapor, bem como as fábricas da Viúva Serejo & Filhos e de

António Filipe Larcher, em Marvão, que empregava 24 operários». Para encerrar esta

caracterização da indústria laneira além Tejo, e apenas como curiosidade, também nos

distritos de Évora, Beja e Algarve se labutava na indústria de lanifícios, intercalada com

a tecelagem doméstica.139

A indústria portuguesa do século XIX é qualificada, no cômputo geral, como

fragmentada e rural. Dominam as oficinas e a pequena e a média indústria, muito

atentas aos mercados mais próximos (regionais). Quando observadas as fábricas

completas, aquelas cuja actividade engloba todas as fases – do tratamento inicial da lã à

ultimação do tecido –, regista-se «uma minoria no tecido industrial português,

merecendo destaque, na Beira Interior, o caso da Covilhã».140

1.2.4. A campanha industrial e a queda: o século XX

«“Cada século aportava novos aperfeiçoamentos à tecelagem e levantava novas fábricas nas

margens das duas ribeiras que desciam da serra, contando, a um lado e outro da cidade. (...) /

A indústria ia crescendo sempre. Agora não eram grandes apenas a casa do deus dos homens e

as casas das fábricas: ao lado destas, outras casas grandes tinham surgido – as residências

dos industriais. E todo o país falava da prosperidade da Covilhã.” [sic]» (Ferreira de Castro, A

Lã e a Neve, 1990, Pórtico)141

Os recursos naturais, a predisposição das populações e as actividades que ali

decorriam naturalmente (como a transumância) lançaram a Covilhã, Gouveia e

Manteigas no esquema de industrialização do país, onde se verificou, no trânsito do

século XIX para o século XX, um certo crescimento. Esse estado de graça deveu-se,

entre outras razões, à «forte mobilidade social», que Elisa Pinheiro considera ser

«paradigmática na Covilhã». Também à referida mobilidade prestou contas o processo

139

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de

fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 290.

140 Idem, p. 291.

141 Idem, p. 291.

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de industrialização dos lanifícios. Ao estilo português, eram «os selfmade industrial».

«Na primeira década do séc. XX, os lanifícios constituíam, logo a seguir à

indústria do algodão, a principal indústria do país, quer em mão-de-obra, quer em

capital investido.»142

Veja-se o algodão a reunir preferências e a ocupar um lugar

privilegiado. A par disso, a instauração do regime republicano trouxe mudanças sociais

e industriais, como o movimento operário, por exemplo, a reivindicar melhores

condições de habitabilidade, trabalho e remuneração. Em 1911, na Região Centro

(visando os distritos de Viseu, Guarda, Coimbra e Castelo Branco), o Livro de Actas das

Assembleias Gerais da Associação Industrial e Comercial da Covilhã contabilizava 160

estabelecimentos e 6037 operários. A Covilhã sofrera, nesta altura, um decréscimo;

sendo no seu concelho 91 empresas, das 95 do distrito, que empregavam 3012

operários. A energia dividia-se entre os 30 motores a vapor, os 24 motores de explosão e

os 79 motores hidráulicos. No distrito da Guarda eram 57 fábricas, aquelas que o

Inquérito Industrial de 1911 revelava, adiantando-se às «8 fábricas de lanifícios em

Lisboa (...) e, por fim, 2 fábricas, em Nisa e Portalegre, onde laboravam 157

operários».143

O infortúnio civilizacional da I Guerra Mundial (1914-1918) foi para a indústria

regional portuguesa uma oportunidade de incremento. Foi solicitada para a exportação

de produtos (dado que os conflitos condicionavam a produção industrial dos países que

sofriam mazelas mais profundas) que tinham como componente principal a lã – era o

caso dos cobertores – e que eram produzidos em grandes quantidades.144

No entanto, a

estabilidade da actividade vai variando de acordo com os acontecimentos que se

sucedem. O término da guerra surge, nesta fase, como motivo de fragilização. Quando,

internacionalmente, os concorrentes se empenhavam na recuperação; internamente,

questões sociais e laborais resultavam, em alguns casos, no encerramento de fábricas.

142

Idem, p. 294.

143 Idem, p. 294. A caracterização da Indústria da região Centro, do início do século XX, feita por Elisa

Pinheiro, tem como suporte o «Livro de Actas das Assembleia Gerais da Associação Industrial e

Commercial da Covilhan (1 de Setembro de 1889 a 13 de Fevereiro de 1908). Arquivo da Associação

Nacional dos Industriais de Lanifícios, ANIL, Covilhã. N.º 79, 1912 e N.º105, 1916. [sic]»

144 Os lanifícios da Covilhã na imprensa da altura: «A revista ABC, em Junho de 1922, no número

especial dedicado à Covilhã, apelida-a de “cidade colmeia” e apresenta-a como “exemplo de quanto pode

a energia e a actividade, laboriosa e fecunda duma cidade de honradas tradições de trabalho e

progresso”». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território

de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 295.

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Com o Estado Novo, a partir de 1926, a forma de intervir omnipresente e

omnisciente concentra no poder executivo o controlo da actividade industrial, perante

um sector em falência e mercados paralisados. Fala-se de corporativismo de Estado e

não de associações, de reforço de medidas proteccionistas (1927) relativamente aos

lanifícios com o objectivo de travar importações de produtos similares, e de apoio a

outros dois sectores também carentes, como as moagens e as conservas. Esta visão

pragmática, rememora Elisa Pinheiro, previa o estímulo dos chamados «“acordos

intercorporativos”» entre empresas do mesmo sector ou com interesses compatíveis,

tentando que as empresas não actuassem sozinhas para que a concorrência não fosse um

problema e o mercado fosse receptivo a todas. Da mesma forma que a «“perversidade”»

do mercado poderia minar algumas empresas, assim que outras criassem condições para

se desenvolver a um outro ritmo, a perversidade da lei impedia que este segundo caso

sucedesse.

O condicionamento industrial estabelece que qualquer empresa «depende de

autorização governamental para a concessão de licenças para o estabelecimento de

novas instalações e para a montagem ou substituição de equipamentos fabris, bem como

para a reabertura de unidades encerradas e a concessão de patentes».145

Houve tentativas

de cartelização, como o ensaio na Covilhã, no ano de 1931, pretendendo associar os

proprietários de indústrias de lanifícios. Esse ensaio aconteceu na Secção de Lanifícios

da Associação Industrial Portuguesa com o intento de «“reivindicar que o Estado se

encarregue dos custos sociais e económicos da concertação de empresas, organizando

um cartel, ou Grupo Económico, com autoridade para disciplinar todo o circuito da

produção de lã até à venda do produto final ao consumidor”, competindo-lhe,

igualmente, restringir o fabrico artesanal».146

145

Idem, pp. 297-298.

146 À explicação de Nuno Luís Madureira, Elisa Pinheiro acrescenta que, em 1934, os Governadores Civis

de Castelo Branco e da Guarda geraram no seio dos industriais de lanifícios portugueses a necessidade de

se organizarem corporativamente. A reunião, na qual foi apresentada a proposta de criar uma «federação

de grémios dos indústriais [sic] de lanifícios», aconteceu em Lisboa, no dia 29 de Janeiro desse ano, na

sede da Associação Industrial Portuguesa. A conjugação de interesses promovida por alguns

empreendedores fabris – João Megre, Francisco Pinto Balsemão («sócio fundador da empresa “Patrício &

Balsemão, Lda”, na Guarda, iniciada em 1901»), Albano de Sousa e João Ubach Chaves –, jogada no

período de 1934-1936, resultou, em tempo de Estado Novo, na «criação da Federação Nacional dos

Industriais de Lanifícios, FNIL, cuja orientação, como bem sintetiza Nuno Madureira, “consolida pela

primeira vez, no interior do sistema corporativo, o ponto de vista da grande manufactura em detrimento

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O dirigismo do Estado nem sempre foi eficaz no «equilíbrio» da produção em

grande escala – que o Grémio da Covilhã assumira, dispondo das «modernas fiações de

penteado» – e da produção em pequena escala dedicada a peças de menor qualidade,

congregada «à volta dos Grémios de Gouveia e de Castanheira de Pêra», alerta Elisa

Pinheiro. O condicionamento industrial foi introduzido (pela promulgação do decreto

n.º 19 354, em 14 de Fevereiro de 1931)147

apenas em fiações, e por intermédio dele

pretendeu-se «redimensionar a indústria, fomentando a “concentração, combater o

fabrico disperso, o trabalho a feitio e dar às empresas uma dimensão adequada”»,

concretiza Madureira. Muitos teares em madeira («de pau») manuais foram extintos

pela lei, substituindo um determinado número deste tipo de instrumentos de trabalho,

caducadas as suas capacidades, por alvarás para teares mecânicos.

Em 1930, o distrito do Porto sobressaía no conjunto das empresas têxteis

nacionais, sendo seguido pelos distritos de Castelo Branco e Guarda. Na Beira Interior:

Covilhã, Castelo Branco e Guarda continuavam a dominar o sector.148

Mas não tardou o

dos pequenos produtores dispersos”». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e

marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),

vol. I, pp. 297-298. 147

Em 4 de Março de 1931 é aprovado o regulamento do Condicionamento Industrial, ao qual, entre

outros, estivera sujeita a tecelagem de lãs. A partir de 17 de Maio de 1937, a Lei do Condicionamento

Industrial é a Lei n.º 1956. Condicionamento Industrial in Fundação Mário Soares, Arquivo & Biblioteca,

Lisboa. (Disponível em

http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/pesquisa?pesquisa=Condicionamento%20Industrial, acedido em

14 de Outubro de 2011, às 01h19.)

148 De acordo com o Boletim do Trabalho Industrial, N.º 150, de 1931, «em 1930, a actividade da

indústria têxtil nacional, compreendia 877 estabelecimentos que davam trabalho a 37.917 operários. O

distrito do Porto liderava, com 235 empresas no sector (27% do total de empresas têxteis) e com 18.192

trabalhadores (48% do pessoal), seguindo-se, em número de empresas, o Distrito de Castelo Branco, no

qual existiam 153 (17%) e o Distrito da Guarda, com 104 (12%). Só depois surgiam os distritos de Braga

e Lisboa [...]». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território

de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 298-299. Desta

forma, a Beira Interior, por uma diferença percentual pouco significativa comparativamente à do distrito

do Porto, «reunia 29% do total de empresas têxteis do país, distribuídas principalmente pelos concelhos

de Covilhã, Castelo Branco e Guarda». Idem, p. 299. A empregabilidade na área, por esta altura, atingia

os seus picos nos distritos de Braga e Lisboa, com um número de «mais de 5 mil operários cada, ao passo

que o Distrito de Castelo Branco empregava 3.056 operários, dos quais 2.930 (96% do pessoal do distrito)

trabalhava na Covilhã, e o Distrito da Guarda contava com 1.603 trabalhadores constituindo o Concelho

de Gouveia o maior empregador distrital, atingindo os 1.000 operários». Idem, p. 299. Em relação a este

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aparecimento de outros contribuidores activos na vida industrial destas localidades.

Novos confrontos de efeitos devastadores e com implicações internacionais ocuparam o

continente europeu – a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a II Guerra Mundial

(1939-1945) – e resgataram os lanifícios da região à semelhança do que acontecera em

1914-1917, observando-se uma procura acentuada de fardamentos militares.

Apesar das flutuações de desenvolvimento da indústria têxtil na Beira Interior,

fruto dos mais diversos condicionalismos que se foram enumerando, Elisa Pinheiro

regista que, entre 1881 e 1943, o número dessas infraestruturas aumentou (ver gráfico 3,

Anexos, p. 324), cabendo à Covilhã, no início dos anos de 1940, «60% da produção

têxtil nacional».149

E, apesar do crescimento bicéfalo do país (Lisboa e Porto), é o

distrito de Castelo Branco, com o valoroso contributo da Covilhã, o maior empregador

nacional. Em 1943, na região, dominam já os motores eléctricos, ao contrário de 1911,

quando prevaleciam as rodas hidráulicas, seguidas do vapor e dos motores de explosão.

Este discurso contempla, em dadas circunstâncias, uma densa componente

numérica e percentual, mas relevante na análise da evolução da Covilhã enquanto

cidade e da Covilhã como concelho, integrada na região da Beira Interior e no trajecto

laneiro que incluía o Alto Alentejo, no âmbito nacional e até internacional. 1971 é já

indicador de uma queda, traduzida num número de fábricas têxteis covilhanenses

inferior ao da década de 1940. As mudanças multiplicaram-se rapidamente com a

adesão de Portugal à Associação Europeia de Livre Comércio (AELC, em português;

EFTA, no original, European Free Trade Association), em 1960, e, como consequência,

último, e destacando o concelho (da Guarda), são os 95 estabelecimentos industriais que importa também

referir no âmbito de uma contextualização e comparação regionais, repartidos da seguinte forma: «nos

Trinta, 46 estabelecimentos; em Vale de Estrela, 12; em Maçainhas, 23; em Meios, 12; em Pêro Soares, 1

e, na Guarda, 1». Idem, p. 300.

149 A constatação fundamenta-se na Estatística Industrial de 1943, realizada pelo Instituto Nacional de

Estatística em 1945, que, olhando a planificação nacional de fábricas de lanifícios, destaca o concelho da

Covilhã com «132 fábricas, de um total de 404 empresas, o equivalente a 33% das fábricas de Portugal e

a 40% dos trabalhadores de lanifícios do país. A região da Serra da Estrela, abrangendo a Covilhã, Guarda

(62 empresas), Seia (18 fábricas) e Gouveia (15 fábricas), assume-se como o principal centro de lanifícios

do país». Idem, pp. 300-301. «Em 1945, existiam na Covilhã 140 fábricas que empregavam mais de 6.000

operários. Em 1954, contabilizavam-se 310 industriais, com 1.334 teares mecânicos e 723 manuais,

contando-se mais de 7.000 operários.» Também a demografia foi generosa com a Covilhã em 1960: «O

concelho ultrapassa pela primeira vez os 70 mil habitantes, constituindo o maior centro populacional da

Beira Interior». Idem, p. 302.

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a década de 1970 traz maior exposição a outros mercados e maior concorrência.

Segundo o Relatório de 1973150

, a indústria portuguesa de lanifícios «é

deficientemente estruturada, acusando carências significativas ao nível das condições

técnicas e dos elevados custos de produção». «Acusava-se então o predomínio de

pequenas e médias empresas – 75% das fábricas empregavam até 50 operários e só 43

empresas compreendiam mais de 100 operários – e a escassa modernização dos

equipamentos como os seus mais acentuados pontos fracos. Apenas 1% dos teares eram

automáticos, muito longe dos 27% da França, dos 31% da Dinamarca ou dos 34% da

Suíça», esclarece Elisa Pinheiro.151

O 25 de Abril de 1974 recuperou a democracia, mas

foi novo mote para instabilidade (entre conflitos laborais, greves e plenários) e crise

para a indústria de lanifícios, privada do «proteccionismo aduaneiro», dos «baixos

custos salariais» e do «mercado colonial». Isto culminou na perda de várias empresas.

Em 20 de Dezembro de 1974 nasce a Associação Nacional dos Industriais de

Lanifícios (ANIL), composta por 20 industriais de lanifícios da Covilhã (onde ainda tem

sede) e de localidades ligadas ao sector. Porém, a segunda metade do século XX revela

uma indústria de lanifícios portuguesa incapaz de se organizar e de se coordenar, e

retraída num contexto europeu. Essa gravidade não era negada pelos dados do Relatório

de 1973. Pelo contrário, com eles tomou-se consciência de que fiações e tecelagens

laboravam com parcos recursos, e de que a maquinaria se encontrava desactualizada (a

maioria anterior ao final da II Guerra Mundial152

) e desajustada à prática, o que não

permitia uma total nem rendosa exploração do material. Os salários praticados estavam

abaixo da média europeia, mas aliviavam custos de produção.

Seria necessário empreender uma transição acautelada de uma situação de

política de interioridade, de proteccionismo (condicionamento industrial), para um

cenário mais hostil, implicando firmeza do mercado interno e neste a habituação a uma

certa competitividade, a qual seria constante num ambiente externo. É criada legislação

no sentido de fomentar a indústria, de que é exemplo o Artigo 10.º do Projecto Diploma

Legislativo da Reorganização da Indústria de Lanifícios, que previa «a criação de Zonas

150

Resultado da acção da Comissão de Coordenação de Planeamento da Região Centro para a

Reorganização da Indústria de Lanifícios e a Criação de Novas Indústrias na Cova da Beira, em 1973.

Idem, p. 302.

151 Idem, p. 303.

152 Quer isto dizer concretamente que «75% do equipamento das fiações de penteado e de cardado e 87%

do equipamento das tecelagens eram anteriores ao fim da 2.ª Guerra Mundial». Idem, p. 303.

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Industriais de Lanifícios nos concelhos com tradição têxtil laneira e com abundância de

mão-de-obra e técnica especializadas, onde existisse também a possibilidade de manter

uma escola de formação profissional de operários têxteis»153

. Apesar do desfalecimento

da Covilhã, no que diz respeito ao sector em causa, nos últimos anos analisados, a

cidade foi ainda considerada «“Pólo de Desenvolvimento Industrial”», enquanto lar de

113 empresas de lanifícios. De acordo com o Grémio da Covilhã, só «9 representavam

mais de 50% da actividade laneira local».154

«[...] precipitou um desfecho há muito anunciado,

transformando uma vigorosa cidade,

até então programada pela cadência ritmada

dos estridentes chamamentos das sirenes das fábricas,

num espaço social depressivo.»155

O (excerto do) comentário de Elisa Pinheiro à trama covilhanense actual não

diferirá do de qualquer outro habitante (sobretudo se figurino de tempos idos). Partindo

destas palavras desfere-se o findar desta abreviada caracterização. A fácies e o espírito

de edifícios, de ruas e de autóctones perdem-se, nos tempos que correm, em assuntos

que se foram desligando da indústria da lã, embora, como se comprovará, tenham

surgido formas de manter presente a sua herança.

«O modelo de desenvolvimento industrial implantado na região assentou no

integral aproveitamento da energia hidráulica», evidencia Elisa Pinheiro. Esta frase

clarifica a base de apoio do percurso da indústria e o modo como lidaria com as

diferentes contrariedades e estímulos. Foi junto às ribeiras, encarreiradas nos vales que

as ladrilhavam, que surgiam unidades fabris, utilizando a água para a lavagem de lãs e

panos, e para a produção de energia. Os disputados sítios ribeirinhos tinham a

153

Idem, p. 304.

154 Operários e máquinas, no plano dos números, entre 1940 e 1970: «Relativamente ao número de

operários, verifica-se, para o periodo considerado, um contínuo aumento de efectivos, quer na Covilhã,

quer no total do país. Em 1973, a Covilhã registou o valor máximo, atingindo os 8.710 trabalhadores,

constituindo 36% do total, contrariamente aos 44% existentes em 1950. No que respeita ao número de

máquinas operatórias em actividade, no caso específico dos teares mecânicos, a Covilhã, até 1960, detém

sempre mais de 50% do total destes maquinismos, chegando a atingir os 54%, em 1940. Em 1970, são

1.770 os teares mecânicos da Covilhã, 44% dos totais.» Idem, p. 304. (Ver gráficos 4, 5 e 6, Anexos, pp.

325-327)

155 Idem, p. 228.

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contrapartida da morfologia escarpada que se opunha a uma coerente e produtiva linha

de fabrico. Seguiram-se desafios de produção, de transporte e de armazenamento dos

produtos, bem como de relacionamento com os mercados, a tecnologia e a(s) política(s),

considerando as idiossincrasias das épocas.

No terceiro quartel do século XX, a falibilidade (da produção de tecidos) da

cidade revelou uma queda de quase 50 por cento da sua produção a nível nacional num

período de 30 anos (entre 1940-1970) e uma severa perda de influência no sector.156

As

justificações centram-se no «esgotamento do modelo económico de mono-

industrialização», que até à data vigorava nesta localidade, e na «perda de

competitividade industrial da cidade, face à emergência de novos pólos industriais, em

consequência da abertura de novas áreas económicas e novos mercados»157

. Esta

situação crítica tornou-se mais visível no final da década de 1950, agravando-se no

decorrer dos anos de 1960. Elisa Pinheiro destaca ainda a crise energética no início da

década de 1970; o regime político e as respectivas medidas proteccionistas, que

«encapsularam» a indústria e «que lhe empalideceram o vigor que a caracterizara até às

primeiras décadas do século XX»; a ruptura das relações comerciais com as colónias,

das quais várias empresas covilhanenses dependiam; e a questão salarial (os aumentos),

que, em conjunto, transfiguraram a orgânica da cidade, impondo-se uma conversão de

arquétipos económicos e sociais filiados na «mono-industrialização e na pulverização

empresarial».

Assim, apresentavam-se para a indústria local incentivos como um «“Parque

Industrial do Pólo de Desenvolvimento da Covilhã”, um Centro Técnico de Cooperação

156

Convertendo as palavras em números: «Sublinhe-se ainda que a produção de tecidos da Covilhã, em

1940, representava 60% da produção nacional. Este valor veio sucessivamente a decrescer, tendo passado,

em 1950, para 51,3%, em 1960, para 47,7% e, em 1970, para 35,6%. A falta de competitividade da cidade

acentuou-se ao longo de todo este período, uma vez que, concomitantemente, se foi registando um

aumento do número dos efectivos ocupados na indústria. Assim, enquanto, em 1940, estes representavam

31% do total nacional, em 1950 aumentaram para 44,1% e, em 1960, desceram ligeiramente para 43,9%.

Quando, em 1970, se tentou realizar uma última reestruturação e modernização, o peso da mão-de-obra

passou para 36,4% daquele total.» Fonte: «Portugal. Comissão de Planeamento da Região Centro –

Reorganização da Indústria de Lanifícios e a criação de novas indústrias na Cova da Beira: relatório

apresentado pelo sub-grupo da Indústria do Grupo de Trabalho n.º 6 – Cova da Beira. Coimbra: CPRC,

1973. (1973: 19-20)» In Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um

território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 228.

157 Idem, p. 228.

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Industrial e um Centro de Formação e Reconversão Profissional e a instalação de

indústrias complementares, como as de fabrico de teares e de metalurgia» para que,

combinados, se pudesse reorganizar, reconverter e diversificar essa indústria.158

Mas a

década de 1980 foi penosa para o concelho, com uma baixa de cerca de 4000 postos de

trabalho. Mais adiante, estreava-se o milénio seguinte com o encerramento de 23

empresas têxteis no concelho da Covilhã. A confirmá-lo estão as carismáticas Campos

Mello e Nova Penteação e Fiação de Lãs. No entanto, a produção realizada no romper

de 2000 surpreendeu aquela que foi registada no período mais próspero do sector, no

século XX, ultrapassando-a. Da ANIL, 17 empresas estavam sediadas no concelho da

Covilhã, de um total de 38 agremiadas, que percentualmente correspondia a «45% das

fábricas de lanifícios nacionais».159

A tentativa de fazer perdurar a ligação com a indústria de lanifícios

«subsistente», mais próxima dos ditames inovadores que se foram impondo, não

invalidou a necessidade de um novo plano de desenvolvimento. Não

despropositadamente, a Covilhã passara a ser uma cidade universitária e a apostar no

sector terciário. Regiões tradicionalmente dedicadas à lã (não só a Covilhã, mas também

as demais que compunham o mecanismo produtivo têxtil da região da serra da Estrela e

Alentejo) sofreram os constrangimentos decorrentes da redefinição de prioridades do

sector. A «globalização» foi e é um fenómeno que desencadeia mudanças, algumas

compulsivas, por isso tão recorrente na explicação da alteração de vivência da antiga

Manchester portuguesa (como foi designada), que se viu a competir com o Leste

europeu, o Norte de África e alguns países asiáticos. A propósito destes novos

intervenientes, que Rota da lã Translana não podia ignorar, os homens têm-se ocupado,

em tempos recentes, de fenómenos e mudanças frequentemente comprimidos em

expressões como «mundialização da economia», «globalização da informação»,

exigência de «especialização» constante e profunda, e a necessidade de tecnologia de

charneira que reconfigure os paradigmas do desenvolvimento económico. A ansiedade

158

A investigação de Ana Catarina Pereira (Estudo do tecido operário têxtil da Cova da Beira, 2007, p.

44) revela que «um relatório do Ministério da Indústria e Tecnologia, de 1977, considerava que a

importância da indústria têxtil em Portugal era ainda superior à de qualquer outro país da Europa,

constituindo cerca de 1/5 do produto industrial e mais de ¼ do emprego industrial». In Elisa Calado

Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior

(Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 307.

159 Idem, pp. 307-308.

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que as expectativas impõem exige acção por parte dos países e regiões no sentido de se

actualizarem ou de encontrarem formas alternativas que lhes permitam não ser

excluídos da «aldeia global» e integrar os circuitos de «interdependência».

«A Beira Interior que, ao longo do tempo, estruturou a sua indústria em

condições peculiares, através da existência de um sector de (sobre) especialização e de

uma identidade própria territorializada, centrada na Covilhã, cidade da lã e cidade-

fábrica, constitui ainda hoje uma das mais paradigmáticas regiões industriais

portuguesas e europeias. Dela resta um impressivo património, comum aos seus

diversos pólos industriais, que requer uma intervenção de salvaguarda à dimensão da

história industrial que condensa.»160

A propriedade destas palavras sobre a Beira

Interior, e concretamente sobre a Covilhã, não ignoram a importância de outros locais.

Extrai-se delas a essência que justifica o interesse em prosseguir o estudo desses locais

neste trabalho, agora enfiados no termo património que se repetirá com assiduidade.

1.3. Breves apontamentos para uma contextualização sobre manifestações

artísticas na Beira Interior e Alto Alentejo entre os séculos XVII e XXI

A grande indústria laneira da Beira Interior e Alto Alentejo nasce de uma prática

artesanal que predominava por estas regiões do Interior português. O à-vontade com a lã

já existia, tratou-se, depois, de dotar os artesãos de conhecimentos e instrumentos para a

tornar numa actividade industrial e fazê-la vingar. É frequente encontrar-se em várias

obras, e, mais ainda, no vocabulário daqueles que testemunharam esse quotidiano,

expressões como «artes técnicas» ou terminologia como artífice e artesão (que o

artesanato preserva). A ideia que a indústria têxtil sugere, enquanto tal, é precisamente a

de máquina, maquinismo, técnica, sem a alusão imediata a um intento criativo. Talvez

antes complementar, sobretudo actualmente com o design de moda e de interiores.

Contudo, as manifestações estéticas nos locais designados, que encontraram na indústria

e na lã a sua motivação, não estão academicamente tratadas a um nível de profundidade

que permita, nesta fase, incluí-las de forma generosa.

A cidade da Covilhã, por exemplo, foi seduzida, de acordo com vestígios, por

uma iconografia que não foi alheia ao espírito fabril. São os mercúrios, as minervas, as

rodas dentadas, os leões, os santos protectores que zelavam por operações de fabrico

160

Idem, p. 308.

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várias (é exemplo Sant’ Ana) a tomar forma nas representações escultóricas em praças e

ruas, em fachadas de palacetes e edifícios fabris. Também se encontravam, com

frequência, estatuária e painéis alusivos aos lanifícios e que embelezavam fábricas e

edifícios públicos. Já a decoração de interiores (de habitações urbanas) se tinha rendido

também às formas apelativas, e decerto exóticas, de apetrechos como fusos de tear.

Acima de tudo, símbolos, emblemas, marcas da actividade a que dedicavam as suas

vidas, aquilo que distinguia as suas famílias, como heranças do seu quotidiano.161

Esta investigação pouco se cruzou com estudos artísticos directamente

relacionados com a indústria têxtil e/ou a lã. Algumas referências deste foro, ainda que

apenas relativas à Covilhã, constam do parágrafo anterior. Quando o assunto é Guarda e

Portalegre, a intervenção não deverá ser tão sucinta – entre o cobertor de papa (Guarda)

e a tapeçaria de Portalegre (Portalegre) há uma participação artesanal (em ambos, com

as respectivas variações na funcionalidade e utilização) e artística/decorativa (sobretudo

no segundo) que merece ser analisada. Isso acontecerá adiante neste trabalho. Agora,

segue-se um punhado de menções a algum património artístico que partilhou parte do

período estudado e que é revelador de pedaços da arte local.

Vítor Serrão, Maria do Carmo Mendes e Ricardo J. Nunes da Silva apuraram

que «a cidade da Covilhã não tem sido especialmente valorizada pelo seu património

artístico, quando esse acervo preserva bons testemunhos de arquitectura e equipamento

decorativo das épocas gótica, renascentista, maneirista e barroca, dignos da atenção dos

estudiosos e a merecer ser valorizados em termos turístico-culturais»162

. Esta equipa de

investigadores encontrou no Salão dos Continentes (restaurado em 2002), na Casa das

Morgadas, a presença do espírito artístico da Idade Moderna. A Casa das Morgadas é

um antigo solar do século XVIII (ou ainda de finais do anterior), situado na Rua

Alexandre Herculano, no âmago de uma urbe de industriais, de operários, de teares, de

lãs e de panos. Faz parte do centro histórico da cidade e é agora a sede local do Partido

Comunista Português (PCP).

É pintura barroca, a que preenche o Salão dos Continentes, «de nível secundário,

161

Elisa Calado Pinheiro in Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade

da Beira Interior/Museu de Lanifícios, Abril de 1998, p. 47.

162 Vítor Serrão, Maria do Carmo Mendes, Ricardo J. Nunes da Silva, «As pinturas do Salão dos

Continentes na Casa das Morgadas e a arte na Covilhã no início do século XVIII» in Covilhã, a cidade-

fábrica. Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, p. 76.

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reveladora de um gosto arcaizante e de um pincel discreto», que dirá respeito ao final do

século XVII ou inícios do seguinte, segundo o colectivo. Contudo, é a temática

alegórica que se destaca por revelar quais os interesses e o tipo de representação

pictórica, por esta altura, nesta zona. Os «continentes, no centro do tecto, e, aos lados,

evocações de países, em visão livre, com arquitecturas e fantasia (algumas de sabor

oriental), paisagens oníricas, trechos vivos do quotidiano, figuras zoomórficas com

“sentido de retorno” (papagaios, camelos, aves exóticas, etc.) e citações mitológicas (o

unicórnio, etc.)»163

constituem o conjunto de cenas representadas. Em clara alusão ao

portento imperial europeu, às conquistas epopeicas e aos novos mundos, mostrava-se

assim uma das famílias abastadas da vila. Era uma expressão especulativa apoiada na

imaginação para criar uma realidade nem sempre experimentada, não surpreendendo,

por isso, tal descrição e interpretação do programa adoptado.

O trabalho realizado (por exemplo, revestimentos) em conventos, igrejas e em

residências apalaçadas (solares, normalmente ocupados pelas famílias de industriais

proprietários), como foi o caso descrito, era mostra da «onda de modernização possível

que, sob o signo do Barroco, buscava adequar a Covilhã às novas circunstâncias

industriais»164

. O proveito que esta classe social tirava da indústria têxtil – supõe-se que

os Cardoso Tavares, a este propósito – manifestava-se, em certos casos, numa espécie

de incentivo a «manifestações artísticas prestigiantes», reforçando a ideia de poder e

opulência.165

Arte e poder corporificam um duo que tem conhecido forte atracção e

compatibilidade, de tal forma que se pode concluir que «a decoração constituiu um

testemunho prestigiante numa fase de apogeu da indústria de têxteis na região»166

.

Ainda que o ritmo, a quantidade ou as condições de execução não fossem

coincidentes com as de outras regiões, existem marcas daquilo que cada época produziu

163

Idem, p. 76.

164 Idem, p. 77. Parafraseando o elenco de historiadores da arte que se debruçou sobre os referidos painéis,

Manuel Pereira de Brito é o nome que se encontra associado à pintura a óleo e dourado neste período e

nesta localidade, e com frequente aparição em documentação, além de ser o «único pintor com oficina

aberta na vila» e com ligações à família Cardoso Tavares. Daí a sua associação às intervenções na Casa

das Morgadas, na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, do antigo convento de São

Francisco (Covilhã), e nas capelas de Sarzedo e Teixoso, unindo-as um estilo comum – apesar de não ser

um artista com reputação acima daquela que os investigadores identificaram como «provincial». Idem, p.

78. 165

Idem, pp. 76-79.

166 Idem, pp. 76-77.

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no âmbito artístico. Assim foi também no Interior. Diz José Manuel Fernandes que «a

arquitectura ligada à indústria mostrou algum dinamismo, na continuidade com o século

anterior, com ocorrência de edificações onde o gosto formal se sobrepôs aos itens

funcionais e estruturais de Oitocentos. Um exemplo nítido desta tendência é a fachada

da antiga fábrica da Empresa Transformadora de Lãs, com frontão curvo de azulejaria

policroma, com átrio de igual tratamento, e portão datado em 1920»167

, a propósito das

edificações relacionadas com a indústria têxtil que nasceram na Covilhã.

Aproveitando a aura industrial, faz-se aqui um pequeno apontamento sobre uma

das casas de habitação encomendadas por uma das famílias ligadas ao sector têxtil.

Trata-se do Palacete Jardim, com projecto de Ernst Korrodi para José Maria Bouhon,

proprietário da Fábrica do Sineiro, em cerca de 1915-1920. É um exemplar estético de

destaque e resultado da presença da Arte Nova (em tão fugaz existência em Portugal) na

cidade da Covilhã. No exterior, a habilidosa composição arquitectónica e escultórica,

«veiculando uma determinação urbana, mas adoptando um formulário próximo da Arte

Nova», o qual é repetido na decoração interior. Sob o epíteto «casa-jardim», é também

manifesto do romantismo pela conciliação das especificidades do granito, do ferro, do

mármore e do azulejo. Mais é dito que «os capitéis trabalhados no varandim e no

alpendre, as formas claras denotam-se na articulação de volumes e beirados, elementos

decorativos nas molduras dos vãos, na varanda de ângulo e no vão em forma de óculo

com um certo enquadramento maneirista. A bow-window e o varandim da fachada

principal e as varandas das restantes fachadas dão o aspecto de uma superfície semi-

circular. Sublinhe-se a riqueza dos frisos e dos painéis de azulejos que impregnam a

fachada, de ladrilhos brancos, de um colorido fulgurante (...).»168

Já a caminho de meados do século XX, outra zona torna-se proeminente pela

intervenção arquitectónica aí realizada. A Praça do Município da Covilhã absorve o

espírito arquitectónico e urbanístico estado-novista. As linhas rectangulares «nobres e

167

José Manuel Fernandes, «Covilhã, uma leitura de síntese: estrutura urbana, conjuntos edificados e

arquitecturas, sua evolução» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009,

pp. 46-47.

168 Descrição pormenorizada de Lucília Verdelho da Costa (Ernesto Korrodi, 1889-1944, Arquitectura,

Ensino e Restauro do Património, Lisboa: Estampa, 1997, p. 276-296) apud Maria Genoveva Oliveira,

«Ernst Korrodi, percurso de vida e a sua presença na cidade da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica.

Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, p. 124.

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até imponentes»169

deveriam cumprir os «estilos nacionais e tradicionais (...)»170

a fim

de resguardar a paisagem do chamado «“estilo moderno”»171

. Esta informação foge do

préstimo e influência empresarial e industrial têxtil, mas mostra que o também chamado

Largo do Pelourinho acompanhou a estética que o Estado empregava noutras

localidades, a qual perdurou até hoje, coexistente com a recente intervenção do

arquitecto Nuno Teotónio Pereira, no âmbito do Programa Polis. Quatro edifícios

definem o local: a câmara municipal; a estação dos Correios, Telégrafos e Telefones

(CTT); a agência da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência (CGDCP) e o

Teatro-Cine, projectos da década de 1940 e inaugurados na década seguinte. De notar

que a adornar a parede da escadaria que permite o acesso ao primeiro andar do Teatro-

Cine está uma tapeçaria – intitulada Teatro, Música e Cinema – datada de 1954, com

origem na Manufactura de Portalegre.

Na senda destas realizações, outra se impõe: o Sanatório da Covilhã (ou

Sanatório das Penhas da Saúde), promovido pela Companhia de Caminhos-de-Ferro

Portugueses (mais concretamente pela Comissão Administrativa dos Sanatórios para

Ferroviários Tuberculosos). Na obra inaugurada em 1944 (com começo em 1930) é o

nome de Cottinelli Telmo que sobressai. Aqui encontramos, novamente, o fundamento

da construção e da estética de Estado Novo: o aspecto monumental da entrada principal

«com uma teoria de pilastras em cantaria e um insólito frontão de extraordinária

inclinação, polvilhado com pináculos de evocação historicista»; o ornamento, a

encenação e o barroco concretizados na seguinte pormenorização: «A escadaria exterior,

ziguezagueante e cenográfica, concentrava nas cantarias de desenho barroquizante a

principal carga ornamental do conjunto». E, não esquecendo, perante esse revivalismo,

o confronto e a reflexão sobre a forma rectangular e mais austera, e a utilização do ferro

e do betão. Tecnicamente trata-se do facto de «o exercício de composição do edifício do

sanatório» explorar «a oposição entre estruturas reticuladas e maciças, de forma a

169

Fonte: Arquivo Municipal da Covilhã (AMC), B/A/01, Actas da Câmara Municipal da Covilhã

(CMC), livro 58, acta número 14, 4 (Abr.) 1945, p. 108. In Joana Brites, «Um uníssono a quatro vozes:

arquitectura(s) do Estado Novo na Praça do Município da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista

Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, p. 126.

170 Fonte: AMC, B/A/01, Actas da CMC, livro 55, acta número 17, 22 (Abr.) 1942, pp. 47v48. In idem, p.

126.

171 Fonte: AMC, B/A/01, Actas da CMC, livro 55, acta número 17, 22 (Abr.) 1942, pp. 47v48. In idem, p.

126.

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produzir uma série de ambiguidades que subvertiam as relações tradicionais entre os

cheios e os vazios, entre a forma e o fundo».172

Não houve solução artística para a lã, na Covilhã, igual àquela que se encontrou

para o linho pelos albicastrenses. Neste distrito, é o bordado de Castelo Branco aquele

que mais o distingue no âmbito do artesanato, (re)conhecido pela paleta cromática

diversificada e vigorosa, tecnicamente bem executada e esteticamente apelativa.

Originalmente tinha-se como matéria-prima o «fio de seda natural (caseira) (...) sobre

vários panos de linho cru, unidos pelo “ponto de luva”», assim como em versão

monocromática «sobre o linho ou em cru ou tingido (castanho bordado a branco ou azul

bordado a amarelo ouro)».173

Parafraseando Clara Vaz Pinto (anterior directora do

Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, em Castelo Branco), menos comuns foram

as utilizações de fio de linho, cru ou tingido, nas duas valências referidas (policromia ou

monocromia) e de fio de linho conjugado com fio de seda ou de seda sobre seda. De

«“bordado a frouxo”» passou a ser conhecido por bordado de Castelo Branco já no

século XX, da mesma forma que de «“ponto largo” ou “frouxo”» passou a «“ponto de

Castelo Branco”», que Clara Vaz Pinto diz tratar-se de uma variante do «“ponto de

oriente” ou “da Hungria” ou “de Bolonha”, etc».174

Constata-se que o «“bordado a frouxo”» passou a ser associado à região de

Castelo Branco e que por ali ficou a fama – perfilhando, por isso, o nome do distrito –,

sendo que a Beira Baixa seria a região mais fecunda deste tipo de trabalho, apesar da

sua popularidade no país e até na Estremadura espanhola. Da mesma forma se constitui

como precioso resultado da absorção de influências dos tecidos estampados e dos

«têxteis orientais, nomeadamente das designadas colchas indo-portuguesas e das

colchas chinesas» que se reflectiriam nas «matrizes e motivos decorativos».175

Contudo,

e respeitando a essência laneira desta dissertação, a evocação ao bordado de Castelo

Branco fica apenas pela referência à sua existência, pretendendo fazer notar o devido

valor que constitui para o quadro criativo, estético, decorativo e enobrecedor da região.

Quanto aos cobertores de papa da Guarda e à tapeçaria de Portalegre, estes

172

João Paulo Martins, «O Sanatório da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º

29, Julho de 2009, p. 141.

173 Clara Vaz Pinto, Bordado de Castelo Branco: catálogo de desenhos, Lisboa, Instituto Português de

Museus, 1992, p. 3.

174 Idem, p. 3.

175 Idem, p. 4.

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resultaram não só de uma importante dinâmica económica e social decorrente dos

lanifícios da Beira Interior e Alto Alentejo, mas também cultural, pelo que merecem ser

lembrados e, tendo em conta os objectivos propostos, aprofundados neste campo.

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CAPÍTULO II | O museu como espaço congregador: uma ponte entre

comunidade e localidade

2.1. As teorias da comunicação e a sua importância na actividade humana

«“A museologia é um modo de comunicação relativamente recente,

muito mais do que o teatro, a música ou a dança”»176

.

(Michel Côté, «Préface» in AA. VV.,

Muséo-séduction, muséo réflexion, 1992, pp. 7-9)

2.1.1. A comunicação, primeiro. Comunicar, de que se trata?

«O homem, disse-se, é um animal simbólico, e neste sentido não só a linguagem verbal mas

toda a cultura, os ritos, as instituições, as relações sociais, o costume, etc., mais não são do que

formas simbólicas (Cassirer, 1923; Langer, 1953) nas quais ele encerra a sua experiência para a

tornar intermutável: instaura-se a humanidade quando se instaura a sociedade, mas instaura-se

a sociedade quando há comércio de signos.»177

Francisca Hernández Hernández concluiu, no final da década de 1990, que o

museu é um congregador de meios de comunicação. A instituição museológica é mais

uma das consequências de comunicar, dessa importante, porque inata e necessária,

faculdade – tão primitiva quanto complexa – do Homem social. El museo como espacio

de comunicación, obra da autoria de Hernández, pretende provar isso mesmo. O museu

é, hoje, aliciado por uma babel de linguagens, que importa não recear, mas antes

compreender, interpretar e conjugar de forma intelegível e eficaz.

Hernández começou por retroceder à origem, recuperando e explicando

conceitos da teoria da comunicação. Um caminho que se inicia na Teoria Geral da

Comunicação, para a qual contribuíram Claude E. Shannon e Warren Weaver, com The

Mathematical Theory of Communication (1949), consagrada ao estudo da comunicação

eléctrica. Resumindo, o bit (número binário) é a unidade de informação que permite a

medição da quantidade de informação recebida. A quantidade de bits de informação

enviada por segundo (processo que exige canais de comunicação), a medição da

capacidade de gerar informação e a codificação de mensagens originárias de fontes são

aspectos que John Robinson Pierce, outro dos teóricos fundamentais, não dispensa da

176

Luis Alonso Fernández, Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza

Editorial, 2002, p. 32. 177

Umberto Eco, O Signo, 2.ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1981, p. 97.

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formulação da teoria da comunicação.178

Outros três conceitos se avizinham: entropia, ruído e redundância. A entropia,

«ou consumo da energia de um “gerador de sinais em bits por símbolo ou por

segundo”», fornece «o número médio de dígitos binários por símbolo ou por segundo,

necessários para codificar as mensagens produzidas por um gerador”».179

Em causa está

a escolha de uma determinada quantidade de informação da mensagem, seleccionada

por aquele que a emite e que será transmitida ao receptor. No entanto, é necessário ter

presente que no processo de comunicação podem ocorrer interferências causadas pelo

ruído ou canal ruidoso. Neste caso, o receptor recebe uma mensagem que pode ter sido

danificada, propiciando uma situação de incerteza. Eliminar o ruído está a cargo da

redundância, «a fim de proporcionar uma transmissão eficiente e livre de erros»180

.

O trajecto da informação tem como ponto de partida uma fonte que gera

informação (mensagem). Depois, o emissor envia-la-á por intermédio de um canal a um

receptor que, por sua vez, a entrega a um destinatário. Um mecanismo de transmissão

de informação simples, mas conveniente e «eficiente na detecção e resolução dos

problemas técnicos da comunicação».181

Para esta corrente de investigação – que

178

Francisca Hernández Hernández, El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía

y Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, 1998, p. 15. Um ano antes (1948), Norbert

Wiener publicara Cybernetics, que vai além da teoria da comunicação. Àquela acrescenta as seguintes

técnicas de informação e de comunicação: «Teoria da rectificação, filtragem, detecção e previsão de sinais

na presença de ruídos, a teoria da realimentação negativa e dos servomecanismos, as máquinas

automáticas complexas e o projecto e programação de calculadoras». De acordo com a análise de J. R.

Pierce é esta a abrangência que Wiener incute ao trabalhar a cibernética. Como resultado, influíram na

«criação de novos conteúdos simbólicos» e na «mudança da dinâmica sociocultural que oferece um

amplo campo semântico à antropologia e à psicologia». Idem, p. 16.

179 Idem, pp.15-16.

180 Idem, p.16.

181 António Fidalgo e Anabela Gradim, Manual de Semiótica, Covilhã, Universidade da Beira Interior,

2004/2005, p. 17. (BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação,

http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-manual-semiotica-2005.pdf) António Fidalgo, professor

catedrático de Ciências da Comunicação, é doutorado em Filosofia pela Universidade de Wuerzburg e

pela Universidade Católica Portuguesa. Anabela Gradim é, actualmente, professora auxiliar de Ciências

da Comunicação. É na Universidade da Beira Interior que ambos desempenham cargos de docência e de

investigação nas áreas da Semiótica e da Comunicação. Umberto Eco contextualiza o surgimento deste

modelo de criação e de transmissão de informação dizendo que «este esquema reproduz de um modo

simplificado o que os engenheiros dos telefones elaboraram quando tiveram de estabelecer as condições

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identifica a escola processual da comunicação –, «a comunicação é uma transmissão de

mensagens», é um «fluxo de informação» que não actua no plano da criação de

significados e da formação das mensagens (que posteriormente serão transmitidas), mas

sim no plano da mecânica (ou instrumental) da comunicação, sem preocupações

relativamente a variações interpretativas da informação.182

A conotação, neste caso, será

ruído. Já a intencionalidade da escola semiótica (a segunda corrente de investigação)

recai sobre a «“produção e troca de sentido”».183

Charles Sanders Peirce e Charles Morris184

contribuíram para a definição

científica de Semiótica, mas já a Antiga Grécia (Aristóteles, por exemplo), bem como os

medievalistas Santo Agostinho (em De Magistro e De Doctrina Christiana), Roger

Bacon, Pedro Hispano, Pedro da Fonseca e João de S. Tomás se tinham aventurado no

debate de alguns conceitos. John Locke (Ensaio acerca do Entendimento Humano, de

1690), Étienne de Condillac, Johann Heinrich Lambert, Immanuel Kant e Wilhelm von

Humboldt foram os modernos que se acercaram do tema. Já os mais recentes estudos de

Roland Barthes e Ferdinand de Saussure vêm confrontá-la com a Semiologia. E outros

contributos se registaram com Charles Sanders Peirce, Louis Hjelmslev e Noam

Chomsky, entre outros. A jovialidade da Semiótica, enquanto ciência, é fruto de uma

longa História empenhada em meditar sobre o signo e a significação, tal como

aconteceu com o pensamento filosófico.185

Comunicar é possível porque existe a

capacidade de produzir mensagens sustentadas em signos que produzem reacções nos

seus receptores «temporários». António Fidalgo e Anabela Gradim concluem que «o

modelo semiótico de comunicação é aquele em que a ênfase é colocada na criação dos

significados e na formação das mensagens a transmitir»186

.

A intimidade entre mensagem/informação e significado, neste modelo, extrapola

a organização correcta dos elementos da mensagem. A atenção recai, também, sobre o

óptimas de transmissão de informações. De qualquer modo aplica-se a todos os processos

comunicativos». Umberto Eco, op. Cit., p. 21.

182 António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit., pp. 16-19.

183 Esta distinção tem por base o pensamento de John Fiske, plasmado em Introdução ao Estudo da

Comunicação. António Fidalgo e Anabela Gradim, Manual de Semiótica, p. 16.

184 O semiótico estado-unidense foi o obreiro da divisão da ciência dos signos (Semiótica) nas sub-

disciplinas da Sintaxe, Semântica e Pragmática. Cf. Idem, p. 61 e p. 175.

185 Idem, p. 25.

186 Idem, p. 19.

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plano de conciliação com o seu significado e sobre o seu prestimoso valor. O cerne da

comunicação deixou de ser o «fluxo», para dar lugar ao «sistema estruturado de signos e

códigos».187

O mecanismo de comunicação tem como seu par o conteúdo e influenciam-

se mutuamente. Este é o modelo semiótico. Fidalgo e Gradim asseveram que o «estudo

da comunicação passa pelo estudo das relações sígnicas, dos signos utilizados, dos

códigos em vigor, das culturas em que os signos se criam, vivem e actuam». O

significado da mensagem não está embutido nela à margem de qualquer condicionante.

Esta parceria implica inteiramente uma «relação estrutural entre o produtor, a

mensagem, o referente, o interlocutor e o contexto». Como bem lembra Hernández, a

Semiótica não é estranha a campos científicos como a Sociologia, a Linguagem, a

Cultura, a Estética e a Comunicação, quando os vectores são precisamente a

comunicação e a significação.188

A correcta compreensão e utilização da linguagem e, consequentemente, a

comunicação eficaz em qualquer comunidade, acerca de qualquer temática (da literatura

à arte, da religião à moral, da história à arqueologia, da ciência à técnica, etc.),

dependem de três conjuntos de regras que devem ser respeitados: as sintácticas, as

semânticas e as pragmáticas. Têm diferentes coordenadas, mas são complementares. A

cada uma destas dimensões estão associadas determinadas acções e relações. Quer isto

dizer que a Sintaxe «“implica”», e compreende o relacionamento de signos entre si,

detém-se no encadeamento lógico entre os vários elementos da linguagem e diz respeito

às regras gramaticais. A Semântica «“designa” e “denota”», e é concretizada nas

relações dos signos com os objectos a que se referem, isto é, debruça-se sobre o

187

John Fiske explica aquela permissa em Introdução ao Estudo da Comunicação. Ver António Fidalgo e

Anabela Gradim, Manual de Semiótica, p. 19.

188 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 19. O processo semiótico, sob o ponto de vista de Charles

Morris, prevê três elementos essenciais: o veículo sígnico, o designatum e o interpretante. A estes junta-

se, mais tarde, um quarto: o intérprete. Dada a cientificidade desta matéria, Francisca Hernández

Hernández e a dupla António Fidalgo e Anabela Gradim recorrem à mesma fonte (Charles Morris), daí a

terminologia coincidente. E para mais bem se compreender estes conceitos, são as palavras de Morris

aquelas que definem os elementos enumerados seguidamente. Veículo sígnico explica-se por «aquilo que

actua como um signo», designatum é «aquilo a que o signo se refere»; e interpretante é «o efeito sobre

alguém em virtude do qual a coisa em questão é um signo para esse alguém». Quando alguém toma

consciência («dar-se-conta-de», utilizando a expressão de Fidalgo e Gradim para descrever o acto de

clarividência) de uma coisa por intermédio de uma terceira acontece a semiose e há algo que «funciona

como um signo». Idem, p. 19; e António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit, p. 61.

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conteúdo, a relação entre os signos e o significado que assumem. Por fim, a Pragmática

«“expressa”», sendo que, neste plano, os signos interagem com os seus intérpretes,

preocupando-se com o efeito dos signos neles.189

Em De Doctrina Christiana, Santo Agostinho elaborou uma das definições de

signo mais antigas, e ao mesmo tempo mais actual: «“id quod (...) aliquid aliud ex se

jacit in cogitationem venire”», isto é, «aquilo que a partir de si faz vir uma outra coisa

diferente de si ao pensamento». Para sinal, a sobejamente conhecida expressão «aliquid

stat pro aliquo», traduzindo, «algo está por algo». Sinal é uma marca que se destaca e

identifica algo. É algo que está em vez de outra coisa, representando-a. A sua natureza é

«ser sempre sinal de alguma coisa»190

. Existem várias definições de signo da mesma

forma que tudo pode ser signo (sinais, sintomas, ícones, índices, símbolos, nomes),

embora a mais recorrente, mas também a mais geral, seja a de «algo que está por algo

para alguém».191

Por essa razão, e como se pôde verificar pela tipologia variada, Fidalgo

e Gradim adiantam que essa definição exige o especificar dessa «relação de “estar por

para”».192

2.1.2. Comunicar além do verbo: as novas interpretações das relações

comunicantes

Os conceitos que têm vindo a ser evocados são fundamentais e estruturantes para

o estudo e compreensão da comunicação. Entende-se, pois, a intenção de Hernández em

iniciar a reflexão sobre o envolvimento entre museu e comunicação precisamente pela

189

Para concretizar, Fidalgo e Gradim dão o seguinte exemplo: «A palavra “mesa” implica (mas não

designa) a sua definição “mobília com um tampo horizontal em que podem ser colocadas coisas”, denota

os objectos a que se aplica e expressa o pensamento do seu utilizador». Em Linguística, Charles Morris

classifica da seguinte forma o presente trio de regras: a Sintaxe é «“o estudo das relações sintácticas dos

signos entre si, abstraindo-se das relações dos signos com os objectos ou com os intérpretes”»; a

Semântica «ocupa-se da relação dos signos com a sua designata e, assim, com os objectos que podem

denotar ou que, na verdade, denotam»; a Pragmática é a «“ciência da relação dos signos com os seus

intérpretes [...] e ocupa-se dos aspectos bióticos da semiosis, a saber, de todos os fenómenos psicológicos,

biológicos e sociológicos que ocorrem no funcionamento dos signos”». Francisca Hernández Hernández,

op. Cit., p. 21.

190 António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit., p. 12.

191 Diz Umberto Eco que «o signo é entendido como alguma coisa que está em lugar de outra, ou por

outra». Umberto Eco, op. Cit., p. 26.

192 António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit., p. 20.

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teoria da comunicação. Perceber o processo comunicativo e o percurso da informação –

expondo algumas das teorias que lhe deram origem – permitirá apreender a relevância

da forma como a mensagem que se pretende transmitir poderá ser enviada, representada

(exposta) e percepcionada pelo público de um museu, por exemplo. Há que considerar a

existência da comunicação verbal (oral e escrita) – que foi convenientemente abordada

por Hernández –, mas também da não-verbal, sendo que esta última é igualmente rica,

múltipla e constante, e é eixo das dinâmicas sociais.

«A comunicação não verbal pode ser dividida em três grandes áreas consoante o seu tipo de

suporte ou canal: a área da comunicação facial e corporal, de que o suporte é o próprio corpo; a

área da comunicação pelos artefactos utilizados, jóias, roupas; e a área da comunicação

mediante a distribuição espacial, a posição que os corpos tomam no espaço, em relação entre

eles e em relação a espaços determinados.»193

Este domínio envolve uma nova escola de pensadores, a Escola de Palo Alto,

nascida na década de 1950. Gregory Bateson, Ray Birdwhistell e Edward T. Hall são

figuras centrais nos estudos da comunicação não-verbal194

, com prossecução em Paul

Watzlawick, Janet Bavelas e Don Jackson, para citar alguns.

A referência a esta escola revela-se pertinente pois a teoria que a notabilizou

introduziu um aspecto crucial no estudo da dimensão relacional dos indivíduos. Trata-se

da abordagem a um conceito de comunicação revolucionário, que supera as limitações

da Teoria Matemática da Comunicação, de Claude Shannon e Warren Weaver.195

O

modelo de Palo Alto, mais recente, toma o ser humano como elemento primordial na

construção da realidade, usando para isso a comunicação. Evidencia-se, primeiramente,

a relação entre o ser humano, a realidade e a comunicação. Isto remete o ser individual

para o relacionamento com o outro que, com ele, compõe o mundo. Por esta inter-

comunicação, o Homem toma consciência de si e do outro.

193

A distinção feita por Fidalgo e Gradim apoia-se em Jacques Corraze, Les communications non-

verbales, Paris: PUF, 1983. Idem, p. 131.

194 Y. Winkin apud António Fidalgo e Anabela Gradim, Manual de Semiótica, p. 132. A Escola de Palo

Alto teve em Gregory Bateson o seu mentor (estudioso do comportamento humano e animal, e com

trabalho desenvolvido no âmbito da psicanálise), o qual liderava um grupo de investigadores dedicados às

áreas da psicoterapia e da psiquiatria. Núcleo nado em 1959, proveniente do Mental Research Institute e

localizado precisamente em Palo Alto, no Estado da Califórnia (Estados Unidos da América). (Cf.

Infopédia, http://www.infopedia.pt/$escola-de-palo-alto, acedido em 22 de Junho de 2012, às 16h50) 195

Este modelo comunicacional singularizava-se pela unilateralidade e linearidade, sendo por isso

demasiado restritivo, pois incidia sobretudo no suporte técnico da comunicação.

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97

Tal relação do Homem com o mundo é explorada pela Nova Comunicação por

meio de cinco axiomas, dos quais se destacarão os dois primeiros. A tese que a

premissa-mestra defende, «a impossibilidade de não comunicar»196

, tem um carácter

abrangente, marcando presença obrigatória em todos os domínios da vida humana.

Mais: é inequívoca quando nega a possibilidade de existência de qualquer momento em

que a comunicação não ocorra, pois «atividade ou inatividade [sic], palavras ou silêncio,

tudo possui um valor de mensagem; influenciam outros e estes outros, por sua vez, não

podem não responder a essas comunicações e, portanto, também estão

comunicando»197

. Assim, o Homem está natural e involuntariamente inserido numa

sociedade e numa comunidade, sujeito a um processo comunicativo constante e

ininterrupto. Neste processo, onde linguagem e sociedade se envolvem em relações de

dependência recíproca, o lugar do Homem varia consoante a forma como este aborda as

situações: ora é sujeito, ora objecto; umas vezes vítima, outras agressor. Contudo, nunca

a passividade pode ser absoluta. É a partir desta relação indissociável com a

comunicação que o Homem toma consciência de que todo e qualquer comportamento

possui um valor de mensagem coerciva nos outros que, por sua vez, não podem não

responder a essas interpelações.

A «relação» é, para a Pragmática da Comunicação Humana, o segundo axioma.

O Homem, enquanto agente social e parte dessa sociedade, é, por um lado, uma peça

fundamental para a dinâmica do todo e, por outro, um ser que se relaciona com esse

todo. Só partindo dessa relação se poderá compreender a si mesmo. Daí a importância

da comunicação nas relações, uma vez que suscitam determinados comportamentos.

«Os signos significam, os signos organizam-se, mas os signos também se usam e esse

uso rege-se por leis de economia e eficácia.»198

Definir um objectivo, cumprir uma

determinada finalidade e obter um certo resultado implicam olhar os meios tendo em

conta os fins, sob condição de que estes últimos observem a disponibilidade dos

primeiros (meios). Fidalgo e Gradim situam, agora, os signos no plano da «utilidade»,

afirmam «serem objecto de uso». Fala-se, portanto, da importância da sua pragmática,

196

Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin e Don D. Jackson, Pragmática da Comunicação Humana: um

estudo dos padrões, patologias e paradoxos de interação, 16.ª ed., São Paulo, Editora Cultrix, 2007, p.

44.

197 Idem, p. 45.

198 António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit., p. 214. Deste ponto não se pode arredar a necessidade de

conciliar meios e fins – a disponibilidade dos primeiros e a exigência dos segundos.

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do seu exercício, da sua aplicabilidade, daí o interesse na adequação ou não dos signos.

Neste sentido, é abordada a questão da sua «qualidade», «se os signos podem ou não ser

melhorados, aperfeiçoados, no que concerne à sua utilização»199

, concluindo que essa é,

hoje, uma preocupação corrente de redacções de publicações periódicas (jornais), e de

áreas como a publicitária, a comercial e a política.

Aprimorar o signo tornou-se no que Fidalgo e Gradim consideram uma

«verdadeira engenharia sígnica» que deverá estar atenta às particularidades dos

múltiplos contextos, procurando o seu «ajustamento» (contextos-signos) e

inclusivamente cogitando a «criação de novos signos». Veja-se que o emprego

equilibrado e eficaz dos signos está dependente da existência de um código (que pode

ser sintáctico, semântico ou pragmático). E essa utilização encontra-se vinculada a um

competente «domínio» do código. Este [código], por sua vez, ainda pode ser abordado

num patamar de maior complexidade. As razões estão no ciclo de vida desse organismo

de natureza linguística e em ser condicionado pelo sortido de concepções do mundo.200

A economia e a eficácia do signo são, assim, objecto de reflexão sob dois pontos

de vista: um funcional, de «domínio do sistema», e o outro de «adequação dos códigos à

vida». Num primeiro momento é sublinhada a mecânica dos signos, uma actuação

concertada, conduzida por um determinado código, perspectivando a melhor utilização

possível dos signos. A segunda interpretação reage àquilo que resulta da intimidade com

os signos (transcendendo o primitivo encadeamento para a obtenção de sentido). Trata-

se de «uma questão de adaptação, de sobrevivência e de criatividade de quem vive com

signos, por meio de signos e em nome de signos», rematam Fidalgo e Gradim.201

199

Idem, p. 198.

200 Umberto Eco e Adriano Duarte Rodrigues explicaram a relação inviolável de signo-código noutro

patamar. Da interpretação de Fidalgo e Gradim obtém-se a seguinte proposição: «A um nível superior, a

um nível que Umberto Eco e Adriano Duarte Rodrigues designam por limiar superior da semiótica (in

Umberto Eco, A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica, São Paulo: Editora Perspectiva,

1991; e Adriano Duarte Rodrigues, Introdução à Semiótica, Lisboa: Editorial Presença, 1991), não são os

signos, mas os próprios códigos que são vistos e avaliados em termos de economia e eficácia. Os códigos

recebem ajustamentos, sofrem alterações, nascem e morrem. O termo de relação agora, o contexto em que

se decide da validade do código, da sua economia e eficácia, é o mundo da cultura, tomada esta no seu

sentido mais lato, as mundividências. É neste contexto mais vasto, no contexto da vida, o Lebenswelt

husserliano, que irrompem idiolectos, slangs, linguagens especializadas, tipos de comportamento, formas

de cortesia, etc.» Idem, p. 215. 201

A não-existência de código e, por conseguinte, a ausência de significação têm como consequência uma

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A comunicação e a informação têm escalado tremendamente a pirâmide de

necessidades prioritárias dos indivíduos, apoiando-se em diversos meios, cada vez mais

criativos e nucleares, para lidar com a heterogeneidade das actividades que realizam e

dos relacionamentos que erigem e/ou cativam. Além disso, e acima de tudo, não é

possível renunciar à evidência de que comunicar é a base do pensamento, e a

legitimação de qualquer ser pensante. A omnipresença, qualidade ou mesmo essência da

comunicação, é também comentada por Gillo Dorfles, dizendo que «“a comunicação –

entendida na sua acepção mais vasta, como utilização dos mass media, como

comunicação escrita, falada, cantada, recitada, visual, auditiva ou figurativa – está, sem

dúvida, na base de todas as nossas relações intersubjectivas, e constitui o verdadeiro

ponto de apoio de toda a nossa actividade pensante”»202

.

2.2. Museu e Linguagem. A Semiótica e a sua relevância no processo de construção

e evolução museológicas

«O museu apresenta-se-nos como um processo de comunicação

e como uma forma de linguagem significante.»

(Francisca Hernández Hernández,

El museo como espacio de comunicación, 1998, p. 22.)

O museu é também um organismo linguístico, e, como tal, devedor da

cientificidade da semiótica. É um organismo vivo, comunicativo, de natureza variada.

Francisca Hernández decompõe-o para obter a estrutura, o conteúdo e o público como

os três indícios de uma semiótica presente. Observando o óbvio, o edifício museu é uma

construção, em primeiro lugar, e, como tal, é um agente, um «emissor da mensagem dos

signos». No campo organizacional, é o intermediário (o meio ou medium, o canal), –

classificação extensiva às próprias exposições –, que se compatibiliza com a sintaxe.

Compete-lhe a exibição «de conteúdos bem organizados», que, acrescenta Hernández,

formam «a base discursiva e semiótica» do museu. A intencionalidade do museu é

comunicar algo – concretizar a colaboração entre signos e objectos, que, sintetizando, se

reconhecem na semântica. O trio completa-se com a participação do sujeito (individual

simples relação de «estímulo-resposta». Ora, os estímulos, seguindo o raciocínio de Umberto Eco, não

podem ser equiparáveis aos signos porque não cumprem o seu fundamento base, o de «estar em lugar de

outra coisa». O facto é que «o estímulo não está por outra coisa, mas provoca directamente essa outra

coisa». Umberto Eco, op. Cit., p. 22.

202 Gillo Dorfles apud Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 15.

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ou colectivo) interessado nesse conteúdo, que o recebe e interpreta (o seu significado),

e, depois, produz sentidos. Nesta fase é convocada a cultura. A formação (humana,

académica, moral) do visitante influenciará o seu entendimento sobre o objecto – a par

da situação histórica e socioeconómica do primeiro e das condições de geração do

segundo –, e permitirir-lhe-á confrontar-se com aquilo que (re)conhece, com a sua

própria experiência (com eventual identificação pessoal e/ou estima pela peça, temática,

período, episódio ou outro elemento associado que despertara tal empatia). É a

pragmática vivenciada na «relação entre os signos e o público».

A investigação de Hernández demonstrou que se pode esperar do museu um

autêntico sistema de comunicação, e apurou, à data de El museo como espacio de

comunicación, que aquela instituição e a semiótica formam um par pouco explorado

academicamente, ao contrário do que vinha acontecendo com o urbanismo203

.

Indirectamente, formula dois pontos de questionamento: será possível estudar o museu à

luz da Semiótica? Será, de facto, possível encontrar no museu elementos que

justifiquem a existência de um processo linguístico tal como aqueles que justificam o

estudo de um urbanismo comunicante? A resposta da investigadora é esclarecedora: «Se

a cidade é um discurso e uma linguagem onde ocorre um diálogo entre esta e os seus

habitantes (Barthes, 1993, 260), não é menos certo que o museu também o seja por um

duplo motivo: porque encontra-se inserido na cidade e porque o mesmo possui uma

dimensão dialógica»204

.

O museu é um espaço público ou, dito de outra forma, um espaço para o público.

Promove um movimento centrípeto, tendencialmente congregador e de reunião, não só

entre o indivíduo e o objecto/temática, mas também entre os indivíduos, e entre estes e

as suas histórias individuais e comuns. A estaticidade aparente do museu na cidade

inflecte-se a um patamar superior; integrado nela assume uma função, uma missão, uma

ideia para com os seus coabitantes. «É um lugar semântico, carregado de significação

para todos aqueles que vivem na cidade e se aproximam dele.»205

203

Por meio de Françoise Choay, Lévi-Strauss, Roland Barthes ou G. Dorfles, o duo Urbanismo e

Comunicação encabeça uma área temática especializada, de interesse e reflexão crescentes.

204 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 23.

205 Idem, p. 23.

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2.2.1. A linguagem corporal do museu: do tradicional ao pós-moderno

A análise arquitectónica de um museu acaba por suscitar «problemas

semânticos» comuns àqueles que substanciam a teoria da informação e da comunicação,

infere Hernández. Torna-se, pois, plausível servir-se desta teoria para com ela

testemunhar que o museu-edifício é passível de ter a sua própria linguagem e de

comunicar. Enquanto objecto significante, dotado de signos, acha-se uma linguagem

arquitectónica, longe de um invólucro estéril de sentido. A especificidade (o signo)

arquitectónica de uma forma encerra em si um «raciocínio» e uma «linguagem», onde o

ver treinado do especialista e o ver interessado do curioso206

procuram um significado e

uma mensagem. É nada mais do que a natureza semântica do edifício. Diferentes estilos

arquitectónicos entoam linguagens distintas com características comunicativas

exclusivas.207

Quando Hernández refere as tensões semânticas como aspecto conciliador entre

o revelador programa linguístico da arquitectura do museu e a teoria da informação e da

comunicação, é possível que uma delas se adqúe à seguinte questão: o que acontece

quando se combina o espaço museológico – tido ele como «ideia» ou «conceito»208

,

materializado em formas, cores e técnicas – com a força do conteúdo das obras que o

preenchem? Em réplica, aponta duas correntes de mensagens e significação: a

permanente, de que o edifício é soberano, e aquela que a obra carrega e introduz nesse

meio. Para se desfazer da interrogação de como é que o espaço museológico se

apresenta, recorre a J. Arnau Amo e a uma tríplice: o ludismo, a cenografia e o

ritualismo. Um espaço pensado de forma lúdica cultiva a «fantasia» e a «imaginação»

do visitante, aprova e incita o jogo e a representação de papéis vários sem atilhos. A

cenografia enseja apresentações incomuns, estimulando a dúvida, a abstracção e o

fascínio. O cerimonial não se isola por completo dos anteriores, mas ascende a uma

vivência e a uma seriedade dissemelhantes. Constata que o museu se presta a ser um

espaço de sociabilização e de encontro, classificando-o de «verdadeiro», mais do que de

«mera representação».

206

«O olho (aberto) do espectador» e não «o olho (fechado) do voyeur» na versão de Martine Joly.

Martine Joly, A Imagem e a sua Interpretação, Lisboa, Edições 70, Março de 2003, p. 118-119.

207 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 24.

208 Já A. Piva, em Lo Spazio del Museo. Proposte per l’arte contemporanea in Europa, privilegia o termo

«“pensamento”». In idem, p. 24.

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Outro assunto de monta para Hernández é a mutabilidade do significado e da

função do edifício. Verifica-se, em certos casos, uma rotatividade de informação

desprendida da identidade do edifício. O museu-edificio, tal como qualquer outro

edifício, manter-se-á como tal, preservando o significante. A investigadora deixa

perceber que existe uma preocupação na adequação da tipologia das colecções à

tipologia do edifício. E exemplifica: por um lado, o museu histórico ou tradicional

privilegia estruturas com uma certa antiguidade (os palácios, os hospitais, os castelos,

entre outros); e os novos edifícios, por outro, pretendem que o desenho arquitectónico

condiga com as expectativas relativas às colecções que albergarão e que sirva, também,

de guia do visitante na sua aproximação às obras.

A escolha do edifício antigo não é casual. A regra dita tratar-se de um edifício

facilmente identificável, identitário e de valor inestimável. Facilmente se descobre a sua

primeira função, que, para Hernández, se transformará num instrumento pedagógico e

didáctico. É revelador do perfil conjuntural da época que o fez nascer: dos gostos, dos

costumes, das leis, das regras da sociedade e das circunstâncias históricas, num

ambiente (socioeconómico, político, religioso) específico, hospedeiro de determinadas

escolas, movimentos artísticos e valores estéticos. O museu histórico tira proveito de

um espaço (infraestruturas) que ajuda a contextualizar a colecção porque dele se faz a

primeira leitura. No entanto, Hernández admite que, neste caso, a comunicação do

museu com o visitante é, sobretudo, unidireccional, devido à predefinição do percurso e

ao modelo de consumo da mensagem – não abonado pela irreversibilidade da

fisionomia da edificação.209

O museu moderno é menos constringente e, por isso, mais disposto a tornar

exequível qualquer percurso.210

As rotas poderão ser múltiplas e variáveis, individuais,

autónomas e únicas até. Esta opção implica repensar a relação entre o museu-edifício (a

arquitectura), a organização expositiva, o conteúdo e o indivíduo, preparando-se da

seguinte forma: (i) despojar-se de «toda a conotação de monumentalidade própria do

museu histórico» para não limitar a «experiência contemplativa e visual», isto é, abdicar

da semântica da estrutura a fim de neutralizar possíveis efeitos de interpeladores nessa

209

A autora trabalha o tema da organização museológica, numa primeira fase, recorrendo aos museus de

arte como exemplos predominantes. Aí, depara-se com o problema da exposição da obra, apresentando-a

como obra isolada ou integrada no conjunto.

210 O Museu Berardo ou o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (CAM-FCG), em

Lisboa, são, neste sentido, exemplares.

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experiência, no interior do edifício; (ii) ausentar a museografia como intermediária entre

o visitante e a obra, sem artifícios nem distracções; (iii) nomear o público o orientador e

crítico da sua visita, que sobre ela fará uma interpretação e um julgamento livre, o que

implicará a capacidade perceptiva, sensorial e intelectual.211

Resulta desta proposta uma

experiência personalizada, impulsionada pela ideação pessoal do trajecto – a escolha

livre do que se pretende ver (sem o recurso quase obrigatório a visitas guiadas nem

interpretações de outrem como preceito do museu) –, pelo envolvimento intenso e

independente com o objecto, e pelo auxílio e complementaridade da tecnologia que

serve a comunicação, mais entrosada no museu moderno.

O museu é, hoje, o museu-de-todos-e-para-todos (ideia que veio sendo maturada

por vários autores, incluindo Hernández em 1998, Luis Alonso Fernández, André

Desvallées, os investigadores espanhóis Joan Santacana i Mestre e Nayra Molina). Não

é apenas um (novo) fenómeno, uma nova prática, uma outra atitude ou o resultado do

questionamento sobre o Homem colectivo e o Homem individual embalados pela II

Guerra Mundial. É também uma determinação da política cultural actual e um direito

que tem vindo a consolidar-se nas últimas décadas. No entanto, há que reflectir sobre o

termo todos, o busílis da programação de qualquer museu. Como qualquer palavra ou

expressão sujeita a uma certa ideia axiomática, todos incorre na necessidade de – neste

caso, por parte de cada museu – considerar aquilo que essa amplitude implica,

nomeadamente a diversidade que lhe é inerente. Fala-se de formação, de vínculos, de

experiência e da evolução dos comportamentos sociais e culturais. O indivíduo que

caminhava aceleradamente para o século XXI era já convidado a ver-o-museu sob

outras referências: a emancipação, a proactividade e a interactividade. A instituição

museológica vem transformando-se – visível na construção de novos edifícios e na

organização dos espaços expositivos – com o intuito de que esse público disfrute da sua

liberdade e se sinta confortável no contacto212

com as peças expostas.

O museu só pode ser compreendido quando considerado o contexto em que se

insere. É nele que fundará e desempenhará as suas funções culturais. A «mentalidade

211

Refira-se que esta sugestão comportamental nos e dos museus foi elaborada por Francisca Hernández

– segundo as indicações de S. Zunzunegui em Metamorfosis de la Mirada. El Museo como espacio de

sentido – tendo em conta a exposição e a contemplação (de obras) de arte e a experiência estética

(considerações alargadas a qualquer experiência estética). 212

Não se pretende, nestes termos, induzir ou instigar o contacto físico com as peças, mas sim maior

acção, com recurso a meios que permitam interpretá-las e compreendê-las.

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pós-moderna» é, pois, um novo desafio, ao qual o museu deverá responder adaptando-se

e descobrindo nela a sua identidade para definir e fortalecer o seu papel. Implicitamente

questiona-se, também acirrado pelas mudanças sociais, que papel será esse? Como

perceber esse reposicionamento na sociedade?

O museu não é uma sala de acesso reservado, agrafada com prateleiras e pregada

com armários e uma escada de correr a deslizar por depósitos de tempo. Mas são o

museu e as bibliotecas que congregam as obras, e é neles que, de certa forma, estas

adquirem um estatuto. São validadas (por assim dizer) e reconhecidas não só pelas

comunidades científicas, mas por todos aqueles que nelas confiam credibilidade e valor.

Foi assim que Shelton manifestou a sua opinião sobre a actividade destas instituições,

observando que, outrora, a sua «missão não era outra senão a de conservar o

conhecimento como um documento das diferentes etapas da evolução de uma

determinada cultura».213

O que representaria uma abordagem limitada das suas

competências, encarando-as quase como enciclopédicas.

Aquilo que acontece num trabalho de conservação é precisamente o inverso. O

processo de análise das obras é também um processo de criação de linguagem. Explica

Shelton que o trabalho de preparação dos «objectos materiais» realizado pelo

conservador é imprescindível «para que possam ser aceites como um signo da memória

histórica». O método consiste numa «linguagem que tem sido adaptada às condições do

tempo presente». Cada exposição é, por isso, um novo laboratório de criação linguística,

pela formação de novos códigos a partir dos códigos anteriores de cada objecto. A

alternativa é integrar o objecto num outro tipo de organização que resultará numa nova

natureza de códigos e, consequentemente, numa outra mensagem. Pretende-se com isto

uma «museologia pós-moderna que seja capaz de reclassificar os objectos e dar-lhes

novos significados», orquestrando o passado e o «presente-futuro».214

213

Tinha afirmado A. A. Shelton que «tanto o saber como a arte têm sido institucionalizados nas

bibliotecas e nos museus». Realce-se que estas intervenções datavam do início da década de 1990.

