MORRER E VOLTAR DA MORTE MEXILHÃO DOURADO … · Os pelos negros eram relacionados às trevas. ......

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MORRER E VOLTAR DA MORTE Relatos de pessoas que se foram... e voltaram MEXILHÃO DOURADO Invasão que ameaça a Amazônia e o Pantanal O CAPITAL NO SÉCULO 21 As novas ideias do economista Thomas Piketty OÁSIS #192 EDIÇÃO A CIÊNCIA DA SUPERSTIÇÃO AS CRENÇAS SÃO MAIS IMPORTANTES DO QUE PARECEM

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MORRER E VOLTAR DA MORTERelatos de pessoas que se foram... e voltaram

MEXILHÃO DOURADOInvasão que ameaça a Amazônia e o Pantanal

O CAPITAL NO SÉCULO 21As novas ideias do economista Thomas Piketty

Oásis#192

EdIção

A ciênciA dA superstição

As cREnçAs são mAIs ImPoRTAnTEs do quE PAREcEm

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por

Editor

PEllEgriniLuis

B ater na madeira, evitar gatos pretos, passar por baixo de escadas. Exclamar “pé de pato, mangaló três vezes”, ou alguma coisa do gênero, quando se quer esconjurar alguma coisa que sentimos

como ameaçadora. Quem não tem, teve ou terá alguma forma de su-perstição? as superstições surgiram quando o homem ganhou a capaci-dade de discernimento e, ao longo da história, não pouparam ninguém: negros, brancos, amarelos, ricos, pobres, Primeiro ou terceiro Mundo, praticamente não há segmento que escape delas.

recentemente, o tema atraiu o interesse do biólogo evolucionista Kevin Foster, da Universidade Harvard, e de sua colega Hanna Kokko, da Uni-versidade de Helsinque (Finlândia), que divulgaram em 2009 uma pesquisa a qual revela como o comportamento supersticioso pode se desenvolver. Entre suas conclusões, uma surpresa para os mais céticos: em certas cir-cunstâncias, a superstição é benéfica.

“Ser SuperSticioSo faz Sentido num mundo de incertezaS”, obServa o biólogo Kevin foSter. aS eSpécieS

que São SuperSticioSaS – reagindo como Se houveSSe um predador à eSpreita quando aquele predador eStá extinto, digamoS – tendem a Se preServar maiS do que

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“num mundo de incertezas, você tem de escolher se acredita ou não acredita”, afirma Foster. Segundo a definição usada por ele e Hanna, superstição é acreditar que uma coisa causou outra, mesmo se não há evi-dência para isso. “Portanto, se seu horóscopo diz que os planetas estão no alinhamento correto para novas revelações e seu parceiro conseguiu uma promoção, você tenderá a acreditar no astrólogo que escreveu aquelas previsões”, afirma o biólogo – que, como bom racionalista cartesiano, encaixou a astrologia no rol de superstições, assim como as medicinas alternativas.

“Ser supersticioso faz sentido num mundo de incertezas”, observa Foster. as espécies que são supersticiosas – reagindo como se houvesse um pre-dador à espreita quando aquele predador está extinto, digamos – tendem a se preservar mais do que as que não são tão cautelosas. Esse processo ancestral, que exige respostas imediatas a aparentes ameaças, não chegou a ser abolido no homem por suas conquistas evolutivas, comenta o biólo-go.

Superstição na ótica da ciência é o assunto da nossa matéria de capa. Con-fira.

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A CIÊNCIA DA SUPERSTIÇÃOAs crenças são mais

importantes do que parecem

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bserve atletas de esportes co-letivos como futebol, vôlei ou basquete antes de entrarem no campo de jogo: é quase certo que pelo menos um deles vai fazer

questão de colocar primeiro o pé direito den-tro das quatro linhas. O gesto, que concretiza a expressão “entrar com o pé direito”, supos-tamente vai garantir ao esportista que nada de ruim lhe acontecerá na disputa.

Oentrar com o pé direito, evitar gatos negros, bater na madeira. um estudo recente mostra que as crenças supersticiosas têm um inusitado papel na evolução e podem até estar associadas a um gene específico

Por: EquiPE oásis

Muitas outras crenças como essa, destina-das a afastar o azar e/ou a trazer sorte, estão espalhadas pelo mundo. São as superstições, algumas delas bastante populares: quem não ouviu falar, por exemplo, de bater na madei-ra, evitar gatos pretos e passar por baixo de escadas?

Manifestações de uma relação equivocada de causa e efeito, as superstições nasceram quando o homem ganhou a capacidade de discernimento e, ao longo da história, não pouparam ninguém: negros, brancos, ama-relos, ricos, pobres, Primeiro ou Terceiro Mundo, praticamente não há segmento que escape delas. O tema atraiu o interesse do biólogo evolucionista Kevin Foster, da Uni-versidade Harvard, e de sua colega Hanna Kokko, da Universidade de Helsinque (Fin-lândia), que divulgaram em 2009 uma pes-quisa a qual revela como o comportamento supersticioso pode se desenvolver. Entre suas conclusões, uma surpresa para os mais céticos: em certas circunstâncias, a supersti-ção é benéfica.

“Num mundo de incertezas, você tem de es-colher se acredita ou não acredita”, afirma Foster. Segundo a definição usada por ele e Hanna, superstição é acreditar que uma coi-sa causou outra, mesmo se não há evidência para isso. “Portanto, se seu horóscopo diz

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que os planetas estão no alinhamento correto para novas revelações e seu parceiro conseguiu uma promoção, você tenderá a acreditar no astrólogo que escreveu aquelas previsões”, afirma o biólogo – que, cartesianamente, en-caixou a astrologia no rol de superstições, assim como as medicinas alternativas.

Para sua pesquisa, Foster e Hanna aplicaram a linguagem matemática a um contexto biológico. Interessava-lhes de-terminar exatamente quando alguma dessas falsas cone-xões traria prejuízo à pessoa. A conclusão dos cientistas foi que, enquanto o custo de acreditar numa superstição for menor do que o de perder uma associação verdadeira, a crença supersticiosa vai vencer.

Tal gesto tem muito a ver com o instinto de sobrevivên-cia, explica Foster: “Todos os animais apresentam com-portamentos os quais implicam uma relação causal que

não está lá.” Os pombos servem de exemplo: voam para longe a um bater de palmas, mas têm condições de dife-renciar esse ruído do de um tiro de espingarda, que de fato poderia matá-los. Mesmo assim, eles preferem fugir – é melhor ficar a salvo do que gastar tempo tratando de feridas depois.