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 28. 214

Idem, p. 28. A percepção é refém da memória. Esta ideia de encarceramento resolve-se num fenómeno

de causalidade natural e inapelável. Isto é, o indivíduo reage e opera de acordo com os dados

interiorizados ao longo da vida. O homem faz-se de experiências, de novas mas também repetidas, com os

mesmos objectos inclusivamente. Daí serem reavaliados e amadurecidos os princípios que orientam cada

homem nas suas tarefas e nos seus julgamentos. Significa encontrar apreciações concordantes e, também,

(com maior probabilidade) desiguais porque o convívio com esses objectos ocorre nem sempre em

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A arte é, no contexto de pós-modernidade, objecto de grande reflexão por parte

de Hernández e aquela que tem colhido maior atenção. Note-se o florescimento de

novos conceitos, atitudes e expressões artísticas, e o surgimento de questões

museológicas que se prendem com o que expor e como expor. A museologia e o museu

não estão, assim, livres de uma contínua busca por formas alternativas e inovadoras de

comunicar, nomeadamente a arte. Perante a questão: «Mas, o que é que se pretende com

este tipo de museu pós-moderno?» Hernández eleva a resposta à dimensão do sensível.

O espectador/contemplador dialoga com a obra a um nível superior de profundidade,

que o intima a procurar um outro tipo de informação além daquela que recebe pela

percepção visual, a questioná-la sobre o seu real significado e sobre o que representará

para si, meditando sobre os seus preconceitos, ajudando a reflectir sobre o seu gosto e a

estética e as suas subtilezas, de modo que o auxiliem a delinear o percurso da sua visita.

Evitando perífrases: «A experiência visual é dinâmica. (…) O que uma pessoa

ou animal percebe não é apenas um arranjo de objetos [sic], cores e formas, movimentos

e tamanhos». O discurso científico de Arnheim pende para a componente fisiológica –

tão evidentemente justificado no título da obra – interveniente neste relacionamento

indivíduo-obra. No entanto, esses tecnicismos dizem, igualmente, que há algo que o

indivíduo acrescenta às informações visuais recebidas, aquando da sua interpretação,

surgindo «às vezes interpolações que se baseiam em conhecimento adquirido

previamente», designadas por «induções perceptivas».215

O edifício representa «um tempo que já não é»216

, mas evoca-o, e, por isso,

espaços, mas, certamente, em momentos distintos. Percepciona-se o mundo (actual) com base na história

de cada um – o que não subentende estar agrilhoado ao passado, este será antes motivo para ser-se livre

em futuras situações. A cada experiência o espaço e o tempo devidos. Sobre a experiência, neste caso a

visual, Rudolf Arnheim sintetiza: «Toda experiência visual é inserida num contexto de espaço e tempo.

Da mesma maneira que a aparência dos objetos sofre influência dos objetos vizinhos no espaço, assim

também recebe influência do que viu antes. [sic]» Admite a importância e a «Influência do Passado»

sobre as percepções actuais, embora não o tome como factor isolado, ou seja, «não podemos continuar

passando a responsabilidade para o passado sem admitir que deveria ter havido um início em algum

ponto». Rudolf Arnheim, Arte & Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora, Colecção Arte,

Arquitectura, Urbanismo, 9.ª ed., São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1995, p. 41.

215 Idem, pp. 4-5.

216 O «estado de ruína e de obra inacabada» não é o mote para a «reconstrução do passado», mas para a

continuação de uma aura que acompanhará novos significados. Francisca Hernández Hernández, op. Cit.,

p. 30.

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torna-se presente quando contemplado, ainda que esses pedaços de passado sejam isso

mesmo: fragmentos. Todavia, segue preservado um certo «“imaginário

arquitectónico”», se, na mesma linha de pensamento de Zunzunegui e A. J. Greimas, se

«“descontextualizar” os edifícios antigos, tornando possível uma transformação da sua

semanticidade».217

2.2.2. A exposição e as suas competências linguísticas

A semiótica é intercâmbio de mensagens, sem a qual a comunicação não se

cumpre. Da mesma forma, uma mensagem só poderá ser alcançada pelo destinatário, se

este estiver capacitado para executar o processo de descodificação e codificação dos

signos que a mensagem enviada pela fonte comporta. A existência de um código ou

conjunto de regras é a condição que concretiza «a reconversão das mensagens»218

.

Como Hernández, Mestre e Molina, Edward e Mary Alexander, Mário C. Moutinho,

Fernando João Moreira, Judite Primo, Cristina Bruno, outros se têm questionado se o

público está apto a compreender a mensagem que o museu pretende transmitir pelo

canal que o individualiza: o conjunto de objectos organizados no modelo expositivo.

Entre o museu e a exposição e, por conseguinte, as obras (com última estação no

visitante) circula uma mensagem que se materializa por meio de uma «linguagem

icónica». O objecto/obra é, assim, um «signo icónico»219

, uma referência, dentro de um

determinado contexto semântico, um elemento cultural. Mas não se extingue em si.

Admite, ao invés, várias leituras, análises e interpretações. Para que a obra signifique

necessita do visitante e de todas as características ambientais (históricas, políticas,

sociais, económicas, religiosas, estéticas). O indivíduo lê os objectos por meio de

associações com as suas referências. Este é o pretexto para a legitimação da semântica e

a produção de novos sentidos, contanto que se assuma a existência de uma margem para

relações, paralelismos, contrapontos e conclusões somadas, subtraídas, divididas ou

217

Idem, pp. 30-31. 218

Idem, p. 32.

219 Idem, p. 32. O ícone implica, por definição, a presença de semelhança, ou seja, a existência de

elementos físicos coincidentes. Cf. António Fidalgo e Anabela Gradim (op. Cit., p. 158): «Ícone é o signo

que se relaciona ao seu objecto por possuir uma qualquer semelhança com este, quer esse objecto exista

ou não. Podem ser ícones as imagens, as fotografias, mas também os mapas, os diagramas e as metáforas,

que apresentam uma semelhança estrutural com o que significam».

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multiplicadas. Martine Joly sentencia que «nenhuma mensagem, seja ela qual for, se

pode arrogar uma interpretação unívoca». Todavia, adverte para o seguinte:

«Inversamente, ainda que cada leitor ou espectador seja único e possua a sua própria

grelha interpretativa, que pode ela própria variar de acordo com as circunstâncias, a

interpretação de uma obra nem por isso é ilimitada, pois tem limites e regras de

funcionamento».

Hernández explica que, na década de 1990, se iniciou a exploração da exposição

como um «“media”», alicerçando-se na opinião de alguns autores (como Jean Davallon)

que sustentavam «que a criação de um espaço expositivo é um mundo de

linguagem».220

Pensar o objecto sob múltiplas possibilidades de significação vem

complementar um tratamento mais racional e prático. Isto é, um conjunto de peças

dispostas num espaço que as apresenta e ambienta segundo um determinado modelo

para serem visionadas por indivíduos – é o «mundo real» de que fala Hernández. Os

sentidos marginais à visita constituem o «mundo irreal ou imaginário», ou a «utopia». A

realidade é a de duas verdades: uma material, na qual a peça assume uma forma visível,

alcançável directamente pelos sentidos; e uma incorpórea, que se vai construindo ao

longo da visita e, ao mesmo tempo, configurando semanticamente a exposição, dando-

lhe um sentido, como se depreende de Hernández.221

Ambas são determinantes no

traçado da visita.

220

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 33. 221

O conceito de objecto – sendo o objecto artístico particularmente sitiado pelas perspectivas e

inquietações conceptuais – oscila entre a forma para uns (concepção formalista) e o conteúdo/contexto

para outros (método iconológico). Alguns historiadores e críticos privilegiam a forma, a luz e as cores na

definição do objecto (Ernst Gombrich. Nota: Platão, filósofo grego, discorrera, séculos antes, em sentido

aproximado sobre a imagem a partir da sua caverna, em A República), outros acentuam a significação da

matéria (Panofsky). Sem retirar a evidência das propriedades físicas da obra, e parafraseando Rudolf

Arnheim, a forma transporta marcas daquilo que influenciou a sua criação. A representação comporta uma

cultura que influencia a sua concepção. O psicólogo alemão disse que «“a tarefa de expressar ou

simbolizar um conteúdo universal através de uma imagem particular é efectuado não só pelo padrão

formal, mas também pelo assunto, se houver”». Rudolf Arnheim, op. Cit., p. 449. Os objectos não são

exclusivamente nacos de formas, monossemânticos (se a língua portuguesa permitisse tal palavra). O seu

conteúdo não está, no seu todo, plasmado no seu aspecto, na sua expressão, na sua linguagem visual.

Conte-se com o nível simbólico, para o qual as formas são sim a chave de desbloqueio do caminho para a

polissemia ou a diversidade interpretativa, se assim se preferir. A enveredar pela análise da imagem,

Roland Barthes acrescentaria um terceiro sentido: o sentido obtuso, o da assemia.

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Também Erwin Panofsky identifica uma forma, uma ideia e um conteúdo.222

O

objecto ou acção (o visível) torna-se inteligível pela compreensão do seu conteúdo,

afirma Daniella Rebouças Silva tentando desconstruir a concepção iconológica de

Panofsky ao enumerar os seguintes passos: primeiro, a identificação dos «motivos» do

objecto, isto é, das «formas puras» (configurações determinadas pelo material de

suporte, pela cor, pelas linhas, por representações, etc.), que resulta num sentido

primário ou natural. Depois, o avanço para o enquadramento do objecto na temática ou

conceitos respectivos e apropriados (significado secundário ou convencional); e,

finalmente, os significados não óbvios (significado intrínseco ou conteúdo, onde cabe o

simbolismo). «Os objectos não podem ser percebidos apenas pelas suas características

formais, mas sobretudo pelas suas qualidades representativas e seus conteúdos

simbólicos.»223

As faculdades do objecto, aqui distinguidas por Rebouças Silva, ganham

especial ênfase quando esse mesmo objecto ou artefacto é instituicionalizado (num

museu, nomeadamente), dado que se convertem em documento, prova da história,

testemunho da Humanidade.

Waldisia Rússio dizia a este respeito: «“Quando musealizamos objectos e artefactos (...) com as

preocupações de documentalidade e de fidelidade, procuramos passar informações á

comunidade; ora, a informação pressupõe conhecimento (emoção/razão), registro

(sensação/mensagem/ideia) e memória (sistematização de ideias e imagens e estabelecimento de

ligações). É a partir dessa memória musealizada e recontada que se encontra o registro e, daí, o

conhecimento susceptível de informar a acção” [sic] [realce em itálico no texto original]»224

.

Em suma, o edifício – seja ele um ancião patrimonial ou uma nova expressão das

correntes arquitectónicas hodiernas – e o museu nascem de uma determinada

conjuntura. Quer-se que a identidade original das infraestruturas de acolhimento ainda

possa ser lembrada, vivida e continuada, daí a importância da promoção e da

sensibilização para conhecer e compreender o património. Concomitantemente,

pretende-se que nos espaços expositivos neles construídos haja «contemplação da arte,

mas também o diálogo e o encontro entre os visitantes e as obras», resume Hernández.

É a presença humana que lhes atribui ordem e sentido. Assim são os lugares de

222

Daniella Rebouças Silva, «As formas de ver as formas: uma tentativa de compreender a linguagem

expositiva dos museus» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –Museologia: Teoria

e Prática, vol. 16, n.º 16, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 1999, pp. 75-76

223 Idem, p. 76.

224 Waldisia Rússio, em «Conceito de Cultura e sua inter-relação com o Patrimônio e a preservação»,

apud Daniella Rebouças Silva, «As formas de ver as formas», pp. 76-77.

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encontro. «Castelos, praças, ruas, claustros, caminhos, albergues, lojas e museus podem

considerar-se fenómenos culturais que passaram a fazer parte do mundo da arte e da

literatura pelo seu carácter simbólico, isto é, “por constituírem lugares que vivem de

interacção”», prossegue Hernández. Neste tipo de lugares, também o museu deverá ser

entendido «como um espaço capaz de criar âmbitos de encontro e de comunicação».

Desta forma se reforça o contributo da existência dos museus para a sociedade, não

esquecido nas palavras de García Canclini: são «“lugares onde se reproduz o sentido

que encontramos ao viver juntos”».225

Bastas vezes, Hernández vinca a ideia de comunhão entre a dimensão humana e

o espaço físico, imputando-lhes força comunicativa e um estatuto privilegiado. Concebe

a sua união num âmbito linguístico, ou numa «dimensão dialógico-relacional», no qual

estão envolvidas as obras em exposição a partir do momento em que se ligam ao

visitante. Vários especialistas, atentos à evolução do museu, concordam, directa ou

indirectamente, com o empenho na partilha mútua entre a instituição-exposição-acervo

e os indivíduos. O diálogo, a interactividade e a relevância de ambientes lúdicos

convergem para estimular as possibilidades de reunião e de confronto de experiências.

Sabe-se que a projecção e o interesse por uma obra depende do quanto é falada –

e não só em arte, na verdade. Da mesma forma que Hernández diz, taxativamente, que

«não pode existir uma obra de arte sem diálogo» (estas são mais do que objectos), a

existência de outro tipo de acervo (peças etnográficas ou artesanais, instrumentos fabris,

maquinaria, ou outros) também requer esse mesmo diálogo e estímulo. Não para atribuir

necessariamente a este último conjunto um sentido que transcenda a sua forma, função e

finalidade (das quais não podem ser desapossadas), mas para que sejam compreendidas,

destacadas e aceites enquanto elementos de valor histórico, cultural, social, patrimonial

e até estético.

225

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 34. Mesmo que em silêncio se contemple a obra, nela

ocorre comunicação. O visitante pensa sobre a obra, e pode ou não verbalizar as suas conclusões, mas

estabelece uma relação comunicativa com ela. Esta transmite-lhe informação, expressa-se, e o sujeito

retribui sempre de alguma forma, ainda que em silêncio, se for o caso. Hernández partilha da opinião de

García Canclini (Culturas Híbridas. Estrategias para entrar y salir de la modernidade, 1990): de que a

arte, devido à sua intensa subjectividade, expressividade e criatividade, necessita de um contexto

museológico, para que possa acontecer a «“inter-relação”». Hernández é peremptória. No seu entender

«todo o objecto que se encontra no museu possui um “carácter dialógico”, isto é, relacional e

comunicativo». Para Canclini, a arte é ainda a «“forma aprimorada da expressão humana”». Francisca

Hernández Hernández, El Museo como espacio de communicación, p. 35.

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«[...] os objectos jamais se esgotam naquilo para que servem,

mas vão adquirindo a sua significação graças a este excesso de presença.»226

(Jean Baudrillard, «La moral de los objetos.

Función-signo y lógica de clase» in Los Objetos, 1971)

Em termos semióticos, a ideia de Baudrillard traduz-se no facto de que os

objectos «assumem uma função sígnica que reflecte a condição social de quem os

adquire e possui. Para compreender o significado dos objectos [...] devemos

descodificar o significado do objecto em si mesmo e no seu contexto. Por outro lado,

codificaremos em chaves científicas a função e o significado dentro do grupo social».

Seguindo a interpretação que Hernández faz do sociólogo e filósofo francês, os objectos

desempenham uma função (o seu papel mais terreno, diga-se assim, ao serviço do

«universo das coisas»), têm um poder referencial (no chamado «universo das

situações»), e, ainda, um potencial sígnico que os remete para o domínio da Semiótica.

Relembre-se que cada signo tem um significante («expressão material da cultura») e um

significado (a faceta conceptual, intencional), aplicáveis ao objecto porque se

considerou que todo o objecto é signo.

O sistema de significação de um objecto não se atém àquilo que significa por si

só, isto é, por aquilo que é enquanto objecto (pintura impressionista, cofre em

madrepérola, máquina a vapor, tear, tapeçaria, bobina ou qualquer instrumento de

fiacção, tecelagem, etc.), estende-se também àquilo que representa (que simboliza), à

função que cumpre.227

Primeiro, os sentidos são activados pela denotação do objecto, ou

226

Francisca Hernández Hernández, debulhando o raciocínio de Baudrillard (1971), em El museo como

espacio de comunicación, p. 36.

227 Todos os objectos têm um conteúdo passível de ser transmitido. Aquilo que decorre da produção

humana está carregado de intencionalidade, e, por isso, são significativas as palavras do filósofo Walter

Benjamin em «Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana»: «Todas as manifestações da

vida intelectual do homem podem ser concebidas como uma espécie de linguagem (…). Numa palavra:

toda e qualquer comunicação de conteúdos é linguagem (…).» Walter Benjamin, Sobre Arte, Técnica,

Linguagem e Política, Lisboa, Relógio D’ Água Editores, 1992, p. 177. No âmbito da teoria da

linguagem, Benjamin reflecte sobre a linguagem dos objectos: «Todas as linguagens se comunicam a si

mesmas. A linguagem deste candeeiro, por exemplo, não comunica o candeeiro (porque a essência

espiritual do candeeiro, na medida em que é comunicável, não é de modo algum o próprio candeeiro),

mas sim, o candeeiro linguagem, o candeeiro na comunicação, o candeeiro na expressão. Porque na

linguagem se comporta assim: a essência linguística das coisas é a sua linguagem». Assim como o

candeeiro, a linguagem dos demais exemplos enumerados na frase está para além do corpo exibido.

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seja, enquanto peça/matéria de um mostrador que é a sala e que significa aquilo que ali

é visto – uma presença – para, depois, sobrevir a acção conotativa. Esta semântica é

motivada pela «ordem» e «intencionalidade» que formam a sintaxe da exposição e que

nos servem informações lógicas, histórias e significados que exigem abstracção,

raciocínio e comparação.228

A análise de um objecto não é unidireccional. Parafraseando Hernández, o

objecto está sujeito a apreciações que compreendem a forma, a utilidade, a função, a

estética, o simbolismo, e a sua própria «inutilidade». O sujeito poderá avaliá-lo de todas

estas formas, embora cada exposição se construa tendo como fio condutor uma

ideia/mensagem específica e definida antecipadamente que influenciará a organização e

os meios de comunicação a aplicar, apropriados à expressão daquela mensagem.

O objecto enquanto forma é aquilo que é, na análise de Hernández, inalterável

fisicamente, mantendo o conteúdo que lhe foi atribuído aquando da sua concepção,

independentemente da disposição que lhe venha a ser imposta. É um significante. Mas é

também produtor de significado, pois o seu conteúdo conta histórias, sugere relações,

reclama determinados contextos (passados). E, assim, ascende a «objecto cultural».229

Sobre a utilidade e a funcionalidade: o objecto desempenha uma função, um serviço, na

malha de contactos sociais. A este nível, o privilégio é unicamente do seu «uso» e do

seu «consumo», e não do seu «valor simbólico» que não compactua com o mercado e a

produção massificada.

Quanto à estética (analisada por Hernández na obra artística): a aparência que,

não raras vezes, atrai o indivíduo pela sua beleza, não deixa de representar a oposição

ao utilitarismo de que se falava anteriormente. Esta «inutilidade» da obra de arte, que a

investigadora admite, não desmerece a «criatividade e a liberdade» que estiveram na sua

origem e que a tornaram numa «realidade única e irrepetível».230

Simbolismo e

imaginário estão irremediavelmente afectos à obra de arte, fazem parte da sua natureza,

e a carga significante não pode ser espartilhada pelo «significado, real ou aparente, que

possa evocar». Porém, a obra de arte é-o somente quando um sujeito lhe reconhece uma

dimensão sensível e arrebata o verdadeiro sentido da mensagem dentro da lógica

imagética que fundamenta o seu aspecto (seja quadro, escultura, instalação, ou outro).

228

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 39.

229 Idem, p. 40.

230 J. Costa, «Diseño, Comunicación y Cultura» apud Francisca Hernández Hernández, El museo como

espacio de comunicación, pp. 40-41.

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2.2.2.1. A semiose dos objectos arqueológicos, etnográficos e técnicos

a) Arqueologia. Se duas linhas houvesse que permitissem ser a abertura para o

entendimento do objecto no âmbito da arqueologia, Hernández encontraria em G.

Kluber uma ideia esclarecedora ou, pelo menos, principiadora: «Como diz Kubler

(1962, 126), tenta-se elaborar uma história dos objectos que tenha em conta tanto o

significado como a coisa em si»231

. Entre os vários pensadores (entre os quais Kubler e

Hodder) e as correntes arqueológicas (arqueologia estruturalista, arqueologia contextual,

arqueologia pós-processual), que a investigadora coteja, importa assinalar algumas

marcas importantes da arqueologia na comunicação de património.

«Como será possível ao arqueólogo realizar a reconstrução do significado

simbólico de um passado ao qual só tem acesso através de determinados objectos»?

Hernández evoca a arqueologia contextual para mostrar que o processo de descoberta do

objecto não se esgota em «escavar, classificar e conservar». Segue-se o estudo

minucioso dos «contextos específicos» das peças «para, a partir deles, contrastar e

analisar os próprios contextos actuais» – sendo feito, por intermédio destes, um exame

do passado segundo «categorias modernas». Essa apreciação não deverá estar

contratualizada apenas com uma versão, mas disponível à pluralidade de interpretações

(arqueologia pós-processual) para «melhor entender as relações existentes “entre norma

e indivíduo, entre processo e estrutura, entre o ideal e o material, entre sujeito e

objecto”».232

«Segundo Van Mensch (1990, 146), o conceito de “objecto museológico” e, na nossa opinião,

também o de objecto arqueológico, baseia-se em quatro níveis distintos de dados: nas

propriedades estruturais ou características físicas do objecto, nas propriedades funcionais

referentes ao uso do objecto, no contexto ou ambiente físico e conceptual do objecto e no

significado baseado no sentido e no valor do objecto. Por sua vez Maroevic (1983), apoiando-

se na mesma ideia de que tal objecto é portador de dados, apresenta um modelo de objecto sob

três aspectos distintos: o objecto considerado como documento, como mensagem e como

informação.»233

Falar em objecto como «documento» significa trabalhar o conjunto de

informações biográficas do mesmo enquanto «veículos do processo de comunicação»,

que permitirão realizar, sequencialmente, as etapas da conservação e da comunicação.

Comunicar a mensagem não será tarefa menos árdua. A complexidade do ser humano,

231

Francisca Hernández Hernández, El museo como espacio de comunicación, p. 44.

232 Idem, pp. 44-45.

233 Idem, p. 45.

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pela sua simultânea diversidade e unicidade, é transportada para todas as suas acções, e,

como tal, a mensagem inerente a um objecto (o «documento») poderá absorver as

mesmas características daquele com quem se relaciona (o «transmissor»), e desdobrar-

se em várias mensagens. O objecto como «informação» é o «significado da mensagem»

e, finaliza Hernández, o seu «impacto» no público/receptor, que não é mais do que

pragmática.

Parafraseando Maroevic, a história do objecto é contada a três tons: o

conceptual, o factual e o actual. A fase conceptual remete para a idealização e a

relevância do objecto no período e ambiente que contextualizam a sua criação. A

segunda diz respeito à atribuição de uma identidade por parte do criador, justificando o

seu propósito e funcionalidade. O objecto, como tantas outras existências, atravessa um

processo de erosão e de limagem propiciado pelo tempo. A terceira, a actualidade, é já

resultado dessa transformação. E é pela recente configuração que se conhece esse

objecto como tal.

A interpretação do objecto arqueológico em contexto museológico deverá, pois,

respeitar todos estes elementos porque, explica Hernández, «não é o mesmo ver ou

analisar o objecto como um mero artefacto que se põe em funcionamento, que

contemplá-lo como uma mensagem que expressa de forma simbólica determinadas

características sociais ou como um significado que se deduz da dimensão ideológica que

lhe é dado num determinado momento da sua história»234

.

b) Etnografia. Aquilo que se entende como objecto de ordinária utilização pode

não o ser simplesmente, e, a dado momento, reunir condições para que nele se achem

características meritórias (seja do ponto de vista artístico, social ou noutro âmbito

cultural) de uma fruição diferente. Aconteceu com a reapreciação feita, no século XX,

de determinados objectos do século que o antecedeu. Tornou-se possível descrever e

analisar a evolução da sociedade e das comunidades, e do seu grau de civilização e de

progresso com base no tipo de objectos fabricados. Contudo, a perspectiva sobre o

objecto etnográfico evoluiu: deixa de ser considerado apenas no seu estádio primitivo

material, para ser integrado como testemunho que reúne outros tipos de manifestações

(sonora, visual e simbólica). Por conseguinte, esta função deixava de estar circunscrita

ao objecto-testemunho para ser transportada para os museus etnográficos. Apoiada em

234

Idem, p. 46.

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L. Zerbini, Hernández infere que «os objectos deixem de ser considerados como

objectos de contemplação ou como meros indicadores do grau de desenvolvimento dos

seus criadores, para passarem a ser contemplados como objectos de conhecimento e

estudo e como autênticos “objectos-testemunho” de uma civilização». De objecto

funcional passa a objecto de significação com vista ao estudo especializado.

c) Técnica. Como é sabido, a técnica conduziu e acompanhou o progresso do

homem, tornando-se extensão do seu próprio corpo no auxílio a muitas das suas

actividades. Primeiramente, sem interferir na essência dos materiais, o homem serve-se

dos objectos tal como a Natureza os produziu para realizar acções básicas de

sobrevivência (como cortar, atar, bater). Com a complexificação do tipo de necessidades

do homem, o objecto tornou-se manipulável e adaptável para servir situações mais

sofisticadas. A transformação dos materiais resultou em objectos utilitários preparados

para prestar serviços e satisfazer determinados objectivos. Os objectos técnicos

«convertem-se» em objectos culturais «porque comportam “uma intencionalidade, um

desígnio, um sentido utilitário, construtivo e semiótico”».

Este discurso de Hernández obriga-a a destacar, numa interpretação pessoal, a

obra de Leonardo da Vinci como a grande motivação para o «ressurgir das artes e da

técnica», e, em certa medida, «para a formação dos museus da ciência e da técnica e

para a introdução dos objectos técnicos naqueles». O seu empenho para com o desenho,

a engenharia, a máquina e a mecânica, os esboços e as realizações, as tentativas e os

estudos foram inspiração em projectos posteriores. É com Giorgio Vasari que o conceito

desenho (disegno) ganha, estatutariamente, relevância como fundador no círculo «das

três grandes artes: arquitectura, escultura e pintura».235

Hernández acredita que a

revelação de Vasari, como visionário no campo da arte e da sua conceptualização, é

comparável à de Leonardo da Vinci no da mecânica, afirmando que este último

«oferecerá uma combinação de arte, ciência e tecnologia». Várias relações se conjuram:

a máquina e a Natureza (máquinas hidráulicas, voadoras, etc.), a máquina e a acção do

homem (a guerra), o original (peça única) e o reproduzido, o trabalho artesanal e o

trabalho em série/industrial, que terão verdadeiro impacto nos tempos subsequentes.

As consequências da Revolução Industrial inglesa no último terço do século

XVIII são esclarecedoras. A tecnologia, a energia artificial (electricidade), a indústria, a

235

Idem, pp. 49-50. Em 1563, Vasari funda L’ Academia del Disegno em Florença.

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técnica e as novas tecnologias da informação e da comunicação, em folgorosa ascensão,

combinam-se e influenciam-se, num caminho sem retrocesso. A invenção da máquina a

vapor, com os avanços nos estudos e aproveitamento do calor enquanto energia, e o

refinamento da maquinaria (servindo-se «das leis da conservação e da transformação de

energia») intercedem pela indústria têxtil e pela metalurgia (com meios de produção

mais avançados e precisos). Também no campo das ciências biológicas, da agricultura e

da medicina, a ciência implicava a indústria, gerando máquinas, procedimentos e

descobertas que viriam a integrar as colecções de museus da técnica e da ciência, como

assevera Hernández. É a história da Ciência e a história da Técnica em cumplicidade.

De um modo geral, cada objecto tem a sua singularidade dentro do cenário

criado no espaço museológico, independentemente da sua proveniência, e está integrado

num projecto comunicacional. André Malraux lamentava, desgostoso, a impossibilidade

de o museu levar o mundo a todos. Não é possível ter uma amostra de cada tipo de

criação – pense-se nas edificações. Dizia Malraux que os «conjuntos de vitrais e de

frescos», o «que não é transportável», o «que não pode ser facilmente exposto, os

conjuntos de tapeçarias, por exemplo», o «que não [se] pode adquirir» constituíam esse

impedimento.236

Nem sempre a montanha pode ir até Maomé, mas em certas alturas ela

consegue ser movida: hoje, tapeçarias (de Portalegre) cobrem e colorem, como quadros,

paredes que conseguiram dar-lhes espaço. Mas não só, também o repertório artístico

vanguardista (Arte Moderna e Contemporânea) junta-se à tradição da lã (que é sua

matéria-prima), gerando um outro conceito, uma outra linguagem – sobre a qual mais

adiante se desfiará.

2.2.3. A comunicação além do objecto

A comunicação não passa unicamente pelos próprios objectos. Com o intuito de

conservar e resguardar a aura237

e o simbolismo dos originais, a comunicação passa a

236

André Malraux, O Museu Imaginário, Colecção Arte & Comunicação, Lisboa, Edições 70, Janeiro de

2000, p. 13.

237 Aura é a «manifestação única de uma lonjura, por muito próxima que esteja». Lonjura – ou

distanciamento, se assim se preferir –, a da aura; proximidade, a do objecto que a recorda. A aura é o que

se encontra além de todas as barreiras e/ou limites formais que enchem a visão, a audição ou qualquer

outro sentido. É na inacessibilidade sensorial da experimentação que se encontra o imaculado valor da

obra. Com a aura aparta-se do presente, e o indivíduo encontra-se com o passado (com a história, a

envolvência, as consequências, os significados, com a origem e a verdade dos objectos). Tratam-se de

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ser feita por outros meios, como por exemplo a imagem. A palavra é o mais imediato,

mas a imagem tem granjeado valor estratégico junto do público. A sua

bidimensionalidade não deixa de atrair o público, que lhe reconhece as características

daquilo que representa e que por meio dela mais rapidamente guarda o objecto para ser

rememorado do que a palavra. Ao longo da obra de Hernández, a comunicação tem sido

abordada como reflexo de um mundo cada vez mais dominado pela imagem, no qual é

usada, frequentemente, como tentativa de «substituir» o próprio objecto. Os signos

concretizam e asseguram a comunicação. No entanto, a substituição pode ser

contraproducente, na medida em que o homem pode achar-se satisfeito por conhecer o

objecto pela imagem e não chegar a contemplá-lo verdadeiramente.

A imagem alcançou uma certa autoridade sobre o homem, sobre quem a cria e

manipula, individual ou colectivamente. «Disse Gauthier (1986, 242) que “ao oscilar

entre o mundo dos objectos e o das formas, ao pôr em funcionamento um léxico

complexo no qual se tocam a abstracção pura, o motivo ornamental, o símbolo e a

simples reprodução, a imagem remete-nos sempre para fora dela, para algo que mantém

o nosso sentido de visão, a nossa capacidade de abstracção, a nossa experiência lógica, a

nossa participação na cultura e na história” (…).»238

«A interacção entre texto e contexto institucional, ou seja, as condições de

produção e de difusão das imagens, dizem-nos bastante, já o sabemos, do sentido a

atribuir-lhes e da orientação a tomar na sua interpretação.» Comenta, ainda, Martine

Joly: «A escolha da tecnologia de suporte afecta também, evidentemente, a

interpretação global da mensagem, remetendo para universos de referência e de

legitimidade diferentes e específicos». A obra na instituição é a peça no puzzle, as

especificidades da primeira concorrem para o resultado predestinado, requerendo este

da partícula aquelas especificidades diferenciadoras. O conjunto de características (cor,

experiências rememorativas. Walter Benjamin, «A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica»

in op. Cit., p. 81. A autenticidade e a unicidade da obra de arte querem-se à semelhança da imagem de

culto, cuja essência reside precisamente desprendida da sua manifestação física. Como que em estado de

ascese, preserva-se o valor original recebido aquando da sua criação. Isto para perceber a força do

pensamento de Benjamin: «(…) o valor singular da obra de arte “autêntica” tem o seu fundamento no

ritual em que adquiriu o seu valor de uso original e primeiro». Walter Benjamin, «A Obra de Arte na Era

da sua Reprodutibilidade Técnica» in op. Cit., p. 82.

238 Justo Villafañe e Norberto Mínguez, Principios de Teoría General de la Imagen, 4.ª ed., Madrid,

Ediciones Pirámide, 2006, p. 253.

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traço, formato, etc.) subordinadas à composição visível na peça (a partícula) só permite

a análise de uma parte da mensagem. Para a elucidação do «sentido global da

mensagem» é necessário expandir o procedimento analítico (de construção do puzzle)

aos elementos circundantes. Segundo Joly, incluir o «eixo paradigmático da organização

da mensagem, quer dizer, os campos associativos ausentes que os elementos presentes,

apesar de tudo, designam e põem em movimento». Por isso, há que relevar a miscelânea

de dispositivos e estímulos discursivos (textual, visual e sonoro), o ambiente

institucional e a metodologia de difusão dos objectos/obras no trajecto dos significados.

Dúvidas não há quanto ao facto de o museu ser linguagem e meio de

comunicação – é o que se pode ler em El museo como espacio de comunicación. Sabe-

se, também, que o museu dispõe de conteúdos especiais que implicam uma

comunicação específica. A gestão de um museu passará obrigatoriamente pela gestão da

forma como comunica (tal como dos meios, das potencialidades, das contrariedades e da

eficácia) – em todas as suas vertentes (oral, escrita e não-verbal, assumindo o desafio da

utilização das novas tecnologias e do seu imprevisível crescimento no âmbito de um

«universo virtual») – as suas colecções «no sentido de facilitar o encontro entre o museu

e os seus visitantes».239

Por outro lado, há um outro terreno de comunicação: a comunicação inter-

institucional. Diz Hernández que a «comunicação não ocorrerá apenas entre museu e

público, mas deve estender-se também aos diferentes museus entre si, sejam nacionais

ou internacionais». A partilha de procedimentos, de formas de intervenção e de

interpretações dos objectos, dos conteúdos, das mensagens, dos públicos e das

comunidades em que se encontram instalados conflui para perceber qual é «a realidade

da cultura científica, tecnológica e industrial», as suas insuficiências e as suas

possibilidades de melhoramento para actuar no museu prospectivamente (esperava-se

então a vinda do século XXI). Esta participação é projectada a um nível igualmente

audacioso: o de uma rede global de museus científicos e técnicos.

Fala-se de técnica (da máquina, do aparelho, de tecnologia) e pensa-se nela

como extensão do corpo humano. Isto porque pensa-se os media (de montante

[natureza/origem] a jusante [efeitos]) do ponto de vista técnico. «Tendemos a falar de

mediações (o conjunto das operações dos media)», oberva António Bento – docente dos

cursos de Ciência Política e Relações Internacionais e de Ciências da Comunicação, na

239

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., pp. 56-57.

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Universidade da Beira Interior –, «quase exclusivamente por relação aos aparelhos

técnicos ou por relação aos programas informáticos que lhes dão vida».240

Este

estudioso das áreas da Comunicação e da Teoria Política adentra-se nos estudos dos

media e aprofunda o assunto da seguinte forma: «A verdade, porém, como diz Peter

Sloterdijk, é que “os seres humanos são os media primários” – quanto aos aparelhos, ou

aos algoritmos que põem as máquinas a trabalhar, eles são apenas uma espécie de

“amplificadores”»241

. Esta asserção harmoniza-se com a tese de Marshall McLuhan242

,

isto é, «qualquer medium é apenas o prolongamento dos sentidos do homem, ou, como

ele gosta de dizer, um medium é uma “extensão do seu sistema nervoso central”»243

. O

homem vê, assim, as suas capacidades intelectuais e físicas amplificadas, projectadas,

estendidas por obra dos media. Tal como um par de óculos, o tear é um

equipamento/«prótese» que permite minimizar incapacidades e ampliar a qualidade e a

eficácia das aptidões do homem. António Bento menciona a roda, o livro, a roupa e o

circuito eléctrico como os prolongamentos do pé, do olho, da pele e do sistema nervoso

central respectivamente.

Ao «“objecto-prótese”» junta-se o «“objecto-signo”, que actua como um suporte

significante de muitos outros possíveis significados», e recentemente o «“objecto-

interactivo”», inteligível por todos. Este «“objecto-interactivo”» surge de encontro a

uma atitude passiva, demorada, introspectiva e reflexiva, que a profusão de significados

implicada no «objecto-signo» requer. Prevê dinamismo e uma linguagem mais informal

e de proximidade. Um formato menos arquivístico e, por oposição, mais envolvente,

apelando à intervenção e à combinação de mais sentidos (além da visão), e, por isso,

também mais atractivo. Esta nova compleição da forma de estar do sujeito perante a

obra, mais irreverente (mas não necessariamente de ruptura com a palavra imagética,

apresentada pelo artista), sujeita-o a «“interagir” com ela, podendo modificar, inclusive,

as suas próprias características artísticas»244

.

240

António Bento, «Meios e Fins», s/d, p. 1. António Bento é autor de obras como Maquiavel e o

Maquiavelismo e Razão de Estado e Democracia, e é um dos poucos estudiosos de Carl Schmitt em

Portugal.

241 António Bento, «Meios e Fins», s/d, p. 1.

242 Pioneiro nos estudos dos media, da tecnologia e seus ecos na formação e construção sociais. Autor de

Understanding Media: The Extensions of Man, um original de 1964.

243 António Bento, op. Cit., p. 2.

244 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 58.

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2.2.3.1. Comunicação multimedia: o ciberespaço ou o espaço imaginado

Dos Estados Unidos da América (nomeadamente da Califórnia) surge o

computador pessoal. A sua rápida aceitação e entusiasmo da população em geral

permitiu subtraí-lo aos monopolizadores espaços de actividade económica (cada vez

mais adeptos das suas valias gestoras) e daqueles que os programavam – da fonte, diga-

se. Este instrumento científico, de pesquisa, militar ou organizacional transforma-se em

«instrumento de criação (textos, imagens, música), de organização (bases de dados,

quadros), de simulação (quadros, utensílios de ajuda às tomadas de decisão, softwares

de investigação) e de diversão (jogos)».245

Tomando nota destes mesmos factos – de

instrumento de laboratório a ferramenta quotidiana para uma multiplicidade de tarefas –,

B. J. Fogg afirmara, em 2003, que os «computadores não foram, inicialmente, criados

para persuadir», mas o seu novo estatuto assim o permitiu. Hoje, são actores de

influência (dado o número de papéis que estão a assumir e a conquistar) de tal forma

que se introduziram no ensino, na saúde, no comércio, na religião, na diversão.

«Entrámos numa era de tecnologia persuasiva, de sistemas de computação interactivos,

projectados para mudar atitudes e comportamentos das pessoas.»246

Em diminuendo

está a mecânica analógica, cedendo à digital. A década de 1980 é a década dos

multimedia. Os ambientes técnicos e industriais deixam de magnetizar a informática

para esta se fundir «com as telecomunicações, a edição, o cinema e a televisão», afirma

Pierre Lévy. Microprocessadores e memórias informáticas penetravam «em todos os

domínios da comunicação».

O hipertexto, os processadores de texto, a infografia e a amálgama de meios que

245

Os computadores saíram dos laboratórios militares (que deles faziam uso desde 1945 – os primeiros

em Inglaterra e nos Estados Unidos da América) para começarem a povoar a comunidade civil na década

de 1960. O impacto na vida social era, antes, imprevisível. A informática foi mais além da ciência, da

estatística, da gestão, das grandes empresas, da organização estatal, sobretudo a partir dos anos de 1970. A

indústria relança-se, entre outros campos, na robótica e em máquinas e ferramentas de controlo digital. A

automatização é cada vez mais refinada, inclusivamente no sector dos serviços. Esta breve biografia do

despertar do ciberespaço recolhe-se à obra de Pierre Lévy, Cibercultura. Relatório para o Conselho da

Europa no quadro do projecto «Novas tecnologias: cooperação cultural e comunicação», Colecção

Epistemologia e Sociedade, Lisboa, Instituto Piaget, 2000, pp. 33-34.

246 B. J. Fogg, Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do, São

Francisco, Califórnia, Morgan Kaufmann Publishers, 2003, p. 1.

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é possível combinar no termo multimedia, aplicados à museografia e à museologia, são

os «“objectos-quase-sujeitos”», resume Hernández de autores como R. Gubern, E.

Manzini e J. A. Lleó. Os CD-ROM são, hoje, uma recordação colunável perante os

vários programas, dispositivos e aplicações de criação, tratamento e armazenamento de

informação textual, sonora ou visual. Muitos oferecidos por marcas que espalham,

literalmente, a vogal «i» (ipod, ipad, imac, iphone), em sentido quase possessivo e

individual, por todo o lado, e outros andróides, PDAs, e por aí adiante. Os dispositivos

móveis são tecnologias extremamente persuasivas. «Em qualquer momento

(idealmente, no momento apropriado), o dispositivo pode sugerir, encorajar e

recompensar; pode acompanhar o seu desempenho ou levá-lo por meio de um processo;

ou pode fornecer evidências factuais convincentes ou simulações pertinentes»,

reconhece B. J. Fogg, no início do século XXI.

Um dos objectivos da equipa onde o doutorado pela Universidade de Stanford

estava inserido era «dar a conhecer como dispositivos móveis, especialmente

telemóveis, PDAs e aparelhos especializados, como pedómetros, podem desempenhar

um papel de motivação e de influência nas pessoas»247

. Poderá tal servir um museu ou

um roteiro de museus, criando um programa específico para que o possível visitante

seja atraído pelo percurso indicado pelo seu aparelho? Estes permitem um processo de

descoberta mais livre – não arbitrário, mas de opção – que nos é facultado por símbolos

ou ícones ou palavras-chave. Aos acima enumerados, acrescenta-se os interfaces

gráficos, os jogos de vídeo e outro tipo de aparelhos e ferramentas que aliam a

componente sensorial e o movimento e promovem a tão referida interactividade «que

acontece num determinado tempo e, de algum modo, impõe-nos a sua presença»248

.

Produzem, emitem, gravam, editam e convertem para variados formatos imagem

(fotografia, vídeo, gráficos) e som (a música foi a primeira a ser conquistada pela

digitalização, comenta Pierre Lévy). Contacta-se com o exterior e com ele partilha-se

essa informação. O «triunfo da informática de “convívio”» é a evidência que

Cyberculture249

não pôde excluir.

247

Idem, p. 186. Equipa integrada no Laboratório de Tecnologia Persuasiva da Universidade de Stanford,

o qual é dirigido por B. J. Fogg. Ver http://captology.stanford.edu/

248 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 59.

249 O seu autor, Pierre Lévy, é filósofo e professor na Universidade do Quebeque. As Ciências da

Informação e da Comunicação e a Sociologia recolheram a sua atenção e acção científica, embrenhando-

se no par Informática-Sociedade. Publicou, em 2011, La sphère sémantique – Tome 1, computation,

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Virtualidade, ou mais comummente realidade virtual, é jargão do meio

informático. Román Gubern descrevera-a como «“um sistema informático que gera

ambientes sintéticos em tempo real e que se erigem numa realidade ilusória (de illudere:

“enganar”), pois trata-se de uma realidade perceptiva sem suporte objectivo, sem res

extensa, já que só existe dentro do computador”».250

Um espaço coexistente com a

realidade, mas não palpável nem permanente; de interacção, mas sempre com o

distanciamento próprio que os programas e aparelhos envolvidos mantêm, e de tipo

transitório. É uma forma de comunicação que implica experiências visuais, acústicas,

sinestésicas, espaciais, tácteis e de locomoção.

Como se concilia o ciberespaço – um espaço onde «não há lugar para realizar

uma leitura reflexiva das imagens que se apresentam, mas que se convida a participar

num autêntico espectáculo» – com obras de arte ou outros objectos que constituem

colecções musealizadas? Como se controla a convivência entre o aparente e o real, a

ilusão e a verdade? Qual o contributo da realidade virtual para a apresentação e o

desenvolvimento de colecções num museu? Ao mesmo tempo, é preciso que a

espectacularidade não distraia o visitante da essência do objecto. «Como podem

converter-se os espaços virtuais em suportes artísticos?», pergunta Hernández. O

ciberespaço, apoiado nas «tecnologias do digital», passou a ser o «novo espaço de

comunicação, de sociabilidade, de organização e de transacção, mas também novo

mercado da informação e do conhecimento», relata Lévy.

Se, em relação à pintura, é possível ao artista recriar a sua obra, acrescentando

uma terceira dimensão ao seu corpo, outros objectos poderão ser explorados de formas

que não as praticáveis presencialmente: pelo visionamento em perspectivas antes

impossíveis ou improváveis, por exemplo, recorrendo à decomposição do objecto ou

vendo-o em funcionamento. Realidade e imaginação envolvem-se, e sentidos e imagens

cruzam-se nesse espaço sempre movediço que é o ciberespaço.

Segundo Hernández, comentando A. Mayo («Realidad Virtual» em A. Dyaz e J.

Aragoneses: Arte, Placer y Tecnología, 1995), a realidade virtual verifica-se quando

existe a possibilidade de o utilizador se corporizar nesse mundo virtual e de vivê-lo

como na realidade, de interagir com os objectos (tocar e manipular) e de receber e de

perceber diferentes sensações para as quais contribuem os sons tridimensionais, a

cognition, économie de l’information, Hermès.

250 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 60.

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experiência de toque e a sensação de textura. Lévy confirma Hernández ao admitir que

«a recepção de uma mensagem pode pôr em jogo várias modalidades perceptivas». Um

jornal tanto é lido como tocado, já uma película cinematográfica exige do espectador a

visão e a audição, enquanto nas realidades virtuais todos os sentidos podem ser

convocados (sobretudo a visão, a audição e o tacto), bem como a cinestesia251

. A

convenção ausenta-se desta nova forma de aproximação (distanciada) das colecções à

sociedade. A Internet poderá ser o lugar de transição entre a publicitação das obras e a

sua contemplação presencial pelo indivíduo no espaço museológico. Apesar de se lidar

com «substitutos da realidade», a hipótese de vivenciar esse património não é falsa, mas

antes motivadora.252

O ciberespaço trouxe consigo o mundo virtual [que disponibiliza informação

«num espaço contínuo – e não em rede (…)», explica Lévy, no qual o indivíduo se sente

fisicamente absorvido] e a informação em fluxo. O ciberespaço – ao contrário da

televisão, da rádio ou da imprensa – permite que todos os membros da comunidade

acedam à mensagem e possam redarguir. Todos são emissores e receptores activos,

mesmo que espacialmente desencontrados, e todos podem participar na construção de

um «contexto comum». A este sistema de comunicação, Lévy chamou dispositivo

todos-todos (do qual pode ser exemplo a World Wide Web, estando nos sítios da Internet

radicada a «forma mais comum de tecnologia persuasiva hoje em dia», constatou Fogg

em Persuasive Technology), enquanto nos meios tradicionais vigora o um-todos. Neste

âmbito, a probabilidade de mutações culturais e comportamentais é elevada e ultrapassa

a simples combinação de discursos textuais, imagéticos ou sonoros e que na sua opinião

distorcem a definição de multimedia.253

As tecnologias compreendidas pelo ciberespaço interferem nas funções

251

Termo do âmbito da fisiologia para designar o «sentido da perceção de movimento, peso, resistência e

posição do corpo, provocado por estímulos do próprio organismo». Mauro de Salles Villar (Dir. de

projecto), Dicionário do Português Atual Houaiss, 1.ª ed., Lisboa, Círculo de Leitores, 2011. (Edição

portuguesa.)

252 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 61.

253 Neste ponto, Lévy chama a atenção para o esclarecimento do conceito de multimedia.

Etimologicamente, multimedia (termo de origem inglesa) dizia respeito à utilização de vários suportes de

difusão de informação ou veículos/meios de comunicação. (A definição apresentada pelo Dicionário do

Português Atual Houaiss, atendendo à origem do termo, concorre para esta descrição.) Aquilo que Lévy

observou foi a sua confusão com «multimodalidade» e «integração digital». Pierre Lévy, op. Cit., pp. 65-

68.

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cognitivas dos indivíduos expondo-as, alterando-as e estimulando-as. Lévy refere-se à

«memória (bases de dados, hiperdocumentos, ficheiros digitais de toda a ordem),

imaginação (simulações), percepção (receptores digitais, telepresença, realidades

virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenómenos complexos)».

Por seu turno, B. J. Fogg reúne nas tecnologias interactivas três funções primordias: a

de ferramenta, a de meio e a de actor social. Eficiência, capacidade de simplificação e

de organização, realização de operações «que seriam virtualmente impossíveis sem

tecnologia» desenvolvem a primeira incumbência da «tríade funcional». Mas é como

meios (ou media) que se têm distinguido. O upgrade do software (em inevitável recurso

à gíria informática, cada vez mais naturalizada em qualquer idioma), ainda de acordo

com Fogg, conhece dois caminhos de veiculação de informação. Um: com o recurso a

símbolos por meio de «textos, gráficos, tabelas, e ícones». Dois: sensorial – que acode

aos atributos do «áudio, vídeo, e (raramente) até sensações olfactivas e tácteis». É neste

último âmbito que a realidade virtual e outros ambientes de simulacro se enquadram.

Enquanto elemento (do) quotidiano, a convivência com este tipo de máquina

ultrapassou a condição robótica. Os indivíduos comportam-se frequentemente como se

ela (a máquina) fosse a sua colega de trabalho ou a sua companheira na vida privada.

Reagem emocionalmente, dialogam, fazem-se acompanhar dela sempre que a

portabilidade o permite e sentem a sua ausência quando a isso se vêem forçados.

«Acordar», «dormir», «morrer» são vocábulos que a relação afectiva com produtos-

criaturas-seres-entidades vivas foi incorporando. Humaniza-se a tecnologia (cada vez

mais móvel, atractiva e intuitiva) para criar relações de confiança e isso determina a

forma como o indivíduo interage com o passado, com o objecto musealizado, a forma

como pode conhecê-lo e empatizar com ele. O que se pode repercutir no enredo

museológico: museu, informação/acervo e público são regulados e influenciados por

outra realidade, aquela que começa antes de entrar no espaço privilegiado da história,

podendo começar a interagir com esta a partir de casa, preparando-se previamente.

Como que experiências preliminares e parciais, intentadas a cumprir essa acção

efectivamente. Este outro espaço proporciona, por um lado, alternativas no acesso à

informação («navegação hiperdocumentária, caça à informação por meio dos motores

de busca, knowbots ou agentes de software exploração contextual por meio de mapas

dinâmicos de dados [sic]»), apoio de cariz social; e, por outro, novos mecanismos de

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raciocínio.254

Conhecer passou a exigir pensar de outras formas, nomeadamente pelo

simulacro.

Esta nova acepção de experiência e de busca de conhecimento persegue

objectivos valiosos e que não estão desfasados do portento dinamizador de um museu

local/regional. Diz Lévy que a prioridade desses instrumentos residia na valorização da

cultura, das competências, dos recursos e dos projectos locais, «para ajudar as pessoas a

participarem nos colectivos de entreajuda, em grupos de aprendizagem cooperativa,

etc.» Escopo: auxiliar na autonomização das comunidades, qualificando-as, bem como

as regiões onde se encontram (com particular efeito nas mais desfavorecidas), dotando-

as de mecanismos de preservação das suas tradições e saberes locais e regionais.255

Sociedade, informação, comunicação e tecnologia foram os códigos que incitaram Lévy

a reformular a divisa da Revolução Francesa em adequação à revolução que medrava no

século XXI: «Na era dos media electrónicos, a igualdade realiza-se na possibilidade de

cada um emitir para todos; a liberdade objectiva-se através de software de codificação e

um acesso transfronteiriço de múltiplas comunidades virtuais; a fraternidade, enfim,

transparece na interligação mundial».

2.2.4. Meios de comunicação frios e meios de comunicação quentes. Museus frios e

museus quentes

Marshall McLuhan foi quem iniciou a discussão sobre meios de comunicação

quentes e frios, directamente relacionados com a quantidade de informação e com o

grau de participação do indivíduo. Aos meios quentes está associada a efervescência de

informação que se plasma na quase inércia do indivíduo. Isto é, elevada saturação de

dados minimiza a intervenção do indivíduo, ao contrário do inverso. Por seu turno, nos

meios frios, o indivíduo tem de recorrer a meios complementares de informação (de

significação) que lhe permitam descodificar a mensagem. O cinema, a fotografia e a

rádio, identificados com o primeiro; e o telefone, a televisão e a banda desenhada,

exemplos do segundo, ilustram esta distinção.

O facto é que a comunicação é omnipresente e a variação da quantidade de

informação é notada em qualquer área, sobretudo quanto maior for o seu papel

comunicativo. Por que não falar igualmente em museus quentes e museus frios, como o

254

Idem, pp. 167-168.

255 Idem, p. 261.

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fez Hernández? Se o museu dá toda a informação, o visitante pouco terá de se esforçar.

É previsível a atitude, e é uma situação quente. Pelo contrário, o frio, até

climatericamente falando, impele à acção para que os corpos não arrefeçam. O mesmo

acontece no museu. Ao contrário do museu quente, o museu com informação racionada

exigirá do público maior participação e interacção, promoverá maior comunicação e

eventualmente criará espaço para a criatividade a fim de que a informação necessária

seja coligida.256

No mesmo correr de tempo, descobre-se património e cria-se património.

Património variado (da técnica à estética), complexo (de procedimentos científicos à

filosofia da arte), e rico em toda a multiplicidade que atrai a atenção de classes mais ou

menos formadas, e mais ou menos despertas para a sublimidade. A voluptuosa carga

informativa, ingratamente comprimida pela falta de meios próprios de compreensão da

mesma por parte dos indivíduos, justifica a inevitabilidade manifestada por Hernández:

«Que necessitamos de novas formas de linguagem para comunicarmos com os museus é

algo evidente, porque também os museus usam diferentes linguagens para entrar em

comunicação com os visitantes». Observe-se, contudo, que classificar um museu como

quente ou frio não é linear nem segue esquemas padronizados prontos-a-usar. A sua

classificação varia de acordo com todos os factores – sociais, políticos, psicológicos,

culturais, ambientais – que influenciam o meio onde se encontra, mais a familiaridade

do sujeito com as novas formas de comunicação, que poderão condicionar a

interpretação da mensagem que o destinatário recebe. O que para uns é um museu frio

para outros pode ser quente, e essa variabilidade depende dos códigos de análise e da

vivência de cada um, para a qual a «museologia aberta» alerta.257

«O meio é a mensagem» é a tese de McLuhan. Num tempo e num espaço

embevecidos pela electrónica, isto «significa que já se criou um ambiente totalmente

nôvo [sic]».258

Os meios de comunicação introduzem novos hábitos, também de

percepção. Armam-se novos ambientes que absorvem os meios anteriores e

«reprocessam-os» – como acontece com o cinema, reprocessado pela televisão. A

mensagem que decorre da introdução e utilização de um meio ou tecnologia está

presente nos efeitos (alterações de comportamento, padrões, etc.) que esse meio ou

256

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 61.

257 Idem, pp. 62-63.

258 Marshall McLuhan, Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (Understanding Media),

10.ª ed., São Paulo, Editora Cultrix, 1995, p. 11.

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tecnologia provoca na acção humana. «O “conteúdo” de qualquer meio ou veículo é

sempre um outro meio ou veículo»259

, sucessivamente. McLuhan explica que «o

conteúdo da escrita é a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa e a

palavra impressa é o conteúdo do telégrafo». A comunicação gera comunicação. A

complexificação da sociedade é sorvedora de comunicação, o que obriga o homem a

fazê-lo (comunicar), mas também a simplificar o que a comunicação complexifica. O

homem evolui (a progressão é já discutível) e, como sua directa descendente, também a

comunicação acompanha o seu estádio para responder às suas próprias exigências. Mas

reserve-se a necessidade de simplificar aquilo que o próprio homem cria e comunica.

Teóricos como McLuhan, envolvido pela transtornadora realidade da «aldeia

global» e da cultura de massas, e Benjamin, atormentado pelo definhar da

experiência260

, revelam uma perspectiva desmotivadora sobre a tecnologia (e sobre o

mundo moderno) e a herança cultural. Para eles, agressiva, desumanizante e capciosa (a

tecnologia), descrevem uma realidade destrutiva e catártica, nomeadamente com a perda

do valor da tradição. São teóricos da decepção. Temem pela tradição e pela experiência.

Benjamin, confessando-se em «O Narrador», lamentava «a comunicação da experiência

ser cada vez menor». Ainda que referindo-se à narração oral, à tradição oral de contar

histórias, não é vã tal preocupação. Como tratar o passado? Como preservá-lo? Como

experienciá-lo, hoje? Não será o museu resposta a estas perguntas? Serão eles os

guardiões da aura dos objectos, da sua singularidade e autenticidade (eternamente

duelando com a reprodutibilidade técnica, dependendo dela e sendo ameaçada por

ela)261

? A vivência na modernidade (entenda-se modernidade no sentido de recente) era,

para Benjamin, uma realização sem experiência, e por isso uma não-realização, sem

vida. Há o desencantamento e a não-magia. O ensaísta, e também sociólogo, germânico

aponta a técnica como destruídora da linguagem e das relações/trocas sociais, pois a

experiência contemporânea tem-se rendido à efemeridade.

Segundo Jorge Glusberg262

, e considerando o panorama da contemporaneidade

259

Idem, p. 22.

260 «(…) A experiência está em crise e assim continuará indefinidamente.» Walter Benjamin, «O Narrador.

Reflexões sobre a obra de Nikolai Lesskov» in op. Cit., p. 28.

261 Ver notas de Vítor Serrão: «O conceito de Aura em A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade

Técnica» (2011) sobre o ensaio de Walter Benjamin.

262 Jorge Glusberg foi director do Museo Nacional de Bellas Artes, de Buenos Aires; e co-fundador do

International Committee of Architectural Critics, bem como do Centro de Arte y Comunicación CAYC,

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da obra de Hernández, a tese de que o museu «é uma estrutura que armazena uma série

de mensagens» tem vingado. São certas as suas funções primitivas – a armazenadora

(quantitativamente) e a conservadora –, mas o antigo director do Museo Nacional de

Bellas Artes de Buenos Aires considera que «“o denominador comum”» é

«“proporcionar signos”. As estruturas semióticas que se encontram armazenadas no

museu não são senão “simples sistemas de signos” que proporcionam uma vasta

informação a todos aqueles que têm acesso a ela e que possuem a capacidade de poder

interpretá-la»263

. Se se encarar o museu numa perspectiva transgressora da realidade

material que alberga, ou seja, vendo-o como signo ou mensagem, a comunicação ganha

outra elevação. O termo museu continua a produzir conotações de tipo convencional: a

de instituição majestática, quase sacralizada por alguns, que uma época e cultura

produziram, com a função específica de expor colecções. Porém, e é claro para

Hernández, o seu interior reserva uma infinidade de signos «que o destinatário tem de ir

descobrindo progressivamente». Esta é a imagem do museu como significante.

Sucede que o museu não se confina a um ponto de partida para conteúdos, é

também resultado e significado de uma estrutura relacional mais alargada e intrincada.

É «uma parte do “sentido global de uma sociedade”, que foi criado seguindo modelos

culturais concretos», como sublinha a investigadora. Já como mensagem, esta

instituição tem-se tornado num organismo cada vez mais desperto para a utilização de

«todos os canais de informação, seja a crítica, os mass media ou a informação digital,

com o propósito de fazer chegar o seu conteúdo a toda a sociedade». A Semiótica, aliada

à Museologia aberta e crítica, realçará dois aspectos fundamentais: as origens e as

consequências dos museus. O intuito é o de clarificar as motivações socioculturais que

estão na base da criação de museus; e em segundo, perscrutar as suas repercurssões na

sociedade «por meio da transmissão das suas contínuas mensagens».264

A estratégia semiótica alvitrada por Francisca Hernández Hernández tenta ir ao

encontro da clareza das palavras de Glusberg: a aposta na criatividade, repetida várias

vezes de acordo com a tendência das teorias com que se foi deparando; o cuidado com a

linguagem, que procura reajustar-se à forma do presente, ao tipo de comunidade com

que convive, às suas idiossincrasias culturais, às novas gerações, aos gadgets, tornando-

em Buenos Aires. 263

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 63.

264 Idem, p. 63.

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se mais diversificada; e a abertura a considerações pessoais em resposta ao estímulo

dado pelo objecto. Além de informativo, o museu tem de ser comunicativo. Mário

Chagas imputa-lhe o dever de discursar de forma «“clara”» e «“compreensível”» porque

o homem vai ser confrontado com ele próprio em contextos invulgares, em

representações, em outras realidades; vai ver a mudança, a transformação, o ontem, o

agora. E aconselha imperativamente o reforço «“de um carácter social e educativo”».265

«Afinal, o museu é um dos locais que nos proporcionam a mais elevada ideia do

homem»266

, remata este final de capítulo André Malraux em O Museu Imaginário.

265

Mário Chagas e «Um novo (velho) conceito de Museu» apud Daniella Rebouças Silva, op. Cit., p. 79.

266 André Malraux, op. Cit., p. 12.

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PARTE 2

A MUSEOLOGIA VISTA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

E DO PRELÚDIO DO XXI E OS MUSEUS D(e)O

INTERIOR PORTUGUÊS

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CAPÍTULO III | A Nova Museologia: missão, serviço e pedagogia

3.1. A Nova Museologia como novo paradigma

«O novo museu apoiado sobre a sua tripla base territorial, comunitária e patrimonial pode (e

deve) libertar o espírito crítico, trazer informação contextualizada, promover a utilização de

competências, utilizar a cultura viva como contrapeso da cultura dominante.»267

A sociedade ocidental, revirada pela industrialização, foi, na fase que se lhe seguiu,

agraciada por uma forte presença das Humanidades. O museu como instrumento

congregador e empático do espírito das Ciências Sociais e Humanas assumiu uma

importância determinante na sociedade emergente, com um campo de actuação mais

alargado e novas responsabilidades. Para trás ficava o panejamento sombrio que

Theodor W. Adorno fazia cair sobre o museu dos anos sessenta. O «mausoléu» de

Adorno268 – o museu tradicional – era o ponto de partida para a discussão sobre a

vocação do museu.269 É na nova mise-en-scène que surge como instituição (pesando o

espectro da autoridade do próprio termo e do perfil burocrático, inerte e de dialecto

monocórdico com o qual é identificado270

) influente na sociedade e na comunidade em

que se insere, quando são a cultura (e nela o património material e imaterial) e o

desenvolvimento ferramentas de responsabilidade social. A sentença de que o museu é

uma instituição majestática com a função singular de expor vem sendo diluída.

267

Varine chama-lhe «museu libertador». Hugues de Varine-Bohan, «Quelques idées sur le musée comme

institution politique» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier

Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

2007, p. 10.

268 A respeito de museu, Adorno esclarecia pesadamente que «“a palavra alemã museal [próprio de museu]

tem conotações desagradáveis. Descreve objectos com os quais o observador já não tem uma relação vital

e que estão em processo de extinção. Deve mais a sua preservação a motivos históricos do que às

necessidades do presente. Museu e mausoléu são palavras ligadas por algo mais do que a associação

fonética. Os museus são sepulcros materiais das obras de arte». Luis Alonso Fernández, Introducción a la

nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza Editorial, 2002, p. 36.

269 «Um museu tradicional é um cofre-forte onde são guardados como tesouros os elementos do

património, que morreram porque perderam o seu significado, a sua utilidade, o seu valor (excepto para o

cientista que faz escolhas subjectivas em função dos seus conhecimentos ou do seu gosto). Isto aplica-se

também a muitos monumentos. (…) O museu deve tornar-se aqui um centro de recursos, um laboratório

económico, técnico e cultural para a gestação destas soluções no contexto deste desenvolvimento que se

quer “sustentável”.» Hugues de Varine-Bohan, op. Cit., pp. 11-12.

270 Ver Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, Museo local: la cenicienta de la cultura,

Biblioteconomía y Administración Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008, p. 197.

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O museu é um espaço estimado e inspirador para pensadores, estudiosos e criadores

(filósofos, antropólogos, escritores, artistas, entre outros). O poder271

do museu reside

no poder das suas peças e, convenha dizer-se, na raridade de muitas delas (e, bastas

vezes, também no próprio edifício). Nesta «entidade especialíssima e insubstituível»

encontra-se, por um lado, a aura que Walter Benjamin glorifica e que a vê presente no

«objecto-museu» e, por outro, a transcendência do convencionalismo que o caracterizou

durante um largo período. O «museu da obsessão» (expressão de Bernard Deloche)

aquieta-se para se apresentar como «“estrutura descentralizada ao serviço do património

de uma comunidade», segundo Marc Maure, já sob o ímpeto da Nova Museologia.272

Um agente de «mobilização» do património e de inclusão da comunidade, cujos

pertences humanos são seres actuantes – actores, como se vem multiplicando nos vários

discursos – num sentido prospectivo. Sendo que o museu, como paladino da mudança

na museologia, servirá também para beneficiar as comunidades e os indivíduos per se,

«com um objectivo de desenvolvimento local, isto é, olhando para o futuro e não para

um culto do passado, do belo, do excepcional»273.

Mário C. Moutinho acrescentaria que o museu é um trunfo para a

consciencialização dessas comunidades não só do seu passado – ao interpretá-lo –, mas

também da sua contemporaneidade e dos problemas apostos – esclarecendo o presente –

; e para incluí-las nas «mudanças estruturais contínuas», a nível global, e nas mudanças

específicas à medida das suas realidades (locais, regionais e nacionais), preparando o

271

O «“antigo”» e o «“velho”» eram (ou, ainda sejam, em alguns casos ou lugares ou pessoas) sinónimos

para museu. A ele lhe remetiam, também, adjectivos como «“precioso, raro e curioso”», que, na anterior

concepção museológica e segundo esse tipo de pensamento (popular), se agrupavam numa forma de

dominação. Ora, de acordo com Mário Chagas, em Museu: coisa velha, coisa antiga, assim se exerceria

«a dominação sobre o tempo (supostamente dominável), sobre o espaço, sobre a riqueza, sobre os

segmentos sociais não dominantes, aos quais é dado o direito de aplaudir». In Judite Primo, «“O Sonho

do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem museográfica» in Mário Moutinho

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Museologia: Teoria e Prática, vol. 16, n.º 16, Lisboa,

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 1999, pp. 104-105.

272 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 12.

273 Hugues de Varine-Bohan, op. Cit., p. 9. Na opinião de Guillot-Courteville, «as pessoas gostam

sobretudo de ver no museu uma referência tranquilizadora do passado». Julie Guillot-Courteville, «Le

musée, forum de citoyenneté, entre opportunisme et utopie» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de

Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade

Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 260.

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futuro.274 «“Enquanto os museus são tradicionalmente conhecidos pelas suas colecções,

um número crescente está a desempenhar um papel determinante em lidar com questões

sociais que preocupam as nossas comunidades no sentido de contribuir para o seu

desenvolvimento”», completa Alissandra Cummins, Presidente do Conselho

Internacional dos Museus (The International Council of Museums – ICOM) entre 2004

e 2010.275

A história do museu tem acompanhado a forma como o património é percebido e

valorizado. As elites iluminadas do século XVIII – estimuladas pela transformação

política, ideológica e social sufragada pela Revolução Francesa de 1789 – reconhecem

que a arte é ofício do povo, e que, por isso, também por ele deve ser contemplada. O

museu passa a ser reconhecido como «instituição pública e patrimonial»276. O acesso

274

Mário C. Moutinho evocava, assim, a discussão da Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972.

Mário C. Moutinho, «Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 41.

275 Jehanne Fabre, «Report on International Museum Day 2007» in ICOM News Magazine, vol. 61, n.º 1,

ICOM – International Council of Museums, 2008, p. 12.

276 Luis Alonso Fernández, op. Cit., 13. As colecções privadas passam a integrar uma nova dimensão – a

de património universal e a de «memória colectiva» – que deverá ser apresentada a todos porque a todos

dirá respeito e, como tal, assumirá novamente um «carácter de tesouro sagrado». Ver, também, Francisca

Hernández Hernández, El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y

Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998, p. 68. Grécia, Crotona mais

concretamente, no século VI a. C. (Luis Alonso Fernández aponta para V a. C.), e o Templo das Musas

(edifício principal do instituto pitagórico, refere Mário Chagas) são as coordenadas biográficas do seu

nascimento. Terminologicamente, museu evoluiu do mouseion grego, preso ao encantamento das musas

descendentes da «união celebrada entre Zeus (identificado com o poder) e Mnemósine (identificada com

a memória). Até aqui, Chagas admite a recorrente ressurreição da sua cédula de nascimento. Pretende, por

isso, ir mais longe. Se se identifica imediatamente o museu com a memória, também poder é um

substantivo a relevar, emparelhado com o anterior. «Pode-se reconhecer, ao lado de Pierre Nora (1984),

que os museus vinculados às musas por herança materna (matrimônio) são “lugares de memória”; mas

por herança paterna (patrimônio) são configurações e dispositivos de poder [sic]. Assim, os museus são a

um só tempo: herdeiros de memória e de poder. Estes dois conceitos estão permanentemente articulados

nas instituições museológicas.» Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de

Sociomuseologia – Museu e Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2002, p. 62. Para o restante percurso do museu, Fernández esboça,

sinteticamente, as seguintes etapas: das musas gregas se chega ao «centro científico e universal do saber»

alexandrino; regressam, depois, as musas e adiciona-se a versão romana da escola filosófica; é, depois,

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generalizado à cultura e às artes é o prenúncio da sua massificação e de um rol de

preocupações, atendendo aos novos participantes nesta área. O século XIX vem

proporcionar a convivência entre a tradição, o debate e a experimentação, confrontando-

se com uma «instituição essencialmente disciplinar (arte, ciência, técnica, etc.)», que é o

museu contemporâneo, diz Fernández. Cabe ao presente a forte discussão sobre a

essência do museu em resposta a uma sociedade modificada, e, mais do que isso, em

permanente mudança. Que tombaria um século e tanto (século XVIII e parte do século

XIX) de museus, artes e monumentos chamados a «um tríplice papel: educar o

indivíduo, estimular o seu senso estético e afirmar o nacional», de onde ausentavam os

«“bárbaros” e os “escravos”».277 Uma instituição dedicada à reserva do património e da

cultura, como é o caso do museu, deverá agora assumir uma atitude de serviço público,

educando o espírito e o sentido crítico? O que está, então, na base da mudança de perfil

do museu (naquela segunda metade do século XX) e como se deverá comportar?

No diálogo com o leitor, as questões que Fernández faz desdobram-se da seguinte

forma:

– «Qual será o seu âmbito disciplinar num futuro próximo, que materiais ou objectos

poderão ou deverão ser reunidos»?

– «Todos os que reúnem estarão obrigados a expô-los e difundi-los, conservá-los e

apresentá-los como válidos e interessantes para o público, e de que modo se fará»?

– «Que funções essenciais se prevêm, numa sociedade cada vez mais ávida em decifrar

e estreitar as relações entre o património e o território e a sua comunidade»?

– «Deverá, inclusivamente, o museu reciclar – senão romper com eles – os papéis

habituais de sagrada entidade conservadora e distante que vem exercendo em favor de

tempo do «museu-colecção» do Renascimento e do Barroco, chegando à abertura, em esfera iluminada,

do conceito de «museu público» (século XVIII). O que poderia resultar, parafraseando Chagas e Cristina

Bruno, em acervos e colecções tendencialmente etnocêntricos, «personalistas», possessivos que se julgam

proprietários do tema e das coisas e dos seus factos, em toda a sua compleição e perspectiva. Isto

considerando «o ideal iluminista de propriedade pública de patrimônio cultural», que, no extremo, e ao

que Chagas designaria de «atitude preservacionista [sic]», se imporia com «propriedade individual sobre

o bem cultural». Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos

entrelaçados» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A

Qualidade em Museus, n.º 25, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, p.

17. Daí a questão: Onde está a linha que separa o espaço público e o espaço privado?

277 Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in op. Cit., pp. 50-51.

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uma proximidade informativa e comunicativa com a comunidade»?278 Ao que Varine-

Bohan responderia com uma concepção de museu sob três frentes: o museu libertador,

o museu educador e o museu criador.

A introdução a este capítulo responde à primeira valência, a de libertação.

Educador porque é confrontado com a mudança, parafraseando o antigo director do

ICOM entre 1965 e 1974, devendo saber geri-la, e, por conseguinte, a informação e o

saber. É assim responsável pela criação e adaptação de ferramentas para que as

comunidades e seus elementos possam participar nesse processo evolutivo. Se essa

transformação traz novas técnicas e linguagens, (o museu) é também responsável por

enquadrar os indivíduos, capacitá-los para as compreender e por torná-los capazes de

intervir individual e colectivamente no presente e na sua descendência. E, ainda, como

salienta Varine-Bohan, «principalmente para desenvolver o seu próprio espírito

crítico».279 Por fim, criador, para se proteger da mudança que o ambiente em seu redor

inflama, isto é, para responder, internamente, ao apelo de outros focos de atracção. E,

aqui, Varine-Bohan destaca a criatividade e a iniciativa como valores necessários nos

indivíduos e em todas as áreas (do campo científico ao técnico e artístico).

Diversificando-se e apresentando novas, reformuladas e adaptadas propostas, e

encorajando a comunidade para a valorização patrimonial e, também, para a sua

participação local espontânea.280

Percebem-se diferentes silhuetas para o museu. Do «paradigma ideal da imagem

representada formulada por André Malraux no seu museu imaginário da arte universal»,

à tentadora atracção pela tecnologia (a informática, a interactividade e o mediatismo),

combinam-se novas acepções de museu, a saber, «museu electrónico» e «museu

virtual».281 A segunda metade de Novecentos vai desamarrando-se da ideia de

inacessibilidade com que o chamado museu-armazém se defendia. Encontram-se,

presentemente no espaço museológico, três competências que antes não eram seu

apanágio: a formação, a experimentação e o serviço público, às quais se acrescentam a

adaptabilidade e a mudança como elementos inegociáveis. É o «museu organizado, vivo

e didáctico» que desempenha também a função de arquivo, e revela um lado

experimental ao ser apresentado como museu laboratório. Depois destas observações,

278

Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 15. 279

Hugues de Varine-Bohan, op. Cit., p. 10.

280 Cf. Idem, p. 11.

281 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 15.

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Fernández conclui que «na segunda metade do século que termina [XX], o museu

converteu-se, assim, tanto num meio como num fim de acção cultural, quando a verdade

é que essencialmente – e parece que reivindica consenso geral entre os museólogos – é

um meio, um instrumento ao serviço da comunidade e do património: o estudo e

investigação deste, a sua salvaguarda e difusão constituem o autêntico fim das

instituições museológicas»282

. Citando Tomislav Šola, Fernández aponta quatro aspectos

que definem o museu dos finais da década de 1990: (i) «“potencial de informação e de

comunicação”», (ii) «“capacidade técnica”», (iii) «“pessoal especializado”» e (iv)

«“programa museológico”».

Questionava-se, na altura, se – decorrente da profunda transformação no

indivíduo social – o entendimento do património conduziria a um desprendimento

relativamente à utilidade do museu no sentido de interpretar e de representar a herança e

a memória do colectivo. Uma espécie de autonomia que fez questionar o

desaparecimento do museu convencional. Marc Maure defendia categoricamente o

museu como «expressão e instrumento do processo de identificação»283

. Apenas no pós-

II Guerra Mundial, a museologia e a museografia encontram as suas mais rigorosas

definições, para as quais o ICOM tem contribuído, sobretudo a partir dos finais dos anos

sessenta, bem como museólogos e especialistas. Não menos decisiva foi a crise

económica, social e cultural dessa década – questionaram-se valores e redefiniram-se

padrões de vida (Maio de 68) – para o desenvolvimento do museu e da museologia. A

Nova Museologia torna-se consistente no início da década de 1980 e revela um carácter

mais antropológico e social que perpassa para o museu.284

282

Idem, p. 16.

283 Idem, p. 16.

284 Para tal contribuíram a Declaração do Rio de Janeiro de 1958, que estreia, em concílio, o exame, a

avaliação e a crítica do «papel das exposições nos museus, a importância dos museus como recursos

educativos e um novo entendimento do objecto museológico». A Mesa Redonda de Santiago do Chile

acontece em 1972, embalada pelo trabalho da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO), no âmbito do

binómio património e sociedade e pela elevação do museu (entendido como entidade abstracta e

universal) a tema de questionamento resultante do movimento Maio de 68 dentro da roleta de reacções da

sociedade (sentindo-se) apátrida. Procuraram-se novos rumos no vórtice do ambiente frenético de

contestações, ideais, projectos e mudanças. Esta Mesa Redonda pare, assim, «um documento, de todos o

mais inovador e da maior importância para a museologia, ao apelar a uma acção museológica

comprometida com questões sociais, económicas, educativas e políticas. Alerta para o papel político do

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O museu (e a museologia) entrava(m) na fase da redescoberta do seu carácter –

rebelde por não se condescender ao estado de exclusiva observância do objecto, é

desafiado a conhecer e a integrar o seu visitante (conterrâneo ou não) – e das suas

possibilidades de desenvolvimento. «“A museologia é ainda ‘o estudo da história e do

contexto dos museus, do seu papel na sociedade, dos sistemas específicos de

investigação, conservação, educação e organização, da relação com o meio ambiente

físico e da classificação dos diferentes tipos de museus?’”» À sua própria questão, Peter

van Mensch responde, sentenciando, que «“o museu não é o que era”».285

Após 1945,

van Mensch observa o museu como uma instituição mais focada na comunidade do que

no objecto; observa o alargamento do seu âmbito de actuação, a tendência para a

conservação in situ e a sua conceptualização, a existência do «museu descentralizado»,

a gestão mais racional desse organismo e a musealização de instituições culturais e

comerciais.

No entanto, para este cientista da museologia, assistir-se-ia a uma reforma a dois

tempos (ou «revoluções»). O primeiro acto, no final do século XIX, «com a criação de

organizações profissionais, códigos de ética e associações de amigos de museus, entre

outros fatores, além de profundas alterações na linguagem expositiva; adotando a

“limpeza” visual e possibilitando a observação da singularidade dos objetos, ao invés

dos espaços atulhados até então [sic]». O segundo acto residiria na «New Museology,

fruto do rompimento com a idéia de coleção como base dos processos museológicos e

museólogo e o reconhecimento da importância do cidadão em todo o processo de preservação,

entendimento e divulgação do património cultural». Judite Primo, «Documentos Básicos de Museologia:

principais conceitos» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier

Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

2007, pp. 124-125. Nota: Judite Primo é professora de Museologia na Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, Lisboa, Portugal. O ano de 1984 regista a formalização e o entrosamento

gradual dos novos objectivos e, sobretudo, do novo entendimento do museu de si próprio – de uma nova

forma de conceptualizar a museologia e a acção do museu – resumindo-se no reconhecimento da

expressão Nova Museologia, com a Declaração de Quebeque. Também em 1984, (da Declaração) de

Oaxtepec, o museu projecta o seu novo plano, repartido em três dimensões congregadoras entre si –

património, território e população –, «e, pela primeira vez refere o Ecodesenvolvimento». O Movimento

Internacional para uma Nova Museologia (MINOM) surge em 1985; e, em 1992, a Declaração de Caracas

vem «actualizar os conceitos do documento da Mesa Redonda de Santiago do Chile». Judite Primo

«Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos», p. 125.

285 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 54.

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da organização dos museus [sic]» que se perfila.286

A Nova Museologia teve vários contributos e aplicações, desde Benoist a Mills e

Grove, de Desvallées a Vergo. Van Mensch justifica o assentamento do significado pela

popularidade, em França, do capítulo de uma enciclopédia da autoria de George Henri

Rivière, onde Desvallées empregaria a expressão, e com a qual os museólogos

desligados de práticas curatoriais obsoletas viriam a identificar-se. «Van Mensch chama

a atenção, assim, para a relação entre Nova Museologia e experimentação social na

idéia de Desvallées.[sic]» Esta fusão alenta as premissas da M.N.E.S. e do International

Movement for a New Museology (MINOM). «Ambas as organizações reivindicam que

a interpretação para o termo Nova acarrete mais que inovações teóricas ou práticas, uma

tomada de novas atitudes: novas funções para os museus e novos papéis para os

museólogos.»287 De acordo com van Mensch, conta Manuelina Cândida, o carácter

experimental associado à Nova Museologia desenvolver-se-ia nos seguintes exemplos

museológicos: «os museus integrados, os museus comunitários, os museus de bairro e

os ecomuseus».

Numa interpretação não menos próxima, em 1970, o ICOM definia museologia

como «“a ciência do museu; [que] estuda a história e a razão de ser dos museus, a sua

função na sociedade, os seus peculiares sistemas de investigação, educação e

organização, a relação que mantém com o ambiente físico e com a classificação dos

diferentes tipos de museus”»288. Por sua vez, e em comunhão com a definição anterior,

Georges Henri Rivière289 entendeu-a como «“...uma ciência aplicada, a ciência do

museu. Estuda a história e a função na sociedade, as formas específicas de investigação

e conservação física, de apresentação, de animação e difusão, de organização e

funcionamento, a arquitectura nova ou reabilitada, os locais admitidos ou seleccionados,

a tipologia, a deontologia”»290. «“Laboratório de experimentação social”», de Rivière

286

Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria

Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, vol. 20,

n.º 20, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2003, p. 37.

287 Idem, p. 38.

288 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 20.

289 Georges Henri Rivière, um dos fundadores da museologia moderna, criou, com J. Chaucey Hamlim, o

International Council of Museums (ICOM), estreando o cargo de director (entre 1948 e 1966) daquele

organismo. 290

Luis Alonso Fernández, op. Cit., pp. 20-21. Em relação à palavra «reabilitada», Fernández dá a

indicação de que Georges Henri Rivière utiliza, no escrito original, o termo francês muséalisée, isto é,

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(anos Setenta), ou «“espelho onde a sociedade se conhece a si própria”», de Varine-

Bohan (anos Oitenta), são exemplos de algumas definições que se vão assomando,

empenhadas numa relação real (concreta) com o Homem.

Para Cristina Bruno, «as instituições museológicas chegaram ao final do século

XX como autênticas trincheiras de apreciação e interpretação da realidade, exigindo e

permitindo um “tempo de fruição” especial, o qual não é para ser confundido com os

outros tempos de meios de comunicação contemporâneos».291 A Nova Museologia criou

um novo paradigma, uma nova forma de o visitante-espectador ver o museu e de o

museu se ver a si próprio. A forma como se trabalha o museu (aquilo que se expõe e

como se expõe) é consertado com o factor social, com a comunidade, e, por isso, ao

museu se confia uma posição de intermediário entre o objecto (e o seu histórico), o

exposto e a comunidade que o visita, que o acolhe, que contribui para a sua existência.

Situação que não se verificava no museu tradicional, sem prejuízo de uma das suas

primeiras («e sagrada[s]», termo de Fernández) funções, a de conservação.

A parte comunicacional era também integrada nesse desempenho literalmente

mais conservador, mas sempre acautelando a função essencial neste sentido. Como tal, a

Nova Museologia é uma ciência de acção que se faz notar por meio da exposição (da

técnica museográfica) – espaço privilegiado dos objectos, e da «difusão, [d]a

comunicação e [d]o diálogo com a comunidade».292

Com uma orientação cada vez mais

antropológica e sociocultural. Com ela (a Nova Museologia ou museologia social, como

refere Isabel Victor), o léxico estende-se a expressões e conceitos como processo,

«musealizada».

291 Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museology as a Pedagogy for Heritage» in Cristina Bruno, Mário

Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 138. Nota: Maria Cristina

Oliveira Bruno é museóloga e Professora Associada na Universidade de São Paulo e Professora no Museu

de Arqueologia e Etnologia.

292 A museografia materializa – por meio de princípios, normas e técnicas especializadas – a teoria

museológica. Para a museografia, o museu é o objecto onde se intervém e mexe; para a museologia, o

museu é o objecto pensado. Em 1970, o ICOM referia a museografia como «a técnica que expressa os

conhecimentos museológicos no museu. Debruça-se especialmente sobre a arquitectura e o ordenamento

das instalações científicas dos museus». Já em 1958, Georges Henri Rivière distinguira museologia como

«a ciência que tem como objectivo estudar as funções e a organização dos museus», enquanto a

museografia se apresentava como «o conjunto das técnicas relacionadas com a museologia». Luis Alonso

Fernández, op. Cit., p. 26.

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comunidade, participação, território, desenvolvimento e cidadania.293

Da Nova Museologia diz-se «fenómeno histórico existente objectivamente,

sistema de valores, ciência pura e aplicada, com diferentes práticas, conteúdos

pluridisciplinares, consciencialização da comunidade, diálogo entre indivíduos, sistema

aberto e interactivo consagram-na com o perfil mais idóneo dentro do novo paradigma

de acção e democracia sociocultural para o museu do nosso tempo»294, no encerramento

da década de noventa. Gabriela Cavaco arrola – no âmbito daquilo que se espera da

visita a uma exposição ou ao museu – os conteúdos, o diálogo, o espaço, a

interactividade, a descoberta como elementos que devem funcionar concatenados.

Estão aqui presentes conceitos estruturais da nova forma de pensar o património

cultural, de o preservar e de estimar o sentimento de pertença, nomeadamente a forma

de o fazer-chegar ao espectador-curioso-investigador.295

A propósito de património, a alteração da prática preservacionista (quase

exclusiva) dos primeiros cinquenta anos do século XX296 teve como grande motriz a

Carta de Veneza, em 1964, «aprovada no II congresso de Arquitectos e Técnicos de

Monumentos Históricos, e que veio legitimar um novo conceito de monumento que

passa a ser entendido como: “não só as criações arquitectónicas isoladamente, mas

também os sítios, urbanos ou rurais, nos quais sejam patentes os testemunhos de uma

civilização particular, de uma fase significativa da evolução ou do progresso, ou algum

acontecimento histórico. Este conceito é aplicável, quer às grandes criações, quer às

realizações mais modestas que tenham adquirido significado cultural com o passar do

293

Isabel Victor, «O Paradoxo do Termo Avaliação em Museus: um problema da maior relevância para a

museologia contemporânea» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e

Autarquias: A Qualidade em Museus, n.º 25, Edições Universitárias Lusófonas ULHT, 2006, p. 105.

294 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 30.

295 Esta terminologia repetir-se-á sucessiva e vigorosamente entre os vários estudiosos do museu, da

museologia e da museografia, sobretudo no quadro da Nova Museologia.

296 O antes (a primeira metade do século XX): «preservacionista» de preservação, conservação,

documentação (salvaguarda), pesquisa e produção de conhecimento. O contraponto (a partir da segunda

metade do século XX): reconsiderar e reavaliar o potencial do património. A comunicação e a exposição

encontram interesses mútuos, desafiados por motivos de ordem educativa, cultural e social com vista ao

desenvolvimento. (Ver Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos

entrelaçados» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A

Qualidade em Museus, pp. 15-16.)

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tempo”».297

Um público pouco padronizado permite que o museu tenha uma abrangência que

antes não conhecera. Além de uma disciplina histórica sustentada pelos seus próprios

valores, abre-se a várias áreas, procura estar mais sensível (às necessidades e à

evolução) para com a comunidade, comunica (manuseando diferentes meios) e pede o

contributo dos agentes sociais. Descobrem-se no museu palavras como

pluridisciplinaridade e «polissemia», com a integração dos centros de interpretação e a

sua valorização como centros de cultura. É no conjunto destes elementos que se revela

uma «democracia sociocultural para o museu do nosso tempo», afirma Fernández.

Ao passado pertence uma avaliação do museu como «objecto» final,

concentrado nas funções originais dos elementos do património que guarda, para, desta

feita, «reconstruir» a memória colectiva e comunicá-la ao público. É um construtor e

administrador da memória. Assim se revela a vocação do museu ou de instituições

deste enquadramento. Cristina Bruno explica que este – por meio das suas competências

convencionais e daquelas que o final do século XX lhe imputou, à guarda de uma

cultura mais desinibida e de «indicadores culturais, materiais e imateriais (referências,

fragmentos, expressões, vestígios, objetos, coleções, acervos) [sic]» – actua, agora, sob

três serventias ou «funções básicas: científica, educativa e social».298

O final do século XX concebe o museu como «meio procedimental» para criar

um efeito prático e reactivo no público, procurando o «desenvolvimento da comunidade

de um território».299

E é na comunidade, na sua evolução social e cultural, que reside o

busílis das transformações que ocorrem no museu e no seu conteúdo. Um museu

adquire, colecciona, preserva, documenta, expõe, comunica e interpreta os referidos

testemunhos materiais e imateriais e outro tipo de informação para que o público possa

aceder à verdade. O processo evolutivo que vive está a torná-lo num serviço cultural útil

e utilizável por todo o tipo de público.300

297

A Carta de Veneza trouxe um outro elã ao conceito de monumento. Judite Primo, «Documentos

Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –

Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, pp. 117-118.

298 A. Léon, El Museo: teoria, práxis y utopia apud Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e

Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro

Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em Museus, pp. 7-8.

299 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 33.

300 Idem, pp. 36-37.

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Daqui infere-se que a museologia é um processo evolutivo, que se reconstrói e

readapta. É multifuncional e interdisciplinar (Antropologia, Arquitectura, Etnografia,

História, Pedagogia, Sociologia, entre outras áreas do saber), como diz Fernández,

convergindo para um mesmo objecto de estudo: «“O museu e a sua actividade”». Mais,

a constância da museologia não se resguarda da «mobilidade» que se traduz em

«enfrentar os desafios culturais que têm o museu, a museologia e a museografia perante

o século XXI. O museu permanece e, contudo, move-se», conclui.

3.2. As funções dos museus

«Mesmo no museu antigo, o que se pretendia ao exibir os objectos não era outra

coisa senão “esquecer o real, tirar o objecto do seu contexto funcional original e

quotidiano e com ele realizar a sua alteridade, e abri-lo a um diálogo com outras

épocas”. E o diálogo sabemos que é o princípio de toda a autêntica comunicação.»301 As

palavras de Hernández integram o arranque da profunda reflexão sobre o museu e a sua

condição de comunicador, como se fez saber no capítulo anterior desta dissertação.

A investigadora, ao citar Andreas Huyssen, carrega a ideia com o verbo

«“esquecer”». Talvez agigantada a escolha porque pesado o termo. Essa realidade de

que é retirado o objecto tem obrigatoriamente de constar do diálogo. Esquecer é um

termo doloroso e implica finitude e ausência – ausência de conteúdo importante para

quem dialoga com o objecto. Não será intencional qualquer acção de desprezo da

actualidade do objecto, antes fazer ver que é necessário abrir o objecto a mais do que

uma realidade, isto é, dissecá-lo numa perspectiva diacrónica. Remete, igualmente, para

dois aspectos importantes: a imprescindibilidade da comunicação, de que não é possível

fugir porque não é possível não comunicar, e (não directamente) a questão da sua

finalidade ou funcionalidade. Reflexões que vincam o novo estatuto do museu que, no

âmbito da Nova Museologia, reconsidera as suas funções.

Declarava a UNESCO a este respeito que o museu é «uma instituição ao serviço

da sociedade que adquire, comunica e, sobretudo, expõe com a finalidade de estudo e da

economia, da educação e da cultura, testemunhos representativos da evolução da

natureza e do homem»302. Assume-se a aquisição, o armazenamento, a conservação, a

301

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 18.

302 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 36. Fernández cita a revista da UNESCO, Cultures, vol. XVI,

número 1, Paris, Edições da Baconière, 1975.

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documentação, a exposição e, também, o estudo como suas bases. Mas, a nível

internacional, reconhece-se que as suas repercussões atingem outra amplitude, como o

domínio sociocultural. O museu é um dos elos, ou mediadores, entre o património e o

indivíduo. É responsável pela «“salvaguarda e comunicação dos indicadores da

memória”» e, assim, deverá «“servir para a construção e releitura sobre o passado e

mesmo ajustar e dinamizar o presente”».303

Não se trata apenas de um canal. Serve

ambas as partes: património e comunidade.

Ocupa-se (ou poderá reunir as condições para se ocupar) do saber (estudo e

investigação) desse património, assegurando a «salvaguarda» deste e, ainda,

promovendo-o, ou difundindo-o, na terminologia de Fernández. Diz o autor de

Introducción a la nueva museologia, constituírem estes «o autêntico fim das instituições

museológicas». Da declaração da UNESCO à interpretação de Fernández, Bruno,

Primo, Moutinho, Chagas, entre os demais que foram e serão citados no decorrer deste

escrito, sobre o âmbito de actuação do museu, não se descobrem desentendimentos. É,

pois, na segunda metade do século XX que o museu é percepcionado e examinado numa

vertente de proximidade com o público, como meio, ou empenhado na dinamização

cultural, entende Tomislav Šola, que havia já chamado a atenção para, entre outras, as

componentes informativa e comunicacional num museu.

Embora tivesse sido a partir dos anos Sessenta – pela acção do International

Council of Museums (ICOM), criado em 1946, sob a tutela da UNESCO (até aos

primeiros anos da década de oitenta), para substituir a Oficina Internacional dos Museus

(ao abrigo da Sociedade das Nações) – que os conceitos de museologia, museografia e

museu se estruturaram e consolidaram, autores como Peter van Mensch, André

Desvallées e Zbynӗck Z. Stránsky (outros se seguiram) corroboram a mudança sentida

na década de 1980, com a introdução da Nova Museologia304

. A acção da museologia

passa a dividir-se entre a história e a sua função na sociedade. A investigação, a

educação, a apresentação/organização, a animação, a relação com o meio ambiente e a

difusão são alguns campos que põem o museu e a museologia em contacto com as

necessidades dos tempos modernos – ideia de Georges Henri Rivière, que Fernández

303

Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia: Algumas ideias para a sua organização disciplinar» in

Cadernos de Sociomuseologia, n.º 9, apud Isabel Victor, «O Paradoxo do Termo Avaliação em Museus:

um problema da maior relevância para a museologia contemporânea» in Cadernos de Sociomuseologia –

XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em Museus, pp. 113-114.

304 Luis Alonso Fernández, op. Cit., pp. 17-19.

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não escusa de trazer à discussão e que prova a consonância com os objectivos e o

programa do ICOM.

Para Zbynìck Z. Stránský, no registo da nova corrente, «“o objecto da

museologia não pode ser o museu”», «“o museu não é a meta, mas o meio”», não é a

fase terminal do processo para que pela museologia se chegue à realidade.305

Bernard

Deloche partilha da mesma opinião e reforça que a discussão sobre a museologia deverá

ultrapassar atavismos. A problemática está além da conservação. Deloche descrevia

sucintamente o museu em dois pontos-chave: a memória (o armazenamento e a gestão

da informação) e, nela, a memória colectiva; e a relação permanente com a

interactividade e a interdisciplinaridade.306

Conceitos privilegiados na nova acepção e

em futuras discussões sobre o tema, que, de acordo com vários autores, entre os quais

Cristina Bruno, o encarregariam de um outro nível de influência «como lugares de

apreciação, contestação e negociação cultural, mas também, como espaços de

acolhimento e aprendizagem, tendo na ressignificação dos bens patrimoniais a sua

principal característica».

A Nova Museologia (sintetizada), por André Desvallées, acode a um papel

cultural activo, «vivo», «ao serviço de todos e utilizado por todos», que se dispõe à

investigação científica e à inovação tecnológica. Que se preocupa com a linguagem

(museográfica), que está ao serviço do «museu como banco de dados e como

instrumento permanente de educação», e «como instrumento de desenvolvimento

controlado da economia e como foco cultural acessível a todos». O museu compromete-

se a comunicar, e, sobretudo, a aproveitar o(s) seu(s) discurso(s) para atrair o espectador

e para que este não tenha outra alternativa senão participar, da mesma forma que

pretende estimular a «consciência comunitária do ecomuseu (para expressar e servir

uma comunidade humana que se define no seu próprio projecto)».307

Por sua vez, John

305

Idem, pp. 33 e 48.

306 Idem, p. 50.

307 Idem, p. 52. Para mediar a informação contida nos objectos e os pretextos imateriais para que seja

possível preservar o carácter «dinâmico, cambiante e surpreendente» da própria vida (assim se referem a

ela Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 49). Mestre e Molina querem com isto

dizer que o público defronta-se com a sua própria história, colectiva e individual: alguns viveram esses

acontecimentos; outros ouviram-nos em conversas de café, de adro, de contemplação do restolho

paisagístico urbano que é hoje; outros lidam, no seu quotidiano, com metamorfoses das quais não se

apercebem das memórias, desenformam o passado de outras formas e o museu local pretende ser uma

delas.

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Kinard projecta no museu uma instituição de referência, mas também um refúgio

parental, que esteja não só disponível para a mudança (seja «catalisador da evolução

social») como superintenda as consequências que daí resultem, e encontre «o seu lugar

na história humana, isto é, o de uma instituição das mais esclarecidas que o espírito

humano já concebeu»308

.

A Nova Museologia «proclama (…) a ruptura de fronteiras entre o meio

museológico e o meio social – a comunidade – em que se insere» e que não se

compadece com os estatutos da museologia convencional.309 No âmbito da museologia

histórica, o museu é o «objecto», a partir do qual (nomeadamente de premissas

históricas) se estuda e prepara a apresentação e a difusão do património ao público. Já a

nova corrente goza de um carácter procedimental: é o «meio»/intermediário que

possibilita ou contribui para o desenvolvimento de uma determinada comunidade por

meio do património (material, imaterial, natural e cultural).310 Aqui, o assunto poderia

dilatar-se pela questão da «museologia do objecto» e da «museologia da ideia», de que

Hernández faz menção prolongada em El museo como espacio de comunicación. De um

lado, o enfoque na colecção, na organização convencional e o tomar as rédeas da visita

e do tempo em que o agente social/visitante e os objectos se relacionam. A segunda

afasta-se do «museu-templo»311, elegendo o conceito, os «saberes e objectivos», a

subjectividade, a diversidade, a imaginação, aquilo que transcende o objecto material.312

Ludismo, educação e interactividade são os novos conceitos-dínamo com os quais a

«museologia da ideia» constrói a comunicação da exposição. Isto é, ao verbo informar

308

O pensamento de John Kinard, em Le musée de voisinage, catalyseur de l’évolution sociale (1985), é

recuperado por André Desvallées, em Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie, vol. 1, Paris, W

M. N. E. S., 1992. Apud Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia»

in Manuelina Maria Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento

Museológico Brasileiro, p. 43.

309 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 23.

310 Idem, p. 33.

311 A propósito dos «museus clássicos, de caráter enciclopédico», «esses museus herdaram “conceitos

novecentistas que os condenaram a ser um templo sacrossanto e abstrato da cultura (…)” [sic]». Mário

Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu e Políticas de

Memória, p. 70. Ao que Francisca Hernández Hernández (op. Cit., p. 92) acrescentaria: «O museu é

considerado um lugar sagrado, um espaço onde se celebra um ritual laico que exige um ambiente íntimo e

silencioso, ao ponto de ser definido como o “Templo de uma sociedade secularizada”». 312

Francisca Hernández Hernández, El museo como espacio de communicación, pp. 65-67.

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adicionam-se os verbos entreter, atrair e motivar, associados à modernidade das

tecnologias de comunicação possíveis de aplicar com vista a uma maior reacção por

parte do indivíduo. A exposição deixa de ser imaginada em função de objecto-a-objecto,

quase que individualmente, para ser realizada num enredo que contará uma história.313

Do ponto de vista científico, o redireccionamento do enfoque da museologia tem

como ascendente a industrialização e uma extensa, diversificada e complexa prole. A

Revolução Industrial produziu alterações na fábrica e na vida dos homens. Essa

revolução técnica e científica é acompanhada de um gradual destaque para «a escola e o

museu» que «terão um papel importante na educação das massas, dando assim resposta

a uma sociedade de consumo que estava iniciando a sua descolagem», conclui

Hernández. O presente e, sobretudo, o futuro começam a ser o alvo da nova atitude do

Homem, considerando a aquisição e a transmissão de conhecimento científico

inquestionáveis e indispensáveis.

A partir da década de oitenta, os museus europeus são influenciados por modelos

e técnicas estado-unidenses e canadianas, concebendo outro tipo de infraestruturas,

adequadas a uma nova orientação (concretamente, sociocultural e pedagógica) ou

planeando as novas instalações segundo directrizes conceptuais (teoria) e programas

(prática) renovados. Práticas decorrentes do trabalho desenvolvido pela docência e

investigação em museologia em contexto universitário. Fernández observa, no entanto,

que a sua desenvoltura deve-se, com grande peso, à «própria crise da instituição

museológica e ao seu questionamento enquanto entidade e instrumento cultural».

O estudo e as experiências museológicas e os programas académicos debruçam-

se, entre outras questões, sobre matérias afogueáveis:

i) a (agitação da) contemporaneidade e as funções-base: «responsabilidades dos museus

contemporâneos, no que se refere à salvaguarda e à comunicação»;

ii) as especificidades da museologia, do público e do território/localidades: «a

compreensão sobre as particularidades da aplicação dos procedimentos museológicos,

no que tange à natureza da evidência cultural musealizada, à especificidade do perfil

institucional, à potencialidade do público a ser atingido, ou mesmo sobre a inserção

geográfica do processo museológico»;

313

Seria esta a ideia de Pere Alberch para a nova definição de exposição ao afirmar que a sua mais recente

condição é a de «“uma espécie de montagem teatral com a sua própria cenografia e guião”, onde os

objectos se convertem em personagens». Idem, pp. 197-198.

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iii) a função social e a ditadura das visitas: «a distinção entre função social dos museus

com acesso democrático aos produtos museológicos, e abandono dos princípios

curatoriais em função da quantidade de eventos e do público a ser atingido»;

iv) as novas tecnologias e sua abstracção, que vêm cutucar a imediatidade e a

proximidade do presencialmente observável: «a inserção das novas tecnologias e da

virtualidade em um universo que tem privilegiado a evidência material da cultura

(parcelas da realidade)»;

v) e, sem forma mais simples e clara de o resumir, «a identificação dos limites e das

reciprocidades entre preservação patrimonial e desenvolvimento sócio-econômico

cultural, por intermédio da ação museológica [sic]».314

3.2.1. As fundações: coleccionar, conservar e expor

3.2.1.1. O museu coleccionador

Sobre o coleccionador: «(…) posse é a relação mais íntima que se pode ter com os objectos.

Não que eles ganhem vida nele; é ele quem vive neles. Então, eu tenho erguido perante ti uma

das suas moradas, com livros enquanto pedras; e agora ele vai desaparecer nela, como é

apropriado»315

.

Colecção é palavra-chave na história do museu. Em boa verdade, é o seu

coração. O museu é-o pelo privilégio de reunir objectos, peças, obras, raridades – e,

daqui em diante, o léxico relacionado com este campo só se satisfaz com adjectivos de

maior distinção e reverência porque têm uma importância artística, histórica e científica

significativa. Esta foi «a primeira função dos museus a aparecer historicamente»,

adianta Mary Alexander316

. Não se trata de uma simples reunião ou de um ajuntamento

314

Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in

Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em

Museus, p. 12.

315 Texto original: «(…) ownership is the most intimate relationship that one can have to objects. Not that

they come alive in him; it is he who lives in them. So I have erected before you one of his dwellings, with

books as the building stones; and now he is going to disappear inside, as is only fitting.» Walter

Benjamin, «Unpacking My Library. A Talk about Collecting» in Michael W. Jennings, Howard Eiland e

Gary Smith (Eds.), Walter Benjamin: Selected Writings 1931-1934, vol. 2, parte 2, Cambridge,

Massachusetts, Harvard University Press, 2005, p. 492.

316 Mary Alexander desempenha funções de educadora e administradora de museus, em Washington D.

C., desde 1970; trabalhou para o George Washington Bicentennial Center, o National Archives and

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de artefactos. Não se trata apenas de prolongar a carcaça do objecto, mas também de

perpetuar o património cultural e científico que lhe é inerente. Estes tesouros, de que

fala Hernández, são a vitalidade não só de museus, mas também de bibliotecas e de

arquivos, e «“assumem significados inesperados e surpreendentes ao longo do

tempo”»317

.

Coleccionar é uma das três actividades mais reservadas do organismo

museológico. Raramente, o público (menos especializado, mesmo sendo vasto) tem

conhecimento de qual o percurso dos coleccionadores até chegarem a certas obras e de

qual o trajecto das mesmas. A constituição da colecção mantém um certo misticismo e

um punhado de estórias paralelas e perpendiculares a uma verdade que nem sempre se

conhece por completo, ou que, só em alguns momentos, a deixaram espreitar. Este acto

estratégico, pessoalmente prazeiroso ou de outra feição tem implicações no presente e

no futuro (geracional). «A maioria dos museus colecciona devido à crença de que os

objectos são importantes e sugestivos sobreviventes da civilização humana dignos de

um estudo cuidado e com um impacto educativo poderoso. Sejam estéticos,

documentais ou científicos, os objectos dizem muito sobre o universo, a Natureza, o

património, e a condição humana.»318

Podem ser várias as razões para coleccionar,

desde o seu valor material ao prestígio, do fascínio à consciência de património

colectivo, da curiosidade à necessidade de produzir conhecimento e saber ou ainda

como «meio de experiência emocional».319

Aqui se percebe a diversidade da natureza

das colecções museológicas e a influência que exercem na sociedade.

Do museu de arte ao museu de ciência, todos têm as suas especificidades, mas

há pontos de convergência. Nem sempre se apresenta a arte por si só (apenas vestida

Records Administration, a Mount Vernon Ladies’ Association, e o Hillwood Museum; coordenou a

American Association for State and Local History’s Common Agenda for History Museums e dirige o

Museum Advancement Program no Maryland Historical Trust. Edward Porter Alexander (co-autor e pai

de Mary Alexander, a quem foi dedicada a obra Museums in Motion – e da qual sai esta primeira citação –

, que Mary Alexander concretizou a partir do trabalho deixado pelo pai) foi director da New York State

Historical Association e da Historical Society of Wisconsin; vice-presidente para a Interpretação, em

Colonial Williamsburg; e fundador e professor de Estudos Museológicos (Museum Studies), na

Universidade de Delaware.

317 Mary Chute apud Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion: An Introduction to the

History and Functions of Museums, 2.ª ed., Plymouth (Reino Unido), AltaMira Press, 2008, p. 187.

318 Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion, p. 188.

319 Alma S. Wittlin apud Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion, pp. 188-189.

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com a informação visual do objecto), alguns curadores tornam-na mais documental,

numa perspectiva contextual, acondicionada com informação histórica sobre o artista.

No caso dos museus de história, o papel de documento social é mais vinculativo porque

é imprescindível compreender os factos etnográficos e sociais para se perceber o todo: a

cronologia, os episódios marcantes, os intervenientes e a produção de cada época.

«Uma inovação em muitos museus é o uso de colecções como instrumentos

educativos mais do que como um repositório de objectos protegidos.» No sentido desta

linha de acção, Mary Alexander identifica museus dedicados a acontecimentos ou a

personalidades (mais ou menos populares, dos nacionais aos locais), onde são

trabalhados os antecedentes, o percurso, a obra realizada; museus subordinados a uma

única temática «ou instituições com funções essencialmente educativas»; museus

vocacionados para a população infanto-juvenil; e ainda centros de arte ou de ciência.

Outro sinal de mudança é a informatização, que se apodera do funcionamento do

museu em três frentes. Dentro do museu, o curador – no jogo de elasticidade entre as

suas funções no processo aquisitivo e o planeamento da exposição pública dos objectos

– passa a ter de dominar «“sistemas electrónicos de gestão da colecção, [ter]

capacidades interpretativas históricas sofisticadas, e a aptidão para gerir e produzir

projectos de exposição complexos”»320

. Esta é uma das demandas do século XXI. Entre

o museu e o exterior (sem esquecer o envolvimento da academia), o investigador tem

contado com a Internet e sistemas de comunicação notáveis, facilitadores do avanço das

suas pesquisas. Garantem acesso a informação escrita e imagética de diferentes

proveniências (de estudos a dados válidos inseridos pelas próprias instituições e outros

institutos de investigação), evitando deslocações, burocracias e a consulta em presença.

A globalização da comunicação e da informação precipita duas preocupações: a do

museu como centro de estudo e de pesquisa, e a da participação do público. Ou seja, a

sua afluência para se envolver com a informação com que já contactou virtualmente.

Coloca-se, então, a seguinte questão: Como dar continuidade às colecções? Isto

é: Como conservá-las? Como apresentá-las? Como distingui-las das temporárias,

frequentemente associadas à novidade, ao episódico, ao espanto, ao sair-da-rotina?

Como fazer a colecção permanente presente na temporária e, sobretudo, no público? O

futuro das colecções permanentes é, pois, uma das grandes inquietações de Philip

Conisbee, curador sénior da National Gallery of Art, em Washington D. C., e que dá o

320

Barbara Franco apud Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion, p. 192.

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mote a este questionamento. E no caso dos museus de menores dimensões, retraídos

pela imagem esmerada e publicitada dos mais (re)conhecidos? Como podem ser

igualmente dinamizados? Mary Alexander sugere que haja abertura da colecção deste

tipo de museus, na medida em que seja possível integrar objectos de áreas

(inter)relacionadas – com o apoio de exposições temporárias construídas com base em

empréstimos de particulares, de outros museus ou de exposições itinerantes –, ou a sua

concentração numa área muito específica (poderão ser exemplificativos os casos do

Museu de Tecelagem dos Meios, na Guarda, e do Museu da Tapeçaria de Portalegre –

Guy Fino, em Portalegre).

A American Association of Museums (AAM) e o Museu Nacional de História

Americana do Smithsonian listaram seis passos imprescindíveis para o planeamento

eficaz de colecções, a saber:321

«1. Identificar o(s) público(s) do museu e como as suas necessidades serão servidas pelas

colecções.

2. Analisar os pontos fortes e as fraquezas das colecções existentes.

3. Incluir uma “análise de lacunas”, contrastando a colecção real e a ideal.

4. Definir prioridades para a aquisição e a não inclusão baseadas na avaliação das necessidades

e na análise de lacunas.

5. Identificar “colecções complementares” na posse de outros museus ou organizações que

podem afectar as escolhas das colecções dos museus.

6. Ter em conta os recursos existentes ou necessários (fundos, espaço e pessoal técnico).»

Desvallées resumiria estes seis mandamentos em dois: «o público e como se

dirigir a ele» – este é um dos cubos mágicos da Nova Museologia. Manuelina Cândida

informa, ainda, que a metodologia em causa é a mais complexa, a análise qualitativa da

«interacção que possa haver entre o indivíduo e o objecto». A época, a evolução, os

meios, o deslumbramento dos efeitos especiais contribuem para uma oferta expositiva

(ou para uma concepção expositiva) espectacular. São as exposições especiais,

habitualmente de formato temporário. O que acontece, então, aos espaços que adquirem,

constroem colecção, cuidam e estudam obras inestimáveis? Para se tornarem peças

expectantes, contidas no seu espaço e no silêncio322

que convive com elas diariamente?

321

Projecto conjunto de 2002 que avaliou o planeamento eficaz das colecções. Edward P. Alexander e

Mary Alexander em Museums in Motion: An Introduction to the History and Functions of Museums, pp.

195-196.

322 A propósito de silêncio, de contemplação e da essência das coisas, pergunta-se: Qual o melhor

caminho para compreender o objecto, a obra, a exposição? George Steiner fazia a inquebrável união do

livro ao silêncio, ao afastamento do resto: «Para os livros é requerida muita solidão. Cada vez mais». Por

outro lado, «com a música, nunca estamos sós», concluía. Prestando atenção ao comentário de Steiner,

será legítimo deixar entrar outros meios nos museus além dos fundamentais para chegar às obras? George

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Para qual penderá o indivíduo, cada vez mais emotivo, activo e frenético? Estarão as

exposições permanentes melindradas pelas temporárias que têm arrecadado mais

investimento em meios cenográficos alternativos e instrumentos complementares de

visita visualmente mais atractivos e interactivos? Pesam as visitas e até a investigação,

sendo também estimulado um outro ritmo na academia (procurando a actualização e

adaptação de discursos) e, consequentemente, o alargamento do «esclarecimento

público».323

3.2.1.2. A conservação como parte da exposição

«Apenas no século XX, os museus se aperceberam de que uma das suas principais funções bem

como um dos seus deveres mais importantes era passar as suas colecções em perfeitas

condições para as gerações seguintes.» (Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion:

An Introduction to the History and Functions of Museums, 2008, p. 217)

Idealmente, todas as colecções museológicas deveriam ter à sua disposição um

profissional especializado que zelasse por elas. No entanto, o lugar de conservador-

restaurador nem sempre cabe na equipa/orçamento das instituições museológicas. A

verdade é que «esta posição não existe na maioria dos museus e, portanto, estas

actividades são levadas a cabo por uma larga variedade de pessoal, desde o director aos

voluntários»324

. É, pois, uma tarefa a várias mãos sem a exclusividade de nenhuma

delas. O palato profissional do conservador são as entranhas dos objectos que o activam.

Dir-se-ia que é aquilo que está além do seu aspecto que lhe interessa, mas, na verdade, é

aquilo que permite ao objecto ter determinado aspecto que requer a sua atenção e

perícia. Fala-se de matéria, da sua estrutura e «composição molecular/atómica»,

identifica Mary Alexander. Dado que os objectos resultam de elementos da Natureza

e/ou de compostos químicos (uns mais do que outros), estes são profundamente

influenciáveis pelas condições ambientais de humidade, temperatura e luminosidade.

Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In Revista LER, n.º 107,

Novembro de 2011, p. 36.

323 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., pp. 209-210 e p. 224.

324 Idem, p. 219. Kim Igoe, no texto introdutório «Involving the community», em A Museum &

Community Toolkit, vincara a importância da paridade de entrega da direcção, dos funcionários e dos

voluntários, cujo trabalho conjunto deverá ser empregue na fixação dos visitantes-do-costume, mas,

também, na conquista de novos públicos. In American Association of Museums, A Museums &

Community Toolkit, Washington DC, American Association of Museums, 2002.

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O século XXI endossou à museologia e à conservação – dos teóricos aos

técnicos – um lote de novos desassossegos, entre os quais o grau de intervenção

possível numa peça ou espaço musealizado. Até que ponto se deve (e com que

profundidade) reabilitar com o objectivo de revelar a verdade da história. Partindo do

princípio de que a verdade só é verdade desde que inviolável e genuína, procurar reaver

o estado primitivo não será deixar mácula, adulterar a história e o processo a que o

tempo, naturalmente, a todos nos sujeita? É um campo muito sensível por não lidar

apenas com pedaços de massa. É o património da humanidade no pêndulo da

observância do direito ao conhecimento, de saber como era no princípio, e da sua

evolução natural fruto das cartadas impostas por cada época. Como afirma a

conservadora canadiana Miriam Clavir: «“Conservação é mais do que um conjunto de

técnicas de preservação física, é também uma actividade interpretativa que envolve um

conjunto de ideias artísticas, científicas e históricas que influenciam a abordagem ao

tratamento, quer elas sejam reconhecidas ou não”»325

.

Mary Alexander relata casos de espaços de exposição empenhados na

demonstração ao público da importância da conservação e da profissão de conservador-

restaurador. Fê-lo por meio da própria exposição e/ou da infraestrutura em si, realçando

o peso das decisões que têm de ser tomadas por estes profissionais, e ainda o

investimento das instituições museológicas nesta área. Neste sentido, orientaram

exposições – e com elas o público – para este ofício com a mostra de instrumentos

científicos reservados para o efeito, de que foi exemplo a Galeria de Arte Walters, em

Baltimore, no Estado de Maryland, nos Estados Unidos da América, em 1996. Mais

recentemente, e no mesmo espírito de valorização deste tipo de trabalho, o Centro de

Conservação Lunder do Museu de Arte Americana do Smithsonian é paradigmático. Em

laboração desde 2006, é possível observar do piso superior do museu os conservadores

em terreno laboratorial. As paredes de vidro desinibem, assim, a segunda da tríade de

actividades mais resguardadas de que se fez menção anteriormente.326 Alexander resume

o novo expediente da seguinte forma: «As práticas de conservação tornaram-se uma

exposição permanente. A conservação deixou de ser vista como uma função de apoio

realizada em laboratórios e escritórios fora da vista do público».

Ao longo do tempo, foi percebendo-se que conservar não é uma actividade

325

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 228.

326 Idem, pp. 228-229.

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esterilizada de influências contextuais. Pelo contrário, o trabalho laboratorial (técnico)

só tem viabilidade se orientado por factores extracientíficos, isto é, de cariz social,

histórico e cultural. Miriam Clavir reconhece no profissional de conservação a

capacidade de conjugação das Ciências e das Humanidades: um profissional que

«“baseia muitas das suas decisões no exame científico, no conhecimento dos materiais,

e no raciocínio científico, que reconhece também a importância do conhecimento

cultural. Por exemplo, a intenção do artista e a história social do objecto são alicerces

importantes para a tomada de decisões sobre o objecto”», sobre as técnicas de

conservação e de restauro a aplicar e sobre aquilo que se pretende com essa intervenção.

Porém, é na qualidade de cientista que o conservador se deve destacar. Clavir diz, a esse

propósito, o seguinte: «“Espera-se do conservador que desenterre esta nova informação

com base em observações de peritos do objecto físico mais do que com base em

especializações curatoriais tradicionais de arte e história”»327.

O desafio está, como em muitas fases da vida, em reavaliar a situação actual e

definir, neste caso, qual o papel da conservação numa conjuntura em mudança,

considerando a renovação dos objectivos para os quais os indivíduos e as entidades se

vão propondo. Se se verifica o redireccionamento do museu e das actividades

dependentes (a constituição de colecções e o trabalho de pesquisa, por exemplo) para o

serviço público, há que repensar a organização do próprio museu e, nela, as suas

prioridades e o modo como ele se relaciona com quem o visita. Uma das hipóteses de

actuação é, precisamente, a de incitar o público a contactar com as práticas de

conservação (relacionadas com cada exposição), e, assim, com as outras valências do

museu, menos visíveis (directamente). Desta forma, Alexander diz ser «uma das formas

pelas quais os museus envolvem o público com as suas funções de preservação».

O museu é pressionado a evoluir porque também a sociedade se pressiona a ela

própria (e deseja essa mudança). Já não são apenas os estabelecimentos de ensino e os

centros de pesquisa nem o seu repertório de colecções a persuadir a sua conduta.

Assomam-se implicações empresariais e de entretenimento que envolvem estratégias de

conservação diferentes das utilizadas para outras funcionalidades. O escopo do museu

deverá conduzir a estratégia de conservação mais adequada.

A antropóloga estado-unidense Carolyn Rose, citada por Alexander, alertava

para uma série de desafios, além daqueles que a conservação vinha experienciando.

327

Idem, p. 230.

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Entre eles, a Internet, mais uma vez, implica o repensar das condições de subsistência

do museu. Porque se conhece, se explora, se visita inclusivamente, pela rede global de

informação e nela se criam espaços cada vez mais sofisticados, utilitários e

convidativos. Muitas plataformas cibernéticas permitem quase materializar não só as

peças, mas os próprios edifícios museológicos bem como cidades inteiras, além de

quase corporizar o utilizador nessas dimensões. No reverso está a sobrevivência do

museu que se deve à presença humana.

«Já não se pergunta apenas como conservar pinturas, arte e objectos arqueológicos nos grandes

museus tradicionais, mas também como impedir a destruição desses monumentos, contextos

urbanos, peças de artesanato e objectos etnográficos em perigo de serem ou destruídos ou

dispersos pela maré de modernização… deve negociar-se um caminho muito estreito com a

destruição, por um lado, e a mumificação, por outro”»328

, desabafa Carolyn Rose.

3.2.1.3. Expor para narrar

«“Expor é, ou deveria ser, trabalhar contra a ignorância, especialmente contra a forma mais

refractária da ignorância: a ideia pré-concebida, o preconceito, o estereótipo cultural. Expor é

tomar e calcular o risco de desorientar – no sentido etimológico: (perder a orientação),

perturbar a harmonia, o evidente, e o consenso, constitutivo do lugar comum (do banal) [sic].

No entanto também é certo que a exposição que procuraria deliberadamente escandalizar traria,

por uma perversão inversa o mesmo resultado obscurantista que a luxúria pseudo-cultural…

entre a demagogia e a provocação, trata-se de encontrar o itinerário subtil da comunicação

visual. Apesar de uma via intermédia não ser muito estimulante: como dizia Gaston Bachelard,

todos os caminhos levam a Roma menos os caminhos do compromisso.”»329

Mary Alexander inicia o capítulo sobre «Expor», em Museums in Motion, com

três citações de três décadas distintas. Da década de oitenta à primeira do terceiro

milénio, é possível perceber a evolução do conceito de exposição, da sua

complexificação e das responsabilidades que vem assumindo na vida pessoal e na esfera

social. Com a metáfora sui generis de Gaillard E. Ravenel («Designer, National Gallery

of Art (US)» in New York Times, 1985) da «luva» que se constrói em redor de um

conjunto de objectos à afirmação de que a exposição é um «acto interpretativo» por

natureza (a escolha e o arranjo cenográfico são fruto do entendimento sobre os

objectos). Para Lisa C. Roberts (citada em «Monologue to Dialogue» in Museum News,

328

Idem, p. 231.

329 Michel Thévoz, Esthétique et/ou anesthesie museographique, Objets Prétextes, Objects Manipulées,

1984, p. 167. Apud Judite Primo, «“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova

linguagem museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Museologia:

Teoria e Prática, pp. 121-122.

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1991) «o processo de selecção e disposição dos objectos é no fundo uma fabricação e,

como tal, uma tomada de posição sobre o que os fabricantes supõem que um objecto

diga»330

. Timothy Luke, em 2002 (em Museum Politics: Power Plays at the Exhibition),

conclui que ao ser criada uma «exposição-como-um-mundo» à parte, chega assim ao

visitante o «mundo-como-uma-exposição» nas várias vertentes, da cultura à natureza, da

história à tecnologia.331

Da sua análise, Alexander nota que o objectivo do museu olha a uma missão de

educação pública e de alargamento (diversificação e quantidade) do seu público, de

criar um ambiente de sociabilização e de integrar o museu no quotidiano dos indivíduos.

A causa predominante (e usual na justificação das mudanças hodiernas) é a

democratização do mundo ocidental, caminhando para a transformação dos museus em

instituições culturais e educativas. A imagem tornou-se, por isso, alvo de intensa

intervenção a partir do século XX. A configuração visual da exposição passou a recorrer

a «elementos multimédia», a «“explicadores”» e a «actores para as galerias» – e,

inclusivamente, com o século XXI, à proliferação de sítios de Internet pelo sector

museológico –, que «oferecem outra dimensão às exposições».332

A exposição é sempre uma forma de comunicação do museu com o público por

intermédio dos objectos e do seu arranjo museográfico. A tipologia de exposição

dependerá das intenções comunicativas a que o museu se propõe para comunicar com o

seu público ou com o público que ambiciona.333

A metodologia de organização dos

objectos, o realce de determinadas peças ou a informação que acompanha cada uma

delas, é variegada, e, como sempre, obedece à estratégia e aos objectivos do museu –

pode ser «pelo tipo, pela cronologia, ou com uma mensagem didáctica para os

visitantes»334

.

Alexander lançava a seguinte questão: «Porquê e como é que o museu dispõe os

objectos ou obras de arte na exposição?» A resposta parece invariavelmente indefinida

porque se trata de uma questão interpretativa e não normativa. Poder-se-á criar normas,

guias, instruções ou orientações, algumas com maior sentido de obrigatoriedade,

330

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 235.

331 Idem, p. 235.

332 Idem, p. 236.

333 «Uma exposição pode ser definida como uma apresentação ou exibição de materiais com o propósito

de comunicação com um público.» Idem, p. 236.

334 Idem, p. 236.

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nomeadamente quanto à identificação básica dos objectos, mas até neste aspecto

dependerá das prioridades (e da informação disponível) do museu. Veja-se o seguinte

exemplo: «Em meados do século XIX, historiadores de arte com formação académica –

os primeiros num museu de história – conceberam as exposições da Galeria de Grandes

Mestres de Pintura de Berlim (Old Masters Painting Gallery), equilibrando três

princípios concorrentes: estética, perspectivas históricas e organização sistemática. O

princípio orientador geral para o design das galerias foi a apreciação das pinturas pelo

público. O museu dispôs os seus mais importantes trabalhos nas galerias principais com

obras menores ao longo da periferia. A função interpretativa da exposição guiou não só

a disposição das obras de arte, mas também o design básico do edifício que as acolhe.

Em cinquenta anos, outro princípio dominou, o de dispor os objectos nas suas

configurações históricas, não propriamente em salas de época, mas em espaços que

evocassem o ambiente artístico das obras de arte reunidas»335

.

Quanto às exposições temporárias, estas trazem um ritmo transitório, mas

apelativo, relembram o público da existência do museu e convidam-no para nova visita.

Parafraseando Alexander:

i) primeiramente, algo novo é sempre motivo de movimentação, ou pelo contrário, de

paragem dos indivíduos para descobrir de que se trata. É assim uma oportunidade de

recuperar, por algum tempo, os visitantes que já conhecem a colecção permanente;

ii) atrair público interessado na temática;

iii) trazer pessoas que nem sequer conhecem a colecção permanente;

iv) além das visitas, também na área do estudo e do alargamento do conhecimento sobre

as obras poderá haver efeitos. A informação veiculada poderá sofrer alterações,

correcções ou desenvolvimentos propiciados por bolsas de estudo/investigação

associadas ou no sentido de captar novos públicos. Algumas dessas exposições são

criadas com o intuito de gerar impacto internacional, reunindo obras renomadas para,

assim, atrair público a uma escala global;

v) estas exposições de curta duração poderão suscitar o desenvolvimento de programas

paralelos, especiais, com sugestões de análise diferenciadas e actualizadas;

vi) mas também atrair público para o próprio museu e para a comunidade, localidade e

região onde se insere.

Além da via expositiva, a oferta de produtos e serviços relacionados com a

335

Idem, pp. 236-237.

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própria temática, começando pela loja do museu até à restauração, é outra forma de

promoção. Num âmbito mais ambicioso, poder-se-ia criar pacotes turísticos envolvendo

vários serviços da cidade e da região como aconteceu com a exposição Cezanne no

Museu de Arte de Philadelphia (Estados Unidos da América), em 1996, trazendo

receitas também para a economia local.336

As experiências proporcionadas aos

visitantes, além da componente entertainer e de descontracção, têm também a missão de

absorvê-los no tema. Os próprios locais expositivos são autênticas fábricas de

experiências concebidas para «ajudar a compreender o objecto e o seu contexto».337

A opinião que se enraíza é a de que as exposições não são meramente

descritivas, do tipo cartapácio de história – pesado de ler e de tentar compreender.

Kenneth L. Ames remete para o espaço ocupado pela comunicação não-verbal: as

«exposições são primeiramente não-verbais, experiências sensoriais. As pessoas podem

ler as palavras que escrevemos, mas elas estão mais predispostas a serem apanhadas na

experiência multissensorial que tentamos proporcionar»338

. Alexander conta que, no

século XIX, se assistia a um trabalho cenográfico e museográfico que permitia ajudar os

visitantes a compreender o significado das peças e a sua relação com os seus contextos.

Fosse com a aplicação de elementos museográficos «“naturais”» no caso dos museus de

história natural ou de história, fosse nos de tecnologia e centros de ciência, onde os

visitantes eram convidados a fazer «funcionar» máquinas, carregando em botões e

interagindo. O visionamento presencial e a consciência da aplicabilidade dos objectos

em exposição, que, usualmente, não podem ser tocados, ampliavam a informação que os

visitantes podiam reter, ao contrário do que aconteceria olhando-os apenas estáticos. E,

neste campo, o audiovisual foi de grande monta.

Tendencialmente, os museus e os centros, sobretudo nas áreas da ciência e da

técnica, procuram a interactividade e a manipulação para apresentarem as suas

exposições. É facto que, com um público de faixas etárias mais baixas, os

procedimentos tecnológicos, o vestir trajes associados à temática, o mexer em botões ou

336

Idem, p. 238.

337 Idem, p. 238. A mesma ideia de aproximação à experiência, recrutada para a educação e o prazer cada

vez mais em parelha, é veiculada por Bahn e Renfrew: «Os museus estão agora mais preocupados com a

experiência do visitante e podem assumir até um papel educativo ou de entertainer do público nos mais

variados assuntos (…)», explicam. Paul Bahn e Colin Renfrew, Archaeology. The Key Concepts, 3.ª ed.,

Nova Iorque, Routledge, 2008, p. 219.

338 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 238.

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alavancas, manípulos e teclados têm coordenado a componente científica com a do

interesse e da atenção, e catapultado este tipo de instituições para a popularidade de

«museu moderno»339

. O resultado está, parafraseando Mário C. Moutinho, no

aparecimento do chamado «objeto ativo» que vai escondendo o «objeto passivo» na

penumbra das vontades do visitante que brinca-ao-movimento-à-luz-e-ao-som, as letras

falam, e os sons contextualizam temáticas, o movimento do corpo faz aparecer

conteúdos textuais, e «volumes, contrastes e cores» sensibilizam-se com «focos

luminosos» estratégicos. Nestes espaços expositivos, acentua Moutinho, «o visitante é

solicitado por um maior número de estímulos, que se têm mais desenvolvido [sic] nos

últimos anos, atraindo multidões de turistas, de alunos, de visitantes desejosos de

mergulharem no mundo das fábulas. Comparados com estes, os museus tradicionais de

objetos passivos de pintura, de numismática, de mobiliário, de arqueologia ou mesmo

contendo tudo isto e mais alguma coisa nas suas exposições, são de facto cada vez mais,

os parentes pobres da museologia [sic].»

Preparar uma exposição implica a existência de um conceito/uma ideia, a

organização e o envolvimento de toda a equipa do museu, cada vez mais. Como núcleo

está «o conceito (mensagem) ou guião» e «objectos a serem exibidos». Sem definir

propriamente qual o ovo e a galinha, da união destes dois elementos resultará uma

exposição mais completa, onde haverá maiores hipóteses de interpretação, de reflexão e

de associação, ao invés de um museu com vitrinas de itens meramente decorativos e

ilustrativos.340

O sucesso de uma exposição acaba por estar nas mãos da estruturação do

conceito e do desenho que lhe dará o carácter. Este último determinará o ambiente da

exposição e realçará as intenções da mesma. No final, o envolvimento do visitante

dependerá desta combinação. Outro dos exemplos a que Alexander recorre é o do U. S.

Holocaust Memorial Museum, em Washington D. C., onde «até os elevadores que

levam os visitantes à entrada da exposição contribuem para a mensagem interpretativa

339

Mário C. Moutinho, «Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2008, p. 40.

340 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 239, e Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues

– a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia –

Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, p. 43.

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provocando uma sensação de confinamento e de “transporte”»341

. Alexander recorreu à

lista elaborada por Kenneth Ames, em Ideas and Images: Developing Interpretive

History Exhibits, em nome da eficácia que se procura:

1) a missão da instituição deverá ter como ónus o estímulo da acção interpretativa do

público. «“A interpretação não só nos informa, mas empurra-nos para um entendimento

mais profundo e mais subtil de alguns aspectos do mundo à nossa volta. Interpretar

verdadeiramente é uma tarefa difícil e desafiante”»;

2) o objectivo (o tema e a finalidade da exposição) deve ser claro;

3) discussão de ideias;

4) «processo criativo dinâmico que reconhece e mede a serendipidade»;

5) os recursos do museu devem ser utilizados em prol da exposição;

6) a exposição deverá reflectir o que de melhor se pode encontrar e usufruir no museu

(das colecções à localização), o rigor e a capacidade intelectual;

7) a importância crescente da comunicação não-verbal e das experiências sensoriais. A

este propósito, afirma Ames: «“O desafio é ajudar os visitantes a sentir a

interpretação”»;

8) a exposição e o museu devem estar rodeados dos profissionais mais competentes em

diversas áreas (do pessoal interno aos investigadores e aos consultores, entre outros).

Idealmente seria «um curador, um designer, um profissional dos serviços educativos,

um especialista do assunto como um historiador ou cientista e, em alguns casos, o

responsável pela estratégia de desenvolvimento do museu». Um historiador porquê?

Porque representa a importância da presença de académicos ou especialistas na área das

humanidades, útil na vereda da interpretação. Acontece que nos museus de menores

dimensões, várias etapas da montagem da exposição (pesquisa, desenho da exposição e

sua instalação) poderão ser feitas pela mesma pessoa (o curador ou até o director) e

alguns dos funcionários poderão exercer tarefas para as quais não estão formados;

9) o museu deve estar ciente de qual é o seu público e/ou qual a abrangência possível

que pode atingir. Identificar o público e conhecê-lo é fundamental. Neste sentido, Ames

sugere o seguinte autoquestionamento: «“A exposição fala com o público? Conferencia?

Prega?”» Comunica claramente a(s) sua(s) mensagem(ns), e convence? Aqui será

testado o poder do museu;

10) o conjunto de processos que devem ser seguidos, desde a preparação do guião da

341

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 240.

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exposição à elaboração das legendas;

11) a «avaliação do processo e do produto é fundamental para o sucesso da exposição

final e para a vitalidade do museu como uma instituição interpretativa».

Com o intuito de não repetir possíveis indicações de organização expositiva,

aqui se achega o contributo de Mestre e Molina, no qual, embora no campo da

museologia local, se poderão encontrar semelhanças no que diz respeito às técnicas, aos

recursos e às práticas que Alexander vai apresentando. Falou-se já de design e de

aparelhagem interactiva (particularmente, quando estão implicadas máquinas ou

experiências científicas). A dupla de investigadores espanhóis acrescenta:

i) o mecanismo de tipo puzzle que se traduz na reconstrução de um objecto (ou de uma

imagem) que está em pedaços, a classificação de peças dentro das tipologias

correspondentes, ou a intervenção na (re)construção arquitectónica do edifício (em

suporte tecnológico); ou, ainda, «identificar a peça que falta num mecanismo e instalá-

la; montar um artefacto desmontado (…); completar sequências gráficas, sejam de tipo

cronológico, tipológico ou funcional; disponibilizar peças de indumentária que o

visitante possa manipular e vestir; ou identificar pelo tacto determinadas peças no

interior de uma gaveta ou caixa»;

ii) os questionários, como forma de interacção entre o museu e o visitante e de serviço a

uma descoberta mais aprofundada sobre o tema (pela identificação de personagens, de

espaços, etc.), com o objectivo de compreender identidades. Por exemplo, «a situação

dos trabalhadores numa fábrica de Manchester nos princípios do século XIX. (…) Para

tal, convida-se a preencher um questionário ou ficha definindo a sua identidade, as

características da personagem que escolhe, etc. Isso permitir-lhe-á compreender e criar

maior empatia… O questionário tem também uma função de jogo: preenchê-lo para

testar, nomeadamente, o que sabe ou que tenha aprendido na visita». Instrumento eficaz

em grupos de visita pequenos, como famílias, por exemplo;

iii) as peças giratórias: «portas e janelas que se abrem e fecham, permitindo ver ou

esconder o interior. É um sistema muito útil para estabelecer enigmas, jogos de

perguntas e respostas, etc.»; «vitrinas ou volumes que ao girar em torno de um eixo

permitem alterar cenários ou maquetas», «sistemas de prismas rectangulares,

triangulares ou outros»;

iv) as lupas e os sistemas ópticos: sistemas interactivos que permitem aumentar e que

são aplicáveis em artes visuais (de que são exemplos a cor ou o quadro a óleo) ou em

elementos da Natureza (os insectos, o pêlo humano, entre outros);

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v) os elementos deslizantes;

vi) os sensores;

vii) os sistemas sonoros, como música, timbres ou gravações de voz que podem ser

activados por meio de circuitos eléctricos que activam um timbre ou ligam um aparelho.

Ou por sensor de movimento ou de proximidade;

viii) os sistemas à base de luz como semi-espelhos e interruptores eléctricos. Utilização

de materiais semitransparentes em função da incidência da luz;

ix) o uso de espelhos para «prolongar de forma infinita uma sequência de imagens ou de

espaços, para deformar a realidade, para provocar efeitos de visão periscópica, etc.»;

x) o recurso aos sentidos do tacto e do olfacto para identificar objectos e outro tipo de

elementos; a utilização de imagens (pela força da atracção ou repulsa), e a introdução de

elementos metálicos; a utilização da «“luz negra”», de livros, de álbuns, de sistemas de

classificação científica, da imagem gráfica que transmite uma mensagem ou uma

informação-chave, de projecções, de variações térmicas (a temperatura num

determinado momento do passado é relacionada com aspectos do indumento ou da

construção de habitações na pré-história), as rodas de transmissão e balanças (dinâmica)

para verificar a carga que um trabalhador industrial suportava numa fábrica, escalas e

proporções, propulsores de água, representações teatrais, ferramentas electrónicas

(diaporamas, teclas de plasma, videoprojectores, realidade virtual com óculos

estereoscópicos, realidade virtual com sistemas HMD [Head Monted Displays],

realidade aumentada).

Várias são as etapas a seguir na preparação de uma exposição, entre as quais a

realização do guião, a selecção dos objectos, a criação da imagem, a adequação do

desenho e respectivas técnicas, as legendas e o público. Foi dito que o guião nasce a

partir de um «conceito, uma ideia ou um ponto de vista». O ponto de vista marca o

tema, o qual será sujeito a pesquisa e estudo. Ou então é uma colecção de objectos o

ponto de partida a partir do qual se apura o tema e subsequentes divisões. Como refere

Alexander, uma não anula a outra, e ambas podem coexistir. Requere-se, sim, uma

pesquisa aprofundada com um discurso coerente, impositivo (no sentido de ser uma

autoridade quanto ao assunto da exposição).

Em relação à escolha dos objectos, Alexander serve-se de uma frase certeira e

peculiar de George Brown Goode, do Instituto Smithsonian: «“Um museu educativo

eficaz pode ser descrito como uma colecção de legendas instrutivas, cada uma ilustrada

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161

por um bem seleccionado espécimen”»342. Depois, a disposição dos objectos,

harmonizada com a temática e com a imagem que será transmitida aos visitantes,

requererá a intervenção do designer (ao qual se juntam os cenógrafos, os artistas

gráficos e os desenhadores museográficos). O público irá interagir com o espaço que,

tradicionalmente, é aquele com que pode contactar (os objectos estão na tentação das

mãos, mas é aos olhos que está o privilégio de comunicar com eles). Importa, por isso,

apetrechar o local com os meios disponíveis e suficientes, desde que eficientes, para que

o visitante saia esclarecido e motivado a regressar.

Atendendo à disposição dos objectos, às infraestruturas da exposição e aos

dispositivos complementares, surgem várias questões:

«Como é que se introduz ou orienta os visitantes para os conceitos da exposição? O design da

exposição e, talvez, as suas mensagens, sugerem um único caminho através dos espaços? Ou,

se a exposição tem “subtemas”, como é que estes são diferenciados do tema principal? Como

se acomodam os visitantes com diferentes níveis de interesse ou conhecimento? A exposição

necessita de espaços para acomodar grupos de visitantes (especialmente grupos escolares)?

Como e onde se inserem elementos audiovisuais – computadores com ecrãs tácteis, elementos

vídeo ou áudio, até pequenos auditórios – para dar aos visitantes uma pausa no seu progresso

pelos espaços de exposição? Como é que grupos de visitantes utilizam confortavelmente

elementos interactivos? Como é que os elementos da exposição “atraem” visitantes por

intermédio dos espaços de exposição?»343

E, para finalizar, «Como comprometer os visitantes a

responder às mensagens da exposição?»

Alexander sugere os livros de comentários (ou chamados livros de visita), o

meio mais simples e habitual; ou placas de resposta; ou por meio de monitores

audiovisuais, onde os visitantes podem igualmente «registar» as suas opiniões,

sugestões e demais comentários, os quais, segundo a autora, se têm tornado cada vez

mais comuns em exposições.

Falando de espaços, Alexander faz um particular apontamento para a transição

da «“tirania da sala rectangular”» – onde os objectos se confessam unicamente às

paredes e ao chão – para a opção e interesse por «paredes curvas, angulares ou telas;

painéis móveis; várias divisões; ângulos; e plataformas “para reduzir a área absoluta do

chão”».344 Estas são expressão dos designers modernos. Judite Primo diria que essa

«“sala rectangular”» se compadecia com uma opção Oitocentista, à medida da «elite

dominante», regozijando o «passado, antigo e velho» pela via decorativa em detrimento

da «busca da compreensão e transformação da realidade através da análise e da reflexão

342

Idem, p. 242.

343 Idem, p. 243.

344 Idem, p. 244.

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crítica e dinâmica do presente». O seu par antagónico, crente na «utilização

“exibicionista” das novas tecnologias, ou como dizia Ulpiano Menezes, pela

“disneylandificação” dos museus»345. A espectacularidade das encenações leva à

fundamentação das exposições-espectáculo como a realização simultânea de «uma série

de experiências estéticas e pedagógicas, desde uma perspectiva eminentemente lúdica e

teatral»346

. Como diria François Barré, «a meio do caminho entre a exposição clássica e

o parque temático». Na opinião de Alexander, trata-se de confrontar o monótono e o

previsível com o que há de mais apelativo, a outro ritmo.

Tomadas como primeira preocupação as técnicas de sempre, nomeadamente a

luz (a luz natural), outro sector apraz aos designers da exposição: a artificialidade e a

tecnologia. Não se fala apenas de luzes de halogéneo ou de jogos de luz dissimulados,

fala-se em multimedia e em monitores de computadores que permitem apreciar a

exposição e os seus objectos «num contexto mais amplo», em ângulos diversificados,

segundo perspectivas alternativas e com uma proximidade invulgar, permitindo a acção

e o contacto, mas também informação complementar às obras. Permite conhecê-las

melhor a montante (o criador [artista ou não], as técnicas ou processos requeridos ou

empregues na história dos objectos e/ou sobre o contexto original do objecto agora em

exposição), fases não presenciadas e que permitem contextualizar e, talvez, guiar a

interpretação, condicionando-a ou abrindo-a.347

A estes se junta o vídeo – seja num

formato introdutório ou complementar à exposição – que contextualiza «e define o

cenário para a exposição», prepara o visitante para aquilo que o espera e dá pistas para

aquilo que pode vir a experienciar durante a visita; e também o áudio (no formato de

áudio-guias) que permite ao visitante, sempre que quiser, ter uma descrição, um

comentário ou uma interpretação daquilo que vai visionando – muito útil aos visitantes

de outras nacionalidades ou com insuficiências sensoriais como a visão. Acrescente-se a

estes dois pontos apresentados por Alexander, as legendagens e as texturas em braïlle

para invisuais e, também, uma sinalética de cores para daltónicos, por exemplo. O

visitante, com os dados e os instrumentos que tem ao seu dispor, adquire uma certa

autonomia no processo de interpretação, usufruindo de informação auxiliar.

345

Judite Primo, «“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem

museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Museologia: Teoria e

Prática, p.106.

346 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 276.

347 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., pp. 245-246.

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Diz Alexander que «o formato áudio-guia explodiu recentemente em museus,

experimentando tecnologia desde iPods à radiodifusão e a telemóveis pessoais».348

Esta

afirmação vem no seguimento daquilo que investigadores nesta área, e anteriormente

citados, previam. De forma ainda mais abstracta, mas simultaneamente quase real e

palpável, está o fenómeno de transposição das colecções e das exposições dos museus

in loco para uma plataforma cibernética possibilitada pela Internet.349

Dois caminhos

poderão desenhar-se. A estrutura montada online poderá ser o aperitivo, um aliciante

para o visitante, preparando-o para aquilo que irá encontrar, dotando-o de informação

(que pode ser descarregada pelo download) que lhe permita compreender melhor a

temática em questão, e melhor organizar a sua visita no museu, estabelecendo rotas e

pontos de interesse. Ou, subversivamente, pode afastá-lo, por concluir que a temática

e/ou o conteúdo, ou a apresentação não sejam suficientemente aliciantes para motivar a

sua deslocação. Assim, a partir do computador pessoal, confortavelmente acomodados

em casa, visitantes ou não-visitantes podem entrar nos museus, aproximar-se dos

objectos, observar de perto a sua forma, o traço, a cor, o desenho, os mecanismos,

compreender a sua construção e os pretextos que lhes deram origem (o contexto

criativo, histórico-social e cultural).350

Os títulos, as legendas e as descrições devem ser o convite apetecível para a

descoberta da exposição e o alargamento do conhecimento sobre cada peça. A regra ou a

experiência de quem com estes espaços e acontecimentos vai convivendo ditam que as

legendas querem-se curtas (e multilíngues). A rapidez de absorção é directamente

proporcional à paciência e ao tempo com que se vive, hoje, o mundo. Para tal, deve

ajudar a proximidade da legenda ao objecto a que se refere. Mais acrescentaria Beverly

Serrell, parafraseada por Alexander: «Legendas com referências visuais concretas

provocaram nos visitantes um ler-olhar-ler-olhar351», e estes, na onda desta leitura

348

Idem, p. 246. Note-se que esta edição é de 2008.

349 São exemplos, a nível internacional, o Art Project, o World Wonders e os arquivos de Nelson Mandela,

e, recentemente, mais 42 exposições históricas online, que o motor de busca Google (Culture Institute)

promove. (Cf. Afonso Moura, «Google disponibiliza online 42 novas exposições históricas» in Jornal i

(ionline), 10 de Outubro de 2012, http://www.ionline.pt/boas-noticias/google-disponibiliza-online-42-

novas-exposicoes-historicas. Ver, também, http://www.google.com/culturalinstitute/#!home,

http://www.googleartproject.com/, http://www.google.com/intl/en/culturalinstitute/worldwonders/)

350 Dos EUA vem o exemplo Within These Walls do Museu Nacional de História Americana. (Ver

www.americanhistory.si.edu/house)

351 «Read-look-read-look»: lido em inglês, a cadência dos sons transmite, de facto, a ideia de rapidez e

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visual, «lerão em voz alta legendas interessantes, ampliando interacções sociais e

cativando as crianças também»352. Como se verifica, os pormenores são tudo menos

menores e têm um contributo insubstituível na comunicação entre o museu – o primeiro

objecto sobre o qual as atenções se desdobram – e a exposição (o móbil da presença do

visitante). A motivação tem mostrado ser a qualidade ofensiva, que, pensa-se, e de

forma assertiva, ser enredada pela inteligência e pela sedução num jogo comum.

Um dos volta-faces do século XXI foi precisamente fazer do museu um local,

um mundo de confluência de perspectivas, de democratização do mundo, onde o

confronto oscula, satiriza, discute e contribui para o sentido crítico e interpretativo do

indivíduo, afastando já uma outra tirania: a da perspectiva única, a da «“voz (ou tom)

curatorial” da exposição».353 A questão coloca-se já no ponto da «“autoria” das

exposições». Isto é, quando a preparação das mesmas apresenta um alinhamento onde

outros profissionais da equipa do museu intervêm e dão sugestões, os créditos deveriam

repartir-se, naturalmente, entre aqueles que as pensam, os que executam e aqueles que

contribuem, de fora, para que ela aconteça. «O produto final» tem assim múltiplas

origens e tonalidades diferenciadas. «Mas como Jan Ramirez do Museu da Cidade de

Nova Iorque sugere: “Se se vai estruturar exposições para que pessoas com diferentes

formações possam vir e encontrar-se a si próprias, vai ter de se atropelar pessoas.

Porque, sabe, ao criar um espaço para um grupo se encontrar, está a eclipsar a história

tradicional que estava a contar a outro. E eles podem ser os seus benfeitores.”»354

«As exposições museológicas são interpretações – desde o conceito às técnicas

de exposição aos textos nas paredes.»355 A declaração de Alexander é objectiva e a ideia

persistente. Desvallées e Kinard viram o novo museu – o museu-transformado – sob

duas regências: a «aproximação, desde as seleções de acervos até suas interpretações, do

interesse e das condições de compreensão dos públicos» e «as interpretações

substituindo os entesouramentos».356 Para Kinard, o museu deve «servir a comunidade»,

fácil associação que se pretende transmitir.

352 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 248.

353 Idem, p. 249.

354 Idem, p. 249.

355 Idem, p. 249.

356 John Kinard, Intermédiaires entre musée et communauté (1971) sob o escrutínio de André Desvallées,

em Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie, vol. 1, Paris, W M. N. E. S., 1992. Apud

Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria

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e ter em conta as múltiplas hipóteses que legitimam e dignificam a expressão museu.

Exposições especiais, êxitos de bilheteira e acções de reconversão dos museus

em centros de vida social e de entretenimento são algumas das medidas em que os

museus se apoiam para publicitarem a sua existência e se afirmarem na vida social,

expandindo «o seu alcance e esforços de marketing». Esta forma de actuar poderá ser

melindrosa no sentido de esta faceta mais expansiva e de entertainer poder vir a

comprometer as suas missões tradicionais. Alexander aborda, por sua vez, a pesquisa

como uma actividade transversal a várias fases do processo de construção da exposição:

desde a definição do conceito à escolha dos objectos-chave – que «reflectem a»

mensagem que se pretende transmitir pela exposição e, até, o recurso a peças únicas,

bem como a avaliação das expectativas dos visitantes.

Se a Internet é, hoje, o meio que mais facilita o acesso à informação textual e

visual – e, no campo da museologia e das colecções, equaciona-se atribuir-lhe o papel

de instrutora do (possível) visitante sobre a colecção –, qual é, afinal, o propósito das

exposições museológicas in loco? «Com o aumento da comunicação e das viagens

internacionais – ambas em tempo real e por intermédio dos media e do ciberespaço –,

como é que os museus competem pelos interesses do público quando design de alta-

qualidade está disponível em centros comerciais, restaurantes temáticos e até em

terminais de aeroportos? O encolher do mundo põe grande pressão nas exposições

museológicas para competir pela atenção do público»357.

Os museus do século XXI são, assim, desafiados a conceber soluções

equilibradas que permitam cumprir o dever de guardiões das suas colecções e a serem

capazes de conquistar o público pela exposição. Para isso, terão de ser os principais

concorrentes não só das actividades culturais tradicionais, como nota Alexander, mas

também de propostas acirradas que surgem quase instantaneamente. Como dizia Mário

Chagas, há pelo menos duas correntes museológicas que se manifestam assídua e

«dramaticamente» no planeamento estratégico do museu: a «cristalização do passado,

de valorização de objeto em relação ao homem/sujeito [sic]», por um lado, e a

«transformação radical de valorização do homem/sujeito em relação ao objeto».358

No final, pergunta Alexander, como «medir o sucesso» das exposições? A

Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, p. 36.

357 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., pp. 251-252.

358 Mário Chagas, Museu: coisa velha, coisa antiga, 1987. Apud Judite Primo, «“O Sonho do

Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem museográfica», p. 105.

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questão decorre de uma outra, não menos pertinente, lançada por Michael Kimmelmen,

no New York Times. «“A questão não deve ser quantas pessoas visitam os museus, mas

quão valiosas são as suas visitas?”»359

Há diferentes grupos a avaliar e, como tal,

diferentes tipos de avaliação, diferentes expectativas, diferentes graus de satisfação,

diferentes ambições. Dos membros da direcção do museu aos financiadores,

patrocinadores, gestores do website da instituição, avaliadores profissionais, até os

visitantes que chegam pela primeira vez. Para Michael Belcher, basta o seguinte: «“Se

um visitante deixar uma exposição com uma nova sensação de maravilha, de

entendimento, ou de utilidade, pode dizer-se que aquela teve sucesso”»360.