Foster transpôs essa idéia para o exemplo de um humano pré-histórico em meio ao capim alto, de onde em certo momento ouve-se um farfalhar. As explicações instantâ-neas do nosso antepassado para a ocorrência seriam um grupo de leões à espreita ou o vento soprando. As chan-ces de que a segunda possibilidade fosse a correta se-riam, em princípio, bem maiores – mas, “se um grupo de

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Esse processo ancestral, que exige respostas imediatas a aparentes ameaças, não chegou a ser abolido no homem por suas conquistas evolutivas. “Nossa análise sugere que os efeitos culturais são modelados por uma tendência desenvolvida de associar eventos rapidamente, tão ra-pidamente que os indivíduos frequentemente cometem erros supersticiosos”, comenta o biólogo. De acordo com ele, porém, esse procedimento tende a se tornar cada vez mais racional com o passar do tempo, pois “acreditar em coisas a respeito das quais não temos evidência científica é menos benéfico do que costumava ser antes”.

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leões está vindo, há um enorme benefício em não estar por perto”, observa o biólogo. Daí a associar o farfalhar da relva a um apelo por segurança urgente não custaria muito. (Elementos adicionais no quadro, como uma lua cheia ou nuvens baixas no céu, reforçariam ainda mais a montagem da superstição.) Como consequência natural dessa atitude, os humanos que fugiam quando a grama alta farfalhava tinham mais chance de sobreviver e pas-sar seus genes adiante – o que abre, inclusive, a possibili-dade de que exista um gene ligado à superstição.

“Ser supersticioso faz sentido num mundo de incerte-zas”, observa Foster. As espécies que são supersticiosas – reagindo como se houvesse um predador à espreita quando aquele predador está extinto, digamos – tendem a se preservar mais do que as que não são tão cautelosas.

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Ao avaliar as ideias recém-apresentadas por Foster e Hanna, Bruce Hood, psicólogo experimental da Univer-sidade de Bristol (Grã-Bretanha) e autor do livro Super-Sense: Why We Believe the Unbelievable (SuperSenti-do: Por Que Acreditamos no Inacreditável), lamentou a definição “estreita” de superstição adotada pela dupla e a ausência de observações sobre a psicologia da crença supersticiosa – além, é claro, das especulações sobre a existência de um gene da superstição. “Os humanos nas-cem com cérebros desenhados para extrair sentido do mundo, e isso algumas vezes leva a crenças que vão além de qualquer explicação natural”, explicou Hood ao jornal inglês The Independent.

Outra crítica, feita pelo biólogo evolucionista Wolfgang Forstmeier, do Instituto de Ornitologia Max Planck, em Starnberg (Alemanha), aborda um ângulo inesperado da questão. Ouvido pela revista científica inglesa New Scientist, Forstmeier afirmou que, por frequentemente ligar causa e efeito de maneira falsa, a ciência não passa de uma forma dogmática de superstição. “Você tem de escolher entre ser supersticioso e ser ignorante”, afirma. Ao ignorarem evidências consistentes as quais vão de encontro a ideias que cultivam há vários anos, “muitos cientistas tendem a ser ignorantes com grande frequên-cia”, critica o biólogo. Nesse sentido, Hood faz uma ad-vertência a ser constantemente observada: “O que é ma-gia hoje pode se tornar ciência amanhã”.

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cesso de conversão dos povos nórdicos ao cristianismo, Friga foi transformada em uma bruxa que se exilou no alto de uma montanha. Disposta a se vingar, ela passou a se reunir todas as sextas-feiras com outras 11 feiticeiras, além do próprio Satanás – o que perfaz um total de 13 participantes – para lançar pragas sobre a humanidade.

Escada – Passar por baixo de uma escada pode signifi-car risco de acidente se alguém está no alto lidando com objetos contundentes. Mas a origem da superstição tem um reforço na simbologia do objeto: a escada representa a subida, a elevação, a ascensão social, e quem passa por baixo dela simbolicamente renuncia ao sucesso.

Gato preto – O medo de gatos pretos surgiu na Idade Média, quando os hábitos noturnos desses animais leva-ram alguns a imaginar que eles tinham um pacto com o demônio. Os pelos negros eram relacionados às trevas.

Bater na madeira – Essa superstição tem origem na crença pagã de que as árvores eram moradas dos deuses. Ao bater nos troncos, povos como os celtas chamavam o poder das divindades e afastavam maus espíritos.

Entrar com o pé direito – A expressão foi cunhada na época do Império Romano, como consequência de uma instrução dos sacerdotes para os convidados que fossem adentrar um salão, a fim de evitar má sorte. Antes dos romanos, outros povos, como os egípcios, os celtas e os gregos já viam o lado direito como positivo e associado a bons augúrios, em oposição ao esquerdo. (Já no Extremo Oriente, o lado esquerdo é o considerado favorável.)

Crenças e suas origensSexta-feira 13 – Duas lendas nórdicas estariam por trás da crença de que essa data é negativa. A primeira delas trata de um banquete para 12 convidados organizado no Valhala (morada celestial das divindades). Loki, espíri-to do mal e da discórdia, apareceu sem ser convidado e armou uma briga na qual Balder, filho do deus supremo, Odin, veio a falecer. Com isso, o número 13 ficou marca-do como símbolo do azar.

A segunda lenda está relacionada a Friga, deusa do amor e da fertilidade, esposa de Odin e mãe de Balder, cujo nome deu origem às palavras friadagr e Friday, (“sexta--feira” em norueguês e inglês, respectivamente). No pro-

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MORRER E VOLTAR DA MORTERelatos de pessoas que se foram... e voltaram

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paciente de 44 anos que deu en-trada no hospital naquela noite apresentava parada cardíaca e extremidades arroxeadas. Ao ser entubado, a parte superior de sua dentadura saiu do lugar e um mé-dico colocou-a sobre o carrinho de atendimento. A equipe insistiu por um bom tempo na ressuscitação

cardiopulmonar e, 90 minutos depois, ele foi levado para a UTI, ainda em coma, entubado e com ventilação artificial.

Oextraordinários relatos de pessoas que tiveram morte clínica ou estiveram perto de morrer e recuperaram-se intrigam médicos e cientistas. São o produto de fenômenos químicos do cérebro ou prova da sobrevivência do espírito?