Há uma pequena história, contada por Judite Primo, e vivida pela própria

docente de Museologia, que reflecte, em certa medida, o primeiro impacto de um

visitante perante o museu e a exposição. Começa por dizer que

«julgamos que é um dado adquirido que na entrada dos museus existe um número excessivo de

proibições e, essa característica na instituição museológica sempre foi algo que me incomodou

profundamente. Visitando durante um final-de-semana vários museus, tornou-se assim mais

evidente que em todos eles havia logo na porta principal um cartaz que enumerava tudo o que o

visitante não podia fazer, entre a listagem de proibições estavam: “não correr, não fotografar,

não comer dentro das salas de exposições, não tocar, não gritar”. Após o sexto museu visitado,

comentei com um amigo que o ideal de todo museólogo era colocar o visitante dentro de uma

vitrina, só assim conseguiriam proteger seus acervos [sic]»361

.

Repare-se, igualmente, nas palavras de Mário Chagas: «(…) o museu é o gentil

depositário ou o fiel carcereiro. Além disso, existem horários e dias interditos (…)»362.

Não pretendendo com isto, a doutora em Educação Patrimonial e Museologia,

liberalizar toda e qualquer expressão do visitante sobre as peças – ideia clara pela

continuação da leitura do seu ensaio –, surge (e urge) a necessidade de destacar uma

observação pertinente que decorre dessa experiência de fim-de-semana: «(…) Os nossos

museus preocupam-se tanto em salvaguardar seus acervos que esquecem porquê, para

quê, e para quem estas instituições existem».

359

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 252.

360 Idem, p. 252.

361 Judite Primo, «“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem

museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Museologia: Teoria e

Prática, p. 103.

362 Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu e

Políticas de Memória, p. 51.

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3.2.2. O segundo naipe de funções: interpretar (para) e servir

3.2.2.1. Interpretação, de quem é a culpa?

«“Que a comunicação e a educação na exposição sejam concebidas essencialmente como

forma de alimentar a capacidade crítica.”»363

Um objecto não é só matéria. A discussão a esse propósito já desassossegou e

entusiasmou vários pensadores e filósofos. O objecto é obra, é criação (de alguém),

requer técnica e conhecimento, tem um passado e uma utilização que lhe confere um

estatuto, mais ou menos nobre. Mas integra também algo superior: história, perspectiva,

memória, afeição, emoção, poder. Colige factos moldados como barro por quem os

apresenta e por quem se atreve a interpretá-los.

Em 1905, Benjamin Ives Gilman degusta a Arte, discorrendo com gáudio «“a

mais prazerosa forma de introdução aos objectos de arte é indubitavelmente a

companhia de alguém que os conhece e que nos guia até eles e instila em nós, por

palavras e pelo seu comportamento, a sua familiaridade e amor por eles. Visitas aos

museus em companhia de tais pessoas ficam gravadas nas nossas memórias e afectam

todo o futuro da nossa experiência estética”»364. Resumindo: aquele que domina o

assunto – que é capaz não só de o explicar, mas também de sussurrar por entre as

palavras certas e verdadeiras o entusiasmo, a atenção e a dedicação – é um factor de

motivação acrescido para o visitante. Não serão apenas capturadas as imagens do

edifício e dos objectos, mas também aquilo que eles querem dizer, enquanto pregadores

de mensagens e geradores de significados no(s) seu(s) interlocutor(es), numa vasta área

de experiência (não só estética).

Na década de 1920, John Cotton Dana projectava a instituição museológica para

aquilo a que esta se dedica ou começara a ser seu objectivo, sobretudo, a partir da

segunda metade do século XX: a atracção, o entretenimento, a curiosidade, o

questionamento. E quando há interesse e entusiasmo, há aprendizagem. De uma ponta à

outra do século XX, a educação persiste como aspecto imprescindível, e o seu raio de

363

Ulpiano Bezerra de Menezes apud Judite Primo, «“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio

para uma nova linguagem museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –

Museologia: Teoria e Prática, p. 103.

364 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 257.

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operação cada vez mais profundo. A educação está no «“negociar entre os significados

construídos pelos visitantes e os significados construídos pelos museus”»365. A acção é o

passo que se segue à interpretação dos objectos.

Analisando a orgânica interna de um museu, pode concluir-se que a actividade

educativa faz dessa instituição um órgão fortemente «“interpretativo”»366

. Gordon

Ambach (o comissário para a educação do Estado de Nova Iorque, em 1986)

considerava que práticas como «coleccionar ou escolher um objecto para destacar»

fazem do profissional que as executa um intérprete. Isto porque debruça-se sobre a

orientação do objecto, daquele objecto específico, a sua importância na globalidade da

exposição e para a temática e a sua relevância, «antecipando as expectativas dos

visitantes ao ver o artefacto ou a obra de arte»367. Fazem-se avaliações e «julgamentos»

porque se sente uma forte presença do poder de escolha e de preferência de um objecto

(o digno de) em negação de outro, em cada momento, seja na constituição da colecção

e/ou na selecção das melhores técnicas e produtos para a conservação e para a triagem

dos objectos a exibir. Tudo isto implica opções. A interpretação é, assim, equacionada

como educação baseada num processo de várias etapas de transmissão de mensagens

(intencionais ou não) para o público, parafraseando Mary Alexander.

O que é, pois, interpretar em contexto museológico? Na perspectiva do

historiador Freeman Tilden368

, antes de mais, a interpretação é a primogénita expressão

de comunhão entre o que é exibido e a «personalidade ou experiência do visitante».

Interpretação sem esta ligação é palavreado «estéril».369 É exigida dádiva pessoal. Esta

premissa inapelável rodeia-se de outras questões importantes: «Informação, enquanto

tal, não é interpretação. Interpretação é revelação baseada em informação. Mas são

coisas totalmente diferentes. Contudo, toda a interpretação inclui informação»; «o

principal objectivo da Interpretação não é a instrução, mas a provocação»; a

interpretação deve poder chegar a ser produzida pelo todo e a dirigir-se ao todo – o

indivíduo como um todo. Por essa razão, o discurso e os conteúdos para adultos e para

365

Lisa C. Roberts, From Knowledge to Narrative: Education and the Changing Museum (1997), apud

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 257.

366 Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion, p. 257.

367 Idem, p. 257.

368 Freeman Tilden foi um dos pioneiros na instauração dos princípios e das teorias de Interpretação do

Património.

369 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 258.

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crianças deverão ser pensados separadamente.370

Outros se pronunciaram também sobre este assunto. Para Edward Alexander,

interpretação define-se por «procurar ensinar certas verdades, revelar significados,

fornecer compreensão. Deste modo, tem um sério propósito educativo». É «baseada em

objectos, animados ou inanimados; naturais ou artificiais; estéticos, históricos ou

científicos». «É apoiada por parecer científico ou pesquisa histórica que examina cada

objecto do museu, fortalece cada programa, analisa o público do museu, e avalia os seus

métodos de apresentação de modo a assegurar uma comunicação mais eficaz.» «Faz

uso, sempre que possível, de percepção sensorial – visão, audição, cheiro, paladar, toque

e sentido muscular cinético. A aproximação sensorial, com as suas conotações

emocionais, deveria completar mas não substituir a via racional habitual para

compreender, provida de palavras e verbalização; juntos constituem um processo de

aprendizagem complexo». «É a educação informal» sem a formatação da sala de aula e

o sentido de obrigatoriedade associado – que indisponibiliza quase imediatamente o

interesse genuíno –, no tempo devido e sem pressões. Desta forma, abre-se a mais

demoradas palestras, ao alargamento do conceito de visitas e à procura de alternativas

para «satisfazer» a curiosidade e as pontas soltas ou sugestões dos sítios que visita.

Parte substancial da definição de interpretação, por Edward Alexander, encontra

parentesco na descrição que Francisca Hernández faz de museologia de enfoque ou

ponto de vista quer nas técnicas e instrumentos utilizados quer nos comportamentos do

museu e do visitante.371

Estes são motivos que enchem e justificam uma das conclusões do Belmont

Report372 sobre o papel dos museus estado-unidenses. Vistos como instituições

educativas determinantes num esquema complementar de bibliotecas, e, num ponto de

intervenção ainda mais significativo, em escolas públicas. Esta característica que os

370

Estes são alguns dos princípios tomados como essenciais por Freeman Tilden – no que respeita à

interpretação em Interpreting Our Heritage e tendo como objecto o National Park Service –, que se

tornaram «referências» para os funcionários dos museus de história.

371 Ver Francisca Hernández Hernández, op. Cit., pp. 259-263. El museo como espacio de comunicación

revela que a pretensão da museologia do ponto de vista é a de que «a partir de um novo conceito de

comunicação e de mediação dos saberes, [se] cria um espaço onde a relação entre o visitante e os saberes

se dá através de um meio interactivo».

372 Comissionado pelo presidente Lyndon Johnson e publicado em 1969, e do qual Mary Alexander se

socorre.

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museus passaram a revelar e a importância que lhes imputaram foram também

reconhecidas pela Associação Americana de Museus (AAM), fazendo convergir os

significados de educação e de interpretação neste tipo de espaços, e responsabilizando

o museu pela conciliação da interpretação com as necessidades dos diferentes públicos.

O relatório da AAM, publicado em 1992, sob o título Excellence and Equitity:

Education and the Public Dimension of Museums, «é uma importante pedra de toque

para a interpretação do museu no século XXI», destaca Mary Alexander. No correr das

intervenções sobre o papel do museu e a sua relação com a aprendizagem, a

compreensão e a interpretação, também a AAM se pronuncia: reforça a ideia de que

museu como armazém é passado e a de que centros educativos é presente. Os museus

devem aperceber-se e inteirar-se de «como as pessoas aprendem em ambiente

museológico», apostar na sua relação com alunos de vários níveis de ensino, famílias, e

prosseguir com os adultos, programando experiências diversificadas para assim

acompanhar diferentes níveis de aprendizagem – o que se reflectirá na sua capacidade

de ser flexível e de melhorar as estratégias de exibição e de programação, auxiliadas

pela tecnologia. A inovação permitirá, a este nível, alargar a capacidade de atracção e de

acolhimento (entrosamento e acessibilidade) do público. Aqui, cabem também os media

electrónicos, projectando as experiências que podem ser realizadas no museu e fora dos

seus limites físicos. Mais, os «“laboratórios de aprendizagem” em museus

seleccionados para pesquisa, experimentação e disseminação de informação sobre

exposições e o desenvolvimento, implementação e avaliação de programas bem como

sobre a natureza especial da aprendizagem no museu e dos públicos do museu».373

Neste ambiente de interacção entre o museu e o público, também o visitante é

incorporado nas responsabilidades que o museu passou a assumir (nomeadamente de

educação). É isso que se depreende da definição de museu pelo International Council of

Museums (ICOM), em 1995. O museu passa a ser uma instituição pertencente a uma

escala e a uma rede que contraiu o seu tom no serviço público e na educação. O

relatório Excellence and Equitity sugeria que o museu e a comunidade estivessem

totalmente comprometidos: «valores e atitudes do “administrador, funcionários e

voluntários; exposições; programas públicos e escolares; publicações; esforços de

relações públicas; pesquisa; decisões sobre o ambiente físico do museu; e escolhas

sobre coleccionar e preservar. Estes elementos estão entre os muitos que configuram as

373

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 260.

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mensagens educativas que os museus transmitem para o público”»374.

«Tal como Ambach sugere, todas as actividades do museu transmitem decisões e

ênfases interpretativos.»375 A visita pode ser planeada ou ser uma surpresa. De um lado,

a investigação do local, do seu conteúdo e do meio envolvente; ou simplesmente

deslocar-se à instituição sem expectativas ou preconceitos, sem uma imagem e

pormenores. O visitante recebe uma primeira mensagem: a do edifício com que se

defronta. Se existe já familiaridade com a temática e/ou a colecção, o visitante consegue

orientar-se autonomamente pela exposição. Como tem vindo a ser referido, a Internet é

o recurso que mais tem contribuído nesta modalidade de visita. A definição do trajecto e

a orientação da visita são escaladas pelo visitante com base na informação, muitas vezes

seleccionando as peças de maior relevância ou os espaços obrigatórios, além de

indicações práticas e úteis como orientação geográfica do museu e direcções, preços e

taxas, ou descontos, estacionamento e outros serviços prestados pelo próprio museu.

Para quem não se antecipou, por intermédio dos instrumentos disponíveis além

museu, a sua experiência inicia-se no local. As apresentações explicativas,

independentemente do meio utilizado, uma exposição de objectos representativos da

colecção e da(s) temática(s) ou a decoração das instalações dos edifícios, das galerias e

das salas poderão ser o primeiro contacto do visitante com o museu e um preâmbulo

cativante e útil. As descrições que legendam e acompanham a exposição da forma mais

pormenorizada, o destaque dos temas mais relevantes das exposições e os espaços com

maior repercussão nas experiências poderão ser reconhecidos como guias na visita.

Quanto aos museus de menor dimensão (e, em regra, com menos recursos),

poderão destacar-se pela irreverência: uma apresentação alternativa (uma performance

relacionada com a temática – imagine-se um ofício industrial), além de mapas ou

brochuras não só de localização mas também de sugestão de trajectos, de peças em

destaque ou das várias salas expositivas, mas com informação cientificamente crível que

instigue o visitante a guardar aquele folheto. Como disse Alexander, «o propósito é

assegurar que os visitantes estejam confortáveis no museu», que se sintam à vontade,

acolhidos, para que possam disfrutar do que lhes é apresentado. «Michael Belcher

sugere que existem quatro elementos básicos para a orientação do visitante. Eles são

geográficos (postos de orientação e mapas do edifício), intelectuais (vídeos e

374

Idem, p. 260.

375 Idem, p. 260.

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publicações), conceptuais (áreas de orientação e publicações) e psicológicos (brochuras

genéricas do museu e materiais promocionais).»376

Por outro lado, há quem opte por uma visita guiada. Em vez de «fazer o seu

caminho»377

ao seu ritmo, aprovisionado de indicações, informação, mensagens e

significados prévios facilitados por meios que não se resumem a guiões ou folhetos

impressos. A informação encontrada em mesas, nas paredes e no tecto combinada com o

aspecto do museu são, simultaneamente, pistas directas e imediatas no sentido de um

primeiro encontro. Todavia, o desenrolar da relação visitante-museu é susceptível de

pensar a simplicidade de forma fecunda e criativa. Hoje, a tecnologia apresenta

dispositivos portáteis – como se de uma «“varinha”» de condão se tratasse, graceja

Alexander – aptos a fazer aparecer informação na altura e na língua desejadas, com

hipótese de interromper e de recuperar ou de retomar, em ciclos programados. São

aparelhos cada vez mais pequenos que oferecem mobilidade e conforto. Alexander

aclara que as «varinhas podem oferecer múltiplos níveis de informação interpretativa:

identificação básica do objecto; pormenores das origens ou do contexto histórico,

artístico ou científico do objecto; música de época para adicionar outro elemento

sensório à visita. Hoje, os museus experimentam com a radiodifusão mensagens

interpretativas de áudio e vídeo nos telemóveis dos visitantes, iPods e MP3 players».

As visitas guiadas personalizadas têm um custo acrescido, mas a mensagem

chega com maior gravidade e maior humanidade interpretativas. Desta equipa de

profissionais poderão fazer parte professores, voluntários, membros da equipa do

museu. Exige-se conhecimento, boa preparação e treino, técnica, actualização constante,

e qualidades humanas como a amabilidade, a disponibilidade, a criatividade e a

sensibilidade. Um guia que seja um comunicador nato tornará a «experiência de

aprendizagem agradável, até mesmo memorável». Mais, «docentes voluntários podem

tornar muitos pequenos museus economicamente possíveis, e também servem como

importantes embaixadores do museu na comunidade em geral»378

.

376

Idem, p. 261.

377 Idem, p. 261.

378 Idem, p. 262.

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3.2.2.1.1. Multimedia, demonstração e participação (o toque) – do virtual ao

manual

O multimedia surge na forma de «sons, cheiros, vinhetas históricas»,

representações (de actores), interactividade em plataformas concebidas para o toque, a

reprodução/reconstrução tridimensional de objectos (ou, quem sabe, em hologramas

para se aceder e ver as complicações do objecto, quando aplicável, nomeadamente em

maquinaria). A manipulação de objectos e de instrumentos e as experiências que

envolvem maior empenho físico e sensorial durante o percurso a que a nova museologia

«convida» vêm quebrar o letreiro mais usual num museu, a maior preocupação dos

seguranças e a ideia preconcebida de que não se pode tocar. Mais, lugares de repouso,

de apoio, rampas de acesso entre pisos incentivam à utilização física do edifício e dos

objectos. A isso junta-se o cheiro: os livros têm o seu odor característico, por exemplo.

Trata-se de «uma museografia da sugestão, da analogia e da cumplicidade entre museu e

visitante», que estimula a imaginação e a inteligência. É assim que se caracteriza a

museografia sensorial e a sua capacidade de comunicar.379

Segundo este conceito de visita é possível introduzir momentos de paragem para

que «“experimente com a sua mão”» situações de diferentes âmbitos (do histórico ao

científico ou ao artístico). A experiência tem outra profundidade e outro nível de

conhecimento. No formato de demonstração do funcionamento de uma máquina ou de

actividades industriais, por exemplo, por conhecedores ou antigos profissionais do

ofício; ou encenações dessas tarefas, ou mesmo a realização (acompanhada) de parte

delas pelos próprios visitantes (da obra de arte à construção de uma máquina); ou, ainda,

a explicação do processo de criação, fase a fase, comentada.

O exemplo de Alexander é, proveitosamente, coincidente com a temática dos

três museus que inspiraram este trabalho: «A manufactura de roupa com a cardagem,

fiação e tecelagem feitas à mão ou por máquinas rudimentares pode ser de longe mais

elucidativa e excitante do que a legenda com ilustrações do processo»380

. A verdade é

que alguns acontecimentos, factos, objectos (sejam utilitários, de arte ou artefactos

industriais) e histórias exigem, de acordo com Alexander, capacidade intelectual, análise

comparativa, abstracção, percepção sensorial e dramatização das colecções de objectos

379

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 262. Reflexões sobre a museologia de enfoque ou ponto

de vista.

380 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 263.

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por parte do visitante, e, por isso, formação académica superior porque é necessário

questionar381

para compreender e relacionar e confrontar dados apresentados com

diferentes perspectivas e estudos, por exemplo. Ou, simplesmente, questionar a

importância de tais objectos e acontecimentos no tempo que agora se vive. Ou fazer

questões que esgaravatem o isco que é a informação fornecida pelo guia. A encenação –

com recurso a actores profissionais (ou a funcionários do museu) como contributo para

a «“história viva”» – de cenas do quotidiano, de actividades e de ofícios, cumprindo o

induto, os figurinos e a cenografia; produzindo artesanato da época e adoptando a

linguagem, os termos, a consciência histórica e social e temporal da época envolvem

esses mesmos performers num contexto específico ao qual deverão estar circunscritos,

não podendo pronunciar-se sobre assuntos posteriores.382

O preparado teatral completa-

se convidando os visitantes a integrar o elenco e a participar na dramatização.

Quando há elementos da equipa do museu que viveram parte de histórias

reavivadas; ou realizaram, experimentaram ou possuem conhecimentos práticos sobre

tais tarefas, actividades e ofícios relacionados com a temática (directa ou

indirectamente) do museu (tecer, bordar, etc.), a autenticidade ganha ainda mais valor. O

distanciamento em relação a essa realidade diminui, pois contacta-se não só com o

produto, mas com quem a ele esteve ligado e ouve as histórias na primeira pessoa –

algumas inéditas porque a conversa assim puxa a memória para situações não antes

lembradas. Estas acções permitem dinamizar todo o conjunto, isto é, estimular o

interesse dos visitantes, gerar dinâmica durante a visita (com interacção social) e tornar

os diferentes espaços do museu vívidos. Alma Wittlin considerava que «as melhores

exposições museológicas criam diálogos com os visitantes em vez de oferecer o

monólogo do curador»383

.

Falk e Dierking comentam que a ida ao museu é feita frequentemente em grupo

e, por isso, «o que os visitantes vêem, fazem e se lembram é mediado por esse grupo».

Quem vê a exposição não é apenas um corpo físico (não é apenas biologia), é também

um ser com passado, conhecimento adquirido, experiências vividas e crenças. Estas são

características variáveis, individuais e partilháveis, mas que não podem ser sentidas ou

381

«As respostas que encontre serão proporcionais às suas capacidades [dos visitantes] de entender a

mensagem. O objectivo da exposição e do museu é produzir estímulos, suscitar perguntas.» Joan

Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 104.

382 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 263.

383 Idem, p. 264.

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interiorizadas da mesma forma pelo outro; daí «personalizar a mensagem do museu» de

acordo com essas idiossincrasias. O museu é um lugar de destino pela raridade que lhe

está associada. Os objectos que expõe não são as fechaduras e as chaves corriqueiras

das portas do dia-a-dia; destacada está também a aparência do museu: «Os visitantes são

fortemente influenciados pelo aspecto físico dos museus, incluindo a arquitectura, o

ambiente, o cheiro, os sons e a “sensação” do espaço», e ainda «pela localização das

exposições e pela orientação dos museus».384

Jan Packer, num artigo para a revista

Curator, e citado por Mary Alexander, interpretara a (motivação da) ida das pessoas aos

museus enquanto indivíduos «interessados em “aprender por diversão”, pelo prazer do

processo mais do que para aprender ou compreender algum facto ou ideia específica».

Um painel de actividades frequentes, criativas e exploradoras – seja das

conversas aos debates ou seminários385

, aos programas de maior componente visual e

mais práticos (workshops ou os chamados trabalhos oficinais) ou com recurso às

próprias peças – pesa na decisão de regressar e, também, na conquista de

patrocinadores, na forma de financiamento, de doação de peças ou até de colecções. Um

museu de pequenas dimensões poderá aproveitar uma data ou acontecimento

comemorativo relacionado com a sua colecção ou, se a pertinência e a oportunidade o

permitirem, destacá-lo preparando uma exposição mais elaborada, publicitada e

cativante. Este último tipo de museus, por natureza, dependente da sua localidade ou

regionalidade, sendo que a actuação com outras instituições culturais locais ou regionais

é benéfica. O projecto torna-se não só mais consistente, criando-se uma rede facilitadora

do encaminhamento do público para o museu, mas também a própria projecção e

sedimentação da imagem do museu na sua comunidade, localidade e região se

evidenciam. Museus de maiores dimensões e com colecções volumosas terão mais

facilidade em diversificar a programação e em investir em diferentes sectores da sua

colecção e várias «áreas de interesse».386

O sistema museológico português, as organizações e as instituições de cariz

384

Idem, p. 265.

385 As tradicionais palestras ou conferências podem ser concretizadas com recurso a diferentes suportes

físicos: slide ou exibição de filmes, trabalho de campo, conversas à volta da fogueira ou visitas de estudo.

Em alguns formatos cabe a figura de contador de histórias. Esta modalidade não tem de estar

necessariamente agarrada às paredes do museu, podendo realizar-se, bem como outros programas, em

outros locais que propiciem a reunião, como a Internet, por meio de fóruns ou blogues, por exemplo.

386 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 266.

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cultural estão, ainda, desencontrados. Receiam pela sua própria sustentabilidade e, até,

do ponto de vista relacional, as parcerias são imberbes – estão a conhecer-se

cautelosamente. «Em Portugal, os Museus e as organizações culturais em geral não

possuem nem utilizam regularmente as ferramentas de apoio à programação e à gestão,

que são habitualmente utilizadas pela generalidade das organizações económicas e de

serviços, noutros países, incluindo já as instituições ligadas à Cultura e às Artes.»387

Mais afirma Ana Stoffel, segundo a qual «nem sequer a Programação Museológica, uma

ferramenta imprescindível de implementação e garantia de funcionamento dos museus,

é aplicada nas suas fases de estruturação, construção ou remodelação, apesar de ser

exigida por lei, de existirem em Portugal bons especialistas nesta área, e de várias

dissertações de Mestrado sobre o tema terem já sido defendidas em diversas

Universidades Portuguesas».

Qual a via dos programas públicos? As demonstrações, as palestras, os trabalhos

oficinais (workshops), os ciclos de filmes, os espectáculos e outro tipo de manifestações

artísticas como acontecimentos musicais. Todos estes momentos devem ser criativos,

inventivos, irreverentes, imaginativos – resumindo: um painel de adjectivos sinónimos

que deverão, persistentemente, ser estimulantes e companheiros na construção da

actividade e no planeamento do programa. Dinamismo é a palavra. Os programas têm

de comunicar directamente com os interesses e as necessidades dos públicos, satisfazê-

los e preenchê-los; ser bem executados; e ser empáticos (em grande parte, devido aos

funcionários). A recompensa estará no passa-a-palavra e na imagem transportada,

comentada e lembrada. As qualidades dos profissionais (nomeadamente daqueles que

gerem o património e os museus) constituem um tema sob grande escrutínio e em

evidente ascensão. Varine adverte para que estes sejam dirigentes comunitários

conscientes e comprometidos no desenvolvimento do território. Que tenham formação,

capacidade de iniciativa, inovação, comunicação, sentido de mediação cultural e social,

que saibam conciliar e gerir o privado e o público (assuntos de política[s] e

administrativos).388

387

Ana Mercedes Stoffel Fernandes, «Gestão Museológica e Sistemas de Qualidade: Qualidade e Museus

– Uma parceria essencial – Introdução» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas

do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades

e Tecnologias, 2007, p. 135.

388 Hugues de Varine-Bohan, «Quelques idées sur le musée comme institution politique» in Cadernos de

Museologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, p. 13.

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A irreverência está em trazer para casa a tridimensionalidade que o público está

habituado a ver e a vivenciar no local. Esta seria a solução mais óbvia e natural:

contemplar o objecto no local que melhores condições ofereça para a sua preservação.

No entanto, há já várias modalidades e personificações de contadores de histórias. Da

oralidade à escrita. Na escrita, uma caterva de informações impressas mais ou menos

estilizadas: das publicações (guias; catálogos de exposição; publicações especializadas,

com estudos académicos, relatórios de pesquisa; jornais) aos livros comemorativos, às

brochuras, aos panfletos. Diz Alexander que «eles agem frequentemente como

embaixadores a longo-prazo do museu nas prateleiras de livrarias públicas e até

pessoais»389

.

O rigor e a acuidade científica, a linguagem adequada, a coordenação eficaz, a

produção e o design aprumados tornam os materiais impressos estratégicos na

montagem, associação e preservação de uma imagem que registe e identifique o museu,

para que este seja reconhecido. Se acontecer a visita ser conduzida por guias insípidos e

monótonos, a informação recebida (ouvida e lida, e, até, guardada nas mochilas ou

alforges de serviço) torna-se inútil e só faz monte. Se se adicionar objectos peculiares

com informação complementar – que se faça apresentar na versão de estórias,

acontecimentos e curiosidades de trato quotidiano (relatos) ou narrativas mais ou menos

romanceadas, nas quais, contudo, também se pode analisar a sua cota de

história/biografia – e referências bibliográficas, publicadas com aval científico da

Academia, tornar-se-á numa obra com informação precisa, objectiva e verdadeira

sustentada por bibliografia actualizada até então.

Os catálogos de exposição deslumbram pelo grafismo mais bem-posto e são uma

solução para o museu se estender na explicação e na contextualização da(s) temática(s)

abordada(s) pela(s) exposições e em destacar alguns aspectos que, na sala de exposição,

só podem ser alimentados por pequenas legendas. É, como refere Alexander, a hipótese

de investigadores verem publicadas pesquisas desenvolvidas.

Os relatórios anuais, mais formais e institucionais, dirigidos a membros e a

contribuintes (patrocinadores, financiadores) – nos quais é possível apresentar e

discorrer sobre alguns temas e, ao mesmo tempo, pré-anunciar e/ou promover o

programa dos museus – constituem outra das práticas de comunicação do museu. E

estes podem ainda destacar um benfeitor especificamente. Actualmente, as newsletters

389

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 267.

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têm inúmeros adeptos (termo que se entranhou no léxico, sem tradução numa só

palavra, e na mecânica de trabalho das organizações e das instituições, nomeadamente,

no campo da comunicação e do marketing). Com informação sobre a calendarização

programática mensal, trimestral ou quadrimestral; a agenda semanal; curiosidades;

destaques; etc. No entanto, as formas mais inesperadas materializam-se também nos

museus. Os meios audiovisuais e electrónicos, a começar por filmes, produtos

televisivos, vídeos, DVD, CD e sítios de Internet, como enumera Alexander, mais os

desenhos animados e robotizados fazem parte da discussão sobre os meios mais eficazes

para prender a atenção do visitante.

Manter o contacto dos indivíduos com os objectos em plataformas não corpóreas

– mas, igualmente, tão reais e próximas daquilo com que é possível relacionar-se

empiricamente – mantém essa ligação e a presença de uma verdade (a da existência

daqueles objectos), podendo suscitar igualmente sentimentos de identificação e de

pertença. Ainda de acordo com Alexander, há museus que vendem «materiais

audiovisuais que destacam as suas colecções para que os visitantes possam “pré-visitar”

o museu a partir de casa». Tem sido recorrente o recurso aos sítios de Internet dos

próprios museus, onde se encontram directrizes sobre aquilo que poderá ser visitado e

observar até algumas peças, auxiliando o seu público na organização da sua visita e

«comprar programas museológicos especiais».390

Na publicitação de exposições em diversos media, são exemplos a realização de

programas televisivos dedicados especialmente a um museu ou a uma colecção com o

intuito de chegar a um público mais extenso; as publicações periódicas; os muppies no

metro ou em paragens de autocarro; os cartazes em autocarros; os anúncios

publicitários; etc., promovendo sobretudo exposições, feiras, leilões, artistas, livros,

catálogos. E um dos principais suportes de difusão é precisamente a exposição, sob

diferentes formatos (permanente, temporária, individual, colectiva, etc.). O museu é,

assim, um agente cultural com capacidade de decisão; de gestão; de «projecção

cultural»; e de controlo, até um determinado ponto, da «oferta artística», do destaque de

determinadas obras e autores.391

Voltando ao exemplo estado-unidense, «o Museu de

História Americana do Smithsonian começou a inserir as suas exposições na web

(www.Americanhistory.si.edu) para serem utilizadas por professores, visitantes que

390

Idem, p. 269.

391 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 144.

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planeiam a sua viagem à cidade de Washington, e investigadores de todas as áreas de

interesse»392

.

Uma forma de fazer caber os museus e as suas exposições nas malas escolares e

nas actividades do público estudantil é, por exemplo, por meio dos pacotes escolares

(kits) com materiais cedidos pelos museus para serem integrados nas aulas. Esta é uma

prática estado-unidense já com alguma tradição e que recua inclusivamente ao século

XIX. Consiste em guiões de aulas em contexto escolar, textos ilustrados, histórias

escritas para aliciar os jovens leitores, baús com réplicas, e materiais audiovisuais

variados, incluindo melhorias para programas de computador escolares e

domésticos»393

. Como se comprova, a ligação entre os museus e a escola é promovida

desde o início da actividade escolar. Por um lado, a promoção do património nacional, a

enfatização do vínculo à história da nação, ao enraizamento, àquilo que é fruto da mão

americana e àquilo que resultou da cota parte dos EUA; e, por outro, a ligação à cultura

e à aprendizagem, cujo conteúdo se torna matéria e programa escolares. Mestre e

Molina não se olvidaram, igualmente, de referir a íntima ligação que o museu e a escola

devem construir. Defendem tacitamente que o museu local apadrinha (e é seu dever)

uma função didáctica, quer em momentos de trabalho, quer em momentos de ócio.

Dizem que «o museu dispõe de fontes primárias e é um parceiro importante da escola na

tarefa de transformar a localidade, a cidade ou um espaço educador». Mais, «a educação

é uma tarefa da polis, ou seja, da cidade, de todos».

Estas variadas formas de o museu se apresentar aos jovens estudantes – pelo

facto de querer fazer parte da aprendizagem das crianças – têm, por isso, uma natureza

concertada com o currículo dos vários níveis de ensino. De tal forma que são criados

programas interactivos, disponíveis online, apropriados para utilização em situação de

aula. São disso exemplo diversos formatos de jogos construídos com base em conteúdos

históricos, que exigem desvendar mistérios e desenvolver estratégias recorrendo ao

conhecimento sobre determinados episódios históricos, como quizzes de cultura geral e

até visitas virtuais, aproximando aqueles que estão mais longe fisicamente dessas

instituições. Procura-se tornar os media parceiros da mensagem que os museus

pretendem transmitir. Em Museums in Motion, Alexander vê na declaração do director

de um museu europeu a seguinte realidade: «os jovens (…) “não têm o conhecimento de

392

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 269.

393 Idem, p. 268.

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base possuído pelos adultos, mas, no entanto, provam ser excelentes observadores

espontâneos, de tal forma que crianças dos nove aos doze anos podem ser consideradas

os mais brilhantes e os mais inspiradores de todos os convidados dos museus”»394

.

3.2.2.1.2. Costurar programas diferentes

No século XIX, Alexander diz ter havido a preocupação de conceber espaços

especificamente para jovens. Fez prova disso o Museu Victoria and Albert, em Londres,

e o edifício Smithsonian Castle no centro comercial de Washington. Hoje, tocar e

explorar já não são verbos non gratae nos museus. Pelo contrário, são introduzidos em

salas próprias os conteúdos relativos às exposições, colecções e museus, brincando. A

metodologia mais comum, porém, tem sido a organização de visitas de estudo planeadas

pelo professor/instituição de ensino. O lado perverso desta boa intenção é os jovens

serem confrontados com uma versão light daquilo que é criado para os adultos. Nem

sempre o mesmo percurso ou os mesmos objectos com o mesmo texto a acompanhar os

seus ouvidos e olhos podem ser os mais adequados porque a solitude das palavras não

os comove. Para contrariar, Alexander não pretende coibir as palavras de serem

utilizadas nem de as minimizar, mas sim de serem auxiliadas pelos objectos e,

sobretudo, pelas experiências que podem ser realizadas antecipadamente na aula, ou no

museu em local curial, e/ou, posteriormente, de novo na sala de aula, onde podem ser

estimulantes de curiosidade e consolidadores de conhecimento.

3.2.2.1.3. O que fazer?

É necessário um trabalho conjunto da escola, dos professores e do museu. A

visita pode começar, como sugerido e defendido por vários autores e profissionais de

campo, logo na escola, estreando-se virtualmente pela Internet e sendo orientada

gradualmente para o museu. As actividades a realizar no museu devem estar integradas

no curriculum. Depois, os temas e os programas devem ser discutidos por ambos:

instituição museológica e instituição escolar. Deseja-se, ainda, o envio de materiais

como preparação da visita da escola ao museu, de que se fez menção anteriormente:

guiões de aulas, réplicas de peças, publicações, materiais multimedia, e, eventualmente,

exposições e/ou funcionários do museu enquanto conhecedores, mas também como

394

Idem, p. 270.

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instrutores da vida no museu.395

A completar o processo, há as actividades pós-visita na

forma de relatórios num suporte à sua escolha (escrita, desenho ou intervenção oral),

que reflictam a sua vivência e que simultaneamente estimulem as suas capacidades. O

ideal seria, em última instância, angariar voluntários (despois da escola, aos fins-de-

semana ou durante as férias).396

3.2.2.1.4. Repercussões – o bichinho

Em determinadas comunidades, o museu assume responsabilidades que vão

além da reunião, da preservação e da exibição de património, da promoção de cultura, e

da pedagogia. A programação do museu pode assumir objectivos de intervenção social.

Alexander refere o National Great Blacks, que faz parte do Wax Museum, em

Baltimore, Maryland (EUA), onde «os jovens se tornaram ainda mais envolvidos com

os programas do museu e com os seus funcionários, procurando não só orientação no

trabalho escolar, mas também orientação em desafios pessoais». Alguns projectos foram

criados, associados a centros de actividade científica e tecnológica, para irem ao

encontro das necessidades dos adolescentes. Outros, concretamente algumas empresas

como a Ford, criaram programas e estruturas aproveitando os seus próprios recursos,

que permitissem relacionar a finalidade da empresa e a componente educativa. Decorria

o ano de 1997, e o Museu Henry Ford inaugurava «a sua própria escola, a Ford

Academy, na área do museu. É uma parceria entre o museu, a Companhia Ford Motor e

as escolas de Wayne County. A academia orgulha-se de uma aprendizagem hands-on

(mãos na massa), da instrução em tecnologia e das ligações globais pela rede Ford

Company». Alexander refere, ainda, que, em 2005, o projecto da Academia estendera-se

ao número de 216 pelo Estado do Michigan, por exemplo.397

Nos EUA, os anos de 1960 empurraram os museus para o que Alexander

chamaria de «agentes educativos». E a década seguinte introduz os museus nas escolas

como educadores auxiliares nas salas de aula e ambos celebram uma «parceria», onde

as experiências museológicas e educativas se completam. E como a aprendizagem é um

processo contínuo, outros programas educativos foram desenvolvidos pelos museus

395

Idem, p. 271.

396 A oratória e o voluntariado são muito estimulados e estimados como complementos da formação

pessoal e cívica dos cidadãos nos EUA.

397 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 272.

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(falando ainda nos EUA), desta feita dirigidos ao público adulto, sem que a inovação e a

criatividade se perdessem. «O educador Malcolm Knowles cunhou a expressão

“andragogia”, que significa “a arte e a ciência de ajudar pessoas a aprender”, para

complementar a “pedagogia” aplicada ao ensino de crianças.»398

A pedagogia vai ao

encontro da «realidade» e das «potencialidades infantis». O futuro está na preparação e

no estímulo das crianças para o reconhecimento das suas capacidades e da sua

abrangência. E, dentro dessa autonomia, conseguirem progressivamente construir e

descodificar significados, e, por conseguinte, atingirem o «pensamento lógico».399

George Hein400

, em Learning in the Museum, arrisca reunir «o que os

investigadores sabem sobre aprendizagem em museus», e, no qual Hein conclui que:

«1. As pessoas “aprendem” em museus… absorvendo mensagens específicas contidas nas

expressões… respondendo à experiência da visita ao museu. As pessoas têm experiências

enriquecedoras, estimulantes, recompensadoras ou reconstituintes… aprendendo sobre si

próprias, o mundo… elas têm experiências estéticas, espirituais e “fluídas”.

2. Para maximizar o seu potencial educativo, os museus precisam primeiro de observar as

necessidades práticas dos visitantes… incluindo orientação, amenidades, tornando o programa

do museu claro.

3. As pessoas vão às exposições… incorporando o conteúdo dos museus nos programas que

trazem consigo.

4. As pessoas fazem ligações únicas nos museus.

5. Os museus não são espaços capacitados para a educação “escolar” tradicional.

6. Os funcionários nunca devem subestimar o valor do encantamento dos visitantes, de

explorar, expandindo a sua mente, proporcionando novas experiências cognitivamente

dissonantes e estéticas.

7. O museu deve permitir relacionar o que eles [os visitantes] vêem, fazem e sentem com o que

já sabem, compreendem e reconhecem.»401

Poder-se-á dizer que, não esquecendo o compromisso com as suas funções

primevas, os museus marcaram uma forma tradicional de se mostrar ao público – pela

398

Idem, p. 273.

399 Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu criativo como

alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, n.º 25, Lisboa, Universidade

Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, p. 33.

400 George E. Hein é Professor Emeritus na Graduate School of Arts and Social Sciences e investigador

sénior associado no Programa de Avaliação e Grupo de Pesquisa na Universidade de Lesley, Cambridge,

em Massachusetts (EUA).

401 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 274.

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gestão das colecções e da concepção de exposições focadas nos objectos, de exibição

ordeira e etiquetada com a informação base (ou, em alguns casos, sem ela) – para a

canalizar no sentido de «ampliar a ideia de um museu como um ponto de encontro

educativo onde os visitantes se envolvem com os cenários, os objectos, as ideias, os

desempenhos, as conversas, e como um todo, com as experiências»402

. Teoricamente, as

ideias e os planos tombam entre o estimulante e o ambicioso, e o museu avista-se como

um projecto cultural e socialmente relevante e economicamente sustentável. Mary

Alexander di-lo categoricamente: «Os museus podem ser pedras angulares para a

vitalidade económica da comunidade», mas segue-se a questão: «Como é que os museus

equilibram os seus papéis como intérpretes de cultura, arte e ciência com os seus

interesses e as suas necessidades comerciais?»403

A promoção do museu é a primeira parte da solução (resposta que se quer

imediata, por vezes, e os custos das medidas recaem sobre exposições extremamente

atractivas, de grandes nomes e de produções exuberantes como as «exposições

blockbuster», dir-se-á). Também os acontecimentos especiais periódicos – entre os quais

Alexander conta concertos, eventos de caridade, comícios políticos, galas de membros

(os dois últimos ao estilo estado-unidense) – oferecem uma variedade de actividades

que fixam os visitantes nas galerias. O que se pretende é chegar a uma marca e ostentá-

la nos espaços pelos quais o público transita, fazendo dela a mnemónica do espaço.

Contudo, estas acções não cabem em todos os museus nem em todos os orçamentos,

não podem ser levadas avante por todos os conjuntos de recursos humanos e nem

sempre se adequam ao espaço, às gentes e à terra a que pertencem.

Com o fito de tornar os museus mais apelativos, Mary Alexander utiliza uma

expressão muito sui generis e pouco usual neste campo: além de emocional (nada

surpreendente), também se refere aos cenários construídos nos museus como

«sensuais». A teatralização ou dramatização, a indumentária, a gesticulação, o

vocabulário, o tom de voz, as realidades paralelas (normalmente repescadas do passado)

acodem aos dois elementos referidos (emoção e sensualidade). «“Os museus… devem

continuar a dirigir-se às nossas faculdades emocionais. Devem continuar a ser sítios

sensuais. Os museus fariam bem, contudo, em pensar sobre que emoções deveriam

cultivar nos seus patronos… [para] criarem a sensação de maravilha e de edificação que

402

Idem, p. 274.

403 Idem, p. 275.

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leva à perseguição do entendimento”.»404

3.2.2.1.5. O museu «construtivista»

«George Hein argumenta que “os visitantes estabelecem sentido no museu,

aprendem pela construção dos seus próprios entendimentos.» O que preocupa os

museus é entrar na mente dos visitantes e tentar perceber que tipo de significados os

visitantes produzem de acordo com aquilo que vivem nesse espaço. Daí à concepção da

experiência, o espaço de manipulação dos ambientes é extenso, arriscado e repleto de

possibilidades. Pois «cada edifício museológico enviará uma mensagem (ou múltiplas

mensagens); cada exposição evocará sentimentos, memórias e imagens; cada encontro

com um objecto traz a reflexão (mesmo que seja apenas incompreensão e frustração);

cada interacção social reforça as suas relações, estimula novas relações ou desencadeia

ansiedades pessoais”»405

. Quais os procedimentos que o museu poderá adoptar para que

este seja capaz de abarcar a compleição de matéria significante que possa chegar ao(s)

seu(s) público(s)? De que forma as experiências museológicas poderão ser enquadradas

na teoria construtivista, com o portento de uma actuação (e objectivo) educativa? Estas

são as indagações de Mary Alexander. Construtivismo e aprendizagem: o que realmente

significa a sua união e de que modo ela pode ser conseguida na prática, nomeadamente

em contexto museológico?

Foram Howard Gardner, nos Estados Unidos, e Terry Russell, em Inglaterra, a

avançarem com a aproximação das teorias construtivistas à aprendizagem neste lugar de

cultura. Esta teoria infere «que as crianças preferem visitar museus que sejam

interactivos onde descubram a oportunidade de envolvimento físico e emocional com os

conteúdos expositivos. As expressões “hands-on”, que em português poderíamos

traduzir para Mãos em acção, reflectem exactamente este envolvimento e vem

reconhecer o poder e a importância da funcionalidade no acto de aprender». As mãos na

massa (ou «mãos em acção») explicadas por Gabriela Cavaco redireccionam a educação

para outra forma de instrução e de expressão individual e colectiva «que tenta

operacionalizar a transmissão do conhecimento através da criação de representações que

404

Idem, p. 276. É Stephen Asma quem se manifesta, em debate sobre os museus de História Natural,

acerca das capacidades de emocionar e de atrair, quase que criando uma imagem corporal ao falar em

«sítios sensuais».

405 Idem, p. 277.

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estimulam o rápido crescimento e aprendizagem individuais». Esta prática, a criação, a

invenção, o espírito explorador e a interactividade ou interacção, que faz com que as

crianças reajam, suscitam outro domínio, o nível seguinte, isto é, o «“minds on”» «para

pôr Mentes em Acção».406 Como a aprendizagem não é um processo estanque, Gabriela

Cavaco extrapola a acção pedagógica para os adultos (com a referida «andragogia»).

De uma mente estimulada, trabalhada e exercitada, segue-se o moral, as

emoções e os afectos. «Bruno Munári (1979) costumava dizer que “uma criança criativa

é uma criança feliz”.» Uma criança activa, criativa e feliz necessita de espaços que

promovam esse estado. Por estas razões, Gabriela Cavaco fez do museu figura desse

quadro: «Um espaço de descoberta onde a criança tenha prazer em aprender, descobrir e

experimentar – aquilo a que estudos recentes começaram a designar por espaços

“hearts-on” (Emoções em Acção), espaços de felicidade e emoção». O adulto tomará o

lugar de vigilante – discreto e paciente – a fim de que «cada pequeno visitante» se sinta

à vontade e, ao seu «ritmo», se embrenhe «num espaço onde o aprender surja

naturalmente e onde a competição dê lugar à colaboração».407

3.2.2.2. O serviço à comunidade: educar, aprender, formar e… entreter

Hoje, o que são os museus? «Como descrever o museu» seria uma boa questão

para introduzir qualquer discurso numa visita guiada. O que vêem no início da visita, e

o que vêem no final? Ou, como vêem o museu no início da visita e como o vêem no

final?408 Como se sentem? O que é o museu na comunidade/cidade/região onde vive?

Quanto e de que forma é que este participa no seu quotidiano? Como é que ele se

aproxima do seu público e como é que o público responde? Quais as prioridades dos

indivíduos nos seus momentos de lazer? Quais são as prioridades quando decidem ir ver

um museu? Porque visitam outros e não o que está mais perto da sua área de residência?

Qual a importância do museu? Qual o seu papel? Convida-nos? E como respondemos

406

Margarida de Lencastre apud Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica?

O museu criativo como alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia,

pp.34-35.

407 Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu criativo como

alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, p. 37.

408 Esta será a síntese da sua visita: aquilo que registarem das suas experiências significará a imagem do

museu nas suas recordações e nos seus comentários e conversas de ocasião ou quando for pedida alguma

sugestão de visita ou passeio.

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ao seu convite? Repetem-se os «como», os sinais interrogativos, e as questões

multiplicam-se umas a partir de outras. As respostas, essas, nunca são demais, mas são

várias, distintas, complexas, umas mais interessantes e construtivas do que outras. Facto

é que continuar-se-á à procura de mais.

Afinal, o homem decide diariamente em função das suas necessidades e da

importância que as coisas e as pessoas têm para cada um. No caso do museu, este é feito

de coisas – diga-se assim –, mas não vive sem pessoas. Jan Jelinek, em 1975, dizia que

«os museus apenas desenvolvem plenamente o seu potencial de acção, quando estão

efectivamente envolvidos nos grandes problemas da sociedade contemporânea. Os

museus são instituições projectadas para servir a sociedade e só assim podem eles

continuar a existir e a funcionar»409. O museu terá, pois, a habilidade de promover o

desenvolvimento cognitivo e de sensibilizar. Neste ponto, a sociedade – multicultural,

de diferentes sectores etários e de graus de formação – relaciona-se cognitiva e

afectivamente com o património porque se reconhece ou se encontra nele em algum

momento, alusão histórica, nome, objecto ou sítio. No final, espera-se que este seja um

contributo para a «construção das identidades»410.

Antes, o século XIX foi tempo do museu do objecto e das espécies, mas também

de alguma altivez, de «discursos autoritários e padronizados»411

, de acesso

409

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 281. Fernando João Moreira diria tratar-se de um

«museu cujas colecções são constituídas pelos problemas das pessoas como indivíduos e como um

colectivo». Assim, a instrumentalização serve dois propósitos (dois desenvolvimentos que não se

apartam): o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento local. Ver Fernando João Moreira, «The

Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.),

Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 15. (Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte

Redondo.)

410 Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in

Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em

Museus, p. 15.

411 Apesar de um século passado com várias mudanças que entraram para o quadro de honra, Mário C.

Moutinho sente nos museus (do século XXI) a «recusa» em «reconhecer um novo grau de autonomia na

aquisição de informações por parte dos visitantes [itálico enfático no artigo original]». Os museus e as

exposições deixaram-se expropriar da possibilidade de «renovação permanente» da imagem e de

renovação e sustentabilidade dos recursos, vivem o passado ou deixam que o passado viva a sua

existência, e alheiam-se do que acontece «fora das suas paredes». Estes são os motivos que Mário C.

Moutinho encontra para justificar a incapacidade de os museus «se renovarem todos os dias». Mário C.

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condicionado e de estaticismo, orgulhosamente conformado com as riquezas em seu

pequeno reino. O museu do século XX foi imbuído de diferentes teorias educativas e do

cruzamento disciplinar, concretizados em programas diferenciados que permitissem a

compreensão do museu pelos diferentes públicos – reconfigurando não só a imagem do

museu, mas também a sua dinâmica orgânica. As pessoas entram no seu plano de

trabalhos não para ocupar o lugar dos objectos ou para se imporem a eles, mas para se

conjugarem. «Alguns museus tornaram-se centros culturais comunitários, prescindindo

até da palavra museu e adoptando centro de arte, ciência, história ou património»412

. O

século XXI veio dar continuidade a esta abertura e atiça-lo com novos instrumentos e

métodos e formas de acção aliciantes, que, também, permitem questionar.

3.2.2.2.1. O conceito de museu: mudança e Nova Museologia

A esfera social e a sua instrumentalização na reconfiguração do perfil

museológico têm, em Theodore L. Low, um defensor, com a sua obra The Museum as a

Social Instrument413. Nela defendia que «os museus fazem da educação popular o seu

objectivo predominante». Fazia parte da sua tese que essas instituições deveriam

reequacionar o seu alvo e procurar alargar o seu público para uma «classe média

intelectual», ao invés de se centrar no estrato superior. Aquisições, preservação e estudo

académico são as funções base (inquestionáveis e imprescindíveis). O estudo, a

reflexão, a discussão e a produção de bibliografia sobre esta temática cresce

vigorosamente na segunda metade de um século de revoluções e mais transformações –

políticas, sociais, de direitos e deveres (os direitos civis, a luta contra a guerra no

Vietname, os movimentos feministas – os anos de 1960 conferiram uma intensidade,

nunca antes vivida, à expressão «“instrumento social”») – em ebulição. A cultura está

em mudança. O museu deixa de ser apenas um local expositivo, é também um

«instrumento social» activo, interventivo, dinamizador, conquistador de um território de

difícil construção e manutenção: a formação de Homens.414

Moutinho, «Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de Humanidades e

Tecnologias – Estudos e Ensaios, p. 39.

412 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 282.

413 Obra publicada em 1972, e organizada para o Comité sobre Educação da Arte.

414 Dir-se-á que o contributo de Low foi o gérmen de uma seara de apoio social que encontrou neste tipo

de instituições outras valências a desenvolver. Isto no contexto estado-unidense. A ideia do museu como

centro cultural nos EUA «não se tem tornado universal» e não se traduziu numa imediata receptividade a

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No início dos anos de 1970, Duncan Cameron, então director do Museu de

Brooklyn, definiu museu, na revista Curator e no Journal of World History (da

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – no original,

United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO), como

ocupando «dois fins de um espectro de “templo” a “fórum”. Ele descreveu o templo

como representando o espaço de repouso dos despojos, enquanto o fórum era um sítio

para se envolver em “batalhas” de ideias»415

. Para discutir os duelistas museu-templo e

museu-fórum é, efectivamente, Cameron a personagem evocada.416

Manuelina Cândida

diz tratar-se de um «tema em expansão na Museologia», pois a comunicação e a

linguagem tornaram-se dois vectores indispensáveis neste meio que, em última análise,

determinam o seu carácter. Desvallées deu espaço e continuidade ao assunto e, no seu

entender, a solução das «simples reformas no museu-templo não serão suficientes (…) é

necessário estabelecer o fórum como instituição em nossas sociedades»417

.

Desvallées acha necessário (vital, parece) o fórum, e o argumento é bem

justificado pelo fundamento: a acção. Ora, Cameron afirmara que «o fórum é onde se

ganham as batalhas, o templo é onde se encontram os vencedores. O primeiro é lugar de

ação, o segundo é o lugar dos produtos de ação. O museu-fórum é, portanto, lugar onde

é fomentada a ação. Mas, como enfatiza, sem perder suas especificidades, preocupados

em se desenvolverem enquanto museus [sic]»418. Acção que cede espaço à cidadania.

Um espaço de democracia cultural (conquista de tempos [décadas] recentes),

espontâneo e dinâmico, de participação do cidadão. Se o fórum é um «lugar público de

debate», o museu(-fórum) assume esse mesmo cariz social, de abertura e de crítica. «Na

ausência do fórum, o museu como templo permanece sozinho como um obstáculo à

mudança… Do caos e conflito do fórum de hoje, o museu deve construir as colecções

que nos dirão amanhã quem somos e como chegámos aqui. Afinal de contas, é disso que

estratos sociais mais desfavorecidos. A partir desta altura, o museu obrigou-se a rever, a revisitar, a

recapitular a sua história, as suas pretensões e a construir novos caminhos.

415 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 283.

416 Duncan Cameron é tido como o instigador da problemática museu como templo e museu como fórum,

para a qual o texto Le musée: un temple ou un forum, de 1971, deu argumentos de destaque. Contudo,

Desvallées insiste na questão em «Fondements» no capítulo 1 de Vagues.

417 Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria

Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, p. 44.

418 Idem, p. 44.

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os museus tratam.»419 Para o fórum ou a «“arena”» está prescrito o debate de ideias, de

perspectivas, de expectativas e de projectos.420

Manuelina Cândida e Cristina Bruno apresentam um museu empenhado na

evolução, mas que não se acomete contra a sua essência. Os «novos públicos» e as

«linguagens mistas», os «novos modelos de gestão» e a integração em redes e

programas comuns e alargados421

sem se escusar ou desincumbir da sua «função

intemporal e universal» (expressão de Mary Alexander). «Em 1995, o International

Council of Museums (ICOM) reviu a sua definição de museu: “uma instituição

permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, e

aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe com os objectivos

de estudo, educação e prazer, evidência material de pessoas e do seu meio

ambiente”.»422

A realidade a que se tem recorrido é, sem admiração, a dos EUA, profícua na

experiência museológica – quer no campo, lidando com o público e os acervos (os

objectos), quer na vertente institucional, metodológica e teórica, ilustradoras do

processo evolutivo. O relatório Excellence and Equitity, de 1992, corroborava a

presença não só de conceitos como educação e ética, aprendizagem, cidadania,

esclarecimento, memória, passado-presente-futuro, saber, experiências e perspectivas,

como dos seus efeitos reais. A finalizar, o relatório evidenciava a seguinte incumbência:

«“A comunidade de museus nos Estados Unidos partilha a responsabilidade com outras

instituições educativas para enriquecer as oportunidades de aprendizagem para todos os

indivíduos e para nutrir uma cidadania humana e esclarecida que aprecia o valor do

conhecimento sobre o seu passado, que tem muitos recursos à disposição e está

sensivelmente envolvida no presente, e que está determinada a moldar um futuro no

qual a muitas experiências e muitos pontos de vista são dados voz”»423.

A rasar o terceiro milénio, de entre os vários artigos da Daedalus, publicação da

419

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 283.

420 Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museology as a Pedagogy for Heritage» in Cristina Bruno, Mário

Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, p. 139.

421 Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in

Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em

Museus, p. 17.

422 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 283.

423 Idem, pp. 283-284.

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Academia Americana de Artes e Ciências, do Verão de 1999 – edição dedicada às

práticas dos museus americanos e à sua actualidade –, Bonnie Pittman rejeitava a ideia

de os museus serem meros «“repositórios do passado, com memórias e objectos raros e

bonitos”». Há uma componente de contemporaneidade, empreendedorismo, energia e

acção que os vários autores vêm salientando nos seus escritos sobre a grande revolução

museológica que tem vindo a acontecer após a II Guerra Mundial. «“Os museus são

centros culturais, educativos e cívicos nas nossas comunidades – centros para

exposições, conservação, pesquisa e interpretação; são anfiteatros e cinemas, programas

de formação profissional, escolas e centros de cuidados de dia, bibliotecas e salas de

espectáculos… fóruns para as suas comunidades.”» George Brown Goode, John Cotton

Dana, Low e Duncan Cameron apelavam a que os museus «alargassem o seu

compromisso educativo», e, como comenta Alexander, «que o serviço aos públicos

supere as exigências tradicionais das colecções e cimente a solidez do museu nas

comunidades».424

3.2.2.2.2. Uma recém necessidade, um recém compromisso: educar

No início do século XX, John Cotton Dana (director de um museu e de uma

biblioteca estado-unidenses) testamentou onze actividades, que Alexander adjectiva de

«básicas», que traduziriam o seu entendimento sobre o «Novo Museu». Daqui,

pretende-se destacar a repetição de acções como entreter e instruir, as quais iniciam a

sua lista. Depois, a preocupação em dirigir esse novo tipo de trabalho do museu para a

população jovem, chamando a atenção para a produção de materiais educativos e

formativos adequados para preencherem espaço no âmbito de ensino-aprendizagem. A

sala de aula é a primeira parte do espaço privilegiado que se completa com o museu.

Isto é, conciliar o trabalho escolar com as visitas aos museus, também preparadas por

ambas as entidades. Manter uma relação activa entre o museu (e o trabalho aqui

desenvolvido) e a biblioteca pública é outra das alíneas. A organização de exposições

em território escolar visando não só o corpo estudantil, mas também o docente. A

didáctica, no âmbito do museu local, acusa o objecto como seu protagonista. A

observação dos objectos de vários ângulos; o ensino com recurso a imagens capta a

atenção dos alunos (levando-os a questionar os objectos desconhecidos: Para que

serviriam estes objectos? Como funcionam?); a presença de objectos estimula a

424

Idem, p. 284.

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imaginação e incita a criação de cenários possíveis, podendo criar empatia, por

intermédio deles, para com os objectos e as temáticas e conteúdos relacionados; a

criação de imagens e de uma «rede complexa de conceitos» a partir de objectos, o

estímulo da memória (é mais fácil estabelecer associações quando temos imagem de

algo concreto que nos faz recordar dela, isto é, do objecto) constituem a argumentação

de Mestre e Molina para a importância da presença física de objectos musealizados na

sala de aula. «O facto de os objectos serem elementos reais é muito importante numa

época em que a virtualidade e a publicidade baseada nela começam a dominar», o que

vem confirmar a utilidade educativa dos objectos de museu.425

E, ainda, a exibição (na escola, na sede do museu ou em filiais), de «objectos

que são produtos [seleccionados] das actividades da comunidade no campo, na fábrica

ou em workshops», por um lado, usufruindo da visibilidade para possíveis relações

comerciais; e, por outro, para que os jovens se familiarizem com as ocupações

dominantes no seu meio. Um aspecto interessante e que envolve a comunidade reside

em «encontrar coleccionadores e especialistas e peritos na comunidade e afigurar-se a

sua cooperação em adição às colecções do museu, para ajudar a identificar, descrever e

preparar legendas e folhetos». Com isto, pretende-se, idealmente, aumentar o interesse

dos jovens pelo trabalho do museu, e pelo acto de coleccionar, estimulando a

observação e o trabalho manual, e um sentimento de contributo para com a sua

comunidade, ou seja, educando para o civismo.

Sob a observância da Nova Pedagogia – outro jargão conceptual associado às

novidades deste período –, Gabriela Cavaco afirma não ser razoável a conciliação do

«ensino formal» e das «metodologias tradicionais» com o «espaço museológico» a que

se aspira e se forma. As razões, Gabriela Cavaco encontra-as nas palavras de Mário

Chagas: «O processo educativo dos museus “não está comprometido com o objecto e

425

Os gostos, as necessidades, a forma como pensamos e as experiências estão, cada vez mais, absortas

no virtual, afastando-nos da proximidade real e directa com as coisas e trocando-as pelas suas

representações. O simbólico ganha terreno ao palpável. A perda deste contacto directo com a

materialidade do objecto «é a principal razão de ser da nossa fragilidade; tornámo-nos

“comunicativamente manipuláveis”». Juan Antonio González, Teoría general de la publicidade, apud

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 100. «É por esta razão que a aprendizagem

baseada na realidade, na objectividade, é muito importante, mais agora do que no passado. Por esta razão,

o museu local, com os seus objectos, transforma-se numa matéria formativa especialmente útil para

enfrentar os desafios da sociedade actual», concluem os professores da Universidade de Barcelona.

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sim com o homem em transformação com a vida, com o humano, com a solidariedade e

a transformação é bem diferente do tipo prestigiador que manipula informações, lança

mão de uma autoridade ‘mágica’ e cria situações de arco-da-velha, mais interessado em

impressionar e informar do que transformar” [sic]»426

. A finalizar, a comunicação.

Impedir que o museu seja esquecido, insistindo nos meios de divulgação, seja por meio

da imprensa (acordando a periodicidade possível das actividades e programas dos

museus com a periodicidade do meio de comunicação), folhetos, cartazes ou cartões

descritivos das aquisições dos museus como garantia da sua autenticidade.427

A literatura estado-unidense sobre a evolução da actividade museológica deste

país é extensa, documentada, descritiva e crítica. Apoia-se em vários casos e

testemunhos no campo teórico e ideológico sobre o conceito de museu, de museologia e

de museografia, e na relação próspera – propensa a mais debate – entre museu e

público. A «exposição de objectos e espécies, publicação de boletins populares,

empréstimo de réplicas, serviço docente, contadores de histórias, música e empréstimo

de objectos raros» são algumas das práticas registadas num editorial da AAM intitulado

Museum Work, em 1920, referindo-se ao último quarto de século. Daí em diante, as

portas dos museus abriam-se a «programas teatrais; visionamento de filmes

documentais, clássicos e avant-gard; hospedando recitais de dança, bailes de máscaras,

e galas; e oferecendo festivais, feiras e acontecimentos variados».428 Alguns museus

dispõem de infraestruturas como auditórios (salas de conferência) para receber os novos

serviços, preparando-se tanto para as «tradicionais palestras» como para

«representações musicais e dramáticas». Assume, assim, definitivamente, a propensão

(ou índole) descomplexada para ser o centro cultural e, em muitos casos, de toda a vida

comunitária e, enquanto tal, influenciá-la [a comunidade].

«Otto Wittman, director do Museu de Arte de Toledo, sumariou da seguinte forma: “Nos

nossos grandes centros metropolitanos há auditórios, salas de concerto, escolas especializadas

em arte e música, bem como museus. Contudo, ao longo das ruas principais da maioria das

cidades americanas… o museu é frequentemente o único centro cultural da comunidade.

Deram dimensão e significado às vidas de muitos de nós. Enriquecem e alargam a educação

das nossas crianças. Estão na linha da frente do crescimento cultural americano.»429

426

Mário Chagas apud Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu

criativo como alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, p. 37.

427 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 285.

428 Idem, p. 286.

429 Idem, p. 286.

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Esta breve descrição do museu da cidade americana pode extrapolar-se para a

realidade portuguesa. Na verdade, a maioria dos museus, em grande parte dos locais,

são unicamente os seus centros culturais. Cidades, vilas e algumas aldeias albergam não

só um museu, mas também o centro dos acontecimentos sociais e culturais da localidade

(de apresentações de livros, palestras, festas, peças de teatro, recitais, concertos). E, se

em Portugal ainda não foram criados serviços de restauração para os funcionários,

visitantes e até para a comunidade e eventos privados (alguns adaptaram as suas cartas à

temática da exposição em exibição como outra vertente da sua forma de interpretar o

assunto), esta é prática de alguns museus dos EUA. Os anos Sessenta propiciaram

«outra abordagem para expandir o público do museu», nomeadamente no que diz

respeito à criação de «filiais de bairro»430. O museu foi crescendo no sentido do

indivíduo, da comunidade e dos problemas e temáticas relativas ao local que o rodeia.

Mary Alexander continua o capítulo dedicado às funções do museu,

especificamente o subcapítulo «To Serve», em Museums in Motion, com a apresentação

de diferentes tipos de museus, nos EUA, que relembram alguns e despertam outros

leitores para práticas alternativas (reformuladas ou inovadoras) – antes incomuns – que

desembocaram na reformulação do museu, evidenciando a sua singularidade. Para não

alongar nem repetir informação que pode ser pormenorizadamente encontrada em

Museums in Motion, apenas se relevarão aspectos nucleares e de possível aplicação no

contexto/espaço portugueses.

3.2.2.2.3. Numa pequena ingressão pelo exemplo norte-americano

O Anacostia Neighborhood Museum431 proporcionava a frequência de trabalhos

oficinais/cursos em artes e ofícios; disponibilizava uma biblioteca e um autocarro para o

transporte de crianças e para as exposições. Actividades como espectáculos de música,

de teatro ou dança eram, estas sim, mais comuns em outros espaços similares, além do

museu. Nele podia encontrar-se, e invulgarmente, «um espaço de encontro para grupos

da comunidade, um centro de planeamento urbano que distribuía materiais educativos

pela comunidade, e instalações de instrução que ensinavam [e desenvolviam] aptidões

relacionadas com o desenho e o fabrico de exposições museológicas». Funcionava como

«centro cultural de artes» porque, e assim o justifica Alexander citando a obra

430

Idem, p. 287.

431 Criado como serviço do Instituto Smithsonian, em 1967, em Washington D. C.

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Museums: Their New Audience, «“o papel do museu é animar a comunidade e

esclarecer as pessoas que serve”».432

O repto do Museu das Crianças de Brooklyn foi lançado pelo projecto MUSE,

concretamente pelos «espectáculos de planetário, animais ao vivo, exposições hands-on,

demonstrações de ciência e artesanato, espectáculos de marionetas (…) e colecções de

levar por casa. Oficinas para crianças e adultos reflectirem sobre antropologia,

astronomia, anatomia, dança, fotografia, arte, poesia, educação para o consumo,

educação sexual, abuso de drogas, aeronáutica, escrita criativa, teatro, falar em público,

música e outros assuntos. A somar, havia visitas de grupos escolares; estojos de viagem

para utilização na sala de aula; exposições inovadoras, incluindo o espaço da ciência e a

mistura líquido-luz; e festivais de rua»433

. Uma programação diversificada será

consentânea com a avaliação de Lloyd Hezekiah (director do Museu das Crianças de

Brooklyn) sobre o museu, isto é, a de que este se aproxima mais de um «teatro» do que

de uma «catedral» ou «templo».

É patente, nestes dois casos, o exemplo (e a tendência) de que o museu se propõe

a novas formas de actuação, mais abrangentes, procurando ser o museu do bairro. O

museu de proximidade. Um museu utilizado como centro de formação pessoal com um

nível de intervenção comunitária que, em algumas localidades, outras instituições não

conseguiriam dar resposta ou cativar determinados tipos de público.

Nos EUA, os museus comunitários tiveram início na década de 1960 e

desenvolveram-se por todo o país. Os museus de bairro somavam às visitas de estudo e

exposições – actividades convencionais – programas de literacia e de aulas de cuidados

neonatal inclusivamente. Surgiram museus cujas temáticas se aninhavam em

particularidades das cidades ou regiões, como as comunidades imigrantes instaladas em

diversas zonas. Por exemplo, «em 1971, o Museu da Cidade de Nova Iorque, antes um

museu histórico tradicional, começou a encenar exposições orientadas para a

comunidade e programas que abordavam problemas sociais»434

. Outros embrenhavam-

se na adolescência e nos riscos que a seduzem com um programa que envolvia o museu

e os seus funcionários, os serviços sociais e a escola, preparando-os para a vida adulta.

Outros viram nos incapacitados, nos residentes de casas de repouso e noutro tipo de

432

Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 287.

433 Idem, p. 288.

434 Idem, p. 289.

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público – incapaz de aproveitar os programas criados, como indivíduos cujas profissões

lhes ocupam muito tempo ou com horários incompatíveis com os da programação ou,

mesmo, com o horário de funcionamento dos museus – o seu público-alvo.

O departamento de serviço educativo é outro sector crucial da orgânica dos

museus (ainda que nem sempre exista, nomeadamente nos de menores dimensões, cujo

director exerce praticamente todas as funções). Os «educadores do museu» têm sido

capitais no aparecimento deste tipo de projectos, também pela relação que criam com os

professores e pela sensibilidade que se reflecte numa sensação de serviço à comunidade.

Neste sentido, o museu deixa de ser uma instituição insular, passando a cooperar com

outros museus e/ou organizações da comunidade (ou de áreas de influência mais

extensas) como sejam teatros, bibliotecas, auditórios, centros culturais e educativos,

monumentos históricos, centros de investigação, organizadores de iniciativas culturais, a

imprensa – nomeadamente os meios de comunicação locais –, entre outros. As zonas de

maior proximidade são aquelas que dão as raízes ao museu e lhe providenciam um

público mais ou menos fixo e uma imagem e credibilidade na zona e até na região.

Esses organismos, por sua vez, unindo esforços na criação de projectos conjuntos,

poderão fabricar maior impacto e mais possibilidades de alargar as valências do(s)

museu(s) a outras localidades/zonas e a «instalações satélite». Ou seja, alargar o espaço

e a acção museológica por várias instituições.

3.2.2.2.4. As diferentes modalidades de museu do século XXI

O museu desformatou-se e reconfigurou-se sob diferentes modalidades que o

acondicionam de distintas formas no século XXI. O público e as funcionalidades que se

impuseram parecem ser os reagentes. «A noção alargada de públicos de museu e a

elevação das funções de serviço público parecem ter sido institucionalizadas.» Cameron

estava reticente quanto à convivência da marca «“templo”» e da marca «“fórum”» (com

todas as características e formalidades de ambos), contudo, os museus parecem estar a

conseguir extrair o néctar de ambos e elevar a simbiose a outro nível. Já Elaine

Heumann Gurian acredita num museu que sirva o público, isto é, «sugere “esbater” as

fronteiras entre museus e outras agências de serviço público»435

.

Para ilustrar o museu do século XXI, Mary Alexander identifica cinco exemplos

com programas e objectivos singulares que procuram a sua adequação ao meio

435

Idem, p. 290.

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envolvente. Dado que estes casos se situam numa realidade mais distante e, também,

numa organização política e social distinta da portuguesa, envolvendo entidades

próprias desses países (EUA e Canadá), ficarão, apenas, alguns apontamentos relativos a

algumas das práticas a que aqueles museus se socorrem.

1. O Chicagos’s Field Museum (ver www.fieldmuseum.org) criou, em seu auxílio, o

Centro para o Entendimento Cultural e Mudança (Center for Cultural Understanding

and Change – CCUC), em 1993. O seu enfoque está nos bairros da cidade (a[s]

cultura[s] do bairro); numa programação de educação informal e o seu alcance; no

recurso aos meios de comunicação (como e-mail, mailing lists, newsgroups, newsletters,

por exemplo) rápidos, acessíveis e pouco dispendiosos para promover «“espaços

públicos mais abertos e inclusivos”»; na aproximação do campo e da cidade por via de

exposições ou outros programas cooperantes; nas organizações comunitárias, e com

preocupação ambiental, cultural e de conservação.436

2. O Massachusetts Museum of Contemporary Art (MassMOCA – ver

www.massMOCA.org) tinha como missão, em 1999, revitalizar uma cidade industrial

em decadência, transformando-a num centro para as artes. Este caso merece mais

algumas linhas pela intervenção e pelo impacto causados na extensão total de uma

cidade. O museu ocupa mais de 25 edifícios ao longo de ruas e becos industriais de

North Adams. Aqui não se aplica, de todo, o conceito de edifício «“templo”»

tradicional. É, pelo contrário, «“uma plataforma aberta”», como se publicita. Oferece

exposições de arte, sendo possível interagir com os criadores e com as suas produções.

Os artistas estão fisicamente presentes (provenientes das áreas visuais, cinemáticas,

áudio e da representação), criando com e para o público, como uma performance ou

instalação assim o propicia.

Além das consequências cognitivas, culturais e pessoais, o MassMOCA, de

North Adams, «tornou-se num importante destino de turismo cultural, trazendo

benefício económico para a comunidade», e ainda «num empregador dos cidadãos da

localidade, acrescentando à saúde económica da comunidade»437. «“As artes criam e

outorgam a identidade da comunidade. Identidade reúne esperança, produtividade,

436

Idem, p. 291.

437 Idem, p. 291.

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orgulho e dinamismo económico. Estas são condições base para uma comunidade

sadia”. O MassMOCA acrescenta outra dimensão ao “fórum” de Cameron, (o foro

romano, onde cidadãos trocavam as mercadorias e as ideias) servindo como um cenário

para cidadãos e visitantes interagirem no contexto do processo artístico, assim

enriquecendo a visita no museu.»438

3. O Lower East Side Tenement Museum (ver www.tenement.org), nascido em Nova

Iorque, em 1998, foi criado com o propósito de realizar passeios públicos a

apartamentos da Rua Orchard 97. Estas visitas previam dar a conhecer o quotidiano

(nomeadamente o seu espaço reservado: o lar) das famílias imigrantes que lá viveram na

viragem do século XX. Centrava-se na colecção e interpretação da experiência urbana

imigrante, mas não em coleccionar e preservar os seus objectos. O conceito deste museu

é alimentado pelas histórias pessoais dos anteriores residentes e não propriamente pelos

objectos (apesar de os apartamentos estarem apetrechados de mobiliário condizente com

a época para recriar o ambiente propício às histórias). Esta experiência sociológica era

motivada pelo impacto da(s) comunidade(s) imigrantes na cidade. Tinha como base

sólida a missão de «“promover tolerância e perspectiva histórica pela apresentação e

interpretação da variedade de experiências de imigrantes e migrantes em Lower East

Side de Manhattan, a porta de entrada para a América”»439

. Desta actividade esperava-se

criar uma imagem de marca, um certo estatuto, com uma afluência e interesse pela zona

que justificassem uma parceria com bancos para reabilitação de propriedades e

manutenção de rendas acessíveis.

Este é um caso exemplar da hipótese de aproveitamento de locais históricos

onde se possa confrontar a história do local e as suas implicações contemporâneas.

Falar-se de diálogo entre passado e presente e das interpretações daí decorrentes, das

problemáticas sociais de risco, pressurizantes e fracturantes, visando a promoção de

«valores humanitários e democráticos como sua função primária» é a «partilha de

oportunidades para envolvimento público em assuntos de relevo nos seus sítios»440

. A

propósito da museologia local, a integração de imigrantes na comunidade e daquilo que

lhe pode oferecer, numa dinâmica sociocultural, é também mencionada por outros

438

Idem, p. 292.

439 Idem, p. 292.

440 Idem, p. 293.

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investigadores como Mestre e Molina – que acrescentam: «Ao mesmo tempo, o museu

deve ser uma ferramenta» que contribua para a transformação dos recursos culturais em

produtos turísticos441

–, e Fernando João Moreira, crente no ganho decorrente da

discussão aberta e tolerante dos constrangimentos e das oportunidades que culturas

imigrantes ou migrantes e de grupos marginalizados que se acercam da comunidade

acarretam, esclarecendo «as bases identitárias dos locais de acolhimento», bem como no

esforço colectivo colaborador para a integração plena dos vários grupos.442

4. O Ontario Science Centre (ver www.ontariosciencecentre.ca), tal como a designação

indica, tem como principal fonte a informação científica (sobre a qual se vinha

investindo desde 1969), e no envolvimento dos campos do negócio e da academia,

procurando parcerias.