Por: Eduardo araia

Uma semana depois, o médico reencontrou o paciente. Este, ao vê-lo, apontou para uma funcionária e exclamou: “Aquela enfermeira sabe onde está minha dentadura!” E disse ao perplexo médico: “Sim, você estava lá quando a ambulância me trouxe para o hospital. Você tirou minha dentadura da boca e a pôs em cima do carrinho.”

O médico perguntou ao paciente o que ele lem-brava da ocasião e se surpreendeu com o que ouviu. O homem se viu na maca, de uma pers-pectiva de cima, e assistiu ao esforço de médi-cos e enfermeiras para recuperá-lo. Ele descre-veu em minúcias a pequena sala em que fora atendido e o aspecto das pessoas presentes. Disse que buscou, sem êxito, mostrar à equipe que ainda vivia e que as manobras de ressusci-tação deveriam continuar. O paciente ficou tão impressionado com o ocorrido que confessou não temer mais a mor-te. Quatro semanas depois, já recuperado, re-cebeu alta.

Relatos do gênero existem desde o pas-sado mais remoto

Esse caso, parte de um estudo holandês com 344 pacientes abordado em 2001 na revista médica inglesa The Lancet, exemplifica a che-gada definitiva das experiências próximas à morte ao campo de estudo da ciência. Já não

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era sem tempo: culturas dos mais variados cantos do mun-do e de todas as épocas possuem descrições que se encaixam no gênero. Mas essas experiências só começaram a atrair a atenção do meio científico no fim do século 19, quando o geólogo suíço Albert von St. Gallen Heim publicou uma co-letânea de testemunhos pessoais dessas experiências, con-cedidos por alpinistas que haviam se acidentado nas mon-tanhas (como ele próprio), soldados feridos em combate, operários que haviam caído de andaimes e indivíduos que quase haviam morrido por afogamento ou outros aciden-tes. Depois disso, surgiram regularmente relatos de pessoas ressuscitadas após serem declaradas clinicamente mortas, outras que, durante acidentes ou doenças, temeram morrer, e indivíduos que, mesmo agonizando, conseguiram narrar suas experiências.

A atual fase de interesse pelo fenômeno começou em me-ados dos anos 1970, quando o psiquiatra americano Ray-mond Moody debruçou-se sobre mais de cem casos do gê-nero. Criador do termo near-death experience (traduzido como “experiência de quase morte”, ou EQM) e autor de um livro clássico sobre o assunto, Vida Depois da Vida, ele identificou 15 elementos originais comuns a essas ocorrên-cias: inefabilidade (não conseguir descrever o que ocorreu em virtude de sua natureza); ouvir-se declarado morto; sen-tir paz; ouvir barulhos incomuns; ver um túnel escuro; sen-tir-se fora do corpo; encontrar seres espirituais; encontrar uma luz brilhante ou um ser de luz; rever a vida em síntese; ver um reino onde todo o conhecimento existe; ver cidades de luz; ver um reino de espíritos desnorteados; passar por um resgate sobrenatural; passar por uma fronteira ou limi-te; retornar ao corpo.

Após novos estudos, ele acrescentou à lista quatro efeitos posteriores recorrentes: a frustração ao relatar a experiên

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cia para outras pessoas, uma avaliação mais abrangente da vida, o fim do medo da morte e a corroboração de visões fora do corpo.

Redução do oxigênio do cérebro?

Desde o trabalho de Moody, as pesquisas no setor começa-ram a se multiplicar. Vários estudos mostraram que entre 4% e 18% das pessoas ressuscitadas após paradas cardíacas têm uma EQM. Duas linhas básicas de explicação surgi-ram a partir daí. A primeira busca explicar o fenômeno em bases fisiológicas – seria efeito, por exemplo, da redução ou da ausência de oxigênio no cérebro, ou da ativação de uma área do lobo temporal direito ligada à religiosidade e adormecida no restante do tempo. A segunda é muito mais ousada: propõe que a consciência pode existir independen-temente de um cérebro em funcionamento, ou que, pelo menos, ela seja mais complexa do que a ciência supõe atual-mente.

Uma avaliação isenta do assunto indica que ele não se aco-moda facilmente na explicação orgânica. Diversos estudos mostram que é impossível predizer a ocorrência ou o tipo de EQM a partir de variáveis como idade, gênero, raça ou histórico de doença mental. As alucinações produzidas pela escassez ou falta de oxigênio no cérebro são assustadoras e deixam o paciente agitado e belicoso – um panorama muito diferente do encontrado nos casos de EQM. Outra alterna-tiva fisiológica, a de que as EQMs seriam induzidas por re-médios dados a pessoas agonizantes, não resistiu a estudos comparativos os quais mostraram que pacientes que rece-bem medicamentos relatam menos EQMs do que aqueles que não receberam nenhum medicamento. E existem pou

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mas descobriram que o sistema de crenças da pessoa influenciava o modo com que ela interpretava sua experiência. As mesmas con-clusões foram tiradas pelo psicólo-go americano Kenneth Ring após entrevistar 102 sobreviventes de crises de quase morte.

Médicos e pesquisadores co-meçam a se interessar

“Se ficamos apenas no fisiológico para explicar o que ocorre nessas ocasiões, estamos restritos”, avalia o médico intensivista (plantonista de unidades de terapia intensiva) José Roberto Pereira Santos, de Vitória (ES), que estuda o tema desde 1995. “Como explicar que um cérebro que está parado pro-

duza aquelas visões, que chegam a mexer com o psiquismo das pessoas envolvidas?” Médicos e pesquisadores reunidos na Primeira Conferência Médica Internacional sobre as Ex-periências de Quase Morte, realizada na França em 2007, concordam com o raciocínio. Eles não negam que a EQM é mediada por mudanças químicas no cérebro, mas ressaltam que “seu teor extremamente rico e complexo não pode ser reduzido a uma mera ilusão”.

O que particulariza as EQMs e as exclui dos modelos cientí-ficos atuais é seu poder de expandir a espiritualidade e pro-mover transformações interiores em quem as vivencia. Pes

cas evidências empíricas de que as EQMs como um todo são atribuição exclusiva de neurotransmissores ou ativida-des em pontos determinados do cérebro, ou ainda de mode-los psicológicos específicos, como mecanismos de defesa ou a determinação de tomar desejos por realidade.

As EQMs também não mostraram diferenças substanciais quanto à cultura ou à religião. Num estudo realizado nos Estados Unidos e na Índia, por exemplo, os psicólogos Kar-lis Osis e Erlendur Haraldsson não acharam nenhuma rela-ção direta entre a religiosidade e as visões no leito de morte,

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divíduos que vivem EQMs tendem a se ver como partes in-tegrais de um universo benevolente e dotado de sentido, no qual o ganho pessoal, particularmente o obtido à custa de outrem, não é mais relevante”, avalia o psiquiatra americano Bruce Greyson, diretor da Divisão de Estudos da Percepção da Universidade da Virgínia (EUA). “Efeitos posteriores reportados mais frequentemente incluem aumentos na espi-ritualidade, preocupação com os outros e apreço pela vida; um senso elevado de propósito; e redução do medo da mor-te, de atitudes materialistas e da competitividade.”

Cada vez mais acuados pelas agressões geradas contra a natureza e os próprios semelhantes, os homens precisam de uma transformação radical – e, nesse sentido, pensadores tão diversos como o psiquiatra Carl Jung, o historiador Ar-nold Toynbee e o médico Albert Schweitzer escreveram que “nada menor do que uma revolução espiritual mundial bas-tará” para salvar a civilização humana. As EQMs e experiên-cias místicas semelhantes podem ser parte dessa revolução, afirma Kenneth Ring. A evolução constante das técnicas de ressuscitamento ajuda a trazer um número cada vez maior de pessoas das fronteiras da morte para dar seu testemunho e fazer a consciência coletiva da humanidade avançar. E, ao provocar os cientistas no sentido de explicá-las, as EQMs podem também estar colaborando para lançar as bases de uma ciência mais abrangente e sintonizada com a espiritua-lidade.

A hipótese do sono

Em 2006, pesquisadores da Universidade de Kentucky (EUA) liderados pelo neurologista Kevin Nelson propuse

quisadores que comparam EQMs com experiências místicas como as de Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz, por exemplo chamam a atenção para as semelhanças apresen-tadas pelos dois fenômenos, como a inefabilidade, a visão de uma luz brilhante ou de um ser luminoso e a sensação de estar diante de algo maior do que si próprio. Para o teólogo britânico Paul Badham, a EQM não apenas “partilha muitas das características das mais profundas experiências religio-sas conhecidas da humanidade” como permite que pessoas comuns tenham uma iluminação mística antes acessível apenas em ocasiões raras.

Em geral, essas ocasiões proporcionam uma substancial – e benéfica – mudança de valores, crenças e de atitude em relação à morte e um novo significado para a vida. “Os in-

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estimula eletricamente a junção temporoparietal”, afirma Blanke. “Nesse momento, o cérebro gera uma imagem do corpo, mas ela é deslocada, como que projetada sobre o cor-po, à frente ou atrás dele. Nos dois primeiros casos, os pa-cientes reconheceram ainda sua própria imagem; no último, ao contrário, eles sentiram outra presença, sombria e amea-çadora.”

O que há para se ler:

Raymond Moody Jr., Vida Depois da Vida, A Luz que Vem do Além (Butterfly), Investigando Vidas Passadas (Cultrix), Reencontros (Nova Era); Kenneth Ring, Lições da Luz (Summus) e Rumo ao Ponto Ômega (Rocco); site da International Association for Near Death Studies: www.iands.org.

ram que as EQMs estão ligadas a um distúrbio do sono de-nominado “intrusão REM” (REM é a abreviatura em inglês para a fase do sono em que ocorrem os sonhos). Nesse dis-túrbio, a mente da pessoa desperta antes do seu corpo. Isso explicaria, por exemplo, por que pessoas que têm EQMs sentem-se paralisadas enquanto tentam dizer aos circun-dantes que estão acordadas. Segundo os pesquisadores, as EQMs usariam os mesmos mecanismos do cérebro envolvi-dos nos sonhos.

A equipe de Nelson testou 55 pessoas que tiveram EQMs e 55 indivíduos como controle. No primeiro grupo, 60% rela-tou alguma história ligada à intrusão REM. Numa edição do Journal of Near-Death Studies, porém, os médicos Jeffrey Long e Janice Miner Holden afirmaram que, se 40% dos in-tegrantes do grupo negaram ter episódios de intrusão REM, a ideia de Nelson “parece questionável, na melhor das hipó-teses”. O neurologista promete testar mais sua teoria.

O corpo em duplicata

Em 2006, neurologistas suíços ofereceram uma nova inter-pretação para uma das características das experiências de quase morte: a “saída do corpo”. Segundo Olaf Blanke, da Faculdade de Medicina da Universidade de Genebra (Suí-ça) e líder do grupo, ela é causada por “perturbações de um processo complexo de coordenação, que se pode atualmente localizar no cérebro”. Os cientistas descobriram essa corre-lação ao pesquisar, por estímulos elétricos, a localização de áreas-chave do cérebro ligadas a formas mais graves de epi-lepsia.

“A representação corporal fica perturbada (...) enquanto se

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Na maré baixa, os mexilhões dourados aparecem

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bióloga computacional brasilei-ra Marcela Uliano da Silva é um dos cientistas que trabalham para tentar por um fim à inva-são do mexilhão dourado. Ela desenvolve o sequenciamento do genoma do molusco pela primeira vez. Em recente entre-

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na década de 1990, o mexilhão dourado (limnoperna fortunei) tomou carona em navios que vinham da ásia para a américa do Sul. na década seguinte, esse molusco proliferou através dos sistemas fluviais sul-americanos, destruindo o habitat nativo e perturbando o funcionamento de usinas hidroelétricas e de tratamento da água. espécie invasora, ela agora ameaça o inteiro ecossistema da amazônia

Por: MarcEla uliaNo da silva (EM ENtrEvista ao tEd-FEllows)

vista ao TED-Fellows, blog da célebre or-ganização de depoimentos em vídeo, Mar-cela explica como espera usar a informação obtida a partir do perfil molecular desse animal para parar a invasão atual e impe-dir as outras que acontecerão no futuro.

TED – Fale-nos sobre o mexilhão dourado. Por que ele representa um problema para a América do Sul?