«“Agentes de Mudança”» é um projecto criado em 2006, vocacionado para fazer

com que os visitantes lidem com problemas e dúvidas e com as implicações da inovação

associadas à ciência, numa óptica de pesquisa, estudo, problematização, discussão e

produção que ultrapassa o espaço do centro. O centro não é o lugar monopolizador, mas

o pólo iniciático de um processo contínuo.443

«O centro procura responder a estas

questões: “É possível influenciar as atitudes, capacidades e comportamentos de um

indivíduo por meio do seu envolvimento no centro de ciência? Se conseguimos, então

como criamos uma plataforma para a inovação no século XXI? Quais são as condições

físicas e dinâmicas necessárias para permitir que isto ocorra?”»444

Neste caso específico, foram criados sete núcleos de exposições, e aquele que

mais «visitantes/parceiros» atraiu foi a Hot Zone, de cariz mais tecnológico e

informatizado. Junte-se o multimedia às pesquisas científicas actuais – recorrendo a

«diários de campo em tempo real» – e à Internet, estabelecendo redes de contacto com

projectos de pesquisa de todo o mundo, e nomeadamente com a ciência de charneira. De

peritos na resolução de problemas a pesquisadores que têm de «monitorizar» o meio

ambiente no local ou por meio de dispositivos tecnológicos com webcams. «Estas

actividades sugerem a filosofia do museu construtivista, onde o visitante é activamente

441

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 94.

442 Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas

& Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, p. 18.

443 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., pp. 293-294.

444 Idem, p. 294.

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envolvido em fazer as ideias terem sentido, não observando simples e passivamente o

que o museu apresenta.»445

5. No campo do Ambiente, é o espírito ecológico e sustentável que vinga. O Projecto

Eden (ver www.edenproject.com), de 2001, em Southwest (Inglaterra), socorreu-se de

jardins botânicos, onde se pudessem conjugar projectos de componente educativa e a

pesquisa. «Duas estruturas esféricas, “biomas”, erguem-se sobre os visitantes e

oferecem “ambientes” para ver plantas», ao mesmo tempo que decorrem representações

dramáticas, se ouve música e histórias ou se aprecia arte em exposições temporárias.

A finalidade é a de «“formar um entendimento experimental que é tão

emocional, visual, cinético e espiritual como linguístico ou intelectual… os visitantes,

por vezes, usam o Eden como um meio de recuperar as suas próprias memórias, de

contar as suas próprias histórias de vida ou narrar incidentes críticos da sua vida

pessoal”». Alexander acredita ser um modelo da «ideia construtivista de experiências de

aprendizagem».446

Esta convivência entre a flora e os homens («culturas humanas»)

evidencia um cenário onde a conduta, os valores culturais e as formas de pensar são as

ferramentas exigidas. Portanto, uma linha de actuação educativa sem recurso a efeitos

de entretenimento.

Reflectindo sobre esta dinâmica, rapidamente surgiu a questão: também pela

contiguidade entre a população das três localidades representadas pelos três museus

seleccionados no Interior português, as suas memórias pessoais e as histórias de

visitantes possivelmente afectos (ou que já se tenham relacionado) a esta temática e a

maquinaria, edifícios e alguns objectos, produto das actividades que a indústria da lã fez

nascer, se pode(rá) consciencializar para a preservação deste tipo de património que

encerra na sua história e no seu legado físico uma história natural e ambiental também

muito presente e determinante.

Apesar do avanço tecnológico, das suas possibilidades, das suas

permissividades, da sua acção cada vez mais invasiva – no sentido de chegar às

entranhas do seu objecto – e da proximidade, uma visita que se fique pelo ecrã, pela

virtualidade, é uma visita amputada. O Professor Knell conta uma breve história que –

para o leitor que não esteve nesse mesmo sítio e não viu e sentiu o que quem lá esteve

445

Idem, p. 294.

446 Idem, p. 295.

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sentiu – influi uma carga emotiva que aquele chão, aquelas paredes e aqueles objectos e

toda a cenografia autênticos e in loco podem dar. A cada objecto uma forma (ou

tecnologia) de apresentação, as medidas e os recursos próprios.

No artigo «The Shape of Things to Come: Museums in the Technological

Landscape», em Museum and Society, Simon Knell questiona o sentido da evolução do

museu:

«“O museu, então, é improvável ser substituído por uma identidade digital… As tecnologias

tendem a sentar-se lado a lado, cada uma ideal para a sua própria tarefa… Deixe-me utilizar um

tradicional museu de pequena cidade algures nas terras do Interior inglês para explicar o que

quero dizer. Este museu é gerido por uma pequena equipa, e ocupa um velho edifício com mais

espaço do que pode manter. A experiência do visitante consiste em objectos pobremente

interpretados que se podem ver em muitos museus locais na Grã-Bretanha… Os funcionários

são criativos, mas há claramente muito pouca receita… na minha última visita, lá no canto de

uma das galerias, reparei numa velha fotografia de umas antigas urnas ainda no chão. A

imagem era do início do século XX e mostrava uma rua não muito longe… Ao lado da

fotografia estava uma das mensagens. Aqui estava um objecto interpretado, um objecto que

fala do acontecimento histórico da sua descoberta, e da profundidade do passado exposto.

Repentinamente, esta mensagem torna-se real, concreta e poderosa… Talvez, um futuro melhor

para este museu seja emagrecer a empresa, pôr o material mais importante num armazém,

reduzir o tamanho dos edifícios e das participações físicas e assumir um compromisso sério

com a interpretação online – narrativas e materiais de referência – e a colecção digital. Um ou

dois espaços para exposição temporária poderiam ser criados e usados para fazer circular

exposições temáticas e bem-interpretadas, apoiar visitas escolares e agir como um local para

actividades da comunidade. Se estes recursos complementares são vendidos a escolas, melhor

uso comercial é feito do arquivo fotográfico… é criado um museu mais sustentável e eficaz. O

público é alargado, tecnologias e instituições trabalham de forma complementar, e a realidade,

por este meio, ganha também um futuro mais seguro.”»447

As novas tecnologias guardam a vantagem de gerar meios de reserva e de

perpetuação de matéria e de memórias, agindo complementarmente às restantes funções

do museu.

Entre o fecho do século XX e o raiar do século XXI – um raiar capaz de

acompanhar o raiar de neozelandeses, alemães, brasileiros, estado-unidenses e

portugueses, por graça da rede global da Internet a baixo custo –, todas as pessoas

podem ver, ou, pelo menos, espreitar colecções de museus de muitas nações. Poder-se-ia

picotar um mapa-múndi de todos aqueles países que possuem instituições abertas à

realidade global. Esta conclusão decorrente da observação de Mary Alexander conhece,

447

Idem, pp. 295-296.

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tal como os demais humanos, um século XXI cada vez mais encolhido quer no círculo

dos museus quer para os visitantes. Mas para Marcia Lord, no final do século XX, na

revista Museum International, que alertava para o facto de que «independentemente do

tamanho do museu, por meio da World Wide Web os museus poderiam alcançar muitos

mais “visitantes” do que eles jamais receberam pelas suas portas. O tamanho já não

parecia ser importante. Por outro lado, os museus estão a chegar a todo o mundo por

meio de museus satélite que trazem colecções de um país para outro sem requerer

quaisquer parcerias especiais (ou formas de empréstimo)»448

. As obras de um artista

num museu remetem também para outras obras do mesmo autor, mas que se encontram

noutros museus de outros países e até em colecções particulares porque lhe é dada

importância – o reconhecimento. Conhecer e contextualizar, intersectar e construir

cadernos pormenorizados de informação resultam do interesse e da curiosidade. E

refizeram o processo, levando não só a outras possibilidades de estudo, mas também até

ao turismo. A um roteiro das obras de arte de um determinado artista, quem sabe?

Tom Hennes escrevera, à data da edição da obra de Alexander, na revista

Curator (e a propósito de museus de história natural e sobre as vantagens das ligações

em rede – de partilha de informação, de exposições e de pesquisa no campo da evolução

museológica e museográfica): «“Cada museu habita uma importante e única posição em

tal rede, ligando-se a conjuntos de outras redes – comunidades de visitantes; sistemas

educativos; comunidades em áreas sob estudo, avaliação ou protecção; organizações

não-governamentais; governos; e outros museus. Além disso, o museu liga-os não só a

si próprio, mas uns aos outros. Isto é importante porque estas ligações permitem novos

núcleos de indivíduos e organizações com a rede agregada para interagir e partilhar o

seu próprio conhecimento por meio dela”»449

, e para, a partir daí, contribuir para a

produção de conhecimento científico e para a educação.

«Quando a nova edição deste volume for escrita, talvez nem apareça em papel,

mas estará antes acessível por meio de novos sistemas de comunicação. E as

actualizações ao texto serão fornecidas por leitores virtuais. Como George Hein outrora

avisara: “escreve rápido, Mary, o mundo como o conheces está a mudar muito

rápido”»450

. A este desabafo de Hein a Mary Alexander, nada há a acrescentar senão um

448

Idem, p. 296.

449 Idem, p. 297.

450 Idem, p. 297.

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ponto de interrogação ou reticências. O que se vê é uma tendência desinibida,

impaciente e devoradora de tecnologia. Fica o desafio aos sobreviventes de se medirem

e de negociarem o futuro.

Maria de Lourdes Horta, presidente do ICOM brasileiro, descreve o caminho do museu, no

Brasil, como o de «“um museu sem paredes e sem objectos, um verdadeiro museu virtual, está

a nascer em algumas daquelas comunidades, que vê com espanto o seu próprio processo de

autodescoberta e reconhecimento… Neste momento, no meu país, [os museus] estão a ser

empregues num novo caminho, como instrumentos de auto-expressão, auto-reconhecimento e

representação; como espaços de poder de negociação entre as forças sociais; e como estratégias

para capacitar as pessoas para que sejam mais capazes de decidir o seu próprio destino”»451

.

Hoje, é ofertada à sociedade uma variedade de coisas, de objectos, de peças, de

obras – umas mais valiosas do que outras. Estes compõem espaços cada vez mais

diversificados, isto é, desprendidos do tentador ócio e monotonia do ver-e-passar. No

entanto, pergunta-se: terá o museu ido longe demais? A sua capacidade multiplicadora e

multifuncional e a imagem concebidas para enquadrar esse património poderão

confundir determinados indivíduos? Conseguirá todo o tipo de público perceber em que

tipo de espaço se encontra e a autenticidade daquilo que vê? Saberá o museu discernir

sobre a amplitude da sua actuação e saber diferenciar-se de outros espaços? Esta

apreensão é motivada por algumas histórias ou situações, de entre as quais uma

conversa entre avó e neta que Simon Knell apanhou numa visita a Roma. Perguntava a

neta à avó: «“Então, avó, isto é real, ou é a Disneyland?” Recentes pesquisas de opinião

pública revelam que o público “é fortemente pressionado para explicar a diferença entre

museus, exposições em secções de lojas ou aeroportos, e zonas históricas ou parques

temáticos”. Simon Knell sugere que os museus continuem a fazer o que de melhor

fazem, deixando outros para complementar o museu com tecnologia e com o que pode

ser chamado de “entretenimento”»452

.

3.3. Os museus da ciência, da tecnologia e da indústria

Ciência, tecnologia e indústria são áreas abrangentes, e a nomenclatura integra

museus com perfis distintos. A divisão tipológica apresentada por Hernández é a

concebida por Gérard Emptoz. A lista do ICOM (International Council of Museum),

atesta Hernández, integra quase na totalidade os museus mencionados abaixo mas sob a

451

Idem, p. 299.

452 Idem, p. 299.

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designação de Ciência e Técnica. Emptoz ordena-os da seguinte forma (ipsis verbis):

a) Museus de ciência pura. Estes incluem os museus de história natural, os museus

universitários, as grandes escolas e os Centros de Cultura Científica, Técnica e

Industrial (CCSTI).

b) Museus de técnica pura. A grande maioria destes centra-se num único tema: museu

do automóvel, da ferrovia, etc.

c) Museus industriais puros.

d) Museus de história técnica e industrial. Destaca o Museo de la Forja, de Las Salinas,

etc. (Exemplos da realidade espanhola.)

e) Museus técnicos e industriais. Têm uma clara orientação económica e social, entre os

quais se podem incluir os ecomuseus.453

3.3.1. O início das colecções científicas e industriais e o novo conceito de vivência

museológica

a) O Conservatoire des Arts et Métiers de Paris

No âmbito desta dissertação, não há nada a acrescentar relativamente ao

famigerado Conservatoire des Arts et Métiers, salvo fazer a devida referência à sua

existência, que propiciou a reunião de objectos específicos procedentes de áreas menos

cobiçadas pela estética, que não espelham os cânones, mas igualmente pertinentes no

âmbito do património (histórico e sociocultural, em geral; e científico e industrial, em

particular). A Convenção de 10 de Outubro de 1794 dá corpo legal à instituição, a qual

servirá «a colecção de Jacques Vaucanson doada a Luís XVI, as obras pertencentes à

Academia Real das Ciências e o conjunto de objectos provenientes do mobiliário da

Coroa que foram reagrupados», precisa Hernández. Hoje, o Conservatoire des Arts et

Métiers é entendido como um reservatório – assim se pode intuir das palavras

escolhidas pela investigadora espanhola: «“Um depósito de máquinas, modelos,

ferramentas, desenhos, descrições e livros de todos os géneros de artes e ofícios”».

Contudo, realce-se que as temáticas (invulgares para o efeito) centram-se nas áreas

técnica, científica, industrial, oficinal, representadas por artefactos, maquinaria e

procedimentos decorrentes da evolução dessas mesmas áreas a partir do século XVI (até

453

Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 199.

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ao século XX, à data do estudo de Hernández). Nelas, destacam-se especificamente os

seguintes sectores: Agricultura, Física, Química, Mecânica, Energia e até Astronomia.

Este museu – precursor nas áreas das ciências e das técnicas, a nível mundial,

(pese-lhe a antiguidade) – é igualmente denominado «museu do “saber-fazer”»,

segundo Pierre Piganiol, e «tem como missão oferecer os meios necessários que

contribuam para o aperfeiçoamento da indústria nacional», cumprindo os objectivos do

projecto do abade Henri Grégoire, em 1794. A ressalva da eficácia deste plano,

acrescenta Hernández, residia no «cultivar com esmero» da cultura, da educação e do

ludismo. A sua actividade cultural abrigava-se na conservação dos objectos, na sua

história e na sua criação técnica. É o objecto-testemunho de um pretérito com

características identitárias e do processo criativo próprio de cada época.

Quanto ao aspecto pedagógico, o termo educar é o bastante para elucidar sobre a

nova mentalidade e objectivos do museu. O comentário informativo e a demonstração

do funcionamento dos objectos tornaram-se dois instrumentos de comunicação

essenciais do museu. É cada vez mais sentida a necessidade de os estudar, reavaliar e

reflectir científica e criativamente de forma continuada para melhor chegar às carências

e ao interesse do público, e, no fim, satisfazê-los. Veja-se o reforço da ideia de

indispensabilidade de uma intervenção criativa: a produção e a aquisição de saber não

tinham de ser monótonas, o que resultou em programas de carácter lúdico que passariam

simplesmente por observar como os profissionais instruídos para o efeito accionavam

determinadas peças e maquinaria. Uma forma de contemplação distinta da observação

de um quadro ou de uma escultura aplicados numa parede ou noutro qualquer suporte.

Tornava-se, como refere Hernández, num(a sessão de) espectáculo.454

Num museu, levar o público a utilizar/habitar esse espaço – ainda que para a

realização de actividades distintas da costumeira observação de objectos – é uma

estratégia com potencialidade e que exige do serviço educativo um grande empenho. As

oficinas de trabalho, os dias temáticos, os concertos no interior do museu, as

palestras/conferências (de âmbito mais académico e científico) geram circulação. A

realização de actividades, envolvendo activamente os indivíduos, está intimamente

ligada à vertente educativa. À informação junta-se aquilo que os intervenientes

produziram, constituindo-se, refere Hernández, em «áreas de exposições temporárias» e

de transição entre as colecções (o passado) e aquilo que inquieta presentemente.

454

Idem, p. 200.

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Em 1991, foi apresentado, no colóquio «“Les Arts et Métiers en revolution.

Renaissance d’un musée”», um projecto de renovação do Conservatoire des Arts et

Métiers. Esta acção promoveu uma revolução mais profunda, no caminho da adequação

do museu a novos paradigmas da museologia futura. Este museu foi uma das primeiras

instituições museológicas a ter uma página na Internet.455

Também, em Paris, Mary Alexander dá conta da conectividade da Cité des

Sciences et de l’ Industrie, em La Villette. A relação com os indivíduos é feita além das

exposições e dos espaços físicos de exibição. Com a permissão da Internet, a ligação

com outros Centros de Ciência Europeus foi possível por intermédio da Rede Europeia

de Museus e Centros de Ciência (ECSITE) – organização internacional «que partilha

informação, exposições e pesquisa sobre práticas museológicas e educação científica».

O ciberespaço permite «ligações simples, baratas e valiosas para os funcionários do

museu e os seus visitantes (ambos real e virtual)».

b) O Museum of Science and Industry of Chicago e o Museum of Science and

Industry of Manchester

Hernández, no que diz respeito à ciência e à técnica, individualiza dois museus:

o Museum of Science and Industry of Chicago e o Museum of Science and Industry of

Manchester. Duas referências na forma como assumiram a sua essência e a

conceptualizaram e materializaram. O primeiro foi construído sobre dois pilares (as suas

«missões»): «a de conservar os elementos mais representativos da sociedade industrial e

a de divulgar os conhecimentos científicos através de demonstrações e outras

actividades próximas dos centros científicos». A segunda parte remete a actuação do

museu para um patamar relacional que envolve, além de palestras, conferências e

investigação, «empresas, associações e sociedades na altura de fazer exposições».

Parcerias que o definem. A intenção é a de que a pedagogia faça parte das exposições, e

de que o público participe e possa realizar tudo aquilo que a interactividade pressupõe.

Toma contacto com a máquina mais simples, o laser sofisticado ou os microorganismos

mais complexos.

Atendendo ao progresso científico e tecnológico e à «nova sensibilidade» para

455

«Durante a realização do projecto, pôde aceder-se ao museu por intermédio da Internet, pois é uma das

primeiras instituições museológicas conectadas à rede», comentou Francisca Hernández Hernández, El

museo como espacio de comunicación, pp. 202-203.

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este tipo de temáticas, o Museum of Science and Industry of Chicago considerou a

importância da criação de «um departamento geral de educação e um centro de

educação científica» para trabalharem as capacidades educativas do museu. O seu

programa visava «pôr em relevo a influência que na sociedade têm a ciência e a

técnica». Ao qual foram acrescentados «cursos de ciências, excursões de investigação e

acampamentos de Verão sobre temas de Biologia, Geologia, Astronomia, Ecologia e

Física».456

No centro de educação científica podem encontrar-se serviços bibliotecários,

laboratoriais, de empréstimo de material científico e exposições científicas para crianças

em idade pré-escolar. Era seu apanágio incluir todo o tipo de público.

Apesar de não poderem ser equiparadas cidades como Covilhã, Guarda ou

Portalegre, em Portugal, e Manchester, em Inglaterra, há um denominador comum e que

Hernández objectivamente apresenta (sem referir os casos lusos): «Uma das

características fundamentais deste museu [Museum of Science and Industry of

Manchester] é apresentar uma clara orientação da ciência e da tecnologia num

determinado contexto social, de forma a poder definir-se como “o museu da sociedade

industrial” ou “o museu da cidade industrial”». Ideia mais marcada no Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã), com uma relevância local

impressiva. Ambas as cidades (Covilhã e Manchester) tiveram (e, de certo modo, ainda

têm), num determinado período da sua história, um certo contributo na vida

sociopolítica e industrial da cidade e da região. O têxtil foi o catalisador. Só

compreendendo estas dimensões se entenderá o não ocasional interesse pelos museus

das respectivas cidades. Um aspecto curioso que Hernández conseguiu obter sobre o

museu de Manchester é o facto de «que a maior parte dos visitantes do museu têm uma

estreita relação familiar com o seu ambiente». Nos casos portugueses estudados, essa

associação não se confirma de forma tão expressiva. (Ver ponto 4.4.4., p. 268, e Tabela,

Anexos, pp. 340-342)

O Museum of Science and Industry of Manchester tem como base as colecções

do Museu da Ciência e da Indústria do Noroeste. A sua fundação esteve a cargo do

Instituto Universitário da Ciência e da Tecnologia de Manchester, em 1969, empenhado

na reabilitação de edifícios e da colecta de objectos das «antigas indústrias da região».

À data da investigação de Hernández, o dito museu, situ numa antiga estação de

caminhos-de-ferro, fora inaugurado em 1983. Aproxima-se do Museum of Science and

456

Idem, p. 221.

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Industry of Chicago na medida em que partilham o interesse em expor uma correlação

inviolável entre ciência e técnica. Em Manchester, as colecções denunciavam a

importância da ciência no desenvolvimento da indústria (visível na evolução de

produtos e máquinas). Naquela cidade inglesa, as exposições manifestam um

envolvimento mais íntimo com a comunidade ou contexto local e regional e uma

preocupação em tematizá-los. Hernández descreve a sua organização como «uma

narrativa cronológica que se estende até ao presente e a sua principal finalidade é

oferecer aos visitantes uma educação e informação sobre o meio ambiente e sobre os

princípios científicos contemporâneos a partir de uma dimensão global»457

.

Contudo, há temas como a energia, a luz e o gás que estimulam o museu a seguir

o mesmo caminho da interactividade. É aí que reside o «centro científico» do museu, ao

qual se deu o nome de Xperiment! e que indicia o tipo de actividade e de

comportamento que propicia (explicação, «manipulação, experimentação»,

demonstração). Tem a mesma predisposição e intencionalidade educativa do que o de

Chicago, e a proximidade com máquinas e equipamentos – e as actividades lúdicas que

com eles se desenvolvam – possibilita, no mínimo, o conhecimento do seu

funcionamento e da sua «utilidade social». As exposições temporárias, os workshops e

os jogos também constam do seu programa, e «trabalha em colaboração com a

Associação Britânica que coordena as actividades a nível regional e que torna possível

servir um elevado número de escolas».458

3.4. As novas tecnologias da comunicação e o conceito de interactividade

Assim se introduz (apesar das alusões feitas ao longo deste capítulo) a temática

da interactividade, ou aquilo que se designa de dispositivos interactivos. Estas são as

novas expressões que dominam o léxico do museu e da comunicação, aumentando a

exigência e a capacidade de se superar e de se reinventar. Manipulação, experimentação

e exploração compõem outro conjunto de termos e práticas associadas ao novo

comportamento do visitante. Mexer em objectos e aplicar técnicas e princípios

científicos tornaram-se na forma mais real e directa de compreender a ciência. «A

interactividade é considerada uma pedagogia não directiva e é um conceito

museográfico», diz Hernández, com ampla integração no caso do Exploratorium de São

457

Idem, pp. 222-223.

458 Idem, p. 223.

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Francisco. Os dispositivos interactivos constituem, no entender de Hernández, um

«conjunto de elementos museográficos próprios de diferentes meios de comunicação:

modelos animados, mecanismos especiais, imagens, sons, jogos interactivos,

microcomputadores, audiovisuais e videodiscos».

A interactividade «torna o indivíduo igualmente responsável no processo de

aquisição de conhecimento» – consequência justificada por todas as indicações que têm

sido dadas. Em suma, o indivíduo actua e entrosa-se na origem da ciência e da técnica.

Há, por isso, que concordar com a seguinte afirmação de Hernández: «O discurso

científico baseia-se, sobretudo, na prática experimental, isto é, em algo vivido

pessoalmente pelo visitante».

Com isto interroga-se sobre que efeitos têm, efectivamente, os dispositivos

interactivos. Hernández recorre a Pam Gillies e destaca os seguintes:

«* motivam a aprendizagem;

* posicionam-se para se motivarem a si próprios;

* permitem a manipulação de diversas variáveis;

* promovem perguntas cujas respostas surgem na interacção com os dispositivos;

* incrementam a informação [sic]»459

.

3.5. O património natural, a ecomuseologia e a preservação in situ

A preocupação e a consciencialização cívica da sociedade para com a questão da

preservação do património natural tinha, já na época de Hernández, um grande peso na

esfera social e como afirmara a autora: «O museu não pode deixar de lhe prestar a

devida atenção»460

.

3.5.1. A museologia do meio ambiente

A museologia direccionada para o ambiente foi desenvolvendo algumas

actividades próprias (menos familiares noutros âmbitos expositivos) como as

exposições temáticas, que podem ser veículo de informação ainda que os espécimes ou

artefactos não estejam presentes. Mais, pretende fazer do museu um «“espaço

público”», onde o visitante reflicta e discuta cientificamente a «patrimonialização do

459

Idem, p. 218.

460 Idem, p. 282.

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meio ambiente». É um «mediador entre o tema ambiental e o público que está

interessado no mesmo», mais do que a contemplação estética da paisagem (que vivera,

sobretudo, entre os séculos XVI e XIX, na pintura de paisagem, como consequência do

interesse acentuado do homem pela Natureza). Da representação plástica da Natureza

avança-se para o contacto directo com o ambiente natural, com os ecossistemas, e

actuando, simultaneamente, no sentido de os preservar em bioparques.461

A reavaliação do conceito de património e da sua abrangência passou a integrar

a Natureza, acompanhada de objectos, monumentos, parques e lugares naturais.

Concluiu-se que o meio ambiente é, também, um elemento do património. Hernández

frisa essa afinidade, e mais intensa ainda será a necessidade de olhar o património

cultural e natural como «uma única realidade». Sociedade e Natureza não se anulam

nem se conseguem evitar, influenciam-se inevitavelmente.

A aproximação da museologia à temática ambiental resultou em algumas formas

de actuar por parte da instituição museológica. São quatro os tipos de organização

expositiva.462

«A investigação sobre a conservação das espécies e a exposição pública

das mudanças que estas experimentam ao longo do tempo» é a missão assumida por um

conjunto de museus. Outros propõem uma viragem no formato da «instituição

tradicional do museu de história natural». Esta perspectiva sugere que o museu esteja

atento e «se adapte» às mudanças ambientais, à celeridade com que a mudança se

instala e à degradação, afastando «as funções clássicas do museu – o desenvolvimento

dos conhecimentos e a exposição dos saberes num espaço público». A terceira

abordagem é mais interventiva, no sentido de fazer da exposição um exemplar cívico,

consciencializando os cidadãos para as «situações de risco» e como actuar perante elas,

com o intuito de produzir um novo comportamento. A última será aquela onde melhor

se aplicarão os termos primitivo e natural, uma vez que a flora e a fauna permanecem no

seu ecossistema, sem deslocações ou descontextualizações. Hernández exemplifica com

o Biodôme de Montreal.

3.5.2. O ecomuseu

A origem do conceito de ecomuseu é, no entender de Jean Clair, motivo para

retroceder a 1830 e recordar o «debate», na Alemanha, sobre o escopo da instituição

461

Idem, p. 285.

462 Idem, p. 287.

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museológica. Wilhelm Von Humboldt e os seus correligionários defendiam «a ideia de

um museu intensivo, onde o que prima é a arte»; outros, como Léopold Von Ledebur

pretendiam realçar a importância de um museu extensivo, este mais focado nos aspectos

científicos. Em 1846, o inglês William John Thoms apresenta a «cultura popular (folk-

lore) [sic] ou saber do povo» como dimensão da vida cultural e social meritória de ser

trabalhada museologicamente. Esta tinha a vantagem de poder abranger classes que não

frequentavam habitualmente instituições deste tipo. Mais tarde, em 1875, com os

primeiros sinais da Revolução Industrial, a introdução de «elementos tradicionais da

cultura agrária e artesanal» em colecções de museus é bem recebida, originando o

aparecimento de museus dedicados às artes e tradições populares.463

O termo «ecomuseu» conquistou o seu lugar na Nova Museologia, propalando-

se nas discussões neste campo. Manuelina Cândida, por meio de Desvallées, conta,

também, que foi Robert Poujade quem divulgou «o neologismo ecomuseu, pela

primeira vez em 1971», embora o conceito tenha a paternidade oficial de Hugues de

Varine-Bohan. Quer isto dizer que o gérmen esteve em Georges Henri Rivière. A ideia

de «um museu ecológico – ou seja, do homem e da natureza, relativo a um território

sobre o qual vive uma população» foi pensado por Rivière, articulado por Varine e

disseminado por Poujade.464

A linha da frente do museu é polivalente, e, como tal, a paisagem está incluída.

Esta é transformada por construções (de fábricas, por exemplo). A paisagem histórica

tem valor simbólico e é referência de identidade colectiva. Veja-se que não se trata

apenas de «fossilizar paisagens denominadas naturais», mas também de «fossilizar

paisagens urbanas, denominadas de centros históricos, ou aldeias rurais (…)».

Funcionam como «pequenas ilhas da memória».465

3.5.2.1. Os ecomuseus em Portugal

A ideia de um ecomuseu em Portugal (em 1979) é motivada pela criação do

Parque Natural da Serra da Estrela.466

O trabalho de recolha etnográfica – em contacto

directo com a população serrana, complementado pela aquisição de edifícios de

463

Idem, p. 294.

464 Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria

Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, p. 48.

465 Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., pp. 203-204.

466 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., pp. 301-302.

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arquitectura representativa da zona, e desenvolvido por Georges Henri Rivière e uma

equipa de investigadores – não teve continuidade por directiva governamental. Comenta

Hernández que as autoridades estavam «pouco sensibilizado[a]s com o tema». O desejo

de avançar com o projecto de ecomuseus aconteceu com o Museu Municipal do Seixal,

inaugurado em 1982, para ser «convertido» nesta tipologia. Em Novembro de 1984, a

abertura do estaleiro artesanal, cedido pela Administração Geral do Porto de Lisboa,

fortalece esse objectivo.467

Os ecomuseus (ou alguns, pelo menos) são espaços de especial importância, uma

vez que a reconstrução da cena é efectivamente implicativa na visão da comunidade

onde estão localizados e por visitantes estrangeiros. Os primeiros porque já vivenciaram

aqueles locais, e guardam memórias e noções espaciais que contribuirão para uma

diversificada perspectiva. Também a «“encenação” do seu património»468

será

confrontada com as realidades que os visitantes estrangeiros trazem, em permanente

(incontrolável e intrínseco) estado comparativo e avaliativo.

467

Idem, p. 302.

468 Idem, pp. 259-260.

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CAPÍTULO IV | Da realeza fabril a centros de património cultural vivo.

Três casos de identidade própria mas com traços comuns: a fábrica, o

museu e a comunidade

«O museu local é o museu do particular, do diferente. Frequentemente, o museu local debruça-

se sobre a localidade a partir de uma abordagem interdisciplinar; de facto, é dos poucos

espaços que poderia mostrar a interacção entre cultura humana e meio ambiente ao longo do

tempo e no espaço e ilustrar a interdependência da cultura à volta de um modelo local. (…) o

museu local pode ser um instrumento que ajude a compreender e a respeitar a cultura

tradicional local.»469

O museu local é caldo para muita problematização. Tido como típico das cidades

de pequena ou média dimensão e fruto de uma polinização que nem sempre se traduziu

na flor mais vistosa do jardim. Mestre e Molina agarram o assunto alertando para o

adormecimento ou a ofuscação dos elementos cultural, científico e educativo destes

pequenos rebentos por outros. Chamaram-lhe «a Cinderela da Cultura», quiseram

afastá-la do pó e das vestes que turvavam a sua verdadeira imagem. A dupla de

professores da Universidad de Barcelona confrontou-o com os domínios prioritários e as

suas pretensões desafiantes, mas alcançáveis.

Cultura, património e público formam a tríade inevitável. E é um domínio de

vários «quês». Veja-se:

i) Qual a extensão do museu local nestes âmbitos e qual o grau de impacto?

ii) Qual é o seu lugar na história e quais as suas incumbências?

iii) Quem é o público que o visita – pergunta da praxe em qualquer estudo neste âmbito,

mas efectivamente exigível – e a quem se destina: a todos ou a alguns?

iv) Quanta atenção e relevo são depositados no discurso museológico?

v) Qual a relação do visitante-turista com o museu local e vice-versa?

Seguramente, a questão identitária é o miolo deste tipo de ambiente mais

caseiro, da tal proximidade – madrugadora e repetidamente enunciada, e que não pode

ser desprezada. Mais além, vão Mestre e Molina, ao insistirem num perfil educativo e

estimulante da ciência, da investigação, dos centros de estudos locais, reagindo também

na seguinte direcção: «Os museus locais podem desempenhar funções turísticas?» Essa

promessa dinamizadora concretizar-se-á – questionam Mestre e Molina – num «agitador

469

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, Museo local: la cenicienta de la cultura,

Biblioteconomía y Administración Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008, p. 22.

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cultural» ou num «bobo da política»? A discussão é servida de uma prognose que,

preservando o valor base de identidade-local-e-regional, o cultivam nas mais diversas

modalidades.

Estes dois especialistas no campo da museologia e da didáctica do património,

em Museo local: la cenicienta de la cultura, ampararam-se na realidade espanhola – dos

projectos museológicos às políticas culturais. Ao mesmo tempo, a sua inquietude não

ignora as implicações dos chavões globalização e estandardização, dos emergentes

centros de interpretação do património, ou da paisagem, num sentido mais restrito, e da

Natureza, em toda a sua grandeza e extensão, de que o museu local se tornou parente. A

ecomuseologia leva-os a tentar perceber o que será «musealizar o território». Sob a

sombra de «coveiros da cultura», de excêntricos locais, da insuficiência material e

científica do acervo, do espectro do obsoleto, erige-se a capacidade de ser cultura, de

formar comunidades e indivíduos, criam expectativas sobre as redes de conhecimento e

o turismo, podendo encontrar-se no museu local um novo (ou outro) pelourinho da

cidade e da região.

Os museus locais representam aquilo que, em última análise, são as memórias da

vida de localidades e/ou regiões. Da mesma forma que o álbum de família (ou um outro

qualquer objecto mais ou menos vistoso, mais ou menos especial, mais ou menos

previsível) guarda momentos de grande valor sentimental (independentemente do tipo

de relação), há locais que pretendem recolher e organizar as suas heranças para que não

se percam em partilhas familiares ou se tornem sem-abrigo, e que de outra forma não

teriam algum tipo de exposição e se poderiam perder com a renovação de gerações.470

E, em regra, este tipo de museus é o menos agraciado com comparticipações financeiras

estatais. Mestre e Molina denunciam a sua fragilidade perante os «grandes templos de

arte contemporânea» ou outros mediáticos. Pobres, sem um fluxo vistoso de visitantes,

não integram as prioridades das estratégias políticas culturais. Em Portugal, a

Interioridade é problema. O investimento e a promoção abeiram-se mais do mar do que

da raia. Afastados dos centros decisores, de maior transacção de produtos e de agentes

470

«Os museus contêm objectos que é necessário descodificar e interpretar; sempre foram contentores de

objectos, tal como as nossas casas, os nossos escritórios, as nossas fábricas ou as nossas igrejas. Para cada

um de nós, os objectos quotidianos têm sentido, são-nos familiares porque os utilizamos, sabemos quem

nos deu ou onde e de que forma os adquirimos, temo-los associados a uma multidão de sentimentos e,

portanto, tornam-se úteis – sem eles não poderíamos viver facilmente – e agradáveis ou evocadores, de

acordo com o caso.» Idem, pp. 222-223.

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culturais e económicos, onde (se) pesa a Cultura, o museu local é visto como o museu

do município – por vezes, de um pouco mais –, o museu das gentes locais e da sua terra.

Em desvantagem relativamente às grandes instituições museológicas está o facto

de o museu local não ter desenvolvido «uma teoria que explique e justifique a sua razão

de ser»471

. Em causa está o reconhecimento. Uma obra ganha tanto mais credibilidade

quanto maior a sua sustentação científica. Quando ele nasce de momentos ou vontades

ou desejos de circunstância, não se sabe – por mais boa vontade que se tenha – qual a

história e o real valor do que é exposto (e se o tem, deve merecê-lo) perante o painel de

avaliadores, decisores, especialistas da cultura e do seu público provável. De uma nota

de rodapé, em Museo local: la cenicienta de la cultura, a afirmação:

«O “museu local”, como tal, não gerou certamente nem uma bibliografia potente nem grandes

teorias; contudo, há na rede informações relevantes que podem contribuir para o seu

desenvolvimento, e a bibliografia gerada nos princípios do século XXI começa a interessar-se

por este fenómeno do museu local em todos os seus aspectos.» (Mestre e Molina, 2008, p. 12)

confirma aquilo que fora observado, a respeito da bibliografia existente sobre a

temática, na revisão da literatura da presente dissertação.

A vitalidade de um museu comunicante reside no esforço para se manter assíduo,

dedicado e diligente na comunidade, nomeadamente com exposições ocasionais

(temporárias) que suscitem o interesse da população (local e/ou visitante), alterando

rotinas: levar o público a contactar com algo novo e a rever a permanente. As urgências

do museu local centrar-se-ão, de acordo com Mestre e Molina, num «aparelho teórico

necessário, mas o seu principal problema é a falta de investimento devido à pouca fé das

administrações na sua missão, na sua tarefa de cidadania». Independentemente do

contexto nacional de que se servem, Mestre e Molina apontam o museu local como

«instrumento cultural» a ser valorizado quando os seus acervos, as suas práticas

expositivas e a metodologia didáctica forem capazes de suportar essa causa.

O hábito (a prática e a indumentária) museográfico é, geralmente, o

convencional: as vitrinas, as bases com lâmpadas de halogéneo para destacar

determinadas peças e um guião, muitas vezes, intuitivo. É difícil retirar louvor a um

cenário que reúne memória, testemunho, fontes primárias e inéditas de determinada

época, acontecimentos marcantes e parte da história de uma determinada comunidade

com repercussões estruturais e decisivas a vários níveis. Recorrer a fotografias do

edifício de como era aquando do seu período de actividade, da sua utilização primeira,

471

Idem, p. 11.

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revelando indícios da época e da sua participação na vida da comunidade, da região e do

país. Junte-se as vestimentas, o quotidiano nas esferas pública e privada (condições de

vida), expressões faciais até; os retratos de operários nos diferentes sectores de

produção das fábricas, de proprietários, de famílias de industriais, dos próprios

materiais e matérias-primas, de instrumentos e dos produtos obtidos. Os testemunhos

(em impressão, locução ou filmagem) de descendentes de qualquer uma das classes. A

carência de recursos não deverá justificar uma má exposição. A abordagem é essencial e

determina a composição museográfica, isto é, sempre que exista coerência conceptual

entre as peças – que estas, em conjunto, produzam sentido. Outro dos aspectos que

distingue os museus locais dos «museus do mundo» é a consistência do conjunto que

expõem. Tendencialmente, encontra-se nos museus locais um espaço de diversidade,

com a pretensão de mostrar o mais possível da zona. Mestre e Molina dizem ser «um

autêntico mostruário de objectos».

4.1. Museu local: origens e metamorfoses

«Os museus locais (…) foram uma invenção anglo-saxónica. Na realidade,

nasceram como resposta puritana à necessidade de dar coesão à comunidade local e

livrá-la das instituições estatais, das quais desconfiava. O museu local nasce no seio das

sociedades protestantes anglo-saxónicas, especialmente norte-americanas, envolto pelo

espírito familiar e pela protecção dos conceitos locais.»472

O projecto foi bem-sucedido

na rede museológica, comprovado pelo milhar de museus deste tipo em actividade nos

Estados Unidos da América, em que metade se encontra ao abrigo de centros educativos

e universidades, e o segundo meio milhar localizado em comunidades com menos de

cinquenta mil habitantes.

«O pequeno museu local foi, nos Estados Unidos, uma característica das pequenas cidades.

Este formato de museu local, pequeno, era, nessa altura, praticamente ignorado na Europa. O

museu local anglo-saxão era “o museu da comunidade”, frente aos grandes museus nacionais,

que são pagos por todos, mas que deles apenas beneficiam os habitantes da capital.»473

Os defensores do museu local enquanto museu comunitário valorizavam a

presença de voluntários na gestão da instituição. Na Europa da década de 1930, o

472

Idem, p. 31.

473 Idem, p. 31.

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entusiasmo recaía sobre aqueles que tinham sustentabilidade económica, desabafavam

alguns museólogos e autores. Ora, o conceito de museu da cidade – da sua

povoação/comunidade –, que se viu nos EUA, não fermentou na Europa, tolhido desde

logo pelas autoridades de alguns países. Assim se explica que, nos países

mediterrânicos, as colecções ficassem à guarda da Igreja e de famílias abastadas. Estes

constrangimentos e/ou insensibilidade para com aquele projecto museológico talvez

tenham contribuído para a sua actual imagem na Europa e, concretamente, na Península

Ibérica. Mestre e Molina afirmam que a primeira impressão de um visitante perante este

tipo de museus é «muito variada».

A década de 1970 é apontada (e lembrada) por Judite Primo como «o período de

maior inovação nos trabalhos museológicos em toda a Europa». Neste espaço temporal,

Portugal deu as boas-vindas aos primeiros museus locais, que tinham na comunidade

(saliente-se, na sua «participação») o durame da sua engrenagem e das funções a que o

novo museu se propunha. O património, continua a actual directora do curso de

Museologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, «passa a ser

assumido como um bem comum pelas comunidades locais e gradativamente a ser

entendido como um vector promotor para as comunidades locais atingirem um

desenvolvimento sustentado»474

.

474

Judite Primo, «Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo (Coord.),

Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa,

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 122. A iniciar o terceiro milénio, Mário

Chagas testificara que Abril de 1974 não trouxera apenas cravos, uma esperança ardente e abrasiva e uma

liberdade menina e deslumbrada. De ideias próprias e do que se ia apanhando de frequências externas,

algumas experiências – em particular, no campo da museologia – resgataram Portugal para outras

incursões «a partir de iniciativas locais realizadas por associações culturais ou autarquias. Alguns museus

surgidos ou transformados com base nessas experiências passaram a considerar as suas coleções como um

“meio” para a realização de trabalhos de interesse social; suas intervenções ampliaram-se e orientaram-se

para a valorização da localidade, para o fomento do emprego e para as áreas de comunicação e educação

[sic]». Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu e

Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

2002, pp. 71-72. Eram museus «fortemente enraizados na estrutura municipal e associativa»,

aproveitados, inicialmente, como «ferramenta de militância comunitária», de cariz etnográfico,

tradicional, popular vincado, distanciando-se do crivo académico. Este era o modelo de museu local,

generalizado, descrito por Pierre Mayrand e Mário C. Moutinho em «Le musée local de la nouvelle

génération au Portugal, un pas en avant dans la gestion communautaire qualitative: essai d’ interprétation

épistémologique» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier

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Um novo lote de questões impõe-se: Estes museus têm público? As exposições

permanentes têm acompanhado a modernidade? Existe uma exposição permanente que

permita exposições temporárias? Como renová-las sem recursos? Recorrer a fotocópias,

reorganização de mesas e vitrinas? Imaginação? O formato das exposições temporárias

é um dos pontos de discussão. Os habituais textos e fotografias, as mesas e as vitrinas

de anteriores capítulos expositivos projectam um certo ambiente de austeridade,

consideram os investigadores em museografia didáctica e interactiva. Acreditam não ser

um esquema de exposição preparado para impressionar, mas investido no visitante

habitual: o público escolar (constituindo este o destinatário principal deste tipo de

exposições) e o público-curioso, presente na inauguração e esporadicamente,

investigando a novidade na sua localidade. Acrescente-se a rede hoteleira e o público de

terceira idade como hipóteses viáveis.

Revindo ao interior da máquina museológica: Que tipo de funcionários têm estes

museus e o que fazem? A realidade espanhola mostra que, em meios pequenos, os

mesmos funcionários chegam a assumir tarefas de programação e de gestão cultural (de

escavações a preparação de apresentações de livros), e a integrar projectos de produção

de catálogos de bens culturais. À indefinição do estatuto475

do pessoal interino acresce a

existência de uma geração criada juntamente com a instituição. Porém, perguntam

Mestre e Molina, e se «o principal problema destas instituições é a intrusão que sofrem

da política»? Com efeito, o museu local está dependente e vulnerável às oscilações da

administração local (a duração dos ciclos eleitorais, a renovação das equipas político-

partidárias com uma periodicidade frequente mas insuficiente para a sedimentação de

determinados projectos culturais, e a reavaliação de prioridades) e ao poder que aí

engrossa. «A sobrevivência e o desenvolvimento sustentado» deste tipo de estruturas

vêem-se, também, hipotecados pela «importância do envolvimento da comunidade em

regime de voluntariado» e pela «regular exiguidade dos recursos financeiros destinados

a fins culturais deste tipo» com interferência directa na boa saúde do «sistema de

programação e gestão».476

Esta é a face desestabilizadora da museologia local

Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

Setembro de 2007, p. 45.

475 Na primeira visita, descobre-se um sítio, muitas vezes, com uma orientação predefinida e,

ocasionalmente, um funcionário-engenhocas: é porteiro, guia, técnico de comunicação, conservador,

investigador, etc.

476 Ana Mercedes Stoffel Fernandes, «Gestão Museológica e Sistemas de Qualidade: Qualidade e Museus

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portuguesa que se vê a braços com um presente de diversos «projectos de criação e

renovação de museus, fundamentados no respeito e promoção da identidade das

populações». Daí a contundência da reacção de Ana Stoffel: «Urge, portanto, promover

a utilização de modelos sistemáticos de planeamento e gestão de museus (…)».

Apesar de o museu local parecer uma pequena partícula da massa cultural e

social, ele tem a capacidade de se integrar e de traçar estratégias com vários sectores em

diferentes planos. O seu aporte na pirâmide das necessidades (imagine-se uma pirâmide

dos serviços, e não a de Abraham Maslow) parece ser diminuído comparativamente a

outras estruturas, contudo, mobiliza vários corpos sociais e institucionais: da

comunidade ao município, à região, ao Estado; define planos e cria programas e

projectos; envolve dinheiros públicos e privados e entidades de ambos os lados

(câmaras, empresas, fundações, associações sem fins lucrativos). Estão implicados os

partidos políticos, os patrões, os trabalhadores, a sociedade civil e acerca-se de outras

instituições promotoras e empenhadas na produção e disseminação do saber e da

formação como universidades, centros culturais, bibliotecas, galerias e escolas.477

A componente social parece ter ganhado o seu primado, sobretudo, na forma de

duas valências congenialmente ligadas: a educação e o civismo. David Thelen, em

2001, descrevia o comportamento renovador persistente nesta área: «“Vivemos num

momento em que museus e outras instituições de construção de significado da educação

e da cultura populares estão a reconsiderar a sua missão e práticas cívicas, os lugares

que procuram, as formas pelas quais envolvem novos parceiros e públicos, e, portanto,

as suas prioridades. Muitos acreditam que a saúde destas instituições depende de se

tornarem mais comprometidas civicamente com uma série de comunidades”»478

.

Em Espanha, os dados recolhidos comprovam que há maior afluência a museus

de Belas-Artes. Segundo Hernández, esses museus «contam com uma longa tradição,

– Uma parceria essencial – Introdução» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas

do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades

e Tecnologias, 2007, pp. 135-136.

477 Raúl Andrés Méndez Lugo, «Concepción, método y vinculación de la museología comunitaria» in

Cadernos de Sociomuseologia – Questões Interdisciplinares na Museologia, n.º 41, Lisboa, Edições

Universitárias Lusófonas/Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2011, p. 58.

478 David Thelen em «Learning Community: Creating the Civic Museum» in Museum News, Maio/Junho

2001. Apud Barbara Schaffer Bacon, Pam Korza, e Patricia E. Williams, «Giving voice: a role for

museums in civic dialogue» in American Association of Museums, A Museums & Community Toolkit,

Washington DC, American Association of Museums, 2002, p. 7.

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representam o paradigma institucional, contêm a memória histórica e artística de um

povo e gozam de grande prestígio dentro da sociedade» – estas são as mais prováveis

razões que justificam essa distinção. Em Portugal, observadas as tabelas de estatísticas

de visitantes de museus e palácios desde o ano de 2000, disponibilizadas pelo Instituto

dos Museus e da Conservação (IMC), constata-se que o Museu dos Coches tem feito

sempre parte dos três museus mais visitados. Nos restantes lugares do pódio têm

presença assídua o Museu Monográfico de Conímbriga, em Conímbriga – Condeixa-a-

Nova (e quando não se encontra entre os três primeiros, vem imediatamente em seu

encalço), o Museu de Arte Antiga (Lisboa) e o Museu de Arqueologia (Lisboa).

Destacando-se dos restantes museus sob tutela do IMC estão o Museu Grão Vasco

(Viseu) e o Museu do Azulejo (Lisboa) (sendo que este último já fizera parte dos três

lugares mais elevados no início da primeira década do século XXI).

Estas conclusões subvertem-se quando são adicionados os dados referentes aos

palácios (os quais, por sua vez, só estão publicados no sítio de Internet do IMC a partir

do ano de 2007 inclusivamente). Considerando os novos elementos estatísticos, é o

Palácio Nacional de Sintra que apresenta o conjunto de dígitos mais extenso (com

excepção do primeiro quadrimestre de 2012 – únicos dados deste ano publicados à data

da presente dissertação), ultrapassado pelo Paço dos Duques, em Guimarães

(provavelmente motivado pelo facto de a cidade de Guimarães ser a Capital Europeia da

Cultura no ano de 2012). De qualquer modo, o Paço dos Duques e o Palácio Nacional

de Mafra têm registado um número de visitas superior ao dos museus mais solicitados,

nomeadamente a partir de 2008. Ainda assim, em 2007 e 2008, o Museu dos Coches foi

o seu mais directo rival.

Analisando o tipo de museus e de palácios mais desejados em Portugal, infere-se

um desvio relativamente à realidade espanhola. Porém, apesar de a maioria não se

enquadrar na tipologia de Belas-Artes, não deixa de comungar das mesmas ideias

inscritas nas palavras de Hernández. A antiguidade, a prostração perante tais edificações

(estruturalmente monumentais e esteticamente arrojadas) e a referência que constituem

pelo valor do seu conteúdo e das suas paredes na História do país e do povo conferem-

lhe essa distinção. Por curiosidade, de entre os museus e palácios mencionados,

encontram-se dois museus situados mais a Este, ou seja, o Museu Monográfico de

Conímbriga e o Museu Grão Vasco.479

479

Cf. Tabelas de estatísticas de visitantes de museus e de palácios do IMC, disponíveis em

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A instituição museológica é olhada não só como um lugar de memória, mas

especialmente como memória-útil. Um lugar humanizado que procura declarar uma

identidade, e sedimentá-la, e afirmar-se como meio e instrumento de aprendizagem

saciada não só pela contemplação, mas, também, por tudo aquilo que a nova

personalidade do museu é capaz de proporcionar. Esta nova teorização da museologia

fundamenta e fortalece a (necessidade de) existência dos museus têxteis evidenciados

nas zonas da Beira Interior e do Alto Alentejo: «Este [o museu] é chamado a converter-

se na memória colectiva de um povo, de uma região ou de um determinado lugar, cujas

gentes não desejam perder o contacto com as suas próprias raízes, não para ver

nostalgicamente o passado, mas para retomar o futuro com maior ilusão e tratar de que

também este seja criativo e fecundo». As palavras de Hernández congregam duas das

três ideias fundadoras desta dissertação: a consciencialização da comunidade

(local/regional) perante um passado construído (material e imaterial) que se fez

património colectivo, e o seu encaixe no futuro.

A par das qualidades de unicidade e singularidade (mais representativas em áreas

de expressão artística por motivos de criatividade e originalidade), a raridade (por acção

de diversos factores) e a carga histórica, social, religiosa, cultural e estética dignificam

igualmente essa decisão. Desta forma, tapeçarias, teares, cobertores de papa, fornos de

tingimento, cardas de mão, fusos ou rocas para fiar, caldeiras simples para tingir e de

cobre, roda de fiar a pedal, produtos tintureiros (anil e pau-brasil), entre outros, –

referindo concretamente exemplos ligados à indústria da lã –, devem integrar esse

estatuto e a estrutura museológica. Um sistema museológico, na óptica de Duncan

Cameron, assenta num fortalecido circuito comunicativo, onde estão presentes o

emissor, o objecto e o receptor - os três agentes indispensáveis na rede de informação.480

4.2. De que se fazem, então, os museus locais?

De pinturas a relíquias, de ferramentas a fotografias, de embarcações a armas, de

vestidos a bandeiras, de esculturas a placas, medalhas, mapas, moedas, móveis, fósseis,

cruzes, etc., que, pelo facto de terem sido coleccionados por alguém (minimamente

http://www.ipmuseus.pt/pt-PT/recursos/estatisticas/ContentDetail.aspx. Nota: Esta lista de museus

organizada pelo IMC não contempla os inúmeros museus que não estão sob sua tutela.

480 Francisca Hernández Hernández, El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía

y Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998, pp. 125-126.

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221

influente), se tornaram «musealizáveis», para citar Mestre e Molina. Porém, afiançam

que «podem não ter mais nada em comum do que o feito de se terem convertido em

fetiches culturais». Esta variedade acaba por toldar a imagem do museu local,

marcando-o como um armazém de objectos desgarrados e com a sua própria história,

«fragmentos descontextualizados arrancados ao tempo», ainda nas palavras de Mestre e

Molina. Muitos desses objectos são heranças de família. «Se estes objectos não

estivessem ligados por um guião, constituiriam simplesmente curiosidades, mas, ao

estarem organizados “taxonomicamente”, testemunham o passado, já que são as suas

pegadas. E este feito confere-lhes um poder extraordinário; portanto, transformam-se

em autênticos fetiches da cultura.»481

Esta ideia é reforçada pela ausência de perfil

museológico nestas peças, ou seja, a não existência de unicidade, de valor estético

distintivo ou de vínculo com algo historicamente marcante (período, movimento,

acontecimento, personagens, etc.). Procedem sobretudo do quotidiano e, por isso, a sua

adequação museológica deve ser acompanhada de um enfoque didáctico concretizado

em conteúdos científicos correctos e interessantes e uma organização criativa.

Mestre e Molina questionam: «O que é que confere o título de objecto de museu

a um qualquer despojo do passado? O que é que lhe dá valor e força?» Sabendo que «a

maioria destes objectos, no seu dia-a-dia, foram elementos utilitários; a sua

intencionalidade primeira foi a de instrumento ou utilidade». Quando deslocados do seu

sítio original, o discurso do objecto altera-se, e transmite e suscita outro entendimento.

O seu significado é outro, pois o contexto também o é. Um armário deixa de ser um

móvel para arrumação e uma imagem religiosa deixa de ser alvo de devoção e oração –

ganham (novas) funcionalidades distintas das primeiras. Também um tear ou qualquer

outro instrumento da indústria da lã deixa de ser utilizado como era em ambiente fabril,

passando a objecto expositivo, de análise e de reflexão, e não propriamente de exercício

da actividade original.

Poderá acontecer que, apesar da natureza local do museu, assim não seja

rotulado, devido à sua colecção relevante e atractiva e/ou pelo facto de estar inserido em

grandes cidades. A realidade mostra que o museu local sobrevive com os seus próprios

meios e que o tipo de conteúdo exposto deve mais ao seu contexto. Isto é, «tratam-se de

museus do concreto; quando o seu tema é a arte, referem-se à arte mais próxima;

quando se trata de história, referem-se à micro-história; quando se trata de etnografia,

481

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 18.

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referem-se à comunidade mais próxima»482

. Assim, os seus objectivos convergem para a

proximidade. A sua formação escapa, numa óptica global, a um plano nacional. Mestre e

Molina vão mais longe ao afirmar categoricamente que «tanto em Espanha, como em

qualquer outro país do nosso âmbito cultural, a criação de todos e de cada um dos

museus locais responde a uma iniciativa esporádica, sem ligação a qualquer outro

acontecimento cultural. Muito frequentemente, a criação destes organismos foi

iniciativa de algum patrício local, geralmente uma personagem culta que era uma

profunda conhecedora de alguma temática específica». O gosto pela antiguidade e/ou

pela arqueologia, que motivara a construção de uma colecção pessoal baseada em

espécimes locais antigos ou que tipificam a localidade (município ou concelho),

caracteriza o modelo de «patrício» culturalmente activo e interessado do período de

transição do século XIX para o século XX.

Em alguns casos, as colecções expostas não se deveram a habitantes, mas

resultaram da vontade colectiva de um grupo de eruditos ou aficionados locais. Alguns

deles promotores de iniciativas culturais por intermédio de associações ou pessoas que

pertenciam a grupos de trabalho de cariz académico, por exemplo. Este processo leva a

que a natureza das colecções se fixe em aspectos etnográficos e/ou arqueológicos,

sobrepondo-se à arte, por exemplo. Trata-se, «muitas vezes, de recolher e conservar

ofícios tradicionais ou elementos de arqueologia industrial, seja uma fábrica ou uma

central eléctrica». Conclusão pertinente de Mestre e Molina para a análise dos três

museus da Beira Interior e Alto Alentejo.

Elencam-se, neste seguimento, um conjunto de questões com o intuito de

perceber qual a sua natureza: a criação de um museu local será fruto de uma vontade,

momentânea, em que os custos dessa decisão não são racionalizados na altura? Da

forma espontânea como surgem, também rapidamente deixam de ser sustentáveis? De

que são feitos os museus locais? Que tipo de estruturas, de objectos e de colecções

justificam a existência dos mesmos? «Há uma primeira definição para qualquer objecto

que vai para um museu: geralmente é um objecto obsoleto, que já não serve para a

função para a qual foi criado e que, pela arte da museografia, transforma-se em algo que

se exporá ao público.»483

De acordo com a enumeração proposta por Mestre e Molina, «há uma quinta

482

Idem, pp. 21-22.

483 Idem, p. 24.

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tipologia de objectos que merecem um parágrafo especial: referimo-nos aos objectos

próprios da sociedade industrial e que as sociedades pós-industriais foram relegando».

«As turbinas, as antigas centrais eléctricas, (…) os teares, as fábricas de impressões

metálicas, os motores, etecetera» são alguns dos exemplos. A desindustrialização

acabou por encaminhar esses instrumentos para estabelecimentos de utilidade pública

como os museus locais. Propiciou, inclusivamente, a criação de alguns desses museus e

fez daqueles objectos de trabalho quotidiano matéria simbólica da história local (e,

mesmo, regional e nacional).

O acervo do museu local «equivale a um depósito de fontes primárias da história

local (…)»484

. As obras de arte, as máquinas, a fotografia, os artefactos, entre outros

reúnem o passado no presente e idealmente preparam-no para as gerações futuras. Este

testamento patrimonial contínuo aparenta um falso estado niilista. A sua perenidade é

fruto do poder semiótico desses objectos – achados inúteis e de ninguém, certas vezes –

porque comunicam mensagens que devem ser descodificadas à luz dos instrumentos

mais apropriados e justos. «Quem duvida, hoje, da importância da arqueologia

industrial para conhecer aspectos fundamentais da evolução técnica do nosso mundo?»,

questionam Mestre e Molina. «Uma turbina eléctrica ou uma máquina a vapor podem

conter mais informação do que muitos livros de história!», alertam. Nessas máquinas

estiveram as mãos de muitos – dias quase inteiros –, de estórias e de vidas a elas

dedicadas. Podem ser olhadas presencialmente, ver como é a sua mecânica, o seu

aspecto, como funcionavam e produziam, sem serem necessários trechos de textos ou

imagens truncadas, carentes da animação do movimento (do encaixe e desencaixe das

peças, dos sons, da entrada de um fio e o aparecimento de um pano, uma manta, uma

tapeçaria – de um desenho saído, quase por magia, dos dedos que ali rolam de um lado

para o outro de um tear, por exemplo) a solicitar a imaginação.

A museologia local tem, de acordo com Mestre e Molina, formas de

manifestação diversas. A afeição é eminentemente telúrica. As personalidades-da-terra

baptizam casas-museu; outras estruturas têm como núcleo achados arqueológicos

(surpresas de intervenções locais não planeadas para tal) e/ou doações – e sobre eles se

erguem485

; outras, ainda, são devotadas a uma temática específica – dizem entreter-se

484

Idem, p. 47.

485 Sobretudo de famílias e/ou indivíduos conterrâneos, cuja história pessoal é a história dos objectos de

que se desprendem para os devolver a algo comum ou com interesse na temática em questão.

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entre os ofícios e as técnicas. São os museus temáticos. Estes cresceram devido à

dedicação para com a vida rural, a agricultura e os ofícios. Resultam da evolução

tecnológica e industrial das comunidades rurais a partir dos finais do século XIX, com

especial ênfase no século seguinte. Verifica-se uma forte componente etnográfica,

procurando ir além da simples caracterização tipológica (física e estética) das

ferramentas, pela sua recuperação e activação de processos e de técnicas de produção

com vista a exemplificar as suas funções originais.

Como convivem as ruínas com o estilo de vida urbano actual? O património

arqueológico urbano é «em todas as cidades do mundo a materialização da história

colectiva, a expressão de todos aqueles acontecimentos significativos que tiveram como

marco o espaço urbano; além disso, estes patrimónios urbanos são os testemunhos das

complexas relações sociais entre os grupos que ali habitaram»486

. O valor do objecto,

parafraseando Mestre e Molina, depende da singularidade (exotismo) do conjunto; da

sua biografia; do valor histórico; do valor sentimental ou simbólico; do valor didáctico

(histórico e cultural); da antiguidade (a qual, à medida que se torna mais recuada, mais

valor adquire) e do seu uso (o valor de uso traduz-se na utilidade que poderá

proporcionar à comunidade). Estes princípios combinados encorpam a motivação para

preservar o depósito arqueológico.

O seu usufruto e a rentabilização turística local (e regional), em primeiro lugar, e

nacional, numa fase de expansão do produto, podem resultar na subsistência económica

local, por exemplo. Esse valor está ainda subordinado ao conhecimento do ambiente

social, económico, político e ideológico. Pode situar-se numa zona de interesse turístico,

residencial, agrícola ou industrial desamparada financeiramente. Factores que têm dois

pesos (e duas medidas): por um lado, podem dificultar a intervenção arqueológica ou,

por outro, estimulá-la. Este é património das pessoas que ali habitam. Há uma

inevitabilidade e também uma mais-valia que Mestre e Molina frisam: o museu local é

aquele que pode manifestar as estreitas relações que se estabelecem entre o meio

cultural e o meio local ao longo do tempo. Extraído o suco deste relacionamento, pode,

assim, o museu local ser um fabricante de identidade local?

4.3. Como ser museu para «o público e o “não-público”»?

Como introdução a este ponto, recorre-se à analítica síntese que Fernando João

486

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 60.

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Moreira faz sobre o conceito de público: distingue, espacialmente, visitante (dentro do

museu) de não-visitante (fora do museu), e, temporalmente, público real de público

potencial. Depois, a curiosa evolução do sentido de público, uma importante migração

de observador a actor. «O actual conceito de público foi construído pela expansão da

ideia de público para a ideia de utilizador», precisa Moreira. É o que sucede com o

«público real», fruto da junção de visitante e de utilizador. O doutor em Museologia e

presidente da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE) pergunta:

«Porquê utilizador e não simplesmente visitante?» Uma alteração, diz, que tem vindo a

acompanhar as últimas décadas, período em que o museu tem sofrido grandes

transformações. Assim, a definição, ou a redefinição, de público evolui porque a

instituição museológica tem refeito os seus paradigmas.

Em três alíneas, três razões: i) «a evolução do museu passivo para um

proactivo»: do culto do belo e do raro, nobilitado e imaculado «para uma instituição que

procura trazer estas coisas belas e incomuns para o público»; ii) a alforria do museu

relativamente à exposição para servir a população de variadas formas, isto é, serviços; e,

por fim, iii) a descentralização do museu na medida em que este passa, também, a fazer-

se representar num «grande número de formatos» pelo território.487

A própria noção de

desenvolvimento tem granjeado outras interpretações, bem como a de desenvolvimento

local. A este compasso, também o poder local se expressa no «desenvolvimento global»

com dinâmica renovada, acompanhado pela reconfiguração funcional de instituições

locais, por «novos mecanismos de regulação local», e pela releitura do que pode ser

considerado factor de desenvolvimento, adianta Fernando Moreira.

Como é que o museu consegue fazer parte das prioridades das pessoas, quando

estas têm tanto com que se distrair? O museu local tem, por defeito, um público mais

reduzido. O primeiro público, e aquele que será o seu público, consiste nos residentes da

localidade – que é um quinhão limitado –, dos quais apenas uma parte o visitará; segue-

se uma percentagem reduzida daqueles que visitam a localidade.

487

Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,

Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Scociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º

27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 32-33. (Nota: «The

Museums’ Public in Portugal: characterisation and motivations. POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic

Study Centre [Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT], 2005)

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4.3.1. Como atrair o «“não-público”»?

Mestre e Molina socorrem-se de algumas conclusões de A. M.ª Cousillas («Los

estudios de visitantes a museos. Fundamentos generales y principales tendencias» in

Ciudad arqueológica. Centro virtual). Aspectos a considerar:

1 – a diversidade do público requer museografias distintas;

2 – o público exige e sente necessidade de informação extra no auxílio à compreensão

do objecto. A sua contemplação parece não ser satisfatória. Contudo, nem sempre os

textos que acompanham as exposições são lidos, e, quando lidos, nem sempre são

interpretados de acordo com o objectivo de quem os concebeu;

3 – os visitantes comportam-se de formas diferentes no museu (uns falam, outros tentam

controlar a adrenalina de se aproximar dos objectos, outros privilegiam o silêncio, uns

escolhem um trajecto, outros outro, etc.)

Além do perfil do visitante, que é determinante, é possível conceber um plano

primário de actuação e que se baseia em duas chamadas de atenção por parte de Mestre

e Molina: «A estratégia do museu local pode ir em duas direcções complementares: em

primeiro lugar, deveria actuar sobre o público habitual, melhorando a oferta e os

serviços, estimando-o muito e esperando que o de “boca em boca” funcione

correctamente; em segundo lugar, deveria actuar sobre os sectores maioritários que não

figuram entre o público visitante».

A regência desse plano deverá estar a cargo de um conjunto de princípios

orientadores que os professores catalães elencaram: «O museu local, nas suas

exposições, deve agir como a imprensa local: com baixos custos, com informação

renovável, apoiando-se no que é específico da localidade, sem esquecer o contexto, e

com imediatismo. Este é o primeiro princípio que o museólogo deve ter presente». O

segundo princípio adverte para o facto de as exposições terem «de partir, na medida do

possível, das necessidades da própria localidade»; o terceiro prevê «envolver a maior

quantidade possível de pessoas na elaboração dos conteúdos da exposição,

nomeadamente, construir guiões com a ajuda das pessoas: utilizar a sua memória».

Indivíduos que, dada a sua proximidade quotidiana (familiaridade) com a temática,

poderão inclusivamente ter em sua posse objectos ou documentos a ela respeitantes. O

quarto princípio conduz-nos à construção da «exposição com temas e objectos

quotidianos fornecidos pelo público». Isto é, pedir aos concidadãos que cedam

elementos para a exposição, fazendo-os sentirem-se parte desse acontecimento. «Uma

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227

exposição com elementos fornecidos pelas pessoas é sempre mais bem-sucedida do que

aquela que se faz com fundos próprios. E, nestes casos, é importante pedir à proprietária

ou proprietário do objecto que expliquem eles o seu uso e o seu funcionamento;

também, esta explicação deveria ser registada e filmada. (…) seria uma mostra ou

exposição na qual cada coisa exposta fosse explicada pelo seu usuário ou usuária,

previamente filmados (…). [sic]»488

Esse sucesso poderá ser reforçado pelo regozijo de os contribuintes se verem em

imagens associadas à exposição, pela continuidade que lhe poderá ser dada com recurso

a informação e ao acervo armazenado do museu, e pela surpresa para a qual as mais

variadas ferramentas museográficas podem contribuir, inovando continuadamente.

Sopesando estes factores, «se tivéssemos de escolher um verbo que definisse a tarefa do

museu, especialmente do pequeno museu, diríamos que este é inovar». A comunicação

integra o oitavo princípio listado por Mestre e Molina e colhe significativo valor uma

vez que «o museu é um meio de comunicação: deve aliar-se com os demais meios para

criar os seus produtos culturais. Conceber uma exposição, seja temporária ou

permanente, apresenta analogias com o projecto de uma campanha de comunicação.

Este princípio é fundamental e básico e influencia a selecção do tema, a sequência, os

programas para solicitar opinião e informação, a redacção de textos e a gravação de

testemunhos».

4.4. Ser-se museu em pequenas e médias comunidades: Covilhã, Guarda e

Portalegre. Um novo instrumento de valorização patrimonial local e regional

«A Beira e o Alentejo foram desde épocas remotas os centros produtores

indígenas dos buréis, saragoças e estamenhas»489

. Com estas palavras, Esteves Pereira

introduz dois pontos fundamentais: a ligação quase atemporal com as lãs enquanto suas

regiões privilegiadas e quase exclusivas, e, ao mesmo tempo, o parentesco que cedo se

estabeleceu entre estas duas regiões. Quais as regiões indicadas para as manufacturas?

Também Borges de Macedo tem resposta para esta questão: a solução para a empreitada

está em parte nas zonas onde já existia produção. Ou seja, «a preferência era centralizar

essa produção na serra da Estrela “onde tudo são lãs e panos”», expressão transmitida

488

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 111.

489 Esteves Pereira, Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª

Editores, 1979, p. 150.

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228

de geração em geração, e que construíra paulatinamente uma imagem de marca.

Vários são os comentários elogiosos e de reconhecimento que Covilhã, Guarda e

Portalegre recebem, pelo seu contributo na história da actividade industrial têxtil. Neste

sentido, Esteves Pereira defende que «poucas nações conservam na história da

tecelagem da lã factos tão notáveis, como os que são tradicionais na Covilhã, como os

que fizeram figurar Portalegre e as suas lãs nos sumptuosos festejos oferecidos por

Coimbra a um dos antigos reis portugueses, e como os que atestam Gouveia, Guarda e

outros lugares de extraordinário labor». Quase a totalidade da população, que a serra

esconde nas suas muralhas de rochedos, vive e depende do trabalho em torno da lã,

matéria-prima abundante e acessível. E que permitiu uma «especialização industrial»

desse produto caseiro, transformando «o produto único fabricado na primeira metade do

século XVIII (buréis e panos dozenos e quartozenos) num catálogo de mercadorias de

qualidade e uso variável, mas sempre baseadas no processamento da lã».490

A lã – como a ascendência do homem e as memórias geracionais, como os

vestígios arqueológicos ou os rituais e as tradições, entre outros – é símbolo das raízes

do povo luso. Esta arte ancestral é clara expressão da conivência entre Homem e

Natureza. Reconheça-se que a utilidade e a aplicabilidade da lã eram exploradas e

apreciadas na Península Ibérica pela qualidade, na qual sobressai a de tipo merina, e

pelo «elevado grau de especialização adquirido por alguns centros laneiros de produção

de matéria-prima e de fabricação de panos». A Natureza permitiu a Portugal e a Espanha

reunirem condições para que se afirmassem na produção de lã. A este respeito, na

corrente de estudos efectuados pela equipa liderada por Elisa Pinheiro, no âmbito do

projecto TRANSLANA, identificaram o Alentejo, a Extremadura espanhola e Castilla-

Leon como centros produtores de excelência. A produção industrial condensava-se

«particularmente numa região polarizada, em Portugal, pela Covilhã e em Espanha,

pelas regiões da Catalunha e de Castilla-Leon»491

.

490

Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,

Editorial Estampa, 1997, p. 369.

491 Elisa Calado Pinheiro, «Maçainhas (Guarda) na Rota da Lã: dos Fios aos Desafios» in Américo

Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas, Câmara Municipal da

Guarda/Junta de Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, p. 21.

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229

Era uma vez três museus… As pequenas «cinderelas»492

4.4.1. O Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (MUSLAN –

Covilhã): vórtice da história da indústria da lã portuguesa

O Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (MUSLAN), apesar

das suas duas décadas de existência – uma curta existência ainda –, alberga estruturas

com mais de dois séculos. Deste museu polinuclear, é sabido que parte das paredes que,

no século XXI, sustentam o Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, integrava,

em 1764, a manufactura de lanifícios com o mesmo nome. Local onde, por obra da

intervenção e da análise arqueológicas, foi possível encontrar preexistências que

remontam à acção pombalina sob provisão régia de D. José I. A construção, existente

desde o ano anterior, foi enquadrada no plano de desenvolvimento e industrialização de

Sebastião José de Carvalho e Melo (marquês de Pombal, 1699-1782). Antes disso, a

Junta do Comércio detivera ali uma tinturaria, cuja estrutura «foi integrada no traço do

novo edifício».493

Contemplados estão, igualmente, esses vestígios arqueológicos numa

relação muito próxima com a instituição universitária, não só no plano de harmonização

entre o contemporâneo e a herança que ali se manifesta, mas também pelas linguagens

que adoptaram, cada um e em conjunto.

Localizada na proximidade da ribeira da Goldra (a sul) e de oficinas de

tecelagem e de acabamentos preexistentes, nasce a Real Fábrica de Panos da Covilhã.

Em 1761, D. José I dá ordem de construção e, em 1769, Paulino André Lombardi,

Administrador da Real Fábrica, recebe a directiva do rei para aproveitar as pedras da

muralha medieva do castelo, destruída pelo terramoto de 1755, já com aval da autarquia.

Era tida como o projecto da «fábrica modelo» e o pretexto para fazer crescer a

localidade enquanto pólo industrial e instigador de desenvolvimento local neste sector.

O despacho régio data de 9 de Maio de 1769 e projectava a construção de um edifício

de raiz ou o aproveitamento de infraestruturas preexistentes, próximo de boa corrente de

água e espaço para abrigar os mecanismos necessários.494

492

Termo utilizado por Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina.

493 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Roteiro do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.

Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior, Outubro de

1998, p. 21.

494 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de

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Pretendia-se da Real Fábrica de Panos uma manufactura exemplar e excelsa no

trabalho de lanifícios local. Queria-se concertação de esforços; coordenação de

diferentes casas/oficinas particulares, que não suportavam a exigência de determinados

serviços, e a concentração de várias funções desempenhadas; qualidade investida no

aperfeiçoamento técnico de procedimentos e de mão-de-obra, o que se reflectiria na

categoria do produto final; de certa forma pedagogia, e sobretudo uma instituição de

referência para a actividade local, regional e nacional, mas também capaz de concorrer

com o mercado bravio inglês. Elisa Pinheiro sintetizou o objectivo desta manufactura de

forte ingerência estatal, entre 1764 (quando começou a laborar) até finais de 1787, da

seguinte forma: «coordenar e fiscalizar a qualidade da produção local, optou-se por

concentrar nesta nova instituição, num edifício planificado para o efeito, as várias

operações de fabrico e transformá-la numa verdadeira escola de aprendizagem, para

servir de modelo aos fabricantes locais, certificar-lhes a qualidade da produção e apoiá-

los, sobretudo, na realização das operações de tinturaria e acabamento dos tecidos, que

exigiam equipamentos e conhecimentos técnicos mais especializados»495

.

«Manchester portuguesa»496

. Este slogan é a atalaia do imaginário dos

covilhanenses. A expressão foi vulgarizada entre o meio empresarial e industrial.

Rapidamente se popularizou, e fez-se para as gerações posteriores. Destacada, ainda

hoje, pelas chaminés de tijolo, em contraste com o típico granito das estruturas dos

edifícios, a cidade foi ganhando esta marca distintiva. Contudo, o reconhecimento de

que a «cidade-granja/cidade-fábrica»497

auferia então – como centro privilegiado da

manufactura portuguesa – pereceu, num processo de desvitalização fabril que outrora

fora sinónimo de produtividade, dinamismo e riqueza.

O certo é que o esmorecer da actividade não teve contrapeso. A preservação

destes complexos industriais – verdadeiros pedaços de história – à medida que

encerravam não era prioritária. Só recentemente o conceito de património (e de

fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011, pp. 247 e 249.

495 Idem, p. 226.

496 Expressão relembrada por José Amado Mendes no prefácio do Catálogo do Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade

da Beira Interior, Abril de 1998, p. 12. Coordenação do catálogo a cargo de Elisa Calado Pinheiro.

497 Manuel Nunes Giraldes apud Elisa Calado Pinheiro in Catálogo do Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 45.

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património colectivo) colheu mais interessados e maior preponderância no planeamento

da acção do homem relativamente às realidades onde actua, sejam elas palpáveis ou

intangíveis. Assim, com algum distanciamento temporal e alguma abertura mental na

senda da salvaguarda de património, justificou-se o aparecimento do Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Este é um centro interdepartamental da

Universidade da Beira Interior (UBI), com autonomia administrativa e financeira e

tutelado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O objectivo primeiro

deste museu foi proteger o património arqueológico aí descoberto. Portanto, este

«recente» espaço exibe a contemporaneidade nos seus acabamentos, nas técnicas de

recuperação e de reabilitação arquitectónicas (sem descurar o distintivo arquétipo

arquitectónico e estético pombalino), e em apetrechos tecnológicos e práticas

museográficas e museológicas. Simultaneamente, pretende fazer perseverar essa

realidade ulterior, fazendo dela um documento vivo e activo.

Em análise está uma instituição formada por três núcleos museológicos.

Primeiro, a Tinturaria da Real Fábrica de Panos (núcleo inaugurado em 30 de Abril de

1992). Depois, as Râmolas de Sol (núcleo inaugurado em 30 de Abril de 1998, com uma

área musealizada de 652,7 m2) que, como o nome indica, reúnem um conjunto de

râmolas de sol e também um estendedouro de lãs com interesse em serem preservados

in situ, a céu aberto, usufruindo da ribeira da Carpinteira (a norte da cidade), junto ao

sítio do Sineiro. Estas instalações integravam o antigo complexo industrial propriedade

de Ignácio da Silva Fiadeiro e Sucessores, que laborou até quase meados do século XX

(1910-1939). O projecto global de salvaguarda do património industrial na cidade anela,

igualmente, um rumo ambiental e ecológico que se fez presente na gestação do

ecomuseu de lanifícios da serra da Estrela (pelo «reconhecimento das paisagens

culturais», das matérias-primas água e lã e da presença animal, e pelo aproveitamento

energético).498

Por último, o Núcleo da Real Fábrica Veiga (inaugurado em 30 de Abril

de 2005, com uma área bruta aproximada de 12 000 m2, e aberto ao público desde 17 de

Maio de 2011 – cf. Fig. 14, Anexos, p. 332), idealizado como suporte infraestrutural da

sede, das áreas administrativa e técnica do museu, e ainda como plataforma de

exposição permanente, a qual é dedicada na sua essência à fase industrial, onde culmina

o processo de tratamento da lã. Este sector alberga também um Centro de

498

Ver descrição sobre as Râmolas de Sol, núcleo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira

Interior, em http://www.museu.ubi.pt/?cix=3025&lang=1, acedido em 31 de Outubro de 2012, às 20h32.

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Documentação/Arquivo-Histórico (criado em 1997 e inaugurado em 30 de Abril de

1998), contemplando a reunião e a análise de informações e dados que compõem a

memória industrial e empresarial dos lanifícios.499

Ao Centro de Documentação/Arquivo-Histórico reserva-se não só a salvaguarda

dessa memória, mas também o apoio à investigação a três batimentos: local, regional e

nacional por meio da «aquisição (a título de compra, dação, depósito, doação, legado,

permuta e recolha), conservação, organização e comunicação dos bens de natureza

arquivística, bibliográfica e têxtil, de qualquer tipo e suporte, sobre a temática geral do

sector de actividade têxtil/lanifícios, com origem em diversas entidades públicas e

privadas»500

. Inclui documentação que possa ser relevante, independentemente do tipo

de ligação com os lanifícios, para a investigação sobre esta área no terreno industrial e

para aquela que é desenvolvida pelo próprio museu; e «dossiers [sic] pedagógicos e

documentação técnica», relativos às exposições permanentes e temporárias do Museu de

Lanifícios. Numa perspectiva global, tem um benefício prospectivo, isto é, de

enriquecer a informação utilizada nas visitas guiadas e em acções de formação.

As Bases de Dados constituem outra das valências como plataformas de

«gestão» e de «acesso à informação do espólio categorizado por Bens Arquivísticos,

Bens Museológicos e Têxteis custodiados pelo Museu de Lanifícios». No espaço

cibernético, estão disponíveis actualmente as bases de dados MUSLAN, para gestão de

bens museológicos, e ARQUEOTEX, restrita aos bens têxteis; futuramente, a

MUSLARQ, que se dedicará à «Gestão de Bens de natureza arquivística com suporte,

tipo e natureza diversos (textuais, iconográficos e cartográficos)». O acervo documental

visa sobretudo profissionais, estudantes, docentes, empresários e outras entidades

culturais e de investigação, cuja actividade se aproxime daquela que o museu hasteia.

Contam-se «designers têxteis e estilistas de moda; investigadores de vários ramos do

conhecimento; docentes dos vários graus de ensino; formadores; estudantes do ensino

superior; empresários e técnicos têxteis; outros museus e centros de documentação»501

.

Hoje, três edifícios em cantaria de granito interligados compõem o complexo

499

Dado tratar-se de um projecto posterior, acrescido ao facto de se encontrar inserido no Núcleo da Real

Fábrica Veiga (sobre o qual ainda não foi publicado um catálogo de musealização), a informação mais

actualizada sobre este centro encontra-se apenas disponível em

http://www.museu.ubi.pt/?cix=3000&lang=1.

500 Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3003&lang=1&v=288217.

501 Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3100&lang=1.

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fabril Real Fábrica Veiga. Na sua génese, à Real Fábrica Veiga estava adstrito o papel

de sede da firma de lanifícios covilhanense, cujo mentor, José Mendes Veiga, fundara

em 1784. Originalmente encontrava-se neste local, junto à ribeira da Goldra ou

Degoldra, uma oficina de tinturaria (datada de 1784). Esta edificação foi sendo

ampliada (em número e volume) até ao ano de 1834, altura em que dispôs de todas as

valências para uma fábrica completa. Nela se desenvolviam a preparação, a fiação, a

tecelagem, a tinturaria e a ultimação; também a acomodação, as râmolas de sol e outras

infraestruturas de que o processo fabril não abdicava; e a divisão comercial, os

escritórios e o armazém, distribuídos pelas diferentes construções que a formavam. Este

«complexo empresarial» deteve, no (seu) período áureo de 1835 a 1891, «cerca de duas

dezenas de unidades fabris, assim como diversas escolas de fiação disseminadas

predominantemente pelos concelhos da Covilhã e do Fundão»502

. Entre finais do século

XVIII e inícios do século XIX, a empresa Real Fábrica Veiga labora com solidez. Já

entre 1916 e os anos de 1990, o «conjunto autonomiza-se» e instalam-se outras firmas,

mais recentes e sem vínculo (quanto à natureza da sua actividade ou

administrativamente) com a primeira. A sua primitividade foi sendo roubada pela

intempérie, nos finais do século XIX, que revoltou a ribeira, e, no início da década de

1990, um incêndio destruiu «o interior do corpo Norte» do complexo, remanescendo as

«fachadas em cantaria de granito».

Apenas um dos três edifícios do complexo é espaço musealizado e está aberto ao

público. No piso 0, localizam-se a recepção (para o acolhimento e «apresentação sucinta

do programa museológico, através da exposição de artefactos arqueológicos, de

produtos tintureiros e de alguns documentos e gravuras referentes aos processos de

tingimento dos panos de lã»503

; a loja (publicações e produtos locais para venda); a

cafetaria/restaurante (serviço de almoços e jantares, mediante marcação prévia para

grupos, no mínimo, de quatro pessoas); um espaço ajardinado com esplanada e vista

para a ribeira (zona de lazer/descanso); um elevador (além das escadas) que faz a

comunicação entre os três pisos, concebido para servir visitantes de mobilidade

condicionada; um auditório (sala de conferências); uma área de exposições temporárias;

e um ateliê/oficina têxtil (sala apetrechada de «equipamentos e utensílios têxteis

adequados a diferentes níveis de aprendizagem, dinamizados pelo Serviço Educativo do

502

Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3053&lang=1.

503 Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3084&lang=1.

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Museu»).504

É, também, neste piso que se localiza o Centro de Documentação/Arquivo

Histórico. Como se pode ler no sítio de Internet do museu, «o percurso museológico da

Exposição Permanente inicia-se neste piso [piso 0], numa área contígua à das

Exposições Temporárias, através da contextualização espácio-temporal da indústria de

lanifícios». Desce-se, seguidamente, ao piso -1, onde a energia e combustíveis,

transportes e escoamento de produção (caminho-de-ferro), o operariado, a tinturaria, os

acabamentos, e as operações de preparação da lã para fiação, cardação (Cf. Fig. 16,

Anexos, p. 332) e penteação esperam o visitante. Aqui, o ex-libris é a caldeira De Nayer

& C.ª (Cf. Fig. 15, Anexos, p. 332), de grandes dimensões, mas fica a nota arqueológica

para as preexistências das primitivas caldeiras a vapor.

No piso 1, as temáticas seguem com a fiação, a preparação para tecelagem, a

tecelagem, os acabamentos e o armazém de fazendas. O espaço de exposição

permanente, neste piso, é partilhado com uma área de projecção multimedia. E permite

o acesso, por intermédio de uma «câmara de isolamento corta-fogo», às Reservas Gerais

do Museu de Lanifícios (área «localizada no edifício contíguo – corpo Norte –, que foi

recuperado e reutilizado como Centro de Documentação/Arquivo Histórico [Piso 0]), à

área de Reservas (Piso 1) e ao parque de estacionamento (Pisos 2 e 3). Todos os pisos

do Núcleo Museológico Real Fábrica Veiga têm «acesso directo ao exterior» e há

facilidade de circulação de cargas pelos pisos 0 e 1, vantajoso na «utilização e na

instalação das maquinarias e materiais da exposição».

Confiaram-se os períodos da pré e proto-industrialização ao Núcleo da

Tinturaria da Real Fábrica de Panos, sobejando o período da industrialização dos

lanifícios covilhanenses – balizado pelo início do século XIX e os meados do século

XX – e da região da serra da Estrela como motriz do Núcleo da Real Fábrica Veiga. O

projecto museológico deste último pretende identificar «as rupturas e as continuidades,

assim como as transformações motivadas não só a nível da indústria como até do

ordenamento espacial da própria cidade, cujo tecido urbano se desenvolveu entre as

Ribeiras da Goldra, que o margina a Sul, e da Carpinteira, que o delimita a Norte».

O Museu de Lanifícios da UBI pretendera-se Museu Nacional dos Lanifícios.

Projecto pensado aquando da musealização da Real Fábrica Veiga, no qual a Câmara

Municipal da Covilhã «promoveu e dinamizou», em 1990, a criação de uma comissão

instaladora que integrava instituições e associações da cidade dedicadas à protecção de

504

Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3053&lang=1.

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património, à indústria de lanifícios e à investigação. Apesar do deferimento da

Secretaria de Estado da Cultura, o projecto não se materializou. Veio, então, a UBI

ceder a formação de despojos da antiga fábrica de lanifícios Real Fábrica Veiga, acima

caracterizada, para dar continuidade ao projecto museológico dos lanifícios

covilhanenses. «Recuperação» e «refuncionalização» foram as acções privilegiadas para

assim «responder a uma carência sentida tanto a nível regional como do próprio país – a

criação de um Museu de Lanifícios, polinucleado e de âmbito nacional».505

Na exposição permanente há espaço para a técnica (todo o processo de

produção; a experiência energética com roda hidráulica, máquina a vapor, caldeira,

chaminé, central eléctrica; as influências externas dos centros industriais europeus na

organização da fábrica e na importação de meios e práticas tecnológicas; a ferrovia); a

história e a arqueologia; a geografia (da lã, da indústria dos lanifícios, do

funcionamento da fábrica e da empresa em geral); a economia (escoamento de produção

a nível nacional [metrópole e ultramar] e a nível internacional); a sociedade (operários

[os bairros operários], quadros técnicos, empresários [os palacetes de industriais]); a

cultura (inclusão da educação que faz sobressair as escolas industriais, como a Escola

Industrial Campos Melo, da Covilhã, onde se lidava com a tipologia de panos, as

marcas de fabrico e os processos de controlo de qualidade); e dois séculos de

arquitectura fabril em fábricas, pavilhões e instalações de apoio (métodos e tipologias).

Elementos que contextualizam a indústria, nomeadamente entre o início do

século XIX e a década de 1970; que desvendam o processo de produção industrial, em

todas as suas secções, bem como o ciclo de transformação da lã (de montante –

ambiente pastoril – a jusante – produtos acabados [no campo do design, comparam-se

os modelos italiano, francês e inglês e o modelo tradicional local]), e ajudam a encenar

o quotidiano operário e empresarial. Uma das preocupações do museu é a preservação

de maquinaria, utensílios em ferro e outras ligas metálicas, madeira, materiais

compostos e têxteis, e outros equipamentos, isto é, de património industrial móvel –

exemplares que, com a evolução tecnológica, se vão reformando, e, sobretudo, se

tornam únicos.

Quis o museu tornar presentes, como elementos em paridade, «o homem, a

comunidade e o ambiente natural envolvente», esclarecer «a ambiência que rodeia uma

cidade de mono-indústria e uma região industrial». Apresenta-se como «um museu de

505

Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3054&lang=1.

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território, aberto, vivo e didáctico, onde o trabalho dos lanifícios, tanto a nível do país,

como da região da Serra da Estrela e da Covilhã se encontram significativamente

representados, constituindo-se a Real Fábrica Veiga como um Núcleo da

Industrialização e Centro de Interpretação do Ecomuseu de Lanifícios da Região da

Serra da Estrela, atendendo igualmente à importância que adquire o Centro de

Documentação/Arquivo Histórico que integra». Isto significa investigação permanente

da evolução histórica, aplicada aos ramos empresarial e industrial que caracterizam os

lanifícios, nos quatro campos de intervenção possíveis: local, regional, nacional e

internacional. Decidido a revitalizar a identidade da cidade que se estende a âmbitos

mais alargados.

Concentre-se, agora, este estudo no primeiro edifício que foi a alavanca da

recuperação. O remanescente da fábrica do século XVIII que se conseguiu resgatar

sustenta-se sobretudo nas tinturarias (Cf. Fig. 1, Anexos, p. 328) e em mais alguns

apontamentos estruturais que identificam as funcionalidades de outrora. Fachadas de

origem e elementos técnicos são as manifestações físicas visíveis que compõem o

perímetro arqueológico exposto durante o processo de recuperação. Foi no âmbito do

aproveitamento dessas construções e do espaço desactivado da Real Fábrica de Panos

(para o projecto de ensino superior e especializado) que se proporcionou o encontro

com esse material arqueológico. Daí, a necessidade emergente de resguardar esse

espólio numa solução que também o promovesse e se firmasse como pólo cultural

direccionado para um público diversificado e para a academia.

A actividade da Real Fábrica de Panos dividia-se em duas grandes áreas: o

fabrico e a ultimação de panos. Nascida oficialmente em 26 de Junho de 1764, tinha

como valência a reunião de várias oficinas e fabricantes locais, convergindo-os numa

dinâmica concertada e de homogeneização qualitativa no desempenho de tarefas de

tinturaria e acabamento de tecidos. Dispunha ainda de espaços de acolhimento, em

regime de internato, de crianças órfãs e/ou abandonadas entre os oito e os doze anos, as

quais compunham parte da mão-de-obra activa, desde cedo qualificada e especializada,

seguindo um plano de aprendizagem do ofício que ali se operava.

A planta que os escombros deixaram perceber mostra um edifício disposto em

quatro alas rectangulares que esquadravam uma praça central. As cornijas de granito

que rematam as fachadas denunciavam o apelidado «estilo pombalino» (e ainda as

gárgulas no mesmo material), respeitando a sobriedade das formas e a regularidade das

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aberturas, como especifica Elisa Pinheiro.506

A fábrica, na sua origem, ocupava uma

área de cerca de 6000 m2, dividida por dois pisos (com as ampliações, no reinado de D.

Maria I, atingira uma área total de cerca de 10 000 m2, embora musealizados estejam

apenas 699 m2). Os serviços de portaria e acolhimento (pátio de entrada e casa do

porteiro), e o encadeamento funcional de tinturarias distribuíam-se pelo piso térreo.

Mais uma tinturaria dos panos em cor, e outra das dornas, dois corredores de serviço às

tinturarias e ao sistema de alimentação das caldeiras; uma casa para os teares grandes,

outra para os teares pequenos e um corredor de entrada da casa dos teares (com

pavimento de calçada). Há, ainda, casas para o armazenamento dos panos dos

fardamentos, para puxar estambre, para o mestre prensar, para a composição de tintas,

para perchas e tesouras, para prensas e uma última para lãs em bruto, todas lageadas,

como enumera a anterior directora do museu. No piso superior, a área que dizia respeito

à ala em frente ao Chafariz das Lágrimas destinava-se aos serviços administrativos (em

particular a Casa da Aprovação), armazéns, salas de fiação e alojamento dos aprendizes.

Ao seu dispor estariam ainda um «Chafariz, com 4 tanques de lavar os panos e Lãs,

comuas frestadas, um Tanque da Água para serviço das Tinturarias e um completo

sistema de canalizações de água [sic]»507

.

O roteiro museológico proposto aos visitantes apresenta o que, ainda hoje, se

pode conhecer da Real Fábrica de Panos: a Sala de Recepção (22 m2), a Tinturaria dos

Panos de Lã (161 m2), o Tanque da Água (8 m

2), a Tinturaria das Lãs em Meada (106

m2), o Corredor das Fornalhas I (69 m

2), a Tinturaria das Dornas (212 m

2), um corredor

de acesso interno às instalações sanitárias (38 m2) e o Corredor das Fornalhas II (Cf.

Figs. 9, 10, 11 e 12, Anexos, pp. 330-331).508

Nos 83 m2 deste segundo corredor, que

originalmente auxiliava no processo de aquecimento das caldeiras, imiscuem-se duas

funcionalidades: a de área musealizada (com exposição das primeiras máquinas

tintureiras – remontando ao século XIX –, bocas de fornalhas, barcas de tingir ou de

sarilho, máquina a vapor vertical invertida de finais do século XIX, a evolução dos

processos tintureiros desde os romanos até hoje, e reconstituições) e a de passagem

interna entre duas áreas departamentais da universidade (que serve de galeria de

exposições temporárias).

506

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.

Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 20.

507 Idem, p. 21.

508 Idem, pp. 35 e 36.

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Fora «uma das mais antigas casas da tinturaria da manufactura real», assegura

Elisa Pinheiro. Uma tinturaria das lãs, em meada ou fio, não era comum no alvor da

industrialização laneira portuguesa em Setecentos. Em 1991, ali foram encontradas

«duas estruturas de granito aparelhado, que se encontravam soterradas e que constituíam

os suportes de apoio às caldeiras das fornalhas». Foi ainda descoberto um conjunto de

orifícios no «aparelho de pedra», onde se fixariam «os suportes de uma caleira exterior»

que integraria as infraestruturas relacionadas com o sistema de abastecimento de água

na fábrica.509

A propósito da Tinturaria das Lãs em Meada, é feito um apontamento de grande

monta: a estrutura de suporte da caldeira que servia esta tinturaria foi imprescindível.

Tida, por Elisa Pinheiro, como «a mais importante descoberta», pelo facto de precisar

factos e características que pudessem definir a identidade de semelhantes que integram

o espólio.510

Por debaixo de uma camada de cimento estava o pavimento original deste

espaço, em granito. Apesar do frenesim com a instalação da tinturaria pombalina na

Covilhã, é importante não esquecer que se trata de uma técnica/ofício milenar. E esta é

prova de mais uma fase da sua evolução. Já na Tinturaria das Dornas cumpria-se o

tingimento a azul, que tinha especial aplicação no «fardamento do exército, dos

archeiros e criados da Casa Real».511

Isto permitia uma produção consistente e

avolumada em conjugação com as duas outras oficinas. Os fardamentos e a ultimação

de panos contribuíam assim para uma actividade massificada.

O recurso à intervenção arqueológica permitiu não só localizar espacial e

temporalmente objectos e estruturas, mas também atribuir-lhes uma história industrial.

Permitiu descobrir e identificar processos, perceber o seu funcionamento, o seu

propósito, a sua evolução e o seu envolvimento contextual. É exemplo disso a técnica

de tingir, as temperaturas a que ocorre e como se atingem, o material das caldeiras (que,

originalmente, com base nos vestígios e demais registos, eram em número de dez, tal

como as fornalhas). Apesar de terem sido descobertas apenas duas fornalhas completas

509

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Roteiro do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.

Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, pp. 23-24. (Cf. Figs. 4 e 5, Anexos, p. 329)

510 Como garante da autenticidade pombalina dos oito «“poços cilíndricos”» graníticos encontrados, em

primeiro lugar, na Tinturaria das Dornas (Cf. Figs. 6, 7 e 8, Anexos, p. 330), e ainda três fornalhas. Ver

http://www.museu.ubi.pt/?cix=3089&lang=1.

511 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.

Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 98.

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e quatro em avançado estado de ruína, estas permitiram elucidar sobre a actividade

realizada no espaço que, hoje, se sabe pertencente à ala tintureira e quais os mais

apropriados para cada cor.512

Esta manufactura do Estado513

manteve-se enquanto tal até 1788, mas esteve em

funcionamento até ao último quartel do século XIX. Durante este período de laboração,

duas sociedades exploraram o espaço, quando o Governo de D. Maria foi dando

margem de manobra aos privados. Do período da Sociedade das Reais Fábricas de

Lanifícios da Covilhã e Fundão ficaram algumas edificações, em acrescento às

pombalinas que ali se haviam erguido. É disso exemplo o arco de ligação entre os dois

lados da Rua Marquês d’Ávila e Bolama – e, deste modo, entre a parte antiga e a então

512

Idem, pp. 54-55.

513 Para rubro do ego covilhanense, a nova unidade industrial surgia nas seguintes condições: «“Levantou-

se a primeira caza dos tintes em tão dilatada proporsão, que para huma parte acomoda duas caldeiras de

extraordinaria grandeza, e para outra parte duas dornas da mesma igualdade, em tal correspondencia, que

facilmente passão as tintas de humas, para outras por uma caldeira de pao, de que se uza, quando he

necessario ferver as tintas, ou aquentar as dornas. Em outro espaço da mesma caza se assentarão huns

repartimentos de madeira, para agazalhos dos Ingredientes das tintas, e fronteiro a este, fica outro espaço

mayor, que serve de despejo aos muitos instrumentos e alfayas, com que se trabalha naquella officina. No

vão da Caza, que he a serventia de toda ella, se faz o alojamento das muitas baetas (…). Corre para dentro

desta Caza huma fonte de excellente agoa, que graciozamente repartida em dous registros para o serviço

das Caldeiras, e despedida outra vez para fora por diversa parte, faz aquella estancia summamente

agradável, e deleitoza, e em certo modo parece, que suaviza o trabalho dos fabricantes. Segue-se para

dentro a segunda Caza sem mais alguma serventia, que a das fornalhas donde dous homens não tem outra

mayor obrigação, que o continuo cuidado de fazerem ferver as caldeiras. Segue-se contiguamente a

terceira caza da Lenha com capacidade bastante, para agazalhar mil carradas della, que toda esta

pervenção he necessaria para segurar o provimento contra as calamidades do Inverno, que naquellas

partes custuma ordinariamente mostrar a diferença do seu Clima. Levantou-se da outra parte da ribeira,

segunda caza, para o ministerio dos pizões, ainda superior na grandeza à caza dos tintes. Formarão-se

dous pizões dentro da mesma caza, e huma fornalha e outo perchas, ficando o mayor vazio da dita caza

para a serventia, o commodo das roupas, que naquele manejo dos pizões necessitão de mayor Largueza.

Levantou-se no mesmo sitio a terceira caza das prensas, donde se assentarão duas com boa commodidade,

e hum tendal para se dobrarem, e pregarem as baetas; a esta caza se vão seguindo contiguamente outras

muitas, destinadas para viverem os prensadores, e outros officiaes, e para se alojarem as baetas depois de

perfeitas, e acabadas”.» Luís F. de Carvalho Dias, ob. Cit., 2.ª parte, Correspondência de Gonçalo da

Cunha Vilas Boas, cartas XXIII e XXXV, «Lanifícios», Ano 5.º, n.º 51, Março 1954, p. 96 e 104. In Jorge

Borges de Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed., Lisboa,

Querco, Setembro de 1982, pp. 33-34.

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constituída.

Nos primeiros anos do século XIX, as invasões francesas foram apenas o início

de uma instabilidade que não mais conheceu fim. Em 1885, sob tutela da Câmara

Municipal da Covilhã (adquirida aos herdeiros da viúva de António Pessoa de Amorim),

a manufactura de lanifícios foi cedida ao Regimento de Infantaria 21, e posteriormente

ao Batalhão de Caçadores 2 até meados do século XX (a soma destas duas ocupações

perfaz o período de 1888-1959). Note-se que teve ainda usufruto de parte das

instalações a Repartição de Finanças e da Tesouraria da Fazenda Pública da Covilhã

(1970-1975). E só no ano de 1973, os terrenos e os edifícios, em estado devoluto,

encontram a entidade a que ainda hoje estão adstritos, cedidos pela Câmara Municipal

da Covilhã. Na altura, o propósito era fazer nascer o Instituto Politécnico da Covilhã,

hoje Universidade da Beira Interior. (Cf. Fig. 2, Anexos, p. 328) Após a sucessão, e à

parte de evidências que provavelmente se foram perdendo com a adequação dos espaços

às várias funções que lhes foram imputadas, outras evidências persistiram.

O ano de 1975 foi particularmente revelador. Com a cedência das estruturas da

antiga manufactura pombalina para sua conversão num estabelecimento de ensino,

seguiram-se as obras de adaptação, onde foram reveladas as preexistências. Era

necessário articular essa descoberta com aquilo que se pretendia erguer. Paralelamente,

projectou-se um outro espaço em conluio com o de ensino, que respeitasse o ambiente e

o processo manufactureiro do século XVIII, relativamente ao fabrico e tingimento dos

panos de lã. Foi necessário coordenar épocas, preexistências arqueológicas, técnicas e

resultados arquitectónicos e um cenário que respeitasse a essência daquilo que se

pretendia preservar. Quase um século após a cessação da actividade primitiva para a

qual essas infraestruturas foram pensadas e criadas, obtém a classificação de Imóvel de

Interesse Público em 1982 (Decreto-lei n.º 28/82 de 26 de Fevereiro). A distinção é

endereçada concretamente ao conjunto de «“poços cilíndricos, fornalhas e caleiras”» em

granito da antiga tinturaria da Real Fábrica de Panos da Covilhã.514

A Tinturaria dos Panos de Lã era a sala nobre. Nela desembocava o acesso

principal à fábrica, cuja porta brasonada ostentava a marca do reinado vigente. (Cf. Fig.

3, Anexos, p. 329). Nela se procedia ao tingimento de diferentes panos com uma paleta

de cores variada. Ainda se atribui como componentes da primitiva manufactura

514

Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.

Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 31.

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oitocentista as bocas de fornalha, chaminés e os arcos de volta perfeita, que

configuravam e deram nome à Sala dos Arcos, assim como a sua rede de esgotos e o

depósito de água. Por motivos de musealização, esta sala veio integrar a sala da

Tinturaria dos Panos de lã.515

No geral, a conservação foi a atitude privilegiada. De

reserva ficava a recuperação e, em último caso, a reconstituição. A inspirar a edificação

da Real Fábrica estiveram algumas viagens a tinturarias inglesas e francesas, plasmadas

nas gravuras da Manufactura dos Gobelins espalhadas por vários espaços musealizados.

E é com esta sua homóloga parisiense que se encontram bastas semelhanças.

Dado que a Universidade da Beira Interior foi nascendo e logrando de outros

espaços consignados à primitiva Real Fábrica de Panos, houve necessidade de conciliar

e de harmonizar os projectos arquitectónicos da universidade e do museu. Esta

sensibilidade visava conciliar interesses e ajudar a potenciar valências. Ou seja, a

«“tinturaria do séc. XVIII”»516

, como foi designada, passaria assim a estar integrada

num projecto de ensino e investigação, aproveitando duas áreas inseparáveis, inerentes a

essas estruturas arqueológicas (e à história): a componente científica e técnica, por um

lado, e a cultural, por outro, que em conjunto poderiam ser valorizadas e enriquecidas

mutuamente. Mesmo que inconscientemente e/ou, no mínimo, por força do quotidiano,

parte do corpo estudantil e docente comunga desse património. Falamos do Corredor

das Fornalhas II, que assume a sua função museológica, e de um dos acessos de

circulação entre uma parte só académica e a praça central (a parada) onde se dispõem

igualmente salas de aula e de trabalhos práticos.

Evocados os precedentes históricos do Museu de Lanifícios da Universidade da

Beira Interior – Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, há que compreender

melhor as promessas desse espaço. Um espaço onde parece ainda ouvir-se o som dos

teares e das sirenes, os maquinismos da labuta fabril, o cheiro a progresso, os suspiros

de um operariado que, hoje, já não existe. Onde se julga ver os vapores e fumos nas

altas chaminés, as tensões entre patrões e operários, oscilando entre cedências e

reivindicações, as ameaças grevistas e os lock-outs. Onde parece viver-se esses estados

de espírito, o convívio animado, as conversas sobre mercadorias, e os grandes nomes

dos lanifícios e do mercado de panos e tecidos a tornarem-se ainda maiores. Ainda hoje,

impõem respeito aos que lhes conhecem o passado. Também as gentes ficaram

515

Idem, p. 32.

516 Idem, p. 32.

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marcadas pelo entrosamento de apelidos nas famílias como Lãnzinha, Lã, Lambranca,

Fazenda, Fazendeiro e Fiadeiro.517

«Quasi toda a população se emprega no fabrico»,

asseverava a Associação Comercial da Covilhã num documento de 1860.518

A indústria laneira não foi só trabalho e mercado. Foi crucial na configuração do

tecido urbano. A cidade da Covilhã foi-se definindo em torno desses pólos de trabalho

que começaram a tecer a malha urbana na encosta da serra. Com o crescimento desta

indústria, as actividades a ela ligadas disseminavam-se por toda a povoação,

umbilicalmente ligadas às ribeiras, mas também ao centro histórico.519

Graças a ela,

diversos locais têm designações particulares (onde muitas delas laboraram) e cada um

conta a sua história: Rua do Peso da Lã, a Travessa do Tinte, o sítio do Pisão Novo, e

artérias principais como a Rua Marquês d´Ávila e Bolama foram albergando palacetes

habitados por empresários. A indústria motivou ainda outros sectores, como o dos

transportes colectivos: caminhos-de-ferro, pontes e estradas.

Quanto aos discursos do museu: a primeira entidade que dialoga com o museu é

a Universidade da Beira Interior, coexistindo paredes-meias, no sentido mais literal que

se possa conceber. Engenharia Têxtil, por exemplo, foi um dos primeiros cursos

ministrados no então Instituto Politécnico da Covilhã. Como Elisa Pinheiro explica em

pormenor, esta instituição cresceu aproveitando da melhor forma o património industrial

que, ao longo das últimas décadas, foi votado ao abandono.520

Hoje, toda a comunidade

académica pode ver parte do museu, nomeadamente a secção das tinturarias, através de

zonas envidraçadas (Cf. Fig. 13, Anexos, p. 331). Quem queira aceder a salas, gabinetes

técnicos e de docentes e outros serviços (pode) passa(r) por um corredor que faz parte

do museu (Cf. Figs. 11, 12 e 13, Anexos, p. 331). Os espaços museológicos ocupam

partes do edifício pombalino e não se apartam da vivência quotidiana académica, numa

relação cultural e de integração. As sucessivas ocupações e a adaptação à universidade

«não permitiram a identificação integral dos espaços interiores, a não ser a dos

existentes ao nível do primeiro piso, na área das tinturarias e do segundo piso na área da

517

Idem, p. 46.

518 Deolinda Folgado, «Covilhã, a cidade que também foi fábrica» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista

Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, p. 89.

519 Idem, p. 89.

520 Ideia predominante no artigo de Elisa Calado Pinheiro intitulado «A Universidade da Beira Interior e o

seu papel na reabilitação e reutilização do património industrial da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica,

Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009.

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243

administração»521

.

Este espaço museológico está envolvido por mais de uma centena de fábricas,

que constituem o verdadeiro núcleo monumental e patrimonial da cidade. Este museu

torna-se imprescindível para que a Covilhã «possa ser classificada como campo

arqueológico-industrial dos lanifícios portugueses, no domínio da arqueologia

industrial»522

.

«Em sentido lato, como bem explicou David Lowenthal em The Past is a

Foreign Country (1985), o passado é de onde vimos»523

. Assim sendo, a museologia e

todas as áreas que a tornam possível contribuíram decisivamente no sentido da

construção de uma identidade, onde o homem se veja implicado. Este reconhece-se

dentro de um colectivo mais abrangente – o de uma nação, o de uma língua –, embora o

sentimento de pertença caminhe igualmente em direcção a comunidades mais reduzidas,

como a região e a localidade, as quais condicionam a sua formação. Na construção

daquela antiga fábrica foram usadas várias pedras que faziam parte da antiga muralha

medieval da então vila. Bahn e Renfrew vêem neste tipo de museus a «pedra angular do

mercado turístico»524

.

A preservação avançou no sentido de um realismo intuitivo para responder à

«preocupação de que o visitante pudesse percorrer os diferentes espaços sem

constrangimentos e fôsse [sic] naturalmente orientado para a observação das peças

estruturais do espólio: sentir com o corpo e não apenas com os olhos é uma regra da

museologia actual que foi observada»525

.

Além da (óbvia) exibição das exposições permanentes nos núcleos museológicos

Real Fábrica de Panos e Real Fábrica Veiga, em ambos são organizadas exposições

temporárias. No primeiro, nos espaços das Galerias das Fornalhas e átrio adjacente; no

segundo, num espaço individualizado como sala de exposições temporárias. São

521

Elisa Calado Pinheiro, Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da

Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 21.

522 Idem, p. 45.

523 Paul Bahn e Colin Renfrew, Archaeology: Theories, Methods and Practice, 5.ª ed., Londres, Thames

& Hudson Ltd., 2008, p. 545.

524 Paul Bahn e Colin Renfrew, Archaeology. The Key Concepts, 3.ª ed., Nova Iorque, Routledge, 2008, p.

219.

525 Comentário de Nuno Teotónio Pereira às obras de beneficiação e enquadramento arquitectónico, e ao

plano de acção museológica em Elisa Calado Pinheiro, Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade

da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 39.

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acolhidas iniciativas de cariz artístico, sejam estas motivadas pela programação do

museu ou pela própria instituição de ensino (UBI); e de âmbito científico e cultural na

forma de seminários, conferências, palestras, com particular frequência aquelas que

dizem respeito à história, ao património e arqueologia industrial e à história local.526

No âmbito da investigação e do desenvolvimento de projectos, o Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior destaca-se com o Projecto Comunitário

TRANSLANA, aprovado em 23 de Abril de 2003 no âmbito do INTERREG III A –

Programa de Cooperação Transfronteiriça Portugal-Espanha (SP4.P22). Em território

lusitano, a Universidade da Beira Interior/Museu de Lanifícios teve como parceiros a

Câmara Municipal da Covilhã, a Região de Turismo da serra da Estrela (Covilhã), o

Instituto de Conservação da Natureza (Lisboa) e o Parque Natural da Serra da Estrela

(Manteigas). De Espanha, reuniu-se o Consorcio Museo Vostell (Malpartida de Cáceres)

e a Asociación para el Desarrollo de la Comarca Tajo-Salor-Almonte-Tagus (Cáceres).

Este trabalho conjunto foi encerrado em 2011, com a sua publicação em dois volumes e

respectiva distribuição por parceiros, bibliotecas, arquivos, universidades, câmaras e

institutos públicos com afinidade ao tema.

O durâmen do Projecto TRANSLANA foi «aprofundar e articular a investigação

transfronteiriça sobre as rotas peninsulares da lã e sobre as vias da transumância».

Propôs-se, igualmente, um trabalho antropológico, além da identificação e registo (no

sentido da salvaguarda) de vestígios e existências arqueológicas e industriais e a

respectiva musealização nas áreas definidas para o trabalho de campo e de análise: a

raia na extensão da Beira Interior (Portugal) e da Extremadura (Espanha). Mais se quis

promover e «rentabilizar os recursos humanos e patrimoniais» de todas as entidades

envolvidas «no sentido de expor e clarificar a importância histórica dos lanifícios a

nível peninsular, e contribuir para o desenvolvimento das regiões que integram este

projecto».527

Acrescentam-se os seguintes serviços disponibilizados pelo Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior:

i) Catálogo têxtil (no ARQUEOTEX estão disponíveis amostras têxteis provenientes,

temporalmente, do século XX, e fabricadas por empresas têxteis/de lanifícios, que já

não se encontram em actividade);

526

Ver http://www.museu.ubi.pt/?cix=2986&lang=1.

527 Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3062&lang=1.

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ii) Serviço educativo (direccionado especialmente para o público escolar – professores e

alunos – e para aqueles que pretendem compreender a temática, e a dinâmica da cidade

e da região, auxiliados por actividades pedagógicas e visitas guiadas. São três os

campos de acção: animação sociocultural, edição e pedagogia);

iii) Oficinas têxteis (espaço de experimentação – de âmbito artesanal – sediado no

Núcleo da Real Fábrica Veiga, que se concretiza nas modalidades de cursos de

formação, estágios e ateliês de natureza têxtil [por exemplo, workshops de tecelagem

artesanal, de criação, de costura e confecção]. O seu público são crianças e jovens do

pré-escolar ao universitário, com enfoque especial para aqueles que frequentam ou têm

interesse particular por Design Têxtil, mas também o público em geral. Este espaço é,

também, adequado a estágios profissionais e curriculares nesta área);

iv) Ateliês (apresentação e explicação de métodos e técnicas de produção de tecidos. São

recorrentes os ateliês «Férias no Museu» – nos períodos de pausa escolar natalícia,

pascal e estival –, «A tinturaria manufactureira e os processos naturais de tingimento de

lãs», «A tecelagem artesanal» e outros temáticos, em consonância com a programação

anual do museu);

v) Leitura e Referência (Sala de Referência/Consulta, integrada no Centro de

Documentação/Arquivo Histórico, com acesso às bases de dados têxteis e museológicas

[ARQUEOTEX e MUSLAN] e consulta presencial de documentos em arquivo,

bibliografia, catálogos, inventários, guias de natureza local. Como complemento são

prestados os serviços de apoio, aconselhamento e orientação na elaboração de trabalhos

científicos e de leitura e transcrição paleográfica. Estão, também, disponíveis rede

wireless e Internet);

vi) Serviço de Reprodução (fotográfica, cinematográfica ou vídeo de peças, obras de

arte expostas e de imagens interiores do Museu de Lanifícios e de documentos de

arquivo);

vii) Pesquisa (em coordenação com o Centro de Documentação/Arquivo Histórico e

suas valências);

viii) Estágios (estágios profissionais e curriculares não remunerados, privilegiando áreas

como Museologia, Ciências Documentais – Áreas de Arquivo ou Biblioteca, de

Conservação e Restauro, de Animação Cultural, de Pedagogia/Serviço

Educativo/Produção de conteúdos pedagógicos, de Design Gráfico e Multimedia e de

Marketing);

ix) Formação;

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x) Visitas de Estudo (organização de visitas guiadas e de visitas orientadas, cujos

destinatários são escolas ou grupos e organizações interessadas. Quando se trata de um

público infantil, a ida ao museu é mais do que uma visita; explicam-se os temas

envolvidos, visualizam-se filmes, contam-se histórias com o intuito de que os ouvintes

interajam – por exemplo, «Era uma vez um tapete de lã» conta a história [o processo de

criação] de um tapete de lã –, realizam-se jogos, encenações teatrais e trabalhos manuais

[de estimulo intelectual e sensorial como fazer corresponder determinada

descrição/representação à máquina respectiva ou construir uma ovelha com lã, ou um

tear ou um moinho de vento com cartão, por exemplo]; observa-se o funcionamento de

máquinas e a tosquia de uma ovelha; utilizam-se kits como «A Maleta Pedagógica»,

munida de amostras de lã, miniaturas de objectos relativos ao processo artesanal de

trabalhar a lã, como uma carda, um par de cardetas, passetas, bobinas, uma caneleira,

corantes naturais para tingimento, amostras de tecidos e um tear manual. Exemplos

integrados no plano de actividades pedagógicas do museu para o ano-lectivo 2011/2012,

sob o tema: «A Escola vem ao Museu»);

xi) Consultoria (a ser solicitado por entidades públicas ou privadas, nacionais ou

estrangeiras. Os seus objectivos deverão ser comuns aos do museu, isto é, «a

salvaguarda e a conservação activa do património industrial têxtil, assim como a

investigação e a divulgação da tecnologia associada tanto à manufactura como à

industrialização dos lanifícios». É «predominantemente um serviço de diagnóstico, de

planeamento e de acompanhamento de intervenções, mas não de execução operacional

das mesmas». As «actividades de consultoria habitualmente mais solicitadas [são o]: a)

apoio técnico a autarquias, investigadores e outras entidades externas envolvidas no

estudo, inventariação e classificação do património industrial; b) apoio técnico a

projectos para instalação de museus e/ou núcleos/pólos museológicos ao nível regional

e local; c) apoio técnico no desenho de percursos turísticos a delinear no âmbito da Rota

da Lã, na Região da Serra da Estrela e Beira Interior e, subsequente contributo para a

edição de folhetos turísticos como medida de valorização turística e desenvolvimento do

património cultural e natural regional»528

;

xii) Empréstimo de Peças (poderá ser realizado se se verificarem as seguintes situações:

cedência reciproca [como já aconteceu com o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy

Fino], mecenato, ou conservação e restauro);

528

Ver http://www.museu.ubi.pt/?cix=3016&lang=1.

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247

xiii) Espaços disponibilizados para certames de cariz científico, cultural ou artístico,

promovidos por entidades públicas ou privadas, colectivas ou singulares.

A interactividade com outras instituições ocorre, com mais frequência, no

âmbito das exposições temporárias. À data de Novembro de 2012, recebiam uma

exposição de artes plásticas pertencente ao Museu Nacional de Etnologia e decorria um

ateliê de estampagem com carimbos – os quais tinham igual proveniência (por

empréstimo). Há, ainda, protocolos com instituições como a Escola Secundária Campos

Melo e o CILAN, entre outros. Além das provas históricas, ambos são de natureza

pedagógica com uma componente prática (artística, tecnológica, têxtil,

profissionalizante) ligada à temática. CILAN designa Centro de Formação Profissional

para a Indústria de Lanifícios. E a Escola Campos Melo tinha em sua posse, até há

pouco tempo, alguma maquinaria têxtil, enquanto escola industrial que foi.

No sítio de Internet do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior

encontram-se, nos respectivos separadores, ligações (links) a outros elementos

informativos como plantas de identificação, descrição e localização dos núcleos do

museu e dos edifícios que os formam, quando aplicável; e ainda ligações que entrançam

os vários núcleos e assuntos de referência/interesse por meio de palavras-chave. O sítio

disponibiliza, ainda, informações sobre horário e localização, acessibilidades, normas de

conduta, ingressos, cafetaria/restaurante e lojas; e permite aceder a uma galeria de

imagens, à revista online do museu ubimuseum (inaugurada em 18 de Maio de 2012 –

ver http://www.ubimuseum.ubi.pt/) e subscrever uma newsletter.

Sob a divisa «Os fios do passado a tecer o futuro», em 2002, o Museu de

Lanifícios integra a Rede Portuguesa de Museus com as seguintes finalidades:

«salvaguardar, conservar, investigar e divulgar o património (…) e ainda contribuir para

a criação de uma rede de informação têxtil a nível europeu»529

. É neste sentido que

pretende fazer valer a classificação de interesse público e partilhar o património

reconhecido com uma comunidade mais alargada. Apesar de, à data de conclusão deste

estudo, não estarem disponíveis os números totais de visitas desde a sua abertura até ao

mês de Novembro de 2012, o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior

registou, em 2010, 8687 visitantes e, em 2011, o número de 11 042. No ano de 2012, já

foram ultrapassados os 11 000 visitantes.

529

Informação disponível em http://www.museu.ubi.pt/?cix=2999&lang=1.

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4.4.2. O Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda): por entre teares, farrapos e

cobertores de papa

A construção de fábricas no distrito da Guarda surgiu da necessidade de auxiliar

a actividade que existia na Covilhã e de obter volumes de produção superiores, a fim de

que satisfizessem as necessidades internas e oferecessem preços comparativamente mais

apetecíveis do que os insistentes interessados negociantes estrangeiros. Elisa Pinheiro

recorda que «penetrando ainda no mercado espanhol, porquanto seriam produzidas a

preços mais baixos do que as inglesas, o Conde da Ericeira procurou então multiplicar

os efeitos desta fabricação e promoveu a criação de novos estabelecimentos idênticos a

este». Terra igualmente favorecida de atributos geográficos e de matéria-prima e com

potencial para a criação de uma rede comercial da lã, pela presença de cristãos-novos.

A aldeia de Meios ocupa a segunda posição das mais altas de Portugal.

Embebida por uma fauna e flora faustosas, usufruindo da proximidade e da energia do

rio Mondego, actividades como a pastorícia, a agricultura e a tecelagem não demoraram

a ganhar pretendentes. Ao património paisagístico que a própria Natureza se encarregou

de gerar, outro tipo de heranças foram sendo construídas. Desta feita, com o engenho do

homem que, a partir de matérias-primas naturais como a lã, erigiu história, arquitectura

e cultura, e, depois, lhes chamou património. A tosquia dos rebanhos não só era prática

corrente como era o principiar da aventura da transformação do pêlo da ovelha em fio

de lã. Do campo para a indústria foi um passo-de-ovelha.

O Museu de Tecelagem dos Meios é a reencarnação de uma antiga fábrica de

tecelagem de cobertores de papa. A fábrica data de 1954, em laboração até à década de

1980. Os teares que podem ser vistos, hoje, no museu são aqueles que, naquelas

décadas, produziam. Alberto Dias de Almeida, seu primeiro proprietário, foi quem os

adquiriu, sendo que alguns deles eram já em segunda ou terceira mão. O Parque Natural

da Serra da Estrela foi o proprietário que se seguiu. O edifício e a sua maquinaria

comportavam-se, nesta fase (que duraria nove meses), como oficina de tecelagem com

componente formativa. «Por razões que se desconhecem, depressa esta iniciativa teve

fim e o edifício passa para as mãos da Câmara Municipal da Guarda (CMG), por

intermédio de um protocolo assinado entre as duas entidades», explica António Luís

Costa, responsável pela gestão do museu.

Desde então até ao início do terceiro milénio, a fábrica não só encerra actividade

como encerra aquilo que representava, levada pela decadência que se instalou. É, por

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fim, com financiamento comunitário e o apoio da Associação de Desenvolvimento

Integrado da Raia Centro e Norte (PRO RAIA) e da Câmara Municipal da Guarda que,

no âmbito do Programa LEADER+ (projecto co-financiado pelo FEOGA – Orientação e

pelo Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas), se avança para

a sua recuperação. A Festa da Transumância (organizada pela Associação de

Desenvolvimento das Freguesias da Encosta da Serra – ADEFES), em 2006, celebrou

igualmente a inauguração (no dia 30 de Julho) deste novo órgão da cultura local e

regional. Este teve como primeiro suporte de vida a Junta de Freguesia dos Meios.

De fábrica de lanifícios a museu: esta conversão vem evidenciar uma atitude

preventiva para com um tipo de património, cuja área de actividade se vinha perdendo

com a desindustrialização gradual. E, como se verifica, não é caso isolado. Este espaço,

afirma Luís Costa (cuja formação incide nas áreas de Línguas e Turismo), tem como

função uterina «a possibilidade única de homenagear toda uma população deste

conjunto de pequenas aldeias que dedicaram uma vida à arte da tecelagem, desde o

humilde pastor, artesãos até ao industrial têxtil [sic]». Sobressai, por outro lado, uma

dinâmica não usual nos restantes museus. É facto que o museu apresenta um acervo,

como é de sua natureza, e constitui-se como ponto de venda de produtos artesanais, o

que não é inusitado. Mas vai mais além, mais do que falar sobre os lanifícios, a sua

história, os seus procedimentos ou fases, o museu tem ao seu serviço um tecelão (desde

Janeiro de 2007), que produz artigos vendidos pela loja do museu e por uma loja na

cidade da Guarda, e, ainda, por encomenda. O técnico superior de turismo da Câmara

Municipal da Guarda caracteriza-o como um «espaço vivo». A matéria-prima trabalhada

é fornecida pelas empresas Jopilã Fiacção (freguesia de Trinta – Guarda) – dividindo-se

por «fio acrílico, fio esfregona, trama de lã para o cobertor de Papa e barbim para as

teias, necessárias para a produção do cobertor de Papa e manta do pastor [sic]» – e

Criações Carlos Benjamin (freguesia de Tortosendo – Covilhã), da qual chega o fio

reciclado, de nome Chenille, explica o responsável pelo museu. Grosso modo, circulam

pelo museu a lã, o trapo, o algodão e o polipropileno.

A diversidade de fios permite alargar as margens de criação e de criatividade e,

em alguns casos, firmar exclusividade, de que é exemplo a «carpete em fio reciclado

tecido nos teares dos cobertores de Papa». Os tapetes são aqueles que mais se têm

disposto à variedade de materiais, cores e medidas, mas também carpetes (em fio

reciclado é de produção recente), pisas, cardos e cravos em lã, pregadeiras, chinelos de

quarto, luvas de cozinha, bases para superfícies quentes, gorros, carteiras, fronhas,

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individuais e almofadões (puff), malas de senhora, copos para escritório. O produto capa

da região – o cobertor de papa – é bastante requisitado, mas não tem sido fácil

corresponder à procura por duas razões capitais: a míngua de mão-de-obra (trata-se

apenas de um tecelão, como se referiu) e o facto de este produto não ser finalizado no

museu. Note-se que os restantes procedimentos de confecção do cobertor exigem outros

profissionais que, igualmente, escasseiam. Os produtos manufacturados no museu já

marcaram presença em certames (como, por exemplo, feiras e festividades municipais:

Feira de S. João e Festas da Cidade) promovidos pela câmara municipal egitaniense, sob

o pelouro do Turismo, ou por outras entidades, apresentando-se como uma das iguarias

que acompanham e representam o concelho da Guarda, especificamente em feiras e

mostras relacionadas com o artesanato.

A preocupação do museu pela rarefacção de ofícios como a tecelagem – aquela,

em particular, que tem dado anima a esta instituição – convertera-se num projecto

(ainda sem resolução). À proposta de criação de um curso na área da tecelagem aliou-se

a Junta de Freguesia dos Meios. A candidatura deste projecto à EFA – Educação e

Formação para Adultos, em 2005, não surtiu efeito. A alternativa, enquanto se aguarda

novo calendário para este tipo de candidaturas, poderá passar por entidades como o

Centro de Emprego e Formação da Guarda ou a Associação de Artesãos da Serra da

Estrela. A formação prática estava pensada para integrar o funcionamento do próprio

museu, uma vez que dispõe das ferramentas de trabalho necessárias, como teares e

recursos humanos, nomeadamente o tecelão; ao passo que para a ministração do módulo

teórico, a Junta de Freguesia disponibilizaria instalações adequadas para o efeito. A par

deste projecto esfriado, outro se amornava (mas sem concretização): a Câmara

Municipal da Guarda, nomeadamente o Pelouro de Turismo, ponderou a estruturação de

workshops para o período de fim-de-semana, investindo neste formato uma dupla

vertente: a pedagógica e o lazer. A fruição do chamado tempo-livre seria, também, de

aprendizagem, num ambiente descontraído mas de igual seriedade no que concerne a

transmissão de saber. E, eventualmente, resultando no despertar do gosto pelo ofício,

para o vir a desenvolver com mais dedicação, mesmo que numa óptica de passatempo.

O Museu de Tecelagem dos Meios recebe quem o visita com um acervo centrado

na pastorícia, naquilo que as rotas da transumância implicaram e nos lanifícios. Nas

vitrinas, estantes e no chão do piso térreo, estão expostas, entre outros, tesouras de

tosquia, chocalhos, fusos, lançadeiras, pentes, órgão de tear de cobertor de papa,

caneleira, lã em bruto, entre outros. Além de telas com informação textual sobre os

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processos de fiação e de tecelagem desde a época dos Romanos, com incidência na

região da Guarda que partilha algumas encostas da serra da Estrela. No piso superior,

estão quatro teares de grandes dimensões destinados à produção de cobertores de papa

(nomeadamente à obtenção da pisa) e dois teares de dimensões mais reduzidas,

vocacionados para a produção de «tapeçaria» de trapos (que idosos do centro de dia vão

retalhar para ocupar o seu tempo), lã e algodão. E encontram-se todos operacionais.

Luís Costa nomeia as peças envolvidas no fabrico, como a urdideira e os teares

manuais, aquelas que habitualmente suscitam mais curiosidade «porque os visitantes

têm a oportunidade de os ver trabalhar».

Num espaço intermédio (entre os dois pisos), está o cantinho etnográfico e

etnológico que exibe peças que servem de amostra representativa de utensílios que

fizeram parte do quotidiano da população de há algumas décadas, nomeadamente nos

espaços rurais, como panela de três pernas, fole, almofariz, almotolia, candeeiros a

petróleo e azeite, entre outros. Nesse mesmo recanto, está a loja do museu onde são

vendidos, igualmente, outros produtos característicos do concelho: artesanato e mel de

apicultores do concelho. Acrescente-se que, desde a sua abertura até Outubro de 2012, o

museu registou 11 915 visitantes, prevalecendo os de nacionalidade portuguesa.

4.4.2.1. O cobertor/manta de Papa

A sua naturalidade é partilhada por freguesias da encosta da serra da Estrela, de

onde se destacam Trinta e Meios (outras também se fizeram notar pelo seu fabrico

intensivo com instalações fabris, quer no concelho da Guarda: Maçainhas, Vale de

Estrela e Vila Soeiro; quer no concelho de Celorico da Beira, em Mesquitela; quer no

concelho de Sabugal, em Vila Boa).530

A churra e a merina531

são os tipos de lã

530

Cf. Documento manuscrito de Luís Costa, e ainda Elisa Calado Pinheiro, «Maçainhas (Guarda) na

Rota da Lã: dos Fios aos Desafios» in Américo Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas

de bronze de Maçainhas, p. 30.

531 As migrações dos rebanhos pela região da serra da Estrela, em função da sua alimentação, provocam o

encontro não só dos seus condutores, mas também de «animais e culturas associadas aos rebanhos e ao

pastoreio (…). Daí a diversidade de raças ovinas existentes no território nacional. (…) De entre elas,

salienta-se, pela sua importância, o merino da Beira Baixa, espécie caracterizada pela elevada resistência

e capacidade de adaptação à precariedade das condições ambientais que o rodeiam, sendo considerado o

produtor das mais finas lãs nacionais. Na área da Guarda, distingue-se uma outra raça de ovinos, a

mondegueira, originária do Alto Mondego, numa área de confluência das regiões naturais da Beira Douro,

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predilectos, curiosamente provenientes de outras paragens e de dois pontos cardeais

opostos: a churra de Trás-os-Montes, e a merina do Alentejo. Quanto ao nome, papa, a

sua natureza é incerta, mas as estórias dão o misticismo (que não se fica pela neblina

das terras altas) que adoça este tipo de produtos, quase arrancados da terra. Ora se diz

que por ter como matéria-prima «uma lã muito fina, churra ou merina, de extrema

qualidade, o cobertor fica digno de se colocar na cama de um Papa». Ora se diz que (e

esta versão menos novelesca) se deve ao «facto de uma das fases da feitura do cobertor

de Papa se assemelhar a uma papa (quando está a ser pisoado com greda e água)», conta

Luís Costa. Os cobertores, ou mantas, podem ser de vários tipos: manta do pastor,

manta lobeira ou barrenta, manta branca, ou manta de cores.

A manta do pastor (Cf. Fig. 18, Anexos, p. 333) é tradicionalmente a manta do

quotidiano, que o pastor carregava consigo nas suas caminhadas com o rebanho,

independentemente da estação do ano. É uma manta bicolor em barras castanhas e

brancas, e é impermeável (a gordura da lã utilizada – o surro – é duradoura), apropriada

para proteger das temperaturas baixas (nomeadamente no Inverno) que sempre

caracterizaram a zona da Guarda – contribuindo para o epíteto de fria – e, sobretudo, as

freguesias de serra (actualmente abrangidas pelo Parque Natural da Serra da Estrela).

A manta lobeira ou barrenta é mais colorida (Cf. Fig. 19, Anexos, p. 334). Além

de barras brancas e castanhas, apresenta também barras amarelas, verdes e vermelhas

conseguidas por meio do tingimento antes da tecelagem. Já as mantas de cor uniforme

são tingidas após a fase de tecelagem. Dos rigorosos Invernos (e da alimentação a

forragens – safra do Verão) se passavam às Primaveras «de alimento fresco nos vales e

montes», daí «a deslocação de rebanhos comunitários para outras regiões, fosse em

plena montanha, fosse nos vales ricos da actual Cova da Beira (Alpedrinha, Idanha-a-

Velha…)». Nesse percurso que se caracteriza de transumância, o lobo era penetra

habitual. Mas, afinal, qual a relação entre o lobo e a manta, além da sibilância do nome?

Como a visão deste animal era o seu calcanhar de Aquiles, aquando «da transladação do

gado para as pastagens mais ricas e disponíveis e sempre que o rebanho era atacado por

lobos, a manta Lobeira servia como arma de defesa uma vez que as fortes cores da

manta confundia os lobos sempre que os pastores as atiçavam para o meio da alcateia

[sic]». As cores fortes das mantas atraíam estes animais, que as atacavam,

Beira Alta e Nordeste Transmontano». Esta raça é a fornecedora da lã churra, de proveito quase exclusivo

para a produção artesanal e industrial de mantas e de tapetes. Idem, p. 21.

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desconcentrando-os do rebanho e permitindo pô-lo em segurança.

Das mantas branca e de cores, as diferenças estão precisamente na cor, isto é, no

tingimento, já que a função era a mesma: a de servir de agasalho para as camas. Ainda

que a manta branca (tecida a partir de lã branca) fosse considerada a «rainha dos mais

ousados enxovais» (Cf. Fig. 17, Anexos, p. 333). As mantas de cores são na sua origem

mantas brancas que, depois de tecidas, são tingidas com cores como o verde, o amarelo,

o vermelho ou o rosa.

Devido à alteração do paradigma social, à evolução económica e laboral, ao

aparecimento de um consumismo impaciente e à urgência de responder ao crescimento

populacional, outros produtos foram criados, de forma massificada, mas com

semelhante eficácia, a fim de satisfazer necessidades que se multiplicavam. A

consequência foi, precisamente, a conversão de determinados artigos, como a

manta/cobertor de papa, em verdadeiras peças de museu. Hoje, adjectivá-la/o de

artesanal ou tradicional não será preocupante, pelo contrário, é inclusivamente

valorizável. A extinção é, por outro lado, o grande inimigo. Isto porque as fábricas532

que existiam, de orientação artesanal, não muito atrás no tempo (na freguesia de

Maçainhas, concelho da Guarda), não aguentaram. E, com elas, vai esquecendo-se a

técnica, aqueles que nela trabalhavam, e os artesãos que já não têm herdeiros de ofício.

Dadas as especificidades climáticas (o pesado fardo da chuva, do vento, da geada e da

neve) da zona, o fabrico caseiro deste tipo de produtos não deverá ser descolado da

história e da evolução da população que começou a povoar aquelas terras. Freguesias

como Maçainhas, Meios e Trinta terão, ao longo desse povoamento, apostado nesse

sector, «fortalecendo uma produção local que, a partir dos meados do séc. XIX até

532

Regista-se a existência de uma «pequena indústria» que remonta ao reinado de D. José I, em

Maçainhas de Baixo, que se dedicava à produção de cobertores de papa. Nas fábricas, fiava-se a lã

(fiação); nos teares manuais, era tecida (tecelagem); e, nos pisões, acabada (acabamento). Estes artigos

eram produto habitual na venda ambulante pela Beira Alta (distrito da Guarda) e pela Beira Baixa (distrito

de Castelo Branco), e chegavam aos armazenistas de Viseu, Coimbra, Porto e Lisboa. Sabe-se que, das

duas cidades portuárias, a regra era exportar para Angola (vendidos em Huambo, Huila e Bailundo).

Contrariando a relativa difusão destas mantas (internacional até), com o aparecimento das fibras

sintéticas, na década de 1960, «parece que este tipo de cobertor não tem actualmente qualquer hipótese de

“sobrevivência” como agasalho de cama». Casimiro Dias Morgado, «Freguesia de Maçainhas» in

Américo Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas, Câmara

Municipal da Guarda/Junta de Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, p. 16.

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meados do séc. XX, se foi industrializando».533

O Museu de Tecelagem dos Meios veio, assim, apresentar-se como refúgio desta

«arte centenária», a qual ganha outro alento, também da parte da freguesia vizinha (a

aldeia de Trinta), com a fábrica Têxteis Evaristo Sampaio Lda./Lordelo a restituir o

artigo ao mercado. A manta/cobertor de papa não era estranha/o a esta unidade fabril,

uma vez que já a produzira antes. Na oficina de tecelagem (museu dos Meios), os teares

de cobertor de papa ganham em idade ao próprio museu; por estimativa, chegando a

completar entre 120 e 150 anos os de maiores dimensões, ficando-se pelo centenário os

mais pequenos. Em pormenor, observam-se nestas estruturas «placas de “cadastro de

máquinas” da extinta FNIL – Federação Nacional da Industria de Lanifícios que

atestavam a legalidade dos teares, enquanto “máquinas industriais”». Actualmente, são

estes os seus dois únicos pólos de produção (de tecelagem, especificamente): um segue

o processo exclusivamente «tradicional»534

(os Meios) – cujo rito só reza nesta encosta

e neste local –, para contrastar com a sua âncora industrial na fábrica de Trinta. É,

também, nesta última que as mantas/cobertores de papa do Museu de Tecelagem são

acabadas/os, pelo facto de «não existir nenhum pisão em funcionamento nos moldes

antigos», finaliza Luís Costa.

As mantas do Museu de Tecelagem dos Meios são vendidas ao público com a

533

Elisa Calado Pinheiro, «Maçainhas (Guarda) na Rota da Lã: dos Fios aos Desafios» in Américo

Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas, p. 27.

534 As fases de fabrico do cobertor/manta de papa, segundo informações orais reunidas por Luís Costa,

são as seguintes: «1. A lã churra ou merina é lavada e fiada; 2. É tecida em teares manuais; 3. É cortada

do tear ao formar uma pisa (Conjunto de 6/7 mantas que corresponde aproximadamente a 25 kg e a um

dia de trabalho do tecelão); 4. A pisa é lavada nos pisões. O pisão consiste numa espécie de um tanque

apetrechado de dois maços de madeira em forma de pé que são accionados e batem na pisa para ajudar a

sair a gordura e sujidade da lã. É nesta fase que o batimento dos maços transforma a pisa numa massa,

muito semelhante a uma papa e que muito possivelmente explica o nome deste artigo; 5. A pisa é cardada,

numa primeira fase com carda, pequenas escovas com dentes de ferro e posteriormente numa maquinaria

muito primitiva denominada de percha que era um equipamento que possuía um tambor completamente

recheado de milhares de pontas, como se fossem pequenos pregos, à largura da pisa e ao passar

incessantemente pelos pregos, a lã era puxada, dando volume e pêlo à manta; 6. A pisa é cortada em

mantas e esticadas nas ramblas, que consistia em barras horizontais de ferro, com saliências pontiagudas

para poderem prender a pisa; 7. As mantas entram no processo de fitamento (opção) e embalamento.

[sic]» Se se pretender que o cobertor tenha uma cor não-natural, depois da lavagem no pisão, o artigo em

fabrico segue para a tinturaria, e, terminado o tingimento, é novamente lavado no pisão antes de ser

cardado.

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etiqueta produzida pelo Turismo da Câmara Municipal da Guarda. O logótipo da CMG,

como proprietária da instituição museológica, figura numa das faces da etiqueta bem

como o do museu; na outra, informações sobre a composição e manutenção da peça e a

origem do produto. As mantas têm desempenhado, hoje em dia, outras funcionalidades

além da original. Luís Costa revela que vários interessados adquirem-nas com o intuito

decorativo, destinando-as a embelezar inclusivamente paredes.

4.4.3. O Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (Portalegre) e a tapeçaria-

quadro

O empreendimento que se erguia na Covilhã era mais do que uma manufactura.

As palavras do superintendente traziam o coração em cada letra. Era a «imponência» da

estrutura e a «novidade» que o excitavam, mas também o vigor e o posicionamento que

a região passaria a ter no contexto nacional: «“Esta é a fábrica que como já disse

levantou dentro de Portugal o amor da Patria”535

(...) Para a sua montagem e

funcionamento foi preciso a persistência e energia de Gonçalo da Cunha Villas Boas,

representante do Conde da Ericeira na Covilhã (...) [sic]»536

. Após as experiências da

Covilhã e de Manteigas, projectam-se outras para outros locais como foi o caso de

Portalegre (e Porto), encorajando uma rede tentacular de produção manufactureira.

«Apesar de não ser comparável à espanhola, a lã do Alentejo é a de melhor qualidade do

país e fácil de trabalhar manualmente.»537

Requisitada para exportação (casas de

negócio inglesas), é desejada sobretudo para a produção de panos finos. O lugar de

principal indústria era ocupado pela tecelagem da lã.

Portalegre não era apenas terra de campos extensos, soalheiros, de dourados e

abastados pastos. Além do bucolismo que a paisagem alentejana propicia e da

actividade pastoril – também partilhada e, em determinados momentos, integrada no

percurso da mesma que se fazia mais a norte – é a lã um dos produtos que consola a

produção da província e a possibilidade de trabalho noutro patamar: o da transformação

535

Luís F. de Carvalho Dias, ob. Cit., 1.ª parte «Discurso n.º 1» remetido por Gonçalo da Cunha Villas

Boas ao Conde da Ericeira em 20 de Novembro de 1681. Doc. n.º 8, p. 105. In Jorge Borges de Macedo,

op. Cit., p. 35.

536 Luís F. de Carvalho Dias, ob. Cit., 2.ª parte, iniciada no número 50 da Revista «Lanifícios» Números

50 a 57 (Fevereiro a Setembro de 1954). In idem, p. 35.

537 A.H.U., Ministério do Reino, Maço 47, Parecer do Depositário das lãs da Real Fábrica de Portalegre

sobre as qualidades de lã no Alentejo em 14/10/1773. In Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 371.

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(a fábrica). Ângelo Monteiro introduz a manufactura de lanifícios por meio de algumas

notas históricas que a colocam em tempos mais recuados. Localiza-a, primeiro, no

século XVI com a segurança dos escritos de Gil Vicente que alude aos «briches de

Portalegre», uma espécie de saragoça grossa (segundo o dicionário Houaiss: em têxtil,

trata-se de «tecido grosso de lã escura»); e menciona uma infraestrutura, já do século

XVII, que se imagina de grande porte por dela dizer tratar-se de uma «grande fábrica de

tecidos de lã» (para a qual trabalhava mão-de-obra considerável), abastecedora das

principais cidades do país, «pois os panos que dela saíam eram bastante aperfeiçoados e

com eles se vestia a maioria da gente portuguesa».538

A época pombalina revelou «a mais moderna das manufacturas de lanifícios, em

matéria de trabalho e construção»: «Certamente a “Real Fábrica de Lanifícios de

Portalegre”»539

, erguida em 1771 (o início) para satisfazer actividades de tecelagem de

lã e de algodão, mas terminada apenas no ano de 1779. Esta manufactura de Portalegre

resgatou interesse para aquela região. Com a expulsão de ordens religiosas (a partir de

1759), como a jesuíta, algum do seu património edificado encontrava-se devoluto. Nesta

localidade do Alto Alentejo, pela «instância» de marquês de Pombal, o edifício demente

do antigo Colégio dos Jesuítas devoto a São Sebastião (do qual o Estado se tornara

proprietário), sito na então Corredoura de Baixo (actual Parque Miguel Bombarda), foi

o local escolhido para erguer a Fábrica Real. Esta seria, também, «um centro de

instrução dos operários», prossegue Ângelo Monteiro.540

Aqui se aprendiam «os aperfeiçoados e melhores processos de fabricação

conhecidos naquela época» que constituiriam matéria de ensino levada a fábricas de

menor dimensão pelo resto do território. José Larcher, de origem francesa, foi um dos

superintendentes da Fábrica Real de Portalegre e conta-se que, por esta altura, a

qualidade dos panos obtivera a salva e o reconhecimento de ser a melhor do país, ao

nível de qualquer outro inglês, francês ou alemão. Adriano Balbi, antes da deliberação

das Cortes Constituintes para a sua venda, em 1821, exaltara essa fábrica «“como

538

Ângelo Monteiro, Lanifícios de Portalegre – Do Passado ao Presente, s/l, 1963, p. 3.

539 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 149.

540 Construção de 1605 e sétimo colégio menor, fundado pela Ordem da Companhia de Jesus em Portugal.

Ângelo Monteiro, op. Cit., pp. 4-5 e Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e

marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),

vol. I, p. 254.

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produtora de tecidos superfinos fabricados com lãs nacionais de boa qualidade”»541

.

Os têxteis palmilhavam a localidade. A Fábrica Pequena, nascida no seio

Larcher, e gerida pela sociedade Larcher & Sobrinhos, em 1846, produzia panos de

casimira, baetas, flanelas e outros artefactos, em diferentes padrões. Conta-se a presença

de uma outra pequena fábrica (1844), dedicada a mantas e alforges para a população

rural. Esta era dirigida por José de Andrade e Sousa (filho de Manuel Andrade e Sousa,

administrador da Fábrica Real) e José de Sousa Larcher (seu cunhado).542

Teve

diferentes moradas, ficando-se pelo sítio de São Bartolomeu, em 1849, a qual ocuparia

um edifício projectado para o efeito e que tinha já conquistado o feito de ser, entre o

conjunto fabril portalegrense, «a que apresentava mais variedade de tecidos, notáveis

pelo seu acabamento», destaca Ângelo Monteiro.

Antecipa-se, assim, a perda da Fábrica Larcher para o Banco União do Porto

que, entre 1880 e 1889, a arrendou indiscriminadamente, acabando por fechar devido à

falta de capacidade financeira. Este rol de tropelias de temperamentos543

passou a servir

uma cidade macilenta de vida fabril. Outra resolução se esperava quando o Dr. José

Frederico Laranjo, político reputado, abordou proprietários e arrendatários de várias

fábricas e José António Duro coordenou uma reunião com os interessados naquele

património, em 17 de Setembro de 1889, chegando finalmente a um acordo e a uma

organização: a Companhia de Lanifícios de Portalegre544

. Nova forma de compreender e

de integrar a actividade industrial, novos tempos para a indústria. A Fábrica de

Lanifícios de Portalegre seguia agora um ritmo de laboração e de «aperfeiçoamento»

que qualquer outra época se vira privada de ver nela. Na rua 1.º de Maio, onde antes se

encontrava a Fábrica Pequena, entravam teares mecânicos, máquinas para canelas,

pisões, lavadeiras, preparando-se para uma oficina de tecelagem mecânica e fiações

automáticas, numa área de 520 m2.545

541

Ângelo Monteiro, op. Cit., p. 6.

542 Idem, p. 6.

543 Facto que se ia repetindo em fábricas de menor dimensão. Casas estas que, antes, e até aqui, eram obra

de homens dinâmicos, mas porventura aquelas em que maior relação de consanguinidade existia entre os

seus proprietários.

544 «Segundo o n.º 2 da lei estatutária, a referida Companhia tinha por finalidade a “lavagem, fiação,

torcedura, tinturaria e fabricação de tecidos de lã, tecidos mistos ou de qualquer outra indústria análoga,

tudo na cidade de Portalegre, província do Alentejo”». Estatutos aprovados em 31 de Outubro de 1890.

Ângelo Monteiro, op. Cit., p. 9.

545 Até à data de edição deste documento factual, escrito por Ângelo Monteiro, a Fábrica localizava-se

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No entanto, viria a ser declarada falência em 1896 e, consequentemente,

encerrada, para depois ser comprada com todos os seus apetrechos por Geoge W.

Robinson, um industrial renomado. Desde 15 de Dezembro de 1903 fora George Milner

Robinson seu administrador, se bem que até 1963546

(altura em que Ângelo Monteiro

nos permite falar dela) sucedem-se as gerências, mas, com maior ou menor empenho, o

objectivo fixado era o de tornar o artigo excepcional. Destaca-se a situação de

desassossego causada pela segunda guerra mundial, com réplicas ameaçadoras sobre a

indústria nacional. Não tardará – sentida a pressão da actividade da Firma Francisco

Fino, Lda., a partir de 6 de Dezembro de 1939 (a qual se estabelecera em frente à

Fábrica de Lanifícios de Portalegre) – o repensar a oferta e a abordagem desta última.

Reavaliara-se a qualidade, impulsionara-se a variedade, e, combinando-as, preparava-se

para a competição com os seus congéneres estrangeiros. Apostou-se na rapidez, na

segurança e na capacidade produtiva alicerçadas em modernos aparelhos e na

«remodelação das primitivas instalações». Os tecidos nacionais conseguiram romper os

mercados inglês, austríaco, suíço, sueco, dinamarquês, norueguês, entre outros, fazendo-

se presentes numa vasta região desde a Europa Continental à do Norte, e isso deve-o aos

portos portugueses. Ultrapassou-se a redoma comercial interna, apesar de continuarem a

integrá-la, mesmo quando não era simplesmente a predilecta.

«Todos os mercados passaram a ter os tecidos produzidos na Fábrica de

Portalegre, cujos mostruários pelo fino gosto e apurada fantasia dos seus padrões

ocuparam desde logo um destacado lugar.» São as palavras de Ângelo Monteiro a

confirmar o encanto e a boa aceitação dos mercados pelas peças portalegrenses. Em

1963, Monteiro descrevia a actividade da Fábrica (que o apanhara na sua

contemporaneidade) com ânimo, desde o operário dedicado à sua especialidade que, em

conjunto com os demais, trabalhava para um tecido perfeito: «as casimiras de alta

qualidade e os cheviotes de fino acabamento» e o célebre «Terylene de sua

especialidade» e «os tropicais de lã-mohair», dos quais detinha exclusividade. E assim

termina o seu relato histórico sobre os lanifícios em Portalegre, que «não são apenas

pretensioso motivo de propaganda regionalista, mas sim produtos que, pela perfeição

indiscutível do seu acabamento, estão sendo verdadeiramente apreciados dentro e fora

ainda na mesma rua. Os administradores-delegados eram António Joaquim de Sousa, Francisco António

Lima e José António Duro, e Silva Pinto como sócio capitalista. Idem, p. 9.

546 Três anos antes, assumiam a direcção Guy Roseta Fino, Manuel Roseta Fino e Dr. Francisco José

Roseta Fino (os sócios-gerentes) e Virgílio Alves da Silva (gerente).

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do nosso país».547

A Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre viria a ser recuperada recentemente,

no século XXI, para nela se instalar a Câmara Municipal. Contudo, o restolho dos

lanifícios não foi sofreado por carcaças. Além da recuperação de estruturas e de

refuncioná-las – albergando serviços importantes na gestão da vida quotidiana local e

regional, e da sua representação na dimensão macro –, a história e a presença das lãs

têm ainda outros feitios. Surge, assim, o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino

de duplo carimbo – histórico e artístico – para responder, em primeiro lugar, às funções

fundadoras deste tipo de organismos: a de conservar, preservar e fazer perseverar o

património, mas também para enaltecer uma faceta do trabalho da lã, a artística.

Assume-se esta instituição, inaugurada em 14 de Julho de 2001, como espaço de

«apresentação, conservação e estudo» das tapeçarias de Portalegre.548

Este museu de

arte têxtil, como é tipificado (da mesma forma lhe é atribuída a classificação de museu

de arte contemporânea), encontra-se sob tutela da Câmara Municipal de Portalegre,

erguido com a assistência do Instituto Português de Museus (agora Instituto dos Museus

e da Conservação) e da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre – esta última no que

diz respeito à constituição do acervo. Guy Fino, um industrial dos lanifícios

portalegrenses, conseguiu incluir e projectar Portugal na rota internacional da produção

de tapeçaria artística, daí a homenagem a esta figura na designação do próprio museu.