Marcela Uliano da Silva – O marisco dou-rado é originário da Ásia e chegou à Amé-rica do Sul ao redor de 1990, nos depósitos de água de lastro dos navios. Os primeiros mexilhões foram lançados no estuário do Rio da Prata, na Argentina, e rapidamente começaram a se espalhar pelo Rio Paraná, subindo o rio até alcançar as planícies do Pantanal. Nessas bacias fluviais, os mexilhões dou-rados se reproduzem em larga escala, e em ritmo rápido, se incrustando e entupindo os dutos das usinas hidrelétricas e das es-tações de tratamento de água. Ao mesmo tempo, o molusco ocupa o espaço das espé-cies nativas. Esses mexilhões chegaram a Itaipu – uma das maiores hidrelétricas do mundo – e foram além, alcançando agora várias hidrelétricas de São Paulo e Minas Gerais. O mexilhão dourado, no entanto, não se espalha apenas através das águas de lastro

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e das larvas que sobem os rios nadando contra a cor-rente – o público também desempenha um papel mui-to ativo nessa invasão. Todos os anos, existem vários festivais de pesca em todo o sul e sudeste do Brasil, e o público vem a eles de carro, puxando seus barcos normalmente estacionados no sul. Quando colocam seus barcos na água, eles introduzem os mexilhões dourados em novos rios. Essa é a forma como eles fo-ram introduzidos no Pantanal. E por isso a educação ambiental e o despertar das consciências nas pessoas é tão importante: precisamos evitar a introdução desses moluscos em novas locações.

TED – Como os mexilhões afetam o ecossistema nativo?

Os cientistas agora chamam o mexilhão dourado de

“engenheiro ecossistêmico”, pelo fato de que, infeliz-mente, ele muda de ambiente com enorme facilidade e eficiência. Uma das suas características é a reprodução intensiva, com a criação de novas vastas populações. Ele se alimenta através da filtragem da água, de modo que, quando existem muitos mexilhões em uma zona, isso aumenta a transparência da água. Como resulta-do, a luz do Sol penetra muito mais profundamente na água, provocando alterações nos níveis do fitoplâncton e no equilíbrio das espécies que vivem na superfície. Em alguns rios já existem evidências de um aumento

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colônia de mexilhões douradosEles se fixam em qualquer superfície. Na foto, colônia de mexilhões instalada sobre um pneu

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forma que já o fez em outras bacias sul-americanas. Irá desequilibrar o ecossistema da Amazônia. E isso será um desastre.

TED – O que impediu, até agora, que o mexi-lhão dourado chegasse à Amazônia?

Além das campanhas educacionais para prevenir que as larvas do mexilhão se espalhem, existe um regula-mento brasileiro chamado NORMAM 20, que obriga os navios comerciais que vão à Amazônia a jogar fora duas vezes suas águas de lastro antes de penetrarem na bacia do Amazonas.

OáSIS . aMbiEntE

de 20% da população de peixes porque eles encontram nos mexilhões uma nova e abundante fonte de alimen-to. Mas quando você aumenta o número de peixes, acontece um efeito dominó, já que eles estão no topo da cadeia alimentar. Como consequência, quando ocorre uma invasão de mexilhões, ela transforma todo o ecos-sistema, fazendo diminuir a biodiversidade e homoge-neizando o ambiente.

TED – Os mexilhões dourados constituem uma ameaça para a Amazônia?

Sim, com certeza, e esta é a principal razão para justifi-car nosso trabalho de desenvolvimento de uma solução baseada na genética. A Amazônia é a região de maior biodiversidade em todo o mundo. Se o mexilhão dou-rado chegar a ela, irá modificar o ambiente, da mesma

Marcela uliano da silva coleta mexilhões para as pesquisas

a barriga inchada deste peixe está repleta de mexilhões dourados

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TED – Fale-nos sobre a tese que você publicou recentemente. Por que ela é importante?

Meu trabalho se destina a identificar os dados genéti-cos do mexilhão dourado, e a usar nosso conhecimento do perfil molecular desse animal de modo a impedi-lo de continuar a afetar e destruir o nosso meio ambien-te.

Veja o vídeo aqui

As águas da bacia amazônica também variam muito em termos de características físico-químicas e, numa certa medida, isso tem ajudado a prevenir o estabele-cimento do mexilhão dourado em certas áreas. No en-tanto, as assim chamadas “águas brancas” – que têm pH próximo do neutro e uma grande quantidade de minerais sólidos em suspensão – seriam receptivas ao mexilhão dourado. As águas das bacias do Paraná, do Paraguai e do Uruguai, nas quais o mexilhão já se ins-talou, têm características similares.

OáSIS . aMbiEntE

Mexilhões dourados se instalam até sobre a carapaça de espécies nativas, matando-as

Grade de filtragem de estação de tratamento de águas, literalmente tomada por colônias de mexilhões dourados

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O CAPITAL NO SÉCULO 21As novas ideias do economista Thomas Piketty

ECO

NO

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economista francês Thomas Pi-ketty causou sensação no início de 2014, através de seu livro com uma fórmula simples e brutal para explicar a desigualdade eco-nômica: r > g (o que significa que o retorno sobre o capital é geral-mente maior do que o crescimen-to econômico). Aqui, ele fala com

O

a economia global estará se acelerando em direção a um futuro que se mostra incompatível com a democracia? nesta palestra provocadora e instigante, o economista francês thomas piketty oferece um novo contexto para uma melhor compreensão de seu livro “o capital no século 21”, bestseller em 2014

vídEo: tEd – idEas worth sPrEadiNGtradução: aNdrEa MussaPrEvisão: Mário curiki

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base em um conjunto de dados em massa que o levou a concluir que a desigualdade econômica não é nova, mas está ficando pior, com possíveis impactos radicais.

Thomas Piketty é economista e professor na Escola de Economia de Paris. Seu li-vro “O capital no século 21”, publicado no início deste ano, teve enorme sucesso em todo o mundo.

o EcoNoMista FraNcês thoMas PikEtty

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Vídeo da palestra integral da conferência de Thomas Piketty

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Tradução integral da conferência de Thomas Piketty

É muito bom estar aqui hoje.

Eu tenho trabalhado na história da distribuição de renda e riqueza nos últimos 15 anos, e uma das lições interessantes que vem dessa evidên-cia histórica de fato é que, no longo prazo, há uma tendência de que a taxa de retorno do capital exceda a taxa de crescimento da economia, e isso tende a levar a uma alta concentração da riqueza. Não uma con-centração infinita, mas quanto maior a diferença entre r e g, maior o nível de desigualdade de riqueza para onde a sociedade tende a conver-gir.