Foi granjeando estatuto como defensor e perpetuador de uma das tradições locais,

transgredindo favoravelmente a sua realidade física uma vez que «tem vindo

progressivamente a consolidar-se como um grande pólo de atracção turística de toda a

região, sendo actualmente o mais visitado de todo o concelho», revela Paula Fernandes,

responsável pelo museu.

São 1200 m2 de área de exposição permanente, uma galeria de 250 m

2 destinada

a exposições temporárias, um auditório, um foyer e um jardim, antigas assoalhadas da

Casa dos Castel-Branco549

, erguida na primeira metade do século XVIII. Os dois

últimos são espaços de pausa/lazer, disponíveis para segundas utilizações de âmbito

lúdico e cultural. A galeria de exposições temporárias tem a particularidade de estar

547

Ângelo Monteiro, op. Cit., p. 11.

548 Ver http://www.cm-portalegre.pt/page.php?page=618, acedido em 7 de Novembro de 2012, às 15h54.

549 No portal, fachada principal, é visível o brasão de armas da família Castel-Branco, que enobrece o

centro histórico da cidade. Cf. Cópia do artigo extraído do Jornal Fonte Nova – semanário da região de

Portalegre, n.º 1424, de 23 de Janeiro de 2007, cedido pelo Museu da Tapeçaria de Portalegre.

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situada entre duas muralhas, a medieval e a setecentista, a definir os seus 7 metros de

altura. Este espaço está, assim, apto a receber actividades, acontecimentos e iniciativas

externas ao Museu da Tapeçaria com especial predisposição para a arte contemporânea

(com cada vez mais espaço na cultura, no interesse do público e na valorização)550

, mas

com abertura para diferentes áreas, temas e executores. A colecção é movimentada (em

adições) observando o ritmo e o rumo dos movimentos artísticos contemporâneos, mas

expõe, igualmente, uma dimensão técnica (que é estruturante) e com ela histórica. Isto

porque leva o visitante a retroceder à aura laneira da localidade, à biografia industrial

têxtil local mas integrada num contexto de indústria dos lanifícios mais alargado – dado

que estão implicadas relações com outras regiões como a da Beira Interior, como já foi

referido –, e à biografia da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre com o seu clímax

na Tapeçaria Moderna portuguesa. O museu tem como um dos seus objectivos

«diversificar as perspectivas do público em relação aos processos de criação artística e

de execução da tapeçaria, continuando deste modo a promover e a divulgar esta arte,

tanto a nível nacional como internacional».551

Entre dois pisos é contada a história da tapeçaria de Portalegre. No piso térreo,

os factos e o khrónos; as provas áudio, visuais e textuais, como um filme introdutório

sobre o percurso da fábrica de tapeçarias; os placares com informações relativas ao

trajecto da manufactura, tendo como marcadores datas importantes; as fases da

tapeçaria; instrumentos como dobadoura, cartões para tapeçaria (imagem prévia da obra

pictórica em tapeçaria moderna, onde é possível ver os traços como esboço daquilo que

o quadro virá a ser em tapeçaria) e tear vertical, entre outros; noutra sala, a paleta de

cores em fios de lã utilizados no fabrico de tapeçarias (uma verdadeira pantone); ou a

primeira tapeçaria manufacturada. Resumindo, do contexto histórico aos procedimentos

técnicos do ofício. Já o piso superior está reservado a exemplares de tapeçaria, que

abordam os visitantes como autênticos quadros. Peças que de artesanal e de belas-artes

têm em igual proporção sem que cada metade desmereça a outra ou se sobreponha. São

indivisíveis. Em igual nobreza se apresentam como obras de arte de progénie artesanal.

O início desta fase da exposição procura ser sincrónico com o florescer da tapeçaria

portalegrense, isto é, dos finais da década de 1940 até à actualidade.

Em tapeçarias se vêem desenhos de João Tavares, Almada Negreiros (Cf. Fig.

550

Cf. Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 128.

551 Entre 2001 e Dezembro de 2011, o museu registou a presença de 80 705 visitantes.

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23, Anexos, p. 336), Guilherme Camarinha, Maria Keil, Júlio Pomar, Júlio Resende,

Vieira da Silva, Maria Velez, Costa Pinheiro, Sá Nogueira, Lourdes de Castro, Eduardo

Nery, Menez, Graça Morais, José de Guimarães, Carlos Calvet, Milly Possoz, Jean

Lurçat ou Edouard Jeanneret (Le Corbusier), Joana Vasconcelos (aclamada em Portugal

e no estrangeiro nos últimos anos – cf. Fig. 24, Anexos, p. 337), entre outros. Entre

artistas nacionais e estrangeiros (por iniciativa própria ou a convite da Manufactura de

Tapeçarias), são mais de duzentos os perpetuados em tapeçaria. Dada a sua

representatividade numérica, o programa museológico da exposição permanente é

regido por um princípio de rotatividade, daí não ser «uma colecção permanente podendo

o público encontrar sempre novos motivos de interesse em cada visita ao museu», como

se pode ler no texto de apresentação do museu na página do sítio de Internet da Câmara

Municipal de Portalegre relativo ao Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (ver

http://www.cm-portalegre.pt/page.php?page=618).

A actuação do museu estende-se a entidades públicas e privadas, e ainda a

particulares – sejam eles locais, nacionais ou internacionais, desde o Sport Clube Estrela

de Portalegre, o Agrupamento de Escolas Cristóvão Falcão, a Faculdade de Belas-Artes

da Universidade de Lisboa, o Museu da Presidência da República, o Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior e a Institucion Ferial de Badajoz (IFEBA)

–, estabelecendo parcerias quanto à «cedência graciosa» deste tipo de artefactos,

«contribuindo assim para a diversificação e enriquecimento da colecção».

Os objectivos do museu passam por captar, entrosar e dinamizar a comunidade

local, bem como promover o «desenvolvimento cultural» desse mesmo colectivo, da

cidade e da região. Para tal, recorre-se a acções alternativas e complementares às

exposições permanente e temporária (as práticas de base e imediatamente associadas ao

âmago de um museu), como conferências, concertos, festas escolares, sessões de

cinema, e outras capazes de elevar a arte contemporânea a um patamar de visibilidade

pouco habitual e convidativo. As escolas são um alvo cirúrgico. Dentro da oferta do

museu que se prolonga por todo o ano, são abordadas sob um ângulo pedagógico, mas

todas as faixas etárias são percorridas – desde o pré-escolar à população sénior. A

educação e o diálogo activo (e reactivo, que é o que se espera) com a comunidade (e

com um público cada vez mais heterogéneo), servindo-a, são o que se impõe ao serviço

educativo552

, e ao museu como um todo. Já a programação do museu está a cargo da

552

As actividades realizadas por este serviço são gratuitas, mas requerem marcação prévia.

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Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, sob direcção de Vera Fino, desde 2012.

As tapeçarias portalegrenses também fazem escala em mostras e conferências

nacionais e internacionais, possibilitando a diáspora deste tipo de património.

Divulgação que não exclui os cartazes, os folhetos, os muppies, os catálogos de

exposição, a agenda cultural do município, os comunicados e as visitas de imprensa, a

representação cibernética por meio do sítio online da Câmara Municipal e o facebook.

Do qual não se aparta o trabalho do serviço educativo e das próprias visitas guiadas.

Guy Fino conhecia a Indústria de Lanifícios e soube apresentar a tapeçaria como

uma outra forma de expressão plástica aos artistas. Manuel do Carmo Peixeiro foi o

«“inventor”» do afamado ponto de Portalegre que, pelo seu desenvolvimento plástico

(cores e técnica, proporcionando «uma total fiabilidade na interpretação do desenho»),

foi adquirindo características facilitadoras da reprodução de pinturas, conferindo-lhes a

expressividade pictórica e a emoção que os quadros transmitiam. Este projecto teve

como núcleo fundador os irmãos Fino e Manuel do Carmo Peixeiro.553

Nascia uma nova

indústria artística, para a qual Guy Fino e Manuel Peixeiro trabalharam conjuntamente

nos primeiros contactos com os artistas. «A tapeçaria de Portalegre parte sempre de um

original de um pintor, que é transposto para um outro suporte a uma outra escala. É, no

entanto, muito mais do que uma simples reprodução», explica Paula Fernandes.

A aproximação do público estudantil (infantil) ao museu foi, curiosamente, por

meio de sessões de cinema. Ao convidar as escolas a levarem os seus alunos ao museu

para visualizar filmes infantis, foi possível entregar «convites para visitarem o museu,

com os quais seguia um plano de actividades de serviço educativo para escolherem uma

553

Numa algibeira, um país de forte tradição têxtil, na outra, a narração das conquistas e dos

acontecimentos empreendidos estóica e bravamente pelo seu povo em tapeçarias de proveniência

francesa e flamenga (por encomenda). Uma atitude pouco afoita perante tais actos patrióticos da nação. O

século XVIII foi um período de oportunidade para a tapeçaria portuguesa. Sem tradição até aqui e sem

parte considerável das peças, destruídas pelo terramoto de 1755, marquês de Pombal fez duas tentativas

(em Lisboa e em Tavira) – duas fábricas de tapeçaria que não vingaram. Passam-se, assim, quase dois

séculos, quando Portalegre se arreiga nesta área. Os amigos Guy Fino e Manuel Celestino Peixeiro

interessaram-se por «fazer reviver a tradição dos tapetes de ponto de nó, em Portalegre», corria o ano de

1946. No entanto, dois obstáculos se apressaram: a concorrência e a viabilidade – de grandezas trocadas.

Perante a situação, «Manuel do Carmo Peixeiro, pai de Manuel Celestino, desafiou os dois jovens a fazer

tapeçaria mural com um ponto inventado por ele, anos antes, enquanto estudante têxtil em Roubaix. (…)

A primeira tapeçaria surge em 1948 sob cartão de João Tavares». Ver

http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura/historia.

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actividade [sic]». Isto porque após um ano da sua abertura, esta instituição não tinha

verificado a presença deste tipo de público, particularmente as escolas das freguesias

rurais. Esta «estratégia» foi igualmente accionada para atrair «crianças com

necessidades educativas especiais» e a população sénior do concelho, tornando o museu

não só num espaço de convívio, como o local onde haveriam de ter a primeira

experiência cinematográfica das suas vidas numa sala de cinema.

Em 2008, aperceberam-se de que o museu era ainda desconhecido (fosse o seu

conteúdo ou mesmo a sua localização) para uma parte significativa da população local,

ou seja, «o museu não fazia parte da comunidade», com a agravante de não poderem dar

resposta às perguntas dos turistas. Neste caso, a estratégia passou por um convite a toda

a população portalegrense para se juntar às comemorações do 7.º aniversário do museu,

dia em que teriam um horário especialmente alargado (das 19h às 21h), com «animação;

visitas orientadas; tecedeiras dentro do museu a fazerem tapeçaria». O dia prolongou-se

quase até à meia-noite e tiveram a presença de cerca de cinco centenas de pessoas, das

quais grande parte nunca o tinha visitado. Estas passaram a ser frequentadoras regulares

e a marcar presença nos certames organizados pela instituição.

No ano seguinte, em 2009, a lacuna encontrava-se nos adolescentes, um público

que consideraram ser «difícil de cativar». Mais uma vez, o aniversário foi o pretexto, no

qual foi concebida uma «visita-jogo – jogo educativo e temático» e um «espectáculo

musical» de sonoridades Pop/Rock e Hip Hop. A responsável pelo museu acredita que

esta «actividade tornou o museu num espaço cultural mais apetecível, quebrando as

barreiras e preconceitos que muitos jovens tinham em relação ao espaço Museu». Os

resultados observaram-se nos 100 jovens que responderam positivamente às actividades

programadas, transformando-os em mensageiros do museu e das suas actividades aos

seus círculos de contactos familiares e amigos. A esperança estava no de-boca-em-boca

que se seguiria. A divulgação e o dinamismo avançaram para outras concepções e

colaborações, tendo sido estabelecida, no biénio de 2010/2011, uma parceria com a

Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, para a «realização das Exposições

Colectivas de Tapeçaria Contemporânea ARTELAB.21 onde participaram 21 jovens

artistas», a culminar, em 2011, com «a exposição Artelab Futuro Tapeçaria

Contemporânea».

A cidade industrial ao vapor dos lanifícios e da cortiça Robinson554

foi cedendo à

554

George Wheelhouse Robinson, outro industrial empreendedor no debutar do século XX, é descendente

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«conversão de algumas indústrias e fecho de outras» e ao gradual envelhecimento da

população. Hoje, os serviços são o maestro de empregabilidade. «Estas alterações

reflectiram-se em meados dos anos 80 num progressivo desinteresse a nível da

sociedade civil em relação aos hábitos culturais dos portalegrenses», lamenta Paula

Fernandes. Na tentativa de contrariar o ignaro destino cultural que se vislumbrava, a

Câmara Municipal de Portalegre em parceria com a Fundação Robinson lançaram-se na

«requalificação estrutural de todos os espaços culturais», entre os quais a adaptação do

Palácio Castel-Branco para receber o Museu da Tapeçaria. Assim, passaram a estar ao

dispor espaços como o Museu Municipal, a Casa Museu José Régio, o Centro

Interpretativo do Castelo de Portalegre, o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino,

o Museu Robinson (com o Núcleo da Igreja de São Francisco), o Centro de

Conservação e Restauro, a Biblioteca Municipal e o Centro de Arte do Espectáculo. Na

cadeia de transformações, optou-se por caminhar no sentido da maximização de

«sinergias» e de «recursos» de cada um destes instrumentos culturais locais – ponteiros

históricos e identitários – em prol de um «programa de intervenção conjunta (com uma

abordagem estrutural em rede), de forma a estabelecer uma oferta sustentável e

contemporânea», atesta Paula Fernandes. O ponto é «trabalhar em rede».

Numa breve retrospectiva pelas origens do ponto de Portalegre, apercebe-se de

que esta é, na verdade, uma tradição recente, mas já património nacional. «Um passado

relativamente recente que, em pouco tempo, se tornou tradição e uma mais-valia

preciosa da região», ainda de acordo com Paula Fernandes, com um impacto

sociocultural e económico penetrante. Essa rápida aceitação foi surpresa para os seus

promotores: «Nunca pensámos que a tapeçaria portuguesa pudesse vir a ter a projecção

internacional que hoje tem»555

– são as palavras de Guy Fino. Como testemunho deste

directo do primeiro Robinson que se acercara de Portalegre, sensivelmente em 1835, contemporâneo de

uma outra família inglesa de apelido Reynolds que já «explorava» cortiça na zona. Manuela Mendes,

«Espaço Robinson. Síntese Histórica sobre a actividade da Fábrica de Cortiça Robinson em Portalegre»,

Câmara Municipal de Portalegre, Janeiro de 2003, p. 1. Ver http://www.cm-

portalegre.pt/resources/2080/zoom/robinson.pdf, acedido em 9 de Novembro de 2012, às 12h20.

555 Guy Fino, «Introdução», Portugal. Presidência do Conselho. Secretaria de Estado da Informação e

Turismo (Ed. lit.); Guy Fino (Introd.), 22 Anos de Tapeçaria da Manufactura de Portalegre, Palácio Foz,

Lisboa, Março de 1969, Lisboa, Secretaria de Estado da Informação e Turismo, 1969. Pintores de países

como França, Bélgica, Suíça, Inglaterra, Suécia, África do Sul, Austrália, Brasil, Espanha, entre outros,

realizaram trabalhos em tapeçaria de Portalegre, e as obras produzidas transpuseram as colecções

particulares, para integrar instituições de «renome mundial». A Manufactura de Portalegre dá os seguintes

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interesse pela tapeçaria portuguesa, o industrial português conta que abordaram Jean

Lurçat («pintor francês e pai da Renovação da Tapeçaria no Mundo») com o intuito de

que este tivesse a sua experiência na Manufactura de Portalegre.556

«Custou a

convencer», admite Fino, mas, em 1958, anui à insistência do convite para visitar a

Manufactura e rende-se a uma colaboração (a primeira internacional) que findou apenas

com a hora da morte de Lurçat, em 1966. Reza a história que, nesta visita, Guy Fino

põe, lado a lado, uma tapeçaria francesa (oferecida à esposa de Fino por Lurçat,

inclusivamente) e uma réplica sua portalegrense. «Convidado a identificar a tapeçaria

francesa, Lurçat escolheu a tecida em Portalegre. Mais tarde veio a considerar as

tecedeiras de Portalegre como as melhores tecedeiras do Mundo.»557

A Manufactura de Tapeçarias de Portalegre é a fiadora do Museu da Tapeçaria

quanto às colecções que este expõe, com um calendário de empréstimo regular. Além de

benemérita, a Manufactura colabora igualmente com o museu na organização de

exposições. A ascensão do ponto de Portalegre e da tapeçaria, por consequência, tem

exemplos: em Portugal, além de organismos oficiais e de bancos nacionais como a Caixa Geral de

Depósitos e o Banco de Portugal, podem ser apreciadas na Culturgest e na Fundação Calouste

Gulbenkian; na Austrália, no Supremo Tribunal de New South Wales; na Alemanha, no Governo de Bad-

Wurtemberg; no Tribunal de Justiça Europeu, no Luxemburgo; no Palácio do Governo, em Brasília.

Desafortunadamente, a revolução de Abril de 1974, a cautela mundial decorrente do rebuliço político e

social português, e a produção manual acabrunharam «o grande mercado de exportação, principalmente

para os Estados Unidos da América», resume a Manufactura de Portalegre

(http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura/historia). Neste caso particular, dissipando-se

repentinamente «com o cancelamento de muitas encomendas em curso». Porém, mantiveram-se as suas

características e a sua contemporaneidade, procurando sempre ampliar o leque de artistas e teimando no

além-fronteiras. O estado actual da Manufactura de Portalegre marcha para a internacionalização (com

exposições em Roma [Itália – Novembro de 2011], Versalhes [França – Setembro de 2012, a acompanhar

a exposição da artista Joana Vasconcelos], no aeroporto de Lisboa [Portugal – Setembro a Novembro de

2012], São Paulo [Brasil – entre 7 de Dezembro de 2012 e 10 de Março de 2013, nas comemorações do

Ano de Portugal no Brasil]). Cf. http://www.mtportalegre.pt/pt/noticias. 556

Lurçat e outros tapeceiros franceses resistiram à tapeçaria de Portalegre. Contudo, a exposição A

Tapeçaria Francesa da Idade Média ao Presente, em 1952, propiciou o encontro, em Portugal, destes

ilustres com a técnica portuguesa «inovadora» e o seu confronto com a francesa. Nesta exposição do SNI,

Guy Fino apresentou duas tapeçarias sob cartão de Guilherme Camarinha, tecidas para o Governo

Regional da Madeira. «Os técnicos franceses, convidados a visitar esta exposição, admiraram a técnica e

a perfeição conseguida com o ponto de Portalegre. Estavam lançadas as tapeçarias de Portalegre», assim é

descrita a sua reacção, com excepção de Lurçat. Ver http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura/historia. 557

Ver http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura/historia.

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despontado a localidade para um certo reconhecimento associado àquele produto. A

análise do desenvolvimento do país, por Paula Fernandes, é pessimista, observando um

«crescimento assustadoramente assimétrico» a pender favoravelmente para o Litoral. O

museu, a tapeçaria e o ponto surgem como tentativa de «reforça[r] o sentimento de auto-

estima, dado que os seus produtos são sinónimo de excelência e reconhecidos

internacionalmente como tal» e como «elemento[s] agregador[es] e de construção

identitária de uma região». Em seu benefício está o facto de este tipo de tapeçaria ser

«única no mundo», estrutural e esteticamente, que faz dos turistas «um dos principais,

senão o principal público do museu».

No campo da divulgação, o museu trabalha com a Entidade Regional de Turismo

na criação de materiais promocionais multilingues; no terreno, o exemplo vem da acção

coordenada entre o Serviço Educativo e o Serviço de Turismo e Eventos do Município

com actividades como «“Passeios de Ouro pelo Património de Portalegre”», integrados

no programa «“Matinés de Ouro”». O público-alvo desta iniciativa é o sénior e visa

«dar a conhecer aos visitantes a tradição dos lanifícios em Portalegre e a sua ligação à

Tapeçaria de Portalegre», com uma visita ao Museu, um encontro com a chefe do

executivo municipal e um lanche-convívio no Castelo. Ainda como forma de projecção

turística, avança-se para as «exposições de arte contemporânea em rede, de forma a

criar itinerários turístico-culturais na cidade e dar a conhecer, a par do museu da

tapeçaria, os outros espaços culturais do Município». Paula Fernandes conclui,

afirmando que «as tapeçarias e o museu estão sempre presentes nas acções

promocionais levadas a cabo pelo Município».

4.4.3.1. A técnica: o ponto artístico

Aquilo que distinguia a tapeçaria de Portalegre de qualquer outra era o facto de

se pretender «uma tapeçaria inteiramente portuguesa». Tecnicamente, isto traduzia-se no

seguinte: enquanto o ponto tradicional cumpria o «cruzamento simples da teia com a

trama decorativa, com cosimento posterior das zonas de cor justapostas no sentido da

teia», a tecelagem de tapeçaria portalegrense adoptaria o «envolvimento da teia pela

trama decorativa, com a inclusão duma trama de ligação a evitar o cosimento das zonas

de cor justapostas no sentido da teia», explicava Guy Fino. Pretendia-se fidelidade ao

desenho original, e não propriamente uma reprodução. Preservar ambas as identidades:

a da tapeçaria tradicional – enquanto peça artesanal que é, de suporte e materiais

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característicos – e a das obras dos artistas. O resultado plasmava-se nos «mesmos

efeitos, a mesma interpretação fiel dos cartões dos artistas, como se de técnica

tradicional se tratasse. O aspecto final da superfície decorativa, a face da tapeçaria, era

tão semelhante que os próprios conhecedores se enganavam»558

. Até 1969, o Estado

português era o seu maior cliente, acompanhado de alguns particulares. Um dos

aspectos relevantes deste tipo de trabalho é o envolvimento do próprio pintor, com

espaço para intervir e acompanhar o processo. Percebe-se, assim, o argumento de não se

tratarem de réplicas por pura imitação, mas de um trabalho criativo cuja índole

significante engloba dois mundos.

4.4.3.2. O processo de manufactura da tapeçaria

Esta técnica manual tem como base uma obra original de pintores (em cartões

para tapeçaria). Este é redimensionado – nomeadamente, ampliado (Cf. Fig. 20, Anexos,

p. 335) –, ganhando a configuração do tamanho real do produto final. Nesta fase,

recorre-se a um papel quadriculado específico, «em que cada quadrícula representa um

ponto (desenho de tecelagem). A desenhadora trabalha o desenho, tendo em atenção os

contornos, as formas, as tonalidades das cores e todos os pequenos detalhes que a

tecedeira deve ler e traduzir em tecelagem [sic]». A etapa seguinte centra-se nas «cores

da paleta de lãs». A escolha das mais adequadas exige uma rigorosa análise que é feita

de entre as mais de 7000 possíveis na Manufactura de Tapeçarias. «A trama decorativa é

composta por oito cabos, permite misturar fios de diferentes cores permitindo realizar,

desta forma, efeitos de profundidade, transparência e de sobreposição de planos», pode

ler-se no sítio de Internet da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre.

No desenho de tecelagem, as cores têm uma correspondência numérica, e as

«aguadas» de cor mapeiam-no como código de «identificação da trama a usar». Este

desenho (de tecelagem – suspenso no tear tal como os novelos de lã) é a planta original

de que as tecedeiras se servem para realizar o trabalho «em teares verticais, do lado do

avesso, começando pela base. A trama decorativa (100% lã) envolve completamente os

fios da teia, correspondendo a uma densidade de 2.500 pontos/dm2 [sic]. A tapeçaria

cresce horizontalmente. Depois de cada passagem da trama decorativa há a introdução

de uma fina trama de ligação, invisível na tapeçaria acabada, pois fica escondida pela

558

Guy Fino, «Introdução» in Portugal. Presidência do Conselho. Secretaria de Estado da Informação e

Turismo (Ed. lit.); Guy Fino (Introd.), 22 Anos de Tapeçaria da Manufactura de Portalegre.

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espessura da trama decorativa» (Cf. Fig. 21, Anexos, p. 335). Assim nasce uma

tapeçaria mural decorativa portalegrense (que pode atingir dimensões generosas, como

os 482 cm x 1162 cm da tapeçaria Leitura Nova, de 1969, de Guilherme Camarinha,

exposta na parede frontal da Sala de Leitura Geral da Biblioteca Nacional de Portugal

[BNP], em Lisboa [Cf. Fig. 22, Anexos, p. 336])559

, com as benesses da fácil leitura da

composição (uma vez que a lã é menos brilhante do que o óleo) e da regulação acústica

e térmica do espaço onde é colocada. Uma tapeçaria de Portalegre pode ser exemplar

único, ou produzida «em séries limitadas» de «4 ou 8 exemplares, numerados e

autenticados pelo artista através da sua assinatura no “bolduc” – certificado de

autenticidade – que inclui também título, número e dimensões da peça».560

O que se poderá dizer acerca da união entre artesanato e arte contemporânea?

Não é comum fazer-se arte contemporânea com fios de lã, mas é possível estipular

novos objectivos quer para a tapeçaria quer para a arte contemporânea. Um outro

material de suporte de expressão artística e, forçosamente, uma diferente leva de

significados – porque o significante quadro não é o mesmo que o significante tapeçaria.

Duas histórias diferentes, duas evoluções distintas, mas não incompatíveis. Torna-se

imperioso que o museu saiba como exprimir e comunicar as simbioses (que juntam

modalidades criativas diferentes) e como levar o público a apreciar o antigo e o

contemporâneo simultaneamente e em irrepreensível coexistência. Neste caso, e sem

artifícios, o próprio produto, a própria peça – a tapeçaria –, assume ela própria a união

entre o antigo e o contemporâneo, além daquilo que a instituição possa oferecer.

4.4.4. Breve análise da experiência museológica no Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior, no Museu de Tecelagem dos Meios e no Museu da

Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino: interpretação de questionários

Com o objectivo de aferir a relação entre os três museus em estudo e as

comunidades locais e regionais em que se inserem, bem como o modo como

559

Paula Levy, Ana Cristina Leite, Vera Fino et al. (Coord.), Tapeçarias de Portalegre em Lisboa,

Edifício Central do Município, Lisboa, de Novembro de 2009 a Abril de 2010, Lisboa, Câmara Municipal

de Lisboa, 2010, p. 27. (Ver http://tapecariasdeportalegre.cm-

lisboa.pt/fileadmin/TAPECARIAS_DE_PORTALEGRE/Catalogo/catalogo4.pdf)

560 Cf. A Manufactura. A Tapeçaria de Portalegre: Uma obra de arte tecida com obras de arte in

Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, disponível em http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura,

acedido em 11 de Novembro de 2012, às 18h53.

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comunicam com os seus visitantes, elaborou-se um pequeno questionário. Entre os

meses de Julho e Novembro de 2012, foi disponibilizado (nas línguas portuguesa e

inglesa), em semanas específicas, no Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino

(Portalegre), no Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda) e no Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior (Covilhã), para que os visitantes respondessem por

escrito. Foram devolvidos, preenchidos, 75 questionários (de um total de 120, divididos

por três conjuntos de 40): 27, mais 13, mais 35, respectivamente. O propósito inicial era

o de que as respostas viessem a ser aqui utilizadas de modo meramente indicativo – para

registar uma tendência. Também, por isso, será feita uma primeira análise

individualizada às respostas recolhidas em cada um dos museus, sublinhando-se depois

as situações em que haja uma clara tendência, mas sem procurar indicadores médios ou

estatisticamente rigorosos, dada a variabilidade na quantidade de respostas em cada uma

das instituições.

Do ponto de vista da proveniência, o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy

Fino destaca-se por ser aquele que apresenta mais visitantes estrangeiros (11),

salientando-se a dispersão geográfica: Espanha, Israel, Suécia, Austrália, Estados

Unidos da América, Holanda, Dinamarca e Brasil. No que diz respeito a turistas

portugueses, a grande maioria era proveniente da Grande Lisboa (nove). A média de

idades ultrapassou a faixa dos 46 anos (verificada em 24 respostas), e 19 disseram ter

formação superior dispersa pelas áreas das Artes e Letras, Economia, Engenharia,

Matemática, Saúde, Ambiente e Turismo. Apesar do elevado número de estrangeiros,

nenhum disse ter tomado conhecimento do referido museu por meio da Internet (ou de

publicidade); as informações de posto de turismo e as indicações de unidades hoteleiras

foram as respostas mais indicadas, seguindo-se a sugestão de conhecidos e, ainda,

outras vias. No que diz respeito às motivações para visitar aquele espaço, o interesse

pela temática dominou, seguindo-se factores casuais e, em dois casos, a ligação à

localidade/região – sem que nenhum deles tenha admitido alguma ligação familiar,

profissional ou de outra ordem à temática do museu.

Quanto à apreciação da exposição, foi valorizada a diversidade da colecção e a

organização da exposição. Nas instalações do museu, destacaram, na mesma medida, a

arquitectura do edifício, a organização dos espaços e a circulação entre eles. Ninguém

acentuou a utilização de novas tecnologias de informação e comunicação (cuja aposta é

depois solicitada por alguns dos visitantes). Ainda assim, a maioria dos visitantes

entende que o que mais gostaria de ver melhorado nas instalações é a informação sobre

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a colecção. Por fim, a esmagadora maioria (23) reconhece que não visitou nem conhece

outro museu relacionado com a temática e cerca de metade assume que gostaria de

visitar tais espaços.

O Museu de Tecelagem dos Meios apresenta um perfil (tanto quanto possa ser

traçado) menos envelhecido. Por outro lado, 10 dos 13 visitantes residem no concelho

de implantação do Museu – a Guarda. É também o museu com maior dispersão no que

diz respeito ao nível de escolaridade, como se pode ver na tabela anexada (ver tabela,

Anexos, pp. 340-342): também aqui predomina a formação superior, mas com alguma

(relativa, sublinhe-se) expressão de níveis de ensino prévios. A sugestão de conhecidos

é a forma mais habitual de tomada de conhecimento do museu, e o interesse pela

temática o que mais frequentemente motiva a visita, seguindo-se a ligação à região.

Relevante, neste particular, é o facto de sete das 13 pessoas que responderam assumirem

ligações à temática do museu.

Por isso, é fácil compreender as respostas subsequentes. A proximidade com os

objectos foi o que mais os cativou na exposição, além de alguns objectos em particular,

como os teares e o produto final (cobertores, mantas, tapetes). Já no que diz respeito às

instalações museológicas, a arquitectura do edifício foi o mais valorizado. À

semelhança do sucedido em Portalegre, também nos Meios (Guarda) nenhum visitante

destacou os recursos multimedia. Por seu turno, os aspectos a melhorar concentram-se

no pedido de mais informação sobre museus da mesma temática, seguindo-se reparos

quanto ao conforto térmico no espaço. Relevante é também o facto de, apesar de ter sido

o museu com menor número de questionários resolvidos, ser aquele cujos visitantes

maior conhecimento têm de outros espaços similares: as quatro pessoas que respondem

afirmativamente assinalam o Museu de Lanifícios (Covilhã). Algumas pessoas que

responderam à questão anterior acabaram por o fazer também na última, somando-se

nove os que pretendem visitar outros museus afectos à mesma temática.

Por último, o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã) é

aquele que apresenta maior número de respostas. Com registo de um turista francês e de

quatro visitantes da região, Grande Lisboa e Grande Porto são os principais pontos de

origem, havendo depois proveniências dispersas. Quase todos os visitantes contam entre

26 e 65 anos e a grande maioria tem formação superior: destacam-se o Ensino, as

Letras, as Engenharias, a Economia e a Gestão. A Internet é aqui o principal veículo de

primeiro contacto e atracção de visitantes, seguindo-se de perto a sugestão de

conhecidos, publicidade e informação em postos de turismo. Assim se compreendem as

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respostas sequentes: enquanto motivação da visita, o interesse pela temática é a mais

referida, seguida da ligação à região. Seis dos 35 visitantes assumem ligações de algum

tipo à temática. A organização da exposição, a proximidade com os objectos e a

diversidade da colecção são, por esta ordem, os principais destaques relativamente à

exposição. Quanto às instalações, é a organização dos espaços a proporcionar maior

satisfação. A melhorar recomendam-se as novas tecnologias da comunicação. Também

como fragilidade do museu covilhanense são indicadas as informações sobre a colecção

e sobre museus da mesma temática. A esmagadora maioria dos visitantes inquiridos não

conhece outro museu do género, e 17 dos 35 dizem-se interessados em visitar tais

espaços. Seis desses 17 vincam mesmo que a visita despertou interesse em conhecer

melhor a temática, um outro refere a relevância do tema na história da região e outro

ainda assinala o gosto pelas tradições locais.

Numa abordagem global aos resultados combinados dos questionários levados a

cabo nos três museus, podem tirar-se algumas conclusões. Primeiro, quanto ao tipo de

visitante: na sua maioria adultos em idade activa (sobretudo entre os 46 e os 65 anos) e

com formação superior (50 num total de 75). A sugestão de conhecidos é a principal

forma de tomada de conhecimento das instituições estudadas, mas os visitantes

enfatizam o interesse pessoal pela temática, sendo de notar a ligação dos próprios ou de

familiares ao mundo dos lanifícios (excluindo-se, neste particular, o museu de

Portalegre): alguns são profissionais ligados à tecelagem ou às artes decorativas; outros

têm familiares directos ligados a esse ofício, ao da pastorícia, e ainda ao operariado

têxtil e à propriedade de indústrias de lanifícios.

O modo como as exposições estão organizadas é o ponto mais valorizado no que

a estas diz respeito, havendo muitas referências a objectos em particular e uma

valoração positiva da diversidade patente. Os visitantes mostram-se agradados com a

organização dos espaços dentro dos museus, bem como com a arquitectura das

infraestruturas. Sugerem o investimento nas novas tecnologias da informação e da

comunicação e mais informação acerca da colecção, mas é também significativo o

número de visitantes que gostaria que lhes fosse cedida informação acerca de outros

museus que se ocupem do mesmo assunto. É, por isso, revelador que apenas oito

pessoas tenham indicado visitas a outras instituições e que, por outro lado, 36 das que o

não fizeram manifestem interesse em fazê-lo, assim tenham oportunidade e delas

tenham conhecimento.

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4.4.5. Considerações (e conclusões) prévias sobre o papel e o impacto do museu

Os museus são casas de cultura, mas também são casas de desenvolvimento e de

«promoção de bens materiais e imateriais» e da «identidade local» com recurso às mais

variadas práticas que têm sido evocadas; promovem a «identificação territorial dos

habitantes» e o fortalecimento das relações interpessoais para que a totalidade seja

unitária, seja comunidade.561

A terra não é apenas onde se semeia, onde se constrói,

onde se vive, sem consequências para cada ser, que é ser social. Da convivência e da

acção concertada surgem as memórias e os sentimentos comuns – dimanados de um

passado por muitos vivido e herdado por todos –, a praça dialogante para o debate de

assuntos do presente (as graças e as vicissitudes) de foro comunitário, e o futuro

perspectivado no sentido do bem-estar colectivo e hipotética e sonhadoramente ideal.

A orientação do museu poderá incluir, completa Fernando Moreira, a «promoção

de estudos relacionados com o conhecimento tradicional e as técnicas na perspectiva da

estandardização de procedimentos visando a sua valorização no que diz respeito às

economias pessoal e/ou local»; o cultivo e estímulo do dinamismo, do amor-próprio, da

«auto-confiança», da coesão social e da formação em sectores-chave «pertinentes», que

afectem directamente a população «dentro da área de influência do museu e/ou que são

adequados às estratégias de desenvolvimento local e do museu (domínios estratégicos);

nos quais, entre outros, podemos destacar artesanato, gestão de projectos colectivos,

turismo comunitário», onde a inovação pode ser salutar para a tradição.

O museu, a sua colecção, a população e a área de influência são móbeis

permanentes para a intervenção. E, consciente do valor patrimonial (em todas as suas

valências: «natural/humano» e «material/imaterial»), se entende o museu como pólo

turístico, de visibilidade (a vários níveis: de interna a externa), de atracção e de

competitividade do território e das localidades (com a sua oferta de recursos endógenos,

matéria-prima e produtos, bem como a preservação das suas idiossincrasias); de

«promoção de produtos locais e sua consequente valorização» porque provenientes de

um «sistema produtivo local de base tradicional»; e de «promoção de valores locais», na

qual os visitantes (em grande parte, na pele de turistas) são imersos numa acção

pedagógica vocacionada para o «turismo responsável e comprometido com os valores

561

Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas

& Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa,

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 17-19.

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de sustentabilidade e de dinâmica de base locais»; e outras actividades que prevejam

«melhorar as condições de vida das populações locais».562

A despesa (a temida

segurança de qualquer início) poderá transfigurar-se no temerário investimento, porque

a cultura e o património são capazes de «desenvolvimento» e de «revitalização

económica e social», assim inicia Judite Primo o ensaio «Património, política cultural e

globalização em contexto museal».

4.5. Bem cultural + proposta turística = produto de valorização local

Porquê o interesse pela Cultura? Porque ensina, estimula e enriquece intelectual

e criativamente, entretém, diverte, porque surpreende ou se desconhece. De acordo com

o estudo realizado pela consultora Augusto Mateus & Associados – por encomenda do

Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) do

Ministério da Cultura, em 2006563, – o sector cultural e criativo português apresentou

valores de 3690,7 milhões de euros em Valor Acrescentado Bruto (VAB), superando as

tradicionais indústrias dos têxteis e do vestuário e as de alimentação e bebidas.564

Mestre e Molina comentaram, num âmbito geral, a este respeito que «num contexto

social ocidental de estímulo do consumo, a cultura faz parte do consumo de bens que se

publicitam, se adquirem e, definitivamente, se compram». E a sua valorização meneia-

se em função do custo de aquisição.

A cultura entrou definitivamente no domínio económico, é um «mercado» que

562

Idem, p. 20. E Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» in

Cristina Bruno, Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Scociomuseologia –

Sociomuseology I, p. 35 e pp. 37-38.

563 Augusto Mateus (Coord.), O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Relatório Final do Estudo para

o Ministério da Cultura/GPEARI, Janeiro de 2010. (Augusto Mateus & Associados, disponível em

http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC.pdf. Ver, também,

http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC_SumEx.pdf.)

564 A economia portuguesa foi arrebatada pelo sector terciário, isto é, pelos 57,7% de empregos e pelos

71,2% de VAB (dados de 2006 - fonte: a.icep.pt/portugal/economia.asp). O terceiro sector que carrega o

comércio, os transportes e as comunicações, o turismo e os serviços financeiros regozijam-se dos

indicadores mais positivos: o dinamismo, a diversidade e o crescimento. (Ver Mário C. Moutinho, «Os

museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias –

Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008, p. 37.) Este

segue a tendência mundial (com o peso do mundos ocidental e asiático). A partir desta altura até 2012 e,

sobretudo, actualmente, estes dados teriam de ser reanalisados.

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está atento quer à produção de bens intelectuais (com os quais sempre se identificou)

quer à de bens materiais. A «cultura patrimonial» lida, presentemente, não só com novas

terminologias, mas também com uma certa identidade, a de «activo económico».565

«Pode o museu local ter funções turísticas?», a resposta de Mestre e Molina não se faz

longa: «É evidente que o museu local não nasceu para esta finalidade, contudo, ao longo

do século XX, muitos museus locais transformaram-se em pequenos centros de atracção

turística». O museu está integrado no sector dos serviços culturais, o que o incluiu no

grupo de instituições prestadoras de serviços. Acalenta-se teoricamente um prognóstico

motivador, estimulado pela parcela da cultura nos serviços e destes na economia global.

O relatório de Augusto Mateus pretende revolver as teorias sobre a

prestabilidade da cultura e do património para a economia. Além de activo económico,

está implícito nas palavras de Mestre e Molina que o património propicia

«conhecimento» e «prestígio», a justificação (dada pelos autores) assenta no valor

acrescentado capaz de elevar o objecto ou a infraestrutura a património. Afunilando a

temática, interroga-se: «De que modo os museus podem contribuir, ou mesmo serem

elementos-chave, de um novo modelo de desenvolvimento turístico que contribua

efectivamente para o progresso e bem-estar das comunidades?» Esta é uma das questões

viscerais da tese de doutoramento de Fernando João Moreira.566

Se se recordar as declarações de Alissandra Cummins, têm deferimento as

conclusões de Augusto Mateus, a apreciação de Mestre e Molina e a preocupação de

Moreira, aos quais se reúne com propriedade o raciocínio de Moutinho que se pauta

pelo seguinte: o museu, não se ausentando da sua vocação sobejamente predicada e

devota do objecto museológico, ancora-se, em sentido ascendente, na prestação de

serviços. Quer isto dizer que o museu, compreendido até agora sob uma roupagem

portentosa e técnica, desvela a sua elasticidade ao passar de «instituição ao serviço dos

objectos museológicos» para «instituições que prestam serviços». A evolução do museu,

compassada pela da sociedade, fez com que fosse assimilado pelo sector terciário,

devendo os utilizadores e o público consciencializar-se de tal. «Museologia e museus

(no contexto da economia dos serviços culturais) assumiram um papel de destaque na

economia de serviços em geral, que hoje representa 50 a 70 por cento do Produto

565

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., pp. 230-231.

566 Fernando João de Matos Moreira, O Turismo e os Museus nas Estratégias e nas Práticas de

Desenvolvimento Territorial, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008, p.

356 (Tese de doutoramento em Museologia, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.)

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Interno Bruto (PIB) dos países mais desenvolvidos e ocupou um lugar crescente na

maioria dos outros países.»567

A situação seria mais simples se o financiamento próprio fosse uma realidade

mais provável do que a subsidiodependência. Nesta condição, a prestação de um serviço

está dependente de terceiros, não só na finalização do processo, ou seja, na chegada ou

alcance do público, mas também no seu próprio apetrechamento. A tecnologia, em

constante reprogramação, acompanhada de novas caixas de ferramentas surgidas a

contra-relógio, vem reorganizar a vida do homem social – o que também se aplica ao

que o rodeia e onde intervém –, acudindo à «inovação» e à «criação de novos conceitos

de serviços mais atentos ao mundo em que vivemos». Este é o diagnóstico de Mário C.

Moutinho: o museu propõe-se a realizar acções e a concretizá-las na medida das suas

possibilidades, mas sem reconhecimento. Moutinho esclarece que «adquirir

(anteriormente dizia-se colecionar) e conservar são atividades conceitualmente

diferentes de estudar e expor. No primeiro caso podem ser assimiladas à produção de

bens, enquanto que na segunda categoria, claramente se trata de serviços [sic]». Não

usufruem, no entanto, daquilo que as instituições prestadoras de serviços podem

alcançar, concretamente mais e melhores recursos (novos equipamentos e tecnologias,

instrumentos reservados aos serviços, ou a junção de ambos), organização e inovação.

Como se identificam os portugueses relativamente ao trabalho/emprego,

independentemente da área? «Em Itália dizem: “Nós trabalhamos para o conforto do

lar”, não dizem que fazem tijolos; dizem: “Nós trabalhamos para a moda”, não dizem

que fazem têxteis e vestuário»568

. Há uma consciência da complementaridade e da

interdependência das várias actividades no sentido do produto final. A tarefa não é

estanque, mas integrada. Não se pretende extrair daqui uma perspectiva unicamente

economicista da cultura, mas admitir a intervenção que esta pode ter no crescimento das

pessoas e do país – pessoal e económico. E este caminho deve contemplar quer as

regiões mais desfavorecidas quer os bens culturais de menor projecção mediática.

Porque o crescimento não se deve apoiar apenas nos grandes festivais e nos museus

567

Mário C. Moutinho, «Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 42.

568 Comunicação: «A economia cultural e criativa em Portugal: constrangimentos e oportunidades» de

Augusto Mateus no colóquio Os leilões de arte e antiguidades em Portugal no ISCTE-IUL em 26 de

Março de 2010.

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outdoors, é também em propostas locais e regionais que os indivíduos podem conhecer

a sua cultura e aproveitá-la.

Acontece que a distribuição de património no território não é equitativa. Logo, é

preciso ter em especial atenção aquele que não aufere directamente, ou mais

proximamente, dos benefícios dos grandes centros, aos quais a cultura e a criatividade

são frequentemente associados pela óbvia concentração de oferta e oportunidades, de

mão-de-obra, de outros sectores que os complementem, de recursos que potenciem a sua

circulação transfronteiriça. Contudo, não se deixa de ter património de grande valor

noutros locais. Augusto Mateus insistiu na ideia de uma valorização que crie formas

alternativas de fazer com que as pessoas acedam ao património, num primeiro contacto,

para se prepararem e entenderem melhor o que verão. Pense-se quantas visitas virtuais a

um museu não corresponderá uma visita presencial? E o interesse em ir presencialmente

não está necessariamente condicionado, pelo contrário, poderá ser promovido.569

O professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão pergunta,

em jeito de desafio, se o país se deve acomodar a «quinhentos museus não

reconhecíveis a nenhuma escala (local, nacional ou internacional) ou ter quinze

excelentes? Ter sessenta assim-assim, ou ter seis excelentes?» A demissão do improviso

e a aposta na optimização técnica e científica de áreas como a museologia, contando

com a sofisticação de equipamentos, torná-los-ão mais convidativos a actividades

arrojadas e ao próprio público. Este distanciamento numérico (com valores meramente

aleatórios) não pretende aviltar a área em questão. Não se trata de aniquilar a

museologia local, mas de cultivá-la, isto é, de evidenciar o rigor, o valor de conteúdo, a

pertinência e a sua efectiva comparticipação quer do ponto de vista turístico, quer do de

569

A pregação da Internet, da virtualidade e da interactividade a distância é uma proclamação da

comodidade; salve-se, com justeza, as vantagens de informar, educar, de tornar o espírito mais esclarecido

daqueles que, forçosamente, estão impedidos de aceder com frequência e presencialmente a este tipo de

espaços (a distância geográfica dentro do próprio país e entre países; a inflexibilidade horária e/ou

monetária; a incapacidade motora ou de outra ordem para a qual o museu não esteja preparado, etc.). No

entanto, «a disponibilização da exposição ou do museu na WEB tem, por agora, o mesmo valor da

consulta do catálogo». A vivência do espaço, do ambiente, a interacção com os demais visitantes (ou a

solidão) e a interacção com os objectos na construção cénica especialmente criada para eles é

inquebrantável. Moutinho é peremptório: a «visita virtual ou leitura não substituem a experiência da

descoberta e fruição da exposição por cada visitante», não substituem a presença. Mário C. Moutinho,

«Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de Humanidades e

Tecnologias – Estudos e Ensaios, p. 37. A experiência não é redutível à matéria.

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valorização patrimonial e local, no qual a população se reconhece. «O museu local, nos

alvores do século XXI, está em redefinição.»570

Quem o vê como um proveitoso

instrumento de dinamização local alerta, igualmente, para algum desajustamento. Os

equipamentos obsoletos, os discursos desadequados, e a carência de objectividade, de

modernidade e de imagem apelativa são algumas das falhas apontadas pelos

investigadores Mestre e Molina do grupo Didpatri do Departamento de Didáctica das

Ciências Sociais da Universidade de Barcelona.

Para isso é necessário dar instalações e condições que favoreçam a produção

científica e a investigação. É, pois, necessário aplicar este código de acção: a

conservação e o restauro, a protecção, a investigação, e a difusão e a didáctica. É

imprescindível investigar para conhecer aquilo que existe (bens imateriais ou materiais

– imóveis ou móveis), quer para um museu de excelência como para um museu que

procura ser o mais eficaz e harmonioso com a sua comunidade, ciente dos prováveis

limites de alcance. «O museu local nasceu da vontade de conhecer um território; não se

pode conceber o museu – seja local ou não – sem vontade de investigar; de facto, a

investigação deveria ser um dos motores do museu local.»571

Foi já ponto de análise nesta dissertação a serventia e o ganho que a investigação

científica trataria a estes pequenos núcleos de cultura e como poderiam ser

multiplicados e intensificados se vinculados «aos centros de investigação da rede local

de empresas quer públicas como privadas, sem excepções, para dinamizar a

investigação sobre a própria localidade em qualquer âmbito», afirmam Mestre e Molina.

Em igual circunstância, embora no âmbito do museu em geral, manifestou-se a

570

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 34. No âmbito da reformulação dos

princípios regedores da conduta de actuação do museu actual, e, especificamente, sobre o significado

prático de uma acção cada vez mais suscitada – a de valorização –, a alocução de Fernando João Moreira

atribui ao museu a capacidade de ser o «único capaz de a) alargar o significado da palavra valorização do

domínio puramente económico aos domínios emocional e social e b) cumprir, de forma integrada e

articulada, as fases consequentes e subsequentes à valorização – integração, identificação, afirmação

(…)». O museu não se arraiga na contemplação, actua (aliás, a primeira abre caminho à segunda), e nele

«os processos são tão importantes quanto os fins perseguidos; uma instituição de tal natureza,

independente, desconfortável e inquietante por natureza, pode desempenhar um papel fundamental em

qualquer processo de desenvolvimento local (…)». Fernando João Moreira, «The Creation Process of a

Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de

Sociomuseologia – Sociomuseology I, pp. 14-15.

571 Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 187.

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imprescindibilidade de se constituírem equipas de investigação multidisciplinares

compostas por instituições e entidades locais como municípios, sociedades desportivas e

culturais, cooperativas, clubes, etc.; por equipas de docentes (do ensino básico ao

secundário e universitário); e de funcionários dos laboratórios de indústrias e fábricas,

por exemplo. Averiguar as características da localidade e das empresas aí instaladas (ou

num raio de acção mais alargado) e estabelecer pontos convergentes, interesses comuns,

linhas de actuação conciliáveis entre o que a localidade oferece de recursos e matéria-

prima e o que as empresas produzem. Aproximar as escolas, as empresas e as

corporações/organismos dos monumentos e incentivá-los a apadrinhá-los. Aproveitar as

plataformas virtuais para apresentar a uma audiência planetária programas de

investigação, artigos sobre investigações em curso e as já concluídas, tornar acessíveis o

património local, os serviços disponibilizados pelo museu e o museu virtual.572

E quanto às novas tecnologias da informação e comunicação (NTIC), como se

posicionam os museus? Acompanham e envolvem-se na investigação de equipamentos

tecnológicos? Como expandir os seus serviços? A adopção de «novas formas de

organização do trabalho, prevendo e antecipando as necessidades dos seus clientes» será

proveitosa nesta área? Sim, mais ainda, os museus deverão estar vigilantes no que diz

respeito à evolução dos equipamentos – observar com acuidade as suas benfeitorias e as

suas eivas, pois deles nascem «aplicações para os seus serviços» prestados por essas

instituições que atraem e fidelizam públicos. As NTIC são o input necessário ao museu

para, de acordo com Moutinho, i) a «adopção e melhoramento de serviços tradicionais»

e para ii) a «criação de novos serviços». No primeiro, incluem-se a «automatização,

videoconferência, gestão de colecções, segurança, controle de climatização, museu na

WEB, expografia multimédia, guias áudio/vídeo [sic]»; o segundo desdobra-se em

«mudança de estratégias organizacionais, e-comercio, museu virtual, integração de

redes, novos recursos multimédia… [sic]».573

A manutenção do museu actual requer investidas nas áreas tecnológica,

organizacional e comercial. O objectivo é a «inovação contínua necessária à sua

sobrevivência». A concluir, Moutinho admite que o processo de assunção e de

creditação do museu como prestador de serviços e o seu entrosamento com as NTIC

572

Linhas de acção baseadas no plano apresentado por Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina,

op. Cit., p. 191 e p. 199.

573 Mário C. Moutinho, «Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, p. 42.

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será moroso, mas reforça a sua indispensabilidade e efeito de condão. Não como

simples actualização tecnológica ou acto de «modernização», mas na óptica da

libertação dos «museus da situação atual de permanentes “subsídio-dependentes” em

instituições que produzem serviços para os quais existem utilizadores/clientes/públicos

dispostos a adquirir de diferentes maneiras, esses mesmos serviços [sic]».

Para isso, é de relembrar: quem é o público do museu (globalmente)? E, caso a

caso, quem é o público de cada museu? Que público se pretende para esse museu?

Quem são os visitantes das suas exposições? Quem são aqueles que leram ou lerão o

material escrito produzido e divulgado? Quem são os proprietários de restaurantes

locais e outros empresários que exercem a sua actividade na área de influência? Em

suma: «Este universo mais aqueles que beneficiaram ou beneficiarão do

desenvolvimento do sector turístico local?»574

A par do reconhecimento internacional que se pretenda granjear, apenas

utopicamente todos os espaços de cultura atingirão esse patamar, mas poderão ser

funcionais e eficientes na sua condição de guardiões e conservadores da multiplicidade

e da riqueza patrimonial que se encontram em meios de menor dimensão. Alguns com

capacidades para serem pensados num âmbito de rede e de aposta turística. Requer-se o

conhecimento do local onde está enquadrado, a sua envolvente, os recursos de que

dispõe (serviços, equipamentos, comércio, etc.) a fim de criar mecanismos e programas

que possam impulsionar e revitalizar esse património e o local. Apelar à memória, às

sensações e à experiência. Depois, é imperativo ter consciência da necessidade de

diferentes tipos de discurso575

e de canais a fim de tornar a oferta cultural acessível a

todo o tipo de público (cultura democrática) e de que este apreenda a mensagem

(função educativa e formativa). E quanto à conservação e restauro, não só as entidades e

os técnicos são os únicos intervenientes. Paralelamente, é necessário criar empatia, fazer

574

Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,

Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Scociomuseologia – Sociomuseology I, p.41.

575 O que se sente perante uma linguagem diferente, nova, desconhecida? George Steiner resume neste

breve exemplo: «Há um fenómeno muito curioso que já foi estudado. Quando se está num autocarro, num

elétrico de uma cidade cuja língua não se conhece, temos a impressão de que toda a gente grita. De

súbito, temos medo. Há um magnífico filme de Ingmar Bergman, O Silêncio, que jogou com esse

concepto: o medo que nos dá a língua que não percebemos. De súbito, sentimo-nos em perigo». George

Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In Revista LER, n.º 107,

Novembro de 2011, p. 42. O perigo da não-compreensão.

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com que a população autóctone zele, também, pelas suas localidades e pelo seu

património. Estas missivas resumem a análise mais aprofundada de Mary Alexander e

de Mestre e Molina após o exame dos seus casos particulares e do panorama geral.

Arredada não está a partilha de intervenção entre público e privado. Além do

usufruto de ambos, dividem-se responsabilidades. Não fique só a manutenção a cargo

do Estado quando as empresas de turismo (privadas) fazem uso desse espaço para os

seus programas. Há, como se sabe, pares difíceis de coordenar: a(s) política(s) e seus

interesses e prioridades, mas também a população que ainda não compreende a cultura e

a sua importância, ou que, reconhecendo-a, não a consome. Espera-se, é certo, um

trabalho árduo de educação e mudança de mentalidades.

O estudo sobredito (de Augusto Mateus) remata com algumas recomendações:

uma delas é o investimento em («recuperação e divulgação» de) património – com a

«promoção» de efemérides «de prestígio» e equipamentos («duradouros») –, o qual

deve capitalizar «vantagens competitivas específicas de cada território e fundamentar a

diferenciação, a descentralização e a internacionalização». Depois há que estabelecer

pontes. Cada região deverá ser capaz de promover, em sistema integrado e

complementar com as demais, o seu património edificado sem negligenciar o intangível

e direccioná-lo para os circuitos turísticos, a informação histórica, a animação, em vez

do actual sistema de capelinhas. No caso das universidades, congregar, relacionar e

aproveitar turisticamente as várias universidades históricas num contexto nacional,

ibérico ou europeu. Isto é, internacionalizar para estimular a proactividade e a

competitividade, pelos «circuitos turísticos internacionais [destaque no documento

original], em redes de investigação e desenvolvimento científico aplicadas aos domínios

culturais e em comunidades criadoras de conteúdos culturais», como sugere o autor do

estudo.576

A pergunta a que se deve responder agora é a lançada por Augusto Mateus:

«Qual o impacto de cada projecto sobre o território onde se insere?» E entenda-se

«impacto» no sentido mais literal da palavra. Qualquer intervenção exige uma avaliação

de custo-benefício, isto é, do risco do investimento. Qual o valor de um complexo de

gravuras rupestres? E de uma ponte romana igualmente perdida na província? Ou as

576

Augusto Mateus (Coord.), O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Sumário Executivo do Estudo

para o Ministério da Cultura/(GPEARI), pp. 8-9. (Augusto Mateus & Associados, disponível em

http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC_SumEx.pdf.)

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ruínas de antigas fábricas numa cidade (e região) de história laneira? Que retorno se

pode esperar do investimento em cada uma? Até que ponto se pode abdicar de outros

investimentos para que uma ou outra seja preservada? Para responder a estas questões é

imprescindível reunir contributos de várias naturezas: desde o suporte e o empenho

públicos, à iniciativa de privados e à participação continuada da sociedade capazes de

criar produtos culturais adequados e especializados para cada localidade ou região, com

a relevância e a expressão suficientes para criar um circuito económico rentável. E para

o fazer há que profissionalizar as estruturas, especializando-as, deixando de ver na

hospitalidade o único ingrediente do serviço turístico nacional.

Se o despovoamento de alguns espaços é irreversível, há, por outro lado, que

capitalizar com isso e tentar inverter essa tendência. Como bem finaliza o ex-ministro

da Economia, «os projectos de intervenção sobre as áreas culturais vão ao encontro das

“raízes” dos territórios [destaque no documento original] onde pretendem actuar,

interagindo com os agentes locais, incentivando determinadamente a transparência e a

participação, por forma a promover consensos comunitários activos, realçando a

importância global para o território do sucesso das iniciativas, por forma a gerar uma

massa crítica de pessoas e actividades dispersas nos meios mas coesas nos

objectivos»577

.

4.5.1. O Turismo, o turismo cultural e o museu local

«Contudo, há que ter em atenção o interesse do presente, e esse interesse é a preservação, que

se depara com dois perigos, ambos vindos do homem. “O primeiro é o turismo, que, enquanto

economicamente tem efeitos importantes na arqueologia, faz da conservação efectiva de sítios

arqueológicos mais difícil. O segundo não é novidade, mas tem crescido dramaticamente em

escala: os saques de sítios arqueológicos por aqueles que escavam pelo proveito monetário,

procurando apenas objectos vendáveis e destruindo tudo o resto na sua procura.” (Paul Bahn e

Colin Renfrew, Archaeology: Theories, Methods and Practice, p. 558.)

O turismo participa, hoje, em quase todas as áreas porque, na verdade, o turismo

foi-se multiplicando, na medida em que pôde extrair de cada área algo que o propiciaria.

Há turismo dedicado a momentos de grande projecção histórica; turismo arqueológico

(ruínas e museus); turismo urbano (as grandes avenidas e os centros de consumo

comercial); turismo-natureza, onde se enquadram os parques naturais e o meio

ambiente, associando, cada vez mais, o turismo de habitação ou o próprio turismo rural;

turismo balnear ou de neve; turismo de aventura e desporto; sexo e diversão ou,

577

Augusto Mateus, O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Sumário Executivo, p. 9.

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inclusivamente, em países de terceiro mundo. Desta síntese do painel de possibilidades

turísticas, elaborado por Mestre e Molina, infere-se que o turismo da actualidade é o

turismo do consumo possível. Tudo é possível de ser consumido turisticamente.

As pessoas dispõem-se às mais variadas actividades e a conhecer as mais

diferentes propostas, todas as actividades estarão sob a mira de pacotes especializados e

personalizados. No entanto, nem todos estão preparados ou sabem aproveitar essa

abertura. Dos vestígios arqueológicos à paisagem, das manifestações artísticas às

heranças etnográficas, do património industrial aos fósseis, em todos se pode encontrar

um mostruário de tecidos com padrões e propriedades susceptíveis de captar

determinados segmentos acordando com as suas preferências. A imagem torna

eufemística a vertente mais comercial da prática turística: o mostrar-se e vender-se.

Mestre e Molina consideram que os museus locais, salvaguardando os seus bens

culturais, «devem transformar-se em “produtos turísticos”». Contudo, esta acção exige

uma «renovação conceptual» –, isto é, abonar-se de um dote de técnicas expositivas que

se «adeqúem às necessidades do turismo cultural» – para a qual sugerem, em alguns

casos, a reavaliação do nome, da imagem (pública), do discurso museológico e do

desenho museográfico.

«Primeiro há que ter presente que os produtos turísticos são os únicos que as

pessoas adquirem sem conhecer; isto é, adquirimos este ou aquele produto – decidimos

ir ou não ir a um lugar, a ruínas, a um parque arqueológico ou a um museu local – antes

de saber como é.»578

Esta é a descrição mais clara que se poderia encontrar sobre o

processo de escolha de um destino turístico. Em auxílio vem uma imagem apelativa que

condiciona a escolha do turista antes de ele decidir e comprar o produto. Sem rodeios

578

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 35. «(…) A maioria dos visitantes de um

museu acode a uma exposição só quando o que se expõe constitui um elemento do seu interesse.» Idem,

p. 95. Um serviço é sempre um produto intangível, socorrido por aparelhos ou não. Na exposição

tradicional, por exemplo, e como já se referiu, identificam-se vitrinas ou suportes de comunicação mais

avançados como o vídeo, o áudio ou «ambientes de imersão», esclarece Moutinho. Em suma, os meios

que suportam e apresentam os objectos. Indirectamente, outros equipamentos acompanham a exposição

como os de vigilância e os de climatização. A tangibilidade da exposição (ou de, pelo menos, parte dela) é

transferida para catálogos, livros, folhetos informativos ou objectos relacionados que podem ser

encontrados nas lojas dos museus. Além da experiência, como pode a exposição (que é consumida ao

ritmo da sua produção, isto é, à medida em que é vista pelo visitante) declarar a sua existência? É

precisamente por intermédio dos suportes físicos atrás mencionados que a exposição e o museu ganham

visibilidade e se tornam reais e vêm sustentar a credibilidade que o visitante lhes confere.

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para Mestre e Molina, «o que o turista compra é uma imagem». O produto adquirido é

abstracto no acto da compra, adquire-se a imagem criada – não a real –, a idealização, a

expectativa. O consumo concretiza-se no local de destino (que pode ou não

corresponder ao esperado). Mais afirmam que: «Assim, o turismo cultural move-se

pelas imagens criadas na zona de origem, não pelas realidades da zona de destino. Estas

imagens turísticas são miragens, construções ideais; no fundo, são abstracções.» É um

acto emocional.

O indivíduo planeia a sua vida em função dos seus objectivos e dos seus

interesses, em função das suas experiências e do que conhece. Fazê-lo desejar algo

sobre o qual não tem qualquer referência, exige um trabalho de discurso retórico

impressivo, o que formalmente requer esforços persuasivos e sedutores insuportáveis

por determinadas estruturas. «O interesse é prévio à visita», recordam os investigadores

catalães, e explicam que «aprendemos sempre sobre o que já sabemos, afirma a teoria

didáctica; pela mesma razão acudimos sempre a ver aquilo do qual temos previamente

referências. Só uma publicidade potente e muito bem orientada é capaz de inverter esta

tendência geral, e esta não é fácil realizá-la a partir de um museu local».

É começando pela imagem que Mestre e Molina endereçam o leitor ou o

possível gestor/director/funcionário/interessado em museus para a campanha de

actualização e de posicionamento dessa instituição no âmbito do turismo cultural.

Hodiernamente, não se fala em turismo cultural sem recorrer à imagem (esta quase que

manipula os demais sentidos) nem ao espaço cibernético. A página web tornou-se na

primeira fachada do museu. Como é que o museu se apresenta na Internet? O

entusiasmo, a expectativa, a originalidade e a funcionalidade acompanham actualmente

o desenho gráfico de uma página bastante frequentada. Acrescente-se as redes sociais e

as permanentes actualizações (newsletters, RSS, twitter, facebook, etc.).

Depois, o nome. Após o alerta para o (correcto) emprego da designação museu

ao espaço que é apresentado como tal, é a «renovação do discurso e dos conteúdos do

museu» que monopoliza a reflexão, pelo seu papel fundamental no empreendimento que

é estabelecer empatia entre o objecto e o público. O plano de trabalho neste campo não

é rígido. Mestre e Molina sugerem uma estrutura mais convencional: definição da ideia,

sua desconstrução e posterior formulação do discurso, com o qual deverão ser

compatibilizados os meios de exposição adequados. Contudo, outros (como Jorge

Wagensberg) privilegiam as sensações e as emoções às palavras (reagentes a

acontecimentos, objectos ou fenómenos). O essencial é ter uma ideia/conceito como

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base, e a forma como é concretizada/o pode ser diversificada (seja por intermédio do

audiovisual, de vitrinas, livros ou outra forma de interactividade). Atrair visitantes está

na «capacidade de adaptação e de modificação do discurso», devendo estar sintonizado

com o seu público, ou com aquele para quem se destina.

Deve ser-se sensível à significação do objecto. A mensagem é refém do tempo e

as mudanças são portadoras de novas interpretações e/ou actualizações do contexto do

acervo ou de algumas peças particularmente. Saliente-se que não é a forma que

determinará o sucesso da peça, da exposição ou do museu, mas a clareza das suas

mensagens. Aí reside a maior criatividade e o maior interesse e encantamento. Mestre e

Molina dizem ser preferíveis textos com um discurso actual, enquadrado e renovado, a

uma aparência exuberante, mas sem ser estéril de investigação científica e de conteúdos.

Todavia, há uma irreversível transformação do museu, cujo fado se compõe de

harmonizações cada vez mais contemporâneas e arranjos alternativos. Por outras

palavras: «A diferença entre os museus do passado e os do futuro é que nos do passado

a museografia era de mármore, eterna, porque se aspirava a modificar jamais o discurso;

nos museus do futuro, a museografia será virtual e audiovisual porque não se concebe

nenhuma forma de conhecimento sem evolução»579

.

«O que é mais importante para que o nosso museu local possa enfrentar o

desafio do turismo? É a capacidade de mudança, acrescida da capacidade de transmitir

emoções, sensações ou ideias de forma contínua.» Mestre e Molina vêem no museu

local a possança para a mobilização e a responsabilidade para gerir o património local,

até porque tem o privilégio de atrair, de reunir e de se relacionar de forma mais

cúmplice com a cultura. A diversidade cultural que nos caracteriza e individualiza

impele, igualmente, ao dever da partilha. Não será o turismo, enquanto estrutura

organizada e amplificadora, uma forma de preservação e de difusão (cooperante com as

pequenas estruturas locais) do património? A concretização desta hipótese demanda que

esse património seja passível de ser compreendido, ou seja «descodificado», relembram

Mestre e Molina, e continuam: «Portanto, o elemento mais importante do património,

quer para os próprios cidadãos como para os visitantes, é o seu significado». E como

pode o visitante aceder-lhe e compreendê-lo?

A reabilitação arquitectónica ou a reabilitação do património imóvel, na

terminologia arquitectónica; a reconstrução; e a reconstrução virtual são três propostas

579

Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 37.

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de descodificação dos vestígios (materiais ou imateriais). A primeira é a opção clássica,

conquanto a mais custosa, e, ainda, propícia ao redesenhar das funcionalidades do

objecto intervencionado (o revés perverso das melhores intenções). Reconstruir, na

tentativa de recuperar uma estrutura que existe apenas idealizada, é duplamente

complexo: em primeiro lugar, como reconstruir sem destruir o remanescente primitivo

do edifício ou do objecto? Depois, não poupa historiadores e museólogos ao conflito

ético entre o compromisso de preservar o original e o dever de fazer perdurar a herança

que vai vergando aos mais diversos actores de desgaste. A reconstrução obedece a uma

interpretação histórica e arquitectónica (nos cadernos de estudo, académicos ou

técnicos, decompõem-se testemunhos, pinturas ou desenhos, descrições, vestígios, etc.)

e, quando aplicada, é essa que permanecerá. Também, e de prática frequente, essa

estrutura é reconduzida para outras funções, desvirtuando-a da sua essência.

Quando a reconstrução é operacionalizada em formato virtual, auxiliada pela

tecnologia digital, os códigos resultam de uma visão que tenta ser macro e micro

simultaneamente: poder conceber e comparar várias hipóteses reconstrutivas; ver

tecnicamente os elementos, como que entrando neles (o interior, as estruturas, os

materiais, as diferentes camadas de pintura, por exemplo, ou as suas propriedades

químicas, etc.); a possibilidade de observar em diferentes escalas e de fazer movimentar

o público num perímetro mais amplo com graus de proximidade superiores e mais

ângulos de visão sobre a peça ou o monumento ou os espaços (interactividade); extrair

do subsolo a faculdade de «recriar e visualizar» pedaços de património ou analisar

aspectos etnográficos e de antropologia cultural do povo ao qual se liga.

O avanço técnico tem demonstrado ser prometedor como adjuvante nesta

matéria, mas com a mesma precisão se deve considerar as limitações: haverá sempre um

ponto de vista, um ângulo escolhido, uma selecção de imagens captadas, uma percepção

e uma análise variáveis – se em escala real ou adaptada a um suporte visual. Em

dimensões reduzidas, o objecto é visto globalmente. Ou seja, é informativamente mais

pormenorizado, com possibilidade de adição de dados complementares. Mas é a grande

escala que produz impacto e emociona. Considerando tudo isto, não se menospreza, de

todo, a eficácia da tecnologia visto ter, ao mesmo tempo, a habilidade de poder ser

acessível financeiramente para o museu no cumprimento do objectivo a que se propõe:

«descodificar a imagem do passado da própria localidade e mostrá-la ao público». De

tal forma que, para Mestre e Molina, a reconstrução virtual será cada vez mais decisiva

e condição do progresso museológico se se pretender tornar o museu num «produto

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turístico».

O que se poderá esperar de um museu local enquanto produto turístico? A

satisfação de expectativas; ser interessante; proporcionar uma experiência invulgar, que

apenas possa ser vivida naquele local e contexto; saber responder aos estímulos da

globalização a que o turismo é susceptível; ter um acervo guarnecido de fundamentação

científica consistente como prova da coordenação temática das suas peças, com uma

mensagem inimitável, capaz de lhe dar a propriedade de ser único. A esta combinação

de características juntam-se a possibilidade de o indivíduo criar referências; de usufruir

de uma perspectiva apta a abordar a diversidade de objectos num segmento uno; de uma

estrutura provida de espaços para descontracção e animação, aligeirando o ambiente

para que os visitantes se sintam confortáveis com a temática que se quer inteligível; que

seja de fácil acesso (a aquisição desse produto), proporcione bem-estar e faça parte de

uma rede (alargada).

Enquanto produto turístico-cultural, não escapa de duas ordens de «problemas e

desafios»: os novelos da globalização e da estandardização. O museu é integrado num

mercado de oferta exponencial, e é nele que terá de competir. Assiste-se a uma

«colonização» (utilizando o termo de Mestre e Molina) de quase tudo como produto ou

destino turístico, facilitando a reprodução ou a criação de subprodutos equívocos. A

fronteira de cristal entre a banalidade e a verdadeira experimentação é perniciosa no

momento de decidir entre uma experiência enriquecedora, formativa e contemplativa ou

uma frustrante, oca e banal porque nem sempre a comunicação é eficaz. Ser incorporado

por redes estruturadas e de grande escala permite algum suporte a instituições mais

contidas em publicidade e marketing. Estas redes serão um dos meios para conquistar

projecção e igual credibilidade – num circuito integrado e intercomunicativo de museus,

centros de interpretação e «conjuntos patrimoniais» –, tirando proveito das economias

de escala.580

Voltando ao receio inicial de Mestre e Molina: o museu local pode ser

manipulável no seu envolvimento com o poder local mais do que ser um expectável

dinamizador da cultura e do ambiente locais, consciente, apartidário, diversificado,

filiado na literacia e na educação e em ser cuidador de todo o tipo de património? Outra

das preocupações que recaem sobre o turismo cultural, e em particular o turismo

arqueológico, reside no enfoque do fenómeno de massas em espaços que a própria

580

Idem, pp. 40-41.

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cultura distinguiu, ou «mitificou», ou para os quais os meios de comunicação (social)

contribuíram, criando-se tendências. O ideal seria distribuir equitativamente a atenção e

criar outros «fluxos» promocionais para romper com «estas tendências massificadoras

da cultura turística actual».581

A par das demais funções que a sua índole carrega, o turismo não é excluível,

nomeadamente o turismo cultural. Envolve-se ou é implicado na promoção de rotas e

itinerários (materializados em encenações que dramatizam todo o percurso, guias web,

infografias, folhetos, livros), efemérides e festividades de carácter histórico (as referidas

feiras medievais), actividades de «“reencenação”» (re-enactment, no original),

programas de férias (colónias de férias de Verão), etc. Para Mestre e Molina «o

objectivo do museólogo deveria ser transformar o museu numa espécie de ponto de

encontro; há que estimular a população a ir ao museu como se fosse a um clube, para

conversar com as pessoas que têm preocupações do mesmo tipo, a consultar informação

local, a tomar café ou chá, se necessário, a participar em tertúlias, etc.» E o objectivo do

museu: sensibilizar os cidadãos para a conservação do (seu) património histórico e para

a consciencialização de que este é de todos e de que todos têm responsabilidade sobre

ele; de integrar ou de açular um produto cultural de excelência que provoque trânsito

turístico à conta desse património; de ser espaço de exercício de cidadania «na gestão do

património histórico como impulsionadores e realizadores de propostas activas».

4.5.2. «O museu local: entre o ludus e o studium»582

Aos museus locais cabe formular duas questões: o museu local é capaz de

satisfazer as exigências científicas e o prazer do ócio? Studium e ludus não são

incompatíveis, no entanto, deverá questionar-se se esse tipo de instituições tem

capacidade de concretizar esta união, respeitando as necessidades de cada campo, mas

também os seus limites. Depois, o questionamento atinge outro nível de profundidade:

deve este serviço ser encarado como um direito universal (público, custeado por todos)

ou deverá integrar o mercado livre, onde o interesse e o poder aquisitivo individuais

determinam a saída do produto?

Aquilo que os cofres dos museus guardam ou se dá a conhecer nas salas de

exposição; aquilo que ainda ladrilha as ruas e compõe as praças e pracetas; aquilo que

581

Idem, p. 176.

582 Idem, p. 230.

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se recata em algumas aldeias, quintas e outras pequenas povoações ou mesmo nas

cidades não jejuam do regozijo da descoberta, da satisfação do enigma resolvido, do

poder de atracção do mistério e do desconhecido, do jogo ou do risco intelectual.

«Musealizar, dinamizar e intervir nos espaços de apresentação do património (museus e

exposições, parques arqueológicos, centros antigos das cidades históricas, etc.) é um

exercício que anda entre o ludus e o studium, entre o jogo e o descobrimento.» O

património é «objecto de conhecimento» e é «objecto de prazer».583

Por outro lado, há um fenómeno paralelo a este atiçamento e apologia do (que

pode surgir do) museu. George Steiner observa melancolicamente, do lado de quem

pode adquirir, que: «Veja-se a crise económica da Europa, os países mediterrânicos tão

distantes dos países do Arco do Norte. Milhares de turistas ingleses vão visitar Portugal,

Espanha, Itália, Grécia. Para eles, estes países são um outro planeta, um estranho

planeta soalheiro. Não mudaram de opinião. Pensava que o turismo seria a grande

educação. Já não acredito»584

. Fica a esperança que mora na definição de museu que

serve de referência, actualmente, e de acordo com os estatutos do ICOM, para a

comunidade internacional, em vigor desde 2007. Na XXI Conferência Geral, em Viena,

Áustria, disse-se que:

«Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do

seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe

património tangível e intangível da humanidade e do seu meio ambiente para fins de educação,

estudo e diversão»585

.

583

Idem, p. 230.

584 George Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In Revista LER,

n.º 107, Novembro de 2011, p. 41.

585 Fonte: Actual definição de Museu pelo ICOM. In International Council of Museums (ICOM),

disponível em http://icom.museum/the-vision/museum-definition/.