Portanto, esta é uma força fundamental de que falarei hoje, mas dei-xem-me dizer logo que esta não é a única força importante na dinâ-mica da distribuição de renda e riqueza, e há muitas outras forças que desempenham um papel importante na dinâmica de longo prazo da distribuição de renda e riqueza.Também há muitos dados que ainda precisam ser coletados. Hoje sabemos um pouco mais do que sabí-amos, mas ainda é muito pouco, e certamente há muitos processos diferentes - econômicos, sociais, políticos - que precisam ser mais es-tudados. Então eu vou focar nesta força simples, mas não significa que outras forças importantes não existam.

A maioria dos dados que apresentarei vem dessa base de dados dispo-nível online: a Base de Dados das Maiores Rendas. Esta é a maior base histórica existente sobre a desigualdade, e ela vem do esforço de mais de 30 estudiosos de várias dezenas de países. Deixem-me mostrar-lhes alguns fatos desse banco de dados, e depois retornaremos ao r maior do que g.

O fato número um é que tem havido uma grande inversão na ordem da desigualdade de renda entre os Estados Unidos e a Europa ao longo do século passado. Em 1900, 1910, a desigualdade de renda era real-mente bem maior na Europa do que nos Estados Unidos, enquanto

hoje, é muito maior nos Estados Unidos. Então, deixe-me ser muito claro: A principal explicação para isso não é r maior do que g. Tem mais a ver com a mudança de oferta e demanda por competências, a corrida entre a educação e tecnologia, globali-zação, provavelmente um acesso mais desigual ao aprendizado nos EUA, onde você tem ótimas universidades mas onde a base do sistema de ensino não é tão boa, uma grande desigualdade no acesso às competências e também um aumento sem prece-dentes do salário de gerentes nos Estados Unidos, que é difícil de explicar apenas com base na educação. Tem mais coisa acon-tecendo aqui, mas não falarei muito sobre isso hoje porque que-ro focar a desigualdade de riqueza.

Deixem-me mostrar-lhes um indicador muito simples sobre a parte da desigualdade de renda. Esta é a parte do rendimento total indo para os 10% no topo. Vocês podem ver que um sé

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thomas Piketty e seu bestseller o capital no século 21, edição em inglês

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Tradução integral da conferência de Thomas Piketty

culo atrás estava entre 45 e 50% na Europa e um pouco acima de 40% nos EUA, então havia mais desigualdade na Europa. Então houve uma queda acentuada durante a primeira metade do século 20, e na última década, vocês podem ver que nos EUA ficou mais desigual do que a Europa, e este é o primeiro fato que acabo de falar. O segundo é mais sobre a desigualdade de riqueza, e aqui o fato central é que a desigual-dade de riqueza é sempre muito maior do que a desigualdade de renda, e também que a desigualdade de riqueza, embora também tenha au-mentado nas últimas décadas, ainda é menos radical hoje do que era há um século, embora a quantidade total de riqueza em relação à renda se recuperou dos grandes choques da Primeira Guerra Mundial, da Gran-de Depressão, da Segunda Guerra Mundial.

Então, deixem-me mostrar-lhes dois gráficos que ilustram os fatos nú-mero dois e três. Primeiro, se olharem o nível de desigualdade de rique-za, esta é a parcela da riqueza total indo para os 10% maiores detentores

da riqueza, dá para ver o mesmo tipo de inversão entre os EUA e a Europa, que tínhamos antes de desigualdade de renda. A concentração de riqueza era maior na Europa do que nos EUA há um século, e agora é o oposto. Mas também dá para ver duas coisas: Primeiro, o nível geral de desigualdade de riqueza é sem-pre maior que a desigualdade de renda. Então lembrem-se, para a desigualdade de renda, a parcela que ia para os 10% no topo era entre 30 e 50% da renda total,enquanto que para a riqueza, a participação é sempre entre 60 e 90%. Esse é o fato número um, e é muito importante para o que segue. Concentração de riqueza é sempre bem maior do que concentração de renda.

Fato número dois é que o aumento da desigualdade de riqueza nas últimas décadas ainda não é suficiente para nos levar de volta a 1910. Assim, a grande diferença hoje, a desigualdade de riqueza ainda é grande, com 60, 70% da riqueza total para os 10 mais ricos, mas a boa notícia é que isso é melhor do que um século atrás, onde você tinha 90% na Europa indo para os 10 mais ricos. Então, hoje o que temos é o que eu chamo de meio 40%, pessoas que não estão dentre os 10 mais e nem entre os 50 menos ricos, e o que vocês podem ver como classe média rica, que possui de 20 a 30% da riqueza total, riqueza nacional, con-siderando que costumavam ser pobres há um século, quando basicamente não havia classe média rica. Esta é uma mudança importante e é interessante ver que a desigualdade de riqueza não se recuperou totalmente dos níveis anteriores à Primeira Guerra Mundial, embora a quantidade total de riqueza foi re-cuperada. Portanto, este é o valor total da riqueza em relação à renda, e veja que particularmente na Europa estamos quase de volta ao nível de antes da Primeira Guerra Mundial. Portanto, há realmente duas partes diferentes da história aqui. Uma tem a ver com a quantidade total de riquezas que acumulamos, e não há nada de mau com isso, em acumular muita riqueza e particu

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larmente, se é mais difusa e menos concentrada. O que nós realmente queremos focar é na evolução da desigualdade de riqueza, e o que vai acontecer no futuro. Como podemos explicar o fato de que até a Pri-meira Guerra Mundial, a desigualdade de riqueza era tão alta e, se algo estava subindo a níveis tão elevados, como podemos pensar no futuro?Deixem-me trazer algumas das explicações e especulações sobre o futuro. Primeiro deixem-me dizer que acho que o melhor modelo para explicar por que a riqueza é muito mais concentrada do que a renda é um modelo dinâmico, dinástico onde os indivíduos têm um longo horizonte e acumulam riqueza por várias razões. Se as pessoas estives-sem acumulando riqueza apenas por razões de ciclo de vida, sabe, para poderem usufruir quando estivessem velhas, o nível de desigualdade de riqueza estaria mais ou menos alinhado com o nível de desigualda-de de renda. Mas será muito difícil de explicar porque se tem bem mais desigualdade de riqueza do que desigualdade de renda pelo modelo de ciclo de vida então você precisa de uma história onde as pessoas tam-bém se preocupam em acumular riqueza por outros motivos. Normal-mente, eles querem passar a riqueza para a próxima geração, para seus filhos, ou às vezes querem acumular riqueza por causa do prestígio, do poder que vem com a ela. Deve haver outras razões para o acúmulo, além do ciclo de vida, para explicar o que vemos nos dados. Em uma grande classe de modelos dinâmicos de acúmulo de riqueza com tal motivo dinástico para a acumulação de riqueza, teremos todos os tipos de choques aleatórios e multiplicativos. Por exemplo, algumas famílias têm muitos filhos, de modo que a riqueza será dividida. Algumas famí-lias têm menos filhos. Também há choques de taxas de retorno. Certas famílias têm grandes ganhos de capital. Algumas fizeram inves-timentos ruins. Assim, sempre haverá alguma mobilidade no processo de riqueza. Algumas pessoas subirão, outras descerão. O ponto im-portante é que em tal modelo, para uma determinada variação de tais choques, o equilíbrio da desigualdade de riqueza será uma função ver-tiginosamente crescente de r menos g. E intuitivamente, a razão pela qual a diferença entre a taxa de retorno da riqueza e a taxa crescimento