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CONCLUSÃO

1. Aquilo que havia sido avançado na revisão da literatura e estado da questão da

presente dissertação acerca do acervo bibliográfico sobre a temática veio a confirmar-se

no decorrer deste estudo. Não há bibliografia quantitativamente satisfatória, ou

desejável, sobre os museus que têm a lã como seu cálice. É o Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior que tem liderado, no âmbito das publicações, o estudo

sobre a história dos lanifícios. Diz Nuno Luís Madureira ser a região da serra da Estrela

a «chave para perceber o país»586

, sem desmérito para os ecos a sul, até Portalegre.

Trabalhar as lãs tornara-se numa actividade típica e duradoura em localidades

produtoras dessa matéria-prima, como por exemplo a terra chã e aquelas que a serra da

Estrela foi albergando, na Beira, e as da planície alentejana, no Sul.

De Jorge Borges de Macedo, em Problemas de história da indústria portuguesa

no século XVIII, a Elisa Pinheiro, em Rota da lã Translana, conhece-se uma Covilhã

como «centro histórico dos lanifícios portugueses»587

; um «importantíssimo centro

industrial do nosso país»588

, agora nas palavras de Esteves Pereira; e o «epicentro» dos

«panos de lã»589

. A Covilhã demarca-se no planisfério do fabrico de tecidos e da

indústria das lãs, mas arrebita e pontilha o Interior do país. Relembre-se que a Real

Fábrica de Lanifícios de Portalegre (alvo do piropo, na época da sua construção, como

sendo a mais moderna das manufacturas dos lanifícios) fizera parte da Sociedade das

Reais Fábricas de Lanifícios da Covilhã e Fundão.

A população que se entregou aos lanifícios desde a Idade Média, à «produção e

comercialização de fios e panos» (Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3002&lang=1),

deposita, hoje, a sua atenção em marcos de berço pombalino, seja na Covilhã, na

Guarda ou em Portalegre. O centro da cidade da Covilhã era bombeado pela

manufactura que fazia circular uma dinâmica manobrada por ela, não só pelo distrito de

586

Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,

Editorial Estampa, 1997, p. 368.

587 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de

fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011, p. 227.

588 Esteves Pereira, Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª

Editores, 1979, p. 147.

589 Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 369.

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Castelo Branco como pelas outras duas regiões, numa relação íntima, como vários

autores o provaram, procurando conjugar especificidades de cada uma para se extrair da

lã um produto inigualável. Desde o século XVI, Covilhã, Guarda e Portalegre (ou Beira

Interior e Alto Alentejo) parecem acompanhar-se no caminho do solstício industrial

têxtil. Por várias vezes, Portugal teve como porto seguro o Interior (apesar de

cronicamente interiorizado). E nele cresceu uma indústria que acabara por

internacionalizá-lo internamente, ao chamar à Covilhã a Manchester portuguesa; e,

noutro sentido, ao apostar num produto inovador como é o caso da tapeçaria de

Portalegre. A qualidade dos tecidos nacionais chegou a ser considerada superior à dos

ingleses, ainda marquês de Pombal cavalgava por estas terras e pela gestão do reino.

Esta actividade secular, depois das várias contracturas que a indústria dos

lanifícios sentiu em toda a sua história, vem conhecendo uma instabilidade persistente.

A verdade é que, a partir do último quartel do século XX português, as regiões por

tradição ligadas à lã, unidas pelas rotas da transumância, foram perdendo o seu ímpeto

também por cunho da evolução da sociedade. A globalização, a mundialização da

economia, a tecnologificação dos vários sectores (ouso criar tal termo), os novos

mercados, os novos interesses, o curso da economia e o seu poder são os novos

sintomas auscultados na transição para o terceiro milénio, e que o tem conquistado.

A imponente indústria da lã que, hoje, não se consegue mostrar deixou a sua

história e património. A decoração e, inclusivamente, o design de interiores e de moda

recorrem a esta matéria-prima.590

A sua humilde origem artesanal deixou, contudo,

marcas que perduram. São os casos dos cobertores de papa (Guarda) e das tapeçarias

de Portalegre com funcionalidades e especificidades diferenciadoras, e únicas, diga-se –

sendo que a vertente artística logrou de maior intensidade nesta última.

2. Percebe-se, assim, que a Beira Interior e o Alto Alentejo têm mais em comum do que

590

Os artigos em burel (com empresas a trabalhá-lo sobretudo na região de Manteigas) têm conquistado

várias áreas do design, do vestuário aos adereços e à decoração. Não foram dadas as mesmas linhas ao

burel que às outras formas de transformar a lã – não por desinteresse, antes pelo contrário – pela simples

razão de não estar directamente relacionado com os museus objecto de estudo. Fique aqui o apontamento

de que as peças artesanais que têm como base a lã, e produzidas na Beira Interior e Alto Alentejo (das

peças em burel aos cobertores de papa e às tapeçarias de Portalegre), mereceriam uma reflexão, uma

análise e uma interpretação nomeadamente no âmbito do seu valor patrimonial, da refuncionalização e do

crivo criativo e artístico que têm seguido e que as tem distinguido.

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se esperaria. A lã aproxima-os, a história e o património também, bem como o interesse

em preservá-los. Daí, se encontrarem na Covilhã, na Guarda e em Portalegre

instituições que cresceram com esse objectivo, como o museu. O museu é uma forma

instituída e reconhecida de recolha e conservação da história que se torna passado a

cada instante, mas que se quer fazer presente em qualquer época. Assim, procurou-se

perceber a importância do museu, nomeadamente de um museu de menores dimensões

em localidades mais afastadas do bulício das propostas culturais do lado atlântico. Quis-

se saber se este tipo de museus consegue comunicar e, sobretudo, se consegue

comunicar com a localidade que o acolhe e com o seu primeiro público: a comunidade

onde está inserido. Quis-se perceber se existe vínculo, se lhes é reconhecida a

importância que os museus pretendem dar àquilo que guardam e expõem.

Francisca Hernández publicara, em 1998, uma obra com um título sintetizador e

esclarecedor: El museo como espacio de comunicación. O museu não é apenas mais um

meio de comunicação, é um meio que engloba vários meios, assumindo-se como um

espaço que intermedeia o visitante e o acervo exposto, e este e as localidades onde se

encontra. Porquê? Porque é delas que os museus (e nomeadamente os museus

locais/regionais) sobrevivem, da história que se faz ali ou a partir dali; é aos

conterrâneos que mais interessa conservar o seu património. Antes disso, foi preciso

compreender a capacidade significante do museu, das suas formas de transmitir

informação e dos diferentes suportes que fazem circular as mensagens. Observe-se que

a verbalidade não pode monopolizar aquilo que se entende por comunicação, e, por isso,

surge em lugar destacado a comunicação da própria construção; dos objectos nela

presentes e a sua disposição no espaço, que leva a dois tipos de relação – a relação entre

os próprios objectos e entre estes e o espaço; e também a comunicação dos indivíduos

que se manifestam mesmo não verbalizando.

Aquilo que o museu é só ganha sentido quando o indivíduo interage com ele. A

teoria da Nova Comunicação diz-nos, em primeiro lugar, que é impossível não

comunicar. E tudo o que envolve o Homem comunica. O museu é um organismo

linguístico, e, como tal, nele existe uma sintaxe (considere-se a estrutura e a

organização), uma semântica (significado) e, finalmente, uma pragmática que acontece

no momento em que o indivíduo participa e interpreta a significação do edifício. O

mesmo se aplica às exposições. O museu é um espaço dialogante, de sociabilização e de

encontro. A bibliografia produzida pela American Association of Museums concorre,

cada vez mais, para a ideia de diálogo entre museu-público-localidade, e atribui ao

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primeiro um papel activo (de responsabilização) no que diz respeito aos problemas e

contrapartidas dos restantes porque fazem parte da sua dinâmica vivencial. Os museus e

as exposições têm os seus próprios discursos, nos quais se pretende fazer prosperar, por

um lado, o espírito crítico, inquisitivo e experimental; e, por outro, a criatividade, a

imaginação e a diversidade. Assume-se como espaço de partilha e de criação de novas

experiências e de liberdade.

Nos casos do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã),

do Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda) e do Museu da Tapeçaria de Portalegre –

Guy Fino, os três habitam edifícios de pendor histórico: os dois primeiros ligados à

temática que lhes define a sua missão (ambos em antigas fábricas); e, no caso de

Portalegre, instalado numa antiga casa de uma família nobre. Todos referenciam o

património local, aludem a uma identidade, e não é por desempenharem, hoje, outras

funções que o museu-edifício perde o seu significante. Aliás, nos dois primeiros casos,

as mensagens veiculadas pelo acervo não estão desfasadas da significação dos edifícios.

3. O museu-de-todos-e-para-todos, que vários autores vêm discutindo (Francisca

Hernández Hernández, Luis Alonso Fernández, André Desvallées, Joan Santacana i

Mestre e Nayra Llonch Molina, Edward P. Alexander e Mary Alexander, Mário C.

Moutinho, Judite Primo, Cristina Bruno, Fernando João Moreira, entre outros), oferece

o grande desafio: quem são todos? E como ser museu para eles? O museu pós II Guerra

Mundial é um novo museu que acompanha uma Nova Museologia, onde o indivíduo

desfaz a sacralização do objecto, e se emancipa, reage e interage. Fala-se pois de um

«objecto-interactivo», segundo Hernández. E esta proximidade que se vem construindo

com o museu, a exposição e o objecto atrai o assunto tecnologia. Esta é (im)plantada

nos museus, tal como nas mais variadas áreas de actividade, e fermenta um carácter

persuasivo, dissuasor e inebriante, que B. J. Fogg revela não ter sido a base da criação

dos computadores, mas que veio impondo-se e condicionando os comportamentos.

A partir da década de 1980 surge o multimedia, e a informática funde-se com os

meios audiovisuais, com a edição e com o digital. Surge, assim, outra preocupação para

os museus: a tecnologia-da-distância. Isto é, a Internet possibilita ver aquilo que antes

só era possível presencialmente. Esta é uma dimensão atreita a dificuldades por parte de

museus de menor dimensão. Contudo, se se olhar à rotatividade591

das tapeçarias do

591

Para tornar o museu um pólo magnetizante não basta publicitar e apresentar repetidamente a sua

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acervo do Museu da Tapeçaria de Portalegre – ver ao vivo uma tapeçaria de quatro

metros não é o mesmo do que ver o seu desenho no ecrã de computador –; ou ver e

escutar um tear em funcionamento, ver o cobertor ser tecido e sentir o cheiro da lã; ou

presenciar um objecto de toneladas, literalmente, de décadas de existência (lembrando a

caldeira De Nayer ou as estruturas arqueológicas da tinturaria oitocentista592

do Museu

de Lanifícios), a experiência é diferente. Na Internet, tem-se conhecimento dessa

existência, mas é fisicamente que é confirmada e autenticada.

Um dos aspectos mais repetidos pelos vários autores consultados foi a

primordialidade de se conhecer o público, as suas necessidades e os seus interesses; e,

por antecipação, conhecer o museu e saber o que este pode oferecer e de que forma.

Mais se percebeu que o discurso do museu e os programas elaborados (um dos aspectos

em que Mary Alexander insiste) devem ser adequados à sua essência e às suas

características e às do seu público. A eficácia só se consegue pela compreensão e o

visitante tem de ser capaz de o fazer. Deve, por isso, haver um planeamento racional e

também criativo para que os pontos fortes suplantem as fragilidades. No entanto, e

apesar de um discurso motivador, é facto que os museus de menores dimensões perdem

repercussão a outros níveis, mas têm (ou deverão ter) consciência de que é a sua

comunidade, é a sua cidade que têm de conquistar primeiramente. Ainda assim, veja-se

que o Museu de Lanifícios liderou um projecto ibérico sobre as rotas da transumância; e

o Museu da Tapeçaria de Portalegre é, como se pode verificar pela análise do inquérito

entregue nestas três instituições, mais visitado por indivíduos de nacionalidade

estrangeira (ver tabela, Anexos, pp. 340-342; ver ponto 4.4.4., p. 268). Estas são

manifestações de um trabalho que, tendo presente a sua associação a localidades de

menor dimensão e do Interior, acredita no seu produto e que este pode ter interesse

colecção, a qual poderá ter de esperar um longo período até nova aquisição ou renovação, facilitando ao

visitante a ideia de que o que foi visto está visto. De acordo com Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch

Molina, «a melhor exposição permanente é aquela que vai mudando continuamente», habilitando-se a

melhor ripostar contra a «fatídica» expressão na oração anterior. E neste aspecto o Museu da Tapeçaria de

Portalegre soube dar-lhe a melhor solução, em parceria com a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre.

592 A qual tem uma importância amplificadora, que não diz respeito apenas aos que lá trabalharam ou à

cidade onde estava instalada. É, de acordo com Elisa Pinheiro, «de grande significado técnico-cultural

para a história dos lanifícios, para a história da tinturaria europeia do Antigo Regime e para a Covilhã e

região da Serra da Estrela». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade

da Beira Interior, Abril de 1998, p. 33.

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noutras escalas.

Manuelina Cândida, em Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, recorre

a Jorge Enrique Hardoy, um célebre arquitecto argentino, e a Stanislas Adotevi, filósofo

francês, ao esquadrinhar o papel dos museus. As missivas de ambos convergem para o

ponto crítico da museologia actual, ou seja, para a definição da missão do museu.

Manuelina Cândida entende a perspectiva de Hardoy no sentido do dever de mudar o

museu enclausurado – não no tempo, mas no conceito.

Há que rejeitar o museu amorfo, isto é, «(…) os muros que protegem o passado intocável e

infalível e consagrarem-se [os museus] a um presente onde o homem comum possa assumir sua

dimensão de ator principal: expor exatamente os problemas críticos da sociedade. Sua missão

deveria ser criar as bases da compreensão dos problemas, para formar indivíduos responsáveis

por um processo de mudanças sociais e políticas [sic]»593

.

Do espírito revolucionário de Hardoy é-se transportado para o pensamento de

Stanislas Adotevi, cuja interpretação é norteada pelas capacidades criadora e pedagógica

de que os museus se devem munir e pela função de instrumento de progresso. Assim,

estes devem ser

«(…) núcleos de inspiração, lugares de profusão cultural, matrizes fecundas onde se fundem as

teorias humanas do desenvolvimento. Daí propor mesmo que o museu deva dar lugar aos

centros de formação e de reciclagem histórica. Sua ponderação sobre o desenvolvimento dá

conta de que este não é somente um fenômeno econômico, mas um momento da criação

contínua do homem pelo homem em todas as suas dimensões e que todo critério para sua

construção é interior a cada civilização [sic]»594

.

Em ambos, é o Homem quem sobressai. Também Varine-Bohan investe na

mesma ideia: o indivíduo-visitante comunica com a Humanidade por meio do objecto e

o conhecimento procede de uma acção continuada, intelectual e culturalmente

estimulante que prevê o desenvolvimento.595

De entre os parâmetros privilegiados para

593

Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria

Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, vol. 20,

n.º 20, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2003, p. 42.

594 Stanislas Adotevi «Le musée inversion de la vie (le musée dans les systèmes éducatifs et culturels

contemporains» (1971) in André Desvallées, Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie. Paris: W

M. N. E. S., 1992. Vol. 1., pp. 133-134. Apud Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da

Nova Museologia», p. 43.

595 Hugues Varine-Bohan, «Le musée au service de l’homme et du développement» (1969) in André

Desvallées, Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie. Paris: W M. N. E. S., 1992. Vol. 1., p. 59.

Apud Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia», p. 45. «Hoje, “a

educação e o lazer são finalidades das instituições museológicas, fazem parte da função comunicação e

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que este ideal se concretize, Varine-Bohan elege a

«integração da instituição na comunidade; transformação psicológica do museólogo, cuja

formação deve ser tripla (científica, técnica e de desenvolvimento); abandono do caráter

unidisciplinar do museu; adaptação das atividades e métodos do museu ao seu “público

natural”, a comunidade próxima; associação ao museu de representantes da comunidade,

particularmente dos jovens, a partir da elaboração de programas que resultem numa avaliação

institucional permanente; orientação sistemática do museu tanto para a pesquisa como para a

“animação”; vocação territorial (NACIONAL -» REGIONAL -» LOCAL) dos museus em

substituição às tipologias [sic]».

Museu e território não podem não se correlacionar. A afinidade que o museu

procura estimar com o indivíduo tem de a firmar com o território – com a identidade e a

cultura que o caracterizam – para que também o museu figure como elemento

identificativo, familiar, reconhecível, fraterno, de coesão da comunidade, ao qual

retorna. Neste sentido, Varine-Bohan reformula a equação museológica: fenece o

«Museu Tradicional = edifício + coleção + público» e apologiza-se o

«Ecomuseu/Museu Novo = território + património + população».596

4. A singela descrição do museu local esconde pequenas poções capazes de gerar algo

transformador e culturalmente relevante numa localidade, numa região e no país. No

geral, são tímidos. Enquanto uns apareceram por conta de arrebatamentos, outros

germinaram com o intuito de valorizar temáticas específicas da localidade/região.

Embora não sejam tão explícitas as virtudes que se podem encontrar nesta

particularização (porque não tão alimentadas e apoiadas pelos media, sobre os quais,

muitas vezes, se baseiam escolhas), estas pequenas células acabam por ser a forma de

expressão cultural e etnográfica com a qual, de outro modo, não seria possível contactar.

As gerações vão sendo renovadas (com intermitências na passagem de tradições), e as

propostas em zonas mais movimentadas e de temáticas de maior espectacularidade e

desenvolvem-se no seio da relação entre o homem e a realidade, mediada pelos bens culturais”», confirma

Mário Chagas, citado por Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica? O

museu criativo como alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, n.º 25,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, p. 34.

596 Ver Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu e

Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

2002, p. 72. E Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in op. Cit.,

pp. 48-49.

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impacto açambarcam a procura. Quando bem estruturados, os museus locais são

exemplares de autenticidade e provas da história local. Permitem aceder a um tipo de

fontes e de informação, por vezes na primeira pessoa, que dão substância ao passado do

colectivo, permitindo-lhe falar dele e estudá-lo.

Perseverar, em contexto local, pressupõe que haja quem o procure e frua de algo.

Como tal, Mestre e Molina consideram que os museus deste âmbito possam vir a ser um

percalço enquanto peças de um circuito turístico. Na serra não há só ar e rochas. Porque

não incluir nessa imagem estes complementos culturais que mostram aquilo que a serra

já não consegue? Os museus mantiveram, até há pouco tempo, um distanciamento

relativamente às actividades económicas, ao turismo e à posição de cavalo (agindo

como peões) no processo de desenvolvimento real. A ilação de Fernando João Moreira

relembra também que, sem independência financeira, os museus estavam

ideologicamente mais vulneráveis ao perfil dos regimes que os sustentavam.597

Era preciso, portanto, aproximá-los da população e da cultura locais, do

autêntico e dos recursos internos. É esta sensação de pureza e de verdade que mais atrai

os turistas, à qual respondem os mais exigentes porque não pretendem um produto

repetitivo, deslocado, padronizado, inverosímil e falsificado. Querem conhecer a

verdadeira cultura local, e não uma cultura plastificada.598

A oferta museológica deverá

considerar a restante oferta que a circunda, as demais infraestruturas e as actividades

culturais e lúdicas. Parafraseando Fernando Moreira, a «sinergia» é catalisadora de

«visibilidade» e atractiva para outros e/ou novos elementos. Devem saber tirar proveito

das possibilidades turísticas e criar esquemas de mobilidade do museu, atraindo

visitantes ao levar o museu a outros locais com outro tipo de formato e de estrutura.

Considerando as conclusões599

que Fernando Moreira teceu no âmbito da sua

tese de doutoramento, não me coíbo de as transportar para este estudo – afastando-me

do decalque, porque não é isso que se pretende –, adequando-as aos museus-casos-de-

estudo. Isto porque há inferências que não devem ser menosprezadas nem pelos museus

nem pelas localidades, sobretudo quando há condições viáveis para que algo aconteça.

Concretizando, «os museus podem efectivamente contribuir para a ascensão e afirmação

de um novo modelo de desenvolvimento turístico mais esclarecido, menos depredador e

597

Fernando João Moreira, O Turismo e os Museus nas Estratégias e nas Práticas de Desenvolvimento

Territorial, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 358-359.

598 Idem, p. 589.

599 Idem, pp. 594-595.

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297

mais sustentável». Tomando iniciativa, integrando-se e cooperando com outras áreas –

arriscando. A chave está na relação com as comunidades locais, «reconhecendo nelas o

interface indispensável e necessário, num plano de autenticidade e dinamismo, entre

eles e o turismo e, por acréscimo, robustecendo-as no plano identitário contra os

inevitáveis efeitos erosivos do turismo». Aproveitar a Natureza, que, nas regiões em

causa, está demasiado envolvida para ser rejeitada; e os produtos tradicionais locais,

«qualificá-los, diferenciá-los e rejuvenescê-los». O Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior, o Museu de Tecelagem dos Meios e o Museu da

Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, bem como os seus territórios poderão,

efectivamente, evoluir no âmbito da oferta turístico-cultural.

5. Neste patamar, ganha especial sentido a acha que Hernández lança sobre o museu-

linguístico: a comunicação deverá ser, igualmente, estabelecida entre os museus

(nacionais e internacionais) e entre estes e outros organismos. Apesar de a temática que

define estes museus em particular não ser a imediatamente eleita pela memória como

primeira escolha para um passeio – e, ainda, a tradicional associação de museu a uma

casa da arte –, interligados, poderão formar um projecto unitário. Porque o turismo é

um projecto em rede, de coordenação de esforços e de valorização de recursos, surge a

ideia de Três destinos, um itinerário, no qual haja:

i) articulação e dialéctica entre três núcleos museológicos pela consolidação de uma

herança laneira e uma comunidade alargada;

ii) novas possibilidades comunicativas – as tecnologias da linguagem ao serviço e

incentivo do desenvolvimento local (económico, social e cultural);

iii) e a potencialidade turística dos têxteis (onde se incluem os produtos artesanais

deles decorrentes e outros associados) da Beira Interior e Alto Alentejo. E, nesse

sentido, extrapolar as fronteiras regionais e nacionais, assumindo-se como roteiro

coeso, aproveitando as vantagens do campo e da serra, da sua gastronomia, da

aventura e do sossego.

O inquérito realizado mostrou uma satisfação geral pela visita a cada um dos

museus, seja por parte de quem tem algum conhecimento ou proximidade com a

temática, seja por quem tenha ido à descoberta, sem antecedentes ou preparação. É de

registar, igualmente, o interesse manifestado por estas regiões (e, neste aspecto,

considere-se também algum tipo de ligação às mesmas), mas também pelo assunto

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298

(ainda que se trate de uma pequena amostra para uma caracterização mais concludente).

Os visitantes sentem a presença frágil das novas tecnologias da informação e da

comunicação, de informação sobre as colecções e sobre museus relacionados com o

tema. Poucos visitaram espaços similares, mas demonstram interesse em fazê-lo. Ora,

deduz-se uma necessidade de complementaridade e continuidade do que conheceram

num dos locais. E, como se verificou, o turismo poderá ser um forte aliado.

Assim, de forma sucinta, se pretende justificar um itinerário comum, uma

actuação conjunta de três pontos museológicos que coordenem e estruturem as suas

mais-valias para proporcionar ao visitante uma experiência mais enriquecedora. Não só

do ponto de vista patrimonial e museológico, mas a todos os níveis, onde as três cidades

e as três regiões (a Beira Alta, a Beira Baixa e o Alto Alentejo) consigam dar-se a

conhecer e compor um produto turístico integrador. Veja-se o fio condutor que os une:

na Covilhã, estuda-se e apresenta-se a indústria têxtil com outra extensão, como um

todo; a ramificação dos Meios (Guarda) centra-se num dos ofícios dentro do processo

industrial da lã (a tecelagem); e, em Portalegre, depara-se com a concepção artística

dessa matéria-prima. A história, e a perspectiva globalizante, é o ponto de partida

(Covilhã), com experiências particularizadas/especializadas nos Meios e em Portalegre,

onde é possível conhecer a lã na forma de artesanato e arte.

São instituições educativas que promovem e difundem não só a história da lã e a

evolução da sua indústria, os processos e as técnicas de trabalho empregues, mas

também a sua aplicação artesanal e artística. Nelas, a preservação, recuperação e/ou

reconstituição de estruturas e a conservação e a exposição de acervo são comuns;

também a recolha, a documentação e a organização de informação sobre a aura dos

lanifícios que caracteriz(ou)a as localidades e as regiões se verifica. É, todavia, no

Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior que esses dados se tornam

substanciais (particularmente a sua evolução desde o século XVII até hoje) com a acção

do Centro de Documentação/Arquivo-Histórico e da investigação aí concentradas,

usufruindo do próprio corpo científico universitário que o rodeia. Até há pouco tempo,

com uma licenciatura dedicada à Engenharia Têxtil, que, acompanhando o

desfalecimento da indústria na região, foi deixando sementes em Design de Moda, por

exemplo, e eventualmente em áreas como a Bioquímica. Estes são alguns dos

aspectos600

unificadores entre os museus evidenciados e que se somam àquilo que pode

600

A acrescentar o esforço em salvaguardar matérias-primas e instrumentos de trabalho nos três museus,

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ser explorado nesta tríade.

«Cada vez mais, os museus são considerados instituições que prestam serviços e,

por esta razão, necessitam, cada vez mais, de envolver conhecimentos de áreas como a

gestão da inovação, o marketing, o design e as novas tecnologias da informação e

comunicação.»601

Mário Moutinho, em Os museus como instituições prestadoras de

serviços, insiste na reavaliação do perfil dos museus, a fim de que se assuma um alter-

ego, ou melhor, um segundo ego, enquanto entidades prestadoras de serviços culturais

para que assim possam integrar um sector (terciário) «que cada vez mais ocupa a maior

parcela da economia mundial». Procurando a forma de comunicar à medida de cada

museu e de cada público. O Museu de Tecelagem e o Museu da Tapeçaria não têm sítios

de Internet próprios. O segundo caso tem o suporte da plataforma virtual da

Manufactura de Tapeçarias de Portalegre que – do ponto de vista histórico, de

divulgação e de promoção das tapeçarias – completa a descrição que é feita do museu

na página que a Câmara Municipal de Portalegre lhe dedica no seu domínio. Um sítio

de Internet próprio para ambos enriquecê-los-ia e dar-lhes-ia mais e maior projecção?

Depure-se a atenção quanto ao deslumbramento ou ao facilitismo que o turismo

poderá propiciar. A desconfiança vem de Varine-Bohan: «A questão era: para quem é

esta herança? E analisando-a, Varine se contrapõe a uma cultura para consumo turístico.

“Aceitaremos a transformação do museu em um lugar reservado ao público dos hotéis e

restaurantes?” – Perguntava-se [sic]»602

. A boa colheita reside na abundante qualidade

do fruto. O homem enquanto produtor e dinamizador de cultura deve saber gerir o valor

do seu fruto e a aspiração ao desenvolvimento. O museu é intrinsecamente um espaço

do tempo, onde os problemas e as soluções foram uma constante.

ainda que o Museu de Lanifícios se distancie, também pelo facto de assumir essa acção como visceral.

Este propõe-se, ainda, a identificar as fontes de energia; desenvolve uma actuação isolada na

inventariação de estruturas fabris e produtos (produto final, amostras, anúncios) e provas do ambiente

social fabril; e presta «apoio à actividade industrial, pelo processo de consultas de amostras, patentes,

debuxos e de experiências anónimas de adaptação tecnológica e, ainda, o apoio a eventuais núcleos

museológicos locais». (Ver http://www.museu.ubi.pt/?cix=3046&lang=1)

601 Mário C. Moutinho, «Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 41.

602 Hugues Varine-Bohan, «Le musée au service de l’homme et du développement» (1969) in André

Desvallées, op. Cit., p. 54. Apud Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova

Museologia» in op. Cit., pp. 41-42.

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300

O preconceito está na pequenez (ou no excesso de confiança) da visão: é um

pequeno museu, local, do município. Ponto final, pensar-se-á. Conotado com uma

museologia mal tratada, isto é, «“onde os recessos de um grande carácter tradicional se

cruzam com a fumarada de uma mal digerida e pior assimilada nova museologia”»603

.

Esta é a acepção a rejeitar porque, na verdade, alguns desses pequenos museus

converteram-se em museus de nova geração, comprometidos socialmente. Este novo

museu divide-se entre o indivíduo e o colectivo para os somar em «crescimento

interior» para o primeiro, e em enriquecimento patrimonial e bem-estar para o segundo.

Os dividendos repartem-se por ambos, pois o indivíduo é a unidade da comunidade. Do

elogio ao museu como servente da comunidade, Moreira deixa três apelos: «Vamos,

portanto, ser capazes de não temer a palavra “museu”; vamos, portanto, ser capazes de

confiar na energia criativa das populações; vamos, portanto, ser capazes de nos

tornarmos a nós próprios museólogos amadores»604

.

603

Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,

Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º

27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 43.

604 Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in idem, p. 29.

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301

Bibliografia Metodológica

ECO, Umberto,

Como se faz uma tese em Ciências Humanas, 11.ª ed., Lisboa, Editorial

Presença, Junho de 2004. (Tradução de Ana Falcão Bastos e Luís Leitão. Título

original: Como Si Fa Una Tesi Di Laurea, 1977.)

VILLAR, Mauro de Salles (Dir. de projecto),

Dicionário do Português Atual Houaiss, 1.ª ed., Lisboa, Círculo de Leitores,

2011. (Edição portuguesa.)

Bibliografia – Introdução

I. Bibliografia geral

MESTRE, Joan Santacana i e MOLINA, Nayra Llonch,

Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración

Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008.

Pe. António Vieira,

Sermão da Sexagésima, pp. 1-29. (BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da

Comunicação, disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/vieira-antonio-sermao-

sexagesima.pdf, acedido em 1 de Dezembro de 2012, às 20h30.)

II. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas

2.1. Ensaios em periódicos científicos

MAYRAND, Pierre e MOUTINHO, Mário C.,

«Le musée local de la nouvelle génération au Portugal, un pas en avant dans la

gestion communautaire qualitative: essai d’ interprétation épistémologique» in Judite

Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 45-55. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/511/414,

acedido em 3 de Dezembro de 2012, às 15h48.)

MOUTINHO, Mário C.,

«Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite

Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 39-44. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510/413,

acedido em 3 de Dezembro de 2012, às 16h.)

POSTMAN, Neil,

Museus: geradores de cultura. Haia: ICOM, 1989 (texto impresso), abertura da

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302

15.ª Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus/ICOM, em Haia-Holanda.

Apud Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos

entrelaçados» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e

Autarquias: A Qualidade em Museus, n.º 25, Lisboa, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2006, pp. 5-20. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/419/324,

acedido em 3 de Janeiro de 2013, às 16h51.)

PRIMO, Judite,

«Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2007, pp. 117-133. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/517/420,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h43.)

III. Outras referências: legislação

Diário da República, I Série, Lei n.º 13/85, de 6 de Julho de 1985, Título I – Princípios

Fundamentais, Artigo 1.º e Artigo 2.º. (Diário da República, disponível em

http://dre.pt/pdfgratis/1985/07/15300.pdf)

Bibliografia – Revisão da Literatura e Estado da Questão

I. Bibliografia geral

Colóquio APOM 77 e Associação Portuguesa de Museologia (Colab.),

Museu de região – pólo dinamizador de acção cultural: actas, Lisboa, APOM,

1982.

CUSTÓDIO, Jorge; SANTOS, Luísa; RIBEIRO, Isabel; e BARBLAN, Marc,

Museologia e Arqueologia Industrial. Estudos e Projectos, Lisboa, Associação

Portuguesa de Arqueologia Industrial, 1991.

FERNÁNDEZ, Luis Alonso,

Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza

Editorial, 2002.

HERNÁNDEZ, Francisca Hernández,

El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y

Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998.

International Committee for Regional Museums (ICR),

Staff and training in regional museums, Paris, ICOM, 2011.

MESTRE, Joan Santacana i e MOLINA, Nayra Llonch,

Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración

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303

Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008.

II. Bibliografia específica

2.1. Dissertações e teses

CARVALHO, Maria Filomena Cruz Correia Pinto de,

Viver os têxteis: um complexo museológico para o concelho de Seia:

fundamentos e proposta de organização, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade

de Coimbra, 2006. (Dissertação de mestrado em Museologia e Património Cultural.)

DIOGO, João Manuel Mendes de Oliveira,

Museologia regional e local em Portugal ontem e hoje: urgência de uma

política, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1997. (Dissertação de mestrado em

Museologia e Património.)

MARQUES, Paula Alexandra Cassino,

Nova museologia e museus locais: contributo para a organização de um Museu

Local em Alvaiázere, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

2002. (Dissertação de mestrado em Museologia.)

NEVES, José Miguel Casal Cardoso,

Museus industriais em Portugal (1822-1976): sua concepção e concretização,

Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1996. (Dissertação de mestrado em Museologia e

Património.)

RECHENA, Aida Maria Dionísio,

Processos museológicos locais: panorama museológico da Beira Interior Sul,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2003. (Dissertação de

mestrado em Museologia.)

2.2. Obras sobre os estudos de caso

PINHEIRO, Elisa Calado (Coord.),

Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da

Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de

Lanifícios, Abril de 1998.

III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas

3.1. Ensaios em periódicos científicos

ALTAMIRANO, Carla; CRESPO, Carolina; LANDER, Erica; e ZUNINO, Natalia,

«Modalidades de apropiación del patrimonio: el museo y su público» in Arte y

recepción. VII Jornadas de Teoría e Historia de las Artes, Buenos Aires, CAIA (Centro

Argentino de Investigadores de las Artes), 1997, pp. 235-246.

BRUNO, Maria Cristina Oliveira,

«Museologia: algumas idéias para a sua organização disciplinar» in Cristina

Bruno, Cadernos de Sociomuseologia – Museologia e Comunicação, vol. 9, n.º 9,

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304

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 1996, pp. 9-33.

(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/291/200,

acedido em 3 de Janeiro de 2013, às 17h02.)

FELGUEIRAS, Margarida Louro,

«Materialidade da cultura escolar. A importância da museologia na

conservação/comunicação da herança educativa» in Pro-Posições, vol. 16, n.º 1 (46),

Janeiro/Abril, 2005, pp. 87-101.

MOREIRA, Fernando João,

«On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,

Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia –

Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2007, pp. 31-44. (Nota: «The Museums’ Public in Portugal:

characterisation and motivations». POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic Study Centre

[Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT], 2005) (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/440/344,

acedido em 29 de Outubro de 2012, às 00h20.)

_____________________,

«The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas &

Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º

27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 11-29.

(Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte Redondo.) (Disponível em

Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/439/343,

acedido em 28 de Outubro de 2012, às 13h38.)

MOUTINHO, Mário C.,

«Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 36-43. (Disponível em Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rhumanidades/article/view/987/808, acedido em

27 de Outubro de 2012, às 19h16.)

PRIMO, Judite,

«The Importance of Local Museum in Portugal» in Cristina Bruno, Mário

Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I,

vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007,

pp. 91-112. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/443/347,

acedido em 3 de Janeiro de 2013, às 17h12.)

3.2. Outros ensaios

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LIRA, Sérgio,

Políticas museológicas e definição do conceito de Património: Da norma

legislativa à prática dos museus, Águas Santas, Abril de 1999, p. 1. (Prorestauro – O

portal de Conservação e Restauro,

http://www.prorestauro.com/index.php?option=content&task=view&id=58 e

http://www2.ufp.pt/~slira/artigos/politicasmuseologicasguimaraesabr99.htm, acedidos

em 3 de Julho de 2011.)

Bibliografia – Capítulo I

I. Bibliografia geral

HARRISON, William Henry e HOLLAND, James,

The Tourist in Portugal, Londres, Robert Jennings, 1839. (Edição fac simile)

LAINS, Pedro (Org.) e SILVA, Álvaro Ferreira da (Org.),

História económica de Portugal, 1700-2000. O Século XVIII. Vol. I, 2.ª ed.,

Lisboa, ICS – Imprensa de Ciências Sociais, Julho de 2005. Vols. I, II e III. (1.ª ed.:

Maio de 2005)

MACEDO, Jorge Borges de,

Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed., Lisboa,

Querco, Setembro de 1982. (1.ª ed.: 1963)

MADUREIRA, Nuno Luís,

Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,

Editorial Estampa, 1997.

PEREIRA, Esteves,

Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª

Editores, 1979.

RAMOS, Rui (Coord.); SOUSA, Bernardo Vasconcelos e; e MONTEIRO, Nuno

Gonçalo,

História de Portugal, 4.ª ed., Lisboa, A Esfera dos Livros, Fevereiro de 2010.

(1.ª ed.: Novembro de 2009)

SERRÃO, Joaquim Veríssimo,

História de Portugal. A Restauração e a monarquia absoluta: (1640-1750), vol.

V, Lisboa, Editorial Verbo, 1980. Vols. I-XVIII.

II. Bibliografia específica

MONTEIRO, Ângelo,

Lanifícios de Portalegre – Do Passado ao Presente, s/l, 1963.

PINHEIRO, Elisa Calado (Coord.),

Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da

Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de

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306

Lanifícios, Abril de 1998.

____________________________,

Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira

Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), Covilhã, Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011. Vols. I e II.

PINTO, Clara Vaz,

Bordado de Castelo Branco: catálogo de desenhos, Lisboa, Instituto Português

de Museus, 1992.

III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas

3.1. Ensaios em periódicos científicos

BRITES, Joana,

«Um uníssono a quatro vozes: arquitectura(s) do Estado Novo na Praça do

Município da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29, Julho

de 2009, pp. 126-133.

FERNANDES, José Manuel,

«Covilhã, uma leitura de síntese: estrutura urbana, conjuntos edificados e

arquitecturas, sua evolução» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29,

Julho de 2009, pp. 40-53.

MARTINS, João Paulo,

«O Sanatório da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º

29, Julho de 2009, pp. 134-147.

OLIVEIRA, Maria Genoveva,

«Ernst Korrodi, percurso de vida e a sua presença na cidade da Covilhã» in

Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, pp. 120-125.

SERRÃO, Vítor; MENDES, Maria do Carmo; e SILVA, Ricardo J. Nunes da,

«As pinturas do Salão dos Continentes na Casa das Morgadas e a arte na Covilhã

no início do século XVIII» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29,

Julho de 2009, pp. 76-87.

IV. Bibliografia online

Condicionamento Industrial. In Fundação Mário Soares, Arquivo & Biblioteca, Lisboa.

(Disponível em

http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/pesquisa?pesquisa=Condicionamento%20Industrial,

acedido em 14 de Outubro de 2011, às 01h19.)

Richard Arkwright. In Infopédia, Porto, Porto Editora, 2003-2011. (Disponível em

http://www.infopedia.pt/$richard-arkwright, acedido em 6 de Outubro de 2011, às

16h15.)

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307

Bibliografia – Capítulo II

I. Bibliografia geral

GOMBRICH, Ernst. H.

A História da Arte, 2.ª ed., Lisboa, Público – Comunicação Social, S.A.,

2006. (Tradução de António Sabler. Título original: The Story of Art, 16.ª ed., Londres,

Phaidon Press Limited, 1995. [1.ª ed.: 1950])

II. Bibliografia específica

ARNHEIM, Rudolf,

Arte & Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora, Colecção Arte,

Arquitectura, Urbanismo, 9.ª ed., São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1995 (Tradução:

Ivonne Terezinha de Faria. Título original: Art and visual perception: a psychology of

the creative eye, 1.ª ed., Berkeley, University of California Press, 1954.)

BENJAMIN, Walter,

Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa, Relógio D’ Água Editores,

1992. (Traduções de Maria Luz Moita, Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto.)

ECO, Umberto,

O Signo, 2.ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1981. (Tradução de Maria de Fátima

Marinho. Título original: Segno, 1973.)

FERNÁNDEZ, Luis Alonso,

Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza

Editorial, 2002.

FIDALGO, António e GRADIM, Anabela,

Manual de Semiótica, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2004/2005.

(BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação,

http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-manual-semiotica-2005.pdf, acedido em 25

de Fevereiro de 2012, às 11h52.)

FOGG, B. J.,

Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do,

São Francisco (Califórnia), Morgan Kaufmann Publishers, 2003.

HERNÁNDEZ, Francisca Hernández,

El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y

Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998.

JOLY, Martine,

A Imagem e a sua Interpretação, Colecção Arte & Comunicação, Lisboa,

Edições 70, Março de 2003. (Tradução de José Francisco Espadeiro Martins. Título

original: L’ Image et son Interprétation, Nathan, VUEF, 2002.)

LÉVY, Pierre,

Cibercultura. Relatório para o Conselho da Europa no quadro do projecto

Page 308: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

308

«Novas tecnologias: cooperação cultural e comunicação», Colecção Epistemologia e

Sociedade, Lisboa, Instituto Piaget, 2000. (Tradução de José Dias Ferreira. Título

original: Cyberculture, Éditions Odile Jacob / Éditions du Conseil de l’ Europe, 1997.)

MALRAUX, André,

O Museu Imaginário, Colecção Arte & Comunicação, Lisboa, Edições 70,

Janeiro de 2000. (Tradução de Isabel Saint-Aubyn. Título original: Le Musée

imaginaire, Éditions Gallimard, 1965.)

MCLUHAN, Marshall,

Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (Understanding Media),

10.ª ed., São Paulo, Editora Cultrix, 1995. (Tradução de Décio Pignatari. Título original:

Understanding Media: The Extensions of Man, s/l, McGraw-Hill Book Company,

1964.)

PANOFSKY, Erwin,

O Significado nas Artes Visuais, 1.ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1989.

(Tradução de Diogo Falcão. Título original: Meaning in the Visual Arts, 1955.)

VILLAFAÑE, Justo e MÍNGUEZ, Norberto,

Principios de Teoría General de la Imagen, 4.ª ed., Madrid, Ediciones Pirámide,

2006. (1.ª ed.: 1996)

WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick e JACKSON, Don D.,

Pragmática da Comunicação Humana: um estudo dos padrões, patologias e

paradoxos de interação, 16.ª ed., São Paulo, Editora Cultrix, 2007. (Título original:

Pragmatics of Human Communication – A Study of International Patterns, Pathologies,

and Paradoxes. 1.ª ed.: 1967)

III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas e Ensaios académicos

3.1. Ensaios académicos

BENTO, António,

«Meios e Fins». (Notas, s/d)

SERRÃO, Vítor,

«O conceito de Aura em A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade

Técnica» (Notas, 2011).

3.2. Ensaios em periódicos científicos

SILVA, Daniella Rebouças,

«As formas de ver as formas: uma tentativa de compreender a linguagem

expositiva dos museus» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –

Museologia: Teoria e Prática, vol. 16, n.º 16, Lisboa, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 1999, pp. 69-101. (Cadernos de Sociomuseologia –

Revistas Universidade Lusófona,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/352/261,

acedido em 5 de Junho de 2012, às 15h43.)

Page 309: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

309

IV. Bibliografia online

Escola de Palo Alto. In Infopédia, Porto, Porto Editora, 2003-2012. (Disponível em

http://www.infopedia.pt/$escola-de-palo-alto, acedido em 22 de Junho de 2012, às

16h50.)

Bibliografia – Capítulo III

I. Bibliografia geral

ALEXANDER, Edward P. e ALEXANDER, Mary,

Museums in Motion: An Introduction to the History and Functions of Museums,

2.ª ed., Plymouth (Reino Unido), AltaMira Press, 2008.

BAHN, Paul e RENFREW, Colin,

Archaeology. The Key Concepts, 3.ª ed., Nova Iorque, Routledge, 2008. (1.ª ed.:

2005)

BENJAMIN, Walter,

«Unpacking My Library. A Talk about Collecting» in Michael W. Jennings,

Howard Eiland e Gary Smith (Eds.), Walter Benjamin: Selected Writings 1931-1934,

vol. 2, parte 2, Cambridge (Massachusetts), Harvard University Press, 2005.

FERNÁNDEZ, Luis Alonso,

Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza

Editorial, 2002.

HERNÁNDEZ, Francisca Hernández,

El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y

Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998.

IGOE, Kim,

«Involving the community» in American Association of Museums, A Museums

& Community Toolkit, Washington D. C., American Association of Museums, 2002, pp.

1-3. (Edição conjunta com American Association of Museums, Mastering Civic

Engagement: A Challenge to Museums, American Association of Museums [actual

American Alliance of Museums], 2002.)

MESTRE, Joan Santacana i e MOLINA, Nayra Llonch,

Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración

Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008.

II. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas

2.1. Artigos de periódicos informativos

Afonso Moura, «Google disponibiliza online 42 novas exposições históricas» in Jornal i

(ionline), 10 de Outubro de 2012, http://www.ionline.pt/boas-noticias/google-

Page 310: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

310

disponibiliza-online-42-novas-exposicoes-historicas (Jornal i – jornal diário, acedido

em 22 de Novembro de 2012, às 16h58.)

George Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In

Revista LER, n.º 107, Novembro de 2011, pp. 34-52. (Conversa-entrevista entre George

Steiner e António Lobo Antunes em Cambridge, Inglaterra, em 9 de Outubro de 2011.)

2.2. Artigos de periódicos especializados

FABRE, Jehanne,

«Report on International Museum Day 2007» in ICOM News Magazine, vol. 61,

n.º 1, ICOM – International Council of Museums, 2008. (Disponível em ICOM News

Magazine, ICOM – International Council of Museums,

http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2008-1/ENG/p12_2008-

1.pdf, acedido em 24 de Outubro de 2012, às 15h16.)

2.3. Ensaios em periódicos científicos

BRUNO, Maria Cristina Oliveira,

«Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in Cadernos de

Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em

Museus, n.º 25, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006,

pp. 5-20. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/419/324,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h35.)

___________________________,

«Museology as a Pedagogy for Heritage» in Cristina Bruno, Mário Chagas &

Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º

27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 127-143.

(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/445/349,

acedido em 25 de Agosto de 2012, às 20h08.)

CÂNDIDA, Manuelina Maria Duarte,

«Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria Duarte

Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico

Brasileiro, vol. 20, n.º 20, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2003, pp. 33-49. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/374/283,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h49.)

CAVACO, Gabriela,

«O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu criativo como

alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, n.º 25,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, pp. 33-39.

(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de

Page 311: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

311

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/421/326,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 19h54.)

CHAGAS, Mário,

«Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu

e Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2002, pp. 43-81. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/367/276,

acedido em 1 de Outubro de 2012, às 17h30.)

FERNANDES, Ana Mercedes Stoffel,

«Gestão Museológica e Sistemas de Qualidade: Qualidade e Museus – Uma

parceria essencial – Introdução» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de

Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 135-148.

(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/518/421,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 19h50.)

GUILLOT-COURTEVILLE, Julie,

«Le musée, forum de citoyenneté, entre opportunisme et utopie» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2007, pp. 255-260. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/529/432,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 13h11.)

MOREIRA, Fernando João,

«The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas &

Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º

27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 11-29.

(Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte Redondo.) (Disponível em

Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/439/343,

acedido em 28 de Outubro de 2012, às 13h38.)

MOUTINHO, Mário C.,

«Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite

Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 39-44. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510/413,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 13h19.)

___________________,

Page 312: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

312

«Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 36-43. (Disponível em Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rhumanidades/article/view/987/808, acedido em

27 de Outubro de 2012, às 19h16.)

PRIMO, Judite,

«Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2007, pp. 117-133. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/517/420,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h43.)

____________,

«“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem

museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –

Museologia: Teoria e Prática, vol. 16, n.º 16, Lisboa, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 1999, pp. 103-129. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/353/262,

acedido em 3 de Outubro de 2012, às 00h16.)

VARINE-BOHAN, Hugues de,

«Quelques idées sur le musée comme institution politique» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2007, pp. 7-14. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/507/410,

acedido em 25 de Agosto de 2012, às 01h02.)

VICTOR, Isabel,

«O Paradoxo do Termo Avaliação em Museus: um problema da maior relevância

para a museologia contemporânea» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro

Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em Museus, n.º 25, Edições

Universitárias Lusófonas ULHT, 2006, pp. 105-119. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Revista Lusófona de Museologia da Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/426/331,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 16h47.)

Bibliografia – Capítulo IV

I. Bibliografia geral

BACON, Barbara Schaffer; KORZA, Pam; e WILLIAMS, Patricia E.,

Page 313: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

313

«Giving voice: a role for museums in civic dialogue» in American Association

of Museums, A Museums & Community Toolkit, Washington D. C., American

Association of Museums, 2002, pp. 7-15. (Edição conjunta com American Association

of Museums, Mastering Civic Engagement: A Challenge to Museums, American

Association of Museums [actual American Alliance of Museums], 2002.)

BAHN, Paul e RENFREW, Colin,

Archaeology. The Key Concepts, 3.ª ed., Nova Iorque, Routledge, 2008. (1.ª ed.:

2005)

___________________________,

Archaeology: Theories, Methods and Practice, 5.ª ed., Londres, Thames &

Hudson Ltd., 2008. (1.ª ed.: 1991)

HERNÁNDEZ, Francisca Hernández,

El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y

Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998.

MACEDO, Jorge Borges de,

Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed., Lisboa,

Querco, Setembro de 1982. (1.ª ed.: 1963)

MADUREIRA, Nuno Luís,

Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,

Editorial Estampa, 1997.

MESTRE, Joan Santacana i e MOLINA, Nayra Llonch,

Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración

Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008.

PEREIRA, Esteves,

Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª

Editores, 1979.

II. Bibliografia específica

2.1. Dissertações e Teses

MOREIRA, Fernando João de Matos,

O Turismo e os Museus nas Estratégias e nas Práticas de Desenvolvimento

Territorial, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008. (Tese

de doutoramento em Museologia.) (Disponível no RECIL – Repositório Científico

Lusófona, em http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/86, acedido em 31 de Outubro

de 2012, às 17h.)

2.2. Obras sobre os estudos de caso

MONTEIRO, Ângelo,

Lanifícios de Portalegre – Do Passado ao Presente, s/l, 1963.

Page 314: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

314

MORGADO, Casimiro Dias,

«Freguesia de Maçainhas» in Américo Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e

as campainhas de bronze de Maçainhas, Câmara Municipal da Guarda/Junta de

Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, pp. 3-18.

PINHEIRO, Elisa Calado (Coord.),

Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da

Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de

Lanifícios, Abril de 1998.

____________________________,

Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira

Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), Covilhã, Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011. Vols. I e II.

____________________________,

Roteiro do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da

Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de

Lanifícios, Outubro de 1998.

PINHEIRO, Elisa Calado,

«Maçainhas (Guarda) na Rota da Lã: dos Fios aos Desafios» in Américo

Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas,

Câmara Municipal da Guarda/Junta de Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, pp.

19-43.

III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas

3.1. Artigos de periódicos informativos

Ana Clara, «Portalegre – Museu Guy Fino preserva memórias da história da tapeçaria»

in Café Portugal, 20 de Outubro de 2010,

http://www.cafeportugal.net/pages/sitios_artigo.aspx?id=2719 (Café Portugal, acedido

em 12 de Novembro de 2012, às 16h28.)

George Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In

Revista LER, n.º 107, Novembro de 2011, pp. 34-52. (Conversa-entrevista entre George

Steiner e António Lobo Antunes em Cambridge, Inglaterra, em 9 de Outubro de 2011.)

3.2. Ensaios em periódicos científicos

CHAGAS, Mário,

«Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu

e Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2002, pp. 43-81. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/367/276,

acedido em 1 de Outubro de 2012, às 17h30.)

FERNANDES, Ana Mercedes Stoffel,

Page 315: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

315

«Gestão Museológica e Sistemas de Qualidade: Qualidade e Museus – Uma

parceria essencial – Introdução» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de

Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 135-148.

(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/518/421,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 19h50.)

FOLGADO, Deolinda,

«Covilhã, a cidade que também foi fábrica» in Covilhã, a cidade-fábrica.

Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, pp. 88-97.

LUGO, Raúl Andrés Méndez,

«Concepción, método y vinculación de la museología comunitaria» in Cadernos

de Sociomuseologia – Questões Interdisciplinares na Museologia, n.º 41, Lisboa,

Edições Universitárias Lusófonas/Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2011, pp. 45-58. (Disponível em Revista Lusófona de Museologia –

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/2643/2016,

acedido em 30 de Dezembro de 2012, às 00h18.)

MAYRAND, Pierre e MOUTINHO, Mário C.,

«Le musée local de la nouvelle génération au Portugal, un pas en avant dans la

gestion communautaire qualitative: essai d’ interprétation épistémologique» in Judite

Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 45-55. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/511/414,

acedido em 29 de Outubro de 2012, às 19h12.)

MOREIRA, Fernando João,

«On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,

Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia –

Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2007, pp. 31-44. (Nota: «The Museums’ Public in Portugal:

characterisation and motivations». POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic Study Centre

[Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT], 2005) (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/440/344,

acedido em 29 de Outubro de 2012, às 00h20.)

______________________,

«The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas &

Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º

27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 11-29.

(Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte Redondo.) (Disponível em

Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/439/343,

Page 316: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

316

acedido em 28 de Outubro de 2012, às 13h38.)

MOUTINHO, Mário C.,

«Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 36-43. (Disponível em Revista Lusófona de

Humanidades e Tecnologias – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

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27 de Outubro de 2012, às 19h16.)

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«Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite

Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 39-44. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510/413,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 13h19.)

PINHEIRO, Elisa Calado,

«A Universidade da Beira Interior e o seu papel na reabilitação e reutilização do

património industrial da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos,

n.º 29, Julho de 2009, pp. 98-109.

PRIMO, Judite,

«Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo

(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2007, pp. 117-133. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/517/420,

acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h43.)

____________,

«Património, política cultural e globalização em contexto museal» in Revista

Lusófona de Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Lisboa,

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 54-62. (Disponível

em Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias – Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rhumanidades/article/view/989/810, acedido em

23 de Novembro de 2012, às 14h51.)

IV. Catálogos de exposição

AZEVEDO, Fernando de e SILVA, Maria do Carmo Marques da (Coord.); TAMEN,

Pedro; et al. (Textos),

50 Anos de Tapeçaria em Portugal: Manufactura de Tapeçarias de Portalegre,

Fundação Calouste Gulbenkian: Serviços de Belas-Artes e Centro de Arte Moderna José

de Azeredo Perdigão, Lisboa, de 26 de Setembro a 15 de Dezembro de 1996, Lisboa,

Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

Page 317: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

317

PORTUGAL. Presidência do Conselho. Secretaria de Estado da Informação e Turismo

(Ed. lit.); FINO, Guy (Introd.),

22 Anos de Tapeçaria da Manufactura de Portalegre, Palácio Foz, Lisboa,

Março de 1969, Lisboa, Secretaria de Estado da Informação e Turismo, 1969.

LEVY, Paula; LEITE, Ana Cristina; FINO, Vera; et al. (Coord.),

Tapeçarias de Portalegre em Lisboa, Edifício Central do Município, Lisboa, de

Novembro de 2009 a Abril de 2010, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 2010. pp. 1-

60. (Ver http://tapecariasdeportalegre.cm-

lisboa.pt/fileadmin/TAPECARIAS_DE_PORTALEGRE/Catalogo/catalogo4.pdf,

acedido em 11 de Novembro de 2012, às 17h17.)

V. Outros estudos

MATEUS, Augusto (Coord.),

O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Relatório Final do Estudo para o

Ministério da Cultura/Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações

Internacionais (GPEARI), Janeiro de 2010. (Augusto Mateus & Associados, disponível

em http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC.pdf, acedido

em 15 de Janeiro de 2013, às 16h20.)

MATEUS, Augusto (Coord.),

O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Sumário Executivo do Estudo para o

Ministério da Cultura/Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações

Internacionais (GPEARI). (Augusto Mateus & Associados, disponível em

http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC_SumEx.pdf,

acedido em 22 de Novembro de 2012, às 17h.)

VI. Outras referências

6.1. Comunicações

«A economia cultural e criativa em Portugal: constrangimentos e oportunidades» de

Augusto Mateus no colóquio Os leilões de arte e antiguidades em Portugal no ISCTE-

IUL, em 26 de Março de 2010.

6.2. Informação manuscrita

Luís Costa, «História do Museu de Tecelagem de Meios». (Recolhas orais)

Luís Costa, «A Manta de Papa». (Recolhas orais)

Luís Costa, «As fases do cobertor de papa». (Recolhas orais)

VII. Bibliografia online

Definição de Museu. In International Council of Museums (ICOM). (Disponível em

http://icom.museum/the-vision/museum-definition/, acedido em 10 de Outubro de 2012,

às 15h10.)

Estatísticas de visitantes de Museus e de Palácios do IMC, Instituto dos Museus e da

Page 318: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

318

Conservação, 2012. (Disponível em http://www.ipmuseus.pt/pt-

PT/recursos/estatisticas/ContentDetail.aspx, acedido em 18 de Novembro de 2012, às

11h40.)

Manuela Mendes, «Espaço Robinson. Síntese Histórica sobre a actividade da Fábrica de

Cortiça Robinson em Portalegre», Câmara Municipal de Portalegre, Janeiro de 2003.

(Disponível em http://www.cm-portalegre.pt/resources/2080/zoom/robinson.pdf,

acedido em 9 de Novembro de 2012, às 12h20.)

Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, Portalegre. (Disponível em

http://www.mtportalegre.pt/pt/, acedido em 11 de Novembro de 2012, às 18h53.)

Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino in Câmara Municipal de Portalegre.

(Disponível em http://www.cm-portalegre.pt/page.php?page=618, acedido em 12 de

Novembro de 2012, às 16h33.)

Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, Covilhã. (Disponível em

http://www.museu.ubi.pt/, acedido em 20 de Novembro de 2012, às 18h02.)

http://www.jornalfontenova.com/fnonline.asp (Jornal Fonte Nova, semanário da região

de Portalegre – sítio em reestruturação em 12 de Novembro de 2012.)

Bibliografia – Conclusão

I. Bibliografia geral

MADUREIRA, Nuno Luís,

Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,

Editorial Estampa, 1997.

PEREIRA, Esteves,

Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª

Editores, 1979.

II. Bibliografia específica

2.1. Dissertações e Teses

MOREIRA, Fernando João de Matos,

O Turismo e os Museus nas Estratégias e nas Práticas de Desenvolvimento

Territorial, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008. (Tese

de doutoramento em Museologia.) (Disponível no RECIL – Repositório Científico

Lusófona, em http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/86, acedido em 31 de Outubro

de 2012, às 17h.)

2.2. Obras sobre os estudos de caso

PINHEIRO, Elisa Calado (Coord.),

Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da

Page 319: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

319

Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de

Lanifícios, Abril de 1998.

___________________________________,

Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira

Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), Covilhã, Museu de

Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011. Vols. I e II.

III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas

3.1. Ensaios em periódicos científicos

CÂNDIDA, Manuelina Maria Duarte,

«Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria Duarte

Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico

Brasileiro, vol. 20, n.º 20, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2003, pp. 33-49. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/374/283,

acedido em 14 de Dezembro de 2012, às 12h23.)

CAVACO, Gabriela,

«O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu criativo como

alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, n.º 25,

Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, pp. 33-39.

(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/421/326,

acedido em 15 de Dezembro de 2012, às 16h24.)

CHAGAS, Mário,

«Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu

e Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias, 2002, pp. 43-81. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/367/276,

acedido em 16 de Dezembro de 2012, às 15h25.)

MOREIRA, Fernando João,

«On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,

Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia –

Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, 2007, pp. 31-44. (Nota: «The Museums’ Public in Portugal:

characterisation and motivations». POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic Study Centre

[Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT], 2005) (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/440/344,

acedido em 16 de Dezembro de 2012, às 16h19.)

______________________,

Page 320: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

320

«The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas &

Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º

27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 11-29.

(Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte Redondo.) (Disponível em

Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/439/343,

acedido em 16 de Dezembro de 2012, às 19h28.)

MOUTINHO, Mário C.,

«Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite

Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do

MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 39-44. (Disponível em Cadernos de

Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510/413,

acedido em 17 de Dezembro de 2012, às 11h20.)

IV. Bibliografia online

Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, Covilhã. (Disponível em

http://www.museu.ubi.pt/, acedido em 17 de Dezembro de 2012, às 13h05.)

Referência bibliográfica do excerto do poema «O Constante Diálogo» (página

destinada a dedicatória)

ANDRADE, Carlos Drummond de,

«O Constante Diálogo» in Discurso de Primavera e Algumas Sombras, 3.ª ed.,

Rio de Janeiro, José Olympio, 1979.

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321

ANEXOS

Anexo A – Quadros

Quadro 1: Tabela de valores anuais de exportação de lã a partir de portos portugueses entre os anos de

1776 e 1800.

Fonte: «A. H. M. O. P. e B. I. N. E., Balança de Comércio, anos respectivos.» In Jorge Borges de

Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed., Lisboa, Querco,

Setembro de 1982, p. 198.

Quadro 2: Importações portuguesas no período de 1796-1831.

Fonte: «A.H.M.O.P.T.C. e I.N.E., Balanças do Comércio de Portugal, 1796-1831.» In Nuno Luís

Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa, Editorial

Estampa, 1997, p. 317.

Page 322: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

322

Anexo B - Gráficos

Gráfico 1: Fábricas de lanifícios por distrito em Portugal. Ano de 1881.

Em 1881, a Covilhã, distrito de Castelo Branco, é a localidade com o maior número de fábricas de

lanifícios, 72 no total. Em segundo lugar, mas com alguma margem de distância, segue-se o distrito da

Guarda com 41. Já o distrito de Portalegre é dos menos apetrechados, com apenas 2 infraestruturas fabris.

Fonte: Inquérito Industrial de 1881 in Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e

marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),

vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011, p. 284.

Page 323: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

323

Gráfico 2: Distribuição do número de operários por distrito em Portugal. Ano de 1881.

Covilhã e Lisboa aproximam-se, mas é a primeira localidade que emprega mais operários: 2715 na

Covilhã e 2486 em Lisboa. A Guarda posiciona-se em terceiro, com 1372 efectivos, mas Portalegre é o

antepenúltimo com 259 trabalhadores.

Fonte: Inquérito Industrial de 1881 in Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e

marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),

vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011, p. 284.

Page 324: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

324

Gráfico 3: Evolução do número de estabelecimentos industriais na Beira Interior, comparando os anos de

1881, 1911 e 1943. Fonte: «Estatísticas, Boletim Industrial do Trabalho (diversos números) e inquéritos industriais.» In Elisa

Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira

Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior, 2011, p. 301.

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325

Gráfico 4: Número de fábricas de lanifícios em Portugal. Ano de 1943.

Destaque para os distritos de Castelo Branco e Guarda, mas sem a presença de Portalegre entre as

localidades mais populosas em indústrias da lã.

Fonte: «Estatística Industrial de 1943, Instituto Nacional de Estatística, 1945.» In Elisa Calado Pinheiro

(Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior

(Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade

da Beira Interior, 2011, p. 305.

Page 326: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

326

Gráfico 5: Pessoal ao serviço na indústria de lanifícios. Ano de 1943.

A situação aqui descrita confirma o cenário do gráfico 4 relativo ao número de fábricas de lanifícios em

Portugal. Os distritos de Castelo Branco e Guarda a destacarem-se, e Portalegre a integrar o valor global

de operários no sector da indústria dos lanifícios.

Fonte: «Estatística Industrial de 1943, Instituto Nacional de Estatística, 1945.» In Elisa Calado Pinheiro

(Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior

(Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade

da Beira Interior, 2011, p. 305.

Page 327: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

327

Gráfico 6: Parque Industrial da Covilhã. Ano de 1973. Relação entre as actividades afectas à indústria de

lanifícios e a quantidade de máquinas utilizada.

A tecelagem é a actividade que mais maquinaria consome, totalizando 2167 máquinas, seguida da Fiação

de Penteado com 429. E, em último, a Lavagem de Lãs com 2 máquinas.

Fonte: «Comissão de Coordenação de Planeamento da Região Centro, Reorganização da Indústria de

Lanifícios e a Criação de Novas Indústrias na Cova da Beira, 1973.» In Elisa Calado Pinheiro (Coord.),

Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal),

comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade da Beira

Interior, 2011, p. 305.

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328

Fig. 1

Planta da área musealizada e intervencionada da

Real Fábrica de Panos. Covilhã.

Fig. 2

Real Fábrica de Panos em obras de reabilitação,

1975. Rua Marquês d’ Ávila e Bolama. Covilhã.

Anexo C - Imagens

Capítulo IV

1. Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã)

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Fig. 3

Fachada principal e arco de ligação

dos edifícios da Real Fábrica de

Panos, Fevereiro de 2010. Covilhã.

Fig. 4

Tinturaria dos Panos de Lã, Real Fábrica de

Panos. Estrutura de caldeira da Fornalha 4. Obras

de conservação e restauro, 1991.

Fig. 5

Sala da Tinturaria dos Panos de Lã,

Real Fábrica de Panos. Área de

intervenção arqueológica, 1992.

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330

Fig. 9

Corredores das Fornalhas, Real Fábrica de

Panos. Início das obras de reabilitação,

em 1975/76.

Fig. 10

Corredor das Fornalhas I, Real Fábrica de Panos,

1992.

Fig. 6

Em cima, Sala da Tinturaria das

Dornas, Real Fábrica de Panos.

Em baixo, pormenor da caldeira da

Fornalha 9. Reconstituição executada pela Casa Hipólito, Torres Vedras.

Figs. 7 e 8

A Tinturaria das Dornas, Real

Fábrica de Panos, antes e depois

das intervenções arqueológica e

arquitectónica.

Em cima, em 1976.

Em baixo, em 1992.

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331

Fig. 11

Corredor das Fornalhas II, Real Fábrica

de Panos.

Fig. 12

Pormenor do Corredor das Fornalhas II, Real Fábrica de

Panos, Fevereiro de 2010. Subindo o primeiro lance de

escadas (em pedra) tem-se acesso à Parada. Subindo as

escadas em ferro, no primeiro patamar, há uma entrada

para um gabinete. O segundo, e último, patamar faz parte

de um corredor que liga duas partes da Faculdade de Artes

e Letras da Universidade da Beira Interior (UBI), uma

delas dá acesso a salas de aula, gabinetes e serviços

técnicos que ocupam agora parte das instalações da antiga

Real Fábrica de Panos.

Fig. 13

Vista parcial a partir de um corredor envidraçado, – (citado na Fig. 12 e

que corresponde ao último patamar descrito) da Faculdade de Artes e

Letras da Universidade da Beira Interior (UBI) –, da ala das tinturarias

(em baixo), e pormenores de janelas/portadas de gabinetes de docentes

(em cima). Janeiro de 2013.

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332

Nota: As figuras 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 foram retiradas das seguintes publicações: Catálogo do

Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos e

Roteiro do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica

de Panos. As figuras 3, 12 e 13 foram capturadas manualmente, in loco. As figuras 3 e 12 em Fevereiro

de 2010, e a figura 13 em Janeiro de 2013.

As figuras 14, 15 e 16 foram cedidas pelo Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.

Fig. 14 – Vista da fachada do Núcleo Museológico da

Real Fábrica Veiga.

Fig. 15

Caldeira a vapor De Nayer & C.ª

(em exposição permanente no

núcleo da Real Fábrica Veiga).

Fig. 16

Vista parcial de uma carda (consta do

acervo do núcleo da Real Fábrica

Veiga).

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333

2. Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda)

Fig. 17 – Cobertor branco. Matéria-prima: lã de ovelha churra.

Função: cobertor de cama e objecto de decoração (Oficina José

Pires Freire, Maçainhas, Guarda). Fonte: Américo Rodrigues

(Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de

Maçainhas, Câmara Municipal da Guarda e Junta de Freguesia de

Maçainhas, Fevereiro de 2004, p. 48.

Fig. 18 – Cobertor branco com três listas castanhas. Matéria-

prima: lã de ovelha churra. Função: cobertor de cama e objecto

de decoração (Oficina José Pires Freire, Maçainhas, Guarda).

Fonte: Américo Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as

campainhas de bronze de Maçainhas, Câmara Municipal da

Guarda e Junta de Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, p.

45.

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334

Fig. 19 – Manta lobeira ou manta espanhola. Matéria-prima: lã de

ovelha churra. Função: cobertor de cama e objecto de decoração

(Oficina José Pires Freire, Maçainhas, Guarda). Fonte: Américo

Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de

bronze de Maçainhas, Câmara Municipal da Guarda e Junta de

Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, p. 47.

Page 335: Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro ... · comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina) desta

335

Fig. 21 – As tecedeiras a tecer a tapeçaria no

tear vertical. Fonte: Catálogo Tapeçarias de

Portalegre em Lisboa.

http://tapecariasdeportalegre.cm-

lisboa.pt/fileadmin/TAPECARIAS_DE_PO

RTALEGRE/Catalogo/catalogo4.pdf

3. Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (Portalegre)

Fig. 20 – Ampliação do desenho do cartão

de um artista. Catálogo Tapeçarias de

Portalegre em Lisboa.

http://tapecariasdeportalegre.cm-

lisboa.pt/fileadmin/TAPECARIAS_DE_PO

RTALEGRE/Catalogo/catalogo4.pdf

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336

Fig. 22 – Guilherme Camarinha, Leitura Nova, 1969. Dim.: 482 x 1162 cm. Biblioteca Nacional

de Portugal, Sala de Leitura Geral. Fonte: Catálogo Tapeçarias de Portalegre em Lisboa,

disponível em http://tapecariasdeportalegre.cm-lisboa.pt/

Fig. 23 – Almada Negreiros, Domingo Lisboeta. (Tríptico) Dim.: 410 x 205cm. Fonte:

Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, disponível em

http://www.mtportalegre.pt/pt/artists/view/60/1

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Fig. 24 – Joana Vasconcelos, Ave do Paraíso. Dim.: 185 x 132cm. Fonte:

Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, disponível em

http://www.mtportalegre.pt/pt/galeria

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ANEXO D - QUESTIONÁRIOS QUESTIONÁRIO AOS VISITANTES –

Para os museus: Museu de Lanifícios da

Universidade da Beira Interior (Covilhã),

Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda), e

Museu da Tapeçaria de Portalegre Guy Fino

(Portalegre)

Data: ___________

Feminino: ⃝ Masculino: ⃝

Concelho de origem do visitante:

________________________________

_________________

Idade:

Até 10 anos: ⃝ 11-18 anos: ⃝ 19-25 anos: ⃝ 26-45 anos: ⃝ 46-65 anos: ⃝ Mais de 65 anos: ⃝

Grau de formação:

Básico ⃝ Secundário ⃝ Superior ⃝ Área de formação:

________________________________

___________________

1 – Como tomou conhecimento do

museu?

Internet ⃝ Publicidade ⃝ Sugestão de conhecidos ⃝ Indicação de unidades hoteleiras ⃝ Informação de Posto de Turismo ⃝ Outros ⃝ Quais?

________________________________

_______________________________

2 – O que o motivou a visitar este

museu?

Interesse pela temática ⃝ Ligação à localidade ou à região ⃝ Razões profissionais/académicas ⃝ Casualidade ⃝ Outros ⃝ Quais?

________________________________

_______________________________

3 – Tem alguma ligação familiar,

profissional ou outra à temática deste

museu?

Sim ⃝ Não ⃝ Se sim, de que ordem?

________________________________

__________________________

4 – O que destacaria da exposição?

Algum objecto em particular ⃝ Qual?

________________________________

______________

Diversidade da colecção ⃝ Organização da exposição ⃝ Proximidade com os objectos ⃝ Explicações/informações

complementares (guias, painéis, etc.) ⃝ Outros ⃝ Quais?

________________________________

_______________________________

VFSFF

5 – O que mais lhe agradou nas

instalações do museu?

Arquitectura do edifício ⃝ Organização dos espaços ⃝ Circulação entre os vários espaços ⃝ Novas tecnologias da informação e da

comunicação (aparelhos multimedia) ⃝ Outros ⃝ Quais?

________________________________

_______________________________

6 – O que gostaria de ver melhorado

ou de diferente nas instalações

visitadas?

Mobilidade ⃝ Mais informação sobre a colecção ⃝ Novas tecnologias da informação e da

comunicação (aparelhos multimedia) ⃝ Mais informação sobre museus da

mesma temática ⃝ Outros ⃝ Quais?

________________________________

_______________________________

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7 – Já visitou ou tem conhecimento de

mais algum museu relacionado com

esta temática?

Sim ⃝ Quais?

________________________________

________________________________

Não ⃝

Se sim, de que forma teve

conhecimento do(s) mesmo(s)?

Internet ⃝ Publicidade ⃝ Sugestão de conhecidos ⃝ Indicação de unidades hoteleiras ⃝ Informação de Posto de Turismo ⃝ Outros ⃝ Quais?

________________________________

_______________________________

8 – Se ainda não o(s) visitou, pretende

fazê-lo? Sim ⃝ Não ⃝ Porquê?

________________________________

________________________________

_____________

Bem-haja

Ana Isabel Albuquerque

Mestranda em Arte, Património e Teoria

do Restauro

Instituto de História da Arte

Faculdade de Letras da Universidade de

Lisboa

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ANEXO E – TABELA DE INTERPRETAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS

Museu da Tapeçaria

de Portalegre Guy

Fino (Portalegre)

Museu de

Tecelagem dos

Meios (Guarda)

Museu de

Lanifícios da UBI

(Covilhã)

Total de respostas

Feminino

Masculino

Sem informação

27

18

8

1

13

7

6

-

35

20

15

-

Origem dos

visitantes

Região do museu

Grande Lisboa

Grande Porto

Outros concelhos

Estrangeiro

0

9

2

5

11

10

2

-

1

-

4

11

12

7

1

Idade

Até 10 anos:

11-18 anos:

19-25 anos:

26-45 anos:

46-65 anos:

Mais de 65 anos:

0

0

2

1

14

10

1

0

0

5

7

0

0

1

2

17

14

1

Ensino

Básico

Secundário

Superior

2

5

19

3

3

7

0

11

24

1 - Como

tomou

conhecimento

do museu?

- Internet

- Publicidade

- Sugestão de

conhecidos

- Indicação de

unidades

hoteleiras

- Informação de

Posto de Turismo

- Outros

0

0

5

7

8

7

1

1

7

0

2

3

11

5

8

2

5

6

2 – O que o

motivou a

visitar este

museu?

- Interesse pela

temática

- Ligação à

localidade ou à

região

- Razões

profissionais/

académicas

- Casualidade

- Outros

14

2

0

8

2

8

4

0

1

1

17

13

2

6

4

3 – Tem - Não 27 6 29

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alguma

ligação

familiar,

profissional

ou outra à

temática

deste museu?

- Sim 0 7 6

4 – O que

destacaria da

exposição?

(não respondeu)

- Algum objecto

em particular

- Diversidade da

colecção

- Organização da

exposição

- Proximidade

com os objectos

- Explicações/

informações

complementares

(guias, painéis,

etc.)

- Outros

2

9

17

13

9

7

5

-

9

4

3

7

2

2

-

18

12

17

14

7

0

5 – O que

mais lhe

agradou nas

instalações do

museu?

(não respondeu)

- Arquitectura do

edifício

- Organização dos

espaços

- Circulação entre

os vários espaços

- Novas

tecnologias da

informação e da

comunicação

(aparelhos

multimedia)

- Outros

2

13

13

13

0

1

1

8

3

1

0

2

2

15

22

10

2

0

6 – O que

gostaria de

ver

melhorado ou

de diferente

nas

instalações

visitadas?

(não respondeu)

- Mobilidade

- Mais

informação sobre

a colecção

- Novas

tecnologias da

informação e da

comunicação

(aparelhos

multimedia)

- Mais

informação sobre

7

0

8

4

3

1

2

1

1

4

9

1

6

12

6

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museus da mesma

temática

- Outros

6

4

2

7 – Já visitou

ou tem

conhecimento

de mais

algum museu

relacionado

com esta

temática?

(não respondeu)

- Não

- Sim

Se sim, de

que forma teve

conhecimento

do(s) mesmo(s)?

- Internet

- Publicidade

- Sugestão de

conhecidos

- Indicação de

unidades

hoteleiras

- Informação de

Posto de Turismo

- Outros

2

24

1

-

-

-

-

-

1

-

9

4

1

0

2

-

-

-

1

31

3

-

-

1

-

-

-

8 – Se ainda

não o(s)

visitou,

pretende

fazê-lo?

(não respondeu)

- Sim

- Não

14

11

0

2

9

0

14

17

4