é importante, é que as desigualdades de riqueza iniciais serão ampliadas em um ritmo mais rápido com um maior r menos g. Tome um exemplo simples, com r igual a 5% e g igual a 1%, os donos de riqueza só precisam reinvestir um quinto do seu rendi-mento de capital para garantir que a sua riqueza suba tão rápido quanto o tamanho da economia. Isso torna mais fácil construir e manter grandes fortunas porque você pode consumir quatro quintos, assumindo imposto zero e você pode reinvestir um quinto. É claro que algumas famílias consumirão mais que isso, outras menos, por isso haverá alguma mobilidade na distribui-ção, mas em média, eles só precisam reinvestir um quinto, e isso sustenta a alta desigualdade de riqueza.

Vocês não devem se surpreender com a afirmação de que r pode ser maior do que g para sempre, pois foi isso o que aconteceu na maior parte da história da humanidade. E isso foi muito evi-dente para todos pelo fato de que o crescimento estava perto de 0% na maior parte da história humana. O crescimento era talvez 0,1; 0,2; 0,3%, mas o crescimento da população e da produção

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per capita era lento, enquanto a taxa de retorno do capital é claro, não era 0%. Era para bens de terra, que eram a forma tradicional de ativos nas sociedades pré-industriais, era tipicamente 5%. Qualquer leitor de Jane Austen sabe disso. Se você quiser uma renda anual de mil libras, você deve ter um valor de capital de 20 mil libras, de modo que 5% de 20 mil é mil. E de certa forma, este era o próprio fundamento da socie-dade, porque r maior do que g foi o que permitiu detentores de riqueza e de ativos viverem as custas de seus rendimentos de capital e fazerem outra coisa na vida além de apenas se preocuparem com a sobrevivên-cia.

Agora, uma conclusão importante da minha pesquisa histórica é que o crescimento industrial moderno não alterou este fato básico, tanto quanto se poderia esperar. É claro que a taxa de crescimento após a Re-volução Industrial aumentou, tipicamente entre zero e 1 a 2%, mas ao mesmo tempo, a taxa de retorno do capital também cresceu de modo

que a diferença entre os dois realmente não mudou.Durante o século 20 houve uma combinação única de eventos. Primeiro, uma taxa de retorno muito baixa devido aos choques das guer-ras de 1914 e 1945, destruição da riqueza, inflação, falência du-rante a Grande Depressão, e tudo isso reduziu a taxa de retorno privada de riqueza para níveis anormalmente baixos entre 1914 e 1945. E depois, no período pós-guerra, houve um elevada taxa de crescimento incomum em parte devido à reconstrução. Na Alemanha, França, Japão, a taxa de crescimento era de 5% entre 1950 e 1980 largamente devido à reconstrução, e também ao grande crescimento demográfico, o efeito do grupo Baby Boom.

Aparentemente, isso não vai durar por muito tempo, ao menos o crescimento populacional deve diminuir no futuro, e as me-lhores projeções que temos é que o crescimento a longo prazo será próximo a 1 ou 2% em vez de 4 ou 5%. Então, se você for ver, estas são as melhores estimativas que temos de crescimento do PIB mundial e da taxa de retorno de capital, taxas médias de retorno sobre o capital, dá para ver na maior parte da história da humanidade, que a taxa de crescimento era baixa, bem menor do que a taxa de retorno, e então, durante o século 20, dá-se o real crescimento da população, muito elevado no período pós--guerra e o processo de reconstrução que trouxe crescimento a uma lacuna menor com a taxa de retorno.

Aqui eu uso as projeções de população das Nações Unidas, en-tão é claro que eles são incertos. Talvez no futuro, todos nós começaremos a ter um monte de filhos, e as taxas de crescimen-to serão maiores, mas por enquanto essas são as melhores pro-jeções que temos, e isso fará o crescimento global cair e a lacuna entre a taxa de retorno subir.

Outro evento incomum durante o século 20 foi, como eu disse, a

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Tradução integral da conferência de Thomas Piketty

destruição, a tributação do capital, então essa é a taxa de retorno pré--impostos. Essa é a taxa de retorno pós-impostos, e pós destruição, e isto é o que deixou a taxa média de retorno pós impostos, pós destrui-ção, abaixo da taxa de crescimento por um longo tempo. Mas sem a destruição, sem a tributação, isso não teria acontecido.Então deixem--me dizer que o equilíbrio entre o retorno sobre o capital e o cresci-mento depende de muitos fatores diferentes que são muito difíceis de prever: tecnologia e desenvolvimento de técnicas de capital intensivo. Neste momento, a maioria dos setores de capital intensivo na econo-mia são o imobiliário, habitação, o setor de energia, mas poderia ser num futuro em que temos muito mais robôs em vários setores e esta seria uma fatia maior do total do capital social que é hoje. Bem, esta-mos muito longe disso e no momento, o que está acontecendo no setor imobiliário, no de energia, é mais importante para o capital social e o capital de ações.

A outra questão importante são os efeitos de escala na gestão de cartei-ras em conjunto com a complexidade e desregulamentação financeira, que facilitam obter maiores taxas de retorno de um portfólio grande, e isso parece ser particularmente forte para bilionários, com grandes capitais. Só para dar um exemplo, este é dos rankings dos bilionários da Forbes entre 1987-2013, e dá para ver que os maiores detentores de riqueza foram subindo em seis, sete por cento ao ano em termos reais, acima da inflação, ao passo que a renda média no mundo, a riqueza média no mundo, só aumentou 2% ao ano. E vocês veem o mesmo nas grandes universidades quanto maior sua posse inicial maior a taxa de retorno.

O que poderia ser feito? Primeiro, eu acho que nós precisamos de mais transparência financeira.Sabemos muito pouco sobre a dinâmica de riqueza global, então precisamos de cessão internacional das informa-ções bancárias. Precisamos de um registro global de ativos financeiros, maior coordenação na tributação de riqueza, e até mesmo tarifar a for-

tuna com uma pequena taxa será uma forma de produzir infor-mação para então, adaptarmos nossas políticas para o que quer que observemos. E, até certo ponto, a luta contra os paraísos fiscais e a cessão automática de informações nos empurra nessa direção. Há outras formas de redistribuir a riqueza, que pode ser tentador usar. Inflação: é mais fácil imprimir dinheiro a escrever um código tributário, é tentador, mas você pode não saber o que fazer com o dinheiro. Isso é um problema. Expropriação é muito tentador. Se algumas pessoas ficaram muito ricas você as expro-pria. Esse não é um modo muito eficiente de organizar a regula-ção da dinâmica de riqueza.A guerra é uma forma ainda menos eficiente, por isso eu prefiro a tributação progressiva, mas é cla-ro, a história - (Risos) - inventará suas melhores formas, e pro-vavelmente envolverá uma combinação de todos estes.Obrigado.

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Tradução integral da conferência de Thomas Piketty

Thomas Piketty: Obrigado.

Bruno Giussani: Thomas, quero te fazer umas perguntas, porque é impressionante como você domina seus dados, é claro, mas, basica-mente, o que você sugere é que o crescente acúmulo de riqueza é uma tendência natural do capitalismo, e se deixarmos isso à própria sorte pode ameaçar o sistema em si. Então você diz que precisamos agir para implementar políticas de redistribuição de riqueza, incluindo as que acabamos de ver: tributação progressiva, etc. No contexto político atual, quão realista isso é? Qual você acha que é a probabilidade de elas serem implementadas?

Thomas Piketty: Eu acho, se você olhar para o passado, a história da renda, riqueza e tributação é cheia de surpresas. Então, eu não estou terrivelmente impressionado com quem sabe com antecedência o que vai ou não acontecer. Eu acho que há um século, muitas pessoas di-

riam que a tributação progressiva nunca aconteceria e então aconteceu. E mesmo há cinco anos, muitos diriam que o sigilo bancário estaria conosco para sempre, na Suíça, que a Suíça era muito poderosa para o resto do mundo, e então, de repente, bastou algumas sanções dos EUA contra os bancos suíços para que a mudança acontecesse, e estamos indo em direção a uma maior transparência financeira. Então eu acho que não é tão difícil coordenar melhor politicamente. Nós teremos um acordo com a metade do PIB mundial ao redor da mesa, com os EUA e a União Europeia, se metade do PIB mundial não é suficien-te para fazer progressos na transparência financeira e na taxa mínima sobre os lucros de empresas multinacionais, o que será preciso? Eu acho que essas não são dificuldades técnicas. Acho que podemos progredir se tivermos uma abordagem mais prag-mática a essas perguntas e se tivermos as sanções adequadas sobre os que se beneficiam da opacidade financeira.

BG: Um dos argumentos contra o seu ponto de vista é que a desigualdade econômica não é apenas uma característica do capitalismo, mas um de seus motores. Então, tomamos medi-das para reduzir a desigualdade e também reduzimos potencial-mente o crescimento. O que você responde a isso?

TP: Sim, eu acho que a desigualdade não é um problema por si só. Eu acho que a desigualdade até certo ponto pode ser real-mente útil à inovação e o crescimento. O problema é que é uma questão de grau. Quando a desigualdade fica muito extrema, ela se torna inútil ao crescimento e pode até virar algo ruim pois tende a levar a uma alta perpetuação da desigualdade ao longo do tempo e à baixa mobilidade. E, por exemplo, o tipo de con-centração de riqueza que tivemos no século 19 e praticamente até a Primeira Guerra Mundial em todos os países europeus foi, penso eu, inútil ao crescimento. Ela foi destruída por uma

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Tradução integral da conferência de Thomas Piketty

combinação de acontecimentos trágicos e mudanças políticas, e isso não impediu o crescimento de acontecer. E também, a extrema desi-gualdade pode ser ruim para as nossas instituições democráticas se cria um acesso muito desigual à voz política, e a influência do dinheiro privado na política dos EUA, eu acho, é um motivo de preocupação no momento. Por isso, não queremos voltar a esse tipo de extremo, à desi-gualdade anterior à Primeira Guerra Mundial. Ter uma parte decente da riqueza nacional para a classe média não é ruim para o crescimento. Na verdade, é útil tanto por equidade quanto eficiência.

BG: Eu disse no início que seu livro foi criticado. Seus dados foram cri-ticados. Algumas de suas escolhas de dados foram criticadas. Você foi acusado de escolher certos dados para construir seu estudo. O que você responde a isso?

TP: Bem, eu estou muito feliz por este livro estimular o debate. Isso é parte de seu objetivo. A razão pela qual eu coloquei todos os dados online com todo o cálculo detalhado é para que possamos ter um deba-te aberto e transparente sobre isso. Eu respondi ponto a ponto a cada preocupação. Deixe-me dizer que se eu fosse reescrever o livro hoje, eu realmente concluiria que o aumento da desigualdade de riqueza, particularmente nos Estados Unidos, é de fato maior do que eu relato no livro. Há um estudo recente do Saez e do Zucman mostrando, com os novos dados que eu não tinha na época do livro, que a concentração de riqueza nos EUA aumentou ainda mais do que eu relato. E haverá outros dados no futuro. Alguns irão em direções diferentes. Quase toda semana nós disponibilizamos on-line dados atuais na Base de Dados das Maiores Rendas Mundiais, e continuaremos fazendo isso no futu-ro, em particular nos países emergentes, e dou boas-vindas a todos que queiram contribuir com esse processo de coleta de dados. Na verdade, eu certamente concordo que não há transparência suficiente sobre a dinâmica de riqueza, e uma boa forma de ter dados melhores seria tributar a riqueza primeiro com uma taxa pequena, de modo que todos

possamos concordar sobre esta importante evolução e adaptar nossas políticas ao que quer que observemos. A tributação é uma fonte de conhecimento, isso é o que mais precisamos ago-ra.

Thomas Piketty: Merci beaucoup.

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